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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
DISSERTAÇÃO
A FRAGILIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO DAS
POLÍTICAS ESTATAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
FRENTE ÀS DEMANDAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR
NA CIDADE DO RECIFE/PE
IARA RAQUEL DO CARMO NUNES GUERRA
Recife, PE 2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
A FRAGILIDADE DA IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS ESTATAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL FRENTE ÀS DEMANDAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR NA
CIDADE DO RECIFE/PE
IARA RAQUEL DO CARMO NUNES GUERRA
Orientadora: Maria Alexandra da Silva Monteiro Mustafá
Dissertação apresentada como requisito para obtenção do grau de Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE.
Recife, PE
Agosto de 2009
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Guerra, Iara Raquel do Carmo Nunes
A fragilidade da implementação das políticas estatais de assistência social frente às demandas de segurançaalimentar na Cidade do Recife / Iara Raquel do Carmo NunesGuerra. – Recife: O Autor, 2009.
136 folhas: il., fig., tab.; graf., quadros Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de
Pernambuco. CCSA. Serviço Social, 2009. Inclui bibliografia e anexos 1. Assistência social – Políticas estatais. 2. Segurança
alimentar. 3. Políticas Sociais. 4. Capitalismo. I. Título.
364.04 CDU (2.ed.) UFPE 362.04 CDD (22.ed.) BC - 2009 - 126
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4
Às famílias em situação de vulnerabilidade alimentar
DEDICO
A minha querida mãe Iramair Nunes;
Áurea (in memoriam) e Leandro (in memoriam);
Ao meu companheiro Angelo;
Aos meus mestres e amigos Alexandra e Lúcio Mustafá
OFEREÇO
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AGRADECIMENTOS
• À minha querida e amada mãe, Iramair Nunes, que ao enfrentar mais um desafio que a vida
colocou, me ensinou e apoiou com carinho e dedicação a enfrentar o desafio de concluir esse
curso diante de tantas adversidades.
• Ao meu amado, Angelo Cavalcanti, que esteve comigo minuto a minuto acompanhando todo
o decorrer desse trabalho
• Aos meus queridos mestres e amigos Alexandra Mustafá e Lúcio Mustafá que desde sempre
me estimularam,confiaram e apoiaram a minha produção cintífica;
• À minha eterna amada Áurea Deiga ( in memória) que tanto sonhou meus sonhos e que
infelizmente não pode estar aqui para presenteá-la com essa conquista
• Ao meu querido e eterno amigo Leandro Santana(in memória) que compartilhou comigo
muitas das críticas que evidencio nesse trabalho.
• A minha querida madrinha Lourdes que infelizmente não pode acompanhar mais uma
conquista na minha vida.
• Aos meus tios, Biu e Iraci, que me acolheram e acolhem com muito carinho e amor na
minha caminhada acadêmica
• Ao meu lindo sobrinho Júlio César que trouxe tanta luz e alegria nos momentos difíceis e a
minha irmã Silvana.
Ao meu avô Zé Nunes que tanto amo.
À toda minha família.
A todos os profissionais e residentes da Casa de Acolhida Temporária Andaluz.
Ao corpo docente do Curso de Mestrado de Serviço Social da UFPE.
Aos meus amigos e amigas Marcelo Pelizzoli, Tássia Cavalcanti, Robson Brasileiro, Gisely
Bezerra, Míriam Barros, Adriana Pereira, Sílvia Mota.
Em especial aos professores Denis Bernadis, Marco Mondaini e à professora Anita Aline.
Às professoras que participaram da minha banca de qualificação do mestrado, Elizabete
Mota e Juliana Perozzo.
Às famílias que acompanhei no período de 2006 a 2008 da Cozinha Comunitária, do
programa do Leite e do Programa Sopa- IASC
A todos que fazem parte da Gerência Operacional de Nutrição e Controle Alimentar-
GONCA-IASC, que tanto contribuiram para o desenvolvimento desse trabalho
Aos meus amigos do NEMA, da CEJA- TJ/PE
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RESUMO
Este estudo reflete a consciência da necessidade de um debruçar-se sócio-científico aprofundado sobre diversos aspectos que mediam a fragilidade da implementação das políticas estatais de assistência social frente às demandas de segurança alimentar. O Capital criou um sistema onde seria necessário a expropriação do homem dos instrumentos do seu trabalho, a apropriação privada dos meios de produção, a necessidade de venda da força-de-trabalho como “única” alternativa de reprodução da vida. No entanto, gradativamente vem limitando a chance de sobrevivência dos que precisam vender sua força-de-trabalho, com a impossibilidade de absorção dessa população sobrante. Cada vez mais, aumenta-se não apenas a pobreza relativa e absoluta, aumenta-se também o fenômeno da fome. A violência da fome apresenta-se ora “silenciosa”, ora “escancarada” no dia-a-dia da população pobre e miserável, seja das periferias das grandes cidades, seja das áreas rurais. Apesar de estar presente em quase todas as regiões, a fome está localizada geograficamente. Em escala mundial, evidencia-se no hemisfério sul do nosso planeta, e no nosso país podemos observar que as zonas mais vulneráveis localizam-se nas regiões Norte e Nordeste. Atualmente, no Brasil, apesar da existência de uma Política Nacional de Assistência Social- PNAS, do Sistema Único da Assistência Social-SUAS e mesmo diante de uma maior abrangência de programas de transferência de renda como o Bolsa-Família, e de políticas e programas direcionados para o seu enfrentamento como o Programa Fome Zero, a problemática da fome é persistente. Tivemos como objetivo analisar as causas da fragilidade da implementação das políticas estatais de assistência social frente às demandas de segurança alimentar colocadas especificamente aos programas de segurança alimentar da Cidade do Recife. O nosso método de estudo apoiou-se no materialismo histórico, que tem como eixo estruturante a concepção materialista da história e a dialética. Na elaboração do nosso trabalho recorremos à consulta bibliográfica, aos documentos institucionais disponíveis,dentre outras fontes de dados complementares. Observamos que há muito a ser investigado diante do descaso frente à necessidade de implementação de uma política social de segurança alimentar. Uma vez que, mediações referentes à atual política agrária nacional e internacional não podem passar desapercebidas, visto que, essas precisam ser discutidas e redirecionadas no intuito de serem encontradas as reais soluções para a problemática em tela. Assim não podemos deixar de considerar que a redistribuição de terras e rendas, associada a uma política de mudança estrutural para o campo brasileiro, seria um caminho interessante a ser trilhado.
Palavras Chave: Capitalismo; Segurança Alimentar; Políticas Sociais
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RIASSUNTO
Questo Studio riflette la coscienza della necessità di un affacciarsi socio-scientifico approfondito sui diversi aspetti che fanno da tramite alla debolezza dell’avviamento delle politiche statali di assistenza sociale nel confronto delle demande di sicurezza alimentare. Il Capitale ha creato un sistema dove sarebbe necessario la espropriazione dell’uomo dalle attrezzatture del suo lavoro, l’appropriazione privata dei mezzi di produzione, la necessità di vendita della forza-lavoro come “unica” alternativa di riproduzione della vita. Tuttavia, poco a poco si fa meno estesa la possibilità di sopravivenza di chi ha bisogno di vendere la propria forza-lavoro, con l’impossibilità di assorzione di questa popolazione rimanente. Ogni volta di più, si ingrandisce non soltanto la povertá relativa e assoluta, si ingrandisce anche il fenomeno della fame. La violenza della fame si presenta, “silenziosa”, alle volte, “spalancata” nel vivere cotidiano della popolazione povera e meserabile, sia quella delle periferie delle grandi cittá, sia in area di campagna. Nonostante presente in quase tutte le regioni, la fame si localizza geograficamente. A livello mondiale, si rilieva nel emisfero sud del nostro pianeta, e nel nostro paese possiamo osservare che le zone più vulnerabili si localizzano nelle regioni Nord e Nordest. Nell’attualitá, in Brasile, nonostante l’esitenza di una Politica Nazionale di Assistenza Sociale – PNAS, del Sistema Unico di Assistenza Sociale – SUAS e anche davante una maggior portata di programmi di trasferimento di redito con il programma Borsa Familia e di politiche e programmi diretti al suo affrontamento con il Programma Fome Zero, la problematica della fame persiste. Abbiamo avuto come oggettivo analisare le cause della fragilità dell’avviamento delle politiche statali di assistenza sociale davante le demande di sicurezza alimentare messe specificamente ai programmi di sicurezza alimentare della Città del Recife. Il nostro metodo di studio si è appoggiato nel materialismo storico, che ha come asse strutturante la concezione materialistica della storia e la dialetica. Nell’elaborazione del nostro lavoro abbiamo fatto ricorso alla consultazione bibiliografica, ai documenti istituzionali disponibili, tra le altre fonti di dati complementari. Abbiamo osservato che c’è molto da investigare davante l’indifferenza nei confronti della necessità di avviamento di una politica sociale di sicurezza alimentare. Una volta che, esse bisognano di venire discusse e ridirezionate affinchè siano trovate le reali soluzioni per la problematica in tela. Così non possiamo non considerare che la ridistribuzione di terre e redito, associate a una politica di cambiamento strutturale per la campagna brasiliana, sarebbe una strada interessante da venir percorsa. Parole Chiave: Capitalismo; Sicurezza Alimentare; Politiche Sociali.
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ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Prevalência de situação de segurança alimentar em domicílios particulares e número de domicílios, por situação de segurança alimentar e recebimento de dinheiro de programa social do governo no mês de referência,segundo as Grandes Regiões – 2004.................... .........................77 Tabela 2 - Pessoas beneficiadas no Sistema de Segurança Alimentar no Município de Recife.........................................................................................93
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ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1 - Dieta no Paleolítico......................................................................17 Figura 2 - Caça na pré-história......................................................................18 Figura 3 - Revolução neolítica........................................................................18 Figura 4 - Celeiros...........................................................................................19 Figura 5 - Monocultura açucareira ...............................................................30 Figura 6 - Máquina agrícola 1.......................................................................33 Figura 7 - Máquina agrícola 2.......................................................................33 Figura 8 - Fome no sertão do Piauí, Nordeste, Brasil..................................34 Figura 9 - Meninos de rua no Brasil..............................................................34 Figura 10 - Fome/ Desnutrição/África ...........................................................35
10
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Evolução da obesidade no Brasil nas últimas três décadas em mulheres com mais de 20 anos.........................................................................36 Gráfico 2 - Obesidade x Desnutrição (população de baixa renda de São Paulo)................................................................................................................37 Gráfico 3 - Total de usuários por idade inseridos no Projeto Comunitária Gurupé- IASC, em 2008.................................................................................106 Gráfico 4 - Distribuição do público atendido no Projeto Comunitária Gurupé- IASC segundo a faixa etária, em 2008...........................................................106 Gráfico 5 - Distribuição do público atendido no Projeto Comunitária Gurupé- IASC,segundo possibilidade de uso dos serviços de saúde onde está localizado o projeto, em 2008.........................................................................................107 Gráfico 6 - Distribuição do público, em idade ativa, atendido no Projeto Comunitária Gurupé- IASC ,segundo ocupação ocupacional, em 2008........107 Gráfico 7 - Distribuição das residências do público atendido no Projeto Comunitária Gurupé- IASC ,segundo saneamento básico, em 2008.............107 Gráfico 8 - Distribuição das residências do público atendido no Projeto Comunitária Gurupé- IASC,segundo estrutura física da habitação, em 2008................................................................................................................108 Gráfico 9 - Distribuição das residências do público atendido no Projeto Comunitária Gurupé- IASC,segundo situação legal de moradia, em 2008................................................................................................................108.
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SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS.........................................................................................................................5 RESUMO.............................................................................................................................................6 RIASSUNTO........................................................................................................................................7 ÍNDICE DE TABELAS........................................................................................................................8 ÍNDICE DE FIGURAS........................................................................................................................9 ÍNDICE DE GRÁFICOS...................................................................................................................10 INTRODUÇÃO..................................................................................................................................14
CAPÍTULO I - A PARTICULARIDADE DA INSEGURANÇA ALIMENTAR NO MODO DE
PRODUÇÃO CAPITALISTA ........................................................................................................16
1.1- UM BREVE ACENO À CONFIGURAÇÃO DA LÓGICA DO CAPITAL.....................16
1.2- A INSEGURANÇA ALIMENTAR E SUAS DETERMINAÇÕES NO MODO DE
PRODUÇÃO CAPITALISTA............................................................................................................27
CAPÍTULO II - MARCO LEGAL, ESTATÍSTICO E POLÍTICO QUE PERPASSA A
QUESTÃO DA INSEGURANÇA ALIMENTAR E DA FOME NO BRASIL............................38
2.1 - O HISTÓRICO DAS INTERVENÇÕES POLÍTICAS REFERENTES ÀS DEMANDAS
DE SEGURANÇA ALIMENTAR NO BRASIL................................................... ............................38
2.2 - A POLÍTICA NEOLIBERAL E A INSEGURANÇA ALIMENTAR NO
BRASIL..............................................................................................................................................49
2.3 - ATUAL POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR: PROGRAMA
FOME ZERO.....................................................................................................................................57
2.4- DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO E OS INSTRUMENTOS JURÍDICOS
INTERNACIONAIS..........................................................................................................................60
2.4.1 - A Carta das Nações Unidas(1945) ........................................................61
2.4.2 - A Declaração Universal de Direitos Humanos (1948)........... .............62
2.4.3 -O Pacto Internacional de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e
Culturais (1966)..................................................................................................63
2.4.4- Declaração de Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial e Plano
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de Ação da Cimeira Mundial da Alimentação (1996) .....................................64
2.5 - INSTRUMENTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS NACIONAIS REFERENTES AO
DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO .............................................................................66
2.5.1- A Carta Magna Brasileira (1988) .........................................................66
2.5.2- A Lei Orgânica da Assistência Social- LOAS (1993) ...........................67
2.5.3- A Política Nacional de Assistência Social- PNAS(2004).......................70
2.5.4- A Lei Orgânica da Segurança Alimentar- LOSAN(2006) ..................71
CAPÍTULO 3 - QUADRO ATUAL DA INSEGURANÇA ALIMENTAR BRASILEIRA E AS
INTERVENÇÕES PÚBLICAS REFERENTES A ESSA DEMANDA NA CIDADE DO
RECIFE ............................................................................................................................................74
3.1-QUADRO ATUAL DA INSEGURANÇA ALIMENTAR BRASILEIRA E ALGUNS
MARCOS REFERENTES À CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA DE SEGURANÇA
ALIMENTAR EM PERNAMBUCO ......................................................................................74
3.2-PROGRAMAS DE “SEGURANÇA ALIMENTAR” DO ESTADO DE
PERNAMBUCO COM INTERVENÇÃO NA CIDADE DO RECIFE. ...............................80
3.2.1 - Programa Leite de Todos .......... ........................................................80
3.2.2- Programa Sopa Amiga CEASA ...........................................................87
3.3-NOTÍCIAS SOBRE AS INTERVENÇÕES PÚBLICAS REFERENTES À SEGURANÇA
ALIMENTAR NA CIDADE DO RECIFE NO PERÍODO DE 2002 A 2007..........................89
3.4 - COMSEA/ RECIFE ........................................................................................................92
3.5-PROGRAMAS E AÇÕES DE SEGURANÇA ALIMENTAR DESENVOLVIDAS
PELA PREFEITURA DA CIDADE DO RECIFE –PCR .....................................................93
3.5.1 - Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento ...................................94
3.5.2 - Secretaria de Educação .....................................................................................94
3.5.3 - Instituto de Assistência Social e Cidadania da Cidade de Recife – IASC ...94
3.5.4 -Secretaria de Assistência Social .........................................................................95
3.5.5 - Secretaria de Saúde ..........................................................................................95
3.6 - INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E CIDADANIA DA CIDADE DO RECIFE
(IASC ) E AS INTERVENÇÕES RELATIVAS À SEGURANÇA ALIMENTAR ...............96
3.6.1- Breve histórico, missão, e realidade institucional ..........................................96
3.7-GERÊNCIA DE NUTRIÇÃO E CONTROLE ALIMENTAR E AÇÕES
DESENVOLVIDAS NO ÂMBITO DA SEGURANÇA ALIMENTAR- IASC ...................99
13
3.7.1- “Programa” do Leite do IASC ................................................................99
3.7.2- O Projeto Cozinha Comunitária Gurupé- IASC .................................102
3.7.2.1 - O perfil sócio-econômico dos usuários do Projeto Cozinha
Comunitária Gurupé (IASC) referente ao ano de 2008 .............................106
3.7.3 - O Programa Sopa Comunitária- IASC ................................................110 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................................116 REFERÊNCIAS...............................................................................................................................121 ANEXOS..........................................................................................................................................136
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INTRODUÇÃO
A elaboração dessa dissertação de mestrado, faz parte das exigências para a obtenção do
Título de Mestre em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE. Para tanto foi
de extrema relevância o acúmulo teórico construído durante o Curso de Mestrado em tela, uma vez
que, proporcionou à pesquisadora uma aproximação crítica frente ao objeto de estudo investigado,
no qual foram de suma importância: num primeiro momento, desse Curso, a aproximação e
aprofundamento das contradições da sociedade capitalista atual, através da apreensão do método
materialista- histórico- dialético de Karl Marx, dentre tantas outras reflexões; num segundo
momento, destaca-se o movimento de construção teórico-crítico junto à orientadora, Profª. Dra.
Alexandra Mustafá, que possibilitou um aprofundamento da sistematização de todo o processo
investigativo.
A construção desse trabalho obedeceu à dinâmica da metodologia dialética de aproximações
sucessivas da realidade, a partir do resgate sob um olhar crítico da vivência do real concreto na
experiência profissional da assistente social e mestranda Iara Raquel do Carmo Nunes Guerra nas
intervenções relativas às demandas de segurança alimentar colocadas frente aos seguintes
“programas” do Instituto de Assistência Social e Cidadania da Cidade do Recife- IASC: Projeto
Cozinha Comunitária Gurupé, Programa Sopa Comunitária e Programa do Leite
Tal experiência de trabalho associada às reflexões do Curso de Mestrado suscitaram
indagações e questionamentos sobre a fragilidade da implementação das políticas estatais de
assistência social frente às demandas de segurança alimentar na Cidade do Recife/PE.
Na tentativa de responder tais indagações foi realizada uma pesquisa que contemplou tanto
aspectos qualitativos como quantitativos, no âmbito de uma investigação de caráter bibliográfico,
documental, e de pesquisa de campo através da observação participante, de entrevistas coletivas
com Gerência e Equipe Técnica (Nutrição e Serviço Social) responsáveis pela execução dos
“programas” de segurança alimentar do IASC, e questionário específico para ser respondido pelas
assistentes socais desses “programas”.
Destaca-se a contribuição no processo de construção deste trabalho das observações e
sugestões da Banca no momento de qualificação do Projeto de Pesquisa.
Vale ressaltar que os “programas” aqui analisados têm como foco central as ações
desenvolvidas no âmbito da Prefeitura da Cidade do Recife-PCR, através do IASC, que, por sua
vez, está vinculado à Secretaria de Assistência Social-SAS. No entanto, para uma compreensão da
complexidade das ações que envolvem as intervenções no contexto das medidas para atendimento
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das demandas de Segurança Alimentar, foram também contempladas algumas ações e “programas”
executados por outras secretarias da PCR tais como a Secretaria de Ciência, Tecnologia e
Desenvolvimento e pelo Governo do Estado de Pernambuco vinculados à Secretaria de Agricultura
e Reforma Agrária- SARA.
O objetivo geral da presente dissertação foi analisar a fragilidade da implementação das
políticas estatais de Assistência Social frente às demandas de segurança alimentar na Cidade do
Recife/PE. Tendo como referência o exposto, não deixamos de observar e analisar as fragilidades
das inter-relações existentes elaboradas por outras políticas estatais como formas de enfrentamento
a essas demandas.
Para fins didáticos, essa dissertação foi organizada em três capítulos que englobam uma
compreensão da totalidade da problemática nas suas dimensões teórico e prática.
No primeiro capítulo, está apresentada historicamente como a problemática da fome foi
tratada pelos diferentes modos de produção e reprodução da sociedade, e a sua peculiaridade no
modo de produção capitalista. Para tanto, põem-se para a discussão e reflexão várias categorias que
explicam as particularidades, relações, mediações e determinações desse modo de produção frente à
fome, que agora já se constitui como uma das principais sequelas da questão social, uma vez que, se
insere como uma necessidade básica que, ao não ser respondida, ameaça a sobrevivência de um
grande contingente da população mundial.
No segundo capítulo, apresenta-se a história das intervenções estatais brasileiras frente às
demandas de segurança alimentar, mapeando e analisando além disso, o marco legal, estatístico e
político que perpassa a questão da insegurança alimentar e da fome no Brasil, com ênfase na atual
política de Segurança Alimentar Brasileira: o Programa Fome Zero.
No terceiro capítulo, apresenta-se o quadro atual da insegurança alimentar no Brasil, tendo
como referência os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios-PNAD(2004) do
IBGE, sobre Segurança Alimentar. Nesse capítulo, principalmente, fazemos referência como estão
sendo concretizadas as respostas às demandas de segurança alimentar na Cidade do Recife. Para
tanto, além de situar, refletir e questionar as fragilidades da proposta da política de Assistência
Social frente às demandas de segurança alimentar, com ênfase nas ações e programas executados
pelo IASC, acrescenta-se à nossa elaboração a análise de outros programas de segurança alimentar
estatais que estão inseridos no “Sistema de Segurança Alimentar da Cidade do Recife”, no intuito
de compreender melhor como estão sendo articuladas e/ou desarticuladas as ações e programas de
segurança alimentar nessa cidade.
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CAPÍTULO 1- A PARTICULARIDADE DA INSEGURANÇA ALIMENTAR
NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA
1.1 UM BREVE ACENO À CONFIGURAÇÃO DA LÓGICA DO CAPITAL
Para uma compreensão do atendimento/não atendimento da necessidade humana básica que
é a fome, precisamos recorrer a discussão da centralidade do trabalho em Marx como atividade
fundamental que caracteriza a vida em sociedade.
De acordo com a interpretação de Netto e Braz (2006), a satisfação material das
necessidades dos homens e mulheres que constituem a sociedade obtêm-se numa interação com a
natureza: a sociedade através de seus membros, transforma matérias-primas em produtos que
atendem às suas necessidades, por meio da atividade que denominamos trabalho. Diferentemente,
das atividades que atendem a sobrevivência entre outras espécies animais que se realizam no marco
de uma herança genética, numa relação imediata entre o animal e seu meio ambiente,
biologicamente estabelecidas, é através do trabalho que o homem transforma a natureza para suprir
as suas necessidades, num processo em que ao modificá-la ele modifica a si mesmo.
Segundo Marx
[...] O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza.[...] Pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão e a abelha envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colméias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera[...] o processo de trabalho[...] é atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas.(MARX,1983:149-153)
Saciar a fome faz parte da necessidade básica de todas as espécies animais, no entanto, na
espécie humana não podemos apenas identificá-la como uma necessidade biológica, uma vez que, a
resposta a essa necessidade é formulada por várias mediações que se articulam de diferentes formas
em diferentes sociedades e modos de produção.
O modo pelo qual os homens organizam o processo de trabalho na sociedade em que vivem
pode colocar em contradição a maneira que utilizam para saciar suas necessidades biológicas e
sociais. A partir de relações de produção e sociais específicas, valores de uso, ou seja, os que
saciariam as necessidades básicas de todos os membros da sociedade podem ser desconsiderados
17
em detrimento da lucratividade que valores de troca poderiam oferecer a uma pequena parcela da
população que detém o poder político, econômico e social.
Na pré-história humana, no período paleolítico, os seres humanos buscavam responder às
suas necessidades básicas, principalmente, através do extrativismo e por meio de atividades como a
caça e a pesca. Apesar da quase inexistência de instrumentos de trabalho, do não desenvolvimento
de técnicas de cultivo do solo e da agricultura, havia uma divisão do trabalho por sexo, e diante da
dificuldade de coleta e escassez de alimentos tentava-se dividir de forma igualitária os diminutos
recursos, uma vez que, não havia classes sociais.
FIGURA 1
DIETA NO PALEOLÍTICO *Disponível em:http://sepiensa.org.mx/contenidos
/historia_mundo/prehist/paleolitico/vida/img/vida_1.jpg
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FIGURA 2
CAÇA NA PRÉ-HISTÓRIA *Disponível em: https://isqcdg.bay.livefilestore.com
Com a Revolução Neolítica e desenvolvimento da agricultura foi possível a fixação do
homem num determinado território. Era preciso armazenar o excedente agrícola para posteriores
momentos de crise alimentar. Nesse sentido, a organização e defesa dos celeiros, que era uma das
estratégias utilizadas para garantia do estoque de alimentos e de uma possível “garantia alimentar”,
fez parte do processo que deu origem à propriedade privada, uma vez que, o excedente agrícola já
não era dividido igualmente pela coletividade, esse excedente passou a ser apropriado por uma
única clã ou família.
FIGURA 3
REVOLUÇÃO NEOLÍTICA *Disponível em: http://historia7.files.wordpress.com/2008/10/neolitico.jpg
19
O homem, ao criar o excedente agrícola, por um lado, avança na perspectiva de consolidar
meios que propiciem uma maior facilidade diante das contingências alimentares dos proprietários
desses estoques de alimento, em detrimento das comunidades, clãs ou famílias que não o possuía.
Por outro lado, de um ponto de vista político e ético, o homem regride pois, ao se apropriar de algo
produzido coletivamente, não o distribui de forma igualitária como acontecia antes na época do
extrativismo.
FIGURA 4
CELEIROS
*Disponível em:http://www.cao.pt/image/js_29_2.jpg
Diante do exposto podemos observar que as estratégias utilizadas pelos homens para a
garantia da segurança alimentar antes da origem da propriedade privada, eram nitidamente
marcadas por ações coletivistas, no entanto, com o surgimento da propriedade privada, observa-se
que a tentativa de garantia da segurança alimentar era limitada a uma minoria de homens e mulheres
detentora dos meios de produção existentes e dos resultados do trabalho alheio.
Tendo como marco a história humana, a partir do surgimento da propriedade privada,
podemos identificar que a questão da fome é tão antiga quanto a existência humana, assim como as
desigualdades sociais são tão antigas quanto a existência de uma sociedade pautada na propriedade
privada1 e divisão em classes sociais distintas.2 No entanto, com o sistema capitalista, tanto a
questão da fome, quanto a questão das desigualdades sociais configuraram-se sob novas
1 Para aprofundamento desta questão cfr.(ROUSSEAU, A origem da desigualdade entre os homens,2007) e (ENGELS, A origem da família, da propriedade privada e do Estado,2007) 2 Uma análise sobre a divisão da sociedade em classes distintas e antagônicas pode ser encontrada no Manifesto do Partido Comunista, segundo MARX e ENGELS(2007): “Nas primeiras épocas da história encontramos por toda parte uma organização completa da sociedade em classes distintas, uma hierarquia variada de condições sociais. Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres de corporação, companheiros, servos e, ainda, em cada uma dessas classes, uma hierarquia particular.”( MARX, K; ENGELS, F, Manifesto do Partido Comunista, 2007, p.47)
20
perspectivas e condições.3
O Modo de Produção Escravista, característico da Antiguidade, e o Modo de Produção
Feudal, característico da Idade Média, apesar de terem determinações históricas singulares
apresentaram semelhanças quanto ao problema da fome.
Nesses períodos anteriores à acumulação de capitais, a produção agrícola era
prioritariamente voltada para a subsistência humana. Sendo assim, a origem da fome estava
diretamente vinculada à escassez de alimentos4 e à falta de técnicas e instrumentos que
possibilitassem ao homem aumentar e qualificar a produção agrícola. Era comum haver uma
epidemia generalizada de falta de alimentos e, todos, em última instância, até as classes sociais mais
abastadas vivenciavam as consequências. Mesmo assim, é notório que os mais pobres as
vivenciavam com toda a sua intensidade.
Com o advento do Modo de Produção Capitalista, as relações sociais tomam um caráter
mais abstrato, impessoal e desumanizado. A produção capitalista5 não é voltada para a subsistência:
esse sistema produz para vender, para o mercado. A relação entre capitalista e trabalhador
apresenta-se como uma troca mercantil, onde o primeiro compra e o segundo vende a sua força de
trabalho.6
No entanto, não podemos pensar que a produção capitalista se reduz meramente à compra e
venda de mercadorias, nem muito menos pensar que essa relação é estabelecida de forma linear,
pelo contrário o que move este modo de produção e reprodução da vida material são as mais
variadas contradições que lhes são inerentes.
Segundo Marx,
A produção capitalista não é apenas produção de mercadorias, ela é essencialmente a produção de mais-valia. O trabalhador não produz para si, mas para o capital. Por isso, não é suficiente que ele apenas produza. Ele tem de produzir mais-valia. Só é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista servindo para assim à auto-expansão do
3 “A sociedade burguesa moderna, surgida das ruínas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Nada mais fez que substituir as antigas por novas classes, por novas condições de opressão por novas formas de luta”. (MARX, K; ENGELS, F, Manifesto do Partido Comunista, 2007.p. 48) 4
“Por volta dos fins do século XIII a produtividade agrícola já dava claros sinais de declínio, prenunciando uma possível falta de alimentos, devido ao esgotamento dos solos, enquanto a população continuava apresentando tendências de crescimento. A exploração predatória e extensiva dos domínios, que caracterizara a agricultura feudal, fazia com que o aumento da produção se desse, em sua maior parte, com a anexação de novas áreas (que não estava mais ocorrendo) e não com a melhoria das técnicas de cultivo. No inicio do século XIV, a Europa foi assolada por intensas chuvas (1315 a 1317) que arrasaram os campos e as colheitas. Como consequência, a fome voltou a perturbar os camponeses, favorecendo o alastramento de epidemias e trazendo a mortalidade da população. "Nos campos ingleses, ele passou de 40 mortos por cada mil habitantes, para 100 por mil. Na cidade belga de Ypres, uma das mais importantes da Europa, pelo menos 10% da população morreu no curto espaço de seis meses em 1316".” Crise do Século XIV. [ consult. 2009-06-06] Disponível na www: < URL: http://www.brasilescola.com/historiag/crise-seculo-xiv.htm> 5
“O capitalismo é a produção de mercadorias no grau superior do seu desenvolvimento, quando até a força de trabalho se transforma em mercadoria. O desenvolvimento da troca, tanto no interior como, em especial, no campo internacional, é um traço distintivo e característico do capitalismo”(LÊNIN,V.I.O imperialismo, etapa superior do capitalismo, s/d).Obra acessada no site http://www.primeiralinha.org/textosmarxistas/imperialismogz1.htm, em janeiro de 2009. 6 “Na mesma medida em que a burguesia cresce, isto é, o capital, também se desenvolve o proletariado, a classe dos operários modernos , os quais só vivem enquanto encontrar trabalho e só encontram trabalho enquanto o seu trabalho aumenta o capital. Esses operários, obrigados a se vender dia por dia, são uma mercadoria , um artigo de comércio como qualquer outro; e por conseguinte, estão expostos a toda flutuação do mercado”.(MARX, K; ENGELS, F, Manifesto do Partido Comunista, 2007. p.54)
21capital.(MARX, 2008:578)
Essa relação entre capitalista e trabalhador é marcada pela alienação da classe trabalhadora
em relação ao fruto do seu trabalho, sendo descrita por Marx como uma relação injusta, uma vez
que,
A relação de troca entre capitalista e trabalhador não passa de uma simples aparência que faz parte do processo de acumulação, mera forma, alheia ao verdadeiro conteúdo, e que apenas o mistifica. A forma é a contínua compra e venda da força de trabalho. O conteúdo é o capitalista trocar sempre por quantidade maior de trabalho vivo uma parte do trabalho alheio já materializado, do qual se apropria ininterruptamente, sem dar contrapartida de um equivalente[...]do lado capitalista a propriedade revela-se o direito de apropriar-se do trabalho alheio não-pago ou do seu produto e, do lado do trabalhador, a impossibilidade de apropriar-se do produto do seu trabalho.(MARX, 2008:683)
Nesse sentido, Marx critica o trabalho assalariado, uma vez que, essa relação de
assalariamento sustenta uma noção de liberdade pautada na ilusão e mistificação do real. Observe:
Na escravatura, a parte da jornada de trabalho em que o escravo apenas compensa o valor de seus próprios meios de subsistência, trabalhando na realidade para si mesmo, aparece como trabalho destinado a seu dono. Todo o seu trabalho tem a aparência de trabalho não-pago. No trabalho assalariado, ao contrário, o mesmo trabalho excedente ou não-remunerado parece pago. No primeiro caso, a relação de propriedade oculta o trabalho do escravo para si mesmo; no segundo, a relação monetária dissimula o trabalho gratuito do assalariado[...]Nessa forma aparente, que se torna invisível a verdadeira relação e ostenta o oposto dela, repousam todas as noções jurídicas do assalariado e do capitalista, todas as mistificações do modo capitalista de produção, todas as ilusões de liberdade[...]. ( MARX, 2008:620)
Essas relações se consolidaram desde a acumulação primitiva de capital, através da violência
e barbárie, caracterizadas pela expropriação em massa do homem do campo, genocídio dos índios,
guerras cristãs, e se estabelecem até os dias atuais através das determinações históricas que
acompanham o imperialismo monopolista, a financeirização dos capitais, a corrida armamentista,
o comércio de armas, o tráfico de entorpecentes, o agronegócio, a subordinação dos países pobres
aos países ricos, dentre tantas outras.
Vivemos hoje uma realidade, metaforicamente bem representada por Jean Ziegler e Yves
Frémion (PERRAULT(org) 2005:499/515), onde “banqueiros suíços matam sem metralhadoras” e
“um anúncio vale mil bombas”.
Segundo Lênin, na sua obra O imperialismo, etapa superior do capitalismo, para que seja
assegurado o império monopolista, a rede de exportação de capitais dos países mais ricos, impõe
dependência e subordinação dos países devedores aos “rentiers”7. Essa subordinação consolida-se
7 Teodora Cardoso define bem o conceito de “rentiers” no seu texto publicado em abril de 2003, na página da web(www.econ.puc-rio.br/gfranco/A_economia_das_rendas.pdf) ,intitulado A economia das “rendas”. Segundo Teodora, “O traço que caracteriza um país “rentier”, ou seja, aquele que vive de recursos externos ou da exploração de um recurso natural poderoso (e subtraído às forças do mercado)como o petróleo. Não me parece que exista um termo em português que designe aquele que vive de rendas, definidas estas não como a remuneração normal da propriedade,
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não apenas no nível político, mas sobretudo, econômico, num contexto em que, se observa a corrida
e necessidade de uma nova partilha do mundo, ou melhor, a corrida por um novo tipo de
colonização por dívidas.
Eis um quadro ilustrativo desta realidade cruel, segundo Philippe Paraire8 :
Depois de ter representado a comédia da ajuda financeira e técnica, a estratégia(dos grandes organismos internacionais) orientava-se em seguida para o endividamento, entre 1968 e 1982, ano da “grande crise da dívida” que se seguiu à moratória do México, primeiro devedor naquela época. Entre 1968 e 1971 McNamara (chefe do Banco Mundial) multiplicou por seis os empréstimos e empreendimentos. A moda era uma abordagem “quantitativa” da ajuda ao desenvolvimento dos países pobres. Em 1971, o fim da convertibilidade do dólar decretada pelo presidente Nixon transformou o FMI em reciclador de dinheiro flutuante. A esmola, uma vez emprestada ao mundo pobre, reencontrava o valor como por milagre: transformava-se numa dívida a pagar[...] (PERRAULT(Org), 2005 :467)
A política colonial típica do Imperialismo Monopolista, diferentemente da política colonial
dos séc XV e XVI característica da colonização das Américas, tem como objetivo, segundo Lênin, a
transferência de territórios já “colonizados” para outro território, e não a transferência de um
território “sem proprietário” para um “dono”.
Na política colonial do capital financeiro, a posse das colônias é a única coisa que garante de
maneira completa o êxito do monopólio contra todas as contingências da luta contra o adversário,
mesmo quando este procura defender-se mediante uma lei que implante o monopólio do Estado.
Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se toma a insuficiência de
matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a procura de fontes de matérias-primas em
todo o mundo, tanto mais encarniçada é a luta pela aquisição de “colônias”.9
Uma das características centrais dessa fase imperialista estudada por Lênin é, segundo ele,
precisamente, a tendência para a anexação não só das regiões agrárias, mas também, das mais
industriais, pois, em primeiro lugar , estando já concluída a divisão do globo, isso obriga, para fazer
uma nova partilha, a estender a mão sobre todo o tipo de territórios; em segundo lugar, faz parte da
própria essência do imperialismo a rivalidade de várias grandes potências nas suas aspirações à
hegemonia, isto é, apoderarem-se de territórios não tanto diretamente para si, como para
enfraquecer o adversário e destruir a sua hegemonia.
mas como um rendimento sistematicamente superior ao que, em condições normais de mercado,recompensaria o trabalho ou o capital investido. Não se trata aqui de especulação – um termo muito vilipendiado entre nós – porque a obtenção de uma renda não envolve risco, mas sim a capacidade de exercer influência sobre a legislação, a regulação da economia, ou os órgãos do poder, por forma a obter esses rendimentos.” 8 Philippe Paraire I é o autor de L'environnement expliqué aux enfants, Hachette-Jeunesse, 1990, col. “Réponses aux petits curieux”. O fragmento de texto dele, citado neste trabalho, pode ser encontrado no artigo “Os mortos-vivos da globalização”.In: PERRAULT, G.(Org). O livro Negro do Capitalismo. 4ªed. Rio de Janeiro: Record, 2005. p.467. 9
Para aprofundamento cfr. (LÊNIN, V.I. O Imperialismo, etapa superior do capitalismo, s/d).
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De acordo com Lênin, as “novas colônias” que estão sob o domínio do capital financeiro
não se reduzem apenas a fornecer matérias-primas, associado a isso se transformam em locus de
uma produção industrial regulada, ou seja, onde o desenvolvimento tardio do capitalismo industrial
surge como um dos objetivos e estratégias das grandes potências em expandir e fortalecer todo o
seu império em nível mundial.
Esse caráter perverso do capitalismo financeiro é muito bem trabalhado, no artigo de Jean Ziegler:10
Que relação há entre o dinheiro sujo do crime organizado internacional e o capital ilícito que escapa do Terceiro Mundo? Ambos são lavados e reciclados pelos mesmos emires. São muitas vezes as mesmas organizações que reúnem estes capitais, os fazem atravessar os continentes e entrar na Suíça. Os mesmos analistas financeiros, geradores de fortunas, conselheiros da bolsa e agentes de câmbio reinvestem os capitais em fuga do Terceiro Mundo e o dinheiro da droga[...] .Os adolescentes drogados das ruas de Nova York, Milão e Londres agonizam por causa das obras dos senhores do crime que reciclam e lavam seus dinheiros na Suíça. Nas Filipinas, no Brasil e no Congo, crianças morrem aos milhares de subnutrição[...].Grandes fortunas locais, em vez de contribuírem para criar hospitais, escolas, empregos refugiam-se na Suíça; são recicladas e reinvestidas na especulação imobiliária em Paris, Roma, Tóquio ou alimentam as bolsas de Nova York, Londres e Zurique. (PERRAULT(Org), 2005:501).
Para que possamos compreender melhor essa dinâmica da produção e reprodução
social/econômica/cultural/filosófica/política desse sistema que é hegemonicamente destrutivo,
opressor e egocêntrico, onde a questão da fome se concretiza sob outra conjuntura e estrutura que
consideramos cruel, é relevante a compreensão de algumas categorias que descrevem e explicam
melhor como esse sistema é organizado.
Marx (2008) reforça na citação a seguir uma análise bastante interessante que permite situar
de forma mais ampla a questão da fome não apenas como resposta ou consequência da produção da
vida material, mas como essa produção interfere diretamente na reprodução de uma lógica de
relações específicas e políticas e vice-versa.
Qualquer que seja a forma social do processo de produção, tem este de ser contínuo ou percorrer, periódica e ininterruptamente, as mesmas fases. Uma sociedade não pode parar de consumir nem de produzir. Por isso todo processo social de produção, encarado em suas conexões constantes e no fluxo contínuo de sua renovação, é, ao mesmo tempo, processo de reprodução(...)As condições da produção são simultaneamente as da reprodução. Nenhuma sociedade pode produzir continuamente, isto é, reproduzir sem reconverter, de maneira constante, parte de seus produtos em meios de produção ou elementos da produção nova(...) Se a produção tem a forma capitalista, também a terá a reprodução. No modo capitalista de produção, o processo de trabalho é apenas um meio de criar valor; analogicamente, a reprodução é apenas um meio de reproduzir o valor antecipado como capital, isto é, como valor que se expande.(MARX, 2008:661)
10 Jeans Ziegler é deputado de Genebra e professor de sociologia na Universidade de Genebra, autor de A Suíça, o ouro e os mortos, entre outras obras. O fragmento de texto de Ziegler, citado neste trabalho, pode ser encontrado no artigo “Os banqueiros suíços matam sem metralhadoras”. In: PERRAULT, G.(Org). O livro Negro do Capitalismo. 4ªed. Rio de Janeiro: Record, 2005. p.501.
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Segundo, Netto e Braz (2006), a forma típica da reprodução no Modo de Produção
Capitalista é a reprodução ampliada, no entanto, para que possamos compreender esse processo vale
compará-lo com o que seria a “reprodução simples”.
a “reprodução simples” é quando os capitalistas gastam em consumo pessoal toda a mais-valia de que se apropriam. Nesse caso, o processo produtivo se faria sobre as mesmas bases, operando numa mesma escala, já a reprodução ampliada é quando os capitalistas gastam em consumo pessoal apenas uma parte da mais-valia, e a outra é reconvertida em capital, ampliando assim, a escala de produção de mercadorias. Conversão de mais-valia em capital, ou seja, aplicação de mais-valia como capital chama-se de acumulação capitalista(NETTO; BRAZ,2006:125)
Tendo em vista que o movimento do capital é expansivo e que o capital é valor que busca
valorizar-se, não existe acumulação de capital sem adição de mais-valia11 ao capital, ou seja, sem
exploração. Dessa forma, a suposição de uma reprodução simples não passa de uma abstração
teórica na dinâmica do capitalismo.
Karl Marx, ao analisar historicamente como se dá a exploração da classe trabalhadora
através da extração da mais-valia, explica que essa exploração se concretiza tanto através da mais-
valia-absoluta quanto através da mais-valia relativa. Sendo assim, ele difere uma forma da outra:
A produção da mais-valia absoluta se realiza com o prolongamento da jornada de trabalho além do ponto em que o trabalhador produz apenas o equivalente ao valor de sua força de trabalho e com a apropriação pelo capital desse trabalho excedente. Ela constitui o fundamento do sistema capitalista e o ponto de partida da produção da mais-valia relativa. Esta pressupõe que a jornada de trabalho já esteja dividida em duas partes:trabalho necessário e trabalho excedente. Para prolongar o trabalho excedente encurta-se o trabalho necessário com métodos que permitem produzir-se em menos tempo o equivalente ao salário. A produção da mais-valia absoluta gira exclusivamente em torno da duração da jornada de trabalho; a produção da mais-valia relativa revoluciona totalmente os processos técnicos de trabalho e as combinações sociais. A produção da mais-valia relativa pressupõe, portanto, um modo de produção especificamente capitalista, que, com seus métodos, meios e condições, surge e se desenvolve, de início, na base da subordinação formal do trabalho ao capital. No curso do desenvolvimento, essa subordinação formal é substituída pela sujeição real do trabalho ao capital.(MARX, 2008:578-579)
Com o aumento da acumulação, aumenta-se a composição orgânica do capital12 e,
consequentemente, diminui-se a dinâmica de força-de-trabalho. Nesse sentido, parte do proletariado
aparece como sobrante face às necessidades da acumulação.
De acordo com Netto e Braz (2006:133) “[..]essa superpopulação relativa, portanto, não
resulta da ação individual de um ou outro capitalista, mas deriva da dinâmica mesma da reprodução
11 Para melhor compreensão da categoria mais-valia cfr (NETTO;BRAZ, Economia Política: uma introdução crítica, 2006) e (MARX, K. O Capital. Crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1983, t.I, v.1; 1984, t.I, v.2;1984, t.II, t.III, vs 2-3) 12 “A relação entre capital constante e capital variável denomina-se composição orgânica do capital. Essa relação varia conforme os diversos ramos industriais, assinalando o maior ou menor grau de mecanização/automatização das empresas, e varia também historicamente, segundo a crescente aplicação dos avanços científico-tecnológicos à produção. Diz-se que é alta a composição orgânica do capital quando é maior a proporção do capital constante e baixa quando é maior a do capital variável.”(NETTO;BRAZ, Economia Política: uma introdução crítica, 2006, p.102)
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ampliada(acumulação); reprodução ampliada é, pois, reprodução do exército industrial de reserva”.
Com o aumento da acumulação capitalista aumenta-se também o desemprego, uma vez que,
na lógica da acumulação de capitais o que prevalece é o aumento do capital constante em
detrimento do capital variável.
O aumento da produtividade se patenteia, portanto, no decréscimo da quantidade de trabalho em relação à massa dos meios de produção que põem em movimento, ou na diminuição do fator subjetivo do processo de trabalho em relação aos seus fatores objetivos(...). Essa mudança na composição técnica do capital, o aumento da massa nos meios de produção, comparada com a massa da força de trabalho que os vivifica, reflete-se na composição do valor do capital, com o aumento da parte constante à custa de sua parte variável. Se, por exemplo, originalmente se despende 50% em meios de produção e 50% em força de trabalho, mais tarde a percentagem poderá ser de 80%para os meios de produção e de 20% para a força de trabalho, e assim por diante. (MARX, 2008: 726)
A função primária do exército industrial de reserva13 é pressionar os salários para baixo,
mas não se resume apenas a essa função, uma vez que, oferece, pois, ao capital um volume de
força-de-trabalho que pode ser mobilizada a qualquer momento.
Diante desse contexto, a pauperização14, também, é consequência da acumulação capitalista,
pode ser absoluta (degradação geral das condições de vida da classe trabalhadora) e relativa(
descompasso na apropriação da riqueza social, mesmo quando as condições de vida melhoram).
Vale destacar que, mesmo quando há o aumento na produção de bens e existe os altos lucros, e uma
parcela da classe trabalhadora acessa de forma parcial esses bens, mesmo assim, permanece a
exploração, pois quanto mais se constrói coletivamente, mais bens deveriam ser apropriados de
maneira proporcional, não de maneira desigual como acontece na dinâmica do capitalismo.
Para Marx o pauperismo :
[...] o mais profundo sedimento da superpopulação relativa vegeta no inferno da indigência, do pauperismo. Pondo-se de lado os vagabundos, os criminosos, as prostitutas, o rebotalho do proletariado, em suma, essa camada social consiste em três categorias. Primeiro, os
13
“A acumulação de capital também impacta fortemente a classe operária. No seu desenvolvimento, acompanhado pela concentração e pela centralização, a principal consequência para os trabalhadores é a constituição do que Engels, inspirado nos cartistas ingleses, designou como exército industrial de reserva- ou seja, um grande contingente de trabalhadores desempregados, que não encontra compradores para a sua força de trabalho[...] Os capitalistas valem-se da existência desse contingente de desempregados para pressionar para baixo os salários;aliás, os próprios capitalistas dispõem de meios para forçar o desemprego(entre outros, o aumento da jornada de trabalho e o emprego de crianças). Mas o exército industrial de reserva não resulta de uma intenção consciente da classe capitalista, embora esta se sirva dele estrategicamente para seus objetivos- tal exército é um componente necessário e constitutivo da dinâmica histórico-concreta do capitalismo[...]Ao estudar a composição do exército industrial de reserva Marx observou que a superpopulação relativa adquire formas variadas[...] Na base desse contingente, e descontado o lumpemproletariado( a parcela degradada do proletariado: vagabundos, criminosos, prostitutas, rufiões), estão os que vegetam na miséria e no pauperismo, trabalhadores aptos mas que há muito não conseguem emprego, órfãos, filhos de indigentes, mutilados, viúvas, enfermos etc[...]” (NETTO;BRAZ, Economia Política: uma introdução crítica, 2006, p.132 e p.134) 1 4 “A acumulação capitalista não impacta o proletariado tão-somente com o desemprego. Os trabalhadores experimentam, no curso do desenvolvimento capitalista, processos de pauperização que decorrem necessariamente da essência exploradora da ordem do capital. A pauperização pode ser absoluta ou relativa. A pauperização absoluta registra-se quando as condições de vida e trabalho dos proletários experimentam uma degradação geral: queda do salário real, aviltamento dos padrões de alimentação e moradia, intensificação do ritmo de trabalho, aumento do desemprego. A pauperização relativa é distinta: pode ocorrer mesmo quando as condições de vida dos trabalhadores melhoram, com padrões de alimentação e moradia mais elevados; ela se caracteriza pela redução da parte que lhes cabe do total dos valores criados, enquanto cresce a apropriação dos capitalistas.”(NETTO;BRAZ, Economia Política: uma introdução crítica, 2006,p.135)
26aptos para o trabalho[...], segundo, os órfãos e filhos de indigentes[...] terceiro, os degradados, desmoralizados, incapazes de trabalhar[...] O pauperismo constitui o asilo dos inválidos do exército ativo dos trabalhadores e o peso morto do exército industrial de reserva. Sua produção e sua necessidade se compreendem na produção e na necessidade da superpopulação relativa, e ambos constituem condição de existência da produção capitalista e do desenvolvimento da riqueza. O pauperismo faz parte das despesas extras que produção capitalista, mas o capital arranja sempre um meio de transferi-las para a classe trabalhadora e para a classe média inferior (MARX, 2008:748)
Vale ressaltar também que, a produção capitalista não é apenas produção e reprodução de
mercadorias e mais-valia, é em sua essência produção e reprodução de relações sociais
específicas15. Netto e Braz(2006:136) verificaram que: “A reprodução capitalista só é viável se ela
reproduzir as relações sociais que põem frente a frente capitalistas e proletários.”
Permanece como fato e processo constitutivo que se origina da contradição entre a produção
socializada e apropriação privada da riqueza social. Nesse sentido, a origem/raiz da questão social
está nessa mesma contradição, que tem como base a lei geral da acumulação capitalista16.
Segundo Marx:
Quanto maiores a riqueza social, o capital em função, a dimensão e energia de seu crescimento e, consequentemente, a magnitude absoluta do proletariado e da força produtiva de seu trabalho, tanto maior o exército industrial de reserva. [...] E, ainda quanto maiores essa camada de lázaros da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior, usando-se a terminologia oficial, o pauperismo. Esta é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista.(MARX, 2008:748)
Uma vez que, a questão social17 é intrínseca a este modo de produzir e reproduzir a vida
material e as relações sociais específicas, podemos observar que as suas determinações são
singularizadas e particularizadas, apesar de ter um caráter universal estrutural. Sendo assim, sem a
supressão da ordem do capital não é possível falar da supressão da questão social. Retomando o que já foi dito anteriormente sobre a lógica da produção capitalista e a sua
relação intrínseca com nosso objeto de estudo, gostaria de ressaltar que a produção, a distribuição e
15
“As relações técnicas de produção dependem das características técnicas do processo de trabalho( o grau de especialização do trabalho, as tecnologias empregadas etc) e dizem respeito ao controle e domínio que os produtores diretos têm sobre os meios de trabalho e sobre o processo de trabalho em que estão envolvidos. Mas elas se subordinam às relações sociais de produção, que as especificam historicamente e que são determinadas pelo regime de propriedade dos meios de produção fundamentais. Se a propriedade dos meios de produção fundamentais é coletiva (como na comunidade primitiva), tais relações são de cooperação e ajuda mútua, porque os produtos do trabalho são desfrutados coletivamente e nenhum membro do grupo humano se apropria do fruto do trabalho alheio; se tal propriedade é privada, particular( de um membro do grupo, de um conjunto de membros), as relações decorrentes são de antagonismo, posto que os proprietários dos meios de produção fundamentais apropriam-se dos frutos do trabalho dos produtores diretos, ou seja, estes são explorados por aqueles(...)”.(NETTO;BRAZ, Economia Política: uma introdução crítica, 2006, p.59 e p.60) 16
“À medida que se acumula capital, a situação do trabalhador, qualquer que seja o seu pagamento, alto ou baixo, tem de piorar(...) (A acumulação) ocasiona uma acumulação de miséria correspondente à acumulação do capital. A acumulação de riqueza num pólo é, portanto, ao mesmo tempo, a acumulação de miséria, tormento de trabalho, escravidão, ignorância, brutalização e degradação moral no pólo oposto(...)”.(MARX, 1984, I, 2:210) 17 “O desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a “questão social”, diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da “questão social”; esta não é uma sequela adjetiva e transitória do regime do capital: sua existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica específica do capital tornado potência social dominante. A “questão social” é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo. Não se suprime a primeira conservando-se o segundo.”( NETTO, J.P, Cinco notas a propósito da “questão social”. In:ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO E PESQUISA EM SERVIÇO SOCIAL. Temporalis, 2004, p.45)
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o consumo dentro do capital fazem parte de uma totalidade em que não se pode desconsiderar a
complexidade das medições envolvidas. De acordo com Marx,
O resultado que chegamos não é que a produção, a distribuição, o intercâmbio, o consumo são idênticos, mas que todos eles são elementos de uma totalidade, diferenças dentro de uma unidade. A produção se expande tanto a si mesma[...] como se alastra aos demais momentos[...] Uma forma determinada de produção determina, pois, formas determinadas de consumo, da distribuição, da troca, assim como relações determinadas desses diferentes fatores entre si. A produção, sem dúvida, [...] é também determinada por outros momentos[...]Uma reciprocidade de ação ocorre entre os diferentes momentos.(MARX, K, apud, NETTO;BRAZ, 2006:65)
Nesse sentido, a necessidade de produção de produtos direcionados para um determinado
tipo de consumo e a extração em série de outros tipos de matérias-primas, no intuito de gerar
capitais, foi mediada pela expropriação e dizimação de enormes quantitativos de camponeses e
indígenas em todo mundo.
1.2- A INSEGURANÇA ALIMENTAR E SUAS DETERMINAÇÕES NO MODO DE
PRODUÇÃO CAPITALISTA
Desde o domínio Colonial da América e da África, enormes contingentes de terras passaram
a ser utilizados com um certo propósito: acumulação de capitais.
Sendo assim, pode-se observar que desde o processo de acumulação primária do capital não
havia garantia alguma de dignidade para a classe trabalhadora, pelo contrário, esse processo foi
consolidado pela usurpação e barbárie onde as condições de vida dos que dependiam do trabalho se
degradaram ainda mais. Consequentemente, a questão da garantia do direito à alimentação, assim
como a garantia de tantos outros direitos nem se cogitava.
O escritor Eduardo Galeano em seu célebre livro As veias Abertas da América Latina traz
uma citação de K. MARX que retrata muito bem como se deu esse processo de acumulação de
capital,
O descobrimento das jazidas de ouro e prata da América, a cruzada de extermínio, escravização e sepultamento nas minas da população aborígine, o começo da conquista e o saqueio das Índias Orientais, a conversão do continente africano em local de caça de escravos negros: são todos os feitos que assinalam os alvores da era da produção capitalista. Esses processos idílicos representam outros tantos fatores fundamentais no movimento da acumulação original”(MARX, K. apud GALEANO, 2005:46)
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Vale ressaltar também que na dinâmica do capital um dos processos que mais agravou a
questão da insegurança alimentar desde os primórdios da acumulação capitalista foi a expropriação
do homem do campo. Tomas More trata bem esse problema ao descrever a realidade da sociedade
inglesa do séc XV e XVI, uma vez que, traz à tona a situação de exploração e desalento que faz
parte da história da classe trabalhadora dentro do sistema capitalista. Thomas More, no seu livro
Utopia, relata que
De fato, em todas as regiões do reino, onde se encontra a lã mais fina e por conseguinte a mais preciosa, os nobres e ricos, sem falar de alguns abades, santos personagens(...) não deixam mais espaço algum para o cultivo, devastam as fazendas, destroem aldeias, convertendo toda a terra em pastagens cercadas, deixando subsistir apenas a igreja, que a transformarão em estábulos para os seus carneiros. Assim, pois, para que um só glutão de apetite insaciável, temível flagelo para sua pátria, possa delimitar com um só cercado milhares de alqueires como só seus, cultivadores serão expulsos de suas propriedades, muitas vezes despojados de tudo que possuíam, pressionados por fraudes ou obrigados por atos de violência. A menos que, por meio de infindos aborrecimentos, sejam forçados pelo cansaço a vender seus bens. O resultado é o mesmo. Eles partem de maneira miserável, homens, mulheres, casais, órfãos, viúvas, pais com filhos pequenos, toda uma família mais numerosa que rica, quando a terra tem necessidade de muitos braços para o trabalho. Eles vão embora, para longe do lar em que cultivavam as suas tradições. Não encontram local algum para se fixar.[...] Logo terão gasto esses poucos recursos no decorrer de sua caminhada sem rumo. O que lhes resta senão roubar e, depois, serem enforcados segundo as normas da justiça? Ou então continuar errando sem rumo vivendo da mendicância? Nesse caso, não tardam em ser atirados na prisão porque vão e voltam sem nada fazer e ninguém aceita pagar qualquer coisa pelo trabalho que eles se dispõem a fazer com o mais vivo empenho. Com efeito, o trabalho dos campos, do qual têm prática, não é mais praticado porque não se semeia mais a terra. Um só pastor, um só vaqueiro é suficiente para uma terra transformada em pastagem para os rebanhos, terra que, quando era semeada e cultivada, reclamava muitos braços.(MORE, 2007:28-29)
Nesse sentido, observa-se que esse processo histórico vivenciado pelos camponeses
ingleses não é tão diferente da realidade de muitos dos que são desprovidos dos meios de produção
e reprodução da vida material, localizados atualmente nas periferias das grandes regiões
metropolitanas ou até mesmo nos grandes bolsões de pobreza dos países pobres, ressalvadas as
particularidades históricas e nacionais.
Diante do evidenciado acima acerca da produção e reprodução da vida material no
capitalismo, podemos observar que neste modo de produção a escassez de alimentos,
diferentemente, dos modos de produções antecessores, já não é o problema que seria a causa da
insegurança alimentar e fome, uma vez que, a produção de alimentos atualmente é suficientemente
grande para suprir as demandas mundiais.
Segundo Andrioli, doutorando em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück -
Alemanha, a produção de alimentos atualmente é extremamente grande e se as quantidades
produzidas fossem distribuídas de acordo com o consumo de calorias, já desde 1961 não deveria
mais haver ninguém que sofresse por fome ou desnutrição no mundo.
29
Se antigamente a humanidade convivia com uma produção de alimentos muito baixa e em períodos de catástrofes naturais muitos morriam em decorrência da falta de comida, atualmente estamos confrontados com uma situação totalmente diferente: a superprodução. A produção é demasiada; alimentos são desperdiçados durante o transporte e estragam nos armazéns; prêmios para paralisar a produção foram introduzidos em propriedades rurais dos países industrializados e grandes quantidades de alimentos são intencionalmente eliminadas para evitar a queda de preços. Mas, apesar disso, ao mesmo tempo cerca de 800 milhões de pessoas passam fome no mundo. De acordo com dados oficiais da ONU estariam disponíveis 2.800 calorias por pessoa ao dia, se houvesse uma correta distribuição dos alimentos (conforme a FAO, são necessárias 1.900 calorias diárias por pessoa). Existem alimentos suficientes para prover em torno de 2 kg de comida diária por pessoa, dos quais 1,1 Kg de cereais, 450 g de carne, leite e ovos e mais 450 g de frutas e verduras. Uma insuficiente produção de alimentos, portanto, não pode mais ser usada como argumento para explicar a fome, o que, por sua vez, contradiz as projeções de Thomas Malthus de um crescente aumento da população mundial incompatível com uma insuficiente disponibilidade de alimentos, pois no mínimo desde 1961, a quantidade per capita de alimentos disponível superou a correspondente necessidade humana, o que significa que se as quantidades produzidas fossem distribuídas de acordo com o consumo de calorias, já desde 1961 não deveria mais haver ninguém que sofresse por fome ou desnutrição no mundo.(ANDRIOLI,set.2003).[online]<http://www.espacoacademico.com.br/028/28andrioli.html >.Acesso em:02 de agosto de 2009.
O nosso país é um grande produtor mundial de soja e cana-de-açúcar, no entanto,
encontramos problemas para suprir as demandas alimentares de itens básicos de sobrevivência,
dentre eles o feijão e outros grãos. Fato que faz com que aumente a inflação e dificulte o acesso
desses alimentos para a classe trabalhadora.
O que encontramos hoje é a opção política do predomínio de determinadas formas de
produção de alimentos com objetivos diferentes da garantia da sobrevivência humana. No Brasil,
por exemplo, ao observarmos os grandes latifúndios formados por monoculturas direcionadas a um
determinado tipo de consumo e a pecuária voltada para exportação, verificamos que esse formato de
produção alimentar e de ocupação do espaço agrário voltado para o mercado e extração de mais-
valia, substituem, ou melhor, ocupam o lugar da produção agrícola de subsistência.
Archibaldo Figueira, ao discutir o Monopólio como causa para fome no mundo, nos traz
alguns dados interessantes que situam bem a atual opção agrícola brasileira pela rentabilidade e
lucro em detrimento da garantia de um incentivo para a agricultura de subsistência.
Os repetidos discursos de todos os integrantes da gerência FMI-PT, estimulando cultivos vinculados à monocultura latifundiária para exportação e destinados à produção de biodiesel, como soja, cana, milho e outros artigos, provocou o abandono da produção de alimentos como o feijão, que registrou um aumento de preço de 200%, em média. O desvio de finalidade de alimentos para os biocombustíveis causou também o aumento dos preços nos supermercados, como o milho em grão (50,7%), e óleos combustíveis (33,27%).A plantação total ocupou em 2007 uma área de 46,4 milhões de hectares, 0,3% maior que a do período anterior. Os produtos que mais apresentaram incremento na produção foram: o trigo com 71,5% (1.597,7 mil toneladas); o milho 1ª e 2ª safra com 3,9% (1.999,3 mil
30toneladas) e o arroz com 5,5% (625,7 mil toneladas). Porém isto não acompanha as reais necessidades da população.(FIGUEIRA, s/d [online]<http://www.dzai.com.br/saucifufu/noticia/montanoticia?tv_ntc_id=23280>.Acesso em: 02 de agosto de 2009.
Essa relação entre monocultura, latifúndio, fome no Nordeste brasileiro encontra-se bem
situada historicamente no trecho que segue abaixo de autoria do célebre intelectual Eduardo
Galeano. Apesar de terem se dados algumas mudanças no contexto brasileiro desde a sua edição,
esse trecho situa bem a essência do que seria a nossa estrutura social onde está bem inserida a
problemática da fome e da falta de interesse em resolvê-la.
O Nordeste brasileiro [...] uma das regiões mais subdesenvolvidas do hemisfério ocidental. Gigantesco campo de concentração para mais de 30 milhões de pessoas, padece hoje a herança da monocultura do açúcar. De suas terras nasceu o negócio mais lucrativo da economia agrícola colonial na América Latina [...] Não é nas zonas áridas e semi-áridas do interior nordestino onde as pessoas comem pior, como equivocadamente se crê. O sertão, deserto de pedras e arbustos rasos, vegetação escassa, fomes periódicas: o sol inclemente da seca abate-se sobre a terra e a reduz a uma paisagem lunar; obriga aos homens o êxodo e semeia cruzes às margens do caminho. Todavia é no litoral úmido onde se padece a fome endêmica. Ali onde mais opulenta é a opulência, mais miserável se forma a miséria, terra de contradições a região eleita pela natureza para produzir todos os alimentos negá-os todos: a faixa costeira é ainda conhecida ironia do vocabulário, como zona da mata, em homenagem ao passado remoto e aos míseros vestígios da floresta sobrevivente aos séculos do açúcar. O latifúndio açucareiro, estrutura do desperdício, continua obrigado a trazer alimentos de outras zonas, sobretudo da região Centro-Sul do Brasil, a preços crescentes[...](GALEANO, 2005:88-89)
FIIGURA 5
MONOCULTURA AÇUCAREIRA Disponível em:
http://4.bp.blogspot.com/_P34f5oOa7cM/SVWMZ7VB2NI/AAAAAAAALdE/pUpxYquX_-A/S660/canavial02.jpg
Como consequências diretas desse processo, a classe trabalhadora se “submete” a enfrentar
31
uma crescente inflação onde o custo da reprodução da força de trabalho torna-se, cada vez mais,
caro para os trabalhadores. Fato que poderia ser evitado se a lógica da produção, distribuição e
consumo fosse voltada para socialização da apropriação da riqueza de forma igualitária, uma vez
que, a produção da vida material no capitalismo é feita pela grande maioria, porém, na realidade
não desfruta dos frutos do seu trabalho.
Sendo assim, fica mais claro perceber que a problemática da fome e da segurança alimentar
não têm relação intrínseca, no Capitalismo, com a falta ou escassez de alimentos. Pelo contrário,
está, intrinsecamente, relacionada com a questão da distribuição e consumo da riqueza socialmente
produzida, com o destino que é dado a esta mercadoria e com uma questão política, econômica e
social que não está dissociada da forma em que são organizadas as relações sociais, econômicas e
culturais nesse modo de produção
Como já foi dito antes, produz-se para o mercado para a expansão da lucratividade através
da maior extração de mais-valia possível. O alimento deixa de ser visto como necessidade básica de
sobrevivência humana e ganha o status de mais uma mercadoria sujeita às flutuações e variações do
mercado financeiro internacional. Por exemplo, em nosso país, atualmente, grandes porções de terra
são utilizadas pelo agronegócio para a produção de soja, alimento extremamente nutritivo e fonte de
proteínas, que deveria fazer parte da cesta básica nacional, mas que não é consumido pela grande
maioria dos brasileiros. Enquanto uma grande quantidade de soja brasileira é exportada para servir
de ração para animais de países ricos, uma grande parte das nossas crianças são abatidas pela
subnutrição, desnutrição grave e até mesmo nos locais onde não recebem assistência médica e
social chegam a morrer devido à fome. Diante do exposto, podemos observar que mesmo existindo
uma grande quantia de alimentos esses são direcionados e destinados muitas vezes para fins
lucrativos.
Seria muito simples acreditar que a insegurança alimentar que muitos brasileiros vivenciam
hoje seja apenas resultado direto da miséria, da pobreza ou de outras mazelas sociais, como tem se
afirmado nos discursos oficiais.
Assim como a pobreza e a miséria, a insegurança alimentar é uma das expressões da atual
lógica capitalista de produção. São várias as mediações que implicam direta ou indiretamente para o
seu agravamento.
[...]a “crise alimentar” que, em parte, está sendo causada pelo desvio subsidiado da produção de alimentos para a produção de bioenergia. O deslocamento da produção de alimentos, principalmente milho e trigo, para os biocombustíveis, combinado com o aumento da renda e a consequente expansão da demanda por comida e com elevações nos custos de produção, em várias partes do globo, está provocando um encarecimento dos alimentos e trazendo insegurança alimentar para enormes contingentes de pobres(...)A fome ainda era um problema para cerca de 800 milhões de viventes antes de a produção de
32bioenergia começar a ganhar a escala. Não se tratava mais de um problema de produção. O volume total de alimentos produzidos era suficiente para garantir uma dieta de pelo menos 2.400 calorias/dia – o mínimo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) – a todos os habitantes do planeta. Mas o acesso a essas calorias não era universal. Com o desvio de parte das lavouras para a produção de energia, o problema vem se agravando. (KUPFER,2008).[online] < http://historiaemprojetos.blogspot.com/2008/04/fome-mundial-soja-etanol-latifndios.html> em 23/03/2008. Acesso em: 02 de agosto de 2009.
De acordo com o observado anteriormente, se confirma a hipótese que a insegurança
alimentar atualmente não é marcada pela falta ou escassez de gêneros alimentícios, mas sobretudo
por uma opção política em manter essa lógica lucrativa e exploradora do atual modo de produção da
vida material.
É interessante observar que a garantia de um mercado agrícola rentável e lucrativo esteve e
está associada à questão do monopólio da terra, desde o seu domínio absoluto, como também, da
forma de regulamentação do seu acesso. No Brasil não é coerente falarmos da fome sem mencionar
a questão agrária e os interesses políticos e conjunturais que perpassam essa problemática.
Nesse sentido, analisar a atualidade da questão agrária brasileira, não é meramente, discorrer
sobre os atuais movimentos sociais de luta pela terra, isolá-la e restringi-la ao âmbito do meio rural;
é também, entender a sua gênese dentro do processo maior de acumulação de capital, é entender que
a concentração de terra não é um problema apenas rural, mas na mesma intensidade um problema
urbano evidenciado pelas consequências do êxodo rural, dentre elas a fome da população
concentrada nos grandes aglomerados urbanos.
Atualmente, a concentração de terra no Brasil não é o único entrave e causa do acirramento
das consequências e desigualdades sociais no espaço urbano e rural. A ela se associam as novas
formas de modernização conservadora. Ou seja, a inserção de altas tecnologias no campo aumenta,
ainda mais, essa questão, uma vez que, cada vez mais, temos um campo sem camponeses, temos a
acumulação de capitais nas mãos de poucos capitalistas.
33
FIGURA6
MÁQUINA AGRÍCOLA *Disponível em:
http://www.paginarural.com.br/Imagens/Imagens/01AMAIO/cana7a.gif
FIGURA 7
MÁQUINA AGRÍCOLA 2 *Disponível em:
http://www.esalq.usp.br/pg/images/48.jpg A violência da fome apresenta-se ora sutilmente e “silenciosa”, ora “escancarada” no dia-a-
dia da população pobre e miserável, seja das periferias das grandes cidades, seja das áreas rurais.
Apesar de estar presente em quase todas as regiões, vale destacar que, assim como denuncia Josué
de Castro, está localizada geograficamente. Em escala mundial, evidencia-se de forma mais gritante
no hemisfério sul do nosso planeta e no nosso país podemos observar que as zonas mais vulneráveis
localizam-se nas regiões Norte e Nordeste.
34
FIGURA 8
Fome no sertão do Piauí, Nordeste, Brasil *Disponível em:
http://dialetica.midiatica.zip.net/images/fome.JPG
FIGURA 9
MENINOS DE RUA NO BRASIL *Disponível em:
http://galizacig.com/imxact/2006/11/meninos_rua_brasil_520.jpg
Esse contexto de violência e insegurança alimentar mundialmente evidenciado e localizado,
no qual se desenvolve o fenômeno da fome, está direta e indiretamente mediado por relações de
poder, exploração, negligência, e falta de seguridade social com os que necessitam.
Diante do exposto, é notório que a fome não é apenas um ato biológico, uma necessidade
35
física que precisa ser saciada para que haja a reprodução da espécie humana, é muito mais do que
isso, faz parte de um fenômeno coletivo, que em especial no sistema capitalista, é produzido
também coletivamente dentro de uma lógica de produção e reprodução da vida material, em que a
riqueza é produzida coletivamente mas socializada apenas por alguns.
Nesse sentido, o problema da fome está inserido no bojo das necessidades básicas coletivas
da reprodução social. Contraditoriamente, a fome como uma das consequências de uma opção
política baseada na apropriação privada dos frutos do trabalho social, é causadora de outras
consequências sociais que atingem também a questão da reprodução social, dentre elas a
desnutrição. Esta sendo uma doença, está inter-relacionada não apenas com fatores biológicos e
patogênicos, mas também com fatores e fenômenos sociais.
FIGURA 10
FOME/ DESNUTRIÇÃO/ÁFRICA *Disponível em:
http://4.bp.blogspot.com/_5C0BsS0dH4U/R--53xlDoeI/AAAAAAAABWs/_iYoF6u6DrA/s320/fome.jpg
Como já foi citado anteriormente, a fome não se relaciona apenas com fatores de
distribuição e escassez de consumo de alimentos, mas também, com hábitos alimentares
inadequados, com a falta de equilíbrio alimentar, e principalmente com a falta de vontade política
em combatê-la. Ainda, segundo Josué de Castro (1957:27) “grupos inteiros de pessoas se deixam
morrer lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias, e o que falta é vontade política para
mobilizar recursos a favor dessa população”.
