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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA
XIV CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
CLARA ATAIDE FONSECA CARVALHO
HUMANIZAÇÃO DA ATENÇÃO EM CUIDADOS PALIATIVOS: REFLEXÕES
SOBRE A INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA
FLORIANÓPOLIS (SC)
2012
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CLARA ATAIDE FONSECA CARVALHO
HUMANIZAÇÃO DA ATENÇÃO EM CUIDADOS PALIATIVOS: REFLEXÕES
SOBRE A INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA
Monografia apresentada ao XIV Curso de
Especialização em Saúde Pública da
Universidade Federal de Santa Catarina, como
requisito parcial para obtenção do título de
Especialista em Saúde Pública.
Orientadora: Prof. Dra. Marta Inez Machado Verdi
FLORIANÓPOLIS (SC)
2012
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE SAÚDE PÚBLICA
XII CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM SAÚDE PÚBLICA
HUMANIZAÇÃO DA ATENÇÃO EM CUIDADOS PALIATIVOS: REFLEXÕES
SOBRE A INTEGRALIDADE DA ASSISTÊNCIA
CLARA ATAIDE FONSECA CARVALHO
Essa monografia foi analisada pelos professores e julgada e aprovada para obtenção do grau
de Especialista em Saúde Pública no Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal
de Santa Catarina
Florianópolis, 12 de abril de 2012.
Profª Dra. Jane Maria de Souza Philippi
Coordenadora do Curso
Prof. Dra. Marta Inez Machado Verdi
Orientadora do trabalho
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CARVALHO, Clara Ataide Fonseca. Humanização da atenção em Cuidados Paliativos:
reflexões sobre a integralidade da assistência. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialista
em Saúde Pública). Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2012. 35 p.
RESUMO
A estruturação do Sistema Único de Saúde (SUS) não é encerrada com sua
regulamentação como política de saúde, mas é um processo de construção que implica o
constante aperfeiçoamento na busca de consolidar seus princípios doutrinários:
universalidade, equidade e integralidade da assistência (Brasil, 2000). É fundamental que um
sistema de saúde que tenha como princípio a integralidade seja capaz de oferecer uma
assistência adequada às necessidades dos usuários também nos casos em que já houver se
desenvolvido uma doença e esgotarem-se as possibilidades de tratamento, isto é, casos em que
não mais pode ser esperada a cura da doença. No entanto, a oferta da assistência em Cuidados
Paliativos não é adequada às demandas existentes, qualitativa e quantitativamente. Torna-se
imperativo refletir acerca desta modalidade de atenção. Este trabalho consiste em uma revisão
de literatura que visa discutir e problematizar a assistência em Cuidados Paliativos sob a
perspectiva da Humanização e do princípio da integralidade. Para atender adequadamente às
necessidades dos usuários do sistema de saúde é imprescindível uma escuta e um olhar atento
à diferença, à subjetividade e à singularidade dos acontecimentos de saúde. Espera-se que a
Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS (PNH) possa trazer
avanços efetivos na qualificação da assistência a saúde, possibilitando resgatar a noção de
sujeito, na busca de consolidar o princípio da integralidade da assistência, que implica
considerar todas as dimensões possíveis para se realizar intervenções, identificando o sujeito
como uma totalidade, ainda que não seja passível de ser alcançado em sua plenitude.
Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Humanização; Integralidade da Assistência.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 6
2 OBJETIVOS ......................................................................................................................... 8
3 METODOLOGIA ................................................................................................................ 9
4 O SUS E O PRINCÍPIO DA INTEGRALIDADE ............................................................ 9
5 A POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO ........................................................ 14
6 CUIDADOS PALIATIVOS E HUMANIZAÇÃO .......................................................... 21
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 31
8 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 34
6
1 INTRODUÇÃO
O Sistema Único de Saúde (SUS) representa uma lógica de organização do modelo de
gestão e atenção à saúde que incorpora propostas da reforma sanitária brasileira, apresentando
um novo paradigma sanitário e importantes mudanças na concepção do processo saúde-
doença. Sua criação como política de saúde ocorreu com a Constituição Federal de 1988, em
cujo Artigo 196, estabelece que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação” (Brasil, 1988). Este importante avanço na construção de um sistema de saúde
democrático e descentralizado foi regulamentado por meio das Leis 8.080, de 19 de setembro
de 1990 e 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que criam o SUS.
Contudo, a estruturação do SUS não é encerrada com sua regulamentação como
política de saúde, mas é um processo de construção que implica o constante aperfeiçoamento
na busca de consolidar seus princípios doutrinários: universalidade, equidade e integralidade
da assistência (Brasil, 2000). Assim sendo, para que as práticas de atenção à saúde da
população sejam viabilizadas em conformidade com os princípios do SUS, de maneira que os
profissionais estejam comprometidos com a defesa da vida, tornam-se cada vez mais
necessários a reflexão e o debate sobre os modelos de gestão e de atenção, a formação
profissional e o exercício do controle social. Neste sentido, a Política Nacional de
Humanização da Atenção e da Gestão do SUS se apresenta como estratégia de transformação
do sistema em direção ao alcance dos princípios fundamentais defendidos desde a Reforma
Sanitária (Brasil, 2004a).
A humanização refere-se, nesta proposta, a uma dimensão fundamental para a
construção e qualificação do SUS. Não se trata, portanto, de um programa que possa ser
aplicado aos serviços de saúde, o que implicaria o risco de aprofundar relações verticais
visando operacionalizar normativas pautadas em metas a serem cumpridas em detrimento da
resolutividade e da qualidade. Trata-se de uma política transversal a toda a rede SUS, o que
significa entender a humanização como uma construção coletiva, um conjunto de princípios e
diretrizes que possam fundamentar ações nos serviços, práticas de saúde e instâncias do
sistema. “Humanizar é, então, ofertar atendimento de qualidade articulando os avanços
tecnológicos com acolhimento, com melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de
trabalho dos profissionais” (Brasil, 2004a, p.6).
7
Na trajetória de construção do atual modelo de gestão e atenção à saúde identificam-
se, então, inúmeros avanços. Destaca-se a mudança na concepção de saúde que, como salienta
Marcondes (2004), passa a ser entendida não mais como ausência de doença, mas como um
processo dinâmico, em constante mudança, que incorpora os condicionantes e determinantes
sociais, trazendo a noção de qualidade de vida, traduzida em bem-estar físico, mental e social.
Também têm um importante papel os avanços tecnológicos, que possibilitam lidar com
problemas de saúde de forma mais resolutiva, propiciando o aprimoramento das ações e
serviços de saúde para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de doenças e agravos. Além
disso, a descentralização e a democratização do atual sistema de saúde possibilitam a
melhoria nas condições de acessibilidade da população aos serviços de saúde. Estes fatores
são de extrema importância para efetivar a promoção, a proteção e a recuperação da saúde,
como direito garantido constitucionalmente.
Não se pode perder de vista que um sistema de saúde que tenha como princípio a
integralidade deve ser capaz de oferecer uma assistência adequada às necessidades dos
usuários também nos casos em que já houver se desenvolvido uma doença e esgotarem-se as
possibilidades de tratamento, isto é, casos em que não mais pode ser esperada a cura da
doença. Por isso, torna-se imperativo refletir acerca da atenção em Cuidados Paliativos, bem
como problematizar as concepções e diretrizes que possam orientar a assistência neste âmbito.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define os Cuidados Paliativos como uma
abordagem que visa melhorar a qualidade de vida de pacientes e familiares que se encontrem
diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do
sofrimento, buscando o controle da dor e de sintomas de natureza física, social, emocional e
espiritual. Contudo, esta abordagem ainda é tratada de forma incipiente na legislação e nas
diretrizes que regulamentam a atenção à saúde, e raramente é apresentada e discutida na
formação de profissionais da saúde. Consequentemente, as instituições de saúde e os
profissionais que nelas atuam geralmente encontram-se despreparados para tratar e cuidar do
sofrimento dos pacientes e seus familiares quando os problemas de saúde por eles enfrentados
têm como desfecho inevitável a morte (Maciel et al, 2006). Ou seja, os pacientes que estão na
fase final da vida, lidando com uma doença incurável e com o sofrimento que decorre desta
circunstância, geralmente não recebem uma assistência adequada às suas necessidades,
integral e de qualidade, negligenciando inclusive a diretriz constitucional da integralidade.
Evidencia-se assim um paradoxo: como podemos conceber um sistema de saúde orientado
para promover em sua integralidade a saúde de seus usuários, se os profissionais que nele
8
atuam não estiverem capacitados a oferecer uma assistência de qualidade à saúde dos
indivíduos que sofrem com doenças que ameaçam a continuidade da vida? Ou ainda: como
podemos tratar das questões relacionadas à vida se não abordarmos as questões relacionadas à
morte e às vivências dos indivíduos na fase do fim da vida?
Neste contexto, este trabalho visa problematizar, sob o foco da Política Nacional de
Humanização, a atenção em Cuidados Paliativos. Afinal, se quisermos um SUS que
efetivamente ofereça a seus usuários uma assistência humanizada e em conformidade com o
princípio da integralidade, teremos que nos defrontar com uma questão básica, qual seja, que
lidamos com a vida e a saúde de um ser indiscutivelmente mortal, que por vezes não poderá
ser curado nem com os tratamentos mais avançados, mas que, não obstante, necessita de
cuidados. Para que possamos oferecer uma assistência de qualidade aos usuários do SUS, esta
questão fundamental e inevitável não pode, portanto, ser negligenciada.
