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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA NÚCLEO DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS. LUANA LIMA GUSMÃO ZENAIDE A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL JOÃO PESSOA – PB 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

NÚCLEO DE CIDADANIA E DIREITOS HUMANOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS,

CIDADANIA E POLÍTICAS PÚBLICAS.

LUANA LIMA GUSMÃO ZENAIDE

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E A EFETIVAÇÃO DOS

DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

JOÃO PESSOA – PB 2015

1

LUANA LIMA GUSMÃO ZENAIDE

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E A EFETIVAÇÃO DOS

DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da Universidade Federal da Paraíba, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas.

Linha de Pesquisa: Direitos Humanos e Democracia: Teoria, História e Política.

Orientador: Prof. Dr. Giuseppe Tosi.

JOÃO PESSOA - PB 2015

2

LUANA LIMA GUSMÃO ZENAIDE

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E A EFETIVAÇÃO DOS

DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da Universidade Federal da Paraíba, como requisito para obtenção do título de Mestre em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas.

Aprovada em: ____/____/____

BANCA EXAMINADORA

--------------------------------------------------------- Prof. Dr. Giuseppe Tosi – UFPB

Orientador

--------------------------------------------------------- Prof. Dr. Gustavo Barbosa de Mesquita Batista – UFPB

Membro interno

--------------------------------------------------------- Profª. Drª. – Célia Maria Rodrigues da Costa Pereira – UFPE

Membro externo

JOÃO PESSOA – PB 2015

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por toda proteção, amor e cuidado de Pai. Principalmente, por todo conforto espiritual e, por estar sempre renovando as minhas forças em cada momento de minha vida.

À minha mãe, Cleonice das Neves Lima, por os todos esforços em meu favor,

principalmente, pela formação dos meus princípios enquanto ser humano. Ao meu pai, Wamberto Tadeu Gusmão Zenaide, pelos investimentos nos meus

estudos. Aos meus poucos e verdadeiros amigos, por todos os momentos de cumplicidade,

mesmo quando distantes e, pela troca de aprendizagem na vida. Ao meu orientador, prof. Doutor Giuseppe Tosi, pelas horas de ensinamentos

dedicadas. Por toda atenção, dedicação e paciência em ler o texto da minha dissertação e me direcionar ao caminho correto me ajudando a construir este trabalho.

Uma dissertação de mestrado, que para mim, antes de um status acadêmico o qual

almejo é, primeiramente, uma realização pessoal na minha vida enquanto profissional do direito e observadora do nosso contexto social.

Antes de tudo, por acreditar, de fato, num Brasil mais democrático, com mais

igualdades de direitos e de justiça social. Nessa oportunidade, agradeço também, a todos os professores que já passaram por minha jornada acadêmica, e, de alguma forma, acrescentaram conhecimentos que levarei por toda vida.

Agradeço, igualmente, ao prof. Dr. Gustavo Barbosa de Mesquita Batista, por ter

aceitado o convite para fazer parte da banca de defesa da dissertação, após suas contribuições valiosas na defesa de qualificação da minha dissertação, já que participou, também, como membro interno.

E, ainda, agradeço a prof.ª. Drª. Célia Maria Rodrigues da Costa Pereira, por

gentilmente ter aceitado se deslocar da Universidade Federal de Pernambuco, e vir até a Universidade Federal da Paraíba, para participar da minha defesa de dissertação, como participante externo.

Tenho certeza que suas contribuições serão repletas de conhecimentos enriquecedores

para minha formação enquanto iniciante no estudo da democracia e dos direitos humanos.

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“Democracia? É dar a todos o mesmo ponto de partida.

Quanto ao ponto de chegada, isso depende de cada um”.

Mário Quintana

5

RESUMO

Trata-se de uma pesquisa documental e bibliográfica, que tem como intuito estudar a contribuição da democracia participativa para a efetivação dos direitos humanos no Brasil. Após uma análise histórico-conceitual da distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais e uma discussão sobre a relevância do constitucionalismo no processo de transição democrática brasileira, são apresentadas as principais formas de democracia: a representativa, a participativa e a elitista. Em seguida, se investigam os instrumentos de democracia participativa existentes no Brasil dentro dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Os instrumentos de participação popular analisados, nos seus aspetos positivos e negativos, são os seguintes: Consulta prévia, audiências públicas, iniciativa popular, plebiscito e referendo (Poder Legislativo); Conselhos de gestão, direito de petição, Ouvidor (ombudsman) (Poder Executivo); Ação popular; representação ao Ministério Público, ação civil pública (Poder Judiciário). Procura-se identificar as contribuições desses instrumentos de participação popular para a efetivação dos direitos humanos no Brasil, após a Constituição de 1988. A conclusão a que se chegou foi que a democracia participativa brasileira possui algumas limitações, que dificultam a proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos. Apesar disso, no entanto, ela continua sendo um dos caminhos mais promissores e indispensáveis para a efetivação dos direitos humanos e a consolidação do Estado Democrático de Direito no nosso País. Palavras Chave: Democracia participativa. Direitos humanos. Constitucionalismo. Sociedade civil.

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ABSTRACT It is a documental and bibliographic research, which has the intention to study the contribution of participatory democracy for the realization of human rights in Brazil. After a historical and conceptual analysis of the distinction between human rights and fundamental rights and a discussion of the relevance of constitutionalism in the Brazilian democratic transition, the main forms of democracy are presented: representative, participatory and elitist. It’s also investigates the existing instruments of participatory democracy in Brazil within the three branches: executive, legislative and judicial. The popular participation instruments analyzed in its positive and negative aspects are the following: Prior consultation, public hearings, popular initiative, plebiscite and referendum (legislative branch); Management boards, right of petition, ombudsman (executive branch); Class action; representation to the prosecution, public civil action (Judiciary). It seeks to identify the contributions of these instruments of popular participation to the realization of human rights in Brazil after the Constitution of 1988. The conclusion of the research is that the Brazilian participatory democracy has some limitations that make it difficult to protect the fundamental rights of citizens. Despite this, however, it remains one of the most promising and indispensable ways to the realization of human rights and the consolidation of the Rule of Law in our country. Key words: participatory democracy; human rights; constitutionalism; civil society.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9

CAPÍTULO 1: DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAI S NA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA BRASILEIRA ..................................................14 1.1 Ponderações sobre o Histórico dos Direitos Humanos....................................14

1.2 Diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais.........................18

1.3 Constitucionalismo e Direitos Humanos no Brasil..........................................30

1.4 Dos Direitos Políticos..........................................................................................32

1.5 Dos Direitos Sociais...........................................................................................32

1.6 O Princípio da Proibição de Retrocesso Social...............................................36

CAPÍTULO 2: DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS ...............................40

2.1 Três Conceitos de Democracia..........................................................................40

2.2 Democracia e Direitos Humanos.......................................................................43

2.3 Os três poderes e os direitos humanos no Brasil.............................................48

CAPÍTULO 3: OS MECANISMOS DE DEMOCRACIA PARTICIPATI VA NO BRASIL: ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS NA EFETIV AÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ............................................................................................................56 3.1 Instrumentos de Democracia Participativa no Poder Legislativo.................57

3.1.1 Consultas .........................................................................................................57

3.1.2 Iniciativa popular..............................................................................................62

3.1.3 Audiências públicas..........................................................................................64

3.2 Instrumentos de Democracia Participativa no Poder Executivo..................67

3.2.1 Conselhos de gestão de políticas públicas........................................................67

3.2.2 Direito de petição.............................................................................................71

3.2.3 Ouvidoria ........................................................................................................73

3.2.4 Orçamento participativo...................................................................................79

3.3 Instrumentos de Democracia Participativa no Poder Judiciário e no MP....87

3.3.1 Ação popular.....................................................................................................87

3.3.2 Representação ao Ministério Público e a Ação Civil Pública..........................89

3.3.3 Instrumentos democráticos no Poder Judiciário em sentido amplo..............90

8

3.3.3.1 Amicus curiae.........................................................................................91

3.3.3.2 Tribunal do Júri......................................................................................92

CAPÍTULO 4: AS POLÍTICAS PÚBLICAS DO PNDH-3 E A EFE TIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE..................................95 4.1 As Políticas Públicas e o PNDH-3 na Efetivação dos Direitos

Humanos.............................................................................................................96

4.2 Os Conselhos de Direitos..................................................................................105

4.3 O Conselho Nacional da Criança e do Adolescente e sua Intregação com

Políticas Públicas em Direitos Humanos.......................................................105

4.4 Análise de um estudo sobre uma política social de atendimento à criança e ao adolescente em situação de rua no Rio de Janeiro........................................109

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................118

REFERÊNCIAS...................................................................................................126

9

INTRODUÇÃO

O processo de democratização do Brasil teve início após um longo período de

ditadura, a qual durou vinte e um anos, já que iniciou em 1964 e foi até 1985. Durante a

ditadura e, sobretudo durante os anos 80, se iniciou uma luta pela redemocratização do país.

Desse movimento resultou a nossa atual Carta Magna, a qual é conhecida como Constituição

Cidadã, por ter sido considerada bastante avançada para a época.

A Constituição Federal de 1988 teve como principais características inovadoras a

ampliação significativa do rol de direitos fundamentais e a regra que dispõe sobre a

aplicabilidade imediata desses direitos fundamentais.

Apesar disso, mesmo com o constitucionalismo, ou seja, com a inserção de direitos

fundamentais no corpo da Constituição, a efetividade dos direitos humanos ainda continua

sendo um grande desafio para todos aqueles que se dedicam à melhoria das políticas públicas

do nosso Estado.

Consideramos, portanto, necessário defender a hipótese desta pesquisa, a qual se

refere ao fato de que a democratização do nosso país, principalmente o desenvolvimento da

democracia participativa, através dos instrumentos de participação popular, pode possibilitar

uma maior efetividade dos direitos humanos.

Dessa forma, defendemos ao longo da dissertação, que a problemática da efetivação

dos direitos humanos é muito mais política do que jurídica ou filosófica. A partir desta ideia,

fizemos um estudo sobre os meios democráticos de participação popular, os quais estão

presentes nos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

No primeiro capítulo, tratamos do contexto histórico de formação dos direitos

humanos, tendo como referência, sobretudo, o período da redemocratização do Brasil até os

dias atuais, que coincidiu com a constitucionalização de direitos fundamentais, o que

implicou em uma positivação dos direitos humanos.

Nesse contexto histórico-conceitual, definimos o que são os direitos humanos e os

distinguimos dos direitos fundamentais.

Em síntese, podemos dizer que os direitos fundamentais são direitos essenciais dos

seres humanos, inerente à própria condição da dignidade da pessoa humana e previstos na

Constituição Federal.

Já os direitos humanos são aqueles direitos inerentes à dignidade humana, presentes

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nas declarações universais, aos quais, todo ser humano pode invocar, mesmo que não sejam

reconhecidos pelo sistema jurídico do Estado em que vive.

No segundo capítulo, exploramos uma análise da relação existente entre a democracia

e os direitos humanos. Ressaltamos o conceito de democracia a partir das concepções

adotadas por Bobbio, o qual divide em três grandes formas a democracia: democracia direta,

democracia representativa e democracia como competição entre elites.

Com relação à democracia direta moderna, esta pode ser dividida entre plebiscitária e

participativa. A democracia plebiscitária é uma concepção de democracia direta que se

coloca de maneira oposta ou alternativa à democracia representativa. A democracia

participativa é aquela na qual há participação popular na vida política do Estado, que é

exercida através dos instrumentos democráticos, alguns deles previstos na atual Constituição

brasileira, não em alternativa, mas de forma complementar à democracia representativa.

Ainda no segundo capítulo, tratamos da relação indissociável entre democracia e

direitos humanos, a qual é o resultado da cidadania que constitui os elementos essenciais no

ato de exercer direitos e também de cumprir deveres. Dentro desses direitos está o de

participar da vida política do país, por meio dos mecanismos democráticos.

Sendo assim, no terceiro capítulo, mencionamos e analisamos os instrumentos de

participação popular, nos referindo a cada um dos mecanismos de democracia, no Poder

Executivo, Legislativo e Judiciário. Com a análise destes instrumentos de democracia

participativa, é possível notar que cada um deles possuem vantagens e limitações para a

proteção dos direitos humanos e para o desenvolvimento da democracia brasileira.

Em síntese, estes instrumentos estão divididos por esferas dos três poderes por terem

finalidades semelhantes na contribuição do progresso dos direitos humanos e do

fortalecimento da democracia brasileira.

No Poder Legislativo (Consulta prévia; audiências públicas; iniciativa popular;

plebiscito e referendo), os instrumentos de participação popular existentes representam uma

maneira de consultar a sociedade civil sobre decisões relevantes, as quais terão impacto sobre

os aspectos sociais e econômicos do país.

Por isso, a própria CF/88 elencou a maioria deles, dando aos cidadãos a possibilidade

de decidir sobre os principais acontecimentos que podem ser determinantes para o futuro do

Brasil.

Já no Poder Executivo (Conselhos de gestão; direito de petição; Ouvidor

(ombudsman); orçamento participativo), é onde mais há uma intervenção direta da sociedade

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civil, na medida em que os mecanismos democráticos podem interagir mais com a esfera do

executivo.

Dado que a maioria das políticas públicas são controladas e implantadas pelo poder

executivo, a participação do povo aqui acontece de forma completamente direta e por uma

atividade voluntária nos serviços públicos criados por diversos Conselhos para o

desenvolvimento democrático e o amparo de políticas sociais em direitos humanos.

O Poder Judiciário (Ação popular; representação ao Ministério Público; ação civil

pública), por sua vez, com os instrumentos de participação popular, que dizem respeito a esta

esfera, tem uma finalidade de fazer com que os serviços públicos oferecidos pelo Estado, por

intermédio de políticas sociais, sejam protegidos por meio das funções exercidas pelos

órgãos públicos do Judiciário, como é o caso do Ministério Público e da ação judicial

(decisão de juiz) para evitar que ocorra dano ou fraude ao patrimônio público.

Os instrumentos de democracia participativa não são menos importantes; muito pelo

contrário, constituem-se em meios de acionar o judiciário para corrigir falhas tanto

representativa como até mesmo na execução de políticas públicas, ou seja, da própria

democracia participativa.

Sendo assim, cada um destes mecanismos de participação popular deve agir com

respeito às limitações das suas competências de funções, a fim de que cada qual consiga

realizar bem a sua incumbência de contribuir para o progresso do Estado e para salvaguardar

os direitos estabelecidos na Constituição Federal.

Ao conseguir isto, estaremos normalmente diante do cumprimento das atividades

necessárias para o desenvolvimento da democracia participativa e para o fortalecimento dos

direitos humanos.

No quarto capítulo, analisamos algumas políticas públicas em direitos humanos, as

quais são instrumentos de organização em torno dos objetivos e diretrizes comuns para uma

determinada finalidade.

A exemplo disso, podemos citar o PNDH-3, o qual se refere a um programa do

Governo Federal que tem como finalidade incentivar o planejamento da execução de projetos

sociais, trazendo em sua estrutura elementos e princípios que caracterizam uma formação de

políticas públicas em direitos humanos, já que busca os meios de realizar as metas para o

desenvolvimento democrático e a efetivação dos direitos humanos.

A fim de melhor expor esta realidade de uma política pública em direitos humanos,

mencionamos o caso dos Conselhos de Direitos, e especificamos uma temática dentro das

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diversas áreas dos direitos humanos. Dessa forma, tratamos do Conselho Nacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente, o qual visa proteger direitos fundamentais do menor no

Brasil.

Nesse sentido, analisamos um estudo especializado nesta questão também do amparo

aos direitos humanos de crianças e adolescentes, por ter relação direta com os instrumentos

de política pública e o mecanismo de participação popular em defesa do menor em situação

de abandono nas ruas, avaliando um projeto social implantado pelo Conselho Municipal dos

Direitos da Criança e do Adolescente no Estado do Rio de Janeiro (CMDCA-Rio).

Para tanto, nos utilizamos de uma obra “Os processos de construção e implementação

de políticas públicas para crianças e adolescentes em situação de rua”, dos professores e

pesquisadores Caldeira e Princeswall, que descreveu um trabalho realizado no Rio de

Janeiro, principalmente voltado às crianças em situação de abandono nas ruas e aquelas

vítimas de todos os tipos de violência doméstica.

Este trabalho, além do CMDCA-Rio, teve parceria da sociedade civil, da CIEPI

(Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância) e de entidades governamentais

e não governamentais (Organizações internacionais, por exemplo).

A partir da análise deste estudo especializado de uma realidade vivenciada por

crianças e adolescentes do Rio de Janeiro, houve uma formação do GT (Grupo de Trabalho),

envolvendo membros das entidades governamentais (Secretarias vinculadas a área de

proteção ao menor no Brasil), não governamentais (entidades internacionais que auxiliam em

projetos sociais no nosso Estado), indivíduos da própria sociedade civil, inclusive, as

crianças e os adolescentes, para os quais os trabalhos estavam voltados, pois, estes também

contribuíram com depoimentos e dados sobre realidades vivenciadas nas ruas.

Assim, acreditamos que o êxito deste projeto social aconteceu pelo fato de ter

ocorrido esta integração entre Estado e sociedade civil para conseguir efetivar a política

social criada pelo CMDCA-Rio.

Citamos este artigo, que avalia um projeto social, para exemplificar que para

elaboração de políticas públicas em direitos humanos é necessário o fortalecimento da

democracia participativa.

Quando isto não acontece, ficamos estagnados em um Estado com falhas

representativas e características de democracia elitista, a qual cria uma classe política que

favorece os fenômenos das irregularidades administrativas, da corrupção, da impunidade e

impede o pleno exercício da cidadania, por se tornar prejudicial à democracia participativa

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brasileira.

A respeito da metodologia, podemos citar os seguintes aspectos:

Quanto ao tipo de pesquisa utilizada na dissertação, pode ser considerada qualitativa,

pois, nela desenvolvemos conceitos, ideias e entendimentos a partir de padrões encontrados

nas fontes ou dados que foram utilizados para construir o texto.

Quanto aos métodos empregados, utilizamos o método histórico, já que investigamos

os acontecimentos e processos para entendermos o conceito de direitos humanos nos dias

atuais. E, também, o método comparativo, pois, verificamos semelhanças e divergências

entre os processos de construção da efetividade dos direitos humanos na sociedade brasileira.

O método estruturalista, por fim, também foi utilizado, porque existiu um modelo

para analisarmos a realidade concreta de diversos fenômenos existentes dentro da relação

entre direitos humanos e democracia.

No que se refere à técnica empregada, podemos dizer que foi a da documentação, a

qual é toda forma de registro e sistematização de dados, informações, a fim de que fossem

analisados os assuntos referentes ao objeto tema da dissertação.

Quanto aos instrumentos, a pesquisa é considerada bibliográfica e documental. Nesse

sentido, os documentos analisados são fontes jurídicas: leis, tratados internacionais,

jurisprudência.

E no tocante aos procedimentos (de coletas de dados, de análise de dados), podemos

dizer que se trata de uma dissertação realizada por meio teórico, sendo de origem

bibliográfica e documental, pois, nos baseamos em livros e leis.

Logo, de acordo com todos estes fatores mencionados por meio da análise das obras

citadas nas referências bibliográficas, acreditamos na democracia participativa como um dos

meios existentes para proteção dos direitos humanos. Muito embora, não seja possível existir

um resultado absoluto e totalmente positivo seja qual for a área de estudo, e, nesse caso, não

é diferente com o que acontece com a democracia participativa, para execução de políticas

públicas de direitos fundamentais da pessoa humana.

Mesmo assim, foi possível expor, nesta dissertação, que a democracia participativa,

na grande maioria das vezes, é determinante para os resultados positivos na efetivação dos

direitos humanos.

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CAPÍTULO 1

DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS NA TRANSIÇ ÃO DEMOCRÁTICA BRASILEIRA

“Os direitos humanos, como ideia-chave político-jurídica, adquiriram relevância apenas na era

moderna. É verdade que alguns elementos históricos da ideia central na formulação desses direitos

remontam à antiguidade”. (OESTREICH, 1978, apud BIELEFELDT, 2000,

p. 37).

Os direitos humanos modernos e contemporâneos se inserem na tradição do direito

natural. Seu fundamento maior é o da dignidade humana: todo ser humano é detentor de

dignidade e tem direitos inerentes a esta, de tal modo que, determinados direitos são inatos ao

ser humano, pois são baseados no mínimo de proteção possível que devemos ter para que a

humanidade consiga conviver dentro do que podemos chamar de civilização.

Fábio Konder Comparato define a expressão direitos humanos como “algo que é

inerente à própria condição humana, sem ligação com particularidades determinadas de

indivíduos ou grupos” (COMPARATO, 2004, p. 57). Ou seja, direitos humanos são aqueles

que visam proteger direitos universais que estão arraigados à própria condição humana,

devendo cada indivíduo ter protegida sua dignidade, que é o principal elemento

caracterizador do homem enquanto ser social.

1.1 Ponderações sobre o Histórico dos Direitos Humanos

A preocupação com os direitos básicos dos indivíduos há muito esteve presente nos

pensamentos dos filósofos e legisladores.

Para Comparato (2004), as primeiras preocupações com direitos reservados à pessoa

humana surgem numa determinada época, a qual ele denomina de “período axial”. Para ele,

foi com a contribuição de alguns dos grandes pensadores de diferentes culturas e religiões

que foram propagadas determinadas ideias as quais postularam uma igualdade entre o ser

humano, sendo denominada pelo autor de “igualdade essencial entre os indivíduos”.

Na concepção desse doutrinador, a real compreensão do valor da dignidade humana

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aparece só a partir do sentimento de horror diante das atrocidades geradas pela violência

presente na história da humanidade, o que ele defende a partir do seguinte pensamento:

Pois bem, a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso da História, tem sido em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados, à vista da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos; e o remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos (COMPARATO, 2004, p.37).

No entanto, Bielefeldt (2000, p. 101), com base no pensamento de Kant, afirma que

“de nada adianta a procura por uma certidão histórica do surgimento da constituição

jurídica”. Ele ainda afirma, através da teoria kantiana, que “o respeito imposto ao Direito [...]

não pode sustentar-se em figuras históricas e seus feitos, pois a história humana, como todas

as ações humanas, sempre está permeada de contradições” (BIELEFELDT, 2000, p. 101).

Segundo sua concepção, essa ideia também vale para a história dos direitos humanos,

pois, os documentos servem apenas como referências históricas, utilizando o exemplo da

Declaração de Direitos da Virgínia de 1776 e da Declaração Universal dos Direitos Humanos

de 1948, ensejando que sem esses documentos o entendimento sobre os direitos humanos

“ficaria solto e sem sentido” (BIELEFELDT, 2000, p. 102). Mais adiante esse autor

aprofunda tal pensamento, afirmando que:

[...] mesmo assim, aos documentos de fundação dos direitos humanos somente pode ser atribuído respeito crítico que, tendo em vista o universalismo desses direitos, chama a atenção para as injustiças que, em importantes declarações de direitos, são omitidas ou até justificadas.

Para ele, portanto, os documentos no processo histórico de afirmação dos direitos

humanos não devem ser vistos como verdades incontestáveis, muito pelo contrário, devem

sempre ser acompanhados por um olhar crítico, uma vez que é inegável a existência de

injustiças presentes nessas importantes Declarações de direitos.

Podemos mencionar como exemplo da contradição de tais fontes históricas, a

continuidade da escravidão mesmo em épocas nas quais já havia algumas conquistas sobre

direitos humanos, como relatados por Bielefeldt (2000, p. 102-106) ao citar Thomas

Jefferson que se afirmava “contrário à escravidão e que havia se destacado pelo seu discurso

em defesa da igualdade entre os seres humanos −, manteve durante toda sua vida uma grande

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quantidade de escravos”.

Outra flagrante contradição citada por este autor é a exclusão do direito do voto da

mulher, nas Constituições do início do liberalismo e, dos que detinham pouco poder

aquisitivo (BIELEFELDT, 2000).

Lynn Hunt enfatiza, também, em “A invenção dos direitos humanos”, essas

contradições existentes na história dos direitos humanos, a qual pode ser percebida na

passagem abaixo:

Aqueles que apoiavam os direitos do homem haviam negado a importância da tradição e da história. Precisamente porque se baseava em "abstrações metafísicas", a Declaração francesa, sustentava Burke, não tinha força emocional suficiente para impor a obediência. Como poderiam aqueles "pedaços miseráveis de papel borrado" ser comparados ao amor a Deus, ao amor reverente aos reis, ao dever com os magistrados, à reverência aos padres e à deferência para com os superiores? Os revolucionários teriam de usar a violência para se manter no poder, ele já tinha concluído em 1790. Quando os republicanos franceses executaram o rei e passaram ao Terror como um sistema reconhecido de governo, como fizeram em 1793 e 1794, o prognóstico de Burke parecia ter se concretizado. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, arquivada junto com a Constituição de 1790, não havia impedido a supressão do dissenso e a execução de todos aqueles vistos como inimigos (HUNT, 2009, p. 178-179).

Assim, diante da continuidade das injustiças e de várias contradições na história dos

direitos humanos, percebemos que, se de um lado, seu processo histórico foi permeado de

lutas, conquistas e reivindicações por igualdade e outros direitos básicos, por outro lado,

outras formas de desigualdades foram surgindo no mundo, até mesmo não sendo percebidas,

muitas vezes, por aqueles que se afirmavam favoráveis aos direitos humanos.

Trindade é outro autor que tem uma perspectiva crítica acerca do processo de

reconhecimento dos direitos humanos. Podemos perceber isto na obra “A História Social dos

Direitos Humanos”, na qual o autor expõe o seguinte pensamento:

Continuamos convivendo com a velha contradição dos tempos da primeira Revolução Industrial: nunca a ciência, a técnica e os meios produtivos dispuseram de tantas e tão concretas possibilidades para dar um fim a velhos males (fome e subnutrição, moléstias infeciosas, carência de habitação, distribuição desigual da educação etc.), mas a triunfante lógica da produção para o mercado e para o lucro privado impede que se libere o uso social dessas possibilidades extraordinárias. Socializar prejuízos, privatizar lucros – a velha fórmula voltou a impor-se com fôlego renovado nas crises econômicas que fecharam o século XX e abriram este século (TRINDADE, 2002, p. 209).

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Mais adiante, este autor conclui sua obra, afirmando o seguinte:

As relações humanas no mercado adquiriram precedência sobre todas as outras. No plano ideológico, enquanto os porta-vozes mais toscos do pensamento “único” neoliberal investem abertamente contra os direitos humanos, os arautos mais sofisticados do neoliberalismo dedicam-lhes condescendência apropriada a romantismos fora de moda. É como se tivessem concluído que se tornou mais eficiente “acatá-los” para melhor destacá-los. Contudo, se o discurso dos direitos humanos se mantiver como crítica da sociedade, somar-se a todos os outros libertadores e converter-se em práxis ativa da irresignação dos explorados, oprimidos, humilhados e excluídos, cumprirá certamente papel transformador. A voz do conformismo, não obstante sua força alienante tem limites na própria realidade que busca conservar (TRINDADE, 2002, p. 209).

Sendo assim, no que se refere à história dos direitos humanos, é possível perceber o

porquê de os direitos humanos serem considerados históricos, já que nunca se encontrarão

definitivamente consolidados ou consumados, à medida que o surgimento de novos

momentos históricos provoca alterações também no contexto econômico, social e político, de

tal modo que novas formas de repressão, discriminação e arbitrariedades irão surgindo no

mundo, e, por isso mesmo, os direitos humanos estarão sempre renovando seu processo

histórico de afirmação.

Outro aspecto importante a ser tratado se refere ao universalismo dos direitos

humanos, pois, na prática, existe uma impossibilidade de que os direitos humanos sejam

aplicados de maneira igual em todos os países. Isso acontece porque cada Estado possui

características históricas e culturais próprias que se refletem nos costumes e na legislação do

país.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos colocou na ordem do dia dos países do

mundo esta questão, mas não a resolveu; muito pelo contrário, a partir daí começaram a

surgir as grandes dificuldades para aplicação dos direitos humanos.

Os críticos da universalidade afirmam que os direitos humanos são criação do mundo

ocidental e propõem uma visão relativista e multiculturalista dos direitos humanos.

Bielefeldt (2000) em sua obra, “Filosofia dos Direitos Humanos”, porém, defende

uma postura universalista moderada, sobre essa questão dos conflitos gerados pelo pluralismo

cultural aos direitos humanos. Assim, analisando a possibilidade de relativização cultural, o

autor considera que com um mundo moderno cada vez mais globalizado, e através das

relações e influências recíprocas entre países fortemente interligados por fatores econômicos

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e políticos, torna-se possível a existência de uma normatividade de caráter tendencialmente

universal que possa regularizar estas relações estabelecidas entre países.

Nesse sentido, estamos partindo de uma tese do caráter histórico e não natural dos

direitos humanos, conforme defende Norberto Bobbio em A Era dos direitos:

[...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (BOBBIO, 2004, p. 5).

É nesta perspectiva histórica que iremos analisar um dos períodos, ao mesmo tempo,

mais trágico e mais promissor para a afirmação dos direitos humanos no Brasil: a época da

redemocratização do Estado e da sociedade brasileira, após o período ditatorial (1964 –

1985), ou seja, o período da redemocratização, que inicia na década de 80, atingindo seu auge

no ano de 1988, com o advento da Constituição Federal, a qual trouxe a constitucionalização

dos direitos fundamentais, e também os mecanismos diretos de participação popular.

Este processo de redemocratização é algo permanente, aos poucos estamos

construindo a democracia participativa no Brasil, de tal modo que podemos dizer que

estamos num processo de transição continua, e que haverá no nosso Estado mais medidas

sendo adotadas para suprir a falha do sistema representativo.

O processo de redemocratização do Brasil tem repercussão direta na efetivação dos

direitos humanos, à medida que permite mais acesso da sociedade civil de denúncias a

desrespeito a direitos essenciais por abuso de poder ou ilegalidades.

1.2 Diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais

A fim de que possamos entender melhor a necessidade do reconhecimento dos

direitos humanos, consideramos necessário analisar a diferença entre os direitos

fundamentais e os direitos humanos.

Direitos Fundamentais são os direitos básicos do indivíduo, os quais estão embasados

no princípio da dignidade da pessoa humana, e, possuem como característica o fato de

estarem previstos na Constituição.

Já os direitos humanos são aqueles direitos inerentes à dignidade humana, presentes

nas declarações universais que todo ser humano pode invocar, mesmo que não sejam

19

reconhecidos pelo sistema jurídico do Estado em que vive. Esta é, por exemplo, a definição

de dois importantes juristas.

Comparato traz essa preocupação em ressaltar a diferença entre direitos humanos e

direitos fundamentais. Podemos percebê-la por meio do seguinte trecho:

Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não. A doutrina jurídica contemporânea, de resto, como tem sido reiteradamente assinalado nesta obra, distingue os direitos humanos dos direitos fundamentais, na medida em que estes últimos são justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas (COMPARATO, 2004, p. 224, grifo nosso).

Ingo Sarlet é outro doutrinador que em sua obra traz uma distinção entre os direitos

fundamentais e direitos humanos:

Em que pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional) (SARLET, 2004, p. 35-36).

Os direitos fundamentais, assim como os direitos humanos, são frutos de todo um

processo histórico de afirmação.

Muito embora exista a teoria de que os direitos fundamentais são direitos naturais, o

que os enquadraria naqueles determinados direitos que são inatos ao ser humano, ainda assim

os direitos fundamentais não devem ser vistos como se fossem simplesmente algo decorrente

da natureza humana.

Esta é a visão da teoria jusnaturalista, a qual defende exatamente essa ideia de que os

direitos humanos e os direitos fundamentais são direitos naturais decorrentes de uma “ordem

superior universal”. Mas, há também a teoria positivista, que defende “a existência de direitos

humanos na ordem normativa [...]”. Desta forma, somente seriam direitos humanos

20

fundamentais aqueles “expressamente previstos no ordenamento jurídico positivado”

(MORAES, 2000, p. 34).

E, por fim, temos outra teoria denominada de teoria moralista ou de Perelman, que

defende a concepção de que os direitos fundamentais estão fundamentados “na própria

experiência e consciência moral de um determinado povo” (MORAES, 2000, p. 34-35).

Moraes comenta a relevância dessas três teorias (natural, moral e histórica), mas

conclui que nenhuma delas está completa no que se refere a explicar a importância dos

direitos humanos fundamentais. Na verdade, elas devem se integrar para se tornarem mais

completas, sintetizando sua análise da seguinte forma: “A incomparável importância dos

direitos fundamentais não consegue ser explicada por qualquer das teorias existentes, que se

mostram insuficientes. Na realidade, as teorias se completam, devendo coexistir [...]”

(MORAES, 2000, p. 35).

Sem nos adentrar mais profundamente no debate sobre este tema, o que é relevante

para a nossa pesquisa é que os direitos fundamentais, na medida em que são positivados, se

tornam objetivos e metas a serem perseguidas pelos três poderes, ou seja, o tema que nos

interessa é o da sua efetivação.