De acordo com o parágrafo anterior, vale destacar que a questão da segurança alimentar está
vinculada não apenas ao simples acesso ao alimento. Esse conceito é bem mais amplo. Como já foi
dito antes não adianta comer todos os dias e morrer lentamente. É preciso ter acesso não apenas à
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quantidade suficiente de alimentos, mas também, à qualidade e regularidade para que esses possam
garantir os nutrientes diários necessários para reprodução do homem em sociedade.
Com a sociedade de consumo e a globalização, vários estados nacionais e culturas locais
foram sendo massificadas com o apoio da mídia, essas e outras questões, como por exemplo, o
encarecimento dos itens básicos de sobrevivência, tem mudado os hábitos alimentares de muitos
brasileiros, fato que vem colocando em evidência a outra face da insegurança alimentar que ainda
não é muito destacada como tal: a obesidade. Essa, assim como a desnutrição, tem sido causa de
sérias complicações relativas à saúde humana.
Gráfico 1 - Evolução da obesidade no Brasil nas últimas
três décadas em mulheres com mais de 20 anos
*Disponível em:
http://static.hsw.com.br/gif/obesidade-e-nutricao-3.gif
Gráfico 2 - Obesidade x Desnutrição
(população de baixa renda de São Paulo)
*Disponível em: http://www.revistademulher.com.br/my_documents/my_pictures/264_FOTO3.jpg
37 Mesmo entre os pobres, a ocorrência de excesso de peso supera a fome. 'Nas favelas, verifica-se que a obesidade é mais prevalente que a desnutrição', comenta Coutinho. Nos últimos 20 anos, a obesidade infanto-juvenil cresceu 66% nos Estados Unidos e desencadeou uma batalha jurídica contra as cadeias de fast-food semelhante à guerra contra o tabaco. No Brasil, o crescimento foi de 239%, com um ritmo especialmente acelerado nas camadas sociais mais baixas. A consciência do problema ainda é incipiente, embora a Organização Mundial de Saúde tenha declarado a obesidade uma epidemia global que ameaça principalmente os países em desenvolvimento. Dos 6 bilhões de habitantes do planeta, 1,7 bilhão está acima do peso. A exportação do modelo americano de progresso - urbanização, proliferação de carros, junk food e longas jornadas de trabalho em frente ao computador - leva países emergentes como Brasil, Índia e África do Sul a um paradoxo. Em duas gerações, grande parte da população passou da desnutrição à obesidade porque teve acesso a grande quantidade de comida barata e ruim, industrializada, cheia de gorduras e açúcar.(SEGATTO; PEREIRA, 2003)[online].Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG59571-5990,00 OBESIDADE+ZERO.html .Acesso em: 22 de agosto de 2009.
Nesse sentido a palavra fome talvez seja muito reduzida para explicar o quadro de
insegurança alimentar vivenciado por uma grande parcela da população e principalmente, a que está
inserida em condições alarmantes de pauperização.
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CAPÍTULO 2 - MARCO LEGAL, ESTATÍSTICO E POLÍTICO QUE
PERPASSA A QUESTÃO DA INSEGURANÇA ALIMENTAR E DA FOME NO
BRASIL
2.1- O HISTÓRICO DAS INTERVENÇÕES POLÍTICAS REFERENTES ÀS
DEMANDAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR NO BRASIL
As demandas relativas à Segurança Alimentar são revestidas de uma singularidade única: se
por um lado requisitam respostas urgentes, por outro não podem ficar perdidas na transitoriedade da
falta de comando único das ações, na falta de interesse político para fazer com que se concretize um
locus de atendimento adequado. No mínimo, para que se tente assegurar o acesso ao direito à
alimentação adequada faz-se necessário que essas intervenções não estejam limitadas e focalizadas
em programas de governo que por sua transitoriedade mudam em um curto período de tempo.
Diante do exposto, percebemos que é relevante compreender, em nosso país, como essas
intervenções foram e estão sendo construídas. Uma vez que, a mera existência de intervenções
estatais relativas às demandas de segurança alimentar não pressupõe que essas intervenções
adquiram o status de política social pública responsável para responder essas demandas específicas.
Nesse sentido, tentaremos trazer um breve histórico das intervenções políticas feitas pela
sociedade e Estado brasileiro a respeito do problema da fome. Dentre essas intervenções iremos
tentar resgatar como foram articuladas e concretizadas as mais diversas ações estatais no tocante a
essa problemática.
Para tanto, apesar de utilizarmos como referência central o artigo de
VASCONCELOS(2005), intitulado Combate à fome no Brasil: uma análise histórica de Vargas a
Lula, no decorrer da nossa analise incorporamos outros artigos e fontes de extremo valor do ponto
de vista histórico.
Antes da colonização do nosso país pelos portugueses, existiam várias nações indígenas com
culturas e línguas diferentes que em sua grande maioria garantiam o acesso alimentar através de
atividades extrativistas, da caça e da pesca ou do cultivo de algumas culturas alimentares, no intuito
de garantir a sobrevivência. A apropriação e distribuição dos recursos naturais eram feitos
coletivamente pelos índios, muitos deles não se fixavam muito tempo no mesmo local, onde se
tentava suprir as necessidades alimentares com a ocupação de um novo território.
39
Com o processo de colonização do Brasil, as Missões Cristãs, tiveram um decisivo papel em
introduzir uma nova lógica cultural-social-religiosa-econômica nas nações indígenas já existentes.
O cristianismo, ao admitir a propriedade privada e explorar os índios assentados nas suas reduções
obrigando-os a garantir o sustento do padre, trouxe implicitamente uma primeira forma de
tributação e, por conseguinte, a produção de um excedente agrícola via exploração. Esse sistema de
exploração desenvolvido pelo cristianismo conseguiu trazer significativas mudanças na lógica de
sobrevivência indígena, alterando por conseguinte o modo de vida das nações indígenas reduzidas e
sua forma de garantia da segurança alimentar.
A partir dos vários relatos das fundações de missões é possível recuperar um padrão geral no que se refere às obrigações que os índios assentados passavam a ter. As descrições das novas formas de organização da vida em redução são sempre elaboradas em contraposição ao estado “selvagem e bárbaro” das formas de vida dos povos indígenas[...]Faziam parte das obrigações que os índios reduzidos passavam a ter não apenas participar das atividades religiosas, mas se responsabilizar pela construção da igreja e vivenda dos padres, como também pelo seu sustento. A fundação da redução começava com a construção da igreja e casa do padre, tal como tinha acontecido dentre outros quando da redução dos Jeberos (Figueroa, 1986, p. 180) e também na redução do Guallaga (Figueroa, 1986, p.196). A organização destes pueblos era definida pelo padre, de acordo aos seus próprios conceitos de espaço. A outra obrigação que se impunha aos índios desde o momento da sua redução era a referente ao sustento do padre. Na crônica de Figueroa se recupera uma única menção a respeito de um missionário trabalhar efetivamente junto com os índios nos afazeres de sobrevivência, como caça, pesca ou agricultura. [...]A responsabilidade em relação ao sustento dos padres criava não apenas uma nova obrigação, como principalmente exigia a sua realização em grande parte sob novas modalidades como decorrência da fixação das populações. O relato dos missionários dá conta de que a maioria dos povos indígenas não estava fixada, e que mudavam as aldeias em decorrência das suas necessidades de subsistência. Com o assentamento, a agricultura passava a ter maior importância, sendo para muitos grupos indígenas uma nova modalidade de realizá-la. A obrigação do sustento do padre, que Figueroa faz questão de lembrar ser uma disposição do governo de Borja, traz imbuída uma primeira forma de tributação e, por conseguinte, implica a produção de um excedente. Este devia cobrir o sustento do padre, mas no caso de ir além das suas necessidades seria distribuído entre “los de su casa y de pobres”. A distribuição deste excedente passava também a ser definida pelo missionário, marcando a “sujeição” indígena e uma das formas de autoridade do missionário.(TORRES-LONDONO, 2006:26-28)
Com a intensificação do processo de colonização, através da inserção da grande empresa
colonial, a produção açucareira foi o grande objetivo em detrimento ao incentivo de um mercado
interno. O Brasil colonial não tinha uma política de abastecimento interno. A mão-de-obra dos
engenhos – os escravos - não eram preocupação: havia apenas uma recomendação do governo aos
grandes senhores de terra para que permitissem aos escravos trabalhar para si mesmos um dia da
semana - o sábado -, em uma pequena parte da propriedade. Essa produção seria uma das únicas
maneiras de fornecimento aos trabalhadores. A metrópole portuguesa não estava interessada no
desenvolvimento da agricultura para abastecer as cidades, uma vez que, a prioridade seria a
monocultura do açúcar em detrimento da agricultura de subsistência.
Vale ressaltar que a história do sistema latifundiário no Brasil não é só um elemento central
40
e característico da formação histórica e econômica do nosso país, após a chegada dos colonizadores
portugueses, mas também, faz parte da história dos meios de produção da riqueza nacional, que
geraram e geram até hoje concentração de terra, poder, riqueza, proporcionalmente ao agravamento
das expressões da questão social, dentre elas a fome, para isso, pautando-se em relações de
exploração, subordinação, escravidão e servidão.
Esse sistema latifundiário, além de inserir e configurar para o Brasil, desde a sua gênese,
uma posição de subalternidade em relação aos países “Colonialistas/Imperialistas/Capitalistas”, foi,
e ainda continua sendo, um dos principais produtores e reprodutores das desigualdades sociais e
pobreza do nosso país.
A plantação nascida da demanda do açúcar no ultramar era uma empresa movida pela ânsia do lucro de seu proprietário e posta ao serviço do mercado que a Europa articulava internacionalmente[...] Da plantação colonial, subordinada às necessidades estrangeiras e financiada, em muitos casos, do exterior, provém em linha reta o latifúndio dos nossos dias. Este é um dos gargalos que estrangulam o desenvolvimento da América Latina e um dos fatores primordiais da marginalização e da pobreza das massas latino-americanas(...) e assim funciona o latifúndio, como um coador armado para a evasão das riquezas naturais[...](GALEANO, 2005:84-85)
Nesse sentido, falar de reprodução da classe trabalhadora brasileira e da questão da
insegurança alimentar é também, concomitantemente, nos reportar à gênese desse modelo
latifundiário, que mesmo vivenciando mais de 4 séculos desde a sua implementação nos campos
brasileiros está presente, ainda hoje, no bojo político-econômico nacional como um modelo
reprodutor de desigualdades sociais e concentração de terra, riqueza e poder.
Retomando as reflexões anteriores sobre a falta do desenvolvimento de um mercado interno
ou da precariedade desse no Brasil colonial, podemos encontrar dados interessantes na reflexão a
seguir feita por Soares Moura, (2005) sobre o comércio de abastecimento da cidade de São Paulo,
entre os anos 1765-1822. Segundo a autora,
As Câmaras, como instituições da época moderna estavam inseridas nessa cadeia de atos obrigacionais-benefícios-favores, pois em nome do bem comum da República deveriam garantir o abastecimento dos súditos do Reino. Segundo Maria Yedda Linhares, garantir a subsistência de seus vassalos sempre foi preocupação central da Coroa, existindo, inclusive, extensa legislação sobre o assunto. O abastecimento tanto era uma fonte de recursos e de poder político para a instância municipal, como uma obrigação moral que costurava a relação de benfeitor-beneficiado existente na sociedade de Antigo Regime do Brasil-Colônia. Muitos documentos camerários expressam a aflição das autoridades locais em relação às dificuldades de abastecimento da população, em virtude de carestia, dificuldades de arrematação dos contratos de corte da carne, desvios de cargueiros de alimentos para outros mercados, como o da vila de Santos, Rio de Janeiro ou Goiás.(SOARES MOURA, 2005:264-267)
Diante do exposto acima, podemos identificar que se, por um lado, havia a preocupação da
41
Coroa em garantir a subsistência dos seus vassalos, de fato havia várias dificuldades reais para que
o abastecimento fosse efetivado. Por outro lado, podemos observar o descaso em relação à garantia
da sobrevivência das classes mais pobres, dos índios e negros.
A falta de estruturação de um mercado interno no Brasil não foi um fenômeno natural, mas
sim uma construção histórica e política que estava atrelada aos interesses da Metrópole em garantir
o seu domínio e ao próprio contexto internacional de desenvolvimento do capitalismo. Não
podemos desconsiderar que essa política de subalternidade em relação aos interesses da Metrópole,
baseada dentre outros aspectos, no estabelecimento do Pacto Colonial18, associada à garantia do
modelo agroexportador e latifundiário estavam diretamente associadas às causas e origens da
insegurança alimentar brasileira.
A chegada da família real portuguesa em 1808, marcou o início do Brasil Imperial e o fim
do Pacto Colonial, além disso, uma série de mudanças sócio-econômicas e culturais foram se
acumulando, dentre essas mudanças observa-se o fenômeno do crescimento populacional, que por
sua vez demandava crescimento no abastecimento alimentar para as cidades.
A transferência da corte portuguesa para o Brasil desafiou as hierarquias culturais e econômicas do império, vigentes de longa data. O que os contemporâneos em ambos os lados do Atlântico chamaram de “antigo sistema colonial” parecia ter chegado ao fim quando os portos da colônia foram abertos ao comércio exterior e a família real e os funcionários da corte se estabeleceram no Rio de Janeiro, sendo a cidade então reconhecida como a nova “metrópole” da monarquia. Apesar das circunstâncias catastróficas que levaram a tais transformações, os exilados da corte portuguesa, somados aos habitantes da nova corte real, viram as mudanças como uma oportunidade de renovação política e moral da colônia. A América, eles argumentavam, seria o refúgio da política revolucionária, das impiedades e da decadência da Europa[...]a transformação do Rio de Janeiro em uma corte real obrigatoriamente pressupunha uma marginalização da estética e das práticas que não conseguissem refletir esta mudança. Foi uma tarefa que antecipou o paradoxo da América Latina pós-independência. Não mais ser colônia significava abraçar um projeto colonial: “civilizar”[...]O projeto de fazer do Rio de Janeiro a capital do Império era uma busca de tornar a cidade não somente esplendorosa, mas também ordenada, moralizada e decorosa. Tornando-se a corte real, neste sentido, fez-se com que a cidade se tornasse “policiada”. O policiamento, por sua vez, significou não somente garantir a “segurança pública”, mas também fazer do Rio uma metrópole, reconhecendo a diferença entre a metrópole e a colônia, justamente para que essas diferenças pudessem ser diminuídas. Tal projeto era sustentado pela concepção de “civilização” ilustrada da Europa do século XVIII e sua missão disciplinadora. (SCHULTZ, 2007:06 - 07)
Mesmo com a proclamação da República, a oligarquia agrária nacional que manteve sua
18
“O Pacto Colonial pode ser definido como um conjunto de regras, leis e normas que as metrópoles impunham às suas colônias durante o período colonial. Estas leis tinham como objetivo principal fazer com que as colônias só comprassem e vendessem produtos de sua metrópole. Através deste exclusivismo econômico, as metrópoles europeias garantiam seus lucros no comércio bilateral, pois compravam matérias-primas baratas e vendiam produtos manufaturados a preços elevados. O Pacto Colonial foi muito comum entre os séculos XVI e XVIII. As metrópoles proibiam totalmente o comércio de suas colônias com outros países ou criavam impostos tão altos que inviabilizava o comércio fora do pacto. Outro método, que inclusive foi utilizado na relação entre Portugal e Brasil, foi a proibição de estabelecimento de manufaturas em solo brasileiro. Desta forma, o Brasil ficou durante grande parte da fase colonial totalmente dependente dos manufaturados portugueses. O Pacto Colonial só foi quebrado em 1808, com a vinda da família real portuguesa ao Brasil. Nesta ocasião, D. João VI promoveu a abertura dos portos às nações amigas(Reino Unido).O Pacto Colonial também vigorou na relação entre a Inglaterra (metrópole) e suas colônias americanas (Estados Unidos).”Disponível em: http://www.suapesquisa.com/colonia/pacto_colonial.htm, acessado em 20/08/2009.
42
hegemonia com a política do café-com-leite, preservava a mentalidade patriarcal do escravismo,
repudiando qualquer regulamentação do Estado em suas relações com os trabalhadores. Nas
primeiras décadas do século XX registrou-se “de um lado, o avanço da consciência sociopolítica
dos trabalhadores, sob a influência das ideias e da militância anarco-sindicalista dos imigrantes
europeus. De outro lado, a ação repressiva do Estado”.(SILVA, 2000:62).
Com a expansão no Brasil, do processo de industrialização tardia, período em que é
crescente o êxodo rural e o aumento da concentração da classe trabalhadora brasileira nas cidades,
observa-se que essa classe se insere num processo de tomada de consciência e que se organiza,
através de vários movimentos sociais, influenciados pela expansão dos ideais socialistas trazidos
pelos imigrantes europeus.
Diante do quadro de efervescência política nacional e internacional e da expansão dos ideais
socialistas em todo o mundo pós-revolução de 1917, uma intervenção estatal mais concreta relativa
à questão social e suas expressões, dentre elas a fome, se torna uma preocupação real, na tentativa
de garantir a legitimidade do governo vigente e do capitalismo internacional.
A partir da década de 30, com a industrialização sob o modelo de substituição de importações, é crescente o equacionamento da questão social no âmbito do Estado como questão de política. A par do aparato de repressão, inerente ao Estado, ganha relevo o seu componente de locus de produção de consenso, da coesão social, da hegemonia[...].(SILVA, 2000:62)
Nesse sentido, vale salientar que na conjuntura dos anos 30, as mudanças trazidas por
Getúlio Vargas não foram isentas de contradições, pois foi mantido, ao lado do desenvolvimento da
industrialização, o antigo modelo de exportação agrícola, sem romper com a subordinação aos
países centrais.
Na conjuntura dos anos 30, a revolução liderada por Getúlio Vargas (1883-1954) mudou o bloco de poder e mesmo de forma heterogênea direcionou a política no sentido de transformar as relações Estado/sociedade para a integração do mercado interno e desenvolvimento da industrialização, mantendo, ao mesmo tempo, a economia de exportação de produtos agrícolas, sem romper com a dependência dos países centrais.(FALEIROS,2000:45)
Diante desse contexto de efervescência política do proletariado nacional e da tentativa de
garantir a legitimidade e ampliação do capitalista nacional, entra em cena a ideia de garantir um
preço mínimo, como forma de incentivar os produtores de artigos, como feijão e trigo, para o
possível desenvolvimento mercado interno.
Em sua essência, os preços mínimos baseiam-se no sistema de preços antecipados. Esse
43sistema tem a função de reduzir ou transferir para a sociedade a incerteza de preços que se defrontam os produtores por ocasião do plantio. Seu objetivo é atingir melhoria na alocação de recursos. (CARVALHO;SILVA, 1993:53)
Além disso, diante da lógica de acumulação e reprodução social vigente, da pressão da
classe trabalhadora, e do medo da expansão socialista foi amadurecida uma nova ideia: garantir um
salário mínimo ao trabalhador, já que, se esse pudesse comprar, dificilmente a produção deixaria de
ser estimulada.
A ideia de preço mínimo fracassou, e a garantia do salário mínimo que estava prevista na Lei
nº 185 de 14 de janeiro de 1936, só pode ser efetivada após dois anos da instituição do Decreto-lei
Nº 399 de 30 de abril 1938, no dia 1º de maio de 1940, quando foram fixados os valores do salário
mínimo através do através do Decreto-Lei nº 2162. O Decreto-Lei N°399 ao aprovar o regulamento
para a execução dessa lei e ao instituir as Comissões de Salário Mínimo foi um passo importante
para a instituição desse direito, uma vez que, exigia que o salário mínimo fosse suficiente para
comprar uma ração básica, nutricionalmente satisfatória. No entanto, nos anos seguintes, o salário
mínimo foi perdendo gradativamente o seu poder de compra, estabelecido por lei.
Ainda segundo Vasconcelos,
As distintas análises realizadas sobre a política social de alimentação e nutrição no período de 1930-1963, reservadas as particularidades e os diferentes enfoques teórico-conceituais, apontam que essa modalidade de intervenção estatal cumpriu de forma articulada objetivos sociais, econômicos e ideológicos. Por exemplo, algumas análises sobre a instituição do salário mínimo, o fornecimento de refeições equilibradas e a garantia de abastecimento alimentar aos previdenciários dos centros urbano-industriais emergentes apontam que, frente à necessidade de incorporação, por parte dos trabalhadores, dos valores e da ideologia que caracterizam as relações e o processo de trabalho capitalista industrial, e à necessidade de idealização de uma imagem do Estado pai-protetor, esses instrumentos cumpriram um papel de atenuação dos conflitos sociais gerados pelo processo de exploração do trabalho que, em última instância, determina a produção e reprodução da fome.(VASCONCELOS, 2005:443)
Sendo assim, a emergência da política de alimentação e nutrição, como um setor específico
das políticas sociais do Estado capitalista brasileiro foi se estruturando ao longo do processo de
transição do Estado liberal-oligárquico para o Estado intervencionista-burguês num processo de
intensas contradições sociais e políticas.
Os primeiros instrumentos específicos da política social de alimentação e nutrição, segundo
Vasconcelos (2005) foram instituídos apenas ao longo da Ditadura Vargas (1937-1945), apesar
disso, não podemos desconsiderar que ações estatais voltadas para questões alimentares foram de
alguma forma delineadas em períodos anteriores, como demonstrado no início deste capítulo.
No decorrer do Estado Novo (1937-1945),
44[...] instaura-se a ditadura do Estado Novo, com Vargas à frente. A agenda modernizadora no Brasil[...], não comportou procedimentos decisórios democráticos, com o que as mudanças intensas desencadeadas a partir daí se deram sob uma ditadura, num processo de modernização conservadora. Dentro dessa agenda, desde a fase do Estado de compromisso, além da perspectiva de dar um salto adiante do ponto de vista econômico, impulsionando as demais oligarquias agrárias e a indústria, estavam pendentes a regulamentação do trabalho e o enfrentamento da questão social, até então vista exclusivamente como questão de polícia, conforme pensava Washington Luís. Nesse sentido, se o governo Vargas enfrentou também com a polícia os componentes mais radicalizados do movimento operário nascente, em especial, após 1935, ele soube combinar essa atitude com uma forte iniciativa política: a regulamentação das relações de trabalho no país, buscando transformar a luta de classes em colaboração de classes, e o impulso à construção do Estado social, em sintonia com processos internacionais, mas com nossas mediações internas particulares. (BEHRING;BOSCHETTI, 2006:105-106)
Nesse contexto repressivo, a emergência da política social, e em especial ações de
alimentação e nutrição, configuraram-se como um instrumento utilizado pelo Estado Brasileiro,
com o objetivo, de lhe garantir legitimidade e hegemonia. Dentre as ações firmadas nesse período,
pode-se citar a instituição do salário mínimo que já foi citada anteriormente, a criação do Serviço de
Alimentação da Previdência Social (SAPS) e da Comissão Nacional de Alimentação (CNA), entre
outras intervenções estatais.
As primeiras políticas de combate à fome em âmbito nacional surgem na década de 1940. Pode-se dizer que a definição de um piso mínimo salarial foi uma delas. Anunciado pelo Presidente Getúlio Vargas, em 1º de maio de 1940, após uma série de debates e reivindicações ao longo da década de 1930, o piso salarial passou a ser um direito de todo trabalhador, sendo este definido, sobretudo, com base no critério da alimentação, que considerava as necessidades nutritivas dos trabalhadores de acordo com as diferenças regionais do país e cujo custo deveria corresponder entre 50% e 60% do salário mínimo. Neste mesmo ano, Getúlio Vargas criou o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), que era administrado pelo Departamento de Administração do Setor Público (DASP). O SAPS tinha como principais atribuições atender os segurados da previdência social; selecionar produtos e baratear preços; educar em uma perspectiva de solucionar os problemas de ordem alimentar e nutricional; promover a instalação e funcionamento de restaurantes e fornecer alimentos básicos. (SILVA, 2006:05)
O SAPS - Serviço de Alimentação da Previdência Social foi criado pelo Decreto-Lei Nº
2.478, em 05 de agosto de 1940, e tinha como objetivo principal: “assegurar condições favoráveis e
higiênicas à alimentação dos segurados dos Institutos e Caixas de Aposentadorias e Pensões
subordinados ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.” (VASCONCELOS, 2005:441) No
período de sua vigência (1940 a 1967), foi responsável por várias ações nutricionais, dentre elas, a
instalação dos restaurantes populares no Rio de Janeiro, São Paulo e outras cidades, no intuito de
ofertar aos trabalhadores urbanos uma alimentação equilibrada por um preço baixo.
Podemos observar que essas ações se consolidaram como estratégias para garantir a
reprodução de uma determinada parcela da classe trabalhadora em detrimento das demais, num
contexto, onde os trabalhadores rurais, os desempregados, e outros segmentos despossuídos
45
ficavam sem a proteção estatal no que se refere à segurança alimentar, dentre outros direitos
básicos. Observa-se a existência de uma “cidadania” fortemente regulada pelo trabalho.19
Ainda na década de 1940, mais precisamente no ano de 1943, foi criado o Serviço Técnico
de Alimentação Social (STAS), que tinha como objetivo propor medidas para a melhoria
alimentar.20 Logo em seguida, em fevereiro de 1945, foi criada pelo Decreto-Lei Nº 7.328, a
CNA(Comissão Nacional de Alimentação). No início esteve vinculada ao Conselho Federal de
Comércio Exterior e em 1949, passou a fazer parte do Ministério da Educação e Saúde. Apenas seis
anos depois de sua criação, em 1951, é que foi regulamentada como órgão responsável por subsidiar
o governo na formulação da política nacional de alimentação. A CNA tinha abrangência nacional,
prestava assistência alimentar especificamente ao grupo materno infantil, escolar e trabalhador.
Dentre as suas realizações, merece destaque a promulgação, em 1953, do Primeiro Plano Nacional
de Alimentação e Nutrição. Vale destacar que “além da criação do Plano Nacional de Alimentação,
a CNA também institucionalizou, no ano de 1955, o Programa Nacional de Merenda Escolar
(PNME), que neste mesmo ano se transformou em Campanha Nacional de Merenda Escolar
(CNME).”( SILVA, 2006:06)
Nos anos 1946-1963, evidencia-se a propagação do discurso de combate à fome no contexto
mundial, e a criação nacional das primeiras Organizações Não Governamentais (ONGs) com
objetivo de combate à fome.
Na sequência, entre o Plano SALTE (saúde, alimentação, transporte e energia) de Gaspar
Dutra (1946-1950), o retorno do populismo de Getúlio Vargas (1951-1954), o desenvolvimento
rápido do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek (1955-1960) e as reformas de base de João
Goulart (1961-março de 1964), a questão da intervenção estatal em alimentação e nutrição
materializou-se pela continuidade das ações do SAPS; da criação, em 1954, do embrião do atual
Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do início dos programas de assistência
nutricional às gestantes, nutrizes e crianças menores de cinco anos de idade desenvolvidos pela
CNA.21
Vasconcelos faz uma análise crítica a respeito da vinculação do Programa Nacional de
Alimentação Escolar- PNAE com as estratégias utilizadas pelos mercados internacionais de
produção de alimentos industrializados como uma forma de realizarem os seus produtos através da
19 “O modelo de “seguro social” tem como característica a proteção social por meio de uma relação de direito contratual estabelecida somente para determinadas categorias profissionais reconhecidas pelo Estado. Neste sentido, os direitos concedidos podem ser diferenciados, dependendo da organização da categoria profissional que o indivíduo esteja inserido e de sua contribuição. Santos (1979) denominou esta relação como “cidadania regulada”. “(SILVA, 2006:04) 20 SILVA(2006:04) 21
VASCONCELOS ,F. de A. G. de. Combate à fome no Brasil: uma análise histórica de Vargas a Lula. In:Rev. Nutr., Campinas, 18(4):439-
457, jul./ago, 2005.
46
aceitação estatal de uma nova cultura alimentar que se concretizava em ações desse Programa.
Além disso, ele destaca que esses tinham como objetivos políticos atenuar e reprimir os
movimentos sociais de caráter socialista através da utilização do alimento como arma de
dominação.
Segundo Vasconcelos,
Em relação à emergência dos programas de assistência alimentar e nutricional ao grupo materno infantil e aos escolares, as distintas análises realizadas sugerem que a atenção deve ser direcionada, particularmente, para os seus objetivos econômicos e ideológicos. São apontados vários indícios que esses programas constituíram mecanismos de ampliação do mercado internacional de realização de mercadorias, procurando padronizar hábitos e práticas alimentares de acordo com os interesses de acumulação do capital. A introdução do leite em pó e desengordurado, por exemplo, por meio dos programas internacionais de ajuda alimentar, tornou evidente o objetivo econômico. Ou seja, a ajuda não acontecia de forma monetária (o que poderia estimular a produção e o consumo local de alimentos básicos in natura ou processados), mas de forma de valor de uso, por meio do escoamento do excedente de produção que não havia conseguido se realizar em mercadoria ou se transformar em capital. Por outro lado, tais programas se articulavam ao projeto de utilização do alimento como arma de dominação e da fome dos países dependentes como objeto de exploração, cujos objetivos políticos eram atenuar e reprimir os movimentos sociais de caráter socialista. (VASCONCELOS, 2005:443)
Segundo Vasconcelos (2005), nos anos 1946-1963, evidencia-se a propagação do discurso
de combate à fome no contexto mundial e, no Brasil, a criação das primeiras organizações não
governamentais ONGs com propósitos humanitários de combate à fome, a exemplo da Associação
Mundial de Luta Contra a Fome (ASCOFAM). Essa associação, foi fundada, em 1957, com sede
em Genebra, sob a presidência de Josué de Castro22. Além disso, nesse contexto, foi aprovada pela
FAO, em 1959, a realização da Campanha Mundial de Combate à Fome, a ser conduzida entre 1960
e 1965.
No Brasil, uma das primeiras medidas tomadas, após 1964, período da Ditadura Militar,
22
Josué de Castro foi o teórico brasileiro que mais contribuiu para a discussão do problema da fome. Através de sua vasta bibliografia e da sua intensa vida política colocou para o Brasil e o mundo que a fome não é uma questão meramente biológica, mas sobretudo política. Dentre as suas obras podemos citar:1-Condições de vida das classes operárias do Recife. Recife: Imprensa Industrial, 1932; 2-O problema fisiológico da alimentação no Brasil. Monografia (Livre-docência em Fisiologia) – Faculdade de Medicina de Recife, 1932; 3-A questão do salário mínimo. Rio de Janeiro: Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio/Departamento de Estatística e Publicidade, 1935; 4-Alimentação e raça. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936. 182 p.; 5-A alimentação brasileira à luz da Geografia Humana. Porto Alegre: Globo, 1937. 176p.; 6-Documentário do Nordeste. São Paulo: José Olympio, 1937. 215 p.; 7-Festa das Letras, Rio de Janeiro, Livraria Globo, 1937; 8-Geografia Humana: estudo da paisagem cultural do mundo. Porto Alegre: Globo, 1939. 232 p.; 9-Geografia da Fome. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1946; 10-Fatores de localização da cidade do Recife. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948. 84 p.; 11-Geopolítica da Fome. Rio de Janeiro: Casa do Estudante Brasileiro, 1951. 416 p.;12-A cidade do Recife: ensaio de Geografia Urbana. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1954. 167 p.; 13-Três personagens: Einstein, Fleming, Roosevelt. Rio de Janeiro: Casa do Estudante do Brasil, 1955. 93 p.; 14-Ensaios de Geografia Humana. São Paulo: Brasiliense, 1957; 15-Ensaios de Biologia Social. São Paulo: Brasiliense, 1957. 283 p; 16-O livro negro da fome. São Paulo: Brasiliense, 1960. 178 p.; 17-Sete palmos de terra e um caixão. São Paulo: Brasiliense, 1965. 223 p.; 18-Homens e caranguejos. São Paulo: Brasiliense, 1967. 177 p. 19-A explosão demográfica e a fome no mundo. Portugal: Edições Itaú, 1968. 34 p.; 20-Estratégia do desenvolvimento. Lisboa: Seara Nova, 1971.;21-Fome, um tema proibido: os últimos escritos de Josué de Castro. Anna Maria de Castro (org.). Petrópolis: Vozes, 1984.; 22-Science et technique. Rio de Janeiro: Ministério da Educação/Moderna, 1937. 179 p.; 23- Alimentazione e acclimatazione umana nei tropici. Milano: [s.n.], 1939.; 24-La alimentación en los trópicos. México: Fondo de Cultura Economica, 1946. 204 p.; 25-El problema de la alimentación en América del Sur. Séries da UNESCO, v.1. Buenos Aires: Sudamericana, 1950. 65 p.; 26-Alimentazione non pianificata nel Sud America. Milão: Ulrico Hoepli, 1951.; 27-¿Adonde vá la América Latina? Lima: Latino Americana, 1966. 187 p.; 28-El hambre: problema universal. Argentina: Pléyade, 1969.; 29-Mensajes. CONSUEGRA (org.). Bogotá: Colibri/ Italgraf, 1980. Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/JosuedeCastro/ acessado em 22/08/2009).
47
havia sido a criação de uma nova e drástica lei salarial, com base na qual, pela primeira vez em
muitos anos, os salários passaram a ser reajustados abaixo ao aumento no custo de vida.
[...] o modelo de desenvolvimento econômico que ficou conhecido como “milagre econômico” baseou-se numa reformulação do financiamento interno, pautado no “arrocho salarial”, o que levou à criação de uma nova legislação trabalhista em 1965 e, consequentemente, a visíveis alterações no nível de qualidade de vida dos trabalhadores. A opção pelo arrocho salarial encontra-se claramente vinculada ao favorecimento de uma concentração oligopolística das empresas nacionais e estrangeiras e, por outro lado, a emissão de moedas desencadearia uma onda inflacionária. Assim, o processo que garantiu altas taxas anuais de crescimento interno e o aumento dos lucros do empresariado, resultante do aumento da produção, também aprofundou as desigualdades sociais, através da concentração de renda.(RIBEIRO;CARVALHAL,2005:03)
A política salarial prejudicou o consumo das camadas mais pobres: o crescimento de uma
pequena parcela do proletariado que passou a receber altos salários, o mercado encheu-se de artigos
mais caros - mais lucrativos -, que ocupavam o lugar dos mantimentos mais baratos. Dentre as
consequências: o leite natural entrou em concorrência com grande número de seus derivados:
queijos especiais, iogurtes e outros produtos industrializados.
Essas políticas apresentadas até o momento demarcam o período de 1940 a 1971. Burlandy (2003), ao analisá-las, destaca algumas características importantes que merecem ser apontadas. Segundo a autora, as políticas desta época caracterizaram-se por serem verticais e centralizadas, por terem uma forte perspectiva desenvolvimentista e por associarem o flagelo social (fome e desnutrição) ao subdesenvolvimento[...]A ditadura não só extinguiu algumas políticas, mas, também, interrompeu toda discussão sobre o fenômeno da fome como produto da desigualdade socioeconômica e que precisaria ser enfrentado com medidas estruturais e emergenciais. Devolveu a fome à condição de palavra proibida, substituindo-a pelo conceito nutricional, como se o problema fosse apenas de ordem biológica (Cerri e Santos, 2002 apud SILVA, 2000:06)
Ao final de 1974, a fase conhecida por milagre brasileiro, chegou ao fim com sintomas de
esgotamento do modelo de acumulação adotado. Nesse período, a degradação das condições de vida
dos trabalhadores excluídos do processo de crescimento econômico foi atestada por vários estudos.
Dentre eles podemos destacar que, o Estudo Nacional de Despesas Familiares (ENDEF),
1974/1975, atestava que 67,0% da população apresentava um consumo energético inferior às
necessidades nutricionais mínimas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Em 1974, começam a transparecer as primeiras fissuras e sinais de esgotamento do projeto tecnocrático e modernizador-conservador do regime, em função dos impactos da economia internacional, restringindo o fluxo de capitais, e também dos limites internos. Os anos subsequentes serão marcados pela distensão, pela abertura lenta e gradual do regime, num processo de transição para a democracia que irá condicionar em muito a adesão brasileira às orientações neoliberais, já em curso no nível mundial, implicando o caráter tardio da adesão brasileira ao neoliberalismo. Dessa forma colocou-se em marcha a transição democrática fortemente controlada pelas elites para evitar a constituição de uma vontade popular radicalizada (Sader, 1990:1), o que era possível diante do volume de demandas represadas
48oriundas do aprofundamento da questão social em face do projeto da ditadura e das mudanças estruturais no país, que sai desse processo mais urbanizado e industrializado.(BEHRING;BOSCHETTI, 2006:137-138)
No cenário internacional, nesse período, vivenciou-se um contexto de colapso do
capitalismo, no qual a questão da fome mundial ressurgiu com maior intensidade a partir da
controvertida “crise mundial de alimentos.”
