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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
BRASIL E A DIPLOMACIA DO ESPORTE: O FUTEBOL COMO
FERRAMENTA POLÍTICA INTERNACIONAL
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
Vitor Peixoto Schaurich
Santa Maria, RS, Brasil 2014
BRASIL E A DIPLOMACIA DO ESPORTE: O FUTEBOL COMO FERRAMENTA POLÍTICA INTERNACIONAL
por
Vitor Peixoto Schaurich
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como
requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais.
Orientadora: Prof. Danielle Jacon Ayres Pinto
Santa Maria, RS, Brasil 2014
Universidade Federal de Santa Maria
Centro de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Ciências Econômicas
Curso de Relações Internacionais
A Comissão Organizadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso
BRASIL E A DIPLOMACIA DO ESPORTE: O FUTEBOL COMO
FERRAMENTA POLÍTICA INTERNACIONAL
elaborado por Vitor Peixoto Schaurich
como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais
COMISSÃO EXAMINADORA:
Danielle Jacon Ayres Pinto, Ms (Orientadora/Presidente)
José Renato Ferraz da Silveira, Dr. (UFSM)
Igor Castellano da Silva, Ms (UFSM)
Santa Maria, 01 de dezembro de 2014.
AGRADECIMENTOS
À minha família que me incentiva e me apoia incondicionalmente, principalmente meus pais e meu irmão. Aos meus amigos e colegas que me acompanharam nessa jornada de quatro anos, especialmente os que compartilharam comigo todos os momentos do período de realização deste trabalho. À minha orientadora por suas importantes correções e sugestões e que gentilmente me manteve tranquilo durante o processo, fato que foi essencial para a construção do trabalho. À esta instituição pela oportunidade de realizar um curso superior e aos docentes que integram o centro onde estudei. A todos qυе direta оυ indiretamente fizeram parte dа minha formação, о mеυ muito obrigado!
RESUMO
Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Relações Internacionais
Universidade Federal de Santa Maria
BRASIL E A DIPLOMACIA DO ESPORTE: O FUTEBOL COMO FERRAMENTA POLÍTICA INTERNACIONAL
AUTOR: VITOR PEIXOTO SCHAURICH
ORIENTADORA: DANIELLE JACON AYRES PINTO Data e Local da Defesa: Santa Maria, 01 de dezembro de 2014.
A intenção de estudar a influência dos esportes nas relações
internacionais veio da percepção de que atualmente se apresentam diversos
novos instrumentos com os quais Estados põe em prática suas políticas
externas. O objetivo geral do estudo é analisar as maneiras nas quais o esporte
e, principalmente, o futebol se conecta com as políticas da agenda externa de
um Estado. Já as principais finalidades específicas do trabalho são: apresentar
o desenvolvimento histórico do futebol e o seu papel; caracterizar as
ferramentas internacionais de acordo com o soft power; ilustrar os fatores que
determinam a relevância do esporte como alternativa política nas relações
internacionais tais como a promoção de imagem estatal no cenário
internacional e a construção da identidade nacional; demonstrar a dimensão
dessa influência direta/indireta das relações esportivas na política internacional
com enfoque no caso brasileiro. O método de pesquisa é analítico-dedutivo
feito através de revisão bibliográfica e a utilização e interpretação de dados
trazidos de revista, jornais e artigos. São três os principais resultados
encontrados: os Estados possuem e usam recursos alternativos nas suas
agendas externas; a diplomacia esportiva é ferramenta internacional frequente
e efetiva; por fim, a cúpula decisória sobre as relações internacionais no Brasil
percebem o poder da popularidade do futebol brasileiro e se aproveitam de tal.
Palavras-chave: diplomacia esportiva; política externa; soft power; futebol, política internacional.
ABSTRACT
Senior Thesis International Relations Major
Universidade Federal de Santa Maria
BRAZIL AND THE SPORTS DIPLOMACY: SOCCER AS A TOOL IN INTERNATIONAL POLITICS
AUTHOR: VITOR PEIXOTO SCHAURICH
ADVISER: DANIELLE JACON AYRES PINTO Defense Date and Place: Santa Maria, December 1st, 2014.
The intention of studying the influence of sports in international relations
came from the perception that currently there are varied new instruments with
which States put their foreign policies in practice. The general goal of this paper
is to analyze the means that sports, mainly soccer, can connect themselves
with the policies found on a States’ foreign policy agenda. On the other hand
the specific purposes are: to present a historical development of soccer and its
roles in society; to characterize international tools according to soft power; to
ilustrate the factors that determine the relevance of sports as a political
alternative in international relations such as promotion of nations’ image in the
international stage and the construction of national identity; to demonstrate the
dimension of the direct/indirect influence of the sportive relations on
international politics focusing on the brazilian case. The research method is
mainly bibliographic reviews and the interpretation of data brought from
magazines, newpapers and online articles. The results found are that the States
in fact have and use alternative resources on their foreign policy agenda, the
sports diplomacy is a frequent and real international tool and, at last, the
decision-making committee about international relations in Brazil perceives the
power of the national soccer popularity and it takes advantage of it.
Key-Words: sports diplomacy; foreign policy; soft power; soccer; international
politics.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Paixões dos Brasileiros ................................................................... 85
Tabela 2 - Ranking por tempo de transmissão - 2010 ...................................... 87
Tabela 3 - Ranking por valor de exposição - 2010 ........................................... 88
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
Apex-Brasil - Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CBF – Confederação Brasileira de Futebol
CGCE - Coordenação-Geral de Intercâmbio e Cooperação Esportiva
COI - Comitê Olímpico Internacional
EUA - Estados Unidos da América
FA - Football Association
FGV - Fundação Getúlio Vargas
FIFA - Federação Internacional de Futebol Associado
FIPE - Fundação Instituto de Pesquisa Econômica
FMI - Fundo Monetário Internacional
IFAB - International Football Association Board
LGC - Lei Geral da Copa
MINUSTAH – Mission des Nations Unies pour la stabilisation en Haiti
NBC - National Broadcasting Company
ONG - Organização Não Governamental
ONU - Organização das Nações Unidas
PIB - Produto Interno Bruto
TMS - Transfer Match System
UE - União Europeia
URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 9
1. FUTEBOL: HISTÓRIA E EVOLUÇÃO ................................................................ 14
1.1. Como se constrói o interesse mundial no futebol ................................... 16
1.2. O papel do futebol e seus desafios no século XXI ................................... 22
1.3. A participação do futebol na economia mundial ...................................... 27
2. REFERENCIAIS TEÓRICOS: PRINCIPAIS ELEMENTOS E APLICAÇÃO ........ 31
2.1 Panorama geral das teorias clássicas das Relações Internacionais ...... 31
2.2 Construtivismo e Neoliberalismo: história e preceitos ............................ 39
2.3 A influência do soft power nas Relações Internacionais ......................... 44
3. A DIPLOMACIA DO ESPORTE E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS ............. 56
3.1 A identidade nacional construída através do esporte ............................. 57
3.2 Fatores comerciais e econômicos nos ambientes esportivos e a sua
internacionalização................................................................................................... 62
3.3 O esporte como recurso de política externa e influência internacional . 66
4. O FUTEBOL NO BRASIL: SOCIEDADE, ECONOMIA E POLÍTICA
INTERNACIONAL ...................................................................................................... 77
4.1 Brasil e a percepção do futebol na sociedade.......................................... 77
4.2 A participação do futebol na economia brasileira .................................... 85
4.3 Política externa, imagem e prestígio através do futebol .......................... 93
CONCLUSÃO........................................................................................................... 105
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 110
9
INTRODUÇÃO
A cada dois anos o mundo é coberto por aproximadamente um mês de
avalanches de espírito esportivo através de megaeventos como as Copas do
Mundo de Futebol e as Olimpíadas. Largamente veiculados pela mídia, esses
eventos representam a disputa sadia de modalidades esportivas por inúmeros
Estados-nação. Essas disputas também significam o embate de poder e
imagem desses Estados dentro de um setor que, em um primeiro momento, é
considerado simplesmente lúdico. Além disso, as identidades nacionais de
cada país se afloram e se transferem para seus atletas representantes o que
cria uma conexão única entre os torcedores e tais atletas em prol do orgulho
nacional. Os significados das Copas e das Olimpíadas e a mobilização por trás
são somente alguns exemplos de tantas questões relacionadas ao tema do
esporte que é possível se analisar. Dentre as opções consideradas, o presente
trabalho, então, se propõe a estudar sobre o tema geral da influência dos
esportes nas relações internacionais e como parte da delimitação do tema se
elegeu o papel do futebol no cenário interestatal.
Trabalhando em cima de tal tema e delimitação, construiu-se um
problema de pesquisa, sendo ele: de que forma e por que a diplomacia
esportiva, simbolizada neste trabalho através da política inserida no futebol
mundial e brasileiro, é utilizada como ferramenta de suporte à diplomacia
estatal? Buscou-se, assim, responder essa pergunta ao longo do trabalho
através de contextualizações históricas, identificação da relevância do esporte
em casos históricos, aplicação de referenciais teóricos da área de estudo das
Relações Internacionais no tema proposto, apresentação e interpretação de
dados numéricos e econômicos no sentido de entender a inserção do esporte
na economia internacional, análise do aspecto social intrínseco que tal tema
carrega e, por fim, através do exame da política externa brasileira
contemporânea e antiga.
Considerando o escopo de pesquisa mencionado acima, traz-se
algumas hipóteses que o trabalho procura corroborar. Essas hipóteses são as
seguintes: os Estados utilizam-se de ferramentas alternativas (recursos de soft
power) e, de certa forma, menos óbvias, a fim de projetar seus interesses
10
nacionais para o cenário internacional; o esporte e, principalmente, o futebol
desenvolvem funções que acabam por dar suporte à Diplomacia Estatal,
mantendo, elevando ou promovendo a soberania e o poder dos respectivos
Estados-Nação; a cúpula governamental do Brasil se aproveita da popularidade
inerente que o futebol brasileiro conquistou a nível global de forma a promover
na agenda externa determinadas ações que façam parte dos interesses
nacionais.
O objetivo geral do estudo é analisar as maneiras nas quais o esporte e,
principalmente, o futebol se conecta com as políticas da agenda externa de um
Estado. Já as principais finalidades específicas do trabalho são: apresentar o
desenvolvimento histórico do futebol e o seu papel; caracterizar as ferramentas
internacionais de acordo com o soft power; ilustrar os fatores que determinam a
relevância do esporte como alternativa política nas relações internacionais tais
como a promoção de imagem estatal no cenário internacional e a construção
da identidade nacional; demonstrar a dimensão dessa influência direta/indireta
das relações esportivas com a política internacional com enfoque no caso
brasileiro.
Nos últimos anos tem sido visível a importância da análise de novos
elementos que influenciam as políticas externas estatais, bem como de novos
atores e instrumentos que articulam esses elementos a fim de ratificar
internacionalmente a posição soberana e de poder de um Estado-Nação. A
defesa dos interesses nacionais (direta ou indiretamente) seja com objetivo de
desenvolvimento econômico, integração cultural, promoção de imagem
positiva, entre outros, é parte fundamental do funcionamento das relações
político-esportivas. Este trabalho então se justifica por trazer à tona uma
análise relevante no cenário global atual dessa nova ferramenta utilizada por
entes internacionais.
O processo metodológico eleito para o desenvolvimento deste trabalho
consiste em duas etapas principais. Na primeira etapa é utilizado o sistema de
análise de literaturas específicas que construam e definam o referencial teórico
necessário, bem com o histórico do objeto de estudo. Nesse primeiro momento
as principais obras lidas foram Soft Power: the means of success in world
politics de 2004 do autor Joseph Nye, a enciclopédia Barsa e O futebol explica
o Brasil: uma história de maior expressão popular do país de Marcos
11
Guterman, 2010. Após a leitura das obras, as quais serviram para construir a
base para a evolução dos objetivos do trabalho, partiu-se para a segunda etapa
do processo metodológico. Em tal etapa também se utilizou a leitura de
bibliografias, porém foram adicionadas fontes jornalísticas como matérias de
jornais, revistas e sítios online, assim como a apresentação de dados
estatísticos e econômicos. Essas novas fontes, por sua vez, incrementaram os
subsídios para uma análise completa e auxiliaram o cumprimento das metas
deste trabalho. As obras consultadas de forma mais recorrente nessa segunda
etapa foram de Gilberto Agostino, 2002, Vencer ou morrer: futebol, geopolítica
e identidade nacional e de Douglas Wanderley Vasconcellos, 2008, Esporte,
Poder e Relações Internacionais.
O estudo presente neste trabalho se divide em quatro grandes partes. A
primeira destas é composta por um conteúdo mais introdutório e histórico.
Inicia-se com a história das origens do futebol mundial e brasileiro e logo após
é abordada a evolução desse esporte principalmente no contexto social, o que
auxilia a compreender a construção da popularidade do futebol. Ainda nessa
primeira sessão é possível encontrar um enfoque no estudo do papel e dos
desafios do futebol no século XXI no cenário internacional, bem como algumas
observações sobre a participação do futebol na economia mundial e suas
implicações.
No segundo capítulo se segue para a análise dos referenciais teóricos
que, com seus preceitos básicos, são capazes de dar suporte e corroborar as
hipóteses do trabalho. No princípio, se faz um panorama geral dos principais
elementos que compõem duas teorias clássicas (realismo e liberalismo) do
campo das Relações Internacionais a fim de introduzir para o leitor em que
área acadêmica de estudo o trabalho, no geral, está inserido. Após esse
primeiro momento, o capítulo parte para a explanação das teorias que serão
aplicadas diretamente no conteúdo do trabalho, sendo tais teorias a do
construtivismo e do neoliberalismo. O próximo passo para a elaboração do
capítulo foi apresentar o termo soft power e aprofundar como e porque os
Estados se utilizam dos recursos de soft power a fim de emanar os interesses
nacionais à determinado ente internacional. A etapa final do capítulo é
composta pela explicação da conexão entre as teorias eleitas como aplicáveis
ao trabalho – construtivista e neoliberal – e o soft power, bem como a ilustração
12
de como o futebol e os esportes em geral se entrelaçam com os preceitos
teóricos.
O terceiro capítulo foca, principalmente, nas relações esportivas com
três setores: social, econômico e político. Inicialmente é proposta a
compreensão de algumas definições como de diplomacia tradicional e
esportiva que serão referidas durante o restante do trabalho constantemente.
Logo após, o debate gira em torno da identidade nacional que é construída
através do esporte e de todo o envolvimento que a sociedade possui com o
esporte. A segunda parte do capítulo traz uma análise do potencial de
participação comercial e econômico que os esportes possuem. Aqui vários
dados são compartilhados com o leitor de forma a demonstrar mais
concretamente a dimensão que a indústria do esporte alcança no mundo
globalizado. Ainda nessa segunda parte é trabalhada a questão da
internacionalização dos ambientes esportivos. Já o segmento final promove
uma discussão profunda sobre o esporte como recurso de política externa e
influência no âmbito internacional. O leitor terá capacidade, nesse segmento,
de identificar casos em que manifestações esportivas foram e podem ser
utilizadas pela cúpula decisória dos Estados com objetivos presentes nas suas
agendas externas. Por fim, ainda, há uma breve reflexão sobre a teoria
construtivista dentro do contexto desenvolvido neste capítulo.
O quarto, e último, capítulo se utiliza de toda a base teórica construída
nos três primeiros capítulos para explicar o caso do futebol brasileiro, ou seja,
todas as definições e debates presentes no transcorrer do texto são agora
aplicados e analisados com foco nas relações futebolísticas existentes nos
setores brasileiros. Na mesma metodologia no terceiro capítulo, aqui também
se escolheu estudar as características do futebol na sociedade, economia e
política brasileira. Primeiro, se verifica como funciona a percepção do futebol
na sociedade brasileira ilustrando vários aspectos específicos da relação entre
a população e o futebol no país. Seguindo o curso do capítulo, é inserido o
estudo da participação do futebol na economia brasileira no qual se percebe no
futebol atributos potenciais de crescimento e evolução. Na parte final do
capítulo se estuda intensa e extensamente sobre o papel do futebol na política
externa brasileira principalmente como ferramenta de construção de imagem
positivada e prestígio no exterior. Neste segmento são apresentados e
13
analisados casos específicos em que a máquina estatal envolveu o poder do
futebol brasileiro com objetivos provindos da diplomacia do país.
Portanto, da forma descrita acima é que o trabalho está montado.
Entende-se que a forma com que as partes do texto foram ordenadas propõe
um acúmulo progressivo de informações e debates para que o leitor
compreenda e no fim possivelmente concorde que, efetivamente, o esporte e
especificamente o futebol são ferramentas comuns e muitas vezes eficientes
no cenário político internacional. Independente se a agenda externa do Brasil
ou de outro Estado tenha objetivo de promoção de imagem positivada, de
garantir prestígio, de desenvolver relações comerciais e econômicas ou até de
internacionalizar sua cultura, a diplomacia esportiva é um recurso de soft power
e invariavelmente será uma opção de suporte à diplomacia estatal tradicional.
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1. FUTEBOL: HISTÓRIA E EVOLUÇÃO
Nenhum esporte no mundo desperta tanto interesse popular quanto o
futebol. Sua principal competição, a Copa do Mundo, reúne desde a fase de
classificação, cerca de 130 países e milhões de espectadores. Dessa forma,
para desenvolver os objetivos e as análises do presente trabalho é necessário
iniciar através de um entendimento breve das origens do principal objeto de
estudo deste trabalho, o futebol.
De acordo com a enciclopédia Barsa (2000), as primeiras descobertas
da existência do futebol, na sua forma extremamente primitiva, ocorreram na
China no ano 206 a.C, no qual publicou-se um regulamento de jogo de bola
com os pés de aplicação no treinamento militar. Foi na Grécia, entretanto, que
se encontraram os primeiros indícios de um precursor do futebol, denominado
episkuros. Esse jogo consistia na disputa por dois grupos de atletas por uma
bexiga animal cheia para levá-la até determinado ponto. As legiões romanas
trocaram esse nome para harpastum no momento em que dominaram e
ocuparam a Grécia em 150 a.C.
Na Idade média apareceu em Florença, na Itália, o cálcio, jogado com os
pés e as mãos por equipes de 27 jogadores num campo com duas metades
iguais e objetivo era levar a bola de couro às extremidades do campo. Ainda na
Idade Média esse esporte se difundiu para Gália e depois para a Bretanha,
onde surgiu o chamado soule, porém este foi conhecido pela incrível violência
que era utilizada. A partir de então, este esporte se popularizou na Inglaterra
até que competições entre cidades começaram a ocorrer (BARSA, 2000).
No século XVI, de soule o nome foi trocado para hurling over country e
no século XVII para hurling at goals. Hurling at goals foi usado para criar as
bases do atual rugby em 1830, onde o esporte começou a ser adotado por
escolas e universidades (BARSA, 2000). De acordo com Marcos Guterman na
obra O futebol explica o Brasil (2010), o futebol inglês nasceu em meio ao
crescimento da massa operária. Era um jogo que trazia para locais públicos
toda a raiva das classes baixas do país, atulhadas nas cidades cada vez mais
hostis. A repressão ao futebol jogado na rua, comum no início do século XIX na
Inglaterra, é a prova de que o esporte era visto como ‘coisa da ralé’, ainda mais
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porque invariavelmente acabava em pancadaria e depredação. Por causa
disso, o futebol passou a ser jogado em locais específicos, principalmente nas
escolas públicas. Foi a primeira tentativa de uniformizar as regras do jogo.
Assim, em 1846 foi homologado e aprovado o primeiro regulamento,
porém como as divergências entre os usos das mãos e dos pés no mesmo jogo
persistiam, em 1871, um grupo dissidente resolveu separar definitivamente o
futebol do rugby. No mesmo ano teve início a famosa taça da Football
Association (FA Cup) e, no ano seguinte, realizou-se a primeira partida
internacional entre Escócia e Inglaterra. Em 1885, o futebol foi profissionalizado
na Inglaterra (GUTERMAN, 2010).
Antes de 1880 não havia um sistema de jogo, ou seja, uma distribuição
organizada dos jogadores para o desempenho de diversas funções. O primeiro
sistema chamado de formação clássica persistiu de 1880 até 1925 quando se
começou a reinventar e adaptar a análise do esporte (GUTERMAN, 2010).
No começo do século XX, a popularidade do futebol em todo o mundo
levou à criação, em 1904, de uma organização internacional, a Federação
Internacional de Futebol Associado (FIFA). Foram sete os países fundadores:
Bélgica, Dinamarca, França, Países Baixos, Espanha, Suíça e Suécia. Seus
objetivos sempre foram e continuam sendo a uniformização das regras do jogo,
a organizações de torneios internacionais entre outros (BARSA, 2000).
As leis que regem o futebol foram elaboradas pela International Football
Association Board (IFAB) em 1938. O texto, que compreende dezessete regras
e uma série de decisões suplementares da IFAB, sofreu alterações através do
tempo impostas pela própria evolução técnica e tática do esporte.
Segundo o autor do livro Vencer ou Morrer: futebol, política e identidade
nacional, Gilberto Agostino (2011), no Brasil, embora existissem referências à
prática ocasional do futebol no país entre 1870 e 1880, o esporte só chegou
realmente ao país em 1894 trazido pelo brasileiro Charles Miller, filho de pai
inglês e mãe brasileira, que desembarcou em São Paulo com duas bolas de
couro e as regras aprovadas pela Football Association. Em 1895 foi realizada a
primeira partida e em 1902 já se criou o primeiro time de futebol, o Fluminense
Futebol Clube. Na década de 1910, diversos novos clubes e federações foram
criados por todo o país e as competições regionais começavam. Apenas em
1933, oficializou-se, no Rio de Janeiro e em São Paulo o profissionalismo. A
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partir de então o futebol se popularizou imensamente por todo o país, assim
como em outras partes do mundo ele já o havia feito.
1.1. Como se constrói o interesse mundial no futebol
Nas suas origens, o futebol iniciou sua história sendo circundado pela
popularidade dentro das classes mais abastadas da sociedade ou das classes
de maior poder. Como mencionado no item anterior, os primeiros indícios nos
remetem à utilização do esporte no ambiente militar, mais adiante na Idade
Média e durante a história moderna o futebol foi praticado de acordo com os
interesses dos reis e, posteriormente, quando o futebol se modificou para a
forma que conhecemos hoje, foram as elites que auxiliaram a propagar o
futebol pelo mundo. Times nacionais europeus do final do século XIV e início
do século XX demonstravam uma porcentagem aproximada de mais 90% dos
jogadores como integrantes das classes mais altas da sociedade de seus
países.
O império inglês usou-se, intencionalmente ou não, de seus maiores
canais de influências na época para disseminar o esporte, sendo a principal
‘arma’ o seu papel como polo do comércio externo (importação e exportação)
global. Isso se percebe facilmente quando vemos que países europeus e sul-
americanos, onde o futebol é até hoje o esporte de maior reconhecimento e
importância, eram alvos de extrema relevância para o comércio inglês. Ainda
assim, o futebol foi sendo adotado imensamente por classes mais pobres
principalmente por sua simplicidade prática. Tirando a bola, nada mais de valor
era necessário para que o esporte pudesse ser praticado, tornando-se, assim,
acessível a uma grande gama de classes sociais.
Acompanhando as mutações no universo do proletariado, o esporte
invadiu decisivamente o conjunto de referenciais da classe trabalhadora. Boa
demonstração desta realidade pode ser constatada a partir do perfil do público
nos estádios, que deixou de ser formado pelas classes médias já no final do
século XIX. Em menos de quinze anos depois da primeira final da FA Cup, o
público aumentou de 27 mil pessoas para 110 mil espectadores, formado por
operários em sua maior parte. Fator determinante para a interação entre este
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segmento social e o esporte foi a gradativa ampliação dos horários de lazer,
conquista trabalhista alcançada no decorrer da segunda metade do século XIX
(AGOSTINO, 2011).
No Brasil, o esporte aparece primeiro como atividade de elite, importado
e jogado por estrangeiros aristocráticos ou ligados aos investidores europeus
que exploraram as oportunidades abertas pelo desenvolvimento do país no
final do século XIX. Negros e operários só teriam vez nos campos de várzea ou
quando passaram a ser decisivos para que os times de brancos ricos
ganhassem títulos. Os muros erguidos em torno do futebol não resistiam à
formação das metrópoles brasileiras. Foram demolidos pela massa de
trabalhadores que encontrou nesse esporte a essência democrática que lhe era
negada em outras áreas. Com a massificação, o futebol passou a ter também
importância política. Sua capacidade de mobilização logo se impôs como
elemento muitas vezes decisivo para definir o humor de um eleitorado
crescentemente menos controlável. O mundo do poder político e ideológico
também se reproduziu dentro dos campos de futebol (GUTERMAN, 2010).
O ciclo de riqueza no Brasil provindo do café atraiu a atenção da
principal potência mundial na época, o Império Britânico. O investimento seguiu
o padrão daquele que ficou conhecido como o ‘século dos ingleses’ na América
Latina. A partir da segunda década do século XIX até o final da 1ª Guerra
Mundial, o Reino Unido liderou os investimentos em infraestrutura e bens de
capital no continente, acompanhando os movimentos de independência. O
avanço do investimento de infraestrutura, sobretudo de transportes, resultou na
expansão das cidades, gerando outros tipos de demanda. O Brasil viraria o
século vivendo a revolução urbana que a Europa experimentara a partir da 2ª
Revolução Industrial, nos anos 1800 (GUTERMAN, 2010). Com isso o futebol
no Brasil foi sendo introduzido com a mesma velocidade e determinação que
os investimentos provindos do Reino Unido.
Além disso, logo que as regras do jogo foram consolidadas na Inglaterra,
não demorou muito tempo para que o futebol ganhasse projeção em toda a
Europa, difundido a partir da malha de interesses econômicos do capitalismo
inglês. A força do futebol era um fenômeno avassalador, ultrapassando os
horizontes europeus e cativando admiradores em todas as partes onde os
interesses imperialistas se manifestavam. Comerciantes, engenheiros de
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estradas de ferro, instaladores de linhas de telégrafo, estudantes, educadores,
marinheiros, soldados, todos eram jogadores em potencial, fazendo
demonstrações do jogo em cidades portuárias, centros econômicos ou em
qualquer área onde a modernidade florescia. Segundo o autor Gilberto
Agostino (2011), muitos jovens nacionalistas se encontravam em associações
esportivas para discutir suas linhas de ação política e muitos clubes nasceram
imbuídos desse espírito.
O futebol também foi utilizado como ferramenta de contribuição para os
esforços de guerra, principalmente no contexto na preparação para as guerras
mundiais. Os ministérios da guerra transformavam o jogo em uma das mais
bem-sucedidas estratégias de integração nacional. Uma das primeiras
iniciativas nessa direção foi alocar postos de alistamento nos próprios estádios
em que seriam realizados jogos importantes. Da mesma forma cuidavam para
o horário dos jogos não coincidisse com o turno de trabalho nas fábricas,
principalmente daquelas de material bélico (AGOSTINO, 2011). Não é mera
coincidência que as terminologias mais utilizadas no futebol remetam ao
universo militarista como atacar, defender, tática, ganhar terreno, artilheiro
entre muitas outras.
De acordo com o autor Francisco Carlos Teixeira da Silva na obra
Memória Social dos Esportes (2006), as aglomerações de torcedores e de fãs
em torno de campos, seus cantos e o tão popular esbravejar dos fanáticos do
futebol eram fonte de preocupações. Para a polícia e as demais autoridades
envolvidas na manutenção da ordem, os dias de jogos eram sempre uma
grande preocupação. A espontaneidade das torcidas, seu caráter de multidão
criavam um forte clima de tensão em dias de jogos.
O futebol ao longo do tempo tornou-se a principal forma de organização
da classe operária. Na Alemanha, por exemplo, durante a República de
Weimar1 (1919 - 1933) o número de trabalhadores esportistas cresceu
permanentemente, até mesmo aqueles trabalhadores que não possuíam
qualquer vínculo com partidos políticos ou sindicatos passaram a filiar-se a
associações futebolísticas que se revelavam rapidamente importantes cadeias
1 A República de Weimar foi uma República implementada na Alemanha logo após a Primeira
Guerra Mundial, tendo como sistema de governo o modelo parlamentarista democrático. Este período tem este nome pois foi a República proclamada na cidade de Weimar localizada no centro do país.