Como estamos tratando da efetivação dos direitos humanos por meio do

desenvolvimento da democracia participativa é necessário tratarmos sobre a utilização dos

direitos fundamentais aqui no Brasil, porque as diretrizes e políticas sociais elencadas no

Programa Nacional de Direitos Humanos têm como objetivos ampliar a democracia, por

meio da aplicação dos direitos estabelecidos no art. 5º da Constituição Federal.

Dal Bosco, em seu artigo, “Novo Conceito da Discricionariedade em Políticas

Públicas Sob um Olhar Garantista, para Assegurar Direitos Fundamentais”, ao definir os

direitos e garantias estabelecidos na nossa Constituição no rol do art.5º, explica uma tese de

Ferrajoli sobre estes direitos básicos dos indivíduos e comenta: “[...] os direitos

fundamentais, por atenderem a interesses e expectativas de todas as pessoas, formam o

fundamento e o parâmetro da igualdade jurídica, e compõem a dimensão substancial da

democracia” (FERRAJOLI, 2002, apud DAL BOSCO, 2009, p. 219).

Embora tenhamos conseguido estabelecer medidas jurídicas na CF/88 para proteger

direitos fundamentais, podemos perceber que os projetos sociais trabalham em torno,

sobretudo, da concretização de políticas públicas em direitos humanos.

Isto implica dizer que, a partir do momento no qual as diretrizes e os objetivos dos

direitos humanos são colocados em prática, os direitos essenciais elencados na Constituição

21

estão sendo respeitados e aplicados, de acordo com que o legislador da CF/88 considerou

como necessário para todo cidadão viver de maneira minimamente digna.

Desta maneira, à medida que possibilitamos maior observância prática aos direitos

fundamentais, podemos considerar que cada vez mais a cidadania (ativa e passiva) está sendo

exercida de maneira mais plena na sociedade, e, consequentemente, a democracia passa a

existir com uma percepção mais nítida de seus elementos.

Nesse sentido, o reconhecimento de direitos fundamentais passou por várias etapas de

conquistas de direitos, tanto que hoje a doutrina divide os direitos fundamentais em três

gerações ou dimensões, pois, estas caracterizam os tipos de direitos e garantias que foram

conquistadas e o contexto histórico em que se deu esse reconhecimento.

Quando se fala em gerações, refere-se a momentos históricos no processo de

evolução dos direitos fundamentais. Porém, é importante frisar, também, que, atualmente, a

doutrina tem afirmado que o termo “gerações” é de certa forma equivocado, pois, assume a

ideia de substituição, quando na verdade a evolução surge para melhorar aqueles direitos já

afirmados na geração anterior. Por isso mesmo, o termo mais adequado ser “dimensão”, e é o

que utilizaremos adiante.

A doutrina majoritária afirma que há três dimensões de direitos fundamentais,

classificando-os da seguinte forma: direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira

dimensões. Moraes, ao sublinhar o pensamento de Celso de Mello, demonstra a diferença e o

conceito de tais dimensões de direitos:

Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade (MORAES, 2000, p. 45).

Assim, a partir da análise desse pensamento de Celso de Mello trazido por Moraes e

as respectivas considerações deste último sobre o assunto, percebemos que nos direitos

fundamentais de primeira dimensão (direitos civis e políticos), os quais também são

conhecidos como direitos negativos, justamente porque nele se defendeu a liberdade da

22

pessoa humana, havendo a negação da intervenção do Estado na vida das pessoas, o princípio

defendido é o da liberdade, e denota, em relação ao contexto histórico, a época do

liberalismo.

Já os direitos fundamentais de segunda dimensão (direitos econômicos, sociais e

culturais), os quais também são conhecidos como direitos positivos, referem-se ao princípio

da igualdade.

Isso porque revelam o contexto histórico que retrata o liberalismo econômico, o qual

faz surgir uma desigualdade entre as classes sociais, a exemplo dos burgueses, camponeses e

demais camadas, obrigando o Estado a voltar a intervir na vida econômica das pessoas, para

que fosse possível existir um patamar mínimo de igualdade entre as camadas mais

favorecidas economicamente e as menos favorecidas. Ou seja, o Estado passou a ser obrigado

a investir em saúde, previdência, educação etc., já que o sistema econômico do liberalismo

fez surgir acentuadas desigualdades sociais.

E, por fim, temos os direitos fundamentais de terceira dimensão (direitos difusos

ou de todos), nestes o princípio defendido é o da fraternidade/solidariedade, e revelam o

processo histórico no qual nos encontramos atualmente, pois, defendem a afirmação de

direitos indistintamente em relação a toda humanidade.

Por exemplo, direito ao meio ambiente equilibrado, ao progresso ou

desenvolvimento, à paz, entre outros. Aqui, percebemos a ideia de proteção também a

determinados grupos ou minorias, por isso que hoje em dia ouvimos tanto falar sobre o

discurso de minorias, sejam elas de gênero, étnicas, sexuais, sociais, além de várias outras

existentes.

Ao analisarmos a importância dos direitos fundamentais, percebemos sua íntima

ligação com os direitos humanos. Por isso que, caminham juntos o processo de positivação

das garantias constitucionais e a luta pelo seu respectivo reconhecimento, bem como pela

efetivação dos direitos humanos. Todos esses direitos fundamentais têm como finalidade

principal proteger a dignidade da pessoa humana.

No caso da pesquisa em questão, a análise dos direitos fundamentais se faz necessária,

para um melhor entendimento da democracia, porque somos regidos por uma Lei Maior a

qual nos submete a um Estado Democrático de Direito, pois, assim determina o art. 1º da

Constituição Federal: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel

dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de

Direito [...]”.

23

Nesse sentido, justamente o Estado de direito se fundamenta na noção de que o poder

do Estado é limitado pela lei. O legislador constitucional, ao estabelecer no corpo da nossa

Carta Magna de 1988, direitos fundamentais, visa impor limites para o exercício do poder

estatal, para evitar abuso de poder e ilegalidades. Esta atividade é colocada em prática pelo

Poder Judiciário.

Já, no caso da expressão, “Estado Democrático” significa a maneira como o Estado

vai exercer este seu poder político soberano. Em outras palavras, este Estado Democrático se

refere a uma pessoa jurídica, ou seja, uma ficção criada juridicamente, com a finalidade de

expressar a vontade daqueles que a regem e a do povo. O Estado estabelece um ordenamento

jurídico, ao qual a sociedade está submetida. Estas leis são criadas, no caso da Lei Maior,

pelo Poder Constituinte.

No Brasil, a Carta Magna prevê mecanismos de participação direta na democracia,

como é o caso do plebiscito, referendo e iniciativa popular. Porém, a democracia do sistema

eleitoral existente no Brasil é a representativa ou indireta, como é o caso do próprio sistema

eleitoral do país, no qual escolhemos representantes políticos, a fim de que exerçam

mandatos para expressar a nossa vontade enquanto cidadãos.

A democracia representativa no Estado brasileiro, na qual a sociedade delega a

governantes o direito de representá-la, tomando decisões que melhor favoreçam o interesse

da coletividade, não é suficiente, porque precisa existir um meio de comunicação entre

Estado e sociedade civil.

É imprescindível que as necessidades da população cheguem aos representantes,

sendo a democracia participativa a responsável por esta ponte (canal de transmissão) entre a

manifestação da sociedade e a ação governamental em políticas públicas propostas pelos

nossos representantes.

Sendo assim, nesta relação dos direitos humanos e direitos fundamentais reside uma

base para a sustentação da democracia brasileira, Péricles Silva, em seu artigo, “A

democracia e os direitos fundamentais”, explica que:

Essa é a dinâmica do Estado Democrático de Direito, que por um lado agrega e busca conciliar os voláteis pensamentos e manifestações díspares, fazendo-se democrático, e por outro mantém a estabilidade do tecido social, viabilizando a constituição de um aparato estatal que proceda à garantia a autonomia e os direitos fundamentais dos cidadãos (SILVA, 2012, p. 7).

Logo, o Estado Democrático de Direito deve procurar viabilizar a democracia do país

24

através, exatamente, desses aparatos trazidos na nossa Lei Maior que são as garantias

constitucionais e os direitos fundamentais. Por isso, no próximo tópico, trataremos da relação

existente entre direitos humanos e constitucionalismo, e, também, analisaremos os direitos

sociais e os direitos políticos, pois, são os direitos fundamentais que tem uma relação mais

próxima com o assunto políticas públicas em direitos humanos, o qual será um dos pontos

centrais a ser tratado nesta dissertação no capítulo final.

1.3 Constitucionalismo e Direitos Humanos no Brasil

A partir da redemocratização do Estado brasileiro, com o advento da Constituição de

1988, a democracia e os direitos humanos passaram a caminhar juntos no processo de

afirmação de direitos básicos dos cidadãos do Estado brasileiro.

Mas, há um grande dilema, pois, o Estado Democrático de Direito vive esta tensão de

que não há ordem jurídica sem participação democrática, assim como também não há

participação democrática sem ordem jurídica.

Acreditamos que o constitucionalismo, ou seja, a positivação dos direitos humanos a

partir de direitos fundamentais encontrados na Carta Magna possibilita uma maior proteção

aos direitos humanos.

Os Conselhos de direitos, por exemplo, foram criados, para atender determinadas

exigências constitucionais e, leis específicas foram criadas para regularizarem a aplicação de

políticas públicas.

A partir da Constituição Federal de 1988, passou a existir a aplicabilidade imediata

dos direitos fundamentais, muito embora, na prática, esses direitos só sejam assegurados por

meio de reinvindicações e, muitas lutas em favor de conquistas jurídicas.

Isto permitiu que aos poucos a cidadania, tanto ativa como passiva, fosse exercida de

maneira mais independente e, a partir disso, percebemos uma evolução no processo de

democratização da sociedade brasileira. Por isso, a democracia participativa passou a ganhar

espaço dentro da vida política brasileira, e, isto fez com que os cidadãos estivessem presentes

de maneira mais perceptível dentro das instituições políticas e jurídicas.

Existem opiniões diversas a respeito da relação entre constitucionalismo e

democracia. Há quem acredite na vantagem do constitucionalismo para a efetividade dos

direitos humanos, e, para a construção de valores democráticos para o país, mas, existem

também, os que julgam o constitucionalismo conflitante com os ideais de uma sociedade

25

democrática.

Como exemplo de autores que percebem uma tensão entre constitucionalismo

contemporâneo com a democracia, podemos expor a opinião de Waldron. No artigo “A

questão do conflito entre democracia e direitos fundamentais na teoria de Jeremy Waldron”,

Consani afirma que Waldron “é um crítico convicto do constitucionalismo contemporâneo

porque, não há um compromisso forte com o princípio da soberania popular” (WALDRON,

2010, apud CONSANI, s.d, p.2).

Mais adiante, a autora expõe a seguinte explicação sobre este pensamento: “O ideal

constitucionalista está relacionado à limitação do poder político. No debate contemporâneo,

essa limitação dirige-se, sobretudo, à atuação legislativa, que é tomada como possível

violadora de direitos fundamentais” (CONSANI, s.d., p. 2).

Para Consani, os autores que se dedicam a estudar este conflito entre

constitucionalismo e democracia baseiam a justificativa de tensão entre ambos os termos ao

ressaltarem o aspecto existente de limitação ou restrição imposta pela própria Carta Magna.

No caso da Constituição Federal brasileira, esta restrição tratada pela autora encontra-

se em dois aspectos específicos: o primeiro limite diz respeito à soberania popular, ao proibir

alterações no caso de matérias que versem sobre cláusulas pétreas, estabelecidas no art. 60,

§4º, da CF/88, quais sejam:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. (BRASIL, 2008, p. 55 a 56).

E outro limite ao poder legislativo e executivo diz respeito à questão do controle de

constitucionalidade pelos quais as leis são submetidas, como é o caso da ADPF (Arguição de

Descumprimento de Preceito Fundamental), que está previsto no art. 102, §1º, da CF. A

ADPF está disposta na Lei Federal de n. 9.882/99 que a regulamenta, e que permite o

controle recair sobre atos normativos editados, anteriormente, e, sobretudo, depois da atual

Carta Magna. Em outras palavras, esta ação se destina a impedir ou reparar uma lesão a

preceito fundamental, o qual foi estabelecido pelo Poder Público (União, estados ou distrito

federal e municípios), inclusive, quando os atos são anteriores à promulgação da Constituição

Federal.

26

Tem, também, a hipótese de ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) a qual está

descrita no art. 102, inciso I, “a”, da CF, o qual estabelece:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal [...] (BRASIL, 2008, p. 62).

Em outras palavras, existe a soberania popular; o povo pode intervir e controlar o

poder representativo mediante os instrumentos de democracia participativa, no entanto, a

Constituição põe uma limitação a esta interferência pelos cidadãos, à medida que o art. 1º, §

1º da CF, assim menciona: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2008, p.

35).

Ao mencionar nos “termos desta Constituição”, nossa própria Carta Magna estabelece

fatores de limitação desta atuação da sociedade civil. Um exemplo disso é a questão do

referendum que não pode ser aplicado nos casos referentes às cláusulas pétreas (Art. 60, § 4º,

da Constituição Federal), com o intuito de proteger exatamente os direitos fundamentais da

pessoa humana.

Sendo assim, Consani nos remete à opinião, por exemplo, de McIlwain, o qual

sustenta que em todas fases do constitucionalismo o elemento que mais se destaca é a

“limitação legal sobre o governo” (McILWAIN, 2007, apud CONSANI, s.d., p.2) Este é

outro aspecto da tensão: o constitucionalismo prevê também um controle sobre o Executivo e

o Legislativo quanto à constitucionalidade das leis e dos atos governamentais.

Outro autor citado por Consani é Gordon, o qual sustenta que o termo

constitucionalismo é usado “para denotar que o poder coercitivo do Estado é restringido”

(GORDON, 1999, apud CONSANI, s.d., p. 2).

E, ainda, a autora cita a opinião de Sajó, o qual define o constitucionalismo como “um

conjunto de princípios, modos e arranjos institucionais que foram usados tradicionalmente

para limitar o governo”, devendo servir como “um limite à democracia funcionando

descontroladamente” (SAJÓ, 1999, apud CONSANI, s.d., p. 2).

Nesse sentido, a autora conclui que a contradição entre constitucionalismo e

democracia reside no seguinte aspecto:

27

Considerando que as pessoas divergem sobre a interpretação dos direitos e, também, levando em conta que essas divergências muitas vezes espelham desacordos não apenas sobre direitos, mas principalmente a respeito da política, de sua estrutura e de suas metas (debates entre liberais e conservadores, por exemplo), o desacordo a respeito dos direitos e também da política mostra que a relação entre os direitos assegurados constitucionalmente e a democracia é bastante conflituosa. Desse modo, o reconhecimento da existência das circunstâncias da política implica também a assunção de que é o desacordo, isto é, o conflito de posições e opiniões, a principal característica da política nas sociedades plurais. Esse desacordo, no entendimento do autor, jamais poderá ser reduzido ao ponto de se alcançar o consenso. O desacordo é então o fio condutor para a análise dos conceitos de constituição, povo, e democracia (CONSANI, s.d., p.5).

Em síntese, o conflito entre democracia e constitucionalismo existe pelo fato de que,

dentro da sociedade civil, existem vários grupos que defendem direitos e opiniões diversas;

ou seja, há um pluralismo de valores, interesses, ideologias.

Por exemplo, quando se fala em direito à liberdade de crença, ou o feminismo com o

respeito a diversidade de gênero, ou ainda a comunidade GLBT defendendo o direito a

liberdade de escolha da orientação sexual; todos estes fatores nos remetem a conflitos que

precisam ser solucionados pelo Estado.

A democracia permite que cada um destes grupos reafirme e defenda seus interesses,

cada um de acordo com suas verdades e, opiniões. Tendo em vista que cada grupo que se

manifesta a favor de um direito, pode fundamentar-se no caput do art.5º da Constituição

Federal. Assim, a verdade defendida por um grupo ateu, incomoda a opinião defendida por

um protestante ou católico.

De maneira que, imaginemos a seguinte hipótese: se uma instituição escolar primária

coloca na grade curricular uma disciplina denominada educação religiosa para ser

obrigatória, baseando-se unicamente no cristianismo, isto pode gerar conflitos com pais de

crianças que não venham de uma família com alguma crença religiosa cristã, como é o caso

dos ateus e dos agnósticos ou que professem outras religiões.

Outro exemplo, uma corrente do feminismo que defenda a descriminalização

do aborto como direito fundamental da mulher, considerando que não seja nenhuma das

hipóteses trazidas no art. 128 do Código Penal (aborto necessário ou aborto no caso de

gravidez resultante de estupro) e este discurso inevitavelmente pode gerar manifestações

contrárias pelos grupos conservadores do Brasil, principalmente, dos representantes políticos

que tem discurso em prol do direito à vida e à constituição do núcleo familiar.

O que procuramos explicar, por meio desses exemplos, é que mesmo existindo

28

direitos fundamentais na Constituição Federal e ainda que haja democracia, os conflitos

jamais deixarão de existir, porque é impossível um consenso dentro da sociedade civil no

qual todos os grupos que nela existam defendam ideais idênticos.

A finalidade do constitucionalismo é evitar dois extremos, isto é, ameaça às

liberdades, pois, isto pode gerar equívocos pelo Estado ou por parte da sociedade civil; em

outras palavras, a banalização de direitos essenciais por uso inadequado à situação

conflituosa, conforme os exemplos citados acima.

Já a função da democracia é a de possibilitar a existência de uma pluralidade de

discursos; liberdade de escolha dentro da sociedade civil; e, auxilia na formação de diversos

grupos; permite a proteção aos mais vulneráveis que sofrem exclusão ou discriminação por

fatores sociais, culturais, econômicos.

Ronald Dworkin, no seu artigo “A democracia e os direitos do homem”, a respeito

destas diferentes opiniões, assim relata:

Muitas pessoas consideram que o constitucionalismo é extremamente antidemocrático – na medida em que subordina os cidadãos comuns a uma elite de juízes. Outros, no entanto, sustentam o contrário, argumentando que o constitucionalismo protege os direitos humanos, que são a alma da democracia. Eles invocam a história da democracia – uma história que nos ensina como se lutou por ela, contra os monarcas e os tiranos, em nome da liberdade individual e da igualdade -, a liberdade e a igualdade da Revolução Francesa, e concluem que não pode ser democrático que maiorias venham hoje recusar esses direitos a minorias (DWORKIN, 2001, p. 157).

Porém, mais adiante, Dworkin afirma que o constitucionalismo é, sim, fator de

contribuição para a democracia, pois, ele contribui para a proteção dos direitos humanos, e,

assim, o autor conclui da seguinte maneira:

Como se trata da melhor maneira de proteger os direitos humanos, condição prévia essencial para um verdadeiro governo de todos os cidadãos, o fato de que esses direitos limitem os poderes de uma maioria não tem interesse. O constitucionalismo não é, portanto o inimigo da democracia, mas, como já decidiram tantas nações, um meio essencial a sua existência (DWORKIN; 2001, p. 157).

Dessa maneira, podemos analisar o constitucionalismo, através do que é definido por

Cunha Júnior (2012, p. 31):

[...] constitucionalismo, portanto, está vinculado à noção e importância da

29

Constituição, na medida em que é através da Constituição que aquele movimento pretende realizar o ideal de liberdade humana com a criação de meios e instituições necessárias para limitar e controlar o poder político, opondo-se, desde sua origem, a governos arbitrários, independente de época e de lugar.

No artigo “Constitucionalismo e democracia – Soberania e Poder Constituinte”,

Chueiri e Godoy (2010, p. 166) afirmam que:

E, por ser a Constituição norma, seus princípios devem ser aplicados de maneira a comprometer todas as demais espécies normativas, especialmente através da interpretação que fazem os órgãos públicos legais e o próprio povo. Entretanto, nada disso seria suficiente sem a contrapartida democrática, pois a democracia também exerce o papel imprescindível de não acomodar o constitucionalismo em suas conquistas. Ao contrário, ela o tenciona a todo tempo, provocando-o e renovando-o através da aplicação e replicação da Constituição, sua interpretação e reinterpretação, seja pelo povo ou pelo Poder Judiciário.

Acreditamos, portanto, que esta tensão existente entre democracia e

constitucionalismo tem mais aspectos positivos do que negativos.

A parte negativa é que, por existirem diversos grupos, terão os mais fortes uma maior

possibilidade de terem seus direitos reconhecidos em detrimento dos grupos mais vulneráveis

e das minorias. No entanto, o excesso de defesa a grupos de minorias, pode gerar conquistas

de direitos que interferem na liberdade de escolha de outras categorias de indivíduos. Como

foi o caso, também, dos exemplos citados acima, tornando-se um verdadeiro dilema dentro da

sociedade.

Por outro lado, a democracia enriquece a pluralidade de opiniões existentes dentro do

país, permitindo que exista uma cultura do respeito ao diferente, e, às diversas manifestações

que existem no que refere a crença, condição, gênero, raça, liberdade quanto à orientação

sexual e, a laicidade do país.

A exemplo disso, podemos dizer que o Brasil à medida que permite diversos membros

da comunidade GLBT se reunirem procurando medidas para solucionar a discriminação por

orientação sexual e, na busca de conquistas de direitos básicos para esta categoria; é o mesmo

que permite que diversos cristãos se reúnam em público para tratar dos interesses

conservadores defendidos pelas Igrejas, e, em busca dos direitos da família para uma boa

formação do núcleo familiar ao qual cada um de nós estamos inseridos.

Este exemplo demonstra que mesmo acertando algumas vezes, e, errando em outras

situações, o Estado brasileiro, aos poucos vem permitindo cada vez mais que a população

30

expresse às suas opiniões e reivindicações ao poder do sistema representativo, fenômeno que

podemos denominar de democracia participativa.

Discorreremos sobre estas várias espécies de participação popular no terceiro capítulo

desta dissertação. Dessa maneira, este conflito entre constitucionalismo e democracia, torna-

se útil para incentivar a participação popular.

Assim, apenas no governo democrático é possível que haja uma atuação mais nítida

da sociedade civil, pois, permite a construção de políticas públicas com uma maior eficiência

no que se refere aos direitos essenciais da pessoa humana.

Entre os direitos fundamentais, dois deles têm uma ligação maior com o tema que

estamos aqui analisando, são eles: os direitos políticos e dos direitos sociais.

Os direitos políticos devem ser estudados porque – uma vez que estamos analisando a

democracia no sentido amplo, e, especificamente, a participativa –, nada mais necessário do

que estudar como a Constituição Federal de 1988 distribuiu os procedimentos pelos quais

deve ser exercida a cidadania, a soberania popular e a liberdade política do cidadão.

Já os direitos sociais devem ser analisados, porque estes postulam concretizar a justiça

social, buscando garantir proteção à sociedade civil, principalmente, a parte menos

favorecida, através da execução de políticas públicas.

1.4 Dos Direitos Políticos

A Constituição Federal trata dos direitos políticos do art. 14 até o art. 16. No art. 15, a

Lei maior prevê possibilidades de perda ou suspensão desses direitos políticos nos seguintes

casos:

Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I – cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II – incapacidade civil absoluta; III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º (BRASIL, 2008, p. 42).

Nesse sentido, percebemos que qualquer cidadão que não se enquadre nessas

possiblidades de restrições (suspensão e perda) está apto a desempenhar seus direitos

31

políticos.

A finalidade desses direitos, no entanto, não é apenas a capacidade de eleger os

nossos governadores pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto. Na verdade, os

direitos políticos existem, assim como bem menciona Cunha Júnior (2012, p. 809), para

“disciplinar o exercício da soberania popular, a liberdade política do cidadão e a legitimidade

e moralidade do processo político nacional”.

Este mesmo autor ainda define os direitos políticos no grupo de direitos políticos

positivos e direitos políticos negativos:

As normas concernentes aos direitos políticos positivos estabelecem as condições para o exercício da cidadania política, compreendendo, como núcleo fundamental, as prerrogativas de votar e ser votado. Já as normas atinentes aos direitos políticos negativos cuidam de limitar o exercício da cidadania, disciplinando as hipóteses de inelegibilidades e perda e suspensão dos direitos políticos.

Já no que se refere aos direitos positivos também existe uma subdivisão a qual separa

os direitos políticos em ativos (que significa a capacidade eleitoral ativa) e os direitos

políticos passivos (que significa a capacidade eleitoral passiva).

Os direitos políticos positivos passivos representam a capacidade de ser votado ou de

eleger-se, ou seja, permitem que o cidadão possa candidatar-se a cargo eletivo desde que

preencham as condições de elegibilidade previstas no art. 14, §3º, da CF, quais sejam:

nacionalidade brasileira, o pleno exercício dos direitos políticos, o alistamento eleitoral, o

domicílio eleitoral na circunscrição, a filiação partidária, e idade mínima prevista no inciso

VI deste mesmo artigo da Constituição Federal.

Os direitos políticos positivos ativos representam a capacidade de se tornar possível o

ato de exercer as prerrogativas de votar e participar do processo político nacional, fazendo-se

necessário, portanto, que preencha as condições de alistabilidade.

Nesse caso, a alistabilidade envolve a possibilidade de votar, o qual pressupõe o

alistamento eleitoral na forma da lei, nacionalidade brasileira e idade mínima de dezesseis

anos.

Os direitos políticos assim definidos estão relacionados com a democracia

representativa, devido a forma como o povo participa do processo de escolha dos seus

governantes no Brasil. Mas, os direitos políticos ativos não significam somente a capacidade

de votar e ser votado apontam também, para a participação direta dos cidadãos.

No caso, há uma interferência de maneira imediata na democracia participativa já que

32

esta surge para completar as lacunas deixadas pela representação aqui no nosso país.

No artigo “Direitos sociais, econômicos e políticos”, publicado pelo site “DH-Net”, o

texto trata sobre a atuação dos direitos políticos na construção da democracia dentro do

Estado Democrático de Direito:

O titular da soberania no Estado Democrático de Direito, que constitui a República Federativa do Brasil, é o povo brasileiro. Os direitos políticos são o meio de exercício dessa soberania popular. Eles caracterizam o direito de cada cidadão contribuir para os propósitos da atuação do Estado, compondo as decisões fundamentais a orientar o Estado. De maneira geral, podemos dizer que os direitos políticos traduzem-se na capacidade de votar e de ser votado. Note que a ideia de votar e ser votado é hoje intimamente ligada à democracia representativa, na qual o povo escolhe seus representantes políticos que ocuparão os cargos, sobretudo nos Poderes Executivo e Legislativo, com funções de administrar e legislar sobre o interesse comum (DHNET, s.d., p. 2).

Dessa forma, é importante compreender o caminho que a democracia brasileira

percorre desde seus elementos mais básicos do modelo representativo, até mesmo para

descobrir onde podemos melhorar nossas ações políticas, para que o povo esteja mais

presente nas mudanças as quais devem ocorrer dentro da esfera política e social, ou seja, para

desenvolver mais a democracia participativa.

1.5 Dos Direitos Sociais

O texto constitucional também trata dos direitos sociais no art. 6º da Constituição

Federal, o qual assim estabelece: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a

moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 2008, p. 39). Na visão

de Da Cunha Júnior, os direitos sociais,

são fundados no princípio da solidariedade humana, os direitos sociais foram alçados a categorias jurídicas concretizadoras dos postulados da justiça social, dependentes, entretanto, de execução políticas públicas voltadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres (CUNHA JÚNIOR, 2012, p. 759).

Neste sentido, são os direitos sociais que impulsionam a sociedade civil a tornar-se

mais presente nas ações políticas do Estado brasileiro, principalmente, para que o Estado

33

realize intervenções de maneira organizada e eficiente. Isto acontece porque os direitos

sociais possibilitam uma atuação em conjunto entre os cidadãos e a Administração Pública.

Sendo assim, é necessário a existência da garantia aos direitos sociais, para que todos

sejam amparados por políticas públicas em direitos humanos, através da implementação dos

serviços prestados pelo Estado.

Muito embora exista o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e

Culturais (1966), o qual surgiu para possibilitar que houvesse caráter obrigatório na aplicação

destes direitos fundamentais, mesmo assim, nem todas as constituições consideram os

direitos sociais como direitos iguais aos direitos civis e políticos; no entanto, a Constituição

brasileira de 1988 coloca os direitos sociais entre os direitos fundamentais. Isto coloca o

problema da justiciabilidade ou não dos direitos econômicos sociais e culturais (DESC)

De acordo com uma pesquisa realizada por Rachel Glatt e Telma Lage, que

publicaram um relatório denominado “A efetividade dos Direitos Sociais no Brasil”, estas

pesquisadoras avaliaram a justiciabilidade dos direitos sociais da seguinte forma:

Primeiro , a maior parte da doutrina é a favor da justiciabilidade dos direitos sociais.

Nesse sentido, as autoras nos lembram que os direitos sociais, assim como os direitos

econômicos e culturais, tornaram-se objeto de um pacto internacional, o denominado

PIDESC, o qual foi realizado pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966.

No entanto, as pesquisadoras argumentam que o fato de existir esta afirmação de que

os direitos sociais estão previstos em um pacto internacional, não quer dizer que os

indivíduos e as entidades possam reinvindicar esses direitos, juridicamente, apenas por esse

motivo.

Percebe-se que, são diversas, portanto, as razões que podem justificar um indivíduo

ou uma coletividade recorrer ao Judiciário para ter reconhecidos seus direitos sociais.

No Brasil, é parcialmente possível que os direitos sociais sejam reinvindicados diante

de uma corte de Justiça; no entanto, a aplicação dos direitos sociais é progressiva e limitada.

O entrave que enfrentamos, no nosso Estado, quanto à efetivação dos direitos sociais,

está relacionado às decisões dos Tribunais. Quando há julgamento de ações que se referem a

direitos sociais, o juiz precisa levar em consideração a disponibilidade dos recursos públicos;

a obrigação do Estado quanto aquele direito; se o Estado terá condições de cumprir o direito

social requerido judicialmente. Deve ser verificado, também, se aquela decisão não prejudica

uma coletividade, a qual pode não está sendo amparada por este direito social.

Dessa maneira, as pesquisadoras Glatt e Lage (2013; p. 13) afirmam o seguinte acerca

34

dessas decisões judiciais quanto aos direitos sociais:

Um grande problema que tem surgido em nosso sistema jurídico é a incoerência da jurisprudência. Os tribunais tendem a intervir em casos de acordo com elementos como a gravidade dos efeitos da violação de direitos, a precisão da obrigação estatal, a participação do governo na violação e a capacidade do governo de cumprir a ordem judicial. Acontece que, para que não haja discriminação, a garantia dos DESC deveria estar sempre acompanhada do direito à igualdade – no sentido de isonomia material –, por isso a relevância das ações coletivas ou ações que possuam efeito de caráter geral para a garantia de tais direitos.

Assim, a disponibilidade de recursos públicos interfere sobremaneira na possibilidade

do Estado de reconhecer uma obrigação relacionada a direitos sociais. Por isso, Glatt e Lage

(2013, p. 13) afirmam:

Como já destacado várias vezes, os recursos financeiros públicos são escassos, portanto, é inviável que se defira os pedidos de todos os titulares hipossuficientes que demandam alguma prestação relacionada a direitos sociais violados. Neste sentido, questiona-se se o Poder Judiciário tem, no momento de tomar sua decisão, plena consciência das consequências que ocorrerão para o erário.

Mais adiante, as autoras do relatório desta pesquisa afirmam o seguinte sobre a

questão dos recursos públicos e a efetivação dos direitos sociais:

Raramente o julgador faz uma análise geral do orçamento público antes de acolher ou rejeitar um pedido de efetivação de direito social, portanto, é improvável que a condenação da Administração Pública em diversas demandas envolvendo a efetivação de direitos sociais prestacionais seja capaz de sanar problemas da atuação deficitária. É por isso que a propositura de demandas coletivas e abstratas é a opção preferida pela maior parte da doutrina. Além de minimizar este problema, a opção por demandas coletivas também reduziria a possibilidade de tratamento desigual de situações que apresentam os mesmos contornos jurídicos, e isso geraria maior igualdade, ampliando a efetividade das disposições constitucionais (GLATT; LAGE, 2013, p. 13).

Um outro ponto que estas pesquisadoras mencionam e que é, de fato, muito

importante para compreender a limitação da aplicação dos direitos sociais, no Brasil, refere-

se a seguinte questão:

uma das mais sólidas objeções à justiciabilidade dos DESC é que os tribunais não conseguem dar efetividade as suas próprias decisões. A

35

mobilização social, a organização de comunidades e a pressão da mídia são fatores indispensáveis para assegurar que haja recursos financeiros, humanos e técnicos para a aplicação das ordens e dos acordos alcançados na via judicial (GLATT; LAGE, 2013 p. 13).

O que importa, no entanto, para nossa dissertação é que os direitos sociais são

reconhecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, embora existam limitações para que estes

sejam efetivados perante os órgãos judiciários.

A defesa destes direitos sociais é imprescindível para a democracia brasileira. Esta é a

mesma conclusão mencionada pelas pesquisadoras Glatt e Lage (2013, p. 13), as quais

afirmam:

Para cada uma das críticas acima apontadas há um contra-argumento, respectivamente: os direitos sociais são condições que possibilitam a democracia, a garantia dos direitos sociais fomenta a atuação cidadã, utilização dos recursos públicos da forma mais eficiente possível e priorização das ações coletivas.

