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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DA UFJF UNIVERSO DAS LETRAS: OS DESDOBRAMENTOS DA REFORMA POMBALINA DA EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS COLONIAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História por Danielle Rezende Berbert Dias Orientador: Prof.a. Dr.a. Beatriz Helena Domingues Juiz de Fora 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DA UFJF

UNIVERSO DAS LETRAS:

OS DESDOBRAMENTOS DA REFORMA POMBALINA DA EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS COLONIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em

História da Universidade Federal de Juiz de Fora, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em História por Danielle Rezende Berbert Dias

Orientador: Prof.a. Dr.a. Beatriz Helena Domingues

Juiz de Fora 2009

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UNIVERSO DAS LETRAS

Os desdobramentos da Reforma Pombalina da educação em Minas Gerais Colonial

Danielle Rezende Berbert Dias

Orientadora: Beatriz Helena Domingues

Dissertação de Mestrado defendida e aprovada, em 27 de novembro de 2008, pela banca constituída por:

__________________________________________________ Prof.a. Dr.a Beatriz Helena Domingues – Orientadora Universidade Federal de Juiz de Fora

__________________________________________________ Prof. Dr. Rafael Ruiz Gonzáles Unifesp

___________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Mansur Barata Universidade Federal de Juiz de Fora

Juiz de Fora Janeiro de 2009

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“Trazei, sabios illutres, á memoria

“Aquelle tempo em que contentes visteis

“Entrar nesta Cidade triumphante

“O grande, invicto, o immortal Carvalho,

“As vezes de seu Rei representando,

“Daquelle sabio Rei, cujo retrato

“Inda agora me anima, e me dá forças,

“Para que em seu favor, em sua gloria

“Derramando o meu sangue exhale a vida.

“Visteis ao gran Marquez, qual sol brilhante

“De escura noite dissipando as trevas,

“A frouxa Estupidez lançar ao longe,

“E erigir á Sciencia novo throno

“Em sabios estatutos estribado.

“Das vossas mesmas bocas retumbárão

“Canticos de louvor nestas paredes.”

(FRANCO, Francisco de Mello. Reino da Estupidez, poema. 1820)

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SUMÁRIO

Resumo..............................................................................................................................5

Abstract .............................................................................................................................6

Introdução..........................................................................................................................7

Capítulo 1 – A Reforma Pombalina e a abertura das aulas Régias em Minas...............19

1.1 – As primeiras mudanças (1759) ..................................................................21

1.2 - A Reforma de 1772 e o funcionamento das aulas ......................................23

Capítulo 2 - O Subsídio Literário e o pagamento dos ordenados .................................36

Capítulo 3- Agentes da educação: administração local e professores ...........................43

3.1 Os poderes locais e sua atuação na educação................................................44

3.2 Os professores e as demais ocupações ..........................................................49

3.3 A valorização da educação ............................................................................55

3.4 A sala de aula enquanto estratégia..................................................................57

Considerações Finais ......................................................................................................63

Bibliografia....................... ..............................................................................................65

Anexos ............................................................................................................................70

Lista de abreviaturas .......................................................................................................84

Lista de tabelas ...............................................................................................................85

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RESUMO

A educação em todo o Império Português passou por uma importante mudança ao longo do século XVIII. Anteriormente de dedicação apenas por parte dos jesuítas, passa a ser foco da atenção da Coroa a partir de meados do século. Os ventos iluministas não deixaram de soprar nas terras ibéricas e inspiraram mudanças em diversos aspectos do governo português, a educação foi um deles. A grande figura desse momento foi o ministro de D. José I, o Marquês de Pombal que levou a cabo as modificações planejadas. A começar pela reforma dos estudos secundários, ocorrida em 1759, e completada em 1772 com a reforma do ensino elementar. Constituí-se em umas das primeiras tentativas de organizar um sistema de ensino elementar em toda a Europa. As medidas visavam: criar um sistema de instrução pública nacional, com uma rede de escolas que abrangesse todo o Reino; estabelecer um imposto para financiar a educação, tornando-a gratuita; a converter os mestres em funcionários do Estado, nomeados e dirigidos pelo poder central; e ter toda a estrutura escolar administrada pelo estado.

Contudo, a distância entre os planos e a realização deles foi grande. Quando tal sistema passa a ser implantado nas mais distantes regiões do império, como em Minas Gerais, ele se molda de acordo com as especificidades locais. Os poderes locais assumiram mais autoridade do que o esperado, mas eram fundamentais para que aulas pudessem ser abertas. Essas, longe de constituírem uma rede escolar, foram insuficientes e funcionavam de modo irregular. O Subsidio Literário não serviu para seu fim primeiro, não custeou a educação e, portanto, não pagou o ordenado dos professores régios. Desse modo aqueles que queriam se instruir, e aqueles que desejavam educar precisaram tomar diferentes estratégias para atingir tal objetivo, ainda que recorrendo às aulas régias.

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ABSTRACT

The education throughout the Portuguese Empire went through a major change during the eighteenth century. The winds Enlightenment not stopped blowing on the Iberian land and inspired changes in various aspects of the Portuguese government, education was one of them. The great figure of this movement was the minister of King Joseph I, the Marquis of Pombal, which carried out the changes planned. Starting with reform of secondary education, begun in 1759 and completed in 1772, with the reform of elementary education. It was one of the first attempts to organize a system of elementary education across Europe. The measures were intended to: create a national system of public instruction, with a network of schools covering the entire Kingdom; establish a tax to finance education, making it free, covert the master into state officials, appointed and directed by the central power; structure have all school administered by the state.

However, the distance between the plans and delivering them was a great. When such a system is now deployed in the most distant regions of the empire, as in Minas Gerais, he shapes according to local circumstances. Local authorities took over authority of the expected, but were critical to the lessons that could be opened. These, far from being a school network, were insufficient and an irregular manner inoperative. The allowance for Literary not served its purpose first, it does not cost the education and therefore not pain the salary of royal teachers. Thus those who want to instruction and educate those who wished they needed to take different strategies to achieve this goal, even using the royal classes.

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INTRODUÇÃO

A ocupação do território de Minas Gerais aconteceu em finais do século XVII.

As minas atraíram toda sorte de homens interessados no enriquecimento fácil. De

origem africana, européia, e de outras partes do Brasil. A sociedade em construção era

formada por escravos, libertos, aventureiros, mestiços, portugueses pobres ou pequenos

proprietários com poucas posses e nada a perder. Passados os anos de euforia, já em

meado da centúria seguinte aquele contingente de pessoas havia se estabelecidos em

vilas que se tornaram verdadeiros centros urbanos. O comércio de produtos e serviços

era intenso, e um dinâmico mercado interno se configurava. Aquela gente havia fincado

raízes e feito das montanhas mineiras seu lar, buscando estratégias para constituir

família e sobreviver.

Contudo não estavam ali sem “Fé, nem Lei, nem Rei”. Sempre fora uma

preocupação da Coroa portuguesa ordenar aquela sociedade e controlar a população. A

educação aparecia então nos discursos como meio eficaz de estabelecer controle, uma

vez que civilizaria aqueles povos. Essa educação não trata exclusivamente de educação

escolar, mas qualquer aprendizado no sentido de civilizar. O Rei fez-se obedecer, a fé

foi difundida pela Igreja Católica da Contra-Reforma, e a Lei imposta em normas

jurídicas fixadas pela Igreja e pelo Estado, que se associavam e irmanavam-se1.

Diferentes de outras regiões do Brasil, Minas não teve a presença dos jesuítas,

que por muito tempo foram os únicos envolvidos na educação dos povos americanos.

Por esse motivo, vemos ocorrer em Minas variadas formas de educação. Como a

doméstica, ministrada por mães, tios, padres ou algum parente instruído. Podia-se

recorrer também aos professores particulares, ou à educação moral, religiosa e também

escolar, oferecida por instituições assistencialistas. Ou seguir na educação profissional

que acontecia nas oficinas mecânicas e de arte.

1 VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala e o que se lê: língua, instrução e leitura. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.) História da vida privada no Brasil: Cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.332.

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A educação escolar só recebe a efetiva atenção do Estado em 1772 quando

Pombal cria um novo sistema de ensino para todo o Reino. Com a justificativa de

reparar “os funestos Estragos, com que pelo longo período de dois Séculos se viram as

Letras arruinadas nos mesmos Reinos, e Domínios” 2, ordena que sejam estabelecidas

escolas em diversas partes do reino. Torna o professor um funcionário régio, e cria, para

custear todo o sistema, um imposto único.

Essa pesquisa visa entender como foi essa Reforma e como teria sido

implantada em Minas Gerais. Quais aulas foram abertas e o que isso significou no

contexto das vilas mineiras (Capítulo 1). Como foi o recolhimento do imposto destinado

à educação, e sua aplicação (Capítulo 2). E finalmente voltar a atenção para o corpo

docente, que surge então como categoria profissional. Lembramos que “normas e

práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos

agentes que são chamados a obedecer a essas ordens, a saber, os professores” 3. Quem

eram, como sobreviviam, o que os motivava na carreira de professores e como a

reforma educacional atingiu este grupo, são algumas questões que pretendo esclarecer

(Capítulo 3). A principal fonte foi a documentação Avulsa do Arquivo Histórico

Ultramarino referente a Minas Gerais. Trata-se de um grupo de documentos formado

por cartas, certidões, consultas, provisões, representações, requerimento, dentre outros.

Foram consultados todos os documentos que se referem ao ensino, papel, professores,

Universidade de Coimbra, livros e livrarias e subsidio literário4. Além de dialogar com

os dados encontrados pelos principais pesquisadores sobre esse assunto não somente de

Minas, mas também de Portugal.

*

Para tratar desse tema é preciso pontuar a posição aqui tomada quanto ao

significado de Iluminismo. Movimento de idéias que surgiu na Europa no século XVIII,

o Iluminismo é entendido como um projeto cultural que transformaria o homem,

levando-o de um mundo idealizado para outro desencantado pela razão. Alterando não

2 Texto da Reforma de 1772. 3 JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como objeto Histórico. Revista Brasileira de História da

Educação. N.1. jan/jun. 2001. p.10. 4 Foram encontrados 54, 10, 33, 16, 46, 7 documentos para cada um dos assuntos, respectivamente.

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somente a realidade social, mas as matrizes teóricas que buscavam torná-la inteligível,

foi responsável por inserir o homem na época Moderna 5.

Ao longo dos anos muitos tentaram dar significado ao Iluminismo, diferentes

escolas teóricas, instituições, historiadores, filósofos, sociólogos. Desse debate

destacam-se três perspectivas de abordagens, que o tratam como: (a) um problema

histórico, que tenta buscar relações do Iluminismo com as mudanças sociais e

econômicas que lhe eram coetâneas; (b) um problema sociológico, procura identificar

socialmente quem eram os indivíduos ligados à produção, circulação e apropriação das

idéias ilustradas; (c) um movimento de idéias, busca entender o conteúdo das propostas

e a postura intelectual que as engendrou 6.

Esse debate tem ajudado na busca de um conceito para Iluminismo. Mesmo

sabendo que um consenso a esse respeito está longe de ser atingindo pode-se indicar

algumas idéias centrais.

Lidar com a noção de diferentes Iluminismos nos priva de cair em uma

interpretação tradicional, e hoje revista. As Luzes deflagradas na França foram

acompanhadas pela industrialização e pela homogeneização cultural, que permitiram a

ampla difusão de idéias, valores e hábitos (por meio da leitura ou do ouvir ler), que por

via revolucionária colocaria abaixo o Antigo Regime, seus privilégios e a sua visão de

mundo7. Essa visão limita Luzes à França e a interliga com revolução. Pensando

Ilustração no plural podemos afirmar que ela foi sentida muito além da França,

atingindo não só a Inglaterra, Alemanha e Itália, mas também países mais distantes

como Portugal e Rússia. As idéias ainda atravessaram o oceano e fincaram pé em terras

americanas. A diversidade que encontrou foi responsável por dar a ela diferentes

nacionalidades, credos, religiões e de ser vivida por diferentes indivíduos e grupos,

homens e mulheres, da elite ou de classes subalternas. As mudanças decorrentes não

são as mesmas e não acontecem num mesmo tempo. A revolução que foi verdade para

França, não se generalizou. Como veremos, mesmo agindo em conformidade com

5 JUNIOR, Eduardo Teixeira de Carvalho. Verney e a questão do Iluminismo em Portugal.Dissertação de Mestrado. Curitiba: Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, 2005, p.14.

6VILLALTA, Luiz Carlos. Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: Usos do livro na América Portuguesa. Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH-USP, 1999. p.9

7 Idem, p.98.

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idéias iluministas os monarcas portugueses não encabeçaram revoluções e sim

reformas8.

Tampouco foram homogêneas as idéias e posições ilustradas. Partindo de uma

visão tradicional da História das Idéias e observando os grandes pensadores, percebe-se

o quão heterogêneo foi o movimento. Divergiam em assuntos religiosos, podiam ser

deístas como Voltaire e Montesquieu; ateus como Diderot ou cristãos como Rousseau,

Benito Feijóo, Antonio Genovesi e Muratori. A ciência não era valorizada com a mesma

intensidade por todos os filósofos, que também tinham diferentes posições políticas, não

eram unos em relação à forma de governo. A igualdade vista como bandeira do

Iluminismo não era de uma igualdade plena, ela tinha limites. Para muitos deveria ser

política e não social. A igualdade social era vista como uma quimera por d’Alambert.

Holbach considerava a desigualdade necessária e legítima. Seria, portanto, insensato

igualar as classes sociais, bastava a igualdade jurídica. Voltaire acreditava que a

permanência das classes como estavam era necessária para a própria conservação da

sociedade9.

Com isso não quero relativizar ou enfraquecer o que conhecemos como

Iluminismo. Mas lembrar aos que olham para a península ibérica, especialmente para

Portugal, que não encontraram um Iluminismo como na França, tão pouco “Luzes

mitigadas”, mas sim um movimento com características próprias, o que se

convencionou chamar de Ilustração Católica.

Heterogênea no espaço, no tempo, e nos temas; marcada pela presença de contradições evidentes nas posições de seus grandes pensadores; não compreendendo um programa intelectual coerente e preciso, a Ilustração é melhor definida como uma ‘cápsula, contendo conjuntos de debates, pressões e preocupações que, independentemente de serem formuladas de maneira diversa ou de provocarem reações diferentes, parecem constituir, de fato, uma característica da maneira pela qual as idéias, opiniões e estruturas políticas e sociais interagiam e mudavam no século XVIII’10

8 Idem, p.102. 9 Idem, p,113. 10 Idem, p.116/117.

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É muito comum a associação do Despotismo Esclarecido, especialmente

a era pombalina, com o Iluminismo. Entretanto expressões ilustradas não se limitam ao

pombalismo, “houve uma afirmação fecunda dos signos iluministas no fim do reinado

de D. João V e uma parte substancial daquilo que se pode considerar ilustração

concretiza-se depois de 1777” 11. A Ilustração Ibérica possuiu feições

predominantemente católicas, houve uma tentativa de conciliar elementos

aparentemente inconciliáveis: a fé, a ciência, a tradição filosófica e a inovação racional

e experimental, o teocentrismo e o antropocentrismo. Isso fez com que assumisse

contornos singulares12. Se entendermos o iluminismo por um movimento intelectual

interligado a um movimento social, perceberemos que uma esfera literária vinha se

delineando desde o primeiro cenáculo português, a casa dos Ericeiros, onde funcionava

uma espécie de academia, freqüentada principalmente por estrangeiros. Com a

Academia Real das Ciências de Lisboa fica evidente que havia espaços de sociabilidade

onde se discutiam idéias novas. Portanto, alguns princípios ilustrados não eram

absolutamente inéditos em Portugal, e foram depois reforçados pela leitura de

iluministas estrangeiros.

*

Para entendermos como era a relação estado/sociedade na segunda metade do

século XVIII temos que esclarecer a teoria política na qual se apoiava o Estado

Português.

A filosofia base do pombalismo era o paradigma individualista. Escolásticos

franciscanos do século XIV discutiam se a sociedade poderia ser compreendida por

meio de indivíduos e não de grupos. A sociedade seria composta por átomos, indivíduos

“nus”, incaresterísticos, abstratos, iguais. Os indivíduos recebem atributos, qualidades

que não existem na sua essência, são apenas “nomes”. Se desconsiderarmos estes,

teremos o indivíduo abstrato e igual. Essa discussão criaria um modelo intelectual que

influenciaria a reflexão social dos séculos seguintes13.

11 PEREIRA, José Esteves. Percursos de História das Idéias. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2004, p.93.

12 Conf. sobre o assunto: DOMINGUES, Beatriz Helena. Tão longe tão perto: a Ibero-América e a Europa Ilustrada. Rio de Janeiro, Museu da República, 2007.

13 XAVIER, Ângela Barreto e HESPANHA, Antônio Manuel. A representação da sociedade e do Poder. IN: HESPANHA, Antônio Manuel (coord.). História de Portugal: o antigo regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, vol. 4, p.125.

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Porém a revolução intelectual da teoria política moderna só estaria completa

quando a sociedade fosse desligada de qualquer realidade metafísica, e o individuo

libertado das limitações transcendentes. Estava a caminho a laicização da teoria social.

A teologia tomista insistia na relativa autonomia e estabilidade da ordem da criação14,

afirmava certa autonomia da Natureza em relação à graça, e do poder temporal em

relação à fé. Por outro lado, e paradoxalmente, o que torna plena a laicização da teoria

social é uma concepção de absoluta dependência do homem e do mundo em relação à

vontade soberana e livre de Deus. Pensemos: se os desígnios de Deus são insondáveis,

se não nos cabe e não é possível compreender suas ações, nos resta compreender o

mundo (racionalmente ou por observação empírica) como se Deus não existisse,

separando as verdades da fé das conquistas intelectuais. A partir daí a forma como se

compreende o Poder também se altera, não mais fundado numa ordem objetiva mas sim

na vontade, seja ela a vontade de Deus (providencialismo) ou a vontade dos homens por

meio de um pacto (contratualismo)15.

Em Portugal tal paradigma doutrinal funcionou como base para a teoria política

pombalina e pós-pombalina. O contexto prático-político explica a recepção do

individualismo. Nos anos iniciais do reinado josefino, o campo para aceitação dessa

doutrina estava aberto devido à já existente tensão entre o poder temporal e o poder

espiritual. A sociedade temporal secularizada foi dada como uma ordem da criação,

como um todo originariamente orgânico. A partir dessa concepção foi fácil defender a

autonomia da coroa face à Igreja e rejeitar a visão de uma sociedade sacralizada16.

O livro Deducção Chronologica e Analyptica, de José Seabra da Silva é

considerado a primeira grande manifestação literária dessa concepção política. É

também repositório da teoria política do absolutismo iluminista português e responsável

em grande parte pela difusão dessa nova teoria. Tratava de questões fundamentais e

caras ao pombalismo, tendo como alvo a doutrina política da Contra Reforma

(identificada com a posição teórica dos jesuítas). Defende a unidade e autonomia do

soberano em relação a qualquer outro poder temporal, e lança a idéia fundamental da

14 Sobretudo através da “teoria das causas segundas”. A criação, “causas segundas” possuía relativa autonomia e estabilidade em relação ao Criador, a “causa primeira”. XAVIER, Ângela Barreto e HESPANHA, Antônio Manuel. A representação da sociedade e do Poder. IN: HESPANHA, Antônio Manuel (coord.). História de Portugal: o antigo regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, vol. 4, p.126.

15Idem, p. 126. 16 Idem, p.137.

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unidade do poder. O programa constitucional e institucional que romperia com a ordem

estabelecida seria: “1) tornar o soberano na única fonte do direito e tornar o direito

disponível nas suas mãos (isto é “fazer as leis e derrogá-las quando bem lhe parece”); 2)

tornar o poder geral e absoluto, ou seja, não cerceado pelos privilégios (isto é “dirigir e

moderar indistintamente todos os membros dos seus corpos políticos”); 3)tornar os

aparelhos político-administrativos em instrumentos disponíveis da vontade política

central (isto é “depurar as pessoas que lhe parecem mais próprias para exercitarem nos

diferentes ministérios”); 4) definir um ‘núcleo duro’ de poderes inseparáveis da pessoa

do rei17.”

Para conseguir realizar as reformas pretendidas, Pombal deveria fazer uma

profunda mudança constitucional relativa à ordem jurídica. No corporativismo, o direito

constituía uma ordem objetiva, definida por uma tradição normativa que escapava ao

controle do monarca. A norma especial (privilégio) prevalecia sobre a lei geral.

Centralizado o poder, seria então um direito majestático o poder fazer leis, direito

supremo fazer tudo o que fosse necessário para garantir a segurança interna e externa

dos cidadãos. Altera-se, portanto a relação entre norma geral, norma especial e o

privilégio. A norma escrita prevaleceria sobre as normas consuetudinárias e locais. O

privilégio que tem força de lei não perde a importância, sofre uma

“desconstitucionalização”, deixa de limitar o Rei e fica à mercê do seu juízo, só ele

poderia constituir, modificar e revogar. Essa foi uma mudança profunda na relação entre

os indivíduos e o poder central. Entender a teoria política de um governo não equivale a

conhecer a respectiva prática política. E não é somente a política que guia uma

sociedade, outros fatores dão à realidade colonial suas especificidades.

*

A Coroa Portuguesa, desde os primeiros anos do descobrimento,

enfrentou dificuldades em governar todo o vasto território. Para conseguir isso lançou

mão de um conjunto de estratégias e práticas administrativas.

O Império português foi marcado pela descontinuidade espacial. Essa

característica obrigou a coroa a se estruturar politicamente de forma diferente dos

impérios da tradição clássica européia. O modelo tradicional europeu de organizar o

poder – uma administração passiva que controla, com uma rede de funcionários com

funções bem estabelecidas – não seria compatível com a magnitude dos espaços a

17 Idem, p.140.

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dominar, com a dinâmica e a variedade de situação, ainda mais em locais onde a justiça

era preterida e prevalecia o critério de oportunidade. Dessa forma as estruturas

administrativas são variadas de acordo com as intenções e oportunidades18.

