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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM DINAURA BATISTA DE PÁDUA A POLÊMICA EM TORNO DO LIVRO DIDÁTICO “POR UMA VIDA MELHOR”: (DES)CONSTRUINDO SENTIDOS CUIABÁ-MT 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

DINAURA BATISTA DE PÁDUA

A POLÊMICA EM TORNO DO LIVRO DIDÁTICO

“POR UMA VIDA MELHOR”: (DES)CONSTRUINDO SENTIDOS

CUIABÁ-MT 2014

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DINAURA BATISTA DE PÁDUA

A POLÊMICA EM TORNO DO LIVRO DIDÁTICO “POR UMA VIDA MELHOR”: (DES)CONSTRUINDO SENTIDOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem, sob a orientação da professora Dra. Simone de Jesus Padilha.

Área de Concentração: Estudos Linguísticos.

Linha de Pesquisa: Práticas Discursivas e Textuais – Múltiplas Abordagens.

CUIABÁ 2014

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Àqueles que me trouxeram a esta vida e - mesmo sem terem

frequentado uma sala de aula e nunca terem tido a

oportunidade e o prazer de ler um livro - me ensinaram, desde

a infância, a importância da leitura e da formação escolar: meu

pai, João Batista Filho (in memoriam) e minha mãe, Maria da

Silva Batista.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por me permitir esta caminhada em busca do conhecimento e da

qualificação profissional, pois sem Ele, nada em minha vida valeria a pena.

A minha família, por sempre acreditar na minha capacidade de ir além e por torcer

pela minha vitória.

Ao meu filho, Ruan Batista de Pádua, espelho do espelho que sou eu, por definir o

meu papel nesta terra.

Ao meu esposo, Rone Batista de Pádua, por me mostrar o caminho das Letras e me

ensinar a sonhar.

À minha querida orientadora, Professora Doutora Simone de Jesus Padilha –

professora, educadora, pesquisadora, amiga, parceira – que desde a graduação me

acolheu no grupo de monitoria em Estudos de Linguagem, plantando a semente da

pesquisa que hoje se concretiza. Muito grata pela amizade, dedicação, carinho,

paciência, conversas, discussões, apoio, orientações e ensinamentos sobre o

Círculo de Bakhtin; por me ajudar a dar os primeiros passos, sendo uma grande

companheira e guia nesta caminhada.

Ao Professor Doutor Adail Sobral, pela amizade sincera, mesmo que virtualmente, e

pelas valiosas orientações que qualificaram este trabalho. Muito grata pelo olhar

exotópico através do qual nos revelou outros fios dialógicos que haviam ficado pelo

caminho nesse grande novelo emaranhado de palavras e contrapalavras.

À Professora Doutora Maria Inês Pagliarini Cox, pela leitura atenta e pelas

excelentes contribuições que deram a este trabalho a qualidade de que carecia, nos

revelando o valor de cada capítulo desta construção dialógica.

À Universidade Federal de Mato Grosso, pela concessão do afastamento das

atividades laborais, sem a qual seria impossível a realização da pesquisa.

A todos os colegas de trabalho pela torcida e compreensão durante a minha

ausência, em especial, ao Luis Antonio, Bruno, Priscila e Valéria.

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Aos professores do Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem, pelo apoio e

pela torcida durante a realização das atividades de pesquisa.

À Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFMT, em especial às servidoras Adriana,

Darlene e Élida, que nos auxiliaram com informações e orientações importantes

durante essa trajetória.

Aos funcionários da Secretaria do PPGEL, Wynne, Julianny e Nelson, pela

colaboração diária com nossas pesquisas.

À doce e tão querida Professora Doutora Maria Rosa, pelo carinho e amizade.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa Relendo Bakhtin - Rebak, pelas interações que

edificaram nossas pesquisas.

Às amigas, Verônica e Viviane, pelas orientações cuidadosas no meu processo de

seleção para ingresso nesta Pós-Graduação.

À querida Shirlei, pela amizade franca, pelas conversas esclarecedoras sobre as

teorias do Círculo de Bakhtin e pela parceria no desenvolvimento deste trabalho.

Aos amigos que cultivei durante esta trajetória, pelo carinho, pelas conversas, pelas

trocas e pelas parcerias estabelecidas. Agradeço a vocês – Anderson, Angélica,

Camila, Diego, Eliana, Heloisa, Jean, Karla, Leny, Lucimeire, Mariana, Moisés,

Nádia, Neila, Paulo, Rosemary, Rosenil, Sebastiana, Sérgio, Suammy - por me

mostrarem o valor da amizade. Nossos encontros e desencontros, assim como

nossos confrontos, nos fizeram seres melhores, a cada vivência.

Aos amigos da graduação - Ardalla, Carla, Josilene, Michel, Rute e Sonymar -, que

estiveram presentes nesta trajetória, sempre torcendo.

Aos meus compadres queridos, Clélia, Vandelvan, Benedito e Timóteo, pela

presença constante em todos os momentos.

A minha querida amiga Waldirene, pela amizade plena, e à sua família, que me

adotou com tanto carinho desde 1994 - “A ETF tem gente de verdade!”.

A todos os Outros que me constituem o Sujeito que eu sou, a cada dia, Muito Grata.

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Além do espelho

Quando eu olho o meu olho além do espelho Tem alguém que me olha e não sou eu

Vive dentro do meu olho vermelho É o olhar do meu pai que já morreu

O meu olho parece um aparelho De quem sempre me olhou e protegeu

Assim como meu olho dá conselho Quando eu olho no olhar de um filho meu

A vida é mesmo uma missão A morte é uma ilusão Só sabe quem viveu

Pois quando o espelho é bom Ninguém jamais morreu

Sempre que um filho meu me dá um beijo Sei que o amor do meu pai não se perdeu

Só de olhar teu olhar sei seu desejo Assim como meu pai sabia o meu

Mas meu pai foi embora no cortejo E no espelho eu chorei porque doeu

Só que vendo o meu filho agora eu vejo Ele é o espelho do espelho que sou eu

A vida é mesmo uma missão A morte é uma ilusão Só sabe quem viveu

Pois quando o espelho é bom Ninguém jamais morreu

Toda imagem no espelho refletida Tem mil faces que o tempo ali prendeu

Todos têm qualquer coisa repetida Um pedaço de quem nos concebeu

A missão do meu pai já foi cumprida Vou cumprir a missão que Deus me deu Se meu pai foi o espelho em minha vida

Quero ser pro meu filho espelho seu

A vida é mesmo uma missão A morte é uma ilusão Só sabe quem viveu

Pois quando o espelho é bom Ninguém jamais morreu

(João Nogueira)

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RESUMO

Este trabalho tem por finalidade a elaboração de uma análise dialógica dos discursos que emergiram na esfera midiática por ocasião da polêmica do livro didático “Por uma vida melhor”, a qual teve seu início a partir de maio de dois mil e onze, tendo sido destaque em diversas emissoras de TV e Rádio, além de revistas, jornais, blogs e sites oficiais. Para tanto, buscamos embasamento na fundamentação teórico-metodológica presente nos construtos teóricos do Círculo de Bakhtin, a partir da concepção dialógica da linguagem, tendo em vista que a leitura desses textos revelou um intenso diálogo, em que, na visão bakhtiniana, um texto “respondia ao outro”, um texto era “contrarresposta” de outro, numa cadeia dialógica ininterrupta. A análise do corpus selecionado baseia-se no método sociológico para estudo da linguagem, por meio do qual situamos a esfera de produção, circulação e recepção desses discursos, descrevemos as especificidades e regularidades do gênero e evidenciamos estratégias linguísticas e enunciativas utilizadas para produção de sentidos nessas relações sociais, indicando para índices de valoração ética e política. Percebendo a linguagem como local privilegiado de interação entre sujeitos, a partir da análise empreendida, descrevemos e explicamos as práticas discursivas que se instauraram na esfera midiática por ocasião da polêmica, revelando as vozes presentes nessas relações enunciativas, identificando suas posições ideológicas frente ao evento. Os resultados de nossas análises apontam para marcas discursivas de um diálogo sem fim em torno da polêmica, por meio do qual vozes sociais oriundas de diferentes esferas (políticas, acadêmicas, cientificas, religiosas, e, sobretudo, do senso comum) valoram por meio da palavra. Essas vozes dialogam não apenas sobre o livro em si, mas sobre suas atitudes perante a língua e suas variações, o ensino de língua materna, a ciência linguística e o professor/pesquisador de Língua Portuguesa e, ainda, sobre a autora do livro, professora Heloísa Ramos, o governo federal, o Partido dos Trabalhadores, o Ministério da Educação e o Ministro Fernando Haddad. Esses diálogos são evidenciados por movimentos de aproximação ou distanciamento do discurso do outro e convocação de outras vozes. Entre as estratégias utilizadas pelos enunciadores nas formações enunciativas analisadas, destacamos: o uso de termos presentes em discursos anteriores, a fim de retomar ou dar novo sentido ao que foi dito; uso de pontuações, aspas, negritos, itálicos, parênteses; uso do discurso direto ou indireto; uso do verbo na voz passiva; mudanças de tempo verbal (futuro do pretérito) para colocar em dúvida um acontecimento, um fato social; uso de adjetivos e substantivos para caracterizar o outro de quem se fala; uso de memórias, como a professora do ensino fundamental, além de escritores renomados de nossa literatura clássica, como argumentos de autoridade, a fim de ganhar a credibilidade de seus leitores. Tais resultados apontam para a relevância do estudo das práticas discursivas construídas na esfera midiática, demonstrando as possibilidades heurísticas dos construtos teóricos bakhtinianos, sobretudo da concepção dialógica da linguagem.

Palavras-chave: Linguagem. Diálogo. Relações enunciativas. Posições ideológicas.

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ABSTRACT

This paper aims at developing a dialogical analysis of the discourses which emerged in the media sphere because of the controversy of the textbook "Por uma vida melhor", which had its beginning in May 2011, having been featured on various radio and TV stations, plus magazines, newspapers, blogs and official websites. To this end, we seek grounding in the theoretical-methodological basis present in the theoretical constructs of the Bakhtin Circle, from the dialogical conception of language, given that the reading of these texts revealed an intense dialogue, in which, in Bakhtin's view, a text "replied the other", a text was "response" of another, in an unbroken dialogical chain. The analysis of the selected corpus is based on the sociological method to the study of language, through which we place the sphere of production, circulation and reception of these discourses, describe the characteristics and regularities of the genre and highlight linguistic and enunciative strategies used to produce meanings in these social relations, indicating to ethical and political valuation. Realizing the language as a privileged site of interaction between subjects, from the analysis undertaken, we describe and explain the discursive practices that have established in the media sphere because of the controversy, revealing the voices in these enunciative relations, identifying their ideological positions in face of the event. The results of our analysis indicate discursive marks of an endless dialogue around the controversy, whereby social voices from different spheres (political, academic, scientific, religious, and above all, common sense) valuate through word. These voices dialogue not only on the book itself, but about their attitudes towards language and its variations, the first language teaching, the linguistic science, and the teacher/researcher of Portuguese Language and, also, about the book's author, Professor Heloisa Ramos, the federal government, the Workers' Party, the Ministry of Education and the Minister Fernando Haddad. These dialogues are evidenced by movements of approach or distancing from the speech of the other and the calling of other voices. Among the strategies used by the enunciators in the enunciative formations analyzed, we highlighted: the use of terms present in previous speeches, in order to resume or give new meaning to what was said; use of punctuation, quotes, bolds, italics, parentheses; use of direct or indirect speech; use of the verb in the passive voice; changes of tense (conditional tense) to cast doubt on an event, a social fact; use of adjectives and nouns to characterize the other of whom one speaks; use of memories, as the elementary school teacher, besides renowned writers of our classical literature, as arguments of authority, in order to gain the credibility of readers. These results point to the relevance of the study of discursive practices constructed in the media sphere, demonstrating the heuristic possibilities of Bakhtinian theoretical constructs, especially the dialogical conception of language. Keywords : Language . Dialogue. Enunciative relations. Ideological positions.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13

Para início de conversa... ............................................................................................. 13

CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 19

LÍNGUA PORTUGUESA: BREVE PERCURSO HISTÓRICO ................................... 19

1.1 Português no Brasil: a língua do colonizador ....................................................... 19

1.2 O português como disciplina curricular ............................................................... 21

1.3 Políticas públicas para a educação ....................................................................... 26

1.4 Linguagem na escola: diferenças e deficiências ................................................. 31

CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 36

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ......................................................... 36

2.1 Concepção dialógica da linguagem ...................................................................... 37

2.2 Tecendo os fios do diálogo social ......................................................................... 41

2.3 Construção de sentidos e posições ideológicas .................................................. 46

2.4 O diálogo e suas vozes .......................................................................................... 51

2.5 Sobre conceitos e métodos .................................................................................... 55

CAPÍTULO 3 ............................................................................................................. 60

POR UMA ANÁLISE DIALÓGICA DE DISCURSOS ................................................. 60

3.1 Situando a esfera e os gêneros ............................................................................. 63

3.2 As vozes do G1 em diálogo ................................................................................... 66

3.3 Veja: “a dona do português” ................................................................................... 74

3.4 Palavras e contrapalavras ...................................................................................... 79

3.4.1 A batalha das ignorâncias .......................................................................... 83

3.4.2 “Coisa de petista” ....................................................................................... 85

3.4.3 Vozes guardadas na memória ................................................................... 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 94

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 99

ANEXOS ................................................................................................................. 103

Escrever é diferente de falar ...................................................................................... 103

Texto 1 .......................................................................................................................... 120

Texto 2 .......................................................................................................................... 122

Texto 3 .......................................................................................................................... 124

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Texto 4 .......................................................................................................................... 127

Texto 5 .......................................................................................................................... 129

Texto 6 .......................................................................................................................... 132

Texto 7 .......................................................................................................................... 139

Texto 8 .......................................................................................................................... 144

Texto 9 .......................................................................................................................... 146

Texto 10 ........................................................................................................................ 150

Texto 11 ........................................................................................................................ 152

Texto 12 ........................................................................................................................ 155

Texto 13 ........................................................................................................................ 157

Texto 14 ........................................................................................................................ 159

Texto 15 ........................................................................................................................ 161

Texto 16 ........................................................................................................................ 164

Texto 17 ........................................................................................................................ 167

Texto 18 ........................................................................................................................ 170

Texto 19 ........................................................................................................................ 172

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como mote a polêmica iniciada em maio de dois mil e onze

a respeito do livro didático “Por uma Vida Melhor”, distribuído pelo Ministério da

Educação (MEC) para turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) em todo o

Brasil.

Em treze de maio daquele ano, uma emissora de televisão nacional divulgou

matéria em horário nobre com a seguinte manchete1:

A celeuma deu-se em torno de algumas sentenças retiradas do livro, e

utilizadas pela autora para comentar sobre o Preconceito Linguístico. São elas: “nós

pega o peixe”; “os menino pega o peixe” e “os livro ilustrado mais interessante estão

emprestado”. Retiradas do capítulo 1 do livro, intitulado "Escrever é diferente de

falar" (Anexo 1 deste trabalho) - que apresenta a proposta de ensino aos estudantes,

mostrando as diferenças entre a norma padrão, exigida pela gramática normativa, e

as variantes populares, utilizadas em situações mais informais –, tais sentenças

passaram a ser utilizadas, extraídas de seu contexto de produção, para difundir a

ideia de língua única típica da Rede Globo.

Nessa apresentação do livro, os autores propõem um ensino de língua

portuguesa partindo do “uso popular” do idioma, considerando as variedades do uso,

nos níveis fonéticos, morfológicos e sintáticos. Como podemos observar no recorte

abaixo:

1 http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/05/mec-defende-que-aluno-nao-precisa-seguir-algumas-

regras-da-gramatica-para-falar-de-forma-correta.html, acesso em 19/12/2013.

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Notamos que o título do capítulo em questão, “Escrever é diferente de falar”,

já revela a preocupação com o bom emprego da língua no registro formal, próprio da

escrita. A nossa leitura evidencia que o livro não propõe uma sobreposição da

linguagem oral sobre a linguagem escrita em qualquer circunstância. Porém,

observamos o cuidado dos autores em mostrar a importância de não se estigmatizar

os usos populares da língua, reconhecendo, em vez disso, a validade do seu

funcionamento.

O assunto foi destaque em diversas emissoras de TV e Rádio, além de

revistas, jornais, blogs e sites oficiais. Diferentes pontos de vista sobre a questão da

língua e sobre o ensino-aprendizado da língua materna vieram à tona. Foram

levantadas, ainda, muitas críticas ao governo federal, representado pelo Ministério

da Educação, e a uma das autoras do livro, Heloisa Ramos, professora aposentada

da rede pública de São Paulo que ministra cursos de formação para professores.

Sendo um assunto socialmente relevante, dada a sua repercussão, notamos

no debate que se instaurou com o livro “Por uma Vida Melhor” uma oportunidade de

investigação das formações enunciativas que constituíram a polêmica, uma vez que

a leitura desses textos revelou um diálogo bastante intenso, em que, na visão

bakhtiniana, um texto “respondia ao outro”, um texto era “contrarresposta” de outro,

numa cadeia dialógica ininterrupta.

Assim, surgiu a ideia de elaborar uma análise discursiva tomando tal material

como base, a fim de identificar vozes em diálogo (divergentes ou convergentes) e

suas posições ideológicas em relação ao evento, evidenciando ainda os recursos

linguísticos utilizados nessas formações enunciativas.

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Notamos que muito se tem discutido, em anos recentes, sobre o papel central

dos gêneros do discurso como objeto e instrumento de trabalho para o

desenvolvimento da linguagem na escola. Acerca disso, as Orientações Curriculares

para o Ensino Médio, ao traçar o perfil do aluno, destacam que:

Nesse trabalho de análise, o olhar do aluno, sem perder de vista a complexidade da atividade de linguagem em estudo, deverá ser orientado para compreender o funcionamento sociopragmático do texto – seu contexto de emergência, produção, circulação e recepção; as esferas de atividade humana (ou seja, os domínios de produção discursiva); as manifestações de vozes e pontos de vista; a emergência e a atuação dos seres da enunciação no arranjo da teia discursiva do texto; a configuração formal (macro e microestrutural); os arranjos possíveis para materializar o que se quer dizer; os processos e as estratégias de produção de sentido (2006, p. 32).

Nesse contexto, aspiramos buscar suporte nos estudos bakhtinianos,

pautando nossa leitura a partir de um exame atento da esfera de produção,

circulação e recepção dos textos selecionados, entendendo que:

os enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de

cada campo referido não só por seu conteúdo (temático), mas

também pelo uso da linguagem [...], acima de tudo, por sua

construção composicional (BAKHTIN, 2003, p. 261).

Pretendemos, portanto, a partir da leitura de uma seleção de textos, analisar

os diversos posicionamentos ideológicos - da mídia, da academia, dos órgãos

oficiais e do senso comum – acerca da discussão que se instaurou sobre o assunto

em pauta, considerando as apreciações valorativas das partes envolvidas nesses

diálogos.

Para isso, temos os seguintes objetivos:

1) Identificar as diferentes vozes presentes na esfera midiática por ocasião da

discussão instaurada com a divulgação do conteúdo/proposta do livro didático

“Por uma Vida Melhor”, buscando dados em notícias, artigos e colunas

assinadas (online).

2) Analisar os textos do corpus reunido, explorando as possibilidades de

mobilização da língua nessas formações enunciativas que revelem

apreciações éticas e políticas, com foco no dialogismo.

3) Contribuir com as discussões sobre as práticas discursivas, tendo como

base teórica a concepção dialógica da linguagem sob a perspectiva

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bakhtiniana, a partir da análise de discursos que circularam na mídia online ,

a respeito do livro didático.

Para alcançar tais objetivos, necessário se faz, primeiramente, elencar

algumas questões para alicerçar nossas reflexões:

1) Quais vozes podem ser percebidas no corpus reunido de textos sobre o

debate acerca do livro “Por uma vida melhor”?

2) De que forma esses textos dialogam entre si? A quem e/ou a que eles

respondem? Que recursos linguísticos utilizam para se posicionarem nesses

diálogos?

3) O que os textos analisados podem sugerir sobre a atitude dos colunistas,

comentaristas, blogueiros, perante a Língua Portuguesa, Ensino de LP,

Linguística e demais temas envolvidos na questão em debate?

A concepção dialógica da linguagem esclarece a construção da interação

discursiva na qual um discurso revela a existência de outros discursos em seu

interior, num jogo constante de influências e contestações, isto é, de encontros e

desencontros. Essa busca em elucidar um discurso com o auxílio de outro evidencia

as vozes constituintes do dialogismo, numa cadeia de ação mútua em que os

discursos mantêm relações de recepção e percepção de enunciados; e os sujeitos,

por meio de elementos sociais e históricos, conferem significados reais,

expressando pontos de vista sobre a realidade concreta.

Nessa perspectiva, iniciamos nosso primeiro capítulo com uma abordagem

sócio-histórica da constituição da Língua Portuguesa como língua nacional no Brasil,

e a constituição da Língua Portuguesa como disciplina curricular nas escolas

brasileiras, destacando os contextos que se refletiram nas principais mudanças

sociais que geraram os documentos que norteiam o atual currículo da disciplina. Por

fim, discutiremos o problema do fracasso escolar tratando ainda das diferenças

sociais e culturais que alimentam os preconceitos sobre o uso da língua.

No capítulo segundo traçamos nosso referencial teórico-metodológico a

partir da concepção dialógica da linguagem definida pelo Círculo de Bakhtin,

mobilizando alguns conceitos para nortearem esta investigação, com destaque para

discurso, enunciado, tema, significação, signo, ideologia, plurilinguismo,

plurivocalidade e exotopia.

O terceiro e último capítulo refere-se à análise do corpus por nós

selecionado. Por meio da leitura investida, evidenciaremos as diversas vozes que

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dialogam através desses discursos, os recursos linguísticos que utilizam para se

posicionarem ideologicamente, a quem essas vozes respondem nessas formações

enunciativas, pelo viés da concepção dialógica da linguagem.

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CAPÍTULO 1

LÍNGUA PORTUGUESA: BREVE PERCURSO HISTÓRICO

Pessanha (2004, p. 58) nos alerta que para conhecer conteúdos e entender

as práticas de ensino de determinada disciplina curricular, faz-se necessário, antes

de tudo, considerar as forças e os interesses sociais que envolvem suas histórias,

para então ousar propor mudanças ou adequações que atendam a novas

demandas.

Consonante a esse raciocínio, para dar início a este trabalho, percebemos a

necessidade de entender a formação da Língua Portuguesa como língua nacional no

Brasil e a constituição da Língua Portuguesa como disciplina curricular nas escolas

brasileiras, a fim de, a partir daí, estudar as diversas abordagens teóricas utilizadas

na elaboração dos documentos oficiais norteadores do ensino, e compreender os

rumos do ensino de Língua Portuguesa no atual contexto em que vivemos.

Ao final deste capítulo, apresentamos as leituras que empreendemos sobre

o problema do fracasso na/da escola, analisando as questões políticas e sociais em

torno desses tópicos, observando as diferenças e deficiências que geram os

preconceitos com relação não somente ao uso da língua, mas com relação àquele

que a usa, ao grupo social que esse sujeito representa.

1.1 Português no Brasil: a língua do colonizador

Se pensarmos a constituição da Língua Portuguesa no Brasil (ou em qualquer

outro país colonizado), perceberemos que a língua sempre foi utilizada como

instrumento de dominação. Os portugueses, por suas necessidades de contato com

os povos indígenas, a fim de estabelecer a exploração da colônia e, posteriormente,

dominar as nações que aqui viviam, trouxerem ao Brasil os Jesuítas para escolarizar

e catequizar os nativos. Tal empreendimento exigiu uma aproximação da língua

falada pelos índios, como que para participarem, para se integrarem àquele mundo,

para serem aceitos pelos selvagens, e depois, como nos mostra a história, impor a

sua língua como oficial, mantendo o seu domínio.

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Em face das relações entre as várias línguas faladas na colônia – o português

(trazido pelo colonizador), as línguas indígenas2 e o latim (que se estabeleceu com o

ensino secundário e superior dos jesuítas) -, surge outra língua, de base no tronco

Tupi, condensando várias línguas indígenas faladas no Brasil, chamada Língua

Geral do Grão-Pará.

Essa língua não portuguesa trazia interferências do português, e se constituía

de base indígena e marcas africanas. Era instrumento de comunicação entre leigos,

religiosos, senhores, escravos, índios, negros, mulheres e crianças, nas igrejas e

nas fazendas. Até a proibição de seu uso pelo Marquês de Pombal em 1758, a

língua geral era instrumento essencial de comunicação no cotidiano, utilizada como

meio de contato entre os nativos, os europeus e os negros escravos:

com a língua geral evangelizavam os jesuítas, nela escreveram peças dramáticas para a catequese; era ela que os bandeirantes falavam, com ela é que nomearam flora, fauna, acidentes geográficos, povoações; foi ela quase sempre a língua primeira das crianças, dos filhos tanto dos colonizadores quanto dos indígena (HOUAISS, 1985, p. 49, apud SOARES, 2004, p. 158).

A partir de 1758, em face da Reforma de Estudos inserida por Marquês de

Pombal em Portugal e suas colônias, a língua geral é terminantemente proibida,

passando a ser obrigatório o uso da Língua Portuguesa para patentear a dominação

lusitana sobre o Brasil. Essa reforma cria a primeira rede leiga de ensino, expulsa os

jesuítas, estabelece um ordenamento jurídico e administrativo, resultando numa

nova política linguística e cultural.

Assim, a partir da segunda metade do século XVIII, o português passa a ser a

língua nacional da Colônia, sobrepondo-se às demais, marginalizando-as. Isso se

explica pelo simples fato de que as línguas indígenas e africanas representam povos

escravizados, selvagens, primitivos, logo, povos sem voz. O Brasil colônia não tem

lugar para esses povos dominados, nem para suas vozes, nem para seus falantes. A

língua nacional deve ser a do colonizador. A língua do colonizador é a língua

legitimada nas relações sociais.

Esse fato histórico marcou definitivamente o fim de um processo que poderia ter definido outro destino linguístico para o Brasil. Daí por diante, a escolarização, o processo de urbanização crescente, a vinda da corte para o Brasil no início do século seguinte definiram a

2 Silva (2004, p. 49), lembrando que existem cerca de 1.500 línguas no território brasileiro (HOUAISS, 1985, p.

100), qualifica como glotocida esse processo histórico de contato entre línguas.

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língua portuguesa como a língua nacional e oficial (SILVA, 2004, p. 52).

Concomitante ao declínio da língua geral há o aumento do número de

portugueses no Brasil, falantes de diversos dialetos, oriundos de diferentes regiões

de Portugal. Essa nova Língua Portuguesa se constrói com marcas próprias,

processo natural a qualquer língua, pela interferência de línguas indígenas e

africanas que se encontraram com a portuguesa. Com o passar dos anos, apesar da

miscigenação cada vez mais crescente, “a ideologia aristocratizante do Brasil

Colônia passou ao Brasil independente e ainda predomina até hoje: teima-se em

desconhecer o Brasil pluriétnico, pluricultural, plurilíngue” (SILVA, 2004, p. 65).

1.2 O português como disciplina curricular

Soares (2004), ao traçar o percurso da constituição da disciplina “português”

no Brasil, observa, primeiramente, que, em cada período histórico, ela se define

pelas condições sociais, econômicas e culturais que influenciam a escola e o ensino,

pela natureza dos conhecimentos disponíveis e pela formação de professores.

A autora destaca que somente no fim do Império, nas últimas décadas do

século XIX, é que tal disciplina foi incluída no currículo escolar. Até então, a Língua

Portuguesa, melhor dizendo, o ler e o escrever em português, era utilizado apenas

como instrumento de alfabetização, não como disciplina curricular. Após, no ensino

secundário e superior, estudava-se a gramática da língua latina e a retórica.

Aqueles que tinham acesso a tais níveis escolares eram os oriundos das

classes privilegiadas, e que, logo, desejavam seguir os padrões educacionais da

época, que não valoravam a Língua Portuguesa como bem cultural capaz de se

estabelecer como disciplina curricular.

A Reforma Pombalina foi determinante para a estabilização da Língua

Portuguesa no Brasil e para a constituição e valorização do português como

disciplina curricular. Ao lado do ensino da língua, nas modalidades da leitura e

escrita, introduziu-se o ensino da gramática portuguesa, ainda que com um foco

predominantemente instrumental, isto é, como apoio para o estudo da gramática da

língua latina, a qual, assim como a retórica, persistiu como importante componente

curricular.

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Foi durante o século XIX, com a consolidação da disciplina do português na

escola e a exclusão do latim do sistema de ensino fundamental e médio, em face de

seu desprestígio social, que surgiram as primeiras (e numerosas) gramáticas da

Língua Portuguesa. E assim, embora tenha conquistado mais autonomia, a língua

permanece instituída como sistema de regras normatizado pela gramática.

Nesse mesmo período, a retórica passa a ser estudada pelo viés do uso nas

práticas sociais de comunicação, e não mais exclusivamente para fins eclesiásticos.

A poética, que antes era estudada dentro da retórica, ganha seu espaço e se

estabelece também como disciplina curricular. Somente no fim do Império as três

disciplinas (gramática, retórica e poética) passam a compor: o português. Mas, na

prática, até os anos 1940, nada mudou com relação ao ensino da disciplina, a qual

continuou a abranger as três áreas.

Além das inúmeras gramáticas, foram publicadas e distribuídas coletâneas de

textos. Até a década de 1950, esses materiais foram largamente utilizados em sala

de aula de Língua Portuguesa, cabendo ao professor a elaboração de análises,

comentários, questionários e exercícios a serem propostos aos seus alunos, a partir

desses materiais didáticos, os quais eram utilizados apenas como suporte e não

como guias.

Não havia à época faculdades de Letras, muito menos cursos de formação de

professores, e quem lecionava tais disciplinas eram os intelectuais oriundos das

elites sociais, geralmente formados em Filosofia ou Direito.

Lembremos, como já dissemos aqui, que apenas uma pequena parcela da

população brasileira da época, obviamente, os mais favorecidos financeiramente,

tinha acesso a essa educação. A fim de comprovar tal assertiva, Razzini (1992) nos

informa que até 1950, 51% da população brasileira com idade superior a 15 anos

não sabia ler e escrever. Isso demonstra que o acesso à escola e ao consumo de

bens culturais, como livros, revistas e jornais era legado apenas à pequena classe

dominante.

Entre os anos de 1950 e 1960, ocorrem no Brasil profundas modificações

sociais e culturais, levando a classe trabalhadora a reivindicar o acesso à educação

também para seus filhos. Tal mudança de público acarreta então mudanças de

conteúdo e disciplinas curriculares na escola, além de mudanças com relação às

funções e objetivos dessa instituição. Se a retórica, como arte do bem falar, era

ensinada aos filhos das classes dominantes para a manutenção de seu poder,

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certamente não poderia ser ensinada a esses novos alunos que adentravam a

escola.

Iniciou-se uma corrida por recrutamento de professores, a fim de atender à

crescente demanda do alunado. Como consequência de tais transformações, o

professor de português passa a receber em seus manuais didáticos exercícios de

vocabulário, interpretação de textos, redação e gramática. A autonomia pela

condução da disciplina, antes legada aos professores (os quais, até então, em sua

maioria, eram formados em faculdades de Filosofia e Direito), a partir de então é

transmitida ao autor do livro didático, que, agora, contemplando gramática e texto,

passa a utilizar o texto como contexto para o ensino da gramática, seguindo, ainda,

a tradição do ensino jesuítico.

Com um recrutamento mais amplo e menos seletivo de profissionais

docentes, os quais já não têm mais autonomia no direcionamento do seu trabalho,

inicia-se um processo de depreciação da profissão e consequente reflexo no salário

dos professores e nas condições de trabalho, cada vez mais precárias. Tal realidade

leva o professor a conformar-se com a transferência da responsabilidade de

preparar aulas e exercícios ao livro didático. Somadas a isso, a ampliação de vagas

e consequente mudança nas características do alunado acarretaram sérios prejuízos

para as condições de ensino e de aprendizagem.

Em face da intervenção do governo militar em 1964, os anos de 1970

marcam mudanças nas disciplinas curriculares, em virtude da Lei nº5692/71 (Lei

de Diretrizes de Bases da Educação), que colocou a educação no contexto desse

governo, a serviço do desenvolvimento. Os anos de escolarização básica (1º

grau) passam de quatro para oito anos. Ampliam-se, cada vez mais, as

possibilidades de acesso à educação formal, que visava à inserção social do

indivíduo, isto é, a formação de cidadãos aptos para o mercado de trabalho a fim

de alavancar o desenvolvimento econômico do país.

Ao longo da década de 1970, a Teoria da Comunicação pautou o ensino de

Língua Portuguesa. O ensino assume, segundo Soares (2004), um caráter

utilitarista, e a disciplina de Português passa a se chamar Comunicação e Expressão

(séries iniciais do 1º grau), Comunicação em Língua Portuguesa (séries finais do 1º

grau) e Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (2º grau).

Nesse contexto, a disciplina comporta elementos da teoria da comunicação,

em que ao aluno cabe o papel de emissor-receptor de códigos verbais e não-

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verbais. A língua é concebida como instrumento de comunicação, em substituição à

concepção da língua como sistema de regras.

O objetivo do sistema de ensino é a formação de mão de obra, e o foco do

ensino do português é o expressar-se bem, desenvolver o uso da língua nas práticas

sociais. Como consequência, os livros didáticos passam a trazer textos publicitários,

quadrinhos, humor, a fim de ampliar o conceito de leitura, antes voltado mais para

recepção e interpretação de textos verbais, introduzindo os não-verbais. Além disso,

a oralidade passa a ser valorizada com a finalidade de desenvolver o uso da língua

em situações comunicacionais do cotidiano.

Faraco (2008, p. 186-187) comenta que, nesse período, ocorria a instalação

da primeira rede nacional de televisão no Brasil, época em que se repetia o bordão

“Quem não se comunica se trumbica”, pelo apresentador Chacrinha, fazendo ecoar

o discurso pedagógico legitimado pelo Estado. O autor afirma ainda que, mesmo a

gramática tendo um lugar acessório nos livros didáticos, o seu ensino continuou a

ser feito regularmente nas escolas, atitude justificada pela cobrança de tais

conhecimentos nos exame vestibulares.

Ao final da década de 1970, início de 1980, sob a influência da Linguística

Textual, o ensino do português se volta para os conhecimentos metalinguísticos,

destacando a coesão e a coerência como principais mecanismos para a elaboração

de um texto.

Em 1980, por determinação do Conselho Federal de Educação, a disciplina

volta a se chamar português em todos os níveis de ensino, em face dos avanços nas

áreas das ciências linguísticas.