No Brasil, surgem os I e II Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND), incorporando ao
planejamento econômico, instrumentos de políticas sociais. Dentro desse contexto, por meio da Lei
Nº 5.829, de 30/11/72, foi criado o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição. Sob a tutela do
INAN, em março de 1973, foi instituído o I Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (I
PRONAN), cujas diretrizes pautavam-se no I PND. Em fevereiro de 1976 foi instituído o II
PRONAN.
Foi a partir do desenvolvimento dos programas do II PRONAN que ocorreu o processo de
institucionalização de ações de Nutrição no interior da rede pública de serviços de saúde, educação
e assistência social em todo o território nacional.
O Pronan II sobreviveu até o ano de 1985. Durante o período da Nova República (1984 – 1988), algumas políticas permaneceram e outras foram criadas. As que continuaram foram o Proab, o PAT, o PNS e a merenda escolar. Estas duas últimas apenas mudaram de nome. A primeira passou a ser chamada de Programa de Suplementação Alimentar (PSA) e a segunda de Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Em relação às novas políticas, foram criados o Programa de Alimentação Popular (PAP), que deveria comercializar os alimentos básicos a preços reduzidos em áreas geográficas onde não existia o PROAB, e o Programa Nacional do Leite (PNL).(SILVA, 2006:08)
No período da Nova República a intervenção estatal na área de alimentação e nutrição
sofreu algumas alterações operacionais, se por um lado se apresentavam como um importante
instrumento de legitimidade do projeto de transição democrática, sendo uma das prioridades
políticas nos dois primeiros anos, por outro lado, de fato não significou mudanças efetivas
referentes ao enfrentamento das expressões da questão social brasileira.
Do ponto de vista dos últimos anos da ditadura e do governo Sarney, na Chamada Nova República, apesar dos anúncios de priorizar a área social, houve iniciativas pífias no enfrentamento das expressões da questão social. O carro-chefe da política social de Sarney, por exemplo, foi o conhecido Programa do Leite, mais voltado para instrumentalizar as associações populares- incumbidas de distribuir os tickets para as famílias, o que gerou vantagens clientelistas- do que em promover a ampliação do acesso à alimentação. Assim, nesse período, mantém-se o caráter compensatório, seletivo, fragmentado e setorizado da política social brasileira, subsumida à crise econômica, apesar do agravamento das expressões da questão social.(BEHRING;BOSCHETTI,2006:143-144)
Em função da edição do Plano Cruzado (fevereiro de 1986), do Plano Bresser (julho de
49
1987) e do Plano Verão (fevereiro de 1989), os programas de alimentação e nutrição passaram por
um certo esvaziamento técnico e financeiro.
Dessa maneira, a estabilização econômica nacional através dos seus sucessivos planos
passou a ser prioridade, nos últimos três anos da Nova República (1987 a 1989), como
consequências observa-se, também, um esvaziamento relativo às políticas sociais.
A avaliação que se faz das políticas implementadas no período de 1972 a 1990 é que continuaram sendo caracterizadas como verticais e centralizadas no nível federal, com superposições de ações e de clientelas ainda que, no ano de 1974, tenha sido realizado o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef) e, no ano de 1989, a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN), para diagnosticar em nível nacional as condições de saúde e nutrição da população (Burlandy, 2003).(SILVA, 2006:08-09)
2.2 - A POLÍTICA NEOLIBERAL E A INSEGURANÇA ALIMENTAR NO BRASIL
Estamos vivenciando um contexto contraditório em que vários Estados Nacionais estão
aparentemente dispostos a acabar com o espectro da fome, porém, o que se consolida é a tentativa
de concretizar modelos que garantam a continuidade dos processos produtivos de acumulação de
capitais, mesmo que seja através do aumento dos latifúndios, da concentração de renda23 e da
desigualdade social.
O Estado neoliberal brasileiro vem consolidando essa perspectiva mundial, seja nos seus
planos de governo, seja nos seus planos econômicos, políticos e ideoculturais. Se por um lado o
Governo Federal utiliza o Slogan que se deve aumentar e dar prioridade à agricultura familiar, por
outro lado, o que observamos de fato é a ampliação do sistema latifundiário agro-exportador e dos
mecanismos e políticas de produção de biocombustíveis que cada vez mais encarecem a produção,
distribuição e consumo de alimentos.
Ariovaldo Umbelino de Oliveira , professor Titular de Geografia Agrária – FFLCH –
USP/ABRA/Instituto Iánde, destaca as políticas neoliberais como as principais responsáveis pela
crise alimentar na atualidade. Além disso, expõe três fatores que foram essenciais para o
acirramento dessa crise, segundo ele:
23
No dia 15/05/2008, às 16:23, o Correio do Brasil (RJ) exibiu uma notícia intitulada “A Concentração de renda no Brasil é imensa” nela o Presidente do Ipea, Márcio Pochmann apontava dados revelados por uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a qual mostrava que o quadro de desigualdades no país e a concentração de renda se mantêm entre os maiores do mundo. Segundo o Instituto, 10% da população mais rica do Brasil detêm 75,4% de todas as riquezas do país. Ainda segundo a pesquisa, a concentração é maior em três capitais brasileiras.O dado mostra que o Brasil, a despeito das mudanças políticas, continua sem alterações nas desigualdades estruturais. Na história brasileira, segundo Pochmann, pouco mudou desde o século XVIII, quando os 10% mais ricos concentravam 68% da riqueza, no Rio de Janeiro, capital do país. Este é o único dado disponível, no Instituto, anterior à atual pesquisa. Mesmo com as mudanças no regime político e no padrão de desenvolvimento, a riqueza permanece pessimamente distribuída entre os brasileiros. (http://www.ipea.gov.br/default.jsp, acessado no dia 06/05/2009)
50
As políticas neoliberais aplicadas à agricultura e ao comércio mundial de alimentos são responsáveis pela crise que se abateu sobre os alimentos na atualidade. Ela é resultado da total incapacidade do mercado para construir uma política mundial de segurança ou de soberania alimentar. Vários são os fatores para explicá-la. Em primeiro lugar, deve-se destacar que depois da criação da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) e do advento da revolução verde, o mundo capitalista adotou um mecanismo de controle de produção de alimentos baseado no sistema de estoques[...]Com o neoliberalismo e a criação da OMC (Organização Mundial do Comércio), o sistema adotado é aquele da colocação dos estoques no mercado e do império absoluto do livre comércio. Ou seja, o mercado através da disponibilidade dos estoques seria o regulador da oferta da produção de alimentos. Essa mudança revela na atualidade sua consequência: a crise.Com a redução dos estoques de alimentos e da elevação de seus preços, os fundos de investimentos que sofreram violentas perdas, com as ‘subprime’, no mercado financeiro e imobiliário norte-americano, passaram a investir no mercado futuro, das commodities (milho, soja, trigo e arroz, principalmente). Este processo meramente especulativo atua no controle privado dos estoques e sobre a possibilidade de oferta de alimentos no mercado futuro. Dessa forma, todas as commodities têm já preços para o final do ano ascendentes. Simultaneamente, com estes dois processos, articula-se a segunda causa em importância: a opção dos EUA pela produção do etanol a partir do milho. É óbvio que o efeito desta escolha fez com que parte do milho destinado à alimentação humana e à produção de ração animal fosse destinada à produção do agrocombustível. Porém, o aumento rápido do consumo do grão gerou mecanismos especulativos na queda dos estoques. Essa queda, por sua vez, puxou para cima consigo os preços da soja, trigo e arroz. A terceira causa decorre do aumento do preço do petróleo[...] Com a subida do preço do petróleo, sobe o dos agroquímicos e também o custo da produção agropecuária. Consequentemente, esta pressão atua no sentido do aumento dos preços dos alimentos. No caso brasileiro, como consequência da crise mundial e da elevação dos preços internacionais do trigo associado ao bloqueio estabelecido pela Argentina em relação às exportações deste cereal ao Brasil, seu preço e de seus derivados estão aumentando.[...] Com relação aos três alimentos básicos da população brasileira (feijão, arroz e mandioca), desde 1992 o país não expande sua área plantada. O aumento do preço do feijão, por exemplo, decorreu da conversão da sua produção em terras para cultivo do milho, que tinha preços mais vantajosos no mercado mundial, em função da escalada provocada pelo etanol americano[...] Assim, a dedução lógica desta política que transforma alimento em agrocombustível é a crise mundial dos alimentos.(OLIVEIRA,s/d).[online]. Disponível em: <http://www.hitechlive.com.br/os-biocombustiveis-e-o-preco-dos-alimentos-2/>.Acesso em: 12 de maio de 2009.
De acordo com o exposto pelo geógrafo Ariovaldo Umbelino que aponta fatores
diferenciados para a crise alimentar e o aumento absurdo dos preços dos alimentos essenciais para o
consumo da população, podemos observar que insegurança alimentar no Brasil não é causada
meramente pela falta de alimentos para a subsistência humana associada à falta de dinheiro para
comprá-los, mas principalmente pela falta de interesse político, seja em gerir a política alimentar de
forma que não se tenha como princípios a mera especulação financeira das commodities
alimentares, seja através da ruptura com esse modelo agrário, já discutido anteriormente no capítulo
1 desse trabalho.
Dessa forma, nota-se que, de fato, carecemos de uma política que preze pela soberania de
nossa produção e distribuição agrícola que rompa com a gênese de nossa formação socioeconômica
concentradora de terras e riquezas e de caráter subalterno internacional.
51
Podemos encontrar uma outra análise para a problemática da fome e insegurança alimentar
no Brasil, a qual está presente no próprio texto integrante da Política de Segurança Alimentar do
nosso país. Ela aponta como principal problema a falta de dinheiro para a compra de alimentos.
A fome e a insegurança alimentar no Brasil não são causadas pela falta de alimentos. O problema é a falta de dinheiro para a compra dos alimentos. Por falta de recursos, dezenas de milhões de pessoas não têm acesso a uma alimentação adequada. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO, o Brasil tem uma disponibilidade de alimentos que equivale a 2.960 kcal/dia por pessoa, muito acima do mínimo recomendado de 1.900 kcal/dia. Entretanto, dados da mesma organização apontam que, no Brasil, uma em cada dez pessoas ingere menos de 1.650 kcal/dia em média. A organização não-governamental Instituto Cidadania estimou a população em situação de insegurança alimentar em 44 milhões de pessoas em 1999 e, em 2001,atualizou esse número para 46 milhões. Já o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea chegou a um total de 57 milhões de pessoas pobres em 1999, utilizando um outro conceito: a linha de pobreza baseada na renda total per capita[...].(MESA, 2003)
As informações contidas nesse texto oficial expõem um diagnóstico incompleto ao afirmar
que a insegurança alimentar no Brasil é causada pela falta de dinheiro para comprar os alimentos,
pois deixa de considerar várias mediações que perpassam essa problemática, dentre elas, como foi
dito antes, a falta de interesse político em romper com as velhas estruturas agrárias nacionais. Fato
esse que faz o Brasil, apesar de ser um país com grande crescimento econômico e um dos que
compõe uma das economias mais ricas do mundo, inserir-se na divisão internacional do trabalho e
ser reconhecido internacionalmente como fornecedor de “matérias-primas”, concretizando o que
podemos infelizmente chamar de modernização conservadora.
Se por um lado esse quadro assustador relativo à fome e insegurança alimentar é
constantemente relatado por organismos internacionais, por outro lado não se vincula a esse quadro
sua real essência, a verdadeira causa ou origem de toda a barbárie. Nesse contexto, recorre-se a
ações descontínuas, aos programas sociais, à caridade, ao “terceiro setor”, e uma série de
Organizações Não-Governamentais-ONGs, e além disso, no âmbito estatal e relativo às políticas
sociais recorre-se à Política de Assistência Social, como se essa fosse a única e última instância que
poderia resolver esse problema. No entanto, essa rede de respostas estatais são, cada vez mais,
fragilizadas e desestruturadas pela lógica do corte de gastos públicos como exigências da política
econômica neoliberal.
Para agravar a situação, a problemática da crise ambiental e energética tem sido argumento
forte para legitimar esse novo processo de dizimação da população sobrante associada à
desestabilização e falta de interesse de estruturação de uma política estatal de proteção e seguridade
social. Essa falta de interesse com as políticas públicas sociais tem ligação estreita com a proposta
política-econômica-cultural retomada pelo liberalismo.
52
A proposta de governo neoliberal tem como objetivo reestabelecer os altos índices de
lucratividade após um período de crise marcado pela recessão econômica, e seus defensores
demarcaram a luta pela desestruturação de todos os princípios e ações que marcaram o Estado de
Bem-Estar Social. Vale destacar que,
No período do pós-Segunda Gerra Mundial, a teoria econômica keynesiana constitui o suporte político-ideológico para a expansão do Estado de bem-estar. Este novo formato da política social sustentava-se em dois princípios, o “pleno emprego” e a “igualdade”( ou seja, os “direitos sociais de cidadania”). A intervenção do Estado, assim, se fazia em duas frentes: 1)na política fiscal e financeira e, 2)na política social, ou seja, na expansão do emprego público e na criação de vários “aparelhos de consumo coletivo”, educação, habitação, saúde etc.- que se incorporavam à cultura política na forma de “direitos de cidadania”.(BRANDÃO, 1991:90)
Apesar de nos países periféricos, dentre eles o Brasil, não se poder observar uma
estruturação real do que seria um Estado de Bem-Estar Social, podemos sinalizar que houve
repercussões da sua existência, dentre elas a luta da classe trabalhadora por direitos sociais e a
elaboração da Carta Magna Brasileira, mesmo que tardiamente.
Raramente desenvolvida tem sido, contudo, a relevância histórico-universal do exaurimento do denominado Estado de bem-estar social; salvo em poucos estudos de cariz marxista, este processo foi apreendido enquanto problemática de natureza administrativa, como ilustração da necessidade de redirecionar políticas sociais, como fenômeno de caráter financeiro e tributário ou, mais geralmente no quadro abstrato do esgotamento de padrões ideais de sociedade. Não é frequente colocar-se de manifesto que a crise do Welfare State explicita o fracasso do único ordenamento sócio-político que, na ordem do capital, visou expressamente compatibilizar a dinâmica da acumulação e da valorização capitalista com a garantia de direitos políticos e sociais mínimos.(NETTO, 2001:68)
No entanto, se esse Estado de Bem-Estar Social poderia se consolidar no Brasil após a
Constituição de 1988, essa possibilidade foi e está sendo, cada vez mais, descartada através da
ofensiva da proposta neoliberal que surge, desde a década de 80 do século passado, com o intuito de
[...]lutar contra este desenvolvimento do welfare state e a formação de uma “cultura do bem-estar”( que solapa as bases de um “cultura liberal”), que o liberalismo retorna à cena política na década de 80- transformado, agora, no paradigma neoliberal. Este retorno ocorre justamente num momento de crise na economia europeia e norte-americana[...] esse retorno à cena do liberalismo vai significar uma crítica sistemática à intervenção do Estado- seja na ordem econômica ou social[...].(BRANDÃO, 1991:92)
Podemos observar que esse processo de desestruturação das políticas estatais de proteção e
seguridade social quanto direito social começou a se acentuar a partir da década de 90, através das
ações complementares de diversos governos nacionais, onde visualizamos historicamente o
seguinte:
53
No Governo Collor (1990-1992), o Plano de Reconstrução Nacional baseado no ideário
neoliberal foi um marco de redução intensa com os gastos sociais, retrocessos e reformas
constitucionais negativas, além de ser caracterizado como um dos instrumentos de implantação dos
ideias neoliberais de reforma do Estado. Período em que houve uma drástica perda na área das
políticas sociais, concretizando-se através de uma grande redução dos recursos financeiros,
esvaziamento e/ou extinção dos programas de alimentação e nutrição, dentre outras ações de cunho
negativo e anti-ético. Uma vez que, muitos programas sociais se tornaram alvo dos desvios de
verbas públicas, de licitações extremamente duvidosas, e de outras ações ilícitas que caracterizaram
a vergonhosa e descarada corrupção governamental.
Vasconcelos ressalta que,
Em março de 1990, o governo nomeou para presidente do INAN um representante da Associação Brasileira da Indústria de Nutrição (ABIN), o qual passou a priorizar nitidamente, os interesses dos produtores de alimentos formulados. Assim, o PSA passou a substituir os tradicionais alimentos básicos por produtos industrializados (fiambre bovino, macarrão de milho, leite desnatado enriquecido) enquanto o PNAE interrompia o processo de municipalização, voltando a distribuir produtos formulados.(VASCONCELOS, 2005:447)
No Governo de Itamar Franco (1992-1994) a condição incipiente dos programas sociais
manteve-se apesar da aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS, em 1993. Nesse
período, foi assumido o compromisso de implantação da Política Nacional de Segurança Alimentar
apresentada pelo presidente do Partido dos Trabalhadores (PT). Nessa conjuntura pode-se
identificar que dois marcos foram sinalizados, o Plano de Combate à Fome e à Miséria e a
instituição através de Decreto Presidencial, em 26 de abril de 1993, do Conselho Nacional de
Segurança Alimentar (CONSEA).
Observa-se que a parceria entre governo e sociedade civil, foi caracterizada principalmente
pela ação conjunta do CONSEA/Ação da Cidadania, onde foram desenvolvidas várias atividades,
na tentativa de combater a fome e a miséria do país.
Ao mesmo tempo em que o início da década de 1990 foi marcado por este contexto nefasto, logo em seguida, no ano de 1992, com o impeachment do presidente Fernando Collor, o Movimento pela Ética na Política lançou as primeiras iniciativas da Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida. O objetivo desta ação era despertar a consciência do direito à cidadania através da criação de comitês locais e da elaboração e implementação de projetos de combate à fome e à miséria. Liderada pelo sociólogo Herbert de Souza, a Ação da Cidadania encontrou respaldo na proposta de Política Nacional de Segurança Alimentar, produzida pelo Governo Paralelo do PT, no ano de 1991, que preconizava que o combate à fome precisaria envolver obrigatoriamente medidas de caráter estrutural, além de prever a institucionalização de uma parceria entre governo e sociedade civil, por meio do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea).(SILVA, 2006:09)
54
O esvaziamento da Ação da Cidadania tornou-se evidente no início do ano de 1995, fato que
esteve diretamente atrelado à criação do Conselho Consultivo Comunidade Solidária, no Governo
Fernando Henrique Cardoso (FHC). Vale destacar que as primeiras ações do governo Fernando
Henrique Cardoso (FHC), assinalaram um período de profunda transferência das Políticas Sociais
para a “Sociedade Civil”.
No Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) vivencia-se um período de
agravamento da crise das políticas sociais, num contexto de juros altos, elevação da recessão e do
desemprego, redução de direitos sociais e privatizações de patrimônio público. Observa-se dois
grandes marcos na desconstrução das políticas sociais enquanto políticas públicas.
Como primeiro grande marco, podemos sinalizar o Plano Diretor de Reforma do Estado
que se estrutura como um receituário com lógica privatizante dos Serviços Sociais públicos, no
intuito de reduzir os gastos estatais com as políticas sociais públicas, e garantir os super-lucros para
as grandes empresas internacionais. Nesse sentido, observa-se a negação da política social pública,
que nesse contexto se apresenta como “focalizada, desconcentrada e precarizada”. Intensificando-se
a remercantilização dos serviços sociais e a refilantropização das respostas à “questão social”.
Para Bresser Pereira, “O Estado do século XXI é o Estado social liberal e, para tanto, são
necessários os seguintes processos básicos: redução do grau de interferência do Estado-
desregulamentação; aumento da governança do Estado; aumento da governabilidade; delimitação da
área de atuação.”(BRESSER apud CAVALCANTI,2001:41). Nesse sentido, propõe-se a redução da
intervenção estatal numa série de atividades na área social e científica consideradas não exclusivas,
dessa forma, as atividades referentes à assistência social, são relegadas para um âmbito de
intervenção pública porém não estatal.
No primeiro governo FHC (1995-1998), não foram observadas mudanças significativas
quanto aos programas de alimentação e nutrição desenvolvidos nos moldes dos governos anteriores.
No segundo governo FHC (1999-2002), já podemos visualizar algumas intervenções dentre
elas, a emissão da Portaria Nº 710 do Ministério da Saúde, de 10 de junho de 1999,que aprova a
Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) e a adoção da Medida Provisória Nº 2.206, de
10 de agosto de 2001, que cria o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Saúde (Bolsa
Alimentação).
Como resposta a esse novo modelo de intervenção mínima na área social é que podemos
visualizar o segundo marco de desconstrução da implementação das políticas sociais quanto
políticas públicas: o Programa Comunidade Solidária, onde entra em cena o Terceiro Setor como o
responsável em promover a Assistência Social.
De acordo com essa proposta reformista,
55
O Estado é, assim, incapaz de resolver esses impasses que se agravam ao longo de anos e décadas, devendo, portanto, seu ônus ser dividido com a sociedade como um todo. Aqui converge a ideia de solidariedade com os menos favorecidos, já que o Estado não é capaz de garantir direitos sociais para todos. É aqui também que converge a análise da Comunidade Solidária, em especial com o Conselho desta já que este busca imprimir um novo modelo de relação Estado-mercado- sociedade civil.(CAVALCANTI, 2001:46)
Segundo Elaine Behring (1998), a crise do Estado apontada por Bresser Pereira (1997), na
realidade faz parte da crise do próprio capital, que tem na atuação do Estado, sucessivas tentativas
de contê-la. Ela destaca ainda que é inerente à dinâmica do capital ciclos econômicos
acompanhados de crises e períodos de expansão e acumulação econômica.
Sendo assim, a crise do Estado faz parte de uma crise do capital, e a necessidade de reformar
esse Estado advém da própria necessidade de expansão do capital.
Para Behring(1998) a política social situa-se não meramente enquanto uma estratégia
econômica, mas também política, de legitimação e controle da classe trabalhadora. Para a autora,
embora, a política social não seja redistributiva, como se pretendia, e tampouco consiga solucionar
os problemas gerados na essência da acumulação capitalista, é preciso hoje, mais do que nunca,
buscar garantias para a sua expansão, pois, “para a política social, a grande orientação é a
focalização das ações, com estímulo a fundos sociais de emergência”(BEHRING,1998:187).
Diante do exposto é notório que a criação do Programa Comunidade Solidária24, pelo
Decreto Nº 1.366, de 12/01/95, a extinção do CONSEA e a criação do Conselho do Comunidade25
Solidária, tendo como presidente a primeira dama do país, Ruth Cardoso, consolidaram-se como um
forte arcabouço de orientação neoliberal que sinalizaram um retrocesso para a estruturação das
políticas públicas, uma vez que, retoma modalidades conservadoras no trato às expressões da
questão social, como por exemplo, o apelo à caridade e ao primeiro damismo.
Nesse sentido,
O primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (até 1998) foi marcado pelo desmonte e desestruturação de áreas e programas referentes à Segurança Alimentar. Entre 1995 e 1999 houve uma redução de 20% no orçamento dos programas do Ministério da Agricultura que faziam interface com o tema da Segurança Alimentar; a Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB teve suas ações desarticuladas e o INAN foi extinto em 1997, fragilizando os programas de suplementação alimentar.(COSTA;PASQUAL,2006:04)
Ainda sobre a extinção do CONSEA, é interessante notar que além de ter significado um 24
Nesse sentido , vale ressaltar que ao ser instalado, o Programa Comunidade Solidária não se tratava apenas de programa com caráter executivo, mas como uma nova estratégia de gerenciamento dos programas sociais. 25 O Conselho do Comunidade Solidária era apenas um órgão governamental de consulta à sociedade civil, que tinha como eixo estratégico articulador e integrador de políticas setoriais, a questão da pobreza e não mais a segurança alimentar e nutricional, como era no Consea. Neste Conselho, a questão da segurança alimentar e nutricional passou a ser diluída nos seus variados componentes (alimentação e nutrição, questão agrária, geração de emprego e renda, etc.), perdendo, assim, a sua centralidade (Burlandy, 2003; Institudo Cidadania, 2001).(SILVA, 2006:10)
56
retrocesso quanto à garantia de um mecanismo de controle social, representou também a opção do
Estado no desenvolvimento de ações compensatórias e localizadas dentro da lógica de uma rede de
proteção social mínima, conforme o preconizado pelo capital hegemônico mundial através de suas
agências FMI- Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial.
Ao longo dos anos 1999-2002, a situação acima se agrava, ainda mais, através de um
progressivo esvaziamento da atuação do Programa Comunidade Solidária no campo do combate à
fome, a extinção do PRODEA - Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos e a
substituição do ICCN - Incentivo ao Combate às Carências Nutricionais pelo Programa Bolsa
Alimentação. Busca-se a saída através do mecanismo de transferência direta de renda, e esse
Programa destaca-se como uma nova modalidade de intervenção nutricional no país.
No caso do Brasil, os programas começaram por iniciativa dos governos municipais e estaduais, ainda em 1995, e o governo federal seguiu pela trilha aberta pelas instâncias subnacionais. Em 1998, porém, o governo federal, por meio da legislação que autorizou a concessão de recursos financeiros aos municípios (com certos critérios técnicos) que quisessem implantar programas de renda mínima associada à educação e não dispusessem de recursos, deu início a uma iniciativa de certa envergadura. O projeto, no entanto, foi abandonado e a partir da metade do segundo governo do presidente FHC teve lugar uma etapa de criação de programas em ministérios setoriais: Bolsa Escola (MEC), Bolsa Alimentação (MS), Auxílio Gás (MME) e Bolsa Renda para as situações de emergência (secas e inundações) nas áreas rurais. O governo Lula, por sua vez, instituiu o Cartão Alimentação (MESA) como um acréscimo de renda aos beneficiários dos demais programas com ênfase na região do semi–árido. O programa era um dos componentes da política denominada Fome Zero. Estes programas foram unificados em outubro de 2003, dando origem ao programa Bolsa Família, que é um programa de transferência monetária com condicionalidades: saúde e educação.(FONSECA;VIANA,2007:1507)
Os crescentes ataques à política social, marcas da implantação do projeto neoliberal, têm
como operacionalidade direta os cortes nos gastos sociais, que aparecem como uma saída lógica
para a superação do déficit público. Dessa forma, essa medida não poderia deixar de ter
rebatimentos diretos no que diz respeito a cortes de programas sociais, revalorização das novas
formas de ajuda social, e até mesmo a criminalização da pobreza.
Atualmente, no Brasil, apesar da existência de uma Política Nacional de Assistência Social-
PNAS- 2004, do Sistema Único da Assistência Social - SUAS e mesmo diante de uma maior
abrangência de programas de transferência de renda como o Bolsa-Família, e de políticas e
programas direcionados para o seu enfrentamento como o Programa Fome Zero, a problemática da
fome é persistente.
Diante do exposto, verifica-se que as políticas sociais como alternativa de resposta às
demandas colocadas pelas diversas expressões da questão social, e dentre elas a garantia do direito à
alimentação, tem um histórico de fragilidades e permeado pela negação de direitos sociais. É nesse
57
sentido que PORTO (2001) é coerente ao afirmar que:
Frente ao acentuado contingente de pobres e excluídos, o Estado brasileiro tem respondido com medidas assistenciais compensatórias, que seguramente não resultam em melhorias na qualificação das condições de vida da população. Pelo contrário, a situação dos excluídos vem paulatinamente se agravando, atingindo-se os anos 90 com os segmentos demandatários da assistência social pública imersos numa situação de expressiva miserabilidade, tendo em vista o desmantelamento dos programas assistenciais que, mesmo estando assegurados por meio de um aparato de seguridade social e normatizados por uma lei orgânica, vêm sendo irresponsavelmente descumpridos.(PORTO, 2001:29)
O descaso frente à necessidade de implementação de uma política social de segurança
alimentar é notório, uma vez que essa deveria estar integrada não apenas à distribuição de
alimentos, mas também a uma proposta de redistribuição de terras e rendas, associada a uma
política de reforma agrária que fosse efetiva, uma vez que o problema dos trabalhadores urbanos
não está dissociado do problema dos trabalhadores rurais.
2.3 - ATUAL POLÍTICA NACIONAL DE SEGURANÇA ALIMENTAR:
PROGRAMA FOME ZERO
A elaboração do Projeto Fome Zero antecede a vigência do Governo Lula. Esse Projeto foi
elaborado, através do Instituto Cidadania, com o apoio de importantes especialistas no tema e vários
segmentos da sociedade civil, como uma iniciativa de domínio público e suprapartidário. A proposta
era apresentar uma política nacional participativa de segurança alimentar e combate à fome para o
país, que contemplasse 44,043 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.
Foi divulgado, em 2002, na eleição para a Presidência da República, pelo candidato do PT,
Luiz Inácio Lula da Silva, ganhando significado no seu discurso de posse, quando ratificou que o
combate à fome é a prioridade do seu governo e sua missão pessoal.
O PFZ ganhou uma dimensão mundial, quando o Presidente Lula, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, reiterou, mais uma vez, sobre esta prioridade do seu governo, propondo um fundo global de combate à fome e à miséria, financiado pelo grupo dos países mais ricos do mundo (G7). Este fundo seria uma forma de criar oportunidades de inclusão social para a população que vive abaixo da linha da pobreza no mundo. (SILVA, 2006:13)
O Governo Lula, lança no dia 30 de janeiro de 2003, o Programa Fome Zero26, colocando
2 6 Ressaltamos que essa palavra é colocada entre aspas devido às discrepâncias entre as ações previstas pelo Projeto Fome Zero
58
em destaque o discurso acerca do pacto social, combate à fome e à miséria, direito à alimentação e
segurança alimentar como prioridades da agenda pública brasileira para os próximos quatro anos.
No entanto, o Projeto Piloto do PFZ do Governo Lula
[...] pelo fato de não ter sido elaborado e instituído com a participação do Consea, recebeu várias críticas em relação às ações que estavam sendo implementadas, tais como: as ações escolhidas para o projeto-piloto estavam se tornando assistencialistas, uma vez que não estavam sendo implementadas as ações estruturais; a fiscalização das compras de alimentos (apresentação de notas fiscais ou comprovantes) dos beneficiados do Programa Cupom Alimentação estava burocratizando e onerando os custos do programa; e o Programa Cupom Alimentação que deveria beneficiar as famílias em situação de insegurança alimentar com uma renda adicional entre R$ 50,00 a R$ 250,00, passou a se limitar ao teto de R$ 50,00. (SILVA,2006:13)
De acordo com o exposto podemos observar que as principais causas dessas críticas estavam
relacionadas com a discrepância do que estava sendo proposto no “Projeto Piloto Fome Zero” e o
que estava sendo implementado durante o Governo Lula naquele período. Além de estarem
relacionadas com o fato de o “PFZ, após poucos dias do seu lançamento, ter extinguido a Secretaria
Especial de Segurança Alimentar e criado o Ministério Extraordinário da Segurança Alimentar e
Combate à Fome (MESA)”. (SILVA, 2006:13)
De acordo com Souza e Almeida Filho,
Até 2002 as ações de combate à fome estiveram circunscritas a movimentos realizados pela sociedade, em que o Estado (ou os governos) se envolviam de uma forma superficial sem apresentar um programa social de governo que contemplasse a questão da fome. Neste sentido, o tratamento desse tema como prioridade de programa de governo foi uma novidade. Desde então, o combate à fome vem sendo socialmente considerado como um dos requisitos ao desenvolvimento nacional. Por outro lado, esse consenso social da importância do combate à fome não se traduz num consenso a respeito das ações a serem adotadas como parte de uma política oficial. A proposta original do Instituto de Cidadania incorporava a idéia de que um programa de combate à fome não podia se circunscrever a uma ação compensatória, mas devia alcançar ações de mudança social inclusiva, que permitissem que a parcela marginalizada da população brasileira ter acesso a condições de geração própria de renda, através da emancipação ou inclusão social. Embora os contornos iniciais das ações do Governo Lula tenham sido orientados por essa concepção, a demora de obtenção de resultados, devido à profundidade e complexidade das ações, impôs uma revisão de concepção do programa na direção de uma proposta de renda mínima, com medidas mais orientadas para o âmbito emergencial. (SOUZA;ALMEIDA FILHO, 2005:04)
O CONSEA, que tinha sido extinto no Governo FHC foi reeditado a partir da Medida
Provisória Nº 102 de 1º de janeiro de 2003 e depois regulamentado pelo Decreto nº 4.582, de 30 de
janeiro de 2003. Nesse mesmo ano foi aprovado o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza
(FCEP) que era composto por doações de pessoas físicas e jurídicas nacionais e internacionais. Vale
ressaltar que durante esse ano tanto o PFZ e FCEP ficaram sob a gestão do MESA. Entretanto
proposto pelo Instituto de Cidadania e o que tem sido instituído desde o início de sua implantação no Governo Lula.
59
devido a várias críticas e outras contradições intergovernamentais o MESA foi extinto, em janeiro
de 2004, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que
passou a realizar todas as suas atividades.
A criação do MDS surgiu da unificação do Mesa, do Ministério da Assistência Social e da Secretaria do Programa Bolsa-Família, vinculada à Presidência da República. Esta unificação aconteceu, sobretudo, por causa de alguns problemas na gestão do PFZ. Inicialmente, dois problemas interministeriais contribuíram de certa forma para esta unificação. O primeiro deles está relacionado à disputa do MESA com o Ministério da Assistência Social, que almejavam assumir a gestão e o acompanhamento dos programas (Bolsa-Escola e Bolsa-Alimentação), que recebiam recursos do FCEP. O segundo, que também está relacionado com esses dois ministérios, tem relação com a lentidão do Cadastro Único, utilizado no PFZ/Mesa, mas que estava sendo realizado pelo Ministério da Assistência Social. Um outro problema que também contribuiu para esta unificação tem relação com a dificuldade do PFZ em expandir suas ações. Mesmo com a estratégia do Mesa em unificar quatro programas de transferência de renda27 (Cupom Alimentação/Mesa,Bolsa- Escola/Ministério da Educação, Bolsa-Alimentação/Ministério da Saúde e Auxílio-Gás/Ministério das Minas e Energia), originando, assim, um novo Programa do Fome Zero – o Bolsa-Família, esse problema continuou a persistir.(SILVA, 2006: 14-15)
Além da criação do Programa Bolsa-Família, houve em 2004, a instalação de restaurantes
populares nos grandes centros urbanos, aquisição de produtos da agricultura familiar, implantação
de hortas comunitárias, distribuição emergencial de alimentos, dentre outras ações mais voltadas
para a distribuição de insumos alimentícios, e de “transferência de renda”.28 Diferentemente do
Projeto Inicial, que estava centrado em propostas mais estruturantes acerca das respostas a serem
dadas frente ao problema da fome, observa-se que as ações do PFZ, cada vez mais, são
concretizadas de forma essencialmente emergencial e que simbolicamente para a maioria da
população pobre e miserável brasileira o Programa Bolsa-Família parece ser o único programa
existente.
Mais adiante no Cap. 3 dessa dissertação iremos detalhar melhor como a política de
assistência social está respondendo na Cidade do Recife às demandas de segurança alimentar,
através desse viés mais focalista e como estão funcionando os programas de distribuição de
insumos alimentícios dentro dessa perspectiva.
Diante do exposto, fica evidenciado o caráter contraditório do Programa Fome Zero, que ao
ser intitulado como principal proposta de combate à fome no país pelo Governo Lula, na realidade,
2 7 Segundo SILVA(2006:15) os “valores dos benefícios dos programas que foram unificados no Programa Bolsa-Família – Programa Auxílio-Gás destinava R$ 7,50 por mês às famílias para complementar o preço do botijão de gás; o Programa Bolsa-Escola pagava R$ 15,00 para cada filho entre 6 e 15 anos, até o limite de três filhos por família; o Programa Bolsa-Alimentação atendia às famílias que têm filhos de até 6 anos, pagando R$ 15,00 por filho, até o limite de três filhos e o Programa Cupom- Alimentação destinava, contrariamente ao proposto, R$ 50,00 por mês às famílias que tenham filhos ou não.” 28 Coloco o termo “transferência de renda” aspeado pois essa transferência de renda para a classe trabalhadora na realidade brasileira representa uma falácia. Ou melhor, seria mais viável a pergunta transferência de renda de quem pra quem? Quando observamos a política econômica e social brasileira identificamos práticas históricas de subsídio estatal para o grande capital em detrimento da transferência dos lucros dos capitalistas para a classe trabalhadora.
