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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS
PS-GRADUAO EM SERVIO SOCIAL
DOUTORADO EM SERVIO SOCIAL
JOSIMEIRE DE OMENA LEITE
AS MLTIPLAS DETERMINAES DO PROGRAMA NACIONAL DE
ASSISTNCIA ESTUDANTIL PNAES NOS GOVERNOS LUIZ INCIO LULA DA
SILVA
RECIFE
2015
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JOSIMEIRE DE OMENA LEITE
AS MLTIPLAS DETERMINAES DO PROGRAMA NACIONAL DE
ASSISTNCIA ESTUDANTIL PNAES NOS GOVERNOS LULA DA SILVA
RECIFE
2015
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Servio Social da Universidade Federal de Pernambuco,
como requisito obteno do ttulo de Doutora em Servio
Social.
rea de concentrao: Servio Social, movimentos sociais
e direitos.
Orientadora: Profa.Dra.Ana Cristina Brito Arcoverde.
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Catalogao na Fonte
Bibliotecria ngela de Ftima Correia Simes, CRB4-773
L533m Leite, Josimeire de Omena As mltiplas determinaes do Programa Nacional de Assistncia
Estudantil PNAES nos governos Luiz Incio Lula da Silva / Josimeire de
Omena Leite. - Recife : O Autor, 2015.
544 folhas : il. 30 cm.
Orientadora: Prof. Dra. Ana Cristina Brito Arcoverde
Tese (Doutorado em Servio Social) Universidade Federal de
Pernambuco, CCSA, 2015.
Inclui referncias, apndices e anexos.
1. Estudantes universitrios Programas de desenvolvimento. 2.
Estudantes Programas de Assistncia. 3. Estudantes auxlio financeiro. I.
Arcoverde, Ana Cristina Brito (Orientadora). II. Ttulo.
361.6 CDD (22.ed.) UFPE (CSA 2015 096)
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A Laelson,
esposo e amigo de todas as horas. Te amo!.
A Larissa e Henrique, frutos desse amor e nosso tesouro.
Aos meus familiares e amigas (os), pelo apoio e torcida.
Aos estudantes, coautores e razo de ser deste estudo.
Dedico
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AGRADECIMENTOS
A Nosso Senhor Jesus Cristo, a fora que me sustenta e alegria do meu corao.
minha orientadora, Profa. Dra. Ana Arcoverde, pelas correes e apoio incondicional.
Aos membros da banca examinadora: Prof. Dr. Daniel Alvares Rodrigues, Profa. Dra.
Margarete Pereira Cavalcante, Profa. Dra. Maria Valria Costa Correia, Profa. Dra. Helena
Lcia Augusto Chaves e Profa. Dra. Mnica Rodrigues Costa, pela disponibilidade de
participarem e pelas valorosas contribuies pessoais.
Aos professores doutores da Ps-Graduao em Servio Social da UFPE, que contriburam
para a minha formao. De modo especial, s professoras Valdilene Viana, Elizabete Mota,
ngela do Amaral, Julianne Peruzzo e ao professor Marco Mondaini.
Ao prof. Dr. Rodrigo Castelo pelo incentivo e cujos escritos deram uma importante
contribuio a este estudo.
Ao Sidney Wanderley, pela preciosa reviso ortogrfica e gramatical.
Agradeo de modo especial a Rose Mary Cota e Dijanah Cota pela acolhida em Recife.
A sio e Rafael, pela generosidade em disponibilizar os documentos dos Congressos da UNE
s amigas de caminhada Anglica, Silmara, Marins, Mrcia Iara e Martha Daniella , pelo
carinho e a amizade.
Agradeo de modo especial a todos os que fazem a Pr-Reitoria Estudantil PROEST/UFAL
e a Pr-Reitoria para Assuntos Estudantis PROAES/UFPE, pelo grande apoio.
Por fim, meus sinceros agradecimentos a todos os que fazem a Pr-Reitoria de Assuntos
Estudantis PROAES/UFAC, o Departamento de Apoio ao Estudante DAEST-
PROGESP/UFAM, a Pr-Reitoria de Assuntos Estudantis PRAE/UFPR, a Pr-Reitoria de
Assuntos Estudantis PRAE/ UFRGS, a Superintendncia Geral de Polticas Estudantis-
SUPEREST-UFRJ, a Pr-Reitoria de Assistncia Estudantil- PRAE/UFMT, a Diretoria de
Desenvolvimento Social DDS/DAC/UnB e a Pr-Reitoria de Assuntos Estudantis
PRAE/UNIFESP, que, de forma direta ou indireta, colaboraram para a realizao desta
pesquisa.
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Odeio os indiferentes [...] acredito que viver significa tomar partido [...] Sou militante, estou
vivo, sinto nas conscincias viris que esto comigo a pulsar a atividade da cidadania futura,
que estamos a construir.
(Antnio Gramsci)
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RESUMO
A presente tese traz reflexo o tema Os determinantes do Programa Nacional de Assistncia
Estudantil (PNAES) e sua materializao nas Instituies Federais de Ensino Superior
brasileiras, no contexto do social-liberalismo. Objetiva analisar as mltiplas determinaes do
PNAES nos governos Luiz Incio Lula da Silva e como esse programa responde a tais
determinaes ao materializar-se nas IFES pesquisadas. O processo investigativo norteado
pela seguinte questo: Quais so as determinaes do Programa Nacional de Assistncia ao
Estudante PNAES no governo Luiz Incio Lula da Silva e como elas se materializam nas
IFES? A que interesses o PNAES atende?. Com base no referencial terico gramsciano, a
hiptese construda a de que o PNAES uma sntese de mltiplas determinaes, sendo
determinado e determinante. Ele um conduto, uma via de mo dupla por onde circulam
diferentes interesses, mas com a dominncia de um dos polos. O PNAES atende aos
diferentes interesses de classes sob a ordem do capital: atende parte das reivindicaes das
entidades estudantis e do FONAPRACE, e com isso prepara fora de trabalho qualificada e
contribui para a coeso social e para a passivizao no interior das IFES, sob a ideologia da
igualdade de oportunidades. Destacaram-se, nesta investigao, alguns conceitos como bloco
histrico, a relao Estado x Sociedade Civil, hegemonia e revoluo passiva, formulados por
Antnio Gramsci, bem como os conceitos de social-liberalismo, neodesenvolvimentismo,
educao superior e assistncia ao estudante universitrio. No trajeto desta pesquisa buscou-
se: identificar as reivindicaes da Unio Nacional de Estudantes, da Secretaria Nacional de
Casas de Estudantes e do Frum Nacional dos Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e
Estudantis, no campo da assistncia ao estudante universitrio, nos governos Luiz Incio Lula
da Silva; descrever como o PNAES se materializa nas IFES brasileiras e a que interesses
atende. Utilizou-se como procedimento metodolgico a pesquisa documental, cuja fonte o
material emprico que constitui o corpus da pesquisa, especificamente os documentos
produzidos pela UNE, SENCE e FONAPRACE no perodo 2003-2010, e os relatrios de
gesto das IFES pesquisadas. Como estratgia terico-metodolgica do processo de
investigao e anlise, esta pesquisa recorreu Anlise de Contedo, na perspectiva de
Lawrence Bardin, elegendo a Anlise Temtica para desvelar os significados manifestos e
latentes nos documentos produzidos pela UNE e SENCE. A trajetria analtica identifica os
determinantes econmico, social e ideopoltico do PNAES e demonstra a tendncia de este
materializar-se, na maioria das IFES pesquisadas, predominantemente sob a forma de auxlios
diversos. Tal tendncia refora a figura do aluno-consumidor, impulsionando o PNAES a ir
assumindo um perfil focalizador, compensatrio e assistencialista. Dentre as concluses,
destacamos que o PNAES estratgico para o Estado estabelecer um consenso mnimo em
torno da contrarreforma da educao superior, aprofundada pelo governo Lula sob o discurso
da igualdade de oportunidade, e tambm para obter a passivizao do movimento estudantil
no interior das IFES, o que contribui para a coeso social. A presente pesquisa ainda revela a
contradio identificada na poltica de permanncia nas IFES: em tempos de contrarreforma
(restaurao conservadora), com uma dosagem de transformismo, o governo de Luiz Incio
Lula da Silva, ao instituir o PNAES, atende aos interesses do social e do capital ao mesmo
tempo.
Palavras-chave: Social-liberalismo. Neodesenvolvimentismo. Assistncia ao Estudante
Universitrio. Programa Nacional de Assistncia Estudantil.
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ABSTRACT
The present thesis brings to the reflection the theme Determinants of the National Programme
of Student Assistance (PNAES) and its materialization in the Brazilian Federal Institutions of
Higher Education, in the social-liberal context. It aims to analyze the multiple determinations
of PNAES in the of government Luiz Inacio Lula da Silva and how this program responds to
such determinations when it materializes in the surveyed IFES. The investigative process is
guided by the following question: What are the determinations of the National Programme of
Assistance to Student - PNAES in the government of Luiz Inacio Lula da Silva and how they
materialize in IFES? What interests the PNAES serves?. Based on Gramsci's theoretical
reference, the hypothesis constructed is that the PNAES is a synthesis of multiple
determinations, being determined and determinant. He is a conduit, a two-way street where
circulates different interests, but with the dominance of one of the poles. The PNAES serves
the different interests of classes in the order of capital: answer some of the claims of student
organizations and FONAPRACE's, and it prepares skilled workforce and contributes to social
cohesion and passivating within IFES, under the ideology of equal opportunities. Stood out in
this research, some concepts like historical bloc, the relationship State x civil society,
hegemony and passive revolution, formulated by Antonio Gramsci as well as the social-liberal
concepts, neo-developmentism, higher education and assistance to college students. On the
way of this research sought to: identify the claims of the National Student Union, the National
Student Homes Secretariat and the National Forum of Pro-Rectors of Community and Student
Issues in the field of assistance to college students, in the governments Luiz Inacio Lula da
Silva; describe how the PNAES materializes in Brazilian IFES and to what interests it serves.