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de organização de classe. O número de trabalhadores que jogavam futebol em
alguma organização trabalhista elevou-se de 90 para 136.000 durante esse
período (TEIXEIRA DA SILVA, 2006).
As consecutivas decisões estatais de profissionalizar a prática
futebolística foram motivadas pela crescente institucionalização, organização e
regularização do esporte. A rigidez das regras com a drástica diminuição da
violência, a introdução dos árbitros, as incipientes formações de planteis
nacionais para disputa de competições internacionais e o direcionamento dos
direitos sociais e trabalhistas, todas essas ações auxiliaram profundamente a
profissionalização do esporte. Dessa forma, o futebol não só se popularizava
através das massas e o seu fanatismo, mas passava a demonstrar um
respaldo político e legal que reduziria as alegações dos opositores do esporte.
A popularização do futebol trouxe consigo novos personagens para a
admiração popular. Uma nova personalidade popular que emerge nesse
momento é o treinador. Passa-se a reconhecer o mérito de uma estratégia e de
seu organizador. Como o time possui um capitão, fica evidente a necessidade
de um general. O treinador é o estrategista do time, responsável não apenas
pelas condições físicas da equipe, como ainda da estratégia a ser empregada
para derrotar o inimigo. A linguagem militar ganha fóruns de ‘ciência do futebol’.
Nos bares e botequins, discute-se não apenas o desempenho dos jogadores
como ainda a estratégia adotada pelo treinador (TEIXEIRA DA SILVA, 2006).
Com as Copas do Mundo, que iniciaram em 1930, aos poucos os nomes
dos ídolos do futebol atravessam as fronteiras nacionais e os heróis cada vez
mais festejados a cada vitória. A grandiosidade desse evento requeria a
construção de estádios de futebol com grande capacidade de público o que
chamava a invasão de torcedores mobilizados para apoiar seu país em
embates que fariam parte da história esportiva. Conforme as Copas passavam,
surgia uma maior quantidade de adeptos (seleções nacionais e torcedores), a
importância da boa campanha como forma de promoção da imagem
internacional e a crescente formação de identidades nacionais.
Internamente, cada Estado criava suas confederações nacionais de
futebol, desenvolvia planos de incentivo ao esporte, colocava em
funcionamento campeonatos estaduais, regionais e nacionais e moldava o
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cenário nacional para a popularização constante do futebol em níveis que não
apenas surgiam a cada quatro anos com as Copas do Mundo.
As Copas do Mundo e os campeonatos nacionais de futebol também
tornaram-se ferramentas de todos os regimes políticos de seus respectivos
contextos históricos com objetivo de legitimar as ideologias impostas ou
sugeridas aos povos. Assim, além do fato do futebol se popularizar pelo fator
democrático trazido às classes sociais, pela personalização de ídolos e heróis,
a profissionalização da prática, as grandes mobilizações requeridas para apoiar
seleções e times, a atividade futebolística também se beneficiou da inserção
que o esporte tem mostrado obter na agenda dos políticos. O futebol tem sido
usado e incentivado pelos regimes políticos globais para o desenvolvimento
sócio educacional, para o engrandecimento ou construção da imagem
internacional ou até como tentativa de redução das consequências da miséria
em sociedades menos abastadas. De qualquer forma, o apoio provindo dos
mais influentes e poderosos grupos ao futebol auxilia o crescimento da sua
imensa plateia global.
Um último, porém não menos relevante, fator que agrega à
popularização do futebol é as atividades de publicidade e mídia. Antigamente
com o rádio, mais adiante com a televisão e hoje com a Internet, o
envolvimento global com o futebol tem cada vez mais aumentado, juntamente
com seus níveis de divulgação. Independente de suas épocas, os meios de
comunicação sempre possuíram suas sessões dedicadas aos esportes e com
o crescimento do interesse mundial no futebol, os espaços dedicados ao
futebol nos meios de comunicação também seguiam a mesma tendência.
Conforme as formas de divulgação e repasse de informações foi
desenvolvendo, o futebol obteve grande relevância nos assuntos tratados por
tais fontes.
Um exemplo prático em que a mídia tem sido um fator importante para a
divulgação do futebol é que entre 1994 e 2010 houve um aumento de 64% do
número de espectadores de eventos futebolísticos nos Estados Unidos da
América (EUA), conforme publicado no jornal Folha de São Paulo Online em
fevereiro de 2014. Já o sítio do jornal americano The New Yorker (em julho de
2014) destaca que o jogo entre EUA X Bélgica na Copa do Mundo de 2014 foi
a partida de futebol mais assistida na história da televisão americana
21
ultrapassando a quantidade de espectadores nas transmissões online do Super
Bowl2, do Oscar3 e das Olimpíadas. O período destacado coincide com o do
grande crescimento dos elementos de comunicações. Deve se levar em
consideração que os EUA é um país que historicamente não adere ao futebol
como esporte predileto da população, tendo no mínimo três outros esportes
considerados mais famosos. Assim, esse constante aumento dos espectadores
em um país que não adota esse esporte num primeiro momento é de extrema
valia para entender que o aumento do número de informações e dos meios
com que elas são compartilhadas influenciam a popularização do futebol.
Ainda sobre a popularização do futebol nos EUA, é importante revelar
que a tendência é de um crescimento significativo deste esporte no país. De
acordo com os dados do canal de televisão americano National Broadcasting
Company (NBC), aproximadamente 3 (três) milhões de crianças jogam futebol
nos EUA. Entre as idades de 12 – 24 anos o futebol é considerado o segundo
esporte preferido, só perdendo para o futebol americano. Assim, os jovens
americanos demonstram que o interesse no esporte é recente, porém
progressivo.
Sejam pelos atributos políticos, pelos embates nacionais e internacionais
importantes, pelas transferências de atletas, pelos impactos econômicos aos
Estados e às equipes, pelos escândalos, fracassos, sucessos. Qualquer que
seja a manchete, o futebol teve através da história e cada vez terá mais a
atenção privilegiada da mídia dentre os esportes mais importantes de seus
respectivos momentos históricos. A mídia, com o potencial que alcançou
atualmente, só tende a popularizar ainda mais o esporte com maior número de
adeptos do mundo.
2 Super Bowl é um jogo do campeonato da NFL (National Football League), a principal liga
de futebol americano dos Estados Unidos, que decide o campeão da temporada. Disputada desde 1967, a partir da junção das duas principais ligas do desporto no país (NFC e AFC), é o maior evento desportivo do país, assistido anualmente por milhões de pessoas na américa e em todo o mundo. É também um evento que apresenta a publicidade mais cara da televisão; patrocinadores desembolsam pequenas fortunas para exibirem suas propagandas no intervalo. Informação retirada do sítio: http://pt.wikipedia.org/wiki/Super_Bowl 3 Oscar, oficialmente chamado de Prêmios da Academia (em inglês Academy Awards), é
um prêmio entregue anualmente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, fundada em Los Angeles, Califórnia, em 11 de maio de 1927. São entregues anualmente pela Academia,
2 em reconhecimento à excelência de profissionais da indústria cinematográfica,
como diretores, atores e roteiristas. A cerimônia formal na qual os prêmios são entregues, é uma das mais importantes do mundo. Informação retirada do sítio: http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%93scar
22
Portanto, o interesse mundial no futebol se construiu nos últimos 120
anos através de diversas formas. Primeiramente, a história teve que sucumbir à
força de atração do futebol e abrir-se para todas as raças e classes sociais. O
esporte popularizou-se através das massas e não havia elites ou aristocracias
suficientes para evitar ou negar o envolvimento de todos. O segundo desafio do
futebol foi a profissionalização dos jogadores e a definição de regras que
reduzissem a violência, situações que trouxeram a inevitável legitimação ao
esporte para que pudesse ser praticado com menos oposição. O terceiro meio
que levou o fenômeno futebolístico a atingir seu ápice de popularidade foram
os incentivos e apoio vindos dos detentores estatais de poder, levando o
esporte ao desenvolvimento material, organizacional e institucional. A quarta
forma mencionada foi a construção das identidades nacionais e do fanatismo
do torcedor trazidas pela criação das Copas do Mundo e dos campeonatos
internos. Por último, a mídia não pode ser esquecida como elemento essencial
para a divulgação das informações esportivas de todos os âmbitos que o
futebol engloba sendo, assim, inserido na globalização das comunicações em
que chegamos recentemente.
1.2. O papel do futebol e seus desafios no século XXI
Considerando que o futebol é um esporte em constante crescimento e
desenvolvimento, é essencial admitir a importância do seu papel no âmbito
global neste século XXI. O futebol ainda demonstra e não tende a se distanciar
das já mencionadas e tradicionais funções sociais, democráticas, de unificação
nacional, de movimentação das economias globais, de tratamento da imagem
nacional, de apaziguamento de situações conflituosas, de moldar as relações e
os interesses entre nações entre outras já identificadas na revisão histórica
presente nos itens anteriores deste trabalho.
Da mesma forma que o futebol é carregado por funções e papeis através
da sua história e nos dias atuais, este esporte também apresenta inúmeros
desafios, muitas vezes ocasionados pela importância da sua participação
mundial como ferramenta útil em diversos setores da sociedade. Assim, a partir
23
deste item, as relações entre os possíveis papéis e desafios do futebol no
século XXI se tornarão mais claros.
A principal influência que tem modificado e pode apresentar uma
participação mais relevante no futuro das atividades futebolísticas é a
existência da globalização4. Assim como é visível os efeitos da globalização no
meio ambiente, na urbanização e modernização das cidades, na economia
internacional e no setor de turismo, também é visível que o futebol tem sido
afetado pela imensa dimensão que a globalização alcança atualmente.
No futebol em era globalizada, jogadores de todos os cantos do mundo
rompem as barreiras geográficas de seus países e encontram-se em equipes
multinacionais, principalmente nas equipes europeias. São espanhóis, italianos,
ucranianos, brasileiros, argentinos, nigerianos, coreanos, entre outros, que
compõem equipes sem limites. A mais recente incorporação dos Estados
Unidos e dos países asiáticos no eixo consumidor esportivo marca
definitivamente a globalização do futebol, que no século XIX foi uma prática
aristocrática inglesa e hoje assume proporções mundiais. Aqui é visível o
potencial do papel de inclusão que o futebol gera tanto aos mercados menos
tradicionais como o africano, bem como os mercados mais poderosos do
mundo com o norte-americano.
Num futebol transformado para o mercado global que transpõe barreiras
e necessita de mercados consumidores mundiais, a dúvida que pode surgir é
se há a real necessidade da contratação de jogadores de alguns países, ou se
essa não seria somente uma tática de mercado para que os consumidores
estrangeiros se identifiquem e conheçam os seus produtos com maior eficácia.
Não é a toa que uma terceira via para os torcedores tem sido criada.
Além da paixão local (o seu clube) e a paixão nacional (a sua seleção nacional)
a admiração por clubes estrangeiros tem crescido profundamente. O problema
dessa terceira via em países da América do Sul, por exemplo, é o fato que não
se consegue medir se esse novo interesse é causado pelo fracasso dos 4 Globalização é normalmente associada a processos econômicos, como a circulação de
capitais, a ampliação dos mercados ou integração produtiva em escala mundial. Mas descreve também fenômenos da esfera social, como a criação e expansão de instituições supranacionais, a universalização de padrões culturais e o equacionamento de questões concernentes à totalidade do planeta (meio ambiente, desarmamento nuclear, crescimento populacional, direitos humanos etc.) Assim, o termo tem designado a crescente transnacionalização das relações econômicas, sociais, políticas e culturais que ocorrem no mundo, sobretudo nos últimos 20 anos. (Ivan Furmann, 2011, s/p.)
24
campeonatos nacionais e o consequente desapego com o fator local, ou se a
criação dos superclubes europeus é apenas uma fonte inspiradora ou um
desafogo para quando o time local não agrada o suficiente.
Os superclubes bilionários montados na Europa têm cada vez mais
competido com as seleções nacionais pela liberação dos jogadores em datas
direcionadas a competições ou amistosos internacionais. E diversas vezes as
reivindicações desses clubes são atendidas em detrimento dos times
nacionais, grande parte pela capacidade de influência econômica e política que
esses superclubes detêm no cenário esportivo. Cada partida em que um
jogador considerado de grande investimento ao clube não está presente por ter
que se apresentar à sua seleção de origem, isso significa imensos prejuízos
para a receita dos clubes. Evidente que essa mesma situação pode acontecer
mesmo com clubes de menor capacidade financeira e poder, porém o desafio
do futebol é entender por que a lógica transnacional de negócios entra em
conflito e diversas vezes supera a expressão da identidade nacional através de
jogos da seleção nacional. Essa situação de competição entre seleções e
clubes diminuiu quando a FIFA instituiu as ‘datas FIFA’ nas quais os
campeonatos nacionais param para que os plantéis nacionais possam competir
entre si amistosamente ou em forma de competições, mas mesmo com essa
iniciativa ainda há muitas divergências nesse ponto, principalmente pelo fato
dos jogadores precisarem se apresentar um longo tempo antes nas suas
seleções. Além disso, em alguns campeonatos como o Campeonato Brasileiro,
os jogos continuam sendo disputados mesmo quando há jogos do time
nacional.
Com efeito, é cabível trazer para esse contexto também a discussão de
como os torcedores sentem esses desafios presente no mundo do futebol
atual. Essa lógica trazida pela globalização causa a substituição de torcedores
apaixonados por seus times por espectadores mais ‘frios’, por ‘meros’
consumidores do espetáculo futebolístico? A resposta desta questão
certamente está num encontro de ambas as possibilidades, pois ainda é cedo
para subestimar o sentimento de paixão e lealdade demonstrados pelos
torcedores. Porém, ao mesmo tempo devem-se considerar os novos elementos
adicionados ao mundo do futebol, elementos dos quais os efeitos ainda não se
conseguem medir definitivamente.
25
O futebol é historicamente conhecido por ser um esporte ‘romântico’ em
que a paixão do torcedor pelo time era suficiente para lotar estádios muito além
das suas capacidades independente das condições apresentadas para tanto.
Porém, a transformação do futebol em espetáculo pelos agentes organizadores
deste esporte tem mudado o acesso dos torcedores aos estádios.
Evidentemente que as transmissões realizadas pelas redes de televisão e
através da internet acabam por tornarem-se opções práticas para alguns
torcedores, porém os valores apresentados recentemente para a entrada nos
estádios são extremamente inacessíveis para as massas menos abastadas. O
fator democrático e inclusivo do futebol tem sido diretamente afetado pelos
responsáveis dos eventos futebolísticos.
A inacessibilidade ou a exclusão parcial criada no futebol é relacionada
com o aumento dos valores financeiros envolvidos no futebol. Cada vez mais
os direitos de transmissão da televisão são maiores, os investidores e
patrocinadores desembolsam números altíssimos, clubes são adquiridos por
bilionários de todas as partes do mundo, atletas se transferem em negociações
com valores nunca antes vistos. Dessa forma os clubes passam por situações
de déficits constantemente a fim de manterem-se competitivos, o que os obriga
a aumentarem suas receitas. Esse aumento é sentido diretamente pelo
torcedor em qualquer país do mundo.
Mesmo com a globalização transformando o futebol em um esporte
assistido nos estádios cada dia por classes mais altas, as funções sociais deste
esporte não são alteradas. Nesse ponto o oposto é observado, pois jogadores
e entidades esportivas progressivamente aumentam suas atividades
filantrópicas e solidárias com objetivos de inclusão social e alívio da miséria,
fome e doenças. Ex-jogadores organizam inúmeras partidas com renda
direcionada para projetos sociais, atletas utilizam-se da sua imagem para
divulgar e incentivar auxílios para instituições e grupos com necessidades.
Esse papel de preocupação e apoio ao próximo é inerente às origens de
coletividade deste esporte e permanecerá como importante elemento das
relações futebolísticas independente dos outros papeis e desafios que possam
surgir.
Um dos mais complicados e importantes papéis e desafios que o futebol
terá nos próximos anos é erradicar o racismo no cenário do futebol. Esse
26
problema não é atual, porém por algum tempo as manifestações de
preconceito no ambiente futebolístico tinham sido abafadas. Nos últimos anos,
no entanto, essas manifestações voltaram a ocorrer e com frequência
preocupante. Mesmo com a campanha internacional ‘say no to racism’ (diga
não ao racismo) promovida pela FIFA, principalmente na Espanha, Itália,
Holanda, Inglaterra e Brasil os atos de racismos continuam explícitos e
aparentemente incontroláveis. Os próprios clubes têm promovido campanhas
contra o racismo de forma a tentar atingir diretamente seus torcedores,
entretanto a efetividade não tem acompanhado os esforços. Há, também, os
esforços conjunto entre FIFA e clubes para identificar os indivíduos que
cometem os atos racistas e bani-los dos estádios, bem como punindo-os
através dos meios legais. Esse método pode, dentro dos próximos tempos,
mostrar-se mais eficaz para cumprir o objetivo da erradicação do racismo no
futebol.
Trazendo a questão dos desafios do futebol mais perto do tema trabalho
para a área da política estatal, pode-se comentar que o futebol e os esportes
no geral devem ser desenvolvidos e organizados internamente de forma
eficiente para que possam, direta ou indiretamente, auxiliarem a máquina
estatal na sua agenda externa. O frequente envolvimento e a valorização do
governo para com o esporte tende a criar uma conexão entre ambos os setores
que possibilita a utilização do esporte como ferramenta política estatal.
Portanto, o desafio do futebol é buscar a sua evolução interna através de
contato constante com o Estado para que alcance relevância no cenário
nacional e posteriormente internacional. A diplomacia do esporte (expressão
que será aprofundada mais adiante no trabalho) só virá à tona se efetivamente
cumprir um papel que interesse a cúpula decisória de um país e, para isso,
deve se estabelecer como um setor notável da sociedade.
Por fim, um dos maiores pensadores da época contemporânea, Eric
Hobsbawm deixou na sua extensa obra uma análise do futebol que vemos
diariamente nos estádios, na televisão e pela internet. Usou o futebol para
explicar a globalização e a globalização para explicar o futebol. Em uma
entrevista à Folha de São Paulo (s/p), em 2007, Hobsbawn resumiu o papel do
futebol no mundo globalizado:
27
“O futebol sintetiza muito bem a dialética entre identidade nacional, globalização e xenofobia dos dias de hoje. Os clubes viraram entidades transnacionais, empreendimentos globais. Mas, paradoxalmente, o que faz o futebol popular continua sendo, antes de tudo, a fidelidade local de um grupo de torcedores para com uma equipe. E, ainda, o que faz dos campeonatos mundiais algo interessante é o fato de que podemos ver países em competição. Por isso acho que o futebol carrega o conflito essencial da globalização.”
1.3. A participação do futebol na economia mundial
A participação da globalização no mundo futebolístico, já discutida no
item anterior, é indiscutivelmente ratificada quando se observa os dados
econômicos e financeiros que têm circulado em tal ambiente. A economia
mundial tem sido afetada crescentemente pelo fluxo financeiro causado pelo
fator transnacional adquirido pelos esportes de uma forma geral e pelo futebol
especialmente. É importante que esses números sejam analisados de modo a
compreender que a sua extensa e progressiva existência acabam por
ocasionar diversas implicações em diferentes setores.
Os superclubes europeus, como já referidos anteriormente, são parte
chave dessa análise. Só na Espanha, existem os dois maiores e mais valiosos
times do mundo sendo o Real Madrid Club de Futbol o primeiro e o Futbol Club
Barcelona o segundo. De acordo com a série de artigos sobre The Business of
Soccer publicados pela revista Forbes5 por Mike Ozanian em 2014, o valor do
Real Madrid em 2013 está estimado em $3,44 bilhões de dólares (4% mais que
o ano anterior) e do Barcelona estima-se em $3,2 bilhões de dólares (23% a
mais que o ano anterior). Só no último ano o Real Madrid gerou uma receita de
$675 milhões de dólares contra $627 milhões do Barcelona. Esse valor
alcançado pelo Real Madrid é o maior da história de qualquer clube em
comparação com qualquer outro esporte.
5 Forbes é uma revista de negócios e economia americana. Propriedade de Forbes, Inc. e de
publicação quinzenal, a revista apresenta artigos e reportagens originais sobre finanças, indústria, investimento e marketing. Apesar de não ser seu foco principal, Forbes também publica matérias relacionadas à tecnologia, comunicações, ciência e direito. Também é conhecida por suas listas, principalmente nas quais faz um ranking das pessoas mais ricas dos Estados Unidos (conhecida como Forbes 400) e do mundo, além de outras como das celebridades mais bem-pagas e das mulheres mais poderosas. Informação retirada do sítio: http://pt.wikipedia.org/wiki/Forbes
28
O valor estimado do Real Madrid de $3,44 bilhões supera o Produto
Interno Bruto (PIB) de 2013 de mais de 30 países separadamente de acordo
com uma lista de PIBs divulgada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Isso significa que apenas um clube de futebol vale mais que a riqueza interna
de mais de 30 países independentes e soberanos.
O jogador português Cristiano Ronaldo, que foi eleito o melhor jogador
de futebol do mundo em 2013, recebeu, nesse mesmo ano, a quantia de $73
milhões de dólares em salários, patrocínios, bônus, marketing entre outros e é
um dos atletas mais bem pagos do mundo (OZANIAN, 2014). Esses altos
valores acabam por atrair atletas de todas as partes do mundo para jogar em
times europeus, trazendo um empobrecimento técnico e de importância a
outros campeonatos. Considerando que a origem de jogadores de futebol
profissionais é, em sua maioria, de famílias pobres ou com poucas condições,
quando esses números são oferecidos aos atletas ultrapassam qualquer tipo
de lealdade ou vínculo que o jogador tenha com o seu clube de coração e/ou
que o revelou. Significativa parte desse dinheiro também é direcionada aos
agentes dos jogadores responsáveis por suas carreiras e transferências, fato
que causa uma “fome” por negociações precoces, desde que o valor alcance
um patamar exigido, a negociação será definida. O jogador tem se tornado
cada vez mais uma mercadoria no ambiente do futebol.
Ainda sobre o elemento citado acima das negociações de jogadores,
deve-se destacar também o fluxo financeiro que ocorre internacionalmente.
Inglaterra e Espanha protagonizaram as duas maiores transferência da história
do futebol quando o clube inglês Tottenham vendeu para o Real Madrid o
jogador Gareth Bale pelo valor de $100 milhões de euros, bem como o
Manchester United repassou os direitos do jogador Cristiano Ronaldo para o
mesmo Real Madrid pelo valor de $94 milhões de euros. O brasileiro Neymar é
a 3ª maior transferência da história custando $86,2 milhões de euros aos cofres
do Barcelona quando o jogador foi comprado junto ao Santos. Juntando os
valores das 10 principais transferências da história obtém-se o valor de $730,7
milhões de euros, aproximadamente R$2,2 bilhões de reais (OZANIAN, 2014).
Além dos valores brutos das transferências, ainda devem ser considerados os
números de marketing e patrocínios que esses jogadores levam consigo no
momento em que trocam de país e time. O poderio econômico dos fatores
29
relacionados ao futebol crescem profundamente conforme o tempo passa e as
nações assistem suas economias movimentarem-se com esses fatores
independentemente de crises globais. O futebol é certamente um vetor
alternativo para os governos incentivarem de forma a dinamizarem suas
economias.
Outro fator representativo nos números apresentados pelo futebol é o
caso da quantidade média de torcedores que participam dos jogos de futebol
de seus respectivos países por ano. Os cinco países em que a quantidade de
público anual é maior são Alemanha, Inglaterra, Espanha, México e Itália nessa
ordem. Com exceção do México, os outros países apresentam renda per capita
anual dentro das 35 principais médias do mundo. A renda média anual per
capita no Brasil é de aproximadamente $12 mil dólares o que coloca o país no
posto de número 79 da lista das rendas médias anuais per capita. A Alemanha
está 15º posição com $40 mil dólares. Assim, visto que o Brasil, “o país do
futebol” está na 14ª colocação dos países que apresentam maior público em
seus estádios, pode-se deduzir que além da paixão dos torcedores, o fator do
suporte financeiro tem sido definitivo para a lotação dos estádios.
É impossível analisar os dados econômicos no futebol sem citar os
valores em torno das Copas do Mundo, o maior evento internacional de futebol
do planeta. Na Copa do Mundo de 2006 na Alemanha os custos de construção
de novos estádios ou reformas foram de aproximadamente R$4,2 bilhões, em
2010 na África do Sul foram de R$4,15 bilhões e já no Brasil os custos dos
estádios são estimados em R$8,9 bilhões conforme o divulgado pelo sítio Terra
em janeiro de 2014. De acordo com o sítio da Folha de São Paulo (2014, s/p),
os custos totais para a realização da Copa 2014 no Brasil ultrapassaram os
R$26 bilhões de reais e a origem dos investimentos tem saído na maior parte
dos cofres públicos. Mesmo com a promessa de quitação de certa parte do
investimento público por parte de iniciativas privadas, essa participação do
dinheiro público destinado à Copa do Mundo tem suscitado diversas
manifestações populares com críticas severas. Nesse mesmo ponto, vemos
que a Copa do Mundo na África do Sul, que passou pelos mesmos dilúvios de
contradições de apoio público, hoje apresenta um legado ínfimo de
desenvolvimento. Segundo o sítio UOL (2014, s/p) com exceção da visível
melhora da mobilidade pública, os novos estádios não são usados pela falta de
30
profissionalização do futebol no país e causam um prejuízo incomparável ao
governo, o desemprego continua acima dos 25% e outros indicadores sociais
se mantêm preocupantes. Já a FIFA conseguiu dobrar o lucro na Copa da
África que obteve na Copa anterior na Alemanha, e em 2014 aumentou o seu
lucro em mais 36%, informação divulgada pelo sítio do jornal Estadão (2014,
s/p). Portanto, as implicações causadas pela necessidade de transformar o
futebol em espetáculos mostram-se de certa forma graves e abrem espaço
para serem contestadas.
Assim, nesta primeira parte do presente trabalho, abordaram-se
primeiramente as origens históricas do futebol e como este esporte se tornou o
mais popular no âmbito mundial. Logo após discutiu-se o papel que o futebol
tende a ocupar nos próximos anos, bem como os possíveis desafios que
podem ser enfrentados no ambiente futebolístico. Por fim, apresentou-se uma
gama de valores, dados e comparações de forma a observar as situações que
a popularização e a globalização do futebol têm desenvolvido em diversos
setores. Então, conforme a análise geral realizada percebe-se que o futebol
alcançou uma grande e determinante visibilidade e relevância no nível
internacional, acompanhando as tendências dos efeitos da globalização, de
modo que, como veremos mais adiante no trabalho, influenciará e servirá de
ferramenta alternativa para as cúpulas de maior poder decisório dos Estados-
nação da atualidade.
31
2. REFERENCIAIS TEÓRICOS: PRINCIPAIS ELEMENTOS E
APLICAÇÃO
Após apresentar, no primeiro capítulo, as origens, o desenvolvimento
histórico e os parâmetros de relevância do tema do presente trabalho, o
capítulo a seguir pretende incorporar à discussão os referenciais teóricos do
âmbito das Relações Internacionais nos quais o restante das análises será
baseado. Compreende-se entre os objetivos desse trabalho, ilustrar a inserção
das relações esportivas, mais especificamente as relações do futebol, como
ferramentas presentes no cenário das relações internacionais e nos diferentes
níveis dos processos de elaboração e execução de políticas externas estatais.
Para a realização de tal objetivo, é preciso recorrer a uma visão mais próxima
do que se estuda no campo de pesquisa das Relações Internacionais e de que
forma, ou onde, o tema apresentado no trabalho pode encaixar-se.
2.1 Panorama geral das teorias clássicas das Relações
Internacionais
Ao longo do século XX, a área acadêmica de Relações Internacionais foi
adquirindo contornos e características teóricas e conceituais independentes em
relação às demais Ciências Sociais. Na busca por autonomia e legitimidade, os
estudiosos das Relações internacionais procuraram raízes e estabeleceram
linhas intelectuais para confirmar que o estudo do internacional não é recente
nem passageiro. As heranças de autores como Tucídides, Hobbes e Maquiavel
sobre o internacional são diversas. Tucídides na obra ‘História da Guerra do
Peloponeso’, por exemplo, afirmava que em um mundo onde os poderosos
fazem o que têm o poder de fazer e os fracos aceitam o que têm que aceitar, o
medo de não sobreviver leva os Estados a iniciarem e entrarem em guerras.