60
diante das suas intensas fragilidades, foi mais eficaz como slogan e instrumento utilizado para dar
visibilidade e legitimidade internacional e nacional ao Governo Lula.
A reflexão que Souza e Almeida Filho fizeram no artigo intitulado Fome Zero: dilemas de
concepção e implementação nos primeiros dois anos do governo Lula, reforça o que foi colocado
anteriormente sobre o impacto desse Programa para o governo brasileiro. Segundo os autores:
Se considerada em nível da política externa de governo, esta marca ganhou uma importância decisiva, pois a defesa da adoção pela ONU de um programa de combate à fome em nível supranacional, sustenta uma ação mais ampla defendida pelo Brasil de expansão dos canais decisórios daquela organização aos países em desenvolvimento. Não por acaso, o País é candidato a membro do Conselho de Segurança da ONU, numa situação em que o mesmo seja remodelado e ampliado. (SOUZA;ALMEIDA FILHO,2005:03)
2.4 - DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO E OS INSTRUMENTOS
JURÍDICOS INTERNACIONAIS
A ampliação dos direitos humanos29, diante da barbárie após a Segunda Guerra Mundial,
esteve associada a uma grande conquista para a classe trabalhadora, diante das atrocidades e
violências às quais muitos foram submetidos e ainda são até os dias atuais. Esses direitos, no
entanto, apresentam uma formalidade característica que, muitas vezes, é reduzida a enunciados e
igualdades jurídicas em detrimento à impossibilidade de uma igualdade real, uma vez que, classes
distintas se apropriam de forma bastante diferenciada da riqueza social.
Segundo Porto,
Marx denuncia o caráter formal e abstrato dos denominados direitos do homem, sinalizando os seus limites efetivos: a liberdade reduz-se à liberdade de mercado, a igualdade manifesta-se meramente no aspecto jurídico, a fraternidade dá-se no plano da retórica ou da religião. O argumento decisivo de Marx é que o projeto de emancipação, propagado originalmente pela burguesia em ascensão, diluiu-se face à lógica da acumulação e valorização do capital dinamizada por esta classe social, traduzindo-se, na realidade, em simples emancipação política e inaugurando nesta dimensão a figura do cidadão.(PORTO, 2001:18)
Diante do exposto podemos considerar que o esforço na reconstrução dos direitos humanos,
não se situa apenas como forma de sanar ou remediar as consequências pós-2ª Guerra Mundial 29
O movimento de internacionalização dos direitos humanos constitui um movimento extremamente recente na história, surgindo, a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. Se a 2ª Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar a sua reconstrução. É neste cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. http://www.social.org.br/relatorio2001/relatorio027.htm acessado em 22/08/2009.
61
associadas ao quadro de barbárie atual, tenta-se estabelecer a partir da garantia desses direitos um
paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional capitalista contemporânea.
As tentativas de legitimação do Direito Humano à alimentação adequada fazem parte desse
processo contraditório. Em que esse direito foi reconhecido e legitimado, por vários instrumentos
internacionais que ideologicamente foram elaborados com objetivos específicos, num contexto
contraditório, que se por um lado foi fruto das conquistas dos movimentos sociais da classe
trabalhadora, por outro lado, sinalizaram uma grande conquista ideológica para o capital ao trazer
para a classe trabalhadora a “mínima confiança” de que poder-se-ia limitar as consequências da
barbárie pós-Segunda Guerra Mundial. Como já foi dito antes tais direitos são regulamentados em
documentos de caráter internacional.
Dentre tais documentos, podemos destacar:
2.4.1- A Carta das Nações Unidas (1945)
A Carta das Nações Unidas, também conhecida como Carta de São Francisco, trata de um
acordo constitutivo, em que todos os membros estão sujeitos aos seus artigos. Foi assinada em São
Francisco a 26 de junho de 1945, pelos 51 estados membros originais, após o término da
Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, entrando em vigor a 24 de
outubro daquele mesmo ano. Essa Carta postula que as obrigações às Nações Unidas prevalecem
sobre quaisquer outras estabelecidas em tratados diversos. A maioria dos países que participaram
dessa conferência a ratificaram.30
Historicamente foi um marco que estabeleceu a organização internacional alcunhada Nações
Unidas, documento que, logo após a Segunda Guerra Mundial, criou a Organização das Nações
Unidas em substituição à Liga das Nações como entidade máxima da discussão do Direito
Internacional e fórum de relações e entendimentos supra-nacionais.31
Vale ressaltar que o seu Art. 55 reconhece como princípios fundantes a igualdade de direitos
e a livre determinação entre os povos, no sentido de promover condições de bem estar social e
aumento dos níveis de vida: "com o propósito de criar as condições de estabilidade e bem-estar
necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da
30 www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php , acesso em 10 de outubro de 2008.
31 Idem
62
igualdade de direitos e ao da livre-determinação dos povos, as Nações Unidas promoverão: a) níveis
de vida mais elevados, trabalho permanente para todos e condições de progresso e desenvolvimento
econômico e social.” 32
A Carta das Nações Unidas é um marco relevante para a garantia do Direito à Alimentação,
mesmo que não enuncie de forma direta e explícita a garantia desse direito básico, ao reconhecer
como princípios fundantes os elencados acima, descritos no seu Art. 55, fica implícito o
reconhecimento nessa Carta do Direito Humano à Alimentação, uma vez que, sem a garantia desse
direito não seria possível alcançar, por exemplo, níveis de vida mais elevados.
2.4.2- A Declaração Universal de Direitos Humanos (1948)
Em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos que delineia os
direitos humanos básicos foi adotada pela ONU. A iniciativa, que contou com 48 votos a favor e
oito abstenções, surgiu como uma reação mundial às atrocidades testemunhadas durante a Segunda
Guerra (1938-1945). 33
A Assembleia Geral proclamou a presente Declaração como o ideal comum a ser atingido
por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo, e, cada órgão da
sociedade promova o respeito a esses direitos e liberdades, e, adote medidas progressivas de caráter
nacional e internacional, para assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e
efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios
sob sua jurisdição.34
Embora não seja um documento que representa obrigatoriedade legal, serviu como base para
os dois tratados sobre direitos humanos da ONU, de força legal, o Tratado Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, e o Tratado Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.35
De acordo com entrevista realizada e exibida através do vídeocast do jornal Folhaonline,
realizada aos 10/12/2008- 08h53, Regina Célia Pedroso, professora de direito da Universidade
Mackenzie e autora do livro 10 de Dezembro de 1948. A Declaração Universal dos Direitos
Humanos (Editora Nacional, 2005) fala sobre o surgimento da declaração. Segundo a professora
em tela: 32
Idem
33 http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php acesso em 10 de outubro de
2008 34 Idem 35 Idem
63
A declaração surge na sombra da criação da ONU, por causa dos grandes genocídios do século 20, [...] como os 6 milhões de judeus que foram mortos pelo nazismo durante o Holocausto", explica. Ressalta, contudo, que a inspiração para o conteúdo da declaração vem do século 18 --marcado pela Revolução Francesa (1789) e a independência americana. "A declaração encerrou um ciclo histórico de mudanças, foi a última grande conquista da história dos direitos do homem". Assim, a declaração, que estabelece que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos", coloca o homem como centro da história, definido por sua humanidade e não mais por sua classe social. Embora a Declaração Universal não tenha caráter de legislação, o seu texto influenciou diretamente a constituição de diversos países, incluindo a brasileira, em 1988. "Nós nos tornamos assimiladores dos direitos humanos após a transição política [da ditadura para democracia] em 1988", lembra Pedroso. A partir desta constituição, o Brasil caminhou para a aprovação de uma série de estatutos --como o da criança e do adolescente e do idoso-- como instrumentos legais dos conceitos pressupostos nos artigos.(PEDROSO, R.C. entrevista ao Jornal FolhaOnline, 10-12-2008)
Essa Declaração, no seu Art. 25, assegura como um dos direitos humanos básicos a
alimentação. Sendo assim, vale destacar o que é preconizado no Art. 25: “Todo ser humano tem
direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive
alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à
segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos
meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”
2.4.3-O Pacto Internacional de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e
Culturais (1966)
O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas
foi adotado e aberto à assinatura, ratificação e adesão por via da Resolução da Assembleia-Geral n.º
2200-A (XXI) de 16 de Dezembro de 1966, depois de cerca de 20 anos de debates relativos à sua
redação. Entrou em vigor uma década mais tarde, em 3 de Janeiro de 1976. 36
Esse pacto contém algumas das disposições legais mais importantes no plano internacional
relativas aos direitos econômicos, sociais e culturais, referentes ao direito a trabalhar em condições
dignas e favoráveis, à proteção social, a um nível de vida adequado, ao alcance dos níveis mais
elevados de saúde física e mental, à educação e ao gozo dos benefícios da liberdade cultural e do
progresso científico.37
36
Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais,16 de Dezembro de 1966. Disponível em: http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhuniversais/cidh-dudh-psocial.html. Acesso em: 10/10/2008. 37 Idem.
64
No seu Art. 11, ratifica o que está preconizado na Declaração dos Direitos Humanos de
1948, relativo ao Direito à Alimentação, e além disso, acrescenta o direito fundamental de toda
pessoa a estar livre da fome, observe: “1- Os Estados partes no presente Pacto reconhecem o direito
de toda pessoa a um nível de vida adequada para si e para a sua família, inclusive alimentação,
vestuário e habitação adequados, e a uma melhoria contínua das condições de existência. Os
Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a efetividade deste direito,
reconhecendo para esse efeito a importância essencial da cooperação internacional fundamentada
no livre consentimento. 2- Os Estados Partes no presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental
de toda pessoa a estar livre da fome, adotarão, individualmente e mediante a cooperação
internacional, as medidas, inclusive programas concretos, necessárias para: a) melhorar os métodos
de produção, conservação e distribuição de alimentos, mediante a plena utilização dos
conhecimentos técnicos e científicos, a divulgação de princípios sobre nutrição e o aperfeiçoamento
ou a reforma dos regimes agrários de forma a assegurar forma mais eficazes de desenvolvimento e
utilização dos recursos naturais. b) assegurar uma distribuição equitativa do suprimento mundial de
alimentos em relação às necessidades, tendo em conta os problemas existentes tanto nos países que
importam produtos alimentícios como nos que os exportam”.38
2.4.4- Declaração de Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial e Plano de
Ação da Cimeira Mundial da Alimentação (1996):
Nessa declaração foi reafirmado o direito de todos a terem acesso a alimentos seguros e
nutritivos, em consonância com o direito a uma alimentação adequada e com o direito fundamental
de todos a não sofrerem fome.
Aqui foram firmados os seguintes compromissos:
Garantia de um ambiente político, social e econômico propício, destinado a criar as
melhores condições para erradicar a pobreza e para uma paz duradoura, baseada numa plena
e igualitária participação de homens e mulheres, que favoreça ao máximo a realização de
uma segurança alimentar ao alcance de todos.
Implementação de políticas que tenham como objetivo erradicar a pobreza e a desigualdade,
melhorar o acesso físico e econômico de todos, e a todo momento, a alimentos suficientes,
38 Idem.
65
nutricionalmente adequados e seguros, assim como à sua utilização eficiente.
Prosseguir com políticas e práticas participativas e sustentáveis de desenvolvimento
alimentar, agrícola, de pesca, florestal e rural, em zonas de alto e baixo potencial produtivo,
as quais são fundamentais para assegurar uma adequada e segura provisão de alimentos a
nível familiar, nacional, regional e global, assim como para combater as pragas, a seca e a
desertificação, considerando o caráter multifuncional da agricultura.
Esforçar-se em assegurar que os alimentos e as políticas comerciais agrárias e comerciais em
geral contribuam a fomentar uma segurança alimentar para todos, através de um sistema
comercial mundial justo e orientado ao mercado.
Empenhar-se a prevenir e a estar preparados a enfrentar as catástrofes naturais e emergências
de origem humana, bem como a fazer face às necessidades provisórias e urgentes de
alimentos de maneira a que encorajem a recuperação, reabilitação, desenvolvimento e
capacidade de satisfazer as necessidades futuras.
Promover a distribuição e a utilização de investimentos públicos e privados para fazer
progredir os recursos humanos, os sistemas alimentares, agrícolas, piscícolas e florestais
duradouros e o desenvolvimento rural em áreas de alto e baixo potencial.
Executar, monitorar e dar prosseguimento a este plano de ação, a todos os níveis, em
cooperação com a comunidade internacional.”(Declaração de Roma, 1996)39
Vale ressaltar que o Plano de Ação da Cimeira Mundial da Alimentação foi formulado em
conformidade com os objetivos e princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional,
esforçando-se para consolidar os resultados de outras conferências das Nações Unidas, organizadas
desde 1990, sob o tema da segurança alimentar.
Ainda segundo esse Plano de Ação podemos observar que:
“A implementação das recomendações é um direito soberano e da responsabilidade de cada Estado, mediante a legislação nacional e a formulação de estratégias, políticas, programas e prioridades de desenvolvimento, em conformidade com todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, incluindo o direito ao desenvolvimento, com o pleno respeito dos diversos valores religiosos e éticos, origens, culturas e convicções filosóficas dos indivíduos, assim como das suas comunidades; e devem contribuir para que todos desfrutem plenamente dos direitos dos seres humanos, de obter a segurança alimentar.”(Declaração de Roma, 1996, http://www.fao.org/DOCREP/003/W3613P/W3613P00.HTM, acessado em 14/05/2009)
Não podemos deixar de considerar as contradições que permeiam esses instrumentos 39 http://www.fao.org/DOCREP/003/W3613P/W3613P00.HTM, acessada em 14/05/2009.
66
jurídicos relativos à garantia do Direito Humano à Alimentação, esse Plano de Ação da Cimeira
Mundial de Alimentação ao mesmo tempo que traz inúmeras recomendações e inovações referentes
à implementação de ações que tente garantir a segurança alimentar, não deixa de estar associado as
propostas neoliberais para as políticas sociais. Além disso, parece desconsiderar a gênese e essência
do problema da fome, uma vez que, ao responsabilizar cada Estado pela implementação das
recomendações contidas no documento não situa essa problemática dentro do contexto atual
marcado pelo domínio do Imperialismo. (Sobre a influência do Imperialismo cfr. Capítulo 1 dessa
dissertação)
2.5 - INSTRUMENTOS JURÍDICOS E POLÍTICOS NACIONAIS REFERENTES
AO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO
Somando-se a isso, podemos destacar como instrumentos políticos e jurídicos nacionais que
ratificam a garantia do direito à alimentação, os seguintes:
2.5.1- A Carta Magna Brasileira (1988)
A Constituição Federal de 1988 foi um dos instrumentos jurídicos que vislumbrou a
tentativa de consolidar a “democracia” no Brasil, depois de mais de 20 anos de Regime Militar
quando os direitos individuais foram restringidos. O resgate das garantias e liberdades individuais,
que eram asseguradas na Constituição de 1946 e que foram desrespeitadas a partir do regime
militar, foi fundamental na construção do que se chamou de “Constituição Cidadã”, em 1988, que
privilegia a dignidade da pessoa humana.
Graças à mobilização da sociedade, as políticas sociais tornaram-se centrais, nessa década, na agenda de reformas institucionais que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Nesta Constituição, a reformulação formal do sistema de proteção social incorporou valores e critérios que, não obstante antigos no estrangeiro, soaram, no Brasil como inovação semântica, conceitual e política. (PEREIRA, 2000:152)
Segundo, o Art. 6 da Constituição de 1988, são definidos como direitos sociais “a educação,
a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
67
à infância, à assistência aos desamparados”. E, de acordo com o Art. 23, podemos visualizar como
competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: “VIII-fomentar a
produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; X- Combater as causas da pobreza e
os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.”
Em um país como Brasil, com as tradições político-econômicas e socioculturais delineadas anteriormente, e que apenas a partir da Constituição de 1988 passa a ter em perspectiva a construção de um padrão público universal de proteção social, coloca-se um quadro de grande complexidade, aridez e hostilidade, para a implementação dos direitos sociais, conforme o estabelecido no artigo 6° da Constituição Federal. Esta institui como direitos a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência social. Prevalece o consenso de que a introdução da seguridade social na Carta Magna de 1988 significou um dos mais importantes avanços na política social brasileira, com possibilidade de estruturação tardia de um sistema amplo de proteção social(Fleury, 2004;Behring, 2003;Mota, 1995;Vianna, 1998;Pereira,1996 e 2000, Boschetti, 2003) mas que não se materializou, permanecendo “inconclusa”(Fleury).(BEHRING;BOSCHETTI, 2006:156)
Mesmo diante dos direitos expressos acima, como “assistência aos desamparados”,
“combate às causas da pobreza e fatores de marginalização”, “organização do abastecimento
alimentar” apesar de estarem indiretamente relacionados com a garantia do direito à Alimentação,
no texto Constitucional de 1988, não identificamos formalmente algum artigo que seja claro quanto
o acesso a esse direito.
2.5.2- A Lei Orgânica da Assistência Social- LOAS (1993)
A Lei Orgânica da Assistência social prevê no seu Art.1, que a assistência social é
“[...]direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que
provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública
e da sociedade, para garantir as necessidades básicas.” E no Parágrafo Único do seu Art. 2 podemos
observar o seguinte: “A assistência social realiza-se de forma integrada às outras políticas setoriais,
visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais e à universalização dos
direitos sociais.”
Ressaltamos que a LOAS foi aprovada em 1993, e significou algumas mudanças no cenário
nacional. Fixando novas bases para a gestão da assistência e para a política de proteção social, e
além de definir a Assistência Social como um direito do cidadão e um dever do Estado.
68A inclusão da assistência social no Sistema de Seguridade Social, juntamente com as políticas de saúde e previdência está provocando, desde então, transformações legais e institucionais, regulamentadas em diversas legislações. Ao ser regida por novas regras, a assistência social, especificamente deve reorganizar tanto os benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, quanto ao mecanismo de financiamento e de gestão político-institucional. Por outro lado, ao instituí-la como política de seguridades social, o Estado brasileiro passa a reconhecer a assistência como parte de um sistema mais amplo de proteção social, de modo que sua articulação com as demais políticas torna-se obrigatória e indispensável, sendo condicionada, mas também condicionando as políticas sociais governamentais. A implementação de mudanças legalmente propostas assume um caráter de verdadeiro desafio se consideradas as características históricas que marcaram a assistência social no Brasil: descontinuidade, pulverização e paralelismo, além da forte subjugação clientelista no âmbito das ações e serviços; centralização tecnocrática, fragmentação institucional, ausência de mecanismos de participação e controle popular e opacidade entre o público e o privado na esfera da gestão governamental e da atuação de entidades assistenciais que recebem recurso público. No âmbito do financiamento predominava a ausência de critérios claros e transparentes que definissem as fontes e o destino dos recursos e inexistência de um fundo específico para a área, o que impedia o acompanhamento e o monitoramento tanto das formas de financiamento quanto dos montantes previstos, orçados e executados[...]”(BOSCHETTI, 2003:77-78)
A LOAS foi e é um marco para implementação da Assistência Social, no Brasil, como
política pública de direito dos brasileiros e dever do Estado. Contribuindo para a crítica histórica
relativa às práticas de benemerência e caridade, onde o Estado não tinha nenhum compromisso
legal com as famílias mais pobres ou as que vivem em situação de vulnerabilidade. Para estas
pessoas restava apenas a boa vontade da sociedade civil.
No entanto, é interessante um debruçar-se mais crítico no que se refere às ambiguidades e
limites da implementação da LOAS. Rosa Yoko Okabayashi ao realizar uma análise sobre a
descentralização da assistência e a universalização dos direitos sociais sinaliza que,
A partir da Constituição de l988 e com a promulgação da LOAS em 07/12/1993, a assistência adquire uma nova visibilidade, saindo das esferas acadêmicas e ganhando espaço nas esferas federais, estaduais e municipais, bem como, junto aos segmentos da sociedade civil interessados na descentralização e implementação da política de assistência social no país. Apesar disso, a questão da municipalização da assistência e a da universalização dos direitos, ainda constituem pontos que sugerem uma reflexão mais crítica, que traga à luz do debate, novas ambiguidades e limites na implementação da lei. (OKABAYASHI, 1998:117)
Apesar da universalização dos direitos sociais da população estar presente enquanto
princípio da LOAS, ela esconde inúmeras contradições. Essa lei infelizmente ainda expressa um
caráter altamente seletivo, ao classificar enquanto seus beneficiários, uma população que mais se
aproxima da miserabilidade, dentre outros critérios. Ao selecionar a população pobre, na verdade, a
exclui. E ao excluir, deixa de assegurar os direitos à assistência social de forma ampla e irrestrita.
69
Assim, essa legislação expressa mecanismos seletivos, critérios e normas que, na prática,
inviabilizam o reconhecimento dos direitos de cidadania de uma forma mais ampla.
Mesmo diante da necessidade de proteção social, a disponibilidade dos serviços que prestem
essa proteção, através da assistência social, é cada vez mais criterioso com o seu público. Sendo
assim, lançam-se públicos-alvos para se restringir o acesso a todos demandantes, seja regido pela
idade, pelo tipo de deficiência, pela renda e por vários outros critérios.
Segundo Sposati,
O fato da assistência social estar no campo dos chamados sem fins lucrativos, portanto, fora do mercado, e de seus serviços não serem pagos diretamente, faz que ela seja associada à ideia de que é dirigida às pessoas que não podem pagar, ou seja, os perversamente denominados de carentes. Esta característica tem suposto uma certa conduta perversa no campo dos serviços da assistência social: é preciso demonstrar a pobreza e a condição de ser necessitado para ter acesso.(SPOSATI, 1995:28)
Diante do exposto, pode-se observar que a universalização dos direitos sociais, na LOAS, se
esbarra nos limites da seletividades para sua concretização. A política de assistência social não tem
se preocupado em identificar necessidades, mas sim os necessitados ao utilizar como critério para
acesso aos serviços a comprovação da condição de pobreza.
A descentralização que é apontada como outro princípio norteador dessa lei pode ser
considerada um avanço quando pensamos na possibilidade de participação, de melhor
conhecimento da realidade local, de maiores conhecimentos relativos às demandas específicas
colocadas por diferentes grupos populacionais. No entanto, devem ser observadas algumas
fragilidades:
A descentralização da assistência e a participação da população na formulação das políticas sociais são diretrizes privilegiadas na LOAS, assim como a universalização dos direitos sociais e a igualdade no acesso aos serviços, figurando-os como questões basilares. A descentralização é aqui entendida não apenas no sentido de remanejamento de competências decisórias e executivas, mas também de recursos financeiros e, introduzindo em contrapartida, a participação da sociedade civil.(...) Por outro lado há riscos da assistência ser prestada de forma clientelista e com fins eleitorais em cada escalão de poder ou ainda, em nome de uma parceria da sociedade civil com o Estado, atribuir-se à primeira, todos os ônus financeiros e sociais, eximindo o Estado de sua real responsabilidade enquanto gestor da política nacional de assistência.(OKABAYASHI, 1998:118)
Dentre outras limitações da LOAS, podemos apontar o seguinte: quanto a pouca clareza na
unificação das competências das esferas de poder para estabelecer o efetivo comando único das
ações:
70[...] a LOAS é: consideravelmente avançada nos conceitos, diretrizes e princípios; e bastante inovadora no reordenamento institucional pela exigência descentralizadora e participativa. Todavia, foi ainda pouco clara na unificação das competências das esferas de poder para estabelecer o efetivo comando único descentralizado e municipalizado e o desenho das relações de parceria entre Estado e sociedade.(SPOSATI, 1995:26)
2.5.3- A Política Nacional de Assistência Social- PNAS (2004)
De acordo com o texto integrante da PNAS 2004, essa deve ser estruturada e organizada
com base em um conjunto de serviços sócio-assistenciais inter-relacionáveis e agrupados por
características de proximidade, tendo como pressuposto que as necessidades são complexas,
diversificadas e devem se estruturar em tipos de proteção diferenciados, tendo como foco de
atuação a “matricialidade da família” (...) Dentre esses tipos de proteção social, afiança a proteção
social básica
Globalmente, básico é aquilo que é basilar, mais importante, fundamental, primordial, essencial, que é comum a diversas situações. Na PNAS (2004) e na Norma Operacional Básica – NOB (2005), a Proteção Social Básica está referida a ações preventivas, que reforçam a convivência, socialização, acolhimento e inserção, e possuem um caráter mais genérico e voltado prioritariamente para a família; que visa desenvolver potencialidades, aquisições e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e destina-se às populações em situação de vulnerabilidade social (PNAS, p. 27). As ações assistenciais consideradas como de proteção social básica serão realizadas, prioritariamente pelos Centros de Referência de Assistência Social. Na implantação deste tipo de proteção social, um desafio do SUAS é buscar articulação com a proteção social garantida pela saúde, previdência e demais políticas públicas, de modo a estabelecer programas gerais e preventivos.(BOSCHETTI, 2005:13)
e a proteção social especial [...] refere-se a serviços mais especializados, destinados a pessoas em situação de risco pessoal ou social, voltados para atendimento individual em meio aberto ou em abrigos, de caráter mais complexo e se diferenciaria da proteção social básica por “se tratar de um atendimento dirigido às situações de violação de direitos”(PNAS, p.31).”(BOSCHETTI, 2005:13)
Segundo a PNAS/2004 a proteção social deve garantir as seguintes seguranças:
1-Segurança de sobrevivência(de rendimentos e de autonomia)- “A segurança de rendimentos não é
uma compensação do salário mínimo inadequado, mas a garantia de que todos tenham uma forma
monetária de garantir sua sobrevivência, independentemente de suas limitações para o trabalho e ou
71
do desemprego. É o caso de pessoas com deficiência, idosos, desempregados, famílias numerosas,
famílias desprovidas de condições básicas para a sua reprodução social em padrão digno e
cidadã”.(PNAS,2004:31).
Ainda segundo a PNAS/2004, essa segurança deve ser efetivada através “de benefícios
continuados e eventuais que assegurem: proteção social básica a idosos e pessoas com deficiência
sem fonte de renda ou sustento; pessoas e famílias vítimas de calamidade e emergências; situações
de forte fragilidade pessoal e familiar, em especial às mulheres chefes de família e seus
filhos”(PNAS, 2004:40)
2-Segurança de acolhida é “entendida como uma das seguranças primordiais da política de
assistência social. Ela opera a provisão de necessidades humanas que começa com o direito à
alimentação, ao vestuário e ao abrigo, próprios à vida humana em sociedade”(PNAS, 2004:31).
3-Segurança de convívio ou vivência familiar supõe “a não aceitação de situações de reclusão, de
situações de perdas das relações(...) (PNAS, 2004:32). Preconiza-se na referida política que essa
segurança seja efetivada através de ações, cuidados e serviços que restabeleçam vínculos pessoais,
familiares, de vizinhança(...)(p.40)
Ressaltamos que não podemos deixar de visualizar a atenção frente às necessidades básicas:
É necessário propor ainda a cobertura de assistência social face à atenção às necessidades básicas, isto é, como política de subsistência que garanta condições de segurança a mínimos sociais como segurança alimentar, condições de agasalho e de higiene. Estes mínimos, ainda que num patamar de sobrevivência, significam a garantia de que os cidadãos não vão viver privações e sofrimentos ou não vão ter violados seus direitos humanos.(SPOSATI, 1995:34)
No entanto, vale destacar, que não podemos cair no reducionismo de confundir a noção de
Proteção Social com a de assistência social, uma vez que,
[...] a assistência social não se pode atribuir a tarefa de realizar exclusivamente a proteção social. Esta compete, articuladamente, às políticas de emprego, saúde, previdência, habitação, transporte, e assistência nos termos do artigo 6º da Constituição Federal. Se esta articulação não for estabelecida, correm-se dois riscos: o primeiro, de superdimensionar a assistência e atribuir a ela funções e tarefas que competem ao conjunto das políticas públicas; e o segundo, de restringir o conceito de proteção social aos serviços assistenciais; neste caso, o conceito de proteção social passa a ser confundido com assistência social e perde sua potencialidade de possibilidade de se constituir em amplo e ilimitado conjunto de direitos sociais.(BOSCHETTI, 2005:13)
72
2.5.4- A Lei Orgânica da Segurança Alimentar- LOSAN(2006)
Na formulação da LOSAN (2006) não podemos desconsiderar a extrema relevância da
influência das concepções relativas ao Direito Humano à Alimentação, constantes nas Diretrizes
voluntárias em apoio à realização progressiva do direito à alimentação adequada elaboradas pelo
Comitê de Segurança Alimentar Internacional, nos dias 20-23 de setembro de 2004, em Roma e
publicada em Brasília, em 2005, pela ABRANDH:
Concepção 1: “Existe segurança alimentar quando todas as pessoas têm, em todo momento, acesso físico e econômico a uma quantidade suficiente de alimentos seguros e nutritivos para satisfazer as suas necessidades alimentares e as suas preferências em relação aos alimentos a fim de levar uma vida ativa e saudável. Os quatro pilares da segurança alimentar são a disponibilidade, a estabilidade do abastecimento, o acesso e a utilização.”(COMITÊ DE SEGURANÇA ALIMENTAR MUNDIAL, 2005, p. 5)
Concepção 2: “Esse direito que chamamos de Direito Humano à Alimentação Adequada- DHAA, é composto por duas partes inseparáveis: a primeira é que toda pessoa tem o direito de estar livre da fome e da má-nutrição; e a segunda é que, além disso, toda pessoa tem o direito a uma alimentação adequada. Cada uma das partes não pode ser garantida sem a realização da outra.” (COMITÊ DE SEGURANÇA ALIMENTAR MUNDIAL, 2005, p.10)
Concepção 3: “Quando cada homem, mulher e criança, sozinho ou em companhia de outros, tem acesso físico e econômico, ininterruptamente, à alimentação adequada ou aos meios para a sua obtenção, concretiza-se o direito à alimentação adequada”. “Esse direito terá de ser realizado de maneira progressiva, no entanto, o Estado tem a obrigação de implementar as ações necessárias para mitigar e aliviar a fome de forma imediata.” “Para isso exige que os Estados estabeleçam planos e prazos para o cumprimento de suas obrigações, em virtude do direito internacional, relativas aos direitos humanos.” (COMITÊ DE SEGURANÇA ALIMENTAR MUNDIAL, 2005, p.13)
Concepção 4: “Consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso ao atendimento de outras necessidades essenciais. A base da segurança alimentar e nutricional são as práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.”( COMITÊ DE SEGURANÇA ALIMENTAR MUNDIAL, 2005, p.13)
Segundo o Art.2 da LOSAN ( 2006) : “a alimentação adequada é direito fundamental do ser
humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos
consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se
façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população.” No
seu Art. 3 podemos observar que “A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do
direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente,
73
sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares
promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural,
econômica e socialmente sustentáveis.”
Apesar da existência desses instrumentos jurídicos nacionais e internacionais relativos à
garantia do Direito Humano à Alimentação Adequada, observa-se que atualmente o governo
brasileiro apoiado por grandes organismos internacionais, tem seguido uma tendência de atribuir
centralidade à política de assistência social com o estatuto de obter a legitimidade frente às
expressões da questão social. Isto se dá, dentre outras coisas, através da centralidade que se
atribuem às políticas de renda mínima, transferência de renda e principalmente, no que se diz
respeito às respostas dadas às demandas de segurança alimentar pelas políticas de combate à fome e
à pobreza, que tem como fio condutor o Programa Fome Zero do Ministério de Desenvolvimento
Social e Combate à Fome -MDS.
Não podemos desconsiderar que nesse bojo de intervenções estatais específicas tenta-se
remediar as contradições capital x trabalho, que tem como lógica a exploração acirrada da classe
trabalhadora, de acordo com a lei de acumulação capitalista, com políticas imediatistas que não têm
o objetivo de modificar a estrutura desse modo de produzir e distribuir a riqueza socialmente
produzida.
Vale ressaltar que não podemos cair no reducionismo de pensar que garantia do Direito à
Alimentação pode estar separada da garantia a outros direitos básicos, principalmente, do Direito ao
Trabalho. No entanto, podemos considerar que o trabalho, enquanto dimensão da ontologia do ser
social, humaniza e liberta o homem numa sociedade emancipada, porém, na sociedade capitalista o
trabalho será sempre explorado, mesmo sendo um direito social para garantir a sobrevivência
humana.
Diante desse quadro extremamente contraditório, onde se observa avanços e retrocessos
podemos observar que se por um lado houveram alguns avanços referentes ao marco jurídico e
concepções relativas ao Direito Humano à Alimentação, por outro lado apesar da política de
assistência ser colocada como a única forma de enfrentamento a essa questão, concretamente nos
deparamos com as fragilidades na implementação dessa política frente às demandas de segurança
alimentar. E sendo assim, observamos a repetição da barbárie da concentração de riquezas
estampada nos rostos de uma multidão de famintos.
74
CAPÍTULO 3 - QUADRO ATUAL DA INSEGURANÇA ALIMENTAR
BRASILEIRA E AS INTERVENÇÕES PÚBLICAS REFERENTES A ESSA
DEMANDA NA CIDADE DO RECIFE
3.1- QUADRO ATUAL DA INSEGURANÇA ALIMENTAR BRASILEIRA E
ALGUNS MARCOS REFERENTES À CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA DE
SEGURANÇA ALIMENTAR EM PERNAMBUCO
De acordo com o Banco Mundial,40 o Brasil tem o décimo maior Produto Interno Bruto -
PIB do mundo. Mesmo sendo, uma das economias mais fortes do nosso Planeta, ainda hoje
vivenciamos uma realidade em que grande parte da população não tem acesso a serviços básicos e
essenciais, onde mais de 1/3 da população nacional está em situação de insegurança alimentar e
nutricional.
Os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD (2004) do IBGE,
sobre Segurança Alimentar, realizada em convênio com o Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome – MDS, comprovam claramente a afirmação anterior uma vez que, identifica um
quadro bastante crítico quanto à realidade de uma grande parcela da população brasileira que
vivencia a inexistência de uma segurança alimentar.
Conforme dados apontados por essa Pesquisa, em apenas 65,2% dos 51,8 milhões de
domicílios particulares brasileiros havia segurança alimentar, ou seja, quase 35% dos municípios
investigados apresentavam algum grau de insegurança alimentar.41
Dentre os 18 milhões de domicílios com insegurança alimentar, 3,4 milhões foram
classificados em situação de insegurança alimentar grave e 1,6 milhão destes domicílios estavam no
Nordeste. Isto é, quase metade dos domicílios com insegurança alimentar grave estão situados na
40
Fonte: htttp://siteresources.worldbank.org/DATASTATISTICS/Resources/GDP.pdf. Acesso em: 12/04/2009.
41 Os diferentes graus de insegurança alimentar e nutricional são definidos como leve, moderada, e grave . “De acordo com a Escala EBIA, que para avaliar a insegurança alimentar consta de 15 perguntas centrais fechadas com respostas do tipo “sim ou não”, referentes aos últimos três meses, que refletem a preocupação da comida acabar antes de se poder comprar mais até a ausência total dela. Das 15 perguntas, sete referem-se a membros da família menores de 18 anos, que classificam os distintos graus de insegurança alimentar (IA) na família em: (i) situação de segurança alimentar (SAN); (ii) insegurança alimentar leve (IA leve) – receio ou medo de sofrer insegurança alimentar no futuro próximo;(iii) insegurança alimentar moderada (IA moderada) – restrição na quantidade de alimentos na família;(iv)insegurança alimentar grave (IA grave) – fome entre pessoas adultas e/ou crianças da família.” (BETINHO IBASE. Repercussão do Programa Bolsa família na Segurança Alimentar e Nutricional das Famílias Beneficiadas, junho de 2008.”.In:www.ipc-undp.org/publications/mds/7M.pdf acessado em 17/08/2009). Vale ressaltar que essa pesquisa não considera no seu universo estatístico a população de rua, a qual não podemos desconsiderar, uma vez que, também são demandantes e potenciais usuários das ações e programas de segurança alimentar.