No processo de organização política do império a coroa transferiu da

metrópole alguns dos principais mecanismos jurídicos e administrativos: capitanias

hereditárias, padroados, poderes concelhios, governadores, ouvidores, etc. 19. As

câmaras municipais são consideradas pilares da sociedade colonial portuguesa. Órgão

fundamental no gerenciamento de parte do comércio, da defesa e das rendas, além de

ser igualmente importante para a representação dos interesses e das demandas dos

colonos. Eram os vereadores que cotidianamente gerenciavam os diversos problemas e

conflitos de sua região. Quanto aos aspectos que tangem à educação trataremos capitulo

3. Assim também são as irmandades que auxiliavam e chegam até mesmo a substituir a

Igreja Católica, “se propunham a facilitar a vida social, desenvolvendo inúmeras tarefas

que, pelo menos em princípio, seriam da alçada do poder público” 20. A igreja em

diversos aspectos atuou como parceira do Estado, mas principalmente controlando as

gentes que para cá se dirigiam, cabia a ela disciplinar os papeis sociais e manter a paz

entre os povos para que o sistema colonial funcionasse perfeitamente. Cabe destacar

também a importância da organização militar constituída pelas Ordenanças. Essa

instituição era capaz de promover amplo controle da população livre “através da

estratégia de arregimentação dos homens livres como força militar a ser convocada em

caso de uma eventualidade” 21.

Não se pode, entretanto, afirmar que a legislação ou as instituições tenham sido

simplesmente transladadas. As várias regiões apresentaram problemas específicos e

foram objeto de uma política diferenciada. A governabilidade no Império seria mantida

por valores e práticas típicos do Antigo Regime: as redes clientelares, a economia

política de privilégios e as trajetórias administrativas.

18 XAVIER, Ângela Barreto e HESPANHA, Antônio Manuel. As Redes Clientelares. In: HESPANHA, Antônio Manuel (coord.). História de Portugal: o antigo regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, vol. 4, p.353.

19 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1645-1808). In: FRAGOSO, J. L. R.; BICALHO, M. F. B. e GOUVÊA, M. de F. S. (Org.) O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p.293.

20BOSCHI, Caio César. Os leigos e o Poder: irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais.1ªed.. São Paulo: Ática, 1986, p.3.

21 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva, op.cit., p.310.

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O direito oficial e as instituições jurídicas formais são insuficientes para

explicar as formas que o poder adquire. “Outras formas de ordenação informais e quase

invisíveis estruturavam e condicionavam os instrumentos e aparelhos visíveis de

imposição ou execução da autoridade juridicamente definida” 22. O universo normativo

do Antigo Regime era bastante complexo. Por muito tempo o direito teve que competir

com outras esferas de influência como a moral e a religião que ditavam ordens que

estruturavam os modos de ver, pensar e agir. Por isso as relações institucionais ou

jurídicas se misturavam e coexistiam com as de amizade, parentesco, fidelidade, honra,

serviço, que se tornavam tão ou mais importantes que as primeiras.

As relações obedeciam a uma lógica clientelar, “eram situações sociais

quotidianas e corporizavam a natureza mesma das estruturas sociais, sendo, portanto

vistos como a norma” 23. Exemplo importante é o dom (ato de natureza gratuita). O

universo normativo de que estamos falando retirava toda a espontaneidade e

transformava o dom em elemento essencial das relações políticas. Estava também nas

práticas informais de poder como nas redes clientelares. “A atividade de dar (a liberdade

a graça) integrava uma tríade de obrigações: dar receber e restituir” 24.

As relações estabelecidas entre os indivíduos, e entre os súditos e o rei estavam

introduzidas numa economia de favores. Tais “favores” tinham naturezas diversas e

variavam de acordo com a posição social do benfeitor e beneficiado, poderia envolver

capital econômico, político ou simbólico. O montante do benefício poderia não ser

econômico, e isso o tornava de mensurar. Sendo incerta a dádiva, a retribuição também

poderia ser indefinida. Os atores se envolviam então numa crescente espiral de poder

estruturado sobre atos de gratidão e serviço. No topo dessa espiral estaria o rei, senhor

dos senhores, que concederia os bens mais cobiçados. Os súditos que prestavam

serviços ao rei esperavam a remuneração, confiantes na obrigatoriedade da retribuição.

Os atos de benefícios reais se revestem de obrigação e o rei de certa forma se torna

sujeito aos constrangimentos impostos pela economia dos favores. Podendo ser

pressionado por casas poderosas no sentido de tomar esta ou aquela resolução. “As

redes clientelares não eram um fenômeno exclusivo da corte e dos ambientes políticos.

22 XAVIER, Ângela Barreto e HESPANHA, Antônio Manuel. As Redes Clientelares. p. 339. 23 Idem, p.339. 24 Idem, p.340.

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Na verdade, estruturavam vários níveis de integração social e os comportamentos

quotidianos das pessoas” 25.

A legislação pombalina põe em cheque o princípio de intangibilidade dos

privilégios, conseguindo desativar redes familiares e institucionais. As mercês passam a

ser consideradas simples “graças” não mais revestidas da obrigação e sim como ato

gratuito do mais poderoso patrão, o rei.

A sociedade colonial se forma inserida nessa dinâmica e não muito diferente do

Velho Mundo. Para a efetivação da conquista a coroa atribuiu ofícios e cargos civis,

militares e eclesiásticos aos indivíduos responsáveis pelo governo das novas áreas.

Concedia também privilégios comercias a grupos ou indivíduos. As tramas de poder e

hierarquia se estendiam desde o reino, e estabelecia vínculos estratégicos com vassalos

no ultramar.

Não escapamos de herdar a hierarquia social absolutamente excludente do

Antigo Regime. A mobilidade dependia de serviços prestados à pessoa do rei. Sendo

assim, desde o século XVI pessoas originárias da pequena fidalguia, ou ainda mais

populares, do reino ou de outras partes do Império, puderam se transformar nas

“melhores famílias da terra”, através do préstimo de serviços. A elite colonial foi se

moldando dessa maneira, por meio das benesses do rei. Este contava com essas alianças

para governar terras distantes, e os agraciados contavam com os privilégios para se

destacarem na sociedade. Com isso teriam mais facilidades econômicas e maiores

chances de se colocar politicamente. Funcionava como uma economia política de

privilégios26.

As já citadas câmaras municipais foram espaços privilegiados de negociação

entre a coroa e as elites coloniais. Cidadãos eram “aqueles que desempenhavam ou

tinham desempenhado cargos administrativos, bem como seus descendentes” 27.

Portanto participar da administração concelhia era um importante exercício de

“cidadania”. No Brasil os cargos camarários eram disputados entre os mais influentes da

localidade. O interessante é que representavam os poderes régios na capitania e ao

mesmo tempo dialogavam em prol dos interesses de seu grupo social.

25 Idem, p.348. 26FRAGOSO, João. GOUVÊA, Maria de Fátima Silva., BICALHO, Maria Fernanda Baptista. Uma

leitura do Brasil Colonial. Bases da materialidade e da governabilidade no Império. IN: Penélope, n°23, 2000, p.72.

27 Idem, p76.

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Entretanto, não era qualquer um que estava habilitado a exercer cargos no

governo. Deveriam ser eleitos entre os mais nobres, das famílias mais antigas e

honradas, e as de puro sangue. Estavam afastados os envolvidos com ofícios mecânico,

pessoas impuras e comerciantes28. No ministério pombalino essa situação começa a se

alterar, não sem resistência. A nobreza é remodelada, sendo permitido à aristocracia o

envolvimento em atividades comerciais. Comerciantes privilegiados poderiam se tornar

nobres e participarem da administração pública, independente da pureza de sangue e de

linhagem29. No entanto ser um funcionário régio não deixa de ser um privilégio. Alguns

outros fatores passam a contribuir para a carreira administrativa, como a educação.

CAPÍTULO 1: A REFORMA POMBALINA E A ABERTURA DAS AULAS RÉGIAS EM MINAS

A educação nos setecentos ficava a cargo das câmaras da Igreja, de

congregações religiosas e dos pais. A instrução pública nunca fora tratada em nenhum

capítulo das leis fundamentais do reino português. A preocupação em relação ao ensino

era somente a de uma formação profissional. Nos Capítulos do Estado da Nobreza,

apresentados nas cortes de Lisboa de 1641, o capítulo LXXX sugere que devido às

guerras, homens dados às armas eram mais necessários dos que os afeiçoados às letras:

“por isso se deviam fechar as universidades do reino, e de toda faculdade, por tempo de

28 Idem, p.77. 29VILLALTA, Luiz Carlos . Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: Usos do livro na

América Portuguesa. Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH-USP, 1999, p. 142.

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cinco anos, ficando só a universidade de Coimbra; e as tais rendas se devem aplicar para

as despesas das guerras” 30. Com a omissão do Estado nos assuntos educacionais, a

igreja entra como grande responsável pelo ensino. Os jesuítas se destacam como

principais agentes da educação. Existiam também escolas vinculadas às ordens dos

beneditinos, dos franciscanos e dos carmelitas31. O ensino da doutrina estava associado

ao ensino da leitura e da escrita. O catecismo, as orações, os mandamentos de Deus e da

Igreja, eram utilizados para auxiliar na aprendizagem. Alguns missionários achavam

fundamental a alfabetização concomitante à cristianização para que os indígenas

tivessem um contato melhor com as escrituras sagradas. É somente no reinado de D.

José I que a educação passa a receber uma atenção maior do Estado. Portugal havia perdido a posição de vanguarda assumida nos séculos XV

e XVI e era alvo de severas críticas durante o século XVIII, quando se tornou atrasado

em relação a outros países europeus.

A reduzida estatura européia das nações ibéricas no século XVIII, juntamente com a continuidade do papel de suseranos de vastos territórios ultramarinos, gerou entre os estadistas, tanto portugueses quanto espanhóis, da geração de Pombal a consciência aguda de que a eficácia governamental e a consolidação imperial eram essenciais para que um dos países viesse a reconquistar sua influência e poder em um mundo crescente de competitividade e inveja 32.

Eficácia governamental e consolidação imperial parecem ter sido o mote

da administração pombalina. Toda a política deveria ser feita de forma a modernizar os

setores com problemas em Portugal tais como: agricultura, indústria, comércio. Esses

ramos eram fundamentais para a conservação e progresso do Estado, assim como o

ensino, que deveria formar homens capazes se satisfazer os interesses do país. A

reforma educacional acompanha as demais. É determinada pela conjuntura política,

econômica e social de então. Para Pombal ela ajudaria no engrandecimento nacional

30 ADÃO, Áurea. Estado absoluto e Ensino de primeiras letras. As escolas régias(1772-1794). Lisboa, fundação Calousteste Gulenkian, 1997, p.12.

31 VILLALTA, Luiz Carlos. O que se fala o que se lê: língua,instrução e leitura. IN: SOUZA, Laura de Melo e(org.) História da vida privada no Brasil: Cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Cia. Das Letras, 1997.

32Grifo nosso. MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1996, p.16-17.

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frente à Europa 33. Além de impulsionar a modernização, seria fundamental para criar

um corpo de funcionários públicos com a mentalidade transformada e reformada34.

Maxwell afirma que inicialmente devido à dificuldade de encontrar indivíduos

qualificados e com pensamentos semelhantes aos de Pombal, este tenta utilizar

estrangeiros em que confiava, alternando-os de instituição para instituição.

Posteriormente o esforço para criar burocratas e funcionários ilustrados iria beneficiar

seus sucessores, que iriam contar com um corpo administrativo mais eficiente. Seriam

mais tarde os perpetuadores e defensores das idéias pombalinas35.

As reformas da instrução pública “encerraram, mais do que um plano

pedagógico, uma filosofia política, em função da qual se define, em seus traços mais

característicos, a fisionomia do período histórico de que são expressiva manifestação”36.

Para acompanhar o progresso do século era necessário não só transformar a economia,

mas dominar a natureza. “A civilização é considerada, antes de mais nada, como uma

conquista do homem sobre a natureza”37. Nesse sentido o Brasil ainda precisava ser

civilizado. Ao educar, a geração educadora projeta novos tempos. Naquele período ser

civilizado significava ser instruído, por isso tanto devoção ao ensino, considerado um

dos responsáveis pelo progresso do país.

1.1 As primeiras reformas - 1759

As primeiras mudanças aconteceram em 1759. Aos 12 de janeiro os

jesuítas, que até então eram os responsáveis pelo ensino preparatório para os Estudos

maiores, foram expulsos de todo o Reino, deixando sem aulas os estudantes dos

colégios jesuíticos. Para dar conta dessa situação D. José publica a lei de 28 de junho

1759.

33ADÃO, Áurea. Op. Cit., p. 42-23. 34 MAXWELL, Kenneth. Op. Cit., p159. 35Idem, p.114-115. 36 CARVALHO, Laerte. As reformas pombalinas da instrução pública. São Paulo. Ed. USP, 1978, p.3. 37 SANTOS, Cláudia Andrade dos. Charles Ribeyrolles ou a viagem política. In: Revista do Mestrado

em História. Vassouras , USS, 2000, p.50.

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Foi o Alvará de 28 de junho 1759 que estabeleceu as novas diretrizes do

sistema estadual de educação. O texto classifica o método usado pelos jesuítas como

escuro, fastidioso e pernicioso, “com sinistros intentos, e infelizes sucessos”. Os alunos

submetidos a ele por oito ou mais anos não possuíam pleno conhecimento da

Gramática, nem falavam ou escreviam a Língua Latina ou Grega, e por isso os jesuítas

foram considerados responsáveis pela decadência das referidas línguas. Eles teriam

agido de forma a “alucinar os meus Vassallos (...) criando-os, e prolongando-os na

ignorância, lhes conservassem uma subordinação, e dependência tão injustas, como

perniciosas”. Diante desse estrago os homens de erudição deveriam clamar “altamente

nestes Reinos contra o Método; contra o mal gosto; e contra a ruína dos Estudos”. E

declara o Rei:

Hey, por extintas todas as Classes, e Escolas, que com tão perniciosos, e funestos efeitos lhes forão confiadas aos opostos fins da instrução, e da edificação dos meus fiéis Vassallos: Abolindo até a memória das mesmas Classes, e Escolas, como se nunca houvessem existido nos meus Reinos, e Domínios, onde tem causado tão enormes lesões, e tão graves escândalos.

E ainda:

Sou servido da mesma sorte ordenar, como por este ordeno, que no ensino das Classes, e no estudo das Letras Humanas haja uma geral reforma.38

A partir daí fala-se especificamente sobre as incumbências do Diretor dos

Estudos, sobre os professores de Gramática Latina, de Grego e de Retórica.

O Diretor de Estudos, indicado pelo Rei, averiguaria o andamento dos

estudos e teria de fazer anualmente relatório para ser entregue, com o fim de evitar

abusos que pudessem ocorrer. A ele seriam subordinados todos os professores. Quando

deixassem de cumprir com suas obrigações, seriam advertidos e corrigidos. Em

existindo opiniões diferentes e a partir delas discórdia entre os professores, deveria o

diretor extirpar as controvérsias e zelar pela constante uniformidade da Doutrina. A

38Em todas as transcrições adotei o critério de atualizar a ortografia dos documentos da época, apresentando por extenso as palavras abreviadas, mas a pontuação foi integralmente respeitada.

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criação desse cargo foi um primeiro ensaio de centralização dos estudos nas mãos do

Estado.

A Coroa deixa claro que todo ensino estava subordinado a ela por meio do

Diretor Geral. Temos noção disso ao ler os documentos referentes a uma carta de 1761

do Bispo de Mariana, D. Fr. Manuel da Cruz, à D. José39. O Bispo informa que ao tomar

posse do seu bispado não havia nele nenhuma aula pública. Os moradores daquela

região, caso quisessem estudar, eram então obrigados a ir ao Rio de Janeiro ou à Bahia,

se não tivessem condições financeiras simplesmente não estudariam. Pensando nisso o

Bispo cria nesta cidade um seminário, onde “há e tem havido nele há muitos anos, lição

de Gramática Latina, e Retórica e também ensina Teologia Moral.” No documento está

grifada a seguinte frase “Para a factura desse Seminário ainda não pedi a Vossa

Majestade esmola alguma”. O destaque para a independência com que fez o Seminário

indica logo em seguida um pedido para que os professores pudessem agora ser pagos

com ordenados da Fazenda Real. É interessante observar que ele faz referência às leis

de 1759, pois diz: “que pelas ordens de Vossa Majestade havia de haver nessa cidade

um mestre de Gramática e Retórica”. O parecer ao lado da carta indica que o pedido

fora atendido, mas antes se faz uma advertência, lembrando que “pela Lei do

estabelecimento dos estudos ninguém pode ensinar as línguas Latina, Grega, Hebraica

sem licença do Diretor Geral dos estudos”, a quem devem ser submetidos todos os

candidatos a professores para exame, e ainda “não pode o Bispo com independência

total do Diretor Geral abrir nesse Seminário escolas e por nelas professores”.

É imposto o uso do “Novo Método da Gramática Latina” composto por

Antônio Pereira, professor da Congregação do Oratório, ou a “Arte da Gramática

Latina” reformada por Antônio Felix Mendes, Professor em Lisboa. Torna-se proibido

Manoel Álvares, seus comentadores (“Antônio Franco; João Nunes Freire; Joseph

Soares; e em especial de Madureira mais extenso, e mais inútil”) e todos os demais que

não os dois permitidos. Como pena, para os que assim não fizerem, constava serem

presos, castigados e não poderem mais dar aulas. Estabelece para cada vila um ou dois

professores de Latim. Ninguém poderia ensinar sem a aprovação e licença do diretor,

que faria previamente um exame dos pretendentes. Os aprovados “gozarão dos

39AHU/MG Cx.: 77 Doc.: 1.

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Privilégios de Nobres, incorporados em Direito Comum, e especialmente no Código,

Título De Professoribus, et Medicis”.

Em cada Vila, Cabeça de Comarca, deveria ter um professor de Grego,

estes teriam os mesmos privilégios que os da Corte e de Lisboa. Depois de um ano e

meio os alunos que tivessem sido aprovados poderiam tentar ingressar na Universidade

de Coimbra e seriam os preferidos nas faculdades de Teologia, Cânones, Leis e

Medicina.

Haveria quatro professores de Retórica em Lisboa, dois em Coimbra, Évora e

Porto, um em cada Vila, Cabeça de Comarca. Seguiriam as mesmas ordenações

dirigidas aos professores de Latim e Grego, e também os mesmos privilégios. Retórica

era pré-requisito necessário para a admissão nas Escolas Superiores e na Universidade

de Coimbra, tendo de ser os alunos examinados antes de ingressarem em tais Escolas.

1.2 A Reforma de 1772 e o funcionamento das aulas

A segunda reforma, de 6 de novembro de 1772, veio para complementar

o que já havia se iniciado. Dava conta das Escolas Menores, ou seja, os primeiros níveis

de estudos, as escolas de ler, escrever e contar. A administração e direção dos Estudos

das Escolas Menores do Reino e de seus domínios foi entregue à Real Mesa Censória. A

criação desse órgão é vista como a segunda fase da centralização dos estudos. Junto

com a primeira reforma, constituí-se em umas das primeiras tentativas de organizar um

sistema de ensino elementar em toda a Europa. Áurea Adão destaca os aspectos

fundamentais: sistema de instrução pública nacional, com uma rede de escolas que

abrangia todo o Reino; a gratuidade do ensino (sendo as despesas custeadas pelo

Subsídio Literário); a conversão dos mestres em funcionários do Estado, nomeados e

dirigidos pelo poder central; administração estatizada das estruturas escolares40. Para a

autora o aspecto mais inovador da reforma na Europa foi tornar o professor um

funcionário do Estado41.

40 ADÃO, Áurea. Op. cit., p. 50. 41 Idem, p. 57.

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Ficava claro, portanto, o desejo da Coroa de criar um sistema de ensino

público e ter o controle dele em suas mãos. O afastamento da Igreja não significa que os

ensinamentos cristãos deveriam ser deixados de lado. O Alvará de 1772 torna

obrigatório o ensino do catecismo, os professores eram avaliados nos conhecimentos da

Doutrina Cristã, os textos utilizados para o ensino da leitura e da escrita continuavam

ligados a matérias da Igreja, e a educação moral ensinada na escola não perdeu o caráter

religioso42. A pretensão era retirar das mãos dessa instituição o controle da educação,

mas não afastar das populações os ensinamentos cristãos. Atitudes como essas devem

ser vistas levando em consideração que o Reformismo Ilustrado foi caracterizado por

nele coexistirem “práticas e princípios excludentes e mesmo contraditórios” 43. Não

podemos esquecer que a Ilustração Luso-brasileira, ou também conhecida como

“Ilustração Católica”, longe de ser uma mera cópia do que se via na Europa, foi

caracterizada como tendo práticas e princípios contraditórios, uma vez que havia um

esforço para harmonizar as inovações com a tradição.

O presidente e cinco deputados da Real Mesa Censória eram membros de

congregações religiosas e o corpo docente não se torna laico. Dos 22 professores

atuantes em Minas Gerais no ano de 1800, 13 eram padres44. Já haviam se passado mais

de quarenta anos desde a expulsão dos jesuítas, e religiosos continuavam como

professores. Certamente a Coroa não teria dado licença a padres para lecionarem se o

desejo dela fosse mantê-los longe. O documento que sancionava a reforma dos

estudos secundários de 1772 continha alguns pontos fundamentais. Previa que fossem

imediatamente afixados editais para a contratação de novos professores, que deveriam

ser examinados em Lisboa. Os mestres então contratados eram obrigados a mandar

anualmente a relação de todos os alunos, dando conta do rendimento de cada um deles.

Os mestres de ler, escrever e contar ensinariam o “desenhar” dos caracteres, as regras da

gramática portuguesa, as quatro operações básicas da matemática, o catecismo e as

regras de civilidade. O ensino particular era permitido aos que desejassem, contudo os

alunos ainda assim deveriam ser avaliados antes de passarem aos Estudos Maiores. Os

professores particulares, assim como os régios, deveriam ser avaliados e aprovados pela

42Idem, p.68. 43 HANSEN, João Adolfo. Ilustração católica, pastoral árcade e civilização. Oficina da Inconfidência.

Ouro Preto. Minas Gerais. Ano 4. N. 3.,p.1-213, dez 2004. 44 AHU/MG Cx.154 Doc.51

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Mesa. Sem tal aprovação podiam ser presos e sair sob pena de “cem cruzados” na

primeira ocorrência, na segunda, a pena seria de cinco anos de degredo para Angola.