Teorias linguísticas desenvolvidas pela Sociolinguística, Psicolinguística,

Pragmática, Linguística Textual e Análise do Discurso norteiam discussões acerca

do trabalho pedagógico referente ao ensino da língua. Destacamos a influência da

Sociolinguística, mostrando as diferenças dialetais que chegam à escola com a

democratização do ensino, exigindo uma nova atitude da escola para lidar com tais

variedades.

A polêmica quanto a ensinar ou não a gramática também surge nesse

contexto, em virtude do quase apagamento da gramática no livro didático. A

linguística desenvolve estudos sobre a descrição da Língua Portuguesa escrita e

falada. Uma nova concepção de língua como manifesta na enunciação se opõe ao

conceito de língua como instrumento de comunicação, considerando as relações

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entre os sujeitos por meio da língua em suas práticas sociais, destacando ainda o

contexto de interação e as condições de produção e utilização da língua.

As aulas de português passaram a focalizar a aprendizagem do uso da

língua, organizando o ensino em consonância com o tripé das práticas de produção,

leitura e análise linguística.

A história nos mostra, ainda, que a abordagem que se faz do texto em sala de

aula de Língua Portuguesa vem se modificando. No início, como já vimos, o texto

era (e continua sendo, em muitos casos) utilizado apenas como mote para a

verificação de usos das regras gramaticais, sem nenhuma preocupação com a

atribuição de sentidos a partir da leitura, a qual, quando proposta, era apenas de

maneira silenciosa e individual, desprovida de qualquer necessidade de

compreensão, mas sim, como exercício da oralidade e memorização.

Posteriormente, chegaram ao livro didático os exercícios de leitura e interpretação

de textos, com sequências de perguntas para guiar a compreensão dos

alunos/leitores (GERALDI, 2006).

A concepção da língua como discurso passou a considerar aspectos sócio-

históricos, isto é, as condições de produção desses discursos. Logo, a atividade do

falante, incluindo aí as variações linguísticas, passa a ter vez, e não apenas o ensino

da gramática. Tal postura justifica-se pela mudança, como já relatamos, dos

destinatários desse ensino - agora, não mais os filhos de famílias privilegiadas, mas

inúmeros estudantes oriundos das camadas populares, os quais traziam para a sala

de aula uma ampla variedade linguística. Novas vozes que falam e escrevem

chegam à escola e querem ser ouvidas, e a escola precisa se instrumentalizar para

esse novo contexto, demandando novas posturas, novos conteúdos e novas

metodologias de ensino do português.

Para Soares (2004), os anos de 1980 e 1990 foram, para a disciplina de

português, de mudanças paradigmáticas geradas pela influência de conhecimentos

desenvolvidos nas Ciências Linguísticas, na Sociologia, na História e na

Antropologia, sobretudo quanto à leitura e escrita, gerando discussões acerca de

uma concepção de linguagem que direcionasse a prática pedagógica.

Em face dessas novas propostas e a fim de encontrar um enquadramento do

ensino de português por meio da fixidez na elaboração dos materiais didáticos, por

volta dos anos de 1990, com princípios na linguística da enunciação e do discurso,

os estudos da linguagem voltam-se para os gêneros do discurso, trazendo para a

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sala de aula os elementos da constituição do gênero – conteúdo, estilo e forma

composicional, como veremos mais detalhadamente, no capítulo 2 desta

investigação.

1.3 Políticas públicas para a educação

Já vimos até aqui que os anos de 1970 e 80 foram de transformações sociais

e culturais que se refletiram na democratização do ensino e, por conseguinte, no

repensar de políticas educacionais.

Após um longo período de ditadura militar no país, consolida-se em 1988 uma

nova Constituição Federal, que traz mudanças educacionais, sobretudo

determinando o estabelecimento de conteúdos curriculares mínimos e comuns para

todo o país, além de alterações de políticas. Era preciso adequar a escola às

necessidades do mercado e preparar o trabalhador para corresponder aos padrões

do capital mundial, atendendo aos anseios do sistema capitalista em integrar os

países em desenvolvimento ao mundo globalizado.

Num momento de grande instabilidade econômica, o país se compromete

cada vez mais com os organismos internacionais - Unesco, Unicef, Banco Mundial,

Fundo Monetário Internacional – por meio de acordos de cooperação técnica e

financeira, que visam financiar projetos para a área de infraestrutura econômica,

passando, por conseguinte, a influenciar nas definições pertinentes às políticas

sociais e educacionais no Brasil (FONSECA, 1998).

Isso ocorre porque esses organismos passam a exigir melhores resultados na

educação brasileira, como contrapartida aos seus investimentos, tendo como foco

elevar o desenvolvimento econômico e social a um nível aceitável pelo mercado

internacional. Acerca das políticas educacionais instauradas no Brasil, em

decorrência desses acordos internacionais, Santos afirma que:

As políticas de educação implementadas em nosso país inseridas neste contexto são resultado das transformações decorrentes dos processos de reestruturação e manutenção do sistema capitalista mundial, consequência da internacionalização e globalização da economia e da utilização de medidas de ajustamento econômico e político de cunho neoliberal, privilegiando as relações de mercado em detrimento da vida social e da satisfação das necessidades básicas da população pobre, como educação, saúde, transporte, moradia, empregabilidade, entre outras, expressas pela minimização

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do papel do Estado em suas funções de promoção e garantia da equidade social3.

Esse autor considera que tais ações têm produzido efeitos negativos em face

da ineficiência e ineficácia no enfrentamento dos problemas crônicos da educação

brasileira, como as altas taxas de evasão, reprovação, precariedade no ensino –

problemas esses que corroboram para a reprodução e manutenção das

desigualdades escolares e sociais.

Arruda (2010), em um levantamento histórico acerca das políticas públicas

para educação de jovens e adultos no Brasil, revela que a preocupação com o

analfabetismo remonta aos anos de 1950, mas apenas em 1964, em face do

empenho de estudantes, sindicatos e outros grupos, é que foi aprovado o Plano

Nacional de Alfabetização para o país. Em 1967, foi criado o MOBRAL – Movimento

Brasileiro de Alfabetização, destinado à população de 15 a 30 anos. Em 1971, a Lei

5692/71 reformula o ensino supletivo, ampliando as oportunidades educacionais

para os adultos e tratando ainda da formação de professores para o EJA.

Contudo, de acordo com o estudo da pesquisadora, é a partir da Constituição

Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei

nº9394/96) que a Educação de Jovens e Adultos começa a obter maiores

conquistas, com programas educacionais específicos para tal modalidade, e

atendimento na rede pública de ensino. E, finalmente, em 1999, chegam às

instituições escolares os Parâmetros em Ação da Educação de Jovens e Adultos

para o Ensino Fundamental - PCN em Ação/EJA (BRASIL, 1999). Em 2000, delimita-

se a idade mínima para ingresso na educação de jovens e adultos aos 14 anos para

a etapa Fundamental do ensino, e 17 para o Ensino Médio. E em 2002, elabora-se a

proposta curricular para a EJA, que toma como referência os PCN (BRASIL, 1998) e

os PCNEM (BRASIL, 1999). Nesse mesmo período regulamenta-se o Exame

Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), com o

objetivo de oferecer certificação de conclusão aos que não tiveram oportunidade de

cursar o ensino regular em idade certa.

A década de 1990 foi, então, de reformas educacionais geradas pela

aprovação da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais 9.394/96, que teve como

3 (disponível em http://meuartigo.brasilescola.com/educacao/banco-mundial-gerenciamento-educacao-

brasileira.htm, acesso em 22/08/2013)

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fundamento a integração da educação ao trabalho, a fim de desenvolver as

competências pertinentes às necessidades do desenvolvimento do país.

Sendo assim, o português, enquanto disciplina curricular, passa a ser

articulado e rearticulado pelas políticas públicas por meio da elaboração de diretrizes

para o ensino-aprendizagem, como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o

Ensino Fundamental (1997 e 1998) e para o Ensino Médio (1999, 2001 e 2006), e

para avaliação e escolha de materiais didáticos, como o Programa Nacional do Livro

Didático - PNLD (1997), além da instituição de um Sistema de Avaliação da

Educação Básica – SAEB (1997).

O país precisava cumprir seus compromissos com os órgãos internacionais

que o financiavam. Para tanto, era necessário aumentar sua produtividade e tornar-

se mais competitivo nesse mercado globalizado. A educação, nessa perspectiva, a

fim de responder a esses anseios, passa a ser articulada com o objetivo de formar

cidadãos capazes de se ajustar às mudanças sociais que ocorrem numa sociedade

capitalista, cabendo à instituição escolar a responsabilidade pela preparação desses

sujeitos.

Nesse viés, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa

(PCNLP, 1997) buscam orientar os professores de LP na condução de um ensino

além da gramática ou das tipologias e gêneros textuais, propondo uma articulação

do ensino em sala de aula ao cotidiano do aluno, ao uso da língua em suas práticas

sociais, a fim de oferecer a este aprendiz oportunidades de se tornar um cidadão

crítico e autônomo, capaz de articular seus discursos nas diversas esferas de

comunicação em que estabelece suas relações sociais. Em outras palavras, a

proposta é contrapor o ensino tradicional de língua materna, propondo um trabalho

efetivo com a linguagem voltado para as práticas sociais.

O documento, porém, apresenta sérios problemas de ordem conceitual,

revelando falta de compreensão por parte de seus elaboradores. Cunha (2004, apud

BARROS, 2008, p. 45-47) aponta para a confusão feita com alguns conceitos:

linguagem (oriundo do sócio-interacionismo) e código (oriundo do estruturalismo)

são utilizados como se fossem sinônimos; signo e sinal são usados

alternativamente, embora sejam distintos; não apresenta definição de gênero,

supondo que tal conhecimento seja partilhado, e apresenta texto, produto de

codificação e decodificação, contrário à proposta do sócio-interacionismo. Dessa

forma, lembra Barros (2008), embora tente propor uma inovação para o ensino de

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língua materna, afastando-se do ensino tradicional, privilegia o uso do texto como

objeto de ensino da língua, reduzindo suas propostas a concepções estruturalistas.

Marinho (2007, p. 172), refletindo acerca do contexto de elaboração dos PCN,

comenta que tais propostas são o resultado de um processo iniciado em 1970, que

demandou inovações pedagógicas em face da democratização da escola, gerando

discussões na academia e sociedade civil, exigindo uma formalização por parte do

estado, isto é, foi um movimento “gestado numa relação entre os discursos da

vanguarda científica ou acadêmica e as políticas oficiais de produção curricular”

(idem, p. 174).

Nesse contexto, Motta-Roth (2008, p. 344-350) destaca que os PCNs

receberam influência tanto da teorização de Bakhtin – que, com base na concepção

dialógica, analisa a linguagem a partir das relações sociais de interação entre

sujeitos sócio-historicamente situados – e do Interacionismo sócio-discursivo – que

leva à análise da ação da linguagem por meio do texto, a partir de tipos de discurso

e sequências, mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos. Logo,

considerando o papel central do gênero em sua formação, tal documento regulador

deveria se desenvolver processualmente, levando à prática, à discussão e ao

aperfeiçoamento contínuo.

Embora ainda pouco compreendidos e pouco empregados de fato nas

práticas de ensino nos dias atuais, os constructos teóricos de Bakhtin são muito

relevantes na redefinição do objeto de ensino de Língua Portuguesa no Brasil. A

teoria bakhtiniana da enunciação entende a língua como meio e produto de

interação entre sujeitos concretos, que produzem enunciados concretos, reais,

únicos e irrepetíveis, pois são irrepetíveis o tempo, o espaço e as condições de

produção de cada enunciado. O objeto de ensino-aprendizagem é o conhecimento

linguístico e discursivo, a partir do qual, por meio da linguagem, o sujeito participa

das práticas sociais.

Nesse viés, os PCN evidenciam uma latente necessidade de romper com a

tradição gramatical, que ensinava por meio da repetição de regras, buscando um

ensino fundado na dinamicidade da língua, como atividade de interação, na

construção permanente da língua viva.

O documento demonstra uma concepção de linguagem fundada na interação

social, a linguagem como produto e meio dessa interação, como podemos destacar

a seguir, acerca do caráter sócio-histórico da língua:

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língua é um sistema de signos específico, histórico e social, que possibilita a homens e mulheres significar o mundo e a sociedade. Aprendê-la é aprender não somente palavras e saber combiná-las em expressões complexas, mas apreender pragmaticamente seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas entendem e interpretam a realidade e a si mesmas (BRASIL, 1997, p. 20).

No mesmo caminho, o PNLD, cuja função é avaliar propostas pedagógicas

vinculadas à elaboração de materiais didáticos e programas de ensino, distancia-se

do que seria a escolha dos professores tradicionalistas e busca calçar seus critérios

nas pesquisas mais recentes e legitimadas pela ciência da linguística para o ensino

de Língua Portuguesa. Logo, assim como os PCNLP, o PNLD é orientado para o

foco nas práticas de usos da língua e pela reflexão sobre os usos, reafirmando

tendências como a diversidade textual e linguística como destaque para o ensino de

língua materna, intensificando, ainda, as possibilidades de ensino de gêneros orais e

escritos organizados por projetos ou sequências didáticas (BUNZEN, 2011, p. 905).

Kleiman (2008, p. 488-489) pondera que essas mudanças propostas ao

sistema educacional, sobretudo pela publicação dos documentos normativos aqui

destacados, criam uma incerteza que desestabiliza o professor, uma vez que trazem

novas exigências e deveres sem os concomitantes direitos, sendo que boa parte

desses profissionais desconhecem os avanços nos estudos linguísticos que

embasam tais documentos.

Em consonância, Faraco (2008, p. 195-196) destaca que, embora tenham

sidos formulados no intuito de inovar em termos de organização curricular e buscar

sintetizar uma concepção de ensino de língua materna aspirada por linguistas,

passados dez anos de sua vigência os parâmetros não tinham sido assimilados pela

escola e não se refletiam no cotidiano dela. Dentre as hipóteses levantadas pelo

autor está o fato de ser este um documento relativamente consistente, com excesso

de teorizações que fazem sentido na academia, mas pouco dizem para a maioria

dos professores.

A fim de tentar preencher essas lacunas e alcançar o sucesso na aplicação

dos parâmetros, em 2002 é publicado o documento intitulado Orientações

educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+), que

detalha os objetivos, distribui atividades e conteúdos pelas diferentes séries,

explanando metodologias e critérios de avaliação. Já em 2006, o MEC publicou

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também as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), incluindo um

capítulo voltado para a literatura.

Apesar das perspectivas apresentadas pelos documentos oficiais, referentes

ao relevante papel do sujeito na construção dialógica do discurso, com destaque

para a heterogeneidade linguística dos alunos, não é difícil encontrar hoje em sala

de aula práticas de ensino de português voltadas, ainda, para a tradição gramatical,

em detrimento de um trabalho mais reflexivo sobre a língua e suas possibilidades

discursivas.

Nesse contexto, é importante se mencionar que as chamadas Gramáticas Tradicionais tomam por base a língua, em uma de suas variedades, a padrão. E, na medida em que elegem a norma padrão, desprezam todas as outras. Nessa perspectiva, o ensino de Gramática leva ao apagamento e ao silenciamento das vozes que constituem as múltiplas variantes da língua portuguesa, em geral; e a brasileira, em particular. Ou seja, o trabalho com a gramática jamais deve se dar dissociado da realidade, e sim consistir em uma reflexão sobre textos reais (BARROS, 2008, p. 43-44, grifo da autora).

Podemos elencar inúmeras conjecturas acerca dos motivos pelos quais isto

ainda ocorre: falta de material de apoio ao trabalho com as variedades linguísticas

dos alunos, falta de formação continuada (e efetiva) dos professores no que

concerne aos avanços dos estudos linguísticos, precariedade na formação de alunos

de Letras, sobretudo em face da desvalorização da profissão e da proliferação dos

cursos rápidos e sem investimentos em pesquisa, para não mencionar os problemas

mais gerais que assolam a educação no país, como falta de infraestrutura mínima ao

funcionamento das escolas, salários aviltantes, o que gera dupla e/ou tripla jornada,

etc.

Face a isso, Faraco (2008, p. 196-198) vislumbra a necessidade de discutir as

formações de professores, a fim de garantir um melhor “domínio das práticas de

língua oral e escrita e um saber amplo, consistente e crítico sobre a língua”, mas,

além disso, é imperioso que se invista na carreira docente melhorando salários e

condições de trabalho.

1.4 Linguagem na escola: diferenças e deficiências

Apesar das proposições dos PCN e das orientações complementares - cujas

concepções são fundadas na valorização do sujeito discursivo e nas relações sociais

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que este estabelece nas diversas esferas em que interage -, inúmeras pesquisas

têm demonstrado que a realidade do ensino, especificamente o de Língua

Portuguesa, não tem alcançado seus objetivos na totalidade – é o que revelam as

pesquisas instituídas pelo SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica e PISA

- Programa Internacional de Avaliação de Alunos. Em outras palavras, as práticas de

ensino de Língua Portuguesa que as escolas brasileiras vêm promovendo não

favorecem a formação de cidadãos capazes de opinar, argumentar, participar

criticamente das práticas sociais.

Rojo (2009, p.13-21), ao tratar da exclusão e do fracasso escolar, destaca,

por meio de índices do IBGE, uma regressão nas taxas de analfabetismo no país

(entre 1872 e 2000, conforme o censo), porém, em face do crescimento

demográfico, nota-se um avanço considerável no número de analfabetos no mesmo

período.

Destaque-se que o censo de 1990 revelou que apenas 19% da população do

país possuía o ensino fundamental completo, e já no primeiro ano de escolaridade,

apenas 51% dos alunos eram aprovados.

Para tentar entender essas mazelas, relembremos que a instituição escolar,

como já vimos neste capítulo, por séculos se dedicou ao ensino restrito aos filhos

das classes financeiramente privilegiadas. Com a entrada, na segunda metade do

século XX, das classes populares na escola, começam as preocupações

institucionais com o fracasso escolar. O número de vagas na escola pública cresce,

mas muitas crianças, a maioria de classes populares, não conseguem permanecer

na escola. Logo, tal democratização do ensino, reflexo das lutas da classe

trabalhadora, resultou em avanços quantitativos e diversificação do alunado,

evidenciando, cada vez mais, a distância entre culturas e linguagens da elite e das

classes trabalhadoras.

Soares (2000) analisa que a escola pública, apesar de ter por objetivo a

democratização do saber, caminha a passos lentos no que diz respeito ao acesso à

educação pelas camadas mais populares. A autora comenta que o censo de 1980

revela que, naquele ano, mais de trinta por cento da população entre 7 e 14 anos

estava fora da escola, uma vez que os poucos que conseguiam ingressar logo saiam

por não conseguirem aprender, aumentando assim os índices de repetência e

evasão escolar. Dentre os principais motivos da evasão escolar estão os índices de

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reprovação, fator determinante para levar o governo a instituir a política de ciclos e

progressão continuada a fim de garantir a permanência na escola.

Na tentativa de demonstrar possíveis justificativas para tal realidade, a autora

passa a discorrer sobre três vertentes ideológicas que podem ter influência na

maneira como encaramos esse fracasso: Ideologia do dom, Ideologia da deficiência

cultural e Ideologia das diferenças culturais.

De acordo com a Ideologia do dom, o fracasso do aluno estaria relacionado à

falta de condições básicas para a aprendizagem, isto é, às suas potencialidades

individuais. À escola caberia o compromisso de ajustar os alunos à sociedade, de

acordo com as suas aptidões, devendo o aluno se adaptar e responder às

oportunidades que a escola lhe oferece.

Para a Ideologia da deficiência cultural, as diferenças sociais teriam sua

origem nas diferenças de aptidão, de inteligência, isto é, apenas os alunos

inteligentes teriam acesso à ascensão social, e, da mesma forma, as desigualdades

sociais seriam responsáveis pelas diferenças de rendimento escolar.

Já para a Ideologia das diferenças culturais, o fracasso dos alunos das

camadas populares teria origem na postura discriminativa da escola em relação à

diversidade cultural, por valorizar somente a cultura das classes dominantes,

elegendo padrões culturais “certos” e “errados”, num processo de marginalização

cultural.

A pesquisadora destaca que a relação entre linguagem e cultura é

fundamental, uma vez que aquela é, ao mesmo tempo, produto e meio de expressão

desta. É também a linguagem o fator mais saliente nas conjecturas daqueles que

tentam justificar o fracasso escolar das camadas populares, uma vez que é o uso da

língua na escola que evidencia as diferenças entre grupos sociais, gerando

discriminações e fracassos. Basta lembrar o preconceito linguístico por que passa

quem se utiliza de variantes linguísticas estigmatizadas em suas relações

comunicativas. Nesse viés, entendemos que se a escola sempre privilegiou o ensino

à classe dominante, nada mais natural que privilegie também a sua cultura e a sua

língua.

Por outro lado, Soares (2000, p. 39) lembra que, conforme evidenciam a

antropologia e a sociolinguística, não existe língua mais complexa, mais simples,

mais expressiva ou mais rica que outra, uma vez que todas possuem suas

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particularidades, são diferentes umas das outras, se adequam às necessidades e

características de sua própria cultura, e todas são instrumentos de comunicação.

A autora ressalta que, assim como ocorre com as línguas, cada dialeto e cada

registro atende às necessidades comunicativas dos falantes de determinado grupo

onde a fala ocorre, e não há teoria linguística que trate da superioridade de uma

variedade sobre a outra.

Acerca disso, Bagno (2007, p. 89) vem nos advertir sobre as questões

políticas e ideológicas que permeiam a eleição de um padrão linguístico. O autor

destaca que:

Nenhuma dessas línguas ou variedades foi escolhida por ser mais “bonita”, mais “lógica”, mais “exata”, mais “elegante”, mais “refinada” que outras. A escolha se fez por critérios exclusivamente políticos e ideológicos: quem está no poder vai querer impor o seu modo de falar a todo o resto da população.

Pensando nas relações de poder que permeiam o uso da língua, não é difícil

concordar com Bagno, se refletirmos sobre a imposição da língua do Príncipe

Português no Brasil, como discorremos no início deste capítulo. Podemos lembrar

que tal imposição ocorreu para demarcar a colônia e garantir a permanência do

domínio português sobre ela. E chegamos hoje às relações sociais estabelecidas

entre grupos que usam variedades diferentes dentro do mesmo território. Logo, a

língua é um produto sociocultural, meio de interação social e, no jogo político, é

utilizada como instrumento de poder, de coerção, de submissão, exclusão e

repressão de povos dominados, de classes sociais desfavorecidas.

De fato, segundo Soares, essas diferenciações refletem essas relações de

superioridade entre as variantes, as quais não são de cunho linguístico, mas de

cunho social. Trata-se de atitudes sociais que, a partir de valores sociais e culturais,

transformam as diferenças em deficiências, julgando os seus falantes e não apenas

a sua fala. Por fim, ela adverte que eliminar essas discriminações e desigualdades

não cabe especificamente ou somente à instituição escolar, mas à sociedade como

um todo, por meio de transformações na estrutura social, a fim de garantir igualdade

de condições de acesso, permanência e rendimento escolar (SOARES, 2000, p. 40-

65).

Reconhecemos, como a autora, o fato de que os conhecimentos e habilidades

aos quais temos acesso por meio da escola são instrumentos fundamentais de luta

contra as desigualdades econômicas e sociais. Mas temos que admitir que a escola

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é também o centro de onde provêm divisões e diferenciações entre grupos, onde

nascem preconceitos e discriminações linguísticas e culturais. Desta forma, é

preciso que a escola assuma seu papel político diante de tal realidade, promovendo

um ensino mais eficiente, a fim de instrumentalizar essas camadas menos

favorecidas para que possam reivindicar por iguais condições de participação

cultural e política.

Em se tratando do uso da língua, especificamente, Soares (Op. Cit.) reflete

que, sendo a língua o principal instrumento de ensino e aprendizagem em todas as

áreas do conhecimento, além de instrumento básico de comunicação, é imperioso

que o professor tenha em mente a necessidade de uma constante articulação entre

variedades linguísticas e classe social na condução do ensino da língua materna.

Mais que científica e técnica, trata-se de uma questão política. É a partir dessa

relação que podemos construir um ensino mais eficiente, vinculado às condições

sociais e econômicas de uma sociedade de classes.

Nesse mesmo raciocínio, Silva (2004, p. 24-26) propõe um ensino de

língua materna que propicie, desde as séries iniciais, a convivência, valorização e

respeito à diversidade linguística, com o propósito de desenvolver a expressão oral

dos estudantes, evitando bloqueios na comunicação escrita e oral. Para a autora, a

fim de evitar avaliações de certo e errado, é necessário contrastar as variedades da

linguagem verbal em uso de forma a estimular adequações situacionais,

enriquecendo a expressão, a comunicação e a compreensão do mundo por meio

dos diversos meios de comunicação de que dispõe o homem. Dessa forma,

mostrando as potencialidades comunicativas da língua, pode-se aprimorar seu uso

de forma libertadora, tendo em mente a dinamicidade da língua.

Em se tratando de relações sociais que envolvem o uso da língua, o

próximo capítulo apresenta uma visão da língua fundada no diálogo entre sujeitos,

nas relações de alteridade que os envolvem, no desenvolvimento do sujeito e da

linguagem em face dessas relações. A concepção dialógica do Círculo de Bakhtin

traz os fundamentos teóricos e metodológicos que nortearam nosso olhar e nosso

fazer nesta pesquisa.

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CAPÍTULO 2

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

Brait (2010, p. 9-31), em seu artigo sobre Análise e teoria do discurso na

perspectiva dialógica de Bakhtin, ao considerar os estudos realizados por esses

pesquisadores no conjunto de sua obra, argumenta que o Círculo motivou o

nascimento de uma teoria/análise dialógica do discurso - uma pesquisa embasada

na concepção de linguagem, de construção e produção de sentidos a partir de

relações discursivas entre sujeitos sócio-historicamente situados.

A autora sustenta tal argumentação a partir do que, segundo ela, seria a

primeira vez em que tal análise/teoria é proposta na obra do Círculo, no capítulo “O

discurso em Dostoiévski”:

Intitulamos este capítulo “O discurso em Dostoiévski” porque temos em vista o discurso, ou seja, a língua em sua integridade concreta e viva, e não a língua como objeto específico da Linguística, obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso. Mas são justamente esses aspectos, abstraídos pela Linguística, os que têm importância primordial para os nossos fins. Por este motivo as nossas análises subsequentes não são linguísticas no sentido rigoroso do termo. Podem ser situadas na metalinguística, subentendendo-a como um estudo – ainda não constituído de disciplinas particulares definidas – daqueles aspectos da vida do discurso que ultrapassam – de modo absolutamente legítimo – os limites da Linguística. As pesquisas metalinguísticas, evidentemente, não podem ignorar a Linguística e devem aplicar os seus resultados. A Linguística e a Metalinguística estudam um mesmo fenômeno concreto, muito complexo e multifacético – o discurso -, mas estudam sob diferentes ângulos de visão. Devem completar-se mutuamente e não fundir-se. Na prática, os limites entre elas são violados com muita frequência (BAKHTIN, 2002 [1929], apud BRAIT, 2010, p. 11).

Nesse viés, para definir tal teoria, a pesquisadora destaca a Metalinguística e

a Linguística como disciplinas essenciais para tal atividade, uma vez que ambas

estudam o mesmo objeto, o discurso, sob aspectos distintos, que devem

complementar-se mutuamente. Isso significa que tal empreendimento é alcançado

tomando-se aspectos internos e externos ao discurso, caso contrário, não seria

dialógico.

Sem a intenção de propor categorias de análise que possam ser aplicadas

mecanicamente a qualquer texto em atividades de compreensão das formas de

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produção de sentido, a autora reflete, ainda a partir de sua leitura de Problemas da

poética de Dostoiévisk, que:

O trabalho metodológico, analítico e interpretativo com textos/discursos se dá (...) herdando da Linguística a possibilidade de esmiuçar campos semânticos, descrever e analisar micro e macroorganizações sintáticas, reconhecer, recuperar e interpretar marcas e articulações enunciativas que caracterizam o(s) discurso(s) e indicam sua heterogeneidade constitutiva, assim como a dos sujeitos aí instalados. E mais ainda: ultrapassando a necessária análise dessa “materialidade linguística”, reconhecer o gênero a que pertencem os textos e os gêneros que nele se articulam, descobrir a tradição das atividades em que esses discursos se inserem e, a partir desse diálogo com o objeto de análise, chegar ao inusitado de sua forma de ser discursivamente, à sua maneira de participar ativamente de esferas de produção, circulação e recepção, encontrando sua identidade nas relações dialógicas estabelecidas com outros discursos, com outros sujeitos (BRAIT, 2010, p. 13, grifos nossos).

Em consonância, em outro estudo realizado pela autora mais recentemente,

intitulado Perspectiva dialógica (BRAIT, 2012, p. 9-29), ela argumenta que os

conceitos fundados pelos estudos do Círculo, além apoiar análises e interpretações

de manifestações da linguagem, oferecem ainda procedimentos teórico-

metodológicos para tais análises.

Agora apoiada em O problema do texto na linguística, na filosofia e em outras

ciências humanas, a pesquisadora revela que:

Bakhtin considera a Linguística e a Metalinguística, disciplinas encarregadas do estudo da língua, da linguagem, do discurso, como não excludentes, na medida em que texto/discurso/língua/linguagem se interpenetram constitutivamente. (...) Ali onde a Linguística vai encontrar significado, conjunto de potencialidades previstas na língua, por exemplo, a Metalinguística vai se defrontar com sentidos dependentes da situação, dos contextos, dos sujeitos produtores e receptores, das esferas de comunicação, dos discursos em confronto, das relações dialógicas (BRAIT, 2012, p. 17, grifos da autora).

Entendemos que o tipo de análise proposto por nós neste trabalho deve

considerar os textos selecionados em nosso corpus a partir do ponto de vista interno

(do significado inerente ao texto) e externo (do sentido inerente ao discurso), isto é,

do ponto de vista dialógico constitutivo da linguagem, como veremos mais adiante.

2.1 Concepção dialógica da linguagem

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Não pretendemos tentar produzir um histórico das influências filosóficas que

colaboraram na construção dos conceitos da teoria bakhtiniana. Primeiro para não

incorrer em redundância, apenas relatando o que já foi amplamente discutido sobre

a obra, mas também, e sobretudo, porque já fomos contemplados por outros

pesquisadores do Círculo, como Sobral (2009), Faraco (2009), Brait (2009), Fiorin

(2006), e muitos outros, cujas publicações serviram também de base para este

trabalho. Logo, nosso intuito neste capítulo é demonstrar como as ideias do Círculo

podem contribuir para esta análise, especificamente, dos discursos produzidos, aqui

delimitados em nosso corpus, a partir da polêmica do Livro Didático “Por uma vida

melhor”.

Para tanto, discutiremos, primeiramente, o conceito de linguagem

apresentado em Marxismo e Filosofia da Linguagem. Nessa obra, os pesquisadores

russos fazem severas críticas ao que denominam de “objetivismo abstrato”,

rejeitando o estudo da língua como sistema, com estrutura fixa, argumentando que,

ao elaborar sua fala, o falante não enuncia pensando nas regras do sistema

linguístico que ele vai utilizar nessa empreitada, mas age a partir do contexto sócio-

histórico (no tempo e no espaço) do seu ato, no momento único do seu querer dizer,

na sua intencionalidade discursiva. Do mesmo modo, em contraponto ao que

denominam “subjetivismo idealista”, ponderam que a língua não pode ser

considerada mero fruto da criação individual, obra da criatividade do falante,

limitando-se a uma criação artística, pois é fruto da interação social, carregada de

ideologia. E, por ser social, ela é dinâmica, evolui no tempo e no espaço, porque o

sujeito evolui, isto é, a língua evolui porque atende a uma demanda social dos

falantes, “como uma corrente evolutiva ininterrupta” (BAKHTIN/VOLOSHINOV, 2010

[1929], p.93-113). Logo, considera a língua viva, fruto e semente das relações de

interação humana. Da mesma forma, rejeita o teoricismo, partindo do singular, do

irrepetível, do momento único, vivo, real, concreto. Para os pesquisadores, “a língua

não se transmite; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo.” Isso

quer dizer que o sujeito não recebe a língua pronta para ser usada, mas passa a

interagir por meio dela nas várias esferas de comunicação em que se relaciona

dialogicamente (idem, p. 111).

Bakhtin (2011[1952-1953], p. 276-278) define a oração como unidade da

língua em contraponto ao enunciado como unidade da comunicação discursiva, uma

vez que, enquanto o enunciado é delimitado pela alternância entre os sujeitos do

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discurso, mantendo relação imediata com a realidade e com os enunciando alheios,

a oração tem natureza gramatical e fronteiras gramaticais.

Sobral (2008, p. 16), contribuindo para a compreensão do pensamento de

Bakhtin, esclarece que essa “concepção dialógica da linguagem” baseia-se na

atribuição de sentidos que são produzidos por meio da intersubjetividade das trocas

verbais em situações concretas de exercício da linguagem. Trata-se de uma

concepção centrada no sujeito, que é então um agente que produz enunciados (e

não frases/orações), num processo de intercâmbio linguístico nos atos verbais. Na

cadeia de enunciações, o locutor e o interlocutor têm o mesmo peso, uma vez que

cada enunciado é uma resposta, uma réplica a enunciações anteriores e posteriores.

A concepção de linguagem está, por assim dizer, fundada no diálogo, que tem como

caráter central a interação, por meio da qual os sujeitos atribuem sentidos ao que

dizem.

O autor enfatiza que o sentido é fruto da interação, a qual está fundada no

diálogo, que envolve o eu e o outro, a pergunta e a resposta. E lembra ainda que a

pergunta e a resposta podem ser feitas por um só sujeito, e mesmo a conversa

consigo mesmo é um diálogo, uma vez que “não há eu sem outro – nem outro sem

eu!” (idem, p. 21). Isso nos mostra que a interação é constitutiva da produção e

atribuição de sentidos; fora do diálogo, não há sentido. É no ambiente da vida

concreta que os sujeitos produzem enunciados, os quais respondem a perguntas

que surgiram antes e às que poderão surgir. A interação é base para a produção de

sentidos na relação entre sujeitos.