2 OBJETIVOS
Geral:
Discutir o modelo de atenção em Cuidados Paliativos sob o foco da Política Nacional
de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS (PNH).
Específicos:
Problematizar a atenção em Cuidados Paliativos a partir do princípio da integralidade
da assistência.
Propor uma reflexão acerca dos Cuidados Paliativos sob a perspectiva da
Humanização.
9
3 METODOLOGIA
O presente trabalho consiste em uma revisão de literatura sobre a temática da atenção
em Cuidados Paliativos sob a perspectiva da Humanização e do princípio da integralidade.
Foi realizado um levantamento nas publicações que abordam estes temas nos últimos
10 anos. As bases de dados consultadas foram a Biblioteca Virtual em Saúde, SciELO, bem
como materiais disponibilizados e/ou elaborados pelo Ministério da Saúde. Foram
selecionados os materiais de acordo com sua relevância para os objetivos da pesquisa,
tomando como critério para a inclusão de artigos as suas contribuições para a discussão acerca
dos conceitos de Cuidados Paliativos, Humanização e Integralidade, bem como os subsídios
por eles apresentados para articular estes três conceitos e problematizar a atenção em
Cuidados Paliativos. Foi realizada uma leitura crítica com o intuito de propor uma reflexão
acerca do modelo de Cuidados Paliativos, tomando como foco sua articulação com a Política
Nacional de Humanização (PNH) e com o princípio da integralidade da assistência.
4 O SUS E O PRINCÍPIO DA INTEGRALIDADE
A Constituição Federal de 1988, ao versar sobre a saúde nos Artigos 196 a 200, cria o
Sistema Único de Saúde (SUS), constituído por uma rede regionalizada e hierarquizada de
ações e serviços de saúde. Suas diretrizes, conforme o Artigo 198, são: descentralização,
atendimento integral e participação da comunidade. A diretriz de atendimento integral indica
que devem ser priorizadas as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais.
Avançando na definição das diretrizes do SUS, encontra-se a Lei 8.080, de 19 de setembro de
1990, que regulamenta as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços de saúde. Dentre os princípios a serem
obedecidos pelas ações e serviços que integram o SUS, determinados no Artigo 7 desta lei,
encontra-se a integralidade da assistência, “entendida como um conjunto articulado e contínuo
das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso
em todos os níveis de complexidade do sistema”.
Machado et al (2007) indicam a inexistência de uma definição clara acerca do que se
constitui como a integralidade, o que consideram, ao mesmo tempo, como uma fragilidade e
uma potencialidade. Sobre a definição de integralidade, Mattos (2004) ressalta que este termo
10
possui diversos sentidos. Este autor cita três conjuntos de sentidos. O primeiro se refere às
características de políticas de saúde e à abrangência das respostas governamentais a
problemas de saúde. O segundo está relacionado aos aspectos da organização dos serviços de
saúde. O terceiro conjunto, por sua vez, se refere a atributos das práticas de saúde. Propondo
uma reflexão sobre as possíveis dimensões da integralidade nas práticas de saúde, o autor
ressalta a importância de estabelecer como agenda de pesquisa a análise de experiências
pautadas pela integralidade, enfatizando o terceiro conjunto de sentidos deste termo, que
também é priorizado no presente trabalho.
Na concepção de integralidade apresentada na Constituição de 1988 e na Lei 8.080/90,
percebe-se uma ênfase no sentido de articular atividades preventivas e curativas, bem como
na oferta de assistência em todos os níveis de complexidade. Contudo, Mattos (2004) aponta
uma diferenciação de dois aspectos igualmente importantes no que diz respeito à integralidade
e ao acesso às ações e serviços de saúde. Por um lado, há a necessidade de acesso a todos os
níveis de atenção do sistema de saúde. Por outro lado, há a necessidade de que em cada nível
de atenção encontrem-se articuladas a lógica da prevenção e da assistência. Neste sentido,
seria pertinente não considerar como sinônimos a integralidade e o acesso a todos os níveis de
atenção, mas refletir sobre a integralidade sob a perspectiva da articulação entre assistência e
prevenção, possibilitando a apreensão ampliada das necessidades de saúde.
Como apontam Machado et al (2007), trata-se, sob a perspectiva da integralidade, de
considerar todas as dimensões possíveis para se realizar intervenções, identificando o sujeito
como uma totalidade, ainda que não seja passível de ser alcançado em sua plenitude. Assim,
as autoras ressaltam que
O atendimento integral extrapola a estrutura organizacional hierarquizada e
regionalizada da assistência de saúde, se prolonga pela qualidade real da atenção
individual e coletiva assegurada aos usuários do sistema de saúde, requisita o
compromisso com o contínuo aprendizado e com a prática multiprofissional (p.
336).
Ao tratarmos, portanto, da qualidade da atenção à saúde vislumbrada pelo princípio da
integralidade, é imperativo que sejam abordados de forma articulada dois pontos
fundamentais: a formação profissional e o trabalho em equipes multiprofissionais.
González & Almeida (2010) discorrem sobre a formação dos profissionais de saúde e
as mudanças necessárias para que esta esteja em conformidade com o foco na integralidade.
Os autores salientam o descompasso entre a formação profissional e os princípios e diretrizes
do SUS (isto é, as necessidades dos usuários), ressaltando que a consolidação de um sistema
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que tenha como proposta oferecer atenção à saúde pautando-se na valorização da
integralidade, do cuidado humanizado e da promoção da saúde depende da prática dos
profissionais de saúde, bem como do perfil de sua formação. Sobre este descompasso,
apontam:
Na academia, podem-se citar a gestão não comprometida, a atenção básica como
aprendizagem marginal, o despreparo dos professores frente ao novo enfoque de
aprendizagem, a difícil relação entre as diferentes profissões e a resistência dos
estudantes em relação ao contato com a comunidade. Nos serviços de saúde, podem-
se citar: a resistência dos profissionais às mudanças em processo, que a formação de
profissionais não faz parte da agenda de trabalho, o acréscimo de mais uma função,
o ensino, sem receber por isso, a estrutura física inadequada para acolher os
estudantes, a resistência da população à presença do estudante no serviço e a
possível identificação de fragilidades do serviço prestado. (p. 758)
Ainda deve-se acrescentar que o contexto encontrado nos serviços de saúde é
caracterizado pela complexidade e heterogeneidade decorrente do trabalho em equipes
multiprofissionais. O processo de trabalho é marcado pela diversidade de tecnologias
utilizadas, de usuários, de relações interpessoais, de espaços, de formas de organização do
trabalho, e de profissionais de formações, funções e ideias distintas. Associado a esta
complexidade, observa-se o processo de especialização na área da saúde e a consequente
fragmentação do conhecimento e do âmbito de atuação de cada profissional. Como estratégia
para enfrentar tal fragmentação é veiculada a proposta do trabalho em equipes, para que não
só sejam aprofundados o conhecimento e a intervenção em aspectos individualizados, mas
também sejam articulados os saberes e as ações. Neste sentido, ressalta-se a necessidade de
que a formação profissional propicie esta articulação para que os profissionais adotem uma
visão integral do usuário, capacitando-os para atuar com a perspectiva da
transdisciplinaridade (González & Almeida, 2010).
Segundo Severo & Seminotti (2010), a transdisciplinaridade foi considerada um novo
campo do saber primeiramente por Jean Piaget no encontro “Interdisciplinaridade – Ensino e
Pesquisa nas Universidades”, realizado na Universidade de Nice, na França, em 1970.
Inicialmente, o prefixo trans significaria apenas “através” e “entre”, sendo somente em 1985
incorporado o significado “além das disciplinas”, expressando a inclusão do sujeito e a
interação sujeito-objeto. Os autores ressaltam que não se trata de conceber o campo da
transdisciplinaridade como uma hiperdisciplina, mas sim de possibilitar a não prevalência de
uma única lógica, havendo uma integração dos saberes.
A perspectiva da transdisciplinaridade implica a possibilidade de comunicação não
entre campos disciplinares, mas entre agentes em cada campo, isto é, entre sujeitos que, na
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interação transdisciplinar, permitem o questionamento a partir do outro. No conhecimento
transdisciplinar, “a compreensão que une o saber e as contradições do pensamento humano,
no enfrentamento de dificuldades empíricas e lógicas, transcende as explicações a partir da
unidimensionalidade científica e da separação sujeito e objeto” (Severo & Seminotti, 2010, p.
1689).
Ressaltando a importância da integração multiprofissional, interdisciplinar e
transdisciplinar, Gonzáles & Almeida (2010, p. 759) apontam:
A multidisciplinaridade já não basta mais, a execução de disciplinas desprovidas de
objetivos comuns sem que ocorra qualquer aproximação ou cooperação leva à
fragmentação do ensino e desconexão com a integralidade do usuário. Na
pluridisciplinaridade, haveria um núcleo comum, já aparecendo uma relação, com
certo grau de colaboração, mas sem uma ordenação; haveria uma leve aproximação
entre as disciplinas. Já a transdisciplinaridade é tida como trabalho coletivo que
compartilha estruturas conceituais, construindo juntos teorias, conceitos e
abordagens para tratar problemas comuns.