Com todo este debate, o que podemos verificar é que, para a efetivação dos direitos

sociais, a participação da sociedade civil organizada reivindicando coletivamente estes

direitos é um aspecto relevante para o reconhecimento destes direitos básicos no Brasil.

No entanto, há limites na efetivação dos direitos sociais, como, por exemplo, a

polêmica tese da reserva do possível, que estabelece limites para a efetividade dos direitos

sociais, de tal modo, que para que estes direitos (prestacionais ou materiais) sejam

concedidos, faz-se necessário que haja recursos financeiros suficientes nos cofres públicos.

E, ainda, este limite da reserva do possível se refere ao fato de que exista uma razoabilidade

na pretensão do que busca diante de sua concretização dentro dos limites enfrentados pelo

Estado nos seus serviços e recursos públicos.

No entanto, Cunha Júnior, em sua obra, Curso de Direito Constitucional, faz uma

importante e precisa observação quanto à reserva do possível ao citar uma decisão do

Ministro Celso de Mello:

[...] Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da ‘reserva do possível’, ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível, não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentabilidade (MELLO, 2000, apud CUNHA JÚNIOR, 2012, p. 787).

36

Este posicionamento de Celso de Mello é bastante coerente, até porque o Estado tem

por obrigação cumprir o dever legal a que se destina, seja para garantir um serviço público ou

mesmo para restituir pecuniariamente quando houver dado causa a alguma ilegalidade que

gerou prejuízo financeiro individual ou para uma coletividade.

Outro ponto que se faz necessário ser mencionado ao analisarmos os direitos sociais, é

o fato de que estes não são meramente para defender garantias constitucionais dos mais

necessitados; mas se estendem a todos igualmente pelo fato simplesmente de fazerem parte

da sociedade civil e serem detentores de dignidade humana.

Nesse sentido, na Revista de Psicologia, artigo denominado “Direitos humanos e

direitos sociais”, de autoria dos próprios organizadores da revista eletrônica, há uma

explicação concernente a esta questão:

[...] assim, os direitos sociais podem ser definidos como direitos humanos estruturais, porque são estruturantes da vida de todos os homens: são direitos relativos às necessidades básicas de existência. Entretanto, associar direitos sociais a “direitos dos pobres”, de quem não é cidadão, é um equívoco. É um direito de todos, inclusive dos pobres, que também devem ser cidadãos. Nesse sentido é importante afirmar os direitos sociais como direitos humanos para assegurar as conquistas históricas já consolidadas dos Direitos Humanos, tanto no campo conceitual e teórico, quanto no campo das práticas cotidianas (REVISTA DE PSICOLOGIA, 2012, p. 3).

Para o exercício dos direitos políticos e para a efetivação dos direitos sociais, não é

suficiente apenas a existência de uma democracia representativa, mas é fundamental a

participação popular através da sociedade civil organizada, como veremos no terceiro

capítulo, quando trataremos dos mecanismos de democracia participativa.

Logo, esta análise dos direitos sociais é imprescindível para o tema que aqui estamos

tratando, principalmente, porque tem uma relação direta com o capítulo 4, onde trataremos da

atuação dos Conselhos de direitos e com a política pública específica sobre a qual

analisaremos neste capítulo final.

1.6 O Princípio da Proibição de Retrocesso Social

Este princípio diz respeito ao fato de que fica vedado o retrocesso social no que diz

respeito aos direitos fundamentais. O princípio da proibição do retrocesso permite que o

Estado proíba atos os quais impliquem em retrocesso, não só em matéria de direitos sociais,

37

mas com relação a todos os direitos fundamentais.

Este princípio também é imprescindível para ser debatido dentro do tema que aqui

estamos tratando, uma vez que se constitui numa forma de garantir um maior progresso para

efetivar os direitos essenciais dos cidadãos, pois, ele possibilita que as medidas tomadas pelo

Estado para aplicar os direitos fundamentais da Constituição Federal ocorram de maneira

progressiva e em favor de que haja mudanças positivas, através de programas de governo,

políticas públicas, e, tarefas de ações futuras para o Brasil.

Isto acontece porque o princípio da proibição do retrocesso social tem como objetivo

principal alcançar uma maior aplicação aos direitos sociais, a fim de que diminua a

instabilidade econômica e as desigualdades sociais do Estado.

Nesse sentido, Fileti (2009, p. 3), no artigo “O princípio da proibição do retrocesso

social”, explica de maneira eficaz a forma como este princípio deve atuar dentro da sociedade

brasileira:

[...] A proibição de retrocesso social possui indubitável natureza principiológica, haja vista exibir um elemento finalístico, traduzido na garantia do nível de concretização dos direitos fundamentais sociais e a permanente imposição constitucional de desenvolvimento dessa concretização. Por isso, nega-se a sua caracterização como simples modalidade de eficácia jurídica das normas que envolvem direitos fundamentais.

No entanto, Fileti (2009, p. 3) observa, também, que há aspectos positivos e negativos

em torno deste princípio da proibição do retrocesso social, já que isto não irá servir

meramente para se impor regras ao Estado, é necessário que exista uma aplicação de maneira

organizada e destinada a atingir uma finalidade específica para o progresso do Estado:

O princípio possui conteúdos positivo e negativo. O conteúdo positivo encontra-se no dever de o legislador manter-se no propósito de ampliar, progressivamente e de acordo com as condições fáticas e jurídicas (incluindo as orçamentárias), o grau de concretização dos direitos fundamentais sociais. Não se trata de mera manutenção do status quo, mas de imposição da obrigação de avanço social. [...] O conteúdo negativo - subjacente a qualquer princípio - que, no caso, prevalece sobre o positivo, refere-se à imposição ao legislador de, ao elaborar os atos normativos, respeitar a não supressão ou a não-redução, pelo menos de modo desproporcional ou irrazoável, do grau de densidade normativa que os direitos fundamentais sociais já tenham alcançado por meio da legislação infraconstitucional, isto é, por meio da legislação concretizadora dos direitos fundamentais sociais insertos na Constituição.

38

E, finalmente, o autor desenvolve de maneira mais sintética o conceito do princípio de

retrocesso social:

Afirma-se, com efeito, que o princípio da proibição de retrocesso social é um princípio constitucional, com caráter retrospectivo, na medida em que tem por escopo a preservação de um estado de coisas já conquistado contra a sua restrição ou supressão arbitrárias (FILETI, 2009, p. 3).

Ou seja, para estabelecer um avanço em determinada área de atuação do Estado por

meio de suas ações sociais, faz-se necessário que possa existir uma análise de tudo o que foi

estabelecido para o cumprimento de uma meta do Governo.

Por exemplo, se há um avanço de um determinado valor de verba para qual será

destinada à educação de ensino básico e superior aqui no Brasil, com um percentual a ser

cumprido por região, a princípio não deve haver um retrocesso nesse valor estabelecido como

percentual padrão, de maneira que deixem de ser repassadas as verbas, ou exista um declínio

no desenvolvimento da região no que se refere a este percentual destinado a educação.

No entanto, é importante observar, também, que este princípio não é absoluto, pois,

em alguns casos terá que ser ponderado sua aplicação, a menos que se trate dos casos abaixo

definidos:

Integral supressão da regulamentação infraconstitucional de um direito fundamental social ou de uma garantia constitucional relacionada com a manutenção desse direito. Porém, para além desse núcleo essencial do princípio é admitida a alteração do grau de concretização legislativa. (FILETI, 2009, p. 4).

Por meio deste princípio da proibição do retrocesso é possível uma maior segurança

jurídica na aplicação dos direitos sociais, porque permite que uma condição favorável

alcançada para um determinado grupo ou para todos indistintamente não seja desconsiderada,

voltando para uma condição mais atrasada.

O princípio da proibição do retrocesso também tem a finalidade de impossibilitar uma

situação de atraso do Estado que retarde o desenvolvimento de algum direito já conquistado

ou estagnando em uma situação da qual não pode mais evoluir a ponto de acompanhar as

necessidades para quais estes direitos foram reconhecidos e aplicados.

Neste capítulo, tecemos considerações sobre a tensão que vive todo Estado

Democrático de Direito e também o Estado Brasileiro, entre democracia e

constitucionalismo, ou seja, entre o princípio da soberania popular, e o princípio da garantia

39

dos direitos fundamentais para todos, inclusive as minorias.

A democracia deve garantir o pluralismo, ou seja, a coexistência de toda forma

legítima ou legal de manifestação de pensamento filosófico, político e religioso; a ordem

jurídica (e a Constituição é a sua máxima expressão) deve estabelecer limites a estas diversas

expressões democráticas, para não nos tornamos uma sociedade nem anarquista, nem

autoritária, mas democraticamente equilibrada.

O mesmo raciocínio vale para os direitos fundamentais que a Constituição garante e

que o Estado deve proteger e promover. Aqui também se manifesta uma tensão entre os

interesses, às vezes contrastantes, dos cidadãos e a capacidade limitada do Estado em garanti-

los para todos. Uma tensão que se encontra tanto nos direitos políticos, onde a democracia

representativa tende a monopolizar a política, como nos direitos sociais, onde as classes

menos favorecidas acabam excluídas dos seus direitos básicos.

Vemos assim como o Estado Democrático de Direito é uma formação complexa e

instável, sujeita permanentemente a tensões e conflitos ideológicos, políticos, sociais.

Por isso, no próximo capítulo iremos tratar sobre o conceito de democracia e a sua

relação com os direitos humanos, no Estado brasileiro, mostrando as vantagens e os limites

da democracia representativa e a necessidade da participação popular para a efetivação das

políticas sociais em direitos humanos.

40

CAPÍTULO 2

DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS

“ Hoje, o próprio conceito de democracia é inseparável do conceito de direitos do homem. [...]

Tenho dito frequentemente que, quando nos referimos a uma democracia,

seria mais correto falar de soberania dos cidadãos e não de soberania popular.

‘Povo’ é um conceito ambíguo, do qual se serviram também todas as ditaduras modernas”.

(BOBBIO, 2004, p. 47). 2.1 Três Conceitos de Democracia

Podemos diferenciar três grandes concepções de democracia: democracia direta,

democracia representativa e democracia como competição entre elites (TOSI, 2013, p. 225 e

p. 226).

Com relação à democracia direta, há uma subdivisão: a dos antigos e a dos modernos.

A primeira é definida da seguinte forma: “a democracia direta dos antigos é o governo do

demos, ou seja, de uma parte da população, da maioria, dos muitos (pollakoi), da massa

(plethos) e, portanto, é um governo dos pobres [...]” (TOSI, 2013, p. 226).

Já em relação à segunda, Tosi apresenta a seguinte ideia:

Se na democracia antiga eram ‘os muitos’ a governarem, na democracia moderna, em princípio, ‘todos’ indistintamente são chamados a governarem e serem governados. O espaço da cidadania que, na Grécia antiga e em Roma era limitado aos cidadãos livres e iguais, homens, nascidos na cidade, de família tradicional, é agora estendido e ampliado ‘idealmente’ para todos os espaços da cidadania ativa e passiva, através do voto universal e livre [...] (TOSI, 2013, p. 229).

Ainda com relação à democracia direta moderna, Tosi (2013) afirma que deve ser

feita uma distinção entre duas formas modernas de democracia direta: a plebiscitária e a

participativa.

A democracia plebiscitária é definida como “uma concepção de democracia direta

que se coloca como alternativa à democracia representativa e que encontra os seus

fundamentos na crítica de Rousseau à representação” (TOSI, 2013, p. 231). Por outro lado,

41

observa também que há "outra forma de democracia direta que não é alternativa, mas

complementar à democracia representativa, é a ‘democracia participativa’” (TOSI, 2013, p.

234).

Para Hélcio Ribeiro, “[...] a democracia semidireta ou participativa aparece como

forma de permitir a intervenção direta dos cidadãos nas decisões políticas, preservando,

contudo, as instituições representativas” (RIBEIRO, s.d., p. 9).

Nesse sentido, a democracia participativa é o núcleo central do nosso objeto de

estudo, já que a finalidade é exatamente analisar os meios de participação popular como

forma de melhor desenvolver a democracia brasileira.

Por isso, no próximo capítulo iremos discorrer mais a respeito da democracia

participativa; mas, para entendê-la precisamos relacioná-la com as outras formas de

democracia.

A segunda concepção, a democracia representativa, é definida por Tosi como:

A democracia representativa é a forma moderna de democracia que nasce no contexto histórico do surgimento dos Estados soberanos modernos nos quais, devido à sua extensão e complexidade, o princípio da soberania popular é exercido não diretamente, mas através de representantes. [...] Na democracia representativa moderna (sobretudo na tradição inglesa), o Parlamento é a fonte principal do poder enquanto são os representantes do povo eleitos que elaboram as leis implementadas pelo executivo e fiscalizadas pelo judiciário (TOSI, 2013, p. 229).

A democracia representativa pressupõe a soberania popular, porque é o “povo” (ou

são os cidadãos como prefere Bobbio) que elegem os seus representantes; os quais, uma vez

eleitos, tendem a se tornarem uma “classe política” que assume o monopólio da política e

vivem não somente “para” a política, mas “da” política.

Isto provoca certo afastamento dos “políticos” dos eleitores e tem como consequência

um desinteresse ou apatia dos cidadãos para com a participação na gestão e fiscalização da

coisa pública.

Este é um daqueles fenômenos que Bobbio chama de “promessa não cumprida da

Democracia”, nas famosas páginas do seu livro sobre “O futuro da Democracia” (BOBBIO,

1986, p. 17-40). Porém, este limite da democracia representativa não é absoluto, pois, pode

ser superado se utilizarmos os instrumentos da democracia participativa.

Neste sentido, há um liame entre a democracia direta e a democracia representativa,

entendidas como duas formas complementares, assim:

42

[...] a democracia representativa e democracia direta não são dois sistemas alternativos (no sentido de que onde existe uma não pode existir a outra), mas são dois sistemas que se podem integrar reciprocamente. Com uma fórmula sintética, pode-se dizer que num sistema de democracia integral as duas formas de democracia são ambas necessárias, mas não são, consideradas em si mesmas, suficientes (BOBBIO; 1986, p. 52).

No que se refere a esta passagem do pensamento de Bobbio, Tosi faz o seguinte

comentário:

Segundo Bobbio, nas sociedades modernas não é possível nem desejável a transição de uma democracia representativa para uma democracia direta. Isto se deve às dimensões e à complexidade dos Estados modernos que não permitem dispensar a representação. Nesta perspectiva, é secundário se o representante seja considerado como um “delegado” ou como um “fiduciário”, se pretende representar os “interesses gerais” ou os interesses de uma categoria, se o seu mandato é fixo ou revogável, o que importa é que nenhuma sociedade moderna pode funcionar sem a mediação da representação (TOSI, 2013, p. 234).

Em outras palavras, Bobbio (1986), considera indispensável à existência de uma

representação, para que determinadas funções políticas sejam realizadas por intermediários

(democracia representativa). Porém, ao mesmo tempo, é fundamental também a participação

dos cidadãos na vida política do Estado (democracia direta), para que esta representação seja

fiscalizada, e, quando for o caso, sanada em seus vícios. A respeito desse pensamento de

Bobbio, Tosi escreve:

O tamanho e a complexidade dos Estados modernos inviabilizam as formas de democracia direta das cidades-estados antigas ou das repúblicas medievais e renascentistas, mas possibilitam formas de democracia participativa, tais como as assembleias populares (limitadas aos governos locais) e os referendum populares. A participação dos cidadãos na vida política é algo para Bobbio extremamente salutar e necessário para corrigir os vícios da representação que tende a concentrar o poder numa elite econômica, política e social (TOSI, 2013, p. 234).

E a terceira e última concepção trazida no artigo já mencionado de Tosi é a

democracia como competição entre elites. Esta teoria defende que nunca é o povo que

governa, e sim uma camada que representa uma elite, seja ela econômica, política, social,

religiosa e tecnológica, inclusive, no regime político democrático.

Bobbio (1986) concorda com esta vertente democrática do elitismo, que considera não

43

como a negação de existência de regimes democráticos, mas como uma visão realista da

“democracia como ela é”, e não idealista de “como ela deveria ser”.

Também Ribeiro, a referir-se ao elitismo democrático, no artigo “Teoria democrática

entre a perspectiva elitista e a teoria crítica”, faz a seguinte afirmação acerca do conceito de

democracia para as correntes elitistas:

Basicamente são assim conhecidas por restringirem o exercício da soberania popular ao momento de escolha de seus representantes. Seus adeptos concebem a democracia como a competição organizada entre elites que lutam pelo direito de decidir em nome do corpo político. A concepção de política que sustenta essa corrente destaca a presença de interesses e preferências pré-formadas. O elitismo democrático tornou-se uma concepção hegemônica da democracia na segunda metade do século XX (RIBEIRO, 2010, p. 411).

A democracia elitista revela um cenário realista constituído por elites políticas, com

as diferentes ideologias e estratégias, competindo pelo poder e medidas referentes aos

interesses dos eleitores, apenas na medida do seu proveito próprio.

Sendo assim, a relação entre representantes aos representados deixa de ter como

finalidade o bem comum da coletividade, e, passa a constituir um instrumento subordinado à

promoção do auto interesse.

Apesar de todos os avanços, desde a democratização, ainda há marcas muito fortes

deste caráter elitista da democracia existente no Brasil que gera os conhecidos fenômenos da

corrupção, da concentração de poder, das desigualdades sociais, do uso privado da máquina

pública, etc.

A tese que adotamos nesta pesquisa, - acompanhando a definição de Bobbio de

democracia e discordando com ele em certos aspectos -, é que é necessária a democracia

participativa para evitar os perigos de uma democracia elitista, e que esta democracia deve

ser complementar e não oposta à democracia representativa.

2.2 Democracia e Direitos Humanos

Com esta análise sobre as várias formas de democracia, percebemos que o caminho da

democracia é necessário ser percorrido para que possamos alcançar, de fato, princípios

básicos dos direitos humanos: igualdade, liberdade e fraternidade.

Para que seja possível construir uma sociedade pautada no respeito a esses princípios

44

basilares dos direitos humanos, se faz imprescindível à presença de valores democráticos.

A respeito desta relação entre democracia e direitos humanos, Bielefeldt afirma:

De um lado, a democracia abraça os direitos humanos, pois direitos materiais somente assumem contornos concretos através do discurso democrático. [...] Os direitos humanos são direitos históricos, que têm em conta as mudanças das condições de vida da sociedade e as experiências advindas de ameaças contra a vida digna. A tentativa de distanciar os direitos humanos do desenvolvimento histórico e dos riscos daí decorrentes através da essencialização da legislação teria como consequência a transformação em tabu de questionamentos críticos, o que afetaria o cerne da noção desses direitos, qual seja a essência libertária. Formulando positivamente: para que os direitos humanos possam preservar e desenvolver seu conteúdo libertário, eles devem ser objeto e tarefa de um discurso democrático público. Nesse sentido é que a democracia abraça os direitos humanos. [...] Por outro lado, a recíproca também é verdadeira: os direitos humanos abraçam a democracia, uma vez que esta se constitui, por princípio, em parte central da declaração dos direitos humanos (BIELEFELDT, 2000, p. 134).

Nesse sentido, além de requisitos jurídicos, condições políticas, também são

necessárias para que as normas ganhem, de fato, efetividade. Sendo assim, é fundamental que

se estabeleçam nas normas referentes aos direitos humanos, direitos materiais e garantias, as

quais possam servir de ferramentas necessárias para viabilizar o exercício da cidadania.

Por outro lado, para que o Estado possa oferecer condições necessárias, para serem

colocados em prática os direitos e deveres dos cidadãos devem existir um ambiente

caracterizado por compromisso com a democracia.

Podemos perceber melhor esta ideia através das seguintes palavras de Bielefeldt:

Além do ancoramento do princípio de democracia nas declarações de direitos humanos, cada direito, individualmente, representa a garantia de condição para esta democracia (cf. Hoffe 1981, p. 257 e ss). Isso vale para os direitos civis – que exercem papel especial dentro dos direitos humanos, uma vez que seu exercício está vinculado à cidadania. O fato de esses direitos civis diferenciarem-se conceitualmente dos direitos humanos, mas sempre serem listados junto com eles, é um indício para que não sejam entendidos como contraponto particularizante ao universalismo dos direitos humanos, mas sim como mediação concreta desse, uma vez que o direito humano geral só se efetiva em uma determinada comunidade política. Como condições para a democracia libertária contam os direitos de liberdade espiritual e política, sem cuja garantia não se pode desenvolver discurso livre e democrático (BIELEFELDT, 2000, p. 134-135).

Por todos estes fatores mencionados, não se pode negar que existe uma relação

45

indissociável entre democracia e direitos humanos.

A importância de estarem sempre juntos para se tornarem eficazes em benefício da

sociedade reside no fato de que direitos humanos sem democracia tornariam as garantias e

direitos materiais estabelecidos em legislações limitados a uma minoria da população,

utilizando um conceito restrito de cidadania.

A democracia sem os direitos humanos se tornaria reducionista e seria remetida ao

simples fato de atender a opinião (ou a tirania) de uma maioria, podendo comprometer a

igualdade e a fraternidade defendidas pelos direitos humanos. Bielefeldt (2000, p. 135-136) faz

a seguinte análise a este respeito:

Uma concepção de democracia dissociada da ligação aos direitos humanos não somente ameaçaria esses direitos e as liberdades fundamentais por eles representados, como também ameaçaria sua própria orientação libertária e, certamente, denegaria para um simples conformismo de maioria. Por outro lado, a primazia unilateral de direitos materiais sobre a democracia não só estreitaria a área de responsabilidade desta, como também conduziria à materialização do conceito de direitos humanos, no qual se perderia o peso de seu significado emancipacionista, de direitos libertários historicamente abertos. [...] Tomando por orientação a liberdade, a igualdade e a solidariedade, democracia e direitos humanos não só se entrelaçam normativamente, como formam, em princípio, uma unidade.

O autor afirma ainda que, embora os direitos humanos e a democracia sejam

indivisíveis é possível perceber uma distinção na aplicação de ambos. O trecho a seguir

explica as formas diversas de como os direitos humanos e a democracia se apresentam:

Justamente por ser uma unidade, em princípio, devem ser diferenciados no modo de implementação. Enquanto a democracia realiza-se através do discurso político democrático e através de participação em eleições e plebiscitos com igualdade de direitos para todos, os direitos humanos desenvolvem sua eficácia através da garantia jurídica em constituições e leis ou, ainda, em acordos internacionais. A diferença modal entre ambos indica que democracia e direitos humanos estão a serviço da liberdade política e jurídica, que não dissolve sua identidade e, consequentemente, não pode removê-la como reinvindicação normativa e crítica (BIELEFELDT, 2000, p. 136).

Por isso, o Estado democrático de direito deve compatibilizar a democracia e também

os direitos humanos. No sentido estrito, democracia relaciona-se ao conceito de cidadania

que refere-se à capacidade ativa e passiva do indivíduo manifestar-se quanto aos seus

direitos.

46

No artigo “A problemática da efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais

no plano nacional”, de Estefânia Barboza, a autora afirma que a Declaração Universal dos

Direitos Humanos estabeleceu, além da característica da universalidade, também a da

indivisibilidade.

Estefânia Barboza explica a indivisibilidade dos direitos humanos da seguinte forma:

“[...] Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a

observância dos direitos sociais, econômicos e culturais, e vice-versa. Quando um deles é

violado, os demais também os são” (BARBOZA, 2006, p. 259).

No entanto, Barboza (2006) explica que, pelo fato da Declaração de 1948 não ter

força vinculante, foi necessário o surgimento do Pacto Internacional de Direitos Civis e

Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de

1966, tendo como finalidade estabelecer caráter vinculante e obrigatório, ensejando força

jurídica diante de atos violadores dos direitos humanos.

A autora explica que o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos estabelece

que os direitos civis e políticos sejam autoaplicáveis, devendo ser assegurados de plano pelo

Estado, sem escusa ou demora.

Por outro lado, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

estabelece que os direitos sociais sejam de realização progressiva, na medida em que estão

condicionados à atuação do Estado.

Já no que se refere aos direitos civis e políticos, estes podem ser assegurados em todos

os países, ricos ou pobres, pois, a implementação de direitos sociais varia devido às

condições econômicas de cada país.

O art. 16 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais assim

estabelece:

os Estados Partes do presente Pacto comprometem-se a apresentar, de acordo com as disposições da presente parte do Pacto, relatórios sobre as medidas que tenham adotado e sobre o progresso realizado com o objetivo de assegurar a observância dos direitos reconhecidos no Pacto [...] (BRASIL, 2015, p. 7).

Ou seja, a forma de aplicação destes direitos aconteceu através da apresentação dos

Estados-partes, de relatórios sobre medidas adotadas e, sobre o progresso realizado em

observância aos direitos previstos no Pacto.

Ao analisar este artigo do Pacto, Barboza (2006) considera que, exatamente pelo fato

dessa medida de monitoramento ser baseada, apenas, em relatórios, isto torna os direitos

47

econômicos, sociais e culturais com uma baixa efetividade, já que gera condenação num

nível político e, não, de fato, jurídico, do ponto de vista da coerção.

Logo, é vedado aos Estados o retrocesso na implementação de direitos, isto é, existe

uma cláusula de proibição de retrocesso social, que representa uma forma de buscar mais

efetividade aos direitos socais, de tal modo que, através das funções legislativa e judiciária, o

Estado deve agir de forma a não barrar o progresso pátrio, ou seja, deve impedir que os

direitos sociais não sejam ignorados.

De todas estas formas de democracia que foram citadas acima, acreditamos que a

participativa é o ponto central a ser trabalhado no nosso país, para que possamos investir num

processo de mudanças, que possa desencadear a vivência de práticas democráticas, com

participação popular.

Pereira e Silva, no artigo “Direitos humanos e democracia: um desafio para as

ciências sociais”, afirmam:

Historicamente, as democracias, quer a direta quer a representativa, têm na participação um componente substantivo imprescindível. Pelo menos a partir da segunda metade século XVIII, a ampliação da participação se apresenta num continuum, indo desde sua forma censitária, limitada, incompleta ou híbrida, à universalidade da participação, como se evidencia nos pensamentos de Locke, Rousseau e Tocqueville (PEREIRA; SILVA, 2010, p. 107).

Todavia, mais adiante, os autores afirmam:

Por outro lado, é importante lembrar que, embora a participação se constitua como uma peça fundamental e imprescindível, por si só não define a qualidade de uma “boa” democracia. Esta, pois, não é sinônimo da quantidade de vontades que tomam parte num determinado pleito. A democracia deve ser tomada como um regime político que se define pelo seu compromisso ético com o estabelecimento de uma sociedade justa e, portanto, solidária. Somente assim é possível estabelecer-se um forte vínculo entre democracia e Direitos Humanos (PEREIRA; SILVA, 2010, p. 107-108).

Ou seja, acreditamos que democracia e direitos humanos devem sempre caminhar

juntas, para desempenharem cada vez melhor as funções as quais se propõem, trazendo

equilíbrio para um melhor exercício da cidadania, na medida da existência de proteção aos

direitos materiais e garantias constitucionais da população num ambiente no qual igualdade e

fraternidade possam ser assimilados como valores democráticos.

48

Dessa forma, não podemos reduzir a democracia a uma mera existência de leis e

políticas defendidas por uma maioria dentro da sociedade, na verdade, a democracia precisa

integrar uma união de cidadãos os quais devem estar comprometidos em fazer com que o

interesse da coletividade seja respeitado, sem detrimento dos exercícios de suas garantias e

direitos individuais.

Ronald Dworkin, em seu artigo, “Direitos fundamentais: A democracia e os direitos

do homem” estabelece o seguinte pensamento:

É preciso encontrar um outro meio de compreender a ideia fundamental de que a democracia é o governo do ‘povo’. É preciso considerar o ‘povo’ não como um simples conjunto de indivíduos agindo mais ou menos independentemente uns dos outros, mas como homens agindo em conjunto, como no contexto de uma associação, de uma equipe ou de qualquer outro tipo de parceria. É preciso considerar o conjunto dos cidadãos de uma democracia como, por exemplo, uma orquestra tocando uma sinfonia ou um time de futebol durante uma partida (DWORKIN, 2001, p. 159).

Logo, para que os cidadãos trabalhem em conjunto no intuito da construção de uma

democracia verdadeiramente sólida, necessário se faz a utilização dos mecanismos de

democracia participativa, para que haja mais efetividade na aplicação de políticas públicas, e,

consequentemente, a democracia encontre o terreno o qual é preciso para que haja

intervenção popular no cotidiano das ações políticas do Brasil.

É por isso que no próximo tópico iremos analisar os meios pelos quais acontece esta

integração entre poder estatal e população dentro dos mecanismos de defesa da democracia.

2.3 Os três poderes e os direitos humanos no Brasil

Um dos caminhos tomados pelo Brasil para a implementação dos direitos humanos

foram os Programas Nacionais de Direitos Humanos. Atualmente, estamos na terceira versão

do Programa Nacional dos Direitos Humanos. O PNDH-3 foi precedido pelo PNDH-I, de

1996, que enfatizou os direitos civis e políticos, e pelo PNDH-II, que incorporou os direitos

econômicos, sociais, culturais e ambientais, em 2002.

A comentar a importância destes Programas, Flávia Piovesan afirma que “a grande

contribuição do Programa Nacional de Direitos Humanos é atribuir aos direitos humanos o

status de política pública” (PIOVESAN, 2003, p. 347).

49

De acordo com a Lei 7.037/2009, temos os seguintes eixos no PNDH-3:

Art. 2º O PNDH-3 será implementado de acordo com os seguintes eixos orientadores e suas respectivas diretrizes: I - Eixo Orientador I: Interação democrática entre Estado e sociedade civil: a) Diretriz 1: Interação democrática entre Estado e sociedade civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa; b) Diretriz 2: Fortalecimento dos Direitos Humanos como instrumento transversal das políticas públicas e de interação democrática; e c) Diretriz 3: Integração e ampliação dos sistemas de informações em Direitos Humanos e construção de mecanismos de avaliação e monitoramento de sua efetivação; II - Eixo Orientador II: Desenvolvimento e Direitos Humanos: a) Diretriz 4: Efetivação de modelo de desenvolvimento sustentável, com inclusão social e econômica, ambientalmente equilibrado e tecnologicamente responsável, cultural e regionalmente diverso, participativo e não discriminatório; b) Diretriz 5: Valorização da pessoa humana como sujeito central do processo de desenvolvimento; e c) Diretriz 6: Promover e proteger os direitos ambientais como Direitos Humanos, incluindo as gerações futuras como sujeitos de direitos; III - Eixo Orientador III: Universalizar direitos em um contexto de desigualdades: a) Diretriz 7: Garantia dos Direitos Humanos de forma universal, indivisível e interdependente, assegurando a cidadania plena; b) Diretriz 8: Promoção dos direitos de crianças e adolescentes para o seu desenvolvimento integral, de forma não discriminatória, assegurando seu direito de opinião e participação; c) Diretriz 9: Combate às desigualdades estruturais; e d) Diretriz 10: Garantia da igualdade na diversidade; [...] (BRASIL, 2009, p. 1).

Nesse sentido, as políticas públicas desdobram-se em várias espécies de ações

estatais, na esfera federal, estadual e municipal, visando atender as demandas da sociedade

civil, podendo atuar na área da saúde, educação, assistência social.

Sendo assim, acreditamos que a problemática da efetivação dos direitos humanos é

muito mais política do que jurídica ou filosófica. Nessa linha de raciocínio, Marconi

Pequeno, em seu texto, “O fundamento dos direitos humanos”, propõe:

Talvez seja correto considerar que a grande questão que nos desafia não é de caráter filosófico, histórico ou jurídico, mas sim político. O problema político se revela do seguinte modo: como evitar que os direitos humanos sejam violados, negados, ignorados. Ora, os direitos humanos somente adquirem existência efetiva quando são vivenciados. Eis por que precisamos criar os meios que tornem possíveis a sua realização (PEQUENO, s.d., p. 3).

50

Este mesmo pensamento foi defendido por Bobbio ao afirmar o seguinte: “O

problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los,

mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político” (BOBBIO,

1992, p. 23).

Concordamos com este raciocínio desenvolvido pelos autores citados acima, e

acrescentamos que esses mecanismos a serem encontrados, para uma verdadeira efetivação

dos direitos humanos, dizem respeito justamente à participação da sociedade na construção

de uma democracia, ou seja, a liberdade de expressar-se e, manifestar-se sobre os problemas

políticos do país.

Bobbio, ao tratar do conceito de democracia, na obra “Teoria Geral da Política”, faz a

seguinte afirmação:

As definições de democracia, como todos sabem, são muitas. Entre todas, prefiro aquela que apresenta a democracia como o “poder em público”. Uso essa expressão sintética para indicar todos aqueles expedientes institucionais que obrigam os governantes a tomarem as suas decisões às claras e permitem que os governados “vejam” como e onde as tomam (BOBBIO, 2000, p. 386).