It was used as a methodological procedure a documentary research, whose source is the
empirical material that constitutes the corpus of research, specifically the documents produced
by UNE, SENSE and FONAPRACE in the period 2003-2010, and surveyed IFES
management reports. As a theoretical and methodological strategy of the research and
analysis process, this research resorted to Analysis of Content, from the perspective of
Lawrence Bardin, electing the Thematic Analysis to unveil the manifest and latent meanings
in the documents produced by UNE and SENCE. The analytical trajectory identifies the
economic, social and ideopoltico determinants in PNAES and demonstrates the tendency of
this to materialize, in most surveyed IFES, predominantly in the form of several aid. This
trend reinforces the image of "student-consumer," impelling the PNAES to assume a focalizer
profile, compensatory and assistentialist. Among the conclusions, we emphasize that PNAES
is strategic for the State to establish a minimum consensus about the contrary reform in higher
education, depth by the Lula government, under the discourse of equality of opportunity, and
also for the passivating of the student movement within the IFES , which contributes to social
cohesion. This research also reveals the contradiction identified in the permanence policy in
IFES: in times of contrary reform (conservative restoration), with a transformism dosage, the
government of Luiz Inacio Lula da Silva, when instituted PNAES, serves the interests of
social and capital at same time.
Keywords: Social liberalism. Neo-developmentism. College Student assistance. National
Program for Student Assistance.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Expanso da Rede Federal de educao superior no perodo (2003 a 2010)........ 229
Figura 2. Recursos liberados para a assistncia estudantil a alunos das instituies federais de
educao superior (2008 a 2011)............................................................................................382
Figura 3: Distribuio geogrfica das Instituies Federais de ensino superior - IFES
pesquisadas .............................................................................................................................383
Figura 4 Participao percentual das reas de assistncia ao estudante, pesquisadas por
regio e fonte(S) de Origem dos Recursos..............................................................................388
Figura 5 Participao das reas de assistncia ao estudante, pesquisadas, por universidade e
fonte de origem dos recursos..................................................................................................389
Figura 6 Participao percentual das reas de assistncia ao estudante, pesquisadas, por
universidade e fonte de origem dos recursos..........................................................................390
Figura 7 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte
de origem dos recursos............................................................................................................402
Figura 8 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte
de origem dos recursos............................................................................................................403
Figura 9 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte
de origem dos recursos............................................................................................................405
Figura 10 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte
de origem dos recursos............................................................................................................405
Figura 11 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte
de origem dos recursos............................................................................................................406
Figura 12 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte
de origem dos recursos............................................................................................................407
Figura 13 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte
de origem dos recursos ............................................................................................... ........... 408
Figura 14 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte
de origem dos recursos............................................................................................................409
Figura 15 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por universidade e fonte
de origem dos recursos............................................................................................................410
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Figura 16 Servios/Aes de assistncia ao estudante, pesquisados por Universidade e fonte
de origem dos recursos............................................................................................................411
Figura 17- rea moradia estudantil: campi localizados em capitais ........................... .......... 420
Figura 18 rea moradia estudantil: campi localizados em municpios ................... ........... 421
Figura 19 rea moradia: novos campi inaugurados a partir de 2003 com a poltica de
expanso e interiorizao das universidades federais.............................................................422
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LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Documentos da UNE para identificar reivindicaes no campo da educao
superior (2003 a 2006)............................................................................................................193
Quadro 02 Documentos da UNE para Identificar Reivindicaes no Campo da Educao
Superior (2007 a 2010)...........................................................................................................195
Quadro 03 Documentos da UNE para Identificar Reivindicaes no Campo da Assistncia
ao Estudante Universitrio (2003-2006)................................................................................ 197
Quadro 04 Documentos da UNE para Identificar Reivindicaes no Campo da Assistncia
ao Estudante (2007- 2010)......................................................................................................198
Quadro 05 Documentos da SENCE para identificar reivindicaes no campo da assistncia
ao estudante universitrio (2003 a 2010)...............................................................................200
Quadro 06- Documentos do FONAPRACE (Reivindicaes)...............................................202
Quadro 07 Documentos analisados (Mapeamento das aes de assistncia aos estudantes de
graduao nas Ifes)..................................................................................................................217
Quadro 08- Dos servios oferecidos, pelas IFES pesquisadas, por reas estratgicas do
programa nacional de assistncia estudantil PNAES...........................................................468
Quadro 09 - Aes/Programas do governo federal aps implementao do PDE no governo
Lula da Silva...........................................................................................................................252
Quadro 10 Adeso da UNE (gesto 2007-2009) s medidas de reforma universitria
implementadas/encaminhadas pelo governo federal...............................................................253
Quadro 11. Reivindicaes apresentadas pelos coletivos estudantis juventude rebelio (UJR),
juventude revoluo e contraponto, no 51 congresso da UNE
CONUNE................................................................................................................................256
Quadro 12: Cartilha Projeto de Reforma Universitria dos Estudantes Brasileiros: propostas
e crticas..................................................................................................................................259
Quadro 13: Manifestaes de apoio ao governo Lula da Silva no 48 congresso da
UNE........................................................................................................................................266
Quadro 14: Crticas ao Governo Lula da Silva e UNE no 48
Conune....................................................................................................................................273
Quadro 15 - Reivindicaes da Une no campo da assistncia ao estudante no 51 congresso
da UNE ano 2009.................................................................................................................352
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Quadro 16 - Bandeiras de Luta/ Reivindicaes no XXXIV da ENCE, em
2010.........................................................................................................................................358
Quadro 17- Principais Reivindicaes do Fonaprace no Campo da Assistncia ao estudante
universitrio, em 2010.............................................................................................................364
Quadro 18 . Dados da III pesquisa do perfil socioeconmico e cultural dos estudantes de
graduao das IFES (Fonaprace,
2011).......................................................................................................................................367
Quadro 19. reas estratgicas do Plano Nacional de Assistncia
Estudantil................................................................................................................................375
Quadro 20 - Aes de Assistncia Estudantil por Campus Universitrio e respectiva
universidade ...........................................................................................................................496
Quadro 21 Fontes de recursos das aes de assistncia ao estudante universitrio nas Ifes
pesquisadas e por rea de utilizao........................................................................................385
Quadro 22 Sntese dos resultados: Fonte de recursos utilizada nas reas do PNAES pelas
IFES pesquisadas, que mais se destacaram nas tabelas de 7 a 19...........................................416
Quadro 23 Sntese dos resultados: modalidade de aes de assistncia ao estudante, nas
universidades pesquisadas, que mais se destacaram nas figuras de 7 a 14.............................525
Quadro 24- rea moradia estudantil: campi localizados em capitais.....................................420
Quadro 25 rea moradia estudantil: campi localizados em municpios..............................421
Quadro 26- rea moradia: novos campi inaugurados a partir de 2003 com a poltica de
expanso e interiorizao das universidades federais.............................................................422
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LISTA TABELA
Tabela 1 - Unidades de anlise/frequncia sobre a categoria reivindicaes da UNE No
Campo da Educao Superior (2003-2006)........................................................................... 469
Tabela 2 - Reivindicaes da Une no campo da assistncia ao estudante universitrio no
perodo (2003-2006)...............................................................................................................484
Tabela 3 - Reivindicaes da SENCE no campo da assistncia ao estudante universitrio no
perodo (2003-2006)...............................................................................................................487
Tabela 4 - Unidades de anlise/frequncia sobre a categoria reivindicaes da UNE no campo
da educao superior (2007-2010)..........................................................................................476
Tabela 4.1 Unidades de Anlise/Frequncia sobre as categorias Poltica Econmica e
Transformismo da UNE (2007-2010).....................................................................................521
Tabela 5 - Reivindicaes da UNE no campo da assistncia ao estudante universitrio no