A fim de explanar melhor sobre essa concepção de linguagem do Círculo, o

pesquisador afirma que a situação pessoal, social e histórica dos participantes, e

ainda as condições materiais e institucionais envolvidas no intercâmbio verbal

interferem diretamente nas condições de interação. Em outras palavras, a relação

dialógica dos sujeitos discursivos é constituída por níveis de interação, os quais

estão presentes nas relações entre sujeitos em todas as suas práticas

comunicacionais, se articulando para que haja interação e, logo, produção de

sentidos. Sintetizamos esses níveis de interação da seguinte forma:

1) Intercâmbio verbal – refere-se à situação material da interação, à

presença dos interlocutores, ao ambiente físico e aos meios de

mediação da interação que podem alterar a produção e a recepção

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do discurso (aula presencial, aula à distância ministrada por meio

virtual);

2) Contexto imediato – refere-se aos lugares (papeis) sociais, à posição

dos interlocutores, à imagem dos interlocutores, às formas de

interação social (o quê, a quem, em que momento, de que maneira);

o sujeito manifesta sua identidade de acordo com o outro diante do

qual está e da situação em que está envolvido;

3) Contexto social mediato – refere-se ao tipo de lugar em que ocorre a

interação e às exigências que esse lugar faz aos interlocutores

(grupos sociais, instituições formais e informais, etc);

4) Horizonte social e histórico mais amplo – refere-se à interação entre

culturas, entre gerações, entre tradições diferentes.

Os estudos do Círculo de Bakhtin nos esclarecem que a língua/linguagem tem

seu conceito estabelecido a partir da dinamicidade, do inacabamento, do vir a ser,

pois ela é constituída no movimento dialógico, nas relações sociais e nas trocas

discursivas efetuadas mediante constantes processos de interação entre sujeitos,

nas inúmeras esferas de atividade humana em que se relacionam. Esses sujeitos

apreendem sentidos e organizam seus enunciados a partir desses movimentos de

constantes diálogos. O outro, nessa perspectiva, tem papel fundamental nessa

construção de sentidos, uma vez que ele não é passivo, ele responde ativamente

ocupando uma posição responsiva em relação ao interlocutor. Os sentidos são

atribuídos e percebidos a partir de atitudes responsivas dos sujeitos nas relações

sociais; atitudes que ocorrem a partir de níveis diferenciados de compreensão, a

qual só é possível se os interlocutores compartilharem de um conhecimento comum

do contexto social e histórico em torno do objeto do discurso.

Bakhtin/Voloshinov (2010[1929]) esclarecem o processo da compreensão, por

meio do qual o sujeito, em contato com o enunciado do outro, busca

correspondência em enunciados próprios para então elaborar sua resposta.

Contrapomos à palavra do outro inúmeras palavras nossas, e “quanto mais

numerosas e substanciais forem [essas palavras], mais profunda e real é a nossa

compreensão” (Idem, p. 137). E é nesse processo que a significação se realiza na

palavra, por meio da interação entre os interlocutores.

A esse respeito, podemos ver ainda, em Bakhtin (2011[1952-1953], p. 272),

que o falante, ao elaborar seu enunciado, o faz na intenção de uma compreensão

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ativa de seu interlocutor; o falante deseja ser compreendido e leva em conta a

reação presumida do outro. Da mesma forma, toda compreensão é ativamente

responsiva e denota uma fase de preparação para uma resposta, que pode ser uma

concordância, uma objeção, uma sinalização, uma pergunta, até mesmo o silêncio.

A partir do sistema linguístico disponível aos interlocutores, eles elaboram

suas respostas e contrarrespostas, denotando o nível de compreensão acerca do

discurso do outro. Daí o papel fundante do dialogismo na construção da linguagem,

pois se responde tanto a algo que já foi dito quanto ao que se espera que vai ser

dito, antecipando uma resposta. E nesse movimento contínuo, os interlocutores vão

edificando a linguagem, totalmente ligada ao uso real em situações específicas do

agir humano.

Para Bakhtin, a compreensão passiva é apenas um momento de abstração do

ato de compreensão ativamente responsiva. O outro, portanto, tem papel ativo

nessa cadeia de comunicação.

Em suma, a língua é um organismo vivo que se constitui nas relações de

interação social entre sujeitos que dialogam nas várias esferas das atividades

humanas em que se relacionam. Da mesma forma, podemos pensar que os sujeitos

são constituídos sócio-historicamente por meio dessas relações e das trocas

discursivas que estabelecem, em movimentos de infinitas possibilidades de

encontros e desencontros.

2.2 Tecendo os fios do diálogo social

Para nomear esse processo-produto da interação verbal dada por meio do

diálogo constituído a partir das relações sociais, Bakhtin define o enunciado. Para o

filósofo, a interação social é a realidade na qual a linguagem é fundada, sendo

então, a partir da comunicação verbal, materializada em enunciados concretos, que

são demandados pelas relações entre sujeitos situados no tempo e no espaço em

uma situação de comunicação única, real, concreta, irrepetível.

Uma vez que surge na sociedade, num dado momento, único e irrepetível,

numa situação distinta de interação entre sujeitos, momento singular na existência,

conclui-se que o enunciado tem uma estabilidade provisória, pois, se mudarmos

alguma das condições de produção, seu sentidos e alterará, pois se instala de forma

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diferente, dependendo dessas condições dadas pela interação (tempo, lugar,

sujeitos envolvidos, situação imediata e mediata, estrutura social, cultura...).

Trata-se, portanto, de um evento social, não de uma abstração; é um

elemento da comunicação discursiva que estabelece relação indissociável com a

realidade da vida; é concreto, fruto dos atos de fala estabelecidos nas relações

dialógicas entre interlocutores concretos; é unidade real da comunicação discursiva,

pois:

O enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto de enunciação, não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social (BAKHTIN, 2002 [1934-1935], p. 86).

Mais que os fatores linguísticos que regem o enunciado, a situação

extraverbal que o envolve é extremamente relevante, compreendendo três fatores:

“1) o horizonte espacial comum dos interlocutores (...), 2) o conhecimento e a

compreensão comum da situação por parte dos interlocutores, e 3) sua avaliação

comum dessa situação”. Logo, o enunciado concreto envolve os interlocutores como

co-participantes do discurso, uma vez que estes devem conhecer, entender e avaliar

a situação extraverbal de comunicação, o contexto (VOLOSHINOV & BAKHTIN,

1926, p. 4-6).

O discurso é um conceito subentendido na natureza da concepção dialógica

da linguagem como interação, está relacionado ao querer dizer, ao projeto

discursivo, aos efeitos de sentidos produzidos por meio da interação, ou seja, fora

da vida, o discurso perde sua significação. Já o enunciado é a unidade discursiva

desse querer dizer, sendo constituído a partir de uma interação entre os sujeitos

envolvidos, utilizando-se das formas da língua para imprimir o verbal e o extraverbal,

o texto e o contexto, mediante as condições pragmáticas em que é produzido; e a

enunciação, ao nosso ver, é o processo/atividade de produção, é o ato de proferir

um enunciado.4

4 Conforme nota de rodapé na primeira página do texto Os Gêneros do Discurso, em Estética da Criação Verbal,

Bakhtin não faz tal distinção em sua obra. O autor utiliza para ambos o mesmo termo, Viskázivanie, que significa ato de enunciar, de exprimir, transmitir pensamentos, sentimentos, etc. em palavras (BAKHTIN, 2011, [1952-1953], p. 261)

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Vimos em Bakhtin (2011[1952-1953], p. 275) que os limites de cada

enunciado concreto se dá pela alternância dos sujeitos do discurso. Todo enunciado

tem um princípio e um fim, um antes e um depois. O falante termina o seu enunciado

para dar voz ao seu interlocutor, à sua compreensão ativamente responsiva. O

interlocutor responde ao perceber a conclusão do enunciado, ao notar que pode

articular uma resposta. Essa alternância cria limites nos enunciados nas diversas

situações de comunicação.

Padilha (2009), analisando trechos da canção Resposta, de Samuel Rosa e

Nando Reis, reflete acerca dessa construção de enunciados e, falando da interação

verbal inerente à elaboração de respostas e das trocas discursivas denotadas

palavras próprias e palavras alheias, esclarece que:

É claro que quando pedimos respostas pedimos também aceitação, quando damos resposta, demonstramos aceitação ou não. Mas, nesse momento, da resposta, os versos já deixam de ser só meus e passam a ser seus e meus, nossos. A linguagem, em suas múltiplas manifestações, nos serve para que possamos dar respostas ao mundo, ao outro, e quando o fazemos, fazemos também com o outro, com a palavra alheia que tornamos palavra própria (2009, p. 104, grifo da autora).

Da mesma forma, Sobral (2008, p. 49) acrescenta que os

enunciados/discursos são o produto do processo de intercâmbio linguístico entre

sujeitos (interlocutores), considerando o processo de produção, a circulação, a

recepção. Dessa forma, a atribuição de sentido está interligada ao processo de

produção. Trata-se de um processo contínuo, uma vez que a concretização dos

sentidos se dá numa circunstância histórica e social, isto é, sujeitos diferentes, em

momentos diferentes, lugares e circunstâncias diferentes, criam/renovam sentidos

diferentes a um mesmo enunciado. Isso significa que o enunciado é concreto, uma

vez que se dá numa relação concreta entre sujeitos concretos. O enunciado se

concretiza a partir da existência de uma situação comum aos sujeitos envolvidos no

processo de enunciação, os quais precisam conhecer tal situação e estarem de

acordo na compreensão e avaliação de tal situação.

Esse autor finaliza sua análise defendendo que não há discursos sem

contextos e sem sujeitos, uma vez que os discursos vêm a existir por meio de

apreensões de sentidos atribuídas por sujeitos em situações reais de comunicação,

ou seja, a produção do discurso nasce da ação dos sujeitos envolvidos em uma

interação, os quais carregam consigo um projeto enunciativo e um tom avaliativo,

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conferindo perguntas e respostas que se alternam no projeto discursivo e, por fim, o

discurso é entendido, então, como unidade de sentido e não como mera soma de

frases.

Bakhtin (2011[1959-61/1979], p. 312), em O problema do texto na Linguística,

na Filologia e em outras ciências humanas, ressalta que a atitude humana é um

texto em potencial, o qual pode ser entendido a partir de um contexto dialógico. O

texto, apreendido aqui como enunciado, dotado de entonação e expressividade,

representa um estilo, uma visão de mundo, um contexto ou contextos, nele há duas

vozes, dois sujeitos. Assim, mesmo a oração mais complexa pode se repetir um

número ilimitado de vezes e de forma igual, mas, como enunciado, não se repete

jamais, é sempre nova, mesmo que seja uma citação. Isso porque a cada vez que

se repete, o enunciado muda de lugar e de função na cadeia discursiva.

Na forma de enunciado, um texto é sempre outro, é sempre novo; quando

reiterado, quando repetido, nunca é o mesmo, em face dos outros textos com os

quais já dialogou, em face dos outros textos que já ajudou a construir, em virtude

dos novos sentidos que podemos atribuir a ele a cada vez que o retomamos, pois

nós também somos outros. “Quando o texto se torna nosso conhecimento podemos

falar de reflexo do reflexo. A compreensão de um texto sempre é um reflexo do

reflexo. Um reflexo através do outro no sentido do objeto refletido” (BAKHTIN,

2011[1959-61/1979], p. 319).

O filósofo revela que dois enunciados que tocam o mesmo tema/objeto, ainda

que não se conheçam, ao serem confrontados em um plano de sentido, passam a

estabelecer uma relação dialógica entre si. Já os elementos da língua dentro de um

sistema linguístico ou mesmo dentro de um texto não podem estabelecer relações

dialógicas. Somente o enunciado possui relação com a realidade social, com os

outros enunciados que compõem determinado campo da comunicação discursiva e

o sujeito que fala, a língua apresenta apenas as possibilidades dessas relações. É a

partir da relação com a realidade que valores como justiça, falsidade, verdade,

beleza, bondade são dados aos enunciados; tais valores não podem tornar-se objeto

da linguística, pois, conforme Bakhtin/Volochinov,

Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos

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àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida (2010[1929], p. 98-99).5

Considerando que os enunciados estão vinculados a situações concretas de

comunicação entre participantes situados em determinado campo de atividade

humana, sentimos necessidade de falar das formas de manifestação/materialização

desses enunciados nessas práticas sociais que envolvem os atos de produção das

enunciações. Estamos nos referindo aos gêneros do discurso, um conceito por meio

do qual Bakhtin trata das condições e finalidades de cada esfera como reflexo

norteador na escolha do conteúdo (tema), estilo (recursos lexicais, gramaticais, etc)

e forma composicional (estrutura) do enunciado, dados pelo caráter da interação

social entre os participantes do processo de enunciação (MOLON & VIANNA, 2012,

p. 8).

Nessa perspectiva, são as esferas de atividade humana, lugar onde se dão as

práticas sociais, os responsáveis pela elaboração de seus tipos relativamente

estáveis de enunciados, chamados Gêneros do Discurso, com conteúdo temático,

estilo de linguagem e forma composicional que correspondem às especificidades de

cada campo. E, uma vez que são diversas as possibilidades de atividades humanas,

a lista de gêneros discursivos é também inesgotável (2011[1952-1953], p. 262).

Em face dessa heterogeneidade dos gêneros discursivos, Bakhtin

(2011[1952-1953], p. 263) categoriza, de acordo com seu nível de complexidade, os

gêneros em primários e secundários. Os gêneros primários são os menos

elaborados, mais flexíveis, ocorrem nas situações de comunicação imediata, no

cotidiano dos falantes, conjecturam com mais rapidez as mudanças sociais,

podendo se manifestar tanto em linguagem oral quanto escrita – conversa entre

amigos nas redes sociais, diálogo entre colegas no corredor da escola, lembretes

entre colegas de trabalho, etc. Os gêneros secundários são construídos nas esferas

de comunicação culturalmente mais elaboradas, complexas e desenvolvidas, se

apresentando, predominantemente, em linguagem escrita – romances, novelas,

contos, editais, portarias, ofícios, reportagens, documentários, etc.

SANTOS (2011, p. 38) ressalta a natureza social dos gêneros como sua

característica fundamental, uma vez que estão vinculados às esferas da

comunicação verbal e se orientam dialogicamente por meio das interações sociais

entre sujeitos socialmente situados nas esferas de atividade humana.

5 Acerca da Ideologia, na perspectiva dialógica, trataremos mais atentamente na seção 2.3.

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Falamos por meio de enunciados concretos, os quais adquirem estabilidade

relativa na materialização do gênero do discurso, cujo conteúdo temático, estilo e

forma composicional atendem à demanda social de uma esfera específica de

produção verbal. Dito de outra forma, todo gênero é um tipo de enunciado, que é

relativamente estabilizado dado sua forma composicional, conteúdo e estilo de

linguagem, definidos pela sua esfera de circulação e da relação entre os falantes;

todo enunciado pertence a um gênero, porém, ao contrário deste, que possui relativa

estabilidade, o enunciado é sempre atualizado, dado o contexto de interação

discursiva entre os falantes.

Nesse mesmo viés, em seu ensaio Discurso na vida e discurso na arte

(1926), Bakhtin/Voloshinov se dedicam a um estudo da linguagem situada no

cotidiano e da linguagem na criação literária. Para os pesquisadores, a linguagem

fora da relação com a vida social perde totalmente sua significação, uma vez que

quando produzimos enunciados estamos muito mais focados nas avaliações e

assimilações que causarão do que nas estruturas verbais (linguísticas) que o

compõem. Nesse sentido, o extraverbal, isto é, o evento da vida em que o discurso é

elaborado exerce papel determinante na construção de sentido. A situação concreta

de uso da linguagem é essencial para a significação. Fora da vida social, o discurso

é nada mais que um conjunto de elementos linguísticos.

2.3 Construção de sentidos e posições ideológicas

Em Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin e Voloshinov definem a

relação entre o tema e o enunciado, demonstrando que ambos são concretos,

únicos e irrepetíveis. O tema reflete o instante do acontecimento da enunciação,

abarcando o enunciado, que é dotado de significação. A significação, por sua vez,

refere-se aos elementos idênticos, reiteráveis e mobilizados a partir do tema.

O tema é um sistema de signos dinâmico e complexo, que procura adaptar-se adequadamente às condições de um dado momento da evolução. O tema é uma reação da consciência em devir ao ser em devir. A significação é um aparato técnico para a realização do tema (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2010[1929], p. 134, grifo do autor).

Considerando que a significação refere-se, como vimos, ao repertório

linguístico a ser utilizado de acordo com nossas intenções discursivas, podemos

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inferir que são os contextos, isto é, as situações envolvendo a enunciação que vão

imprimir novos sentidos; daí a instabilidade da significação, como já dissemos

anteriormente. A cada encontro entre sujeitos numa relação de interação (contexto),

a significação se renova, por isso, é tida como um estágio anterior à capacidade

construir sentidos, é apenas potencial, e só se realiza num tema, pois este denota

um sentido concreto, contextual, ligado à situação real de comunicação, utilizando-

se dos recursos da língua (dicionário) para realizar a enunciação.

A significação comporta as formas fixadas da língua, e o tema abarca a

interação, o contexto em que essas formas são utilizadas e, sendo assim, tema e

significação são mobilizados no processo de enunciação. Porém, cabe analisar que,

embora a significação preceda ao tema, por estar instituída em um sistema

linguístico, ela é dependente do tema para existir, uma vez que sem um tema, sem

um contexto, uma situação de comunicação, não há significação. Como conjunto de

elementos verbais e extraverbais que se manifestam na interação verbal, o tema

mobiliza as formas da língua para produzir os sentidos da enunciação, sendo, então

dependente da significação.

Ao contrário da significação, o tema é dinâmico, está ligado à designação de

sentidos que nascem na interação dialógica, e, novos contextos criam novos temas;

daí a dinamicidade da língua para o Círculo. Acerca da relevância desse conceito,

Bakhtin revela que:

O tema do sujeito que fala tem um peso imenso na vida cotidiana. Ouve-se, no cotidiano, a cada passo, falar do sujeito que fala e daquilo que ele fala. Pode-se mesmo dizer: fala-se no cotidiano sobretudo a respeito daquilo que os outros dizem – transmitem-se, evocam-se, ponderam-se, ou julgam-se as palavras dos outros, as opiniões, as declarações, as informações; indigna-se ou concorda-se com elas, discorda-se delas, refere-se a elas, etc (BAKHTIN, 2002 [1934-1935], p. 139).

Em cada contexto, a cada interação social, cada um de nós toma para si

posições diferentes em relação aos mesmos fatos, aos mesmos enunciados. Isso

significa que cada sujeito (o eu e o outro) é prenhe de valores e crenças, que são

formados a partir dessas interações ao longo da vida. Por conseguinte, essas

interações influenciam nossa singularidade, como seres únicos que somos, nossas

ações e nossos enunciados, isto é, influenciam diretamente a maneira como

respondemos aos fatos da realidade social – ao que chamamos de posição

ideológica.

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Porém, mesmo sendo únicos e singulares, organizamos esses enunciados

em direção ao outro, aguardamos sua aprovação, sua resposta. Articulamos nossas

ações e nossos enunciados a partir de enunciados anteriores, isto é, nos

apropriamos dos enunciados dos outros para elaborar o nosso enunciado, sempre, e

ainda, na expectativa da resposta que ele causará no outro, num ciclo ininterrupto de

comunicação.

Essas apropriações (de enunciados anteriores) executadas pelo sujeito na

elaboração de seu enunciado revelam uma certa seleção de signos ideológicos a

serem utilizados no seu querer dizer, na direção de suas intenções discursivas. Isso

porque, voltamos a frisar, o sujeito é um ser social, concreto, e responde ao outro

nas suas interações sociais, em tempos e espaços definidos, únicos e irrepetíveis.

Neste sentido, Bakhtin (Idem, p. 135-136) nos revela que o sujeito falante é um

ideólogo e suas palavras são sempre um ideologema, uma vez que uma linguagem

representa sempre um ponto de vista, está direcionada a um motivo ideológico e

ocupa uma posição ideológica.

A palavra é um fenômeno ideológico em virtude de sua orientação para o

social, isto é, está sempre direcionada a alguém, a um interlocutor, logo está sempre

carregada de intenções (Ibdem, p. 31-37). Sob esse viés, todo signo é constituído

dialogicamente nas coerções estabelecidas dentro das esferas sociais em que estes

são acreditados e desacreditados, instituídos e destituídos, ou seja, os signos são

ideologizados a partir da sua circulação em determinada esfera, e são selecionados

mediante a intenção do sujeito falante. Na ânsia de uma resposta futura do outro, o

sujeito mobiliza os signos, dialógica e ideologicamente, mediante as relações sociais

nas quais interagem, dando vida à linguagem. Então, como é construída no social, a

ideologia não vive dentro da consciência do ser humano, mas na atmosfera dos

acontecimentos em que esse a mobiliza.

Em Discurso na vida e discurso na arte, Bakhtin/Volochinov falam sobre o

presumido da enunciação, destacando o papel do dito e o não dito no processo de

atribuição de sentidos. O não dito refere-se à apreciação valorativa do ouvinte, isto

é, à axiologia. Ponzio (2008, p. 93) completa que “o que se presume são vivências,

valores, programas de comportamento, conhecimentos, estereótipos, etc.”, ou seja,

o presumido nasce no social, nas relações familiares, de trabalho, acadêmicas,

religiosas. Isso quer dizer que a compreensão do sujeito sobre determinado

enunciado está condicionada ao seu contexto de vida; sua valoração vincula-se à

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amplitude e diversificação de suas relações sociais (nas esferas de atividade

humana).

De acordo com os estudos do Círculo, o termo ideologia não pode ser

confundido com a ideia de falsa consciência ou instrumento de manipulação ou

alienação, ocultação da verdade. Para muito além disso, os estudiosos do Círculo

concebem a noção de ideologia ligada à produção imaterial de determinadas esferas

de atividades humanas, à tomada de posição do sujeito relacionada àquilo que ele

acredita, guiada àquilo que ele conhece, dentro de determinado campo. Logo,

entendemos ideologia como interpretação da realidade social, a qual é expressa por

meio de signos em espaços sociais situados historicamente.

Concluímos que o signo constitui-se numa resposta dada em relação a algo

que foi dito, a partir da compreensão atribuída a esse querer dizer, isto é, o sujeito

produz os signos observando a significação e o tema relacionados ao discurso

proferido dentro de uma situação (social e histórica). O signo ideológico está

vinculado ao meio em que é produzido.

Em consonância, Ponzio (2008, p. 109) traz sua contribuição a este respeito

ao comentar que o signo é sempre ideológico por revelar um ponto de vista

valorativo, uma tomada de posição diante de um contexto situacional dado, isto é,

“onde está presente o signo está também a ideologia”. O pesquisador destaca que

o que diferencia o signo do objeto ou fenômeno natural é que ele faz parte de um

processo de interação social e reflete um ponto de vista ideológico, isto é, é formado

a partir de vínculos sociais.

Para Bakhtin, o termo ideologia está ligado tanto aos sistemas

superestruturais (política, direito, religião, arte, conhecimento científico), ou seja, à

Ideologia Oficial, quanto aos diferentes substratos da consciência individual, à

ideologia do Cotidiano, ou não oficial. Nesse contexto, para Ponzio:

Os signos ideológicos refletem – “refratam” - a realidade segundo projeções de classe diferentes, e em contraposição a elas, as quais tentam manter as relações sociais de produção, inclusive quando as mesmas se convertem em um obstáculo para o desenvolvimento das forças produtivas ou, ao contrário, propõem-se como instrumento de luta e de crítica do sistema. (2008, p. 116)

E, nesse viés, Ponzio alega que a forma ideológica do signo é a expressão de

interesses sociais, a qual confere sua importância, consistência, duração e

circulação.

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O autor busca fundamento, novamente, em Marxismo e Filosofia da

Linguagem, para falar dos fios ideológicos mobilizados na tessitura das tramas das

relações sociais nos diversos campos de atividade humana. O material signico

registra as novas formas ideológicas elaboradas a partir de mudanças sociais em

organização nos sistemas ideológicos, isto é, a consciência coletiva mantém uma

relação interdependente entre estrutura e superestrutura, pois,

A realidade ideológica é uma superestrutura situada imediatamente acima da base econômica. A consciência individual não é o arquiteto dessa superestrutura ideológica, mas apenas um inquilino do edifício social dos signos ideológicos (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929], p.36).

O vídeo O Bonde das Garotinhas dançando Bonde das Maravilhas6 postado

no Facebook na atualidade nos fez refletir sobre questões de crenças e valores que

constituem as diferentes posições ideológicas disseminadas na sociedade.

Os questionamentos oriundos de tal publicação foram:

Kkkkkk.... Fazer quadradinho de 8 é fácil! Quero ver chegar no Ensino Médio sem engravidar. #sojesusnacausa

podiam tirar da preparação para o sexo e colocar numa escola de atletismo, ou ginástica olímpica.

pois é, agora funk é "cultura"... então acho q pode, né?! muita dó dessas crianças que, ao que tudo indica, perderam a inocência... acredito q a pergunta n é "chegarão ao ensino médio?", mas "aprenderão a ler e a escrever?" Em minha opinião, (... )

Esses comentários dos nossos amigos virtuais nos levaram a refletir sobre a

questão da alienação. Existe alienação? O sujeito bakhtiniano responde ativamente

ao seu outro e ao mundo que o rodeia, como já comentamos na conceituação de

linguagem. Pensando assim, inferimos que se trata então de uma questão de

escolhas. O sujeito escolhe alienar-se, uma vez que responde ativamente aos

apelos comerciais veiculados na mídia das grandes massas. O sujeito precisa

consumir. Não se limita a consumir aquilo que pode pagar. Consome mais do que

pode produzir. Quem não for produtivo não tem valor no mundo contemporâneo.

A ideologia nasce em determinado lugar social e serve a um propósito social,

com finalidades específicas, pois:

6 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=c6essEHcyvg

6, acesso em 16/05/2013.

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A realidade ideológica é uma superestrutura situada imediatamente acima da base econômica. A consciência individual não é um arquiteto dessa superestrutura ideológica, mas apenas um inquilino do edifício social dos signos ideológicos (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929], p.36).

Certamente que, em se tratando de grandes meios de produção, tais objetivos

se prestam a aumentar os lucros das empresas que anunciam na mídia. Mulher

precisa ser bonita, magra, bem maquiada, usar salto alto, roupas justas e curtas, ter

cabelo liso e loiro. Não interessa ao capital que a mulher seja politizada. A modinha

da vez é o funk veiculado na novela global, isso é comercial, isso é sucesso, para

algumas pessoas. Essas pequenas garotinhas tiveram acesso ao funk, não à

ginástica olímpica, não aos livros; ou, se tiveram acesso, escolheram aquilo que lhes

parecia mais interessante.

Sobral (2008, p. 41) observa que o tema dos gêneros está ligado aos recortes

ideológicos que fazemos da realidade, uma vez que os sentidos são atribuídos nas

relações concretas de interação entre sujeitos. O social é povoado de confrontos

entre grupos, que articulam a linguagem, o discurso, a partir de suas necessidades

sociais. Assim, a linguagem é um fenômeno ideológico, e o signo participa

integralmente do comportamento comunicativo dos sujeitos nos campos e atividades

sociais em que interagem, estando sujeito a avaliações ideológicas, refletindo e

refratando a realidade social. Logo, a ideologia é parte integrante da atribuição de

sentidos.

2.4 O diálogo e suas vozes

Lembremos, como já foi dito, que o princípio da alteridade postula que o

sujeito só se define como tal a partir de sua relação social com o outro, isto é, ele

age e elabora seus atos em direção ao seu outro, logo, a própria constituição do

sujeito é fundada no dialogismo – seu pensamento, sua visão de mundo, sua

consciência, ou seja, sua identidade se constitui nas relações dialógicas com o

outro.

É também por meio do diálogo que o ser humano adquire a sua linguagem, é

no contato com o outro que surgem as primeiras palavras de uma criança e não a

partir dos dicionários. Por fim, o sujeito desenvolve sua linguagem, seus atos, seus

discursos a partir de seu contato dialógico com o mundo que o cerca, nas relações

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sociais que estabelece nas várias esferas em que atua, interagindo com os seus

vários outros.

Já discutimos na seção anterior que todo enunciado se constitui numa relação

dialógica que prevê, ao menos, dois outros enunciados, dois sujeitos, duas visões de

mundo.

Vimos também que os sujeitos se alternam nesse diálogo, enunciando de

maneira conclusiva em turnos alternados, e assim, cada ação de cada falante gera,

a partir de uma compreensão ativa, uma atitude responsiva ao enunciado anterior,

que pode ser uma réplica, uma resposta, uma pergunta, uma contraposição, uma

aquiescência. E nesse movimento dialógico, a realidade social vai se construindo o

tempo todo, se transformando, se modificando, é sempre inacabada, inconclusa. É

nesse tom que Bakhtin mostra que os sujeitos não trocam orações (unidade da

língua), mas trocam enunciados (unidade real da comunicação discursiva).

Dessa forma, Bakhtin demonstra que os enunciados não são indiferentes uns

aos outros, eles se conhecem, se refletem em ecos e ressonâncias por estarem

interligados na esfera de comunicação discursiva em que são elaborados, pois:

O discurso vivo e corrente está imediata e diretamente determinado

pelo discurso-resposta futuro: ele é que provoca esta resposta,

pressente-a e baseia-se nela. Ao se constituir na atmosfera do “já

dito”, o discurso é orientado ao mesmo tempo para o discurso-

resposta que ainda não foi dito, discurso, porém, que foi solicitado a

surgir e que já era esperado. Assim é todo diálogo vivo (BAKHTIN,

2002 [1934-1935], p. 89).

Como resposta a enunciados que o precederam, dentro de um determinado

campo de atividade humana, o enunciado pode se organizar a partir de enunciados

de outros sobre o mesmo tema, por meio de respostas, polemizações, repetições,

seleção de expressões, tonalidade. “A expressão do enunciado nunca pode ser

entendida e explicada até o fim levando-se em conta apenas o seu conteúdo

centrado no objeto e no sentido” (BAKHTIN, 2011[1952-1953], p. 297).

Nesse sentido, tomamos o plurilinguismo como forma específica de

constituição dialógica do discurso. Para tanto, encontramos apoio em O discurso no

romance (BAKHTIN, 2002 [1934-1935]), publicado em Questões de literatura e

estética: a teoria do romance (BAKHTIN, 2002 [1975]). Tal conceito refere-se ao

pluralismo constitutivo da linguagem, o que vai além das variações de uma língua

(originadas por regiões geográficas, idade, escolaridade, etc.). Para Bakhtin

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(...) todas as linguagens do plurilinguismo, qualquer que seja o princípio básico de seu isolamento, são pontos de vista específicos sobre o mundo, formas da sua interpretação verbal, perspectivas específicas objetais, semânticas e axiológicas. Como tais, todas elas podem ser confrontadas, podem servir de complemento mútuo entre si, oporem-se umas às outras e se corresponder dialogicamente (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 98).

Nessa direção, Bakhtin define a plurivocalidade, a qual se refere às vozes

discursivas que permeiam a construção dialógica de um discurso, pois, em Bakhtin

(2002 [1934-1935], p.88), temos que todo discurso é orientado dialogicamente, em

direção ao seu objeto, o discurso se encontra com os discursos de outrem,

participando com eles de uma interação viva, contrapondo, impondo, acrescentando,

acreditando e desacreditando. Isso quer dizer que nesse movimento de réplica entre

o “já dito” e o “devir” muitas vozes outras são convocadas a participar da construção

do discurso.

Pensando assim, inferimos que todo enunciado nunca é o primeiro, estando

sempre povoado de vozes dos outros e aberto a respostas futuras. Nessa visão,

toda voz humana está relacionada a várias vozes, se constitui através de vozes

anteriores e na direção de vozes’ posteriores, ou seja, nenhum falante é criador

primeiro/único daquilo que diz, pois:

(...) o objeto está enredado pelo discurso alheio a seu respeito, ele é ressalvado, discutido, diversamente interpretado e avaliado, ele é inseparável da sua conscientização social plurívoca. (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 132).

Constatamos, então, que o enunciado é uma concentração de vozes

discursivas, as quais criam um pano de fundo por meio do qual o sujeito tenta

sobrepor a sua voz, na previsão de uma nova réplica que venha a sustentar o seu

discurso. Acerca dessa relação dialógica, Bakhtin destaca que “o locutor penetra no

horizonte alheio de seu ouvinte, constrói a sua enunciação no território de outrem,

sobre o fundo aperceptivo do seu ouvinte” (2002[1934-1935], p. 91). Isso significa

que o enunciado corrente se volta para o objeto e para os enunciados dos outros,

gerando atitudes responsivas ao já dito e novas contribuições ao tema. Então,

passamos à produção do nosso enunciado, definindo-o como resposta e ainda,

antecipando possíveis respostas a ele, articulando-o de maneira a influenciar uma

atitude responsiva favorável ao nosso ponto de vista. Para tanto, é necessário

considerar as concepções e convicções do interlocutor, sua visão de mundo, seu

conhecimento sobre o tema, seus pré-conceitos, etc. O destinatário tem papel

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essencial na elaboração do discurso do falante, tanto quanto ao conteúdo temático,

como ao estilo de linguagem e a estrutura composicional do enunciado.

Sobral (2008, p. 19-24), em consonância, destaca o discurso como arena de

enfrentamentos entre vozes, uma vez que, em face da presença do outro, não

podemos admitir a existência de um discurso monológico. O autor destaca que “o

simples fato de alguém enunciar algo como “a verdade” já pressupõe a existência de

alguma outra “verdade” possível”, isto é, para defender sua posição é imperioso

correlacioná-la à posição do outro, ou a outras posições.

A esse respeito, Bakhtin (2002 [1934-1935], p. 86) diz que quando

produzimos um enunciado acerca de determinado objeto, encontramos esse objeto

já contestado, elucidado, analisado de diferentes formas. Esse objeto se torna então

palco de encontro com opiniões diversas, visões de mundo diferentes, correntes,

teorias, apreciações, entonações... E é nesse diálogo tenso que emergem

interações complexas, formando um novo discurso.

Logo, nenhum discurso é produzido no vazio, todo discurso é direcionado a

alguém, mesmo que esse outro seja o próprio sujeito discursivo, mesmo que seja

um ser imaginário. Em seu projeto enunciativo, o falante não pensa e nem tem

consciência de todas as vozes presentes em seu discurso, que, embora atravessado

pelos discursos de outros, destaca sempre a voz do locutor corrente, o qual não

perde sua individualidade.

A diversidade de linguagens encontradas dentro de uma mesma língua é

explicada ao considerarmos as inúmeras vozes sociais encontradas nessas

linguagens. Essas vozes se atravessam, se completam, se aproximam e se

distanciam, dependendo de vários fatores (tempo, espaço, sujeitos, contextos).

Bakhtin (2002 [1934-1935], p. 74) fala em dialetos, jargões profissionais, linguagens

de gerações familiares, linguagens de momentos, de lugares, transitórias, que

possuem estruturas e finalidades próprias a determinados contextos.