Com relação à esfera jurídica, esta ideia de participação efetiva do povo na vida

política do Estado está inserida na nossa própria Constituição, a qual prever tal necessidade

ao garantir o pluralismo político.

No Título I de nossa Carta Magna, que versa sobre os princípios fundamentais da

República Federativa do Brasil, temos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] V - o pluralismo político (BRASIL, 2008, p. 35).

Alexandre de Moraes, ao tratar do pluralismo político, explica o significado desse

princípio da seguinte forma:

Demonstra a preocupação do legislador constituinte em afirmar-se a ampla e livre participação popular nos destinos políticos do país, garantindo a liberdade de convicção filosófica e política e, também, a possibilidade de organização e participação em partidos políticos (MORAES, 2000, p. 61).

51

Dirley da Cunha Júnior também analisa e conceitua este princípio fundamental do

seguinte modo:

[...] O pluralismo político é um fundamento que assegura a realização dos postulados democráticos, garantindo a multiplicidade de opiniões, de crenças, de convicções e de ideias, que se manifestam normalmente por instituições como as associações, as entidades sindicais e, em especial, os partidos políticos (CUNHA JÚNIOR, 2012, p. 560).

Este fundamento é, sem dúvida, um dos principais alicerces para construção do

Estado Democrático de Direito, garantindo a coexistência de várias opiniões políticas e,

principalmente o direito de participação da população nas decisões e acontecimentos

políticos.

Nesse sentido, a democracia participativa brasileira pode influenciar a construção de

políticas públicas que atendam, de fato, às necessidades e direitos da população do nosso

país, seja na área da educação, saúde, questões de sexualidade e de gênero, assistência social,

respeitando o pluralismo de opiniões, de crenças, de ideologias.

A exemplo dessa maneira de construir uma democracia participativa, temos o caso da

representação ao Ministério Público. Ela pode acontecer quando um particular denuncia

alguma situação de irregularidade ou ilegalidade, que gera alguma espécie de dano ao autor

da denúncia, a terceiro, ou, ainda, a uma coletividade ou a determinado grupo de pessoas.

Assim, o MP pode propor uma ação civil pública contra aqueles que por algum ato ou

omissão causaram este dano.

Em outras situações, o Ministério Público pode atuar como órgão fiscalizador das

gestões públicas dos governantes, não apenas investigando a questão da corrupção, mas

observando também se as políticas existentes nos programas da Administração Pública e

Conselhos municipais, estaduais e federais, estão sendo praticadas com eficiência, eficácia e

efetividade, ou se irregularidades e negligências estão sendo cometidas dentro de

determinados segmentos públicos ao gerir os programas de governo.

Porém, o objetivo não é apenas criticar ou expor as falhas e condutas fraudulentas de

parte de nossos governantes, nem somente demonstrar que estas posturas são grandes

entraves à efetivação dos direitos humanos.

Haja vista que, também existem políticos compromissados, nos seus mandatos

eletivos, com a finalidade de prestar o melhor do seu trabalho para atenderem ao interesse

dos respectivos governados, inclusive agindo em prol de políticas públicas de direitos

52

humanos.

No entanto, há outra questão a ser observada quanto à aplicação dos meios de

democracia participativa, a qual se refere ao próprio exercício da política do Estado

brasileiro, pois, as decisões que dizem respeito aos direitos essenciais dos cidadãos, e

poderiam ser solucionadas no campo da política, muitas vezes são negligenciadas, cabendo

ao Judiciário resolver estas questões de políticas públicas.

Dentro dessas inversões de funções e valores dos poderes estatais, os papéis principais

do Poder Judiciário têm sido muitas vezes o de fiscalizar e punir as imprudências ou falhas

cometidas pelos poderes Legislativo e Executivo.

Alguns autores, inclusive, tem utilizado o termo “judicialização da política” para

explicar esta prática das transferências de decisões legislativas do Estado para as esferas

judiciais. A exemplo disso, podemos citar o posicionamento de Marcos Castro que, em seu

texto, “O Supremo Tribunal Federal e a Judicialização da Política”, afirma:

A judicialização da política ocorre porque os tribunais são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo se mostram falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições, ocorre certa aproximação entre Direito e Política e, em vários casos, torna-se mais difícil distinguir entre um "direito" e um "interesse político" (Castro, 1994), sendo possível se caracterizar o desenvolvimento de uma "política de direitos" (TATE, 1995 apud CASTRO, s.d., p. 2).

Esta situação não é nada favorável para o fortalecimento dos valores democráticos do

nosso país, pois se a democracia se apresenta como uma forma de governo na qual a

soberania é exercida pelo povo, o fato de as decisões políticas serem transferidas ao Poder

Judiciário retira o direito do cidadão de participar dos acontecimentos que refletem ações

voltadas para política do nosso Estado.

Nesse sentido, como uma das principais funções da democracia, além desta de

oferecer oportunidades de participação na vida política, econômica, e cultural da sociedade, é

a da proteção dos direitos humanos, ou seja, os entraves existentes em torno da formação da

democracia limitam o exercício da cidadania, impedindo uma proteção plena aos direitos

humanos.

Piovesan comenta sobre as atribuições dos poderes Legislativo, Judiciário e

Executivo; os quais são colocados em prática através da realização das tarefas incumbidas a

cada órgão público:

53

ao Legislativo compete, como destinatário das normas consagradoras de direitos e garantias fundamentais: a) proceder em tempo razoavelmente útil à sua concretização, sempre que seja necessária para assegurar a exequibilidade de normas, sob pena de inconstitucionalidade por omissão; b) mover-se no âmbito desses direitos, sendo-lhe vedado que, a pretexto da concretização de direitos por via legal, opere uma redução da força normativa imediata dessas normas, trocando-a pela força normativa da lei; c) não emanar preceitos formal ou materialmente incompatíveis com essas normas (PIOVESAN, 2003, p. 344).

No que se refere ao Judiciário, à autora explica que a este poder compete:

a) interpretar os preceitos constitucionais consagradores de direitos fundamentais, na sua aplicação em casos concretos, de acordo com o princípio da efetividade ótima e b) densificar os preceitos constitucionais consagradores de direitos fundamentais de forma a possibilitar a sua aplicação imediata, nos casos de ausência de leis concretizadoras (PIOVESAN, 2003, p. 344).

Já no que tange as atribuições do Executivo, no dizer de Flávia Piovesan:

Ao governo e à administração, incumbe-lhes um importante papel na tarefa de concretização dos direitos fundamentais, tendo em vista que, no exercício de sua competência planificadora, regulamentar, fornecedora de prestações, os órgãos da administração e do governo desenvolvem tarefas de realização de direitos fundamentais (PIOVESAN, 2003, p. 344-345).

Percebemos, portanto, que a responsabilidade do Estado para realização da cidadania

plena, e, consequentemente, da efetivação dos direitos humanos depende das atividades dos

três poderes.

De acordo com a análise dessas atribuições competente a cada órgão, percebemos que

há uma ligação entre eles, de tal modo que, em alguns momentos pode haver conflitos entre

os três poderes. Os três poderes funcionam como colunas que podem sustentar uma mudança

real na melhoria de políticas públicas de direitos humanos.

O Legislativo se compromete com a criação de programas, além de políticas públicas

de assistência social através de projetos de lei que digam respeito a direitos humanos.

O Executivo faz com que os projetos considerados eficazes e eficientes que estão

presentes no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias sejam acatados,

viabilizando suas efetivações por meio de recursos suficientes para serem colocadas em

prática estas políticas públicas.

Já o Poder Judiciário atua como fiscalizador dos poderes Legislativo e Executivo,

54

fazendo cumprir leis e tratados relacionados com direitos essenciais dos indivíduos, além de

fiscalizar o desenvolvimento das funções de órgãos relacionados ao legislativo e executivo,

para prevenir ou punir negligências e ilegalidades administrativas.

A atual Constituição estabelece o sistema tripartite (ou seja, dos três poderes), já que

no seu art.2º aduz: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o

Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, constituindo-se, inclusive, numa cláusula pétrea (art.

60, § 4º, inciso III, da Constituição Federal).

Dessa forma, entendemos que a atuação em prol da democracia participativa brasileira

também deve ser construída com o auxílio dos três poderes; de tal modo que iremos analisar

os meios de participação popular no Executivo, Legislativo e Judiciário; três poderes que

podem atuar individualmente, ou em certas situações, precisam de ações em conjunto.

No entanto, o que não deve ocorrer jamais é a prática de decisões em algum destes

poderes a qual tenha a finalidade de prejudicar ou desrespeitar a esfera de controle e as

atividades destinadas à competência de cada um desses poderes.

Por exemplo, o executivo não pode trabalhar no sentido de gerar prejuízo ao

legislativo, e, este último por sua vez não tem a permissão legal para contrariar as

incumbências concernentes ao judiciário; interferências indevidas entre os três poderes que

infelizmente não são raras na vida política do nosso país.

Sendo assim, o caminho que vai permitir o acesso da população para participação nos

meios democráticos existentes nos três poderes é o exercício da cidadania ativa e passiva, no

cumprimento de deveres e reivindicação de direitos, com respaldo no princípio da soberania

popular estabelecido no artigo 1º, § único da Constituição Federal, o qual afirma: “Todo o

poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos

termos desta Constituição” (BRASIL, 2010, p. 21).

Já o artigo 14 da Constituição Federal estabelece os meios de como a soberania

popular deve ser exercida, ao afirmar: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio

universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,

mediante: plebiscito, referendo e iniciativa popular” (BRASIL, 2010, p. 28).

Com relação aos três elementos de cidadania citados nas linhas acima

(indivisibilidade, universalidade dos direitos humanos e o processo de especificação do

sujeito de direito), no artigo sobre A responsabilidade do Estado no processo de

consolidação da cidadania, Piovesan trata de cada um desses conceitos.

A respeito da indivisibilidade dos direitos humanos, a autora explica que “cabe ao

55

Estado Brasileiro à proteção e defesa dos direitos civis e políticos, bem como a

implementação e realização dos direitos econômicos, sociais e culturais” (PIOVESAN, 2003,

p. 34).

Já no que tange à universalidade dos direitos humanos, Piovesan (2003, p. 35) afirma

que

a responsabilidade do Estado concentra-se no desafio da extensão universal da cidadania, sem qualquer discriminação. Concentrando-se, ainda, na tarefa de conferir cumprimento às obrigações internacionais assumidas relativamente aos direitos humanos, decorrentes aos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

E, em relação ao processo de especificação do sujeito de direito, Piovesan (2003, p.

36) explica que: “cabe ao Estado instituir políticas públicas que introduzam um tratamento

diferenciado e especial aos grupos sociais que, por exemplo, sofram forte padrão

discriminatório”.

Em síntese, a responsabilidade do Estado para conseguir concretizar a cidadania

consiste exatamente no fato de agir em prol do estabelecimento de medidas que possam

tornar plena a cidadania, e, isto acontece justamente através desses três elementos acima

analisados: a indivisibilidade, a universalidade dos direitos humanos e o processo de

especificação do sujeito de direito.

A cidadania constitui os elementos essenciais para efetivação dos direitos humanos, e

pode ser exercida, também, por meio de mecanismos de participação direta e indireta,

exercidos pela sociedade civil; o que mostra a importância de haver uma boa relação entre a

democracia participativa e democracia representativa na luta pela efetivação dos direitos

humanos no Brasil. Por isso, no próximo capítulo, vamos tratar especificamente da

democracia participativa, procurando mencionar as contribuições da participação popular

para a efetivação dos direitos humanos.

56

CAPÍTULO 3

OS MECANISMOS DE DEMOCRACIA PARTICIPATIVA NO BRASIL . Aspectos positivos e negativos na efetivação dos direitos humanos.

“[...] A democracia de hoje é uma democracia representativa às vezes complementada por formas de participação popular direta; a democracia dos

antigos era uma democracia direta, às vezes corrigida pela eleição de algumas magistraturas”

(BOBBIO; 2000; p. 374).

De acordo com a análise dos mecanismos de participação popular existentes no

Brasil, podemos perceber que é possível dividi-los em formas diretas e indiretas.

No caso das formas diretas podemos citar a iniciativa popular legislativa, o

referendo, o plebiscito; e no que se refere às formas de participação indireta, podemos citar

como exemplo as ouvidorias, e os Conselhos (DI PIETRO, 1993, apud ROCHA, 2011, p. 6).

Esta divisão acima citada é feita por Maria Silvia Zanella Di Pietro. No artigo “A

participação popular na gestão pública no Brasil”, Rocha estabelece o seguinte pensamento

acerca desta divisão realizada pela autora:

A professora Maria Silvia Zanella Di Pietro divide as formas de participação popular em duas grandes modalidades: formas de participação direta, como, por exemplo, a iniciativa popular legislativa, o referendo, o plebiscito; e formas de participação indireta, como a participação por meio de ouvidor, ou através da atuação em conselhos (ROCHA, 2011, p. 6).

Esta é uma divisão estabelecida quanto à forma de manifestação do mecanismo

popular, podendo ser direta ou indiretamente. No entanto, há outra maneira de classificar os

instrumentos de participação da sociedade civil, a qual também é mencionada por Rocha

neste mesmo artigo citado acima, através do seguinte trecho:

Outro critério de classificação corresponde às possibilidades de participação democrática dentro de cada um dos poderes do Estado definidos por Montesquieu [...]. Com base nesse critério, pode-se conceber, uma estrutura como a que se segue: poder legislativo: a consulta prévia, as audiências públicas, iniciativa popular, plebiscito ou referendo; poder executivo: conselhos de gestão, direito de petição, ouvidor (ombudsman); poder judiciário: ação popular, representação ao Ministério Público e ação civil pública. (ROCHA, 2011, p. 6).

57

O Brasil possui meios de participação popular no Executivo, Legislativo e Judiciário.

Baseados nisso podemos, portanto, adotar este segundo critério de classificação e dividir

estes meios de participação popular da seguinte forma: no Poder Legislativo, a consulta

prévia, as audiências públicas, a iniciativa popular, plebiscito ou referendo. Já no Poder

Executivo temos os conselhos de gestão, direito de petição, ouvidor (ombudsman) e o

orçamento participativo. E, no Poder Judiciário, por sua vez, temos a ação popular, a

representação ao Ministério Público e a ação civil pública1.

3.1 Instrumentos de Democracia Participativa no Poder Legislativo

Os instrumentos de democracia participativa do Poder Legislativo referem-se, na

grande maioria das vezes, àqueles trazidos pela própria Constituição Federal, como é o caso

do referendo, plebiscito e iniciativa popular (art. 14, CF).

Na iniciativa popular e nas audiências também há uma participação direta da

população, seja ao emitir, elaborar ou propor um projeto de lei para ser aprovado no

Congresso Nacional ou então através dos debates dentro dos órgãos do legislativo sobre

interesse de relevância para todos os cidadãos brasileiros.

Por isto, neste próximo tópico, nos dedicaremos à análise dos mecanismos de

participação popular no Poder Legislativo.

3.1.1 Consultas

A consulta é uma forma de cidadania ativa, na qual a própria legislação brasileira

prevê a possibilidade da população opinar a respeito de um determinado assunto de interesse

da coletividade. Dentro do instituto de consulta, temos o plebiscito, o referendo, a iniciativa

popular e a consulta pública propriamente dita.

O plebiscito é uma consulta prévia ao povo sobre determinada questão de interesse

coletivo. A Lei 9.709/98 estabelece que o plebiscito possa versar sobre matéria que tenha

considerável relevância constitucional, administrativa ou legislativa, podendo, inclusive,

1 Ver: BATISTA, Gustavo Barbosa de Mesquita. O público não estatal. In LYRA, Rubens Pinto. Autônoma X obedientes. A ouvidoria pública em debate. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2004, pp. 13-40. Neste artigo o prof. Gustavo Batista, citando uma fala do prof. Assis Brandão da UFPE durante a 50ª Reunião da SBPC em Natal, havia já apresentado, embora de forma sucinta, os instrumentos de democracia participativa nos três poderes no Brasil.

58

serem utilizados para aprovar ou não atos normativos.

O art. 2º, § 1º, da Lei nº 9.709/1998 estabelece: “O plebiscito é convocado com

anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou

denegar o que lhe tenha sido submetido” (BRASIL, 2008, p. 1.201).

Ou seja, o plebiscito é uma consulta popular formulada antes de um ato legislativo ou

administrativo, cabendo ao povo, através do voto, aprovar ou denegar o que lhe foi

submetido ao julgamento.

Nesse sentido, temos como exemplo de plebiscito o que é exigido no art.18, §§ 3º e 4º

da Constituição Federal, que prevê a aprovação da população diretamente interessada para

que Estados e municípios sejam incorporados uns aos outros, subdividindo-se ou

desmembrando-se, a fim de serem anexados a outros, ou, ainda, formarem novos Estados ou

municípios.

Outro exemplo aconteceu em 21 de abril de 1993, quando foi realizado, no Brasil, um

plesbicito, que teve como finalidade a decisão da população sobre o regime de governo, ou

seja, monarquia parlamentar ou república; e, ainda, sobre o sistema de governo, o qual

deveria optar pelo sistema parlamentarista ou presidencialista.

De acordo com o resultado do plebiscito, que vigora até hoje, o sistema que a

população escolheu foi o de que o Brasil deveria ser um regime republicano com sistema

presidencialista.

O referendo é outro meio de consulta à população, no entanto, este é formulado

posteriormente à aprovação de projetos de lei pelo Legislativo. Através desta forma de

consulta popular, o povo apenas irá confirmar ou rejeitar o ato legislativo criado, para saber

se deve ou não entrar em vigor (vigência do ato).

Dessa forma, o art. 2º, § 2º, da Lei 9.709 estabelece que “o referendo é convocado

com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva

ratificação ou rejeição”.

Importa ressaltar, também, que, quanto às questões de competência da União, a

autorização para realizar referendo é exclusiva do Congresso Nacional. Isto se fundamenta

com base no art. 49 da Constituição Federal, a qual estabelece: “É da competência exclusiva

do Congresso Nacional: XV – autorizar referendo e convocar plebiscito” (BRASIL, 2008, p.

53).

Porém, a Constituição Federal não estabeleceu critérios para o exercício do referendo.

Sendo assim, nas cidades em que há competência dos estados brasileiros, e do Distrito

59

Federal, o referendo, tal qual o plebiscito, será convocado de conformidade com as

constituições estaduais e com as leis orgânicas, respectivamente.

Como exemplo de utilização deste meio de democracia participativa, podemos citar o

referendo realizado em 23 de outubro de 2005, o qual foi destinado à proibição da

comercialização de armas de fogo no Brasil; por meio do qual a população optou pela livre

comercialização das armas, sendo denominado de referendo do desarmamento.

Neste referendo, houve consulta à sociedade civil quanto à possibilidade de proibição

do art. 35 do Estatuto do Desarmamento. Como consequência, a população decidiu pela não

autorização (ou seja, que o art. 35 não entrasse em vigência) deste mencionado artigo, que se

entrasse em vigor, estabeleceria: “É proibida a comercialização de arma de

fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º

desta Lei".

A partir deste resultado, o acesso ao uso do porte de armas tornou-se mais fácil,

fazendo com que houvesse um aumento da violência, criminalidade. Este aspecto comprova

o fato de que nem sempre os instrumentos de democracia participativa implicam em

fortalecimento dos direitos humanos.

Ainda no que tange ao referendo da proibição de comercialização de armas de fogo,

podemos dizer que o Governo de então, através da Secretaria Especial de Direitos Humanos

da Presidência da República e do Ministério da Justiça, entre outros órgãos desta área de

DHs, eram favoráveis à manutenção desta proibição, porque a considerava mais consoante

com os princípios do Estado Democrático de Direito, que atribuía ao Estado o monopólio da

força e também aos princípios da não violência.

Por este aspecto, podemos dizer que isto representou uma lamentável perda para os

direitos humanos, o que mostra que nem sempre a participação popular é favorável aos

princípios dos direitos humanos.

Outro exemplo, no que se refere à questão da limitação do poder de atuação dos

mecanismos de participação popular que se refere ao fato de não ser possível convocar

referendo e plebiscito, com a finalidade de alterar as cláusulas pétreas (art. 60, §4º, da

Constituição Federal).

Também podemos citar neste caso a questão a proibição da pena de morte que é

cláusula pétrea, pois, foi previsto na Constituição Federal de 1988. Sendo assim, não pode ser

alterada por emenda constitucional, plebiscito ou referendo ou qualquer outra forma de

mobilização popular. Importa observar, ainda, que após promulgação da Carta Magna de

60

1988, o Estado brasileiro ratificou os acordos internacionais da ONU e da OEA contra a pena

de morte.

Conforme vimos anteriormente com relação aos princípios de constitucionalismo,

trata-se de um caso exemplar de limitação da soberania popular para garantir os direitos

fundamentais e assim evitar a tirania da maioria sobre as minorias ou, retrocessos nas

conquistas históricas.

Já a consulta pública é definida pelo Decreto nº 8.243/2014, a qual estabelece no

seu art. 2º, inciso IX:

Consulta pública – mecanismo participativo, a se realizar em prazo definitivo, de caráter consultivo, aberto a qualquer interessado, que visa a receber contribuições por escrito da sociedade civil sobre determinado assunto, na forma definida no seu ato de convocação (BRASIL, 2015, p. 1 a 2).

Como exemplo de consulta pública, podemos citar o caso do art. 28 da Lei Estadual n.

10.177/1998, a qual regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública do

Estado de São Paulo, o qual regulamenta:

Artigo 28 - Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, autorizar consulta pública para manifestação de terceiros, antes da decisão do pedido, se não houver prejuízo para a parte interessada. § 1º - A abertura da consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que os autos possam ser examinados pelos interessados, fixando-se prazo para oferecimento de alegações escritas. § 2º - O comparecimento à consulta pública não confere, por si, a condição de interessado no processo, mas constitui o direito de obter da Administração resposta fundamentada (BRASIL, 2015, p. 7 a 8).

Também podemos exemplificar a consulta pública através da seguinte situação

relatada no art. 31 da Lei nº 14.184/2002, o qual regulamenta:

Art. 31 Quando a matéria do processo envolver assunto de interesse geral, o órgão competente poderá, mediante despacho motivado, antes da decisão do pedido, promover consulta pública para manifestação de terceiros, se não houver prejuízo para a parte interessada. § 1º A consulta pública será objeto de divulgação pelos meios oficiais, a fim de que o processo possa ser examinado pelos interessados, fixando-se prazo para oferecimento de alegações. § 2º O comparecimento à consulta pública não confere ao terceiro a condição de parte no processo, mas lhe garante o direito de obter da

61

Administração resposta fundamentada. § 3º Os resultados de consulta, audiência pública ou outro meio de participação de administrados serão apresentados com a indicação do procedimento adotado (BRASIL, 2015, p. 5).

Os dois exemplos acima citados são os típicos exemplos de consulta pública existente

no Brasil como forma de democracia participativa referente ao Poder Legislativo. Mas, é

também comum observarmos esta expressão “consulta pública” nos sites do Governo

Federal, inclusive, em órgãos relacionados ao Poder Executivo.

Neste caso, se trata mais de um recurso da Administração Pública para possibilitar

transparência sobre a destinação dos recursos públicos da União do que um mecanismo de

participação popular propriamente dito; uma vez que, a consulta pública tem natureza de

instrumento de participação popular relacionado ao Poder Legislativo e não as outras duas

esferas (judiciário e executivo).

Isto porque a legítima consulta pública, a qual é prevista em leis, implica em uma

manifestação, necessariamente escrita, de um indivíduo ou de uma coletividade contra um

ato ou decisão do Governo, o qual prejudique ou interfira em assuntos que digam respeito ao

interesse público.

Esta manifestação popular denominada consulta pública pode ocorrer na forma de um

recurso administrativo, por exemplo, ou um recurso jurídico, justificando o porquê do

interessado (membro da sociedade civil) está se opondo à decisão tomada pela Administração

Pública.

Os sites “Portais de Transparências” do Governo são exemplos deste tipo de consulta

pública, que não é propriamente um instrumento de participação popular stricto sensu,

apenas se trata de mais uma forma de dar publicidade aos atos administrativos e das contas

públicas do Estado brasileiro.

Como exemplo destes sites sobre transparências de contas públicas, podemos citar

estes abaixo:

• http://www.cgu.gov.br/assuntos/transparencia-publica. Este site está

relacionado à Controladoria-Geral da União da Presidência da República, e,

possui como finalidade averiguar se os recursos públicos estão sendo utilizados

da maneira correta, incluindo as ações e programas da Controladoria-Geral da

União.

• http://www1.fazenda.gov.br/transparencia/. Este site diz respeito ao Ministério

da Fazenda, e, tem como finalidade divulgar dados referentes às despesas

62

realizadas por todos os órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta

do Governo Federal.

• http://gemeos.org/tp/servidor/inicio. Este site está vinculado ao site “Política

Aberta” e divulga a transparência das contas públicas de todos órgãos públicos

do Poder Executivo.

Por fim, podemos dizer, portanto, que este tipo de consulta pública é um mecanismo

popular no sentido amplo, que permite um maior controle e fiscalização dos recursos

públicos por parte dos cidadãos, embora não seja stricto sensu um instrumento de

participação popular, é um instrumento que possibilita aos cidadãos de ter acesso às

informações sobre as políticas públicas desde o governo federal até o municipal.

3.1.2 Iniciativa popular

A Iniciativa popular consiste no mecanismo de democracia participativa, o qual

implica na apresentação de um projeto de lei de iniciativa da própria população ao Poder

Legislativo.

Este instrumento de participação popular permite ao povo submeter para aprovação

do Congresso Nacional textos de lei de grande importância para a sociedade. Dessa forma, o

art. 61, § 2º, da Constituição Federal estabelece:

A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (BRASIL, 2008, p. 56).

Ou seja, para sua aceitação, é exigido que o projeto esteja subscrito por, no mínimo,

1% do eleitorado nacional (atualmente 1 milhão e 400 mil eleitores), distribuído por, pelo

menos, cinco Estados, com não menos do que três décimos (0,3%) de eleitores em cada um

desses Estados.

Um exemplo de uma lei decorrente da iniciativa popular é a Lei Complementar nº

135/2010, denominada de Lei da Ficha Limpa, a qual surgiu de uma campanha do

Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, da qual participaram várias organizações da

sociedade civil, sendo que conseguiram coletar 1,3 milhão de assinaturas para o projeto.

63

A Lei da Ficha Limpa tem como finalidade combater a improbidade administrativa,

proteger a moralidade exigida para o exercício de mandato, e, regulamentar a normalidade e

legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou abuso do poder político.

Esta Lei Complementar nº 135/2010 foi uma importante conquista da sociedade civil,

pois, por ser uma medida de combate à corrupção política, e, uma maneira de melhor

fiscalização pela sociedade civil.

No artigo “Das novas inelegibilidades da lei complementar 135/2010: questões

constitucionais”, Castro Pinto comenta a respeito das principais contribuições desta lei,

estabelecendo os seguintes pontos principais:

1) O período de inelegibilidade passou para oito anos para todos os casos previstos, desde decisão judicial transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado; 2) o rol dos crimes que acarretam inelegibilidade foi ampliado passando a abranger os crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público [...]; 3) passam a ser considerados inelegíveis o Presidente da República, Governadores, Prefeitos e Parlamentares que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento da representação ou petição para a abertura de processo por infringência a dispositivo das Constituições Federal e Estadual e as leis orgânicas de estados, municípios e Distrito Federal para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos oito anos subsequentes ao término da legislatura; 4) passam a ser considerados inelegíveis os que forem condenados por ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito e lesão ao patrimônio público; 5) tornam-se inelegíveis os condenados por terem simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade; 6) passam a ser inelegíveis os profissionais que tenham sido excluídos do exercício de suas profissões por decisão administrativa de seus órgãos de classe, em decorrência de infração ética e profissional; 7) tornam-se inelegíveis os que tenham sido demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial [...] (PINTO, s.d. p. 6-7).

Percebe-se que o legislador procurou reforçar o caráter punitivo para os

administradores corruptos ou de gestão ineficiente por governantes que visam interesses

pessoais através de bens públicos.

O resultado de uma lei como esta implica em auxílio no desenvolvimento da

democracia participativa brasileira, pelo fato de poder ocorrer denúncia pela sociedade civil,

também por esta rigidez na aplicação das penalidades para os crimes e improbidades

cometidas, isto faz com que intimide mais os representantes, evitando danos aos cofres

64

públicos.

Outro exemplo de projeto de iniciativa popular, o qual culminou com a aprovação da

Lei nº 9.840/99, é a denominada Lei Contra a Compra de Votos, a qual possibilita a

cassação de mandatos por compra de votos e uso eleitoral da máquina administrativa.

O aspecto negativo da iniciativa popular é a dificuldade que a sociedade civil encontra

para recolher uma quantidade de assinaturas tão grande de indivíduos que busquem soluções

para questões sociais, através destes projetos de iniciativa popular.

Na grande maioria das vezes, a sociedade civil não está preparada para lutar por

interesses coletivos, pois, ainda somos mais voltados às preocupações de direitos individuais,

o que dificulta um pouco a utilização desse instrumento de democracia participativa.

E esta exigência da CF/88 de que o projeto de lei seja subscrito por um mínimo de um

por cento (1%) do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não

menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles, representa um percentual

muito acima da média no que se refere ao número de pessoas que estão dispostas a assinarem

um projeto de lei para sanar problemáticas relacionadas às políticas sociais do Estado.

O aspecto positivo da iniciativa popular encontra-se no fato de ser uma forma de

instrumento de participação popular que faz com que a sociedade civil participe diretamente.

Além disso, se encontra indiretamente relacionado à defesa dos direitos humanos, porque a

corrupção retira ou desvia dinheiro dos cofres públicos das políticas públicas e esta lei

permite um controle sobre esses recursos públicos.

Isto quer dizer que este instrumento de participação popular é mais uma maneira de

contribuir com o bom andamento da democracia brasileira.

3.1.3 Audiências públicas

No texto “A audiência pública como instrumento de efetivação dos direitos sociais”,

César estabelece a seguinte definição:

A audiência pública administrativa é um instrumento colocado à disposição dos órgãos públicos para, dentro de sua área de atuação, promover um diálogo com os atores sociais, com o escopo de buscar alternativas para a solução de problemas que contenham interesse público relevante. Também pode servir como instrumento para colheita de mais informações ou provas (depoimentos, opiniões de especialistas, documentos, etc.) sobre determinados fatos. Nesse evento, também podem ser apresentadas

65

propostas e críticas (CÉSAR, 2011, p. 4).

Audiência pública não deve ser confundida com consulta pública, porque nesta última

existe apenas uma manifestação por escrito da sociedade civil sobre matéria de interesse

coletivo. A consulta pública é comum em processos jurídicos ou administrativos que tenham

uma repercussão geral. Neste caso, abre-se autorização para manifestações por escrito, que

pode ser um recurso (administrativo ou jurídico), por exemplo, dos interessados dentro da

sociedade civil contra uma decisão da Administração Pública.

A Audiência Pública é um instrumento que remete a uma decisão política ou legal

com legitimidade e transparência. O processo se dá pela tomada de decisão administrativa ou

legislativa, e a autoridade competente abre espaço para que todas as pessoas, reunidas em

sessão legislativa (audiência pública), possam opinar sobre a decisão estabelecida mediante o

encerramento do processo.

As decisões tomadas em audiências públicas não vinculam a decisão, uma vez que,

por possuir caráter consultivo, a autoridade a qual conduz esta espécie de democracia

participativa não está obrigada a segui-las, deve analisa-las segundo seus critérios,

acolhendo-as ou rejeitando-as.

Em outras palavras, podemos definir Audiência Pública como o instrumento que visa

conscientizar a comunidade sobre qual a política pública ou projeto social deve ser instalado,

de tal modo que permite a participação dos cidadãos nos temas de interesse público.

O art. 32 da Lei 9.784/99 estabelece: “Antes da tomada de decisão, a juízo da

autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para

debates sobre a matéria do processo” (BRASIL, 2015, p. 32).

Outra menção que é feita a este instituto democrático está no art. 2º, inciso VIII, do

Decreto 8.243/2014, o qual estabelece: “audiência pública – mecanismo participativo de

caráter presencial, consultivo, aberto a qualquer interessado, com a possibilidade de

manifestação oral dos participantes, cujo objetivo é subsidiar decisões governamentais”

(BRASIL, 2015, p. 1).

Como exemplo desta espécie de democracia participativa, Rubens Pinto Lyra cita a

seguinte audiência pública:

[...] a audiência pública, realizada pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados, em Brasília, em agosto de 2007, suscita expectativas promissoras. Nela se debateu a instituição de um sistema de ouvidorias autônomas e democráticas, com ouvidores escolhidos

66

por colegiados externos ao poder fiscalizado, dotado de mandato e de efetivas atribuições para combater a injustiça, a ineficiência e a corrupção que grassam no serviço público brasileiro (LYRA, s.d., p. 9-10).

Percebemos que a finalidade da audiência pública, embora não seja de cunho

vinculante, torna-se um meio de ouvir os cidadãos quando os assuntos da esfera tanto

administrativa como judiciária e legislativa diga respeito a uma questão de interesse público.