Para tratarmos deste compartilhamento de estruturas conceituais e teorias proposto
pela abordagem transdisciplinar, é pertinente lembrar as reflexões propostas por Czeresnia
(2003) acerca da relação com o conhecimento científico. Esta autora aponta que
Levando-se em consideração o limite da construção científica e o seu inevitável
caráter redutor, pode-se afirmar que nenhum conceito – ou sistema de conceitos –
poderia se propor a dar conta da unidade que caracteriza a singularidade. O conceito
expressa identidades, já a unidade singular é expressão da diferença. Por mais que o
conceito tenha potencial explicativo e possa ser operativo, não é capaz de expressar
o fenômeno na sua integridade, ou seja, não é capaz de „representar‟ a realidade (p.
43-44).
Neste sentido, a autora critica não as limitações do pensamento cientifico, mas o
ponto de vista que nega a existência de tais limitações. Ou seja, trata-se de reconhecer que,
por maior que seja a importância do conhecimento científico, nenhuma teoria é capaz de dar
conta da totalidade dos fenômenos de saúde e do adoecer. Assim sendo, a proposta seria não
de construir modelos e conceitos mais complexos, mas estabelecer, por meio de discursos e
práticas, uma nova relação com o conhecimento científico, proporcionando transformações a
partir do reconhecimento de valores como subjetividade, autonomia e diferença. Trata-se,
portanto, de “saber transitar entre diferentes níveis e formas de entendimento e de apreensão
da realidade, tendo como referencial não sistemas de pensamento, mas os acontecimentos que
nos mobilizam a elaborar e a intervir” (Czeresnia, 2003, p. 48).
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As reflexões acima citadas vão ao encontro da perspectiva da transdisciplinaridade na
busca de uma visão ampliada e de uma atuação com foco no usuário do sistema de saúde.
Severo & Seminotti (2010, p. 1687) apontam que
Quando a atenção está focalizada sobre a doença, geralmente o profissional da área
médica pode disponibilizar recursos e/ou tecnologias ao tratamento e, assim, tornar-
se o detentor de uma posição de poder/saber hierarquicamente superior aos demais
trabalhadores. [...] Entretanto, quando a atenção direciona-se à saúde, a partir da
lógica transdisciplinar, todos os trabalhadores estão incluídos na potência do
processo de trabalho. A atenção às múltiplas dimensões humanas é contemplada,
sejam elas a individual, a emocional, a subjetiva, a cultural e a social.
Assim sendo, uma visão centrada na saúde, ou antes, em um conceito ampliado de
saúde, é fundamental para que seja possível o trabalho em equipes e uma atuação pautada pela
integralidade, contemplando o sujeito em suas múltiplas dimensões, não como mero corpo
biológico, objeto de intervenções.
Sobre este modelo de atenção integral, Machado et al (2007) aponta a “premissa de
que o campo da saúde não é privativo de nenhum núcleo profissional, na medida em que o
cuidar de pessoas se constitui em espaços de escuta, acolhimento, diálogo e relação ética e
dialógica entre os diversos atores implicados na produção do cuidado” (p. 338). Entretanto, as
autoras também salientam que “há incerteza na definição dos papéis profissionais, onde há
alternância de saberes e práticas de cada núcleo constituído das profissões de saúde e do
campo da atenção integral à saúde” (p. 337). Por isso, é fundamental exercitar o trabalho em
equipe, que deve ser estimulado pela formação profissional e educação permanente, para que
os profissionais da saúde possam dialogar e definir como foco das ações de saúde a
assistência ao usuário, tendo clareza de que não é possível oferecer uma assistência integral
com uma atuação individual e fragmentada dos profissionais da saúde.
Fontoura & Mayer (2006, p. 534) ressaltam que
Os profissionais de saúde devem buscar a compreensão dos elementos relevantes
para elaboração do processo terapêutico do usuário, valorizando seu sofrimento,
expectativas e temores. Ao se refletir sobre os sentidos da integralidade também
deve-se pensar na prática do cuidado, do acolhimento e da humanização. Estes,
servem como instrumentos para que os profissionais e os serviços de saúde
desenvolvam uma assistência integral.
Acrescentam, ainda, que a assistência pautada pela integralidade visa atender aspectos
orgânicos, emocionais, sociais e espirituais, abordando o processo de adoecimento dos
sujeitos de forma contextualizada, deslocando a preocupação com a tecnização e a
padronização para a busca pela restauração da vitalidade dos sujeitos.
14
Podemos considerar, portanto, que
O atendimento integral refere-se ao atendimento das necessidades dos indivíduos de
uma maneira ampliada, sendo um eixo importante na construção do SUS e
constituindo-se como um desafio na caminhada de construção do sistema. A
Integralidade é o próprio caminho que vai transformando as pessoas e construindo
algo melhor. Busca uma assistência ampliada, transformadora, centrada no indivíduo
e não aceita a redução do mesmo nem à doença nem ao aspecto biológico. Além do
atendimento integral, envolve a valorização do cuidado e o acolhimento. (Fontoura
& Mayer, 2006, p. 532-533)
Para González &Almeida (2010) a escolha da integralidade como eixo norteador se
justifica por constituir-se este como o único princípio do SUS indiscutivelmente finalístico.
Isto é, a integralidade é um atributo que se espera alcançar, de forma que os usuários do SUS
tenham suas necessidades atendidas de maneira ampliada. Mattos (2004) indica, ainda, que a
integralidade é o princípio do SUS que tem menos visibilidade na trajetória do sistema e das
práticas de saúde. Isso porque, se podemos considerar que as mudanças que se referem aos
demais princípios e diretrizes do SUS são evidentes, não se pode dizer o mesmo no que diz
respeito à integralidade, pois as mudanças neste âmbito ainda não alcançaram a generalização
e a visibilidade almejada.
Esse princípio é um dos mais preciosos em termos de demonstrar que a atenção à
saúde deve levar em consideração as necessidades específicas de pessoas ou grupos
de pessoas, ainda que minoritários em relação ao total da população. Ou seja, a cada
qual de acordo com suas necessidades, inclusive no que pertine aos níveis de
complexidade diferenciados. Colocá-lo em prática é um desafio permanente e
dinâmico. [...] Uma das preocupações centrais para a consecução do princípio da
integralidade está na necessidade da humanização dos serviços prestados e das ações
realizadas no âmbito do SUS (Brasil, 2000, p. 31).
5 A POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO
A humanização na atenção à saúde passou a ser tema de proposições políticas
governamentais de forma mais ampla no final da década de 1990. Em 2001 é lançado o
Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) que tem como foco
a necessidade de transformação cultural no ambiente hospitalar, modificando os padrões de
assistência aos usuários. Este programa expressa a necessidade de agregar à eficiência técnica
e científica a dimensão ética que possibilite o respeito à singularidade das necessidades de
usuários e profissionais, o acolhimento do desconhecido e imprevisível, e a aceitação dos
15
limites de cada situação. Destaca-se no PNHAH, além da preocupação com os direitos dos
usuários, a valorização dos trabalhadores da área da saúde, buscando capacitá-los para lidar
com a dimensão psicossocial de usuários e suas famílias. O programa destaca ainda a
importância do trabalho em equipes multiprofissionais, bem como o papel do gestor, para a
eficácia do processo de humanização da assistência. Com o intuito de expandir a humanização
para além do ambiente hospitalar, o Ministério da Saúde propõe, em 2003, a Política Nacional
de Humanização da Atenção e da Gestão do SUS – HumanizaSUS (PNH), visando atingir
todos os níveis de atenção à saúde (Fortes, 2004).
De acordo com Benevides & Passos (2005), no início de 2003 no Ministério da Saúde
ocorria um debate sobre humanização como aspecto a ser contemplado nas políticas públicas
de saúde, se estruturando em torno das dificuldades para construir um sistema de saúde eficaz
que garantisse o acesso universal, equânime e integral. Este debate colocava em questão as
condições precarizadas de trabalho, as dificuldades de pactuação das esferas do SUS, o
descuido e o descompromisso na assistência aos usuários do sistema de saúde. Isto é,
retomam-se, com o projeto de uma Política Nacional de Humanização, as questões que estão
na base da reforma da saúde que culminou na criação do SUS.
Este debate sobre humanização era marcado pela tensão entre concepções diferentes.
Por um lado, uma concepção voltada para os focos e resultados dos programas. Por outro
lado, uma problematização dos processos de produção de saúde e de sujeitos. Neste contexto,
apresentava-se a necessidade de reavaliar conceitos e práticas caracterizadas como
humanizadas. “Identificada a movimentos religiosos, filantrópicos ou paternalistas, a
humanização era menosprezada por grande parte dos gestores, ridicularizada por
trabalhadores e demandada pelos usuários” (Benevides & Passos, 2005, p. 562).
O surgimento do conceito de humanização no campo da saúde remete ao paradigma de
direitos humanos, expressos individual e socialmente. O núcleo deste conceito é a noção de
dignidade e respeito à vida humana, com ênfase na dimensão ética na relação entre
profissionais da saúde e pacientes. A preocupação com a humanização da assistência surge,
nos anos 90, com propostas para assegurar direitos fundamentais diante de uma prática
médica vista como impessoal e desumana (Vaitsman & Andrade, 2005).