perodo (2007-2010)...............................................................................................................490
Tabela 6 - Reivindicaes da SENCE no campo da assistncia ao estudante universitrio no
perodo (2007-2010)...............................................................................................................494
Tabela 7 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com moradia
estudantil.................................................................................................................................391
Tabela 8 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com
alimentao.............................................................................................................................391
Tabela 9 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com transporte
estudantil.................................................................................................................................392
Tabela 10 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com apoio
pedaggico ao estudante ........................................................................................................393
Tabela 11 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com incluso
digital......................................................................................................................................393
Tabela 12 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com
cultura......................................................................................................................................394
Tabela 13 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com
creche......................................................................................................................................395
Tabela 14 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com esporte
.................................................................................................................................................395
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Tabela 15 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com ateno
sade .......................................................................................................................................396
Tabela 16 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com acesso,
participao e aprendizagem de estudantes com deficincia e transtornos.............................397
Tabela 17 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com
desempenho acadmico/permanncia.....................................................................................398
Tabela 18 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com programa
de ao afirmativa...................................................................................................................399
Tabela 19 Consolidao da origem dos recursos aplicados pela universidade com programa
de ensino-pesquisa e extenso.................................................................................................400
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LISTA DE SIGLAS
AMI Acordo Multilateral de Investimentos
ANDES Sindicato Nacional dos Docentes das Instituies de Ensino Superior
BIRD Banco Internacional para a Reconstruo e o Desenvolvimento
BM Banco Mundial
CFESS Conselho Federal de Servio Social
CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina das Naes Unidas
CF Constituio Federal
CONEB Conselho Nacional de Entidades de Base
CONEG Conselho Nacional de Entidades Gerais
CONUNE Congressos nacionais da UNE
CRESS Conselho Regional de Servio Social
ENCE Encontro Nacional de Casas de Estudantes
ENNECE Encontro Norte e Nordeste de Casas de Estudantes
ERECE Encontro Regional Sul de Casas de Estudantes
ERECE's Encontros Regionais de Casas de Estudantes
EZLN Exrcito Zapatista de Libertao Nacional
FAAP Fundao Armando Alvares Penteado
FIES O Programa de Financiamento Estudantil
FIESP Federao das Indstrias do Estado de So Paulo
FMI Fundo Monetrio Internacional
FONAPRACE Frum Nacional de Pr-reitores de Assunto Comunitrios e Estudantis
IED Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial
IETS Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade
IFES Instituies Federais de Ensino Superior
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
LOAS Lei Orgnica da Assistncia Social
MCE Movimento de Casas de estudantes
MEC Ministrio da Educao
MRS Movimento Rumo ao Socialismo
OMC Organizao Mundial do Comrcio
PCR Partido Comunista Revolucionrio
PDE Plano de Desenvolvimento da Educao
PNADs Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios
PNE Plano Nacional da Educao
PNAES Programa Nacional de Assistncia Estudantil
PROUNI Programa Universidade para Todos
PSOL Partido Socialismo e Liberdade
PSTU Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados
SENCE Secretaria Nacional de Casas de Estudantes
SINAES Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior
SUAS Sistema nico de Assistncia Social
UNE Unio Nacional dos Estudantes
https://www.google.com.br/search?rlz=1C1KMZB_enBR601BR601&espv=2&biw=1093&bih=534&site=webhp&q=banco+internacional+para+a+reconstru%C3%A7%C3%A3o+e+o+desenvolvimento&revid=574891258&sa=X&ved=0CHAQ1QIoAGoVChMI_6jK0pKRxgIVwtGACh0rHQByhttps://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0CB0QFjAAahUKEwinubTPlpHGAhXF4oAKHYBjAFs&url=http%3A%2F%2Fwww.cfess.org.br%2F&ei=xn5-Vae-EcXFgwSAx4HYBQ&usg=AFQjCNE7VF11-g3LBUdYs41vGWRDZGv23w&bvm=bv.95515949,d.eXYhttps://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&uact=8&sqi=2&ved=0CC4QFjACahUKEwj04KX_lpHGAhUBgw0KHS1nClw&url=http%3A%2F%2Fwww.econ.puc-rio.br%2Fdatazoom%2Fportugues%2Fpnad.html&ei=Kn9-VfSjK4GGNq3OqeAF&usg=AFQjCNEK2y_C1tAxXDHOJtoHYCNkH6ALBw&bvm=bv.95515949,d.eXY
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SUMRIO
INTRODUO ....................................................................................................... .............. 20
1 ASCENSO E CRISE DA PROPOSTA NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA
E A PERSPECTIVA NEOLIBERAL DE DESENVOLVIMENTO ................... .............. 32
1.1 Bloco Histrico, a Relao Estado x Sociedade Civil, Hegemonia e Revoluo
Passiva: contribuies do Pensamento Gramsciano............................................. .............. 32
1.1.1 Sobre o conceito de bloco histrico ................................................................ ................ 32
1.1.2 A relao Estado x sociedade civil no pensamento de Antnio Gramsci ....... ................ 34
1.1.3 A centralidade do conceito de hegemonia nos escritos de Gramsci ............... ................ 39
1.1.3.1 A relao hegemonia e intelectual orgnico................................................................ 44
1.1.3.2 Hegemonia e a filosofia da prxis ........................ ................................................48
1.1.4 Hegemonia e revoluo passiva: a dialtica da passivizao no pensamento
Gramsciano ............................................................................................................... ................ 51
1.2 Ascenso e Crise da Proposta Nacional-Desenvolvimentista e a Perspectiva
Neoliberal de Desenvolvimento: uma Nova Forma Histrica de Dependncia ............... 63
1.2.1 A atualizao da dominao capitalista no mundo contemporneo: a face reformista de
restaurao/conservao e os padres de dominao externa na Amrica Latina ... ............... 63
1.2.2 A revoluo passiva: um recurso interpretativo no caso retardatrio de desenvolvimento
capitalista brasileiro .................................................................................................. ............... 69
1.2.3 A Amrica Latina: ascenso e crise do desenvolvimentismo e a reformulao do
pensamento cepalino a partir dos anos 1990 ............................................................ ............... 74
1.2.4 A poca neoliberal: revoluo-restaurao ou restaurao? ......................... .............. 84
1.2.5 As novas exigncias do capitalismo em nvel mundial a partir da crise dos anos 1970 e a
hegemonia da ortodoxia neoliberal............................................................................ .............. 88
1.2.6 Asceno e crise do nacional-desenvolvimentismo e a hegemonia do modelo neoliberal
de desenvolvimento no Brasil contemporneo .......................................................... .............. 98
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2 O SOCIAL-LIBERALISMO INTERNACIONAL, EDUCAO E A
ASSISTNCIA AO ESTUDANTE UNIVERSITRIO NO CONTEXTO DO
NEODESENVOLVIMENTISMO E DO SOCIAL LIBERALISMO BRASILEIRO..109
2.1 O Social-Liberalismo Internacional: uma Nova Estratgia de Legitimao do
Consenso em Torno da Atual Sociabilidade Burguesa ........................................ .............109
2.1.1 Crise e recomposio do bloco histrico neoliberal: a incorporao de uma agenda
social ........................................................................................................................... ............ 109
2.1.2 A Terceira Via: estratgia ideopoltica de reorganizao da hegemonia burguesa em
tempos neoliberais ..................................................................................................... .............123
2.1.3 Princpios e estratgias do programa poltico da Terceira Via ........................ .............134
2.1.4 A crtica ao social-liberalismo ......................................................................... .............140
2.2 Equidade, Educao e a Assistncia ao Estudante Universitrio no Contexto do
Neodesenvolvimentismo e do Social Liberalismo Brasileiro ............................. ............ 145
2.2.1 Equidade social e educao no contexto do social-liberalismo brasileiro ........ ............ 145
2.2.2 O pacto social-liberal brasileiro na perspectiva de Bresser Pereira .................. ............ 155
2.2.3 O novo desenvolvimentismo como um terceiro discurso e como estratgia nacional de
desenvolvimento no pensamento Bresseriano ............................................................ ............ 162
2.2.4 Sobre as bases do novo desenvolvimentismo no Brasil: a poltica educacional e a
democratizao das oportunidades ............................................................................. ............ 170
2.2.5 O Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES .............................. ............ 173
3 O MOVIMENTO DE APROXIMAO AO REAL: EM BUSCA DAS
DETERMINAES DO PNAES ........................................................................... ............ 180
3.1 Sobre o Arcabouo Terico-Metodolgico da Pesquisa .............................. ............ 180
3.2 O Instrumento Metodolgico para o Tratamento de Dados da Pesquisa .. ............ 191
3.3 Definio da Amostragem, Coleta de Dados, Organizao e Anlise dos Dados.. 213
4 OS DETERMINANTES DO PROGRAMA NACIONAL DE ASSISTNCIA
ESTUDANTIL PNAES, NO CAMPO DA EDUCAO SUPERIOR, NOS
GOVERNOS LUIZ INCIO LULA DA SILVA .................................................. ............ 219
4.1 As Reivindicaes da UNE no Campo da Educao Superior na Primeira Gesto
do Governo Luiz Incio Lula da Silva ..................................................................... .......... 219
4.2 As Reivindicaes da UNE no Campo da Educao Superior na Segunda Gesto
do Governo Luiz Incio Lula da Silva ..................................................................... .......... 240
4.3 Determinantes Ideopolticos do PNAES no Contexto da Contrarreforma da
Educao Superior nos Governos Luiz Incio Lula da Silva (2003-2010) .......... ............ 263
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5 OS DETERMINANTES DO PNAES NAS REIVINDICAES DO
MOVIMENTO ESTUDANTIL E DO FONAPRACE, NOS GOVERNOS LUIZ INCIO
LULA DA SILVA ...................................................................................................... .......... 298