A audiência pública é um instrumento de democracia participativa, em regra, do

Poder Legislativo, porque a única referência à audiência pública no texto da Constituição

Federal diz respeito ao processo legislativo. Uma vez que o art. 58, §2º, inc. II, da CF/88

estabelece:

Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. [...] §2º Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: [...] II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil [...] (BRASIL, 2008, p. 55).

No entanto, é muito comum as autoridades do Poder Executivo estabelecer audiência

pública. A grande maioria das audiências públicas que acontecem na esfera do executivo tem

as seguintes finalidades: garantir transparência na gestão dos recursos públicos, na

elaboração de contratos públicos de grande interesse social, além de propiciar a participação

popular na elaboração de projetos de leis e edição de normas pelas agências reguladoras as

quais impliquem afetação dos direitos de agentes públicos.

Nesse mesmo sentido, os órgãos da esfera do Poder Judiciário também realizam

audiências públicas no desempenho de função administrativa. Por exemplo, o ordenamento

jurídico brasileiro expressamente prevê a realização de audiência pública no âmbito do

controle abstrato de constitucionalidade.

O aspecto positivo desta análise de democracia participativa está relacionado ao fato

de que ela tem uma intervenção direta da sociedade civil, a qual pode opinar sobre as

necessidades mais urgentes, transformando a audiência em um indutor de democracia

participativa brasileira. Uma vez que, permite debates sobre políticas sociais e ações

governamentais em prol das implementações dos projetos voltados para área de direitos

humanos.

67

Existe, porém, o lado negativo desta política pública, porque o que é debatido dentro

das audiências públicas tem apenas caráter consultivo, as decisões estabelecidas não são

necessariamente tornadas obrigatórias de serem executadas. Logo, este aspecto pode tornar a

audiência pública apenas numa forma de autopromoção de representantes para tentar manter-

se no poder como forma de recurso eleitoreiro.

Ou seja, assessores e representantes políticos prometem projetos sociais

deslumbrantes para a sociedade civil, porém, as matérias contidas neles sequer chegarão a

serem discutidos na Câmara Legislativa ou Senado Federal para possibilidade de executá-los.

3.2 Instrumentos de Democracia Participativa no Poder Executivo

Estes mecanismos de participação popular do Poder Executivo são maneiras de

melhor fiscalizar as funções administrativas do Estado brasileiro nesta esfera. Estes meios

democráticos também visam possibilitar mais qualidade para o Brasil na responsabilidade da

gestão da máquina pública, bem como executar políticas sociais a fim de atender as

necessidades da população, através de ações governamentais.

3.2.1 Conselhos de gestão de políticas públicas

Os Conselhos de Gestão de Políticas Públicas são chamados também de Conselhos de

Direitos. No capítulo 4, tratamos diretamente sobre os Conselhos de Direitos no que tange às

áreas temáticas voltadas para políticas públicas em direitos humanos.

De acordo com o Portal Transparência da Controladoria-Geral da União, vinculado ao

Governo Federal, temos a seguinte definição para Conselhos de Gestão de Políticas Públicas:

Os conselhos gestores de políticas públicas são canais efetivos de participação, que permitem estabelecer a uma sociedade na qual a cidadania deixe de ser apenas um direito, mas uma realidade. A importância dos conselhos está no seu papel de fortalecimento da participação democrática da população na formulação e implementação de políticas públicas. [...] Os conselhos são espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil, de natureza deliberativa e consultiva, cuja função é formular e controlar a execução das políticas públicas setoriais. Os conselhos são o principal canal de participação popular encontrada nas três instâncias de governo (federal, estadual e municipal) (BRASIL, 2015, p. 1).

Em outras palavras, os Conselhos de Gestão são constituídos, normalmente, por uma

68

composição paritária, ou seja, possui um número igual de membros da sociedade civil e

entidades governamentais.

São criados por lei, e regidos por regulamento aprovado por seu plenário. Importa

observar que os Conselhos tem caráter obrigatório, já que os repasses dos recursos

permanecem condicionados à sua existência.

Nesse caso, as atribuições dos Conselhos podem ser consultivas, deliberativas e/ou de

controle.

No site de DHnet, o qual não especifica o nome do autor, apenas publica um ensaio de

autoria do próprio site, o artigo denominado “caracterização dos Conselhos em nível

nacional, estadual e municipal” - “Módulo II – Conselhos de Direitos Humanos”, estabelece,

em síntese, as características das principais funções destes Conselhos, quais sejam:

- Devem ter poder deliberativo [...]; - Devem levar em consideração as reivindicações dos diversos grupos sociais e atuar na implementação e controle dessas políticas; - Devem ser criados por iniciativa do executivo ou, em caso de omissão deste, por uma ação civil pública [...]; - Devem ser representativos de legítimas instituições atuantes nos segmentos ligados à área de atuação do conselho; - Devem ser compostos de forma paritária por representantes do governo e da sociedade. O estabelecimento da paridade vai depender da área temática, dos representantes e também da história, democrática e participativa ou não, que levou à construção do conselho. - Devem dispor de fundos para financiar políticas específicas. Os recursos para o funcionamento dos conselhos devem ser assegurados no orçamento federal, do estado ou do município (DHNET, 2015, p. 3).

Além disso, podemos citar como forma de conselhos existentes os conselhos

nacionais, estaduais e municipais. Quanto aos conselhos nacionais, temos:

Os conselhos devem estar vinculados administrativamente aos Ministérios respectivos ao seu interesse temático e dos direitos. Deliberam sobre questões no âmbito na política nacional e suas decisões devem ser parâmetros tanto para os órgãos nacionais, quanto para estados e municípios (DHNET, 2015, p. 3).

Atualmente, existem várias espécies de Conselhos federais: Conselho Nacional dos

Direitos do Idoso – (CNDI); Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – (CNDM);

Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência (CONADE); Conselho

Nacional de Promoção da Igualdade Racial – (CNPIR); Conselho Nacional de Combate à

69

Discriminação (CNCD); Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

(CONANDA); Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH).

Já no que se refere aos Conselhos Estaduais possuem as seguintes características:

São criados por lei estadual, estão vinculados administrativamente às Secretarias de Estado das respectivas áreas temáticas dos direitos e não devem estar sujeitos a nenhuma subordinação hierárquica. Deliberam sobre questões no âmbito na política estadual e suas decisões devem ser parâmetros tanto para os órgãos estaduais, quanto para os municípios (DHNET, 2015, p. 4).

Já no tocante aos Conselhos Municipais, temos os aspectos relatados a seguir:

O conselho deve ser criado por lei municipal e, para o exercício de suas atribuições, não pode ficar sujeito a qualquer subordinação hierárquica. Deliberam sobre questões no âmbito na política municipal e suas decisões devem ser parâmetros para os órgãos municipais e para a execução das ações públicas governamentais e não governamentais (DHNET, 2015, p. 4).

Dentro de cada uma de suas competências e funções, estes conselhos de políticas

públicas também possuem uma parcela de sua contribuição para a sociedade civil participar

mais ativamente da democracia participativa.

No texto “Conselhos Estaduais de Educação e democracia participativa”, a autora

Sampaio Castro estabelece o seguinte pensamento:

Numa democracia participativa como a brasileira, os Conselhos de Direitos ou Gestores têm grande importância no cenário nacional, configurando-se searas de participação popular, por meio da representação da sociedade civil, com atribuição de participarem da formulação das políticas públicas e fiscalizarem o seu cumprimento, razão pela qual é imprescindível que tenham caráter deliberativo e não só consultivo. Assim, no nosso entender, é imprescindível a participação dos representantes da sociedade civil na composição dos Conselhos de Direitos, sem a qual tais órgãos colegiados passam a ser simples espaços de ratificação das decisões tomadas pelo Poder Público, posto que compostos apenas por representantes por ele indicados, os quais, por certo, defenderão apenas os seus próprios interesses, correndo-se o risco de serem deixados de lado os interesses do povo, em especial das minorias socialmente excluídas (SAMPAIO CASTRO, s.d., p. 1-2).

De notar-se que os Conselhos de Direitos ou Gestores são os principais meios de

70

participação popular, porque nesses residem a principal fonte de comunicação entre

sociedade civil e os representantes do Estado.

Na própria composição dos Conselhos é imprescindível que existam membros que

representem os ideais e os anseios dos grupos da população brasileira.

Este é o aspecto positivo deste instrumento de participação popular para efetivação

dos direitos humanos, porque não existe nada mais eficaz do que a própria população auxiliar

e interagir no processo de construção e execução de políticas sociais voltadas para efetivar

direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.

Isto acontece porque a população conhece as limitações e carências dos serviços

públicos oferecidos pelo Estado por vivenciarem estas falhas no sistema de representação na

prática, seja no acesso ao trabalho, ou mesmo à saúde, à alimentação, à moradia.

Sampaio Castro explica:

Os Conselhos de Direitos, em suas mais diferentes áreas (meio ambiente, saúde, educação, idoso, pessoa com deficiência, etc.), devem existir em todos os níveis da federação, posto que são órgãos formuladores de políticas públicas e, como tal, devem deliberar sobre as políticas públicas nacionais, estaduais e municipais, numa forma de expressão da democracia participativa. [...] Nesse sentido, não há como concebermos Conselhos de Direitos sem a participação popular, pois se compostos apenas por representantes do poder público, funcionarão apenas como órgãos consultivos do governo, assessorando-o tecnicamente, como se fossem apenas um braço da Administração Pública. [...] Nos Conselhos de Direitos, o poder de decisão é partilhado e as ações e políticas públicas das três esferas da federação sofrem o controle social por meio da presença da sociedade civil em sua composição, cujos representantes devem ser em igual número que os do poder público (CASTRO, s.d, p.5).

Por outro lado, o que importa nos Conselhos é a existência do caráter executivo, ou

seja, as políticas públicas devem ser colocadas em prática com auxílio das entidades

governamentais e também com a participação da sociedade civil.

É isto que defendemos no capítulo 4 de maneira mais detalhada. Utilizamos o

Conselho Nacional da Criança e do Adolescente como exemplo para melhor

compreendermos o funcionamento de uma política pública em direitos humanos e em que

consiste a função dos Conselhos para possibilitar que o projeto social seja implantado com

êxito em prol dos cidadãos.

O aspecto negativo reside no fato de que muitos destes Conselhos não conseguem

chegar a esta etapa de execução da política pública; de maneira que apenas há o caráter

deliberativo e consultivo.

71

Em outras palavras, os membros da sociedade civil verbalizam e decidem juntos com

as entidades governamentais e, também, não governamentais. No entanto, muitas vezes, não

há uma participação direta na criação de políticas sociais para solucionar as problemáticas

debatidas.

Dessa maneira, quando as participações de indivíduos da sociedade civil e, dos

membros de órgãos públicos acontecem somente de forma consultiva ou fiscalizatória, torna-

se enfraquecida a possibilidade de auxiliar, de fato, para o fortalecimento dos direitos da

pessoa humana.

Outro aspecto negativo que podemos mencionar, é que, muitas vezes, a participação

da sociedade civil nesse importante instrumento pode ser prejudicada porque há uma

partidarização dos representantes da sociedade civil, os partidos procuram interferir,

controlar, manipular a participação popular para a obtenção de votos.

Assim, quando uma política pública é bem implantada por um Governo e há uma

mudança de gestão, a outra gestão, para defender interesses partidários, prefere não manter o

projeto social, ainda que esteja beneficiando a sociedade civil.

Apesar disso, esta questão não retira a importância dos Conselhos onde eles

conseguem manter a autonomia dos representantes da sociedade civil e evitar a

partidarização.

Por isso, a atuação dos Conselhos é essencial para a efetivação do controle de

fiscalização e acompanhamento das políticas públicas existentes na esfera municipal,

estadual, e, federal, devendo procurar atender aos vários âmbitos de necessidades da

população (meio ambiente, saúde, educação, idoso, pessoa com deficiência, violência contra

mulher, proteção à criança e ao adolescente etc.), sendo este um aspecto positivo deste

instrumento de participação popular.

No capítulo seguinte, nós utilizaremos como exemplo desta participação da população

civil dentro dos Conselhos, a análise do Conselho da Criança e do Adolescente

(CONANDA), visando verificar as políticas sociais desenvolvidas nesta área da proteção aos

direitos humanos na questão dos direitos essenciais da criança e do adolescente no Brasil.

3.2.2 Direito de petição

O direito de petição está presente na própria Constituição Federal no art. 5º, inciso

XXXIV, o qual estabelece: “São a todos assegurados, independentemente do pagamento de

72

taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade

ou abuso de poder” (BRASIL, 2008, p. 37).

Eneida Salgado e Geisla Mendes, em seu texto, “O direito de petição sob perspectiva

[...]”, estabelecem o seguinte sobre o direito de petição:

O direito de petição, nesse contexto, representa abertura para a ação real, de ingerências da multiplicidade e complexidade fenomênica dos fatos sociais, de exercício do direito de participação como direito fundamental, possuindo o condão de materializar os princípios constitucionais estruturantes do Estado brasileiro, estabelecidos no art. 1º, caput, da Constituição de 1988, como o princípio democrático e o Estado de direito (MENDES; SALGADO, 2015, p. 6).

O direito de petição é outro instrumento de democracia participativa, que possui a

finalidade de aplicar o direito de utilizar determinados remédios e garantias constitucionais

para exercer seus direitos fundamentais, atendendo a interesses privados e coletivos, sendo

um dos meios mais elementares, a fim de que haja o mínimo de democracia no Brasil.

Como exemplo deste tipo de mecanismo democrático podemos citar este trazido no

artigo “Do direito de petição e obtenção de certidões junto às repartições públicas”, por

Nadal Pedro, o qual estabelece:

Por conatural, o direito à obtenção de certidão dos Poderes Públicos decorre do exercício do direito de petição, porquanto, nesta senda, os órgãos públicos somente agem mediante provocação do interessado, vertida em linguagem competente e materializada na petição em si mesmo considerada (3). Assim é que, e.g., se o interessado em obter esclarecimentos de determinado órgão público municipal, verbaliza sua irresignação à porta da entidade pública e de lá se retira, não exercita, ultima ratio, seu direito de petição. Faltaria, in casu, sua formalização em linguagem competente e, por conseguinte, não vincularia o indigitado ente público municipal (PEDRO, 2001, p. 1)

Este mecanismo de participação popular implica apenas num direito de requerer, junto

aos órgãos públicos competentes, o seu direito subjetivo, quando passível de deferimento nos

termos constitucionalmente previstos, de acordo com o art. 5º, XXXIV, "b", da CF/88.

Por assim dizer, o mecanismo de participação popular quanto mais estiver

condicionado à ação do próprio cidadão para fazer valer o direito é considerado muito mais

eficiente na efetivação dos direitos humanos.

No entanto, quando este instrumento democrático é muito dependente da atuação do

Estado, a tendência é que exista menos desenvolvimento de democracia participativa e,

73

consequentemente a efetivação dos direitos humanos ocorre de maneira mais fraca.

Este, portanto, seria um aspecto negativo: a pouca participação popular no direito de

petição. O aspecto positivo trata-se de que, ao exercermos o direito de petição, estamos nos

valendo de um direito fundamental estabelecido na Constituição Federal, e, assim, ainda que

indireta e individualmente, estamos protegendo direitos de toda pessoa humana ou de todos

os cidadãos, mesmo sendo na defesa de direitos e de interesse pessoal.

3.2.3 Ouvidoria

Primeiramente, é preciso esclarecer que há dois tipos de Ouvidorias: as denominadas

ouvidorias subordinadas (modelo hegemônico de ouvidoria) existentes no Poder Executivo,

que são órgãos de governo, e não são institutos representativos da sociedade, além disso, são

instrumentos partidarizados. Nessas espécies de ouvidorias, a escolha ocorre por meio de

indicação pela gestão do Governo no momento.

No entanto, existe, também, a ouvidoria pública, a qual possui um certo grau de

autonomia e é legitimada democraticamente, pois, a escolha dos ouvidores nessa espécie de

ouvidoria acontece através do Legislativo, ou por entidades representativas, ou, ainda, por

ambos simultaneamente.

Lyra (2014, p. 139 e p. 140) estabelece o seguinte conceito sobre ouvidoria pública:

O vínculo da ouvidoria pública com a democracia é ontológico. Ela se constitui como espaço e forma de exercício de controle da sociedade, ou, se preferir, da cidadania, em relação à res publica, vale dizer, a todas as instituições republicanas. Por isso, lhe é inerente, não só o zelo pelo respeito aos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade, transparência e eficiência no serviço público, mas, também, a defesa dos direitos humanos, a busca da promoção da justiça e da inclusão social.

Essa ouvidoria pública democrática se assemelha ao Ombudsman, já que nesse

instituto, também, a escolha é legitimada democraticamente, seja pelo Legislativo, seja por

entidades representativas da sociedade, seja por ambos.

Porém, as ouvidorias, tanto no caso das subordinadas como no caso das públicas

(democráticas), não podem ser confundidas com o Ombudsman, porque esse último se refere

a um instituto que atua no âmbito judicial, ou, que é, de qualquer forma, dotado de poderes

74

coercitivos, além de que goza elevado status funcional (superior a de Ministro de Estado).

Este instituto ombudsman existe, por exemplo, em países tais como Canadá, EUA, Irlanda do

Norte, Austrália e Bélgica.

Ferla e outros definem da seguinte forma o ombudsman:

Organização liderada por um indivíduo nomeado ou eleito segundo a lei; cujo papel é receber reclamações ou queixas dos cidadãos relativas a atos administrativos ou decisões das agências governamentais, das quais o Ombudsman é independente; e que se reporta ao Legislativo, como parte deste Poder, recomendando ações corretivas e publicando relatórios (VALDÉS, 2005, apud FERLA et al., s.d., p. 23).

Podemos, porém, perceber a diferença entre ombudsman e ouvidor melhor definido

na obra denominada “Defensorías del pueblo y ouvidorías en iberoamérica”, de Lyra (2012,

p. 245), o qual faz a seguinte distinção:

Las ouvidorías tienen, en la esfera administrativa, en lo cotidiano de los usuarios de esa, actuación intensa, así como ocorre con los titulares del instituto europeos. Actuacíon esa mayor que la de estos, por razón de su presencia en todos los espacios, en centenas de instituciones, y en todo el territorio nacional. No obstante, hay que reconocer que lo hacen con diferentes grados y modalidades de legitimación política.

Na verdade, o verdadeiro ombudsman de origem europeia não existe no nosso Estado.

O órgão autônomo brasileiro que mais se assemelha a esse instituto europeu é o Ministério

Público. Uma vez que o MP também tem poder fiscalizatório e de punição, possuindo

competência para intervir nas políticas públicas diretamente, já que atuam no âmbito judicial.

Em alguns casos, porém, o ouvidor apresenta características muito parecidas com o do

ombudsman, como neste caso citado por Lyra (2012, p. 245):

Algunos ouvidores se asemejan fuertemente al ombudsman, pues, como estos, son elegidos por colegiados externos a la institución fiscalizada, sin ninguna participación del Poder Ejecutivo o Legislativo en su elección, hecha por entidades representativas de la sociedad. Es el caso, por ejemplo, del ouvidor del municipio de Santo André (SP). Gozan de total autonomía, y en su elección – como en las elecciones de numerosas olvidarías – no están presentes elementos de naturaleza partidaria.

Lyra (2012, p. 245) explica, ainda, que há universidades que escolhem os ouvidores

diretamente através de seus respectivos Conselhos Universitários, não por meio de reitores.

75

Esses são casos típicos, portanto, de ouvidorias públicas democráticas.

Através de pesquisas feitas em sites de instituições públicas, podemos dizer que essa

situação acontece, por exemplo, com a Ouvidoria da Universidade Federal da Paraíba e com

a Ouvidoria da Universidade Federal de Goiás.

Porém, há outra espécie de ouvidoria, que se refere à ouvidoria privada, podemos

definir essa como sendo um serviço disponível ao cidadão para registrar reinvindicações,

denúncias, sugestões, e elogios referentes aos vários serviços disponíveis à sociedade civil.

Lyra, em “A ouvidoria pública no Brasil: modelos em disputa”, afirma que na

ouvidoria de uma empresa privada “não é a universalidade dos cidadãos que é

potencialmente demandante”. Mais adiante explica, ainda, sobre ouvidoria privada, que,

todos eles (os cidadãos) não são:

Sujeitos de direitos, mas, tão somente, consumidores, que buscam bens para a satisfação de suas necessidades (estas, muitas vezes, criadas pelos próprios agentes econômicos, como sobreposição ilusória às necessidades humanas) e são atendidos por agentes privados, em relações de troca mediadas pelo valor monetário. Cidadania implica universalidade, consumo implica poder de compra. O mercado rompe com o princípio fundante da cidadania e, nele, os direitos humanos deixam de ser atributos do cidadão. Chega-se a confundi-los com o direito à livre iniciativa dos agentes econômicos. (CARBONARI, 2004, apud LYRA, 2014, p. 141)

É comum a existência de ouvidorias privadas em empresas as quais trabalhem com

serviços essenciais a população, sem ser considerada empresa de natureza pública; por

exemplo, em empresas concessionárias de energia elétrica.

Também existe outra situação em que podemos definir como ouvidoria privada (de

empresa privada) que é aquela relacionada a prestar informações para a população brasileira.

Assim, citamos como exemplo as ouvidorias existentes nos jornais.

No caso do jornal Folha de São Paulo, apesar do instituto nela existente ter sido

denominado de Ombudsman, percebemos que o funcionamento é de uma ouvidoria privada.

Inclusive, é comum esta prática, aqui no Brasil, por algumas instituições privadas, porque

algumas delas utilizam o ombudsman como sinônimo de ouvidor.

Mas, a diferença, acima citada, entre estes dois institutos (ouvidoria e ombudsman)

deve ser considerada.

Necessário, também, é diferenciar as ouvidorias públicas autônomas e as

subordinadas.

Sendo assim, as ouvidorias que servem como instrumentos de democracia

76

participativa são as ouvidorias públicas democráticas, ou seja, as autônomas; e as ouvidorias

públicas subordinadas, pois, essas apesar de estarem condicionadas a gestões do Poder

Executivo, também, possibilitam aos cidadãos influenciarem nos processos de decisões

administrativas do Estado.

As ouvidorias criadas em órgãos públicos geralmente servem para auxiliar o Estado

na esfera federal, estadual e municipal; por exemplo, o ouvidor agrário do governo federal.

Essas ouvidorias também agem na fiscalização orçamentária e no cumprimento de

decisões técnicas. A exemplo disso, Célia Pitchon cita o caso da Ouvidoria Pública do Estado

de Minas Gerais:

A Ouvidoria-Geral do Estado de Minas Gerais (OGE) foi criada pela Lei n. 15.298, de 6 de agosto de 2004, como órgão autônomo, tanto no âmbito administrativo, orçamentário e financeiro, quanto em suas decisões técnicas, estando vinculada diretamente ao Governador do Estado, visando auxiliar o Poder Executivo na fiscalização e no aperfeiçoamento de serviços e atividades públicas. [...] O Ouvidor-Geral e o Ouvidor-Geral Adjunto são escolhidos entre cidadãos com mais de 35 anos, de reputação ilibada e com formação universitária, indicados pelo Governador do Estado e por ele nomeados, se aprovados pela Assembleia Legislativa. [...] Todos os ouvidores possuem mandato, o que fortalece a autonomia e a independência necessárias ao exercício da função. [...] O cargo de Ouvidor-Geral do Estado tem prerrogativas e representação de Secretário de Estado, não possuindo subordinação hierárquica a nenhum dos Poderes do Estado ou a seus membros (PITCHON, s.d., p. 2).

Percebemos, portanto, que a Ouvidoria Pública deve ser criada de maneira autônoma

dentro dos órgãos públicos federais e municipais, e com a finalidade de possibilitar a

sociedade civil uma fiscalização na qualidade dos serviços públicos, através de críticas e

denúncias a gestão, e, ao mesmo tempo, viabilizando possíveis soluções ou proposições de

medidas administrativas quando for o caso.

O art. 2º do Decreto nº 8.243/2014 estabelece, no inciso V, o seguinte:

Ouvidoria pública federal - instância de controle e participação social responsável pelo tratamento das reclamações, solicitações, denúncias, sugestões e elogios relativos às políticas e aos serviços públicos, prestados sob qualquer forma ou regime, com vistas ao aprimoramento da gestão pública (BRASIL, 2015, p. 1)

Rubens Pinto Lyra, no seu artigo, “A ouvidoria pública e a questão da autonomia”,

comenta a respeito dos elementos necessários para que seja caracterizado o instituto da

77

ouvidoria. O primeiro critério é o da unipessoalidade:

Trata-se de um órgão que não tem poderes administrativos e que, consequentemente, depende, em larga medida, da sua força institucional e das prerrogativas do seu titular para tornar efetivas as suas propostas. [...] Não pode, pois, ser diluído em um colegiado, ou ter vários responsáveis, supostamente Ouvidores, repartindo as suas funções, em uma mesma instituição, para uma mesma clientela ou, ainda, exercê-las simultaneamente com um outro cargo na administração (LYRA, s.d, p. 17).

Outra característica é a da magistratura da persuasão:

Para o ouvidor é suficiente o poder de apurar a presumível ilegalidade ou, em certos casos, o de o próprio ouvidor instaurar sindicância administrativa. [...] Para exercitar a “magistratura da persuasão”, o ouvidor necessita de credibilidade, que se assenta em uma reputação ilibada, competência técnica, equilíbrio e senso de justiça, revelados à sociedade no exercício da sua militância em prol dos direitos da cidadania (LYRA, s.d., p. 18).

Também há a característica da desvinculação do poder institucional:

Conforme já visto, existem ouvidores que são integrantes do staff governamental, ou da direção da instituição em que atuam. Não podem, com tal condição, ser verdadeiramente ouvidores, entendidos estes como defensores dos direitos dos cidadãos. Com efeito, um Ouvidor Secretário de Estado, ou dirigente da instituição, pela natureza do cargo, se encontra vinculado à defesa dos interesses da administração. [...] Falta-lhe o necessário distanciamento, capaz de conferir-lhe isenção para identificar eventuais contradições entre a conduta do gestor e os interesses do usuário. (LYRA, s.d, p. 18)

Além disso, o autor cita outra característica que é a da desvinculação político-

partidária :

O ouvidor, a partir de sua investidura no cargo, deve desvincular-se de quaisquer atividades político-partidárias. Já aconteceu o caso de, em uma importante ouvidoria integrante do governo, o ouvidor licenciar-se para participar de campanha eleitoral em favor da coligação dos partidos governamentais. É de se indagar como fica a sua credibilidade, se esta repousa na sua isenção, cuja antítese é precisamente o comprometimento político-partidário. Ainda mais em casos como este, em que o ouvidor não tem nenhuma independência perante o poder fiscalizado (LYRA, s.d., p. 19).

78

Também há a característica do mandato e atribuições específicas:

[...] Existe a ouvidoria plena, independente, quando o seu titular detém mandato certo, escolhido com a participação da sociedade ou pelo colegiado máximo da instituição em que atua e cujas atribuições garantem a autonomia inerente às necessidades de seu cargo, conforme as situações analisadas na seção precedente. [...] Esta categoria se aproxima do ouvidor ideal, avis rara, quase inexistente em nossa fauna, expressão a mais acabada do controle extra orgânico, que contém todos os requisitos para a autonomia do ouvidor (LYRA, s.d, p. 21).

Nesse sentido, é possível notar que para o órgão ser, de fato, classificado como

Ouvidoria e para que o cidadão seja considerado um verdadeiro Ouvidor se faz necessário

que estas características sejam seguidas à risca, com disciplina e comprometimento político,

além de competência e conhecimento necessário para atender ao público a que se destina.

No entanto, na prática, muitas vezes não é o que acontece; muitas pessoas exercem a

atividade sem preencher estes requisitos necessários para conduzir as ouvidorias. Por isso, o

mencionado autor relata que:

[...] Existem ouvidores que são integrantes do staff governamental, ou da direção da instituição em que atuam. Não podem, com tal condição, ser verdadeiramente ouvidores, entendidos estes como defensores dos direitos dos cidadãos. Com efeito, um Ouvidor Secretário de Estado, ou dirigente da instituição, pela natureza do cargo, se encontra vinculado à defesa dos interesses da administração. [...] Falta-lhe o necessário distanciamento, capaz de conferir-lhe isenção para identificar eventuais contradições entre a conduta do gestor e os interesses do usuário (LYRA, s.d., p.18).

As Ouvidorias Públicas possuem autonomia para atuarem tanto no âmbito estadual

quanto no federal, de maneira que as irregularidades existentes nos órgãos públicos possam

ser levadas para os Ouvidores analisarem, e, quando for o caso, solucionar as falhas por via

administrativa.

Quando não for possível o ouvidor conduzir a situação, deve ser resolvida por meio

de abertura de processo administrativo. Nesse caso, a Ouvidoria pode trabalhar para que

sejam investigadas as fraudes, falhas, denúncias direcionadas ao próprio órgão.

Em outras situações, as denúncias devem ser encaminhadas ao Ministério Público, a

fim de que sejam investigadas as irregularidades e para que haja propositura de uma ação

civil pública.

79

E, por fim, é possível também encaminhar ao Poder Judiciário, no caso de haver

provas suficientes da má-fé na Administração Pública por irregularidades ou abuso de poder,

nesse caso, o julgamento deve ser estabelecido contra aqueles que, dentro da gestão pública,

cometeram estas irregularidades.

Podemos citar como exemplos de ouvidorias públicas aquelas existentes em

Universidades, também a Ouvidoria do Ministério Público Federal e a Ouvidoria da

Controladoria-Geral da União.

Assim, podemos perceber que o instituto da Ouvidoria Pública pode ser uma maneira

de solucionar conflitos relacionados à proteção dos direitos da pessoa humana dentro dos

órgãos públicos.

A independência do ouvidor é um elemento a ser identificado, também, como algo

que possibilita um maior desenvolvimento da democracia participativa. Haja vista, o fato das

ouvidorias serem compostas também por representantes da sociedade civil, constituindo-se

este no aspecto positivo.

A ouvidoria está diretamente ligada à ideia de que deve ser considerada um estímulo à

efetivação de políticas públicas em direitos humanos, pois, fiscaliza os órgãos públicos que

são responsáveis pela execução de projetos sociais.

Por outro lado, há também o aspecto negativo, pelo fato dessas ouvidorias serem

limitadas por escolhas feitas dentro do órgão público ao qual o ouvidor está vinculado; no

Executivo, pelo chefe do Poder Executivo; no Legislativo, pelo Governador do Estado ou

representes políticos a nível estadual.

Com a mudança de gestão, alteram-se também os ouvidores em vários órgãos

públicos do Brasil, o que fragiliza bastante este caráter, a princípio, independente da

ouvidoria, pois, acaba ocorrendo à defesa de direitos que beneficiem gestões políticas do

Governo que está no poder no momento, e, não o interesse da coletividade na efetivação de

direitos humanos como deve ser.

3.2.4 Orçamento participativo

O Orçamento Participativo (O. P.) pode ser considerado como uma forma de política

pública, que ajuda o gestor a identificar um método mais adequado para auxiliar na

elaboração de um planejamento participativo, o qual beneficie tanto a administração

80

municipal assim como também a sociedade civil.

O Orçamento Participativo foi implantado de forma pioneira, em 1989, na Prefeitura

de Porto Alegre no Rio Grande do Sul, e, obteve, por muitos anos, muitas vantagens e

desenvolvimento político-social decorrente dos projetos gerados nos Conselhos do

Orçamento Participativo desse município. Ainda hoje, pode ser considerado um dos maiores

exemplos de democracia participativa bem aplicada no Brasil.

Esta política pública implantada nessa cidade brasileira de forma pioneira foi usada

como padrão por outros municípios, como é o caso do Orçamento Participativo do Município

de Belo Horizonte, do Município de Recife, e do Município de João Pessoa.

O orçamento participativo é outro mecanismo democrático no qual os cidadãos

podem emitir opiniões ou até decidir sobre ao que deve ser destinado o orçamento de

investimento na esfera municipal e estadual.

O Orçamento Participativo acontece também em âmbito estadual como é o caso do

Estado do Rio Grande do Sul, o qual pode ser considerado como um exemplo de democracia

direta. O O.P. acontece em muitos outros Estados, inclusive na Paraíba.

Quanto à definição do O.P., no texto “Orçamento participativo: a experiência do Rio

Grande do Sul”, Souza assim estabelece:

O Orçamento Participativo (OP) é um processo de democracia direta, voluntária e universal, onde a população pode discutir e decidir sobre o orçamento e as políticas públicas. O cidadão não encerra sua participação no ato de votar na escolha do executivo e do parlamento, mas também decide prioridades de gastos e controla a gestão do governo. Ele deixa de ser um coadjuvante da política tradicional para ser protagonista permanente da gestão pública (SOUZA, 2002, p. 1).