Maquiavel, por sua vez, em ‘O Príncipe’ deixou como herança para os
estudiosos a ênfase na sobrevivência do Estado como ator. O príncipe sem um
Estado perde toda a sua relevância. Do ‘Leviatã’ de Hobbes, os estudiosos
destacaram o conceito de estado de natureza que comparam com o estado de
32
anarquia no sistema internacional, termos que serão melhor abordados mais
adiante (MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
A leitura que se faz destes três pensadores destaca os elementos de
sobrevivência, poder, medo e anarquia internacional que representam as
premissas centrais do realismo. O realismo é considerado como uma das
visões de mundo pioneiras e dominantes entre analistas e tomadores de
decisões no cenário das relações internacionais. Dessa forma, o restante do
estudo presente neste subitem será dedicado à apresentação das teorias
clássicas que são consideradas relevantes para o campo de estudos das
Relações Internacionais, o realismo e o liberalismo.
Dando início através da teoria realista, pode-se afirmar que não é
necessariamente a origem do estudo das relações internacionais, mas sim é o
primeiro esforço sistematizado em pensar as relações internacionais. Esta
teoria possui grande diversidade e a ampla riqueza o que torna a tarefa de
definir premissas comuns a todas as vertentes do pensamento realista uma
tarefa complicada. Contudo, das tradições herdadas de Tucídides, Maquiavel e
Hobbes, algumas premissas podem ser consideradas comuns a todos os
realistas. Essas premissas são a centralidade do Estado, que tem por objetivo
principal sua sobrevivência, a função do poder para garantir a sobrevivência,
seja de maneira independente, seja por meio de alianças e a resultante
anarquia internacional. Ademais, podem ser adicionadas também outras duas
características da teoria realista, que são: o que ocorre dentro dos Estados não
é relevante para a análise das relações internacionais e a segunda é o
pessimismo pronunciado e definitivo em relação à natureza humana.
Na visão dos realistas, o Estado é o ator central das relações
internacionais. O papel do Estado nas relações internacionais seria manter a
paz dentro das suas fronteiras e a segurança dos seus cidadãos em relação a
agressões externas. Os Estados são unidades parecidas ou iguais do ponto de
vista das funções que desenvolvem e agem de maneira uniforme e homogênea
em defesa do interesse nacional. O Estado convive com uma dupla realidade:
uma interna, em que é soberano e tem a autoridade e a legitimidade de impor
decisões e diretrizes, e uma outra realidade externa, em que está ausente
qualquer autoridade que tenha legitimidade de tomar e impor decisões. Nesta
segunda realidade, o Estado tem como função principal a defesa do interesse
33
nacional, isto é, a preservação e a permanência do Estado como ator nas
relações internacionais (MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
A anarquia é o conceito definidor do realismo nas relações
internacionais. O que se entende por anarquia não é propriamente o caos, mas
sim a ausência de uma autoridade suprema, legítima e indiscutível que possa
ditar as regras, interpretá-las, implementá-las e castigar quem não as obedece.
Em oposição ao que ocorre no plano doméstico, os realistas consideram que
não existe nas relações internacionais um único soberano que tenha o
monopólio do uso legítimo da força. O que existe nas relações internacionais é
a coexistência entre múltiplos soberanos. Reproduz-se assim nas relações
internacionais o que Hobbes descreveu como o estado de natureza: a
existência simultânea de vários autores exclusivamente responsáveis por sua
própria sobrevivência. Os realistas veem o estado de natureza como uma
realidade permanente que vai permear as relações internacionais para sempre.
Para os realistas, a consequência da existência da anarquia nas relações
internacionais é a mesma que a consequência da existência do estado de
natureza para Hobbes: desconfiança permanente entre todos, sobrevivência
como único objetivo possível e a segurança só pode ser atingida em detrimento
da falta de segurança dos outros e vice-versa (MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
Para os realistas, o interesse nacional do Estado é algo predeterminado, de modo que a sobrevivência é o interesse nacional supremo e fundamental que deve levar à mobilização de todas as capacidades nacionais e ao qual se submetem todos os demais interesses (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, pg 27).
Pode-se afirmar que os realistas também consideram o poder como
elemento central da sua análise das relações internacionais. Uma das
denominações da visão realista é precisamente o realismo do poder. Várias
definições de poder coexistem nas relações internacionais. Enquanto alguns
autores definem o poder como a soma da capacidade do Estado em termos
políticos, militares, econômicos e tecnológicos, outros estabelecem uma
definição de poder em termos relativos, ao definirem o poder do Estado não em
relação a suas capacidades intrínsecas, mas sim em comparação com os
demais Estados com os quais compete. Há autores como Waltz que afirmam
34
que o poder é a capacidade de influência no sistema internacional mais do que
ser influenciado por ele (MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
Ainda ligado ao conceito de poder encontra-se o conceito de balança ou
equilíbrio de poder. Alguns Estados julgam que seu interesse nacional seria
melhor servido ao se juntarem a uma grande potência. Ao oposto disso, outros
Estados entendem que o interesse nacional é ameaçado pelo poderio de uma
grande potência e se juntam com outros Estados menos poderosos para tentar
equilibrar o poder daquela potência. A balança de poder não significa
necessariamente que a distribuição de poder seja equilibrada entre os vários
Estados, mas sim que os Estados tendem a buscar estabelecer esse possível
equilíbrio. Para Morgenthau, por exemplo, a existência de uma balança de
poder seria um mecanismo necessário para garantir a estabilidade do sistema
internacional (MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
A última característica relevante da teoria realista seria o princípio da
autoajuda, ou seja, que nenhum Estado pode contar com outro para defender
seus interesses e sua sobrevivência. Assim, cada Estado só pode contar de
maneira integral com suas próprias capacidades para se defender e
permanecer como ator nas relações internacionais.
Na década de 1970, o realismo6 conheceu uma de suas crises mais
fortes. O surgimento e a consolidação da relevância dos assuntos econômicos
puseram em dúvida a centralidade do papel do Estado nas relações
internacionais. Em 1979, Kenneth Waltz publicou um livro que seria de grande
contribuição à uma nova discussão temática chamada neorrealismo. Waltz
procurou resgatar o realismo diante de críticas que aumentavam. Seu
argumento era que o realismo era válido como teoria das relações
internacionais e que conseguia explicar os principais fenômenos que ocorrem
6 Ainda na tradição Realista, John Mearsheimer (2001) e a obra ‘The tragedy of Great Power
Politics’, intitulado de ‘realista ofensivo’, vê a maximização do poder, que irá acarretar a busca por hegemonia, como a força motriz da política internacional. A meta central de cada Estado é maximizar sua parcela de poder mundial, o que implica na obtenção de poder às expensas de outros Estados. Mas as Grandes Potências não apenas disputam para serem as mais poderosas de todas entre elas, embora essa seja uma resultante bem-vinda. O objetivo derradeiro é se tornar um hegemon. O realismo ofensivo é uma teoria estrutural que, ao contrário do realismo clássico de Hans Morgenthau, acusa o conflito de segurança na anarquia do sistema internacional, e não a natureza humana ou as características de cada uma das grandes potências. Em contraste com outras teorias estruturais realistas, o realismo ofensivo acredita que os Estados não estão satisfeitos com uma determinada quantidade de poder, mas buscam a hegemonia (maximização de sua parcela de poder no mundo), para segurança e sobrevivência.
35
dentro delas. No entanto, Waltz afirmou que era preciso estabelecer o realismo
em bases mais sólidas e científicas, assim ele se referia à teoria neorrealista,
na qual não se rejeitaria as raízes, as premissas e as influências realistas, mas
a tornaria mais eficiente. Waltz também chamava sua teoria de realismo
estrutural por providenciar uma análise estrutural da política internacional
(MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
A segunda teoria considerada como clássica nas relações internacionais
é a teoria liberal, ou liberalismo. O liberalismo é um dos paradigmas
dominantes na teoria das relações internacionais e sua influência cresceu
muito após o fim da Guerra Fria. Durante muito tempo as teorias liberais foram
objeto de crítica e descaso pela maioria dos pensadores mais influentes da
disciplina pelo fato de serem alicerçadas em ideias consideradas idealistas.
Ainda assim, o liberalismo é um componente essencial de toda a rede
conceitual das relações internacionais. O liberalismo é uma grande tradição do
pensamento ocidental que deu origem a teorias sobre o lugar do indivíduo na
sociedade, sobre a natureza do Estado e sobre a legitimidade das instituições
de governo. A preocupação central seria com a liberdade do indivíduo e trata-
se de uma preocupação essencialmente moderna que afirma que os seres
humanos são capazes, com o uso da razão, de definir seu destino de maneira
autônoma (MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
O liberalismo foi uma visão de mundo excepcionalmente inovadora para seu tempo, pois defendia a noção de que os seres humanos são, também, iguais na medida em que todos possuem, por natureza, a mesma capacidade de descobrir, compreender e decidir como alcançar a própria felicidade. Essa igualdade se traduzia na noção de que a natureza humana é predominantemente positiva e todos os seres humanos são detentores de direitos pelas simples razão de terem nascido. Os chamados direitos naturais à vida, liberdade e propriedade (MESSARI e NOGUEIRA, 2005, pg 59).
A ideia liberal também é a de que as sociedades bem ordenadas tendem
a ser autorreguladas, ou seja, são capazes de corrigir por meio de instituições
e processos inerentes a sua organização, crises, ineficiências e desequilíbrios
que ameacem sua existência e reprodução. Os liberais acreditam que a razão
humana pode formular princípios filosóficos, morais e políticos que façam com
que as instituições de uma sociedade atuem sempre no sentido do equilíbrio e
da autorregulação. Os liberais afirmam que as organizações políticas modernas
36
asseguram condições para o progresso contínuo e inevitável das sociedades
humanas. Livres das amarras de velhas tradições e ordens sociais que
cerceavam sua autonomia e liberdade, os seres humanos podem desenvolver
suas capacidades, praticamente ilimitadas, na busca do bem comum
(MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
O problema encontrado pelos liberalistas está na contradição sempre
presente entre o dever de proteger os cidadãos contra inimigos externos e as
consequências, frequentemente nocivas às liberdades individuais, da
promoção de conflitos armados. Governantes ambiciosos encontram nas
guerras o melhor pretexto para aumentar impostos, restringir a livre expressão
de posições contrárias, colocar oposicionistas sob suspeita, aumentar gastos
militares, concentrar poder pessoal. Assim os liberais chegaram à conclusão de
que o estado de conflito potencial que caracteriza o sistema internacional é
uma ameaça permanente à liberdade no interior dos Estados. Daí a
importância e a necessidade de fazer a promoção da paz mundial uma tarefa
primordial da política externa de nações comprometidas com o bem-estar de
seus cidadãos (MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
No que se refere à natureza conflituosa da anarquia do sistema
internacional, os liberais tendem a concordar com os realistas. Uma das
características que diferenciam a tradição liberal é a não aceitação dessa
condição como imutável. A crença no progresso estende-se às relações
internacionais, afirmando a possibilidade de transformar o sistema de Estados
em uma ordem que seja mais cooperativa e harmoniosa (MESSARI;
NOGUEIRA, 2005).
A ideia de que o livre comércio contribui para a promoção da paz entre
as nações é uma das mais antigas da tradição liberal. Kant, por exemplo,
acreditava que a intensificação das trocas entre países contribuiria para o
desenvolvimento do princípio da hospitalidade que era um elemento
fundamental de uma paz cosmopolita. Pensadores liberais desde o século XIX
afirmavam que os conflitos armados prejudicavam muito a atividade econômica
doméstica e faziam com o que comércio internacional quase parasse. O
comércio é necessário e vantajoso para o bem-estar das nações, uma vez que
explora a complementariedade de economias mais bem dotadas de recursos
naturais e mão-de-obra em setores diferentes. O comércio fortalecia
37
percepções e políticas que encaravam a guerra de maneira desfavorável. Os
liberais também argumentavam que o comércio criava laços entre as nações
que reduziriam sua propensão a adotar políticas agressivas contra os parceiros
(MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
Outra ideia forte do liberalismo trata-se da relação entre democracia e
paz. A ideia básica é que Estados democráticos tendem a manter relações
pacíficas entre si e que, à medida que o número de países governados de
forma democrática crescesse, uma espécie de zona estável de paz e
prosperidade se formaria. Os princípios que regem as repúblicas modernas
incluem a proteção dos direitos individuais, o estado de direito, a legitimidade
do governo com base na representação e no consenso, a transparência e a
publicidade nas decisões do Estado. Para Kant, nas repúblicas em que o poder
estivesse baseado na representação de interesses coletivos, qualquer decisão
de ir à guerra seria muito mais difícil. As repúblicas seriam mais pacíficas
graças à natureza de suas instituições e à observância do estado de direito
(MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
O respeito a um regime jurídico constitucional estimula a crença na eficácia do direito internacional como mecanismo de resolução de conflitos. Nesse sentido, sociedades democráticas buscariam resolver suas diferenças mútuas pacificamente por meio do direito internacional, porque reconheceriam umas nas outras o mesmo o compromisso com regras e instituições que reduzem a possibilidade de uma agressão armada (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, pg 65).
Liberais argumentam, também, que a opinião pública é um fator
determinante na definição de uma política externa racional e moderada. As
vantagens de um processo de tomada de decisão que envolva a sociedade
estão na garantia de que diferentes posições serão ouvidas em um debate
público e no fato de o resultado ser transparente para todos, inclusive para os
países interessados na decisão. Para os liberais, a manifestação da opinião
pública é um elemento crucial para tornar a política externa de um Estado mais
pacífica (MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
Por fim, o liberalismo também tem uma clara concepção acerca do papel
das instituições internacionais na redução dos conflitos e na mudança da
natureza da política mundial. É importante lembrar que para a tradição liberal, a
solução para reduzir os conflitos internacionais não é formação de um governo
38
mundial. Para a grande maioria dos autores, a absorção dos Estados nacionais
em um único Estado mundial seria desastrosa, pois produziria uma estrutura
impossível de administrar eficazmente e representaria uma tentação e um
perigo constante de tirania por um governo poderoso demais. Para Messari e
Nogueira (2005, pg 70) “os liberais acreditam que boas instituições são
necessárias e imprescindíveis para garantir a liberdade e o bem-estar da
sociedade”.
Conforme os estudos da teoria liberal progrediram através do tempo,
novas vertentes de pesquisa surgiram como o funcionalismo e a
interdependência. O funcionalismo representa a tentativa liberal de
fundamentar seus modelos teóricos em um método baseado na observação
científica da realidade. O objetivo principal dos funcionalistas era estudar o
funcionamento das organizações internacionais e analisar como a criação de
agências especializadas no tratamento de questões específicas das relações
entre Estados poderia conduzir, gradualmente, ao aprofundamento da
cooperação. Os funcionalistas acreditavam que a soberania poderia ser
compartilhada sempre e quando esse compartilhamento fosse resultado de
escolhas técnicas sobre como melhor desempenhar uma determinada função.
Essa visão defende a separação entre a política e a técnica como caminho
para a progressiva institucionalização das relações internacionais (MESSARI;
NOGUEIRA, 2005).
Já a temática da interdependência surgiu com força na década de 1970
e tornou-se objeto de pesquisas rigorosas por alguns autores da área de
relações internacionais. Keohane e Nye são os principais autores que
publicaram sobre a temática cuja tese se refere ao fato de que as economias
nacionais estavam interligadas pelo avanço nas comunicações, pela
intensificação de transações financeiras, pelo crescimento no volume do
comércio, pela atuação de empresas multinacionais em diferentes mercados
simultaneamente, pela influência recíproca de movimentos culturais e
ideologias. A característica mais nova da política mundial era a emergência de
atores não estatais desempenhando papeis as vezes mais relevantes que os
Estados em decisões sobre setores diversos da sociedade. Os autores
acreditavam que não era mais possível estudar as relações internacionais
olhando apenas para o comportamento dos Estados, era imprescindível
39
incorporar os novos atores nos modelos de análise (MESSARI; NOGUEIRA,
2005).
Para Keohane e Nye, as organizações internacionais serviriam para reduzir os custos da interdependência e criar condições favoráveis à cooperação, vista como meio mais eficaz para lidar com os conflitos gerados pelos novos padrões das relações internacionais (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, pg 87).
Ainda derivado da teoria liberal, surge a relativamente nova temática do
liberalismo institucional ou também chamado de neoliberalismo, porém essa
temática será aprofundada no próximo subitem juntamente com o estudo de
outra teoria das relações internacionais, o construtivismo.
2.2 Construtivismo e Neoliberalismo: história e preceitos
O construtivismo e o neoliberalismo são teorias relativamente mais
recentes das relações internacionais e são dotadas das bases teóricas mais
próximas ao que se pretende argumentar no presente trabalho. Ambas diferem,
na sua maior parte, dos ideais clássicos detalhados no item anterior e são
compostas de discussões que se entrelaçam com o tema proposto de maneira
muito conveniente. Após uma primeira apresentação e análise do histórico e
características dessas teorias, será discutida a conexão de tais com o papel do
futebol – e as relações esportivas - no cenário das relações internacionais.
Em primeiro lugar, o construtivismo surgiu nos estudos das relações
internacionais em 1989, na ocasião da publicação do livro de Nicholas Onuf e
do artigo de Alexander Wendt em 1992. Algumas premissas dessa corrente
foram debatidas no trecho a seguir:
Friedrich Von Kratochwill e Thomas Risse-Kappen definem as premissas centrais do construtivismo. Ambos concordam que a premissa central e comum a todos os construtivistas é que o mundo não é predeterminado, mas sim construído à medida que os atores agem, ou seja, que o mundo é uma construção social. É a interação entre os atores, isto é, os processos de comunicação entre os agentes, que constrói os interesses e as preferências destes agentes. No debate agentes-estrutura, os construtivistas negam que os agentes precedam a estrutura e a moldam para servir seus interesses e suas preferências, e que a estrutura tenha a capacidade de constranger e limitar as opções e, portanto, as ações dos agentes. Para eles, entre agentes e estrutura nenhum precede o outro nem no
40
tempo e nem na capacidade de influenciar o outro (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, pg 166).
Outras premissas são comuns a vários construtivistas, como por
exemplo a negação da anarquia como uma estrutura que define a disciplina de
relações internacionais. Outra premissa é que a anarquia internacional é
socialmente construída. Isso significa que definir as relações internacionais
como um espaço de conflito e de competição permanentes é parcialmente
correto, já que a natureza da anarquia não é predeterminada. Sendo
socialmente construído, o sistema internacional pode variar entre o conflito e a
cooperação. Os processos de construção e reconstrução são permanentes e
abrem espaço para a contínua possibilidade de mudança (MESSARI;
NOGUEIRA, 2005).
Com a publicação do livro Rules, Norms and Decisions, em 1989,
Kratochwil contribuiu de maneira expressiva para afirmar o construtivismo
como uma das principais tradições teóricas das relações internacionais.
Kratochwil foi um dos principais proponentes da chamada virada linguística nas
relações internacionais, pois ele procurou identificar nos discursos, mais
particularmente nas regras que regem e organizam estes discursos, as regras
que nos permitem aprender a realidade em que vivemos. O argumento do autor
é que, ao entendermos as regras que regem o discurso, podemos entender as
regras que regem a própria realidade. Para Kratochwil, as normas representam
a principal influência nas ações humanas, mesmo que de forma indeterminada.
Considera o mundo socialmente construído e que a ação humana é moldada e
regida por regras. Por isso, a análise das ações dos agentes deveria consistir
não na análise dessas ações, mas sim na análise das regras e normas que
orientam suas escolhas (MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
Messari e Nogueira (2005) declaram que Nicholas Onuf também
contribuiu para a teoria construtivista. Onuf considera o mundo uma construção
social e que tudo está em permanente evolução, e que a mudança é
permanentemente possível. Com isso, Onuf discorda das perspectivas realista
e liberal que consideram a anarquia o principal atributo que caracteriza as
relações internacionais. Segundo ele, a anarquia não passa de uma construção
social, fruto de regras, e que pode ser mudada e transformada em processos
de interação entre agentes e estrutura. O construtivismo de Onuf é tido como
41
um construtivismo centrado nas regras as quais apresentam escolhas aos
agentes e informam-lhes o que deveriam fazer. Os agentes devem se
conformar ao que elas mandam e quando não são respeitadas, há sempre
consequências que decorrem disso. Não se trata de uma relação unilateral já
que as regras fazem os agentes da mesma forma que os agentes fazem as
regras. Onuf distingue essas regras em três tipos: de instrução, de direção e de
compromisso (MESSARI; NOGUEIRA, 2005).
Outro autor que apresentou uma contribuição à temática do
construtivismo foi Alexander Wendt. Comparado com os dois autores citados
anteriormente, as contribuições de Wendt são mais recentes e se estendem
principalmente entre o final de 1980 e o final de 1990. Foi com seu segundo
artigo publicado em 1992 que Wendt se afirmou como construtivista.
Nesse artigo, Wendt se afirmou como construtivista, criticou as teorias tradicionais e dominantes na disciplina, questionou o conceito de anarquia e apresentou uma visão alternativa das relações internacionais. No que pode ser considerado sua principal contribuição no artigo, Wendt afirmou que a anarquia não possui apenas uma lógica única de conflito e competição. Pelo contrário, a anarquia pode reverter tanto lógicas de conflito quanto de cooperação, dependendo do que os Estados querem fazer dela. Em sua contribuição, Wendt reconheceu um papel mais preponderante aos Estados, já que, segundo ele, a anarquia é o que os Estados fazem dela. É com base nisso que muitos críticos se referem ao construtivismo de Wendt como um construtivismo centrado nos Estados (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, pg 176).
No seu livro publicado em 1999, Wendt sem negar um mundo material
afirma a centralidade das ideias em sua teoria. Para ele, existe um ‘mundo lá
fora’, mas este mundo é socialmente construído e, por isso, é produto das
ideias e dos valores dos agentes que o constroem. Wendt insistiu em manter-
se distante de construtivistas como Kratochwil e Onuf ao não lidar com o
discurso como uma categoria central de sua análise (MESSARI; NOGUEIRA,
2005).
No início da presente década, tanto Onuf quando Wendt debruçaram-se sobre o debate em relação à importância das instituições nas relações internacionais. Até então tido como uma área forte do institucionalismo neoliberal, o debate sobre instituições internacionais representava desafios e oportunidades importantes para o construtivismo (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, pg 181).
42
Segundo Messari e Nogueira (2005), Onuf afirma que as instituições são
construídas pelos agentes, mas o processo de construção é limitado pelas
limitações estruturais, isto é, os agentes não podem construir a instituição que
querem, mas sim a instituição que podem. De acordo com Wendt, para discutir
o desenho institucional o pensamento dos liberais, se baseia no conhecimento
do funcionamento passado das instituições, enquanto é preciso olhar para o
futuro e suas necessidades para desenhar instituições capazes de lidar com
esses desafios. Para ele, a eficiência futura das instituições que deve governar
seu desenho institucional, e não seu passado.
Essa temática parte do princípio que o sucesso de uma estratégia
individual de um ator no sistema internacional depende de como se dá sua
interação, ou combinação, com as estratégias dos demais atores.
Em outras palavras, nenhum ator consegue sozinho garantir a concretização de seu objetivo simplesmente aplicando uma determinada estratégia. É preciso calcular suas chances considerando variáveis que ele não controla, no caso, as decisões de outros atores. Na anarquia, esse cálculo é particularmente complicado, uma vez que Estados soberanos tendem a proteger informações sobre suas políticas do olhar externo, já que seriam eternos potenciais competidores (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, pgs 91, 92).
Também chamada de neoliberalismo, essa vertente acredita que na
anarquia o problema está em como mudar o contexto de interação entre os
Estados de modo que possam identificar interesses comuns.
O argumento neoliberal é que o contexto de interação estratégica pode
mudar por meio da formação de instituições, que desempenhariam três funções
básicas para a formação das preferências dos atores: aumentariam o fluxo de
informações, permitindo maior transparência a respeito das intenções e
interesses dos Estados; permitiriam o controle do cumprimento dos
compromissos estabelecendo mecanismos de monitoramento e controle que
visam a verificar se as partes de um regime de fato cumprindo os acordos
firmados; as instituições mudariam as expectativas dos autores a respeito da
solidez dos acordos ao longo do tempo diminuindo a incerteza do futuro.
Assim,
as instituições aparecem como variáveis intervenientes importantes, capazes de explicar como atores com preferências diferentes resolvem conflitos por meio da construção de arranjos cooperativos
43
que podem mudar a ordem de tais preferências de modo a superar impasses frequentemente encontrados na anarquia (MESSARI; NOGUEIRA, 2005, pg 95).
Após a apresentação da teoria construtivista e da neoliberal, é possível
aplicar os conceitos observados no contexto do tema proposto no presente
trabalho. Por exemplo, ambas as teorias descontroem a rigidez realista do
Estado como único ator internacional, fato que contribui para entrada de novos
atores e ferramentas no cenário de construção das políticas externas, tais
como organizações esportivas, eventos esportivos e o próprio futebol.
O neoliberalismo destaca intensamente a participação das instituições
internacionais no mundo atual de forma a trabalharem cooperativamente entre
si e a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional (COI) são representações claras
de uma união geral dos Estados em busca de integração em nome do esporte.
A influência dessas entidades nos países que hospedam respectivamente a
Copa do Mundo de futebol e as Olímpiadas é surpreendente. Ambas as
entidades possuem padrões já definidos de como os eventos devem ser
construídos em cada sede, e seguem rigorosamente todos os devidos passos e
pressionam para que os países cumpram com o que for determinado pelas
próprias instituições. A importância de sediar esses eventos é tamanha que
não há uma total autonomia estatal para configurar o evento da forma que lhes
parecesse melhor, portanto o poder político representado nessas instituições
esportivas é imenso.
Em vista do poder político citado acima, é conveniente notar alguns fatos
ocorridos na Copa do Mundo de 2014 no Brasil. O governo brasileiro, para
atender aos termos do Estatuto da FIFA, teve que suspender parcialmente,
durante a Copa de 2014, a aplicação, por exemplo, do Código de Defesa do
Consumidor; a concessão de meia-entrada nos estádios, garantida aos
estudantes por leis estaduais, e aos idosos pelo Estatuto do Idoso; a permissão
de comercialização de bebidas alcoólicas nos estádios, vedada pelo Estatuto
do Torcedor, entre outros diplomas legais. O projeto da Lei Geral da Copa –
LGC (Projeto de Lei 2330/2011), que, num modo geral, deveria apresentar-se
como uma das séries de medidas à adequação do sistema legal brasileiro aos
moldes internacionais de certa forma feriu (discutivelmente) a soberania do
Estado. Segundo o Promotor de Justiça Maurício Antônio Ribeiro Lopes, que
44
compõe o Plano Integrado de Atuação do Futebol do Ministério Público de São
Paulo, defendeu que: “o governo brasileiro revogará temporariamente vários
direitos dos cidadãos durante a Copa” (2011 apud ARANTES, 2012). Afirmou
também que a LGC significaria a submissão do Brasil aos interesses da
Federação Internacional de Futebol Associados (FIFA), instituindo entre os
brasileiros um estado de exceção. Segundo a Federação (2011), a Copa do
Mundo gera sim uma excepcionalidade, isto porque, no momento da
apresentação da candidatura do Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014,
prestou-se à FIFA garantias referentes à organização e à realização do evento.
Parte desses compromissos está contemplada pela legislação nacional vigente.
Contudo, para que o conjunto de garantias possa ser aplicado pelo Governo
Federal, é imprescindível enviar ao Congresso Nacional um Projeto de Lei: a
mencionada Lei Geral da Copa (ARANTES, 2012). E esse é só um dos
exemplos dos processos de concessão que os Estados se dispõem a fim de
sediar megaeventos esportivos.