5.1 As Reivindicaes da UNE, SENCE e FONAPRACE no Campo da Assistncia ao
Estudante Universitrio, na Primeira Gesto do Governo Lula da Silva ............ .......... 298
5.1.1 As reivindicaes da UNE no campo da assistncia ao estudante universitrio, na
primeira gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva ............................................... ........... 298
5.1.2 As reivindicaes da SENCE no campo da assistncia ao estudante, na primeira gesto
do governo Luiz Incio Lula da Silva ........................................................................ ............ 306
5.1.3 As reivindicaes do Frum Nacional de Pr-reitores de Assuntos Comunitrios e
Estudantis FONAPRACE, na primeira gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva.........320
5.2 As Reivindicaes da UNE, SENCE e FONAPRACE no Campo da Assistncia ao
Estudante Universitrio, na Segunda Gesto do Governo Lula da Silva ............. .......... 340
5.2.1 As reivindicaes da Unio Nacional dos Estudantes UNE no campo da assistncia ao
estudante na segunda gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva ........................... .......... 340
5.2.2 As reivindicaes da Secretaria Nacional de Casas dos Estudantes SENCE, no campo
da assistncia ao estudante universitrio, na segunda gesto do governo Luiz Incio Lula da
Silva ............................................................................................................................ .......... 354
5.2.3 As reivindicaes do Frum Nacional de Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e
Estudantis FONAPRACE, no campo da assistncia ao estudante universitrio, na segunda
gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva .............................................................. .......... 360
6 A MATERIALIZAO DO PROGRAMA NACIONAL DE ASSITNCIA AO
ESTUDANTE - PNAES NAS INSTITUIES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR
BRASILEIRAS .......................................................................................................... .......... 373
6.1 O Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES: Base Legal, Objetivos e
reas Estratgicas ..................................................................................................... .......... 373
6.2 A Materializao do Programa Nacional de Assistncia ao Estudante nas IFES
Brasileiras ................................................................................................................... .......... 382
6.3 O Programa Nacional de Assistncia ao Estudante PNAES enquanto um
determinante .............................................................................................................. .......... 412
7 A SNTESE DAS MLTIPLAS DETERMINAES DO PNAES NOS
GOVERNOS DE LUIZ INCIO LULA DA SILVA ............................................. .......... 426
REFERNCIAS ................................................................................................. .......... 449
APNDICE ADos servios oferecidos, pelas IFES pesquisadas, por reas
estratgicas do Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES ............ ............ 468
APNDICE BUnidades de Anlise/Frequncia sobre a categoria Reivindicaes
da Une no campo da educao superior (2003-2006) .......................................... .......... 469
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APNDICE CUnidades de Anlise/Frequncia sobre a categoria Reivindicaes
da Une no campo da educao superior (2007-2010) ......................................... .......... 476
APNDICE DReivindicaes da UNE no campo da assistncia ao estudante
universitrio no perodo 2003-2006 .............................................................. .................484
APNDICE EReivindicaes da SENCE no campo da assistncia ao estudante
universitrio no perodo 2003-2006 .................................................................... .......... 487
APNDICE FReivindicaes da UNE no campo da assistncia ao estudante
universitrio no perodo 2007-2010 ..................................................................... .......... 490
APNDICE GReivindicaes da SENCE no campo da assistncia ao estudante
universitrio no perodo 2007-2010 ..................................................................... .......... 494
APNDICE HAes de Assistncia Estudantil por Campus Universitrio e
Respectiva Universidade ..................................................................................... ............ 496
APNDICE IUnidades de anlise/frequncia sobre as categorias Poltica Econmica e
Transformismo da UNE (2007-2010) .................................................................. .......... 521
APNDICE JSntese dos resultados: modalidade de aes de assistncia ao estudante,
nas universidades pesquisadas, que se destacaram nas figuras de 7 a 14 ............ ............ 525
APNDICE LAes de assistncia estudantil e respectivas fontes de recursos, por
universidade pesquisada ....................................................................................... .......... 526
ANEXO APortaria normativa n 39, 12 de dezembro de 2007 ......................... .......... 542
ANEXO BDecreto 7.234, de 19 de julho de 2010 ............................................. .......... 543
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INTRODUO
A presente tese traz reflexo o tema Os determinantes do Programa Nacional de
Assistncia Estudantil (PNAES) e sua materializao nas Instituies Federais de Ensino
Superior brasileiras - IFES, no contexto do social-liberalismo. O objeto de anlise a relao
entre os determinantes do PNAES e a resposta deste programa a tais determinaes ao
materializar-se nas Instituies Federais de Ensino Superior brasileiras.
O processo de aproximao ao referido objeto efetiva-se na perspectiva de existncia
da totalidade social. Desse modo, admite-se que, historicamente, ganha forma e expresso no
mbito da educao superior pblica federal brasileira a assistncia ao estudante universitrio
e que esta no apenas transversal, mas orgnica poltica de educao superior.
Nos anos 1990, em uma conjuntura neoliberal, a assistncia ao estudante universitrio
estava merc da sensibilidade e da vontade poltica dos gestores das Instituies Federais de
Ensino Superior. Nessa conjuntura scio-histrica, difundia-se a ideia de que nas
universidades federais a elite era maioria, viso esta predominante at mesmo no interior do
prprio MEC. No limiar dos anos 2000, os social-liberais brasileiros defendiam esta
concepo ao afirmarem que o Estado brasileiro mantinha privilgios, com um gasto
considervel na rea social, beneficiando, sobretudo, os no-pobres (IETS, 2001). A viso
de que a elite era maioria nas IFES era, tambm, divulgada pela Secretaria de Poltica
Econmica do Ministrio da Fazenda que, em 2003, defendia a democratizao do acesso ao
ensino superior pela via privatista.
consensual que nos anos 1990 iniciou-se no Brasil, e de forma mais acentuada no
governo de FHC, um processo de ajustamento do projeto poltico nacional nova ordem
mundial. Esse ajuste perpassava todas as esferas de ao do Estado, inclusive a educao
superior, que passou a constituir-se em alvo de incisiva poltica oficial norteada pela tica e
racionalidade econmicas neoliberais.
Em meados dos anos 1990, em um contexto de ajuste estrutural, o Banco Mundial,
atravs do documento La Enseanza Superior Las lecciones derivadas de la experiencia
(1995), j traava algumas linhas prioritrias para a reforma do ensino superior, propondo a
diferenciao institucional e a diversificao das fontes de recursos para a educao superior
pblica. Neste documento, a assistncia ao estudante era tida como custos no educacionais
e geradora de gastos pblicos. A partir desse pressuposto, o banco incentivava o governo
brasileiro a extinguir alojamentos e restaurantes no interior das IFES e a investir na
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assistncia ao estudante pobre nas instituies privadas de ensino atravs de bolsas,
especificamente para aqueles estudantes academicamente qualificados.
Assim, em toda a dcada de 90 do sculo XX, tornou-se visvel e preocupante para o
Frum Nacional dos Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e Estudantis FONAPRACE e
para o movimento estudantil universitrio a inexistncia de recursos em nvel nacional para a
manuteno da assistncia estudantil no espao universitrio. A desestruturao da assistncia
ao estudante em algumas IFES brasileiras, j precarizadas pelos cortes nos gastos pblicos
efetivados pelo governo federal, levou falta de manuteno/extino de programas
essenciais, como os de moradia estudantil e de restaurantes universitrios, dificultando a
permanncia do estudante de baixa renda no ensino superior pblico.
Em face do descaso dos sucessivos governos com a educao superior pblica,
principalmente no que diz respeito assistncia ao estudante, tanto o Frum Nacional dos
Pr-Reitores de Assuntos Comunitrios e Estudantis - FONAPRACE como o movimento
estudantil, atravs da Unio Nacional dos Estudantes - UNE e da Secretaria Nacional de
Casas de Estudantes - SENCE, realizaram vrios encontros regionais e nacionais e elaboraram
documentos, cuja preocupao girava em torno do fato da no existncia de um oramento
especfico destinado implementao de uma poltica de assistncia ao estudante. Assim,
durante mais de uma dcada, a luta desses sujeitos coletivos, em um contexto ideopoltico
adverso, era pelo retorno da rubrica especfica para a assistncia ao estudante universitrio e
pela implementao de uma poltica nacional de assistncia estudantil por parte do governo
federal.
No incio dos anos 2000, o contato direto, como assistente social da Pr-Reitoria de
Assistncia Estudantil-PROEST /UFAL, com os problemas decorrentes da inexistncia de
recursos, em nvel nacional, para a manuteno da assistncia estudantil no espao
universitrio motivou o estudo, no mestrado da UFPE, da assistncia ao estudante
universitrio. Esse estudo tambm proporcionou o entendimento do processo de
desestruturao da assistncia ao estudante nas IFES brasileiras, acima explicitado, decorrente
da poltica neoliberal adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Apenas no segundo mandato do governo Lula ocorreu a criao do Programa Nacional
de Assistncia Estudantil PNAES, institudo inicialmente pela Portaria Normativa n 39, de
12 de dezembro de 2007, do ento ministro da educao Fernando Haddad. Nela constava que
tal programa seria implementado a partir de 2008, como de fato ocorreu a partir do ms de
janeiro deste ano. Finalmente, em 19 de julho de 2010 o Programa Nacional de Assistncia
Estudantil - PNAES, que era uma portaria do MEC, foi sancionado no decreto presidencial de
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n 7.234, consolidando-se como programa de governo. Esse acontecimento foi muito
propalado e comemorado pelos Pr-Reitores que lidavam diretamente com a assistncia ao
estudante e pelo movimento estudantil universitrio. Finalmente a assistncia ao estudante
universitrio, que durante todo o governo neoliberal de FHC encontrava-se sob a lgica de
conteno dos gastos pblicos, passa, na segunda gesto do governo Lula, a ser centralizada
pelo Estado.
Assim, sob o slogan Brasil sem misria e com o discurso de igualdade de
oportunidade, o governo instituiu o Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES,
em um contexto ideopoltico no qual ganhavam fora e expresso as vozes do estudantes
universitrios, cujas reivindicaes, no perodo de 2003 a 2010, giravam em torno do tema da
democratizao da educao superior com equidade; isso, implicava a garantia de acesso e
permanncia dos estudantes nas IFES. Vale ressaltar que a institucionalizao da assistncia
ao estudante nas IFES brasileiras, atravs do decreto 7.234 de julho de 2010, deu-se em um
contexto no qual o bloco ideolgico novo desenvolvimentista afirma que o Brasil vivia uma
etapa do desenvolvimento capitalista que conjugava crescimento econmico e justia social.