Pensando assim, percebemos a linguagem como composta de variedades,

que se dão nas fronteiras entre vozes sociais, entre momentos de interação, entre

movimentos dialógicos, definidos através de forças centrípetas (de hegemonia, de

centralização, de limitação, de priorização de um grupo privilegiado em detrimento

dos demais, determinando que uma língua, um visão de mundo, se sobreponha às

demais) e forças centrífugas (descentralizadoras, que admitem outras linguagens,

outras vozes, outras ideologias, considerando a dinâmica da vida real a partir da

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diversidade) em conflito. Portanto, numa pesquisa sobre a linguagem, como a que

nos propomos neste trabalho, é imperioso considerar e entender as tensões entre

essas duas forças, a fim de não incorrer numa abordagem monológica do objeto

estudado (BAKHTIN 2002 [1934-1935], p. 82-83).

Quando falamos em vozes sociais, lembramos de representações sociais, em

linguagens específicas de determinados campos de atividade humana, chegando

até os jargões profissionais; podemos assim estratificar a língua dos profissionais do

direito, dos vendedores, dos políticos, dos padres, dos funkeiros, dos rappers, dos

sertanejos, do pescador ribeirinho... A língua revela quem fala, não apenas pela

articulação de recursos linguísticos, mas pelas formas com que esses discursos são

elaborados e materializados. Segundo Bakhtin,

Todas as palavras evocam uma profissão, um gênero, uma tendência, um partido, uma obra determinada, uma pessoa definida, uma geração, uma idade, um dia, uma hora. Cada palavra evoca um contexto ou contextos, nos quais ela viveu sua vida socialmente tensa; todas as palavras e formas são povoadas de intenções (2002 [1934-1935], p. 100)

Considerando, então, que toda a linguagem é constituída a partir de relações

dialógicas, e que por meio disso ressoam vozes sociais, não podemos restringir o

conceito de plurilinguismo apenas a variedades da língua; mais do que isso, o

plurilinguismo constitui o diálogo entre discursos e a plurivocalidade refere-se às

vozes discursivas arquitetadas na construção dos discursos.

Pensamos no processo de construção de sentidos que permeia o movimento

de vir a ser do discurso em constituição, isto é, em como se dão os movimentos

dialógicos entre as vozes que elaboram o discurso construído, sempre na

perspectiva do inacabamento, da renovação constante da construção discursiva.

Falamos da articulação de recursos linguísticos na construção de enunciados a fim

de gerar novos sentidos ao já dito em enunciados anteriores, corroborando, ainda,

para novas formações enunciativas que façam coro ao discurso corrente.

2.5 Sobre conceitos e métodos

Nosso olhar se volta, então, para a teoria que conduz o processo de análise.

E buscamos em “O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências

humanas” (BAKHTIN 2011[1959-61/1979]) as releituras acerca das relações de

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sentido entre os enunciados. Entendemos que, se o sentido se inscreve em vozes

discursivas, a linguagem somente tem vida na comunicação dialógica, dito de outra

forma, atribuímos sentido somente por meio do outro, precisamos do outro para

significar, não há compreensão fora da relação dialógica.

O texto é, para Bakhtin, o ponto de partida para uma pesquisa em ciências

humanas, independente de quais sejam os objetivos da pesquisa. A condução da

pesquisa se dá nas relações dialógicas entre os textos e no interior de um texto, e

sendo cada texto único, individual, o autor lembra que a verdadeira essência do

texto se desenvolve na “fronteira de duas consciências, de dois sujeitos” (idem, p.

308 a 311).

No processo de leitura investido por nós nesta pesquisa, tal fronteira se dá

entre o querer dizer do sujeito-autor e o vir a ser do sujeito-leitor, entre o projeto

discursivo do autor e a atribuição de sentidos pelo leitor. Nesse sentido, Bakhtin

defende que:

Ver e compreender o autor de uma obra significa ver e compreender outra consciência, a consciência do outro e seu mundo, isto é, outro sujeito (“Du”). Na explicação existe apenas uma consciência, um sujeito; na compreensão, duas consciências, dois sujeitos. (...) Em certa medida, a compreensão é sempre dialógica (BAKHTIN (2011[1959-61/1979]), p. 316, grifos do autor).

Nessa perspectiva, ao assumirmos a teoria enunciativa discursiva como

norteadora de nossas leituras, admitimos, para todas as atividades que envolvem a

pesquisa, considerar as relações de alteridade entre sujeitos e, por que não, entre

sujeitos e o objeto de pesquisa, pois, quando lemos, não lemos palavras, lemos

visões de mundo, pontos de vista.

É preciso considerar, ainda, que o sujeito se constitui pelo olhar do outro,

numa relação de alteridade fundante do diálogo, logo, e da mesma forma, a

linguagem se constitui e se desenvolve por meio das relações sociais entre os

sujeitos. Pensando assim, cabe explanar o papel fundamental do conceito de

exotopia para nosso processo de seleção e análise do corpus.

Com base nessa concepção dialógica, em que os discursos estão totalmente

povoados de discursos outros, anteriores a ele, e são construídos ainda na previsão

de uma réplica vindoura, antecipando-a, podemos inferir que produzimos novos

sentidos a partir de nossa visão de mundo, por meio da imersão no espaço do outro,

no campo de visão do outro, uma vez que nos constituímos por meio dele. Logo,

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temos no movimento exotópico atividade essencial para a produção estética, devido

a essas articulações de aproximação e distanciamento entre os olhares. Cada olhar

reflete um ponto de vista diferente, único, irrepetível, se revelando diretamente na

produção de sentidos.

Duas pessoas podem olhar o mesmo objeto, mas cada um, de seu lugar,

sócio-historicamente situado, terá sua apreciação valorativa diferenciada acerca do

objeto contemplado. Isso implica acentuações valorativas diferenciadas aos signos

ideológicos utilizadas na construção de cada enunciado. O outro dá o acabamento

necessário ao eu, por meio do seu excedente de visão, do seu lugar único, situado

fora do eu.

O excedente de visão se funda nessa diferença, considerando, no

acabamento, as concepções teóricas de cada um. Sendo assim, a exotopia é

inerente ao processo de compreensão e, por conseguinte, condição fundamental

para a produção do conhecimento em ciências humanas.

O termo exotopia refere-se, especificamente, à criação estética e de

pesquisa, ao trabalho do artista ou pesquisador na elaboração de sua obra a partir

de análise de um objeto específico.

Do ponto de vista do enunciado, exotopia refere-se ao sentido de se situar

em um lugar exterior, em ciências humanas, ao texto do pesquisado e o texto do

pesquisador. Para esclarecer, Amorim (2006, p. 102) destaca:

A criação estética ou de pesquisa implica sempre um movimento duplo: o de tentar enxergar com os olhos do outro e o de retornar à sua exterioridade para fazer intervir seu próprio olhar: sua posição singular e única num dado contexto e os valores que ali afirma.

Na pesquisa em ciências humanas, o pesquisador analisa o trabalho de

outrem acerca de determinado assunto e tenta perceber o olhar de seu pesquisado

sobre aquele determinado objeto, voltando ao seu “lugar exterior” para elaborar o

seu texto (criação estética) sobre o que ele conseguiu captar em sua pesquisa.

Trata-se então da diferença entre dois olhares, entre dois pontos de vista. Nesse

momento, a fim de sintetizar o que vê, o pesquisador utiliza-se de seus valores, suas

perspectivas, suas impressões, sua formação, para discorrer acerca do que viu.

Em consonância, em Metodologia das Ciências Humanas, Bakhtin

(2011[1974-79]) afirma que o objeto das ciências humanas é o ser expressivo e

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falante, cujo sentido e significado é inesgotável, considerando que este ser não

coincide consigo, mas se revela, se constitui no horizonte do outro.

Nesse ensaio, o autor esclarece, ainda, que, ao contrário das ciências exatas

– onde o conhecimento é produzido de forma monológica, em que um sujeito

contempla uma coisa, emitindo um enunciado sobre ela -, em ciências humanas:

Qualquer objeto do saber (incluindo o homem) pode ser percebido e conhecido como coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico (BAKHTIN, 2011[1974-79], p. 400).

Nossos estudos nos permitem afirmar que, no processo de leitura, ao tentar

alcançar o querer dizer do autor, estamos fazendo um movimento exotópico de

tentar enxergar com os olhos do autor, tentar saber o que o autor quis dizer no seu

discurso e depois reproduzir, voltar ao nosso ser único, ao nosso lugar situado

sócio-historicamente, para tentar reproduzir a partir dos nossos valores o que nós

entendemos do querer dizer do autor. Então, o processo de exotopia está

diretamente relacionado à atividade de leitura, e, por conseguinte, à pesquisa em

ciências humanas.

Nesse viés, considerando a constituição e a evolução da língua/linguagem e

do próprio sujeito por meio das relações sociais dialógicas que estes estabelecem

em tempos e espaços situados, Bakhtin/Voloshinov (2009[1929], p. 129) propõem

uma ordem metodológica para o estudo da língua, definida como método

sociológico, o qual é composto de três estágios:

1) As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições

concretas em que se realiza, isto é, a formação de sentidos a partir do tema e das

esferas de comunicação humana;

2) As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação

a interação verbal, ou seja, ao gênero discursivo;

3) O exame das formas da língua na sua interpretação linguística habitual,

isto é, a constituição do enunciado concreto.

Para Santos (2011, p. 48), o método sociológico organiza categorias textuais

de forma a definir uma ordem de relevância entre elas, a partir da qual, a

pesquisadora infere que o discurso é que significa o texto, e não o contrário.

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Nessa perspectiva, passamos à análise do corpus selecionado para esta

investigação. Já vimos que as vozes representam os sujeitos falantes nos discursos.

Falamos, ainda, que essas vozes abarcam visões de mundo, apreciações

valorativas, pontos de vista, os quais revelam o lugar em que esses sujeitos se

situam. Sabemos também que essas vozes anteriores também estão povoadas de

outras vozes e a elas respondem. Nossa empreitada, então, se baseia na

investigação desses sujeitos discursivos, dos lugares que habitam, das vozes

anteriores a elas, a quem destinam suas falas, por que são elaboradas, que lugares

sociais representam. Nosso olhar vai para os discursos que constituem discursos, e

não apenas a realidade imediata que os envolvem. Pretendemos, a partir do

presente, refletir sobre passado em direção ao futuro.

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CAPÍTULO 3

POR UMA ANÁLISE DIALÓGICA DE DISCURSOS

Pretendemos, neste capítulo, evidenciar os diálogos que se estabeleceram

entre os discursos selecionados por nós por ocasião da polêmica do Livro Didático

“Por uma Vida Melhor” e, ainda, demonstrar como esses discursos são arquitetados,

no movimento de refração de discursos anteriores e antecipação de discursos

futuros.

Nesta perspectiva, organizamos uma investigação de natureza qualitativa, de

cunho documental e bibliográfico, gerando dados por meio de análise de textos que

circularam na mídia por ocasião da polêmica do livro didático “Por uma vida melhor”,

a fim de, após leitura e seleção do corpus coletado em notícias, artigos e colunas

assinadas online, elaborar uma análise de discursos baseada no diálogo entre os

sujeitos que se fizeram participantes nessa polêmica, desde o senso comum às

colunas mais prestigiadas da mídia.

Para tanto, consideramos os Estudos de Bakhtin e seu Círculo e trabalhos de

pesquisadores de sua obra, a partir da concepção dialógica da linguagem, uma vez

que, para Bakhtin (1997, p. 108), “a língua não se transmite; ela dura e perdura sob

a forma de um processo evolutivo contínuo”. Logo, consideramos em nossas leituras

as relações de alteridade em que são elaborados os discursos, pois entendemos

que é por meio das relações comunicativas entre sujeitos que a língua entra na vida,

num intenso e cíclico movimento de encontros e desencontros.

Na visão bakhtiniana, isso significa que todo discurso é elaborado a partir de

discursos anteriores a ele e, ainda, se constituem na expectativa de uma resposta

futura. Logo, o discurso prevê, antecipa suas possíveis respostas, já em sua fase de

elaboração (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 89). É preciso destacar ainda o contexto

de produção dos discursos, ou seja, o fundo dialógico que o influencia em seu

projeto discursivo

Nessa perspectiva, para delimitar o corpus - tendo em vista a vastidão de

textos que já havíamos coletado nesses dois anos após o início da discussão acerca

do livro didático “Por uma vida melhor” -, iniciamos a leitura atenta de cada um

desses textos, com a missão de encontrar fios discursivos que ligassem uns aos

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outros, caracterizando as relações dialógicas entre eles, por meio da identificação de

semelhanças e diferenças, respostas e contrarrespostas, encontros e desencontros.

Sendo assim, selecionamos os textos que melhor evidenciam essas

características que desejamos analisar, isto é, os textos em que mais facilmente

podemos identificar as vozes, isto é, as reações ao evento, e que melhor evidenciam

as suas posições ideológicas expressas por meio de suas formações enunciativas.

Organizamos nosso corpus da seguinte maneira:

NºOrdem Gênero Data de publicação

Autor/Veículo Título

Texto 1 Notícia 13/05/2011 Redação do Jornal Nacional/G1

MEC defende que aluno não precisa

seguir algumas regras da gramática

para falar de forma correta

Texto 2 Artigo assinado

17/05/2011 Alexandre Garcia/G1

Aboliu-se o mérito e agora aprova-se a frase errada para não constranger

Texto 3 Notícia 18/05/2011 Redação do G1 em Brasília

MEC não vai recolher livro com erros de concordância, diz Haddad

Texto 4 Notícia 31/05/2011 Robson Bonin, G1 em Brasília

Haddad chama de 'injustiça crassa' críticas a livro didático do MEC

Texto 5 Notícia 31/05/2011 Robson Bonin, G1 em Brasília

Ministro da Educação compara críticas a livro do MEC a fascismo

Texto 6 Coluna assinada

17/05/2011 Augusto Nunes/Veja

A dona do português

Texto 7 Coluna assinada

14/05/2011 Reinaldo Azevedo/Veja

Livro didático faz a apologia do erro: exponho a essência da picaretagem teórica e da malvadeza dessa gente

Texto 8 Artigo assinado

18/05/2011 O Estado de S. Paulo/O estadão

A pedagogia da ignorância

Texto 9 Artigo assinado

20/05/2011 Nathália Goulart/ Veja

As lições do livro que desensina

Texto 10 Artigo assinado

20/05/2011 Gaudêncio Torquato/ Estadão

A “espertocracia” educacional

Texto 11 Coluna assinada

22/05/2011 Augusto Nunes/ Veja

Os aiatolás do idioma insistem na vigarice lucrativa e levam mais um troco do escritor Deonísio da Silva

Texto 12 Artigo Assinado

19/05/2011 Carlos Alberto Faraco/ Gazeta do povo

Polêmica vazia

Texto 13 Artigo Assinado

25/05/2011 Luis Nassif/ Filosomidia

O escândalo do livro que não existia

Texto 14 Artigo Assinado

24/05/2011 Cristóvão Tezza/ Gazeta

O poder do erro

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do povo

Texto 15 Artigo Assinado

29/05/2011 Sérgio Fausto/ Estadão

Educação para o debate

Texto 16 Coluna Assinada

15/05/2011 Reinaldo Azevedo/Veja

Eles odeiam é a civilização!

Texto 17 Artigo Assinado

16/05/2011 Hélio Schwartsman/ Folha de S. Paulo

Uma defesa do “erro” de português

Texto 18 Artigo Assinado

23/05/2011 Marcos Bagno/ O Globo

Outra opinião: uma falsa polêmica

Texto 19 Artigo Assinado

19/05/2011 Ana Cássia Maturano/G1

Opinião: Enquanto escrita exige rigor, linguagem oral é mais solta

Nesse processo de seleção de corpus, procuramos evidenciar que os

discursos são elaborados sócio-histórica e ideologicamente, circulando de forma

ininterrupta nas diversas esferas da comunicação verbal, renovando-se

constantemente. A cada novo contexto a acentuação da palavra se modifica,

demonstrando sua natureza ideológica, pois sua significação depende do contexto

de produção, circulação e recepção.

Temos claro, conforme estudamos capítulo 2 desta investigação, que todo

enunciado é dirigido a alguém, a outros enunciados, se posicionando em relação a

esses seus outros, na intenção de obter uma resposta que venha a apoiar o discurso

corrente.

Torna-se imperioso, ainda, vislumbrarmos os recursos linguísticos utilizados

para retomar e antecipar outros discursos, os quais denotam a relação entre os

mesmos, evidenciando os posicionamentos ideológicos do sujeito que fala e as

representações marcadas pelas vozes discursivas - quem enuncia, de que lugar

enuncia, para quem enuncia - a fim de demonstrar os diálogos nessas construções

enunciativas.

Ao revelarmos tempos, espaços e sujeitos, inevitavelmente trabalharemos os

valores atribuídos ao objeto dos discursos e, ainda, os projetos discursivos inseridos

em cada enunciado proferido. Considerando que grande parte desses enunciados

configuram discursos antagônicos, apontando para índices de valoração, não

podemos deixar de utilizar, para tal análise, o conceito de ideologia cunhado pelo

Círculo de Bakhtin, ao considerar que sua definição refere-se a toda tomada de

posição do homem em face de seus reflexos e interpretações da realidade social.

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3.1 Situando a esfera e os gêneros

Apoiados no método sociológico de pesquisa proposto por Bakhtin, conforme

já explicitamos no capítulo anterior, é imperioso iniciar nossas leituras considerando,

primeiramente, a esfera onde floresceu tal discussão, manifestada por meio dos

gêneros notícia, artigo e coluna assinada (cujos exemplares foram coletados na

internet para a constituição do corpus).

Explicitar a esfera de comunicação é imprescindível para a compreensão do

texto, pois a ela estão vinculados os processos de produção, circulação e recepção

do gênero. Mais importante ainda, entendendo a esfera de comunicação discursiva,

entendemos os diversos posicionamentos ideológicos aos quais esses textos estão

vinculados, uma vez que a utilização da língua é realizada por meio de enunciados

(orais e escritos) que refletem as finalidades de uma esfera de atividade humana,

pois

Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. (...) É impossível alguém definir sua posição sem correlacioná-la com outras posições. Por isso, cada enunciado é pleno de variadas atitudes responsivas a outros enunciados de dada esfera da comunicação discursiva (BAKHTIN, 2011 [1952-1953], p. 297, grifos nossos).

Rodrigues (2001, p. 74-80), ao definir as especificidades da esfera

jornalística, procura não limitar tal definição aos meios de reprodução e difusão, isto

é, às suas mídias, simplesmente. A autora cita alguns fatores que corroboraram na

consolidação da esfera, situando as condições sócio-ideológicas relacionadas a seu

processo histórico de formação: “a revolução burguesa contra a aristocracia e o

poder absoluto, a sua ascensão ao poder; a queda da censura prévia, exercida

pelos Estados nacionais e pela Igreja; o processo de alfabetização em larga escala,

que viabilizou a leitura de jornais.” É a partir dessa conjuntura que a imprensa

adquiriu algum valor social, sobretudo no âmbito político e financeiro, dada a

necessidade de circulação de informações e opiniões de forma periódica. Segundo a

autora, o jornalismo impresso só se consolidou a partir do século XVII, na Alemanha.

Por fim, Rodrigues exibe uma definição dessa esfera reportando-se aos

princípios da teoria bakhtiniana:

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Numa síntese, pode-se dizer que o objeto da esfera jornalística se constitui no horizonte de acontecimentos, fatos, conhecimentos e opiniões da atualidade, de interesse público. Nesse contexto, sua função sócio-ideológica se caracteriza por fazer circular (interpretar, "traduzir") periódica e amplamente as informações, conhecimentos e pontos de vista da atualidade e de interesse público, "atualizando" o nível da informação da sociedade (ou de grupos sociais particulares) (RODRIGUES, 2001, p. 81).

Considerando o seu processo de formação (vinculado a áreas financeiras e

políticas) e, ainda, o papel marcante da esfera jornalística na formação da opinião

pública, concordamos com a autora em relação à não existência de verdadeira

objetividade nos textos oriundos dessa esfera, nem mesmo no gênero notícia, pois a

própria escolha das pautas a serem noticiadas já remete a uma valoração. A

neutralidade é uma característica que a própria esfera se atribui para garantir a

credibilidade de seus leitores, segundo a autora.

Em nosso caso específico, sentimos necessidade de falar da esfera midiática

em vez de esfera jornalística, por entender a amplitude de seu alcance – mídia

impressa, radiofônica, televisiva, digital - que abrange não somente as produções de

jornalistas, mas de publicitários, especialistas e pesquisadores de áreas específicas,

educadores e intelectuais, além de reservar espaço nessas produções para os

receptores desses discursos, como veremos mais à frente na coluna de Augusto

Nunes/Veja, por exemplo.

Comparada com o jornalismo impresso, a mídia televisiva, por ser mais rápida

e, ainda, por atingir a todos os níveis sociais da sociedade, leva vantagem, pautando

os temas abordados nos jornais impressos, radiofônicos e na internet (mídia na qual

coletamos nossos dados). Acerca disso, a autora elenca algumas características do

jornal televisivo que têm sido incorporadas ao jornalismo impresso: “primeira página

semelhante a uma tela de televisão, extensão reduzida dos textos, uso excessivo de

títulos chocantes, prioridade do local sobre o internacional etc” (idem, p. 84).

Podemos destacar, da mesma forma, o vínculo que os jornais televisivos e

impressos mantêm com a internet. A maioria deles, se não todos, possui um portal

na rede mundial de computadores, onde são disponibilizadas as informações

divulgadas na TV, para leituras posteriores. Vale destacar que todos os textos

coletados para esta pesquisa possuem acesso livre na internet, dado o seu alcance

e a rapidez. A velocidade da informação é mais rápida a cada dia, tendo como

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grande suporte as redes sociais na internet e as novas tecnologias dos aparelhos

celulares e outros equipamentos que registram e divulgam materiais em tempo real.

Podemos refletir, a partir da pesquisa de Rodrigues, que as relações de poder

entre mídia, economia e política são cada vez mais estreitas, em face do avanço

tecnológico, responsável pela velocidade da informação. Basta considerarmos o

espaço cada vez maior para as propagandas comerciais (TV, rádio, mídia impressa,

internet), sem contar os grandes grupos de investidores no mercado de redes de

acesso à informação. Não há como negar que a esfera midiática está subordinada

aos interesses de mercado, porta voz de grupos econômicos e políticos que querem

difundir suas ideias e vender seus produtos.

Nosso corpus, como já dito, compreende textos produzidos em gêneros

notícia, artigo assinado e coluna assinada. Embora esses gêneros possam se

aproximar pela estrutura composicional um tanto estabilizada pela esfera, se

diferenciam pela abordagem do conteúdo temático e pelo estilo de linguagem.

A notícia objetiva uma interação com o seu leitor a partir do relato de um

acontecimento relevante na realidade social, realçando os impactos que tal fato

pode gerar. Porém, devemos destacar que, embora tenha a função de apenas

divulgar um fato, esse gênero revela intenções do veículo em que é publicado, ao

considerarmos o contexto sócio-histórico do momento de sua divulgação. Em outras

palavras, a estrutura do gênero possui certa estabilidade, porém, sua organização

se define pelo querer dizer de seu enunciador (o autor imediato e o veículo de

comunicação que representa).

Já o artigo e a coluna assinada tendem a partir de uma notícia para chamar a

atenção do leitor para o seu ponto de vista acerca das influências que um

determinado fato/objeto pode trazer à sociedade, buscando levar o seu leitor a se

posicionar, claro, em consonância com o seu discurso. Assim, esses gêneros

funcionam para levar informação sobre um fato da realidade social, frisando o

impacto deste sobre a sociedade, seguindo para uma apreciação valorativa de tal

fato.

É importante frisar que o artigo, na maioria das vezes, é escrito por

especialistas, pesquisadores ou estudiosos de determinadas áreas específicas, os

quais são convidados pelo veículo de comunicação para participarem

opinativamente de um debate publicando um artigo. Já a coluna refere-se a uma

seção de um jornal ou revista, de responsabilidade de um colunista, geralmente um

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jornalista, que, periodicamente, emite opiniões acerca de variados assuntos ligados

a fatos relevantes da sociedade, sobretudo na área da economia e política.

Fazendo uma leitura cuidadosa de algumas notícias selecionadas para esta

análise – veiculadas, sobretudo na internet, por ocasião da polêmica do livro didático

“Por uma vida melhor” -, percebemos claramente que tais discursos estabelecem

posições definidas sobre o tópico ora em pauta, dado o movimento das vozes que

são convocadas por tais autores na elaboração desses discursos, pois:

Em todos os domínios da vida e da criação ideológica, nossa fala

contém em abundância palavras de outrem, transmitidas com todos

os graus variáveis de precisão e imparcialidade. Quanto mais

intensa, diferenciada e elevada for a vida social de uma coletividade

falante, tanto mais a palavra do outro, o enunciado do outro, como

objeto de uma comunicação interessada, de uma exegese, de uma

discussão, de uma apreciação, de uma refutação, de um reforço, de

um desenvolvimento posterior, etc, tem peso específico maior em

todos os objetos do discurso (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 139).

Nessa perspectiva, para a análise dialógica de discurso a que nos propomos

nesta investigação, partimos da esfera de comunicação em que esses discursos

emergem, nos atentando aos movimentos de construção de sentidos que envolvem

aspectos inerentes à forma composicional, conteúdo temático e estilo de linguagem

empregados nessas formações enunciativas, a fim de evidenciar valorações dadas

pelos sujeitos que interagem nessas relações comunicativas.

3.2 As vozes do G1 em diálogo

Não podemos negar que a mídia, de uma maneira geral, é um dos maiores

instrumentos de formação de opiniões de uma sociedade (se não o maior), que,

neste contexto investigado, desempenha um papel doutrinador ao defender um

português puro, fundado nas gramáticas normativas, marginalizando, assim, as

variedades populares e insistindo em manter e reforçar o caráter normativo

disseminado no senso comum de língua correta ou incorreta. Exemplo disso é o

sucesso do investimento da Rede Globo no quadro Soletrando do programa do

Luciano Huck. Trata-se de uma competição entre estudantes da educação básica

que considera apenas a formação da palavra dicionarizada, não passando de um

jogo de memorização que, como faz muito sucesso no exterior, foi copiado no Brasil.

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Nesse contexto, a Rede Globo, inaugurando a polêmica em nível nacional,

através de seus jornais televisivos de maior visibilidade – Jornal Nacional (Texto 1) e

Bom dia Brasil (Texto 2) -, deflagra a celeuma utilizando recursos linguísticos que

demonstram a grandiosidade e a gravidade do problema pautado por eles. Vejamos:

(Texto 1)7

(Texto 2)8

7 Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/05/mec-defende-que-aluno-nao-precisa-

seguir-algumas-regras-da-gramatica-para-falar-de-forma-correta.html, acesso em 03/10/2013.

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Sabemos que o enunciado quase meio milhão de alunos é muito diferente de

484.195 alunos. Mas, daquele modo, o impacto é bem maior. Passa-se o sentido de

que o problema é grande, imenso, gigantesco, com proporções nunca vistas,

convocando o leitor a uma tomada de posição diante da gravidade do

acontecimento, incitando a opinião pública à polêmica. É visível aqui, também, a

presença autoral do veículo de comunicação, que objetiva ampliar a polêmica,

alimentando a posição ideológica de que o português é uma língua única, fundada

na rigidez dada pela gramática.

Para tornar mais evidente esse aspecto, observemos a relação existente

entre três enunciados constituídos no gênero notícia, publicados no site G1. O

primeiro deles, publicado em 18/05/2011, não possui assinatura, os demais,

publicados em 31 do mesmo mês, são de autoria de Robson Bonin.

(Texto 3)9

Texto 410

8 Disponível em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/05/aboliu-se-o-merito-e-agora-aprova-se-

frase-errada-para-nao-constranger.html, acesso em 03/10/2013 9 Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/mec-nao-vai-recolher-livro-com-erros-de-

concordancia-diz-haddad.html, acesso em 01/10/2013.

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Texto 511

Considerando a ordem cronológica em que tais recortes estão organizados,

notamos que o tom condenatório da emissora em relação às possibilidades de

variações de uso da língua é muito mais evidente nos Textos 1 e 2, pois, com o

passar dos dias, em face da repercussão da notícia e do crescimento do debate, a

valoração dada ao livro em questão, feita pelo enunciado nos títulos das notícias

veiculadas no site, sofre algumas alterações: livro com erros de concordância (Texto

3); livro didático do MEC (Texto 4); e livro do MEC (Texto 5).

Ainda podemos destacar que, embora a primeira notícia revele, logo no título,

que o livro contém erros de concordância – MEC não vai recolher livro com erros de

concordância, diz Haddad (Texto 3) -, nas outras duas publicações, o site é mais

cauteloso.

Na segunda notícia, o subtítulo traz: Livro do MEC distribuído a escolas

aceitaria erros de concordância (Texto 4).

Já na terceira, tal informação é publicada apenas dentro do texto, e não no

título ou subtítulo. Vejamos:

10

Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/haddad-chama-de-injustica-crassa-criticas-livro-didatico-do-mec.html, acesso em 01/10/2013. 11

Disponível em:, http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/ministro-da-educacao-compara-criticas-livro-do-mec-fascismo.html, acesso em 01/10/2013.

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(Texto 5)

Notemos a mudança do tempo verbal na constituição linguística dos

enunciados da segunda e terceira notícia veiculada (futuro do pretérito – aceitaria,

permitiria) como um indício de distanciamento da polêmica, como que querendo

deixar para outros a oportunidade de julgar a questão da veracidade dos fatos.

Essa modificação na valoração dada ao livro pode ser justificada pelo avanço

nas discussões que envolveram a polêmica, apontando para discursos contra e a

favor da proposta pedagógica defendida pelos autores da obra. Seria uma forma de

evidenciar a neutralidade do veículo de comunicação neste debate.

Nesse mesmo contexto, destacamos a seguir a plurivocalidade caracterizada

por citações diretas e indiretas presentes nos enunciados como outra estratégia de

que o enunciador dispõe para se aproximar e se distanciar de opiniões de seus

outros.

Atentemo-nos para a convocação de forma mais indireta da voz do Ministro

da Educação (representante do governo federal e responsável pela distribuição do

livro), distanciando-se deste com o objetivo de demonstrar imparcialidade no debate.

Vejamos:

(Texto 3)

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(Texto 4)

(Texto 5)

Por outro lado, notemos que quando o enunciador se reporta a críticos do

livro o faz de forma mais direta, num movimento de aproximação do discurso deste:

(Texto 3)

No recorte acima, o discurso da Academia Brasileira de Letras é incorporado

ao discurso do locutor, num movimento de aproximação, demonstrando o

nivelamento ideológico entre essas vozes. A ABL é convocada muito

apropriadamente para endossar o discurso do G1 nessa notícia (Texto 3 - MEC não

vai recolher livro com erros de concordância, diz Haddad). Essa publicação ainda

traz uma breve descrição de COMO O MEC ESCOLHE OS LIVROS DIDÁTICOS.

No Texto 4 (Haddad chama de ‘injustiça crassa’ críticas a livro didático do

MEC), o G1 traz um link (saiba mais) para a notícia anterior (Texto 3). E o Texto 5

(Ministro da Educação compara críticas a livro do MEC a fascismo), publicado no

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mesmo dia do Texto 4, traz um link (saiba mais) para as duas notícias veiculadas

anteriormente.

Embora mais cauteloso quanto à valoração dada ao livro nos títulos,

observamos logo no início dessas duas últimas publicações o mesmo enunciado

sendo retomado:

(Texto 4)

(Texto 5)

Ao retomar o enunciado anterior (veiculado no mesmo dia, pelo mesmo autor,

no mesmo veículo de comunicação), o locutor reforça o discurso de que o livro está

sendo criticado por diversos setores da sociedade, e não pela mídia. Logo, o

autor/veículo se projeta no discurso como um porta-voz da sociedade, a fim de

convocar essas vozes para apoiarem o seu discurso, convocando o leitor potencial

do site para apoiar seu posicionamento, respondendo ativamente a ele, se

posicionando. Mais uma vez, o enunciador tenta se mostrar neutro no debate,

demonstrando ao seu leitor que ele, como cidadão, deve também se posicionar

diante da discussão, como fazem os “diversos setores da sociedade”.

A segunda notícia revela ainda que Haddad também convoca outras vozes

para apoiar seu discurso:

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(Texto 4)

Por meio do excerto acima, o G1 tenta demonstrar que, ao contrário de seus

oponentes, Haddad não agrega diversos setores da sociedade, citando apenas

alguns artigos de jornal, educadores e entidades de ensino. Um destaque muito

oportuno para fragilizar o discurso do Ministro da Educação, logo, do governo

federal, e, por conseguinte, do governo do PT.

Vale refletir que, pela tradição, o purismo linguístico é uma ideologia

compartilhada tanto para “direita” quanto pela “esquerda”, logo, com certeza, as

críticas seriam as mesmas se o governo fosse do PSBD.

Nesse viés, atentemos para o fato de que tal celeuma se deu logo no início da

gestão da presidente Dilma Roussef. Nesse contexto em que se completam oito

anos da primeira gestão do PT na presidência do país e em que pela primeira vez

uma mulher ocupa tal cargo, a polêmica do livro didático “Por uma vida melhor”

representa uma boa oportunidade para engrossar as fileiras de críticas ao partido.

É o que podemos notar ao analisar o Texto 5, onde o jornalista destaca o que

chama de “troca de farpas” entre o Ministro da Educação Fernando Haddad (PT) e o

Senador Álvaro Dias (líder do PSDB no Senado).

Texto 5

Nessa luta política travada entre o ministro e o senador, o enunciador da

notícia mantem-se distanciado por meio das citações indiretas (afirmou Haddad,

afirmou Dias, questionou Dias, afirmou Haddad) e, para por fim ao debate, conferiu a

última palavra ao presidente da Comissão de Educação do Senado, Roberto

Requião (PMDB):

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(Texto 5)

Sem mais considerações, ao final, o jornalista traz um resumo (Injustiça

crassa) da notícia publicada no mesmo dia (Texto 4 – Haddad chama de ‘injustiça

crassa’ críticas a livro didático do MEC). E, mais uma vez, o enunciador tenta

demonstrar a imparcialidade do site G1 que, segundo ele, agregaria em suas

notícias vozes de vários grupos e representações sociais, deixando que o leitor

atribua sentidos e tire suas próprias conclusões.

3.3 Veja: “a dona do português”

Nesta seção, com o intento de demonstrar as manifestações das vozes

discursivas que se posicionam acerca do tema discutido, a partir da concepção

dialógica da linguagem, trazemos à tona uma publicação do colunista Augusto

Nunes, publicada no site da revista Veja em 17/05/2011, conforme abaixo:

Texto 612

12

Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/sanatorio-geral/a-dona-do-portugues/, acesso em 01/10/2013.

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O título da coluna, “Sanatório Geral”, demonstra claramente o intento de

ridicularizar os enunciadores dos discursos veiculados neste site. Em uma pequena

apresentação na parte superior direita da página (vide imagem acima), encontramos

a seguinte comprovação para esta nossa afirmação: “Com palavras e imagens, esta

página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço

esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido”.