Sobre os direitos dos pacientes, Vaitsman & Andrade (2005) salientam que, embora
variem conforme os contextos culturais e sociopolíticos, o crescente consenso internacional
considera como direitos fundamentais a privacidade, a confidencialidade de informações
médicas, o direito de consentir ou recusar tratamento e à informação sobre os riscos relevantes
16
dos procedimentos médicos. As autoras também fazem uma importante diferenciação:
enquanto os direitos sociais são coletivos, dependendo das escolhas e decisões políticas
tomadas na sociedade, os direitos individuais são mais facilmente operacionalizados em
função de cada paciente, cobrindo áreas como integridade, privacidade e convicções
religiosas, sendo uma aplicação do paradigma dos direitos humanos na área da saúde.
Os direitos do paciente constituem-se, então, como direitos individuais vinculados a
direitos sociais garantidos constitucionalmente, estabelecendo que os serviços de saúde,
públicos ou privados, devem assegurar às pessoas que sua autonomia seja preservada e que
tenham acesso à informação sobre sua saúde. “Uma vez que o conceito de humanização está
ligado ao paradigma dos direitos e a cada dia surgem novas reivindicações de direitos, que se
remetem às singularidades dos sujeitos, este paradigma vem se tornando complexo e
expandindo, alcançando novas esferas sociais e discursivas” (Vaitsman & Andrade, 2005, p.
610).
Quanto à definição de humanização na PNH, Deslandes (2005) aponta que não é
apresentado um conceito, mas um “entendimento” deste termo, uma opção semiótica e
política que ao mesmo tempo que evita o fechamento de uma definição programática, também
impossibilita que se estabeleça uma “imagem-objetivo” clara. Assim sendo, as assertivas
apresentadas na política como referidas ao termo humanização acabam permitindo sua
identificação com princípios e orientações já difundidos pelo modelo de políticas e práticas
visadas pelo SUS.
De acordo com Benevides & Passos (2005), a PNH foi proposta diante de um duplo
problema: a banalização da humanização e a fragmentação das práticas nos programas de
humanização da saúde. Orientando para a construção de novas formas de produção de saúde e
de sujeitos, a política impõe mudanças no modelo de atenção e de gestão na saúde, se
apresentando como um meio de qualificação das práticas de saúde.
A Humanização constitui-se, então, como estratégia para a qualificação da atenção e
da gestão em saúde, oferecendo atenção integral e equânime, com responsabilização e
vínculo, promovendo a valorização dos trabalhadores e o avanço da democratização da gestão
e do controle social participativo. Para isso, deve se constituir não como um programa, mas
como uma política transversal, isto é, “como um conjunto de princípios e diretrizes que se
traduzem em ações nos diversos serviços, nas práticas de saúde e nas instâncias do sistema,
caracterizando uma construção coletiva” (Brasil, 2004a, p. 7). Assim, possui um caráter
questionador de verticalidades, buscando a superação de fronteiras entre os diferentes núcleos
17
de saber/poder envolvidos na produção da saúde, supondo a troca de saberes, inclusive dos
pacientes e familiares, o diálogo entre profissionais e o trabalho em equipes.
A PNH resgata os princípios do SUS, operacionalizando-os para melhorar as
condições de trabalho e de atendimento por meio da construção de espaços de encontro entre
sujeitos, da troca de saberes, do trabalho em equipes com atuação transdisciplinar, bem como
do pacto entre diferentes níveis de gestão do SUS e instâncias de efetivação das políticas
públicas. “Os valores que norteiam essa política são a autonomia e o protagonismo dos
sujeitos, a co-responsabilidade entre eles, o estabelecimento de vínculos solidários, a
construção de redes de cooperação e a participação coletiva no processo de gestão” (Brasil,
2006, p. 8-9). Assim sendo,
Levar em conta as necessidades sociais, os desejos e os interesses dos diferentes
atores envolvidos no campo da saúde constitui a política em ações materiais e
concretas. Tais ações políticas têm a capacidade de transformar e garantir direitos,
constituir novos sentidos, colocando-se, assim, a importância e o desafio de se estar,
constantemente, construindo e ampliando os espaços da troca, para que possamos
caminhar na direção do SUS que queremos. (Brasil, 2004a, p. 8)
Dentre as diretrizes gerais para a implementação da PNH, vale destacar a orientação
que consiste em reforçar o conceito de Clínica Ampliada, assim definido:
Trabalho clínico que visa ao sujeito e à doença, à família e ao contexto, tendo como
objetivo produzir saúde e aumentar a autonomia do sujeito, da família e da
comunidade. Utiliza como meios de trabalho: a integração da equipe
multiprofissional, a adscrição de clientela e a construção de vínculo, a elaboração de
projeto terapêutico conforme a vulnerabilidade de cada caso, e a ampliação dos
recursos de intervenção sobre o processo saúde-doença. (Brasil, 2006, p. 38)
A noção de Clínica Ampliada é aqui destacada por colocar a necessidade de pensar a
clínica como algo além da definição de um diagnóstico e do tratamento indicado para o
mesmo. O diagnóstico é generalizável, tem caráter universalizante, supondo uma igualdade
entre os casos para os quais seja definido um mesmo diagnóstico. Entretanto, é importante
lembrar que a regularidade pressuposta pelo diagnóstico é verdadeira apenas em parte, não
sendo suficiente para definir todo o tratamento para uma pessoa. Para que se possa oferecer
uma assistência adequada às necessidades dos usuários do sistema de saúde, devem ser
consideradas as formas como uma determinada doença se expressa em cada sujeito, as
particularidades de suas manifestações e a maneira como cada sujeito lida com seu
diagnóstico. Ou seja, mais do que a igualdade representada pelo diagnóstico, deve ser
considerada a singularidade de cada paciente para a construção do projeto terapêutico (Brasil,
2004b).
18
Na cartilha Clínica Ampliada e Compartilhada (Brasil, 2009) são apresentados os
eixos fundamentais desta proposta:
1. Compreensão ampliada do processo saúde-doença: busca evitar que seja privilegiado
um conhecimento específico, de forma que sejam considerados os diversos aspectos
de uma mesma situação, aspectos que podem ser mais ou menos relevantes em cada
momento. “A Clínica Ampliada busca construir sínteses singulares tensionando os
limites de cada matriz disciplinar. Ela coloca em primeiro plano a situação real do
trabalho em saúde, vivida a cada instante por sujeitos reais” (p. 14-15).
2. Construção compartilhada dos diagnósticos e terapêuticas: a complexidade da clínica
pode provocar a sensação de desamparo no profissional, por isso deve ser reconhecida
a necessidade de compartilhar diagnósticos de problemas e propostas de solução, não
só no sentido das equipes e serviços de saúde e da ação intersetorial, mas também o
compartilhamento com os usuários.
3. Ampliação do “objeto de trabalho”: qualquer profissional da saúde, por mais bem
delimitado que seja seu núcleo profissional ou especialidade, deve ter como objeto de
trabalho a pessoa ou os grupos de pessoas. Isto é, trata-se de superar a fragmentação
que faz com que o profissional tenha somente uma responsabilidade parcial sobre os
procedimentos e diagnósticos que competem ao seu núcleo profissional, para que se
responsabilize pela pessoa como um todo.
4. Transformação dos “meios” ou instrumentos de trabalho: a Clínica Ampliada impõe a
necessidade de arranjos e dispositivos de gestão que privilegiam a comunicação
transversal na equipe e entre equipes, bem como de técnicas relacionais que
possibilitem a clínica compartilhada. “A capacidade de escuta do outro e de si mesmo,
a capacidade de lidar com condutas automatizadas de forma crítica, de lidar com a
expressão de problemas sociais e subjetivos, com família e com comunidade etc.” (p.
17).
5. Suporte para os profissionais de saúde: o trabalho em saúde pode trazer para o
profissional dor ou medo diante da necessidade de lidar com pessoas ou grupos em
sofrimento. Por isso, deve haver instrumentos para oferecer aos profissionais de saúde
o suporte para lidar com suas dificuldades, identificações positivas e negativas e com
os diversos tipos de situação que encontrem em sua atuação.
19
A Clínica Ampliada supõe, então, um compromisso com o sujeito doente visto de
modo singular, a responsabilização pelos usuários, a intersetorialidade, o reconhecimento dos
limites do conhecimento e das tecnologias, com a busca de outros conhecimentos em
diferentes setores, bem como um compromisso ético profundo. Também busca o equilíbrio
entre o combate à doença e a produção de vida, ou seja, o desenvolvimento no sujeito da
capacidade de enxergar em um evento mórbido uma nova possibilidade de vida. Para isso, o
profissional da saúde deve estar apto a auxiliar as pessoas a transformarem-se mesmo diante
do limite que a doença representa, de forma que esta não as impeça de viver outras coisas,
evitando que se tornem sujeitos “poliqueixosos” por fazerem da doença o centro de suas vidas
(Brasil, 2004b).
Trata-se, na proposta da Clínica Ampliada, do trabalho transdisciplinar e
multiprofissional para possibilitar o manejo eficaz da complexidade inerente ao trabalho em
saúde. Esta proposta reconhece que um enfoque ou tema pode emergir ou predominar em um
determinado momento ou situação singular, o que não significa negar outros enfoques ou
possibilidades de ação. Implica, portanto, a articulação e a inclusão de diferentes enfoques e
disciplinas, não desvalorizando nenhuma abordagem, compartilhando saberes e poderes.
Assim, na atuação dos profissionais, é necessário o compartilhamento com a equipe e também
com os usuários, lembrando que “Quanto mais longo for o seguimento do tratamento e maior
a necessidade de participação e adesão do sujeito no seu projeto terapêutico, maior será o
desafio de lidar com o usuário enquanto sujeito, buscando sua participação e autonomia em
seu projeto terapêutico” (Brasil, 2009, p. 10).