Quanto à autonomia do O.P., Souza afirma o seguinte:

O processo do OP deve ter regulamento, critérios distributivos e metodologia de planejamento. Mas, este regramento deve ser elaborado de maneira autônoma pela comunidade e firmado um contrato social entre o governo e a sociedade. O OP não é uma obra acabada, perfeita e indiscutível. Nem poderia ser, pois a avocação da perfeição seria expressão de autoritarismo e negação do processo dialético. É com este entendimento que, todos os anos, o governo e a sociedade devem realizar uma avaliação crítica do regramento e do processo e cabe ao conselho do OP – de maneira autônoma (auto regulamentada) sem a tutela do executivo e legislativo –, discutir e decidir as mudanças para sua modernização. [...] Para que o OP seja um processo efetivo e sério de participação popular e não meramente consultivo, é necessário que as decisões tomadas pela população e governo sejam

81

documentadas e publicadas para conhecimento de toda a sociedade. Isto possibilitará que a população faça o acompanhamento e fiscalização da execução das obras e serviços decididos. Ademais, o governo deve prestar contas anualmente, possibilitando um controle social efetivo sobre a gestão do Estado (SOUZA, 2002, p. 1).

Percebemos que, dependendo da maneira como essas regras do O.P. são colocadas em

prática, será possível, de fato, observar um elevado nível de autonomia dentro dos Conselhos

de Orçamento Participativo.

Essa autonomia é o resultado de uma participação decisiva da sociedade civil,

ficando nítida a caracterização de uma realidade de democracia participativa, com

participação direta da população intervindo nas deliberações destes Conselhos de O.P., nesse

caso citado acima, a nível estadual.

Quanto à composição do Conselho Estadual do Orçamento Participativo do Rio

Grande do Sul, Souza traz a seguinte informação:

Os conselheiros têm a competência de discutir e deliberar a proposta orçamentária a ser enviada até dia 15 de setembro à Assembléia Legislativa. Têm ainda a atribuição de discutir e decidir o plano de investimentos e serviços do OP. Os conselheiros têm mandato de um ano e realizam trabalho voluntário não remunerado (SOUZA, 2002, p.3).

Embora existam vários Orçamentos Participativos em nível estadual, é mais comum

que o O.P. seja implantado no Brasil na esfera municipal.

No site “Rede Brasileira de Orçamento Participativo”, existe a divulgação de uma

pesquisa realizada pelo IBGE a partir de dados socioeconômicos das cidades participantes,

por todo Brasil, deste instrumento de democracia participativa.

Os dados foram divulgados por região, trazendo as cidades nas quais já foi implantado

o O.P. (BRASIL, 2015, p. 1):

• Região Sul: Bagé (Rio Grande do Sul); Brusque (Santa Catarina); Cachoeira do Sul (Rio Grande do Sul); Canoas (Rio Grande do Sul); Caxias do Sul (Rio Grande do Sul); Campo Largo (Paraná); Concordia (Santa Catarina); Esteio (Rio Grande do Sul); Garibaldi (Rio Grande do Sul); Gravataí (Rio Grande do Sul); Imaruí (Santa Catarina); Nova Hartz (Rio Grande do Sul); Parobé (Rio Grande do Sul); Porto Alegre (Rio Grande do Sul); Santa Maria (Rio Grande do Sul); São Leopoldo (Rio Grande do Sul); Sapucaia do Sul (Rio Grande do Sul); Santana do Livramento (Rio Grande do Sul); Rodeio (Santa Catarina); Seara (Santa Catarina); Tubarão (Santa

82

Catarina); Marau (Rio Grande do Sul). • Região Nordeste: Anadia (Alagoas); Caaporã – (Paraíba); Cajazeiras – (Paraíba); Campina Grande (Paraíba); Conde (Paraíba); Crateus – (Ceará); Dona Inês – (Paraíba); Fortaleza (Ceará); João Pessoa (Paraíba); Lauro de Freitas (Bahia); Mauriti (Ceará); Lauro de Freitas (Bahia); Mauriti (Ceará); Patos – (Paraíba); Paudalho (Pernambuco); Picuí – (Paraíba); Pombal (Paraíba); Recife (Pernambuco); Santarém (Pará); Caruaru (Pernambuco). • Região Sudeste: Aracruz (Espírito Santo); Araraquara (São Paulo); Araçatuba (São Paulo); Atibaia (São Paulo); Bauru (São Paulo); Belo Horizonte (Minas Gerais); Betim (Minas Gerais); Botucatu (São Paulo); Cachoeiro do Itapemirim (Espírito Santo); Carapicuíba (São Paulo); Cariacica (Espírito Santo); Congonhas (Minas Gerais); Contagem (Minas Gerais); Cubatão (São Paulo); Diadema (São Paulo); Embu das Artes (São Paulo); Francisco Morato (São Paulo); Guarulhos (São Paulo); Ipatinga (Minas Gerais); Itupeva (São Paulo); Jacareí (São Paulo); Mauá (São Paulo); Mogi-Guaçu (São Paulo); Monte Alto (São Paulo); Nova Lima (Minas Gerais); Osasco (São Paulo); Santo André (São Paulo); São Bernardo do Campo (São Paulo); São Carlos (São Paulo); São Vicente (São Paulo); Serra (Espírito Santo); Suzano (São Paulo); Teresópolis (Rio de Janeiro); Viana (Espírito Santo); Vitória (Espírito Santo). • Região Norte: Manaus (Amazonas).

Por meio desses dados, percebemos que o O.P. já foi implantado nas grandes capitais,

enraizando-se nas pequenas cidades, interiores do Brasil.

Isso mostra que a democracia participativa pode ter consequências nas principais

capitais brasileiras, onde a economia e os recursos públicos são de grande proporção e mais

complexa a maneira como se realiza a administração pública.

Entretanto, o O.P. já atingiu, também, os lugares onde a economia ainda representa

uma pequena parcela das verbas do Governo destinada a serviços públicos, como é o caso

das cidades de interiores existentes no Brasil.

Em ambos os casos, esta difusão destes mecanismos de participação popular é um

fator decisivo para o fortalecimento dos direitos da pessoa humana, e, no desenvolvimento da

democracia participativa.

Geralmente, a intermediação entre a Administração Pública e sociedade civil é feita

através dos Conselhos Municipais, que são os responsáveis pela criação da política pública

que será desenvolvida, no caso, o orçamento participativo com intuito de atingir metas e

diretrizes, previamente, determinadas.

Os Conselhos do Orçamento Participativo apresentam-se como espaços do controle

social. Esses conselhos tem caráter não obrigatório. Sendo assim, podem ser dissolvidos em

caso de mudança de gestão ou quando conseguiu atingir as metas da política pública que

estava sendo trabalhada.

83

Por exemplo, se o orçamento participativo tinha como meta a melhoria do ensino

básico através da criação de novas escolas nos diversos bairros da cidade. Após a

implementação da política pública, executando a construção e funcionamento regular das

escolas, pode acontecer de ser encerrado o Conselho do Orçamento Participativo, que tinha

sido criado, provisoriamente, com esta finalidade.

Rubens Pinto Lyra apresenta o seguinte comentário acerca do Orçamento

Participativo:

Já O Orçamento Participativo (OP) encarna a segunda, a mais original e transformadora forma de democracia participativa até agora realizada. A partir da experiência paradigmática de Porto Alegre, iniciada em 1988, o OP disseminou-se em algumas das municipalidades mais importantes do país, transmitindo, em vários casos, o que há de inédito e sui generis nessa experiência: o deslocamento do poder decisório, dos mandatários eleitos pelo sufrágio universal, para o titular do poder soberano – o povo, reunido em assembleias populares. Trata-se, com efeito, de um processo de compartilhamento de poder que, ao efetivar-se no pleno respeito à igualdade jurídica e às liberdades fundamentais, mas em “tensão dialética” com a institucionalidade, (a Constituição atribui os poderes executivo e legislativo a responsabilidade da peça orçamentária) gerou uma forma de poder – e um novo espaço ético-político – baseado, essencialmente, na democracia direta (LYRA, s.d. p. 2).

O Decreto nº 8.243/2014, que instituiu a Política Nacional de Participação Social,

trata a respeito das instâncias e mecanismos de participação social, são eles: Conselho

Nacional de Políticas Públicas, Comissão de Políticas Públicas, Conferência Nacional,

Ouvidoria Pública Federal, mesa de diálogo, fórum interconselhos, audiência pública,

consulta pública, e ambiente virtual de participação social (BRASIL, 2015).

O decreto acima citado não fez menção ao instrumento democrático denominado

Orçamento Participativo. No entanto, como já mencionado acima, o O.P. está previsto em

algumas Constituições Estaduais (a exemplo a do Rio Grande do Sul), em leis orgânicas

municipais, e na própria Constituição Federal de 1988, a qual prevê a criação de orçamento

democrático (Art. 74, inciso I, da CF/88).

A partir da CF/88, houve um estímulo à participação popular para definir as políticas

governamentais. Sendo assim, o O.P. foi mediado pela criação dos Conselhos Setoriais de

Políticas Públicas.

Há municípios que já traz, em sua legislação, matéria sobre Orçamento Participativo.

A exemplo disso, podemos citar o caso da Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, o

qual assim estabelece:

84

Art. 116. Leis de iniciativa do Prefeito Municipal estabelecerão: I – o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais. § 1º Fica garantida a participação da comunidade, a partir das regiões do Município, nas etapas de elaboração, definição e acompanhamento da execução do plano plurianual, de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual (BRASIL, 2015, p. 37 a 38).

Além disso, podemos citar, também, o art. 48 da Lei Complementar nº 101/2000, a

seguinte referência ao orçamento participativo:

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos (BRASIL, 2015, p. 27).

O Orçamento Participativo pode ser um dos meios democráticos de maior

participação popular, pois, permite o acesso do povo, através da sociedade civil organizada,

no planejamento orçamentário para programar as políticas públicas, inclusive em direitos

humanos e, também, para um melhor desenvolvimento da economia e da democracia na

região onde está sendo executada a política pública.

Lyra assim descreve o Orçamento Participativo:

O Orçamento Participativo constitui a experiência de maior impacto, entre outras razões, pelo fato de aglutinar, em todo o país, milhões de participantes, em aproximadamente trezentas cidades, na definição de prioridades na alocação dos recursos públicos. O exemplo de Porto Alegre se disseminou em todo o Brasil, especialmente nas grandes metrópoles, como São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Recife e no ABC paulista, mas, também, em várias capitais do Nordeste e em pequenos e médios municípios espalhados em todo o território nacional. [...] O Orçamento Participativo (O.P.) é a denominação comum atribuída a processos de participação da população bastante diferenciados no que diz respeito às suas atribuições (deliberativo ou consultivo), à sua abrangência (envolvimento ou não dos conselhos setoriais do município no seu processo deliberativo), no que respeita ao montante de recursos que administra e aos seus mecanismos de deliberação, entre tantos outros aspectos. Ademais, todos os

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formatos do O.P. estão, em graus variáveis, permanentemente sujeitos à revisão das suas estruturas e normas de funcionamento (LYRA, s.d., p. 10).

O município de Porto Alegre pode ser utilizado como um modelo de Orçamento

Participativo muito bem implementado, e, conta, de fato, com a atuação da sociedade civil.

Marcelo Minghelli descreve de forma detalhada a estrutura e o funcionamento do Orçamento

Participativo em Porto Alegre. Tem-se, assim, o seguinte desenvolvimento em etapas do

Orçamento Participativo:

1 – primeira etapa – realização das Assembleias Regionais e Temáticas; 2 – segunda etapa – formação das instâncias institucionais de participação, tais como o Conselho do Orçamento e os Fóruns de Delegados; 3 – terceira etapa - discussão do orçamento do Município e aprovação do Plano de Investimentos pelos representantes dos moradores no Conselho do OP. A primeira etapa tem três objetivos básicos: o primeiro é definir e escalonar as necessidades e prioridades das regiões e as áreas temáticas prioritárias; o segundo é o processo de eleição dos delegados e conselheiros, respectivamente, para o Fórum de Delegados e para o Conselho do Orçamento Participativo; terceiro, avaliar o desempenho do Executivo (MINGHELLI, 2005, p. 71-72)

E mais adiante o autor complementa da seguinte forma:

Os Fóruns de Delegados são instâncias colegiadas com funções consultivas, de controle e de mobilização social. Seu principal objetivo, no entanto, é aumentar a participação das bases comunitárias no Orçamento Participativo em dois momentos: na elaboração do Plano de Investimentos e na fiscalização da execução das obras pelo Executivo (MINGHELLI, 2005, p. 73).

Dessa maneira, podemos perceber que o Orçamento Participativo do Município de

Porto Alegre tem característica de autonomia na forma como conduz o destino do orçamento

público para gerir as necessidades do interesse coletivo, visando manter o patrimônio da

cidade.

A exemplo desse município, muitos outros têm tentado seguir esse modelo, conforme

as cidades já mencionadas acima, através de fontes do IBGE disponibilizado no site Rede

Brasileira de Orçamento Participativo.

No texto “A Democracia Participativa na Gestão Pública Brasileira”, Rubens Pinto

Lyra, ao se referir sobre o Orçamento Participativo, afirma:

86

Entre as modalidades de democracia direta, o Orçamento Participativo é o mais referenciado. O O.P. objetiva a desconstituição do ordenamento jurídico, tendo como mola propulsora a tensão produzida pela coexistência, até agora pacífica, entre a institucionalidade vigente e, construídos à margem desta, com ela interagindo, dialeticamente, os espaços públicos híbridos, com atuação autônoma da sociedade (LYRA, s.d., p. 5).

Esse meio democrático poderá ter uma repercussão ainda mais positiva, no Brasil, à

medida que passar a ser cada vez mais organizado administrativa e politicamente.

É imprescindível que exista, também, uma estrutura jurídica (lei específica) que verse

sobre O.P. seja na esfera municipal ou estadual. Mais uma vez podemos citar como exemplo

a cidade de Porto Alegre, que prevê o orçamento democrático da cidade em sua legislação

orgânica, conseguindo unir tanto a parte jurídica como a política.

Primeiro, porque tratou da matéria em sua lei orgânica, e, segundo, porque conseguiu

colocar em prática o que nela foi previsto, pois, foi organizado de forma política de maneira

que a população se interessasse cada vez mais pela finalidade a qual são destinados os

recursos orçamentários da região.

Como aspecto positivo do orçamento participativo para a democracia participativa do

Brasil, podemos citar a questão da conquista da autonomia deste instrumento de participação

popular, por ser previsto em legislações específicas e, na sua composição ter presente

membros da própria sociedade civil, que trabalham para atender as necessidades do interesse

da coletividade.

No capítulo 4, quando tratarmos sobre políticas públicas, e como estas são

desenvolvidas nas áreas dos direitos humanos, entenderemos melhor como essa ideia do

orçamento democrático pode ser fundamental na execução de projetos sociais para o

fortalecimento dos direitos humanos.

Já o aspecto negativo se refere ao fato da criação do Conselho do Orçamento

Participativo ter um caráter ainda político; ou seja, as pessoas que neles atuam, representam

filiações partidárias, os ideais da gestão do momento. De modo que, quando uma gestão

pública de um governo termina, e, outra se inicia, o Conselho do O.P. inicialmente criado,

pode ser dissolvido facilmente; ou então, a maneira como as políticas sociais estavam sendo

realizadas pelos conselheiros do orçamento democrático muda completamente, e, nem

sempre, para melhor, podendo fazer com que todo o trabalho que vinha sendo bem

conduzido, deixe de ser eficiente para a função a qual tinha sido criado o Conselho.

Isso acontece porque os Conselhos do Orçamento Participativo não são obrigatórios,

87

e, geralmente, são criados para cumprimento de diretrizes e metas a curto e médio prazo.

No caso da efetivação dos direitos humanos, é algo bastante negativo, porque

geralmente as políticas públicas trabalhadas pela proteção dos direitos humanos apenas tem

efeitos práticos para sociedade civil, quando se persiste no projeto social em longo prazo,

executando-o gradualmente, e, assim fortalecendo os direitos humanos à medida que as

diretrizes são realizadas com sucesso em benefício do fortalecimento dos direitos essenciais

dos indivíduos.

3.3 Instrumentos de Democracia Participativa no Poder Judiciário e no Ministério Público

Com relação aos mecanismos de participação presentes no Poder Judiciário, podemos

dizer que estes são formas de intervenção limitada da parte da sociedade civil, precisando da

atuação do Ministério Público e/ou de uma ação judicial (decisão de juiz), para que sejam

tornados completos e eficazes estes instrumentos de democracia participativa nessa esfera.

Aqui também há outra particularidade, a qual se refere ao fato de não existir um

sistema representativo, isto é, os membros do judiciário entram por concurso público para

exercerem cargos com múnus público, devendo ser exercido para o proveito e proteção de

uma coletividade.

Ainda assim, podemos dizer que, as intervenções da sociedade civil, as quais

consistem em acionar órgãos do Judiciário, também, são considerados procedimentos que

servem para contribuir com o desenvolvimento da democracia participativa e para a

efetivação dos direitos humanos.

3.3.1 Ação popular

No artigo, “Ação popular: instrumento de exercício da soberania popular”, Lilia de

Pieri e outros define ação popular da seguinte forma:

Ação popular (actio populi): garantia constitucional, remédio constitucional, ação constitucional cível. Consiste ela no poder do cidadão reclamar um provimento jurisdicional – uma sentença – que declare nulos ou torne nulos os atos do poder público lesivos ao patrimônio da coletividade. Visa

88

proteger o patrimônio público, sob as mais diversas formas (CESCA; PIERI; SANTOS, s.d. p. 13).

E mais adiante Pieri e outros esclarece melhor este conceito, definindo assim:

[...] Ação Popular é um instrumento de exercício da soberania popular e de defesa da democracia, pois manifesta a vontade popular inequívoca de se defender e proteger o patrimônio histórico, paisagístico, cultural e o meio ambiente, através de anulação do ato lesivo ao patrimônio estatal público ou da coletividade (CESCA; PIERI; SANTOS, s.d., p. 13).

Como exemplo de ação popular, temos estes também expostos por Pieri e outros:

Ex.: Um cidadão ajuíza AP para proteger o patrimônio público, qual seja, uma praça (bem de todos) possui árvores e o prefeito mandou cortar as árvores centenárias da praça, então, qualquer cidadão pode ajuizar AP para anular tal ato lesivo ao patrimônio público. Ex.: atos que atentem contra a moralidade: peço anulação (prestei o mesmo concurso) da nomeação de funcionário de concurso público que já caducou. Ex.: enquanto o tombamento não ocorre, chovem APs para proteção do patrimônio público. Ex.: desvio de verba: Na época das eleições chovem ações populares (CESCA; PIERI; SANTOS, s.d., p. 13).

Nesses exemplos, percebemos que a ação popular pode ser bastante útil para o povo

quando visa punir um político ou administrador público que pratica desvio de verba.

E mesmo com a lei anticorrupção já em vigor, a ação popular por ter cunho

constitucional e, por se apresentar como um remédio constitucional torna-se um meio mais

rápido e eficaz para tentar impossibilitar que a fraude permaneça impune.

Quando o patrimônio público, em geral, e, de alguma forma, é lesado, isso acaba por

prejudicar a sociedade civil, podendo, também, se valer da ação popular para evitar que o

dano continue a persistir, e, para que a sociedade civil seja reparada do prejuízo causado. Ou

seja, a ação popular é cabível no caso de bens materiais estatais, na proteção da moralidade

administrativa, do meio ambiente e dos bens históricos e culturais.

E, importa ressaltar que é necessário haver ato ilegal ou abusivo para que seja

proposta uma ação popular. No caso, a finalidade da ação popular é anular o ato lesivo ao

patrimônio público, a fim de proteger a idoneidade do patrimônio.

Logo, a ação popular representa um instrumento de exercício da soberania popular,

configurando-se como uma ação coletiva, e, embora seja julgada pelo Judiciário, este tipo de

89

ação possui cunho político no sentido de que, a decisão desse tipo de ação gera efeito que vai

além do interesse individual da parte, na verdade, gera efeito a uma coletividade (interesse

público).

3.3.2 Representação ao Ministério Público e a ação civil pública

Essas duas espécies de democracia participativa estão inseridas, na verdade, em

atividades que compete ao Ministério Público.

Nesse caso, a atuação da sociedade civil é apenas relatar uma determinada situação ao

MP, sendo que esta deve conter uma possível irregularidade ou abuso de poder a direito

individual ou a uma coletividade.

No caso, o ministério público deve investigar através de inquérito civil público, e, em

seguida, quando encontradas irregularidades, ilegalidades, ou abuso de poder deve ser

proposta a ação civil pública.

No artigo, “Conselhos Gestores e Democracia Participativa – O papel do Ministério

Público”, Luiza Frischeisen estabelece o seguinte comentário a respeito da Representação ao

Ministério Público:

Em todos os municípios existe pelo menos um representante do Ministério Público, que poderá ser encontrado em sua sede própria ou no fórum da cidade. [...] O Ministério Público existe para defender a sociedade de forma coletiva, e não para defender o direito ou interesse individual de uma única pessoa. [...] Existindo um fato que caracterize violação de direitos assegura-dos no ordenamento jurídico brasileiro, que atinja várias pessoas ou de um ato ilícito da administração, qualquer pessoa pode se dirigir a sede do Ministério Público local e protocolar uma representação por escrito ou marcar uma audiência, para que seja ouvido pelo representante do Ministério Público, e se for o caso, ter o depoimento tomado por escrito. [...] O acompanhamento da representação poderá ser feito pelo número do protocolo da entrega dos documentos, ou pelo número do procedimento no qual foi prestado o depoimento (FRISCHEISEN, 2001, p. 3 a 4).

Ou seja, a representação feita ao MP antecede a ação civil pública. Uma vez que, é a

partir dessa forma de comunicação que o Ministério Público passa a ser informado da

possibilidade de uma ilegalidade cometida contra a Administração Pública ou contra uma

coletividade.

Nesse sentido, mais adiante Luiza Frischeisen analisa a atuação dos Conselhos de

Políticas Públicas, e, em seguida, relata sobre quando é o caso de instaurar ação civil pública:

90

Na hipótese das normas relativas aos conselhos não estarem sendo cumpridas, ou as diretrizes dos conselhos não estarem sendo implementadas, quando a lei obrigar a tanto, o Ministério Público poderá promover, por exemplo, uma ação civil pública. A ação civil pública é prevista na Constituição Federal e na Lei n0 7.347/85. [...] A Constituição Federal em seu artigo 129, incisos III e IX, estabelece ser função do Ministério Público promover o inquérito civil público e ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, bem como outras funções, que forem conferidas por outros diplomas legais. [...] A Lei n0 7.347/85 prevê a possibilidade do Ministério Público propor uma ação de natureza civil face àqueles que causarem danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor estético, histórico, turístico e paisagístico, patrimônio público e qualquer outro interesse difuso ou coletivo e ainda por infração da ordem econômica e da economia popular, que visa uma obrigação de fazer ou não fazer ou uma condenação em dinheiro para a defesa de direitos. [...] A ação civil pública também pode ser proposta por associação, que esteja constituída há pelo menos um ano (requisito que em alguns casos poderá ser dispensado) e inclua entre suas finalidades a defesa dos interesses e direitos sociais acima mencionados (FRISCHEISEN, 2001, p. 3-4).

A atuação do Ministério Público dentro dos Conselhos de Gestão de Políticas Públicas

é fundamental para que haja exercício da soberania popular de maneira mais completa.

Ao comunicar ao MP determinadas irregularidades à população torna-se protegida

pelo poder investigador desse órgão, o qual pode trabalhar a fim de que se tornem mais

eficientes as políticas públicas.

A ação civil pública em alguns aspectos se assemelha a ação popular no sentido de

possibilitar uma comunicação mais direta com o MP e o Judiciário, com o intuito de impedir

que o dano aconteça ou, para que seja reparado, quando for o caso, o dano causado.

Porém, na ação popular, já mencionada no tópico acima, o poder do Ministério

Público somente tem a competência de fiscalizar o processo, e não de propor à ação, sendo

de competência da própria sociedade civil a propositura.

Já no caso da ação civil pública, que pode iniciar com uma representação feita por

alguma denúncia da sociedade civil ou, por decorrência de um inquérito civil público, a

legitimidade para propositura da ação é, de fato, do Ministério Público.

Dessa forma, a ação civil pública pode contribuir para o melhoramento das políticas

públicas de direitos humanos presentes nos Conselhos de gestão.

91

3.3.3 Instrumentos democráticos no Poder Judiciário em sentido amplo

Podemos, ainda, citar outros dois instrumentos de democracia participativa no Poder

Judiciário. O primeiro se refere ao amicus curiae, e, o segundo, diz respeito ao Tribunal de

Júri, ambos instrumentos de participação popular, em sentido amplo.

3.3.3.1 Amicus curiae

No artigo, “O amicus curiae como modalidade de intervenção de terceiros no projeto

do novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010)”, Ávila expõe o seguinte conceito de

Destefenni:

A expressão completa, amicus curiae, significa, literalmente, amigo da corte. No sistema judicial norte-americano, uma pessoa, diferente das partes, que possua forte interesse no processo ou opiniões acerca de seu objeto, pode postular uma permissão para formular uma peça processual, aparentemente no interesse de uma das partes, mas, na verdade, para sugerir um posicionamento compatível com suas próprias opiniões. Essa peça do amicus curiae, normalmente, traz questões de amplo interesse público. Ela pode ser apresentada por particulares ou pelo governo. Dessa forma, a função do amicus curiae é chamar a atenção da corte para questões que eventualmente não tenham sido notadas, fornecendo subsídios para uma decisão apropriada. (DESTEFENNI apud AVILA, 2014, p. 2 e p. 3)

No entanto, há uma ressalva para que o indivíduo tenha a possibilidade de atuar como

aminicus curiae, a saber:

É nesse cenário de abertura, de uma nova compreensão dos princípios do contraditório e da cooperação, que se situa a figura do amicus curiae. Trata-se da participação de um “terceiro”, estranho à lide, mas que pode contribuir com seus conhecimentos técnicos, especializados, sobre o tema objeto do debate judicial, trazendo ao magistrado informações que serão úteis no momento de decidir o conflito de interesses sob sua análise, de forma a assegurar maior legitimidade às suas decisões. (ROSA, s.d., p. 2)

92

Dessa forma, a autora assim explica a contribuição do amicus curiae para a

democracia participativa:

A admissão da figura do amicus curiae significa a democratização do processo objetivo de controle de constitucionalidade, de forma a permitir um debate em que a sociedade participe e interfira de forma direta nas decisões da Corte Suprema. Portanto, tendo em vista ser o amicus curiae um instrumento de aperfeiçoamento das decisões jurisdicionais, assim como possuir a função de conferir maior legitimidade a essas, decorre a importância no aprofundamento do estudo sobre o tema. (ROSA, s.d., p. 2)

Como exemplo dessa aplicação do amicus curiae, no Brasil, temos o caso da ADI

4277 e ADPF nº 132, a qual decidiu de maneira coletiva sobre a união estável homoafetiva.

Teve como finalidade o reconhecimento jurídico da união entre pessoas do mesmo sexo

como entidade familiar. Em julgamento histórico, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o

conceito ampliado do termo “família”, com base no princípio constitucional da igualdade.

Outro exemplo foi a ADPF nº 54, que trata sobre a interrupção da gestação de feto

anencefálico. Nesse sentido, o Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em

arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada, pela Confederação Nacional

dos Trabalhadores na Saúde - CNTS, a fim de declarar a inconstitucionalidade da

interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencefálico seria conduta

tipificada nos artigos 124, 126 e 128, I e II, do CP.

Percebemos, portanto, que há uma contribuição da figura democrática do amicus

curiae para a efetivação dos direitos humanos.

3.3.3.2 Tribunal do Júri

De acordo com o site do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

(TJDFT), o tribunal do júri pode ser definido da seguinte maneira:

O Tribunal do Júri detém a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida. Atualmente, são de sua competência os seguintes delitos: homicídio doloso, infanticídio, participação em suicídio, aborto - tentados ou consumados – e seus crimes conexos. O procedimento adotado pelo Júri é especial e possui duas fases:

93

1ª fase - “judicium accusationis” ou juízo de acusação Tem por objeto a admissibilidade da acusação perante o Tribunal. Consiste em produção de provas para apurar a existência de crime doloso contra a vida. Essa fase se inicia com o oferecimento da denúncia ou queixa e termina com a sentença de pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária. 2ª fase - “judicium causae” ou juízo da causa Trata-se do julgamento, pelo Júri, da acusação admitida na fase anterior. Começa com o trânsito em julgado da sentença de pronúncia e se encerra com a sentença do Juiz Presidente do Tribunal Popular. (BRASIL, s.d., p. 1)

Embora, no Tribunal do Júri, o cidadão receba a incumbência de decidir sobre um fato

que terá repercussão para uma coletividade, ao resolver condenar ou absolver o indivíduo, o

qual está sendo submetido a julgamento, a maneira como esse instituto se realiza deixa a

refletir, se, de fato, pode ser considerado como um instrumento democrático.

Nesse sentido, Minagé e outros mencionam o seguinte a respeito desse assunto:

Eis a essência do debate. A discussão é de grande relevância e seriedade, pois o que está em jogo é o estado de liberdade do acusado que atualmente é deliberado por pessoas que, não raras vezes, encontram-se despreparadas para exercer tal função, pois, repita-se, como amadores na ciência do Direito julgam o caso pelo que o acusado parece ser (características físicas e pessoais consubstanciadas nos antecedentes criminais, raça, situação socioeconômica e, quando não, motivados por paixões ou antipatias) e não pelo delito em si eventualmente cometido (NUCCI, 1999, apud MINAGÉ, et al, data, p. 3)

Por esses fatores expostos, podemos dizer, no sentido amplo, que o tribunal do júri se

constitui numa forma de participação popular, muito embora não seja um instrumento de

democracia participativa propriamente dito (em sentido estrito, conforme estudado na divisão

feita mais acima), pois, em alguns casos, pode agir até de maneira antidemocrática, quando

por falha no julgamento dos jurados, um cidadão seja condenado, quando está isento de

qualquer crime.

Após a análise de todos estes mecanismos de participação popular nos poderes

94

executivo, legislativo e judiciário, percebemos que a relevância maior de cada um deles

reside no grau de autonomia e de intervenção da população brasileira.

Cada um deles possuem funções, algumas consultivas, outras deliberativas ou

executórias, e alguns até com as finalidades punitivas contra danos ao patrimônio público.

Só que, aqui vamos ressaltar um pouco os instrumentos democráticos da esfera do

poder executivo, porque estes são meios que resultam diretamente na democracia

participativa brasileira, através da presença de projetos sociais os quais iniciam com a análise

de metas e diretrizes das políticas públicas, e, são fundamentais para proteção dos direitos

humanos.

Por isso, no próximo capítulo, vamos analisar as políticas públicas em direitos

humanos trazidas pelo PNDH-3, com a finalidade de compreender quais as regras e

prioridades de condutas que devem ser seguidas na execução de políticas sociais, por

exemplo, nos Conselhos de Direitos.

Especificamente escolhemos o Conselho da Criança e do Adolescente, e analisamos

um estudo especializado de ação social de direitos humanos para proteção da criança e do

adolescente.

O intuito, portanto, do próximo e último capítulo será o de visualizar como acontece

a execução destas medidas estabelecidas em programas de direitos humanos, e, que são

vivenciadas na prática pelo trabalho em conjunto de entidades governamentais, sociedade

civil, e, também entidades até não governamentais, as quais prestam serviços sociais.

95

CAPÍTULO 4

AS POLÍTICAS PÚBLICAS DO PNDH-3 E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO DO CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

“A concepção de controle democrático da Constituição de 1988 e o início da experiência dos

conselhos de políticas públicas e de defesa de direitos no Brasil foram grandes inovações políticas e

institucionais no formato das políticas públicas brasileiras, nas quais se vislumbrava uma

perspectiva nítida de reforma, num país em que a democracia sempre foi mais exceção que regra”.

(BEHRING; BOSCHETTI, 2007, p. 178)

Ao relacionar a democracia participativa no Brasil com a proteção aos direitos

humanos, percebemos que esse tipo de democracia existe porque a representativa não é

suficiente para manutenção dos valores que contribuem para um equilíbrio democrático da

sociedade brasileira.

A democracia participativa completa a representativa, para fazer valer as regras e os

direitos previstos na Constituição Federal, sem os quais não conseguimos avançar social e

politicamente.

Embora, esteja previsto que "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição” (art.1º, CF), não é bem

assim que acontece na prática, pois, ainda temos muito do caráter da democracia elitista no

Brasil, o qual acaba criando uma classe política que nos afasta do interesse e compromisso

político, porque sem a fiscalização pela sociedade, os fenômenos da corrupção e das

irregularidades políticas tornam-se cada vez mais visíveis no Brasil.

Em outras palavras, a democracia representativa e elitista podem conduzir a vida

política do Brasil para um distanciamento do cidadão destes mecanismos de participação

popular, gerando uma indiferença nas questões de relevância política presentes no Estado,

impedindo que a sociedade civil contribua para o desenvolvimento democrático brasileiro.

É por isso que existem os mecanismos de democracia participativa, para que seja

estimulada a intervenção da sociedade civil na definição e fiscalização destas políticas

96

públicas em direitos humanos, através do cumprimento das diretrizes e objetivos construídos

para o fortalecimento da efetivação desses direitos humanos.