Nesse viés, seria esse o local onde os desmemoriados brasileiros

encontrariam uma cura para a sua amnésia. A estratégia de trabalho do colunista se

funda em primeiro apresentar entre aspas o discurso de outrem, para, então, a partir

dele, tecer o seu próprio comentário, por meio do qual satiriza o discurso de origem,

provocando e convocando outras vozes para que se façam presentes no espaço

reservado a comentários que o site disponibiliza. Acerca desse movimento, Bakhtin

esclarece que:

O polemista inescrupuloso e hábil sabe perfeitamente que fundo

dialógico convém dar às palavras de seu adversário, citadas com

fidelidade, a fim de lhes alterar o significado. (...) é muito fácil tornar

cômica a mais séria das declarações. (...) o grau de influência mútua

do diálogo pode ser imenso (BAKHTIN, 2002 [1934-35], p. 141).

O colunista lança comentários provocativos, a fim de despertar novos

comentários de seu público (internautas) que venham a reafirmar sua posição,

dando respaldo e credibilidade à sua opinião, o que realmente ocorre, como

veremos logo mais, na análise dos comentários gerados a partir de tal publicação.

O título do post, “A dona do português”, ironiza o sujeito do discurso anterior,

neste caso, a Professora Heloisa Ramos, coautora do livro didático “Por uma Vida

Melhor”, sugerindo que ela se acha a dona da língua nacional e, logo, detém todos

os direitos reservados e poderia, então, fazer o que bem entendesse com o ensino

da disciplina em seu material didático. Além disso, podemos notar que o colunista

encerra seu discurso com a mesma pretensão, ao enunciar que “especialistas em

linguística têm o direito de ensinar errado sem que ninguém mais abra a boca”,

ridicularizando a autora e a ciência linguística.

Os recortes abaixo demonstram atitudes responsivas muito próximas, porém,

oriundas de lugares diferentes. Vejamos:

1. … Embora a incompetência queira administrá-la, não consegue. Qualquer aleijado mental sabe que a educação no Brasil é coisa fora de plano...

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2. Agora, implantar no ensino público os “conhecimentos” dele, é holocausto educacional.

3. Como dizem: a ignorância petista está oficializada em nosso país. É mais uma vitória para o PT e uma derrota para a decência. Confesso, de todos os erros que eu pensei que esse governo fosse cometer, nunca imaginei que ele chegaria tão baixo! OREMOS...

4. Com certeza está grande especialista será convidada a participar do Ministerio da Pesca da grande ministra especialista em caçar sapo no lago Paranoa, Edeli Salvatti, que frase linda, NÓS PEGA O PEIXE

5. Um recado assim ói: “Ói, turma, num deu pra esperá Aduvido que isso, num faz mar, num tem importância, Assinado em cruz porque não sei escrever”

6. Exatamente, é para especialistas de verdade, e não ideólogas medíocres como essa professora de picaretagem.

7. É com tristeza que assistimos a este festival de ignorância oficialista. Ignorantes ilustrados é o que são estes “mestres”, “doutores” ou o que mais se arroguem. Que estes pseudoprofessores saibam que títulos não garantem verdadeira cultura civilizatória e a sabedoria se nutre mais da reflexão íntima do que da arrogância fruto do esforço bruto.

8. Para um amador, até que ficou mais ou menos, mais pra menos do que pra mais…

9. Graças a Deus minha santa professora jamais vai permitir em lecionar com base nesta versão profana da gramática portuguesa. Oremos!

10. Acho que o livro é bem coerente com nível da educação pública no Brasil. Ou estou errado?

11. Essa “muié”, pelo que vejo, é uma usina de sandices. Não só escreve como também fala muita besteira.

12. Ou seja: qualquer um que criticar a ideia de jirico de Heloísa Ramos e não for especialista na área pode sofrer de preconceito acadêmico.

13. Ue… Para falar assim nao preciso do MEC, da escola e nem dos livros… PS. e este teclado alemao, sem acentos, serve!

14. ... pois estou desatualizada depois de 60 anos quero aprender a nova língua portuguesa senão a MESTRA da burrice essa tal de Heloísa Ramos vai debochar de “migo.”

15. Fora com a incompetência professoral dentro da UNFRN. Pobre alunos potiguare, né não, fesora.

16. Gentalha!

17. aí não; “nós pega o peixe”, e outras barbaridades, a musa do PT, a Ideli Salvati, já pronuncia há muito tempo!

18. A Heloisa não foi presa ainda????

19. DE QUANTO TERA SIDO O VALOR DO MIMO?

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20. … porque em relação ao idioma, não conseguiu emplacar o reducionismo petista, neo-albanês, aperfeiçoado em cuba, que pretende um dia, quem sabe?, (...) se comunicam em dilmês ou lulês (...) mais uma alquimia petista pra vender livros encalhados. essa tese da cultura curupira deve ter rendido pra lá de cinco milhões… então, está explicado.

21. Conclusão simples: A gramática que estão tentando instituir aos nossos pobres jovens do ensino público é a palavra falada do mentor da atual presidente (...)”.É a forma mais covarde e vil de coaptar os incautos para o seu bando, como se o analfabetismo fosse condição primordial para ser alguém na vida.

22. Mas nem o pessoal do PT participativo pode opinar? O Menas e a Metralha instalada na Pensão Alvorada terá teriam muito a contribuir…

23. Isso a alguns anos atrás vcs os ptralhas chamavam de DITADURA, (...)

24. A moça está fazendo uma auto-crítica e pedindo prá sair. Vamos deixar ela ir embora.

25. E outra… com gente como essa, tem que fazer como Olavo de Carvalho e mandar pra p… q… p…!!

26. Caro Augusto Nunes, boa noite. Caro amigo, longe de mim ser preconceituoso mas eu acho que, no máximo, e com muita boa vontade, essa senhora pode ser é dona de padaria. Do português, jamais!

27. Alguém tem que dizer pra essa burra (inconseqüente, prepotente e, no mínimo, petralha) que falar errado é ERRADO!!!

28. Os burros fazem e desfazem este país. Uma hora dessas, não terá mais “concerto”.

29. Vamos ouvir o que diz a especialista e todos teremos uma vida melhor, como anuncia o título de seu livro: sem regência, concordância, ortografia, gramática, prosódia ou prosopopeia.

30. Agora todo mundo pode falar como o palanqueiro chefe.

Como podemos notar nos trechos em destaque, não localizamos nenhum

comentário em defesa do livro ou da professora Heloisa Ramos. Os leitores da

coluna Sanatório Geral seguem o posicionamento ideológico de seu idealizador,

compartilhando opiniões firmes acerca da polêmica. Esses enunciadores reafirmam

sua posição conservadora em relação ao uso da língua e sua descrença na

educação no Brasil. Suas escolhas lexicais apontam para valoração que assumem

diante da polêmica. Utilizam termos como incompetência, burrice, holocausto

educacional, ignorância, entre outros; debocham, confundem e ironizam, (prosódia

ou prosopopeia).

O governo do PT aparece em grande parte dos comentários como o

responsável pela realização de um ensino descompromissado com as formas

prestigiadas de Língua, respaldado na Gramática Normativa, vista por esses como a

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porta de entrada para um futuro promissor aos jovens estudantes. Para tanto,

destacamos os termos ignorância petista, vitória para o PT, reducionismo petista,

dilmês ou lulês, alquimia petista. E, para encerrar, temos o comentário 30: Agora

todo mundo quer falar igual ao palanqueiro chefe.

Tal posicionamento parece querer demonstrar que o retrato da educação no

Brasil vem ao encontro da ideia de que o presidente Lula não possui escolaridade

suficiente para ocupar tal cargo e, logo, a educação não é mesmo prioridade na

gestão do PT. Tal situação seria um reflexo da suposta falta de proposição do

governo.

Vimos ainda o discurso religioso, em que os comentaristas pedem orações

para resolver as contendas em relação ao que chamam de absurdo. Destacamos:

derrota para a decência, oremos, versão profana da gramática portuguesa.

Em grande parte dos comentários, testemunhamos ataques diretos à

coautora do livro e à sua formação acadêmica, o que dá a entender que tais

internautas são profundos conhecedores da ciência linguística, a ponto de

acreditarem que a língua é a própria gramática normativa tradicional, se resumindo a

um conjunto de regras. Destacamos: ideólogas medíocres, professora de

picaretagem, pseudoprofessores, títulos não garantem verdadeira cultura

civilizatória, amador, usina de sandices, ideia de jirico, MESTRA da burrice,

incompetência professoral, gentalha.

A observação dos enunciados nos revela uma mobilização geral dos

envolvidos em função de um empreendimento: atingir a credibilidade da autora do

livro, desqualificando o seu trabalho e a ciência que o valida, a linguística. Isso é

comprovado pelas vozes discursivas que refletem esferas como política e religiosa,

e o senso comum, de uma forma geral, apontando para índices discursivos de

acusações.

Tais avaliações revelam desconhecimento linguístico por parte desses

enunciadores, que defendem em seus discursos que a língua está na gramática, o

que não está lá não existe, é erro. Isso reforça a posição ideológica do senso

comum, presentes em basicamente todos os discursos contra o livro, de que as

variedades populares são versões corrompidas de uso da língua.

É importante ressaltar que esses internautas estão revestidos por uma

armadura que garante o seu anonimato, pois, para comentar, não é necessário fazer

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um registro oficial, nem divulgar foto, apenas cadastra-se um nome e e-mail, que

podem ser facilmente forjados, como podemos ver abaixo:

Vale destacar, ainda, que, contrariando as posições ideológicas difundidas na

publicação, nessa imagem, o veículo de comunicação revela uma outra posição

quanto ao uso da língua ao admitir comentários “com erros de português” em suas

publicações.

3.4 Palavras e contrapalavras

As leituras empreendidas nos textos de nosso corpus evidenciam a existência

de dois grandes grupos participantes do debate acerca do livro didático “Por uma

vida melhor”: um grupo defensor da proposta pedagógica da obra e um grupo

contrário.

O primeiro grupo foi formado por professores pesquisadores em estudos

linguísticos, representantes da entidade responsável pela produção do livro,

representantes governamentais e outras diversas instituições ligadas à educação.

De uma maneira geral, este grupo tenta desconstruir o discurso da mídia, e, para

isso, tenta recuperar os contextos de produção dos enunciados que, retirados do

livro, estavam sendo utilizados como mote da polêmica. Eles ainda recorrem aos

documentos que regulam o ensino de língua materna e que abonam a proposta do

livro didático em questão, esclarecendo o que é a Sociolinguística.

O grupo contrário se desdobrou em outros três subgrupos: 1) contra os

produtores do livro – professora Heloisa Ramos, ONG Ação Educativa; 2) contra os

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linguistas e as teorias que validam o discurso do livro - ciência linguística, mais

especificamente a sociolinguística; 3) contra o governo federal – representado pelo

PT, MEC, Fernando Haddad – por permitir a distribuição do livro.

Nesta seção investiremos na demonstração das relações dialógicas que se

evidenciam em formações enunciativas empreendidas pelos dois grupos, os prós e

os contras da polêmica, revelando os fios dialógicos que interligam essas produções

por meio de estilos de linguagem apropriadamente utilizados para a produção de

sentidos.

Entre os discursos contrários ao livro, podemos destacar alguns estilos que

apontam muito claramente para a valoração atribuída pelo grupo em pequenos

recortes destacados de algumas publicações, por meio dos quais observamos os

títulos e notamos que esses enunciadores utilizam-se criativamente de adjetivos e

substantivos para desqualificar o objeto do discurso e conseguir o apoio dos seus

leitores.

Texto 7 - Reinaldo Azevedo/Veja, em 14/05/2011

13

Texto 8 - O Estadão, em 18/05/2011

14

Texto 9 - Nathália Goulart/Veja, em 20/05/2011

15

13

Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/livro-didatico-faz-a-apologia-do-erro-exponho-a-essencia-da-picaretagem-teorica-e-da-malvadeza-dessa-gente/, acesso em 03/10/2013. 14

Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-pedagogia-da-ignorancia,720732,0.htm, acesso em 03/10/2013. 15

Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/as-licoes-do-livro-que-desensina, acesso em 03/10/2013.

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Texto 10 - Gaudêncio Torquato/O Estadão, em 22/05/2011

16

Texto 11 - Augusto Nunes/Veja, em 22/05/201117

A leitura dos recortes acima denota que seus enunciadores não reconhecem

as formas das variedades linguísticas como resultado dos usos da língua pelos

falantes, isto é, como nascida no social, cultural e histórico; revelando uma postura

estática, que vê a língua como acabada e independente da ação dos sujeitos

falantes sobre ela e vê a gramática como uma lei que deve ser seguida, mesmo se

contestada. Além disso, esses comentários sugerem a existência de uma possível

articulação política por trás da questão do livro, uma manobra bastante rentável por

meio da qual algumas pessoas estivessem sendo beneficiadas financeiramente.

Já entre as manifestações a favor da proposta pedagógica do livro,

destacamos as publicações do professor e pesquisador Carlos Alberto Faraco, no

Jornal A Gazeta do Povo, em 19/05/2011, do professor e pesquisador Marcos

Bagno, no Jornal O Globo, em 23/05/2011 e do jornalista Luiz Nassif, em artigo

publicado no blog Filosomidia, em 25/05/2013 (e republicado em outros veículos).

Vejamos:

Texto 12 – Carlos Alberto Faraco, em 19/05/201118

16

Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-espertocracia-educacional,722417,0.htm, acesso em 03/10/2013. 17

Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/tag/por-uma-vida-melhor/, acesso em 03/10/2013. 18

Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=1127433&tit=Polemica-vazia, acesso em 03/10/2011.

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Texto 18 - Marcos Bagno/O Globo, em 23/05/201119

Texto 13 - Luis Nassif/Filosomidia, em 25/05/201120

Podemos observar uma relação muito evidente entre as caracterizações do

livro que “desensina” (Texto 9 - Nathália Goulart/Veja) e o livro “que não existe”

(Texto 13 - Luis Nassif/Filosomidia). Nassif responde não somente a esta, mas a

várias alegações de que o livro ensina a falar errado, demonstrando que a polêmica

não procede, tendo em vista as inverdades divulgadas pela crítica e a própria

natureza do livro. Para comprovar a improcedência da polêmica, Nassif argumenta

que o tal livro, objeto da celeuma, nunca existiu, isto é, trata-se de um factoide criado

pela mídia.

Da mesma forma, Faraco caracteriza a polêmica como “vazia”, e Bagno como

uma “falsa”, ambos apontando para a falta de fundamento da discussão, tendo em

vista que a questão sociolinguística de que trata o livro em seu capítulo “Escrever é

diferente de falar” atende aos parâmetros curriculares nacionais desde 1998.

Nathália Goulart (Texto 9 – recorte acima), por outro lado, encara tais

parâmetros como “uma doutrina” segundo a qual a norma padrão seria “um fardo”

para o aluno e as variedades linguísticas, uma imposição social. Tal atitude revela

desconhecimento de base linguística por parte da enunciadora, considerando que a

concepção de linguagem que norteia tal documento tem base no social, nas

situações comunicativas nas quais os sujeitos se relacionam, e não a imposição de

uma variação sobre a norma.

19

Disponível em: http://oglobo.globo.com/in/outra-opiniao-uma-falsa-polemica-2900444, acesso em 31/10/2011 20

Disponível em: http://filosomidia.blogspot.com.br/2011/05/o-escandalo-do-livro-que-nao-existia.html, acesso em 03/10/2013.

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3.4.1 A batalha das ignorâncias

Uma forma de incluir outras vozes discursivas é retomar algum termo utilizado

em um enunciado anterior para, numa nova construção enunciativa, dar-lhe uma

acentuação diferenciada, reforçando ou contrariando a anterior, ou seja, pode-se

reconstruir ou desconstruir o discurso anterior articulando termos utilizados no

próprio discurso, dando-lhe nova significação, configurando um novo tema. A este

respeito, Bakhtin reflete que:

A linguagem não é um meio neutro que se torne fácil e livremente a propriedade intencional do falante, ela está povoada ou superpovoada de intenções de outrem. Dominá-la, submetê-la às próprias intenções e acentos é um processo difícil e complexo (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 100, grifos do autor).

Nesse viés, um fio discursivo bastante explorado é o termo ignorância,

recorrente em inúmeras enunciações que permeiam a polêmica, tanto de um lado

como de outro, mas com acentuações distintas, como podemos observar a seguir:

Texto 7 - Reinaldo Azevedo/Veja, em 14/05/2011

Texto 8 - O Estado de S. Paulo, em 18/05/2013

Texto 10 - Gaudêncio Torquato/Estadão, em 22/05/2011

Para os críticos do livro, ignorantes são os que abonam a política educacional

que pretende ensinar os alunos a falar “errado”. Esses enunciadores revelam uma

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visão da língua baseada s regras de formação de frases e palavras e não na

adequação do uso do discurso de acordo com a relação interlocutiva.

Já para o grupo de apoio, ignorantes são os que desconhecem a ciência

linguística e os parâmetros que norteiam o ensino de língua materna desde 1998;

são ainda os que acusam o livro a partir do que ouviram falar sem ao menos ler a

obra.

Essa movimentação da palavra ignorância – retomada inúmeras vezes, com

acentuações diferenciadas, definidas pelo querer dizer do sujeito que fala - revela

um intenso e tenso diálogo entre essas formações enunciativas. Mais que uma

palavra, temos neste exemplo um signo ideológico, cujo valor se dá no processo de

comunicação, a partir das intenções dos interlocutores e do contexto de uso, pois,

cada vez que o termo é mobilizado, forma-se um novo tema e uma nova

significação, refletindo um novo ponto de vista, uma nova visão de mundo, uma nova

apreciação valorativa. Os sentidos que o termo ignorância assumem dependem do

processo de comunicação e das relações sociais dos interlocutores dentro do

contexto.

Texto 12 - Carlos Alberto Faraco/Gazeta do Povo, em 19/05/2011

Texto 14 - Cristóvão Tezza/Gazeta do Povo, em 24/05/2011

21

Texto 15 - Sérgio Fausto/Estadão, em 29/05/2011

22

21

Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?id=1129095&tit=O-poder-do-erro, acesso em 07/10/2013. 22

Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,educacao-para-o-debate,725367,0.htm, acesso em 07/10/2013.

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Os três recortes acima apontam para movimentos de refração de discursos

anteriores, dado o avanço do debate em torno do livro, que busca levar o leitor a

perceber que a ignorância está exatamente naqueles que criticam o livro, em face de

seu desconhecimento, tanto a ciência linguística quanto do contexto de sua inserção

nos documentos que regulam o ensino de língua materna.

Como vimos no capítulo 2 desta investigação, o outro desempenha um papel

fundamental na construção de sentidos, os quais são atribuídos a partir de atitudes

responsivas dos sujeitos nas relações comunicativas. Isso significa que cada um é

responsável pela maneira como responde/age em relação ao outro, sendo que esta

resposta/ato é resultante de outras relações comunicativas com outros ao longo de

sua existência.

Porém, tendo claro que a expressão do sujeito que fala é resultado da sua

compreensão da expressão do outro, e que a compreensão só é possível se os

interlocutores compartilharem de um conhecimento comum do contexto social e

histórico em torno do objeto do discurso, concluímos que, neste debate, cada sujeito

fala de um lugar específico. Os interlocutores não compartilham horizontes comuns,

logo, apresentam níveis diferenciados de compreensão, o que resulta em formações

enunciativas antagônicas. Esta plurivocalidade presente no diálogo é representada

pela maneira como o discurso alheio entra no discurso próprio, formando discursos

com várias vozes, as quais refletem outras vozes com as quais esses sujeitos

estabelecem relações.

3.4.2 “Coisa de petista”

Outro exemplo que demonstra claramente essas relações dialógicas e

ideológicas nessas formações enunciativas é uso de rótulos políticos presentes na

maioria dos discursos selecionados nesta pesquisa. Além dos exemplos citados nas

seções anteriores, podemos citar inúmeras ocorrências, tanto nos discursos de

apoio quanto nos discursos de repúdio ao livro. Vejamos:

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Texto 11 - Augusto Nunes/Veja, em 22/05/2011

Texto 7 - Reinaldo Azevedo/Veja, em 14/05/2011

Texto 16 - Reinaldo Azevedo/Veja, em 15/05/2011

23

É importante destacar aqui a produtividade da adjetivação em “ismo” e “enta”,

em petismo, neoesquerdismo, pobrismo, sindicalentas. O sufixo “ismo” é utilizado

para adicionar um novo sentido à palavra-raiz (geralmente de base adjetiva ou

substantiva), muito utilizado para rotular ou classificar um indivíduo como

pertencente a uma doutrina, orientação política ou filosófica, etc. Já o sufixo “enta”,

em sindicalentas, utilizado para adjetivação neste contexto, parece tornar o termo

um tanto pejorativo, remetendo, por exemplo, a “mulambenta”, “nojenta”,

“intriguenta”...

23

Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/eles-odeiam-e-a-civilizacao/, acesso em 07/10/2013.

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Notemos que o termo ignorante foi substituído pelo sinônimo apedêuta (que

significa “desprovido de conhecimento acadêmico”, no caso). Enquanto na Coluna

de Augusto Nunes (Texto 11) o escritor Dionísio da Silva declara que o presidente

Lula tudo pode, inclusive gerir o uso ou as normas da língua nacional, Reinaldo

Azevedo (Texto 7 e 16), em consonância, aponta para uma possível questão

histórica na formação ideológica do PT que teria levado o partido a se tornar

patologicamente representante de uma esquerdopata-sindical, a qual, segundo ele,

odeia a civilização e, por conta disso, estaria mobilizando poderes para libertar o

povo da opressão burguesa.

Na sequência, observemos como os discursos dos grupos em defesa do livro

respondem a tais apontamentos sob o tema da luta política ora instaurada.

Texto 17 - Helio Schwartsman/Folha de São Paulo, em 16/05/201124

.

Texto 18 - Marcos Bagno/O Globo, em 23/05/2011

Aqui, Bagno vai buscar nas proposições de outrem, pelo uso de aspas, o fio

dialógico para tecer seu discurso, respondendo a seus outros que tal pedagogia foi

proposta durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, derrubando a denúncia

de que seria “coisa de petistas”, buscando assim evidenciar a falsidade da polêmica.

24

Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/916634-uma-defesa-do-erro-de-portugues.shtml, acesso em 07/10/2013.

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Assim como Bagno, Hélio Schwartsman, classifica os enunciadores que se

pronunciaram sobre a intenção oculta do livro em propagar a língua do Lula e

difundir a ideologia petista, utilizando adjetivações marcadas pelos sufixos ados e

idos, como espevitados, outros, comedidos, na tentativa de desqualificar o discurso

de outrem.

Esses dois enunciadores apontam claramente para uma aparente manobra

política de grupos que se utilizam da polêmica em questão para tentar desacreditar o

governo do PT, logo, podemos inferir que os discursos veiculados na Coluna de

Augusto Nunes e de Reinaldo Azevedo (Textos 11, 7 e 16, anteriormente

comentados) são agora objetos dos discursos de Bagno e Schwartsman, pois estes

estão avaliando as noções e posições daqueles sobre a polêmica em questão, num

diálogo muito evidente.

3.4.3 Vozes guardadas na memória

O uso de memórias pessoais também é um recurso utilizado para atrair

aliados, gerando novas construções enunciativas que configurem apoio às posições

ideológicas do enunciador. O jornalista Alexandre Garcia e a psicopedagoga Ana

Cassia Maturano convocaram, como argumentos de autoridade, suas professoras

das séries iniciais do ensino fundamental para autenticarem suas opiniões. Trata-se

de uma tentativa de sensibilizar o leitor, fazendo-o recordar de como o ensino era

melhor em tempos remotos, tentando evidenciar uma involução no sistema

educacional brasileiro e, especificamente, no ensino de língua materna, como

resultado das pesquisas linguísticas que geraram esse novo conceito sobre o uso da

língua portuguesa.

Texto 2 - Alexandre Garcia/G1, em 17/05/2011

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Texto 19 - Ana Cássia Maturano/G1, em 19/05/2011

25

É importante destacar que as duas publicações pertencem ao mesmo veículo

de comunicação, o G1. Basicamente, os dois enunciadores elaboram uma pequena

autobiografia para demonstrar como as aulas de gramática foram importantes para

que alcançassem sucesso pessoal e profissional.

É importante observar nessas leituras, também, a maneira como o autor do

enunciado se projeta no seu discurso, onde ele se inclui, por que se inclui em

determinado espaço. Isso é possível por meio da observação dos pronomes

utilizados, um recurso linguístico muito recorrente em artigos e colunas assinadas,

os quais denotam movimentos de aproximação e afastamento de posições

ideológicas.

Neste caso específico, os dois autores se colocam como cidadãos comuns

(se aproximando de seus leitores) que cresceram e ajudaram o país a crescer por

meio de suas profissões e, logo, de seu poder como contribuintes, porque

estudaram e aprenderam a utilizar a língua de forma correta, como exigia a

professora do primário.

A voz da psicopedagoga é de grande relevância para o veículo de

comunicação que, como estratégia para obter mais credibilidade em sua posição

frente à polêmica, convoca como participantes pessoas de fora da esfera midiática

que possuam alguma autoridade para discutir determinado assunto, a fim de

endossar o seu discurso.

Maturano puxa o fio discursivo do jornalista ampliando o peso da memória por

meio de um revozeamento que dá nova acentuação às lembranças da professora de

quinta série, reforçando o discurso do jornalista acerca do polêmico livro.

Na sequência, a autora afirma não ter entendido o porquê desse capítulo que

gerou a polêmica, intitulado “Escrever é diferente de falar”. Porém, em seguida,

25

Disponível em: http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2011/05/opiniao-enquanto-escrita-exige-

rigor-linguagem-oral-e-mais-solta.html, acesso em 03/10/2013.

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traduz exatamente a proposta do capítulo, ou seja, ela entendeu sim. Isso demostra

que, para sustentar sua posição ideológica, a autora se trai, apontando para uma

confusão no processo argumentativo.

Texto 19 - Ana Cássia Maturano/G1, em 19/05/2011

Na sequência, Maturano reafirma sua visão purista da língua e utilitarista da

educação, comentando que a escola serve para fazer os alunos crescerem

profissionalmente. Demonstra que entendeu a proposta do capítulo em pauta, mas

acha que tal discussão não deveria ser levada para a sala de aula, para o livro

didático, pois isso estaria incentivando os alunos a falarem errado, e falar “errado”

indicaria falta de educação.

A autora segue os passos de Alexandre Garcia, que argumenta que o

conhecimento serve para vencer na vida, libertar o aluno para se tornar um eleitor e

um contribuinte consciente, capaz de fazer o país crescer, como podemos observar

nos recortes abaixo.

Texto 19 - Ana Cássia Maturano/G1, em 19/05/2011

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Texto 2 - Alexandre Garcia/G1, em 17/05/2011

O professor Deonísio da Silva (via Augusto Nunes, em 22/05/2013) e o

jornalista Gaudêncio Torquato (também em 22/05/2011), para defenderem um

discurso tradicionalista e um ensino erudito da Língua Portuguesa, enveredam

literatura brasileira adentro e recorrem a Machado de Assis e Rui Barbosa – muito

mais por terem sido fundadores da Academia Brasileira de Letras do que pelo

conjunto de suas obras, as quais guardam estilos muito distintos, sobretudo quanto

ao uso da língua.

Texto 10 - Gaudêncio Torquato/Estadão, em 20/05/2011

Texto 11 - Augusto Nunes/Veja, em 22/05/2011

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Notemos que os dois artigos foram publicados no mesmo dia, em veículos

diferentes. Os dois configuram posicionamentos idênticos com relação ao livro em

questão, caracterizando-o como uma afronta ao bom e velho português tradicional,

corroborando com os demais jornalistas do meio, como vimos até agora.

Machado de Assis e Rui Barbosa representam o fio discursivo que vincula

esses dois artigos, constituindo argumentos de autoridade conferidos para indicar a

forma correta da língua, legitimando a visão fechada baseada apenas em fontes

gramaticais. Essas autoridades são trazidas para o discurso para validá-lo,

convencendo seu leitor a se aliar ao enunciador em suas posições ideológicas.

Façamos um aparte para comentar o preconceito revelado nas vozes dos dois

enunciadores ao descreverem essas personalidades históricas. Machado de Assis,

mesmo tendo sido preto, pobre, epilético, gago, etc, conseguiu, de modo

impressionante (na visão para esses autores), se tornar um gênio de nossa

literatura. Ele “venceu todos os preconceitos”, mas seus comentadores ainda não. Já

Rui Barbosa é qualificado, antes de tudo, como um homem de “baixa estatura”,

como se tal característica pudesse impedi-lo de ter se tornado tão importante figura

de nossa literatura e, ainda, da política nacional.

Por fim, podemos destacar que em todos os textos selecionados para análise,

os estilos empreendidos para concretizar as linguagens utilizadas apontam para a

avaliação do sujeito em relação ao outro, determinando a forma como esse sujeito

se projeta, quais suas expectativas e como ele convoca outras vozes para aderirem

à sua ideia. Tais movimentos demonstram a dinamicidade da língua em uso e sua

constituição discursiva, isto é, o jogo entre tempo e espaço, social e histórico

tecendo ideologicamente a enunciação, pois:

O prosador utiliza-se de discursos já povoados pelas intenções sociais de outrem, obrigando-os a servir às suas novas intenções, a servir ao seu segundo senhor. Por conseguinte, as intenções do prosador refratam-se e o fazem sob diversos ângulos, segundo o caráter sócio-ideológico de outrem, segundo o reforçamento e a objetivação das linguagens que refratam o plurilinguismo (BAKHTIN,

2002 [1934-35], p. 105, grifos do autor).

Nessa perspectiva, evidenciamos que - em virtude da influência constante de

discursos anteriores e futuros na construção dos enunciados analisados - não é

possível, jamais, nessas investigações dialógicas, percebermos apenas uma

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possibilidade de atribuição de sentidos, pois se trata de vozes que se revozeiam

constantemente, interligando o dito e o não dito, o passado e o presente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao chegar ao final desta pequena e intensa jornada, nosso sentimento é de

querer continuar. Temos consciência de que dois anos é um tempo bastante curto

para desenvolver tudo o que almejamos quando de nosso ingresso no programa de

mestrado.

Neste espaço dedicado à reflexão acerca de tudo o que foi pesquisado e

realizado durante nosso percurso científico, cabe-nos situar que nossas análises

foram empreendidas a partir dos construtos teóricos firmados pelo Círculo de

Bakhtin, sobretudo no que tange às relações dialógicas e ideológicas que permeiam

as formações enunciativas na constituição dos discursos, isto é, na produção de

sentidos, considerando que nossa investigação está inserida na linha de pesquisa

Práticas Textuais e Discursivas: Múltiplas Abordagens.

Em nossa trajetória de pesquisa, a partir da concepção dialógica da

linguagem, alguns conceitos mereceram maior atenção em suas redefinições de

modo a servir à nossa análise. Destacamos a relevância do conceito de

plurivocalidade, que nos esclarece acerca das “polêmicas” vozes discursivas e, logo,

vozes sociais que se fazem presentes no debate. E, como não podia deixar de ser,

lidando com vozes de sujeitos que se relacionam por meio de discursos, deparamo-

nos com o conceito de ideologia, uma vez que lidamos com apreciações valorativas,

com pontos de vista, com visões de mundo em nossas análises, considerando que:

Não há sentido fora da diferença, da arena, do confronto, da

interação dialógica, e assim como não há um discurso sem outros

discursos, não há eu sem outro, nem outro sem eu (SOBRAL, 2008,

p. 20).

O nosso foco principal no tratamento dispensado ao corpus selecionado foi a

busca de marcas discursivas que apontassem para o diálogo existente na

elaboração dos enunciados, evidenciado pela mobilização de recursos linguísticos

utilizados nessas formações enunciativas, num movimento entre passado, presente

e futuro, buscando discursos ditos e não ditos na construção do querer dizer do

autor. Tais marcas foram trazidas à tona no processo de análise empreendido por

nós neste trabalho, por meio do qual propomos um novo olhar, um olhar exotópico,

lançado de um lugar único onde nos situamos sócio-historicamente em relação ao

evento em questão, para expor nosso excedente de visão.

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Dessa forma, convém retomar as nossas perguntas de pesquisa para

vislumbrar as respostas que perseguimos durante nosso percurso.

1) Quais vozes podem ser percebidas no corpus reunido de textos sobre o

debate acerca do livro “Por uma vida melhor”?

Todos os enunciadores dos textos analisados apresentaram seus pontos de

vista acerca de várias questões que foram levantadas durante o debate em questão,

revelando: suas atitudes perante a língua materna e suas variações, o ensino de

língua materna, a ciência linguística e o professor/pesquisador de Língua

Portuguesa; suas avaliações sobre a professora Heloísa Ramos, o governo federal,

o Partido dos Trabalhadores, a presidente Dilma, o ex-presidente Lula, o Ministério

da Educação, o Ministro Fernando Haddad.

Acerca dessas questões, várias vozes sociais se destacaram marcadamente,

em face do discurso explorado por seus enunciadores, apontando para a esfera

política, religiosa, acadêmica, científica, com predomínio de discursos que apontam

para o senso comum (qualificamos como oriundos do senso comum os termos

utilizados de uma maneira generalizada, os quais não remetem especificamente a

uma instância social).

Essas vozes são percebidas pelas reações dos enunciadores ao evento em

questão. Destacamos as marcas discursivas que denunciam as possíveis vozes

presentes nos discursos selecionados:

Esfera política: holocausto educacional, ignorância petista, DE QUANTO

TERA SIDO O VALOR DO MIMO?, reducionismo petista, dilmês ou lulês (...)

mais uma alquimia petista, Agora todo mundo pode falar como o palanqueiro

chefe.

Esfera religiosa: derrota para a decência, OREMOS, versão profana da

gramática portuguesa.

Esfera acadêmica/científica: para validar seus posicionamentos, os veículos

de comunicação contam com o apoio de alguns profissionais da área

acadêmica/científica, os quais são convocados para apresentarem suas

opiniões em alguns artigos.

Senso comum: incompetência, aleijado mental, ideólogas medíocres como

essa professora de picaretagem, festival de ignorância oficialista,

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pseudoprofessores,, arrogância, amador, usina de sandices, MESTRA da

burrice, incompetência professoral, Gentalha!

2) De que forma esses textos dialogam entre si? A quem e/ou a que eles

respondem? Que recursos linguísticos utilizam para se posicionarem nesses

diálogos?

O diálogo entre os discursos é percebido pela forma como os enunciadores

convocam outras vozes para fazerem coro em seu discurso. Os papéis sociais que

os sujeitos dessas vozes convocadas desempenham e os posicionamentos que eles

trazem para o discurso corrente é uma estratégia muito utilizada na produção de

sentidos e na convocação de novos discursos de apoio ao discurso corrente.