Para facilitar a humanização da gestão e da atenção, destaca-se ainda a proposta de
Equipe de Referência e Apoio Matricial. Com esta proposta, facilita-se o vínculo entre
profissionais e usuários, possibilitando que a gestão esteja mais centrada nos fins do que nos
meios. Assim, além da responsabilização da equipe sobre a assistência aos usuários, esta
proposta se refere à divisão de poder gerencial, propondo um maior equilíbrio de poderes nas
relações estabelecidas entre os trabalhadores e com os usuários, evitando alimentar conflitos
corporativos, de maneira a colocar o usuário no centro do processo gerencial e da atenção
(Brasil, 2008).
A noção de apoio matricial se refere à possibilidade de que um profissional de
determinada especialidade não tenha a atenção individual como sua principal atividade, mas
que possa compartilhar seus saberes com outros profissionais da equipe para resolver
20
problemas mais comuns e participar da elaboração de Projetos Terapêuticos Singulares nos
casos mais complexos (Brasil, 2008).
Assim, ao invés de uma atuação segmentada, o trabalho realizado pelas Equipes de
Referência e Apoio Matricial propõe o resgate do compromisso com o sujeito, não mais
recortado em partes ou patologias, mas reconhecido na complexidade de seu adoecer e de seu
projeto terapêutico. Esta proposta apresenta grande potencial resolutivo e de satisfação para
usuários e trabalhadores. Para concretizá-la, são exigidas novas competências, um
aprendizado coletivo para que gestores e trabalhadores adquiram novas capacidades técnicas e
pedagógicas.
Uma das dificuldades de executar esta proposta é reconhecer a interdependência
entre profissionais e serviços, porque isso pode significar reconhecer os próprios
limites e a necessidade de inventar caminhos e soluções que estão além do saber e
competência de cada um. Se esta é a dificuldade, esta é também a grande força
motriz, uma vez que o trabalho criativo é muito mais saudável e prazeroso. (Brasil,
2008, p. 39)
O Projeto Terapêutico Singular (PTS) surge como um dos recursos para consolidar
esta nova proposta de trabalho em saúde, incrementando o diálogo entre os diferentes
serviços. Consiste em uma reunião da equipe para entender o sujeito que demanda cuidado em
saúde e definir propostas de ações. Define-se, portanto, como
um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, para um sujeito
individual ou coletivo, resultado da discussão coletiva de uma equipe
interdisciplinar, com apoio matricial se necessário. Geralmente é dedicado a
situações mais complexas. No fundo é uma variação da discussão de “caso clínico”.
(Brasil, 2008, p. 40)
A elaboração do PTS consiste em quatro momentos:
1) O diagnóstico: que deverá conter uma avaliação orgânica, psicológica e social,
que possibilite uma conclusão a respeito dos riscos e da vulnerabilidade do usuário.
Deve tentar captar como o Sujeito singular se produz diante de forças como as
doenças, os desejos e os interesses, assim como também o trabalho, a cultura, a
família e a rede social. Ou seja, tentar entender o que o Sujeito faz de tudo que
fizeram dele.
2) Definição de metas: uma vez que a equipe fez os diagnósticos, ela faz propostas
de curto, médio e longo prazo, que serão negociadas com o Sujeito doente pelo
membro da equipe que tiver um vínculo melhor.
3) Divisão de responsabilidades: é importante definir as tarefas de cada um com
clareza.
4) Reavaliação: momento em que se discutirá a evolução e se farão as devidas
correções de rumo. (Brasil, 2008, p. 41)
21
O PTS é indicado para os usuários ou famílias em situações mais graves ou difíceis. É
fundamental para sua realização o vínculo estabelecido entre os membros da equipe e o
usuário. De acordo com a intensidade e a qualidade dos vínculos estabelecidos, cada membro
poderá contribuir, nas reuniões de equipe, com aspectos diferentes e receber tarefas diferentes.
À equipe cabe exercitar uma abertura para o imprevisível e para o novo e lidar com
a possível ansiedade que essa proposta traz. Nas situações em que só se enxergava
certezas, podem-se ver possibilidades. Nas situações em que se enxergava apenas
igualdades, podem-se encontrar, a partir dos esforços do PTS, grandes diferenças.
Nas situações em que se imaginava haver pouco o que fazer, pode-se encontrar
muito trabalho. (Brasil, 2008, p. 45)
6 CUIDADOS PALIATIVOS E HUMANIZAÇÃO
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2002, define Cuidado Paliativo como “a
abordagem que promove qualidade de vida de pacientes e seus familiares diante de doenças
que ameaçam a continuidade da vida, através de prevenção e alívio do sofrimento. Requer a
identificação precoce, avaliação e tratamento impecável da dor e outros problemas de
natureza física, psicossocial e espiritual” (OMS apud Maciel, 2008, p. 16).
Maciel (2008) salienta que esta definição exclui a expressão “fora de possibilidade de
cura”, que constava na definição de 1990, já que para a maioria das doenças o que se busca
com o tratamento é o controle, não a cura. Assim, torna-se subjetiva a definição do momento
em que o paciente pode ser considerado “fora de possibilidades de cura”. A autora destaca,
ainda, que consiste em um equívoco considerar que os Cuidados Paliativos somente se
aplicam na fase do fim da vida, quando “não há mais nada a fazer”, pois esta abordagem pode
ser realizada concomitantemente com o tratamento curativo, por qualquer profissional da
saúde, sem que seja necessária uma equipe especializada. Os Cuidados Paliativos crescem em
significado, passando a ser uma necessidade absoluta, quando se alcança a fase em que a
incurabilidade da doença se torna uma realidade. Ou seja, nesta fase,
entendida como aquela em que o processo de morte se desencadeia de forma
irreversível e o prognóstico de vida pode ser definido em dias a semanas, os
Cuidados Paliativos se tornam imprescindíveis e complexos o suficiente para
demandar uma atenção específica e contínua ao doente e à sua família, prevenindo
uma morte caótica e com grande sofrimento. (Maciel, 2008, p. 17)
22
O termo paliar se origina do latim palliare, que significa encobrir, tampar, diminuir a
dificuldade de um processo. O primeiro a escrever sobre Cuidados Paliativos foi o médico
William Osler, no início do século XX, com uma abordagem centrada nas pessoas e não em
suas doenças, baseando-se no respeito ao sofrimento humano. Por volta de 1960 surgiram os
conceitos atuais dos Cuidados Paliativos com Cecily Saunders, criadora do Movimento
Hospice e Cuidados Paliativos e fundadora do Saint Christopher‟s Hospice, em Londres, o
primeiro hospital destinado ao tratamento de pacientes na fase do fim da vida. Saunders
buscava identificar as reais necessidades dos pacientes, enfatizando a excelência no
tratamento de sintomas e abordando a pessoa como totalidade, em seus aspectos físicos,
emocionais e espirituais. Contribuições importantes também foram realizadas pela psiquiatra
Elizabeth Kübler-Ross que, em seu livro On Death and Dying, publicado em 1968, descreve
a crise psicológica dos pacientes terminais, apontando suas necessidades e discutindo
autonomia e a ideia de morrer com dignidade (Pinheiro, Benedetto & Blasco, 2011).
O Manual de Cuidados Paliativos, elaborado pela Academia Nacional de Cuidados
Paliativos (2009) indica:
O Cuidado Paliativo, sem dúvida, é o exercício da arte do cuidar aliado ao
conhecimento científico, em que a associação da ciência à arte proporciona o alívio
do sofrimento relacionado com a doença. Por ser parte fundamental da prática
clínica, pode ocorrer de forma paralela às terapias destinadas à cura e ao
prolongamento da vida. (p. 7).
O foco da atenção em Cuidados Paliativos é a adequada avaliação e o manuseio dos
sintomas, constituindo-se como uma proposta terapêutica aos diversos sintomas que acarretam
em sofrimento físico, psíquico, social ou espiritual, com o intuito de melhorar a qualidade de
vida. Oferecendo cuidado ao paciente e sua família em todas as fases da trajetória da doença,
esta abordagem avança como um modelo terapêutico que possibilita um maior entendimento
dos mecanismos de doenças e sintomas e disponibiliza diversas opções terapêuticas para
sintomas físicos e psíquicos, englobando bioética, comunicação e natureza do sofrimento.
São princípios dos Cuidados Paliativos, conforme determinados pela OMS e
apontados por Maciel (2008):
Alívio da dor e de sintomas estressantes para o doente.
Visão da morte como um processo natural, pois “a compreensão do processo de
morrer permite ao paliativista ajudar o paciente a compreender sua doença, a discutir
claramente o processo da sua finitude e a tomar decisões importantes para viver
melhor o tempo que lhe resta” (p. 20).
23
Não antecipar ou postergar a morte, mas propor medidas que melhorem a qualidade de
vida e, se possível, retardem a evolução da doença, de forma que as ações, sempre
ativas e reabilitadoras, sejam realizadas dentro de um limite para que não signifiquem
mais desconforto ao paciente do que a própria doença.
Integrar aspectos psicossociais e espirituais, o que implica que o cuidado seja
conduzido por uma equipe multiprofissional, na qual cada membro tenha seu papel
específico, mas todos ajam de forma integrada.