A inteno de investigar o conjunto dos aspectos subjacentes a este fenmeno
contemporneo, tendo por fim entender o que determinou a instituio de um PNAES na
segunda gesto do governo Lula, aliada certeza de que h uma oculta verdade da coisa
distinta dos fenmenos que se manifestam imediatamente (KOSIC, 1976), levou
formulao da seguinte questo investigativa: Quais so as determinaes do Programa
Nacional de Assistncia ao Estudante PNAES no governo Luiz Incio Lula da Silva e como
elas se materializam nas IFES? A que interesses o PNAES atende?.
Para responder a este problema, com o desenvolvimento da pesquisa, partiu-se da
hiptese de que o PNAES uma sntese de mltiplas determinaes, sendo determinado e
determinante. Ele um conduto, uma via de mo dupla por onde circulam diferentes
interesses, mas com a dominncia de um dos polos. O PNAES atende aos diferentes interesses
de classes sob a ordem do capital: atende parte das reivindicaes das entidades estudantis e
do FONAPRACE, e com isso prepara fora de trabalho qualificada e contribui para a coeso
social e para a passivizao no interior das IFES, sob a ideologia da igualdade de
oportunidades.
Portanto, o objetivo geral desta investigao analisar as mltiplas determinaes do
Programa Nacional de Assistncia Estudantil nos governos Luiz Incio Lula da Silva e como
esse programa responde a tais determinaes ao materializar-se nas IFES. Para se atingir o
objetivo proposto, foram consideradas trs dimenses analticas principais, expressas nas
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seguintes questes norteadoras: A quais reivindicaes o PNAES atende? Como e para qu
atende?. Os objetivos especficos da presente tese so balizados pelos seguintes tpicos de
investigao: identificar as reivindicaes da UNE, SENCE e FONAPRACE, no campo da
assistncia ao estudante universitrio, nos governos Luiz Incio Lula da Silva; descrever
como o PNAES se materializa nas Instituies Federais de Ensino Superior brasileiras e
demonstrar a que interesses a produo de um Programa Nacional de Assistncia Estudantil
atende.
O caminhar do pensamento no sentido de aproximaes sucessivas ao fenmeno
investigado, em sua singularidade, teve o propsito de descobrir as mediaes que levam
deste particularidade e generalidade. No intuito de passar do concreto inicialmente
representado s abstraes progressivamente mais sutis, at se alcanar as determinaes mais
simples (MARX, 1989), destacaram-se, nesta investigao, alguns conceitos como bloco
histrico, a relao Estado x Sociedade Civil, hegemonia, revoluo passiva, social-
liberalismo, neodesenvolvimentismo, educao superior e assistncia ao estudante
universitrio. Tais conceitos formataram o discurso terico que organizou a pesquisa, nela
constando as definies necessrias para fazer surgir, do caos inicial, o objeto especfico
com seus contornos gerais (MINAYO, 1998, p. 98).
Antnio Gramsci define bloco histrico como sendo o nexo real e indissolvel entre
estrutura (conjunto das relaes materiais) e superestrutura (conjunto das relaes ideolgica
e culturais) e aduz que, para o seu completo funcionamento, devem ser institudos vnculos
orgnicos entre esses dois nveis imprescindveis do real. Demonstra que a edificao e a
manuteno desses vnculos funo dos intelectuais (orgnicos e tradicionais) que criam e
difundem ideologias, cimentando tais vnculos, organizando e gerindo o consenso, a
hegemonia e utilizando uma dosagem de coero.
Sobre a relao Estado x Sociedade Civil v-se que, para Gramsci, as superestruturas
do bloco histrico formam um conjunto bastante complexo, distinguindo em seu interior duas
importantes esferas: a sociedade poltica e a sociedade civil, estreitamente imbricadas no seio
da superestrutura. Gramsci ainda destaca que, no mbito da sociedade civil, as classes
procuram exercer sua hegemonia buscando aliados para os seus projetos atravs da direo
poltica e do consenso, e por meio da sociedade poltica (Estado no sentido estrito ou
Estado-coero), exerce-se sempre uma ditadura, uma dominao fundada na coero. Este
filsofo tambm afirma a no separao entre sociedade civil e Estado e assevera que o
Estado a expresso, no terreno das superestruturas, de uma determinada forma de
organizao social da produo.
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O conceito de hegemonia entendido por Gramsci como direo moral e poltica de
uma classe, que detm o poder sobre os grupos afins ou aliados, ou seja, sobre todo o
conjunto da sociedade. Para ele, a hegemonia implica, alm da ao poltica, a construo de
uma determinada moral, de uma concepo de mundo. Tal conceito refere-se capacidade de
uma classe social unificar, em torno de seu programa poltico e de seu projeto de sociedade,
um bloco de foras no homogneas, abalizado por contradies no interior da prpria classe.
A trajetria analtica faz, tambm, uma discusso sobre revoluo passiva,
recuperando-se a raiz do conceito na anlise feita por Gramsci dos dois ciclos de revoluo
passiva: do Risorgimento e do americanismo-fordismo. Tal conceito, elaborado por Vincenzo
Cuoco, foi tomado por Gramsci como critrio interpretativo da histria da construo do
Estado nacional italiano, sendo utilizado na compreenso de outros processos de transio
tardia ao capitalismo, mais especificamente, as formas que este assumiu no processo de
modernizao capitalista brasileira. A inteno foi compreender a dialtica da passivizao
que se processou em pases que modernizaram o Estado, atravs de projetos reformistas, sem
recorrer a uma ruptura revolucionria.
Nesse campo de anlise, discute-se o transformismo um conceito que surge nos
escritos de Antnio Gramsci e que aparece quase sempre ligado noo de revoluo passiva
entendido como uma das formas histricas do que foi observado sobre a revoluo-
restaurao ou revoluo passiva, no processo de formao do Estado moderno na Itlia.
Indubitavelmente, este conceito indica um dos elementos constitutivos do mecanismo geral
de hegemonia, podendo-se, atravs dele, estabelecer certas analogias histricas, tornando-se
til seu emprego como critrio de interpretao da histria contempornea dos grupos de
esquerda, sobremodo diante de um fenmeno, no Brasil, de deslocamento da esquerda para
o terreno da concepo burguesa de mundo. Os idelogos do social-liberalismo e do
neodesenvolvimentismo, passam a atuar, na prtica, como intelectuais, ou elementos ativos da
classe dominante e cogestores dos interesses do capital.
Quanto ao social-liberalismo internacional, este se constitui como uma nova estratgia
de legitimao do consenso em torno da atual sociabilidade burguesa. A partir de meados dos
anos 1990, as crises financeiras em vrios pases, as resistncias antisistmicas e a
preocupao de que tais mobilizaes colocassem em risco as bases de governabilidade,
levaram forosamente o neoliberalismo a fazer uma reviso de suas posies polticas e
ideolgicas devido ao recrudescimento da pobreza e da desigualdade social a nvel mundial.
Segundo Castelo (2011), a resultante desse processo foi a criao do social-liberalismo
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identificado, por ele, como a segunda variante ideolgica do neoliberalismo que surgiu para
restaurar o bloco histrico neoliberal dos abalos sofridos nos anos 1990.
Com o fim de demonstrar que o social-liberalismo uma nova estratgia de
legitimao do consenso em torno da atual sociabilidade burguesa, o estudo versa sobre o
papel daquele na manuteno do projeto reformista restaurador da burguesia no sculo XXI,
demonstrando que a chamada Terceira Via constitui-se em um projeto poltico e ideolgico
que apresenta uma clara inteno de colocar-se alm da direita liberal e da esquerda socialista.
Aborda ainda que, ao buscar uma base diferente de ordem social onde haja um equilbrio
entre o governo, o mercado e a sociedade civil, a poltica da Terceira Via configura-se como
um vigoroso programa poltico voltado a orientar a chamada poltica radical de centro, que
cada vez mais vem obtendo apoio de partidos, de governos de vrios pases e de organizaes
da sociedade civil vinculadas ao campo empresarial.
Em uma aproximao ao objeto de estudo, tambm tratada a questo da equidade, da
educao e da assistncia ao estudante universitrio no contexto do neodesenvolvimentismo e
do social liberalismo brasileiro.
Recorrendo-se a autores da tradio marxista, o estudo faz uma pertinente crtica
perspectiva revisionista da Cepal. Demonstra que esta props a equidade social como forma
de garantir condies de integrao e incluso sociais compatveis com a acumulao do
capital. Tambm revela que nesta perspectiva, no se tem em vista a busca da justia social
igualitria, mas o ajuste da desigualdade social, para que ela se justifique e torne-se
compatvel com as novas condies de expanso do capital.
O presente estudo tambm se debrua sobre o pensamento social-liberal, que ganhou
forma e expresso a partir de meados dos anos 1990 no Brasil, explicitando a defesa por parte
dos social-liberais nacionais de que o Estado estruture e implemente polticas sociais de perfil
focalista, filantrpico e assistencialista para o combate s principais expresses da questo
social, embasadas teoricamente no conceito de equidade. Ainda explicita que os pressupostos
defendidos pelos principais expoentes do social-liberalismo brasileiro, no limiar do sculo
XXI, convergiam para a proposta cepalina do incio dos anos 90 do sculo XX, em que a
educao era entendida como um ativo do portflio de investimento de um determinado
indivduo.