É nessa convocação de vozes que podemos evidenciar a relação interlocutiva

do enunciador com o seu outro, pois é um recurso por meio do qual ele avalia seu

outro, se aproximando ou se distanciando dele. Isso pode ser feito pelo uso de

pontuações, aspas, negritos, itálicos, parênteses, uso do discurso direto ou indireto,

uso do verbo na voz passiva, etc.

O uso do tempo verbal (futuro do pretérito) na construção linguística dos

enunciados também é um artifício bastante utilizado para colocar em dúvida um

acontecimento, um fato social.

Os adjetivos e substantivos são bastante utilizados pelos enunciadores para

caracterizar o outro de quem se fala, desqualificando ou enaltecendo as suas

virtudes, a fim de convocar leitores para apoiarem suas apreciações valorativas.

Outro aspecto recorrente nos textos analisados é a repetição de expressões

já utilizadas por outros enunciadores, muitas vezes para retomar e reforçar uma

ideia, outras para dar novo sentido ao termo.

Alguns colunistas e comentaristas trazem à tona vozes guardadas na

memória, como a professora do ensino fundamental, além de escritores renomados

de nossa literatura clássica, como exemplos do bem falar e do bem ensinar a língua,

a fim de ganhar a credibilidade de seus leitores.

3) O que os textos analisados podem sugerir sobre a atitude dos colunistas,

comentaristas, blogueiros, perante a Língua Portuguesa, Ensino de LP,

Linguística e demais temas envolvidos na questão em debate?

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Evidenciamos, em nossas análises, que os críticos do livro didático “Por uma

vida melhor”, em sua totalidade, acreditam que a Língua Portuguesa é a gramática

normativa em si, está fundada na norma prescritiva do bem falar e do bem escrever.

Professam o purismo linguístico como ideologia. Acreditam que a fala deve ser o

reflexo da escrita, e vice-versa. Para tanto, defendem um ensino de língua materna

erudito, prescritivo, que privilegie textos rebuscados, obras clássicas renomadas.

Percebemos, ainda, a visão utilitarista sobre a educação, a qual é encarada como

forma de ascensão social por meio do trabalho.

A linguística não é encarada por esse grupo como uma ciência válida. Aliás, o

que encontramos, em muitos discursos, é a ridicularização tanto da ciência

linguística como dos professores que investem nesse tipo de pesquisa.

As vozes presentes nos discursos observados nesta pesquisa se afastam e

se aproximam por meio de citações diretas e indiretas, endossando ou colocando

em dúvida a credibilidade de quem falou antes ou de quem ainda pode vir a se

pronunciar sobre o livro em questão, construindo e desconstruindo sentidos,

acentuando ou dando nova significação ao que foi dito.

Por fim, empreendemos nossa análise com foco no dialogismo, apontando

para a dimensão sócio-histórica, para os contextos onde sujeitos se relacionam,

interagem, se desenvolvendo e desenvolvendo linguagens, ligados através de

tempos e espaços situados, pertinentes ao processo de produção, circulação e

recepção dos discursos. E se falamos de relações entre sujeitos, pensamos também

nos aspectos linguísticos que refletem as posições ideológicas trazidas por esses

sujeitos para dentro e para fora do seu querer dizer; e ainda, da mesma forma,

pensemos nas posições ideológicas que impulsionam o leitor a atribuir sentidos

sobre o querer dizer daquele que fala. São essas as relações, para dentro e para

fora (contexto), para trás e para frente (tempo), de um lado para o outro (espaço),

que envolvem os sujeitos que falam, que leem, que constroem, descontroem e

reconstroem sentidos o tempo todo, em todos os lugares, em todos os contextos.

Logo, é preciso considerar a esfera de comunicação em que o texto/discurso

foi produzido, as regularidades do gênero e, por fim, os aspectos linguísticos, de

forma crítica, politizada, libertadora.

Pensar a linguagem como dialógica - constituída nas relações sociais entre

sujeitos e constituinte do próprio sujeito - nos ajuda a refletir sobre as atitudes e

responsibilidades do homem contemporâneo diante das práticas discursivas que

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circulam na sociedade, seja na mídia ou em outras esferas de comunicação.

Possibilita, ainda, o entendimento de que essas formações enunciativas resultam de

um processo que abarca várias posições ideológicas, várias vozes que compõem

axiologicamente os diálogos do enunciado com seus outros na produção de

sentidos, compreendendo que as palavras não são apenas palavras, mas

articulações que mobilizam visões de mundo que constituem o sujeito, que

direcionam a sua maneira de responder e agir aos fatos da realidade social.

Uma análise que considere o dialogismo pertinente ao processo de produção

de enunciados leva à compreensão de relações sociais que definem a condução das

ideias imprimidas na materialidade linguística, leva a uma viagem além da palavra

propriamente dita, leva a questionamentos, a reflexões e, por conseguinte, a novas

ideias, a novos discursos, a novas realidades... leva à mudança social.

O sentido se dá pela interação verbal entre sujeitos (neste caso específico,

entre autor e leitor) numa relação de interlocução, de diálogo entre esses sujeitos

interlocutores e entre as vozes constitutivas do discurso (texto lido, no caso). Dessa

forma, ler não é simplesmente decifrar códigos pertencentes a uma língua, é

dialogar com palavras próprias e palavras alheias, oriundas de leituras de discursos

anteriores.

É preciso investir em atividades de leitura que nos tornem capazes de

perceber os aspectos linguísticos articulados na elaboração do texto, sim; mas, para

além disso, que nos faça enxergar mais que materialidade linguística, que nos faça

compreender criticamente os discursos reiterados pelos enunciados. Pois, quando

lemos formamos nossos próprios valores, enviesamos nosso olhar, esclarecemos

interrogações e criamos outras, aprendemos a valorar, a produzir, a agir e reagir no

fazer humano de que tanto carece nossa sociedade.

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ANEXOS

Escrever é diferente de falar

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Texto 1

http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/05/mec-defende-que-aluno-nao-precisa-

seguir-algumas-regras-da-gramatica-para-falar-de-forma-correta.html

Edição do dia 13/05/2011

13/05/2011 21h06 - Atualizado em 13/05/2011 21h42

MEC defende que aluno não precisa seguir algumas regras da gramática para falar de

forma correta

O livro de português distribuído pelo Ministério da Educação defende que a maneira como

as pessoas usam a língua deixe de ser classificada como certa ou errada e passe a ser

considerada adequada ou inadequada.

Um livro de português distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) para quase meio

milhão de alunos defende que a maneira como as pessoas usam a língua deixe de ser

classificada como certa ou errada e passe a ser considerada adequada ou inadequada,

dependendo da situação.

Na semana em que o Jornal Nacional tem discutido os maiores problemas do Brasil na

educação, os argumentos da autora do livro e as reações que provocaram estão na

reportagem de Júlio Mosquéra.

A defesa de que o aluno não precisa seguir algumas regras da gramática para falar de forma

correta está na página 14 do livro “Por uma vida melhor”. O Ministério da Educação aprovou

o livro para o ensino da língua portuguesa a jovens e adultos nas escolas públicas.

Ele apresenta a frase: "Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado", com a

explicação: "Na variedade popular, basta que a palavra ‘os’ esteja no plural". "A língua

portuguesa admite esta construção".

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A orientação aos alunos continua na página 15: "Mas eu posso falar 'os livro'?". E a resposta

dos autores: "Claro que pode. Mas com uma ressalva, ‘dependendo da situação a pessoa

corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico’”.

Heloísa Ramos, uma das autoras do livro, disse que a intenção é mostrar que o conceito de

correto e incorreto deve ser substituído pela ideia de uso adequado e inadequado da língua.

Uso que varia conforme a situação. Ela afirma que não se aprende o português culto

decorando regras ou procurando o significado de palavras no dicionário.

“O ensino que a gente defende e quer da língua é um ensino bastante plural, com diferentes

gêneros textuais, com diferentes práticas, diferentes situações de comunicação para que

essa desenvoltura linguística aconteça”, declarou ela.

O Ministério da Educação informou em nota que o livro “Por uma vida melhor” foi aprovado

porque estimula a formação de cidadãos capazes de usar a língua com flexibilidade. Segundo

o MEC, é preciso se livrar do mito de que existe apenas uma forma certa de falar e que a

escrita deve ser o espelho da fala.

O Ministério da Educação disse que a escola deve propiciar aos alunos jovens e adultos um

ambiente acolhedor no qual suas variedades linguísticas sejam valorizadas e respeitadas,

para que os alunos tenham segurança para expressar a "sua voz".

A doutora em sociolinguística Raquel Dettoni concorda que é preciso respeitar o falar

popular, que não pode ser discriminado. Mas ela enfatiza que a escola tem um objetivo

maior, que é ensinar a língua portuguesa que está nas gramáticas.

“Se a escola negligencia em relação a este conhecimento, o aluno terá eternamente uma

lacuna quando ele precisar fazer uso disso no seu desempenho social. Nós não podemos

desconsiderar que a função social da escola, com relação ao ensino de língua portuguesa, é -

em princípio - prioritariamente ensinar os usos de uma norma mais culta”, destacou.

O Ministério da Educação informou ainda que a norma culta da língua portuguesa será

sempre a exigida nas provas e avaliações.

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Texto 2

http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/05/aboliu-se-o-merito-e-agora-aprova-se-

frase-errada-para-nao-constranger.html

Edição do dia 17/05/2011

17/05/2011 08h34- Atualizado em 17/05/2011 15h55

Aboliu-se o mérito e agora aprova-se a frase errada para não constranger

Alexandre Garcia comenta o livro de português, abonado pelo MEC, que defende que não

há o errado na língua portuguesa, mas o inadequado.

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Na semana passada, foi distribuído para quase meio milhão de alunos um livro de português

que defende um novo conceito sobre o uso da língua portuguesa. Não teria mais certo ou

errado, e sim adequado ou inadequado, dependendo da situação. O Ministério da Educação

esclareceu que a norma culta da língua portuguesa será sempre a exigida nas provas e

avaliações.

Quando eu estava no primeiro ano do grupo escolar e falávamos errado, a professora nos

corrigia, porque estava nos preparando para vencer na vida. É notório que o conhecimento

liberta, forma eleitores e contribuintes conscientes, gente que cresce e faz o país crescer.

É notório que o conhecimento vem pela educação na escola, em casa e na vida. E é óbvio

que a raiz de tudo está na capacidade de se comunicar, na linguagem escrita que transmite e

difunde o conhecimento e o pensamento. Isso é o que diferencia o homem dos outros

animais.

A educação liberta e torna a vida melhor, nos livra da ignorância, que é a condenação à vida

difícil. Quem for nivelado por baixo terá a vida nivelada por baixo.

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Pois, ironicamente, esse livro se chama “Por uma vida melhor”. Se fosse apenas uma

questão linguística, tudo bem, mas faz parte do currículo de quase meio milhão de alunos. E

é abonado pelo Ministério da Educação. Na moda do politicamente correto, defende-se o

endosso a falar errado para evitar o preconceito linguístico.

Ainda hoje, todos viram o chefão do FMI algemado. Aqui no Brasil, ele não seria algemado

porque não ofereceria risco. No Brasil, algemas constrangem os detidos. Aqui, os alunos

analfabetos passam automaticamente de ano para não serem constrangidos. Aboliu-se o

mérito e agora aprova-se a frase errada para não constranger.

A Coreia saiu arrasada da guerra através de duas ou três décadas de educação rígida. A

China, que há poucos anos estava atrás do Brasil, sabe onde está indo a razão de 10% ao ano

do PIB: com educação rígida, tradicional, competitiva e premiando o mérito. Aqui, estamos

apontando para o sentido contrário.

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Texto 3

http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/mec-nao-vai-recolher-livro-com-erros-de-

concordancia-diz-haddad.html

18/05/2011 17h28- Atualizado em 18/05/2011 17h28

MEC não vai recolher livro com erros de concordância, diz Haddad

Livro para ensino de jovens e adultos fala sobre uso da linguagem popular.

Ministro afirma que recolher material seria censura.

Do G1, em Brasília

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O ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou nesta quarta-feira (18) que o governo

não vai mandar recolher o livro "Por uma Vida Melhor", que contém erros de concordância.

"Já foi esclarecido que as pessoas que acusaram esse livro não tinham lido. Uma pena que as

pessoas se manifestaram sem ter lido", afirmou Haddad, segundo a Agência Estado, após

encontro com parlamentares na Câmara dos Deputados.

O Ministério da Educação (MEC) distribuiu o livro pelo Programa Nacional do Livro Didático

para a Educação de Jovens e Adultos. Na publicação, os autores dizem que o uso da

linguagem popular é válida ainda que com erros de concordância. No livro, são usadas as

frases "nós pega o peixe" e "os menino pega o peixe". O MEC distribuiu o livro pelo

Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos a 484.195 alunos

de 4.236 escolas do país.

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COMO O MEC ESCOLHE OS LIVROS DIDÀTICOS

Inscrição das editoras

O edital que estabelece as regras para a inscrição do livro didático é publicado no

Diário Oficial da União e disponibilizado no sítio do FNDE na Internet. O edital também

determina o prazo para a apresentação das obras pelas empresas detentoras de

direitos autorais.

Triagem

Para analisar se as obras apresentadas se enquadram nas exigências técnicas e físicas

do edital, é realizada uma triagem pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado

de São Paulo (IPT).

Avaliação

Os livros selecionados são encaminhados à Secretaria de Educação Básica do MEC,

responsável pela avaliação pedagógica. A secretaria escolhe os especialistas para

analisar as obras, conforme critérios divulgados no edital. Os especialistas elaboram as

resenhas dos livros aprovados, que passam a compor o guia de livros didáticos.

Guia de livros

O MEC disponibiliza o guia do livro didático no site do Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE) e envia o mesmo material impresso às escolas

cadastradas no Censo Escolar.

Escolha

Diretores e professores das escolas analisam e escolhem as obras que serão utilizadas.

A escola faz o pedido dos livros ao FNDE que, por sua vez, encomenda a compra às

editoras.

Distribuição

A distribuição dos livros é feita diretamente pelas editoras às escolas, por meio de um

contrato entre o FNDE e os Correios. Os livros chegam às escolas entre outubro e o

início do ano letivo.

Em entrevista à rádio CBN, Haddad afirmou que o MEC não tem ingerência sobre a escolha

do livro didático. “O catálogo é composto pelas universidades públicas brasileiras e vai para

a internet para que as escolas escolham", disse.

Segundo o ministro, “se houve lisura no processo, os parecerem foram convergentes para

catalogar aquele livro, a escola escolheu com liberdade a obra. O ministério só pode tomar

providência se o exemplar entregue for diferente do que foi escolhido. Caso contrário o

ministério está impedido que pode ser considerado censura." O ministério garante a lisura

dos procedimentos, mas não posso vetar uma abordagem metodológica como o programa

de livro para jovens e adultos.”

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A Academia Brasileira de Letras (ABL) discorda da decisão do MEC. Em nota, a ABL afirmou

que “todas as feições sociais do nosso idioma constituem objeto de disciplinas científicas,

mas bem diferente é a tarefa do professor de língua portuguesa, que espera encontrar no

livro didático o respaldo dos usos da língua padrão que ministra a seus discípulos, variedade

que eles deverão conhecer e praticar no exercício da efetiva ascensão social que a escola

lhes proporciona.”

Os autores da Coleção Viver, Aprender da Editora Global, afirmam em nota publicada no site

da editora que o capítulo "Escrever é diferente de falar", chama a atenção para algumas

características da linguagem escrita e para a norma culta, também conhecida como norma

de prestígio. "Pretende defender que cabe à escola ensinar as convenções ortográficas e as

características da variedade linguística de prestígio justamente porque isso é valorizado no

mundo do trabalho, da produção científica e da produção cultural. E ainda que o domínio da

norma de prestígio não se dá de um dia para o outro, mas de modo gradual, constante e

pela intensa prática e reflexão sobre seus usos."

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Texto 4

http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/haddad-chama-de-injustica-crassa-criticas-

livro-didatico-do-mec.html

31/05/2011 11h17- Atualizado em 31/05/2011 11h59

Haddad chama de 'injustiça crassa' críticas a livro didático do MEC

Livro do MEC distribuído a escolas aceitaria erros de concordância.

‘Regra geral, o livro precisa ser lido para ser criticado’, disse Haddad.

Robson BoninDo G1, em Brasília

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Ministro Fernando Haddad ao lado do presidente

da comissão de Educação do Senado, Roberto

Requião (PMDB-PR) (Foto: Geraldo Magela /

Agência Senado)

O ministro da Educação, Fernando Haddad, classificou de “injustiça crassa” as críticas

realizadas por diferentes setores da sociedade a um livro didático distribuído pelo governo

nas escolas que permitiria erros de concordância. Durante reunião na Comissão de

Educação, Cultura e Esporte do Senado na manhã desta terça-feira (31), ele voltou a afirmar

que a maioria das pessoas que atacaram o livro sequer tinham lido o objeto da polêmica.

"Acompanhei com muita atenção o debate em torno dessa questão na imprensa, saúdo o

debate que foi feito, mas confesso que me assustei um pouco no início da discussão. E me

assustei por uma razão muito simples: a maioria das pessoas que se manifestaram

inicialmente declararam, posteriormente, que não haviam lido o livro objeto da polêmica”,

afirmou Haddad.

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O Ministério da Educação (MEC) distribuiu a 484.195 alunos de 4.236 escolas o livro "Por

uma Vida Melhor", que permitiria erros de concordância, pelo Programa Nacional do Livro

Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA). Nele, os autores afirmam que o

uso da língua popular - ainda que com seus erros gramaticais - é válido, permitindo frases

como "nós pega o peixe" ou "os menino pega o peixe".

saiba mais

MEC não vai recolher livro com erros de concordância, diz Haddad

Para Haddad, o livro “não faz o que os críticos dizem que ele faz [acolhe erros de

concordância]”. “O livro parte de uma realidade comum aos adultos que voltam à escola e

traz o adulto para a norma culta por meio de exercícios que pede ao estudante que faça a

tradução da linguagem popular para a norma culta.”

Adotando um tom de certo rancor em relação às críticas direcionadas ao MEC, Haddad

criticou os intelectuais que apresentaram opiniões sobre a obra antes mesmo de conhecê-la:

“Regra geral, o livro precisa ser lido para ser compreendido e eventualmente criticado.”

Haddad mencionou artigos de jornal, manifestações de educadores e entidades de ensino

favoráveis ao livro.

Haddad acusou os críticos de “pinçarem” uma frase e “descontextualizarem” o debate: “Foi

uma frase que foi pinçada e totalmente descontextualizada para denegrir. Recebemos

dezenas de manifestações de especialistas, de professores, de ex-reitores e de associações

dizendo que o que se fala sobre esse livro não corresponde à verdade.”

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Texto 5

http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2011/05/ministro-da-educacao-

compara-criticas-livro-do-mec-fascismo.html

31/05/2011 13h04 - Atualizado em 31/05/2011 13h18

Ministro da Educação compara críticas a livro do MEC a fascismo

‘Diferença entre Hitler e Stalin é que Stalin lia os livros’, afirmou ministro.

Segundo Haddad, criticar um livro sem ler a obra seria postura ‘fascista’.

Robson Bonin Do G1, em Brasília

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Ministro Fernando Haddad ao lado do presidente

da comissão de Educação do Senado, Roberto

Requião (PMDB-PR) (Foto: Geraldo Magela /

Agência Senado)

O ministro da Educação, Fernando Haddad, classificou nesta terça-feira (31) de uma

“postura de viés fascista” as críticas de diferentes setores da sociedade a um livro didático

distribuído pelo governo nas escolas, que permitiria erros de concordância.

Haddad defendia, durante reunião da Comissão de Educação do Senado, a decisão do

Ministério da Educação (MEC) de distribuir a 484.195 alunos de 4.236 escolas o livro "Por

uma Vida Melhor" pelo Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e

Adultos (PNLD-EJA). Nele, os autores afirmam que o uso da língua popular - ainda que com

seus erros gramaticais - é válido, permitindo frases como "nós pega o peixe" ou "os menino

pega o peixe". Para o ministro da Educação, a maioria dos críticos sequer havia lido a obra.

saiba mais

Haddad chama de 'injustiça crassa' críticas a livro didático do MEC

MEC não vai recolher livro com erros de concordância, diz Haddad

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Foi depois de ser provocado pelo líder do PSDB, Alvaro Dias (PR), que Haddad fez um

paralelo entre Hitler e Stalin para afirmar que a diferença entre os dois ditadores estaria na

postura de Stalin com os livros.

“Estamos vivendo um período de involução, uma situação stalinista e agora adotando uma

postura mais de viés fascista que é criticar um livro sem ler. A diferença entre Hitler e Stalin

é que Stalin lia os livros antes de fuzilar os inimigos”, afirmou Haddad.

Pouco antes da fala do ministro da Educação, o líder do PSDB traçou um paralelo da

polêmica do livro didático do MEC com uma corrente do Partido Comunista russo, que teria

tentado introduzir no regime stalinista um nova linguagem que substituísse a forma culta.

“Esta questão [das formas de linguagem aceitas no livro do MEC] é complexa, mas encontra

paralelo em outros tempos. Faço referencia à corrente do Partido Comunista russo, quando

Stalin chegou ao poder, que tentou introduzir uma nova língua do partido no país e o

próprio Stalin não permitiu esta língua que sepultaria a norma culta. Não estou

estabelecendo paralelo, mas a verdade é que há aí uma corrente de forma direta ou indireta

induzindo para tentativa de se adotar uma nova linguagem popular”, afirmou Dias.

Depois das referências de Haddad ao fascismo, o líder do PSDB no Senado ainda questionou

o ministro sobre os motivos que teriam levado o ministério se recusar a enviar cópias do

polêmico livro ao Senado.

“Já que o ministro fez uma referência ao fascismo, gostaria de saber o porquê de o

ministério negar aos senadores as cópias do livro. O ministério negou, a Comissão de

Educação não recebeu e a própria editora negou cópia ao Senado. Vossa Excelência queria

que nós lêssemos todo o livro sem ter acesso a ele?”, questionou Dias.

Haddad rebateu Dias afirmando que o ministério havia distribuído mais de dois mil

exemplares da obra.

Diante da troca de farpas entre Dias e Haddad, o presidente da Comissão de Educação do

Senado, Roberto Requião (PMDB-PR), pediu a palavra para afirmar que o fascismo não

censurava obras literárias. “O fascismo se limitava, de forma inteligente, a censurar

duramente os panfletos e os textos curtos”, argumentou Requião.

'Injustiça crassa'

Haddad classificou ainda de “injustiça crassa” as críticas realizadas por diferentes setores da

sociedade sobre a obra. "Acompanhei com muita atenção o debate em torno dessa questão

na imprensa, saúdo o debate que foi feito, mas confesso que me assustei um pouco no início

da discussão. E me assustei por uma razão muito simples: a maioria das pessoas que se

manifestaram inicialmente declararam, posteriormente, que não haviam lido o livro objeto

da polêmica”, afirmou Haddad.

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Para Haddad, o livro “não faz o que os críticos dizem que ele faz [acolhe erros de

concordância]”. “O livro parte de uma realidade comum aos adultos que voltam à escola e

traz o adulto para a norma culta por meio de exercícios que pede ao estudante que faça a

tradução da linguagem popular para a norma culta.”

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Texto 6

http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/sanatorio-geral/a-dona-do-portugues/

17/05/2011 às 17:33 \ Sanatório Geral

A dona do português

“Por que, em educação, todo mundo acha que conhece os assuntos e pode falar com

propriedade? Esse assunto é complexo, é para especialistas”.

Heloísa Ramos, autora do livro “Por uma Vida Melhor”, que deverá incluir na próxima edição

o subtítulo “Nós pega o peixe”, avisando que especialistas em linguística têm o direito de

ensinar errado sem que ninguém mais abra a boca.

30 Comentários

1. Elvio Antunes de Arruda

22/05/2011 às 13:43

Da para se notar que Educação é coisa complexa, e para inteligentes… Embora a

incompetência queira administrá-la, não consegue. Qualquer aleijado mental sabe

que a educação no Brasil é coisa fora de plano, o resto é pura dissimulação, apenas

um bom negócio.

2. antonio carlos guhl

18/05/2011 às 8:57

Aguentar as divulgações do Lula “dando” palestras ainda passa(é só tomar gardenal

duplo que já ajuda).

Agora, implantar no ensino público os “conhecimentos” dele, é holocausto

educacional.

Só está faltando o “ex-cara” entrar para a Academia Brasileira de Letras, receber o

título de PHD pela Universidade de Harvard e finalmente, ser eleito Papa.

3. João Gustavo

18/05/2011 às 8:06

Como dizem: a ignorância petista está oficializada em nosso país. É mais uma vitória

para o PT e uma derrota para a decência. Confesso, de todos os erros que eu pensei

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que esse governo fosse cometer, nunca imaginei que ele chegaria tão baixo!

OREMOS³³³³, OREMOS²²²²², OREMOS³²³²³²!!!

4. Roberto Santana

18/05/2011 às 7:08

Com certeza está grande especialista será convidada a participar do Ministerio da

Pesca da grande ministra especialista em caçar sapo no lago Paranoa, Edeli Salvatti,

que frase linda, NÓS PEGA O PEIXE

5. EDSON GANDARELA

18/05/2011 às 5:04

Samba do Arnesto Adoniran Barbosa

O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás

Nós fumos não encontremos ninguém

Nós voltermos com uma baita de uma reiva

Da outra vez nós num vai mais

Nós não semos tatu!

No outro dia encontremo com o Arnesto

Que pediu desculpas mais nós não aceitemos

Isso não se faz, Arnesto, nós não se importa

Mas você devia ter ponhado um recado na porta

Um recado assim ói: “Ói, turma, num deu pra esperá

Aduvido que isso, num faz mar, num tem importância,

Assinado em cruz porque não sei escrever”

.

NOIS DEDICA ESTA OBRA PRIMA, A HELOISA RAMOS.

.

NOSSOS CUMPRIMENTOS AO GÊNIO, ADONIRAN BARBOSA,,O NOSTRADAMUS

BRASILEIRO………………..

6. Sérgio

18/05/2011 às 1:15

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Exatamente, é para especialistas de verdade, e não ideólogas medíocres como essa

professora de picaretagem.

7. Vivaldi Cunha Filho

17/05/2011 às 23:26

É com tristeza que assistimos a este festival de ignorância oficialista. Ignorantes

ilustrados é o que são estes “mestres”, “doutores” ou o que mais se arroguem. Que

estes pseudoprofessores saibam que títulos não garantem verdadeira cultura

civilizatória e a sabedoria se nutre mais da reflexão íntima do que da arrogância fruto

do esforço bruto. Que me perdoe a senhora Heloísa Ramos, mas seu soneto está

desafinado. Estudei Linguística o suficiente para afirmar em alto e bom som que a

senhora está errada. Sua proposição está equivocada, seus pressupostos são falsos, a

senhora não é uma cientista e está violando os preceitos da língua e da ciência.

Trata-se de uma ótima oportunidade para uma autoavaliação e para cultivar a

humildade inerente às grandes almas. Retrate-se, por favor, pelo bem de nossa (e de

sua) história.

8. João Gustavo

17/05/2011 às 23:12

Para um amador, até que ficou mais ou menos, mais pra menos do que pra mais…

http://jornalismoinfocus.blogspot.com/2011/05/as-cronicas-de-dilmatopia-bruxa-

da.html

9. João Gustavo

17/05/2011 às 23:08

Bom… depois dizem que o Brasil caminha rumo ao desenvolvimento… ah, e esqueci

de mencionar: que se investe “maciçamente” na educação… Graças a Deus minha

santa professora jamais vai permitir em lecionar com base nesta versão profana da

gramática portuguesa. Oremos!

10. João Gustavo

17/05/2011 às 22:58

Acho que o livro é bem coerente com nível da educação pública no Brasil. Ou estou

errado?

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11. O Brasil na zona

17/05/2011 às 21:59

Essa “muié”, pelo que vejo, é uma usina de sandices. Não só escreve como também

fala muita besteira.

12. André Bm

17/05/2011 às 21:43

Ou seja: qualquer um que criticar a ideia de jirico de Heloísa Ramos e não for

especialista na área pode sofrer de preconceito acadêmico.

13. gerson

17/05/2011 às 21:31

Ue…

Para falar assim nao preciso do MEC, da escola e nem dos livros…

PS. e este teclado alemao, sem acentos, serve!

14. M.A.S.

17/05/2011 às 21:04

Quer dizer que agora posso falar:”menas,previlégio,comprimentar uma pessoa,nóis

foi, nois viu,nóis pega,ceis vão,etc”que bacana vou matricular novamente no pré-

primário começar tudo de novo, pois estou desatualizada depois de 60 anos quero

aprender a nova língua portuguesa senão a MESTRA da burrice essa tal de Heloísa

Ramos vai debochar de “migo.”

15. Té Carvalho

17/05/2011 às 20:19

Mas nós abre a boca no mundo pra acabá cum essa maracutaia, sô. Fora com a

incompetência professoral dentro da UNFRN. Pobre alunos potiguare, né não, fesora.

16. Law

17/05/2011 às 20:15

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Gentalha!

17. Marcos

17/05/2011 às 20:09

Caro Augusto,

aí não; “nós pega o peixe”, e outras barbaridades, a musa do PT, a Ideli Salvati, já

pronuncia há muito tempo!

18. gaúcha indignada

17/05/2011 às 19:55

A Heloisa não foi presa ainda????

19. LIMA

17/05/2011 às 19:39

AUGUSTO.

DE QUANTO TERA SIDO O VALOR DO MIMO?

20. f tavares, na resistência

17/05/2011 às 18:25

- dessa vez a canalha analfabeta pode regozijar-se, porque é no portuga da esquina

mesmo que essa dona se especializou… porque em relação ao idioma, não conseguiu

emplacar o reducionismo petista, neo-albanês, aperfeiçoado em cuba, que pretende

um dia, quem sabe?, ver nivelar por baixo o índice de alfabetização no país. assim,

todos falarão errado e então eles, que já se comunicam em dilmês ou lulês pra tratar

assuntos oficiais e combinações indecifráveis, passarão a entender-se num idioma

ininteligìvel, entre o zurro e o mugido… mais uma alquimia petista pra vfender livros

encalhados. essa tese da cultura curupira deve ter rendido pra lá de cinco milhões…

então, está explicado.

21. Carl

17/05/2011 às 18:15

Conclusão simples:A gramática que estão tentando instituir aos nossos pobres jovens

do ensino público é a palavra falada do mentor da atual presidente e um

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absurdo.Tomara que nos próximos 500 anos não apareça outro senhor para nos

envergonhar e nivelar os brasileiros por baixo,como fez o tal “EX”.É a forma mais

covarde e vil de coaptar os incautos para o seu bando,como se o analfabetismo fosse

condição primordial para ser alguém na vida.Lamentável e triste o que fizeram e

continuam a fazer com o nosso país nos últimos oito anos,e quem sabe quando vão

parar?Vamos pensar Brasileiros antes que alguém desta laia queira simular pensar

por nós.

22. chorei antes de nascer

17/05/2011 às 18:14

Mas nem o pessoal do PT participativo pode opinar? O Menas e a Metralha instalada

na Pensão Alvorada terá teriam muito a contribuir…

23. marina silva

17/05/2011 às 18:07

Isso a alguns anos atrás vcs os ptralhas chamavam de DITADURA,agora na ditadura

ptralha o único direito que nos restou foi pagar vossas contas e de ficar caladinho

aturando toda classe de idiotia de vossas excelencias.De verdade nunca conheci uma

DITADURA tao dura porque ao menos na ditabranda militar a educaçao e a saúde era

de boa qualidade e nao ensinava nem ao mais pobre cidadao da naçao a falar errado!

24. catson aruak

17/05/2011 às 18:04

A moça está fazendo uma auto-crítica e pedindo prá sair. Vamos deixar ela ir embora.

25. Ricardo

17/05/2011 às 17:59

E outra… com gente como essa, tem que fazer como Olavo de Carvalho e mandar pra

p… q… p…!!

26. Mauro Pereira

17/05/2011 às 17:59

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Caro Augusto Nunes, boa noite.

Caro amigo, longe de mim ser preconceituoso mas eu acho que, no máximo, e com

muita boa vontade, essa senhora pode ser é dona de padaria. Do português, jamais!

27. Ricardo

17/05/2011 às 17:57

Alguém tem que dizer pra essa burra (inconseqüente, prepotente e, no mínimo,

petralha) que falar errado é ERRADO!!!

28. Heitor

17/05/2011 às 17:52

Os burros fazem e desfazem este país. Uma hora dessas, não terá mais “concerto”.

29. Marilze

17/05/2011 às 17:46

Tudo bem, gente. Vamos ouvir o que diz a especialista e todos teremos uma vida

melhor, como anuncia o título de seu livro: sem regência, concordância, ortografia,

gramática, prosódia ou prosopopeia. E atenção: sem dar palpites em educação, pois

o assunto é para especialistas.

30. Jose Francisco Santoro

17/05/2011 às 17:44

Agora todo mundo pode falar como o palanqueiro chefe.Afinal, êle chegou onde

chegou falando assim,porque alguém deveria se preocupar em aprender?? Vamos

todos ¨tomá umas cachaça¨.

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Texto 7

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/livro-didatico-faz-a-apologia-do-erro-exponho-

a-essencia-da-picaretagem-teorica-e-da-malvadeza-dessa-gente/

Reinaldo Azevedo

Análises políticas em um dos blogs mais acessados do Brasil

14/05/2011às 4:35

Livro didático faz a apologia do erro: exponho a essência da picaretagem teórica e da

malvadeza dessa gente

Escrevi, posts abaixo, um primeiro texto sobre um livro de língua portuguesa chamado “Por

Uma Vida Melhor”, que faz a apologia do erro, embora uma das autoras tente negar o óbvio.

Demonstrarei a fraude intelectual e técnica em que se sustenta a tese daqui a pouco.

Começo este texto pelo óbvio: o nome é péssimo. “Por Uma Vida Melhor” pode ser título de

livro de medicina, de religião e de auto-ajuda, mas não de língua. Gabriel Chalita, que me lê

com enorme prazer secreto, vai pensar: “Esse nome me pertence”, enquanto escreve seu

437º volume sobre filosofia criativa, depois de mandar mais uma carta fofa para o padre

Fábio de Melo, aquele que canta e encanta.

Terá certamente uma vida melhor o aluno que dominar o instrumental da norma culta da

língua, contra o qual o livro se posiciona abertamente. Assim, esse “instrumento didático”

que conta com o endosso do MEC, se algum efeito tiver, será no sentido de piorar a vida do

estudante; na melhor das hipóteses, contribui para mantê-lo na ignorância.