Além disso, outro fator de aplicação da teoria estudada com a
problemática esportiva é o fato do construtivismo não acreditar que a estrutura
possa constranger ou limitar os agentes, o que favorece a atuação do futebol
no sistema internacional como uma ferramenta política importante. E, por fim, a
premissa construtivista de Wendt de que o mundo é socialmente construído e é
produto das ideias e valores dos agentes que o constroem também pode se
aplicar na proposta de que o futebol é um desses agentes e atua amplamente a
nível global devido ao apelo social e de unificação de povos e culturas que
carrega.
2.3 A influência do soft power nas Relações Internacionais
No campo de estudo das Relações Internacionais há diversos termos e
expressões comumente encontrados nas teorias e discussões sobre o assunto
tais como equilíbrio de poder, cooperação, anarquia, sistema internacional,
interesses nacionais, natureza humana, e dentro desse grupo de constantes
pode-se adicionar os termos hard power e soft power. Antes de introduzir os
conceitos e definições de hard power e soft power no cenário das relações
internacionais é necessário trazer à tona uma breve explanação sobre o termo
45
poder. Na definição do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (1975), a
palavra poder carrega o significado da capacidade ou possibilidade de fazer
coisas. Já na obra Soft Power de Nye (2004) consta que poder pode ser a
capacidade de afetar o comportamento de terceiros a fim de fazer essas coisas
acontecerem, ou ainda a habilidade de influenciar o comportamento de outros
para conseguir os resultados que se deseja. O poder sempre depende do
contexto no qual as relações existem e pode alcançar resultados desejados
mesmo sem demonstrar um nível de tangibilidade. Possuir recursos de poder
não é uma garantia de alcançar objetivos, portanto converter esses recursos
em poder realizado requer estratégias bem desenvolvidas e liderança hábil.
No Dicionário de Política de Norberto Bobbio (1998) o significado mais
geral da palavra Poder designa a capacidade ou a possibilidade de agir, de
produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos humanos
como a objetos ou a fenômenos naturais. Conforme nos mostra Bobbio (1998),
há uma tipologia moderna das formas de poder, como poder econômico, poder
ideológico e poder político, sendo que este último seria aquele no qual se tem a
exclusividade para o uso da força. Nas palavras de Bobbio (1998, pg 965), “o
poder político se baseia na posse dos instrumentos mediante os quais se
exerce a força física (armas de toda a espécie e potência): é o poder coator no
sentido mais estrito da palavra”. Contudo, Norberto Bobbio (1998) também
aponta que não é apenas o uso da força, mas sim seu monopólio, sua
exclusividade, que tem o consentimento da sociedade organizada. Em outras
palavras, será uma exclusividade de poder que pode ser exercida sobre um
determinado grupo social, em determinado território.
Possuindo, agora, um melhor entendimento sobre poder, é possível
agregar ao estudo os conceitos de hard power e soft power. O professor
americano de Harvard University, Joseph Nye, em sua obra Soft Power: the
means to success in world politics (2004), trabalhou intensamente com a
presença de ambas as expressões no palco das relações internacionais, porém
enfatizando a relevância do papel do soft power nas políticas estatais. Nye
(2004) define o soft power como a habilidade de conseguir aquilo que se
deseja através da atração e não por coerção, força ou pagamentos. A
importância dessa habilidade cresce conforme a atratividade da cultura, dos
ideais políticos e das políticas de um país. Quando as políticas são vistas como
46
legítimas nos olhos de outros Estados, o soft power desenvolve. Nesse
cenário, a sedução é sempre mais efetiva que a coerção, e muitos valores
como a democracia, direitos humanos e oportunidades individuais são
profundamente sedutoras. Para Nye (2004), o hard power, por sua vez,
compreende a primeira faceta do poder, o poder de coerção, mais
precisamente as capacidades econômicas e, principalmente, militares de um
Estado.
O soft power é de extrema importância para a uma política democrática diária, pois estabelece preferências associadas com recursos intangíveis como personalidades atrativas, culturas, valores políticos, instituições políticas e políticas vistas como legítimas ou com autoridade moral (NYE, 2004, pg 6)
7.
Se um líder representa valores que outros desejam seguir, liderar será
mais fácil e menos custoso, da mesma forma se um Estado promove valores
desejáveis por terceiros, o desenvolvimento do soft power é automático e
involuntariamente beneficiará esse Estado. O soft power é a habilidade de
atrair, persuadir e a habilidade de mover as pessoas através do argumento e
não da força (NYE, 2004).
Na política internacional, os recursos que produzem o soft power surgem em grande parte dos valores que organizações ou países expressam em suas culturas, nos exemplos dados pelas práticas e políticas internas e do jeito que as relações com terceiros são gerenciadas. Instituições podem acentuar a força do soft power de um país. Quando países fazem com que o seu poder seja visto como legítimo por outros, eles encontram menos resistência em alcançar seus objetivos (NYE, 2004, pg 8, 10)
8.
O soft power de um país repousa principalmente em três recursos: na sua cultura, seus valores políticos e suas políticas exteriores. Cultura é o conjunto de valores e práticas que criam propósito para a sociedade. Quando a cultura de um país inclui valores universais e suas políticas promovem valores e interesses que outros compartilham, isso aumenta as probabilidades de obterem-se
7 [Tradução livre] “Soft Power is a staple of daily democratic politics. The ability to establish
preferences tends to be associated with intangible assets such as an attractive personality, culture, political values and institutions, and policies that are seen as legitimate o having moral authority.” 8 [Tradução livre] “In International politics, the resources that produce soft power arise in large
part from the values na organization or country expresses in its culture, in the examples it sets by its internal practices and policies, and in the way it handless its relations with others”. “Institutions can enhance a country’s soft power”. “When countries make their power legitimate in the eyes of others, they encounter less resistance to their wishes.”
47
resultados desejados por causa das relações de atração e dever que se cria (Idem, 2004, pg 11)
9.
Ainda sobre a questão que Nye (2004) levanta no trecho logo acima, ele
também afirma que o “comércio é apenas uma das formas na qual a cultura é
transmitida. Também ocorre através do contato pessoal, viagens e
trocas/intercâmbios”. As políticas governamentais domésticas e exteriores
também são consideradas outras fontes de soft power e podem possuir efeitos
de longo e curto prazo variando conforme haja mudança de contexto. Tais
políticas também podem reforçar ou desperdiçar o soft power de um país.
Políticas domésticas e externas que parecem ser hipócritas, arrogantes,
indiferentes à opinião de outros, ou que se baseiam em abordagens limitadas
dos interesses nacionais podem minar o soft power (NYE, 2004).
Nye (2004) também comenta que os valores que um governo defende
no seu comportamento doméstico (democracia, por exemplo), em instituições
internacionais (trabalhar com terceiros), e na política externa (promover paz e
direitos humanos) afetam fortemente as preferências de outros. Diferentemente
do hard power, o soft power não pertence ao governo em sua totalidade, pois
muitos recursos do soft power são parcialmente separados de responsabilidade
do Estado. Todo poder depende do contexto, porém no cenário do soft power
há uma grande dependência na disposição de uma interpretação justa dos
receptores. Além disso, atração possui comumente um efeito difuso, criando
uma influência geral mais do que produzindo uma ação específica facilmente
observável. Soft power tende a ser mais importante quando o poder do país de
destino dessa ferramenta é mais difuso do que concentrado, por exemplo em
democracias em que há existência de parlamentos e que a opinião importa de
certa forma, o soft power está mais sujeito a ser compreendido e aceito. Já em
autocracias onde um líder define a posição nacional, recursos de soft power
tendem a ser menos influentes.
Alguns céticos objetam o uso do termo soft power em política internacional porque a ação de atrair intrínseca nesse tipo de poder
9 [Tradução livre] “The soft power of a country rests primarily on three resources: its culture, its
political values and its foreign policies”. “Culture is the set of values and practices that create meaning for a society”. “When a country’s culture includes universal values and its policies promote values and interests that others share, it increases the probability of obtaining its desired outcomes because of the relationships of attraction and duty that it creates.”
48
não está sob total controle dos governos. É verdade que firmas, companhias, fundações, igrejas e outros grupos não governamentais desenvolvem soft power por si mesmos e podem reforçar ou discordar com os objetivos de políticas externas oficiais. Isso é uma razão suficiente para os Estados se certificarem de que suas ações e políticas reforcem o soft power e não solapam-no. Alguns céticos argumentam que popularidade mensurada por pesquisas de opinião é efêmera e assim não deveria ser levada a sério, opiniões mudam e tal volatilidade não podem ser capturadas por uma pesquisa. Popularidade não é um fim propriamente dito em políticas externas (NYE, 2004, pg 17-18)
10.
Diferente de períodos prévios, ilhas de paz onde o uso da força não é mais uma opção em relações entre Estados têm caracterizado as relações gerais entre as democracias liberais modernas. A existência dessas ilhas de paz é evidência do crescimento da importância do soft power onde há valores compartilhados sobre o que constitui comportamento aceitável entre Estados democráticos similares (Idem, 2004, pg 20)
11.
Poder na atualidade é menos tangível e menos coercitivo entre as
democracias avançadas do que foi no passado. A era global da revolução da
informação está transformando e encolhendo o mundo. Essa revolução tem
criado comunidades virtuais e redes que ultrapassam as fronteiras nacionais.
Corporações transnacionais e atores não governamentais representam papeis
mais amplos. Muitas dessas organizações possuirão seu próprio soft power
conforme consigam atrair cidadãos a coalisões internacionais. A política, então,
se torna parte de uma competição por atratividade, legitimidade e credibilidade,
de forma que a habilidade de compartilhar informação e as demais partes
acreditarem nessa informação se tornam importantes fontes de atração e
poder. 12
Os países que tendem a ser mais atrativos e ganham soft power na era da informação são aqueles com múltiplos canais de comunicação
10
[Tradução Livre] “Skeptics object to using the term soft power in international politics because governments are not in full control of the atraction”.”It is true that firms, universities, foundations, churches, and other nongovernmental groups develop soft power of their own that may reinforce or be at odds with oficial foreign policy goals. That is all the more reason for governments to make sure that their own actions and policies reinforce rather than undercut their soft power”. ”Popularity is not an end in itself in foreign policy” 11
[Tradução Livre] “Unlike earlier periods, islands of Peace where the use of force is no longer an option in relations among states have come to characterize relations among most modern liberal democracies, and not just in Europe. The existence of such islands of Peace is evidence of the increasing importance of soft power where there are shared values about what constitutes acceptable behavior among similar democratic states” 12
[Tradução Livre] “The countries that are likely to be more attractive and gain soft power in the information age are those with multiple channels of communication that help to frame issues; whose dominant culture and ideas are closer to prevailing global norms (which now emphasize liberalism, pluralism and autonomy); and whose credibility is enhanced by their domestic and international values and policies”. “Unpopular policies are the most volatile element of the
49
que ajudam a endereçar problemas, dos quais a cultura e as ideias sejam mais próximas às normas globais predominantes (liberalismo, pluralismo, autonomia) e dos quais a credibilidade seja confirmada pelos valores e políticas domésticas e internacionais. Políticas impopulares são o elemento mais volátil da imagem de um país, pois parece haver uma maior boa vontade em aceitar diferenças em relação ao que se refere a cultura e valores de um Estado. Diferente do hard power, soft power não é constante, mas algo que varia conforme períodos de tempo e lugares (NYE, 2004, pgs 31, 32 e 38, 44).
Joseph Nye (2004) afirma em sua obra que muitos intelectuais e críticos
desdenham a cultura popular pelo comercialismo inato. Eles consideram-na
mais como um fornecimento de entretenimento de massa do que
necessariamente como informação, sendo assim dotada de pequeno ou nulo
efeito político. Eles veem a cultura popular como um ópio anestesiante e
apolítico para as massas. Tal desdém não é, porém, inteiramente justo, pois
entretenimento popular contém imagens e mensagens subliminares como de
individualismo, escolha do consumidor, e outros valores que possuem efeitos
políticos relevantes. A linha entre informação e entretenimento nunca foi tão
tênue como atualmente. Nesse cenário, mensagens políticas são facilmente
expressadas na forma com que, por exemplo, equipes esportivas, atletas e
celebridades se comportam e conduzem seus projetos. Da mesma forma,
múltiplos e diversos tipos de imagens têm sido retratados pela televisão e
cinema, de maneira que muito frequentemente essas imagens conseguem
expressar valores mais poderosamente que palavras.
No outro lado, observa-se que a cultura popular, devido ao fato de o
governo não possuir controle direto, não produz sempre os resultados exatos
que um Estado talvez possa desejar. Outro ponto que é possível inferir é a
questão de que a cultura popular pode possuir efeitos contraditórios em
diferentes grupos dentro de um mesmo país, de forma alguma forneceria um
recurso uniforme de soft power.
Possuir valores políticos como democracia e direitos humanos pode ser
fontes poderosas de atração, mas não são suficientes sozinhas. A atratividade
de um país também depende muito do fundamento e do estilo de suas políticas
externas.
overall image, and there seems to be more stability in the reservoir of goodwill that rests on culture and values”.”Soft power is not a constant, but something that varies by time and place”.
50
13Todos os países perseguem o interesse nacional nas suas políticas
externas, mas há escolhas a serem feitas sobre o quão amplo ou restrito se define o interesse nacional, bem como os meios pelos quais os Estados perseguem-no. Soft power ocorre através da mobilização e da cooperação sem recorrer a ameaças ou pagamentos e como isso depende da atração, o soft power depende, em parte, de como o governo enquadra seus próprios objetivos. Políticas baseadas em definições amplamente inclusivas e perspicazes do interesse nacional são mais fáceis de se tornarem atraentes a outros do que seriam políticas com perspectiva estreita e restritiva (NYE, 2004, pgs 60-61).
Outro fator que aumenta a eficiência do soft power é quando um país
promove bens públicos, pois no momento em que um Estado fornece amplos
níveis desses bens ele acaba beneficiando-se com uma maior legitimidade de
valores gerais do governo. Bens públicos são coisas que todos podem
consumir sem diminuir a disponibilidade para outros, e são considerado bens
raros como iluminação pública, desenvolvimento internacional, combate à
doenças, sistemas de proteção ao meio ambiente e sistemas de manutenção
da paz (NYE, 2004).
Uma vez que a moeda do soft power é a atração baseada em valores compartilhados com outros, na justiça e no dever entre Estados de forma a contribuir com políticas consistentes, consultas multilaterais tendem a gerar mais soft power do que uma mera afirmação unilateral de valores. Independentemente de quais táticas são adotadas, estilos também importam, sendo assim, humildade é um importante aspecto de formação e execução de políticas externas culminando em promoção do soft power de um país. (NYE, 2004, pgs 64, 66)
14.
Na sua obra Nye (2004) comenta que o ex-presidente americano
Theodore Roosevelt já dizia há mais de 100 anos que ‘when you have a big
stick, it’s wise to speak softly’, ou seja, para países desenvolvidos, ou potências
13
[Tradução Livre] “All countries pursue their national interest in foreign policy, but there are choices to be made about how broadly or narrowly we define our national interest, as well as the means by which we pursue it. After all, soft power is about mobilizing cooperation from others without threats or payments. Since it depends on the currency of attraction rather than force or payoffs, soft power depends in part on how we frame our own objectives”. “Policies based on broadly inclusive and far-sighted definitions of the national interest are easier to make attractive to others than policies that take a narrow and myopic perspective.” 14
[Tradução Livre] “Since the currency of soft power is attraction based on shared values and the justness and duty of others to contribute to policies consistent with those shared values, multilateral consultations are more likely to generate soft power than mere unilateral assertion of the values.” “Regardless of what tactics are used, style also matters, and humility is an importante aspect of foreign-policy style.””A century ago Teddy Roosevelt noted, when you have a big stick, it is wise to speak softly. Otherwise you undercut your soft power.”
51
internacionais que já possuem o big stick ou o domínio da força, é
imprescindível e sábio saber expressar-se de forma suave.
A Europa, e mais especificamente a União Europeia, pode ser
considerada um exemplo de uso eficiente do soft power, começando pela
própria ideia de união e integração provinda desse arranjo entre diversos
Estados europeus. Além de possuir culturas e políticas domésticas em sua
maioria atrativas, a União Europeia também extrai o seu soft power de suas
políticas externas as quais comumente contribuem para bens públicos globais.
É evidente que não se pode afirmar que todas as políticas europeias são
perspicazes. Entretanto, a Europa ganha em credibilidade por suas posições
globais em assuntos como da mudança climática, do direito internacional e dos
tratados de direitos humanos. A experiência europeia no exercício do soft
power tende a exercer sua influência no exterior via promoção da democracia e
desenvolvimento através do comércio e auxílios/assistências mútuas. Outro
fator do cenário europeu que contribui para o soft power é o quão confortáveis
e adaptados os países estão em utilizar instituições multilaterais.
Além disso, a era da informação tem sido marcada pelo papel cada
vez mais importante atores não estatais no cenário internacional. Organizações
privadas têm cruzado as fronteiras nacionais mais frequentemente e afirmam
agir como uma ‘consciência global’, representando amplamente os interesses
públicos além do alcance dos Estados. A própria era da informação tem
contribuído imensamente para a popularização das organizações não
governamentais (ONGs), bem como para o aumento do soft power das
mesmas. O soft power dessas organizações decorre da grande capacidade de
atrair seguidores, isso implica aos Estados que as organizações são ao mesmo
tempo aliadas e adversárias.
A revolução da informação faz os Estados tornarem-se mais porosos. Governos agora tem que compartilhar o cenário internacional com outros atores que podem usar a informação para aumentar o seu soft power e pressionar os Estados diretamente ou indiretamente mobilizando seus cidadãos. As entidades não governamentais variam bastante na sua organização, orçamento, prestação de contas dos seus membros, e o seu senso de responsabilidade nas suas reivindicações. O soft power dessas entidades também varia da mesma forma. Enquanto algumas são mais confiáveis ou expressam
52
uma credibilidade maior que os próprios governos, outras não conseguem atingir tal status (NYE, 2004, pg 91, 93, 94)
15.
Há uma grande diversidade de organizações não governamentais, na
sua maioria o objetivo é desenvolver alguma parte da sociedade ou das suas
relações que necessita de auxílio, porém também há aquelas que se usam do
poder que o soft power intrínseco dessas organizações para incentivar ou
executar atividades ilegais como o terrorismo. Ou seja, “para o bem ou para o
mal, as ONGs e redes de organizações sabem que possuem recursos de soft
power e não hesitam em usá-los” (NYE, 2004, p. 94).
Soft power é muito mais difícil de manejar e exercer, porque, como já foi
mencionado antes, muitos dos recursos estão fora da zona de controle dos
governos e seus efeitos dependem profundamente da aceitação de públicos
receptivos. Além disso, os recursos do soft power geralmente trabalham
formatando o ambiente para certas políticas e algumas vezes demoram anos
para produzir os resultados desejados no contexto que estão inseridos (NYE,
2004).
Por fim, para Nye (2004) a forma perfeita para um Estado lidar com a
sua política externa é possuir e buscar sempre desenvolver o Smart power que
o próprio autor definiu como uma mistura de hard e soft power.
Em termos de aproveitamento de tal ferramenta política, o soft power,
pela máquina estatal, há divergências entre as teorias clássicas e os demais
referencias teóricos mencionados neste capítulo. Conforme já explanado, no
realismo se nota a inegável predominância do hard power como elemento que
constitui maior poder estatal. Embora Morgenthau (1992) cite o imperialismo
cultural e Carr (2001) levante a questão da importância das ideias, ambos
vinculam o poder e a eficácia política dessas ideias quando ligadas ao poder
econômico e militar, ou seja, o soft power por si só pouco lograria contribuir
para agenda externa dos Estados.
Já o liberalismo e a sua vertente teórica, o neoliberalismo, caminham
mais livremente em um cenário de entendimento no qual o uso do soft power
15
[Tradução Livre] “The information revolution makes states more porous. Governments now have to share the stage with actors who can use information to enhance their soft power and press governments directly, or indirectly by mobilizing their publics.””NGOs vary enormously in their organization, budgets, the accountability to their members, and their sense of responsibility for the accuracy of their claims. Their soft power varies accordingly. While some NGOs are more credible and trusted than governments, others are not”.
53
possa produzir efeitos mais concretos em relação à maximização do poder
estatal. Nesse sentido, os liberais defendem a opinião pública como parte da
construção da política externa pacífica e os neoliberais declaram as instituições
como partes fundamentais para a cooperação entre Estados no cenário
internacional e também para a política externa. Ambas as posições se
identificam com o processo de utilização do soft power, uma vez que as
relações internacionais nessas teorias são trabalhadas através de meios não
coercitivos evitando, assim, o conflito.
No construtivismo de Wendt (1992) ele defende que um sistema de
segurança cooperativo, onde um Estado se identifica positivamente com outro,
reafirma que a segurança de cada um é percebida como a segurança do todo.
Da mesma forma, expõe a ideia de que um mundo socialmente construído
deve ser produto de concepções e valores dos agentes envolvidos (MESSARI;
NOGUEIRA, 2005). Essa abordagem mostra que nos preceitos do
construtivismo também consta a utilização de recursos de soft power como
ferramentas políticas de governos.
Agora é possível analisar o tema do presente trabalho aplicando o que
foi observado nesse capítulo. Historicamente, o soft power pode ser observado
em diversos contextos políticos e claramente sempre exerceu papeis
fundamentais. Assim, por exemplo, com o início da 1ª Guerra Mundial, houve
uma rápida aceleração dos esforços para implementar o soft power, pois
muitos Estados estabeleceram escritórios para realizar propagandas das suas
causas. O advento do rádio na década de 1920 levou muitos governos para a
arena das transmissões em línguas estrangeiras, assim como em 1930
comunistas, fascistas e nazistas competiam para promover imagens favoráveis
de seus países e ideologias para públicos internacionais. Assim como nos dias
de hoje, havia uma linha tênue entre informação e propaganda, porém na
época identificar essa diferença era um desafio maior e os regimes políticos
não hesitavam em se aproveitar desses detalhes.
Os nazistas utilizaram-se, além do rádio, de propagandas visuais através
de filmes e dos esportes. Segundo Gilberto Agostino (2011), antes da 2ª
Guerra Mundial, Hitler investiu na formação de campeonatos e principalmente
em uma seleção que representasse o país em jogos de futebol contra outras
seleções estrangeiras, dentro e fora da Alemanha. Em busca da identidade
54
nacional, da promoção dos ideais nazistas e de um apaziguamento da imagem
contrária que o nazismo construía, o futebol foi usado como ferramenta em
diversas ocasiões. Hitler aproveitou-se da Política de Apaziguamento da
Inglaterra e marcou um amistoso contra a seleção inglesa em território inglês,
evidente que a entoação de cânticos nazistas ou o uso de suásticas foram
proibidos, porém abria a possibilidade do time inglês retribuir a visita, o que
representava algo muito interessante para a política internacional de Hitler. A
retribuição de fato ocorreu em 1938 com o propósito inglês de conciliação com
os nazistas, sendo assim, os atletas ingleses foram instruídos a respeitarem os
protocolos nazistas de saudação e gestuais. Já durante a guerra, Hitler
organizou campeonatos e jogos amistosos com objetivo de transmitir à
população uma sensação de normalidade, de mobilizar a paixão popular. E foi
quando as dificuldades nos campos de batalhas começaram que o futebol foi
essencial, os noticiários preenchiam diversos espaços com informações sobre
futebol e evitando a divulgação dos fracassos. Muito do valor arrecado com
ingressos vendidos para jogos de futebol durante a guerra era destinado à
guerra.
Mudando do cenário das guerras mundiais para os dias de hoje, na era
da informação, há um problema que se transforma da escassez de informação
para uma quantidade esmagadora da mesma. Essa abundância acaba por
gerar escassez de atenção, pois uma vez que temos contato com muita
informação, é normal selecionarmos as fontes que achamos confiáveis e dando
atenção apenas a aquilo que julgamos relevante. Portanto, o desafio
atualmente para gerar soft power é estabelecer credibilidade e ser capaz de
atrair as pessoas para os temas que são pertinentes aos Estados. Outra
questão recente é que os Estados têm que competir pela atenção do público e
por credibilidade com outros atores que lidam com a mídia constantemente
como organizações não governamentais, corporações, organizações
intergovernamentais, redes de comunidades científicas e a própria mídia de
notícias. Alguns Estados, entendendo que existe essa competição, trabalham
em conjunto com esses outros atores a fim de usar-se da reputação ou da
maior disposição do público em ouvir o que esses atores têm a compartilhar.
Dessa forma, hoje já não é suficiente uma vitória militar em um batalha se a
história contada pelo país vencedor ou se suas políticas equivocadas
55
solaparem ou destruírem sua a reputação, levando, assim, a uma possível
revolta no cenário internacional. Ser possuidor da história que vence tende a
beneficiar e aumentar o soft power dos Estados.
Nesse sentido, o futebol também funciona perfeitamente como
ferramenta política. Como demonstrado no capítulo passado, por ser um
esporte historicamente unificador e de dimensões globais de alcance, qualquer
política ou ideal transmitido juntamente com o cenário das relações
futebolísticas chamará a atenção não só dos fanáticos, mas também daqueles
que acompanham eventualmente e acreditam na importância desse esporte. É
indiscutível a credibilidade e a reputação dos jogadores e dos representantes
dos times e seleções juntamente com seus torcedores, portanto, na maioria
das vezes, uma proposta ou campanha realizada por tais será muito bem vista
nos olhos desses torcedores. É a questão de que o público que acompanha o
futebol está disposto a ouvir e acreditar naquilo que é informado, justamente
por ser um ambiente de lazer, livre e que lida com muita paixão e envolvimento,
ou seja, um ambiente visto num primeiro momento como ‘limpo’ de interesses
políticos. Aqueles torcedores, por exemplo, que não acompanham dia a dia as
notícias ou os acontecimentos no mundo, as informações repassadas durante
o período destinado ao futebol podem ser essenciais para a formação do
pensamento opinativo e crítico desses cidadãos. Não é à toa que campanhas
contra racismo, contra guerras, humanitárias e sociais estão constantemente
presentes no ambiente do futebol, pois a sua eficiência e visibilidade são
amplas.
Assim, após analisar as principais características do soft power e de sua
influência no cenário das relações internacionais, é evidente o papel que
futebol pode exercer como recurso do soft power. É uma perfeita ferramenta
para gerar soft power pelo simples fato de atrair a atenção frequente de bilhões
de pessoas a nível mundial e, principalmente, por ser um esporte
historicamente credível e que carrega uma reputação ainda intocada, mesmo
sendo um esporte que tem sido afetado com alguns males da globalização.
Nos próximos dois capítulos serão discutidas mais profundamente essas
relações diretas e indiretas entre os esportes, com foco no futebol, e a política
internacional.
56
3. A DIPLOMACIA DO ESPORTE E AS RELAÇÕES
INTERNACIONAIS
A partir da devida construção do pressuposto baseado no campo teórico
do construtivismo, do neoliberalismo e do soft power de que as relações
esportivas são determinantes no cenário internacional, segue-se para a terceira
parte do presente trabalho que é dedicada à apresentação mais detalhada das
manifestações esportivas como ferramenta na política internacional. Pretende-
se, também, abrir o escopo de discussão do futebol para uma visão mais geral
dos esportes e das organizações esportivas de forma a introduzir noções
essenciais para a análise final sobre o futebol no cenário brasileiro que será
realizada no próximo e último capítulo deste trabalho. Assim, a terceira parte
desenvolverá o estudo sobre o conceito da diplomacia esportiva, a identidade
nacional, a internacionalização do esporte e o fator esportivo como recurso
político.