Oferecer um sistema de suporte que possibilite ao paciente uma vida tão ativa quanto
possível até sua morte, o que significa não poupar esforços para promover o bem-
estar, somente recorrendo à sedação pesada quando forem esgotados todos os recursos
para o controle do quadro.
Oferecer um sistema de suporte à família para que se sintam amparados durante o
processo da doença. “Quando os familiares compreendem todo o processo de evolução
da doença e participam ativamente do cuidado sentem-se mais seguros e amparados.
Algumas complicações no período do luto podem ser prevenidas. É preciso ter a
mesma delicadeza da comunicação com o doente, aguardar as mesmas reações diante
da perda e manter a atitude de conforto após a morte” (p. 20)
Iniciar os Cuidados Paliativos o mais precocemente possível, concomitantemente a
outras medidas de prolongamento da vida (recursos diagnósticos e terapêuticos),
incluindo todas as investigações necessárias para melhor compreender e manejar os
sintomas. “A integração do paliativista com a equipe que promove o tratamento
curativo possibilita a elaboração de um plano integral de cuidados, que perpasse todo
o tratamento, desde o diagnóstico até a morte e o período após a morte do doente” (p.
21).
Maciel et al (2006) acrescentam que deve-se considerar que a fase final da vida pode
propiciar momentos de reconciliação e crescimento pessoal, sendo fundamental o respeito à
autonomia e a valorização do sujeito, de forma a favorecer uma morte digna, respeitando o
local de escolha do paciente. Ressaltam também a importância de que haja o reconhecimento
e a aceitação dos valores e prioridades do sujeito. Neste sentido, cabe lembrar a proposta da
PNH como qualificação da atenção em saúde.
No âmbito das diretrizes reforçadas pela PNH, destaca-se a proposta de Clínica
Ampliada, que oferece importantes orientações que devem ser aplicadas à atenção em
24
Cuidados Paliativos, pois esta proposta supõe um compromisso com o sujeito doente visto de
modo singular e coloca como exigência aos profissionais de saúde “um exame permanente
dos próprios valores e dos valores em jogo na sociedade. O que pode ser ótimo e correto para
o profissional pode estar contribuindo para o adoecimento de um usuário” (Brasil, 2009, p.
21).
O acompanhamento dos sintomas a que se refere a prática dos Cuidados Paliativos
implica a avaliação periódica e o registro acessível a todos os integrantes da equipe, a
individualização do tratamento e a atenção a possíveis mudanças no quadro clínico. Com a
abordagem paliativa iniciada precocemente é possível prevenir e antecipar sintomas. Cada
sintoma deve ser minuciosamente estudado e valorizado, sendo que para aliviar os sintomas, a
abordagem deve seguir o princípio da hierarquização e da não-maleficência. As medidas
terapêuticas não devem limitar-se a recursos farmacológicos, mas incluir psicoterapia,
acupuntura, massagens, terapia ocupacional, entre outros, desde que confortáveis e aceitos
pelo paciente (Maciel, 2008).
Maciel et al (2006) apontam que “a prestação diferenciada de cuidados paliativos a
doentes em fase avançada de doença incurável com grande sofrimento merece destaque e
priorização nas políticas nacionais de saúde” (p. 9). Destacam ainda que o envelhecimento da
população, o aumento da incidência de câncer e de síndrome de imunodeficiência adquirida
(AIDS) fazem com que os doentes que necessitam de Cuidados Paliativos se tornem um
problema de enorme impacto social e relevância para a Saúde Pública no Brasil. Entretanto, a
oferta da assistência em Cuidados Paliativos não é adequada às demandas existentes,
qualitativa e quantitativamente. É necessária, então, uma discussão multissetorial em
conformidade com a proposta do movimento internacional de Cuidados Paliativos, que
preconiza o total empenho e valorização do sofrimento e da qualidade de vida como objetos
de cuidados ativos organizados.
Rego & Palácios (2006) também apontam a inadequação do sistema de saúde
brasileiro na oferta de Cuidados Paliativos, afirmando que a maioria das unidades hospitalares
no país não possuem diretrizes sobre como cuidar de pacientes com doenças que ameaçam a
continuidade da vida e também não possuem informações sistematizadas sobre a maneira
como pacientes e seus familiares vivem os últimos momentos. O campo da Saúde
Coletiva/Saúde Pública deve, então, “contribuir para o planejamento de serviços e sistemas de
saúde que contemplem a questão do cuidado no fim da vida, assim como formular e contribuir
na implementação de políticas setoriais específicas, inclusive na formação de recursos
25
humanos em saúde” (p. 1756). Neste sentido, a PNH, com sua proposta de valorização dos
sujeitos e fomento a sua autonomia e protagonismo, pode ser mencionada como forma de
promover a atenção integral aos sujeitos no fim da vida.
Além da falta de diretrizes claras em Cuidados Paliativos para que os serviços de
saúde contemplem esta modalidade de atenção, deve-se destacar a dificuldade dos
profissionais na atuação nesta área. “Um dos aspectos que mais tem chamado a atenção,
quando da avaliação dos serviços, é o despreparo dos profissionais e demais trabalhadores
para lidar com a dimensão subjetiva que toda prática de saúde supõe” (Brasil, 2006, p. 8).
Como salienta Kovács (2008), a dificuldade em lidar com a subjetividade e com os
problemas levantados no cotidiano do trabalho em saúde muitas vezes gera nos profissionais
o sentimento de impotência, frustração e revolta. A dor e a morte estão presentes no cotidiano
dos profissionais da saúde, o que se torna difícil especialmente porque a morte, atualmente, é
vista como interdita, vergonhosa, oculta, como um fracasso do corpo e do sistema de saúde.
Surge, então, um impasse para o profissional da saúde: o conflito entre salvar o paciente,
evitando ou adiando a morte a todo custo, e cuidar, priorizando a qualidade de vida. Além
disso, deve-se considerar que a impossibilidade de evitar a morte ou aliviar o sofrimento do
paciente pode ser extremamente dolorosa para o profissional da saúde por defrontá-lo com sua
própria morte ou finitude.
Pinheiro, Benedetto & Blasco (2011) abordam a falta de preparo dos profissionais para
lidar com pacientes no fim da vida. Ressaltam que a reflexão acerca de temas como
sofrimento e morte, inerentes à vida humana, é de extrema importância para qualquer pessoa,
independentemente de sua profissão, e destacam a atuação do médico apontando que para este
profissional, refletir sobre tais temas é condição imprescindível para sua prática. Os autores
indicam:
O que melhor prepara para a morte é uma postura realista, profunda,
“transcendente”, para usar a linguagem filosófica, em relação à própria vida. Quer
dizer: é necessário balizar a vida em termos objetivos, contando com a limitação do
tempo e da própria existência. Isso implica que, para enfrentar a morte com
coragem, sem medo, enfim, para saber morrer com dignidade, é preciso aprender a
viver pautado em valores perenes, que estruturem um alicerce sólido. Saber morrer
é, antes de tudo, saber viver, pois a morte é um passo a mais – o último – no
caminho da vida.
Diante de dilemas ou problemas morais, os responsáveis pela assistência à saúde em
geral acabam por recorrer à racionalização, buscando aumentar o grau de certeza e ancorar-se
em bases científicas. Assim, o atendimento às necessidades dos pacientes no final da vida
26
passa a ser visto como uma questão econômica, de quantos recursos estão envolvidos em sua
assistência, uma abordagem utilitarista que desconsidera o sofrimento dos pacientes e seus
familiares (Rego & Palácios, 2006). Kübler-Ross (2008) ressalta que o foco em recursos e
procedimentos acarretam em mais sofrimento para o paciente, senão física, emocionalmente,
e questiona:
Nossa capacidade de defesa será a razão desta abordagem cada vez mais mecânica e
despersonalizada? E será esta abordagem o meio de reprimirmos e lidarmos com as
necessidades que um paciente em fase terminal ou gravemente doente desperta em
nós? O fato de nos concentrarmos em equipamentos e em pressão sanguínea não
será uma tentativa desesperada de rejeitar a morte iminente, tão apavorante e
incômoda, que nos faz concentrar nossas atenções nas máquinas, já que elas estão
menos próximas de nós do que o rosto amargurado de outro ser humano a nos
lembrar, uma vez mais, nossa falta de onipotência, nossas limitações, nossas falhas
e, por último mas não menos importante, nossa própria mortalidade? (p. 13)
É imprescindível a discussão e o conhecimento dos conceitos básicos em Cuidados
Paliativos e dos temas fundamentais para o trabalho nesta abordagem, o sofrimento e a morte.
Entretanto, como apontam Maciel et al (2006, p. 8),
Aprender a lidar com as perdas em um ambiente no qual predomina o caráter
premente da cura ou prevenção da doença é um desafio que poucos se propõem a
discutir, e muito menos a enfrentar, tornando difícil o tratamento e o
acompanhamento global dos doentes com sofrimento intenso na fase final da vida.
Contudo, deve-se ressaltar que, para enfrentar o desafio de lidar com o sofrimento e a
morte no trabalho em saúde, deve ser oferecido aos profissionais o suporte necessário para
lidar com a sobrecarga afetiva que a atuação em Cuidados Paliativos pode acarretar.