Para esses idelogos, o Estado brasileiro deveria, a todo custo, investir na formao
do chamado capital humano, pois os retornos sociais seriam altos se comparados com outras
polticas sociais. Para esses idelogos do social-liberalismo brasileiro, a diminuio dos nveis
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de pobreza reagiria de forma mais rpida s polticas compensatrias (transferncia direta de
renda aos mais necessitados) e estruturais (democratizao dos ativos educao).
O pensamento social-liberal, tanto nos pases centrais como nos perifricos, defendia
que as lutas de classe gradativamente dessem lugar a uma concertao social,
institucionalizao de conflitos. Os estudos de Castelo (2011) vem demostrar que os
idelogos nacionais do social-liberalismo apostavam no consenso poltico entre classes e
grupos sociais como soluo para os problemas do pas, conclamando os partidos polticos a
abandonar a competio de projetos polticos dissemelhantes e adotar a cooperao como
prtica usual, unindo os esforos no combate pobreza e s desigualdades sociais.
Bresser-Pereira, o principal expoente de uma das correntes do chamado novo-
desenvolvimentismo, a macroeconomia estruturalista do desenvolvimentismo, versa sobre o
Pacto Social-Liberal Brasileiro. Como um exmio estrategista liberal e nacionalista, traa um
escopo poltico-ideolgico que se caracteriza como uma estratgia para a recomposio
capitalista nacional, ao colocar a concepo de nao no centro de sua proposta e propor um
grande acordo nacional que permitiria a formao de uma sociedade dotada de um Estado
com capacidade para formular uma estratgia nacional de desenvolvimento.
O supracitado idelogo trata do Novo-Desenvolvimentismo como um Terceiro
Discurso e como estratgia nacional de desenvolvimento. Demonstra que esse terceiro
discurso alinha-se, indubitavelmente, a um dos princpios e estratgias do programa poltico
da Terceira Via, voltado consolidao da hegemonia burguesa: a sociedade civil ativa.
Esta, considerada pelos idelogos como um espao de coeso e de ao social, situada entre o
aparelho de Estado e o mercado, viria a ser o lcus da ajuda mtua, da colaborao, da
solidariedade e da harmonizao das classes sociais. Bresser defende que um elemento
essencial da nova estratgia nacional de desenvolvimento seria a edificao de uma sociedade
de consumo de massa; assinala que as empresas produtoras ou distribuidoras de bens de
consumo j teriam notado esse fato e que, nos ltimos anos, um dos grandes desafios
enfrentados por elas era o de alcanar as categorias C e D.
Nesse contexto ideopoltico ganham destaque o pensamento de Alozio Mercadante,
como sendo o principal expoente de uma das correntes do novo-desenvolvimentismo: a social
desenvolvimentista. Para este idelogo, a dinamizao do mercado interno foi edificada por
uma slida poltica social e que a particularidade do governo Lula residia no fato de que o
crescimento econmico foi acompanhado por um bem-sucedido esforo de distribuio de
renda, pela incorporao dos excludos ao mercado de consumo e pela ampliao das
oportunidades para os segmentos mais pobres da sociedade. O estudo identificou em seus
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escritos a defesa de que a ampliao das oportunidades englobava a ampliao de
oportunidades educacionais, decorrente da inflexo realizada pelo governo Lula nas
polticas sociais.
Mercadante, ao tratar sobre a poltica educacional e a democratizao das
oportunidades, enfatiza que, a partir de 2003, a poltica educacional voltou-se prioritariamente
para a democratizao do acesso educao, com a garantia de permanncia e sucesso
escolar. Este economista ilustrou como um dos grandes feitos do governo Lula a criao, na
sua segunda gesto, do Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e Expanso das
Universidades Federais (Reuni) e do Programa Nacional de Assistncia Estudantil (PNAES).
Quanto Poltica de Assistncia ao Estudante Universitrio, a trajetria analtica
revela que esta no rea de poltica de Estado, mas sim uma poltica de governo. O
Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES formado por um conjunto de aes
de corte assistencial, que se formata no interior de uma poltica pblica: a poltica de
educao superior.
Apenas no segundo mandato do governo Lula que ocorreu a criao do Programa
Nacional de Assistncia Estudantil PNAES, institudo inicialmente pela Portaria Normativa
n 39, de 12 de dezembro de 2007, do ento ministro da educao Fernando Haddad. Nela
constava que tal programa seria implementado a partir de 2008. Finalmente, em 19 de julho
de 2010 o Programa Nacional de Assistncia Estudantil - PNAES, que era uma portaria do
MEC, foi sancionado no decreto presidencial de n 7.234, consolidando-se como programa de
governo.
O PNAES foi aprovado sombra do Programa de Apoio a Planos de Reestruturao e
Expanso das Universidades Federais (REUNI). Segundo o artigo 4 pargrafo nico, do
supracitado Decreto, tais aes devem considerar a necessidade de viabilizar a igualdade de
oportunidades, contribuir para a melhoria do desempenho acadmico e agir, preventivamente,
nas situaes de reteno e evaso decorrentes da insuficincia de condies financeiras
(PNAES, 2010).
Indubitavelmente todos os conceitos, acima mencionados, estabelecem as mediaes
necessrias para o entendimento das mltiplas determinaes do PNAES e a que interesses
esse programa de governo atende.
A estratgia metodolgica utilizada foi a pesquisa documental baseada em fontes
primrias e secundrias. Procurando-se identificar as reivindicaes da UNE, SENCE e do
FONAPRACE, no campo da educao superior e da assistncia ao estudante, bem como
demonstrar a que interesses atende a produo de um PNAES na segunda gesto do governo
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Lula, foi feita uma pesquisa documental recorrendo-se a fontes primrias, (documentos
produzidos pela UNE e SENCE para os encontros nacionais e/ou regionais) como tambm se
recorreu a fontes secundrias, a saber, os documentos produzidos pelo FONAPRACE que j
eram de domnio pblico. Sintetizando, a fonte da pesquisa realizada e sistematizada neste
estudo foi o material emprico que constituiu o corpus da pesquisa, precisamente os
documentos produzidos pela UNE, SENCE e FONAPRACE e apresentados nos encontros
nacionais e regionais no perodo 2003-2010.
Vale ressaltar que os documentos que foram analisados so fontes primrias, pois
neles esto contidos dados originais que permitem que se tenha uma relao direta com os
fatos a serem analisados. Quanto procedncia, classificam-se como pblicos (emitidos por
uma autoridade pblica, a exemplo, o governo Federal, Entidades Estudantis e Frum de Pr-
Reitores; portanto, o teor de domnio pblico).
Na armadura metodolgica para a anlise dos documentos, visando alcanar os
objetivos propostos, recorreu-se neste estudo pesquisa qualitativa e quantitativa e anlise
de contedo como estratgia terico-metodolgica do processo de investigao e anlise. Para
organizao, anlise e interpretao das informaes contidas nestes documentos, fez-se uso
neste estudo - como ferramenta metodolgica - da anlise de contedo apresentada por
Laurence Bardin (2004). Essa escolha se justificou pelo fato de este instrumento de
investigao possibilitar descobrir os ncleos de sentido que compem a comunicao,
permitindo uma compreenso para alm dos seus significados imediatos.
Tambm se elegeu, nesta pesquisa, a Anlise Temtica por ser a que melhor d conta
da questo investigativa e da anlise qualitativa do material (documentao) produzido pela
UNE e pela SENCE, apresentado nos encontros nacionais e regionais no perodo de 2003-
2010.
A anlise das reivindicaes do movimento estudantil e do Fonaprace nas duas gestes
do governo Lula deu-se, especificamente, por duas razes:
1-Na primeira gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva (2003-2006), a crtica ao
aprofundamento das reformas neoliberais e ao processo de sucateamento das IFES, e a crtica
em torno da inexistncia de uma rubrica especfica para a assistncia ao estudante
universitrio (extinta por FHC) que levou precarizao/extino de programas assistenciais
nas IFES, deram a tnica nos debates e reivindicaes da UNE, SENCE, e FONAPRACE,
nos encontros nacionais e regionais, pela democratizao do acesso e permanncia dos jovens
na educao superior pblica.
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2-O perodo 2007-2010, segunda gesto do governo Lula, considerando um divisor de
guas, devido institucionalizao da assistncia ao estudante universitrio nas IFES
brasileiras, cujas aes assistenciais na educao superior passaram a ser gradativamente
includas na agenda governamental com a aprovao do Plano Nacional de Assistncia ao
Estudante de Graduao das IFES , pela ANDIFES, e a instituio do Programa Nacional de
Assistncia Estudantil PNAES atravs da Portaria Normativa n 39, em 2007, consolidando-
se como programa de governo ao ser sancionado no Decreto presidencial de n 7.234 em
2010, assinado pelo presidente Luiz Incio Lula da Silva.
Para demonstrar como o PNAES materializa-se nas IFES visto que uma coisa a
sua aprovao e regulamentao, e outra a sua efetivao , o foco foi o mapeamento dos
programas, projetos e servios existentes, direcionados ao estudante de graduao,
identificados nos relatrios de gesto das IFES pesquisadas (ano 2012-2013, 2013 e 2014) e
disponibilizados nos sites oficiais. A escolha desse perodo deu-se pelo fato de este
proporcionar uma maior visibilidade de como o PNAES, enquanto um programa de governo
dotado de uma rubrica especfica, materializa-se nas Instituies Federais de Ensino Superior
brasileiras. Considerando-se que o PNAES foi sancionado pelo Decreto 7.234 somente em
julho do ano de 2010 entende-se que, s a partir deste ano, que se torna possvel se ter um
olhar o mais prximo possvel da realidade atual, dando visibilidade a sua
materializao/formatao nas IFES brasileiras tendo como referncia as dez reas
estratgicas indicadas no referido decreto.