A rede de escolas régias criadas por Pombal abrangia todo o Reino, mas

não tinham como objetivo educar a todos indiscriminadamente. A educação não se

destinava à generalidade do povo, o que fica claramente explicitado no Alvará de 1772:

Sendo igualmente certo, que nem todos os indivíduos destes Reinos, e seus Domínios, se hão de educar com o destino dos Estudos Maiores, porque deles se devem deduzir os que são necessariamente empregados nos serviços rústicos, e nas Artes Fabris, que ministram o sustento aos Povos, e constituem os braços, e mãos do Corpo Político; bastariam as pessoas destes grêmios as Instituições dos Párocos: Sendo também indubitável, que ainda as outras pessoas hábeis para os Estudos têm os diversos destinos, que fazem uma grande desigualdade nas suas respectivas aplicações; bastará a uns, que se contenham nos exercícios de ler, escrever e contar; a outros, que se reduzam a precisa instrução da Língua Latina; de sorte, que somente se fará necessário habilitar-se para a Filologia o menor número de outros Mancebos, que aspiram as aplicações daquelas Faculdades Acadêmicas, que fazem figurar os Homens nos Estados45.

Possuir conhecimentos elementares se tornava de fato importante no final do

século XVIII, mas não era uma primeira necessidade para a maior parte da população.

Importava em especial às famílias de grandes comerciantes, dos proprietários

fundiários, e da nobreza de toga. Deveriam ser educados os “rapazes que iriam seguir

as artes liberais, aos que iriam preencher lugares na Administração pública, aos que

iriam trabalhar no comércio e em algumas artes mecânicas46. Antonio Nunes Ribeiro

Sanches, médico português, cujas teorias influenciaram as reformas, deixa claro que os

filhos de famílias com poucas posses não deveriam freqüentar a escola, pois eram eles

que cultivavam os campos47. Os jovens da aristocracia e da grande burguesia tinham a

oportunidade de estudar de acordo com suas predileções, apesar disso a escolha da

carreira muitas vezes não seguia a vontade ou inclinação pessoal, mas uma forte

45 “Excertos de documento de 1772 que dispõe sobre o novo sistema escolar português”. Extraído do site Projeto Memória da Leitura - desenvolvido desde 1992 no Instituto de Estudo da Linguagem da Unicamp - http.//www.unicamp.br/iel/memória onde está também disponível um banco de dados dividido em 8 categorias (Iconografia; Números, estatísticas e valores; Infantis e didáticos; Metalinguagem; Literatura; Periódicos; História e infra-estrutura; Educação e Cultura), além de um acervo de documentos tais como alvarás, cartas, leis, decretos, etc., todos referentes à leitura, passando pela educação, censura, impressos, livros, papeis e outros.

46 ADÃO, Áurea. Estado absoluto e Ensino de primeiras letras. As escolas régias(1772-1794). Lisboa, fundação Calousteste Gulenkian, 1997, p.60.

47 Idem, p.62

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tradição familiar 48. A carreira paterna, entretanto, não aparecia como opção quando se

tratava das classes populares. Era natural que os filhos almejassem profissões distantes

dos ofícios mecânicos. Por isso a carreira eclesiástica era vista por estes como uma

possibilidade de promoção social, assim como alguns cargos na administração púbica

local. Aos meninos mais pobres, órfãos e escravos estava destinada a lavoura, ofícios

manuais e carreiras mais baixas no comércio49. Poucos eram os ofícios que exigiam

aprendizes alfabetizados.

O sistema educacional então criado foi implantado no Ultramar não sem

dificuldades. Além das aulas já previstas outras poderiam ser abertas mediante a

interferência da população ou das autoridades. Nessa pesquisa encontrei alguns desses

pedidos, que são uns dos poucos testemunhos escritos sobre a criação de escolas.

Muitos pedidos apontam como justificativa o montante pago pela localidade ao

Subsídio Literário, assunto que trataremos melhor no capítulo seguinte. Em consulta

que faz o Conselho Ultramarino sobre a solicitação de mestres que fazem alguns oficiais

da Câmara de Vila do Pitangui, há referência à lei de 1772 que implanta o imposto:

...que sendo Vossa Majestade servida por lei de 6 de novembro de 1772 e 10 de outubro de 1773, estabelecer um subsídio literário para sustentação de mestres, que possam instruir a mocidade nos princípios necessários de letras, com que se faz capaz de Policia e Civilidade que requer o trato humano, estando os moradores daquela vila contribuindo para o mesmo fim; não gozão ainda do efeito saudável de tão sábia providência, por se lhe não haver ainda nomeado até agora os sobreditos mestres50.

Em São João del Rei os pedidos são para o estabelecimento de cadeiras

de Retórica e Filosofia. Dizem: “e como Vossa Alteza Real só compete este

estabelecimento e deliberação que se faz tão atendível pelos motivos expandidos quanto

por que das rendas do Subsídio Literário, imposto nesta comarca para o mesmo fim”51.

Assim aparece nos demais pedidos, em meio a outras justificativas, o Subsídio Literário.

48 FERNARDES, Rogério. Os Caminhos da ABC. Sociedade Portuguesa e Ensino de Primeiras Letras. Porto Editora, 1994, p.30.

49 Idem,p.33. 50 AHU/MG Cx.112 Doc.20 51 AHU/MG Cx. 160 Doc.53

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A Rainha D. Maria I, antes de dar parecer favorável aos pedidos, pede ao corregedor da

Comarca do Rio das Mortes, Luis Antônio Bernardes de Carvalho, informações sobre

os rendimentos da localidade de Campanha do Rio Verde: “E outro sim me dareis conta

de quanto rende por ano o Subsídio Literário [...] calculado por um ano médio; e

particularmente especificado o rendimento da referida vila e seu termo” 52.

Outros tipos de argumentos eram usados. Por exemplo, argumentos de

ordem demográfica. Informavam sobre a Vila de Pitangui que “a sua povoação de mais

de doze mil almas”, já São João del Rei merece a abertura de escolas “por sua situação

abundância e populosidade”: vem se tornando populosa “e feita florente em povo e

multiplicado em mocidade”53. Ou ainda Campanha do Rio Verde é “pela sua população,

e relativamente ao país, grande” e “que excede em número de 14.800 pessoas”. Quando

Joaquim Felix Pinheiro pede uma cadeira ou em Vila Rica ou em São João del Rei, se

refere à Capitania de Minas dizendo que sua população é muito superior à de muitas

outras do país. E o pedido para Vila de Caeté “se faz atendível à dita vila pelo numeroso

povo que a habita”.

A situação geográfica também ajudava na hora de justificar os pedidos de

aulas. Em 1790 os mestres de Gramática Latina mais próximos de Vila de Pitangui

estão, de acordo com o documento, “em distância de quase 30 léguas, e o outro de

70”54. O Rio de Janeiro era o lugar mais perto onde havia aulas de Cirurgia Anatômica e

Arte Obstétrica, mas “dista 60 e 80 léguas do centro de Minas Gerais, esta longitude, e

mais ainda, a carestia dos víveres em proporção, serve de obstáculo à mocidade pobre,

que são ordinariamente os que se dedicam a essa profissão”. Argumentos que destacam

como obstáculos a distância, geralmente vêm acompanhados dos de ordem econômica.

No documento citado acima sobre Vila de Pitangui ainda encontramos a constatação de

que o fato de não haver professores de Gramática Latina nas proximidades, “obriga a

uns a não estudarem por não poderem com as despesas, e a outros que vivem em

abundância, irem a lugares muito distantes como a cidade de São Paulo ou a São João

del Rei”

52AHU/MG Cx.139 Doc. 26 53AHU/MG Cx.160 Doc.53 54AHU/MG Cx.134 Doc.1

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A localização não era sempre um empecilho, alguns a usavam para

reforçar a importância de se abrir uma aula em determinado local. São João aparece

novamente podendo servir de centro à instrução. Devido a sua localização poderiam ir

para lá os indivíduos interessados em se instruir, sem que para isso tivessem que gastar

muito55. Em outro pedido pedem que a cadeira “se estabeleça na Capital Vila Rica, não

só por ser o centro de toda aquela Capitania; e mais populosa e para onde comumente

podem ir estudantes de outras comarcas” 56.

A população mineira carecia de atenção especial da Igreja e do Estado,

era elevado o número de crianças abandonadas, filhos ilegítimos e órfãos, com muitos

negros, mestiços e poucas mulheres brancas. As autoridades se preocupavam com a

educação dessa geração que não tinha bons exemplos familiares, nem situação

financeira que permitisse freqüentar aulas particulares ou contratar um mestre próprio

para lhes ensinar. Aqueles que cuidavam de expostos recebiam um auxílio público de

1$400rs. Um professor particular recebia em média $130 à $700 réis57, como então

arcar com todas as despesas de uma criança, tais como alimentação, vestuário, moradia

e ainda mandá-lo a uma aula particular? Garantir a mínina educação para esses meninos

era uma medida preventiva para assegurar a ordem, por isso encontramos associação

entre educação e assistencialismo. Thaís Nivia de Lima Fonseca encontra em sua

pesquisa58 informações que contrariam afirmações tradicionais segundo as quais, as

camadas mais baixas da população pouco se interessavam pela educação. De fato

sabemos que alguns dos professores que encontramos se dedicavam ao ensino de

meninos pobres, como Agostinho de Matos que será citado no capítulo 2.

Nos requerimentos analisados encontramos ainda argumentos de ordem

cultural, que evidenciam interesse pela educação. A valorização do ensino aparece

quando dizem à Rainha que ela deveria ser piedosa e não deixar “seus filhos privados de

um bem tão estimável como o das letras” 59. O ensino não seria interessante somente

para os povos moradores de Minas, mas ao Estado e à Igreja:

55 AHU/MG Cx.160 Doc.53 56AHU/MG Cx.143 Doc.30 57 FONSECA, Thaís Nívia de Lima. Instrução e assistência na Capitania de Minas Gerais das ações das

câmaras às escolas para meninos pobres.(1750-1814). GT: História da Educação, nº 02. UFMG 58 FONSECA, Thaís Nívia de Lima.op.cit. 59 AHU/MG Cx.112 Doc.20

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[a mocidade] que sendo espiritual, ora, e cheia de viveza [sic] e habilidades, e corresse que tementemente hábil e capaz de servir a Igreja e ao Estado; se à natureza se houvesse de ajuntar a instrução e o ensino das belas Letras [...] e por isso seria de muita utilidade e proveito à mocidade, que houvesse aulas de Retórica, Filosofia [... poderiam] beber estas primeiras ciências, que os habilitariam tanto para o sacerdócio, como para os lugares de Letras [...] pelo proveito, adiantamento, instrução e Luzes, que resultaria à mocidade e conseqüentemente à Pátria, à Religião, à Igreja e ao serviço de Vossa Alteza Real 60.

Só por meio das letras poderão os mancebos seus filhos

ser úteis à Igreja, e ao Real serviço, logo precisarão nesta vila de Escolas das primeiras Letras e de Gramática Latina61.

Não era somente o Estado português que refletia, em suas ações, as revoluções

ocorridas na ciência e na filosofia; e não só a cultura e a mentalidade européia se

modificavam. Podemos perceber em alguns discursos citados acima, que os que viviam

na Colônia também acompanhavam as mudanças. Quando tratamos de estudo

profissionalizante e mais técnico percebemos ainda mais os anseios pelo novo. A

medicina no mundo luso “convivia, em pleno Século das Luzes, com o curandeirismo,

com a magia e com a interferência da religião, mostrando-se prisioneira de uma visão de

mundo regido por forças ocultas, sobrenaturais” 62, contudo nos anos finais do século

XVIII algumas mudanças foram introduzidas. Nada que modificasse por completo tal

panorama, mas ainda assim significativo.

Os pedidos para a implantação de aulas de Cirurgia Anatômica e Arte

Obstétrica indicam os problemas causados por profissionais sem os conhecimentos

necessários. Em um deles afirmam que tais aulas seriam importantes para o Hospital

Militar de Vila Rica. Lembram também que não há no principal hospital do país a

cadeira requerida. Isso faz com que se anatomize sem cadáveres “precisos para um

profundo conhecimento da estrutura do corpo humano”. Para piorar, os europeus

instruídos, que poderiam ajudar, não chegam até o interior, ficam nas cidades litorâneas,

60AHU/MG Cx.160 Doc.53 61 AHU/MG Cx.163 Doc.31 62FILGUEIRAS, Carlos Alberto Lombardi. Saberes acadêmicos e populares na prática médica do século

XVIII em Portugal e em Minas Gerais. In: CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE HISTÓRIA DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA, 5, 1998, Rio de Janeiro, p. 4 e RIBEIRO, Márcia Moisés. A ciência dos trópicos: a arte médica no Brasil do século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997, p. 43-44 e 134-136. Apud: VILLALTA, Luiz Carlos . Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: Usos do livro na América Portuguesa. Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH-USP, 1999.

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“e só algum ignorante, por não ter ali aceitação, é que se entranha pela terra a dentro na

esperança (como acontece) de que a necessidade lhe dê o que fazer”63. Joaquim Felix

Pinheiro, o autor da carta, diz ainda, que muitas vidas são perdidas e muitas crianças

vítimas da “estupidez” das parteiras. Esse problema tocaria também ao Estado, pois “a

infeliz escravatura pelo seu grande número, é sobre quem mais descarrega o peso

essencial da falta desses conhecimentos”, e são eles que “formam os braços, e a riqueza

daqueles Colonos, e por seqüência a do Estado parece que sua perda, vem a ser uma

perda Real para a Metrópole” 64.

Os oficiais da Câmara de Sabará na representação em que pedem a licença para

a abertura de uma casa de Aula de Cirurgia fazem uma argumentação interessante:

Certo que não há ciência mais necessária para a conservação da vida humana do que a ciência da Medicina e Cirurgia bem administradas, nem coisa, mais prejudicial à mesma vida do Homem que as mesmas ciências indementes (sic) manipuladas. Este gravíssimo dano temos sofrido há muitos anos, vendo perecer muitos pais de família e ficar estas no desamparo, por causa dos imperitos cirurgiões, que por falta de médicos, se aplicam todos a curas de moléstias que pertencem a Medicina, sendo muitos os que deixam morrer, por eles não saberem aplicar os remédios próprios, do que, os que curam65.

Sabe-se que em 1768, o procurador da Coroa rejeitou um pedido da Câmara de

Sabará para a abertura de uma Aula de Cirurgia. Alegam que essa medida atrapalharia

os laços da metrópole com a colônia, afirmam “este vínculo não se devia relaxar e era

princípio de relaxação a faculdade pública de uma Aula de Cirurgia” 66. Essa situação

pode ser explicada pela frase de Antônio Ribeiro Santos: “Pombal quis civilizar a nação

e, ao mesmo tempo, escravizá-la. Quis difundir a luz das ciências filosóficas e, ao

mesmo tempo, elevar o poder real do despotismo” 67.

As dificuldades para se abrir uma aula e para mantê-la funcionando eram

diversas. Os problemas mais freqüentes eram causados pela dificuldade de comunicação

63 Parênteses do documento. 64 AHU/MG Cx.143 Doc.30 65 AHU/MG Cx.91 Doc.66. 66 VILLALTA, Luiz Carlos . Reformismo Ilustrado, Censura e Práticas de Leitura: Usos do livro na

América Portuguesa. Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH-USP, 1999, p.161. 67 MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e terra,

1996, p.2.

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entre Brasil e Portugal. Os pedidos para a abertura de aulas demoravam a chegar, mais

ainda para serem atendidos. O tempo entre um pedido e o parecer dado a ele podia

chegar a dois anos. Quando as cadeiras já tinham sido estabelecidas, os problemas

aconteciam por ocasião da substituição de professores, devido ao falecimento ou por ter

findado a provisão que dava ao indivíduo o direito de lecionar. Enquanto esses

problemas não eram resolvidos a cadeira ficava vaga ou ocupada irregularmente.

Na tabela abaixo temos uma noção da quantidade de cadeiras vagas que

existiam na Capitania em 1800. De acordo com as anotações a cadeira de Gramática

Portuguesa de Freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias fica

desocupada em 1793, portanto ela ficou vaga por no mínimo sete anos. Outras tantas

ficam alguns anos sem serem ocupadas. Certamente os locais onde isso acontecia ficam

esses anos sem professores e os alunos que não podiam se deslocar até a escola mais

próxima ficam sem aulas, sendo isso em grande prejuízo para educação dos jovens.

TABELA 1 - RELAÇÃO DAS CADEIRAS DE GRAMÁTICA LATINA E PORTUGUESA VAGAS NA CAPITANIA DE MINAS ANO 1800

Comarca de Ouro Preto

Localidade Cadeira Vaga

Motivo Data em que ficou vaga

Vencimento

Freq. N.S. Conceição de Antônio Dias

Gram. Port. Provisão Findada

31 de agosto 1793 150$000

Mariana Retórica Provisão Findada

31 de julho 1800 440$000

Mariana Gram. Lat. Provisão Findada

4 de outubro 1795 400$000

Arraial de Guarapiranga Gram. Lat. Falecimento 7 de fevereiro 1795 400$000 Arraial do Furquim Gram. Port. Provisão

Findada 6 de julho 1797 150$000

Arraial do Sumidouro Gram. Port. Falecimento -------------------------- 150$000

Comarca do Rio das Mortes

Localidade Cadeira Vaga

Motivo Data em que ficou vaga

Vencimento

Freq. De Santa Anna das Lavras do Funil

Gram. Port. Provisão Findada

22 de Abril 1799 150$000

Vila da Campanha Gram. Port. Provisão Findada

15 de Julho 1794 150$000

Vila de São José Gram. Port. Falecimento ------------------- 150$000

Vila Queluz Gram. Port. Provisão Findada-

17 de outubro 1800 150$000

Vila de Barbacena Gram. Port. Provisão Findada

27 de maio 1794 150$000

Comarca do Rio das Velhas

Localidade Cadeira Vaga

Motivo Data em que ficou vaga Vencimento

Vila Real de Sabará Gram. Lat. Provisão Findada 3 de dezembro 1795 400$000

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Vila Real de Sabará Gram. Port. Provisão Findada 9 de janeiro 1796 150$000 Freq. de Santa Luzia do Sabará Gram. Port. Provisão Findada 16 de setembro 1798 150$000 Vila de Caeté Gram. Lat. Provisão Findada 16 de dezembro 1798 400$000 Vila de Caeté Gram. Port. Provisão

Findada ------------------------- 150$000

Vila de Pitangui Gram. Lat. Provisão Findada 7 de setembro 1796 400$000 Vila de Pitangui Gram. Port. Provisão Findada 5 de agosto 1795 150$000 Vila de Paracatu Gram. Lat. Falecimento ------------------------- 400$000 Vila de Piracicaba Gram. Port. Provisão Findada 16 de Junho 1797 150$000

Comarca do Serro Frio

Localidade Cadeira Vaga

Motivo Data em que ficou vaga Vencimento

Vila do Príncipe Gam. Port. --------- Setembro 1797 150$000 Arraial do Tejuco Gram. Port. Falecimento 29 de junho 1799 150$000 Freq. N. S. P. do Rio Vermelho

Gram. Port. Provisão Findada 5 de junho 1794 -----------------

Arraial de Santo Antônio da G.

Gram. Port. Provisão Findada 31 de dezembro 1795 150$000

Vila Minas Novas Gram. Lat. Provisão Findada 26 de julho de 1798 400$000 Fonte AHU/MG Cx.154 Doc.51.

A administração confusa em nada ajudava, e o processo ficava ainda mais

lento. Os exemplos abaixo nos dão uma idéia de problemas que parecem ter sido

freqüentes.

O Conselho Ultramarino faz saber à Rainha o requerimento de Manuel de

Melo Souza e Alvim. Ele teria recebido da Real Mesa da Comissão Geral sobre Exame

e Censura de Livros (extinta em 1791) uma provisão para atuar por seis anos como

professor substituto de Filosofia na cidade de Mariana. Diz que “obteve depois”, não se

sabe quando, licença para concluir seus estudos de Medicina na Universidade de

Coimbra. Numa data próxima a sua formatura e da volta para Mariana, quando

reassumiria a cadeira, apareceu Manuel Joaquim Ribeiro, que teria conseguido por

meios fraudulentos ser provido como proprietário da cadeira em setembro de 1795.

Caberia à Rainha resolver quem ficaria como professor. O Conselho Ultramarino dá seu

parecer: “prefira o [provimento] do suplicante [Manuel de Melo Souza e Alvim] até

pelo direito da naturalidade, e pela prerrogativa da Arte, que ali vai a exercitar em

comum benefício dos Povos moradores daquele país, depois de ser também graduado

pela Universidade na faculdade de Filosofia”. Esses títulos de nada valeram. O parecer

final é dado em favor de Manuel Joaquim Ribeiro. Este aparece novamente pedindo a

mercê de Capitão do Regimento de Vila Rica e a mudança de sua aula para a mesma

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cidade. Possuidor de provisão ilimitada, ele atua pelo menos até 1807 quando fica

doente e pede para ir ao Reino se tratar68.

A cadeira de Gramática Latina do arraial de Guarapiranga fica vaga

quando falece o professor que a ocupava, José Procópio e Monteiro, em 7 de fevereiro

1797. Em 17 de outubro de 1798 o governador de Minas recebe uma carta mandando

passar a cadeira para Manoel Carvalho de Moraes. Já em primeiro de novembro uma

outra carta dá a posse a Antônio Justiniano Maciel. Em fevereiro do ano seguinte o

governador escreve a D. Rodrigo de Souza Coutinho, secretário de Estado da Marinha e

Domínios Ultramarinos, de 1796 a 1801, informando que ele havia mandado prover

dois na mesma cadeira e querendo saber quem deveria realmente ocupar a cadeira vaga,

lembrando ainda que os dois são igualmente hábeis e aptos para o posto. Essa situação

não foi resolvida pelo menos até o ano de 1800, em que consta vaga, ou seja,

Guarapiranga ficou sem professor de Latim por pelo menos 3 anos.