75
nossa região, fato que merece destaque, uma vez que, em âmbito nacional a população nordestina
está mais vulnerável à insegurança alimentar grave, ou seja, aquela que pode trazer mais risco ou
danos para a saúde humana.
Das 14 milhões de pessoas que viviam em domicílios com insegurança alimentar grave,
perto de 6 milhões moravam naqueles domicílios com rendimento mensal domiciliar per capita que
não ultrapassava R$ 65,00 por pessoa. Ou seja, quase metade das pessoas que estavam mais
fragilizadas quanto à garantia da segurança alimentar viviam em famílias que tinham uma renda per
capita extremamente baixa, menor do que ¼ do salário mínimo vigente na data da PNAD (2004) 42.
Em todas as regiões, a prevalência de insegurança alimentar foi maior nos domicílios onde
existem pessoas de menos de 18 anos de idade. Esse dado, nos faz refletir e questionar como a
infância e adolescência está sendo tratada em nosso país, uma vez que, através dele podemos
observar que a fragilidade nesses domicílios é maior.
Outros aspectos relevantes observados por essa pesquisa, alguns já discutidos acima,
referem-se a fatores como a renda, raça, sexo, quantidade de moradores por residência, idade e
região que influenciam consideravelmente na garantia da segurança alimentar.
Quanto à renda, foi identificado que enquanto a segurança alimentar no Brasil, em 2004,
estava presente em 65,2% dos domicílios (onde moravam 109,2 milhões de pessoas), ela ocorria em
apenas 17,5% daqueles com rendimento domiciliar mensal per capita de até um quarto de salário
mínimo. Nessa faixa, a Insegurança Alimentar moderada ou grave atingia 61,2% dos domicílios,
enquanto naqueles de rendimento mensal domiciliar per capita de mais de três salários mínimos era
de apenas 1,0%.
Quanto à raça, foi identificado, em 2004, que viviam em situação de insegurança alimentar
grave, no Brasil, 11,5% (10 milhões de pessoas) da população preta ou parda, sendo que esta
proporção era de 4,1% (3,8 milhões de pessoas) entre os brancos. Por outro lado, a população com
garantia de acesso aos alimentos em termos qualitativos e quantitativos, ou seja, que vivia em
domicílios em condição de segurança alimentar era de 71,9% (67,3 milhões de pessoas) entre os
brancos e de 47,7% (41,7 milhões de pessoas) entre os pretos ou pardos.
Quanto ao sexo, observou-se que a prevalência de segurança alimentar foi de 60,6% quando
a pessoa de referência era do sexo masculino e de 49% quando do sexo feminino.
Quanto à idade e unidade domiciliar, apontou-se a prevalência maior de insegurança
42 No dia 1° de fevereiro de 2009, entrou em vigor o novo valor do salário mínimo( R$ 465, 00). Diante dessa mudança de valor, podemos destacar que hoje R$ 65,00 não chega a equivaler a 1/7 do valor do salário mínimo atual.
76
alimentar nos domicílios em que residiam menores de 18 anos de idade (41,9%) em comparação
com a prevalência observada nos domicílios em que todos os moradores são adultos (24,2%). Outro
dado alarmante é referente às crianças, uma vez que, moravam em domicílios com algum tipo de
insegurança alimentar 50,4% da população de 0 a 4 anos de idade.
Quanto às diferenças entre área urbana e rural e entre as regiões brasileiras, podemos
observar que a prevalência de insegurança alimentar moderada ou grave foi maior nos domicílios
das áreas rurais do que nos das áreas urbanas. Enquanto na área urbana 11,4% e 6% dos domicílios
estavam em condição de IA moderada e grave, respectivamente, no meio rural eram 17,0% e 9,0%.
Além dessa diferença entre meio urbano e rural, conforme o exposto acima, podemos observar que
enquanto a insegurança alimentar grave ocorria em 3,5% dos domicílios da região Sul (286 252), no
Nordeste esse tipo de insegurança alimentar atingia 12,4% (1 630 138) dos domicílios.
O próximo dado da PNAD (2004) do IBGE, sobre Segurança Alimentar, que vamos discutir
é o referente à Segurança alimentar e a transferência de renda de programas sociais do governo.
De acordo com essa pesquisa, observa-se que dos 8 milhões de domicílios em que algum
morador recebeu dinheiro procedente de programa social do governo, 52,1% situavam-se na Região
Nordeste, 22,7% no Sudeste, 10,7% no Sul, 8,0% no Norte e 6,5% no Centro-Oeste.
Entre os domicílios onde havia pelo menos um morador beneficiário, 34,0% estavam em
condição de Segurança Alimentar, 25,1% em Insegurança Alimentar leve, 26,0% em Insegurança
Alimentar moderada e 14,9% em Insegurança Alimentar grave.
Nesse sentido, considerando que os domicílios em que algum morador era beneficiário de
algum programa social do governo de transferência de renda e aqueles em que nenhum morador era
beneficiário, observa-se que a prevalência de Segurança Alimentar no primeiro conjunto de
domicílios era próxima da metade da prevalência entre os últimos, 34% e 71,2%, respectivamente.
Essa diferença da SA entre domicílios em que algum morador era beneficiário e domicílio
em que nenhum morador era beneficiário era superior a 50% no Nordeste (Tabela 1).
De acordo com a (tabela 1) podemos identificar que, em todas as Grandes Regiões
Brasileiras, a prevalência de Insegurança Alimentar, em todos os graus, é maior entre os domicílios
em que algum morador era beneficiário de algum programa de transferência de renda.
77
Tabela 1 - Prevalência de situação de segurança alimentar em domicílios particulares e número de domicílios, por situação de segurança alimentar e recebimento de dinheiro de
programa social do governo no mês de referência, segundo as Grandes Regiões – 2004
Esses dados acima diagnosticam bem a fragilidade e vulnerabilidade de grande parte das
famílias brasileiras quanto à demanda da segurança alimentar e da fome. Deles podemos obter
reflexões importantíssimas que poderiam instigar os mais diversos estudos. E também apontar que a
situação do Nordeste brasileiro diante do alarmante quadro de insegurança alimentar merece
atenção diferenciada quanto às alternativas e respostas a serem ofertadas a essa população. Dessa
forma, respostas para a questão da insegurança alimentar da população pernambucana não podem
ser desconsideradas, ou postas em segundo plano. Dentre elas, destacamos que, apesar dos
78
programas sociais atuais de transferência de renda serem uma tentativa de resolver esse problema,
na realidade estão bastante distante de garantir a segurança alimentar para as famílias beneficiadas,
fato que ficou evidenciado com a pesquisa da PNAD-2004 (IBGE).
Diante desse quadro de insegurança alimentar evidenciado no Nordeste, no Estado de
Pernambuco, um ano depois da criação da LOSAN (2006), podemos identificar alguns marcos
legais relevantes no processo de construção de uma política estadual de segurança alimentar.
Dentre eles destacamos o Decreto 43 nº 30.195, de 07 de fevereiro de 2007 que regulamenta o
funcionamento do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional - CONSEA/PE, e dá
outras providências e a Lei nº 13.494, sancionada em dois de julho de 2008 pelo governador
Eduardo Campos, que estabelece o Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional
Sustentável (SESANS).
No entanto, a implementação e construção dessa política merece um estudo mais
aprofundado, uma vez que, várias são as fragilidades encontradas na sua execução, dentre elas, por
exemplo, no cotidiano profissional dos trabalhadores sociais, assistentes sociais, que trabalham na
área da Segurança Alimentar vários entraves são encontrados para que seja realizada a efetivação
dos encaminhamentos sociais: são poucos os recursos e essas intervenções não são priorizadas.
Ao mesmo tempo se por um lado existem entraves, por outro lado, esperamos que essas
mudanças de ordem legal e política poderão pelo menos contribuir para que existam melhorias
nesse sistema de garantia de direitos à alimentação adequada. Segundo a notícia intitulada Consea-
PE apresenta nova política de segurança alimentar, da imprensa da Secretaria de Agricultura de
Reforma Agrária- SARA44, a instituição do SESANS através da Lei 13.494 está influenciando em
novas propostas para a política de segurança alimentar estadual.
A aquisição de produtos oriundos da agricultura familiar e dos assentamentos dos dez municípios de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Pernambuco, através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), é a primeira proposta da nova política de segurança alimentar do Estado apresentada ao Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea-PE). A sugestão foi apresentada em recente reunião do Conselho pelo diretor de assistência técnica e extensão rural do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA), Ruy Carlos do Rego Barros.O projeto tem respaldo na Lei nº13.494, sancionada em dois de julho de 2008 pelo governador Eduardo Campos, criando o Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável (Sesans). A idéia visa destinar R$ 2,5 milhões, previstos no edital da nova Lei de Segurança Alimentar, para a compra de alimentos de pequenos agricultores. Esse sistema deverá beneficiar tanto os produtores que terão a venda de seus produtos garantida quanto as organizações que receberão produtos alimentícios livres de agrotóxicos(...)Segundo o presidente do Consea – PE, Nathanael Maranhão Valle, o projeto corrobora para o objetivo do Conselho de assegurar o direito humano à alimentação adequada, destacando que esse objetivo ganhou força com a nova
43 Esse decreto na integra está disponível em: http://www.agricultura.pe.gov.br/interna.phpp=consea&s=decreto_regul acessado em 17/08/2009. 44 http://www.agricultura.pe.gov.br/interna.php?p=noticias&d=2008-08&id=consea-pe-apresenta-nova-politica-de-seguranca-alimentar-do-estado acessado em 17/08/2009.
79lei. “A nova Lei constitui-se numa ferramenta da ação. O trabalho que antes existia de fato, agora é oficial graças à nova Lei de Segurança Alimentar”, comemora o presidente. Disponível em :<http://www.agricultura.pe.gov.br/interna.php?p=noticias&d=2008-08&id=consea-pe apresenta-nova-politica-de-seguranca-alimentar-do-estado>Acesso em: 17/08/2009.
Segundo informações do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome45, o
Estado de Pernambuco recebe, por ano, 2,55 bilhões para a execução de programas sociais, onde as
ações de transferência de renda, assistência social e segurança alimentar beneficiam 6,5 milhões de
pessoas. Vale ressaltar que apesar do valor gasto, enunciado pelo MDS, não podemos deixar de
perceber as contradições existentes nesses “investimentos” e programas. Dentre essas contradições,
podemos afirmar que esses não deixam de ter um caráter seletivo, fragmentado e focalizado, e que
não estão desconectados do marco político-econômico-ideológico posto para as políticas sociais no
neoliberalismo. Sobre essa discussão cfr capítulo 2 dessa dissertação.
O Estado de Pernambuco recebe do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por ano, R$ 2,55 bilhões para execução de programas sociais. As ações nas áreas de transferência de renda, assistência social e segurança alimentar beneficiam 6,5 milhões de pessoas. O Bolsa Família, maior programa de transferência de renda do País, transfere por mês R$ 82,1 milhões para 941,1 mil de famílias pernambucanas. Para os programas de assistência social até abril de 2009, o Ministério destinou R$ 454,3 milhões para realizar 1,1 milhão de atendimentos em Pernambuco. O MDS investiu R$ 10,7 milhões no Programa para Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) no Estado, para tirar 107 mil crianças e adolescentes do trabalho até abril de 2009. Cerca de 32,7 mil jovens são beneficiados com o programa Pro-jovem Adolescente, que aplicou R$ 6,6 milhões até abril de 2009. No Programa de Atenção Integral à Família (PAIF), os 218 Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), também conhecidos como Casas das Famílias, oferecem atendimento psicológico e de assistência social para 593 mil pessoas com repasse de R$ 6 milhões.Os repasses do governo em segurança alimentar em Pernambuco alcançam R$ 98,8 milhões, atendendo 2 milhões de pessoas. O Programa de Aquisição de Alimentos visa incentivar a produção de alimentos pela agricultura familiar. Para possibilitar a distribuição destes produtos para pessoas em situação de insegurança alimentar o MDS disponibiliza R$ 15,4 milhões para beneficiar 1,171 milhão pessoas. Os 4 Restaurantes Populares (com dois em funcionamento) recebem R$ 3,7 milhões para proporcionar à comunidade, alimentação saudável a preços populares. No estado de Pernambuco, até abril de 2009, o Ministério investiu R$ 533 mil em Educação Alimentar. Disponível em : http://www.mds.gov.br/sites/mds-em-numeros/paginas/regioes/sites/mds-em numeros/paginas/estados/pernambuco. Acesso em: 11/06/2009
Apesar dos investimentos elencados acima, a rede de Segurança Alimentar Estadual e da
Cidade do Recife está pautada quase que exclusivamente em programas de distribuição direta de
gêneros alimentícios e programas de transferência de renda como o Programa Bolsa-Família que 45
http://www.mds.gov.br/sites/mds-em-numeros/paginas/regioes/sites/mds-em-numeros/paginas/estados/pernambuco, acessado em 11/06/2009
80
são extremamente limitados. Para melhor compreensão da quantidade e caracterização de cada
Programa elencado cfr documento, em anexo, da autoria do COMSEA/Recife- Conselho Municipal
de Segurança Alimentar da Cidade do Recife, elaborado em janeiro de 2009.
Essa rede de “proteção e garantia da segurança alimentar” parece ser pautada pelo
reducionismo cartesiano limitada em objetivos e operatividade, seja pelo imediatismo e
reducionismo de sua proposta, seja pela falta de abrangência e desarticulação dos Programas
existentes, seja pela limitação do acesso a esses programas, seja pela participação limitada dos seus
usuários na construção de propostas, seja pela real falta de incentivos aos pequenos produtores
rurais, que nesse caso, tem como consequência a redução da produção de subsistência e o
encarecimento dos itens da cesta-básica para classe trabalhadora. Esses são alguns dos aspectos que
fazem dessa rede um espaço fragilizado frente às demandas relativas à alimentação, uma vez que,
não mediam respostas estruturantes concernentes às necessidades humanas demandadas.
3.2 - PROGRAMAS DE “SEGURANÇA ALIMENTAR” DO ESTADO DE
PERNAMBUCO COM INTERVENÇÃO NA CIDADE DO RECIFE.
3.2.1 - Programa Leite de Todos
Segundo o Tribunal de Contas de Pernambuco, em site oficial46, O Programa Leite de Todos
está vinculado a Secretaria de Produção Rural e Reforma Agrária do Estado de Pernambuco tendo
como os dois principais pilares incrementar a Bacia Leiteira do Estado e reduzir as deficiências
nutricionais das “populações carentes”, com prioridade para crianças, gestantes, nutrizes e
desnutridos.
Esses dois pilares principais elencados pelo Tribunal de Contas de Pernambuco referentes ao
Programa Leite de Todos nos mostram bem o caráter contraditório desse Programa que não é muito
diferente do caráter contraditório mais amplo em que estão inseridas as políticas sociais no
neoliberalismo, cfr capítulo 1 e 2 dessa dissertação. Se por um lado tenta garantir alguns direitos
básicos para a classe trabalhadora por outro lado fortalece ainda mais o capital.
O Programa Leite de Todos será descrito a seguir, no entanto, antes de especificá-lo melhor,
destacamos ser relevante a existência de estudos posteriores para melhor análise das seguintes
46 http://www.tce.pe.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=916&Itemid=460
acessado em 10/06/2009
81
informações. Dentre elas identificamos que esse Programa ao incrementar a Bacia Leiteira do
Estado é uma importante fonte de subsídio estadual não apenas para o Desenvolvimento da Cadeia
de Bolvinocultura do Leite, mas também, insere-se na lógica da acumulação financeira proposta
pelo capitalismo financeiro, cfr capítulo 1 dessa dissertação. Daí questiono qual será realmente o
verdadeiro objetivo desse Programa do Leite de Todos?
Foi lançado edital para o desenvolvimento da Cadeia de Bolvinocultura do Leite a partir do
dia 30 de agosto de 2007 até o dia 30 de setembro de 2007, fato que nos traz dados relevantes para o
nosso estudo e que comprova as mediações existentes entre o subsídio estatal para o capital (seja
pequeno ou médio produtor), através do capitalismo financeiro do BID, e indiretamente a
vinculação desse processo com a existência do Programa do Leite de Todos.
O Governo do Estado de Pernambuco assinou o supracitado contrato de empréstimo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para financiamento parcial do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável da Zona da Mata de Pernambuco (PROMATA). A Secretaria de Planejamento e Gestão (SEPLAG) do Estado de Pernambuco é o órgão executor responsável pela implementação do PROMATA. O Programa tem um prazo de execução de cinco anos e um custo total estimado de US$ 150 milhões[...]Nestes termos, a SEPLAG, por meio da Unidade de Gestão do PROMATA – UGP/PROMATA, torna público, para ciência dos interessados, que se acha aberto, pelo período abaixo indicado, na forma deste edital e seus anexos, a convocatória para a seleção de projetos de desenvolvimento da cadeia produtiva da bovinocultura de leite na Zona da Mata de Pernambuco objetivando a implementação de planos de negócios associativos a serem apresentados por operador de negócios para obtenção de apoio através da Componente de Apoio à Agronegócios do Subprograma de Apoio à Diversificação Econômica do PROMATA, parcialmente financiado pelo BID. A presente seleção será regida pelas normas e procedimentos do BID inseridas no próprio contrato de empréstimo e, subsidiariamente, pela Lei nº 8666/93. Em caso de conflito prevalecerão as normas e procedimentos do BID. Poderão participar desta seleção empresas e entidades[...] pequenos e médios produtores agropecuários e agricultores familiares dos 14 municípios da Zona da Mata de Pernambuco que sejam elegíveis para o Programa. Estas empresas e entidades deverão ser brasileiras e/ou originárias de países membros do BID.(IDB585-708 (Online Only) BRASIL PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DA ZONA DA MATA DE PERNAMBUCO Serviços de Consultoria DESENVOLVIMENTO DA CADEIA DA BOVINOCULTURA DE LEITE Empréstimo Nº 1357 OC/BR). Disponível: < http://licitacoes.dgmarket.com/tenders/np-notice.do~1913581 > Acesso em: 12/ 08/ 2009.
Após essas observações poderemos tecer um olhar mais crítico dos dados oficiais referentes
aos objetivos e funcionamento do Programa Leite de Todos. De acordo com a apresentação desse
Programa no site oficial da SARA47, o seu objetivo central é apontado como a redução das
deficiências nutricionais das populações “carentes”, com prioridade para crianças, gestantes e
nutrizes, através da distribuição diária e gratuita de um litro de leite fluido pasteurizado por família.
Espera-se, no Programa Leite de Todos que as estratégias utilizadas alcancem os seguintes 4 7 Endereço online :www.sara.pe.gov.br/.../PROGRAMA_LEITE_DE_TODOS_v2.pdf acessado em 17/08/2009.
82
resultados:
• Redução da mortalidade infantil e incidência de doenças dos beneficiários;
• Promoção da melhoria dos padrões de saúde e qualidade de vida das “famílias carentes”;
• Fortalecimento das cadeias produtivas da bovinocultura;
• Redução do êxodo rural.
Esse Programa teve início no ano de 2000 e visava atender, 38.000 famílias, com a
distribuição de 1 litro de leite pasteurizado, diariamente, em 184 organizações comunitárias,
devidamente credenciadas e localizadas em 97 municípios de Pernambuco.
Atualmente, segundo informações oficiais disponíveis em:
www.sara.pe.gov.br/.../PROGRAMA_LEITE_DE_TODOS_v2.pdf, a meta é “tornar o Programa
Leite de Todos permanente. No atual governo, são atendidos 155 municípios através da distribuição
de 93.439 litros em 770 Entidades, considerando todas as ‘comunidades carentes’ do Estado.”
Vale destacar que apesar de ser mencionada como meta tornar esse Programa permanente
não é questionado esse modelo de distribuição por organizações ou lideranças comunitárias. Mais
adiante será apresentada algumas das exigências feitas para que essas entidades possam ser
cadastradas para a distribuição do leite.
De acordo a apresentação oficial do programa descrito acima, vide site mencionado
anteriormente, seus beneficiários:
• São as gestantes (que estejam fazendo o pré-natal), as nutrizes (mães que estejam
amamentando) e crianças com vacinas em dia e que tenham entre 06 (seis meses) até 06
(seis anos) de idade completos.
• Só poderá ser cadastrado no Programa Leite de Todos um beneficiário por casa.
• O beneficiário só poderá ser cadastrado em uma única entidade, havendo duplicidade, será
descredenciado de todas.
• A família não poderá ter renda maior que 01 (um) salário mínimo.
Vale ressaltar que o público-alvo desse Programa não é muito diferente do público-alvo de
outros programas de segurança alimentar nacional de governos anteriores. Alguns deles já
mencionados no capítulo 2 do presente estudo. Além disso, podemos vislumbrar que diferentemente
dos programas de segurança alimentar em que o acesso era restrito aos trabalhadores, nesse
Programa seleciona-se os usuários através da extrema condição de miserabilidade em que se
encontram, reproduzindo o atual modelo de intervenção para as políticas sociais brasileiras, pautado
83
na focalização e alta seletividade do público alvo, onde se perde o caráter da universalidade do
acesso. Fato que pode ser identificado na fala da coordenadora Carmem Patrícia, ao comemorar a
conquista da segunda colocação do Programa Leite de Todos no Prêmio Josué de Castro, quando
faz referência que “mais do que nunca as políticas públicas devem chegar a quem mais precisa neste
país”.
O Programa Leite de Todos da Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária é o segundo colocado na final do Prêmio Josué de Castro de Boas Práticas em Gestão de Projetos de Segurança Alimentar e Nutricional.(...)A coordenadora do Programa Leite de Todos, Carmem Patrícia Alexandre, comemorou o resultado, salientando que o reconhecimento vem com apenas dois anos da gestão do Governo Eduardo Campos. "É muito importante ficarmos entre os três melhores do país, pois mostra que o gerenciamento do Programa está no caminho certo", falou Carmem Patrícia. "Agora mais do que nunca temos o desafio de mostrar que as políticas públicas devem chegar a quem mais precisa neste país", acrescentou. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/253691/programa-leite-de-todos-recebe-premio-nacional-josue-de-castro > Acesso em: 11/06/2009
Outro aspecto importante deve ser considerado, ademais da focalização dos beneficiários,
evidencia-se uma forma de distribuição direcionada às “comunidades carentes”, ou melhor, nesse
sentido, podemos questionar como essas comunidades são credenciadas e até mesmo quem são os
responsáveis pela distribuição do Leite nesses locais? Na maioria das vezes, recorrem-se às
lideranças comunitárias que geralmente tem vínculos fortes com entidades religiosas, ou que
apresentam bastante vulnerabilidade à cooptação política-partidária.
Essa cooptação das lideranças comunitárias em Programas de Segurança Alimentar no
Brasil, não é um fato novo, cfr Programa do Leite de Sarney citado no capítulo 2 dessa dissertação,
é também, uma estratégia com mediações extremamente complexas e contraditórias, que ao
responsabilizar as lideranças comunitárias por um programa estatal, o estado se desresponsabiliza
dos custos com contratação de funcionários e técnicos sociais habilitados para execução e
divulgação do Programa dentro da lógica da garantia de direitos. Fato que contribui para garantia e
a ampliação da ideologia governista. Além disso, essas lideranças gradualmente vão deixando de
lado a representação dos interesses do povo ao se responsabilizar em garantir a representação do
estado. Mais adiante quando for descrita a estruturação e funcionamento do Programa da Sopa do
Instituto de Assistência Social e Cidadania da Cidade do Recife- IASC, poderemos observar que
essa lógica é recorrente com as mediações específicas. Diante da relevância dessa temática e da
recorrência histórica dessa prática nos Programas de Segurança Alimentar sugiro que seja realizado
um estudo sobre a atualidade da cooptação das lideranças comunitárias feitas por governos de
esquerda na atualidade.
Retornando a análise do Programa Leite de Todos, são considerados oficialmente como
84
parceiros desse Programa: a empresa processadora de leite denominadas de Laticínios, as
organizações comunitárias denominadas de entidades, e a Secretaria de Agricultura e Reforma
Agrária (SARA) e o Centro de Abastecimento Alimentar de Pernambuco (CEASA/PE – O.S.). A
participação da população usuária (pobre) na construção e controle desse Programa parece ser
completamente escamoteada em detrimento da participação de outros sujeitos e beneficiados
envolvidos. Mais uma vez se confirma a tendência das políticas neoliberais em de subsidiar o
capital em momentos de crise através de ações de cunho assistencial.
Retomando a apresentação desse Programa, segundo o site oficial da SARA, dentre as
atribuições dos “parceiros” elencados acima podemos observar as seguintes:
1. Empresa Processadora do Leite “Laticínios”:
• Adquirir o leite cru dos pequenos produtores, a fim de, incentivar a produção.
• Disponibilizar, em cada ponto de distribuição do leite, um freezer com capacidade de
armazenamento compatível com a quantidade de leite a ser distribuído.
• Entregar o leite no ponto de distribuição, optando pelos seguintes horários: a) das 14:00h às
1800h do dia anterior á distribuição aos beneficiários; b) das 05:00h às 07:00h do mesmo dia
da distribuição aos beneficiários.
• Obedecer às normas e os padrões higiênico-sanitários estabelecidos pelo Serviço de
Inspeção Estadual e Serviço de Inspeção Federal (SIE e SIF), estabelecidos para o leite cru e
o pasteurizado.
• Adotar exclusivamente as embalagens padronizadas determinadas pelo Programa Leite de
Todos.
2. Organizações Comunitárias “Entidades”:
• Cadastrar e selecionar os beneficiários do Programa, obedecendo aos critérios estabelecidos
pelo Ministério de Desenvolvimento Social/MDS - Fome Zero e pela Secretaria de
Agricultura e Reforma Agrária (SARA).
• Receber, proceder e controlar a distribuição do leite pasteurizado no horário pré-
estabelecido.
• Receber, zelar e usar adequadamente o freezer utilizado exclusivamente no
acondicionamento do leite do Programa.
• Realizar o controle diário e mensal dos mapas de distribuição do leite. Documentação
exigida pelo Programa.
• Apresentar mensalmente a Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária (SARA) e Centro de
85
Abastecimento Alimentar de Pernambuco CEASA/PE- O.S., os Mapas de Controle da
Distribuição de Leite à População Carente do Estado de Pernambuco, devidamente
preenchidos.
• Orientar a organização comunitária, responsável pela distribuição do leite, sobre o
preenchimento da cartela de identificação do beneficiário, fornecida pela Secretaria de
Agricultura e Reforma Agrária (SARA)/ CEASA/PE - O.S.
• Anotar diariamente, na cartela de Identificação do Beneficiário, a entrega de leite realizada.
• Fornecer mensalmente a Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária (SARA), a relação
atualizada dos beneficiários.
• Excluir e substituir beneficiários que desvirtuarem o objetivo do Programa.
• Destinar, em caso de não comparecimento do beneficiário, a eventual sobra do leite, a
Entidades Filantrópicas, reconhecidamente necessitadas, com apresentação de recibos.
• Comunicar a substituição do signatário da organização comunitária por qualquer motivo.
3. Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária (SARA) / Centro de Abastecimento Alimentar
de Pernambuco (CEASA/PE – O.S.):
• Selecionar e cadastrar as organizações comunitárias requerentes de acordo com as condições
necessárias à implantação do Programa.
• Organizar e implementar o acompanhamento e controle da distribuição do leite aos
beneficiários.
• Realizar, sob a responsabilidade do Centro de Abastecimento Alimentar de Pernambuco
CEASA/PE - O.S., todo o processo licitatório, visando à definição do preço base para a
compra do leite a ser distribuído.
• Promover por meio do Centro de Abastecimento Alimentar de Pernambuco CEASA/PE -
O.S., a assinatura dos contratos com os laticínios e a emissão das ordens de fornecimento do
leite às comunidades, segundo cotas e áreas pré-estabelecidas.
• Promover por meio do Centro de Abastecimento Alimentar de Pernambuco CEASA/PE -
O.S., a liberação dos recursos aos laticínios, obedecendo às cotas e calendários estabelecidos
consensualmente.
• Articular canais de comunicação permanente com a organização comunitária e beneficiários.
• Compor junto ao Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) / Secretaria de Agricultura e
Reforma Agrária (SARA), um banco de dados sobre as organizações comunitárias
envolvidas no Programa.
• Organizar e implementar, o acompanhamento e controle da distribuição do leite aos
86
beneficiários.
• Articular, junto aos órgãos governamentais, formas de atendimento, a fim de manter e
aplicar as ações do Programa.
• Monitorar a operacionalização do Programa. O controle de qualidade do produto distribuído
(leite pasteurizado).
• Proceder, coletas de amostras do leite pasteurizado para análise.
Os critérios adotados para a seleção dos municípios como beneficiários do Programa são:
Contar com a existência de organizações comunitárias organizadas juridicamente e
operacionalmente;
Acesso fácil, durante todo ano, para o transporte do leite até o ponto de recepção e de
distribuição comunitária.
Os requisitos que a organização comunitária deverá preencher são os seguintes:
• Estar localizada na periferia das sedes, vilas ou povoados dos municípios selecionados;
• Dispor de ponto de fácil acesso e segurança para o recebimento, armazenamento e
distribuição do leite ou coloca-lo à disposição nessas mesmas condições;
• Responsabilizar-se pelo recebimento, armazenamento e pela distribuição do leite;
• Promover a divulgação do Programa sem ônus para o Estado, beneficiárias e/ou
fornecedores.
O cadastramento e a seleção da família beneficiada pelo Programa serão realizados pelas
organizações comunitárias, em comum acordo com a Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária
(SARA) e Centro de Abastecimento Alimentar de Pernambuco (CEASA/PE - O.S.), obedecendo, os
seguintes critérios:
• Estar enquadrada em um dos critérios relacionados no item de Beneficiários do Programa;
• O beneficiário só poderá ser cadastrado numa única entidade, havendo duplicidade, será
descredenciado de todas;
• A família não poderá ter renda maior que 01 (um) salário mínimo;
• Residir em até 02 (dois) quilômetros do ponto de recepção e de distribuição do leite
destinado aos beneficiários do Programa;
• O beneficiário, no ato do cadastramento, receberá uma cartela que o identificará no local de
distribuição. Na cartela serão registradas as entregas diárias de leite.
Os Critérios para descredenciamento dos beneficiários pelas Organizações Comunitárias se:
87
• Omitirem a verdade nas informações cadastrais;
• Não estiverem enquadrados dentro das características na seleção dos beneficiários;
• Cederem seus direitos de beneficiários a terceiros, a qualquer título de negociação;
• A perda ou extravio da carteira sem justificativa acarretará no descredenciamento do
beneficiário;
• É dever do beneficiário ou responsável cumprir as normas do Programa Leite de Todos; bem
como manter um bom relacionamento com a direção da Entidade e responsáveis pela
entrega do leite, sob pena de descredenciamento;
Retomando as considerações sinalizadas anteriormente, não podemos de deixar de perceber
que ao serem adotadas essas iniciativas governamentais para implementação desses programas de
segurança alimentar no Brasil, não se tem como único objetivo acabar com o espectro da fome,
associado a esse discurso estão imbricadas lógicas governamentais que mesclam desde o
mandonismo local e cooptação de lideranças comunitárias à fragilização e focalização das políticas
públicas para a esfera do assistencial combinando a modernização conservadora no campo
brasileiro com a “a proposta de distribuição de renda” e incremento do comércio local. Aqui
observamos que se por um lado esses programas de segurança alimentar e transferência de renda
proporcionam algumas conquistas de imediato para os segmentos mais empobrecidos da classe
trabalhadora, por outro lado, o que se sinaliza mais fortemente é um ajustamento desses programas
a ordem do capital, seja através da cooptação política de possíveis lideranças comunitárias, seja
através do subsídio estatal para o financiamento das empresas envolvidas, ou do seu endividamento
perante ao capitalismo financeiro.
3.2.2- Programa Sopa Amiga CEASA
De acordo com a notícia publicada no site da CEASA(
www.ceasape.org.br/verNoticia.php?id=80), em 19/02/2009, poderemos nos situar acerca da
origem, funcionamento e objetivos desse Programa de segurança alimentar.
Segundo a notícia acima, o Programa Sopa Amiga, foi criado na última administração do
ex-governador Miguel Arraes e retomado no início do Governo de Eduardo Campos. Essa sopa é
distribuída em dezenas de creches da Região Metropolitana do Recife, a exemplo do Instituto Tia
Sara, na comunidade Roda de Fogo.
88
De acordo com informações oficiais obtidas no site acima, desde março de 2007, milhares
de quilos de tomate, jerimum, batatinha, repolho e outros produtos considerados sem atrativo para o
consumidor (que muitos preferem chamar de “estragados”) são aproveitados no Centro de
Abastecimento Alimentar de Pernambuco–CEASA/PE. Esses alimentos passaram a ser utilizados
como suprimento alimentar de um público-alvo formado principalmente por crianças, adolescentes,
idosos, pacientes que contraíram o vírus HIV, dependentes químicos e mulheres gestantes.
Atualmente o Programa Sopa Amiga
[...]está presente em 37 entidades beneficiadas[...]localizadas no Recife e nos municípios de Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paulista, Vitória de Santo Antão e Cabo de Santo Agostinho. São distribuídos cerca de 10 mil pratos de sopa acompanhados de um pão francês. No Recife, as Kombis do Sopa Amiga fazem a distribuição da “sopa expressa” (que chega quentinha em baldes de 50 quilos) nas comunidades dos bairros mais populares da Capital, como Totó, Torrões, Caçote, Novo Detran, Jordão Baixo, Ibura e Coque, entre outros[...]A assistente social Keila Ferreira, que faz o acompanhamento do programa nas comunidades, afirma que o número de entidades que procuram a Sopa Amiga é algo extraordinário, sendo impossível atender a demanda. “Cada dia recebemos pedidos de novas entidades – principalmente prefeituras, para contemplar outros municípios, o que estamos fazendo na medida do possível”, assegura. O presidente da Ceasa, Romero Pontual, ressalta que – aliado a outros programas sociais, o Sopa Amiga é uma espécie de “carro chefe” que vem contribuindo para sensibilizar um bom número de empresários que se transformaram em grandes parceiros e hoje fazem doações de vários produtos destinados à Fábrica de Sopa, instalada no antigo Instituto Alimentar de Pernambuco (IAPE), criado pelo ex-governador Miguel Arraes, que funciona nas dependências da Ceasa-PE. Para se ter uma ideia da “generosidade dos parceiros”, no balanço de 2008, onde foram produzidos 975 mil pratos de sopa (e igual quantidade de pães), as contribuições dos empresários foram fundamentais para o êxito do programa[...]Entidades das sociedade civil se aliaram aos empresários da Ceasa e doaram 31.286 quilos hortícolas e outros insumos que se somaram a outros 43.921 quilos de produtos diversos. Entre esses parceiros, estão a Agência de Regulação de Pernambuco (Arpe) e a Coopergás. Disponível em: www.ceasape.org.br/verNoticia.php?id=80).Acesso em 12/08/2009.
De acordo com o exposto acima, o presidente do CEASA, Romero Pontual, coloca que as
contribuições dos empresários foram fundamentais para o êxito do Programa Sopa Amiga e que a
existência de alianças entre várias entidades da sociedade civil e empresariado do CEASA tem
contribuído para a doação de insumos alimentícios. Vale ressaltar que o conteúdo da fala exposta
acima pelo presidente desse Centro não é muito diferente da lógica atual colocada para as políticas
sociais no neoliberalismo.
É importante que a sociedade participe desse processo de construção da política de
segurança alimentar, no entanto, o que efetivamente está acontecendo é que para a efetivação desse
Programa a intervenção da sociedade civil parece ocupar o lócus estatal.
Apesar do governo brasileiro está sempre referendando o combate à fome como meta
prioritária a ser atendida, observamos que de fato quando se fala em programas de segurança
alimentar ainda está enraizada a prática de apelo à sociedade civil para que haja não apenas o
89
fortalecimento das intervenções, ações e programas existentes, mas também, para que exista uma
progressiva desresponsabilização financeira estatal frente às demandas de segurança alimentar.