Onde está a fraude intelectual do negócio? Sim, é um negócio! Abaixo, segue reproduzida

uma página do livro em que os autores defendem porque é perfeitamente aceitável dizer e,

fica claro!, escrever: “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado“. Leiam.

Raramente vi uma vigarice intelectual em estado tão puro. Volto em seguida (se a leitura

estiver difícil, clique na imagem que ela será ampliada).

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O que vai acima é só uma conversa mole descrevendo por que, para usar a linguagem

técnica, o “emissor” conseguiu transmitir uma “mensagem” eficiente. Ocorre que o

fenômeno da comunicação e, por conseqüência, da cultura vai, e tem de ir, muito além da

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simples eficiência. Ora, comunicamo-nos o tempo todo por códigos que não são verbais. Um

simples arquear de sobrancelhas diz muito mais, a depender do contexto – como bem

sabem todos aqueles que têm filhos adolescentes – do que um discurso articulado em

palavras. Nem por isso a escola vai se ocupar agora de decodificar esses sistemas pessoais de

comunicação.

Uma coisa é explicar por que uma mensagem fora do padrão formal da língua funciona;

outra, diferente, é atestar a sua validade como uma variante da língua. Não dá! Português

não é inglês, por exemplo. Na nossa língua, os adjetivos têm flexão de gênero e número, e os

verbos, de número. Quem dominar com mais eficiência esse instrumental terá vantagens

competitivas vida afora. O que esses mestres estão fazendo, sob o pretexto de respeitar o

universo do “educando”, como eles dizem, é contribuir para mantê-lo na ignorância.

Uma das autoras, Heloisa Ramos, concedeu uma entrevista ao iG e demonstrou que tem

talento para humorista involuntária. Ela nega que o livro faça a apologia do erro e afirma:

“Esse capítulo é mais de introdução do que de ensino. Para que ensinar o que todo mundo

já sabe?” Boa pergunta, minha senhora! Pra que ensinar alguém a falar errado se todo

mundo já sabe fazê-lo por conta própria, não é mesmo? Sem contar que o erro, convenham,

não tem norma, certo? Cada um fica livre para cometê-lo à sua maneira.

Dona Heloísa tenta negar o que seu livro explicita. Acima, nas suas páginas, lê-se com clareza

inequívoca: “É importante que o falante de português domine as duas variantes e escolha

a que julgar adequada à sua situação de fala”.

Faço a pergunta de sempre de Didi Mocó? “Cuma???” Ao que Mussum emendaria: “Só no

forévis do povo!!!” Bons tempos em que falar errado era norma entre os “Os Trapalhões”!

Huuummm… Diga aí, professora: quando é que o erro é mais adequado do que o acerto?

A mestra segue com seu talento para o humorismo na conversa com o iG:

“Não queremos ensinar errado, mas deixar claro que cada linguagem é adequada para

uma situação. Por exemplo, na hora de estar com os colegas, o estudante fala como

prefere, mas, quando vai fazer uma apresentação, ele precisa falar com mais formalidade.

Só que esse domínio não se dá do dia para a noite, então a escola tem que ter currículo

que ensine de forma gradual” .

Uau! Entendi a preocupação. Fico cá a imaginar os estudantes se martirizando, na conversa

com os colegas, preocupados em empregar a norma culta, muitas vezes ensinada com o

brilho que sabemos, tendo como instrumento didático um livro como “Por Uma Vida

Melhor”… De resto, como diria a doutora, por que contestar o que ninguém afirmou? Quem

é que disse que o domínio da norma culta vai se dar do dia pra noite?

Pra que escola?

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Escola é lugar de formalização do conhecimento, segundo o padrão culto, sim, senhor! Como

teria dito o próprio artista, para que se possa pintar como Picasso aos 70 anos, é preciso

saber pintar como Rafael aos 5, entenderam? O leitor sabe que este escriba mesmo mescla a

tal norma culta ao uso informal e sem gravata da língua. Para que se chegue a ter um estilo,

uma escrita pessoal, é preciso que se tenha o domínio do instrumental técnico.

Ninguém precisa de professor, minha senhora, para se comunicar de modo eficiente com os

seus pares. Fosse assim, os analfabetos morreriam à míngua; fosse assim, Brasil afora, a

nação estaria esfaimando. Os professores existem justamente para lembrar que a norma

culta existe, que ela é importante, que, à diferença de servir à discriminação, é uma

corretora de diferenças e de desigualdades.

Nem Paulo Freire…

Lá vou eu mexer com uma das divindades brasileiras – como se divindades humanas me

constrangessem… Nem Paulo Freire ousou tanto na estupidez militante. Ele foi o criador de

um método de alfabetização de adultos que se pretendia revolucionário. A partir do

chamado “universo do educando”, de uma palavra que remetesse a um objeto ou realidade

que fizesse parte do seu cotidiano, iniciava-se a alfabetização, que corresponderia, na

verdade, a um processo de conscientização política que conduziria à libertação. Libertação

do quê? De muita coisa, mas basicamente da tirania do capital.

Tratava-se um “bobajol” formidável, mas se diga uma coisa ao menos em defesa de Paulo

Freire: sempre defendeu o uso da norma culta. Naqueles bons tempos, as esquerdas ao

menos acreditavam na alfabetização do povo – para fazer revolução, claro!, mas

acreditavam.

O neoesquerdismo do miolo mole, na sua fase de apologia do pobrismo, desistiu dessa

bobagem. Esses vigaristas intelectuais estão certos de que o povo desenvolveu valores que

lhe são próprios, que o distinguem da chamada “cultura da elite”. E deve ser respeitado por

isso. A chegada do Apedeuta ao poder, com a sua compulsão de fazer a apologia da

ignorância, parece dar razão prática a essa estupidez. Até parece que a complexa equação

econômica em que se meteu o petismo, tendo de conservar os fundamentos do governo

anterior, foi comandada por prosélitos do analfabetismo. Não foi! Ao contrário! Quem

cuidou da operação foram pessoas com sólida formação intelectual.

Dona Heloísa, uma deslumbrada com o “povo”, não sabe quão reacionária está sendo; não

tem idéia do autoritarismo que está na base de sua teoria. Não quero usar o exemplo

pessoal. Mas sei de gente que se livrou da pobreza extrema apenas porque conseguia

dominar determinados códigos de uma cultura que não seria própria àquela faixa de renda.

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Pessoas que desrespeitam os pobres fazem de sua pobreza uma cultura alternativa. Gente

decente reconhece o valor intrínseco de certas conquistas – como o domínio da norma culta

da língua – e luta para que o acesso a esse código seja um direito de todos.

Ouvido, o MEC defendeu a adoção da obra como um dos livros de referência. Alguém aí se

surpreendeu? Para encerrar: tentamos saber por que a nossa escola é tão ruim. A vertente

esquerdopata-sindical vai acusar a falta de recursos e os baixos salários dos professores. Não

ganham bem, mas, dada a realidade brasileira, também não ganham tão pouco. Não

importa! Dêem um salário milionário à categoria, e não sairemos do pântano enquanto

valores como o que orientam a estupidez acima forem influentes. Um dos fatores que

conduziram o ensino brasileiro ao desastre que aí está foi a substituição do conteúdo pelo

proselitismo, trabalho conduzido pelas esquerdas “sindicalentas” da educação.

Texto publicado originalmente às 19h25 desta sexta

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Texto 8

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-pedagogia-da-ignorancia,720732,0.htm

A pedagogia da ignorância 18 de maio de 2011 | 0h 00

- O Estado de S.Paulo

Ao anunciar que o Ministério da Educação (MEC) não recolherá o livro didático com erros gramaticais distribuído a 485 mil estudantes, o ministro Fernando Hadad voltou a ser protagonista de confusões administrativas. Depois das trapalhadas que cometeu na aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio em 2009 e 2010, agora ele afirma que não pode interferir no conteúdo das publicações adquiridas pelo Programa Nacional do Livro Didático nem julgar o que é certo ou errado em matéria de português, cabendo-lhe apenas decidir o que é "adequado" em política pedagógica.

Com isso, embora tenha por diversas vezes prometido melhorar a qualidade do ensino fundamental, Haddad, paradoxalmente, endossou a pedagogia da ignorância. Produzido por uma ONG e de autoria da professora Heloísa Ramos, o livro Por uma vida melhor defende a supremacia da linguagem oral sobre a linguagem escrita, admitindo que "é certo falar errado". Corrigir o erro é "preconceito". A tese não é nova, já foi rechaçada pela Academia Brasileira de Letras e sempre foi duramente criticada nas faculdades de pedagogia. Além disso, o livro do MEC que admite erro de português não é uma obra de linguística, mas uma publicação pedagógica. Não foi escrito para linguistas, mas para quem precisa de um bom professor de português para ler, falar e escrever de modo correto - condição básica para que se possa emancipar culturalmente.

"Não tem de se fazer livros com erros. O professor pode falar na sala de aula que temos outra linguagem, a popular. Os livros servem para os alunos aprenderem o conhecimento erudito", diz a professora Míriam Paura, do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ. "Uma coisa é compreender a evolução da língua, que é um organismo vivo. A outra é validar erros grosseiros. É uma atitude de concessão demagógica. É como ensinar tabuada errada. Quatro vezes três é sempre doze, seja na periferia ou no palácio", afirma o escritor Marcos Vilaça, presidente da ABL.

Sem argumentos para refutar essas críticas, o MEC alegou que a aquisição do livro Por uma vida melhor foi aprovada por "especialistas", com base em parecer favorável de docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e afirmou que o edital para a aquisição de livros didáticos enfatiza a importância de "novos tipos de reflexão sobre o funcionamento e as propriedades da linguagem em uso" e da "sistematização dos conhecimentos linguísticos correlatos mais relevantes". Isso dá a medida da falta de rigor do processo de escolha, que "desperdiça dinheiro público com material que emburrece, em vez de instruir", como diz a procuradora da República Janice Ascari.

A autora do livro politizou a discussão. "No tempo em que só a elite ia para a escola, talvez a norma culta bastasse. Hoje, com o acesso da classe popular, a formação tem de ser mais

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ampla. Nosso livro é direcionado para aquele que pode ter sido discriminado por falar errado", disse ela. Em outras palavras, exigir a correção de linguagem é ser preconceituoso. A reação foi imediata. "É um absurdo esse paternalismo condescendente de não corrigir erros gramaticais. Com isso, consolida-se o conceito de coitadinho, pernicioso e prejudicial ao desenvolvimento dos cidadãos. Qualquer um pode cometer os barbarismos linguísticos que quiser, mas deve saber que eles só se sustentam dentro de um contexto e têm preço social", diz a escritora Ana Maria Machado, doutora em Linguística e Semiologia, integrante da ABL e ganhadora do Prêmio Hans Christian Andersen - o Nobel da literatura infantil.

Como o País tem um padrão de ensino reconhecidamente baixo, o que se deveria esperar do MEC é um mínimo de responsabilidade na escolha dos livros didáticos distribuídos na rede pública. Ao impor a pedagogia da ignorância a pretexto de defender a linguagem popular, as autoridades educacionais prejudicam a formação das novas gerações.

É por isso que um grupo de membros do Ministério Público, liderado pela procuradora Janice Ascari, anunciou que processará o MEC por "crime contra a educação".

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Texto 9

http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/as-licoes-do-livro-que-desensina

Educação

20/05/2011 - 20:31

Língua portuguesa

As lições do livro que desensina

'Por Uma Vida Melhor' é exemplo de doutrina difundida há décadas na educação

brasileira, segundo a qual a norma culta é um fardo ao qual devemos nos curvar por

imposição social, e não pelos benefícios que ela propicia

Nathalia Goulart

Sala de aula de escola estadual do Rio de Janeiro (Eduardo Martino/Documentography)

Menas era o nome de uma exposição aberta ao público no ano passado, no Museu da Língua

Portuguesa, em São Paulo. As paredes do museu exibiam variações da língua portuguesa

falada em diversas regiões do país, além de textos que explicitavam as grandes diferenças

entre o idioma praticado nas ruas e a norma culta – aquela apresentada nos livros de

gramática. A exposição procurava demonstrar que há vários contextos de fala e que o errado

em um contexto não necessariamente impede que as pessoas se comuniquem de maneira

bem sucedida em outros.

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Leia mais:

Augusto Nunes: A indignação dos brasileiros sensatos

Sobre Palavras: Moderação numa hora dessas?

Por Uma Vida Melhor é o nome de um livro didático, a esta altura já de triste fama, escrito a

várias mãos sob coordenação da ONG Ação Educativa, adotado pelo Ministério da Educação

(MEC) e distribuído a 4.236 cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) espalhados pelo

país. A certa altura, baseado na eventual pergunta de um aluno a seu professor, o livro

afirma: "Eu posso falar 'os livro'? Claro que pode." Depois de ensinar a seus alunos que eles

podem falar errado, o professor é orientado a apontar as “sanções” a que o estudante está

sujeito se utilizar uma construção como "os peixe": "Fique atento porque, dependendo da

situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico." E emenda: "A classe

dominante utiliza a norma culta principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por

seu uso ser um sinal de prestígio."

Tanto a exposição quanto o livro representam uma linha de pensamento nascida há 50 anos,

fruto do trabalho do americano William Labov, da Universidade da Pennsylvania, que se

debruçou sobre as variedades populares do inglês utilizadas em diferentes regiões e por

grupos sociais distintos. A sociolinguística – esse é o nome da disciplina – busca uma

abordagem científica das línguas, mais descritiva do que normativa. Ela procura entender

cada variação de um idioma, e por isso passa ao largo das questões de certo e errado. A

sociolinguística pode render uma mostra informativa – e divertida – como Menas. Ela

também leva estudantes universitários de português e pedagogia a reflexões importantes

sobre a maneira como as pessoas utilizam a linguagem em diferentes lugares e estratos

sociais. Mas, utilizada de maneira torta num livro didático como Por Uma Vida Melhor, e

misturada a um blá-blá-blá ideológico sobre “preconceito” e “classes dominantes”, essa

abordagem é nada menos que um desatino, propagando a ideia de que a norma culta e a

educação formal são fardos aos quais as pessoas devem ser curvar por imposição social, e

não pelos benefícios que elas propiciam.

Os estudos de Labov começaram a influenciar pesquisadores brasileiros no início dos anos

1970, quando estudos de sociolinguística surgiram nas principais universidades do Brasil. O

primeiro grande projeto produzido por essas instituições, entre elas a Universidade de São

Paulo (USP) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi o Nurc, sigla de Norma

Urbana Culta. Munidos de gravadores portáteis, pesquisadores foram às ruas de cinco

capitais para registrar pela primeira vez a fala de brasileiros e, a partir daí, deduzir as normas

cultas do português falado. Para isso, foram ouvidos jovens filhos de pais brasileiros, com

ensino superior completo. Concluiu-se que até mesmo entre os "estudados" a fala divergia

da norma culta.

A teoria sociolinguística começou a se infiltrar no sistema educacional brasileiro a partir da

década de 1980. A influência coincide com a expansão do ensino básico, uma das causas da

queda da qualidade do sistema público, segundo vários especialistas. Em 1988, a nova

Constituição da República tornou lei a universalização do ensino básico: a partir de então,

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toda criança deveria frequentar a escola. As instituições, habituadas a letrar uma parcela da

população oriunda de famílias instruídas, viram chegar aos bancos escolares filhos de

famílias pobres e de baixo nível de escolarização formal. Naturalmente, desconheciam as

regras básicas da gramática.

Ataliba de Castilho, linguista da Universidade de São Paulo (USP) e um dos defensores das

teorias da sociolinguística, resume o que acontecer a seguir: “Foi levada para a sala de aula a

ideia de que o professor se aproxima do aluno e estimula seu aprendizado na medida em

que é capaz de entender e aceitar as variações linguísticas presentes em cada discurso.” Por

isso, insistir que frases como “nós pega peixe” estão erradas seria contraproducente,

servindo apenas para afastar ainda mais o professor do aluno. “É preciso esclarecer, porém,

que a sociolinguística não defende que a norma culta seja renegada pelas escolas. É dever da

escola ensinar a variante culta escrita”, diz Castilho, autor da Gramática do Português

Falado, obra que normatiza a variante oral culta da língua portuguesa. A obra, a maior

gramática da variante oral de uma língua já feita, levou duas décadas para ser concluída e

contou com a colaboração de cerca de meia centena de estudiosos, todos coordenados pelo

linguista da USP.

Finalmente, em 1998, as ideias apresentadas por Labov e desenvolvidas por pesquisadores

brasileiros foram incorporadas pelo estado, ao serem incluídas nos Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN), do MEC, um conjunto de diretrizes que pretende orientar professores e

autores de material didático – daí, nasceu, por exemplo, um instrumento de desensino

como Por Uma Vida Melhor. Era apenas a versão nacional de uma prática que já se fazia em

nível estadual desde a década anterior. Em São Paulo, na década de 1980, o governador

Franco Motoro já havia convidado docentes da Unicamp a orientar professores paulistas. O

objetivo: fazer com que os docentes aceitassem as variações presentes na fala de seus

alunos. Atualmente, inúmeros estudos com esse viés orientam centros de pesquisa pelo

país, entre elas a Universidade Federal da Bahia (UFBA), responsável pela elaboração de um

Atlas Linguístico do Brasil, e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que capitaneia

o Censo Linguístico, que procura refazer os passos do Nurc, registrando tanto a norma culta

quanto a popular.

Que o assunto seja tema de pesquisa acadêmica e subsídio para a formação de professores

não se discute. Choca, contudo, que chegue aos ouvidos de estudantes que vão à escola

justamente para aprender aquilo que a rua não lhes oferece: a norma culta, com toda a

riqueza que ela oferece. "Esse não é um tema que deve ser levado para a sala de aula, seja

para crianças, seja para adultos em fase de alfabetização", diz Miriam Paura, educadora da

Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). "A escola tem por objetivo fazer a instrução

correta. É dever do professor explicar aos alunos as diferenças entre o falar e o escrever,

entre a norma culta e as variações populares. Mas explicar não é dizer que tal forma deva

ser reproduzida."

Não bastasse confundirem os alunos, as aulas para desaprender também podem confundir o

professor. Ninguém mais ignora o fato de que a qualidade do corpo docente brasileiro é

irregular. "Um docente despreparado pode interpretar tal livro de maneira equivocada", diz

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Paura. É possível que um mestre bem qualificado entenda que deve-se deixar o

desensinamento de lado e ater-se às regras gramaticais apresentadas no livro – sim, no

restante da obra, as normas estão lá. Outro professor menos informado, porém, pode ficar

em dúvida sobre a pertinência de corrigir seus alunos, e a correção é um processo

fundamental do aprendizado. "Saber até onde a norma popular é aceitável é um tema

delicado e exige preparo por parte do profissional. Tudo isso faz com que um material

didático que dê margem para múltiplas interpretações seja um risco."

Neste ano, todo o Brasil sofrerá com a falta de mão de obra qualificada, informa pesquisa do

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Alguns brasileiros, contudo, sofrerão mais.

"Quem não domina a norma culta do português tem dificuldades para brigar por uma vaga,

seja ela de que tipo for", afirma Antônio Carminhato, presidente do Grupo Soma de recursos

humanos. Outra pesquisa, divulgada pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI),

revelou que a falta de qualificação atinge sete em cada dez empresas consultadas. A solução

do problema, segundo a entidade, é simples: "A educação básica é a base do processo da

formação de profissionais qualificados." Vale para a indústria, para o comércio, para a

agricultura... É difícil supor, portanto, que o papel da norma culta seja apenas retirar o

brasileiro da alça de mira do preconceito. No século XXI, frequenta-se a escola e aprende-se

o que é correto para deixar o Brasil do século XIX para trás e ingressar no mundo moderno,

complexo e exigente.

Leia mais:

Augusto Nunes: A indignação dos brasileiros sensatos

Sobre Palavras: Moderação numa hora dessas?

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Texto 10

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-espertocracia-educacional,722417,0.htm

A ''espertocracia'' educacional

22 de maio de 2011 | 0h 00

Gaudêncio Torquato - O Estado de S.Paulo

Machado de Assis, mulato, gago e epilético, um dos mais ilustrados e respeitados cultores do

idioma pátrio, conseguiu de modo exemplar unir o erudito ao popular. Em seus irretocáveis

escritos, ensinava que a democracia deixa de ser uma coisa sagrada quando se transforma

em "espertocracia" - "o governo de todos os feitios e de todas as formas". Já de Rui Barbosa,

pequena estatura, advogado, diplomata, político e jornalista, cujo nome está inscrito nos

anais da história do Direito internacional, pode-se extrair uma singela lição de seu celebrado

patrimônio intelectual: "A musa da gramática não conhece entranhas". Pois bem, esses dois

curtos arremates dos renomados mestres de nossa língua escrita e falada vêm a calhar neste

momento em que a perplexidade assoma ante a barbaridade, patrocinada pelo Ministério da

Educação (MEC), de uma "nova gramática", cuja autora assim ensina: "Os livro ilustrado mais

interessante estão emprestado", como frase adequada à linguagem oral, está correta ao ser

usada em certos contextos.

Para o grande Rui, a letra da gramática não entra em curvas e evita estratagemas. E o

aforista Machado puxa a orelha dos "espertocratas", aqueles que bagunçam ao escrever tal

como falam, usando todos os feitios e formas. E arremata de maneira cortante: "A primeira

condição de quem escreve é não aborrecer". Aborrecimento é o que não falta quando

vemos "sábios pareceristas", contratados pelo MEC, exibindo o argumento: seja na forma

"nós pega o peixe" ou "nós pegamos o peixe", o pescado estará na rede. Se assim é, ambas

estão corretas. Para dar mais voltas no quarteirão da polêmica, a pasta da Educação alega

que não é o Ministério da Verdade. Donde se conclui que um doidivanas qualquer, desses

que se encontram no feirão das ofertas gramaticais estapafúrdias, pode vir a propor um

texto sobre a História do Brasil sem nexo, com figurantes trocados e português estropiado.

Basta receber o imprimatur de outra figura extravagante que seja docente de Português

para ser adotado nas escolas. Com esse arranjo, o pacote educacional tem condições de

receber o endosso da instância mais alta da educação no País para circular nas salas de aula.

Esse é o caminho percorrido pelo acervo didático que faz a cabeça da estudantada.

Analisemos as questões suscitadas pela obra Por uma Vida Melhor, a começar pela

indagação filosófica que se pinça do título da série. Terá uma vida melhor o estudante que se

obriga a aprender numa gramática alternativa, onde a "norma popular" se imbrica à norma

culta? Ou, para usar a expressão da professora Heloisa Ramos, autora do livro, sofrem os

alunos que escrevem errado "preconceito linguístico"? Primeiro, é oportuno lembrar que,

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mesmo concordando que a língua é um organismo vivo, evolutivo, não se pode confundir

uma coisa com a outra, a forma oral e a norma escrita. Cada compartimento deve ser posto

em seu devido lugar. Quem troca uma pela outra ou as junta na mesma gaveta gramatical o

faz por alguma intenção, algo que ultrapassa as fronteiras linguísticas. E é nesse campo que

surgem os atores, aqui cognominados de doidivanas. Mais parece um grupo que considera a

língua instrumento para administrar preconceitos, elevar a cidadania e o estado de espírito

dos menos instruídos. Como se pode aduzir, embute-se na questão um viés ideológico, coisa

que se vem desenvolvendo no País na esteira de um populismo embalado com o celofane da

demagogia.

Ora, os desprotegidos, os semianalfabetos, os analfabetos funcionais, enfim, as massas

ignaras não serão elevadas aos andares mais altos da pirâmide se lhes for dada apenas a

escada do pseudonivelamento das regras do idioma. Esta é, seguramente, um meio de

ascensão social. Mas seus usuários precisam entender que a chave do elevador está

guardada nos cofres normativos. Igualmente, as vestimentas, os modos e costumes, a teia

de amigos, as referências profissionais são motores dessa escalada. Por que, então, os

doidivanas da cultura e da educação investem com tanta força para elevar a linguagem

popular ao patamar da norma culta? Não entendem que são objetos diferentes? Por que

tanto esforço para defender uma feição que valida erros grosseiros? Não há outra resposta:

ideologização. Imaginam o uso da língua como arma revolucionária. O sentimento que

inspira os cultores da ignorância só pode ser o de que para melhorar a autoestima e ter uma

vida melhor a população menos alfabetizada pode escrever como fala. Como se a gramática

normativa devesse ser arquivada para dar lugar à gramática descritiva. Sob essa abordagem,

sorver a sopa fazendo barulho, à moda dos nossos bisavós, também poderia ser

recomendável...

As concessões demagógicas que se fazem em nome de uma "educação democrática" apenas

reforçam a estrutura do atraso que abriga o ensino público básico do País, responsável pelo

analfabetismo funcional que atinge um terço da população. Avolumam-se os contingentes

de jovens de 9 a 14 anos que, além de não saberem interpretar um texto, se restringem ao

exercício de copiar palavras sem entender o seu significado. Os copistas constituem os

batalhões avançados da "revolução" empreendida pela educação brasileira. Pior é constatar

que os "revolucionários" creem firmemente que a escalada social deve continuar a ser

puxada pela carroça do século 17, fechando os olhos à "mobralização" da universidade. E

assim, passada a primeira década do século 21, no auge das mudanças tecnológicas que

cercam a Era da Informação, emerge um processo de embrutecimento do tecido social.

Alicerçado pela argamassa de escândalos, desprezo às leis, violência desmesurada,

promessas não cumpridas.

O grande Rui bem que profetizara: "A degeneração de um povo, de uma nação ou raça

começa pelo desvirtuamento da própria língua".

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Texto 11

http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/tag/por-uma-vida-melhor/

Coluna do Augusto Nunes

Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera

deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido.

Por uma vida melhor

22/05/2011 às 13:20 \ Direto ao Ponto

Os aiatolás do idioma insistem na vigarice lucrativa e levam mais um troco do escritor

Deonísio da Silva

A Ação Educativa, irmandade que congrega a turma que acha que falar errado está certo,

divulgou uma Nota Pública em que agradece “o apoio da comunidade científica e

dos especialistasno ensino da língua” ao livro “Por uma vida melhor”, também conhecido

como “Nós pega o peixe”. Ainda grogues com a vigorosa reação dos brasileiros sensatos,

os aiatolás do idioma resolveram fazer de conta que ganharam a briga para não perder o

acesso aos cofres do MEC, que publica essas lucrativas vigarices com o patrocínio

involuntário dos que pagam impostos. Vejam a nota que viola o artigo 171 do Código

Penal. E leiam em seguida outro merecidíssimo corretivo aplicado pelo escritor e professor

Deonísio da Silva. Assim será até que a turma que deseduca aprenda que o dever de um

professor é ensinar. (AN)

NOTA PÚBLICA

Alguns dias depois do início da polêmica em torno de uma frase retirada da obra “Por uma

vida melhor”, o debate ganha argumentos mais qualificados na imprensa. Autores como

Marcos Bagno (UnB), Sírio Possenti (Unicamp), Carlos Alberto Faraco (UFPR), Magda Soares

Becker (UFMG) e tantos outros vieram a público se posicionar sobre a polêmica, que

classificaram como “falsa” e “vazia”.

Com exceção de alguns que insistem em insinuar que o livro “ensina errado”, parece ter

ficado claro à opinião pública que o objetivo da obra é ensinar a norma culta, sim, mas a

partir da consideração de variantes populares do idioma que o adulto traz consigo ao chegar

à escola. Em outras palavras, o livro mostra a frase “Nós pega” para, em seguida, ensinar a

forma “Nós pegamos”. Infelizmente, ao pinçar apenas a primeira parte, a notícia publicada

em um blog de política do IG e reproduzida por outros veículos não trazia elementos de

contextualização a seus leitores.

Lamentamos a postura de alguns parlamentares que se apropriaram da discussão de

maneira superficial e usam o episódio para atacar opositores e criar novas falsas polêmicas.

Como corretamente publicou a Folha de S. Paulo (18/5), o livro segue as normas dos

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), vigentes desde 1997.

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Sabemos que o debate público é fundamental para promover a qualidade e equidade na

educação, e reafirmamos nossa disposição em participar de toda discussão nesses termos.

RESPOSTA DE DEONÍSIO DA SILVA

1) No ensino fundamental e médio há a disciplina Linguística? Não! Os professores são

pagos para ensinar Português!

2) Vamos conceder, apenas para argumentar, que o livro em questão ensine Linguística.

Por que o MEC deveria comprar cerca de 500 000 exemplares desse título para distribuir

em todas as escolas do ensino fundamental e médio? Linguística é matéria dos Cursos de

Letras!

3) Muitos dos professores que defendem esses crimes de lesa-língua estão apavorados com

a reação da sociedade. Para defender o que defendem, ganham bolsas de CNPQ, do CNPQ

do B, de outras financiadoras de projetos etc. Enfim, para tudo há dinheiro público, nossa

carga tributária é inversamente proporcional às posições do Brasil nas classificações de

educação e cultura: os tributos estão lá em cima, os serviços prestados, lá embaixo!

4) Esses professores são dispensados de trabalhos nas universidades, onde deveriam dar

mais aulas, justamente para “pesquisar” isso! Se só fazem isso, ganham muito mais do que

valem! Se depois de tantos anos chegaram ao português de analfabetos, o que fizeram

esses anos todos? Pesquisa? Bem, decerto não é à toa que até Stálin meteu-se com

Linguística e ensino de russo! Sim, o Stálin é autor de um livro de Linguistica! Por que

ignoram na bibliografia o colega? Medo? De quê? O Céline é fascista, eu abomino o

fascismo, qualquer fascismo, mas a-do-ro os romances dele!

5) Há uma questão de fundo na qual, ao que saiba, ninguém tocou. Ou, se tocou, não li os

artigos. Eles querem falar mal de Fernando Henrique Cardoso, que escreve melhor do que

eles. Uma vez, FHC escorregou num “propiamente” e eles caíram de pau, mas Lula pode

tudo, é um 007 que tem licença para matar a pauladas a língua portuguesa, a lógica, a

coerência, a coesão, o estilo, o bom gosto etc, onde quer que os encontre! E quando o

apedeuta fala, para muitos deles, como a célebre doutora, tudo se ilumina!

6) Por que defendem uma língua que não usam? Ascenderam socialmente com a língua

que defendem? Não! Por que negam o mesmo direito aos outros? Machado – preto, pobre,

epiléptico, gago etc – venceu todos os preconceitos, menos o de quem ainda não leu o

gênio! Um dia desses o Moacir Japiassu demonstrou que um deles confundiu OC I, 1093,

indicando a Obra Completa (de Machado de Assis), com um texto de Osório Cochat, e

estranhou a falta de intimidade do professor com Machado de Assis e sua inabilidade ou

pressa em consultar bibliografias.

7) É raro um professor vir a público para reforçar a norma culta. É mais frequente que

venha para espinafrar quem defenda os bons costumes na língua e para justificar que cada

um deve escrever como lhe apraz, seja canela ou sassafrás. Mas não praticaram as

transgressões gramaticais que tanto defendem para obter seus títulos e serem aprovados

em provas e entrevistas que os qualificaram para ensinar em escolas e universidades, do

contrário teriam sido reprovados.

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8 ) Há uma sede do público por aprender língua portuguesa. Não é por acaso que grandes

jornais e grandes empresas procuram ter em seus quadros referências solares da técnica e

da arte de escrever. Profissionais como Sérgio Nogueira no sistema Globo; Pasquale Cipro

Neto, na Folha de S.Paulo; Cláudio Moreno, no jornal Zero Hora; Dad Squarisi, no Correio

Braziliense. Português é difícil? Dad Squarisi nasceu no Líbano e hoje ensina os brasileiros a

escrever: sua coluna “Dicas de Português” é publicada em 15 jornais.

Enfim, se há quem se esmere tanto em cuidar, isso é sintoma de que escolas e

universidades estão falhando em outra técnica e em outra arte: a de ensinar. É por isso

também que muitos jovens inteligentes abandonam os professores no meio do caminho e

desistem dos cursos que faziam e vão trabalhar ou aprender em outro lugar, pois têm mais

o que fazer do que ouvir besteiras!

Tags: Ação Educativa, Deonísio da Silva, ensino, idioma livro, lingua

portuguesa,nota, ONG, Por uma vida melhor

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Texto 12

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=1127433&tit=Polemica-vazia

Polêmica vazia

Publicado em 19/05/2011 | CARLOS ALBERTO FARACO

O desvelamento da nossa cara linguística tem incomodado profundamente certa intelec-

tualidade. A complexidade da realidade parece que lhes tira o ar e o chão

Corre pela imprensa e pela internet uma polêmica sobre o livro didático Por uma vida

melhor, da coleção Viver, aprender, distribuída pelo Programa Nacional do Livro Didático

(do MEC) para escolas voltadas à Educação de Jovens e Adultos (EJA). Segundo seus

críticos, o livro, ao abordar a variação linguística, estaria fazendo a apologia do “erro” de

português e desvalorizando, assim, o domínio da chamada norma culta.

O tom geral é de escândalo. A polêmica, no entanto, não tem qualquer fundamento. Quem

a iniciou e quem a está sustentando pelo lado do escândalo, leu o que não está escrito,

está atirando a esmo, atingindo alvos errados e revelando sua espantosa ignorância sobre

a história e a realidade social e linguística do Brasil.

Pior ainda: jornalistas respeitáveis e até mesmo um conhecido gramático manifestam

indignação claramente apenas por ouvir dizer e não com base numa análise criteriosa do

material. Não podemos senão lamentar essa irresponsável atitude de pessoas que têm a

obrigação, ao ocupar o espaço público, de seguir comezinhos princípios éticos.

Se o fizessem, veriam facilmente que os autores do livro apenas seguem o que recomenda

o bom senso e a boa pedagogia da língua. O assunto é a concordância verbal e nominal –

que, como sabemos – se realiza, no português do Brasil, de modo diferente de variedade

para variedade da língua. Há significativas diferenças entre as variedades ditas populares e

as variedades ditas cultas. Essas diferenças decorrem do modo clivado como se constituiu a

sociedade brasileira. Ou seja, a divisão linguística reflete a divisão econômica e social em

que se assentou nossa sociedade, divisão que não fomos ainda capazes de superar ou, ao

menos, de diminuir substancialmente.

Muitos de nós acreditamos que a educação é um dos meios de que dispomos para

enfrentar essa nossa profunda clivagem econômica e social. Nós linguistas, por exemplo,

defendemos que o ensino de português crie condições para que todos os alunos alcancem

o domínio das variedades cultas, variedades com que se expressa o mundo da cultura

letrada, do saber escolarizado.