Na lei de 1772 foram previstos a criação de 837 Aulas Régias para todo o

Império português69. Ao Brasil foram destinadas 38 aulas, sendo 21 de Humanidades e

17 de Primeiras Letras. Em Minas Gerais seriam estabelecidas 5 aulas Ler, escrever e

contar, 4 de Gramática Latina, e uma de Retórica70. Não temos informações sobre a

abertura dessas aulas, não podendo assim afirmar se foram ou não estabelecidas. Os

dados que conseguimos levantar são para os anos de 1795, 1796 e 179771. Nesses anos o

número de professores varia, enquanto somente uma cadeira de Filosofia em Mariana é

aberta, muitas outras vagam ao longo dos anos. De 1795 para 1797 fica vaga a cadeira

de Gramática Latina em Bom Sucesso de Minas Novas, Sabará, Paracatu e Pitangui; já

as de Primeiras Letras ficam vagas em Gouveia, Pitangui, Sabará e Caeté. Apesar do

crescimento verificado nos anos anteriores é visível a instabilidade das aulas, não sendo

certa a permanência delas por longos anos. A Comarca do Rio das Velhas, que em 1795

possui 8 aulas de Primeiras Letras, em 1797 têm somente 5; e os professores de

Gramática Latina que eram 4 ficaram reduzidos a um. Somente na Comarca do Rio das

Mortes é que a situação não se altera, o número de professores é o mesmo: um professor

68 AHU/MG Cx.179 Doc.8, Cx.180 Doc.9, Cx.183 Doc.17, Cx.142 Doc.11, Cx.142 Doc.10. 69 FERNARDES, Rogério. Os Caminhos da ABC. Sociedade Portuguesa e Ensino de Primeiras Letras.

Porto Editora, 1994, p.75. 70 SILVA, Diana de Cássia. O processo de escolarização no termo de Mariana (1772-1835). Dissertação

de Mestrado. Belo Horizonte: Faculdade de Educação, UFMG, 2004, p.35. 71 Conferir na Tabela de Professores existentes em 1795-96-97. Anexo.

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de Gramática em São João del Rei outro em São José, e professores de primeiras letras

em São João del Rei, São José, Lavras do Funil, Queluz, Itavera e Tamanduá. A

situação da educação se agrava se compararmos esses dados com os de 180072, expostos

na tabela abaixo:

TABELA 2 – ABERTURA DE AULAS DE 1772 A 1800

Aulas previstas em 1772 e 1773

Aulas existentes em 1795

Aulas existentes em 1797

Aulas existentes em 1800

Comarca Gram. Latina

Primeiras Letras

Gram. Latina

Primeiras Letras

Gram. Latina

Primeiras Letras

Gram. Latina

Gram. Port.*

Ouro Preto

2 2 3 8 2 8 1 7

Rio das Mortes

2 2 2 5 2 5 2 3

Serro Frio

2 6 1 5 2 3

Rio das Velhas

1 4 8 1 5 3

Total 4 5 11 27 6 23 5 16 *Gramática Portuguesa, denominação usada em 1800 para as Primeiras Letras.

Dados obtidos a partir da documentação AHU/MG Cx.154 Doc.51, em anexo.

Na capitania de Minas Gerais em 1795 existiam 11 aulas de Gramática Latina,

27 de Primeiras Letras, uma de Filosofia e uma de Retórica. Em cerca de vinte e dois

anos foram abertas 7 aulas de Gramática Latina e 22 de Primeiras Letras em toda

Capitania mineira. A comarca do Serro Frio, que não receberia nenhuma aula em 1772

passa a ter 8 aulas no total, e a do Rio das Velhas que teria apenas uma aula de

Primeiras Letras em Sabará, passa a contar com 8 professores de Ler, escrever e contar,

72Ver com mais detalhes os dados para o ano de 1800 em anexo.

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e com 4 de Gramática Latina. Um crescimento significativo, mostrando que ao longo

desses anos o ensino, ainda que lentamente, se difundiu em toda a capitania.

Após um período de crescimento de vinte e dois anos ocorre uma queda

significativa de 1795 em diante. O número de aulas de Gramática Latina, que era de 11,

cai para 5. Mariana e Piranga, na comarca de Ouro Preto, ficam sem aulas de Latim e a

Comarca do Rio das Velhas que possuía 4, em 1800 não tem nenhum. Os mestres de ler,

escrever e contar que totalizavam 27 em 1795 passam a ser 16 em 1800, ou seja, 11 a

menos. Rio das Velhas sofreu a maior queda, dos 8 mestres só restaram 3.

A Reforma Educacional foi de fato sentida no Ultramar. Apesar das

dificuldades percebemos que as medidas foram sendo tomadas num sentido de

centralizar o ensino nas mãos da Coroa. Mas, como afirma Fernando Novais, havia um

descompasso entre a elaboração de um pensamento e sua aplicação 73. A administração,

contudo, não foi capaz de superar os problemas e fazer aumentar o número de aulas.

Nos anos pesquisados encontramos vários pedidos de aberturas de aulas, ou seja, o

interesse nas letras havia se difundido. Ainda que de forma tímida e gradual o apreço à

instrução surgia. Isso não é devido apenas à posição do Coroa, que com a “promoção

das luzes” estava interessada em superar o atraso econômico e o isolamento cultural.

Muitos moradores das Minas serviram como veículos para as “Luzes”. O trânsito entre

o Brasil e Portugal foi intenso, pelas ruas das cidades mineiras muitos indivíduos

letrados espalhavam as novas vindas da Europa, quer seja nas conversas ou por meio de

livros. O conhecimento das letras fazia-se necessário para aqueles indivíduos que

quisessem se destacar. Os professores entram aí não só como indivíduos letrados, mas

também como transmissores desse conhecimento que crescia em apreço para toda a

população.

73 NOVAIS, Fernando A. O Reformismo Ilustrado Luso-brasileiro: Alguns aspectos. Revista Brasileira de História. São Paulo, 4, 7, mar.1984. p.105.

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CAPÍTULO 2 : O SUBSÍDIO LITERÁRIO E O PAGAMENTO DOS ORDENADOS

A Reforma de 1772 previa a cobrança de um imposto único que

assegurasse a criação e a conservação das aulas. A coleta desse imposto serviria para

que a Coroa pudesse custear todas as despesas referente às Aulas Régias. Desde os

gastos com a coleta do mesmo, até do pagamento de toda a estrutura da Real Mesa

Censória, além dos ordenados de mestres e professores. Com o Subsídio Literário as

coletas anteriormente feitas foram abolidas.

A Real Mesa mandou consultar as populações sobre o novo imposto e não

observou pensamentos contrários, isso devido provavelmente ao fim a que se destinava

e também a pequena quantia individual74. Em Portugal e nas Ilhas Atlânticas seria

cobrado sobre a produção de vinho e aguardente. No Brasil e na Ásia o imposto recairia

74 ADÃO, Áurea. Op. cit., p.130.

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sobre a produção de aguardente e de carne. Dez réis para cada oito canada (2,64 litros)

de aguardente e um real (unidade de réis, moeda corrente) para cada arrátel (459

gramas) de carne abatida. Seria cobrado pelas Juntas locais da Fazenda, instaladas nas

cabeças de comarcas e nas localidades mais importantes. Só havia sede própria em

Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. A coleta era feita semestralmente e tudo seria

anotado em livros distribuídos pelos juízes de fora e ouvidores. Nas anotações deveria

constar o nome do produtor, o local, a quantidade e o valor convertido em réis. Até

mesmo o proprietário que não teve produção naquele período aparecia na relação como

“não produziu”.

No Brasil, nos anos seguintes à implantação desse imposto, algumas Câmaras

se dirigem à D. José pedindo alívio ou isenção no pagamento. Encontramos em 1774 e

em 1778 pedidos dos oficiais da Câmara de São João Del Rei e de Vila Rica para

isenção e alívio do pagamento75. Os textos seguem um mesmo formato, chegando a ser

idênticos em muitas partes. Dizem que “não desconhecem o zelo incomparável com que

Vossa Majestade quer felicitar os seus fiéis vassalos, até promovendo-lhes os meios de

adquirirem as ciências aos seus próprios países”. Sabem da importância do subsídio,

mas não podem pagar devido à miséria em que se encontram os povos daquelas regiões.

Alegam que estão em distância tal que não podem ir aos locais onde têm professores.

Sairia mais barato enviar os filhos ao Rio de Janeiro para estudarem do que fazerem o

pagamento do subsídio e ainda percorrer distâncias dentro da própria capitania de

Minas.

Um outro pedido de alívio é feito em 1778, desta vez pela Câmara de Vila

Nova da Rainha76. Lembram do estado em que se encontram as extrações do ouro. As

lavras dos rios e córregos estão acabadas, e por essa razão os ‘aluvieros’ percorrem

campos e morros, perdem muito tempo e dispêndem uma soma considerável, sendo

dessa maneira difícil fazer o pagamento do imposto. O Conselho Ultramarino dá seu

parecer. Considera justa as queixas das câmaras do Brasil que pagam o Subsídio

Literário e não recebem os mestres necessários e determinados para sua região.

Sugerem que se faça uma revisão da introdução dos estudos no Brasil, para que se

cobrasse o subsídio somente quando aquelas localidades pudessem pagar ou quando

fossem enviados os mestres. Não pudemos verificar se o pedido foi aceito, mas por

75 AHU/MG Cx.107 Doc.: 13, Cx.113 Doc.:74. 76AHU/MG Cx.: 113 Doc.:32.

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meio de um outro documento ficamos sabendo que cinco anos depois Vila Nova da

Rainha continuava sem mestres de ler e escrever e de gramática latina77.

Em Minas foi o Governador Antônio Carlos Furtado de Mendonça que

colocou em execução a cobrança do imposto. Em 1775 já havia sido recolhido e rendido

aos cofres públicos a importância de 6:646$499 réis, segundo informa José João

Teixeira, Intendente da Fazenda de Vila Rica78. A Lei de 1772 indica que os

professores receberiam de acordo com o local onde ocorriam as aulas. Em Portugal os

mestres de primeiras letras de Lisboa recebiam 90$000, os que atuavam em cabeças de

comarcas 60$000 e nos demais lugares 40$00079. Já no Brasil o ordenado desses

mestres não variava, todos recebiam 150$000. Os professores de Gramática Latina

recebiam 400$000 e os de Filosofia, Retórica, Teologia 440$000 podendo chegar a

460$000. O pagamento deveria ser feito trimestralmente, ou seja, a cada quartel de ano.

Apesar da recolha do imposto estar sendo feita, muitos professores estavam há

anos sem receber qualquer remuneração por seus serviços. Contudo não encontramos

muitas cobranças. Na verdade foram somente três, sendo que uma data de 1753, quando

ainda não eram estabelecidas nem a função de professor como funcionário, nem o

respectivo salário. Trata-se de Agostinho de Matos, professor em Vila Rica. Mostra bem

como eram financiadas as aulas antes da reforma. Eram as famílias que pagavam pelos

estudos. Havia os que nada pagavam por serem pobres demais, os ainda pobres, mas

com condições de ajudar com uma quantia módica, e os mais abastados. Contudo,

apesar do pequeno valor cobrado, muitos não faziam o pagamento, tornando inviáveis

as aulas. O padre Agostinho suplica uma provisão para que ele possa cobrar dos alunos

que não pagaram, e que não possam sair das aulas sem antes pagarem o que devem,

pois: “de outra sorte lhe será preciso fechar um estudo de onde para as universidades e

religião têm ido muitos sujeitos de quem se esperam grandes aumentos a Monarquia” 80.

Na verdade a situação não se modifica muito, os professores depois de 1772 deveriam

receber da Coroa, mas isso raramente ocorreu, continuando as aulas em grave situação.

Das outras duas cobranças falaremos no capítulo seguinte.

77 AHU/MG Cx.: 119 Doc.: 47. 78CARRATO, José Ferreira. Igreja, Iluminismo e Escolas mineiras coloniais. Companhia Editora de

nacional, Editora da Universidade de São Paulo. Brasiliana Volume 334,p.156. 79 ADÃO, Áurea. Op. Cit., p.287. 80 AHU/MG Cx.62, Doc.11.

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O dinheiro recolhido pelo Subsídio Literário deveria ser destinado às despesas

com a educação, incluindo o pagamento dos professores. Porém esse pagamento não

estava sendo feito. Alguns poucos professores recebiam81, e no período entre os anos de

1795 a 1797 somente os professores de Gramática Latina da comarca do Rio das Mortes

foram pagos, e nenhum professor de primeiras letras. Isso revela a situação crítica do

sistema educacional. Em Carta Régia de 19 de agosto de 1799 o Príncipe Regente

reconhece a precária situação “em que se acham as escolas menores em todas as

Capitanias do Brasil, pela falta de sistema com que se acham estabelecidas as cadeiras

necessárias para a instrução pública, pelas qualidades das mesmas, em que pouco se

atendeu ao que mais era necessário no local onde se estabeleciam as sobreditas cadeiras,

pela falta de uma norma fixa, e amezinhada para a nomeação, e escolha dos mesmos

professores” 82. Ordena um levantamento sobre as cadeiras existentes e as vagas,

constando o nome dos professores, a cadeira que ocupavam, o local, o período que

tinham a receber e a quantia devida, e ainda um estudo quantitativo sobre o subsídio

literário, com base no qual se manteriam ou não as cadeiras. A partir desses dados

verificamos que todos os professores atuantes em 1800 estavam sem receber há alguns

anos. A partir de 1794 os pagamentos começaram a não ser feitos, e até 1800 essa

dívida atinge a quantia de 33:382$930. Devemos lembrar que o número de professores

cresce bastante até o ano de 1795 e que a partir daí há uma queda. Isso sem dúvida tem

relação com a constatação acima. Aos poucos vai se tornando inviável a abertura de

novas aulas, e vão acumulando os professores que estavam sem receber. A dívida chega

a 51:378$889 rs. em 1804, como informa o presidente do Real Erário, D. Luis de

Vasconcelos e Souza83. José Ferreira Carrato afirma que dez anos depois, em 1814 o

pagamento ainda não tinha sido feito e a dívida ultrapassara 60:000$000 rs84.

Porque isso acontecia? Seria o valor angariado pelo subsídio

insuficiente? Os valores arrecadados variavam, mas de 1773 até 1783 o montante era

suficiente para cobrir as despesas e ainda restava um saldo considerável85. Entretanto

nos anos seguintes a administração e arrecadação do imposto foram entregues ao Real

81 Anexo 4. 82 RAPM, XXIV, p.352-353. 83 RAPM, VII, p.1005. 84 CARRATO, José Ferreira. p. 162. 85 ADÃO, Áurea. Op. Cit., p144. Conferir nas tabelas em anexo n. 2,3 e 4, sobre o recolhimento do

subsídio em Minas, o pagamentos realizados, e o valor necessário para pagamento total dos professores.

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Erário. Os problemas se avolumavam a tal ponto que a Junta Provisional chega a

informar a “decadência, a que se acha reduzido o rendimento do Subsídio Literário,

tanto pela frouxidão, e abusos introduzidos na sua arrecadação, como pelo dolo, com

que a maior parte dos lavradores ocultam consideráveis porções de gêneros” 86.

O governador Bernardo José de Lorena aponta outra razão para os atrasos:

O pagamento deste rendimento é feito em ouro em pó, o qual depois de recolhido ao cofre se manda fundir e reduzido a barras se faz com elas o pagamento dos ordenados dos Professores Régios, e nesta redução há de prejuízo regularmente 8, 10, 12 por cento. Esta diferença, e o diminuto rendimento da Capitania para o pagamento de grande número de professores, faz o atraso em questão do pagamento dos ordenados vencidos, e que jamais se poderá vencer enquanto eles não forem providos à proporção do dito rendimento.87

O professor José Eloi Otoni reclama o dinheiro que lhe devem, 1:200$000 rs.

“porque vive dos ordenados da sua cadeira, e estes se lhe não pagão pelo mesmo

método com que cobram o Subsídio Literário”88. D. Rodrigo de Souza Coutinho pede

ao governador explicações sobre a falta de pagamento dos professores, no que responde:

“examinando como me ordena, achei que no estado da administração atual deste

rendimento (Subsídio Literário), não chega para o pagamento dos mestres régios, e por

isso, se lhe tem pago em rateio, porém, tendo a experiência que na Capitania de São

Paulo, em iguais circunstâncias, se aumentou semelhante rendimento, sendo arrematado

por contrato”89. Tentando resolver essa situação D. Rodrigo aprova que se pratique o

mesmo em Minas, visando dar uma solução a esse problema. Bernardo José de Lorena é

o encarregado de cumprir a carta régia de 19 de agosto de 179990.

A primeira arrematação por contrato do imposto foi fechada por três anos, de

1801 a 1803, na quantia de 22:800$000 rs., que correspondem a cada ano 7:600$000 rs.,

valor bem maior daquele arrecadado pelas câmaras. Ainda assim o governador expressa:

“eu conheço as necessidades de se fazerem os pagamentos exatos dos professores, sem

os quais não podem subsistir, mas por outra parte se manifesta que só do remanescente

tão diminuto [...] não é fácil decidir qual será mais conveniente aos referidos se os

86 ADÃO, Áurea. Op. Cit., p.145. 87 AHU/MG Cx.148 Doc.6. 88 AHU/MG Cx.144, Doc.11. 89 Idem. 90 Anexo 2.

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pagamentos exatos, ou a continuação do rateio por todos, como se tem praticado até

agora [...]: ao mesmo tempo fica evidente a impossibilidade de um fundo para jubilação

de mestres e para premiar com medalhas de valor aos alunos que se distinguirem” 91.

Ciente de que não seria fácil colocar em dia a dívida do estado com os professores,

Bernardo José de Lorena faz um plano em que propõe que se reduza de 400$000 rs.

para 300$000 rs. o salário dos professores de Gramática Latina e um corte no número de

aulas. As aulas ficariam distribuídas assim:

TABELA 3 – DIVISÃO DE AULAS PELO PLANO DE BERNARDO JOSÉ DE LORENA

Com esse plano seriam gastos para o pagamento dos professore 6:520$000 rs.

Valor dentro do orçamento de 7:600$000rs. Dessa forma os professores poderiam ser

pagos e ainda teriam um saldo de 1:080$000 para demais despesas. Porém isso não

passava de um planejamento, uma vez que o subsídio coletado em 1800 foi de

4:800$000 não sendo suficiente nem para saldar os vencimentos daquele ano que

somavam 4:860$000. Algo certamente estava errado.O problema podia estar realmente

na soma recolhida, por erros na cobrança do imposto, pela perda ocorrida na fundição

do ouro ou sonegação do imposto. Podia ser também devido à utilização dos recursos

em fins diferentes daquele ao que foi destinado.

A câmara era o órgão oficial responsável por fiscalizar e recolher o imposto. O

provedor era responsável pela coleta em todas as terras de sua jurisdição. Como foi

constatada sonegação no imposto estimulou-se a denúncia, o denunciante receberia a

terça parte do produto não declarado. Os professores deveriam ser pagos na sede das

91 AHU/MG, Cx154, Doc.51.

COMARCA NÚMERO DE PROFESSORES Ouro Preto 1 – Geometria

1 – Filosofia 1 – Retórica 1 – Grego 2 – Gramática Latina 2 – Primeiras Letras

Rio das Mortes

2 – Gramática Latina 6 – Primeiras Letras

Rio das Velhas

3 – Gramática Latina 4 – Primeiras Letras

Serro Frio 2 – Gramática Latina 2 – Primeiras Letras

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comarcas e o restante do dinheiro enviado a Lisboa, mas devido às irregularidades a

Junta propôs a centralização do pagamento em Lisboa. Entretanto as remessas de todo o

império eram enviadas com atraso para o cofre geral. Por exemplo, as verbas do ano de

1772 da comarca de Lamengo só foram remetidas em 177592. Cada localidade deveria

manter e posteriormente enviar cadernos com todas as informações sobre a coleta, e

ainda as receitas e despesas do período. Entretanto toda essa teia burocrática foi feita

com bastante irregularidade, o que certamente prejudicou o bom andamento da

escolarização de todo o reino.

O montante recolhido ao longo dos anos variou consideravelmente, o que foi

motivo de apreensão por parte da Junta. Esta ponderou que o saldo positivo dos anos

iniciais deveu-se ao reduzido número de professores que já estavam estabelecidos, foi

com esse saldo que se supriu os déficits dos anos seguintes, mas como o aumento do

corpo docente o sobejo acabaria em pouco tempo. Com a situação já grave em 1794 o

imposto fica a cargo do Real Erário, e o problema se estende. Nos anos iniciais do

século XIX a cobrança passa a ser feita por meio de arrematação por contrato em cada

comarca, cabendo ao arrematante o rendimento, que podia ainda arrendar ramos

diversos dentro da área por ele controlada. Os contratadores eram obrigados a entregar

ao cofre das comarcas, à ordem dos provedores, o valor correspondente à folha de

ordenados dos professores e mestres. O restante deveria ser entregue ao cofre central

não se sabe para que fim93. Seria necessário um estudo aprofundado para verificar quais

as conseqüências dessa ação. Mas por observar um decreto de 26 de julho de 1827 –

ordenava que as províncias colocassem em dia o pagamento dos ordenados – somos

levados a crer que o problema permanecia, e que persistiu por todo o período de

existência do subsidio literário que teve fim em 1839.

Um caso é exemplar das irregularidades no pagamento. Manoel Ferreira Velho

era mestre de primeiras letras em São José da Barra. Não temos informação sobre a data

em que ele inicia suas atividades, mas sabemos que em 1798 ele recebe o ordenado

referente a seu trabalho no ano de 1793. O ordenado de 1794 seria pago em quatro

partes, em diferentes datas, sendo que a última aconteceu em abril de 180094. De 1795 a

1800 ele também fica sem receber, mas continua atuando. A próxima referencia a ele se

92 ADÃO, Áurea. Op. Cit., p.142.

93 FERNARDES, Rogério. Op.cit. p. 156. 94 SILVA, Diana de Cássia. Op.cit., p.65. Coleção Casa dos Contos: MF, 095,G.E-4,V.568,f.30.

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dá em 1819 quando recebe valores referentes aos anos de 1817-1818. Quando de sua

morte, em 1821, a Fazenda ainda lhe devia 341$375 rs. Barra Longa, como era

conhecida, foi a freguesia que mais contribuiu com o imposto, 4:683$338 – sendo

75$488 referente à produção de carne e 4:607$850 à produção de aguardente95 –

quantia suficiente para pagar o mestre por todos seus anos de trabalho.

Poderíamos estender falando sobre casos de atrasos e irregularidades no

pagamento, pois me pareceu prática comum a todos os professores. Diana de Cássia

Silva afirma que “os pagamentos dos mestres sempre atrasavam, não importando o

quanto as freguesias haviam manifestado sobre o imposto destinado á instrução” 96.

Portanto os docentes não tinham garantia alguma de seu salário, quando recebiam,

recebiam anos depois do serviço prestado. Esse fato faz com que questionemos os

motivos que levavam um indivíduo a seguir no magistério. É sobre esse assunto que

discorremos no capítulo seguinte.