Para iniciar o curso do capítulo, é indispensável a introdução dos
conceitos de diplomacia tradicional e diplomacia esportiva. Segundo Stuart
Murray (2011), professor australiano de Relações Internacionais, a diplomacia
tradicional pode ser definida como a condução das relações entre Estados
soberanos, que possuam posição estabelecida no mundo político internacional,
por agentes oficiais e por meios pacíficos. Na sua obra Sports-Diplomacy: a
hybrid of two halves, Murray considera a diplomacia “the engine room”16
(MURRAY, 2011, pg 4) das relações internacionais. Já a diplomacia do esporte
ou diplomacia esportiva seriam as representações ou atividades diplomáticas
empreendidas por pessoas relacionadas a qualquer ramo esportivo em nome
ou em conjunto com seus governos. Essas práticas são facilitadas pela
diplomacia tradicional e se utilizam de pessoas do esporte ou eventos
esportivos a fim de engajar, informar ou criar imagens favoráveis ao público
estrangeiro ou às organizações e moldar as suas percepções de forma a
contribuir com os objetivos da política externa de determinado governo. A
diferença da diplomacia esportiva para outras ferramentas políticas no cenário
internacional é a adoção de uma linguagem quase que universal, de maneira a
16
[Tradução Literal] - SALA DE MÁQUINAS
57
regulamentar uniformemente a esfera de atuação e a alcançar as faixas sociais
em sua totalidade. Portanto, a utilização de tais noções no restante do trabalho
será referida às definições estabelecidas neste parágrafo.
3.1 A identidade nacional construída através do esporte
Aqui se pretende direcionar o estudo à construção do sentimento de
identidade e pertença nacional e/ou coletiva que as vias esportivas trazem à
tona nos cenários nacionais internos. Três citações são capazes de introduzir
como o esporte pode refletir o sentimento de identidade nacional ou coletiva
dentro de determinadas e distintas sociedades:
Há mais que um triunfo esportivo nesta conquista, realizada a partir dos músculos e da inteligência dos jogadores italianos. Esta é também a vitória de uma raça.
17 (ROGHI 1938 apud AGOSTINO,
2011, p. 55)
Cem mil pessoas deixaram o estádio em um estado depressivo. Vencer uma partida é mais importante para o povo do que capturar uma cidade em algum lugar do leste.
18 (GOEBBELS 1942 Idem,
2011, p. 55)
Vocês têm feito mais pela Espanha do que muitas embaixadas desperdiçadas nesses povos de Deus. Gente que nos odiava agora nos compreende graças a vocês, porque foram capazes de romper muitas barreiras... Podem ter certeza que nós, juntamente com nossas mulheres e nossos filhos, seguimos seus triunfos que há muito engrandecem o pavilhão espanhol.
19 (RUIZ s/d Idem, 2011, p.
55) Primeiramente, a identidade nacional deriva da coesão da ‘alma’ do
Estado. Ou seja, para que o Estado construa e estabeleça o sentimento de
pertença e lealdade incondicional dos seus cidadãos, ele precisa inicialmente
de elementos simbólicos que traduzirão as características únicas de tal Estado.
Então, a unificação desses símbolos e o reconhecimento dos mesmos pela
população produzirá a mencionada coesão. Esses símbolos seriam: uma
língua, uma série de heróis nacionais, modelos de virtudes nacionais,
monumentos culturais, folclore, uma história que estabeleça uma continuidade
17
Citação de Bruno Roghi, diretor da Gazzetta dello Sport, sintetizando a vitória da seleção italiana em 1938, no Mundial da França. 18
Citação de Goebbels, em seu diário, após a derrota da seleção alemã para a da Suécia, em 1942. 19
Citação de José Solís Ruiz, membro do governo franquista, em audiência aos jogadores do Real Madrid.
58
dos ancestrais, hino, bandeira, costumes, especialidades culinárias, animais e
árvores-símbolo entre muitos outros. Portanto, o esporte talvez não seja um
símbolo primário mais precisamente por não estar presente na composição
inicial do Estado, mas certamente adquire o status de símbolo no momento em
que a população adere aos seus esportes favoritos. O elemento unificador do
esporte é o principal atrativo como símbolo, pois é um setor em que uma
mesma paixão é compartilhada independente de classe social, raça, história de
vida, afiliação política ou religiosa. Outra faceta do esporte é a capacidade
inerente de fornecer o entretenimento sem trazer ônus, em outras palavras, o
acesso ao esporte na maioria das vezes é gratuito e fácil e pode servir de
válvula de escape e alívio para problemas rotineiros ou, possivelmente,
problemas mais agudos como fome, guerras e outros.
O próprio fato de o esporte criar heróis nacionais constantemente e de
maneira muito intensa já é de extrema significância. Como visto no parágrafo
anterior, possuir uma série de heróis é um dos símbolos primários para a
formação da identificação nacional. Torcedores ou até a população em geral
tendem a conceber essas figuras que se consagram no mundo esportivo como
ídolos ou confiar invariavelmente naquilo que pregam simplesmente por esses
indivíduos terem sido bem sucedidos em suas tentativas de representar seu
país. No momento em que se constrói essa ligação e confiabilidade entre
cidadãos e seus representantes, se desenvolve um elo social. O sentimento
nacional, então, está diretamente ligado às conquistas de seus atletas e o
papel que esses atletas desempenham após suas vitórias.
Um caso muito representativo do fator esportivo transcender o lúdico e
influenciar o sentimento unificador nacional foi a vitória do Irã sobre os EUA por
2x1 na Copa do Mundo de futebol que ocorreu na França, em 1998. Foi uma
vitória celebrada pela nação inteira e gerou picos de orgulho e unidade entre os
cidadãos iranianos. Conhecendo o fundamentalismo islâmico, sabe-se que a
figura feminina é tratada de forma submissa ou até inferior na sociedade,
porém, durante a comemoração, até tais normas culturais foram desafiadas e a
população vibrou como uma só. O cultivo da unidade e o reforço da identidade
nacional estão, indubitavelmente, entre as principais virtudes dos esportes.
Durante o período das independências dos Estados da África e Ásia no
século XX, os novos governantes logo reconheceram a utilidade do esporte
59
como meio ágil e efetivo para estabelecer a identidade nacional e os
sentimentos de lealdade nacional. Enquanto alguns líderes de movimentos
anticolonialistas contestavam a popularidade dos esportes originários dos
antigos senhores imperiais, políticos espertos vislumbravam numa vitória
contra o time de futebol de um país vizinho a senha e o sentido de orgulho
nacional. Como resultado, esses novos governos prontamente instituíram
Ministérios de Esporte, Conselhos de Esporte e políticas públicas de esporte.
No caso brasileiro, o futebol, por exemplo, foi inserido num momento
histórico exato em que se buscava construir uma nova sociedade ou, no
mínimo, havia uma sociedade em transição. No fim do século XIX e início do
século XX, o país acabara de se tornar uma República, acabara de abolir a
escravatura, ainda se encontrava em processo de definição de suas fronteiras
e tentava erguer sua economia através do café. O futebol trouxe a um país que
nem possuía ainda um século de independência um vetor novo que se podia
aproveitar livremente. Como já foi visto no capítulo 1 deste trabalho, o futebol
começa de fato com as elites brasileiras, porém atraiu rapidamente todas as
classes e raças. À uma sociedade que se baseava na incerteza de conceitos e
relações, o futebol foi agregado, e assim alcançou o status que possui hoje. O
futebol foi certamente um símbolo escolhido pelos brasileiros para representar
o sentimento nacional e ambos, juntos, foram se desenvolvendo e se
fortalecendo com o tempo.
Na Austrália, o esporte tem sido um elemento muito importante para a
incorporação à comunidade e para a busca de identidade dos povos indígenas
e os aborígenes. Povos historicamente deslocados na sociedade australiana,
os indígenas e os aborígenes usam esportes como boxe, futebol, críquete e
atletismo como formas de unir suas comunidades e encontrar sua identidade
como cidadãos. Da seguinte forma a Revista Época (2001) retratou a conquista
da medalha de ouro por uma descendente de aborígenes nos Jogos Olímpicos
de 2000:
A noite em que Cathy Freeman, descendente de aborígenes, venceu os 400 metros rasos nas Olimpíadas de Sydney, em setembro, entrará para a História como um dos raros instantes em que a política e o esporte andam de mãos dadas para produzir um episódio mágico. A ovação no Estádio Olímpico soou como um grito de liberdade para as minorias australianas (2001 apud VASCONCELLOS, 2008, pg 86).
60
Representava para a Austrália, inclusive, quanto à integração racial, um
reparo da sistemática marginalização dos aborígenes e da fraca tentativa de
inclusão dos nativos australianos nos esportes, já que não puderam prover
oportunidades de mobilidade social e redenção de pobreza. Na Austrália,
desde a época colonial, a presença dos nativos ancestrais fora desprezível
pela associação que o Reinado Vitoriano impunha entre participação esportiva
e valores de civilidade, o que por definição excluía os aborígenes.
Além disso, os Jogos Olímpicos certamente são eventos repletos com
demonstrações de orgulho, pertença e representação nacional. Os atletas não
disputam as suas respectivas modalidades esportivas simplesmente para a
conquista de uma medalha, mas sim com finalidade altruísta de representar e
prestigiar a sua nação e seus conterrâneos. As cerimônias de abertura e de
encerramento, de entrega de medalhas, de início dos jogos, todas são cobertas
pelos símbolos de cada nação, seus hinos, suas bandeiras. Dessa forma,
durante aquele mês inteiro de disputas a cada quatro anos, os cidadãos do
mundo são relembrados a cada minuto de suas origens, de sua cultura, da sua
identidade. É um período em que, independente dos problemas pessoais de
cada um, o foco está em torcer pela nação, torcer por aqueles que lhe
representam. Nesse sentido, a mídia tem grande função em conseguir
transmitir da melhor forma esses momentos que possam instigar a unidade
nacional, isso vale não só durante as Olimpíadas, mas em qualquer outro
evento esportivo.
Outro ponto importante para se destacar é que alguns clubes de futebol
foram capazes de representar identidades coletivas. O espanhol Futbol Club
Barcelona, por exemplo, representou historicamente uma das maiores
oposições ao centralismo político de Madrid.
Na verdade, à época da fundação, poucos podiam acreditar que um clube de futebol atingisse uma transcendência capaz de representar de forma tão acabada os anseios e a projeção política e social de uma identidade coletiva. O Barça – como os torcedores acostumaram-se a chamá-lo – desde cedo se aproximou da identidade catalã, misturando-a com seus signos enquanto clube de futebol, como denota um dos gritos de guerra da equipe: Visca el FC Barcelona! Visca Catalunya! (Vida Longa ao FC Barcelona! Vida Longa à Catalunha!), ou mesmo o hino do clube (AGOSTINO, 2011, p. 74).
61
Durante a ditadura de Primo de Rivera (1923 - 1930), o clube sofreu
momentos difíceis dos quais houve multas aplicadas pelo governo, vigilância
constante das autoridades e ameaças de fechamento do estádio. Em muitas
das manifestações políticas contra o governo de Madrid, a bandeira catalã, la
Senyera, era substituída pelo estandarte do Barça. Na própria Guerra Civil
Espanhola, que viria logo após em 1936, o clube assumiria importante papel de
representante da resistência republicana de forma que quando o cerco
franquista se fechou, o presidente do clube, Josep Sunyol, foi morto em
combate e tornou-se um dos mártires da causa catalã (AGOSTINO, 2011).
Ainda nesse sentido, desde o final do século XIX, os clubes de futebol
Rangers e Celtic, ambos localizados em Glasgow, na Escócia, representam
uma rivalidade que ultrapassa muito além da competitividade esportiva e são
amostras inegáveis que o sentimento coletivo é inerente ao esporte.
Torcedores que, historicamente, já possuíam diferenças de ideologias políticas
e religiosas se dividiram nesses dois símbolos de identidades coletivas. O
Rangers representa o anglicanismo e os protestantes e o Celtic se identifica
com os preceitos católicos. Seus embates são considerados os de maior ódio
recíproco do mundo (FOER, 2005).
Tendo esses exemplos em mente, é possível observar que o esporte, no
caso o futebol, é um agente capaz de não somente construir e formar
identidade nacional ou coletiva, mas também atuar como segmento
representante e porta-voz dos fortes sentimentos de identidade já existentes
em determinadas regiões como ocorreu na região da Catalunha e na Escócia.
Outra questão ainda intrínseca à identificação dos torcedores é o fato da
globalização do fator humano também dentro de instituições esportivas. Em
outras palavras, atualmente, a grande maioria dos clubes, independentemente
do país e do esporte, possuem atletas de todas as partes do mundo. Assim, os
torcedores, na prática do fanatismo esportivo, acabam por identificar-se com as
nacionalidades de seus atletas ídolos. Em diversas ocasiões acabam, também,
por apaixonar-se por campeonatos e ligas do país de origem desses atletas,
levando-os a atentar à imagem dos outros países.
Assim, como se observou nesse subitem do trabalho, um dos elementos
essenciais que o esporte desenvolve e resulta por servir como suporte à
Diplomacia Estatal é a questão da identidade nacional. Ou seja, a população
62
de um país, ao se tornar torcedora (independente da modalidade esportiva)
forma esta identidade ou também chamada de sentimento de pertença que
mobiliza as massas de modo a fortalecer a Nação. Com uma Nação forte e
unida, a Diplomacia Estatal torna-se mais persuasiva e tende a obter
resultados de sucesso.
3.2 Fatores comerciais e econômicos nos ambientes esportivos
e a sua internacionalização
Quantitativamente, o segmento industrial, publicitário e de prestação de serviços esportivos representa importante fonte de riqueza econômica e movimenta volume de operações que o situa entre os principais setores da economia mundial. O relato de indicadores da indústria esportiva, da variedade de negócios e agentes intervenientes na economia do esporte resulta provar efetivamente a magnitude produtiva mundial. As relações esportivas também têm conhecido uma maior extensão e alcance de seu domínio. O campo coberto inclui elementos de economia pública (participação do esporte no orçamento do Estado e de municipalidades, investimento governamental, tributação), planejamento e administração (construção de praças de esportes, infraestrutura, instalações), indústria e comércio (produção industrial de artigos esportivos, estratégias de marketing, exportação), setor de serviços (exploração de espetáculos esportivos, publicidade, patrocínio), mercado de trabalho (geração de empregos, especialização, remuneração), desenvolvimento econômico e social (rentabilidade produtiva, nível de renda, resgate e participação social) e globalização (setores secundário e terciário transnacionalizados) (VASCONCELLOS, 2008, p. 201, 214).
É a partir dessa análise que neste subitem será concentrado o foco de
pesquisa em alguns fatores quantitativos que fazem das questões esportivas
um setor de tamanho potencial, bem como na internacionalização presente e
crescente dos ramos esportivos.
Um primeiro dado a ser levantado refere-se às negociações de
transferências de atletas internacionalmente, terreno que é indiscutivelmente
uma das principais movimentações financeiras anuais de nível global. A saber,
de acordo com um estudo revelado pela Transfer Match System (TMS-2014,
s/p)20 só as transferências de jogadores de futebol em 2013 movimentaram
mais de US$3,7 bilhões de dólares mundialmente. Essa cifra mostra que é um
20
O Transfer Matching System (TMS) da FIFA é um sistema on-line que torna as transferências internacionais de jogadores mais rápidas, simples e transparentes.
63
mercado em franco crescimento uma vez que aumentou 41% do número total
de 2012. É importante ressaltar que essas negociações não afetam apenas os
próprios atletas. A transferência de um jogador movimenta o caixa do clube
(instituição esportiva), dos seus empregados, do representante/agente do
jogador, da família do atleta, dos patrocinadores do clube e do próprio atleta,
dentre outros processos derivados necessários para a mudança de alocação
de um atleta na esfera mundial. As tratativas entre clubes, acordos, convênios,
contratos e parcerias internacionais evidenciam a relevância das relações
derivadas dos esportes. Quanto mais um país possui esportes em destaque
que participem internacionalmente dessa imensa movimentação financeira,
mais a imagem do país se eleva, pois demonstra os resultados dos
investimentos internos e da preocupação do Estado com, por exemplo, a
inclusão social interna, a integração cultural, entre outros aspectos. A televisão
e a mídia no geral, outro agente importante, permite ao sistema esportivo
mundial atingir quatro objetivos: universalizar as práticas, difundir o consumo,
internacionalizar as competições e conquistar visibilidade e rentabilidade para
as promoções.
Ainda de acordo com dados da TMS (2014), surpreendentemente a
Grécia foi o país que mais aumentou o número de contratações de jogadores
de futebol entre 2012 e 2013, mostrando que a grave crise econômica que o
país tem passado não afetou o setor esportivo ou talvez o segmento esportivo
seja visto como importante no fluxo de capitais para levantar a economia. Já o
Brasil é responsável pela maior quantidade total (soma dos que chegaram e
dos que saíram) de atletas transferidos nesse mesmo período, mais de 1400
jogadores passaram por negociações em território nacional. Além disso,
jogadores de nacionalidade brasileira são responsáveis por 13% do número
total de transferências em 2013. De acordo com a revista Forbes (2014),
somente entre o período de 2010 a 2015, a indústria global do esporte está
projetada a crescer em torno de $145,3 bilhões de dólares. Já a BBC (2014)
traz a informação de que o mercado de apostas em esportes, além de ter
demonstrado ser um mercado em crescimento, é responsável por movimentar
uma quantia estimada entre $700 bilhões e $1 trilhão de dólares por ano no
mundo. Esses números contabilizam as apostas legais e ilegais e em torno de
70% do valor total é representado por apostas no futebol.
64
Destaca-se, também, que a utilização de celebridades esportivas como
chamariz para alavancar as vendas é estratégia frequente de divulgação de
marcas. A Siemens, companhia alemã que fabrica desde softwares para
computadores até reatores atômicos e tem faturamento anual de US$ 80
bilhões, lançou linha mundial de celulares com a marca do jogador Ronaldo. O
acordo foi assinado em setembro de 2004, depois que uma pesquisa da
empresa mostrou que a venda de seus aparelhos cresceu 27% no Brasil
apenas porque o atleta vestia a camisa do Real Madrid, clube patrocinado pela
Siemens. A Ambev, maior fabricante de bebidas do Brasil, tem experiência
semelhante. A direção da empresa contratou Ronaldo para a inauguração de
uma fábrica na Guatemala em 2003. O país parou, multidões foram às ruas e a
televisão guatemalteca transmitiu durante duas horas programa sobre a vida do
atleta e imagens do Brasil em horário nobre. Três meses depois, a Ambev, uma
companhia de quase US$ 2 bilhões, já detinha 40% do mercado local segundo
informações da Revista Exame (2004). Mais recentemente, Neymar, Messi,
Cristiano Ronaldo, Tiger Woods, Rafael Nadal, David Beckham, Lebron James
entre muitos outros esportistas têm se beneficiado financeiramente com
contratos milionários de patrocínio e propaganda.
As variáveis econômicas do mercado transnacional do esporte – produção de equipamentos e instalações, comércio, exportação, prestação de serviços, arrecadação de bilheteria, premiações, patrocínio, publicidade e direitos televisivos – apontariam, por estatísticas estimadas, a participação média de 1% do setor esportivo no PIB de todos os países desenvolvidos. O esporte representa setor produtivo da economia mundial que movimentaria montante anual próximo a US$ 700 bilhões – US$ 800 bilhões. Na repartição percentual, os negócios indicariam a seguinte orientação geográfica: 30% para os Estados Unidos, 33% na União Europeia, 22% no Japão e Sudeste Asiático e 15% distribuídos no resto do mundo (VASCONCELLOS, 2008, p. 221-222).
No contexto político internacional contemporâneo, os espetáculos
esportivos de massa como as Olimpíadas e a Copa do Mundo de futebol
puderam exibir a vastidão e a complexidade de interesses em jogo. Peças
políticas manifestadas em cenários esportivos incluem várias operações nos
bastidores, como gestões políticas e tratativas diplomáticas para sediar
torneios de cobertura mundial. As oportunidades promocionais, inclusive de
propaganda estatal institucional, e os resultados financeiros do sport business
65
polarizam o interesse de governos, empresas públicas e corporações
transnacionais, que arrecadam volumosos recursos econômicos pelo vínculo
esportivo. Reconhecidamente, a indústria do esporte se avoluma, junto à
produção petroquímica, indústrias armamentista, automobilística e turística,
como importante fonte de riqueza da economia mundial.
Ainda nesse ponto dos eventos esportivos como atividade de estímulo
econômico, a contabilidade indica que, por exemplo, nas Olimpíadas do ano
2000, os Jogos Olímpicos de Sydney foram responsáveis pelo primeiro
superávit comercial da Austrália em três anos.
A venda dos direitos de televisão (US$ 715 milhões para a NBC norte-americana) e os gastos generosos dos turistas provocaram um aumento de 19% nas divisas com as exportações. Com as importações tendo aumentado apenas 1% em setembro, mês das competições, o lucro chegou a US$ 352 milhões (VASCONCELLOS, 2008, p. 20).
Outro dado importante para compreender a internacionalização do
esporte é a quantidade de clubes que têm sido adquiridos por empresários
estrangeiros. O grau de internacionalização do esporte atualmente é tão vasto
que os empresários estrangeiros têm buscado a aquisição de clubes como
forma de investimento. Por exemplo, no Campeonato Inglês de Futebol, dos 20
times da Primeira Divisão do campeonato mais que a metade destes possuem
donos investidores estrangeiros vindos principalmente da Arábia Saudita. Os
“Sheiks” ou Xeiques, que são conhecidos pela base financeira provinda de
lucros petrolíferos, de fato adquirem os clubes internacionais não só visando
lucro, mas principalmente como forma de superar e sobrepujar os governantes
rivais locais. Segunda informações de Linda Yueh (2014) da BBC, o
proprietário do Manchester City, Sheik Mansour, já investiu quase £1 bilhão de
libras desde a sua aquisição em 2008 e o russo Roman Abramovich, dono do
Chelsea já ultrapassou a marca de £1 bilhão de libras investidas no seu clube
desde 2003. Isto é, fica claro, ao se considerar tais casos práticos, que o
esporte pode servir como avenida de novas relações políticas e econômicas na
esfera internacional e a tendência é este fato se tornar cada vez mais comum
conforme a globalização se solidifica.
O futebol tem sido utilizado por marcas provenientes do Oriente Médio
como ferramenta de expansão e publicidade. Yueh (2014) ainda afirma que
66
sete dos vinte clubes mais ricos do mundo são patrocinados por companhias
aéreas (Etihad, Fly Emirates e Qatar Airlines) do Oriente Médio e tais marcas
competem constantemente por contratos de patrocínio com os maiores clubes
do mundo. Tem sido levantada a possibilidade de que o futebol europeu é
usado como ferramenta geopolítica pelo Qatar visto que parte dos
investimentos das empresas investidoras supostamente estaria vindo do ‘The
Qatar Investment Authority’, fundo da riqueza soberana do Estado do Qatar.
Tal teoria pode ser parcialmente confirmada com a candidatura do país para
ser sede da Copa do Mundo de futebol de 2022, candidatura que foi vencida e
mostrou uma pretensão e ambição de inserção global não mais somente
através da economia petrolífera, mas também através do esporte.
Assim, é válido estabelecer que o esporte favorece e fortalece vínculos
de aproximação dos povos e que essa comunhão de afinidades e a conquista
de simpatias transbordam para instâncias governamentais, empresariais e
jornalísticas, otimizando os recursos de natureza esportiva na comunicação
social do poder público, na propaganda institucional, na divulgação
internacional dos países e na geração de oportunidades mercadológicas.
Recentemente, a importância e os valores envolvidos na indústria do esporte
resultam em ações concertadas que valorizam o esporte. Tais ações são
realizadas por cúpulas governamentais e investimentos empresariais, e não
apenas por atores esportivos diretos, porque formam uma via prioritária de
promoção cultural e institucional e contemplam perspectivas de atração de
negócios, intercâmbio comercial-tecnológico, informação e prestação de
serviços que ultrapassam a fronteira esportiva. O crescimento econômico e
comercial deste setor e sua internacionalização emanam ao palco internacional
uma visibilidade imensa que causará a utilização do esporte como ferramenta
de política externa pelos Estados, assunto que será discutido no próximo
subitem.
3.3 O esporte como recurso de política externa e influência
internacional
67
Contemporaneamente, as potências econômicas e, não por acaso,
também as forças mais expressivas do cenário esportivo mundial, posicionam
as questões esportivas entre os pilares de erguimento de suas sociedades
nacionais e de sustentação de imagem externa. Nesse contexto, o esporte não
é apreciado como simples adereço lúdico, mas, ao contrário, integra e compõe
com a educação, cultura, alimentação, saúde, emprego, renda, produção
industrial, transações econômicas internacionais, intercâmbio científico e
tecnológico, as imagens e os comportamentos das nações.
Hoje, com a consolidação dos Estados, se observa uma densidade das
condições e relações sociais e até de projeções mercadológicas associadas
em muitos setores internacionalizados que se aproveitam da diversidade e do
alcance dos recursos de natureza esportiva. Os planejamentos de divulgação
institucional das nações através do esporte estão magnificados pelo status
usufruído por tal em muitos países, independentemente de regimes políticos,
sistemas econômicos ou estágios de desenvolvimento.
As manifestações esportivas internacionais podem revestir função
representativa da sociedade de determinado Estado, manifestar a pujança dos
setores econômico-industrial e exportador nacionais, promover a entrada de
investimentos e a atração de turistas. Os acontecimentos esportivos constituem
um válido instrumento para que qualquer país imprima e irradie melhor
divulgação institucional internacional de suas características, qualidades e
potencialidades.
Em inúmeros momentos da história, principalmente no último século, o
esporte foi utilizado como recurso político no cenário internacional. Esse
recurso diplomático variou de objetivos que passam desde a aproximação entre
nações, solução de conflitos, promoção ideológica, divulgação de imagem até a
revoltas contra situações estabelecidas. Tendo isso em vista, é essencial
compartilhar alguns casos concretos da história em que se puderam observar
tais medidas estatais.
Dando início na linha histórica, já havia sido comentada nos capítulos
anteriores a participação do esporte nas guerras mundiais e no período entre
guerras, o qual serviu tanto como fator de preparação física de tropas como
uma via pacífica em que as propagandas ideológicas conseguiam se mover
livremente em busca de alcançar os objetivos das políticas externas estatais.
68
Voltando ao caso da Alemanha Nazista brevemente, Hitler, na sua própria
obra, Mein Kampf (1925), estabeleceu uma relação entre a prática esportiva e
a formação do elemento nacional regenerado que os nazistas passariam a
chamar de ‘Homem Novo da Futura Alemanha’:
A cultura física não é, pois, um problema que só interesse ao indivíduo ou que afete somente aos pais, mas é um requisito indispensável para a conservação da raça, a que o Estado deve proteção [...]. A função do esporte não é somente a de tornar os indivíduos ágeis e destemidos, mas também prepará-los para suportarem todas as adversidades. (HITLER 1925 apud AGOSTINO, 2011, p. 66)
Além do interesse pelo esporte observado no Estado nazista, o governo
fascista também se utilizou largamente dos encontros esportivos para
promover uma política de aproximação com outros regimes, ampliando o
campo das relações internacionais para além dos mecanismos tradicionais da
diplomacia. Neste sentido, antes da Copa do Mundo de 1934
a partida entre a Juventus (clube italiano) e o Marselha (clube francês) foi interpretada como um dos mecanismos de aproximação com a França e para muitos, o jogo valia mais do que qualquer encaminhamento da inoperante Liga das Nações. Tal estratégia, todavia, muitas vezes gerava reações nem sempre tão favoráveis ao governo de Mussolini, uma vez que as pulsões promovidas em uma partida de futebol eram um terreno propício para exprimir hostilidades (AGOSTINO, 2011, p. 62).
Ainda no Estado fascista, o título de campeão mundial da Copa de 1934
foi profundamente representativo na época. Nessa ocasião a ‘azurra’ recebeu o
troféu diretamente das mãos de Mussolini que foi aclamado aos gritos pela
torcida. A vitória foi saudada como reflexo de uma Nação forte e preparada
para enfrentar os inimigos, em um momento em que os planos governamentais
se inclinavam cada vez mais para a invasão da Etiópia, que seria concretizada
nos meses seguintes.
Durante os períodos das guerras mundiais, por motivos óbvios, as
edições dos Jogos Olímpicos não aconteceram, porém
impressiona o fato que após apenas três meses do fim da segunda conflagração mundial as autoridades do Comitê Olímpico Internacional já apurassem as providências preparatórias da próxima edição dos Jogos. Desde então, as Olimpíadas atravessaram a Guerra Fria e se inseriram nas novas ordens e agendas internacionais para completarem, em Londres 2012, sua décima sétima apresentação sem interrupções. Resistiram aos boicotes
69
sucessivos e retaliatórios capitaneados pelas duas maiores potências políticas, econômicas e esportivas da época – os Estados Unidos em 1980 e a União Soviética em 1984. Transformaram-se em tribunas de muitas causas e de muitos pleitos. Delas vocalizaram os negros da América e da África em luta contra o racismo e o segregacionismo, os chineses da ilha e do continente na disputa pelo título de verdadeiros chineses, as mulheres a caminho da igualdade também no esporte e novas nações na trilha do reconhecimento (VASCONCELLOS, 2008, p. 20-21).