Porém, o que se evidencia é que essa é uma desresponsabilização de cunho financeiro, uma
vez que, do ponto de vista político o Estado não “pretende” se desvincular dessa função de
mobilizar ações de enfrentamento à fome e à pobreza, pois a preocupação com essa meta é um
slogan que vários governos não querem perder de vista, visto que, de fato contribui para a sua
legitimidade frente a população demandante dessas intervenções.
Segundo Montaño transferir para Sociedade Civil a responsabilidade com o bem-estar é
retrocedermos frente ao dever do Estado na garantia dos direitos sociais. Observe,
Diante desse quadro de enorme complexidade, no entanto, ao invés de evoluirmos para um conceito e uma estratégia no sentido de constituir uma rede universal de proteção social que explicite o dever do Estado na garantia de direitos sociais, retrocedemos a uma concepção de que o bem-estar pertence ao âmbito privado, ou seja, as famílias, a comunidade, as instituições religiosas e filantrópicas, devem responsabilizar-se por ele, numa rede de “solidariedade” que possa proteger os mais pobres. (MONTAÑO, 2005:12)
Passaremos a seguir a analisar as ações desenvolvidas no âmbito da Prefeitura da Cidade do
Recife,iniciando por um levantamento das principais notícias que denotam a divulgação das ações
de segurança alimentar desenvolvidas pela PCR. Vale ressaltar que as considerações sobre o repasse
da responsabilidade estatal para a Sociedade Civil são frequentemente identificados, confirmando o
que acabamos de assinalar
3.3-NOTÍCIAS SOBRE AS INTERVENÇÕES PÚBLICAS REFERENTES À
SEGURANÇA ALIMENTAR NA CIDADE DO RECIFE NO PERÍODO DE 2002 A
2007
Segue abaixo um levantamento de notícias oficiais, acessadas no dia 11/06/2009, no site de
notícias da Prefeitura do Recife, sobre o mapeamento de ações relativas ao enfrentamento à fome na
Cidade do Recife. Ressaltamos que foram identificadas notícias desde o ano de 2002 (um ano antes
da implementação do Programa Fome Zero) até o ano de 2007. Sinalizo que não nos cabe fazer uma
descrição detalhada sobre cada notícia, uma vez que, a forma como foram intituladas já nos trazem
dados interessantes para nos situarmos cronologicamente quanto essas intervenções. Não é por
acaso que data do ano de 2003 o maior número das notícias informando intervenções e ações
relativas ao combate à fome, no entanto, em compensação podemos identificar também que essas
intervenções convergem, no sentido, de delegar constantemente a participação da Sociedade Civil,
90
seja através do apelo à solidariedade, ou seja, através de uma mera distribuição de alimentos sem
que haja previsões orçamentárias estaduais e municipais para suas compras. Esse apelo à Sociedade
Civil, também está presente no funcionamento do Programa Sopa Amiga reativado no governo de
Eduardo Campos cfr o que foi descrito anteriormente nesse capítulo sobre esse programa.
Retomando o que foi discutido anteriormente sobre o apelo à Sociedade Civil frente às
demandas sociais, vale observar algumas contradições que envolvem esse processo antes de lermos
as notícias elencadas a seguir.
Segundo Montaño (2005:18) “a mobilização da sociedade contra a fome é importante,
porém não podemos acreditar que nestas ações devam-se concentrar e esgotar todos os esforços
reivindicatórios e as lutas de classe”.
Quadro 1- Notícias (2002-2007)referentes à Segurança Alimentar
localizadas no site oficial da Prefeitura da Cidade de Recife
Segurança Alimentar Recife- Notícias 2002-2007
16/12/2002 -“Prefeitura anuncia Ação de Combate à Fome" 03/02/2003-20:05 - Prefeitura prepara a Goleada na Fome 13/03/2003-20:13 – "A Praça é Nossa" arrecada comida para a LAR 18/03/2003 14:41 - Seminário Internacional discute luta contra a pobreza 10/04/2003 17:30 - Prefeitura inverte prioridades para promover cidadania e combater fome 11/04/2003 13:51 - Fome Zero Municipal distribui 1,6 tonelada de alimentos 02/06/2003 15:16 - Crianças e adolescentes debatem sobre a Fome 06/06/2003 17:45 - Ilha de Deus recebe cestas básicas do Fome Zero Municipal 25/06/2003 14:59 - Comdica prepara conferência para debater a fome 11/07/2003 12:56 - II Conferência Lúdica debate a fome 11/07/2003 12:58 - Apresentação Cultural arrecada alimentos para Fome Zero 22/07/2003 15:07 - Fome Zero Municipal troca beleza por alimentos 22/07/2003 18:29 - Campanha para Fome Zero Municipal realiza 180 atendimentos nesta terça 29/07/2003 11:12 - Seminário sobre Fome Zero articula ações entre poder público e sociedade 31/07/2003 12:09 - Programa municipal de segurança alimentar começa a ser debatido no Recife 31/07/2003 13:11 - Fome Zero é mais que uma ação emergencial
91
31/07/2003 17:37 - Prefeitura discute práticas alimentares saudáveis para combate à fome 31/07/2003 18:24 - Futebol Participativo doa alimentos ao Fome Zero 01/08/2003 18:48 - Seminário elege comissão e lança site sobre Fome Zero Municipal 29/08/2003 16:07 - Ilha de Deus retribui ajuda do Fome Zero Municipal com Brechó Cultural 01/08/2003 18:48 - Seminário elege comissão e lança site sobre Fome Zero Municipal 07/08/2003 18:38 - Seminário discute projeto de horta comunitária 12/08/2003 15:41 - Palestra de Leonardo Boff reforça combate à fome no Recife 14/08/2003 18:46 - Palestra arrecada 420 kg de alimentos para Fome Zero 19/08/2003 12:32 - Futebol já arrecadou 307 kg de alimentos para Fome Zero 02/09/2003 13:00 - Cinéfilos podem contribuir para o Fome Zero 02/09/2003 11:58 - Concurso Internacional de Pesca doa alimentos para Fome Zero 04/09/2003 18:27 - Programa Fome Zero Municipal recebe doações da Associação de Pesca 04/09/2003 18:00 - Platéia do Teatro do Parque contribui com Fome Zero 10/09/2003 19:09 - Ministro Graziano lança a 1ª Cozinha Comunitária do Recife 11/09/2003 19:19 - Programas nacionais de combate à fome serão lançados no Recife 11/09/2003 17:52 - Prefeito participa do lançamento do Conselho de Segurança Alimentar 14/10/2003 18:15 - Prefeito participa de encontro para discutir o Programa Fome Zero 14/10/2003 17:30 - Prefeitura recebe quatro toneladas de alimentos para o Fome Zero 20/10/2003 10:47 - Prefeito participa de lançamento da campanha Natal Sem Fome 28/10/2003 17:52 - Fome Zero Municipal arrecada mais 495kg de alimentos 28/10/2003 18:28 - Programação do mês do servidor traz filme, palestra e festa
19/11/2003 13:06 - Central 156 fornece informações sobre Fome Zero Municipal 27/11/2003 16:16 - João Paulo fala sobre o programa Fome Zero aos evangélicos 29/12/2003 16:19 - Prefeitura doa 2,5 toneladas de alimentos apreendidos
92
30/12/2003 17:13 - Doação de pescados garante mesa farta para recifenses 04/02/2004 17:53 - Conferência discute segurança alimentar
17/03/2004 15:35 - Conferência Nacional debate Segurança Alimentar 18/03/2004 08:20 - Secretário Nacional de Segurança Alimentar almoça na cozinha comunitária 18/03/2004 08:43 - Manifestações de apoio marcam abertura da Conferência de Segurança Alimentar 27/04/2004 15:33 - Programa Fome Zero Municipal entrega nove toneladas de alimentos10:20 - Fome Zero Municipal recebe doação do Ministério da Agricultura 16/10/2007 18:17 - Anteprojeto de lei de Segurança Alimentar é apresentado
*Disponível em: http://noticias.recife.pe.gov.br acessado em 11/06/09
3.4 - COMSEA/ RECIFE
O Conselho Municipal de Segurança Alimentar do Município do Recife, COMSEA-Recife,
foi criado através do Decreto Nº 20.827 de 15 de dezembro de 2004. Segundo site oficial da
Prefeitura do Recife48, o “COMSEA-Recife tem por objetivo propor as diretrizes gerais da política
municipal de segurança alimentar e nutricional do poder executivo, de caráter consultivo e
deliberativo, sendo regulamentado por Regimento Interno publicado.”
Ficaram definidos como objetivos específicos do COMSEA-Recife, segundo documento49
desse próprio conselho, datado de janeiro de 2009, os seguintes:
• Acompanhamento e apoio às políticas públicas relativas à segurança alimentar e nutricional
da população, como também, direcionar seus encaminhamentos mantendo as linhas de ação
propostas;
• Orientar e encaminhar as necessidades dos grupos específicos e famílias, junto à rede de
serviços sociais públicos, quer levantando demandas, quer buscando condições para atendê-
las. E ainda, sugerir alternativas de ação, baseadas na experiência adquirida com o
desenvolvimento dos Programas; 48
http://www.recife.pe.gov.br/especiais/fomezero/comsea.html, acessado em 19/08/2009.
49 “Esse documento é uma síntese dos trabalhos desenvolvidos pela Prefeitura do Recife, através do registro das atividades promovidas pelas Secretarias de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, Assistência Social, Educação, Saúde e pelo Instituto de Assistência Social e Cidadania-IASC, Autarquia vinculada à Secretaria de Assistência Social.”COMSEA- Recife, jan. 2009.
93
• Contribuir, através da articulação entre governo e sociedade civil, para a construção de uma
política de segurança alimentar e nutricional em Recife, tendo como referência o Programa
Fome Zero;
• Disseminar o conceito de segurança alimentar junto à sociedade recifense;
• Definir linhas de ação para a integração de programas e políticas públicas de segurança
alimentar.
Segundo o documento referido acima, as pessoas beneficiadas no sistema de segurança
alimentar na cidade do Recife são:
Tabela 2-Pessoas beneficiadas no Sistema de Segurança Alimentar no Município de Recife
Sistema de Segurança Alimentar no Município de Recife
Pessoas Atendidas
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico
51000
Secretaria de Educação 190000 Instituto de Assistência Social e Cidadania- IASC
4800
Secretaria de Assistência Social 494000 Secretária de Saúde 7974 Total 749171
Fonte: Documento COMSEA, jan. 2009
3.5-PROGRAMAS E AÇÕES DE SEGURANÇA ALIMENTAR
DESENVOLVIDAS PELA PREFEITURA DA CIDADE DE RECIFE- PCR
Segundo dados do COMSEA-Recife, expostos no documento em anexo, na Prefeitura da
Cidade do Recife os diversos programas e ações de segurança alimentar são desenvolvidos
94
principalmente pelo Instituto de Assistência Social e Cidadania e pelas seguintes secretarias:
3.5.1 - Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento • Banco de Alimentos;
• Central de Pesca;
• Restaurante Escola;
• Compra Direta Local da Agricultura Familiar;
• Hortas Comunitárias;
• Restaurante Prato Popular;
• Atividades de educação alimentar para o consumo;
Segundo dados oficiais do COMSEA- Recife, foram adquiridos e doados 259 toneladas de
alimentos; foram produzidas e comercializadas/ano cerca de 302.144 refeições; além de serem
capacitadas 1.065 pessoas. Totalizando um quantitativo de 612.000 pessoas por ano e 51.000 p/mês.
3.5.2 - Secretaria de Educação
• Creches- 8.114 alunos/dia, onde são fornecidas 5 refeições/dia. Total de 40.570 refeições/dia
(distribuídas entre desjejum, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar.)
• Escolas- 182.635 alunos/dia( rede municipal, conveniadas e programas especiais)
• Escolas integrais- 1.529 alunos/dia( 01 lanche da manhã, 01 almoço e 01 lanche da tarde)
Total de 190.479 alunos/dia e de 199.619 merendas/dia, levantamento parcial do ano de
2008.
3.5.3 - Instituto de Assistência Social e Cidadania da Cidade de Recife - IASC
• Programa Doação de Leites Especiais e Suplementos: 60 pessoas/mês
• Programa Cozinha Comunitária: 60 beneficiados usuários + 50 refeições
comercializadas/dia;
95
• Programa Sopa Comunitária: 21 comunidades e 2 projetos. Aproximadamente 4.000
usuários e 1.260 litros de sopa/dia;
• Equipamento de Fixação na Comunidade
CICA II: 100 crianças Recanto Feliz: 120 crianças Bairro do Recife: 60 crianças
• Distribuição de Cestas-básicas para pacientes portadores de patologias crônicas, como
tuberculose, hanseníase, HIV/AIDS, câncer em tratamento quimioterápico e renal crônico
em tratamento dialítico, além de cestas-básicas para inserção familiar e situação de
calamidade pública totalizando 400/mês.
Total de pessoas: 4.800 beneficiados
3.5.4 -Secretaria de Assistência Social
Número de pessoas beneficiadas com o Bolsa-Família: 109.000 famílias (494.928 pessoas/mês).
Total: 494.928 pessoas/mês beneficiadas
3.5.5 - Secretaria de Saúde
• Programa de Combate a hipovitaminose A
Crianças de 6-11 meses= aproximadamente 2.000 crianças
Crianças de 12-59 meses= aproximadamente 4.000 crianças
• Programa de suplementação de sulfato ferroso
Aproximadamente 07 crianças na Unidade da FUNDAC-Casa de Carolina recebem o xarope
sulfato ferroso para a prevenção da anemia ferropriva
• Cozinha experimental do Centro Médico Ermínio Moraes( Desenvolvida para cerca de 35
usuários diabéticos e hipertensos do centro médico
• Distribuição de cestas-básicas para pacientes portadores de patologias crônicas( 1.742
cestas-básicas mensais)
96
• Criança sensível( distribuição mensal de leite especial para aproximadamente 180 crianças
portadoras de alergia ao leite de vaca
Total de beneficiados pelas ações de Segurança Alimentar da Secretaria de Saúde são
aproximadamente 7.964 pessoas beneficiadas.
Levando em considerações os dados expostos acima acerca das pessoas beneficiadas pelas
ações de segurança alimentar das várias secretarias da Prefeitura do Recife e pelo IASC, segundo
dados oficiais do COMSEA-Recife (jan.2009), são atendidos ao todo 749.171 usuários/mês pelo
Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional Municipal.
3.6 - INSTITUTO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E CIDADANIA DA CIDADE DO
RECIFE (IASC) E AS INTERVENÇÕES RELATIVAS À SEGURANÇA
ALIMENTAR
3.6.1- Breve histórico, missão, e realidade institucional
Segundo site oficial da prefeitura do Recife, o IASC desenvolve ações e presta serviços
direcionados ao resgate de direitos da população em maior grau de exclusão e vulnerabilidade
social, com vínculo familiar fragilizado ou interrompido, vitimada por ocorrências pessoais, sociais
ou de calamidade pública que lhe interrompam o acesso ao atendimento das necessidades básicas,
visando assegurar-lhe proteção social especial de média e alta complexidade e reinserção familiar
ou comunitária. Este órgão veio a substituir a Legião Assistencial do Recife (LAR), uma entidade
beneficente criada há 30 anos, que evoluiu para uma organização não-governamental, mas que,
juridicamente, se tornou incapaz de absorver demandas financeiras e de projetos no quadro da
municipalidade.50
Atualmente, na Cidade do Recife, o IASC situa-se como a Autarquia responsável pela
Proteção Social Especial de Média e de Alta Complexidade, ou seja, é a Instituição executora dos
serviços e programas que oferecem atendimento tanto às demandas de média complexidade
50 De acordo com o site oficial da prefeitura do Recife: hapto://www.recife.pe.gov.br/pr/secsocial/iasc/
97
atendendo às famílias e indivíduos com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiar e
comunitário não foram rompidos, como por exemplo, o Plantão Social e Abordagem de Rua.
Quanto às demandas de alta complexidade atende famílias e indivíduos que se encontram sem
referência e, ou, em situação de ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e, ou
comunitário, dentre as ações realizadas podemos destacar o Atendimento Integral Institucional,
Casa Lar e o Programa Família Acolhedora. No entanto, o IASC vem sendo, cada vez mais,
demandado a estruturar serviços que possam responder pelas demandas da Proteção Social Básica,
ou seja, serviços que se destinam à população que vive em situação de vulnerabilidade social
decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos,
dentre outros) e, ou, fragilização dos vínculos afetivos- relacionados ao pertencimento social de
acordo com a PNAS(2004).
No entanto, essas demandas por proteção social básica, principalmente, no tocante à
segurança alimentar não excluem, em muitos casos, uma atenção especializada. Vale destacar, por
exemplo, que uma família em situação de insegurança alimentar pode também apresentar outros
problemas como a violência doméstica e o uso de drogas por alguns de seus membros.
É nesse sentido, que os Programas e ações que respondem pelas demandas de segurança
alimentar no IASC estão relacionados com outras demandas específicas, necessitando assim de uma
maior integração entre as atuações intersetoriais.
No site oficial da Prefeitura do Recife, na página51 acessada em 10/06/2009, tem uma
publicação intitulada o seguinte 45º BAILE MUNICIPAL BENEFICIA O RECOMEÇO,
A casa de acolhimento O Recomeço, projeto do Instituto de Assistência Social e Cidadania (Iasc), órgão vinculado à Secretaria de Assistência Social, será a instituição beneficiada pelo 45º Baile Municipal do Recife[...] Participaram da coletiva de imprensa a primeira-dama do Recife e a coordenadora geral do Baile, Marilia Bezerra; a secretária municipal de Assistência Social, Karla Menezes; a coordenadora executiva do Baile, Simone Figueiredo; e o coordenador dos concursos de Rei e Rainha e de Fantasias, Romildo Alves.[...]Toda a bilheteria desta 45ª edição do evento será revertida na compra de um novo espaço para a casa o Recomeço, em local ainda a ser definido. “É uma responsabilidade muito grande, principalmente pelo objetivo de ajudar as pessoas. Escolhemos esse projeto, entre tantas outras razões, porque o endereço ficou ultrapassado”, disse a coordenadosra do Baile, Marília Bezerra. Atualmente o espaço ocupado pela O Recomeço, que é doado pela Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf)[...] dona L.O, que conseguiu um endereço no O Recomeço, em julho de 2007, depois morar anos em uma invasão com os cinco filhos. “Quando eu morava na invasão eu não dormia por causa das ordens de despejo. Até que a Codecir me acolheu e me encaminhou para a casa. Realmente, se não fosse isso, só Deus saberia o que seria de mim. Com o auxilio social e com a cesta básica (que cada integrante recebe por seis meses após deixar a casa), estou vivendo”, disse. “Já nem sei de quantas edições participei do Baile, mas é sempre uma satisfação, por ser um encontro com pessoas que gostam de mim de verdade. A primeira dama está de parabéns pela continuidade do evento”, homenageou Claudionor Germano. A coletiva foi encerrada com um apelo e convite das organizadoras: “Que as pessoas e as
51
http://www.recife.pe.gov.br/2009/01/09/45_baile_municipal_beneficia_io_recomecoi_165408.php
98empresas vejam o evento com outros olhos, e o incluam nos seus projetos. Afinal, é um prazer imenso poder ajudar a quem precisa”, falou Marilia Bezerra. Já a secretária Karla Menezes deu um recado para o “Folião Cidadão”: “Participem, divirtam-se; vamos mostrar ao mundo a nossa cultura, o frevo, mas, ao mesmo tempo, exercendo a função social de cada um de nós”. Disponível em: http://www.recife.pe.gov.br/2009/01/09/45_baile_municipal_beneficia_io_recomecoi_165408.php Acesso em: 10/06/2009
A entrevista acima ilustra bem a existência numa instituição pública de práticas reiteradoras
do conservadorismo no trato à questão social no Recife, mesmo diante da Lei Orgânica da
Assistência Social -LOAS (1993) e da atualizada PNAS (2004) observa-se o apelo à sociedade civil
para ajudar a “quem precisa”. Além disso mostra claramente que insumos referentes à segurança
alimentar, como por exemplo, cestas-básicas são utilizados como estratégias para a garantia da
reinserção familiar, outro dado que podemos observar é a precariedade de recursos existentes para
serem empregados na Política de Assistência Social, que ainda hoje na Cidade do Recife é atrelada
às doações da Sociedade Civil e de algumas comemorações carnavalescas.
Diante das péssimas condições de trabalho e precariedade dos serviços oferecidos à
população demandante dos serviços da Assistência Social no Recife, as assistentes sociais no
período da greve que foi deflagrada esse ano(2009) tanto pelo IASC quanto pela Secretaria de
Assistência Social redigiram uma Carta Aberta à Sociedade que consta dados interessantes. Esses
dados referem-se à precariedade da prestação dos serviços sócio-assistenciais. Dentre esses
problemas é colocada a falta de insumos relativos à segurança alimentar de pessoas portadoras de
doenças infecto-contagiosas como HIV, Hepatite e Tuberculose. Segue abaixo um trecho da carta
aberta à sociedade:
Os servidores e as servidoras da Secretaria de Assistência Social (SAS) e do Instituto de Assistência Social e Cidadania (IASC) informam à população que estão em GREVE desde o dia 20 de maio de 2009. Por que estamos em greve? Por causa das péssimas condições de trabalho, a precária implementação dos serviços de Assistência Social e a falta de respostas satisfatórias da gestão. Assim tentamos mudar a seguinte realidade: número de profissionais insuficientes para o desenvolvimento das ações no município; salários baixos e defasados: o vencimento líquido varia de R$ 420,00 (menor que 1 salário mínimo) à R$ 960,00;desrespeito aos Direitos Trabalhistas como o não recebimento do adicional de insalubridade e do auxílio creche; instalações dos CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) precárias e péssimas condições dos Abrigos; falta de Cestas Básicas para portadores de doenças infecto-contagiosas como HIV, Hepatite e Tuberculose; núcleos do PETI (Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil) e PROJOVEM Adolescente estão fechados o que deixa crianças e adolescentes em maior risco social. Disponível em: http://acertodecontas.blog.br/atualidades/assistentes-sociais-reclamam-da-invisibilidade-da-greve/#comment-78683 .Acesso em: 11/06/2009
Apesar de não se ter alcançado resultados positivos quanto às melhorias das condições de
trabalho e salariais dos profissionais envolvidos foi de estrema relevância na articulação, divulgação
e apresentação das precárias condições existentes para a implementação da Política de Assistência e
99
ações do IASC. Além disso, foi um marco político que tentou colocar essas questões para o espaço
extra-institucional.
3.7-Gerência de Nutrição e Controle Alimentar e ações desenvolvidas no âmbito
da segurança alimentar- IASC
3.7.1- “Programa” do Leite do IASC
De acordo com as entrevistas realizadas, com os técnicos e gerência do referido “programa”,
as ações de fornecimento de leite existiam desde a extinta Legião Assistencial do Recife-LAR. O
atendimento era feito através das demandas colocadas pela população circunvizinha ao setor dessa
própria instituição chamado de Articulação Comunitária. Esse setor demandava respostas da
Diretoria de Nutrição, atual GONCA. Nessa época, o leite era entregue também as 21 unidades da
LAR e as 7 creches.
Com a criação do IASC, em maio de 2003, as creches foram para a responsabilidade da
Secretaria de Educação. Além disso, houve uma reforma na Diretoria de Nutrição com a construção
de um novo organograma, essa Diretoria foi subdividida em duas: Diretoria de Segurança Alimentar
(política) e Gerência de Nutrição (controle alimentar).
Em 2004, houve uma nova reestruturação do organograma e a Diretoria técnica da Nutrição
passa a ser subordinada novamente ao DAF (Diretoria Financeira e Administrativa).
Dessa forma é extinta a Diretoria de Segurança Alimentar, quando foi criada a Gerência de
Nutrição e Controle Alimentar que passa a ser subordinada ao DAF como já foi dito anteriormente.
Essa Gerência já desenvolvia muitas das ações que são desenvolvidas hoje, porém com a
abrangência bem reduzida pois não havia profissionais suficientes e além disso, esses profissionais
não eram concursados e apresentavam vulnerabilidade quanto os vínculos trabalhistas.
A partir de 2006, com o primeiro concurso da Assistência Social no Recife, o IASC teve um
aumento significativo no número de profissionais de nível superior. Antes do concurso existia
apenas uma assistente social e duas nutricionistas na GONCA, após o concurso passaram a fazer
parte do quadro efetivo dessa gerência duas assistentes sociais e seis nutricionistas.
Após a lotação dos concursados na GONCA, a necessidade em responder às demandas
100
referentes à prestação de serviços sócio-nutricionais voltados à segurança alimentar em atenção à
infância, oriundas de outro setor no IASC, que é chamado de Emergencial52, continuou sendo
atribuição específica dos nutricionistas. Nessa época, o Programa do Leite era visto quase que
exclusivamente através da ótica nutricional. No entanto, com transcurso do ano de 2006 para 2007,
através de várias reuniões técnicas existentes na GONCA, foi-se observando que as famílias e
crianças que demandavam pelo leite e suplementação alimentar traziam também várias outras
demandas referentes a outras expressões da questão social, como falta de documentação, falta de
acesso à moradia, violência doméstica, requisitavam informações e orientações quanto ao acesso de
outros serviços, benefícios e direitos sociais.
Diante do exposto, foi solicitada a presença efetiva do Serviço Social nesse “programa”.
Fato que passou a ser de extrema relevância e que trouxe várias discussões referentes não apenas ao
acesso do insumo leite, mas também, ao acesso ao Direito Humano à Alimentação e a tantos outros
direitos sociais preconizados pela LOAS e pela Constituição Federal de 1988.
O “Programa do Leite” caracteriza-se principalmente pela distribuição de leite e
suplementos alimentares para crianças dentro do perfil de atendimento, orientação e
encaminhamentos sociais às famílias dessas crianças. Esse “programa” está inserido na Gerência
Operacional de Nutrição e Controle Alimentar do IASC- GONCA, que como o próprio nome diz é
uma gerência que está muito ligada à distribuição e controle de alimentos dentro da Instituição.
Nesse sentido, o Programa do Leite, não é o único programa dessa gerência, nem muito menos a
sua razão de existência, ou única atividade desenvolvida por ela.
Segundo dados do COMSEA- Recife, datados de janeiro de 2009, que seguem em anexo, o
Programa de Doação de Leites Especiais e Suplementos atende cerca de 60 pessoas/mês, chegando
um total/ano de 720 pessoas. O “programa” em tela tem como objetivo a distribuição do insumo do leite,
principalmente, às crianças de 0 a 6 meses, cujas mães não podem amamentar; e do
insumo do leite acompanhado de suplementos nutricionais às crianças de 0 a 10 anos
em situação de desnutrição.
Vale mencionar que essa distribuição para as crianças de 0 até completar o
sexto mês de vida é garantida independentemente do prazo de início de atendimento.
Em decorrência da pouca quantidade de insumos, para as crianças maiores de seis
meses que estão desnutridas tem-se um
52
É no Emergencial, geralmente, que é realizada a primeira escuta, triagem e encaminhamentos para a população usuária dos serviços sócio-assistenciais do IASC e dentre outros. Os usuários que se apresentam a esse setor na sua grande maioria já se encontra num estágio muito elevado vulnerabilidade social e alimentar, degradação física e sem expectativas de melhorias das condições de vida, desesperançados, doentes, depressivos, dentre outras situações degradantes.
101
prazo de inserção determinado de 3 meses, que pode ser expandido por no máximo 6 meses caso
persista a desnutrição.
Crianças que apresentem quadro alérgico à proteína do leite de vaca, cujas famílias estejam
em situação de vulnerabilidade social, também são atendidas por esse programa em caráter
emergencial e a posteriori encaminhadas para o Sistema Único de Saúde.
Segundo o protocolo de inserção no programa de distribuição de leites e suplementos, que
segue, em anexo, a criança para ser inserida nesse “Programa” devem ser respeitados, como já foi
dito antes, alguns critérios de inclusão, e além disso, deve existir a contrapartida da mãe.
Os Critérios de inclusão no Programa são os seguintes:
• Crianças de 0 a 10 anos; • Desnutrição ou risco nutricional + vulnerabilidade social; • Impedimento do aleitamento materno; • Alergias ou intolerâncias alimentares + vulnerabilidade social. SAÚDE
A Contrapartida da mãe são as seguintes:
• Apresentar cartão da criança devidamente preenchido (vacinação, acompanhamento de
crescimento); • Apresentar regularidade em relação ao acompanhamento médico da criança; • Apresentar dados sobre o peso da criança, pelo menos 1 vez por mês, para avaliação da
eficiência da intervenção;
Alguns entraves referentes à execução desse “Programa” foram apontados pelo Serviço
Social durante as entrevistas realizadas pela pesquisadora em tela e outros foram observados pela
própria pesquisadora durante os dois anos e meio que esteve inserida na GONCA. Dentre eles
destacamos:
• Falta de regulamentação do Programa apesar da existência de um Protocolo de atendimento;
• Falta de recursos direcionados para o Programa do Leite;
• Falta de infraestrutura adequada para a realização dos atendimentos e garantia do sigilo
profissional. Ressaltamos que a sala de atendimento não tem a acústica e ventilação
adequada, e além disso, é transparente por ser de vidro e ter parte da parede próxima ao
corredor;
• Ausência de intersetorialidade com as outras políticas;
• Falta de compreensão dos funcionários do IASC sobre a relevância do “Programa” e das
atividades desenvolvidas pela GONCA;
• Outra questão apontada é a subordinação das atividades, ações e “programas” relativos à
segurança alimentar desenvolvidas pela GONCA a uma Diretoria Administrativa e
Financeira-DAF, fato que deveria urgentemente ser repensado, uma vez que, essas ações
102
deveriam estar vinculadas a uma diretoria técnica na área social.
• Alta demanda x poucos profissionais, tanto de nutrição e quanto de serviço social para fazer
o acompanhamento adequado aos usuários demandantes;
Algumas sugestões para melhoria do atendimento do Programa do Leite estão presentes no
relatório elaborado, em abril de 2009, pela equipe técnica da GONCA-IASC sobre as Unidades de
Acolhida/Sopa/Cozinha e Programa Leite e Suplementos, dentre elas:
• Uma nova sala para atendimento dos usuários;
• Uma licitação especifica para o Programa do Leite;
• Uma melhor articulação entre as Secretarias de Assistência Social e de Saúde e demais
Políticas Sociais.
No que diz respeito ao programa elencado observou-se que teve uma tendência expansiva
desde a sua origem, onde rapidamente dobraram o número das crianças atendidas, no entanto,
diante das dificuldades de operacionalizá-lo, várias vezes foi questionada e discutida em âmbito
institucional a sua continuidade.
3.7.2- O Projeto Cozinha Comunitária Gurupé - IASC
O Projeto Cozinha Comunitária Gurupé é “resultado de ações da Prefeitura do Recife,
através do Instituto de Assistência Social e Cidadania – IASC, Secretaria de Desenvolvimento
Econômico, Secretaria de Saúde, Secretaria de Política de Assistência Social através de uma
parceria com o Programa FOME ZERO/Recife e funciona na Rua Gurupé, no Bairro de Afogados-
RPA 05. Esse Projeto visa promover a melhoria das condições de nutrição e acesso à alimentação de
qualidade às populações de “baixa renda””. (Projeto Básico Cozinha Comunitária, 2003)
De acordo com o projeto original deve-se dar prioridade às crianças, idosos, gestantes,
nutrizes, hipertensos e diabéticos em situação de pobreza totalizando um quantitativo máximo de 50
vagas para serem preenchidas de acordo com o perfil mencionado.
Dentre os objetivos do Projeto Básico Cozinha Comunitária destacamos:
• Promover formas de produção de alimentos de qualidade que sejam socialmente eqüitativas
e inclusivas, quanto às formas mais adequadas de utilização e de conservação dos alimentos
em domicílios, implicando problemas tanto de saúde quanto de desperdício.
• Fornecer refeições diárias (almoço e jantar) que atinjam a IDR (ingestão diária recomendada
103
de acordo com a FAO/OMS), a preço baixo, aos trabalhadores locais e população de baixa renda da
região;
• Diminuir o índice de desnutrição de crianças, gestantes, nutrizes e idosos das microrregiões
do Recife;
• Incentivar o aleitamento materno, por meio de ações educativas realizadas no espaço das
cozinhas;
• Cadastrar cerca de 50 famílias, por microrregião, realizando atendimento/acompanhamento
nutricional, para garantir a disponibilidade e o acesso à alimentação sadia, diversificada e
que respeite a diversidade das culturas e hábitos alimentares;
Ainda segundo o Projeto Básico elencado acima os beneficiários deveriam ser:
• Comunidades ou grupos populacionais específicos que consomem refeições prontas fora do
domicílio como forma de complementação de sua dieta (crianças de 01 a 07 anos de idade,
gestantes, nutrizes, idosos, trabalhadores locais e população de baixa renda).
O projeto básico (2003) referente à implementação das Cozinhas Comunitárias na Cidade do
Recife previa a instalação de 35 Cozinhas Comunitárias, onde cada cozinha produziria 200
refeições / padrão popular por dia.
Ainda segundo esse projeto básico (2003) seriam doadas diariamente 50 refeições, cuja
matéria prima deveria ser custeada com recursos oriundos do Tesouro Municipal, alimentos
coletados através do Banco de Alimentos e Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura
Familiar, em convênio com o MESA/CONAB. Além disso, 150 refeições que seriam postas à
venda, segundo estudo de viabilidade econômica e a partir disso seriam vendidas a preços baixos.
Dentre as estratégias de ação do Projeto Básico (2003) destacamos algumas que estavam
previstas, mas que não foram efetivadas de fato na sua íntegra:
• um atendimento diário com atividades voltadas para abastecimento alimentar (almoço e
jantar) aos grupos vulneráveis à fome e sob carência nutricional que, a partir de um cardápio
devidamente orientado por nutricionistas, seriam acompanhados periodicamente até
atingirem níveis satisfatórios de nutrição.
• As indicações dos grupos a serem assistidos, também serão sugeridas pelo PSF da região.
• Funcionamento diário (exceto nos feriados e finais de semana), a partir de um cardápio
elaborado sob a orientação de nutricionistas.
Saliento que atualmente as estratégias de ação do Projeto Cozinha Comunitária avançou em
alguns aspectos, enquanto que em outros regrediu ao não ser capaz de operacionalizar algumas
104
garantias que estavam previstas no Projeto Básico (2003).
• O Projeto Cozinha Comunitária Gurupé oferta apenas uma refeição diária;
• Nos fins de semana e feriados os usuários desse projeto ficam sem receber qualquer insumo
alimentar, esse é um grande problema para os usuários, que até hoje não foram encontradas
soluções viáveis;
• Falta de organização e participação dos usuários no sentido de monitorar e lutar pela
melhoria dos serviços prestados;
• Esse é um projeto do IASC que existe há mais de 05 anos, e atua além dos objetivos
elencados acima como espaço de atração para que sejam trabalhadas outras questões
relativas à garantia dos direitos sociais, porém não foi legitimado enquanto Serviço ou
Unidade que deve ser um locus de atenção financeira e técnica específica dessa Instituição;
• É um Projeto que está subordinado no IASC a uma Gerência de Nutrição e Controle
Alimentar, fato que deveria ser revisto pois, diante da sua complexidade, deveria estar
vinculado à uma Gerência Técnica na área social;
• Ainda não está fortalecido entre os usuários que a alimentação prestada nesse Projeto é um
direito, apesar do Serviço Social ter realizado várias intervenções e palestras nesse sentido;
• Vale destacar que esse Projeto fica situado na Associação de Moradores da Rua Gurupé fato
que tem impossibilitado em alguns momentos a sua expansão e maior autonomia. Seria
interessante o IASC investir na construção de um local específico para o desenvolvimento e
ampliação desse Projeto;
• Falta de um projeto de divulgação oficial do Projeto Cozinha Comunitária.