CAPÍTULO 3: AGENTES DA EDUCAÇÃO: ADMINISTRAÇÃO LOCAL E PROFESSORES

95 Idem, p.52. Dados referentes aos 26 anos estudados pela autora. 96 Idem, p.67.

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Entender a escola como instituição no período setecentista em Minas vai além

de indagar seu projeto, requer que interroguemos seus atores e seus contemporâneos.

Na análise de Dominique Julia a cultura escolar de uma época deve ser entendida como

um conjunto de normas que limitam os conhecimentos e condutas a serem transmitidas,

e um conjunto de práticas que possibilitam essa transmissão e a incorporação dos

comportamentos. “Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o

corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens97”, a saber,

os professores. Educar supõe interlocução entre gerações. Durkheim afirma: “A

educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se

encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na

criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela

sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial que a criança, particularmente,

se destine98”. Aqui não contemplaremos todos os aspectos do corpo profissional

envolvido na transmissão das normas e seguidores das práticas impostas. Mas

tentaremos pincelar alguns aspectos da vida desse grupo. Iniciamos por afirmar que não

se trata de um grupo homogêneo. Não tinham a mesma formação e nem saíram do

mesmo grupo social. Variados eram os propósitos que os levavam até a sala de aula.

Esses indivíduos, porém não atuavam sozinhos no campo educacional, as autoridades

locais tiveram ação fundamental para a estruturação do sistema educativo.

A realidade profissional dos professores no Brasil do século XVIII passa

por dois momentos. A educação no país, desde o início da colonização, esteve a cargo

dos jesuítas, da igreja e dos pais. Com Pombal no ministério as coisas começam a

mudar. Em 1759, por decreto de 28 de junho, os jesuítas são obrigados a deixar todo o

reino de Portugal. O Estado a partir de então precisava dar conta dos inúmeros alunos

que ficaram sem seus professores. Certamente essa não foi uma tarefa simples. Era

desejo da Coroa criar um sistema de ensino público e ter o controle dele em suas mãos.

Os primeiros passos nesse sentido foram tomados em 1759 e complementados em 1772.

Juntas essas reformas são consideradas a primeira tentativa de se criar um sistema de

ensino elementar em toda a Europa

97 JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como objeto histórico. Revista Brasileira de História da Educação, nº1 jan./jun. 2001, p.10.

98 DURKHEIM, E. A educação como processo socializador: função homogeizadora e função diferenciada.IN:PEREIRA, L.;FORACCHI, M.M. Educação e sociedade. 8ªed. São Paulo: Nacional, 1977,p.42.

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Os professores passaram então a formar um grupo de funcionários régios.

Tanto os professores das escolas menores quanto os do ensino superior estavam

subordinados ao Estado, e eram remunerados com as verbas aferidas do recolhimento

do Subsídio Literário. Estavam, portanto no mesmo nível que os demais funcionários, e

além dos deveres, gozavam também de certos privilégios. Entretanto não houve nesse

momento nenhuma menção à constituição de um curso preparatório para a formação dos

docentes. Davam aulas aqueles que possuíam alguma habilidade literária. Grande parte

dos mestres eram eclesiásticos que adquiram capacidade suficiente para ensinar a ler e

escrever. Também encontramos nas salas de aulas homens que aprenderam a ler,

escrever e a fazer contas com algum familiar, com o padre ou com alguma outra pessoa

próxima.

No Brasil a situação era um tanto pior. Eram poucos os que podiam

substituir os jesuítas expulsos. Os que tinham maiores conhecimentos estavam

ocupando cargos mais importantes e mais bem remunerados. Os indivíduos letrados

eram pinçados para atuarem na administração pública. A carreira docente não era uma

das mais atrativas, mas poderia servir como caminho para postos mais altos dentro da

governança.

Diversas foram as designações do pessoal docente. Tradicionalmente se usava

o termo mestre, mas poderia ser também chamado de mestre de ler, escrever e contar

ou mestre de primeiras letras, provavelmente para distingui-lo dos professores de

Gramática Latina, de Grego, de Retórica e de Filosofia. Porém, depois de 1772 a

expressão professor passa a ser usada para se referir a qualquer tipo de docente, vindo

em seguida a sua especificação, sendo equivalente Ler, Escrever e Contar, Primeiras

Letras ou Gramática Portuguesa.

3.1 Os poderes locais e sua atuação na educação

Os professores são parte importante de todo sistema educativo. No Brasil

Colônia o professor é o único elemento “escolar” além do aluno. Não existiam outros

cargos, muito menos uma estrutura escolar. Até aquele momento a maior preocupação

de Portugal tinha sido assegurar a conquista do território, fazer empreendimentos

econômicos, estruturar sua administração e outros. A educação fora absolutamente

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deixada de lado. E para construir uma rede escolar contava com os funcionários da

administração local. Já nos referimos à importância desses poderes nas sociedades de

Antigo Regime, que apesar da centralização forçada pelo pombalismo continuavam

tendo certa relevância. Os corregedores deveriam tratar de quase todas as questões de

ensino a nível local. Inspecionavam os professores, verificavam e validavam as licenças

de ensino. Os provedores tinham importante função no recolhimento do Subsídio

Literário. Os juízes de fora eram os que mais diretamente se relacionavam com a

população. Intervinham em vários aspectos locais, deveriam afixar editais, informar

sobre a abertura de aulas, a assiduidade dos mestres, o funcionamento das aulas, os

lugares vagos, etc99. A eles cabia somente cumprir ordens do órgão gestor da educação,

do Diretor dos Estudos (1759), da Real Mesa Censória (1768), da Real Mesa da

Comissão Geral sobre Exame e Censura dos Livros (1777), ou da Junta da Diretoria

Geral dos Estudos e Escolas do Reino (1794).

A Lei de 1772 estipulou que todos os exames seriam realizados em Lisboa,

Coimbra, Porto e Évora. Os candidatos do Brasil deveriam ser examinados em Lisboa

na sede da Real Mesa. Verificamos alguns pedidos para que os exames fossem

realizados na sede da Comarca, por motivo de doença que impossibilitasse a viagem ou

mesmo devido à grande distância. Em 20 de outubro de 1800 há um pedido do então

Governador de Minas, Bernardo José de Lorena, para que os exames dos candidatos às

cadeiras de Filosofia, de Retórica, de Gramática Latina e de Ler, escrever e contar,

sejam responsabilidade do Bispo Diocesano e feito no seminário. Já para o

preenchimento das cadeiras de Aritmética, Geometria, Trigonometria e da Língua

Grega, os candidatos deveriam indispensavelmente ir à Corte, sugere o Governador100.

Em 1801 os oficiais da Câmara de Paracatu também pedem para que o exame seja feito

perante o General ou o Corregedor da Capitania.

Um edital público deveria anunciar as vagas e abrir concurso para

preenchimento destas. Após exame e a aprovação, o candidato ou opositor receberia a

nomeação de mestre por meio da carta mercê. Dizer que um indivíduo era proprietário

da cadeira era o mesmo que dizer que ele era mestre. O substituto era avaliado da

mesma forma, designado por um tempo menor e nomeado por provisão régia, o que

99 ADÃO, Áurea. Op. Cit., p.121. 100AHU/MG Cx.154, Doc.51.

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supostamente daria a ele prestígio menor que um mestre com carta mercê. O processo

de nomeação de substituto era mais simples, uma vez que não era necessária a abertura

do edital, nem o pagamento das taxas para o recebimento da carta. O interessado

poderia ele próprio se oferecer para ocupar alguma cadeira vaga, ou ser indicado por

algum funcionário local ou pelas câmaras. Por isso foi tão freqüente a nomeação de

substitutos mesmo quando a vaga deveria ser preenchida por um mestre. Áurea Adão

observou que entre 1774 e 1795 o número de mestres de ler, escrever e contar era de

300 e o de substitutos 869 somente em Portugal101.

O ensino particular também era regulamentado através de autorização. Os

professores particulares deveriam ser examinados e a licença limitava sua atuação a uma

área específica, e não era válida para o ensino público. Caso um professor quisesse se

tornar um professor régio deveria pedir nova nomeação. É o que faz Manuel Rodrigues

Cordeiro, professor particular em Vila do Paracatu, que deseja nova nomeação para

estabelecer uma aula pública de Latim na mesma vila102.

O processo para se conseguir uma vaga nem sempre era claro, existindo larga

margem para fraude e favorecimentos. As câmaras municipais tinham uma participação

importante na indicação e escolha dos candidatos a professores. A abertura de aulas, as

cartas mercês e as provisões só poderiam ser feitas pelo poder central. Mas quando um

padre do Tejuco pede para que ele seja examinado a fim de se tornar mestre de

primeiras letras, a Junta dá autorização ao intendente da Extração dos Diamantes, João

Inácio do Amaral Teixeira, “ou a quem seu cargo servir”, para que ele anuncie a vaga,

abra concurso e examine os concorrentes. Isso acontece também com o desembargador

ouvidor-geral de São Luis do Maranhão, com o ouvidor e corregedor de Minas e em

1804 com o corregedor de Jacobina na Bahia, que deveria colocar a cadeira em

concurso, admitir os concorrentes e remeter os autos de exame à Junta, que “o autoriza,

para que prova em substituição intrina (sic) com ordenado competente, o que for

julgado melhor pelos respectivos exames até que a junta resolva o que melhor lhe

parecer” 103. Isso certamente abria espaço para “favores”, permitindo que essas

autoridades agissem de forma alheia ao estipulado pelo poder central, afinal eram eles

próprios que deveriam fiscalizar e comunicar irregularidades.

101 ADÃO, Áurea. Op. Cit., p.283. 102 AHU/MG Cx.160 Doc.10 103 FERNARDES, Rogério. Op.cit. p.110.

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As vicissitudes do processo de nomeação eram várias e o que observamos

nessa pesquisa é que grande parte das cadeiras abertas são preenchidas devido à

indicação da câmara, ou a pedido da população. Junto com o pedido de abertura de aula

já era recomendado o mestre que deveria ser nomeado, quando não era o próprio que

fazia esse pedido. A Coroa precisava dos poderes locais para implantar e fazer funcionar

sua rede escolar. Mas aqueles em alguns momentos excediam as suas atribuições. Com

a administração problemática era simples fraudar, ou mesmo se agindo corretamente,

facilitar o acesso às cadeiras. Fica difícil perceber qual é a real intenção daqueles que

pedem o estabelecimento de aulas, se preocupados com o ensino na sua região, ou se

interessados em arranjar um cargo para algum conhecido, parente, e fazer disso um

instrumento de negociação. Independente da intenção o fato é que eram os desejosos

pelo conhecimento que saíam prejudicados, sejam eles os alunos ou os professores. Na

situação seguinte fica claro como isso acontecia.

Em fevereiro de 1802 dois padres, Francisco José Pereira de Sampaio (prof.

Gramática Latina) e Manuel Joaquim Pereira Coimbra (prof. Primeiras Letras), do

Termo de São João Del Rei, Comarca do Rio das Mortes, solicitam o pagamento do

ordenado desde quando começaram a lecionar. No mesmo mês é solicitado um parecer

do Governador, do Bispo e do Capitão General da Capitania, sobre esse assunto.

Somente em outubro do ano seguinte é que essa determinação chega ao bispo, que

responde em dezembro de 1804 (notemos a lentidão em que corriam os requerimentos).

D. Francisco Cipriano pondera: “antes de lavrar o meu parecer, deverá notar-se que os

mencionados padres foram nomeados para aqueles importantíssimos empregos pelo Juiz

de fora e Câmara da sobredita vila [...] e em virtude daquela nomeação requerem a

V.A.R. satisfação ou pagamento dos seus ordenados como se houvessem obtido carta de

Régios professores. Ora, como não consta, que o Juiz de fora e nem a Câmara da vila

sejam autorizados por ordem especial de V.A.R. para estabelecerem Aulas e Professores

régios, nem V.A.R. deve deferir aos padres suplicantes, nem os padres têm direito

algum para requererem o que requerem” 104. Isso nos mostra a importância da

regulamentação por meio da Carta régia, pois como ainda lembra o Bispo: “aliás, seria a

Real Fazenda responsável a todos os mestres particulares, que têm ensinado, e ensinam

ainda hoje em muitos lugares, onde não podem erigir-se aulas régias?” Esses

104 AHU/MG Cx.173 Doc.63

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professores não aparecem nas listas de Bernardo José de Lorena, nem na dos atuantes e

nem na dos que têm a receber. Num primeiro momento parece justo o parecer do bispo,

eles poderiam ser professores particulares que tentavam ludibriar a Real Fazenda e

receber também como professores régios. Mas outros dados contribuem para deixar a

situação confusa. Em 1790 temos um documento em que o pe. Sampaio diz ter uma

provisão recebida da Real Mesa da Comissão Geral, permitindo que ele lecionasse em

qualquer parte do Reino, e que por ordem do corregedor ocupou a cadeira de língua

latina devido ao falecimento do proprietário. Mais tarde em 1794 encontramos uma

carta do Corregedor da Comarca, Luiz Antonio Bernardes de Carvalho, em resposta à

D. Maria informando das conveniências de nomear Sampaio como prof. de Gramática

Latina em Campanha do Rio Verde, concluí: “sem dúvida pode merecer a atenção de

Vossa Majestade para semelhante fim o da Campanha do Rio Verde”. É bastante

provável que o pe. Sampaio tenha realmente se tornado professor, ou que no mínimo

tinha esse desejo. O que de certa forma elimina a hipótese de ele ser apenas aventureiro

tentando embolsar algum dinheiro. Contudo o que mais confirma isso é que ele aparece,

juntamente com seu colega o pe. Manuel Joaquim P. Coimbra, na lista de cadeiras

existentes na Capitania feita pela Junta da Fazenda de Vila Rica entre 1800 e 1814105.

São listados nas cadeiras de Gramática Latina e Primeira Letras, respectivamente, em

Campanha da Princesa, assim como haviam informado no documento supracitado. Tal

situação comprova a atuação autônoma dos magistrados. Num momento é o corregedor

quem dá autorização para ocupar uma cadeira vaga, num outro o juiz de fora e a Câmara

para estabelecer aula. Revela ainda o descontrole absoluto das autoridades em relação às

escolas régias, não sabiam quais cadeiras realmente existiam, nem quem as ocupava.

A Câmara de Vila Rica também autoriza a Antônio José Coelho Fortes a

abertura de aula de Gramática Latina e de Ler e Escrever em São Bento do Tamanduá.

Segundo este documento ele pretende substituir o pe. Dionísio Francisco França que

está ausente. Ao que tudo indica o suplicante não conseguiu a aprovação e ratificação da

licença concedida pela câmara. Como no caso anterior, e em muitos outros, antes do

despacho final se faz uma consulta a alguma autoridade local. A que temos é de

Bernardo José de Lorena, e provavelmente seu parecer foi levado em consideração. Ele

diz sobre o suplicante: “veio voluntariamente assentar praça na Companhia de Infantaria

105 RAPM, VII, p.989.

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de Caçadores, e sendo preso indiciado por furto do dinheiro da Real Fazenda, e acha-se

finalmente pronunciado na devassa, e por conseqüência com baixa e entregue à justiça”.

Essa situação não habilitaria Coelho Fortes ao cargo de professor. O governador

conclui: “não sei como que autoridade a referia câmara deu semelhante despacho, eu a

repreenderia, se este não estivesse afecto a sua majestade” 106. Como podemos ver a

câmara havia designado como professor uma pessoa com problemas com a justiça, um

ladrão. Isso comprova que essas autoridades poderiam dar preferência na ocupação dos

cargos a pessoas sem capacidade para tal, ou mesmo com evidente empecilho para

ocupar um cargo no magistério.

Rogério Fernandes fala que as câmaras permitiam o exercício da docência

pública com a particular, o que era proibido107. Cabia ao escrivão da câmara passar uma

certidão informando a data em que cada professor iniciou suas atividades, como base

nisso é que se efetuariam os pagamentos. Como não havia inspeção essas datas

poderiam ser alteradas, assim como as aulas que poderiam funcionar ou não, pois o fato

de se conceder licença de professor a um indivíduo não significava que ele estabeleceria

aula. Portanto, mediante a falta de controle central, um professor poderia estar

autorizado a dar aula, e seu nome constar nas listas em Lisboa (onde deveriam receber),

e não ter lecionado um só dia. Com a certidão feita pelo escrivão ele teria o direito de

receber.

Apesar das irregularidades cometidas por essas autoridades, foram elas também

que cumpriram o papel de mediadores entre as populações e o poder central para que

aulas fossem estabelecidas. Conforme vimos nos pedidos das câmaras de São João Del

Rei, de vila do Pitangui, de Vila Nova da Rainha e de Sabará, mostrados no capítulo 1.

As câmaras também eram responsáveis pelo sustento de órfãos e expostos, sem

posses ou nascidos em situações especiais, como filhos de religiosos e filhos ilegítimos,

caso não existisse instituições de assistência para recebê-los. Famílias que cuidavam de

crianças nessa situação recebiam também das câmaras um auxilio financeiro para o

sustento daquelas.

3.2 Os professores e as demais ocupações

106 AHU/MG, Cx. 148, Doc. 34. 107FERNARDES, Rogério. Os Caminhos da ABC. Sociedade Portuguesa e Ensino de Primeiras Letras.

Porto Editora, 1994, p.72.

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A vida de um professor do século XVIII não era nada fácil. Cabia a ele o

aluguel das casas ou salas onde funcionavam as aulas. Nessa época alugar casas nas

cidades era comum. Saint Hilaire, passando por Vila do Príncipe, observa que uma boa

casa era alugada por 2$000 réis ao mês. O Seminário de Nossa Senhora da Boa Morte

em Mariana tinha sete casas alugadas cujos valores eram: uma casa por $575 rs, alugada

para um alforriado, duas casas por 2$400 rs. cada uma, três casas 1$200 rs., e uma outra

por 4$000108. É bastante provável que a primeira casa não pudesse servir como casa de

aula, mas se as demais fossem alugadas o professor teria que dispor anualmente de

14$000, 28$000, 48$000, respectivamente. Quantia nada desprezível tendo em conta o

valor do salário de um mestre de primeiras letras, 150$000rs. por exemplo. Um dos

direitos dos professores era o da “aposentadoria passiva”, tratava-se da impossibilidade

de ser despejado da sua casa de forma arbitrária. A “aposentadoria ativa” só era

concedida aos professores das escolas maiores, consistia no direito de requerer um

edifício (de propriedade do Estado) para sua habitação e a instalação da escola. Na

tentativa de fugir desses aluguéis alguns optavam por usar suas próprias casas,

reservando um cômodo, ou usavam alguma área cedida pela igreja. No caso das missões

indígenas, os mestres-padres quando podiam solicitavam a construção de um espaço

específico para os ensinamentos. O padre Manuel de Jesus Maria solicita que seja

construída uma casa para o mestre Pedro da Mota. Além de servir de sala de aula,

alguns alunos também morariam nessa casa, isso com o intuito de obter melhor

rendimento deles.

Não havia a preocupação do Estado com espaços específicos para as aulas,

nem com as condições materiais das classes. O mobiliário era improvisado para alocar

os jovens. Os inventários podem nos dar uma noção da realidade material dos mestres.

Nos inventários de professores do século XVIII Diana de Cássia não encontrou

qualquer bem relacionado às aulas ou à educação. Mas nos inventários, dos anos iniciais

dos oitocentos, de dois mestres, João Maria Martins e Cândido Joaquim da Rocha, são

notados móveis característicos de um ambiente escolar.

108 MAGALHÃES, Sônia Maria. A Mesa de Mariana: Produção e consumo de alimentos em Minas Gerais (1750-1850). Dissertação de Mestrado, Unesp, Franca, 1998. Apud: SILVA, Diana de Cássia. Op.cit.70.

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TABELA 4 – MÓVEIS EM INVETÁRIOS DE PROFESSORES

Nome Qta. Tipo de Móvel Valor em Réis

João Maria Martins

6 Cadeiras de palhinha velhas 18$000

6 Cadeiras de campanha com assento de chita 18$000 6 Bancos, um de encosto e cinco [] 6$000 4 Tamboretes cobertos de couro $800 1 Banco pequeno de carpinteiro velho $320 1 Mesa de madeira branca com gavetas 4$800 1 Mesa pequena com gaveta 3$000 1 Mesa pequena com pé quebrado 2$400 2 Mesas pequenas irmãs brancas e pés de jacarandá 8$000 1 Mesa pequena com gavetas e chave 1$280 Total 43$640

Mestre Qta. Tipo de móvel Valor em réis

Cândido Joaquim da Rocha

12 Cadeiras de palhinhas 36$000

2 Bancos de encosto 3$000 11 Tamboretes cobertos de couro 2$640 2 Mesas pequenas 11$000 1 Mesa lisa com duas gavetas 2$500 1 Mesa pequena ordinária 1$000 1 Mesa grande com duas gavetas 3$000 1 Mesa pequena com duas gavetas 3$000 1 Mesa redonda usada com gaveta 1$500 1 Mesa velha de cozinha $300 Total 64$440

AHCS Códice 45, Auto 1011- 2º ofício; Códice 52, Auto 1161- 1º ofício.

Eram os mestres que deveriam cuidar para que os móveis fossem suficientes

para que a aula ocorresse. Deveriam comprar e fazer a manutenção, apesar da despesa

não ser mensal é um gasto a ser levado em conta. Certamente houve situações em que as

aulas aconteciam em ambientes não apropriados e improvisados. Todos os demais

materiais, como papéis, penas, lápis, tintas, etc., também deveriam ser providenciados

pelo professor.

Um mestre português relata que apesar de ser o Estudo menor (primeiras

letras), o trabalho era igualmente grande e que precisava da maior paciência para lidar

com os meninos. Além de “um moço para o servir, de uma casa capaz de ensinar a turba

juvenil, com cadeira alta, e assentos, mesa, papel, tinteiro, tinta, penas, e instrumento

vapulante”. Roupas para vestir ao mestre e ao moço ajudante, utensílios de cozinha,

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toalha, louças, “e à vista de tanta despesa precisa, é impossível que possa qualquer

Mestre ocupar cadeira, ainda de Escola, sem que se lhe pague seu ordenado” 109. De

acordo com esse mestre-padre, José Cardoso de Matos, somente com a alimentação ele

gastaria anualmente 50$520rs.