O universo desta pesquisa constitudo pelas Instituies de Ensino Superior IFES
brasileiras. No Brasil, existe um total de 57 Instituies Federais de Ensino Superior IFES,
distribudas nos 26 Estados Brasileiros e no Distrito Federal (FONAPRACE, 2011). A
amostra foi constituda por 10 (dez) Instituies Federais de Ensino Superior - IFES,
selecionadas por cada regio do Brasil: duas na regio Norte, duas no Nordeste, duas no Sul,
duas no Sudeste e duas Centro-Oeste, totalizando 44 campi.
Vale, ainda, ressaltar a estrutura geral desta tese, a saber: Introduo, Seo 1, Seo
2, Seo 3, Seo 4, Seo 5, Seo 6, Sntese das Mltiplas Determinaes do PNAES e
Referncias.
A primeira parte da primeira seo trata inicialmente de importantes conceitos
formulados por Antnio Gramsci, especificamente, bloco histrico, a relao Estado x
sociedade civil, hegemonia e revoluo passiva, que subsidiaram a anlise da atual etapa do
capitalismo brasileiro.
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Na segunda parte desta seo, analisado o processo de ascenso e crise da proposta
nacional-desenvolvimentista, sendo a perspectiva neoliberal de desenvolvimento considerada
como uma nova forma histrica de dependncia. Para tal, discorre-se, entre outros, sobre a
Revoluo Passiva como um recurso interpretativo no caso retardatrio de desenvolvimento
capitalista brasileiro, sobre a ascenso e crise do desenvolvimentismo na Amrica Latina e a
reformulao do pensamento cepalino a partir dos anos 1990, voltando-se o olhar para a
hegemonia do modelo neoliberal de desenvolvimento no Brasil contemporneo.
A segunda seo, dividida em duas partes, trata do social-liberalismo internacional
como uma nova estratgia de legitimao do consenso em torno da atual sociabilidade
burguesa. Recorrendo aos estudos de autores contemporneos da tradio marxista, discorre
sobre a crise conjuntural de meados dos anos 1990 e trata sobre o processo de recomposio
do bloco histrico neoliberal com a incorporao, por parte das classes dominantes, de uma
agenda social ao projeto neoliberal. Tambm versa sobre a Terceira Via, demonstrando ser
esta uma estratgia ideopoltica de reorganizao da hegemonia burguesa em tempos
neoliberais. Em seguida, d visibilidade aos seus princpios e estratgias, bem como crtica
existente ao social-liberalismo.
Na segunda parte desta seo, numa aproximao ao objeto de estudo, tratada a
questo da equidade, da educao e da assistncia ao estudante universitrio no contexto do
social-liberalismo brasileiro e do chamado novo desenvolvimentismo. Discorre-se sobre o
pacto social-liberal brasileiro na perspectiva de Bresser-Pereira, sobre o novo-
desenvolvimentismo como um terceiro discurso e como estratgia nacional de
desenvolvimento, e tambm sobre as bases do novo-desenvolvimentismo no Brasil, que trata
sobre a poltica educacional e a democratizao das oportunidades. Por fim, apresenta o
Programa Nacional de Assistncia Estudantil PNAES.
O segundo momento da tese estruturado em mais trs sees:
A quarta seo d visibilidade s reivindicaes da UNE no campo da educao
superior, no perodo de 2003 a 2010. Esta contm uma pesquisa documental com base nas
fontes primrias (documentos elaborados pela UNE e apresentados nos congressos nacionais -
CONUNE), contemplando os objetivos propostos, especificamente o primeiro objetivo
especfico deste trabalho.
A quinta seo tambm contempla o primeiro objetivo especifico da tese e divide-se
em duas partes. Na primeira, demonstra as reivindicaes da UNE, da SENCE e do
FONAPRACE no campo da assistncia ao estudante universitrio, na primeira gesto do
governo Lula e, na segunda parte, identifica as reivindicaes desses trs sujeitos coletivos na
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segunda gesto do governo Luiz Incio Lula da Silva. Neste momento da pesquisa, recorreu-
se a fontes primrias (documentos da UNE e da SENCE) e a fontes secundrias (documentos
do FONAPRACE).
Finalmente, a sexta seo divide-se em trs subsees: A primeira subseo apresenta
a base legal, objetivos e as reas estratgicas do Programa Nacional de Assistncia Estudantil
PNAES. A segunda d visibilidade a como se efetiva a materializao do Programa
Nacional de Assistncia ao Estudante nas IFES brasileiras pesquisadas. Os dados analisados,
referentes aos servios/programas assistenciais oferecidos nas Pr-Reitorias Estudantis, bem
como as fontes de recursos, foram obtidos atravs dos relatrios de gesto das IFES que esto
disponveis no site oficial e junto s prprias universidades, respectivamente. O ltimo item
analisa o Programa Nacional de Assistncia Ao Estudante PNAES como um determinante,
contendo uma interpretao dos dados apresentados na segunda parte da tese, realizada luz
dos referenciais tericos da pesquisa. A presente pesquisa finda com uma sntese das
mltiplas determinaes do PNAES e a descrio das referncias.
Por fim, vale ressaltar que se tornou fulcral neste estudo o entendimento de que o
PNAES um programa que absorve o projeto hegemnico de educao brasileira, as
diretrizes externas e as determinaes socioeconmicas e ideopolticas que se formataram em
um contexto neodesenvolvimentista.
Acredita-se que a direo analtica utilizada neste processo investigativo que implicou,
dentre outros, a contextualizao da conjuntura socioeconmica e ideopoltica nos governos
Luiz Incio Lula da Silva, a anlise das diretrizes dos organismos internacionais e da
burguesia nacional sob o aporte ideopoltico do social-liberalismo, a identificao dos
interesses em jogo tanto da classe hegemnica quanto dos segmentos que pertencem
classe subalterna, no campo da educao superior e da assistncia ao estudante , permitiu
uma apreenso dos determinantes do Programa Nacional Assistncia ao Estudante PNAES.
A presente pesquisa, ao identificar como e a que interesses atende a produo de um
PNAES na segunda gesto do governo Lula, possibilitou uma apreenso das suas mltiplas
determinaes em um contexto de aprofundamento da contrarreforma da educao superior
pblica brasileira.
A expectativa que o pensar e o agir, no campo da assistncia ao estudante
universitrio, ultrapasse a tendncia de se considerar a Poltica de Permanncia nas IFES
brasileiras como um fim em si mesmo. Esta tese d um passo nessa direo.
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1 ASCENSO E CRISE DA PROPOSTA NACIONAL-DESENVOLVIMENTISTA E
A PERSPECTIVA NEOLIBERAL DE DESENVOLVIMENTO
1.1 Bloco Histrico, a Relao Estado x Sociedade Civil, Hegemonia e Revoluo
Passiva: Contribuies do Pensamento Gramsciano
1.1.1 Sobre o Conceito de Bloco Histrico
consensual entre vrios estudiosos que os aspectos principais do pensamento de
Antnio Gramsci esto articulados em torno de um conceito-chave, o de Bloco Histrico. Em
seus escritos, Gramsci afirma que a estrutura e a superestrutura formam um bloco histrico, e
o define como sendo [...] a unio entre a natureza e o esprito (estrutura e superestrutura),
unidade dos contrrios e dos distintos (GRAMSCI, 2002a, p. 26). Percebe-se, assim, que
para esse filsofo a sociedade se revela como uma totalidade, devendo ser abordada em todos
os seus nveis.
Vale pontuar que Gramsci se utiliza da formulao original de Georges Sorel, um
terico francs do sindicalismo revolucionrio no final do sculo XIX, para destacar a
conexo entre estrutura e superestrutura. Como detalha Simionatto (1995, p. 40):
[...] Gramsci parte dele, mas amplia esta viso, utilizando-a em sentido
conjuntural, isto , bloco histrico tem para ele a noo de articulao entre
infra-estrutura e superestrutura, ou de formao social no sentido marxiano.
Nas notas sobre a questo meridional, Gramsci emprega esta categoria para
indicar as alianas de classe e se refere especialmente ao bloco industrial-
agrrio. Nos Cadernos [...] ele inclui no conceito de bloco histrico os
componentes que Sorel excluiu, ou seja, os intelectuais, o partido, o Estado,
bem como o nexo filosfico-histrico entre estrutura e superestrutura.
Gramsci integra, na investigao cientfico-materialista da sociedade, o conceito de
bloco histrico. Percebe-se que a anlise das relaes entre estrutura e superestrutura o
aspecto fulcral da noo de bloco histrico na seguinte passagem: a estrutura e as
superestruturas formam um bloco histrico, isto , o conjunto complexo e contraditrio das
superestruturas o reflexo do conjunto das relaes sociais de produo (GRAMSCI, 2006,
p. 250).