Nas Olimpíadas de Helsinque, Finlândia, em 1952, a presença da União
Soviética representou novidade na área política uma vez que passou a
incorporar a Guerra Fria no terreno do esporte. Na abertura das competições,
os dirigentes soviéticos prepararam um enorme painel de resultados, instalado
na praça principal de sua Vila Olímpica, para provar e visibilizar superioridade
na conquista das medalhas. O placar foi desmontado logo depois das primeiras
provas de pista, em que os Estados Unidos ganharam a maioria dos prêmios
dourados do atletismo. Pela primeira vez uma Olimpíada refletia, nas próprias
competições atléticas, medições comparativas de regimes políticos, rivalizando
marcas esportivas e virtudes capitalistas e comunistas Ainda em Helsinque,
houve outro caso significativo, quando o COI conseguiu um acordo para
participação das duas Alemanhas sob a mesma bandeira nos Jogos, fato que
levou a presidência do Comitê a proclamar repetidamente que o COI obtinha
sucesso onde diplomatas e políticos fracassavam (VASCONCELLOS, 2008).
Já em 1956, nas Olimpíadas em Melbourne na Austrália, destaca-se a
União Soviética, que desta vez superou os Estados Unidos na contabilidade
das medalhas olímpicas, triunfo que também significava vitória política e trunfo
de propaganda ideológica. A participação da URSS e dos EUA nos Jogos
Olímpicos inaugurou nova era de política olímpica, pois o esporte tornou-se
teste de avaliação dos sistemas rivalizados pelas duas superpotências. Ambos
os lados aceitavam e validavam a utilização dos Jogos Olímpicos como cenário
de guerra.
Mais tarde, na década de sessenta, o crescente sucesso esportivo das
antigas União Soviética e República Democrática Alemã e o claro declínio do
esporte britânico logo determinaram um aumento do financiamento
governamental e representaram um estímulo importante para a criação do
Conselho Consultor de Esportes em 1965. Uma faceta importante da política
estatal de esporte é a crescente e intrincada relação entre manifestação
70
esportiva e prestígio internacional. Os governos têm clara noção do potencial
do esporte para refletir, magnificar ou depreciar o prestígio de um país.
Na África do Sul, durante o período do Apartheid, a questão esportiva
possuía envolvimento direto tanto na organização societária interna
segregacionista como na prospecção de atalhos externos alternativos ao
imposto isolamento internacional do país. Durante esse momento histórico, se
organizavam competições ‘multinacionais’ – termo escolhido para representar
times adversários divididos por raças e não o embate de diversos países - que
mascaravam uma pretensa integração interna. O governo e até o setor
empresarial-privado local subsidiava programas de intercâmbio e visitas de
delegações esportivas à África do Sul, para que se forjasse um convívio natural
com outras nações e servisse de instrumento de propaganda, supostamente
genuíno, para convencer a opinião pública da aparente normalidade da
participação do país na comunidade internacional. A farsa dessa normalidade
era evidente uma vez que dentro do próprio cenário esportivo global, o Estado
sul-africano foi banido de diversas organizações (FIFA, Federações de
Atletismo e Tênis) e competições (Olimpíadas de 1964 até 1988) internacionais
enquanto perdurasse o regime do Apartheid. O primeiro boicote orquestrado
da história das Olimpíadas ocorreu em 1976 quando a Nova Zelândia autorizou
o seu time de rugby de realizar uma excursão para jogar na África do Sul e os
países negros africanos exigiram o afastamento da Nova Zelândia do
Movimento Olímpico Internacional, porém como não obtiveram seu pedido
atendido, negaram-se a participar da edição dos Jogos Olímpicos de 1976.
No México, em 1968, o Presidente do COI, Avery Brundage, defendeu a
readmissão da África do Sul, que fora banida dos Jogos desde 1964 devido à
lei racial discriminatória do Apartheid. Mostrando revolta com tal situação, os
atletas negros norte-americanos, influenciados pelo movimento do Poder Negro
que insuflava protestos nos Estados Unidos, ameaçaram não competir. Diante
de uma igual recusa da União Soviética e de alguns países africanos,
Brundage foi forçado a prorrogar o afastamento esportivo da África do Sul. O
COI manteve a proibição da participação sul-africana, mas os negros norte-
americanos protestaram mesmo assim e, a cada vitória, no pódio de
premiação, erguiam o punho com uma luva negra. Era o movimento Black
Power de repúdio à discriminação racial, sobretudo no sul dos Estados.
71
Longe das polêmicas político-esportivas dentro do cenário Olímpico, em
1971, ocorreu o que se chamou de Diplomacia do Pingue-Pongue. Em busca
de aliviar o seu isolamento internacional, a China comunista inseriu no mundo
diplomático uma missão precursora. Famosa pela qualidade de seus
campeonatos e jogadores de pingue-pongue, o Estado chinês convidou
oficialmente atletas americanos da modalidade para visitar o país e participar
de jogos amistosos. Alguns funcionários mais ligados ao governo instruíram os
esportistas chineses a perder para conferir destaque à visita dos adversários e
melhorar as relações exteriores com os Estados Unidos. Os encontros
esportivos serviram como distensão e preparo do clima para aproximações
ampliadas em setores menos lúdicos, como o político e o comercial. Tal
reaproximação facilitou e estimulou a visita do presidente americano Richard
Nixon ao Estado chinês, em 1972. Henry Kissinger, então Assistente do
Presidente Richard Nixon para Assuntos de Segurança Nacional, comentava
assim a visita presidencial à China:
A formalização dos intercâmbios encorajados pelos dois governos, o estímulo à abertura do comércio, o estabelecimento de um mecanismo diplomático para contatos continuados, manifestações comuns acerca de alguns princípios gerais de relações internacionais, o comunicado conjunto a respeito da visão de certos aspectos da política mundial, como, por exemplo, a seção que inclui a referência à hegemonia – essas, acredito, são matérias que a maioria de nós teria considerado impensáveis quando iniciados os contatos pelo convite ao time de pingue-pongue. (apud VASCONCELLOS, 2008, p.126-127)
Com efeito, nota-se que foi necessária uma espécie de alavanca
esportiva para destravar o diálogo e combinações políticas de maior amplitude
e complexidade entre EUA e China.
Seguindo a periodicidade histórica e de volta ao cenário Olímpico, o fato
marcante das XX Olimpíadas, em Munique, em 1972, foi
o assassinato de onze atletas israelenses por um grupo de guerrilheiros palestinos. Oito encapuzados com bolsas de atleta na mão pularam o alambrado da Vila Olímpica, mataram e sequestraram membros da Delegação israelense. A notícia do ataque passou a monopolizar a imprensa internacional. Os árabes exigiam de Israel a libertação de mais de duzentos presos políticos e a garantia de que o grupo e sequestrados saíssem da Alemanha em voo direto para qualquer país árabe que não fossem Jordânia e Líbano. As Olimpíadas pela primeira vez foram interrompidas e ficaram paralisadas por trinta e quatro horas, enquanto aconteciam nervosas e atropeladas negociações (VASCONCELLOS, 2008, p. 82).
72
Nas XXII Olimpíadas de Moscou, em 1980, um boicote prejudicou o
movimento olímpico, com a característica de que as superpotências
protagonizavam diretamente a peça político-esportiva. Os Estados Unidos não
mandaram sua Delegação em represália à invasão soviética ao Afeganistão,
em 1979. O Presidente norte-americano Jimmy Carter conseguiu arregimentar
o apoio de 64 países ao embargo esportivo, mas poucos eram realmente
competitivos, com exceção de Alemanha Ocidental, Japão e Canadá. Mesmo
assim, participaram 84 países desta edição.
Os soviéticos responderam à sanção norte-americana quatro anos
depois e boicotaram os Jogos em Los Angeles, em 1984. Do bloco socialista,
apenas a Romênia compareceu. A justificativa oficial da URSS foi uma suposta
campanha antissoviética lançada por setores reacionários dos EUA em
conivência com as autoridades. A carta de justificativa enviada ao Comitê
Olímpico Internacional continha um suposto receio de que os atletas corriam
risco de atentados, sequestros e subornos para exílio em Los Angeles. Mas, na
prática se sabia que se tratava de uma retaliação da decisão americana de não
participar das Olimpíadas de Moscou quatro anos antes. Pode-se considerar
uma ironia histórica muito grande o fato de Rússia e EUA sediarem edições
dos Jogos Olímpicos de maneira consecutiva durante o período da Guerra Fria.
O início de uma reconciliação entre americanos e soviéticos no âmbito
político-esportivo veio em 1986 através da iniciativa de um empresário
americano. Ted Turner21 investiu para organizar um evento chamado de
‘Goodwill Games’22. A ideia de tal evento, depois de vencidas parcialmente
algumas reticências e resistências, foi bem recebida de forma que a imprensa
soviética qualificou os jogos como exemplo de cooperação antecipada que
serviria à causa do fortalecimento da paz e do desenvolvimento de vínculos
amistosos entre a juventude do planeta no espírito das conversações de
Genebra entre o Presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan e o Secretário
do Partido Comunista soviético Mikhail Gorbachev. As autoridades soviéticas
viam os ‘Goodwill Games’ como produto de mídia e canal de abordagem
21
Ted Turner, investiu em torno de 50 milhões de dólares para alimentar a programação de suas duas estações de TV, a WTBS e a CNN, com 129 horas de esporte durante o mês de julho. 22
Traduzido como Jogos da Boa Vontade ou Jogos da Amizade.
73
positiva do público norte-americano, depois dos sucessivos boicotes olímpicos.
Assim, o evento reuniu mais de 3.000 atletas e obteve investimento e adesão
provindos de diversos Estados (VASCONCELLOS, 2008).
Logo a seguir, as Olimpíadas de Seul em 1988 foram rotuladas de os
‘Jogos da Confraternização’ e de ‘Olimpíadas da Glasnost’ porque, depois dos
boicotes duelados por soviéticos e norte-americanos nas edições anteriores de
Moscou em 1980 e Los Angeles em 1984, as duas superpotências esportivas
voltavam ao enfrentamento e ao convívio num mesmo evento olímpico,
situação que foi previamente testada e preparada durante os Jogos
mencionados no parágrafo anterior.
Em 1988, as três Repúblicas Bálticas da Letônia, Estônia e Lituânia, já
animadas pelo potencial de liberalização da perestroika em vários aspectos de
suas realidades, começaram a considerar a possibilidade de organizar Comitês
Olímpicos Nacionais separados, o que ocorria nos anos trinta, antes da forçada
anexação pela União Soviética em 1940. Em novembro de 1988, os letões
proclamavam o restabelecimento de seu Comitê Olímpico Nacional, atitude de
ampliado significado político independentista. Na ocasião, Moscou chiou com
veemência, mas o exemplo foi logo copiado pela Lituânia e Estônia. Esses
gestos de afirmação de independência das Repúblicas Bálticas encorajaram
ações similares de outras nações componentes da URSS.
Já nas Olimpíadas de 2000, na Austrália, o reaparelhamento e a
remodelação da sede olímpica australiana provaram o engajamento, hoje
imperioso, dos setores político-governamentais, empresariais e informativos na
tarefa de realizar e explorar produtivamente as Olimpíadas, o acontecimento de
maior visibilidade da agenda internacional. Desde a fase de apresentação da
candidatura de Sydney, o governo australiano empregou comitivas políticas e
representações diplomáticas no exterior para garantir a vitória do pleito.
Internamente, a interação de autoridades administrativas, de amplos
segmentos da sociedade civil e da opinião pública australiana resultou em
empresas de arrojada realização e na mobilização do sentimento nacional.
Outro exemplo da valia do esporte para o cenário político externo de um
Estado é o caso de Cuba, onde 25% da população praticam esportes
regularmente e observa-se um investimento alto do governo na formação de
atletas (VASCONCELLOS, 2008). A estatização do esporte no país derivou da
74
prioridade atribuída aos programas de educação esportiva da população.
Ademais, o esporte comprovou ser para Cuba a ferramenta mais produtiva da
propaganda oficial e da proclamação das supostas virtudes do regime. Cursos,
clínicas especializadas por modalidades e treinamento desportivo pagos,
ministrados em centros cubanos ou por técnicos enviados ao exterior, como,
por exemplo, a instrução de treinadores de pugilismo em São Paulo e de
atletismo em Manaus, e representariam, eventualmente, importante fonte de
divisas do país, como a indústria turística. Como o poder propagandístico e a
visibilidade mundial, segundo a opinião do Estado cubano, provaram ser
proporcionais ao desempenho esportivo. Dessa forma, o governo considera
sua política pública de esportes prioritária, inclusive no arranjo de seus
programas de cooperação técnica e relações internacionais.
A influência internacional do esporte não é só aproveitada pelos
interesses nacionais de Estados, mas também por Organizações Internacionais
a fim de alcançar as metas vigentes dessas instituições. Por exemplo, em sua
política de relações públicas internacionais, a Organização das Nações Unidas
designa Embaixadores da Paz e da Boa Vontade, e comumente são
esportistas renomados como os futebolistas locais Pelé, Ronaldo e o tenista
Gustavo Kuerten, para liderar campanhas em favor da erradicação da pobreza
e em prol da paz mundial. De acordo com Vasconcellos (2008), o jogador
brasileiro Ronaldo foi instruído à visitar região da Província sérvia separatista
de Kosovo, em 1999, a fim de utilizar-se de sua imagem e carisma para levar
algum tipo de alívio social ao país. Tal visita foi considerada um sucesso, pois
permitiu uma trégua momentânea e promoveu os esforços de pacificação
regional então dedicados pela Organização. O presidente israelense Shimon
Peres, em declaração à imprensa após a visita de Ronaldo a Israel em virtude
da promoção de ações educacionais e esportivas entre populações israelenses
e palestinas, disse que “essas pessoas (os embaixadores) podem fazer pela
paz, com os pés, muito mais do que nós, políticos, podemos fazer com a
cabeça” (PERES s/d apud VASCONCELLOS, 2008, p. 22-23).
Outra amostra do uso do esporte por entidades internacionais é o fato de
que União Europeia (UE) reconhece e explora o valor do esporte no
desenvolvimento de um sentimento de cidadania comunitária. No sentido
75
amplo de fortalecer a união referida no Tratado de Roma23, a UE patrocina
regularmente eventos esportivos europeus e, mais significativo para a
construção do senso de identidade supranacional, trata o esporte como setor
sujeito aos regulamentos da Comunidade como, por exemplo, aqueles relativos
às leis trabalhistas de livre circulação de mão-de-obra. Prepondera, dessa
forma, no espaço europeu, o visível estímulo dos países ao desporto de elite,
competitivo no cenário esportivo mundial, mensurador de prestígio e indutor de
imagem internacional positiva, e o justificável atributo do esporte como
instrumento de política externa.
No jogo desportivo – ou cultural, ou político – vale a vitória e vale a repercussão da vitória, que revela superioridade e resulta em prestígio e em reconhecimento públicos. A vitória na competição traduz a prevalência de certos valores sociológicos e culturais. A supremacia forjada na conquista vale para mensurar atributos de ideias, pessoas, grupos e nações concorrentes, em várias instâncias e cenários, como um palanque eleitoral, uma tribuna política, uma assembleia parlamentar ou um campo de jogo (VASCONCELLOS, 2008, pag 39).
Outro ponto que é conveniente citar é o papel que cada indivíduo
relacionado ao esporte pode desempenhar. É possível inferir que, quando um
país exporta atletas, está criando novas oportunidades de laços internacionais,
que poderão ser produtivos ou não dependendo da competência desses atletas
em cumprir seu papel no exterior. Os próprios atletas invariavelmente
trabalham de certo modo como Diplomatas de seus países de origem, pois a
sua atuação na esfera internacional afetará a imagem do país. Outros sujeitos
das relações esportivas como agentes, representantes, técnicos, funcionários
de clubes e gerentes também podem ser considerados Diplomatas do esporte
e todos eles conjuntamente corroboram a política externa estatal.
Como visto no capítulo anterior, a teoria construtivista defende que o
mundo não é predeterminado e sim uma construção social, então, nesse
sentido, é evidente o importante papel da diplomacia esportiva para essa
mencionada construção social. O esporte funciona de forma a construir pontes
23
Os Tratados de Roma foram assinados em 25 de Março de 1957 em Roma pela República Federal da Alemanha, França, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo. Dignificaram um triunfo para os europeístas que ante a impossibilidade de consolidar de maneira imediata uma união política, desenvolveram um processo de integração que afetasse de maneira paulatina diversos setores da economia, criando instituições supranacionais nas quais os estados membros cedem parte de sua soberania sobre determinadas competências.
76
entre diferentes culturas e povos. A diplomacia do esporte não é diferente,
através de seus representantes (líderes governistas, atletas, equipe técnica,
jornalistas), os países promovem seus valores e estabelecem relacionamentos.
Além disso, eventos esportivos podem facilitar a cooperação, aumentar o
entendimento, diminuir os estereótipos e acabar com diferenças históricas
entre diferentes países e culturas.
Aqui se percebe, também, a aplicabilidade do uso de recursos de soft
power pelo construtivismo. No segundo capítulo, foi comentado o fato dos
princípios do referencial teórico construtivista abrirem espaço para adicionar os
recursos de soft power às já reconhecidamente imprescindíveis fontes de hard
power de um Estado. No momento em que o esporte é o elemento social
escolhido pela cúpula estatal ou pelo setor privado para construir um
determinado cenário desejado entre entes no âmbito internacional, se
reconhece a inserção do esporte como ferramenta de soft power sendo
empregada através dos preceitos estabelecidos pela teoria construtivista. Esse
cenário desejado pode ser de aproximação diplomática ou comercial, de crítica
à variados assuntos, de cooperação em agendas similares, de resolução de
conflitos por meios não violentos e tantos outros possíveis cenários. Seja para
construir pontes, seja para construir cenários desejados no palco internacional,
o construtivismo permite demonstrar que a diplomacia esportiva é uma opção
viável à política externa já que possibilita mudanças na construção social e
estabelece diferentes relações entre agentes e estrutura.
Portanto, tendo em vista as observações e os casos registrados acima, é
plausível afirmar que essa ferramenta estatal atua das mais diferentes formas,
através de distintos esportes ou competições e com variados propósitos. O
indiscutível é que diplomacia esportiva tem estado presente constantemente no
âmbito político internacional e pode ser considerada um elemento
indispensável na agenda internacional. No próximo e último capítulo o foco de
pesquisa é particularmente sobre o futebol e seu papel no cenário brasileiro
partindo dos preceitos-base produzidos no restante do trabalho.
77
4. O FUTEBOL NO BRASIL: SOCIEDADE, ECONOMIA E
POLÍTICA INTERNACIONAL
Este último capítulo tenciona demonstrar os principais aspectos em que a
influência do futebol, em específico, atinge o cenário interno brasileiro. Partindo
das análises anteriores sobre a real participação e inserção da diplomacia
esportiva como alternativa e ferramenta política, o estudo a seguir ilustrará,
portanto, como a atividade futebolística é percebida e atua nos setores social,
econômico e político do Brasil.
4.1 Brasil e a percepção do futebol na sociedade
Na história do futebol no Brasil, essa prática esportiva já passou por uma
fase em que a percepção social não foi quase unanimemente positiva como
encontramos nos dias atuais. O futebol, no início do século XX, foi visto por
muitos intelectuais importantes, inclusive Graciliano Ramos24 e Villa-Lobos25,
como um estrangeirismo inconcebível, como um modismo estrangeiro, que não
tinha nada a ver com a cultura brasileira. Graciliano Ramos (1921, s/p), por
exemplo, chegou a escrever que o “Futebol é fogo de palha”, dizia que era uma
moda, como o ioiô e o bambolê. Dizia, também, que “o futebol tinha vindo, mas
ia passar”.
Como já se sabe este interesse passageiro para com o futebol não se
provou já que hoje é o esporte mais popular do país. Ainda assim, por muitas
décadas o futebol foi tema quase preponderantemente de discussões relativas
à sua característica lúdica, porém a importância e a riqueza conceitual do
esporte foram incorporadas, criando-se um estudo muito mais profundo. Desde
os anos 80, a ciências sociais no Brasil têm desenvolvido uma nova
perspectiva bem mais avançada e mais antropológica sobre o futebol. O
símbolo dessa perspectiva é a publicação, em 1982, do livro Universo do
24Graciliano Ramos de Oliveira , 1892-1953, foi um romancista, cronista, contista, jornalista e
político brasileiro do século XX, famoso pela obra Vidas Secas (1938). O autor expressou no
jornal Alagoano ‘O Índio’ na década de 1920 sua posição sobre o futebol.
25 Heitor Villa-Lobos, 1887-1959, foi um maestro e compositor brasileiro que, em 1932, durante
uma cerimônia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, criticou fortemente o futebol.
78
Futebol, organizado pelo antropólogo Roberto da Matta. Ali o futebol é
apresentado sob uma nova visão, pensado como um fato social em si mesmo e
interpretado pelo autor como uma espécie de drama da vida social no Brasil.
Segundo essa concepção, num campo de futebol, dramatizam-se elementos
característicos da cultura brasileira, dramatizam-se valores e aspectos
fundamentais do que significa ser brasileiro. Isso se exemplifica na rejeição
unânime das torcidas ao juiz e o próprio fato de, no Brasil, chamarmos o árbitro
de juiz. Essa rejeição unânime à pessoa do juiz pode ser interpretada como
uma reação do povo contra a tirania, o poder ou as atitudes em geral do
Estado. O juiz não deixa as pessoas agirem livremente, é um sujeito a favor do
Estado, e não do povo. A visão dos torcedores recorrente de que o juiz ‘está
roubando’ expressaria, portanto, a desconfiança do povo brasileiro com seu
Estado.
Ainda como exemplo da representação do futebol na vida dos brasileiros
é a apropriação de frases ou jargões utilizados na atividade futebolística para
expressar-se na linguagem coloquial do diário. A frase ‘Que bola fora!’ é
comumente usada para expressar uma atitude/ação negativa, ‘correr pro
abraço’ quando alguém celebra ao conquistar algo, ‘craque’ pessoa com
grande talento em determinada função, ‘colocar alguém para escanteio’
significa deixar alguém de lado, ‘bater na trave’ quando uma pessoa passa
perto de conquistar algo, ‘entregar os pontos’ quando alguém desiste de
alguma coisa, entre muitas outras expressões. Até as pessoas que não
acompanham, apreciam ou entendem o futebol invariavelmente adotam esses
termos e expressões pelo simples fato de já estarem imersos na cultura
brasileira. De certa forma, pode se interpretar essa constante apropriação dos
termos futebolísticos na rotina como uma forma de representar a informalidade
no povo brasileiro e a característica de fácil sociabilização e contato
interpessoal que a nossa cultura permeia.
Uma das formas de identificar o papel do futebol na sociedade brasileira é
apresentando uma cena hipotética e interpretá-la. Por exemplo, um gaúcho de
nascença, morador da cidade de São Paulo e torcedor do Internacional está
indo em direção ao seu trabalho e avista outro cidadão trajado com uma
camisa do Internacional. Mesmo sem conhecê-lo, aproxima-se e o aborda
perguntando se o rapaz seria seu conterrâneo. O rapaz consente com a
79
cabeça, e a partir de então ambos iniciam um diálogo sobre o desempenho de
seu time. A partir desta cena hipotética, que é possível de ser vista a qualquer
momento nas ruas e transportes coletivos de uma cidade, cabe a reflexão
sobre a representação social de uma camiseta, o valor emblemático, associado
a questões geográficas, ideológicas, e tantas outras que o futebol pode
proporcionar. O que ainda se pode destacar é que, num mundo plausivelmente
considerado impessoal, desconhecidos consigam estabelecer uma relação de
confiança por um simples compartilhamento de interesse representado pelo
futebol.
Outro elemento da sociedade relevante é a música popular brasileira, a
qual também manifesta extrema relação com a paixão pelo futebol. Do grupo
mineiro Skank, passando por Jorge Ben, Chico Buarque, João Bosco e Gilberto
Gil, o jogo da bola é mote e inspiração de canções. Há quase uma simbiose
entre o ritmo da música e o ritmo do futebol. É bastante difundido
mundialmente o fato de o brasileiro jogar bola como quem samba. A ideia de
uma ginga, de um “jogo de cintura” que caracterizaria o brasileiro e que estaria
presente no samba, na capoeira e no futebol, é um dos pontos centrais nos
debates sobre identidade cultural brasileira. O sociólogo Gilberto Freyre26, em
consonância com as pesquisas do jornalista Mário Filho (1947) sobre ‘O negro
no futebol brasileiro’, desenvolveu o argumento de que a miscigenação étnica e
cultural no Brasil gerou um modo peculiar e original de absorção da cultura
vinda da Europa e da África. No caso específico do futebol, os brasileiros
teriam ‘amaciado’ o jogo, mudando a postura quase bruta e marcial dos
europeus por um estilo mais sinuoso e sensual, mais próximo da dança do que
da guerra (COUTO, 2009).
O futebol também é capaz de estimular vínculos poderosos entre pais e
filhos em países como o Brasil, onde é ‘o esporte nacional’. Vínculos esses
importantes para a uma construção social coesa. É claro que há a preocupação
para evitar que o jogo se transforme em potente deflagrador de traumas,
violência e destruição de laços familiares, ou seja, é preciso inteligência
emocional para lidar com vitórias e derrotas. A vantagem do futebol é ser um
26
Gilberto Freyre publicou um artigo no jornal Diário de Pernambuco em 1938 chamado ‘Foot-
ball mulato’ e posteriormente escreveu o prefácio para livro de Mário Filho ‘O negro no futebol brasileiro’
80
esporte que traz na sua raiz uma carga intrínseca de superação de obstáculos,
ou seja, proporcionalmente é um esporte visto muito mais como benéfico para
a sociedade do que suscetível a resultar em problemas. Nos 90 minutos de
uma partida de futebol, a torcida se frustra, chora, canta e comemora como se
ali, naquele reduzido espaço de tempo, se desenrolasse uma espécie de
simulação da vida.
Conforme consta em um artigo da sessão Futebol e Cultura no website do
Goethe Institut, o psicólogo do esporte do Centro de Estudos e Pesquisa da
Psicologia do Esporte de Curitiba Marco Antônio Ferreira (2014, s/p) explica
que “Esses sentimentos vividos no esporte em geral, não apenas no futebol,
produzem o efeito de uma musculação emocional nas crianças, que lhes dará a
maleabilidade necessária para lidar com diversas questões ao longo da vida”.
Ferreira explica que há uma fase da infância, na qual o vínculo entre o pai e o
filho se estabelece muitas vezes através do futebol. “A convivência entre os
dois se torna saborosa com a energia do esporte. O pai deixa de ser só aquele
que cobra a lição, pergunta se arrumou o quarto. Cria-se um vínculo profundo,
de amizade”, explica o psicólogo. Isso cria uma memória positiva do esporte
que a criança vai levar para a sua vida adulta.
Mais uma característica do futebol que reflete na sociedade é a
experiência de torcer, de ir ao estádio, de sair às ruas comemorar, é sentir-se
parte de algo maior. Pertencer a um coletivo rompe com o mundo individualista
em que se vive, principalmente nos tempos mais recentes. A massa, unida
compartilhando o mesmo objetivo e sentimento, passa uma energia extra.
Assim, o brasileiro se identificaria com as problemáticas oferecidas pelo jogo,
as adversidades, as alegrias, a superação, por relacioná-las com as situações
cotidianas de sua vida. E isto é perceptível, como já foi mencionado antes, pela
forma de expressar-se do brasileiro em certas ocasiões típicas. Assim como
um time que se vê com o placar adverso, o cidadão brasileiro busca ‘virar o
jogo’ quando se encontra numa situação desvantajosa, seja ela financeira, seja
na escola, em relação às notas. No futebol a sociedade não se vê segregada,
todos são torcedores.