Em Minas os produtos consumidos eram milho, mandioca, suas farinhas, arroz,

feijão, rapadura, açúcar, aguardente, carnes (de boi, porco e frango), toucinho, peixes,

azeite para a iluminação, algodão e seus tecidos rústicos, um pouco de laticínios. Nas

primeiras décadas da centúria, com a grande ocupação das minas e as poucas roças, a

oferta de alimentos não era tão variada e o preço elevado. Com o assentamento da

população, em meados do século, os preços tiveram certa estabilidade.

Como vimos no capítulo anterior os professores ficavam anos sem receber.

Como então podiam sobreviver e continuar lecionando? Quais estratégias usavam para

driblar esses problemas? E então por que optavam por essa profissão?

De fato muitos optavam por abandonar a sala de aula, mas outros tantos

acumulavam ocupações. A atividade predominante era a religiosa. Havia um grande

número de eclesiásticos que também eram professores. Por já terem estudado durante a

formação religiosa, eram credenciados para o cargo de educadores. Alguns padres já

davam aulas em suas paróquias, mesmo sem autorização e sem salário. Com a mudança

na legislação foram mais facilmente contemplados com a propriedade da cadeira e com

o direito de receber pelas aulas. Esse fato na realidade não traz mudanças: apesar de

serem agora funcionários régios, continuavam o múnus sacerdotal.

Algumas atividades na administração também eram exercidas, como escrivão

da câmara, vereador, tabelião, tesoureiro. Outros eram cirurgiões, boticários, bacharéis,

etc110. A carreira militar podia também cooptar nossos mestres. Os postos das

Ordenanças, por exemplo, só eram ocupados por homens com competência para

mandar, escolhidos entre as “pessoas principais” e que almejavam títulos e honras.

109 ADÃO, Áurea. Op. Cit., p.436. 110Fernandes afirma que existiam proibições de outras profissões que pudessem atrapalhar as aulas. Um

mestre de Primeiras Letras que também era cura é intimado a demitir-se de um dos empregos. Outro tesoureiro e um escrivão também deveriam escolher qual das duas profissões seguiriam. FERNARDES, Rogério. Os Caminhos da ABC. Sociedade Portuguesa e Ensino de Primeiras Letras. Porto Editora, 1994, p.272.

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A política de Pombal, seguida de perto por D. Rodrigo de Souza Coutinho,

tinha a colônia americana como “base da grandeza” da monarquia, a conservação dessa

relação era, portanto, indispensável111. Deviam ser seguidos “princípios luminosos de

administração”, para que se potencializassem as culturas e o comércio, fazendo a

colônia prosperar em rendas reais. Para tornar esse projeto ilustrado possível era

necessário que administração local fosse suficientemente bem informada. D. Rodrigo se

esforça para difundir uma literatura técnico-científica, que tratava de uma enorme

variedade de temas, entre eles desenvolvimento da agricultura e das manufaturas

agrícolas, ou da mineração, da flora medicinal, entre outras. Os funcionários coloniais

tinham que contribuir com essa política, que “acreditava na propagação das luzes e na

racionalidade, no aproveitamento das riquezas naturais” 112. Era cada vez mais

importante que o corpo de funcionários do estado pudesse ler e não só, que pudessem

ser entusiastas das luzes, que acreditassem na razão, no valor da informação, na

importância da observação e da experiência. Alguns professores se encaixam nesse

perfil. Diante da carência de pessoas capacitadas para exercer certos cargos, os

professores se destacavam e seguiam ou pretendiam seguir carreira na magistratura.

Se não era do magistério que viviam financeiramente, então porque escolhiam

essa profissão?

Os religiosos que lidavam com índios ensinavam o português para que estes

pudessem ser catequizados. Com outras crianças a educação também podia ter essa

função, a de prepará-los para a devoção. Sendo assim, alguns desses professores optam

por se tornar educadores mais pelo amor à Igreja, à pregação do Evangelho do que pela

instrução em si. A alfabetização era um meio de melhorar a qualidade dos fiéis. João

Pedro de Almeida foi um desses mestres de índios que atuou em Suaçuí Pequeno. Em

uma petição ele diz: “que tendo-se aplicado a ensinar a doutrina cristã aos índios do

Suaçui Pequeno no sertão do Rio Doce, Capitania de Minas Gerais, passou a ensinar a

ler e escrever alguns meninos daquela aldeia, para que instruídos nestes primeiros

rudimentos chegassem facilmente a conhecer o fim para que Deus os criara. Neste

louvável exercício se ocupou perto de quatro anos com tanto adiantamento dos índios,

que causava admiração a ternura, com que contavam o Terço e a Ladainha de Nossa

111SILVA, Maria Beatriz Nizza da. A cultura Luso-Brasileira. Da reforma da Universidade à independência do Brasil. Editorial Estampa, Lda. Lisboa, 1999, p.184.

112 Idem, p.191.

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Senhora”. Segundo ele naquela localidade muitos eram cristãos e quase todos gentios.

Os cristãos não possuíam atividade espiritual, não ouviam missa, não se confessavam, e

não tinham quem administrasse salvamento na hora da morte. Dessa forma, “sendo

cristãos, vivem gentios, e morrem sem conhecer a Deus pela falta de instrução”. Para

continuar nesse louvável emprego pede ordenado como professor “e como aos mestres

de Gramática se estabeleceram ordenados pelo Subsídio Literário, que se pratique o

mesmo com o suplicante para ensino dos Índios”. Ele pretende ainda se ordenar padre, e

pede a construção de uma capela para que resida entre os indígenas e continue o projeto,

com isso, “se dilataria entre eles a fé: e com o seu exemplo fariam o mesmo os índios

das aldeias vizinhas: extinguir-se-ia o gentilismo: cresceria a Agricultura, e o número de

vassalos: a introdução do comércio: os interesses da Fazenda Real, e dos Povos: e

finalmente resgataria V.M. das garras do Inferno aquelas almas para Deus, sem que se

duvide do efeito; sendo de Deus a causa” 113. Toda essa interessante argumentação

parece ter tido efeito. Localizamos João Pedro de Almeida em 1794 como padre e

professor de português em Santo Antonio do Bom Sucesso Descoberto do Peçanha e

Índios, lugar que ocuparia pelo menos até 1800.

Os indivíduos que tiveram um contato mais profundo com as Luzes

acreditavam na educação como meio capaz de mudar a realidade. Estavam interessados

em educar a juventude para melhorar o modo como viviam, para progredir e transformar

a pátria. Esses intelectuais apaixonados pelas letras passavam pela sala de aula, mas

nem sempre permaneciam como professores. Como foi o caso de José Elói Otoni e

Antônio Gonçalves Gomide. Outros, ao contrário, se aposentavam como professores, tal

como Manuel Joaquim Ribeiro. Sobre eles discorreremos mais adiante.

Não podemos esquecer que nessa sociedade havia ausência de moedas, assim

como nas demais sociedades da América. As trocas comerciais cotidianas, todo o

mercado e a prestação de serviços, como as próprias aulas, se respaldaram nas relações

pessoais, a confiança na palavra era a base dessas relações. Os valores cristãos, os

costumes, e a honra pessoal possibilitaram o desenvolvimento da economia. O crédito

foi parte da formação estrutural de nossa sociedade. Mesmo em trocas transatlânticas o

que se viu foram acordos baseados na palavra, oral ou escrita. Em uma sociedade

regulada pela legislação eclesiástica, o juramento em falso poderia significar a danação

113 AHU/MG, Cx.112, Doc.67.

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eterna da alma. Quando a alma era empenhada o devedor jurava o pagamento futuro de

sua dívida, dessa forma: “a religiosidade católica, que desviava vultuosos recursos para

o ‘entesouramento’nos templos, facultava aos mineiros um meio circulante que garantia

o funcionamento do sistema econômico local”114. O crédito dependia da confiança que

depositavam no indivíduo, portanto no prestígio que se tinha perante a sociedade.

Assim os professores que quase nada recebiam podiam sobreviver e ainda atuar

economicamente, como consumidores e prestadores de serviço quando professores

particulares. Torna-se fundamental a construção e manutenção de esferas de poder, de

prestígio e reconhecimento, para que se garanta a sobrevivência. Era necessário a cada

um dos indivíduos dessa sociedade usar estratégias que assegurassem o crédito e que

permitissem outras formas de enriquecimento, ou mesmo de melhor colocação social. A

busca pela instrução é uma dessas estratégias.

3.3 A valorização da educação

Com a ausência de estabelecimentos escolares, aqueles que tinham condições

financeiras pagavam professores particulares para seus filhos, e posteriormente os

enviavam para estudar em Coimbra. Certamente estudar era mais fácil para aquele que

tinha posses. Entretanto isso não significa que os mais pobres não tinham interesse pelas

letras. Só que educação para meninos pobres muitas vezes se limitou à difusão da

doutrina católica e à formação profissional. Essas crianças eram enviadas para mestres

de ofícios. As meninas tinham mestras de costura, aprendiam a costurar a bordar e ainda

“a viver honestamente” 115. Os meninos poderiam aprender o ofício de alfaiate ou de

músico. Mas sabemos que muitas famílias pobres buscavam alternativas para educar

seus filhos. Percebemos isso nos pedidos de pais pobres para que as crianças pudessem

ser aceitas no Seminário do Vínculo do Jaguara, como no seguinte:

114ESPÌRITO SANTO, Cláudia Coimbra do . Economia, religião e costume no cotidiano das Minas:Práticas creditícias na Vila Rica setecentista. In: XIII Seminário sobre a Economia Mineira, 2008, Diamantina - MG. Anais do XIII Seminário sobre a Economia Mineira, 2008.

115FONSECA, T. N. L. E. . Instrução e assistência na Capitania de Minas Gerais, das ações das Câmaras

às escolas para meninos pobres (1750-1814). In: 30a Reunião Anual a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, 2007, Caxambu. Anped: 30 anos de pesquisa e compromisso social. Anais. Rio de Janeiro : ANPED, 2007. v. 1, p.9.

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Dizem Manoel Pinto da Cunha e Raimundo Pinto da Cunha, filhos legítimos de José Pinto da Cunha, e sua mulher Bárbara da Conceição, já falecida, naturais, batizados na Freguesia de Santo Antonio do Curvelo, e presentemente assistentes na mesma Freguesia, que eles suplicantes acham-se com idade suficiente para poderem aplicarem-se aos estudos das primeiras letras, mas não é possível poderem conseguir este tão grande beneficio pela nímia pobreza de seu Pai, que suposto ser de tão grande distancia, poderá haver quem conheça o miserável estado em que vivem, e porque tiveram a noticia de que esta Conspícua Junta ia quanto antes cumprir com as Pias fundações determinadas por Sua Majestade em beneficio da pobreza, segundo a mente do Instituidor deste Vinculo. Os suplicantes humildemente recorrem a Vossas Mercês para que se dignem admiti-los ao dito seminário das primeiras letras, para darem ultimo fim aos seus ardentes desejos, mandando proceder as suas matriculas. 116

Os educadores deveriam se portar de maneira exemplar. Segundo a Mesa

Censória, eles deveriam possuir “proporção e capacidade”, em quesitos intelectuais,

mas também em relação aos “costumes são para não perverterem com maus exemplos

aqueles que têm de aperfeiçoar” 117. Deveriam levar um vida regrada e cristã, sendo

sábios, virtuosos e honrados. Thais Nívia Fonseca, estudando os discursos políticos

sobre práticas educativas no século XVIII, lembra que o Marquês de Lavradio,

preocupado com a falta de civilidade nas Minas, sugeria a educação com forma de

controlar os povos. O excesso de instrução letrada poderia ser perigoso, haveria de se ter

cuidado “que para ali se não vão estabelecer letrados, rábulas ou outras pessoas de

espíritos inquietos, porque, como aqueles povos tiveram uma má criação, aparecendo lá

um espírito inquieto, que, falando-lhes uma linguagem que seja a eles mais agradável,

convidando-os para alguma insolência, eles prontamente se esquecem do que devem, e

seguem as bandeiras daquele” 118. Para o Marquês melhor seriam os bons exemplos,

principalmente das autoridades civis e militares. O exemplo e a convivência são

poderosos instrumentos de educação e de civilização no discurso das autoridades119.

Em 1807, ao falar sobre a problemática situação das populações indígenas em Minas,

116 Idem p.11. 117 Consulta feita pela Mesa Censória em 3 de outubro de 1771. 118 Relatório do Marquês do Lavradio, Vice-Rei do Rio de Janeiro, de 17 de junho de 1779. Revista do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo IV, 1842. p. 423. 119 FONSECA, T. N. L. E. . Discurso político e práticas educativas no Brasil do século XVIII. In: VI

Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, 2006, Uberlândia. VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação: percursos e desafios da pesquisa e do ensino em História da Educação. Uberlândia : Universidade Federal de Uberlândia, 2006. v. 1. p.3709.

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Diogo Pereira Ribeiro Vasconcelos diz: “não se persuadem homens bárbaros a demitir

seus costumes por utensílios de ferro e miçangas, por bagatelas; nem aldeamentos,

chegados aos matos e dirigidos por homens sem luzes, órfãos de humanidade, e, por

mestres ignorantes” 120. Ainda assim eram os ofícios mecânicos a opção mais sugerida

para educar os jovens. A educação para o trabalho, ocupando a população retirava-os da

ociosidade e evitava os problemas que esse tempo livre poderia trazer, além de dar a

eles meios para se manterem financeiramente na vida adulta.

Não eram somente os ofícios mecânicos que garantiriam o sustento de muitos

meninos. A complexa estrutura administrativa, com significativo número de

funcionários civis e militares, abria possibilidade para vários grupos. A habilidade com

as letras permitia o ingresso em cargos administrativos, em funções de destaque na

organização de associações leigas ou a sobrevivência como escreventes particulares121.

Portanto o letramento significava uma real possibilidade de ascensão social, ainda que

pequena. Para aqueles com mais posses tal afirmação também é verdadeira. Os mais

hábeis com as letras poderiam ocupar importantes cargos administrativos.

3.4 A sala de aula enquanto estratégia

Quando os professores se tornaram funcionários públicos, com direitos

estabelecidos, essa profissão passou a ser muito mais atraente do ponto de vista

financeiro. É indiscutível que em meio à absoluta maioria de analfabetos, aquele que

sabe ler e escrever se destaca. Era natural que a profissão de educador, em si mesma,

envolvesse algum prestígio. Ser letrado, evidentemente já conferia destaque. Isso

associado a um cargo público melhorava ainda mais a imagem e as possibilidades de

crescimento dessa pessoa. Legalmente gozavam de certos privilégios. A carta mercê

garantia ao mestre “as Honras, Privilégios, Liberdades e Isenções”. Os professores de

Gramática Latina, Grego, Retórica desde 1759 tinham os privilégios de que gozava a

nobreza, “a homenagem, isto é, a dispensa de ir a Juízo por força ou vontade, a isenção

de todas as funções e encargos públicos, a possibilidade de fazer procuração pelo

próprio punho, a desobrigação de receber na sua casa soldados aboletados e de dar

120VASCONCELOS, Diogo Pereira Ribeiro de. Breve descrição geográfica, física e política da Capitania de Minas Gerais. Estudo crítico de Carla Maria Junho Anastasia. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1994. p. 156-157.

121 Idem. p.13. Conf. RAMA, Angel. A cidade das letras. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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hospedagem aos magistrados, a possibilidade de castigar judicialmente todo aquele que

lhe fizesse injúria, e, finalmente, o pagamento com pontualidade dos ordenados” 122. A

Real Mesa Censória torna esses privilégios extensivos aos mestres régios.

Mais difícil de observar foram os privilégios locais, que poderiam ou não

resultar em rendimentos, mas certamente em muitas facilidades. Enquanto funcionários

do Estado, não gozavam de nenhuma segurança profissional e dificilmente fariam

carreira permanecendo na sua localidade. Financeiramente não era uma profissão muito

vantajosa, mas poderia servir de degrau para outras mais rentáveis, e para a obtenção de

benefícios e certo status. Portanto o cargo de professor trazia consigo privilégios,

prestígio, destaque na sociedade e a possibilidade de fortalecimento político e financeiro

para aqueles que o ocupassem. A partir da documentação analisada podemos perceber

estratégias e caminhos escolhidos por alguns indivíduos para se estabelecerem diante da

sociedade e disso aferir lucros financeiros ou mesmo reconhecimento.

Para entender tais estratégias devemos lembrar que a concessão de mercês e de

benefícios reais tinha mão dupla, ao mesmo tempo que produzia súditos pela

constituição de laços de lealdade entre estes e o Rei, permitia a geração e reprodução de

uma elite local com interesses próprios. Ser considerado um nobre era uma

possibilidade real para muitos homens humildes. O estado privilegiado, ou a nobreza

civil e política, era acessível por meio da prestação de serviços. Pombal procura alterar

um pouco essa situação, controlando a concessão de mercês e reforçando que tal ação

era ato gratuito do Rei, tentado quebrar a noção de que os súditos teriam feito algo para

receber tal privilégio.

*

Antônio Gonçalves Gomide é um professor que se destaca em Minas. Sabe-se

que era professor em 1793 quando assina uma carta “professor de Gramática nesta

Vila”. A localidade em questão é Vila Nova da Rainha de Caeté, da Comarca do Rio das

Velhas. As representações que faz são mostras de como era a relação entre a sociedade e

a Coroa, são provas explícitas da existência de uma economia política de favores.

Seguiremos na análise dos documentos por data. A primeira representação é de 1801,

quando Gomide é Segundo Vereador da Câmara de sua vila. Em um texto com rasgados

122 ADÃO, Áurea. Op. Cit., p.308.

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elogios e engrandecimento do Príncipe, oferece como donativo anual a metade das

rendas da câmara. E para não prejudicar o povo do termo ele se prontifica a fazer um

plano econômico, diminuindo e cortando despesas. Para autorizar esta resolução

convocará a nobreza, pessoas da governança e do povo do termo, e fará tudo

consultando as autoridades, ouvidores, provedores e corregedores. Faz tudo isso com o

respaldo de toda a Câmara. Diz o Presidente e os demais Oficiais:

Atestamos debaixo de juramento de nossos cargos, que o desempenho de todos os atos com que festejamos o feliz nascimento do Senhor Infante D. Miguel, que Deus o guarde, foi plenamente devido às diligências, atividades, zelo e generosidade do Capitão Antônio Gonçalves Gomide, um dos nossos juízes ordinários no presente ano, acrescendo mais este aos grandes serviços que tem feito á S.A.R.. Por isso mandamos passar a presente, por nós assinada e selada com o Selo, que neste senado serve123.

Em 1802, este professor se torna Capitão da Companhia de Ordenança do

distrito de Cuiabá, e lidera sessenta soldados. Era ainda pouco para Gomide. Ele pede o

Hábito da Ordem de Santiago da Espada (1802), o Hábito da Ordem de Cristo e a

serventia vitalícia no ofício de segundo tabelião (1806). Não era qualquer indivíduo

que receberia essas mercês. Era necessária uma justificativa para tantas benesses e ele

precisava provar ser merecedor. Além de professor de Gramática latina era médico,

formado em Edimburgo, na Escócia. E é por seu serviço como médico que pede o

primeiro Hábito. O parecer do Conselho Ultramarino não é favorável, pois ele não tem

os anos de serviços, nem o serviço que exercia (médico) o habilitava para esta mercê.

Para então conseguir o que queria precisava provar todas as suas qualidades,

atitudes e cargos. Pede uma justificação do Juiz desembargador Gregório de Morais

Navarro, era um atestado que confirmava quinze itens a respeito da vida de Gomide.

Eram eles:

- que era Capitão de Ordenanças

- que era cidadão de sua vila, tendo servido como almotacel, vereador e juiz ordinário.

- que no ano 1801, servindo como vereador, instituiu na Comarca a Festa dos Anos de

S. A.R., que não era comemorado antes.

- que em 1802 ele lembrou e dirigiu a Festa que a Câmara fez.

123 AHU, Cx.157, Doc.20.

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- que foi sempre diretor dos oficiais da Câmara, acompanhando-os nos atos, acordos,

tendendo aos interesses e serviços de S.A.R., particularmente nas ocasiões de Festas

Reais, na imposição do Subsídio Voluntário, e no estabelecimento do Papel Selado.

- que foi eleito pelo seu Capitão-mor para ir às Matas dos rios [ ] e Santo Antônio

pacificar, arrojar gentios ali aldeados, viagem que fez com gravíssimo incomodo, com

riscos à sua pessoas e a sua custa.

- que na mesma ocasião foi incumbido da arrecadação do Real Subsídio Voluntário

que se devia nas áreas onde foi. Tendo conduzido o que estava com os tesoureiros e

ainda mais arrecadou, cobrou e conduziu outras parcelas que não entrariam no Erário.

- que ele educou um gentio Botocudo do qual é padrinho, e do qual apesar de ser de

uma nação antropófaga e a mais bárbara do Brasil, tem sido um bom vassalo.

- que nas Festas Reais, tanto na sua vila, como fora, tem feito presente ao público

muitas composições em prosa e verso, cujo fim tem sido provar e persuadir a

Fidelidade, Amor e Reconhecimento devido à Casa Reinante.

- é filho legítimo de Tomaz Gonçalves Gomide e de Josefina Joaquina de Jesus.

- é legítimo descendente de Gonçalo Lourenço Gomide, que no reinado de D. João III

serviu de escrivão.

- é bisneto do Guarda mor Feliciano Cardoso de Camargo que enquanto viveu se

ocupou de descobrir e povoar novas terras, nesta capitania e na de Goiás, até que nesse

exercício foi devorado pelo gentio cayapó com todos os seus escravos.

- que é por parte materna, neto de Silvestre Corrêa Guimarães, que aprendeu na

Alemanha e na Hungria princípios de Mineralogia, e foi quem ensinou na Capitania a

trabalhar metodicamente nas minas de ouro, no que cooperou diretamente para a

grandeza e a riqueza da Monarquia.

- é ainda neto de Mariana da Rocha da Capitania de São Paulo, e ali descendente da

família dos Adornos (?), Serqueiros e Buenos .

- que ele, o justificante, é real e identicamente o mesmo a quem competem os

predicados deduzidos nos artigos da presente justificação e expressados nos

documentos que envia junto 124.

Ele recebe o atestado do Juiz desembargador, que confirma todas as

afirmações acima. Os pedidos para o Hábito de Cristo e a serventia vitalícia no cargo de

124 AHU/MG Cx.166, Doc.6.

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segundo tabelião são feitos em 1806. No mesmo ano há um decreto de D.João VI

fazendo a mercê requerida por Antônio Gonçalves Gomide125. Teremos notícias dele

quando Constituinte de 1823 e Senador do Império. Contudo se fez mais conhecido

devido ao caso da Irmã Germana126. Gomide abandonou a cadeira de gramática, sem

receber nenhum ordenado, ainda em 1789.