Para esse pensador sardo, entre essas duas esferas do real ocorre uma vinculao
dialtica e orgnica. Assim, o bloco histrico [...] corresponde a uma situao social
concreta, formada de uma estrutura econmica, vinculada dialtica e organicamente s
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superestruturas jurdico-poltica e ideolgica (STACCONE, 1982, p. 8). Pode-se visualizar
tal reciprocidade nas palavras do prprio Gramsci:
A estrutura e as superestruturas formam um bloco histrico, isto , o
conjunto complexo e contraditrio das superestruturas o reflexo das
relaes sociais de produo. Disto decorre: s um sistema totalitrio de
ideologias reflete racionalmente a contradio da estrutura e representa a
existncia das condies objetivas para a subverso da prxis. Se se forma
um grupo social 100% homogneo ideologicamente, isto significa que
existem em 100% as premissas para esta subverso da prxis, Isto , que o
racional real ativa e efetivamente. O racional se baseia sobre a necessria
reciprocidade entre estrutura e superestruturas (reciprocidade que
precisamente o processo dialtico real). (GRAMSCI, 2006, pp. 250-1).
consensual entre os estudiosos de Gramsci que todo o seu esforo intelectual ao
desvelar que existe uma relao recproca das esferas de atividade tica, ideolgica e poltica
com a prpria esfera econmica visa impedir o reducionismo, evitando que a explicao do
real seja reduzida tanto economia quanto s ideias. Gramsci, em nenhum momento,
concebeu tal estudo sob a primazia de um ou outro elemento desse bloco.
Assim, pois, todo o esforo crtico de Gramsci supera o simplismo economicista de
muitos intelectuais marxistas, bem como dos ativistas de partido, que almejavam explicar toda
a complexidade social como produto da estrutura econmica (STACONNE, 1982)1. Em seus
estudos, Correia sintetiza:
O pensamento de Gramsci tem como eixo de anlise da realidade o princpio
da totalidade em que subverte os princpios do determinismo econmico, do
politicismo, do individualismo e do ideologismo, e estabelece uma
articulao dialtica entre estrutura e superestrutura economia, poltica e
cultura , concebendo a realidade como sntese de mltiplas determinaes.
(2010, p. 3).
Percebe-se, portanto, que na abordagem gramsciana, para uma compreenso do
movimento do real em sua amplitude e complexidade, as dimenses ideopolticas, sociais e
culturais no devem ser desgarradas da economia.
1 Coutinho, em nota introdutria no livro O leitor de Gramsci, observa que o autor dos Cadernos trazia em sua
bagagem terica uma clara oposio ao determinismo economicista que, confundido com o marxismo, mostrava-
se como sendo a ideologia oficial do Partido Socialista Italiano (PSI). (GRAMSCI, 2011).
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1.1.2 A Relao Estado x Sociedade Civil no Pensamento de Antnio Gramsci
Nos Cadernos do Crcere, Gramsci no s ampliou como aprofundou a anlise das
superestruturas. Para ele, as superestruturas do bloco histrico formam um conjunto bastante
complexo, distinguindo em seu interior duas importantes esferas: a sociedade poltica e a
sociedade civil. Pode-se identificar tal distino na seguinte passagem dos Cadernos:
Por enquanto, podem-se fixar dois grandes planos superestruturais: o que
pode ser chamado de sociedade civil (isto , o conjunto de organismos
designados vulgarmente como privados) e o da sociedade poltica ou
Estado, planos que correspondem, respectivamente, funo de
hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e quela de
domnio direto ou de comando, que se expressa no Estado e no governo
jurdico. (GRAMSCI, 2004, p. 20).
O supramencionado filsofo faz uma distino funcional entre as duas esferas, pois,
para ele, elas se encontram estreitamente imbricadas no seio da superestrutura. Para Gramsci,
a separao sociedade civil/sociedade poltica metodolgica e no orgnica2. Tal percepo
fica explcita em sua crtica ao liberismo, visto por ele como uma das formas do
economicismo:
A formulao do movimento do livre-cmbio baseia-se num erro terico
cuja origem prtica no difcil identificar, ou seja, baseia-se na distino
entre sociedade poltica e sociedade civil, que de distino metodolgica
transformada e apresentada como distino orgnica. Assim, afirma-se que a
atividade econmica prpria da sociedade civil e que o Estado no deve
intervir em sua regulamentao. Mas, dado que a sociedade civil e o Estado
se identificam na realidade dos fatos, deve-se estabelecer que tambm o
liberismo uma regulamentao de carter estatal, introduzida e mantida
por via legislativa e coercitiva: um fato de vontade consciente dos prprios
fins, e no a expresso espontnea, automtica do fato econmico. Portanto
o liberismo um programa poltico, destinado a modificar, quando triunfa,
os dirigentes de um Estado e o programa econmico do prprio Estado [...].
(GRAMSCI, 2002a, p. 47).
Assim, Gramsci destaca que, no mbito da sociedade civil, as classes procuram
exercer sua hegemonia buscando aliados para os seus projetos atravs da direo poltica e do
consenso e, por meio da sociedade poltica (Estado no sentido estrito ou Estado-coero)3,
2 Segundo Dias (1996), tambm isso foi perdido pelas leituras que fizeram da sua tese.
3 Ao tratar sobre a sociedade poltica, Gramsci ir se servir, vrias vezes, do termo Estado, porm se trata da
concepo clssica. Para este filsofo, essa concepo, superada, aquela do Estado guardio da poca liberal,
na qual este no exercia nenhuma funo econmica e ideolgica diretamente, mas restringia-se garantia da
ordem pblica e do respeito das leis.
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exerce-se sempre uma ditadura, uma dominao fundada na coero. Vale ressaltar que,
para Gramsci, tais esferas mantm entre si uma relao de identidade-distino, e ambas, em
conjunto, formam o Estado integral. Em suas palavras:
Estamos sempre no terreno da identificao de Estado e governo,
identificao que , precisamente, uma reapresentao da forma corporativa
e econmica, isto , da confuso entre sociedade civil e sociedade poltica,
uma vez que se deve notar que na noo geral de Estado entram elementos
que devem ser remetidos noo de sociedade civil (no sentido, seria
possvel dizer que Estado = sociedade poltica + sociedade civil), isto ,
hegemonia couraada de coero. (GRAMSCI, 2002a, p. 244).
Para Gramsci, h uma relao dialtica e orgnica entre a sociedade civil e sociedade
poltica, da qual resulta a unidade histrica das classes dirigentes:
A unidade histrica das classes dirigentes acontece no Estado e a histria
delas , essencialmente, a histria dos Estados e dos grupos de Estados. Mas
no se deve acreditar que tal unidade seja puramente jurdica e poltica,
ainda que tambm esta forma de unidade tenha sua importncia, e no
somente formal: a unidade histrica fundamental, por seu carter concreto,
o resultado das relaes orgnicas entre Estado ou sociedade poltica e
sociedade civil. (GRAMSCI, 2002b, p. 140).
Para Coutinho, o que vai diferenciar a sociedade poltica da sociedade civil a funo
que exercem na organizao da vida social, tanto na articulao como na reproduo das
relaes de poder, visto que [...] ambas as esferas servem para conservar ou promover
determinada base econmica, de acordo com os interesses de uma classe social fundamental
(2011, pp. 25-26).
A defesa de Gramsci dessa relao dialtica entre a sociedade civil e sociedade
poltica que so diferentes e relativamente autnomas, mas no separadas na prtica tem
como intencionalidade evitar os perigos do economicismo e do estatismo:
De fato, a primeira, composta de organismos privados e voluntrios, indica a
direo, enquanto a segunda, estruturada sobre aparelhos pblicos, se
caracteriza mais pelo exerccio do domnio. O Estado moderno no pode
mais ser entendido como um sistema burocrtico-coercitivo. As suas
dimenses no podem se limitar aos instrumentos exteriores de governo, mas
abarcam tambm a multiplicidade dos organismos da sociedade civil onde se
manifesta a livre iniciativa dos cidados, seus interesses, suas organizaes,
sua cultura e valores, e onde, praticamente, se estabelecem as bases do
consenso e da hegemonia. (SEMERARO, 1997, s.p).
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V-se em seus escritos que, ao fazer uma distino complexa e sutil entre sociedade
poltica e sociedade civil, Gramsci afirma que o Estado (no sentido estrito) equivale
sociedade poltica e representa o momento da fora. Assim, a funo de domnio exercida na
sociedade poltica e abarca a coero em seus aspectos legais e policial-militar; nela, exerce-
se sempre uma ditadura, uma dominao mediante a coero. Segundo Bianchi (2008, pp.
177-8), trata-se do Estado no sentido estrito, ou seja, o aparelho governamental encarregado
da administrao direta e do exerccio legal da coero sobre aqueles que no consentem nem
ativa nem passivamente, tambm chamado nos Cadernos de Estado-poltico ou Estado-
governo. Nas palavras do prprio Gramsci:
Governo poltico, isto , [...] o aparelho de coero estatal que assegura
legalmente a disciplina dos grupos que no consentem, nem ativa nem
passivamente, mas que constitudo para toda a sociedade na previso dos
momentos de crise no comando e na direo, nos quais desaparece o
consenso espontneo. (GRAMSCI, 2004, p. 21).
Percebe-se nesta definio que, para Gramsci, a sociedade poltica tem um papel
secundrio no bloco histrico burgus. Esta, ao congregar um conjunto de atividades da
superestrutura que se refere funo de coero, da manuteno, pelo uso da fora, da ordem
estabelecida, um prolongamento da sociedade civil; assim, pois, ela no se limita ao simples
domnio militar, mas se estende ao governo jurdico, fora legal. Nessa mesma direo,
Coutinho afirma que a coero no implica apenas a violncia em sua forma mais pura, mas
todos os atos governamentais que exigem um cumprimento, independentemente de que se
concorde ou no com eles (2011).
Quanto sociedade civil, como Antnio Gramsci a define? A resposta a tal indagao
exige um estudo da relao entre Estado e sociedade civil.
Inicialmente, vale ressaltar que consensual para alguns estudiosos, entre eles,
Linguori (2007) e Bianchi (2002), que ainda existem no mbito acadmico algumas
interpretaes equivocadas do conceito de sociedade civil em Gramsci. A origem de tais