Por isso, no próximo tópico, vamos trabalhar a questão das políticas públicas, e, como

estas devem ser conduzidas na sociedade brasileira em prol da proteção dos direitos.

4.1 As Políticas Públicas e o PNDH-3 na Efetivação dos Direitos Humanos

De acordo com Bucci, no artigo “Buscando um Conceito de Políticas Públicas para a

Concretização dos Direitos Humanos”, podemos estabelecer a seguinte definição de políticas

públicas:

As políticas públicas funcionam como instrumentos de aglutinação de interesses em torno de objetivos comuns, que passam a estruturar uma coletividade de interesses. Segundo uma definição especulativa: toda política pública é um instrumento de planejamento, racionalização e participação popular. Os elementos das políticas públicas são o fim da ação governamental, as metas nas quais se desdobra esse fim, os meios alocados para a realização das metas e, finalmente, os processos de sua realização (BUCCI, 2001, p. 13).

O PNDH-3 apresenta uma proposta de inclusão social dos grupos que sofrem

processo de exclusão da sociedade por diversos fatores, e, ainda, reorganiza a maneira como

devem ser destinados os projetos sociais os quais devem ser colocados em prática.

Sendo assim, os eixos do PNDH-3 foram divididos nos seguintes aspectos: 1)

Interação Democrática entre Estado e Sociedade Civil; 2) Desenvolvimento e Direitos

Humanos; 3) Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades; 4) Segurança

Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência; 5) Educação e Cultura em Direitos

Humanos; e 6) Direito à Memória e à Verdade.

O Programa Nacional de Direitos Humanos existente no Brasil surgiu a partir da

orientação feita pela II Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena em

1993, a qual orientou que os Estados membros da ONU constituíssem programas nacionais

de direitos humanos. Diante disso, o Brasil foi um dos primeiros e; um dos poucos países a

criarem estas recomendações, uma agenda pública de direitos, que norteou os primeiros

passos na direção de um programa para o país, que foi criado no ano de 1996, após oficinas

regionais e conferência nacional de direitos humanos.

97

No ano de 1996, foi elaborada a primeira versão do Programa Nacional de Direitos

Humanos.

Com o período de transição e de redemocratização no final da década de 80, o Brasil,

além da Constituição Federal, foi possibilitando uma maior defesa da democracia e dos

direitos humanos.

No texto “Continuidade ou mudança no tratamento dos Direitos Humanos no

Brasil?”, Mesquita Neto assim caracteriza essa época:

A promulgação da Constituição Federal de 1988 pode ser considerada o marco final do processo de instalação da democracia e o marco inicial do processo de sua consolidação no Brasil. Essa Constituição Federal, a oitava Constituição brasileira, estabelece expressamente, pela primeira vez na história constitucional do país, que o Brasil é um Estado Democrático de Direito que tem, como fundamento, a cidadania e a dignidade da pessoa humana e que se rege nas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 2º, incisos II e III, e art. 4º, inciso II). Esses dispositivos introduzidos no texto constitucional demonstram e reforçam a existência de um compromisso nacional com a proteção e promoção dos direitos humanos, fato inédito e de grande importância na história política brasileira. [...] Ao anunciar a intenção do governo federal de elaborar o Programa Nacional de Direitos Humanos, em discurso no dia 7/9/95, o Presidente Fernando Henrique declarou expressamente: E agora, que nós estamos nos aproximando do século XXI, essa luta pela liberdade e pela democracia tem um nome específico: chama-se direitos humanos. Esse é o novo nome da luta pela liberdade e pela democracia. E nesta data simbólica do Brasil, nós estamos assistindo também a esta vontade do nosso povo, de não apenas falar de direitos humanos, mas também de garantir a sua proteção. (1) Essa afirmação da importância da defesa dos direitos humanos pela mais alta autoridade política do país reflete e reforça a importância adquirida pela questão dos direitos humanos no Brasil (MESQUITA NETO, s.d., p. 2)

O PNDH-3 é importante pelo fato de estimular o Estado a transformar os direitos

humanos em políticas públicas, ou seja, em diretrizes e metas para colocar em prática

políticas sociais em todas as áreas relacionadas aos direitos humanos.

Mesquita Neto, no texto acima citado, assim comenta:

O Programa Nacional de Direitos Humanos enfatiza a importância do compromisso do Estado e da sociedade com a proteção e promoção dos direitos humanos e do estabelecimento de uma parceria entre o Estado e a sociedade para aumentar o grau de respeito aos direitos humanos no Brasil. O avanço no processo de criação dessa parceria, principalmente por meio da realização de seminários regionais, foi um dos principais resultados do processo de elaboração do PNDH, ao lado da formulação de um conjunto de

98

propostas de ações governamentais para limitar a incidência e o impacto das violações dos direitos humanos e da impunidade no Brasil. [...] O PNDH também deixa claro que os problemas na área de direitos humanos no Brasil são muitos e de difícil resolução e que a consolidação e expansão dessa parceria entre o Estado e a sociedade, na fase de implementação do programa, é necessária não apenas para seu sucesso, mas também para a consolidação da democracia no país (MESQUITA NETO, s.d., p. 6).

O Programa Nacional dos Direitos Humanos foi estabelecido pelo Decreto nº

7.037/2009, atualizado pelo Decreto nº 7.177/2010, com fundamentação legal no art. 84,

inciso IV, da Constituição Federal, durante o último ano de mandato do Presidente Lula,

tendo como Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi.

No entanto, tem mais cunho de recomendação do que vinculante, porque não se

constitui em algo que deve ser executado obrigatoriamente.

Esse programa do Governo Federal é organizado na forma de incentivar políticas

públicas e, tem como finalidade ser destinado a aplicar os projetos sociais em cada área para

melhorar determinadas condições, as quais precisam passar por processo de transformação

para viabilizar a construção da democracia no Brasil.

No que se refere ao tema da dissertação, relaciona-se precisamente com o Eixo

Orientador I, o qual é denominado de Interação Democrática entre Estado e Sociedade Civil.

Nesse sentido, a terceira versão do Programa Nacional dos Direitos Humanos, estabelece o

seguinte:

As diretrizes deste capítulo discorrem sobre a importância de fortalecer a garantia e os instrumentos de participação social, o caráter transversal dos Direitos Humanos e a construção de mecanismos de avaliação e monitoramento de sua efetivação. Isso inclui a construção de sistema de indicadores de Direitos Humanos e a articulação das políticas e instrumentos de monitoramento existentes (BRASIL, 2010, p. 26).

Este Eixo Orientador I, Interação Democrática entre Estado e Sociedade Civil, visa

estimular o diálogo entre o Estado e a Sociedade Civil em busca de uma maior participação

no acompanhamento e monitoramento das políticas públicas em direitos humanos. E, para

que ocorram resultados esperados na efetivação dos direitos humanos, o PNDH-3 estimula o

cumprimento dos seguintes princípios: “I - Garantia da participação e do controle social das

políticas públicas em Direitos Humanos, em um diálogo plural e transversal entre os vários

atores sociais”.

Para o cumprimento desse primeiro princípio, que trata da interação democrática entre

99

Estado e sociedade civil, o PNDH-3 recomenda a prática das seguintes atividades:

A - Apoiar, junto ao Poder Legislativo, a instituição do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, dotado de recursos humanos, materiais e orçamentários para o seu pleno funcionamento, e efetuar seu credenciamento junto ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos como "Instituição Nacional Brasileira", como primeiro passo rumo à adoção plena dos "Princípios de Paris". B - Fomentar a criação e o fortalecimento dos conselhos de Direitos Humanos em todos os estados e municípios e no Distrito Federal, bem como a criação de programas estaduais de Direitos Humanos. C - Criar mecanismos que permitam uma ação coordenada entre os diversos conselhos de direitos, nas três esferas da federação, visando à criação de agenda comum para a implementação de políticas públicas de Direitos Humanos. D - Criar base de dados dos conselhos nacionais, estaduais, distrital e municipais, garantindo seu acesso ao público em geral. E - Apoiar fóruns, redes e ações da sociedade civil que fazem acompanhamento, controle social e monitoramento das políticas públicas de Direitos Humanos. F - Estimular o debate sobre a regulamentação e efetividade dos instrumentos de participação social e consulta popular, tais como lei de iniciativa popular, referendo, veto popular e plebiscito. G - Assegurar a realização periódica de conferências de Direitos Humanos, fortalecendo a interação entre sociedade civil e poder público (BRASIL, 2015, p. 1).

Essas recomendações acima citadas como atividades a serem desempenhadas para a

interação da democracia participativa e os direitos humanos são, exatamente, as ações

governamentais estimuladas pelos mecanismos de participação popular que aqui estamos

tratando, principalmente, quando menciona a questão de “fomentar o fortalecimento dos

Conselhos de Direitos Humanos”, porque esta será exatamente a política social que

analisaremos mais adiante.

O outro princípio citado nesse Eixo I, que estimula a interação entre a democracia

participativa e os direitos humanos, refere-se ao “II - Ampliação do controle externo dos

órgãos públicos”:

A - Ampliar a divulgação dos serviços públicos voltados para a efetivação dos Direitos Humanos, em especial nos canais de transparência. B - Propor a instituição da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, em substituição à Ouvidoria-Geral da Cidadania, com independência e autonomia política, com mandato e indicação pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos, assegurando recursos humanos, materiais e financeiros para seu pleno funcionamento. C - Fortalecer a estrutura da Ouvidoria Agrária Nacional (BRASIL, 2015, p. 2).

100

Também podemos perceber nas atividades recomendadas pelo PNDH-3, nesse

princípio, que esse tem uma ligação direta com os mecanismos democráticos, os quais

estamos tratando nessa dissertação.

Dessa maneira, podemos mais uma vez notar o quanto os instrumentos de democracia

participativa são fatores de importância singular na construção dessas políticas públicas, nas

diversas áreas dos direitos, pois, sem estas, os projetos sociais não conseguiriam obter êxito,

porque não estariam caminhando junto com os valores democráticos necessários para manter

um bom relacionamento entre sociedade civil e Estado.

Por outro lado, não adianta apenas a aplicação da política pública, por isso, o

programa visa, também, o monitoramento da execução destes mecanismos previstos para

melhor desenvolver cada área fragilizada por diversos fatores dentro da sociedade.

Isso implica em dizer que, não é apenas a fiscalização sobre a destinação dos recursos

públicos, faz-se imprescindível, ainda, o caráter de norteamento das ações que estão sendo

executadas.

Uma situação mais grave ocorre quando se utiliza de meios públicos para poder obter

interesses próprios em detrimento da coletividade. Isso pode ocorrer, por exemplo, numa

situação em que se utilize o bem público para satisfazer interesses pessoais.

O PNDH-3 vai tratar da questão de como deve ser aplicada a execução dos planos

dessas medidas mencionadas no programa, tendo em vista a maneira como deve ser

coordenado, isto é, o procedimento como se aplica a política pública, devendo haver uma

interação entre as esferas municipal, estadual e federal. Assim como também todos os

poderes Legislativo, Executivo e Judiciário precisam estabelecer o mesmo direcionamento

para proteger e efetivar as medidas as quais estes se propõem, a fim de organizar, estruturar,

pois, dificilmente uma política pública se estabelece em um só poder.

É necessário que as diretrizes e os objetivos das políticas públicas em direitos

humanos sejam submetidos por órgãos dos três poderes ou pelo menos por mais de um, para

que sejam executadas estas atividades as quais precisam ser estabelecidas no decorrer da

gestão pública de nossos representantes.

Por isso, o plano foi assinado por todos os ministros do governo que se

comprometeram, assim, a colocar os objetivos e as metas do plano na sua agenda.

Nesse sentido, estabelece o Programa Nacional de Direitos Humanos que:

101

O Poder Executivo tem papel protagonista de coordenação e implementação do PNDH, mas faz-se necessária a definição de responsabilidades compartilhadas entre a União, estados, municípios e Distrito Federal na execução de políticas públicas, tanto quanto a criação de espaços de participação e controle social nos Poderes Judiciário e Legislativo, no Ministério Público e nas Defensorias, em ambiente de respeito, proteção e efetivação dos Direitos Humanos. O conjunto dos órgãos do Estado, - não apenas o Executivo Federal – deve estar comprometido com a implementação e monitoramento do PNDH-3 (BRASIL, 2010, p. 26-27).

O objetivo é fazer com que essas diretrizes sejam colocadas em prática, a exemplo do

que ocorre com as leis orçamentárias anuais.

Em outras palavras, o que vale, de fato, é fazer com que as diretrizes do PNDH-3

sejam transformadas em projetos sociais, os quais sejam integrados dentro do Plano

Plurianual (PPA), que tem como função estabelecer as diretrizes, objetivos e metas de médio

prazo da administração pública. E, em seguida, fazer com que sejam transformadas em

diretrizes, não apenas na forma de recomendações.

O necessário, para efetivação dos direitos humanos, é fazer com que as diretrizes do

PNDH-3 passem a fazer parte da estrutura da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO),

anualmente, pois, essa lei serve para enunciar as políticas públicas e respectivas prioridades

para o exercício seguinte.

E, por fim, deve haver a inserção destas diretrizes e projetos sociais no instrumento

que viabiliza a execução do plano de trabalho do exercício a que se refere, ou seja, na Lei

Orçamentária Anual (LOA), a qual tem como principais objetivos estimar a receita e, fixar a

programação das despesas para o exercício financeiro. Muitas recomendações em favor dos

direitos humanos, − pelo menos as que se referem às temáticas mais debatidas e que urge

sejam colocadas em prática − foram sintetizadas e organizadas dentro do PNDH-3, com a

finalidade de possibilitar aos gestores públicos do Brasil uma maneira de conseguir viabilizar

cada vez mais as estratégias que devem ser colocadas em prática.

Ao conseguirmos fazer com que as diretrizes das políticas públicas do PDNH-3 sejam

executadas na Lei Orçamentária Anual, estaremos no caminho adequado para o

desenvolvimento democrático.

Com isto afirmamos que essa união entre democracia participativa com a execução

de políticas públicas, certamente nos remete a proteção eficaz aos cidadãos brasileiros quanto

aos seus direitos humanos. E, estas políticas sociais em direitos humanos devem ser

destinadas, principalmente, as camadas da sociedade que por motivos religiosos, de saúde,

opção sexual, cor da pele, por incapacidade física ou mental, gênero, dentre outras, sofrem

102

materialmente, social e psicologicamente, os efeitos da exclusão, tornando o acesso à

participação e/ou oportunidade igualitária, dificultada ou vetada a bens e serviços universais

disponíveis para a população.

Estes são os grupos mais fragilizados da sociedade civil brasileira, e, por isso são os

principais segmentos a serem amparados pelo Programa Nacional de Direitos Humanos.

Embora, na prática, observamos que, em poucas situações, os objetivos e as diretrizes

transformam-se em projetos sociais para serem executados na Lei Orçamentária Anual.

Podemos citar algumas atuações do PNDH-3 que foram colocadas na prática com resultados

positivos.

Como exemplo de cumprimentos de objetivos estabelecidos a partir dos programas de

direitos humanos (PNDHs) no Brasil, temos a erradicação da fome, da miséria absoluta, o

objetivo da universalização do ensino, assim como o desenvolvimento da educação em

direitos humanos, através do ensino dos direitos humanos em todas as escolas, desde o ensino

básico até o ensino superior, e nas academias de polícia.

Por exemplo, o “Programa Fome Zero” teve como meta a erradicação da fome, e

obteve bons resultados. O “Programa Bolsa Família” tem como objetivo diminuir a situação

de pobreza extrema (estado de miserabilidade), e, também, conseguiu avanços democráticos

nessa área de direitos humanos, por meio dessa política social.

Apesar disso, há críticas a estes programas, representantes de partidos políticos

contrários à social democracia estabelecida no Brasil, principalmente, a partir do Governo

Lula até os dias atuais. Essas críticas são realizadas por aqueles que acreditam que estes

programas limitam a capacidade dos brasileiros de crescerem na área da educação e do

aperfeiçoamento para o mercado profissional, porque podem deixar os beneficiários

estimulados ao conformismo e a acomodação na situação econômica em que vivem. Mas, de

acordo com que analisamos aqui sobre democracia brasileira, consideramos estes programas

como medidas emergenciais necessárias para efetivação dos direitos humanos.

O “Programa Prouni”, por exemplo, tem como objetivo universalizar o ensino

superior, para tornar mais acessível aos jovens que vem de condição social menos favorecida,

para que tenha a mesma oportunidade dos demais para ingressarem numa instituição de

ensino superior.

Na área de educação em direitos humanos, podemos citar como resultados benéficos

para efetivação dos direitos essenciais e, para o desenvolvimento da educação de direitos

humanos, a criação do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH),

103

criado em 2003, através da Portaria nº 98.

Esse órgão está relacionado a uma instância consultiva e propositiva da Secretaria de

Direitos Humanos da Presidência da República. E, quanto a sua competência, podemos dizer

que o CNEDH tem como função, avaliar políticas públicas para o cumprimento do Plano

Nacional de Educação em Direitos Humanos.

Outro aspecto de desenvolvimento da educação em direitos humanos diz respeito à

aprovação, pelo Conselho Nacional de Educação, dos direitos humanos como componente

curricular para todo o sistema de ensino brasileiro. Este é, inclusive, um exemplo de

cumprimento de uma das importantes metas que o PNDH, desde o primeiro, vem propondo e

que em parte foi executada.

A Lei nº 13.005/2014 que foi sancionada, além de outras providências, para aprovar o

Plano Nacional de Educação (PNE), conforme art. 1º dessa citada legislação específica.

Sendo assim, o art. 2º, inciso X, da Lei nº 13.005/2014, estabelece: “promoção dos

princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade

socioambiental”. Foi esse inciso que deu origem ao Plano Nacional de Educação em Direitos

Humanos (PNDH), o qual foi estabelecido pelo Comitê Nacional de Educação em Direitos

Humanos, e, pode ser encontrado no site do Ministério da Educação e Cultura (MEC), o qual

tem como endereço eletrônico:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=2191.

No entanto, além do Programa Nacional dos Direitos Humanos, outros grandes

projetos em direitos humanos foram sendo criados por recomendação da ONU.

Este é o caso dos programas chamados “Objetivos do Milênio”, os quais foram

estabelecidos no ano 2000 pela Organização das Nações Unidas (ONU), recebendo apoio dos

países membros da ONU, estes objetivos podem ser divididos em oito grandes temáticas de

direitos humanos:

1) Erradicar a extrema pobreza e a fome; 2) Atingir o ensino básico universal, isto é, oferecer educação básica de qualidade para todos; 3) Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) Reduzir a mortalidade infantil; 5) Melhorar a saúde materna (isto é, das gestantes); 6) Combater o vírus HIV (AIDS), a malária e outras doenças; 7) Garantir a sustentabilidade ambiental (isto é, a qualidade de vida e respeito ao meio ambiente); 8) Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento (BRASIL, 2014, p. 17 a 181)

104

O Brasil obteve sucesso em alguns desses objetivos nesse programa de direitos

humanos.

O primeiro diz respeito à redução pela metade à população sem acesso a saneamento,

permitindo uma melhor qualidade de vida para esses brasileiros, que ainda vivem em

condições de vida com poucos recursos para sobrevivência. Atingindo, portanto, o objetivo

do ponto seis, que trata sobre o combate a doenças, já que a falta de saneamento afeta a saúde

da população.

E, outro exemplo de êxito nesses objetivos estabelecidos pela ONU é em relação à

redução em dois terços da mortalidade de crianças até cinco anos de idade, o que está

diretamente relacionado com um dos objetivos do milênio que tem como intuito reduzir a

mortalidade infantil.

Essas informações sobre os “objetivos do milênio” podem ser encontradas pelo site

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, no endereço

http://www.pnud.org.br/Docs/5_RelatorioNacionalAcompanhamentoODM.pdf, o qual trata

de forma detalhada de cada um desses oito objetivos.

No entanto, no caso dessa dissertação, resolvemos tratar mais especificamente do

PNDH-3, pois, esse é o programa que mais tem sido trabalhado, no Brasil, atualmente, no

que se refere às políticas públicas que visam colocar em prática os objetivos e as diretrizes

estabelecidos nesse programa. Uma vez que, este versa sobre as principais temáticas para

execução de projetos sociais em direitos humanos.

Além disso, o PNDH tem a finalidade, também, de atingir o desenvolvimento da

democracia brasileira através da efetivação dos direitos humanos, tal qual estamos

defendendo como tese central nesta dissertação.

Entre os objetivos e metas das políticas públicas, assume um destaque particular o

Eixo que trata da interação do Estado e a sociedade civil, porque o PNDH-3 também acredita

que os mecanismos de participação popular, na medida em que permitem o desenvolvimento

democrático, também possibilitam a efetivação dos direitos humanos.

Este Eixo I do PNDH-3, conforme citado acima, trouxe, como um exemplo de

democracia participativa, a atuação da sociedade civil nos Conselhos de Direitos Humanos, o

que favorece a comunicação entre Estado e cidadãos, permitindo que ocorra com mais

facilidade esta implantação de projetos sociais, os quais representem as necessidades dos

cidadãos, e possam ser atendidas estas demandas sociais através das atividades do Estado.

No próximo tópico, começaremos a analisar o que é um Conselho de Direito e o

105

porquê deles serem fundamentais para participação popular, bem como para implantação de

atividades específicas em direitos humanos.

Nesse caso, vamos tratar, especificamente, de direitos voltados para criança e para o

adolescente, como exemplo destes Conselhos de direitos, trataremos do Conselho Nacional

da Criança e do Adolescente e de uma política social em direitos humanos também voltada

para proteção dos direitos básicos do menor.

4.2 Os Conselhos de Direitos

A atuação dos Conselhos de Direitos é imprescindível no desenvolvimento de

políticas sociais voltadas para o fortalecimento dos direitos humanos. Os Conselhos de

direitos podem ser chamados, também, de Conselhos de Políticas Públicas ou Conselhos

Gestores de Políticas Públicas Setoriais.

Os Conselhos de Direitos, órgãos colegiados, permanentes, paritários e deliberativos,

possuem a incumbência de formulação, supervisão e avaliação de políticas públicas. Outra

característica desses Conselhos é que estes são de constituição obrigatória, e servem para

repassar verbas federais.

No que se refere às atribuições dos Conselhos de direitos, podemos citar a atribuição

de formular ou propor, supervisionar, avaliar, fiscalizar e controlar as Políticas Públicas.

Essas funções são realizadas através dos seguintes âmbitos temáticos: Conselhos de

Assistência Social; Conselhos da Criança e do Adolescente; e Conselhos de Saúde.

No caso da nossa dissertação, iremos tratar especificamente dos Conselhos da Criança

e do Adolescente, a partir do tópico a seguir.

4.3 O Conselho Nacional da Criança e do Adolescente e sua integração com políticas públicas em direitos humanos

Após a análise sobre Conselhos de Direitos, podemos, enfim, nos dedicar ao estudo,

especificamente, de um Conselho, o qual tem como intuito proteger os direitos da criança e

do adolescente.

Trata-se do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente –

CONANDA, que se constitui em um órgão colegiado permanente de caráter deliberativo e

composição paritária, previsto no art. 88 da Lei nº. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA).

106

O CONANDA está integrado à estrutura da Secretaria de Direitos Humanos da

Presidência da República. No que se refere à sua composição, trata-se de um órgão colegiado

de composição paritária, integrado por 28 conselheiros titulares e 28 suplentes, sendo 14

representantes do Poder Executivo e 14 representantes de entidades não governamentais, que

possuem atuação em âmbito nacional e atuação na promoção e, defesa dos direitos de

crianças e adolescentes.

O art. 2º da Lei nº 8.242/1991 estabelece as seguintes atividades que são de

competência do CONANDA:

I - elaborar as normas gerais da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, fiscalizando as ações de execução, observadas as linhas de ação e as diretrizes estabelecidas nos arts. 87 e 88 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); II - zelar pela aplicação da política nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente; III - dar apoio aos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, aos órgãos estaduais, municipais, e entidades não governamentais para tornar efetivos os princípios, as diretrizes e os direitos estabelecidos na Lei nº 8.069, de 13 de junho de 1990; IV - avaliar a política estadual e municipal e a atuação dos Conselhos Estaduais e Municipais da Criança e do Adolescente; V - (Vetado) VI - (Vetado) VII - acompanhar o reordenamento institucional propondo, sempre que necessário, modificações nas estruturas públicas e privadas destinadas ao atendimento da criança e do adolescente; VIII - apoiar a promoção de campanhas educativas sobre os direitos da criança e do adolescente, com a indicação das medidas a serem adotadas nos casos de atentados ou violação dos mesmos; IX - acompanhar a elaboração e a execução da proposta orçamentária da União, indicando modificações necessárias à consecução da política formulada para a promoção dos direitos da criança e do adolescente; X - gerir o fundo de que trata o art. 6º da lei e fixar os critérios para sua utilização, nos termos do art. 260 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990; XI - elaborar o seu regimento interno, aprovando-o pelo voto de, no mínimo, dois terços de seus membros, nele definindo a forma de indicação do seu Presidente (BRASIL, 2015, p. 1 a 2)

O CONANDA tem como objetivo oferecer mais proteção aos direitos da criança e do

adolescente no Brasil e, possibilitar uma prática mais eficaz do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA), com regras voltadas a orientar os Conselhos Tutelares.

É cabível também, a este órgão, deliberar normas para facilitar a instalação de

políticas públicas e, manter o direcionamento destas atividades nas instituições

governamentais, que tem autoridade para lidar com projetos sociais voltados ao amparo e

107

coordenação da vida familiar, educacional, e profissional, das crianças e adolescentes

brasileiros.

Já no que se refere à composição do CONANDA, o art. 3º da Lei nº 8.242/1991

estabelece o seguinte entendimento:

O CONANDA é integrado por representantes do Poder Executivo, assegurada a participação dos órgãos executores das políticas sociais básicas na área de ação social, justiça, educação, saúde, economia, trabalho e previdência social e, em igual número, por representantes de entidades não governamentais de âmbito nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente (BRASIL, 2015, p. 1).

O CONANDA é também um órgão executor de políticas sociais.

Em outras palavras, o Conselho da Criança do Adolescente está apto não apenas a

deliberar sobre as políticas públicas que se referem à criança e ao adolescente, mas, tem

competência para colocar em prática os objetivos e as diretrizes, as quais são analisadas,

antes, pelas autoridades para quem são delegados poderes.

Estas autoridades constituem-se como representantes desta temática (proteção à

criança e ao adolescente); e os projetos desse órgão são sancionados pelo Chefe do Poder

Executivo.

Assim, o CONANDA busca transformar as diretrizes referentes à saúde, à educação,

à inclusão social do adolescente e da criança, em políticas públicas que sejam uma realidade

nas diversas instituições governamentais.

No entanto, estas políticas públicas devem ser transformadas em projetos sociais, os

quais devem se tornar uma realidade na vida da sociedade civil.

O caráter executivo é fundamental para o fortalecimento deste Conselho, pois, não

deve ter apenas direito de verbalização das ações governamentais a serem cumpridas como

metas, mas, antes de tudo, de colocar em prática as políticas públicas.

O Conselho da Criança e do Adolescente é beneficiado pela destinação de recursos

liberados pelo próprio Chefe do Executivo. Esses recursos são necessários para os Conselhos

Tutelares, como também para as instituições que visem à manutenção dos direitos do menor

aqui no Brasil, as quais irão trabalhar na efetivação destas diretrizes.

Sendo assim, podemos perceber que a composição do CONANDA se organiza não

apenas como órgão que visa organizar ou incentivar políticas públicas, mas como

instrumento de participação popular, que busca a solução de conflitos sociais, para resultados

positivos da própria economia e política do Estado.

108

O contexto político do Brasil é uma realidade de desigualdades, e, estas precisam ser

enfrentadas com projetos sociais para crianças e adolescentes, a fim de que possam

possibilitar o desenvolvimento do país ao garantir uma realidade com mais oportunidades

para crianças e adolescentes, principalmente, os que vivem em processo de exclusão da

sociedade civil por fatores políticos, econômicos, raciais, culturais e sociais.

Com relação a nomeação do Presidente do CONANDA, ocorre através de indicação

do Presidente da República, o qual, elegerá um dentre os membros do CONANDA. A

destituição do Presidente do CONANDA também acontece por ordem do Presidente da

República, de acordo com o que está estabelecido no art. 5º da Lei nº 8.242/1991.

O art. 6º da Lei 8.242/1991 menciona a existência de um Fundo Nacional voltado para

a proteção da criança e do adolescente. Esse fundo diz respeito aos recursos destinados as

políticas públicas em direitos humanos, os quais têm origens diversas e estão mencionados no

§ Único deste art. 6º da Lei 8.242/1991, realizando as seguintes considerações:

Art. 6º Fica instituído o Fundo Nacional para a criança e o adolescente. Parágrafo único. O fundo de que trata este artigo tem como receita: a) contribuições ao Fundo Nacional referidas no art. 260 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990; b) recursos destinados ao Fundo Nacional, consignados no orçamento da União; c) contribuições dos governos e organismos estrangeiros e internacionais; d) o resultado de aplicações do governo e organismo estrangeiros e internacionais; e) o resultado de aplicações no mercado financeiro, observada a legislação pertinente; f) outros recursos que lhe forem destinados (BRASIL, 2015, p. 2).

Nesse sentido, os recursos desse Fundo Nacional são recolhidos de diversas maneiras,

seja pelo orçamento da União ou, por aplicações do governo e organismos internacionais e

também como resultados de aplicações no mercado financeiro.

E, ainda, pode acontecer por contribuição feita pelos próprios cidadãos brasileiros ao

efetuarem doações aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente (na esfera nacional,

estadual ou municipal), as quais quando devidamente comprovadas, deverão ser

integralmente deduzidas do imposto de renda nos limites estabelecidos na lei nº 8.069/1990.

O art. 10 da Lei 8.242/1991 trata da existência do Conselho Tutelar, de sua

composição e funcionamento, e assim estabelece:

109

Art. 10. Os arts. 132, 139 e 260 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 132. Em cada Município haverá, no mínimo um Conselho Tutelar composto de cinco membros, escolhidos pela comunidade local para mandato de três anos, permitida uma recondução. ........................................................................ Art. 139. O processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do Ministério Público. ........................................................................ Art. 260. Os contribuintes poderão deduzir do imposto devido, na declaração do Imposto sobre a Renda, o total das doações feitas aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente - nacional, estaduais ou municipais - devidamente comprovadas, obedecidos os limites estabelecidos em Decreto do Presidente da República. § 1º ..................................................................... § 2º ..................................................................... § 3º O Departamento da Receita Federal, do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, regulamentará a comprovação das doações feitas aos fundos, nos termos deste artigo. § 4º O Ministério Público determinará em cada comarca a forma de fiscalização da aplicação, pelo Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos incentivos fiscais referidos neste artigo (BRASIL, 2015, p. 2)

O CONANDA, através da Lei 8.242/1991, se organiza de maneira a possibilitar um

direcionamento objetivo no cumprimento de políticas públicas em direitos humanos.

Dessa maneira, o CONANDA permite que os direitos da criança e do adolescente

sejam amparados através dos projetos sociais os quais são sancionados pelo Poder Executivo,

tornando possível a execução das diretrizes referentes à área de ação social, justiça, educação,

saúde, economia, trabalho e previdência social, no que diz respeito aos cidadãos brasileiros

na fase da infância ou da adolescência.

No próximo tópico deste capítulo, vamos analisar a atuação desse Conselho

Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Estado do Rio de Janeiro, por se

tratar da mesma política social trabalhada no CONANDA, ou seja, a proteção dos direitos

essenciais do menor no Brasil.

4.4 Análises de um estudo sobre uma política social de atendimento à criança e ao adolescente em situação de rua no Rio de Janeiro

Neste tópico, vamos citar, como exemplo de política pública, um projeto social

específico em direitos humanos, na área da proteção a criança e o adolescente.

110

Esse estudo foi realizado pelo CMDCA-Rio (Conselho Municipal dos Direitos da

Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro) em parceria com o Centro Internacional de

Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI), em convênio também com a PUC-Rio.

O que estamos citando, no caso, é o texto dos professores e pesquisadores,

Princeswall e Caldeira (2010, p. 10), os quais esclarecem:

O presente texto analisa o processo de formulação da Política Pública de Atendimento à Criança e ao Adolescente em Situação de Rua na cidade do Rio de Janeiro, como parte do compromisso assumido pelo projeto Os processos de construção e implementação de políticas públicas para crianças e adolescentes em situação de rua, desenvolvido pelo Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI), em convênio com Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Mais adiante os pesquisadores explicam, sobre quando iniciou o projeto social

analisado no texto, trazendo as informações a seguir:

O projeto em questão teve início em julho de 2008, quando a equipe do CIESPI integrou o grupo de trabalho (GT) formado pelo CMDCA-Rio, para atuar junto a ele no processo de elaboração, divulgação e implementação da referida política. [...] As análises foram desenvolvidas a partir das atividades realizadas pelo GT entre os meses de julho de 2008 e junho de 2009. Neste período o papel desempenhado pela equipe do CIESPI consistiu, principalmente, em sistematizar as discussões e as diretrizes propostas pelo grupo, bem como oferecer insumos através de estudos quantitativos e qualitativos para os debates que subsidiaram o texto da política (CALDEIRA; PRINCESWALL, 2010, p. 10).