O profissional de saúde em contato com esses diversos aspectos vividos pelos
pacientes e pelos familiares no momento de aproximação da morte tem conflitos
sobre como se posicionar diante do sofrimento e dor, que nem sempre pode aliviar,
tendo também que elaborar perdas de pacientes, principalmente daqueles com quem
forma vínculos mais intensos. Esse convívio com dor, perda e morte traz ao
profissional de saúde a vivência de seus próprios processos internos, de sua
fragilidade, sua vulnerabilidade, seus medos e suas incertezas que nem sempre têm
um espaço de compartilhamento. (Kovács, 2008, p. 96).
Outro aspecto fundamental a ser considerado, é a dificuldade de comunicação, um
aspecto fundamental para uma assistência adequada em Cuidados Paliativos. Pinheiro,
Benedetto & Blasco (2011) apontam:
27
Por não terem recebido nenhuma forma de treinamento formal em Cuidados
Paliativos ou para o desenvolvimento de habilidades de comunicação, muitos
médicos têm dificuldades em comunicar más notícias adequadamente e tratar de
temas relacionados à dor, sofrimento e morte. Assim, sentem-se desconfortáveis em
atuar em contextos em que esses temas são predominantes. Estudantes também se
queixam de que não lhes é ensinado nenhum meio que os auxilie a lidar com os
sentimentos que emergem em cenários de cuidados aos pacientes terminais. Ao
contrário, costumam receber conselhos para não se envolverem e, sim, manterem
uma distância confortável de pacientes e familiares.
Kübler-Ross (2008) ressalta que o modo como são comunicadas as más notícias
determina a forma como o paciente irá reagir, apontando que esta questão é subestimada e que
a formação profissional deveria dar mais atenção a este fator. É imprescindível que, ao
comunicar más notícias, o profissional ofereça conforto ao paciente, deixando claro que será
feito tudo que for possível, senão para prolongar sua vida, para aliviar seu sofrimento. A
autora salienta ainda que, para que o profissional seja capaz de falar sobre assuntos como
doenças graves e morte, deve antes examinar sua atitude pessoal frente a estes temas.
Pinheiro, Benedetto & Blasco (2011), ao tratarem da atuação médica diante de
doenças que ameaçam a vida, ressaltam que no ensino e na prática da Medicina não se dedica
a devida atenção a temas como sofrimento e morte, apesar de serem ocorrências naturais da
vida humana com as quais os médicos se deparam com frequência. Apontam que comumente
os médicos não consideram a morte como possibilidade real, de forma que alguns parecem
abandonar, explícita ou implicitamente, os pacientes perante os quais seus conhecimentos
técnicos não funcionam, estando fortemente arraigada a noção de que nestes casos não há
nada a fazer. É preciso que se compreenda, então, que
O fato de estar em condição de incurabilidade não significa que não haja mais o que
ser feito à luz do conhecimento acumulado na área da assistência à saúde. O que
muda é o enfoque do cuidado, que agora se volta às necessidades do doente e sua
família, em detrimento do esforço pouco efetivo para curar doença. (Maciel, 2008, p.
25)
Diante das dificuldades encontradas para que o sistema de saúde ofereça uma atenção
em Cuidados Paliativos adequada às necessidades dos pacientes e seus familiares, a PNH
pode representar uma importante contribuição para avançar no debate acerca da importância
do investimento em políticas, práticas e serviços de saúde capacitados a oferecer esta
modalidade de atenção, fundamental para que se concretize o ideal de integralidade da
assistência, com um atendimento humanizado.
Czeresnia (2003) salienta que “A saúde e o adoecer são formas pelas quais a vida se
manifesta. Correspondem a experiências singulares e subjetivas, impossíveis de serem
28
reconhecidas e significadas integralmente pela palavra”. Quando se trata de um tema tão
sensível e complexo quanto a morte, os aspectos subjetivos não podem ser desconsiderados.
Por isso, é fundamental que os profissionais da saúde sejam capazes de oferecer, além de seus
conhecimentos técnicos, o apoio e um olhar atento à singularidade, respeitando o processo de
morrer de cada paciente como uma experiência única, subjetiva e singular. Pinheiro,
Benedetto & Blasco (2011) apontam:
Adquirir familiaridade com o mundo do paciente e buscar conhecer o contexto em
que vive e suas crenças foram consideradas ferramentas essenciais para um bom
cuidado. Tal atitude permitiu que fossem feitos diagnósticos em muitos níveis e
detectadas questões cruciais que não teriam sido evidenciadas em uma abordagem
superficial.
Para que os profissionais da saúde estejam capacitados a atuar em Cuidados Paliativos,
a formação profissional deve promover o desenvolvimento de competências e habilidades
específicas que o cuidado em fim da vida requer. Isso implica abordar a morte como evento
da vida, não como um fracasso, incapacidade ou incompetência, como é vista por muitos
profissionais da saúde, que a consideram, então, como algo a ser combatido a qualquer custo.
Rego & Palácios (2006, p. 1758) apontam que a morte tem sido compreendida como “algo
que deve ser absolutamente afastado. Nesse sentido, introduzir a morte e o processo de morrer
como temática para a formação dos profissionais de saúde pode parecer indevido, já que não
atenderia à lógica imposta por esse entendimento do processo de trabalho em saúde”.
Entretanto, temas como o sofrimento, morte e processo de morrer não podem ser
negligenciados para que seja possível oferecer um cuidado humanizado e pautado na
integralidade. Kovács (2008, p. 99) ressalta:
Há inúmeras possibilidades de oferecimento de espaços para a reflexão e discussão
sobre o tema da morte na graduação, pós-graduação, especialização e
aperfeiçoamento, envolvendo temas como: atitudes e mentalidades frente à morte,
morte no processo do desenvolvimento humano, perdas e processo de luto,
comportamentos autodestrutivos e suicídio, pacientes gravemente enfermos e a
proximidade da morte, os profissionais de saúde e a morte, e Bioética nos cuidados
no fim da vida.
A PNH se constitui como uma possibilidade de pensar sobre os modelos de atuação
em Cuidados Paliativos. Em especial, o PTS pode se caracterizar como um dispositivo de
grande importância para o trabalho da equipe de saúde em Cuidados Paliativos. É importante
lembrar que
29
quando ainda existem possibilidades de tratamento para uma doença, não é muito
difícil provar que o investimento da equipe de saúde faz diferença no resultado. [...]
No entanto, não se costuma investir em usuários que se acreditam “condenados”,
seja por si mesmos, como no caso de um alcoolista, seja pela estatística, como no
caso de uma patologia grave. Se esta participação do usuário é importante, é
necessário persegui-la com um mínimo de técnica e organização. Não bastam o
diagnóstico e a conduta padronizados. Nos casos de “prognóstico fechado”, ou seja,
de usuários em que existem poucas opções terapêuticas, como no caso dos usuários
sem possibilidade de cura ou controle da doença, é mais fácil ainda para uma equipe
eximir-se de dedicar-se a eles, embora, mesmo nesses casos, seja bastante evidente
que é possível morrer com mais ou menos sofrimento, dependendo de como o
usuário e a família entendem, sentem e lidam com a morte. O PTS nesses casos pode
ser importante como ferramenta gerencial, uma vez em que constitui um espaço
coletivo em que se pode falar do sofrimento dos trabalhadores em lidar com
determinada situação. A presunção de “não envolvimento” compromete as ações de
cuidado e adoece trabalhadores de saúde e usuários, porque, como se sabe, é um
mecanismo de negação simples, que tem eficiência precária. O melhor é aprender a
lidar com o sofrimento inerente ao trabalho em saúde de forma solidária na equipe
(ou seja, criando condições para que se possa falar dele quando ocorrer). (Brasil,
2008, p. 43-44)
Ressaltando a importância do trabalho em equipes, Maciel et al (2006) salientam que a
complexidade da abordagem requerida em Cuidados Paliativos para atender adequadamente
as necessidades do paciente e de sua família, em seus aspectos físicos, sociais, psicológicos e
espirituais, durante o diagnóstico e desenvolvimento da doença, até a morte do paciente e o
período de luto da família, caracteriza um acompanhamento interdisciplinar, colocando a
exigência de uma abordagem multiprofissional. Ou seja,
Só se entendem os Cuidados Paliativos quando realizados por equipe
multiprofissional em trabalho harmônico e convergente. O foco da atenção não é a
doença a ser curada/controlada, mas o doente, entendido como um ser biográfico,
ativo, com direito a informação e a autonomia plena para as decisões a respeito de
seu tratamento. A prática adequada dos Cuidados Paliativos preconiza atenção
individualizada ao doente e à sua família, busca da excelência no controle de todos
os sintomas e prevenção do sofrimento (Maciel, 2008, p.16)
É imprescindível que a formação dos profissionais da saúde tenha foco no trabalho em
equipes, pensando na complexidade da abordagem em Cuidados Paliativos e também em
conformidade com a proposta da PNH. Assim, os Cuidados Paliativos devem englobar a
educação continuada, levando em consideração habilidades individuais e do grupo,
capacitando os profissionais a atuar com a interação em cinco aspectos do cotidiano da prática
paliativa: com o paciente, a família, a equipe de saúde, a sociedade e o sistema de saúde
(Maciel et al, 2006).
Para a atenção em Cuidados Paliativos, a ênfase no trabalho em equipe é de extrema
importância, pois com sua proposta cooperativa, possibilita que os profissionais da saúde
30
tenham um suporte para lidar com as inúmeras dificuldades e com a sobrecarga emocional já
mencionada anteriormente. Como aponta Kovács (2008), as equipes, ao possibilitarem a
discussão dos procedimentos, ampliam a possibilidade de compartilhamento dos sentimentos
que surgem no cotidiano de trabalho.