Se nos atentarmos ao conteúdo da argumentação de Gomide

perceberemos que ao longo de sua vida ele utiliza recursos para maximizar ganhos,

sobreviver e adaptar-se ao mundo colonial. Mesmo não recebendo todas as benesses que

suplica, ele consegue significativo destaque e reconhecimento, e com isso garantir uma

situação financeira confortável.

Nome freqüente nos textos que versam sobre a educação em Minas,

Manuel Joaquim Ribeiro é citado por José Ferreira Carrato como “mestre ilustre” e pelo

biógrafo Sission como “exímio latinista, orador e poeta.” 127 Vindo de Portugal, se torna

professor do Seminário de Mariana, e permanece longos anos como mestre de filosofia

a principio na cidade de Mariana e posteriormente em Vila Rica. Aparece num caso que

já citamos no capítulo 1 e que serve de exemplo da administração confusa que tentava

organizar o sistema educativo, e ainda de como o prestígio e o renome poderiam

interferir. Relembrando, Francisco Manuel de Melo Souza e Alvim pede sua nomeação

para a cadeira de Filosofia de Mariana, pois ele estava à frente dessa cadeira até a data

em que obteve licença para estudar Medicina em Coimbra. Quando retorna de Portugal

encontra o Pe. Manuel J. Ribeiro provido no cargo. Souza e Alvim questiona os meios

pelos quais o padre teria conseguido a provisão e pede que seja revista essa decisão. O

suplicante tem a favor dele um parecer do Conselho Ultramarino “dignando-se V. M.

resolver que no concurso dos dois provimentos prefira do suplicante até pelo direito de

naturalidade, e pela prerrogativa da arte, que ali vai a exercitar em comum benefício dos

povos moradores daquele país, depois de ser também graduado pela Universidade na

faculdade de Filosofia que é outro título da sua regular preferência” 128. Apesar de toda

essa habilitação no fim da querela Ribeiro é quem fica com a vaga.

Esse episódio se dá em 1796. Sabemos que Ribeiro permaneceria como

professor até 1818, ano em que pede e recebe do então governador D. Manuel Portugal

125 AHU/MG Cx.179, Doc.27. 126 Anexo 6. 127 CARRATO, José Ferreira. Igreja, Iluminismo e Escolas mineiras coloniais. Companhia Editora de

nacional, Editora da Universidade de São Paulo. Brasiliana Volume 334,p.170. 128 AHU, Cx.142, Doc.10.

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e Castro sua jubilação. São longos anos dedicados ao ensino de filosofia. Temos notícia

dele em alguns momentos. Não podemos precisar as datas, mas sabemos que em ano

anterior a 1807 ele se dirige a D. João pedindo licença para ir ao reino se tratar de uma

enfermidade. Mais tarde solicita a metade do ordenado quando estivesse fora de seu

cargo (a outra metade serviria para pagar o substituto), e mais um ano para terminar o

tratamento. Em 1800 aparece na lista de professores a quem o estado devia, eram três

anos sem receber por seus serviços. É de se notar que este professor só reclama seus

ordenados quando doente, nos outros documentos faz pedidos diferentes, mesmo tendo

que receber uma quantia considerável. Pede [13 de janeiro de 1806] a mercê do ofício

de Capitão do Regimento de Cavalaria de Vila Rica e a mudança de sua aula para a

mesma cidade. Três meses depois recebe parecer favorável. Interessante aqui é destacar

a argumentação usada. Transcrevo:

Diz Manuel Joaquim Ribeiro presbítero secular, por V.A.R., professor de Filosofia na cidade de Mariana de Minas Gerias, que ele suplicante tem exercido há nove anos o seu ministério dando as provas mais eficazes de quanto se interessava no aproveitamento da Mocidade, e tem nesse mesmo tempo praticado a Oratória Evangélica sendo respeitado pelo melhor pregador daquela capitania e como tal chamado para pregar desde a tarde para o outro dia pela manhã dos felizes anos da Nossa Altíssima Senhora; fez mais o suplicante entrar na Tesouraria de Vila Rica 550:000 reis de donativos... 129

A última referencia a ele é logo em seguida, em abril de 1806. Com uma carta

escrita exatamente igual à anterior, pede para que mude seu emprego de professor para a

vaga de vigário em São João Del Rei, já que o anterior havia falecido. O único despacho

que consta no documento é “não há o que deferir”. Porém, ele pede sua jubilação

morando na cidade de Vila Rica, o que nos faz supor que não recebe a mercê que

suplica.

O Pe. Manuel Joaquim Ribeiro não era um professor régio comum. Desde sua

chegada de Portugal vai construindo uma carreira. Padre, professor do Seminário,

professor em Mariana e em Vila Rica e Capitão do Regimento de Cavalaria. Com isso

também ganha reputação e prestígio. Prova disso é que seu nome é lembrado na

Representação da Câmara da cidade de Mariana. Documento datado de novembro de

129 AHU, Cx.179, Doc.14.

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1816, assinado por Portugal e Castro130 e encaminhado à D. João VI pedindo a abertura

de um Colégio Real de Artes e Disciplinas Eclesiásticas em Mariana. Parecia uma

tentativa de dar vida ao Antigo Seminário marianense. Dentre as sugestões para a

estruturação desse colégio uma se refere ás aulas de filosofia, que deveriam durar uma

hora e meia, constando de história, lógica, metafísica e ética. Nesse momento o autor

encarece a necessidade da volta do Pe. Ribeiro para sua Cadeira de Filosofia. Carrato

ainda lembra sobre Ribeiro: “tio do Marquês de Sapucaí, foi-lhe dedicado professor,

assim como de muitas gerações, quase dos dias da Inconfidência até os dias da

Independência” 131.

Muitos outros professores, principalmente os de Primeiras Letras, não

tiveram projeção em toda a capitania. Foram indivíduos mais simples em suas

trajetórias, que alfabetizados passaram em algum momento pela sala de aula. Talvez

complementando a carreira que almejavam, a sala de aula teria sido dessa forma, lugar

para aqueles que pretendiam crescer, ou mesmo para aqueles que desejavam apenas

uma melhora nas condições da vida que construíam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação a partir de 1750 passou a alvo de medidas incisivas do governo.

Valorizando a ciência e a educação, vimos academias científicas surgindo, discussões

acontecendo e escolas sendo abertas para o público interessado. Embora marcado por

forte pragmatismo e uma evidente distância entre a lei e a prática, não se pode negar as

130 José Ferreira Carrato questiona a autoria da Representação, diz: “Vazado no melhor espírito das reformas pedagógicas do Iluminismo, esse importante documento da história da cultura mineira nos parece, por várias razões, elaborado, não pelo Governador da Capitania, mas pelo próprio bispo de Mariana, D. Frei Cipriano de São José, ao nosso ver o único homem “esclarecido” da circunstância em condições de conceber ali um “colégio das artes e disciplinas eclesiásticas” tão original como o que requeria a Representação.” Sugere também que o autor possa ser o próprio Pe. Manuel Joaquim Ribeiro. CARRATO, José Ferreira. Igreja, Iluminismo e Escolas mineiras coloniais. Companhia Editora de nacional, Editora da Universidade de São Paulo. Brasiliana Volume 334,p.165,166.

131 CARRATO, José Ferreira. Igreja, Iluminismo e Escolas mineiras coloniais. Companhia Editora de nacional, Editora da Universidade de São Paulo. Brasiliana Volume 334, p.170.

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mudanças. O interesse do Governo parecia residir não no real adianto cultural dos povos

com uma educação de qualidade, mas na elevação do número de alunos e professores.

Não houve atenção à preparação de material didático, nem à formação docente, muito

menos uma infra-estrutura que sustentasse o proposto sistema escolar. O imposto

literário fora recolhido, mesmo em povoados onde não existiram escolas régias. Estas

foram abertas conforme os pedidos feitos, mas avaliando a necessidade de acordo com a

população e a quantia recolhida do imposto. A Coroa não conseguiu manter a estrutura

de funcionamento das aulas régias. O número de aulas em funcionamento variava de

modo irregular, o imposto não serviu para financiar as aulas e o pagamento dos

professores era imprevisível. Dessa forma os estudos poderiam durar anos ou acabar em

poucos meses, e isso dependeria da disposição do professor, que poderia abandonar a

cadeira, se conformar em não receber, ou reclamar seu salário ao Governo. Os alunos

que tinham posses podiam se deslocar até centros onde existiam aulas freqüentes ou

pagar um professor particular, os demais ficaram em prejuízo.

Esses problemas, entretanto, não anulam a importância de tal projeto, que pode

ser considerado pioneiro em toda a Europa. Um salto importante foi a profissionalização

do educador, que a partir de então ser tornou um funcionário régio, com todos os

direitos e privilégios. De fato, quando olhamos para as Minas Gerais percebemos que

haviam sujeitos interessados em educar a juventude, sejam eles as autoridades locais, os

pais ou os professores. Não foi objetivo de Pombal tornar a educação acessível a todos

indiscriminadamente, certamente a elite não sofreu para se educar como os menos

abastados. Entretanto a situação havia se tornado consideravelmente melhor. Com a

educação crescendo em apreço por todos, tornar-se um indivíduo letrado e melhorar as

condições de vida era realidade possível naquele momento. Muitos buscavam a

instrução com esperanças de crescimento perante a sociedade. Foi essa valorização da

instrução que deu maior fôlego às aulas, não pela educação em si, mas pelo prestígio e

reconhecimento que um homem letrado poderia atingir. A sala de aula serviu não

somente para introduzir meninos nas primeiras letras, mas para garantir a sobrevivência

dos mestres, que optavam pela docência também interessados nas vantagens, financeiras

ou não, que poderiam obter da profissão. A instrução foi uma das estratégias para

sobreviver no mundo colonial. Os homens que almejavam os mais altos postos e

rendimentos tinham vários caminhos para atingir esse objetivo, um deles foi se educar.

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ANEXOS

Anexo 1

Alvará de 28 de junho de 1759

“Alvará, por que V.Majestade há por bem reparar os Estudos das Línguas Latina,Grega, e Hebraica, e da Arte da Retórica, da ruína a que estavam reduzidos; e restituir-lhes aquele antecedente lustre, que fez os Portugueses tão conhecidos na República das Letras, antes que os Religiosos Jesuítas se intrometessem a ensiná-los: Abolindo inteiramente as Classes, e Escolas dos mesmos Religiosos: Estabelecendo no ensino das Aulas, e Estudos das Letras Humanas uma geral reforma, mediante a qual se restitua nestes Reinos, e todos os seus domínios o Método antigo, reduzido aos termos símplices e claros, e de maior facilidade, que atualmente se pratica pelas Nações polidas da Europa: Tudo na forma acima declarada. PARA V.MAJESTADE VER Joaquim Joseph Borralho o fez..

"... tendo consideração a que da cultura das Ciências depende a felicidade das Monarquias, conservando-se por meio delas a Religião, e a Justiça na sua pureza, e igualdade; e a que por esta razão foram sempre as mesmas ciências objeto mais digno do cuidado dos Senhores Reis meus Prede- cessores, que com suas Reais Providencias estabeleceram e animaram os Estudos públicos; promulgando as Leis mais justas , e proporcionadas, para que os Vassalos da minha Coroa pudessem fazer a sombra delas os maiores progressos em beneficio da Igreja, e da Pátria: Tendo consideração outrossim a que, sendo o estudo das Letras Humanas a base de todas as Ciências, se vê nestes reinos extraordinariamente decaído daquele auge, em que se achavam quando as Aulas se confiaram aos Religiosos Jesuítas; em razão de que estes com o escuro, e fastidioso Método, que introduziram nas Escolas destes Reinos, e seus Domínios ; e muito mais com a inflexível tenacidade, com que sempre procuraram sustenta-lo contra a evidencia das solidas verdades, que lhe descobriram os defeitos, e os prejuízos de uso de um Método, que, depois de serem por ele conduzidos os estudantes pelo longo espaço de oito, nove e mais anos, se achavam no fim deles tão illaqueados nas miudezas da Gramática, como destituídos das verdadeiras noções das Línguas Latina e Grega, para nelas falarem, e escreverem sem um tão extraordinário desperdício de tempo, coma mesma facilidade, e pureza, que se tem feito familiares a todas as outras Nações da Europa, que aboliram aquele perni- cioso Método; dando assim os mesmos Religiosos causa necessária a quase total decadência das referidas duas Línguas ; sem nunca já mais cederem, nem a invencível forca do exemplo dos maiores homens de todas as Nações civilizadas; nem ao louvável, e fervoroso zelo dos muitos varões de eximia erudição, que (livres das preocupações, com que os mesmos religiosos pretenderam alucinar os meus vassalos, distraindo-os na sobredita forma, do progresso das suas aplicações, para que, criando-os, e prolongando-os na ignorância, lhe conservassem uma

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subordinação, e dependência tão injustas, como perniciosas) clamaram altamente nestes Reinos contra o Método; contra o mau gosto; e contra a ruiína dos Estudos; com as demonstrações dos muitos, e grandes Latinos, e Retóricos, que antes do mesmo Método haviam florescido em Portugal ate o tempo, em que foram os mesmos Estudos arrancados das mãos de Diogo de Teive, e de outros igualmente sábios e eruditos Mestres: Desejando Eu não só reparar os mesmos Estudos para que não acabem de cair na total urina, a que estavam próximos; mas ainda restituir-lhes aquele antecedente lustre, que fez os Portugueses tão conhecidos na Republica das Letras, antes que os ditos Religiosos se intrometessem a ensina-los com os sinistros intentos, e infelizes sucessos, que logo desde os seus princípios foram previstos e manifestos pela desaprovação dos Homens mais doutos, e prudentes nestas úteis Disciplinas, que ornaram os Séculos XVI e XVII, os quais compreenderam, e predisseram logo pelos erros do Método a futura, e necessária urina de tão indispensáveis Estudos; como foram, por exemplo o Corpo da Universidade de Coimbra (que pelo merecimento de seus Professores se fez sempre digna da Real atenção ) opondo-se a entrega do Colégio das Artes, mandada fazer aos ditos Religiosos no ano de 1555; o Congresso das Cortes, que o Senhor Rei Dom Sebastião convocou no ano de 1562, requerendo já então nele os Povos contra as aquisições de bens temporais, e contra os Estudos dos mesmos Religiosos; a Nobreza, e Povo da Cidade do Porto no Assento que tomaram a 22 de Novembro de 1630 contra as Escolas, que naquele ano abriram na dita Cidade os mesmos Religiosos, impondo por eles graves penas aos que a elas fossem, ou mandassem seus filhos estudar: E atendendo ultimamente a que, ainda quando outro fosse o Método dos sobreditos Religiosos, de nenhuma sorte se lhes deve confiar o ensino, e educação dos Meninos, e Mocos, depois de haver mostrado tão infaustamente a experiência por fatos decisivos, e exclusivos de toda a tergiversação, e interpretação, ser a Doutrina, que o Governo dos mesmos Religiosos faz dar aos Alunos das suas Classes, e Escolas sinistramente ordenada a urina não só das Artes e Ciências, mas ate da mesma Monarquia, e da Religião, que nos meus Reinos e Domínios devo sustentarcom a minha Real, e indefectível proteção: Sou servido privar inteira, e absolutamente, os mesmos Religiosos em todos os meus Reinos, e Domínios dos Estudos de que os tinha mandado suspender: Para que do dia da publicação deste em diante se hajam, como efetiva- mente Hei , por extintas todas as Classes, e Escolas, quecom tão perni- ciosos , e funestos efeitos lhe foram confiadas aos opostos fins da instrução, e da edificação dos meus fieis Vassalos: Abolindo ate a memória das mesmas Classes e Escolas, como se nunca houvessem existido nos meus Reinos, e Domínios,onde tem causado tão enormes lesões, e tão graves escândalos. E para que os mesmos Vassalos pelo proporcionado meio de um bem regulado Método possam com a mesma facilidade, que hoje tem as outras Nações civilizadas, colher das suas aplicações aqueles úteis e abundantes frutos, que a falta de direção lhes fazia ate agora ou impos- síveis, ou tão dificultosos, que vinha a ser quase o mesmo: Sou servido da mesma sorte ordenar, como por este ordeno, que no ensino das Classes, e no estudo das Letras Humanas haja uma geral reforma, mediante a qual se restitua o Método antigo, reduzido aos termos simplices, claros, e de maior facilidade, que se pratica atualmente pelas nações polidas da Europa; conformando-me, para assim o determinar, com o parecer

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dos Homens mais doutos, e instruídos neste gênero de erudições. A qual reforma se praticara não só nestes Reinos, mas também em todos os seus Domínios, a mesma imitação do que tenho mandado estabelecer na minha Corte, e Cidade de Lisboa; em tudo o que for aplicável aos lugares , em que os novos estabelecimentos se fizerem; debaixo das Providencias e Determinações seguintes:

"Direção de Estudos" a cargo de um "Diretor dos Estudos" "...o qual será a Pessoa que eu for servido nomear:"

a) Quando algum dos Professores deixar de cumprir com suas obrigações, que sao as que se lhe impõem neste Alvará; e as que ha de receber nas Instruções, que mando publicar; o Diretor o advertira, e corrigira. Porem não se emendando, mo-fara presente, para o castigar com a privação do emprego, que tiver, e com as mais penas, que forem competentes.

b) E porquanto as discórdias provenientes da contrariedade de opiniões, que muitas vezes se excitam entre os Professores, só servem de distrai-los das suas verdadeiras obrigações; e de produzirem na Mocidade o espirito de orgulho e discórdia ; terá o Diretor todo o cuidado em extirpar as controvérsias, e de fazer que entre eles haja uma perfeita paz, e uma constante uniformidade de Doutrina; de sorte que todos conspirem para o progresso da sua profissão, e aproveitamento de seus discípulos;

"Ordeno, que em cada um dos Bairros da Cidade de Lisboa se estabeleça logo um Professor com Classe aberta, e gratuita para nela ensinar a Gramática Latina pelos Métodos abaixo declarados, desde Nominativos ate Construção inclusive; sem distinção de Classes, como ate agora se fez com o reprovado, e prejudicial erro, de que, não pertencendo a perfeição dos Discípulos ao Mestre de alguma das diferentes Classes, se contentavam todos os ditos Mestres de encherem as suas obrigações em quanto ao tempo, exercitando-as perfunctoriamente quanto aos Estudos, e ao aproveitamento dos Discípulos"

"Nem nas ditas Classes, nem em outras algumas destes Reinos, que estejam estabelecidas, ou se estabelecerem daqui em diante, se ensinara por outro Método, que não seja o Novo Método da Gramática Latina, reduzido a Compendio para uso das Escolas da Congregação do Oratório, composto por Antônio Pereira da mesma Congregação: Ou a Arte da Gramática Latina reformada por Antônio Felix Mendes, Professor em Lisboa. Hei por proibida para o ensino das Escolas a Arte de Manoel Alvares, como aquela, que contribuiu mais para fazer dificultoso o estudo da Latinidade nestes Reinos. E todo aquele, que usar na sua Escola da dita Arte, ou de qualquer outra, que não sejam as duas acima referidas, sem preceder especial, e imediata licença minha, será logo preso para ser castigado ao meu real arbítrio, e não poderá mais abrir Classe

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nestes Reinos e seus Domínios".

"Desta mesma sorte proíbo que nas ditas Classes de Latim se use dos Comentadores de Manoel Alvares, como Antônio Franco; João Nunes Freire; Joseph Soares; e em especial de Madureira mais extenso, e mais inútil; e de todos, e cada um dos Cartapácios, de que ate agora se usou para o ensino de gramática".

Livros recomendados:

ANTONIO PEREIRA: Novo Método da Gramática Latina reduzido a Compendio para uso das Escolas da Congregação do Oratorio.

ANTONIO FELIX MENDES: Arte da Gramática Latina, reformada.

Livros proibidos:

MANOEL ALVARES: Arte ( e seus comentadores) , ANTONIO FRANCO, JOÃO NUNES FREIRE, JOSEPH SOARES, MADUREIRA

Qualificação de professores de Latim:

"Fora das sobreditas Classes não poderá ninguem ensinar, nem pública, nem particularmente, sem aprovação, e licença do Diretor de Estudos. O qual, para lha conceder, fará primeiro examinar o Pertendente (sic) por dois Professores Régios de Gramática, e com a aprovação destes lhe concederá a dita licença: Sendo Pessoa, na qual concorram cumulativamente os requisitos de bons, e provados costumes, e de ciência, e prudência: E dando-se-lhe a aprovação gratuita, sem por ela, ou pela sua assinatura se lhe levar o menos estipendio" "Estabeleço que, logo que houver passado ano, e meio depois que as referidas Classes de Grego forem estabelecidas, os Discípulos delas, que provarem pelas atestações dos seus respectivos Professores, passadas sobre exames públicos, e qualificadas pelo Diretor geral, que nela estuda- ram um ano com aproveitamento notório, alem de se lhes levar em conta o referido ano na Universidade de Coimbra para os Estudos maiores, sejam preferidos em todos os concursos das quatro Faculdades de Teologia, Canones, Leis e Medicina, aos que não houverem feito aquele proveitoso estudo, concorrendo neles as outras qualidades necessarias, que pelos Estatutos se requerem".