A Copa do Mundo é um momento extraordinariamente importante no
estudo do futebol como um elemento social e de identidade nacional no Brasil.
É o momento mais importante de celebração da nacionalidade brasileira. Isso
81
aparece no índice de audiência das partidas do Brasil na Copa que
tradicionalmente, ao longo de décadas, vem representando as maiores
concentrações históricas de audiência midiática de todos os tempos. Nenhum
outro evento concentra tanta gente na frente da TV. É a hora em que todo
mundo se veste de verde e amarelo, em que todo mundo canta o Hino
Nacional, em que todos se abraçam, choram, vibram. A Copa é tão importante
porque é o momento de ver quem somos frente aos outros, expresso na ideia
de que 11 pessoas são o Brasil. Por exemplo, na estreia da Copa do Mundo de
2014 contra a Croácia quase quarenta e três milhões de telespectadores
assistiram ao jogo do Brasil segundo números divulgados no sítio da FIFA.
O poder de representatividade dos brasileiros e sua cultura no futebol é
tão grande que este fato se comprovou nas eleições brasileiras de 2014.
Segundo informações da Folha de São Paulo (2014) sete dos vinte três ex-
jogadores de futebol que se candidataram foram eleitos nas eleições para
deputados ou senadores de 2014. Só Romário conseguiu 4,6 milhões de votos
para Senador. Em toda eleição política no Brasil o futebol está presente através
da candidatura de ex-jogadores, dirigentes e até narradores que tentam
transferir para as urnas o prestígio conquistado no futebol. A democracia
brasileira permite demonstrar essa nuance de extrema confiança do povo em
personalidades que tiveram sua origem no futebol.
O professor e historiador Frederico Machado (2010, s/p) definiu o futebol
de forma a corroborar o discutido neste subitem, ele diz que
O futebol demonstra ser mais que um jogo. Muitas vezes o futebol representa uma auto-afirmação de um grupo ou de um povo. Não é a toa que o esporte é o mais popular do planeta. Talvez pela sua forma de jogar ou até suas regras que permite a prática em qualquer ambiente. O futebol se caracteriza pelo antagonismo da simplicidade com a complexidade do jogo, aonde seu praticante permite que seu entusiasmo tome conta de sua racionalidade e que estatisticamente, é o esporte que mais possui resultados improváveis, as chamadas ‘zebras’. Por isso que, para muitos, o futebol se confunde com sua própria vida, transformando assim esse esporte em uma metáfora de sua história.
Para algumas pessoas o futebol só serve para desviar a atenção do povo
de coisas consideradas mais sérias por alguns intelectuais, como a economia e
a política. Por outro lado o futebol pode ser considerado a representação da
luta do dia-a-dia, do povo que tem sua força de trabalho explorada pelas
82
classes dominantes que os marginaliza. O futebol também pode causar um
fascínio onde o praticante (profissional ou amador) se sente participante da
construção do simbolismo dessa luta, onde cada um se supera vencendo a
dificuldade e obstáculos da vida. O torcedor também cumpre esse papel e se
sente participante do jogo, se tornando o ‘12º jogador’, seja contra os
adversários ou até mesmo contra o próprio time quando não estão jogando
bem ou não atendem as perspectivas de vitórias (MACHADO, 2010).
A doutora em Sociologia da Universidade de São Paulo Fátima Ferreira
Antunes, em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos em 2010, afirma o
seguinte sobre o futebol na sociedade brasileira:
Hoje está consolidada, na percepção e no imaginário popular, a ideia de que o Brasil é ‘o país do futebol’, de que os jogadores brasileiros são os melhores do mundo e de que os brasileiros têm um dom praticamente ‘natural’ para esse esporte. Essa percepção, no entanto, é resultado de um longo processo de construção, que passou pelo nacionalismo do período Vargas , pelo otimismo do pós-guerra e pela derrota de 1950, pelos títulos mundiais de 1958, 62 (que coincidiram com a euforia dos anos JK ), pela Copa de 70 no contexto do milagre econômico, pela crise dos anos 1980, seguida de perto pelos 24 anos (entre 1970 e 1994) sem conquistar um novo título. Imaginário que está em permanente construção e reconstrução.
Nesse contexto, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao
recepcionar no Rio de Janeiro a XII Assembléia-Geral da Associação dos
Comitês Olímpicos Nacionais e Reunião do COI em 2000, declarou que
O esporte está incorporado à alma brasileira. Tem muito a ver com nossa autoestima, com o sentimento de orgulho nacional e é claro que isso não é exclusividade do Brasil. A passagem do quinto centenário é uma forma de valorizarmos a herança de nossa formação como povo e como nação, e nada mais significativo para realizar essa consciência entre nós do que associarmos à data algo que, efetivamente, faz parte da nossa identidade – o esporte!.
Logo adiante, na final da Copa do Mundo de 2002 do Japão e da Coréia,
quando o Brasil tornou-se pentacampeão mundial de futebol, foi de extrema
representatividade e importância tanto para o fator social do país como para a
política do país. No dia 30 de junho de 2002, a seleção brasileira foi a campo
para confirmar a hegemonia no esporte mais popular do planeta e contra a
respeitável tricampeã Alemanha. Com a vitória de 2x0, dois gols de Ronaldo, o
Brasil sagrou-se campeão (GUTERMAN, 2010). Logo após a conquista, o
83
jornalista e cientista político Oliveiros Ferreira (2002 apud GUTERMAN, 2010,
258-260) resumiu a vitória, no jornal O Estado de São Paulo, da seguinte
forma:
Outros fossem os tempos, e tivéssemos em outras plagas, haveria quem soubesse transformar o primeiro gol de Ronaldo contra a Alemanha num símbolo político capaz de arrastar multidões. [...] É dos conhecimentos da propaganda política que necessitamos para compreender o simbolismo daquele gol e de como se poderia, outros fossem os tempos, por meio dele mobilizar massas para as grandes tarefas de construção da Pátria Grande. [...] Todos se recordam de como foi o gol: o goleiro alemão (até então invencível) não conseguiu encaixar a bola, caiu e se arrastou pelo chão tentando empalmá-la, evitando o inevitável. Foi uma cena impressionante pelo o que simbolizou: o adversário caído, arrastando-se na grama, enquanto, de perto, mas correndo, vinha Ronaldo, que chutou a bola como se o chute fosse um tiro de misericórdia. Porque foi isso o que cena simbolizou: alguém sendo fuzilado sem apelação. [...] Deem essa cena a um gênio do mal em propaganda como Goebbels, ou a qualquer cidadão nosso, bem interessado em levantar a Pátria. Deem esta cena – um gol feito numa partida decisiva – a um país faminto por feitos que o façam lembrar, para não permitir que se repitam, quantas oportunidades foram perdidas na sua história, oportunidades que lhe teriam permitido superar o que Nélson Rodrigues, pelo que ouvi, dizia ser ‘complexo de vira-lata’ [...]. Deem-lhes esses elementos tão simples como o simbolismo de um gol e saberão transformá-lo em símbolo da grandeza ou, como diria Luiz Alberto Sánchez, no símbolo do nosso ‘esmagado orgulho crioulo, a afirmação de nossa autonomia política e espiritual, em suma, o mais puro da nossa beligerância’. Ou não seria esse símbolo suficiente para mostrar como os subdesenvolvidos são capazes de humilhar, liquidar as pretensões dos do Primeiro Mundo? Não seria ele capaz de motivar o povo a sacrifícios, marchando para a grandeza que pode alcançar mirando-se no exemplo dos bravos, não apenas de Ronaldo, que tiveram suas energias dirigidas para um objetivo definido, para todos eles emocionalmente mais importante que qualquer coisa, inclusive sua própria projeção pessoal, e que os levou, todos, a superar suas diferenças e dificuldades e conquistar o respeito dos adversários?
Quem se destacou na festa de comemoração do pentacampeonato foi o
capitão Cafu. Ao repetir o gesto de seus antecessores, erguendo a taça de
campeão do mundo, o lateral prestou uma homenagem ao miserável bairro
paulistano onde ele nasceu, escrevendo na camisa da seleção brasileira os
dizeres: 100% Jardim Irene. Era a demonstração de que, mesmo com o
sucesso e os milhões embolsados por causa dos contratos assinados, havia
jogadores brasileiros que sabiam muito bem o sacrifício que tinham feito para
chegar até ali e manifestavam orgulho de seu passado e de suas origens. Era
também, analogicamente, a lembrança da dolorosa dívida social produzida por
décadas de planos econômicos e de desmandos administrativos que
negligenciaram a enorme maioria dos brasileiros. De certa maneira, era essa
84
forte ligação com um passado extremamente pobre e sofrido que talvez tenha
conferido autenticidade ao ex-presidente Lula, num momento em que o Brasil
discutia modelos de desenvolvimento que não resultassem em aprofundamento
do abismo social. A eleição de Lula, um ex-torneiro mecânico e não menos
ironicamente, um fanático por futebol, que soube moldar-se às circunstâncias e
cujo discurso era impregnado de simbolismo sobre a real capacidade do
brasileiro, representava a esperança de um novo ciclo na história do país, em
que gente pobre como Cafu, Ronaldo e Rivaldo talvez tivesse outras
oportunidades de ascensão social muito além do velho e bom futebol
(GUTERMAN, 2010). Essa conexão entre o ex-presidente Lula e o futebol foi
de extremo valor durante os seus dois mandatos para o desenvolvimento deste
esporte internamente e para a sua utilização concreta como ferramenta política
internacional do governo brasileiro. Esse assunto será revisitado mais a frente
no capítulo.
Entrando, portanto, numa fase contemporânea da percepção social
brasileira quanto ao futebol, reconhece-se aqui que, principalmente nas duas
últimas décadas, o futebol tem sido vítima de diversas alterações estruturais
nos seus bastidores que resultam em sua alta comercialização e um certo
desvio conceitual. Determinada parte da população brasileira já critica o setor
futebolístico por seus altos valores o que afasta alguns torcedores,
especialmente por acabar marginalizando as camadas sociais mais pobres. Ou
seja, o que antes era um atributo louvável do esporte de unir as massas, hoje
já não se vê da mesma forma. Mesmo assim, ainda é indiscutível a presença e
relevância do futebol em todas as camadas sociais brasileiras.
A pesquisa IBOPE (Tabela 1) realizada em 2012 com cerca de dois mil
brasileiros em todo o território nacional mostra que 77% dos brasileiros
consideram o futebol como a maior paixão nacional sendo esse número a
média entre 82% da opinião de homens e 72% de mulheres. Destaca-se esse
dado de 72% das mulheres considerarem o futebol como maior paixão
nacional, já que este esporte é comumente mais apreciado pelo sexo
masculino. Essa porcentagem ilustra o fato de que as mulheres brasileiras
estão progressivamente mais ligadas ao futebol, desmistificando o clichê de
que só homens gostam de futebol.
85
Tabela 1 - Paixões dos Brasileiros
FONTE: Pesquisa Ibope 2012
Por fim, lembra-se aqui do construtivismo, o qual afirma que anarquia
internacional é fruto de uma construção social que a própria sociedade é capaz
de transformar em processos de agentes e estruturas. A força do futebol na
sociedade brasileira é de significância suficiente para estabelecer novas
conexões entre agentes e estrutura no país de forma a construir socialmente
uma nova interação do Brasil com outros entes no cenário internacional sempre
em direção à cooperação.
Tendo em mente todo o conteúdo discutido acima, é evidente a
percepção positiva e a identificação do povo brasileiro com as questões
relativas ao futebol de forma que, ao considerar o nível de imersão deste
esporte na cultura e sociedade do Brasil, se estabelece uma conexão quase
indissociável entre tais fatores.
4.2 A participação do futebol na economia brasileira
86
Os números do futebol no Brasil são expressivos, de acordo com o sítio
Portal 2014 são quase trinta mil clubes, mais de treze milhões de jogadores
entre registrados e não registrados, mais de cem competições anuais, sessenta
e um mil árbitros registrados, mais de cinco mil jogos profissionais por ano e
em torno de 740 estádios que receberam partidas oficiais nos últimos anos. A
partir desses dados introdutórios se amplia o presente estudo ao fator da
participação do futebol no setor econômico brasileiro. Além da apresentação e
interpretação de alguns números do cenário futebolístico geral no país, esse
segmento da pesquisa também traz os custos e reflexos econômicos da Copa
do Mundo de 2014 que foi sediada pelo Brasil nos meses de junho e julho.
Na atualidade, a relevância das manifestações esportivas transpõe mais
claramente a área do lúdico, repercutindo em segmentos conexos, mais
complexos e práticos, que permitem exibir o esporte de forma multifacetada
como, por exemplo, seu setor industrial provedor de bens e serviços e gerador
de empregos, propulsor de turismo e instrumento difusor de marketing
internacional. O futebol é hoje, portanto, uma indústria extremamente
aproveitada pelos capitalistas e que conta com a imensa ‘parceria’ midiática
para seguir em tal direção e avançar. Obviamente esse detalhe não é uma
exclusividade brasileira, bem pelo contrário, o Brasil ainda engatinha para
usufruir dos esperados benefícios econômicos e financeiros que a indústria
futebolística tende a produzir. Apesar de mundialmente reconhecido, o futebol
brasileiro tem um histórico de gestão pouco profissionalizada e clubes em
situação de eterna crise financeira. O resultado acabou sendo um potencial
econômico nunca realizado. Entretanto, conforme informa o sítio da Revista
Exame (2014), há alguns sinais de mudanças como que a receita dos clubes
quadriplicou desde 2004 e metade dos clubes da primeira divisão deu lucro em
2012, o que nunca havia acontecido.
Essa situação é reconhecida pelo Ministério do Esporte, inclusive o
ministro Aldo Rebelo, em entrevista ao jornal Diário do Pará em 2014, ao ser
perguntado sobre a necessária reforma na gestão do futebol, respondeu da
seguinte forma:
É uma visão que tem que expressar as contradições do nosso futebol. Tem coisas muito boas, como a construção, a reforma dos estádios. Temos hoje nas nossas metrópoles estádios confortáveis e seguros que irão assegurar uma renda maior para os clubes, atrair
87
mais público, mas ainda temos problemas sérios na gestão do nosso futebol. O Brasil é um grande protagonista do futebol dentro de campo, mas fora de campo nós somos ainda certo fiasco. Os ingleses são donos de 30% do PIB mundial do futebol. E um país que ganhou cinco campeonatos mundiais de futebol tem em torno de 2% do PIB Mundial do Futebol. Somos exportadores de atletas e importadores de espetáculo. Compramos o campeonato europeu, que tem como grandes atrações uma parte de nossos jogadores. Temos futebol de grande tradição, como este aqui do Pará, que tem o clássico mais antigo do que entre Palmeiras e Corinthians, o clássico paraense que atrai multidões para os estádios, mas os clubes vivem empobrecidos, endividados com problemas administrativos, com folhas salariais muito limitadas para a grandeza da tradição desses clubes e desse futebol. Precisamos fazer alguma coisa para ampliar a participação do futebol na economia do Brasil, melhorar a renda dos clubes, melhorar a gestão desses clubes para que possamos recuperar um pouco do protagonismo do futebol brasileiro e mundial.
Por outro lado, o negócio do futebol e a mídia alcançaram um nível de
interdependência que a ruptura chega a ser algo inexequível. A influência da
mídia no futebol não se resume somente aos direitos de TV que atualmente
sustentam os clubes brasileiros. Bilheteria, patrocínios, publicidade,
licenciamento e merchandising e até mesmo a transformação de atletas em
ativos que podem ser negociados, todas estas receitas sofrem uma
interferência direta ou indireta da mídia.
Na tabela 2 (abaixo) pode-se observar que 65,8% das horas de
transmissão de esportes na TV brasileira seja ela em canais abertos ou
fechados foram dedicadas ao futebol, o que representaria mais de 24 mil horas
no ano de 2010. Impressiona a imensa diferença para o segundo colocado,
tênis com apenas 6,5%. Na tabela 3 também é possível destacar o valor da
exposição, ou seja, o preço do espaço de mídia em que o esporte foi
transmitido, de cada uma das modalidades esportivas e novamente o futebol
aparece muito à frente das outras com 77,2% comparados aos 6,1% do vôlei.
Esses dados comparativos mostram o poder midiático do futebol e,
consequentemente, o poder que essa atividade esportiva possui e a
capacidade de trazer reflexos econômicos positivos ao país tendo em vista seu
potencial propagandístico já estabelecido.
Tabela 2 - Ranking por tempo de transmissão – 2010
Posição TOTAL % Total
1º Futebol 65,8%
88
2º Tênis 6,5%
3º Vôlei 4,5%
4º Automobilismo 4,4%
5º Basquete 3,9%
6º Artes Marciais/Lutas 1,8%
7º Motociclismo 1,4%
8º Atletismo 1,3%
9º Futsal 1,1%
10º Esportes de Inverno 1,1%
Fonte: Informídia
Tabela 3 - Ranking por valor de exposição - 2010
Posição ESPORTE % Total
1º Futebol 77,2%
2º Vôlei 6,1%
3º Automobilismo 4,5%
4º Tênis 2,6%
5º Basquete 1,5%
6º Artes Marciais/Lutas 1,3%
7º Atletismo 0,8%
8º Futsal 0,7%
9º Esportes Aquáticos 0,6%
10º Esportes de Inverno 0,6%
Fonte: Informídia
Porém, quanto ao ‘negócio futebol’ no Brasil, como visto anteriormente,
há uma diferença de patamar evolutivo entre o que já acontece na Europa e a
realidade brasileira. Os clubes europeus estão estruturados como instituições
comerciais, mas, mesmo quando isto não acontece de maneira formal, na
gestão do negócio, o futebol é tratado empresarialmente. O Real Madrid, por
exemplo, não é uma empresa formalmente institucionalizada, mas atua como
89
organização empresarial que tem um audacioso planejamento estratégico de
crescimento em nível mundial. O Manchester United, por outro lado, é
formalmente constituído como empresa com ações na bolsa de valores e como
o clube espanhol, tem planos semelhantes de expansão global. Pela qualidade
esportiva do futebol brasileiro e do próprio interesse que ele desperta na mídia
nacional e mundial, a tendência é dos clubes passarem por um processo
semelhante ao que já ocorreu na Europa e se reestruturarem sob um modelo
empresarial. A tendência é que haja uma evolução que será uma exigência
natural do mercado até pela interdependência existente entre futebol e mídia e
demonstrada pelas tabelas 2 e 3.
Ainda que não tenham evoluído ou desenvolvido completamente em
comparação com os clubes europeus, a transformação de algumas equipes de
futebol brasileiras em empresas e parcerias milionárias já tem sido presente
nas últimas duas décadas. Essas equipes tem contado com consultoria de
técnicos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que já apresentaram as marcas
de times brasileiros (Inter-RS, São Paulo, por exemplo) a investidores da
Inglaterra e da Itália. Para exemplificar, o Sport Club Internacional encarregou a
Fundação Getúlio Vargas de preparar modelo de parceria e estudos
mercadológicos da marca e do patrimônio do clube. Análise preliminar da FGV
indicou cifra potencial de cerca de US$ 80 milhões pela exclusividade de
patrocínio. Empresas do ramo (All-E, Octagon/Koch Tavares) desenvolvem
acertos comerciais diretos, enquanto especialistas da FGV realizam
consultorias e seminários para a captação de investidores europeus
interessados no mercado esportivo latino-americano (VASCONCELLOS, 2008).
Em decorrência dessa promoção conjugada, o Grêmio Foot-ball Porto
Alegrense assinou no ano 2000 contrato de parceria com a International Sports
Media and Marketing (ISMM), através de sua filial International Sports Leisure
(ISL), então a maior empresa de marketing esportivo do mundo. O acordo
previa a exploração mundial dos direitos da marca ‘Grêmio’, transmissão por
televisão de jogos e licenciamento de produtos do clube. Por esse patrocínio, o
clube deveria receber cerca de US$ 150 milhões durante os quinze anos de
vigência prevista do contrato (VASCONCELLOS, 2008).
Ainda como exemplos de parcerias empresariais de clubes brasileiros,
aparecem as ilustrações do Palmeiras, que assinou em 1992 contrato de
90
gestão em parceria com a empresa italiana Parmalat; do Vasco da Gama, que
assinou em 1998 contrato com o Bank of America; do Corinthians, que se
tornou, em 1999, o primeiro grande clube brasileiro a abdicar do comando do
próprio departamento de futebol, ao assinar um contrato com o fundo de
investimentos norte-americano Hicks, Muse, Tate & Furst, e depois com a
britânica Media Sports International (MSI), para exploração de imagem,
participação de bilheteria, quotas de jogos, publicidade e contratos de
televisionamento. O mesmo fundo de investimentos norte- americano firmou
acordos com o Cruzeiro e o Flamengo, em contratos parecidos que projetavam
investimentos totais de, aproximadamente, US$ 100 milhões para os referidos
clubes. E ainda o São Paulo vendeu, em 2003, licenciamentos de marca, ao
preço unitário médio de US$ 100 mil, para funcionamento de escolas de futebol
na Coréia do Sul e na Tailândia (VASCONCELLOS, 2008).
No caso do mercado interno brasileiro do futebol, estudo do BNDES e da
empresa Deloitte e Touché calcula o volume de negócios em torno de US$ 400
milhões por ano e a geração de quase 90 mil postos de trabalho diretos
associados ao esporte, comparativamente aos 100 mil empregos nas
montadoras de veículos (VASCONCELLOS, 2008). Em estudo feito pela
empresa de consultoria BDO em 2011, apresentando dados sobre o mercado
do futebol brasileiro, foi constatado que os clubes do Brasil movimentaram
cerca de 2,18 bilhões de reais em receitas no ano de 2010. Em todo mundo, o
futebol movimenta anualmente, segundo estudo da FGV cerca de 250 bilhões
de dólares ao ano e o Brasil, em relação a esses valores, representa menos de
1% desse total. Assim, embora se considere internamente o esporte e
especificamente o futebol como grande oportunidade de negócio, os números
do futebol brasileiro ainda mostram-se pequenos em relação à dimensão
universal.
Segundo o jornal O Globo (2012), na primeira década do milênio, o setor
do esporte cresceu a uma velocidade superior à da própria economia do país.
A taxa média de crescimento do PIB do Brasil foi de 3,2%, entre 2000 e 2010,
ao passo que a média de crescimento anual do setor esportivo foi de 6,2%. O
setor mostrou fôlego mesmo durante os anos de crise global, ganhou
investimento e aumentou a participação nas despesas das famílias brasileiras.
91
Em valores, movimentou somente no Brasil, em 2010, R$ 78,6 bilhões e elevou
a fatia no PIB de 1,702%, na década anterior, para 1,997%.
Com as projeções de crescimento em 2014 em perpétuo declínio e
decepcionando a população brasileira, é inevitável ver os números com uma
boa dose de ceticismo, mas é fato que a indústria do esporte, pelo menos, está
vivendo uma nova fase no país. De acordo com a Pluri Consultoria (2014), o
PIB do esporte no país cresceu a taxas anuais de 7,1% entre 2007 e 2011,
muito acima dos 4,2% da economia como um todo. Eles estimam que o esporte
respondia em 2012 por 1,6% do PIB do país, o equivalente a R$ 67 bilhões, e a
expectativa é que essa taxa chegue a 1,9% até 2016, o ano das Olimpíadas.
Esse número inclui desde vestuário, equipamentos e locais necessários para
as práticas até serviços que dependem do esporte para sobreviver, como
treinamento, apostas e transmissões. É seguro afirmar que a participação do
futebol para a formação desses números é superior a das outras modalidades
esportivas somadas.
Manifestações esportivas têm visibilidade particular na formação e
fortalecimento dos núcleos comunitários, complementação e reforço do sistema
educacional, indução da solidariedade social interna, afirmação de valores e de
interesses próprios, projetados a nível internacional pela fluidez de contatos e
pela porosidade das fronteiras. Sua magnitude pode ser traduzida pelas
realizações esportivas de extrema importância para a história constitutiva dos
Estados e por sua aplicação, conceitual e prática, como novo tema, ao contexto
das relações internacionais.
É impossível entrar na área de influência econômica do futebol no Brasil
sem analisar através da ótica dos números relacionados à Copa do Mundo
FIFA 2014 realizada no país nos meses de junho e julho. Sediar a Copa de
2014 foi uma decisão tomada no período talvez considerado o auge da
prosperidade econômica da década de 2000. De lá para cá, o país sofreu os
efeitos da crise econômica global de 2008 e de uma grande onda de protestos
em 2013 e 2014. A própria realização do mundial tornou-se o catalizador para
uma série de descontentamentos, sobretudo pelo contraste entre a baixa
qualidade de muitos serviços públicos de educação e saúde com o padrão
internacional dos estádios e instalações esportivas, levando muitas pessoas a
questionar as prioridades do governo. Entretanto, agora, após o evento e as
92
repercussões do mesmo terem passado, é válido ater-se a observar o legado
econômico de durante e pós-evento.
Por exemplo, conforme o divulgado pelo sítio Portal2014, O Projeto Copa
do Mundo, realizado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e
Investimentos (Apex-Brasil), terminou com sucesso para as 708 empresas e
entidades setoriais participantes. Os setores de casa e construção tiveram o
melhor resultado, seguidos dos complexos de máquinas e equipamento:
alimentos, bebidas e agronegócios; tecnologia e saúde; moda e serviços. Ao
todo, vieram ao Brasil 2.386 empresários, investidores e formadores de opinião
de 104 países, convidados pelo Projeto Copa do Mundo. Eles participaram de
837 agendas de negócios com empresas de 18 estados brasileiros, nos meses
de junho e julho. O presidente da Apex-Brasil, Mauricio Borges (2014, s/p)
avaliou o projeto: “O grande ganho desse projeto foi o fortalecimento da relação
de confiança entre as empresas brasileiras e seus parceiros em cada mercado
de atuação, que se reflete nos negócios”. Borges (2014, s/p) também
completou dizendo que “Nos próximos 12 meses serão concretizados os US$ 6
bilhões em exportações e investimentos atraídos ao país, conforme o previsto”.
Ainda segundo o que consta no Portal2014, mais de um milhão de
visitantes internacionais estiveram no Brasil durante a Copa, dos quais 61%
visitaram o país pela primeira vez, conforme pesquisa realizada pela FIPE
(Fundação Instituto de Pesquisa Econômica) realizada para o Ministério do
Turismo. Os visitantes estrangeiros que estiveram no Brasil em junho e julho,
quando foi disputada a Copa do Mundo, gastaram US$ 1,586 bilhão, segundo
dados do Banco Central (2014). Em julho, a entrada de dívidas, também
recorde para o mês desde 1947, somou US$ 789 milhões, valor pouco abaixo
dos US$ 797 milhões de junho. Na comparação com o mesmo período de
2013, houve aumento de 60%.
De acordo com números divulgados pela revista Veja (2014), a FIFA
investiu mais de US$850 milhões na organização da Copa e que o Brasil teria
arrecadado em torno de 7,2 bilhões de dólares em impostos graças à Copa
2014. Já os números do balanço da Copa do Mundo da FIFA 2014 publicados
pelo sítio Relações Institucionais (2014) do governo federal brasileiro,
confirmaram o sucesso dos investimentos em infraestrutura realizados pelo
governo. O Brasil recebeu 846,6 mil estrangeiros. A recepção foi tão
93
satisfatória que 95% deles declararam desejo de voltar. Os brasileiros foram os
que mais aproveitaram a Copa realizada dentro de casa: mais de 3 milhões
viajaram pelo país para assistir aos jogos. Mesmo com tanta gente circulando,
os aeroportos foram capazes de atender uma demanda de 16,7 milhões de
passageiros, com recorde de 548 mil em um único dia – mais que no Carnaval
(467 mil) –, e com taxas de atrasos abaixo das médias internacionais.
Assim, mesmo a passos lentos a economia brasileira começa a ser
injetada com o fluxo financeiro relativo ao futebol. Com uma maior atenção
governamental para com a gestão esportiva e um ordenamento legal
apropriado o país tende a desenvolver o setor. O apelo carismático usufruído
pelo Brasil em muitos países e regiões do mundo, frequentemente associado a
seu retrospecto e à magnitude de suas realizações no terreno esportivo, pode
ser traduzido na exploração comercial de oportunidades. Destaca-se e se
reconhece aqui, portanto, o caráter de grande potencial do ‘negócio futebol’
para o futuro da economia brasileira mais do que se sugere uma participação
tão definitiva do futebol hoje no setor em questão.