As situações-limite enfrentadas pelos profissionais na abordagem paliativa, como a
comunicação de más notícias, a expressão de fortes emoções por parte do paciente, os
sintomas incapacitantes, a necessidade de acolher a família diante da morte iminente de um
ente querido, o paciente que pede para morrer, e a perda de pacientes com os quais havia um
forte vínculo, impõem uma grande carga de sofrimento. Muitas vezes, inclusive por causa da
mentalidade acerca do que se espera de um profissional da saúde, os profissionais acabam
tendo que ocultar seus sentimentos, o que pode levar ao adoecimento. Para oferecer o apoio
necessário e auxiliar os profissionais a lidar com tais dificuldades, podem ser realizadas
atividades individuais ou dinâmicas de grupo, intervenções que busquem identificar e aliviar
os conflitos e favorecer uma melhor qualidade de vida. “A equipe de saúde mental pode
ajudar, trabalhando aspectos de comunicação com pacientes e familiares; manejo de pacientes
que manifestam sintomas como raiva, depressão, medo, ansiedade e compreensão das atitudes
e comportamentos dos pacientes e familiares diante da aproximação da morte” (Kovács, 2008,
p. 96).
Por fim, deve ser ressaltada a importância do compartilhamento e da troca de saberes
no trabalho em saúde, entre as diferentes áreas e com os usuários, valorizando as
contribuições que podem ser feitas por diferentes disciplinas, inclusive aquelas de outros
campos que não o da saúde, como indicam Pinheiro, Benedetto & Blasco (2011):
Certamente, o ensino das Humanidades (Literatura e Artes em geral), o qual vem
sendo introduzido em muitas escolas médicas com o objetivo de proporcionar um
maior conhecimento do ser humano e preparar estudantes e jovens médicos a lidar
melhor com as questões que emergem, por exemplo, em um cenário de Cuidados
Paliativos, tem se mostrado, de alguma forma, benéfico. No entanto, esse
ensinamento somente é útil quando realizado paralelamente à prática e
proporcionado por profissionais que consigam transitar livremente pelos dois
mundos – o das artes e o da vida real.
Cabe lembrar ainda os apontamentos de Czeresnia (2003), que aborda a aproximação entre a
filosofia, a literatura e a medicina, afirmando
a exigência de revalorizar a aproximação complementar – na ação – entre formas de
linguagem essencialmente diferentes entre si. Trata-se de relativizar o valor de
31
verdade dos conceitos científicos; utilizá-los, mas não acreditar totalmente neles,
abrindo canais para valorizar a interação de sensibilidade e pensamento. (p. 44)
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No campo da Saúde Pública são identificados inúmeros avanços para a construção de
um sistema de saúde que possibilite o acesso universal e igualitário à população. Contudo,
ainda são necessárias mudanças para que seja, efetivamente, oferecida uma atenção integral à
saúde. Para atender adequadamente às necessidades dos usuários do sistema de saúde é
imprescindível uma escuta e um olhar atento à diferença, à subjetividade e à singularidade dos
acontecimentos de saúde. Entretanto, como salienta Czeresnia (2003) acerca da Saúde
Pública, “suas práticas tendem a não levar em conta a distância entre conceito de doença –
construção mental – e o adoecer – experiência de vida –, produzindo-se a „substituição‟ de um
pelo outro”.
Espera-se que a PNH possa trazer avanços efetivos na qualificação da assistência a
saúde, possibilitando resgatar a noção de sujeito, pois ainda que seja fundamental uma visão
voltada para a coletividade, não se pode perder de vista que quando estamos diante dos
usuários do sistema de saúde não estamos lidando senão com sujeitos singulares. Isto é, o
profissional da saúde deve ser capaz não somente de considerar as particularidades do
contexto em que vive um determinado grupo populacional, ou as especificidades da
comunidade na qual atua, mas deve compreender que ainda que os sujeitos vivam em um
mesmo contexto, possuam uma condição de saúde semelhante, façam parte de uma
coletividade, a experiência de cada um é subjetiva e única. Como ressalta Fortes (2004, p. 31),
“Humanizar na atenção à saúde é entender cada pessoa em sua singularidade, tendo
necessidades específicas, e, assim, criando condições para que tenha maiores possibilidades
para exercer sua vontade de forma autônoma”.
A proposta de Clínica Ampliada e do PTS convidam a refletir sobre os limites da
clínica tradicional, pois colocam a equipe de saúde diante de situações que podem ser
percebidas como de difícil resolução. Com essa proposta, se impõe a necessidade de
instrumentos para que os profissionais possam lidar consigo mesmos e com os sujeitos por
eles atendidos de uma forma diferenciada. Trata-se de uma abordagem que valoriza a escuta
32
além da anamnese tradicional, acolhendo e valorizando aquilo que o usuário traz, mesmo que
aparentemente não tenha relação direta com o diagnóstico e o tratamento.
Uma história clínica mais completa, sem filtros, tem uma função terapêutica em si
mesma, na medida em que situa os sintomas na vida do Sujeito e dá a ele a
possibilidade de falar, o que implica algum grau de análise sobre a própria situação.
Além disso, esta anamnese permite que os profissionais reconheçam as
singularidades do Sujeito e os limites das classificações diagnósticas. A partir da
percepção da complexidade do sujeito acometido por uma doença, o profissional
pode perceber que muitos determinantes do problema não estão ao alcance de
intervenções pontuais e isoladas. Fica clara a necessidade do protagonismo do
Sujeito no projeto de sua cura: autonomia. (Brasil, 2008, p. 47)
Com esta abordagem na atenção à saúde, então, o usuário deve ser valorizado como
sujeito autônomo, com seus próprios interesses, necessidades e desejos, sendo protagonista
em seu projeto terapêutico. “Nas doenças crônicas ou muito graves isto é muito importante,
porque o resultado sempre depende da participação da pessoa doente e essa participação não
pode ser entendida como uma dedicação exclusiva à doença, mas sim uma capacidade de
„inventar-se‟ apesar da doença” (Brasil, 2009, p. 22).
Esta valorização do sujeito é imprescindível para o trabalho em Cuidados Paliativos,
para que seja possível melhorar sua qualidade de vida e preservar sua autonomia. Entretanto,
quando se trata desta modalidade de atenção, identificam-se inúmeros problemas e
dificuldades, tanto devido à falta de diretrizes para que os serviços de saúde possam oferecer
uma atenção adequada para o paciente que se encontra diante da morte inexorável, quanto por
causa do despreparo dos profissionais para lidar com a subjetividade e com questões
relacionadas ao sofrimento e à morte.
É necessário, então, o investimento na discussão sobre os Cuidados Paliativos,
incluindo esta abordagem nas políticas de saúde e na formação profissional. Entretanto, estes
temas em geral não são discutidos na formação de profissionais da área da saúde e, quando
abordados, apenas são apresentados de forma incipiente e superficial. Evidencia-se, assim,
uma situação paradoxal, pois o sofrimento e a morte são inerentes à vida humana, mas
acabam sendo temas negligenciados por aqueles que lidam com a vida, isto é, os profissionais
da saúde.
Maciel et al (2006) ressaltam sobre a assistência paliativa que “o recomendável é que
todos os serviços que se propõem a atender pacientes passíveis de inclusão estejam
preparados para os cuidados paliativos. Isso possibilita, a qualquer momento, uma ação ou
intervenção paliativa, de acordo com a necessidade do doente” (p. 12-13). Além de beneficiar
33
o usuário, atendendo suas necessidades de maneira integral, a atuação em Cuidados Paliativos
também possibilita que o profissional da saúde reflita sobre questões fundamentais à vida
humana, inclusive seus próprios limites e mortalidade. Pinheiro, Benedetto & Blasco (2011),
tratando da atuação de médicos, apontam que “Quando jovens médicos começam a se sentir
confortáveis em Cuidados Paliativos, sua performance melhora intensamente em outros
campos de ação menos complexos”, e seguem afirmando que “As lições apreendidas em
Cuidados Paliativos se mostraram úteis e puderam ser transpostas em outras situações que o
médico comumente enfrenta em seu dia-a-dia”.
Para pensar a atenção em Cuidados Paliativos, é fundamental que se parta do princípio
da integralidade, pois, assim como este modelo de cuidado requer, este princípio
busca atender aos aspectos orgânicos, emocionais, sociais e espirituais envolvidos
no processo de adoecimento dos pacientes dentro de uma contextualização social
deixando de lado a tecnização e a padronização preocupando-se também com a
restauração da vitalidade do paciente ou do grupo. (Fontoura & Mayer, p. 534)
A atenção integral às necessidades dos usuários exige o trabalho em equipe e a troca
de saberes, inclusive com os usuários e familiares. Neste sentido, Kübler-Ross (2008) e
Pinheiro, Benedetto & Blasco (2011) apontam em seus trabalhos a importância de aprender
com os pacientes, indicando como fundamentais na atuação em Cuidados Paliativos o que os
pacientes na fase do fim da vida têm a ensinar. A troca de saberes e a integração de
conhecimentos possibilitam uma compreensão mais ampla dos acontecimentos e situações,
bem como a visão da experiência de cada sujeito em sua singularidade, trazendo a “ideia de
que não existem regras prontas – é necessário refletir e criar em cada situação vivida”
(Pinheiro, Benedetto & Blasco, 2011).
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