Para alcançar esse objetivo, é indispensável informar os alunos sobre o quadro da variação

linguística existente no nosso país e, a partir da comparação das variedades, mostrar-lhes

os pontos críticos que as diferenciam e chamar sua atenção para os efeitos sociais

corrosivos de algumas dessas diferenças (o preconceito linguístico – tão arraigado ainda na

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nossa sociedade e que redunda em atitudes de intolerância, humilhação, exclusão e

violência simbólica com base na variedade linguística que se fala). Por fim, é preciso

destacar a importância de conhecer essa realidade tanto para dominar as variedades

cultas, quanto para participar da luta contra o preconceito linguístico.

É isso – e apenas isso – que fazem os autores do livro. E não somente os autores desse

livro, mas dos livros de português que têm sido escritos já há algum tempo. Subjacentes a

essa direção pedagógica estão os estudos descritivos da realidade histórica e social da

língua portuguesa do Brasil, estudos que têm desvelado, com cada vez mais detalhes, a

nossa complexa cara linguística.

Desses estudos nasceu naturalmente a discussão sobre que caminhos precisamos tomar

para adequar o ensino da língua a essa realidade de modo a não reforçar (como fazia a

pedagogia tradicional) o nosso apartheid social e linguístico, mas sim favorecer a

democratização do domínio das variedades cultas e da cultura letrada, domínio que foi

sistematicamente negado a expressivos segmentos de nossa sociedade ao longo da nossa

história.

O desvelamento da nossa cara linguística, porém, tem incomodado profundamente certa

intelectualidade. A complexidade da realidade parece que lhes tira o ar e o chão. Preferem,

então, apegar-se dogmática e raivosamente à simplicidade dos juízos absolutos do certo e

do errado. Mostram-se assim pouco preparados para o debate franco, aberto e

desapaixonado que essas questões exigem.

Carlos Alberto Faraco, linguista, foi professor de Português e reitor da UFPR.

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Texto 13

http://filosomidia.blogspot.com.br/2011/05/o-escandalo-do-livro-que-nao-existia.html

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O escândalo do livro que não existia

"Durante dias e dias o país inteiro discutiu uma miragem, um não-fato, algo que não

existia. E na discussão se leu de tudo, analistas com julgamentos definitivos sobre a

questão, acadêmicos soltando sentenças condenatórias, jornalistas atirando flechas na

miragem. E tudo em cima de uma nuvem, uma sombra, um ectoplasma que nunca existiu.

Poucas vezes na história contemporânea se viu manifestação tão atrasada do que seja

opinião pública latino-americana. Parecia mais um daqueles contos do realismo fantástico de

um Garcia Marques, uma parábola familiar de Julio Cortazar.

Refiro-me a esse episódio sobre o suposto livro que ensinaria as crianças a ler a escrever

errado.

Esse livro, sobre o qual tantas mentes brilhantes despejaram esgoto puro, não existe.

Inventaram um livro com o mesmo nome, com a mesma autora e imputaram a ele um

conteúdo inexistente no livro original.

O livro massacrado não defendia a norma "inculta". Apenas seguia recomendações do

Ministério da Educação, em vigor desde 1997, de não desprezar a fala popular. Era uma

recomendação para que os jovens alfabetizados, que aprendem a falar corretamente, não

desprezem pessoas do seu próprio meio, que não tiveram acesso à chamada norma culta.

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No entanto um país que aspira a ser potência, conduzido por um tipo de jornalismo típico de

países atrasados, caiu de cabeça na interpretação de que o livro ensinava a escrever errado.

Criado o primeiro tumulto, personagens ilustres caíram de cabeça na versão vendida. O país

inteiro repetiu a ficção criada, as melhores cabeças da mídia de massa embarcando em uma

canoa furada, apenas repetindo o que ouviram falar.

Sem que um só tivesse ao menos lido o capítulo, deram o que lhes era pedido: condenações

do livro e da autora, pela discutível vantagem de saírem em jornais e programas de TV...

dizendo bobagens.

De repente, uma professora séria foi achincalhada, ofendida, tornando-se inimigo público,

merecendo longos minutos no Jornal Nacional.

Episódio semelhante ocorreu alguns anos atrás com uma professora de psicologia que

fazia pesquisas sobre "redução de danos" – um tipo de política de saúde visando ensinar os

viciados a não se matarem. Foram apontadas – ela e sua orientadora de 68 anos – como

traficantes em blogs de esgoto de portais de grande visibilidade. Depois, essa acusação

leviana repercutida no Jornal Nacional.

Em alguns setores, o país vive momentos de trevas, de um atraso similar ao macartismo

americano dos anos 50, como se toda a racionalidade, lógica, valores da civilização tivessem

sido varridos do mapa. E tudo debaixo do álibi de uma luta política implacável, que

ideologiza tudo, transforma qualquer fato em campo de batalha, escandaliza qualquer coisa,

fuzila qualquer pessoa em nome de uma guerra que já não tem rumo, objetivo. É como um

exército de cruzados voltando das batalhas perdidas e destruindo tudo o que veem à sua

frente apenas porque aprenderam a guerrear, a destruir e, sem guerras pela frente,

praticassem o rito da execução sumária por mero vício."

Luis Nassif . AdVivo

25 mai 2011

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Texto 14

http://www.gazetadopovo.com.br/colunistas/conteudo.phtml?id=1129095&tit=O-poder-

do-erro

Cristovão Tezza

O poder do erro

Publicado em 24/05/2011 | [email protected]

Eu não queria escrever sobre esse tema, por esgotamento. Mas tenho lido tanta bobagem,

com o tom furibundo das ignorâncias sólidas, sobre o livro didático que “ensina errado”,

que não resisto a comentar. É impressionante como observações avulsas, sem contexto,

eivadas de um desconhecimento feroz tanto do livro em si como de seu pressuposto

linguístico, podem rolar pelo país como uma bola de neve, encher linguiça de jornais,

revistas e noticiários e até mesmo estimular o “confisco” do material pela voz de políticos.

Instituições de alto coturno, como a Academia Brasileira de Letras, manifestaram-se contra

o horror de um livro didático que “ensina errado”. Até o presidente do Congresso, o

imortal José Sarney, tirou sua casquinha patriótica. A sensação que fica é de que há uma

legião de professores pelo Brasil afora obrigando alunos a copiar no caderno as formas do

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dialeto caipira, com o estímulo homicida do MEC (de qualquer governo – seria o fim da

picada politizar o tema). Sim a educação brasileira vai muito mal, mas estão errando

obtusamente o foco.

O que essa cegueira coletiva mostra, antes de tudo, é o fato de que a linguística – a

primeira ciência humana moderna, que se constituiu no final do século 18 com o objetivo

de compreender a evolução das línguas – não entrou no senso comum. As pessoas,

letradas ou não, sabem mais sobre Astronomia do que sobre o funcionamento das línguas,

mas imaginam o contrário. Eis uma cartilha básica, nos limites da crônica: toda língua, em

qualquer parte do mundo e em qualquer ponto da história, é um conjunto de variedades;

uma dessas variedades, em algum momento e em algumas sociedades, ganhou o estatuto

da escrita, que se torna padrão, é defendida pelo Estado e é o veículo de todas

informações culturais de prestígio; há diferenças substanciais entre as formas da oralidade

e as formas da escrita (são gramáticas diferentes, com diferentes graus de distinção); a

passagem da oralidade para a escrita é um processo complexo que nos faz a todos

“bilíngues” na própria língua. Pedagogicamente, dar ao aluno a consciência das diferenças

linguísticas e de suas diferentes funções sociais é um passo fundamental para o

enriquecimento da sua formação linguística.

É função da escola promover o domínio da forma padrão da escrita, estimular a leitura e o

acesso ao mundo letrado, e tanto melhor será essa competência quanto mais o aluno

desenvolver a percepção das diferenças gramaticais da oralidade e da vida real da língua.

Ora, todo livro didático de português minimamente atualizado reserva um capítulo ao

tópico da variedade linguística e ao papel da língua padrão dentro do universo das

linguagens cotidianas. Num país de profundos desníveis sociais como o Brasil, o

reconhecimento da diferença linguística é o passo primeiro para o pleno acesso à escrita e

sua função social. Será isso tão difícil de entender?

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Texto 15

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,educacao-para-o-debate,725367,0.htm

Educação para o debate

29 de maio de 2011 | 0h 00

Notícia

Sergio Fausto - O Estado de S.Paulo

Disseram que o livro Por uma Vida Melhor estaria autorizando o desrespeito generalizado às

regras da concordância e abolindo a diferença entre o certo e o errado no emprego da língua

portuguesa. Tudo isso com o beneplácito do MEC.

A celeuma ganhou os jornais nas últimas semanas. Foi motivada por um trecho no qual se

afirma que o aluno pode dizer "os livro". Parece a senha para um vale-tudo na utilização da

língua. Não é, mas assim foi lido.

Não conheço a autora nem sou educador, embora vínculos de família me tenham feito

conviver com educadoras desde sempre. Escolhi comentar o caso não apenas porque se

refere a um tema importante, mas também porque exemplifica um fenômeno frequente no

debate público. Tão frequente quanto perigoso.

O procedimento consiste na desqualificação de ideias sem o mínimo esforço prévio de

compreendê-las. Funciona assim: diante de mero indício de convicções contrárias às minhas,

detectados em leitura de viés ou simples ouvir dizer, passo ao ataque para desmoralizar o

argumento em questão e os seus autores. É a técnica de atirar primeiro e perguntar depois.

A vítima é a qualidade do debate público.

Existem expressões, e mesmo palavras, que têm o condão de desencadear essa reação de

ataque reflexo. Há setores da opinião pública para os quais a simples menção à privatização

é motivo para levar a mão ao coldre. No caso em pauta, o gatilho da celeuma foi a expressão

"preconceito linguístico" para qualificar a atitude de quem estigmatiza o "falar errado" da

linguagem popular. Houve quem aventasse a hipótese de que o livro visasse à justificação

oficial dos erros gramaticais do ex-presidente Lula. Um despropósito.

Dei-me ao trabalho de ler o capítulo de onde foram extraídas as "provas" do suposto crime

contra a língua portuguesa. Chama-se Escrever é diferente de falar, título que já antecipa

uma preocupação com o bom emprego da língua no registro formal, típico da escrita. São

algumas páginas. Nada que um leitor treinado não possa enfrentar em cerca de 10 ou 15

minutos de leitura atenta. Se a fizer sem prevenção, constatará que o livro não aceita a

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sobreposição da linguagem oral sobre a linguagem escrita em qualquer circunstância, como

chegou a ser escrito.

Ao contrário, no capítulo em questão, a autora busca justamente marcar a diferença entre a

norma culta, indispensável na escrita formal, e as variantes populares da língua, admissíveis

na linguagem oral. Não se exime ela do ensino das regras. Mas, em vez de recitá-las, vale-se

da técnica da reescrita. Há uma seção particularmente interessante sobre o uso da

pontuação. Vale a pena citar uma passagem: "(...) uma cuidadosa divisão em períodos é

decisiva para a clareza dos textos escritos. A língua oral conta com gestos, expressões,

entonação de voz, enquanto a língua escrita precisa contar com outros elementos. A

pontuação é um deles".

Noves fora um certo ranço ideológico, aqui e ali, o livro é de bom nível. Trabalho de gente

séria, que merece crédito. E um pouco mais de respeito. Fica o testemunho: a ONG

responsável pela obra tem entre seus dirigentes, se a memória não me trai, profissionais

responsáveis, no passado, por um dos melhores cursos de Educação para Jovens e Adultos

da cidade de São Paulo, o supletivo do Colégio Santa Cruz.

É justamente a esse público que o livro se dirige. Ele é formado por alunos que estão

travando contato com a norma culta da língua mais tarde em sua vida. Nesse contato tardio,

frequentemente se envergonham do seu falar. Emudecem. Reconhecer a legitimidade do

repertório linguístico que carregam é condição para que possam aprender. Não se trata de

proteger esse repertório das convenções da norma culta, para supostamente preservar a

autenticidade da linguagem popular. Isso, sim, seria celebração da ignorância. E populismo.

O livro não ingressa nesse terreno pantanoso.

O que está dito acima se aplica também às crianças quando iniciam o processo de

alfabetização. Sabe-se que o primeiro contato com a norma culta da língua é crucial para o

desempenho futuro do aluno como leitor e escritor. Sabe-se igualmente que a absorção da

norma culta é um longo processo. O maior risco é o de bloqueá-lo logo ao início, marcando

com o estigma do fracasso escolar os primeiros passos do aprendizado. No início dos anos

1980, mais de 60% dos alunos eram reprovados na primeira série do ensino fundamental, o

que se refletia em altas taxas de evasão escolar. Embatucavam no contato com as primeiras

letras (e as primeiras operações aritméticas). Melhoramos desde então? Sim, as taxas de

repetência, defasagem idade/série e evasão escolar diminuíram. Parte da melhora se deve à

adoção da progressão continuada, outra presa fácil da distorção deliberada, pois passível de

ser confundida com a aprovação automática.

Não aprendemos, ainda, porém, como assegurar a qualidade desejada no aprendizado da

língua. Mas há sinais de vida. O desempenho dos alunos em Português vem melhorando, em

especial no primeiro ciclo do ensino fundamental, conforme indicam avaliações nacionais e

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internacionais, ainda que mais lentamente do que seria desejável e necessário. A verdade é

que o desafio é enorme: não faz muitos anos que as portas da educação fundamental se

abriram para todos e a escola passou a ter de ensinar ao "filho do pobre" - dezenas de

milhões de crianças - a norma culta da língua, que seus pais não dominam.

Há muita discussão e aprendizado a serem feitos para vencer esse desafio. É ótimo que

todos queiram participar. Mas é preciso educar-se para o debate. Isso implica desde logo

dar-se ao trabalho de conhecer o tema em pauta e ter a disposição de entender o ponto de

vista alheio antes de desqualificá-lo. Sem querer ser pedante, é o que dizia Voltaire, séculos

atrás: "Aprendi a respeitar as ideias alheias, a compreender antes de discutir, a discutir antes

de condenar". Todo mundo ganha com isso.

DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC, É MEMBRO DO GACINT-USP

E-MAIL: [email protected]

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Texto 16

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/eles-odeiam-e-a-civilizacao/

Reinaldo Azevedo

Análises políticas em um dos blogs mais acessados do Brasil

15/05/2011 às 7:17

Eles odeiam é a civilização!

Escrevi ontem um post post sobre o livro didático de língua portuguesa “Por Uma Vida

Melhor” — não, não é a 539ª obra de Gabriel Chalita. Como ficou evidenciado, trata-se de

um repto contra a norma culta. Seus autores sustentam que “é importante que o falante de

português domine as duas variantes e escolha a que julgar adequada à sua situação de

fala”. Uma das variantes é o “erro”. Assim, tem-se que, para esses valentes, há situações em

que ele é preferível ao acerto. Só se esqueceram de considerar que, afinal de contas, cada

usuário da língua pode errar à sua maneira.

Alguns bobalhões, achando que sou do tipo que se intimida com o fácil falar difícil, vêm me

“informar” — vontade de gargalhar! — sobre os modernos estudos da “sociolingüística” (a

minha ainda com trema), que eu teria ignorado no meu comentário. Essa gente vive na

bolha de plástico de certos grupelhos universitários e está convicta de que, de fato, conhece

o mundo. Quem não partilha de sua mesma loucura estaria desinformado. Qual é, manés?

Conheço muito bem esse debate. Não tentem misturar as estações.

Uma coisa é entender por que a fala “inculta” do povo —• e ninguém, com efeito, se

expressa perseguido por um manual de gramática — é eficiente, funciona, comunica; outra,

diferente, é sugerir que as variantes são só uma questão de escolha e que a norma culta é

uma imposição do preconceito lingüístico, determinado — não se fala o nome, mas está

subjacente — pela luta de classes. Trata-se de uma tolice, de uma falsa questão.

Um certo Jair afirma: “O autor [eu!!!] deveria, antes de sair enaltecendo a norma culta,

perceber quantas vezes deixa de dizer os ‘s’ nos plurais ou os ‘r’ nos verbos no infinitivo,

para ver como funciona isso de ‘falar errado’. Mais: preconceito deste tipo é, para mim, tão

detestável quanto o racial ou o de gênero.” Coitado do Jair — ou coitados dos alunos do Jair!

Ele não entendeu nada! Eu exalto, sim, a norma culta como uma necessidade… normativa,

se me permitem a tautologia. Ninguém defende que o sujeito tenha cassados seus direitos

constitucionais por falar ou escrever errado.

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A questão não diz respeito a direitos, energúmenos!, mas a oportunidades. Em qualquer

lugar do mundo — Brasil, Cuba ou Suécia —, o pleno domínio da língua oficial acaba

selecionando pessoas para determinadas atividades. Vale até para a China, que tem o

mandarim como o idioma da administração do estado. Assegurar aos estudantes — que já

falam e escrevem segundo os ditames de seus próprios erros e pautados por ignorâncias

específicas — que os níveis de linguagem são equivalentes e que se está diante de uma

questão de escolha corresponde a uma mentira, que será desmentida pela vida. Ocupar uma

única aula que seja com esta bobagem, em vez de lhe ensinar análise sintática, constitui um

crime contra a educação.

A quem interessa esse debate sobre preconceito lingüístico, níveis de linguagem, eficiência

da comunicação e afins? Aos estudantes? Não! Isso é, e deve ser, preocupação de

especialistas, inclusive os do ensino. Se um professor consegue identificar os erros mais

freqüentes de seus alunos — tendo a norma culta como referência —, se consegue

caracterizá-los, entender a sua natureza, então se torna certamente mais fácil ensinar a, vá

lá, língua oficial.

O país vive um fenômeno terrível. A escola era um privilégio, expressão óbvia da injustiça

social, o que condenava o país ao atraso. Era para poucos, mas, sabe-se, eficiente naquele

pequeno universo. A necessária massificação trouxe consigo a perda da qualidade. Uma

escola universalizada é necessariamente ruim? Não! Mas, para ser boa, precisa operar com

critérios muito rígidos de seleção de mão-de-obra e de avaliação de desempenho dos

professores •— além, obviamente, de contar com infra-estrutura adequada. Não temos

nada disso.

A “democratização” do ensino só faz sentido e só será útil aos mais pobres se estes puderem

ter acesso aos códigos da cultura que ditam as escolhas relevantes que se fazem no país.

Ninguém nega que os milhões de brasileiros que se apropriam da língua à sua maneira

sabem se comunicar e até descobrem modos muito criativos de fazê-lo. Mais: sabem os

especialistas que a mais errada expressão de uma língua conserva intocada a sua estrutura

profunda. Mesmo o discurso dos loucos obedece a certas regras. Levar esse debate à sala de

aula é uma tolice, uma perda de tempo, uma estupidez.

Uma das marcas históricas do Brasil é a unidade lingüística — e sempre soubemos lidar

bastante bem com as diferenças, sem que prosélitos tenham de transformá-las numa teoria

do poder. Ainda hoje, quando especialistas mundo afora pensam as condições objetivas dos

países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), essa unidade distingue positivamente o nosso

país. Ah, não se de depender dos autores do livro “Por Uma Vida Melhor”. Para eles, o

ensino da língua portuguesa se confunde com uma imposição de classe.

Não deveríamos estar expostos a essa picaretagem, mas estamos. Chegamos a esse debate

miserável depois de três décadas de militância ativa do petismo nas universidades e nas

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escolas. Já escrevi aqui outro dia e reitero: nem se pode dizer que foi o velho marxismo que

fez isso com a inteligência brasileira. Essa boçalidade, acreditem, nem mesmo marxista é. O

antigo comunismo conjugava com a sua vocação homicida a crença num novo homem, que

desfrutaria dos bens da civilização quando se libertasse da opressão dos burgueses e

aristocratas. Essa gente que hoje dá as cartas na educação tem um ódio muito mais perverso

e devastador do que o ódio de classe: ela odeia é a civilização propriamente dita..

Para essa canalha, o homem se perdeu definitivamente quando passou a andar com a

coluna ereta. A partir daquele momento, estava destinado a devastar a natureza e a criar

normas, inclusive as da linguagem, que só serviriam à opressão.

Por Reinaldo Azevedo

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Texto 17

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/916634-uma-defesa-do-erro-de-

portugues.shtml

HÉLIO SCHWARTSMAN

16/05/2011 - 19h19

Uma defesa do "erro" de português

O pessoal pegaram pesado. Da esquerda à direita, passando por vários amigos meus, a

imprensa foi unânime em atacar o livro didático "Por uma Vida Melhor", de Heloísa Ramos.

O suposto pecado da obra, que é distribuída pelo Programa do Livro Didático, do Ministério

da Educação, é afirmar que construções do tipo "nós pega o peixe" ou "os livro ilustrado

mais interessante estão emprestado" não constituem exatamente erros, sendo mais bem

descritas como "inadequadas" em determinados "contextos".

Os mais espevitados já viram aí um plano maligno do governo do PT para pespegar a

anarquia linguística e destruir a educação, pondo todas as crianças do Brasil para falar

igualzinho ao Lula. Outros, mais comedidos, apontaram a temeridade pedagógica de dizer a

um aluno que ignorar a concordância não constitui erro.

Eu mesmo faria coro aos moderados, não fosse o fato de que, do ponto de vista da

linguística --e não o da pedagogia ou da gramática normativa--, a posição da professora

Heloísa Ramos é corretíssima, ainda que a autora possa ter sido inábil ao expô-la.

Acredito mesmo que, excluídos os ataques politicamente motivados, tudo não passa de um

grande mal-entendido. Para tentar compreender melhor o que está por trás dessa confusão,

é importante ressaltar a diferença entre a perspectiva da linguística, ciência que tem por

objeto a linguagem humana em seus múltiplos aspectos, e a da gramática normativa, que

arrola as regras estilísticas abonadas por um determinado grupo de usuários do idioma

numa determinada época (as elites brancas de olhos azuis, se é lícito utilizar a imagem

consagrada pelo ex-governador de São Paulo Claúdio Lembo). Podemos dizer que a segunda

está para a primeira assim como a pesquisa da etiqueta da corte bizantina está para o

estudo da História. Daí não decorre, é claro, que devamos deixar de examinar a etiqueta ou

ignorar suas prescrições, em especial se frequentarmos a corte do "basileus", mas é

importante ter em mente que a diferença de escopo impõe duas lógicas muito diferentes.

Se, na visão da gramática normativa, deixar de fazer uma flexão plural ou apor uma vírgula

entre o sujeito e o predicado constituem crimes inafiançáveis, na perspectiva da linguística

nada disso faz muito sentido. Mas prossigamos com um pouco mais de vagar. Se os

linguistas não lidam com concordâncias e ortografia o que eles fazem? Seria temerário

responder por todo um ramo do saber que ainda por cima se divide em várias escolas rivais.

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Mas, assumindo o ônus de favorecer uma dessas correntes, eu diria que a linguística está

preocupada em apontar os princípios gramaticais comuns a todos os idiomas. Essa ideia não

é exatamente nova. Ela existe pelo menos desde Roger Bacon (c. 1214 - 1294), o "pai" do

empirismo e "avô" do método científico, mas foi modernamente desenvolvida e

popularizada pelo linguista norte-americano Noam Chomsky (1928 -).

Há de fato boas evidências em favor da tese. A mais forte delas é o fato de que a linguagem

é um universal humano. Não há povo sobre a terra que não tenha desenvolvido uma,

diferentemente da escrita, que foi "criada" de forma independente não mais do que meia

dúzia de vezes em toda a história da humanidade. Também diferentemente da escrita, que

precisa ser ensinada, basta colocar uma criança em contato com um idioma para que ela o

adquira quase sozinha. Mais até, o fenômeno das línguas crioulas mostra que pessoas

expostas a pídgins (jargões comerciais normalmente falados em portos e que misturam

vários idiomas) acabam desenvolvendo, no espaço de uma geração, uma gramática

completa para essa nova linguagem. Outra prova curiosa é a constatação de que bebês

surdos-mudos "balbuciam" com as mãos exatamente como o fazem com a voz as crianças

falantes.

O principal argumento lógico usado por Chomsky em favor do inatismo linguístico é o

chamado Pots, sigla inglesa para "pobreza do estímulo" ("poverty of the stimulus"). Em

grandes linhas, ele reza que as línguas naturais apresentam padrões que não poderiam ser

aprendidos apenas por exemplos positivos, isto é, pelas sentenças "corretas" às quais as

crianças são expostas. Para adquirir o domínio sobre o idioma elas teriam também de ser

apresentadas a contraexemplos, ou seja, a frases sem sentido gramatical, o que raramente

ocorre. Como é fato que os pequeninos desenvolvem a fala praticamente sozinhos, Chomsky

conclui que já nascem com uma capacidade inata para o aprendizado linguístico. É a tal da

Gramática Universal.

O cientista cognitivo Steven Pinker, ele próprio um ferrenho defensor do inatismo, extrai

algumas consequências interessantes da teoria. Para começar, ele afirma que o instinto da

linguagem é uma capacidade única dos seres humanos. Todas as tentativas de colocar

outros animais, em especial os grandes primatas, para "falar" seja através de sinais ou de

teclados de computador fracassaram. Os bichos não desenvolveram competência para, a

partir de um número limitado de regras, gerar uma quantidade em princípio infinita de

sentenças. Para Pinker, a linguagem (definida nos termos acima) é uma resposta única da

evolução para o problema específico da comunicação entre caçadores-coletores humanos.

Outro ponto importante e que é o que nos interessa aqui diz respeito ao domínio da

gramática. Se ela é inata e todos a possuímos como um item de fábrica, não faz muito

sentido classificar como "pobre" a sintaxe alheia. Na verdade, aquilo que nos habituamos a

chamar de gramática, isto é, as prescrições estilísticas que aprendemos na escola são o que

há de menos essencial, para não dizer aborrecido, no complexo fenômeno da linguagem.

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Não me parece exagero afirmar que sua função é precipuamente social, isto é, distinguir

dentre aqueles que dominam ou não um conjunto de normas mais ou menos arbitrárias que

se convencionou chamar de culta. Nada contra o registro formal, do qual, aliás, tiro meu

ganha-pão. Mas, sob esse prisma, não faz mesmo tanta diferença dizer "nós vai" ou "nós

vamos". Se a linguagem é a resposta evolucionária à necessidade de comunicação entre

humanos, o único critério possível para julgar entre o linguisticamente certo e o errado é a

compreensão ou não da mensagem transmitida. Uma frase ambígua seria mais "errada" do

que uma que ferisse as caprichosas regras de colocação pronominal, por exemplo.

Podemos ir ainda mais longe e, como o linguista Derek Bickerton (1925 -), postular que

existem situações em que é a gramática normativa que está "errada". Isso ocorre quando as

regras estilísticas contrariam as normas inatas que nos são acessíveis através das gramáticas

das línguas crioulas. No final acabamos nos acostumando e seguimos os prescricionistas,

mas penamos um pouco na hora de aprender. Estruturas em que as crianças "erram" com

maior frequência (verbos irregulares, dupla negação etc.) são muito provavelmente pontos

em que estilo e conexões neuronais estão em desacordo.

Mais ainda, elidir flexões, substituindo-as por outros marcadores, como artigos, posição na

frase etc., é um fenômeno arquiconhecido da evolução linguística. Foi, aliás, através dele

que os cidadãos romanos das províncias foram deixando de dizer as declinações do latim

clássico, num processo que acabou resultando no português e em todas as demais línguas

românicas.

A depender do zelo idiomático de meus colegas da imprensa, ainda estaríamos todos

falando o mais castiço protoindo-europeu.

Não sei se algum professor da rede pública aproveita o livro de Heloísa Ramos para levar os

alunos a refletir sobre a linguagem, mas me parece uma covardia privá-los dessa

possibilidade apenas para preservar nossas arbitrárias categorias de certo e errado.

Hélio Schwartsman é bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de

Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve na versão impressa da Página A2

às terças, quartas, sextas, sábados e domingos e às quintas no site.

[email protected]

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OUTRA OPINIÃO: Uma falsa polêmica

MARCOS BAGNO

Publicado:23/05/11 - 0h00

Atualizado:23/05/11 - 0h00

A discussão em torno do livro didático "Por uma vida melhor" nos revela, para começar, a

patente ignorância que impera nos nossos meios de comunicação a respeito de língua e de

ensino de língua. Ignorância porque o tratamento da variação linguística, como fenômeno

inerente a toda e qualquer língua humana, está presente no currículo educacional há pelo

menos quinze anos, desde que foram publicados, em 1997, os Parâmetros Curriculares

Nacionais, na primeira gestão do professor Paulo Renato à frente do Ministério da Educação.

Esse dado factual já deixa evidente que a acusação de que "isso é coisa de petistas" que

querem "ensinar a falar errado como o Lula" não tem o menor fundamento, a não ser, de

novo, a cabal ignorância dos que a pronunciam. Ao fazer tanto alarde em torno de algo que

para os educadores é uma prática já consolidada, essa falsa polêmica, na verdade, é mero

pretexto para os que se empenham em reunir mais munição para desacreditar o governo da

presidente Dilma Rousseff: os mesmos que, amparados pela grande mídia (comprometida

até as entranhas com os interesses das elites de um país campeão mundial das

desigualdades), tornaram a última campanha presidencial um desfile de mentiras grotescas.

Por isso, é melhor procurar em outro canto, porque aqui a "culpa" não é deste governo, mas

vem de muito antes.

O mais chocante nesse caso é a facilidade leviana com que muitas pessoas têm abordado a

questão. Só de terem ouvido falar do caso, elas se acham suficientemente municiadas para

fazer comentários. Muitas deixam evidente que nunca viram a cor do livro didático

mencionado e que falam da boca para fora, inspiradas única e exclusivamente em suas

crenças e superstições sobre o que é uma língua e o que significa ensiná-la. Dizer que o livro

"ensina a falar errado" é uma inverdade sem tamanho. O livro apenas quer fazer o trabalho

honesto de apresentar a seus usuários a realidade do português brasileiro em suas múltiplas

variedades. Será que vamos ter de excluir dos livros de História toda menção à escravidão

porque hoje é "errado" promover o trabalho escravo? Ao abordar a escravidão o livro de

História por acaso está "ensinando" alguém a escravizar outros seres humanos?

Muitos bons resultados têm sido obtidos na educação de jovens e adultos quando, como

preparação do terreno para ensinar a eles as normas prestigiadas de falar e de escrever, lhes

mostramos que seu próprio modo de falar não é absurdo nem ilógico, mas tem uma

gramática própria, segue regras tão racionais quanto as que vêm codificadas pela tradição

normativa. Aliás, as regras das variedades populares são, muitas vezes, bem mais racionais

do que as regras normatizadas. Criando-se assim um ambiente acolhedor e culturalmente

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sensível, o aprendizado da tão reverenciada "norma culta" se torna menos traumático do

que sempre foi.

O repúdio ao tratamento da variação linguística na sala de aula é, como sempre, o secular

repúdio que nossas elites sempre têm manifestado contra tudo o que "vem de baixo" e

contra todo esforço de democratização efetiva da nossa sociedade.

MARCOS BAGNO é linguista, escritor, tradutor e professor do Instituto de Letras da

Universidade de Brasília.

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http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2011/05/opiniao-enquanto-escrita-

exige-rigor-linguagem-oral-e-mais-solta.html

19/05/2011 08h00 - Atualizado em 19/05/2011 08h00

Opinião: Enquanto escrita exige rigor, linguagem oral é mais solta

Livro 'Por uma Vida Melhor' traz erros de concordância e causa polêmica.

Apesar das diferentes possibilidades, escola deve ensinar norma culta.

Ana Cássia Maturano Especial para o G1

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Algumas situações na vida da gente ficam marcadas. Recordo-me de uma professora de

português da quinta série que pregava uma coisa muito importante que jamais foi

esquecida. Ensinando a língua para seus alunos, cobrava deles que falassem correto, até

porque eram muito jovens e estavam lá para aprender algo além do que já sabiam.

Nunca, porém, esquecia de fazer a ressalva de que jamais deveríamos fazer chacota

daqueles que falavam errado, principalmente os mais velhos – muitos deles não tinham tido

a oportunidade de frequentar a escola e aprender a falar da maneira como é ensinado lá.

Essa lição nunca foi esquecida. Ela foi mais lembrada por esses dias quando surgiu a

polêmica em torno do livro didático “Por uma Vida Melhor”, da ONG Ação Educativa. Esse

livro é voltado para jovens e adultos e foi distribuído pelo MEC. Em um de seus capítulos,

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defende a ideia de que todas as formas de falar são válidas, como por exemplo “Os livro

ilustrado mais interessante estão emprestado.”

Não ficou bem claro o porquê desse capítulo. Isso permite refletir sobre a questão de como

se fala e de como se escreve. Falar e escrever são duas formas de expressar aquilo que se

pensa. A escrita não é a transcrição da fala, mas elas têm muitas coisas em comum. Por

vezes, são idênticas.

Porém, a linguagem oral é mais solta – a espontaneidade e o regionalismo têm mais espaço.

Na escrita as coisas são diferentes. É necessário um rigor maior com a norma culta.

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Na comunicação pela fala, tem-se toda uma possibilidade de se fazer entender através de

gestos e expressões. Ela é direta. Com a escrita não. Temos que usar uma maneira única

para que a comunicação realmente aconteça. Se cada um for escrever de um jeito diferente,

dificilmente algo será comunicado. Assim, faz-se necessário ter uma forma oficial. Ela vale

para a fala e a escrita, mas é mais rígida com a segunda.

Talvez seja essa a ideia que o livro quisesse passar. Ora, dirão muitos, o importante é se

expressar. Não importa como. Sem dúvida. Expressar-se e se fazer entender, para que não

fique um diálogo de surdos. Então precisa haver uma proximidade do discurso entre aquele

que fala/escreve com o que ouve/lê.

Mas não devemos nos esquecer que apesar das diferentes possibilidades, a escola deve

sempre ensinar a norma culta. Essa é sua obrigação. Acredito que ninguém vai para a escola

para aprender aquilo que já sabe ou continuar falando errado. Uma coisa é aceitar o modo

próprio de um aluno se expressar, outra é permitir-lhe o acesso aquilo que é comum para os

mais estudados: falar e se expressar corretamente.

Até porque as pessoas vão para a escola para progredirem profissionalmente, socialmente,

pessoalmente. Se não, iam procurar outra coisa para fazer. Determinadas coisas não

precisam ser ensinadas em livros. Como, por exemplo, que o modo de uma pessoa falar,

bem distante da norma culta, é correta, mas que pode haver um preconceito de outros por

causa disso.

Isso tem que ser experienciado pelo professor no seu dia a dia, para que seu aluno, seja

criança ou adulto, se sinta bem e tranquilo para se expressar. Acolher seu aluno como ele se

apresenta para então lhe mostrar como é a regra da fala e escrita.

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Não dá para defender o falar errado e nem ensinar isso. O que apenas mostraria a falta de

educação de um povo. Um dos aspectos de sua identidade e ponto de união é sua língua.

(Ana Cássia Maturano é psicóloga e psicopedagoga)