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Anexo 2

PROFESSORES EXISTENTES

COMARCA DE OURO PRETO

COMARCA DO RIO DAS MORTEs

1795 Professor de Local Vencimento Gram. Lat. SJDR 400$000

1795 Professor de Local Vencimento Gram. Lat. Vila Rica 400$000 Primeiras Letras Pillar 150$000 Primeiras Letras Gong. Campo 150$000 Retórica Mariana 440$000 Gramática Lat. Mariana 400$000 Primeiras Letras Mariana 150$000 Gramática Lat. Piranga 400$000 Primeiras Letras Piranga 150$000 Primeiras Letras Inficionado 150$000 Primeiras Letras S. J da Barra 150$000 Primeiras Letras Furquim 150$000 Primeiras Letras Catas Altas 150$000 1796 Professor de Local Vencimento Gram. Lat. Vila Rica 400$000 Primeiras Letras Pillar 150$000 Primeiras Letras Gongonhas do Campo 150$000 Filosofia Mariana 103$500 Retórica Mariana 440$000 Primeiras Letras Mariana 150$000 Gramática Lat. Piranga 400$000 Primeiras Letras Piranga 150$000 Primeiras Letras Inficionado 150$000 Primeiras Letras S. J da Barra 150$000 Primeiras Letras Furquim 150$000 Primeiras Letras Catas Altas 150$000 1797 Professor Local Vencimento Gram. Lat. Vila Rica 400$000 Primeiras Letras Pillar 150$000 Primeiras Letras Gong. Campo 150$000 Filosofia Mariana 400$000 Retórica Mariana 440$000 Primeiras Letras Mariana 150$000 Gramática Lat. Piranga 100$000 Primeiras Letras Piranga 150$000 Primeiras Letras Inficionado 150$000 Primeiras Letras S. J da Barra 150$000 Primeiras Letras Furquim 112$500 Primeiras Letras Catas Altas 150$000

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Primeiras Letras SJDR 150$000 Primeiras Letras Lavras do Funil 150$000 Gram.Lat. S. José 400$000 Primeiras Letras Quelus 150$000 Primeiras Letras Itaverava 150$000 Primeiras Letras Tamanduá 129$582 1796 Professor de Local Vencimento Gram. Lat. SJDR 400$000 Primeiras Letras SJDR 150$000 Primeiras Letras Lavras do Funil 150$000 Gram.Lat. S. José 400$000 Primeiras Letras Queluz 150$000 Primeiras Letras Itaverava 150$000 Primeiras Letras Tamanduá 150$000 1797 Professor de Local Vencimento Gram. Lat. SJDR 400$000 Primeiras Letras SJDR 150$000 Primeiras Letras Lavras do Funil 150$000 Gram.Lat. S. José 400$000 Primeiras Letras Queluz 150$000 Primeiras Letras Itaverava 150$000 Primeiras Letras Tamanduá 150$000

COMARCA DO SERRO FRIO

1795 Professor de Local Vencimento Gram. Lat. Vila do Príncipe 400$000 Primeiras Letras Vila do Príncipe 150$000 Primeiras Letras Arraial do

Tejuco 150$000

Primeiras Letras Gouvêa 150$000 Primeiras Letras Passanha 150$000 Primeiras Letras C. do Mato

Dentro 150$000

Gram. Lat. Bom Sucesso de Minas Novas

400$000

Primeiras Letras Bom Sucesso de Minas Novas

150$000

1796 Professor de Local Vencimento Gram. Lat. Vila do Príncipe 400$000 Primeiras Letras Vila do Príncipe 150$000 Primeiras Letras Arraial do

Tejuco 150$000

Primeiras Letras Passanha 150$000 Primeiras Letras C. do Mato

Dentro 150$000

Gram. Lat. Bom Sucesso de Minas Novas

400$000

Primeiras Letras Bom Sucesso de Minas Novas

150$000

1797 Professor de Local Vencimento Gram. Lat. Vila do Príncipe 400$000

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Primeiras Letras Vila do Príncipe 112$500 Primeiras Letras Arraial do

Tejuco 150$000

Primeiras Letras Passanha 150$000 Primeiras Letras C. do Mato

Dentro 150$000

Primeiras Letras Bom Sucesso de Minas Novas

150$000

COMARCA DO RIO DAS VELHAS

1795 Professor de Local Vencimento Gramática Lat. Sabará 400$000 Primeiras Letras Sabará 150$000 Primeiras Letras Curral d’elRei 150$000 Primeiras Letras Santa Luzia 150$000 Gramática Lat. Caeté 400$000 Primeiras Letras Caeté 150$000 Primeiras Letras Santa Bárbara 150$000 Primeiras Letras São Miguel 150$000 Gramática Lat. Pitangui 400$000 Primeiras Letras Pitangui 112$500 Gramática Lat. Arraial de Paracatu 300$000 Primeiras Letras Paracatu 150$000 1796 Professor de Local Vencimento Primeiras Letras Sabará 37$500 Primeiras Letras Curral d’elRei 150$000 Primeiras Letras Santa Luzia 150$000 Gramática Lat. Caeté 400$000 Primeiras Letras Caeté 75$000 Primeiras Letras Santa Bárbara 150$000 Primeiras Letras São Miguel 150$000 Gramática Lat. Pitangui 400$000 Primeiras Letras Paracatu 150$000 1797 Professor de Local Vencimento Primeiras Letras Curral d’elRei 150$000 Primeiras Letras Santa Luzia 150$000 Gramática Lat. Caeté 200$000 Primeiras Letras Santa Bárbara 150$000 Primeiras Letras São Miguel 150$000 Primeiras Letras Paracatu 75$000 Fonte AHU/MG Cx.148 Doc.6

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Anexo 3

SUBSÍDIO LITERÁRIO 1779,1780, 1781

Comarca de Ouro Preto Local 1779 1780 1781 Vila Rica 569$888 497$840 433$064 Mariana 1:094$368 843$803 917$488

Comarca do Rio da Velhas Local 1779 1780 1781 Sabará 381$216 306$912 341$936 Caeté 869$544 919$952 859$832 Pitangui 188$720 201$665 174$415 Paracatu 228$862 221$104 236$672 S. Romão 10$505 ---------------------- 11$424 Curvelo 36$440 20$960 23$000

Comarca do Rio das Mortes Local 1779 1780 1781 SJDR 169$464 213$376 375$590 S. José 511$304 492$448 511$964

Comarca do Serro Frio Local 1779 1780 1781 V. Príncipe 711$552 733$088 720$432 Minas Novas 126$432 115$856 103$760 Barra do Rio das Velhas ----------------------- 1$040 20$240

1779 1780 1781

TOTAL 4:891$875 4:568$049 4:749$817

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Anexo 4

PAGAMENTOS FEITOS

1795 Cadeira paga Local Pagamento feito Gram. Lat. SJDR 400$000 Gram. Lat. S. José 400$000

1796 Cadeira paga Local Pagamento feito Gram. Lat. SJDR 400$000 Gram. Lat. S. José 400$000 Filosofia Mariana 103$500

1797 Cadeira paga Local Pagamento feito Gram. Lat. SJDR 200$000 Gram. Lat. S. José 200$000 Fonte AHU/MG Cx.148 Doc.6.

Anexo 5

VALOR NECESSÁRIO PARA O PAGAMENTO DOS PROFESSORES DA CAPITANIA DE MINAS Ano Valor Total Valor Pago 1772/1773 2:790$000 ------------ 1795 8:732$082 800$000 1796 7:306$000 903$050 1797 5:040$000 400$000 1800 4:860$000 ------------

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Anexo 6

RELAÇÃO DOS ORDENADOS A PAGAR AOS PROFESSORES RÉGIOS DA CAPITANIA DE MINAS GERAIS ATÉ O QUARTO QUARTEL DE 1800

Nome Aula Local Periodo devido Valor Pe. Marçal da Cunha e Matos

Gram. Lat SJDR 4º q 1797 ao 4º q 1800

1:400$000

Pe. Theordoro Pereira Queiros

Gram Lat. V. Principe 4º q 1795 ao 4º q 1800

2:100$000

Manuel Francisco da Silva (pe.)

Primeiras letras Conceição do Mato Dentro

4º q 1795 ao 4º q 1800

787$500

Francisco Luiz de Souza (pe.)

Primeiras letras Guarapiranga 3º q 1795 ao 4º q 1800

825$000

José Antonio Freire Barata (pe.)

Primeiras letras Congonhas do Campo

3º q 1795 ao 4º q 1800

825$000

Felisberto José de Machado (pe.)

Primeiras letras Itabera 3º q 1795 ao 4º q 1800

825$000

Silvério Teixeira de Gouvêa (pe.)

Gram. Lat. Vila Rica

3º q 1795 ao 4º q 1800

2:200$000

Joaquim Anastacio Marinho e Silva (pe.)

Gram. Lat. Pitangui 4º q 1795 ao 4º q 1796

500$000

João Varella da Fonseca e Cunha

Gram. Lat. S. José 3º q 1797 ao 4º q 1800

1:500$00

Manuel Joaquim Ribeiro (pe.)

Filosofia Mariana 2º q 1797 ao 4º q 1800

1:725$000

Joaquim José Pereira Primeiras Letras S. Bárbara 1º q 1796 ao 4º q 1800

750$000

Antonio Bernardo da Fonceca (pe)

Primeiras letras Vila Rica 1º q 1796 ao 4ºq 1800

750$000

Antonio José de Lima e Costa (pe.)

Primeiras letras S. Miguel de Piacicaba

3º q 1795 ao 4º q 1800

825$000

João Pedro de Almeida (pe.)

Primeiras letras S. A. Bom Sucesso 3º q 1794 ao 4º q 1800

975$000

Manuel Dias de Lima Primeiras Letras Catas Altas do Mato Dentro

3º q 1795 ao 4ºq 1800

825$000

Luis Antonio da Silva Primeiras letras S.A. Vale da Piedade

16 de julho 1794 ? 31$250

Salvador Peregrino Arão

Retórica Mariana 3º q 1795 ao 3º q 1800

? 2:100$000

Luiz Joaquim Varella da França

Primeiras letras Mariana 2º 1795 ao 4º q 1800

862$500

Marcelo da Silveira Lobato

Primeiras letras N.S. da Boa Viagem de Curral d’ElRei

1º q 1796 ao 4º q 1800

750$000

Jozé Teixera Romão (pe.)

Primeiras letras Inficionado 4º q 1795 ao 4º q 1800

787$500

Manuel Ribeiro de Oliveira (pe.)

Primeiras letras S. A. Gouveia 4ºq 1795 ao 31 dez. 1795

37$500

Francisco de Paula Pereira

Primeiras letras Sabará 4º q 1795 ao 1º q 1796

75$000

Manuel da Costa Vianna (pe.)

Gram. Lat. Arraial do Tejuco 15 nov. 1795 ao 4ºq 1800

1:250$000

Antonio Ferreira de Souza

Primeiras Letras Arraial do Furquim

2º q 1795 ao 3º q 1797

375$000

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Manuel Ferreira Velho Primeiras letras S.João da Barra Longa

1º q 1795 ao 4º q 1800

900$000

Gonçalo da Silva Lima Gram. Lat. Mariana 3º q 1795 ao 4º q 1795

200$000

Manuel Moreira Prudente (pe.)

Primeiras letras Lavras do Funil 1º q 1796 ao 2º q 1799

525$000

José Caetano da Costa (pe.)

Gram. Lat. Sabará 4º q 1795 a 3 dez. 1795

200$000

Francisco Furtado de Mendonça (pe.)

Gram. Lat. Minas Novas do Fonado

1º q 1795 ao 3º q 1798

1:500$000

Antonio Manuel de Mendonça

Primeiras Letras Arraial do Tejuco 3º q 1796 ao 2º q 1799

450$000

Franscisco de Melo e Barroso

Primeiras letras Santa Luzia do Sabará

3º q 1795 ao 3º q 1798

487$500

José Pedro da Costa Batista

Primeiras letras São João del Rei 3º q 1795 ao 4º q 1800

825$000

Antonio Almeida Saraiva

Primeiras letras Vila do Príncipe 3º q 1795 ao 3º q 1797

? 337$500

Dionízio Francisco França (pe.)

Primeiras letras Tamanduá 20 julho 1795 ao 4º q 1800

816$680

José Crisóstomo de Mendonça (pe.)

Primeiras letras Vila de Queluz 3º q 1795 ao 4º q 1800

825$000

José Procópio e Monteiro

Gram Lat. Arraial do Piranga 1º q 1795 ao 1º q 1797

900$000

Gonçalo Antunes Claros

Primeiras letras Paracatu 3º q 1795 ao 2º q 1797

? 300$000

Antonio Gonçalves Gomide

Gram. Lat. Vila de Caeté 4º q 1794 ao 2º q 1797

1:100$000

Fonte AHU/MG Cx.154 Doc.51

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Anexo 7

O caso da Irmã Germana 132

Uma curiosa história essa, a da Irmã Germana. Por volta de 1814, uma estranha moça devota, á qual o povo começou a chamar Irmã Germana, principiou a atrair à ermida da Serra da Piedade, perto da vila de Caeté, verdadeiras multidões de romeiros e curiosos, que para ali se dirigiam a fim de ouvir missa e presenciar os êxtases e os padecimentos que ela experimentava, em determinados dias da semana, desde 1808. Havendo obtido licença do seu confessor, o pe. José Gonçalves, a jovem vivia naquele ermo, tendo apenas uma irmã como companheira, entregando-se à prática de penitências e jejuns, sendo que não tomava qualquer refeição nas sextas-feiras e nos sábados. Estando a meditar, em dia, sobre os mistérios da Paixão de Cristo, Germana como que entrou em êxtase; seus braços se abriram, formando com o corpo uma verdadeira cruz, enquanto mantinha os pés igualmente cruzados, permanecendo nessa posição pelo espaço de quarenta e oito horas. A partir de então, o fenômeno renovou-se todas as semanas, sem qualquer interrupção, começando sempre na noite de quinta para sexta-feira e indo até a noite de sábado para domingo, sem que se fizesse o menor movimento, sem que proferisse uma única palavra e sem que se tomasse qualquer alimento. A notícia logo espalhou e os habitantes das circunvizinhanças começaram a acorrer à Serra da Piedade e, não podendo explicar a estranha ocorrência, passaram a atribuir-lhe visos de milagre e ter Germana como verdadeira santa. Mas, não foi apenas a massa do povo que foi ver Germana. A fama correu mundo e, um dia, até dois médicos subiram a Serra e obtiveram uma impressionante entrevista com a iluminada, da qual resultou uma Memória escrita pelos dois – os Drs. Antônio Pedro de Souza e Manuel Quintão da Silva - de que davam conta do exame que nela tinham feito, e , e depois da descrição física do esquisito estado da moça, estatuíam: “Julgamos terminada a questão: nós seriamos mentirosos, e temerários se ousássemos someter ao juízo médico um fato, que só nos enche de admiração, e de respeito para com o Ser Supremo na consideração da Bondade Infinita de Jesus Cristo, nosso Amabilíssimo Redentor. Vinde, ó incrédulos, e vede se nos dizeis, que há uma espécie de melancolia, que consiste em erro de imaginação, e que os enfermos atacados deste mal, se julgam transformados em aninais, ou em outras coisas, como aquelas moças curadas pelo Pastor Melampus, as quais se julgaram transformadas em vacas, e que fora a enfermidade de Nabucodonosor”. E antes de concluir, testando e jurando aos Santos Evangelhos, valorizando as práticas piedosas de irmã Germana, arrematavam: (...) “a consideração tão viva da Paixão de Nosso Senhor não faz enfermos, mas Santos”. Era uma verdadeira apóstrofe, um desafio, que lançavam a quem quisesse contestar-lhes as razões. Alguém aceitou o

132 Retirado integralmente do livro: CARRATO, José Ferreira. Igreja, Iluminismo e Escolas mineiras

coloniais. Companhia Editora de nacional, Editora da Universidade de São Paulo. Brasiliana Volume 334, p. 92-95.

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desafio, o Dr. Antônio Gonçalves Gomide, também médico, formado em Edimburgo, muito acatado na Capitania. O Dr. Gomide publicou, logo em seguida, uma Impugnação analytica ao exame feito pelos clincos Antônio Pedro de Souza e Manuel Quintão da Silva em huma rapariga que julgarão santa, na Capella da Senhora da Piedade da Serra (Imprensa Régia, Rio de Janeiro, 1814, 32 p.). Nesse opúsculo polêmico, o autor conta a existência de “huma rapariga há muitos anos histérica, sofrendo dores, que chamavam reumáticas, e ficando com as extremidades contraídas”, assistindo no alto da Serra da Piedade, “para onde concorre a adoralla hum numero incrível de Romeiros de todos os logares de Minas (...), tem havido dias de mais de dous mil concorrentes. Se algum individuo reclama pela verdade, os devotos se enfurecem gritando libertino, incrédulo, etc.”. E insistia em averiguar a verdade: “a verdade” – continuava ele – “é o principal elemento da vida social. A impostura aos ignorantes equivale à opressão da força sobre os fracos. O rico deve socorrer ao indigente; o poderoso proteger o desvalido; o philosopho achar, e promulgar a verdade”. E citava o poeta Iluminista Pope, em abono de sua posição. Assim abroquelado, arremetia-se contra os colegas Souza e Quintão da Silva, nesta apóstrofe inicial: “Expertos, que prezidistes ao exame, lede as obras de Pomme, Raulin, Lorry, Whytt, Reveillon, Hunauld, Kloekof, Tissot, Pressavin, Zimmerman, etc.” Depois dessa prévia, de aparatosa cobertura científica, o Dr. Gomide cita diversos casos de gente que, como a irmã Germana, comia pouquíssimo, como aquela enferma de um tal Darwin, que passou vinte anos a meia batata inglesa por dia; antecipa o principio dos reflexos condicionados, contando aquela engraçadíssima história das bestas do Capitão João Gomes de Araújo, de Caeté, que todos os sábados mandava tropas de mantimento para a vila. Pois bem. Todos os dias, as bestas apareciam espontaneamente à porta do dono, para receberem a sua ração de milho, pela manhã e à tarde. Mas, nos sábados, não vinham escondiam-se e fugiam à lembrança da carga que tinham que transportar... Fazendo finca-pé na atitude prudente da Igreja, continua mais adiante Gomide: “Vós fazeis ultraje à Religião, e à Igreja, quando, dando a questão por terminada, rezolveís, e decidis tão pronta e categoricamente de negócio, que Ela examina, e analiza com a mais profunda excavação, e em que contrasta todas as provas quilate com hum critério divino.” O argumento é hábil, pois vai de encontro da posição do Bispo D. Frei Cipriano de São José, o qual, do caso, acaba por proibir as romarias à Capela da Piedade e determinar o recolhimento da Irmã Germana. E, mais uma vez, o Dr. Gomide faz alarde do seu conhecimento dos grandes homens do Iluminismo, principalmente os ingleses, com a competente justificação: “Abri” – prossegue ele – “a história da pátria de Bacon, de Sydenham, de Locke, de Newton, de Milton, de Shakespears, de Pope, etc., que cito de preferência, por sem onde a Philosophia devia ter feito maior, e muito antecipada evolução, e achareis escritos com letras de sangue os nomes da Visionária de Hertford, da celebre profetiza de Michelson, e de Izabel Barton d’Aldington, a famosa rapariga de Kent.” É preciso recordar aqui que o Dr. Gomide estudara e se formara médico pela Universidade de Edimburgo, donde o seu conhecimento tão completo de coisas e de homens da Grã-Bretanha. E encerra seu livrinho, com a seguinte nota final, cautelosa, mas incisiva: “De nenhum modo (como se manifesta no conteúdo do Opúsculo) me propuz a impugnar a possibilidade de haver pessoas Devotas , Inspiradas,

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e Santas; porem Canonizar os Santos pertence exclusivamente à Igreja, e ao Philosopho compete descobrir, e promulgar a verdade natural”.

Conquanto bem fundamentada cientificamente, a Impugnação do Dr. Gomide foi logo acusada de não ter base muito sólida, de vez que o médico a escrevera sem sequer ir ver a Irmã Germana, não tendo, assim, oportunidade de estudar o fenômeno em todas as suas particularidades. Alias, essa foi a queixa que formulou sobre o Dr. Gomide o Pe. José Gonçalves, confessor de Germana, quando foi vê-la o sábio A. de Saint-Hilaire, impressionado pela celeuma levantada em torno do caso. Os partidários de Souza e Quintão da Silva fizeram sua essa alegação e reproduziram numerosas cópias do Exame dos dois clínicos, que circularam pelos mais distantes rincões da Capitania. Mas o Dr. Antônio Gonçalves Gomide tinha também os seus partidários, e o próprio Saint-Hilaire usa palavras de muito encômio para com ele – un médécin três instruit – e para sua Impugnação, que ele considera pleine de science et de longique133. Mesmo o Bispo D. Frei Cipriano, de Mariana, ao determinar a interrupção das romarias à Serra da Piedade e o afastamento de Germana de lá, referenda praticamente as recomendação contidas na Impugnação do Dr. Gomide, não muito tempo depois.

Porém, a opinião pública não se esqueceu desse episódio. A imensa maioria acreditava no caráter miraculoso do fenômeno “Irmã Germana” e o Dr. Gomide saiu malferido da refrega. Pelas suas idéias avançadas, ele já fora repreendido, “em nome do Príncipe Regente, por ser libertino e fazer uso de livros perniciosos”134. Os efeitos de sua campanha negativa teriam impressionado o Governador Portugal e Castro, alguns anos depois, em 1817, ao informar contrariamente seu requerimento, no qual pedia a El-rei “a mercê de Foro de moço Fidalgo”, declarando-se casado com uma filha do Capitão-mor das Ordenanças da Vila Nova da Rainha, Felício Moniz Pinto Coelho da Cunha, porque este “por seus Antepassados tem nobreza, e é das pessoas mais distintas da Capitania”135; mas o Governador, atitude rara num caso desses, informou desfavoravelmente: “não contemplo o suplicante nas circunstâncias de merecer a Graça que implora ainda que apresenta a cessão feita pelo dito Capitão Mor seu Sogro”136.

Essa era a classe melhor dos mineiros setecentistas, donde sairiam os sacerdotes, os pedagogos das escolas régias e, o que é mais importante, todo o pequeno mundo discente que as freqüentou e que seria mais tarde a elite dirigente da vida cultural da Capitania. Os seus pressupostos formacionais iriam marcar decisivamente, como um decalque fortemente impressivo, a geração seguinte dos mineiros, por quase todo o século XIX.

133 A. Saint-Hilaire, Viajem ao distrito dos Diamantes e litoral do Brasil, Comp. Editora Nacional, São Paulo, 1941, p.144. 134 Aviso ao Governo de Minas Gerais, de 6 de março de 1809, in Efemérides Mineiras, cit. I, p.283. 135 Códice 366, do APM, fls.261 136 Idem.

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LISTA DE ABREVIATURAS

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino

AHCS – Arquivo Histórico da Casa Setecentista

RAPM – Revista do Arquivo Público Mineiro

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Relação das cadeiras de gramática latina e portuguesa vagas na capitania de Minas ano 1800 .........................................................................................................................................31

Tabela 2 – Abertura de aulas de 1772 a 1800 ................................................................34

Tabela 3 – Divisão de aulas pelo plano de Bernardo José de Lorena ............................40

Tabelas 4 – Móveis em invetários de professores .........................................................51

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