Mesmo diante dos entraves e problemas elencados acima, vale apena apontar vários avanços
importantes referentes ao Projeto Cozinha Comunitária Gurupé, na área social, dentre eles
destacamos:
• A inserção e ampliação do Serviço Social que vem ofertando de forma qualificada aos
usuários/as desse Projeto serviços educativos e socioassistenciais;
• Outra grande conquista é que o Serviço Social qualificou a forma de inserção dos usuários
nesse Projeto, através da ampliação do público alvo, diferentemente do Projeto Básico
(2003) que previa que essa inserção deveria ser por indicação do PSF local. Nesse processo
foi de extrema relevância a utilização do Estudo Social, seja através da visita domiciliar e
entrevista como subsídio para a elaboração do parecer social que atua como parâmetro de
inserção do usuário no Projeto. Diante disso, agora para ser inserido na Cozinha
105
Comunitária Gurupé faz-se necessário um Estudo social através de visitas domiciliares e
entrevistas para selecionar quais as famílias que atendem o perfil do Programa;
• O Serviço Social não é responsável apenas pela inserção dos usuários na Cozinha Gurupé,
em caso de desligamento das famílias envolvidas é feito, não apenas um parecer nutricional
indicativo de melhoria na situação de desnutrição, mas também se faz necessário um parecer
social que seja favorável ao desligamento. Na elaboração desse parecer são observadas as
várias mediações que fazem interface com garantia da segurança alimentar e, caso a família
avaliada apresente extrema vulnerabilidade social, ela continua no Projeto como forma de
prevenção à desnutrição;
• Outra conquista trazida pelo Serviço Social foi a garantia de disponibilização de vales-
transportes para que sejam efetivados os encaminhamentos sociais realizados aos usuários
desse Projeto. Nesse sentido, esse insumo permite aos usuários a garantia do direito de ir e
vir, previsto na Constituição Federal de 1988, mas sobretudo permite que os usuários em
situação de carência alimentar e vulnerabilidade social possam acessar a rede
socioassistencial na perspectiva da garantia dos direitos sociais;
• Palestras informativas relativas aos direitos sociais. Esse é um grande avanço pois sempre é
colocado pelo Serviço Social para os usuários que a alimentação é um direito de todos e que
o seu acesso deve ser respeitado;
• Monitoramento constante dos encaminhamentos realizados para as políticas intersetoriais,
dentre outras atividades;
• Além desse monitoramento constante, referente aos encaminhamentos para outras políticas
intersetoriais, são realizadas semanalmente visitas domiciliares de acompanhamento às
famílias inseridas, no intuito de observar se há em locus outras demandas específicas que
precisam ser acompanhadas;
• Elaboração junto com o Serviço de Nutrição dos Projetos de formação e geração de renda
“Doces e Salgados” e “Chocolate Social” que aconteceram no espaço da Cozinha
Comunitária e tiveram como público prioritário os usuários do Projeto Cozinha
Comunitária;
As atividades e ações oferecidas aos usuários/as inseridos no Programa Cozinha Comunitária,
relacionadas ao atendimento nutricional são as seguintes:
• Distribuição de uma refeição por dia de segunda-feira à sexta-feira;
• Acompanhamento nutricional feito pelo o Serviço de Nutrição aos usuários inseridos;
• Orientação e supervisão da produção de alimentos;
• Garantia de um cardápio diversificado;
106
• Educação alimentar, dentre outras;
3.7.2.1 - O perfil sócio-econômico dos usuários do Projeto Cozinha Comunitária Gurupé (IASC) referente ao ano de 2008
Gráfico 3- Total de usuários por idade inseridos no Projeto Comunitária Gurupé- IASC em 2008
2211 40
62
0
2040
60
80
Adultos Crianças Total
TOTAL DE USUÁRIOS POR IDADE
TOTALCRIANÇASADULTOS
Fonte: Gerência de Nutrição e Controle Aliementar/ Serviço Social, 2008
Gráfico 4- Distribuição do público atendido no Projeto Comunitária Gurupé- IASC segundo a faixa etária, em 2008.
Distribuiçãodo público atendido segundo a faixa etária
7%
32%
56%
5%
Crianças (0 a 12anos)Adolescentes (13a 18anos)Adultos (maioresde 18 anos)Idosos (acima de60 anos)
Fonte: Gerência de Nutrição e Controle Aliementar/ Serviço Social, 2008
107
Gráfico 5- Distribuição do público atendido no Projeto Comunitária Gurupé- IASC, segundo possibilidade de uso dos serviços de saúde onde está localizado o projeto, em 2008.
Distribuição do público atendido segundo a possibilidade de uso dos serviços de saúde onde está localizado o Projeto
34%
33%
33%PSFUnidade de SaúdePACS
Fonte: Gerência de Nutrição e Controle Aliementar/ Serviço Social, 2008
Gráfico 6- Distribuição do público, em idade ativa, atendido no Projeto Comunitária Gurupé- IASC ,segundo ocupação ocupacional, em 2008.
Situação Ocupacional
62%
33%
5%
DESEMPREGADO (A)
TRABALHO INFORMAL
APOSENTADO (A)
Fonte: Gerência de Nutrição e Controle Aliementar/ Serviço Social, 2008
Gráfico 7- Distribuição das residências do público atendido no Projeto Comunitária Gurupé- IASC ,segundo saneamento básico, em 2008.
Saneamento Básico
69%
31%
TEM
NÃO TEM
Fonte: Gerência de Nutrição e Controle Aliementar/ Serviço Social, 2008
108Gráfico 8- Distribuição das residências do público atendido no Projeto
Comunitária Gurupé- IASC,segundo estrutura física da habitação, em 2008.
HABITAÇÃO: ESTRUTURA FÍSICA
80%
7%13%
ALVENARIAMADEIRAMISTA
Fonte: Gerência de Nutrição e Controle Aliementar/ Serviço Social, 2008
Gráfico 9- Distribuição das residências do público atendido no Projeto
Comunitária Gurupé- IASC,segundo situação legal de moradia, em 2008.
SITUAÇÃO LEGAL DE MORADIA
51%
14%
14%
21% PRÓPRIAALUGADACEDIDAINVADIDA
Fonte: Gerência de Nutrição e Controle Aliementar/ Serviço Social, 2008
De acordo do os gráficos apontados acima podemos identificar um breve perfil da população
atendida nesse Projeto, dentre os marcos elencados podemos observar que:
• Quanto à idade: o maior quantitativo de atendidos são crianças;
• Quanto à faixa etária: o maior quantitativo está na faixa de 0-12 anos;
• Quanto o acesso aos serviços de saúde (PSF, PACS e Unidade de Saúde) observa-se que não
há uma grande discrepância relativa ao acesso;
• Quanto à situação ocupacional podemos observar que 95% do público atendido é composto
por pessoas desempregadas ou que estão realizando alguma atividade informal;
• Quanto ao saneamento básico, observamos que 31 % das residências não têm acesso;
• Quanto à estrutura física da habitação observamos que 20% das residências são feitas com
109
madeira ou são mistas;
• Quanto à situação legal de moradia observamos que 35% das moradias apresentam alguma
irregularidade do ponto de vista legal.
O público atendido representa na sua maioria o previsto pelo público-alvo, no entanto,
observa-se que é preciso uma ampliação em relação ao público-alvo e ao aumento de vagas, uma
vez que, dentre os demandantes pelos serviços sócio-assistenciais da Cozinha Comunitária também
estão famílias unipessoais compostas por homens que tem extrema dificuldade de serem inseridos
em outras políticas públicas e projetos sociais. Além disso, no ano de 2007 tinha-se uma lista de
espera de mais de 10 famílias que estavam em situação de extrema vulnerabilidade alimentar
aguardando sua inserção nesse programa.53
Outro aspecto que gostaríamos de enfatizar é que apesar de está localizado no prédio da
Associação de Moradores da Rua Gurupé no Bairro de Afogados RPA 05, próximo à Comunidade
Caranguejo Tabaiares e outras, onde são altos os níveis de pobreza e vulnerabilidade social. No
entanto, os residentes dessas comunidades, na sua maioria, não tem conhecimento da existência ou
objetivo do Programa, visto que, não existe no IASC um projeto de divulgação e ampliação do
mesmo. No ano de 2007, essas famílias que estavam na lista de espera quando questionadas como
ficaram sabendo da existência do referido Projeto, na grande maioria, afirmavam que receberam a
informação através de contato com as famílias que já estavam inseridas.
Como foi dito anteriormente, o Programa Cozinha Comunitária Gurupé inicialmente foi
resultado de uma ação conjunta de diversos entes sociais. Sua execução ficaria a cargo do IASC até
que esse Projeto conseguisse garantir a auto-sustentabilidade, através da venda de refeições a preços
populares.
No entanto, vale destacar que apesar da venda dessas quentinhas a preços populares, até hoje
não foi possível garantir a auto-sustentabilidade do Projeto, pois essas vendas não se dão de forma
lucrativa. Diante do fracasso na garantia da auto-sustentabilidade acreditamos que esse Projeto teria
um maior impacto e efetividade social se ao invés das vendas dessas quentinhas fosse aumentado o
número de vagas para as famílias em situação de vulnerabilidade social e nutricional.
Acreditamos que seria mais viável uma proposta de ampliação do número de vagas para as
famílias demandantes, visto que o IASC como Autarquia pública relativa à implementação desse
Projeto deve assumir os custos com a manutenção do mesmo. Em outras palavras, das 200 refeições
preparadas por dia, previstas no Projeto Básico (2003), iria-se abrir mais 50 vagas, caso fossem
produzidas duas refeições diárias, e se fosse mantida a forma de funcionamento atual poder-se-ia 53 Ressaltamos que quando estava trabalhando na GONCA, no ano de 2007, fiquei responsável em atender e cadastrar as famílias interessadas em serem inseridas nesse Projeto, além disso ficava responsável em atualizar essa lista.
110
abrir em média 150 vagas, uma vez que, das 200 previstas 60 já estão sendo ocupadas atualmente.
Segundo dados do COMSEA54, datado de janeiro de 2009, atualmente a Cozinha
Comunitária atende atualmente cerca de “60 beneficiados usuários + 50 refeições
comercializadas/dia”.
Apesar da tentativa e perspectiva de auto-sustentabilidade até os dias atuais a garantia da
manutenção desse projeto depende de recursos provenientes do IASC, seja no que diz respeito à
compra de alimentos para preparar as refeições, seja no que se refere ao pagamento dos
funcionários e empregados que trabalham, no intuito de, desenvolver as atividades a serem
desempenhadas. Tal como afirmamos anteriormente a responsabilidade financeira deve ser mesmo
do IASC.
3.7.3. - O Programa Sopa Comunitária- IASC
O “Programa” Sopa Comunitária que é executado pelo IASC é caracterizado principalmente
pela produção de 1.260 litros de sopa/dia que são distribuídos diariamente para 21 comunidades e
2 projetos sociais, atendendo aproximadamente 4.000 usuários.55
Ressaltamos que tanto a produção quanto a distribuição da sopa até chegar às comunidades
cadastradas é de responsabilidade do IASC. E os alimentos que chegam para serem processados e
transformados na sopa são adquiridos seja através de doações, apreensões, e na sua maioria
recebidos pelo programa compra direta municipal, segundo entrevista realizadas com equipe da
GONCA/IASC. Mais adiante vamos refletir melhor sobre a forma de produção, distribuição e
operacionalização desse “Programa”. Antes disso, é interessante nos situarmos acerca dos aspectos
que permearam a origem desse “Programa”. Para tanto, nos basearemos num breve relato trazido
pelo documento seguinte.
O Diagnóstico do “Programa Sopa Comunitária”, elaborado pela Equipe Técnica da
GONCA, em 2006, foi um dos documentos mais importantes para a reflexão institucional acerca
das condições objetivas e subjetivas de funcionamento desse “Programa”. Através dele podemos
fazer um resgate da história do mesmo e situar alguns aspectos que fazem parte de sua execução.
Segundo dados contidos, no documento descrito acima, acerca da história desse “Programa”,
podemos constatar que sua origem está atrelada às práticas beneficentes e ao clientelismo político-
partidário, observe:
54 Esses dados para consulta estarão no documento, em anexo, nessa dissertação. 55 Dados COMSEA- Recife, jan. 2009.
111[...] a distribuição de sopa para pessoas necessitadas começou no ano de 1994, com a iniciativa de uma voluntária, Srª Lucia, na Rua do Cupim, no Bairro das Graças. O grupo de necessitados foi aumentando e as dificuldades de produção também, pois as doações para a produção não eram suficientes. Na busca de solucionar esse problema foi solicitado ajuda à Legião Assistencial do Recife – LAR (hoje extinta). Depois de uma reunião com a presidência ficou acertado que a sopa seria produzida na própria LAR e não só atenderia as pessoas daquela área, como também algumas comunidades em situação de extrema necessidade. Assim nasceu o Programa Sopa Comunitária, em 14 julho de 1995, beneficiando inicialmente 9 (nove)comunidades e em 1998 o programa já atendia 33 (trinta e três). A escolha das mesmas foi sempre feita pela equipe da presidência, que beneficiava, na maioria das vezes, lideranças comunitárias que também eram aliados políticos. Fonte:GONCA, 2006 ( Diagnóstico do Programa Sopa Comunitária)
As lideranças das comunidades e entidades são responsáveis pela distribuição da sopa nas
suas respectivas áreas. Algumas comunidades possuem espaços públicos para este serviço, as que
não têm nenhum local coletivo, a distribuição se dá em frente às residências das lideranças.56
A partir de 2001 (nova gestão municipal) a equipe de articulação e mobilização social
passou a acompanhar as comunidades beneficiadas pelo Programa Sopa, assim como os
funcionários que trabalham diretamente na produção e entrega da sopa nas comunidades. Neste
contato sistemático, algumas coisas foram constatadas, segundo documento em anexo:57
a) Comunidade
- lideranças comunitárias sem compromisso com a distribuição da sopa;
- locais de distribuição sem o mínimo de conforto e dignidade para as pessoas;
- usuários totalmente desinformados sobre o valor nutritivo e origem da sopa (de
onde vem, etc.);
- irregularidades na distribuição da sopa (manipulação inadequada, falta de higiene, etc.);
b) Espaço de produção
- local sem infra-estrutura adequada, sem as condições sanitárias definidas pela Vigilância
Sanitária, ausência de banheiros masculino e feminino;
- espaço físico e equipamentos inadequados para o armazenamento dos alimentos –
freezeres quebrados, muito enferrujados e escorados com tijolos, podendo provocar choque
nos funcionários por conta da umidade do piso;
- utensílios insuficientes para a produção diária de grande quantidade de sopa;
- funcionários desmotivados e alheios à importância do trabalho de produzir alimento de
qualidade para as pessoas necessitadas, devido à falta de capacitação periódica e
equipamentos adequados, colocando-os sob riscos de acidentes, além do desconforto da
alta temperatura causada pela insuficiência dos exaustores;
56
Diagnóstico do Programa Sopa Comunitária, GONCA, 2006.(documento em anexo) 57
Idem.
112
- falta de espaço apropriado para recebimento e manuseio dos alimentos na hora da entrega
pelo fornecedor;
- falta a conclusão da reforma estrutural do espaço de produção da Sopa, principalmente do
pátio externo que precisa ser cimentado visando à melhoria das condições gerais de higiene
(quando chove junta muita lama no espaço de produção).
c) Transporte da sopa até as comunidades
-duas kombis muito velhas, sem condições adequadas para o transporte de alimentos
quentes e sem o mínimo de segurança para o motorista e o auxiliar que entregam a sopa,
assim como para os transeuntes das comunidades;
-botijões que transportam a sopa com aparência muito feia e sem nenhuma
identificação.(Fonte: Diagnóstico do Programa Sopa Comunitária-Gerência de Nutrição e Controle
Alimentar- GONCA, 2006)
Segundo dados da Gerência Operacional de Nutrição e Controle Alimentar do IASC-
GONCA, atualmente, existem alguns critérios que devem ser observados através de monitoramento
para a entrega da sopa nas comunidades atendidas.
Dessa forma a entrega da sopa será permitida nas seguintes condições:
• Os recipientes de recebimento da sopa deverão estar limpos, ser de material adequado(não utilizar garrafas plásticas, lata-de tinta ou alimentos), estar em bom estado de conservação, estar protegidos(com tampa) e não sujeitos a alterações(ferrugem, sujeira); • A entrega deverá ser feita a pessoas maiores de 12 anos; • A distribuição deverá ser em local coberto e limpo; • O local da distribuição deverá ser politicamente neutro; • O responsável pela distribuição deverá ser maior de 16 anos, estar em condições de higiene pessoal adequada, fazer a higiene das mãos e antebraços antes da distribuição e deverá estar usando touca ou boné; • O recipiente da sopa não deverá estar em contato direto com o piso; • O recipiente térmico destinado à guarda da sopa deverá ser devolvido devidamente limpo; • O utensílio utilizado na distribuição(concha) deverá estar em bom estado de conservação, não deve ficar exposto à poeira ou em contato direto com o piso; • A distribuição deverá ser feita em horário fixo e num intervalo máximo de 2(duas) horas após a abertura do recipiente; • A sopa deverá ser consumida de imediato ou fervida se guardada para consumo posterior; • Não utilizar nenhum utensílio de madeira para a manipulação da sopa; • A liderança responsável pela Sopa na comunidade deverá realizar reuniões periódicas com os usuários;” Fonte: GONCA/IASC, s/d(Critério de Funcionamento do Programa Sopa Comunitária)
No entanto, apesar das exigências contidas para o adequado funcionamento do “Programa”
Sopa Comunitária e apresentação institucional do diagnóstico apontado acima, datado de 2006,
muitos problemas operacionais e relativos à segurança no trabalho e a própria questão da segurança
113
alimentar foram apontados pela equipe técnica da GONCA, em abril de 2009, através de relatório
técnico elaborado sobre esse “Programa” e outras ações de segurança alimentar desenvolvidas no
IASC. Dentre as observações técnicas e sugestões elencadas nesse documento sobre o “Programa”
Sopa Comunitária gostaríamos de destacar as seguintes considerações:
No ano de 2008, foi iniciada uma Reforma na estrutura física no local de produção da Sopa que além de não ter sido finalizada, não surtiu o efeito desejado, pois apesar de ter resolvido os problemas anteriores logo após as chuvas novos problemas começaram a aparecer. Desse modo, ainda persistem as dificuldades estruturais e operacionais, que põem em risco a segurança alimentar e a saúde de quem produz e consome o alimento do Programa Sopa Comunitária. Devido sua importância política e social, reconhecemos a necessidade de mudanças nas condições e instrumentos/instalações de trabalho na produção da sopa, assim como nos equipamentos e infra para a distribuição da mesma. Fonte: GONCA/IASC, abril de 2009 (Relatório Técnico- Unidades de Acolhida/Sopa/Cozinha e Programas de Leites Especiais e Suplementos)
Ainda segundo parecer técnico, constante no documento acima, foram destacadas como
medidas urgentes:
• Substituição do fogão, que se encontra sem as mínimas condições de uso além de oferecer
grande risco aos funcionários que o utilizam;
• Aquisição de novos freezers e restauração dos existentes, pois dos 07 existentes apenas 02
encontram-se em situação de uso, 2 funcionando em precárias condições e 3 encontram-se
completamente inutilizados, pois não funcionam. Devido às condições de tais equipamentos
alguns alimentos estão sendo armazenados na CICA-I e outros armazenados sem controle de
temperatura o que pode prejudicar a qualidade dos gêneros armazenados, salientando a
grande quantidade que é recebida pela unidade;
• Reforma no teto da unidade que após a última reforma continua apresentando vazamentos e
infiltrações comprometendo assim, toda a rede elétrica, além do armazenamento dos gêneros
não perecíveis;
• Reforma no piso da área de produção que não permite escoamento da água e por ser de
material poroso dificulta a higienização. Além disso, o piso apresenta fissuras em toda a sua
extensão, ocasionando acúmulo de sujidades e focos de contaminação;
• Conserto da bateria de gás e manutenção preventiva, pois das duas existentes uma não está
sendo utilizada em decorrência de um vazamento;
• Aquisição e instalação de telas milimétricas de 2 mm em todas as aberturas existentes na
unidade e posterior dedetização e desratização períodicas devido a presença de insetos e
roedores;
• Aquisição de equipamentos de proteção individual (EPI's), como luvas resistentes a alta
temperatura, aventais, botas, máscaras e óculos de proteção;
114
• Aquisição de 10 recipientes para a distribuição da sopa nas comunidades, pois não há na
unidade recipientes reservas, podendo em caso de acidente impossibilitar a distribuição;
• Conclusão das obras dos banheiros dos funcionários;
• Aquisição de novos cortadores de legumes fixos, pois os existentes na unidade apresentam
graves defeitos(...);
• Definir a exclusividade de 2 kombis para a distribuição da Sopa nas comunidades, sendo as
mesmas equipadas com divisórias separando o espaço dos botijões da cabine do motorista,
pois os funcionários ficam expostos a esta situação durante toda a distribuição, o que causa
muito desconforto e risco para a saúde;
Além dessas medidas urgentes nesse Relatório Técnico que faz referência ao Programa Sopa
Comunitária foram consideradas como medidas necessárias a serem tomadas, dentre outras:
• Dedetização e desratização periódica na unidade;
• Aquisição de 2 caldeiras de 300L pois as que existem estão com a vida útil comprometida;
• Implantação do Projeto de visualização, identificação e publicização do “Programa” Sopa
nas comunidades atendidas.
Levando em consideração, o exposto acerca do “Programa” Sopa Comunitária faremos as
seguintes considerações:
No que diz respeito ao espaço de produção da Sopa, observa-se, diante do apresentado
acima, que esse espaço é extremamente precarizado, seja do ponto de vista higiênico, onde foram
apresentado nos relatórios técnicos acima problemas com ratos e insetos, seja do ponto de vista da
dignidade e salubridade das condições de trabalho de quem produz a Sopa. Esses profissionais da
produção estão sujeitos a vários acidentes de trabalho por diversos fatores, dentre eles alguns já
foram apontados acima, mas vale apena ressaltar que quem desejar se aprofundar melhor sobre as
condições de trabalho58 e fragilidade dos vínculos empregatícios dos trabalhadores da produção da
sopa é interessante acessar as Comunicações Internas- CIs feitas pela coordenação do referido
“Programa” nos anos de 2006 até a data atual. Além disso, seria interessante uma visita ao local de
produção.
Nesse sentido, fica bastante claro que esses problemas elencados acima contrariam o que é
entendido oficialmente como Segurança Alimentar no seu sentido mais amplo, ou seja, o que está
previsto no Art. 3° da LOSAN (2006) “A segurança alimentar e nutricional consiste na realização
do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade 58 A partir do segundo semestre de 2006 quando foi lotada na GONCA/IASC em visita técnica ao espaço de produção a coordenadora do “Programa” demonstrou bastante preocupação com a situação e precariedade do local de trabalho em que é produzida a Sopa, relatou extrema preocupação quanto à falta de Equipamentos de Proteção Individual-EPIs. Nessa visita, ela, também, demonstrou bastante preocupação com a falta de respostas institucionais às CIs enviadas que solicitavam providências para os problemas que estavam acontecendo. Tive acesso a uma CI que informava que um dos funcionários chegou a se sentir bastante mal devido à exposição das altas temperaturas no espaço de produção.
115
suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas
alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental,
cultural, econômica e socialmente sustentáveis.”
No que diz respeito à distribuição da Sopa às comunidades podemos observar que diante o
apresentado acima até abril de 2009, essa era feita de forma precária por transportes inadequados
que causavam desconforto e colocavam em risco a saúde dos funcionários responsáveis pela entrega
da Sopa às comunidades. Observamos que da forma que está sendo feita a distribuição às
comunidades também esta, contraria ao Art. 3 da LOSAN (2006), uma vez que, não está sendo
ambientalmente e socialmente sustentáveis.
Outro aspecto que não pode deixar de ser considerado é que assim como no Programa do
Leite de Todos do Governo do Estado de Pernambuco, no Programa Sopa Comunitária IASC é
reiterado o modelo de distribuição do insumo alimentício via liderança comunitária. Para melhor
compreensão desse modelo de distribuição sugerimos reler o que foi descrito nesse capítulo sobre o
Programa do Leite de Todos.
Além dessa prática de distribuição pelas lideranças comunitárias que contribuem para
consolidação de ações clientelistas e assistencialistas, a forma como a Sopa é distribuída é muito
precária e não humanizada. Esse fato se expressa na forma como é disposto os botijões da Sopa,
muitas vezes em locais sem o mínimo de higiene; na falta de recipientes adequados para o
recebimento dessa pelos usuários(esses devido à situação de extrema pobreza muitas vezes não
dispõem de vazilhas adequadas para o recebimento da sopa, muitos deles utilizam as que são
encontradas no lixo, ou que já foram locais de armazenamento de alimentos industrializados); a
maioria dos usuários não compreende essa alimentação como direito; dentre outros fatores.
Todas essas questões e problemas evidenciados sobre o “Programa” em tela nos fazem
repensar: Será que esse realmente é uma ação de garantia de segurança alimentar? Qual o principal
objetivo dessa ação?
Reflexão que se faz extremamente relevante pois para aproximadamente 4.000 recifenses
essa é a única refeição feita durante o dia. É dessa forma que se pretende atingir a meta do “Fome
Zero” quanto a garantia da segurança alimentar?
No entanto gostaríamos de ressaltar que em 2008 foi iniciada uma pesquisa de mapeamento
e cadastramento da população atendida pelo respectivo “Programa” e que seus resultados podem ser
positivos para a melhor compreensão do público-alvo, no sentido de trazer novas contribuições para
otimização do funcionamento, crítica ou sugestões de outras ações que realmente sejam capazes de
garantir a efetividade do acesso à alimentação como direito e com dignidade.
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fome no modo de produção capitalista já não é causada pela escassez ou falta de
alimentos, ela como uma das expressões da questão social é intrínseca a esse modo de produção
social de riquezas e acumulação privada. Quando se fala em escassez de gêneros alimentícios
básicos é porque esses estão sendo direcionados para outros fins, como é o caso da soja no Brasil e
do milho nos EUA, ou melhor, não se há o investimento necessário para a garantia do acesso a esses
itens alimentares básicos de sobrevivência através de uma Política eficaz de Segurança Alimentar.
No Brasil, o modelo agro-exportador sempre foi prioridade em detrimento da produção de
um mercado interno que seja voltado para a satisfação das necessidades alimentares básicas. Sendo
assim, em nosso país não podemos desconsiderar que a existência e permanência do problema da
fome esteja intrinsecamente associado à forma como nosso país esta inserido na divisão
internacional do trabalho e, além disso, ao modelo arcaico de manutenção do sistema latifundiário.
Nesse sentido, as tentativas populares de garantia de segurança alimentar proposta por vários
movimentos e lutas populares foram suprimidas, criminalizadas, e hoje mais do que nunca estão
sendo fragilizadas através de cooptação dentre outros instrumentos utilizados pelas classes
dominantes e por seus aliados no governo.
Tentava-se escamotear ou suprimir propostas revolucionárias por propostas de cunho
reformista, no intuito de preservar a hegemonia das elites políticas e econômicas, o que em nosso
país não podemos dizer que faça tanta diferença. Um exemplo disso, é o que fizeram com as Ligas
Camponesas, movimento de luta pela terra que foi criminalizado. O que prevalecia era a visão dos
grandes coronéis como visão da classe hegemônica. Observe:
Ouço falar que a reforma agrária vem, aí. Se reforma agrária é dar terra de graça a todo mundo, irá diminuir a produção pois os agraciados não terão interesse em desenvolver seu trabalho porque já são proprietários e sem esforço. Reforma agrária verdadeira é a que está fazendo o Banco do Brasil financiando a compra de terra pelo prazo de 10 anos, ao camponês que quer trabalhar. Desta maneira torna-se legalmente proprietário fazendo o maior esforço com o seu trabalho para saldar as suas dívidas. Este sim, procura desenvolver a produção para que não venha a perder a terra por falta de pagamento do financiamento. Este incentivo do agricultor ao trabalho é que produz a verdadeira reforma agrária. Uma vergonha para o Brasil é essa tal de liga camponesa. Considero fonte do maior banditismo. Vive ela a espalhar a desordem, a intranqüilidade e o terror para, desta maneira, conseguir tudo de mão beijada. Dizem que há grupos de camponeses chefiados por padre. É o caso de perder a esperança de pegar dias melhores(Jornal do Commercio,08/01/1963)(ALBUQUERQUE;VILAÇA,2006:136)
A proclamação da República em 15 de novembro de 1889, simbolicamente significou a
ruptura com as amarras políticas do colonialismo português. No entanto, o que aconteceu de fato foi
117
a reconstrução de um novo quadro de dependência e subordinação econômica em relação a vários
outros países. Esse fato é uma verdade que perdurou de forma explícita por muitos anos de nossa
história, mas que agora continua a existir seja de maneira subalterna como nos situamos no mercado
internacional, seja na falta de autonomia perante os Organismos Monetários Internacionais.
Considerando o exposto, visualizamos que historicamente no Brasil as propostas de
implantação das políticas de segurança alimentar não estiveram dissociadas do contexto histórico-
econômico mais amplo de ampliação ou de restrição das políticas sociais, de uma forma geral. E
que essas foram criadas, fragilizadas, extintas ou reeditadas levando-se em consideração, não
apenas o contexto político e econômico nacional, mas também sob influência do cenário
internacional.
Além disso, como já foi dito antes, a grande maioria dessas ações e políticas de segurança
alimentar foram efetivadas historicamente com a marca de traços conservadores como o
clientelismo, assistencialismo e paternalismo, configurando-se como fortes instrumentos de coesão
e legitimidade de algumas propostas de governo.
Atualmente, embora se tenha tido avanços legais quanto ao reconhecimento das demandas
de segurança alimentar, seja através de instrumentos internacionais como a Declaração de Roma, e
nacionais como a instituição da Lei Orgânica da Segurança Alimentar- LOSAN (2006), o que
evidenciamos hoje no Brasil é um certo esvaziamento quanto à proposta inicial do Programa Fome
Zero e o seu reducionismo às ações de distribuição de alimentos e transferência de renda.
No que se refere às ações e “programas” de segurança alimentar desenvolvidos na Cidade do
Recife podemos constatar que a existência desses ainda não rompem com a lógica conservadora
referente às práticas assistencialistas e clientelistas. No entanto, curiosamente vale destacar que a
inserção do Serviço Social no Programa Sopa Comunitária, Cozinha Comunitária e “programa do
Leite do IASC tem contribuído muito para a crítica das posturas conservadoras apontadas. Além
disso, ao utilizar alguns instrumentos técnicos e parecer social para a inserção dos usuários nesses
programas a postura ética e profissional dos técnicos envolvidos tem sido de extrema relevância
para a quebra de laços clientelistas e articulação de os outros “programas” e ações existentes.
Vale ressaltar que aos “programas” de segurança alimentar demandam-se, constantemente,
respostas relativas não apenas à situação de fome, aquisição de alimentos ou educação alimentar,
mas também, várias outras são colocadas. Fato que nos faz repensar a necessidade de ação
intersetorial com várias outras políticas e serviços sociais.
A distribuição de insumos alimentares seja através do Programa do Leite ou de Programas
como o de cestas-básicas não significa dizer que o Direito à Alimentação e Segurança Alimentar
será acessado. Um exemplo disso é o fato que várias crianças atendidas no Programa do Leite,
118
mesmo se ampliando o período de atendimento, não conseguiram se recuperar da desnutrição.
Outra fragilidade identificada é que a distribuição de uma refeição por dia não contempla as
necessidades alimentares diárias mínimas de um ser humano. Muitos aspectos na implementação
dessa Política de Assistência Social frente às demandas de segurança alimentar precisam ser
revistos.
Não adianta muito entregar os alimentos se as famílias não têm local e condições de prepará-
los, ou seja, a garantia do direito à alimentação deve estar associada, no mínimo possível, com a
possibilidade de ter condições dignas de manuseá-los e prepará-los. Além disso, deve-se, em
primeiro, priorizar-se as possibilidades de produzi-los. E para isso faz-se necessário repensar o atual
modo de produção e socialização da riqueza social e, dentre outras coisas, é urgente uma revolução
agrária que rompa com as tradições de exploração e domínio da terra e do povo em nosso país.
Não podemos desconsiderar que ações emergenciais quanto ao enfrentamento das demandas
relativas à segurança alimentar devem ser efetivadas, uma vez que, são necessárias para que não
haja o extermínio dessa população sobrante frente às necessidades da acumulação capitalista. No
entanto, o que observamos face à atualidade da Política Nacional de Segurança Alimentar, é que no
Programa Fome Zero, e nos programas e ações analisados na Cidade do Recife o que está
acontecendo é um reducionismo a essas ações imediatas, que na sua grande maioria estão sendo
executadas de forma precarizada, fragilizada e desarticulada e sem orçamento próprio. Vale destacar
que os três “programas” de Segurança Alimentar do IASC (Leite, Sopa e Cozinha) analisados não
têm orçamento específico, e durante a pesquisa não foi identificada previsão alguma para a
estruturação de um orçamento específico para essas intervenções. Sendo assim, resta a seguinte
pergunta: qual a prioridade que o combate à fome tem no Governo Lula?
No Estado de Pernambuco, assim como na sua capital, as demandas referentes à segurança
alimentar, cada vez mais, são respondidas no tocante à abrangência familiar pela Política de
Assistência Social, além de se recorrer e apelar por respostas e intervenções da Sociedade Civil.
Como já foi dito antes o Programa Bolsa-Família basicamente absorve todas as ações da Secretaria
de Assistência Social.
Observa-se que, mesmo diante da existência da LOSAN, da Política Nacional de Segurança
Alimentar dentre outras conquistas em termos jurídicos e políticos, as famílias em situação de
vulnerabilidade social, com direito à alimentação violado são impulsionadas a recorrem, na maioria
das vezes, aos Programas e projetos de Assistência Social para obterem as respostas para esse tipo
de problema.
No entanto, se por um lado os programas de Assistência Social são, cada vez mais,
demandados, por outro lado, esses programas não são ordenados operacionalmente e
119
financeiramente, na maioria das vezes, para responderem a esse tipo de demanda específica, apesar
de fazerem parte do slogan e proposta política do governo atual.
Daí surgem vários questionamentos. Dentre eles destacamos:
1- Por que definir a política de assistência social como sendo a principal fonte de
administração e controle dessas demandas específicas, apesar das gritantes fragilidades que
demarcam respostas descontinuadas e fragmentadas, diferenciando-se de governo para
governo?
2- Diante da LOSAN(2006) por que ainda não encontramos serviços públicos amplos,
publicizados, planejados, contínuos relativos às demandas de segurança alimentar de uma
forma mais ampla?
Vale referendar que segundo a LOAS (1993), os serviços sociais diferentemente dos
Programas e projetos devem ser executados de forma contínua, de acordo com parâmetros técnicos.
Ao contrário de programas e projetos que são movidos por metas e prazos determinados, seguindo-
se a lógica cartesiana do tempo, sujeitos à extinção por cumprimento de prazos, com maior
facilidade de fragmentação e cooptação por interesses políticos e falta de dotação orçamentária
contínua.
Nesse sentido, a vinculação das demandas de segurança alimentar às respostas e propostas
que vem sendo concretizadas pela Política de Assistência Social pode ser caracterizada como uma
forma compensatória de intervenção a respeito dessa necessidade específica, uma vez que, não é
sistematizado um locus próprio de intervenção e até mesmo porque essas demandas por sua
especificidade devem ser mediadas também por um conjunto articulado entre várias outras políticas.
No Estado de Pernambuco e, em especial na cidade do Recife, observa-se que a introdução e
regulamentação da política e serviços relativos à merenda escolar já foram e são firmados como
serviços de segurança alimentar individual no sistema educacional. Ou seja, na política de educação
pública podemos visualizar de uma maneira geral que já está normatizada e concretizada uma
tentativa de garantia da segurança alimentar para seus usuários, no espaço da escola, apesar de ser
limitada ao usuário do sistema educacional, excluindo-se do acesso à família a regulamentação
dessa resposta é um avanço.
No entanto, a política de assistência social não é convocada apenas a responder demandas
específicas de um usuário que se apresenta. De acordo com a PNAS-2004, seu foco está centrado na
matricialidade familiar. Sendo assim, espera-se atualmente que essa política seja a grande
responsável para dar conta das necessidades sociais provenientes da pobreza extrema e do processo
de pauperização crescente vivenciado pela classe trabalhadora. Dessa forma, recorre-se a essa
120
política para responder o problema da fome. No entanto, ao se ter nela a única esperança, outros
espaços interventivos são desconsiderados. Assim como são desconsideradas outras propostas
relativas a mudanças estruturais que poderiam ir na gênese desse problema, uma vez que, poderia
colocar em xeque a continuidade da ordem sócio-econômica vigente.
121
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