Esse texto que estamos citando foi intitulado de “Os processos de construção e

implementação de políticas públicas para crianças e adolescentes em situação de rua”, sendo

esse também o título do projeto social avaliado nesse mencionado texto.

Quanto à aprovação da política pública avaliada nesse texto dos pesquisadores

citados, temos as seguintes informações:

No dia 22 de junho de 2009 foi aprovada a Política Pública de Atendimento a Criança e ao Adolescente em Situação de Rua (deliberação 763/09) elaborada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro (CMDCA-Rio). Este acontecimento deu-se após um ano de intensos debates promovidos por um grupo de trabalho (GT) constituído de forma paritária por membros de organizações governamentais e não governamentais (CALDEIRA; PRINCESWALL,

111

2010, p. 10). O projeto foi implantado com a finalidade de atender a Política Pública de

Atendimento a Criança e ao Adolescente em Situação de Rua (deliberação 763/09), a qual foi

elaborada através do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de

Janeiro (CMDCA-Rio).

Sendo assim, Caldeira e Princeswal (2010, p. 4) relatam:

O projeto tem como objetivo assessorar os Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs) no processo de formulação, divulgação e implementação de políticas públicas voltadas para a melhoria das condições de vida de crianças e adolescentes. [...] O mesmo teve início em julho de 2008, quando a equipe de pesquisa do CIESPI integrou um grupo de trabalho formado pelo CMDCA do Rio de Janeiro (CMDCA-Rio), para atuarem juntos no processo de elaboração da Política de Atendimento a Criança e ao Adolescente em Situação de Rua, aprovada em 22 de junho de 2009.

Por isso que resolvemos citar este texto, para exemplificar uma situação onde

houvesse participação popular dentro de uma política social em direitos humanos, atuando ao

lado de entidades governamentais e não governamentais (ONGs internacionais).

Nesse sentido, relatamos a atuação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e

do Adolescente do Rio de Janeiro dentro desse projeto social, possuindo como finalidade

promover a proteção aos direitos das crianças e dos adolescentes com as seguintes medidas já

adotadas:

Em seus dezessete anos de existência, o CMDCA-Rio aprovou três políticas públicas: a Política de Abrigo para Crianças e Adolescentes do Município do Rio de Janeiro (Deliberação Nº 201/01 - DS/CMDCA, 2001); a Política de Intervenção Frente à Violência Doméstica contra a Criança e o Adolescente para o Município do Rio de Janeiro (Deliberação Nº 153/00 - DS/CMDCA, 2000); e a Política de Atendimento à Criança e ao Adolescente em Situação de Rua (Deliberação Nº 763/09 - DS/CMDCA, 2009). O pouco exercício de sua função propositiva não é uma realidade apenas do CMDCA-Rio, mas também está presente em outros municípios brasileiros (CALDEIRA; PRINCESWAL, 2010, p. 11).

Percebemos, portanto, que o CMDCA-Rio já vem proporcionando essa proteção à

criança e ao adolescente, com diversos projetos para cada área em que o menor é

desrespeitado em seus direitos básicos, pois, a violência doméstica, e a situação do abandono

112

em rua é uma das maiores causas de negligência aos direitos da criança e do adolescente no

Brasil.

Os pesquisadores Caldeira e Princeswal (2010, p. 11) reforçam, portanto, uma ideia

que é de fundamental importância para o que estamos defendendo aqui em relação à

democracia participativa e direitos humanos, a qual se refere ao fato citado no seguinte

pensamento:

Ressalta-se que o papel de formulação de políticas públicas pelos CMDCAs representa um grande avanço no cenário político brasileiro, corroborando para a descentralização nas esferas decisórias, como previsto na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 (já citado acima): [...] II - participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis (artigos 204, inciso II da Constituição Federal de 1988).

Este projeto social tem a mesma finalidade, a qual está sendo defendida nesta

dissertação, de buscar garantir a efetividade dos direitos humanos (nesse caso específico da

criança e do adolescente) através dos instrumentos de participação popular, fiscalizando a

aplicação das políticas públicas.

Para que isto aconteça, vai depender bastante da maneira como o Estado atua,

permitindo que as diretrizes e os objetivos sejam colocados em prática em prol da efetivação

de um determinado grupo de direitos humanos.

No caso em questão, o instrumento de participação popular é o próprio Conselho

Municipal da Criança e do Adolescente do Estado do Rio de Janeiro, pois, está garantindo a

atuação da sociedade civil e, de entidades não estatais no desempenho das atividades deste

projeto social.

É imprescindível, portanto, que as políticas públicas desenvolvidas em um projeto

social sejam fiscalizadas, e, ao mesmo tempo, estimulada a oportunidade da própria

sociedade civil participar, por meio de organizações representativas destes mecanismos de

defesa existentes no Estado brasileiro.

Podemos perceber isto no seguinte comentário:

[...] observamos a importante atuação de algumas organizações da sociedade civil na luta pela promoção, defesa e garantia dos direitos deste grupo na cidade. Podemos citar o trabalho da Rede Rio Criança (RRC), formada atualmente por 17 organizações não governamentais, que visa otimizar o atendimento às crianças e aos adolescentes em situação de rua. A RRC tem

113

desempenhado um importante papel político na construção de discursos/práticas diferentes do hegemônico, junto aos Fóruns, Conselhos e demais espaços políticos. Contrária às ações de recolhimento, a Rede Rio Criança segue o pressuposto de que a saída dos meninos e meninas das ruas deve ser realizada de maneira processual, através da construção de laços de confiança e do respeito à sua subjetividade. A RRC igualmente reivindica a criação de “retaguardas” e o fortalecimento das existentes para encaminhá-los, além de metodologias de trabalho adequadas que possam propiciar alternativas para aqueles que manifestam o desejo de sair das ruas (CALDEIRA, PRINCESWAL, 2010, p. 13).

Outro ponto que foi relatado na obra muito pertinente a discussão, a qual estamos

fazendo sobre relação entre democracia e efetivação dos direitos humanos, diz respeito a

forma como estes Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente se

articulam entre gestores públicos, membros participantes da sociedade civil e, as próprias

crianças e adolescentes, aos quais são destinadas as políticas públicas, estabelecendo o

seguinte pensamento acerca desta questão, com relação a atuação do Grupo de Trabalho:

[...] No decorrer do processo, o GT concluiu que seria de grande importância que as Secretarias não apenas apresentassem os programas para as crianças e os adolescentes em situação de rua, mas ampliassem o debate para todas as ações oferecidas para crianças e adolescentes. Primeiramente porque como explicitado acima, as Secretarias que responderam ao ofício do CMDCA-Rio informaram não possuir programas voltados ao público específico em situação de rua. E em segundo lugar, porque ao conhecer todas as ações executadas por cada uma delas, o GT poderia sugerir diretrizes em relação aos programas já existentes, para que incluíssem o atendimento a criança e ao adolescente em situação de rua. [...] um dos fatores que dificultam a formulação de políticas consistes justamente no desconhecimento da “máquina pública” por parte do Conselho, da sociedade civil, e mesmo por funcionários de Secretarias diferentes (CALDEIRA; PRINCESWAL, 2010, p. 18).

Com a participação popular, nas políticas públicas, são contemplados os interesses de

cada uma das partes, da sociedade civil, dos gestores públicos, das crianças e dos

adolescentes.

Dessa maneira, há uma ponderação dos objetivos e interesses de cada um desses

segmentos, a fim de que, as políticas possam ser colocadas em prática da melhor maneira,

respeitando as características de uma democracia participativa, para tornar-se possível ao

Estado cumprir o seu dever de efetivar os direitos humanos em cada política pública que

criar, para resolver determinados conflitos.

No caso em questão, as crianças e os adolescentes em situação de rua são levados para

a delinquência juvenil, o que apresenta risco para sociedade civil, pois, cresce

114

assustadoramente o índice de violência urbana. Por outro lado, estes jovens estão sendo

negligenciados nos seus direitos básicos à moradia e à oportunidade de estudar, trabalhar e

ter condições de deixar esta vida das ruas.

A partir da experiência vivida, nesse projeto social, pelos professores e pesquisadores,

Caldeira e Princeswall, estes conseguiram elencar os treze principais pontos para construção

de uma política pública na área de proteção da criança e do adolescente com êxito, quais

sejam:

1) Aprovar a construção e implementação da política no Plano de Ação e Aplicação do CMDCA; 2) Realizar um evento com ampla participação dos diversos atores sociais, em especial aqueles que já tiverem experiência na construção de políticas; 3) Eleger um Grupo de Trabalho (GT) paritário com instituições conselheiras e não conselheiras; 4) Definir a estrutura de elaboração da política e construir um plano operacional; 5) Criar debate interno sobre as diretrizes da política em cada Secretaria municipal e levantar propostas; 6) Realizar a devolução do processo de construção da política em Assembléias do CMDCA; 7) Criar mecanismos de comunicação do GT com todos os conselheiros do CMDCA; 8) Lançar um documento preliminar da política para consulta pública; 9) Aprovar a política em Assembléia do CMDCA; 10) Realizar fóruns descentralizados por regiões administrativas/CAS/CRES para divulgar a política e colher contribuições para o plano de implementação; 11) Elaborar e cumprir um plano de implementação e monitoramento da política; 12) Criar mecanismo de comunicação com o Conselho Estadual para articulação em torno das diretrizes da política municipal; 13) Pautar em Fóruns permanentes as questões sobre crianças, adolescentes e jovens (CALDEIRA; PRINCESWALL, 2010, p. 33).

Os professores e pesquisadores do mencionado texto, ao final, concluem que a

implementação dessas políticas públicas está relacionada a alguns avanços e desafios

apresentados, citando alguns aspectos quanto à Política de Atendimento das Crianças e

Adolescentes em Situação de Rua na cidade do Rio de Janeiro (CALDEIRA; PRINCESWALL,

2010).

Quanto aos desafios, Caldeira e Princeswall (2010), afirmam que:

• A importância de uma previsão orçamentária, antes mesmo da aprovação da

política – a disputa pela utilização do Fundo Municipal da Infância e da Adolescência

(FIA) : Este desafio se refere a uma das estratégias que precisam ser delineadas antes através

de uma discussão entre os conselheiros. Estes precisaram analisar a possibilidade de uma

115

previsão orçamentária de recursos públicos. Por isso, existe o FIA (Fundo Municipal da

Infância e da Adolescência), um fundo específico dos Conselhos. Esta etapa se constitui de

um grande desafio, pois, ainda é necessário que haja outras fontes de recursos, porque este

fundo não possibilita ações governamentais de longo prazo por não ser possível prever o

montante de recursos captados;

• Os atores envolvidos - a importância de quem lidera o processo: Um dos

problemas existentes quanto a esta questão foi o fato da liderança no GT (Grupo de Trabalho)

ter sido composta por representantes da sociedade civil. Isto gerou consequências no que se

refere à dificuldade na comunicação com as Secretarias, as quais deixaram de responder as

convocações para as reuniões do CMDCA-Rio ou então, demoraram muito a emitir alguma

resposta, o que gerou um atraso dos programas que ofereciam as propostas do que podiam

oferecer;

• A falta de dados, estudos e diagnósticos, e a indisponibilidade dos que existem,

prejudicam o subsídio ao monitoramento das ações desenvolvidas pelo poder público e

pela sociedade civil: O pouco acesso aos dados sobre crianças e adolescentes foi outro

desafio já que ocasionou a falta de diagnóstico e dados confiáveis sobre as condições de vida

de crianças e adolescentes na cidade do Rio de Janeiro que se encontram na situação de rua.

Este problema está relacionado ao fato de se realizar análises comparativas devido às

metodologias variadas empregadas nas diferentes pesquisas;

• As dificuldades surgidas devido ao curto prazo para a elaboração das

diretrizes e à mudança na gestão municipal: A mudança de gestão é outro desafio, pois isto

afeta diretamente na responsabilização das Secretarias envolvidas na política pública, uma vez

que os novos gestores podem não manter o mesmo envolvimento que o pessoal da gestão

anterior. Por exemplo, no caso desta situação concreta que esta obra trata o prefeito não

remeteu ao legislativo o orçamento do Plano de Aplicação para 2009, o que gerou

dificuldades para a utilização dos recursos no atendimento de crianças e adolescentes em

situação de rua;

• Os diferentes níveis de compreensão da realidade entre os atores envolvidos na

construção da política e seus impactos: O conhecimento escasso acerca da realidade de

crianças e adolescentes em situação de rua por parte da maioria dos representantes

governamentais também representa outro desafio na aplicação desta política pública, pois, isto

fez com que várias Secretarias não reconhecessem os programas existentes que alcançam esta

população.

116

Já no que se refere aos avanços, foram citadas as seguintes características:

• A estratégia do Grupo de Trabalho e o fortalecimento do CMDCA: Este

avanço encontrado nesta política pública é um exemplo bem específico do que estamos

discorrendo sobre a efetivação dos direitos humanos e a sua relação com a democracia

participativa.

Uma questão positiva mencionada como avanço foi em relação ao fato de que para a

política pública se desenvolver, um dos principais fatores que ocasionou a construção das

diretrizes desta política foi a estratégia do CMDCA-Rio em construir um Grupo de Trabalho.

E, assim, a política pública respeitou dois princípios: o primeiro foi o Princípio da Paridade, já

que o GT foi composto de ao início pelo mesmo número (cinco) de organizações

governamentais e não governamentais, visando seguir a paridade no decorrer do trabalho do

CMDCA-Rio. No entanto, na maioria das reuniões, as organizações da sociedade civil

estavam presentes em um número maior;

• O GT como um espaço de produção e de apropriação de conhecimento sobre a

criança e o adolescente em situação de rua e o funcionamento da máquina pública: Outro

aspecto de avanço relatado se refere ao fato de que houve bastante confrontos e consensos de

ideias surgidas das diversas organizações governamentais e não governamentais. Sendo

assim, foram utilizados muitos meios de pesquisas a fim de se conhecer o perfil

socioeconômico, o lugar de origem das crianças e adolescentes nestas condições de vida de

rua. Outra ação que foi realizada se referiu a retirada das crianças e adolescentes das ruas. A

formação do GT com diversos atores, com diversas perspectivas contribuiu bastante na

promoção dos direitos destas crianças e adolescentes, amparados por estas políticas públicas;

• A consulta ao público-alvo da política: o Fórum de Meninos(as): Outro aspecto

que pode ser considerado como um avanço foram as sugestões realizadas pelo Grupo de

Trabalho e, logo após muitas diretrizes foram sendo reformuladas e novas elaborações

realizadas, procurando ter como base a Convenção sobre os Direitos da Criança e do

Adolescente, principalmente porque houve consulta direta ao grupo interessado no caso, as

crianças e os adolescentes em condições de rua.

Através desse estudo que avalia esta política pública, percebemos que muitas são as

questões que devem ser consideradas na prática para que exista uma eficiência no trabalho

realizado. No entanto, é possível notar que o trabalho da sociedade civil, ou seja, a

participação social é imprescindível para o desenvolvimento de uma política pública em

direitos humanos.

117

No caso que analisamos, ocorreu uma ampliação da responsabilidade, procurando

fazer com que a participação popular fosse, de fato, marcante na elaboração das diretrizes.

Isto porque, não só os conselheiros desempenharam suas atribuições, na execução da política

social, mas contribuíram, também, organizações não governamentais e governamentais, pois,

foi respeitado o princípio da Participação Social.

E, esta política pública avaliada, nesse citado texto, pode ser utilizada como

parâmetro para serem aplicados estes métodos nela usados, em outras políticas públicas em

direitos humanos, não só na área de proteção aos direitos do menor. A partir disso, teremos

bons exemplos de uma utilização benéfica da democracia participativa para a efetivação de

direitos humanos.

Com a análise desse estudo especializado sobre uma política social em direitos

humanos, percebemos, por fim, o quanto a atuação da sociedade civil em Conselhos que

atuam em prol da Criança e do Adolescente é imprescindível para que as atividades dos

conselheiros tutelares e, membros de entidades governamentais (Secretarias vinculadas ao

projeto social, por exemplo) e não governamentais (entidades internacionais) sejam

realizadas com êxito, para proteção dos direitos humanos da criança e do adolescente,

servindo como paradigma da contribuição da democracia participativa para a efetivação dos

direitos humanos.

118

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente dissertação, nosso objeto de estudo foi centrado na democracia

participativa brasileira. A partir daí, tratamos sobre vários mecanismos de participação

popular, com o intuito de verificar qual a contribuição de cada um deles, nos três poderes do

Estado, para a efetivação dos direitos humanos.

No decorrer da dissertação, defendemos como hipótese principal a seguinte questão: a

necessidade de suprir ou complementar as deficiências da democracia representativa

brasileira com elementos de democracia participativa para, com isso, alcançar dois objetivos

relacionados: a consolidação do Estado Democrático de Direito no processo de transição

democrática brasileira e, a efetivação dos direitos humanos.

Esta hipótese foi desenvolvida por meio do seguinte percurso.

Partimos de uma breve reconstrução histórico-conceitual dos direitos humanos e da

distinção entre direitos humanos e direitos fundamentais, para mostrar como os direitos

humanos são uma construção histórica produzida pelas lutas e pelos movimentos sociais que

mudam com o tempo. Além disso, afirmamos a importância da positivação dos direitos

humanos, através do processo constituinte, que deu os alicerces jurídico-políticos para a

reconstrução do Estado Democrático de Direito destruído pela ditadura no Brasil.

A partir destes pressupostos, mostramos a relevância do constitucionalismo, ou seja,

da constitucionalização dos direitos humanos, agora transformados em direitos fundamentais,

para a construção do Estado de Direito e para a efetivação dos direitos humanos.

Especificamos esta importância ou relevância analisando dois tipos de direitos, os

políticos e os sociais.

Mostramos que o exercício dos direitos políticos, passivos e ativos, é fundamental

porque somente com uma cidadania ativa e participativa, a democracia se torna viva e

atuante. Relatamos também como os direitos sociais, pelo menos no nosso ordenamento, são

considerados como direitos fundamentais e possuem o mesmo status jurídico dos direitos

civis e políticos e, portanto, devem ser efetivados da mesma maneira. O que significa que,

sem os direitos sociais, ou seja, concretamente no nosso país, sem um mínimo de justiça

social e de superação das desigualdades econômicas e sociais, não é possível o exercício dos

próprios direitos civis e políticos, isto é, da própria democracia.

No que se refere à justiciabilidade dos direitos sociais, pode-se dizer que, embora no

Brasil haja possibilidade de que os direitos sociais sejam requeridos por via judicial, a

119

aplicação dos direitos sociais, porém, é progressiva e limitada. As decisões se baseiam,

portanto, no benefício que pode gerar ou não para o interesse público e na disponibilidade

dos recursos públicos.

Nesse sentido, é que existe o princípio da reserva do possível, o qual estabelece

limites para a efetividade dos direitos sociais: primeiro, se faz necessário que existam

recursos financeiros suficientes nos cofres públicos. Em segundo lugar, é necessário,

também, que exista uma razoabilidade na pretensão do que se busca diante de sua

concretização, através dos limites enfrentados pelo Estado nos seus serviços públicos.

Por outro lado, existe, também, o princípio da proibição do retrocesso social, o qual

diz respeito ao fato de que fica vedado ao Estado realizar atos os quais impliquem em

retrocesso, não só em matéria de direitos sociais, mas em relação a todos os direitos

fundamentais.

O constitucionalismo apresenta, porém, uma aparente contradição ou paradoxo: ele é

certamente o produto da soberania popular, mas também põe limites a esta soberania, por

exemplo, ao subtrair à vontade popular as chamadas cláusulas pétreas, ou seja, os direitos

fundamentais que não podem ser submetidos a referendum ou plebiscito. Exemplificamos

esta questão com o debate sobre a pena de morte ou a redução da maioridade penal.

Esta discussão sobre os direitos humanos nos remeteu necessariamente para uma

análise sobre a democracia, porque, como afirmou várias vezes Bobbio, não há direitos

humanos sem democracia e não há uma verdadeira democracia sem direitos humanos.

Enfrentamos, portanto, os diferentes conceitos de democracia: a representativa, a

elitista e a participativa.

O objetivo central desse capítulo 2 foi mostrar que a nossa democracia é

necessariamente representativa, devido ao tamanho e à complexidade de um Estado como o

brasileiro, mas, também, pelo fato de que existe uma pluralidade de ideologias, opiniões,

religiões, interesses que devem ser representados e respeitados.

Assim, o “povo” não é uma entidade única e, unida por uma “vontade geral” ou, um

“bem comum”, mas, um conjunto de pessoas, de indivíduos, de grupos, com concepções de

vida e interesses diversos, que devem ser compatibilizados e equilibrados num sistema

democrático e pluralista.

Porém, mostramos também como a democracia representativa corre o risco do

elitismo, ou seja, do afastamento dos representantes dos representados, dos eleitos do povo

que os elegeu, com todas as consequências negativas: corrupções, prevalência do interesse

120

privado sobre o público, apatia política dos cidadãos, etc.

Por isso, apontamos à necessidade de complementar a democracia representativa com

elementos de democracia participativa ou direta.

O período histórico no qual está centrada a pesquisa em questão é o período da

transição da ditadura à democracia, o qual tem nos levado a uma democratização das nossas

instituições governamentais nos três poderes do nosso país.

Isto é resultado de todo um processo de reivindicação, após um longo período

ditatorial, o qual o Brasil teve que enfrentar, e, durante este período muitas liberdades e

direitos básicos dos cidadãos foram negligenciados.

O período de redemocratização se iniciou em 1985, e, atingiu seu ápice em 1988,

permitindo um considerável aumento no rol de direitos fundamentais nela estabelecidos. No

entanto, é necessário observar, ainda, que a promulgação da Constituição Federal foi só um

início do muito que ainda precisamos evoluir para alcançarmos uma democracia, de fato,

desenvolvida.

De tal modo que, é necessário reconhecer que a democracia representativa do nosso

país ainda é repleta de muitas falhas, muitas vezes, por má administração na gestão pública,

e, em outras situações, por ilegalidades mesmo ou, abuso de poder.

A democracia representativa sozinha não pode nos remeter a um sistema no qual as

melhores decisões políticas serão tomadas, visando o interesse público. Muito pelo contrário,

o sistema representativo brasileiro pode nos remeter a uma democracia elitista, a qual, muitas

vezes, nos deixa em risco por criar uma classe política, que visa somente campanhas,

propagandas e recursos eleitoreiros como forma de se manter no poder, em detrimento do

real desenvolvimento da democracia brasileira.

Dessa forma, este grupo político acaba por gerar certo desinteresse nos cidadãos

brasileiros quanto à vida social, econômica e política do Brasil. Esta apatia da sociedade civil

quanto à política, pode afastar os cidadãos brasileiros de se manifestar a respeito de suas

necessidades e de decidir em conjunto sobre as medidas que devem ser tomadas para uma

melhoria da qualidade de vida do país como um todo.

Por outro lado, desde o período da redemocratização até os dias atuais, percebemos

alguns progressos no que se refere ao desenvolvimento da democracia brasileira, seja em leis,

ou em projetos e políticas sociais, ou ainda, em programas de incentivos às políticas públicas

em direitos humanos, como é o caso do PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos,

que já se encontra em sua terceira versão).

121

Nesse sentido, temos a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), a Lei Complementar

nº 131/2009 (Lei da Transparência), as quais podem ensejar uma representação ao Ministério

Público ou, uma ação civil pública, no caso de abuso de poder, improbidade administrativa

ou ilegalidade cometida por algum representante da gestão pública do nosso governo.

Já a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), a qual é outro

caso de resultado da democracia, pois, tem uma relação direta com o mecanismo de

participação popular denominado Orçamento Participativo, principalmente, no § Único do

art. 48 da LRF, o qual faz menção a lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.

São esses elementos que analisamos detalhadamente no capítulo central da nossa

dissertação, o terceiro, o qual foi dedicado aos mecanismos de democracia participativa

direta e indireta nos três poderes: legislativo, executivo e judiciário.

Em síntese, podemos citar algumas conclusões acerca das principais limitações da

democracia participativa como meio de efetivação dos direitos humanos, são elas:

No Poder Legislativo (Consulta prévia; audiências públicas; iniciativa popular;

plebiscito e referendo), a maior limitação dos instrumentos de participação popular existentes

nesta esfera é que, em geral, estes são órgãos consultivos, e, nem sempre, a vontade da

sociedade civil representa o que é mais benéfico para os direitos humanos. A exemplo disso,

citamos o caso do referendo sobre a comercialização do uso de armas de fogo e munições.

No Poder Judiciário (Ação popular; representação ao Ministério Público; ação civil

pública), o maior entrave ao desenvolvimento dos mecanismos de participação da sociedade

civil existente nesse poder se refere ao fato de ser completamente dependente de uma ação do

Estado.

Aqui, a finalidade do cidadão é acionar a Justiça, para conseguir uma ordem judicial

para sanar uma irregularidade administrativa ou, uma situação de abuso de poder. E, ainda,

acionar o Ministério Público como órgão fiscalizador, para verificar se as denúncias, de fato,

correspondem a uma situação de risco, prejuízo ou dano para sociedade civil, e, somente

nesse caso, haverá punição por multas ou uma ação civil pública, quando for o caso.

Acontece que nem sempre o Judiciário e o MP, até mesmo pela intensidade das

demandas existentes, conseguem solucionar em tempo hábil estes conflitos existentes na

sociedade brasileira, impedindo ou dificultando o êxito de medidas para que os direitos

humanos, de determinados grupos de cidadãos sejam efetivados.

No Poder Executivo (Conselhos de gestão; direito de petição; Ouvidor

(ombudsman); orçamento participativo), percebemos que nesse é onde a democracia e os

122

direitos humanos estão mais relacionados, porque, aqui, a sociedade civil participa

diretamente das políticas sociais criadas pelo Estado, existindo uma característica evidente de

democracia participativa.

No entanto, a execução das políticas públicas, mesmo com participação social, nem

sempre tem um resultado que os cidadãos almejam, a fim de alcançarem os auxílios para suas

necessidades. Isto acontece, porque os representantes do governo (Secretarias do Estado, por

exemplo) podem não ter como prioridade que o projeto social seja realizado da maneira

desejada pela população, devido aos interesses e regras impostas pela gestão do momento.

Ou ainda, por falta de recursos das políticas sociais, não havendo verbas suficientes, as

políticas públicas acabam não sendo bem executadas da maneira a qual foram expostas em

diretrizes e objetivos, no início do planejamento dos programas do Governo.

No capítulo quatro, mostramos a importância dos Planos Nacionais de Direitos

Humanos, que o Brasil implementou a partir das recomendações de Viena 93, colocando

assim os direitos humanos como objetivos e metas das políticas públicas. Analisamos

especialmente o terceiro plano, no que se refere aos instrumentos de democracia

participativa.

Em seguida, estudamos o papel de um desses instrumentos, ou seja, o Conselho de

Direitos, exemplificando com um estudo avaliativo do Conselho Municipal de Criança e

Adolescente do Rio de Janeiro, que mostra os aspetos positivos e negativos.

Concluimos que, apesar de todos os defeitos e falhas, a democracia participativa no

Brasil é de grande importância para a consolidação do Estado de Direito e a efetivação dos

direitos humanos.

A Constituição de 1988 forneceu uma série ampla de instrumentos de participação,

que talvez sejam algo original e único nas democracias modernas. Precisamos aproveitar

mais deles para finalmente superar as antigas e novas desigualdades e injustiças sociais que

marcam a nossa história.

Em síntese, a democracia participativa é necessária para minimizar estas falhas de

representação e desenvolver meios da sociedade civil participar da gestão política brasileira,

através dos mecanismos existentes nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

De tal modo que, por meio destes instrumentos de participação popular a sociedade

brasileira tem, de fato, conseguido maior oportunidade para expor os problemas sociais

enfrentados.

E, não somente isso, a sociedade civil tem mais medidas para estabelecer as

123

denúncias, seja para as Ouvidorias, ou mesmo uma representação para o Ministério Público,

e, quando for complexa e gradativa a resolução das questões sociais, temos os recursos dos

Conselhos de Gestão.

É assim que o Brasil tem conseguido avançar para obter, por meio de suas políticas

públicas, uma proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana e, ao mesmo tempo,

fazendo com que possamos vivenciar a efetividade dos direitos humanos.

Através do exemplo que citamos, nessa dissertação, a formação do Conselho Nacional

dos Direitos da Criança e do Adolescente relacionados a políticas públicas de direitos

humanos conseguem atender as necessidades daqueles a quem são destinadas as atividades

deste Conselho de direitos, justamente, porque existe a participação de membros da

sociedade civil nesse Conselho federal, as quais conhecem as limitações que precisam

enfrentar.

Primeiramente, precisamos ter em mente que nenhuma temática de cunho político,

jurídico e social pode existir um resultado absoluto e totalmente positivo, porque estamos

tratando de algo que está sendo construído, ou seja, em período de transição.

Em outras palavras, apontamos, também, as críticas a determinados pontos em que

realmente a democracia participativa brasileira deixa a desejar.

De modo que, procuramos apontar os exemplos do referendo sobre a proibição do uso

de armas de fogo e munições (que obteve um resultado contrário aos ideais dos princípios

defendidos pelos direitos humanos); a dissolução de Conselhos de Orçamento Participativo

por mudanças de gestão, o qual acaba existindo para defender interesses políticos ou

partidários do Governo do momento, comprometendo, portanto, os projetos sociais em

direitos humanos.

Discorremos, também, que no caso das Ouvidorias e dos Conselhos de direitos o

caráter deliberativo muitas vezes também é dificultado por medidas e regras políticas do

Governo que está no poder no momento, deixando que a participação da sociedade civil

exista somente com característica consultiva, tanto nas ouvidorias como nos conselhos de

direitos, o que limita bastante estes instrumentos democráticos, já que os impede de

desenvolver melhor as políticas públicas, no que se refere à execução e fiscalização de

projetos sociais.

Estes exemplos servem para explicar que nem sempre a democracia participativa vai

implicar em avanço na proteção dos direitos humanos. Apenas vem a contribuir; é uma das

vias as quais podemos nos valer para efetivação dos direitos humanos.

124

A exemplo disso, trouxemos o caso do trabalho realizado pelo Conselho Nacional da

Criança e do Adolescente, que possui recursos financeiros próprios para realizar programas

em prol dos direitos da criança e do adolescente, tendo contribuído de alguma maneira para

proteção dos direitos humanos nesta área do amparo ao menor no Brasil.

Também, analisamos um trabalho realizado no Rio de Janeiro, estando,

principalmente, voltado para crianças em situação de abandono nas ruas e aquelas vítimas de

todos os tipos de violência doméstica. E isto permitiu que pudéssemos visualizar melhor o

quanto pode ser eficiente a união de um Grupo de Trabalho (GT) com membros da sociedade

civil e do Estado.

Os professores e pesquisadores, Caldeira e Princeswall, mencionaram, inclusive, que

a formação deste grupo foi o motivo principal para as questões em que o projeto social teve

êxito. E, as falhas do programa foram originadas quando não houve interação devida entre os

representantes do Estado e os membros da sociedade civil. Por exemplo, a demora ou a

ausência de respostas sobre questões solicitadas às Secretarias do Estado vinculadas ao

projeto social.

A grande maioria dos equívocos foi em torno da comunicação entre o Estado e com o

pessoal da CMDCA-Rio, porque, na maioria das vezes, em reuniões, o número de presentes

era em maior quantidade da sociedade civil. O que dificultava um pouco o encaminhamento

para resolução de questões referentes a parte administrativa e jurídica da política social em

favor da criança e do adolescente.

Ao término desta dissertação, é possível observar que o tema em si traz uma temática

complexa, porque discutimos ciência política e jurídica ao mesmo tempo. O intuito foi expor

a questão de uma forma exaustiva e com algum aprofundamento, quando respectivamente

fundamentado. Porém, de uma maneira concisa, didática e compreensível sobre uma

realidade vivenciada por uma relação entre o Estado e nós cidadãos brasileiros.

É bem verdade que não podemos resolver o problema político nem jurídico do Brasil;

apenas somos observadores de uma realidade na qual, enquanto parte da sociedade civil,

estamos todos inseridos.

No entanto, nos dedicamos ao estudo da efetivação dos direitos humanos, porque, de

fato, acreditamos num Brasil mais democrático, com mais igualdade de direitos e mais justiça

social.

Podemos dizer que avançamos em matéria de democracia participativa brasileira. E,

parte disso, além do constitucionalismo, devemos, também, ao processo de redemocratização

125

pelo qual o Brasil tem passado, até os dias atuais, o qual tem nos surpreendido cada vez mais

pelos resultados que tem alcançado.

Com isso, afirmamos que o fortalecimento da sociedade civil, através da utilização

dos instrumentos de participação popular é, necessariamente, um dos caminhos pelos quais

precisamos passar para chegarmos à efetivação dos direitos humanos.

126

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