4.3 Política externa, imagem e prestígio através do futebol
Para introduzir a última parte deste capítulo em que se tratará de política
externa brasileira é muito adequado trazer a visão sobre o assunto do símbolo
e patrono da diplomacia brasileira, José Maria da Silva Paranhos Junior, o
Barão do Rio Branco. Com a mesma ampla perspectiva política proporcional à
largura das fronteiras que ajudou a demarcar, Rio Branco teve a sensibilidade,
há mais de um século atrás, de recomendar o apoio das elites políticas à
prática dos esportes de massas, que considerava propiciatórios da construção
de sentimento e de identificação nacional (VASCONCELLOS, 2008).
Como visto anteriormente, valores culturais, virtudes políticas, vantagens
econômicas somam-se, portanto, para magnificar a utilidade do esporte nos
marcos do fortalecimento social, comunhão universal, geração de riqueza,
visibilidade e prestígio. Pela respectiva imagem singularizada do Brasil, essa
valia e versatilidade do esporte podem subsidiar a política externa e a inserção
internacional do país mediante receituário de propostas pontuais
(VASCONCELLOS, 2008).
94
No Brasil, o futebol começou a ser utilizado de alguma forma através do
Estado para a política externa na República Velha (1889-1930). Procurou-se
promover através do futebol uma imagem do país tida como positiva. Um dos
episódios nesse sentido envolveu, em 1921, o presidente da época Epitácio
Pessoa, que impediu a seleção brasileira de utilizar jogadores negros na
disputa de um campeonato sul-americano na Argentina, uma vez que estes
poderiam ser chamados de ‘macaquitos’ pela torcida local, desgastando a
imagem do Brasil.
No sítio Revista de História (2009), João Daniel Lima e Maurício Santoro
contam que embora em 1930 tivesse ocorrido a primeira Copa do Mundo, só
em 1938 a seleção brasileira teve um desempenho digno de nota, alcançando
o terceiro lugar e maravilhando fãs do esporte no Brasil e no exterior. Naquela
campanha, o time contou com amplo apoio do governo Vargas, ficando
concentrado na estação de águas de Caxambu durante um mês, preparando-
se fisicamente para os jogos. Ao Estado Novo interessava um bom
desempenho do país nas competições esportivas internacionais.
A Segunda Guerra Mundial interrompeu a realização das Copas do
Mundo, que só voltaram a ser disputadas em 1950. O Brasil venceu a disputa
para sediar o evento e o entusiasmo popular levou o governo a investir na
construção do maior estádio do planeta em pleno centro geográfico do Rio de
Janeiro. Em seu livro sobre o Maracanã, a autora Gisella Moura (1998 apud
SANTORO, 2009, s/p) observou que “o campeonato mundial não se restringiria
apenas a um confronto entre as melhores seleções do mundo e à disputa de
uma taça de ouro. Poderia ser a ocasião de difundirmos a imagem do país que
desejávamos”. A Copa mobilizou o país, mas acabou com a derrota da seleção
brasileira para o Uruguai. Lima e Santoro (2009) avaliam que, ainda assim, a
repercussão internacional do torneio foi amplamente favorável ao Brasil, com
os jornalistas estrangeiros ressaltando a capacidade de organização dos
brasileiros, a alegria da torcida e até o comportamento educado e respeitoso
demonstrado diante dos uruguaios. Compareceram à final em torno de 200 mil
pessoas, o equivalente a 10% da população da capital federal na época. A
vitória no futebol serviria para esquecer os dramas do governo de Dutra (1946-
51) e sua política externa de extrema subserviência aos EUA, com perseguição
interna aos comunistas, alta inflação e déficit comercial crescente.
95
Simbolicamente, a derrota para o Uruguai no famoso ‘Maracanazo’ foi como se
a tragédia econômica tivesse invadido os gramados e se refletido na atuação
da seleção (LIMA; SANTORO, 2009).
Alessandro Biazzi e Virgílio Franceschi Neto (2007), bacharéis em
Relacionais Internacionais, comentam no artigo ‘Futebol e política externa
brasileira’, que o futebol brasileiro teve que passar ainda por mais uma Copa
em branco, em 1954, para que em 1958 se consagrasse pela primeira vez
como campeão mundial. Apesar de não ter sido diretamente, a conquista na
Suécia reforçou o imaginário popular de que o presidente Kubitschek e seu
Plano de Metas eram vitoriosos, em consonância com o discurso
desenvolvimentista e do progresso do país em todos os ramos. Biazzi e Neto
(2007) explicam que, neste momento, o futebol serviu também como um forte
instrumento de política externa e construção de imagem internacional, pois
seria a primeira e única a vez que um país não europeu venceria uma Copa no
velho continente e o talento de jogadores como Pelé e Garrincha se tornaria
global.
Além da clara utilização do futebol como ferramenta propagadora e
propulsora de imagem e prestígio pelo governo, essa percepção ocorre
também no nível empresarial do Brasil. A Petrobrás patrocinava, nos anos
setenta, excursões de times de futebol brasileiros a países africanos que
abriam processos licitatórios para a exploração de petróleo e onde a empresa
brasileira conseguia recolher reconhecimento e eventuais preferências. A
estatal repete agora, desde o ano 2000, a estratégia de associar sua imagem,
no plano internacional, a eventos e personalidades esportivas de projeção. A
Presidência da Petrobrás contratou Pelé como Embaixador das campanhas
promocionais no exterior. Segundo a direção da empresa, o objetivo da
iniciativa é aprimorar e ampliar a imagem da Petrobrás no mercado externo,
divulgando realizações e reforçando os planos de internacionalização das
atividades da companhia. O ex-jogador, representativo da imagem do Brasil
pela trajetória desportiva, participou na campanha e promoção do prêmio
conquistado pela Petrobrás, pela segunda vez consecutiva, de exploração de
petróleo em águas profundas concedido pela OTC – Offshore Technology
Conference (VASCONCELLOS, 2008).
96
A realização de importantes promoções, de ordem esportiva, seja
empresarial ou política, requer efetivamente a interação de agentes e
instâncias disponíveis em várias esferas do poder público e da sociedade civil.
Com esse reconhecimento o Ministério das Relações Exteriores orientou o
aporte de subsídios e a mobilização da rede de Embaixadas e Consulados no
exterior em prol dos projetos brasileiros de sediar as Olimpíadas e a Copa do
Mundo durante o governo Lula. O texto da Chancelaria informava sobre a
dimensão e repercussão dos grandes eventos olímpicos e sobre o vulto do
investimento necessário a sua realização. A comunicação do Itamaraty
reproduzia conclusões de seminários e reuniões técnicas no sentido de que a
condição de sede de eventos esportivos resulta altamente produtiva para o
país anfitrião, visto que suscita novas oportunidades de investimentos,
exportações, ampla divulgação na mídia internacional e prestigiosa
repercussão do evento, considerado uma combinação de esporte, cultura e
meio ambiente. Também avaliava que a promoção esportiva suscita
prospecção e ampliação de negócios, contatos globais e intercâmbio de
tecnologia, com significativa melhoria da qualidade dos serviços. Outras
vantagens são a geração de empregos, a contratação de obras públicas e, do
ponto de vista ambiental, um legado de longo prazo, uma vez que significa a
reforma urbana da cidade (VASCONCELLOS, 2008). São, portanto elementos
de grande magnitude geradores de negócios de alta lucratividade e formadores
de imagem externa positivada.
Independente de qualquer filiação política ou admiração pessoal, para a
discussão sobre política externa brasileira e futebol como ferramenta
governamental de soft power devem ser necessariamente destacados os 8
anos de governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Em termos de
aproximação do Estado com o seu maior representativo cultural a nível
mundial, o futebol, a gestão do petista 2003-2010 foi ímpar na história da
política brasileira. Não por coincidência foi o primeiro presidente a declarar
abertamente sua paixão pelo futebol e seu time de coração, o Corinthians.
Durante seus oito anos de governo, grande parte de seus discursos políticos
incluíam metáforas e analogias com o futebol, fosse como parte de uma
tentativa de aproximação ao grande público ou por simples fanatismo que o
próprio não escondia. Lula buscou já de início o desenvolvimento interno da
97
organização do futebol brasileiro com novo ordenamento legal (atualização e
criação de novas leis27), atenção à gestão dos clubes28 e o financiamento para
aliviar as dívidas das equipes29.
Lula tinha clara noção de que ao construir a evolução do futebol brasileiro
em termos de gestão e estrutura, os efeitos positivos poderiam ultrapassar as
fronteiras internas. Com uma melhor organização nacional, técnicos e
jogadores teriam condições melhores para desenvolver o seu melhor e assim,
mais adiante, levar o ‘jogo bonito’ para o exterior, visto que os brasileiros são
peças extremamente visadas em todo o futebol mundial. Biazzi e Neto (2007,
s/p) colocam tal questão da seguinte forma:
Na indústria global do futebol o Brasil tem servido hoje como um grande exportador da "matéria prima" básica do espetáculo, os jogadores, "em um dos poucos segmentos do mercado de trabalho em que realmente existe a livre mobilidade internacional da força de trabalho". Estimasse que existam quase 4000 jogadores brasileiros atuando no exterior, que pelo seu "talento artístico" ou como "mão de obra de obra qualificada" não apenas geram receitas externas para as contas nacionais, mas também constroem relações identitárias com os torcedores dos clubes em que atuam no exterior. De forma intencional ou não, os jogadores brasileiros que atuam no exterior e o sucesso da seleção nacional criam e divulgam uma forte imagem do que é o Brasil. Esta identificação chega a ponto de muitos jovens no mundo inteiro gostarem mais da seleção brasileira do que de suas próprias seleções nacionais, e passem com isso a admirar o país, se interessar por sua cultura e idioma. Apesar dos efeitos difusos e complexos destas interações internacionais a metáfora de que o futebol brasileiro é a nossa Hollywood não nos parece exagerada. Esta espécie de soft-power, vende camisas e produtos com a marca ‘Brazil’, mas pode ter também reflexos políticos para a imagem externa do país.
Apesar da continuidade histórica que existe na política externa brasileira
pode-se afirmar que, em comparação aos governos anteriores, a política
externa do governo Lula buscou fortalecer um perfil mais independente, de
multilateralismo forte, alianças estratégicas com demais potências médias e
economias emergentes como Índia, China e África do Sul. Nos primeiros anos,
uma das principais bandeiras foi a liderança do Brasil na América Latina,
através de ativismo diplomático e alianças estratégicas, assim como o
Mercosul, de importância estratégica e base para a união política da América
27
Lei Zico e Lei Pelé foram atualizadas e a MP nº 79 e o Estatuto de Defesa do Torcedor foram criados. 28
Foi criada a Comissão de Futebol e Marketing Esportivo (2004) pelo Ministério do Esporte com objetivo de auxiliar os clubes. 29
Financiamento provindo da loteria TIMEMANIA.
98
do Sul, livre de influências externas, como a europeia e a norte-americana, por
exemplo. No que diz respeito às organizações internacionais e organismos
multilaterais, o governo Lula buscou a democratização das relações dentro
desses espaços, costurando alianças na OMC e uma representação maior
dentro da Organização das Nações Unidas, propondo, por exemplo, a
revitalização da Assembleia Geral e do ECOSOC (Conselho Econômico e
Social das Nações Unidas) e principalmente uma reforma na composição do
Conselho de Segurança, pleiteando com isso adquirir uma cadeira permanente,
assim como pretendem Índia, Alemanha e África do Sul (BIAZZI; NETO, 2007).
No cenário da política externa de Lula o seu principal feito foi o uso do
futebol brasileiro para legitimar a missão de paz no Haiti (MINUSTAH30) em
consonância com o objetivo último do governo de conquistar um assento
permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU. A indicação por esta
organização de uma chefia brasileira pode ser interpretada como uma
demorada e cuidadosa estratégia política da diplomacia do Brasil, buscando
colocar o país como uma potência regional capaz de arcar com os custos e
responsabilidades da governança global.
Dentro desse contexto, é possível afirmar que o futebol, e mais
especificamente a partida entre as seleções do Brasil e Haiti em Porto Príncipe,
em agosto de 2004, foi instrumento de aproximação entre os dois países, ou
seja, foi um recurso da política externa do Estado brasileiro. Haja vista a
grande reputação dos jogadores brasileiros e do selecionado nacional no
mundo inteiro, sendo que vários deles são ou já foram embaixadores das
Nações Unidas. Foi pressuposto, corretamente, que eles teriam uma boa
aceitação nos lugares que frequentavam. Assim sendo, a presença de
jogadores como Ronaldo Nazário, Adriano, Kaká e Ronaldinho Gaúcho, por
exemplo, demonstraria humildade, respeito e comprometimento para com o
povo e à causa dos haitianos. Esse plano foi considerado muito mais brando do
que a presença através de uma intervenção militar forçada, por exemplo. Tal
situação coadunou com todo o legado histórico da diplomacia brasileira de
30
A Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti ou MINUSTAH, é uma missão de
paz criada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 30 de abril de 2004, por meio da resolução 1542,2 para restaurar a ordem no Haiti, após um período de insurgência e a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide. Os objetivos da missão são principalmente: estabilizar o país; pacificar e desarmar grupos guerrilheiros e rebeldes; promover eleições livres e informadas; formar o desenvolvimento institucional e econômico do Haiti.
99
pacificidade, de fazer a paz e recusar a guerra, de respeito e convivência
harmoniosa com outras nações, de autodeterminação dos povos e princípio da
não-intervenção.
Como resultado dessa estratégia política, a presença brasileira no Haiti
seria mais bem vista e aceita por parte da população local o que de certa forma
facilitaria o trabalho das Forças de Paz presentes, tornando-o mais ágil e eficaz
e contribuindo para o alcance das metas, que eram de contribuir para a
segurança do país e estabelecer condições para uma transição política
pacífica.
Um dos momentos mais simbólicos da partida foi no momento da
execução do hino nacional haitiano. As quinze mil pessoas presentes no
estádio cantaram alto e uníssono, algo surpreendente, o que revelou o orgulho
e o sentimento daquele povo. O jogo terminou com o placar de 6 a 0 para os
brasileiros. Mas mesmo assim, a imagem transmitida através jogo foi de paz e
que os jogadores transmitiram humildade e comprometimento para com o povo
haitiano. A aproximação entre os dois países também ocorreu. Atualmente, a
fornecedora de material esportivo da Federação Haitiana de Futebol é
brasileira. Além disso, existem programas de cooperação entre Brasil e Haiti
para a promoção do esporte e da educação, iniciativas que o jogo contribuiu
para o surgimento, assim como a reforma de praças esportivas pelo Exército
Brasileiro e fornecimento de indumentária esportiva e material.
Diante disso é importante destacar que apesar da aproximação bilateral o
jogo não teria sido realizado se o governo brasileiro não estivesse presente no
país como a liderança da MINUSTAH e se o Brasil não tivesse os interesses
nesta participação como mencionados anteriormente. De qualquer forma, a
realização da partida certamente foi proveitosa para os haitianos.
Para tal ação da política externa, foi necessário, em primeiro lugar, um
acordo entre o governo e a CBF para que a seleção brasileira participasse da
partida, o que não tem precedente na história recente do país e também mostra
a nova relação cultivada entre Estado e futebol que passou diretamente pelas
políticas do governo Lula. Segundo, tal iniciativa legitimou internamente a ideia
de que Lula era uma liderança nacional e também mundial que buscava
imprimir na política externa brasileira um conteúdo mais popular e criativo
valorizando a cooperação para além de aspectos militares ou econômicos. Em
100
termos gerais se tratou de uma estratégia bem sucedida por parte da política
externa brasileira já que não houve maiores imprevistos durante a partida e
foram refutadas grandes interpretações negativas por parte da opinião pública
mundial (BIAZZI; NETO, 2007).
Ainda sobre a missão de paz no Haiti, na visão dos segmentos do
governo brasileiro mais envolvidos, inclusive o militar, o Brasil, que já liderava a
Missão de Paz no Haiti, muito conseguiu usufruir-se do reconhecido prestígio
mundial do futebol pentacampeão e de sua força como ferramenta diplomática
para os esforços de pacificação e o protagonismo do país no plano
internacional. Tratou-se de evento de grande visibilidade, mas que, é claro, não
poderia ser repetido livremente pela escala de mobilização requerida.
Na avaliação do presidente Lula (2004), o encontro esportivo pela paz e a
missão técnica simbolizaram “confraternização, cooperação e compromisso do
Brasil com a ONU, com o multilateralismo e com a estabilidade regional”. Muito
ganhou a projeção da imagem externa do Brasil com essa participação
diferenciada na Missão de Paz das Nações Unidas. A repercussão na imprensa
estrangeira vai desde a associação dessa presença ativa ao papel de líder
regional que o Brasil vem consolidando, à política de ampliar a projeção
internacional do país até ao interesse do Brasil em tornar-se membro
permanente do Conselho de Segurança (The Economist, 2004; The New York
Times, 2004, s/p). Notícias concernentes ao jogo de futebol deram também
destaque a alusões positivas ao Brasil. Destacou-se a dimensão simbólica da
iniciativa e trecho particularmente expressivo do New York Times (2004)
sintetizava que uma administração norte-americana após a outra tentou, sem
sucesso, manter a ordem e a democracia no Haiti. Agora, com o entusiástico
apoio de Washington, o Brasil entrou em cena como o líder de uma Missão das
Nações Unidas e está utilizando uma diplomacia não convencional para
complementar a demonstração de força militar típica.
O ápice da cooperação político-esportiva pode ter ocorrido no Haiti, mas
outras iniciativas validam o emprego positivo e produtivo desse instrumental:
Na China e na Inglaterra, os jogadores da seleção brasileira entraram em
campo com camisetas e faixas do Programa Fome Zero para os amistosos
contra aquelas seleções. Uma associação com repercussões na política
101
externa. Uma maneira hábil e real de expressar na manifestação esportiva as
campanhas internas de desenvolvimento social.
Conforme informação presente no sítio do Itamaraty (nota 364 -
13/06/2006), em setembro de 2006 começou a funcionar, na cidade de
Krasnodar, localizada no sul da Rússia, a primeira Escola de Futebol Brasileiro
naquele país. O projeto foi desenvolvido com o apoio dos Ministérios das
Relações Exteriores e do Esporte e, do lado russo, da Agência Nacional de
Esporte, da Duma de Estado (Câmara Baixa do Parlamento russo), do jornal
“Novie Izvestia” e da Fundação Langsdorff (instituição criada especialmente
para esse projeto). A Escola de Futebol Brasileiro na Rússia destina-se a
oferecer a crianças de família de baixa renda oportunidades de desenvolver
suas habilidades físicas e intelectuais. Seus alunos são crianças de 12 a 14
anos de idade, provenientes de todas as regiões da Rússia, que recebem
educação secundária completa, com preparação para a universidade, e têm
sua formação esportiva e atlética orientada por profissionais brasileiros de
reconhecida competência. Como evento prévio à abertura da Escola, foi
realizado concurso para a seleção de 36 jovens, dentre milhares que
participam de competições anuais de futebol em toda a Rússia, para viagem ao
Brasil que incluiu dois meses de treinamento especial na equipe do Figueirense
Futebol Clube, de Santa Catarina.
Segundo o professor, economista e cientista político Eloi Martins
Senhoras (2014) da Universidade Federal de Roraima, no ano de 2008, a
criação da Coordenação-Geral de Intercâmbio e Cooperação Esportiva (CGCE)
no Ministério de Relações Exteriores se tornou o foco da institucionalização do
esporte como eixo de soft power na política externa brasileira, ao trazer o
objetivo de projetar o país por meio da promoção da cultura esportiva brasileira
no exterior, a qual está claramente identificada pela diplomacia da bola, um vez
que segundo o embaixador Roberto Jaguaribe, “o melhor embaixador do Brasil
é o futebol”. Fundamentado em uma diplomacia da bola engendrada pelo ex-
presidente Lula e pelo atual Ministro da Defesa Celso Amorim, o CGCE possui
cinco campos de ação: 1) Negociação de cooperação esportiva com países
parceiros; 2) Atuação na realização de megaeventos em megaeventos
esportivos no Brasil e no exterior; 3) Acompanhar, instruir e supervisionar a
posição oficial brasileira em organismos internacionais esportivos; 4)
102
Interlocução com atores internacionais e intranacionais de âmbito
governamental, esportivo e acadêmico; 5) Promoção de ações pontuais de
capacitação e de natureza epistêmica ou técnica em relação ao esporte.
Ambos os momentos, o ‘Jogo da Paz’ no Haiti e a criação do CGCE,
foram fundamentais para construir uma concepção de instrumentalização do
esporte na política externa, na qual o futebol fornece uma concepção de
identidade, política e comercial à diplomacia esportiva brasileira que visa
participar e influenciar crescentemente organizações internacionais, fomentar
negócios com países europeus e os Estados Unidos (megaeventos da Copa e
Olimpíadas), bem como aumentar a influência do país por meio de parcerias na
África, Oriente Médio, Ásia e América Central através de cooperações
esportivas (SENHORAS, 2014).
Já no governo Dilma todas as atenções que o governo poderia dedicar ao
futebol foram focadas na organização da Copa do Mundo de 2014. Em termos
gerais de política externa, o governo Dilma tem sido considerado relativamente
passivo em comparação com o ativismo desenvolvido por Lula em seus dois
mandatos. O cenário do futebol se encaixa também nessa máxima, porém com
os resultados da Copa ainda por se avaliar. Dessa forma, é válido que sejam
analisadas tais avaliações e impressões do megaevento no Brasil a fim de
interpretar se a política externa brasileira de divulgação da imagem positiva e
construção de prestígio internacional sediando eventos esportivos foi bem
sucedida.
A FIFA, por exemplo, embora tenha causado muitas polêmicas pré-Copa
com o governo brasileiro na questão dos preparativos e obras, ao término da
competição aferiu a nota de 9,25, número superior à nota 9 dada à Copa do
Mundo da África do Sul de 2010. Segundo números divulgados pelo Instituto
Datafolha31 (2014), 83% dos estrangeiros que vieram ao país para a Copa,
aprovaram o evento no Brasil. O maior índice de aprovação foi na área de
hospitalidade (95%) e a qualidade dos estádios (92%). O dado mais expressivo
talvez tenha sido que 69% dos estrangeiros entrevistados afirmaram que
31
A pesquisa Datafolha ouviu 2.209 estrangeiros de mais de 60 países nos aeroportos de São Paulo, Rio e Brasília e em Fan Fests e locais de grande concentração nas cidades de Belo Horizonte, Salvador e Fortaleza, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília entre os dias 1º e 11 de julho. A pesquisa foi publicada dia 15/07/2014 no jornal Folha de São Paulo.
103
morariam no país. Já no sítio UOL Esporte32 (2014) consta que 38% dos
jornalistas estrangeiros, ao serem perguntados qual foi a melhor Copa do
Mundo que eles cobriram, responderam que foi a do Brasil, dado que coloca a
Copa no Brasil no 1º lugar na visão dos jornalistas. Em segundo lugar com
19,7% ficou a da Alemanha em 2006. A partir desses números não há dúvidas
de que a Copa foi uma ferramenta de construção de imagem e prestígio do
Brasil no exterior muito bem sucedida.
O poder do futebol e do esporte em geral para projetar a aproximação dos
povos, a vitalidade de negócios, a comunicação social, a conquista de prestígio
em círculos governamentais, empresariais e jornalísticos, resulta em sua
eleição prioritária, em vários casos e por muitos países, como instrumento de
marketing, de promoção institucional e de publicidade internacional. São razões
que mobilizam muitos atores, diversas instâncias e recursos, traduzindo a
questão do esporte em tópico recorrente da agenda mundial. Para o Brasil e
para o Itamaraty propriamente dito, um maior envolvimento com a questão do
futebol na política internacional propiciaria duplo benefício: prestigioso
reconhecimento interno, por provar interesse participativo em tema relevante e
representativo da sociedade brasileira, e de valorização de sua atuação
externa, por conseguir ativar recursos vantajosos para o protagonismo do país
nas relações internacionais (VASCONCELLOS, 2008).
Assim, o futebol a nível estatal e do Itamaraty, não importa apenas a
noção de ser prática lúdica, ocupacional ou competitiva da educação física e
das manifestações atléticas, mas também deve imperar o conceito de política
de esporte, ou seja, o planejamento e a utilização da atividade desportiva no
quadro das orientações público-administrativas prioritárias, inclusive quanto à
prevalência de interesses nacionais e à formação de imagem externa positiva.
O resultado reconhecível seria a validação do esporte no choque por
protagonismo, por poder legitimado, prestígio conquistado e projeção mundial
(VASCONCELLOS, 2008).
Antes de encerrar este capítulo, é conveniente realizar um breve
retrospecto de todo o estudo presente neste trabalho. No primeiro capítulo se
trabalhou com a história do futebol, a evolução da sua popularidade mundial,
32
Um pesquisa feita pelo UOL Esporte com 117 profissionais constatou com o Mundial deste ano é o melhor já visto pela maioria deles.
104
seus desafios e papeis na sociedade e sua participação na economia mundial.
No segundo capítulo se analisou as correntes teóricas clássicas das Relações
Internacionais - o realismo e o liberalismo - e duas correntes mais recentes –
neoliberalismo e o construtivismo - que tiveram seus preceitos principais
aplicados às ideias expostas neste trabalho. Ainda neste segundo segmento se
viu as características do soft power e como ele é uma definição relevante ao
que foi proposto ao longo do texto. No terceiro capítulo se abordou os aspectos
econômicos, sociais e políticos dos esportes de uma maneira mais geral e no
âmbito global.
Por fim, neste capítulo foi avaliado o papel do futebol no cenário brasileiro
e sua atuação nos âmbitos sociais, econômicos e políticos do país. Viu-se a
identificação direta de grande parte sociedade brasileira com as questões
relativas ao futebol o que resulta em uma percepção de caráter positivo. No
aspecto econômico mostraram-se os primeiros passos do futebol como ativo
potencial da economia brasileira. Já na política externa desenhou-se uma
atuação também progressiva e ativa do futebol brasileiro uma vez que há o
claro reconhecimento do Itamaraty como um setor útil aos interesses nacionais
no exterior. Todos os aspectos têm em comum a característica de que o
Estado tem absoluta responsabilidade na evolução do futebol do país, não só
como esporte, mas como patrimônio do povo brasileiro.
Assim, os resultados e conclusões referentes à pesquisa desenvolvida
nas quatro partes deste trabalho serão abordados no item seguinte.
105
CONCLUSÃO
Segundo a retrospectiva histórica que observamos ao transcorrer do
texto, vimos que diversas relações esportivas, mas principalmente as
relacionadas com o futebol, participaram de variados contextos políticos. O
futebol foi praticado e interpretado por classes sociais divergentes até se
popularizar como um esporte para todos, passou por difíceis momentos da
história que de certa forma catapultaram sua importância, obteve divulgações e
publicidade que se originaram nas rádios e jornais e hoje se beneficiam da
atenção da mídia televisiva e da internet e, também, evoluiu sendo parte dos
mais diversos propósitos e ideologias de poder e regime político. Desde suas
origens até a globalização, pelos cinco continentes, foram pontuados alguns
momentos em que o jogo serviu para desde os ditadores mais sanguinários,
passando pelos políticos mais oportunistas, até os ideais mais nobres em
busca da liberdade. Portanto, é impossível tratar os esportes com uma visão
unidimensional que os consideraria puramente fenômenos lúdicos, de
entretenimento ou, ainda, meras atividades físicas.
Além disso, pode-se notar que os objetivos que o trabalho havia
proposto foram, de fato, cumpridos. Ao longo dos quatro capítulos construídos
foram analisadas diversas maneiras as quais o esporte se conecta com a
política externa de um Estado. Essas maneiras foram representadas da
seguinte forma: pela contundente indústria do esporte que leva os Estados a
atentarem a seu potencial econômico e financeiro principalmente em
negociações internacionais; pelo caráter de legitimidade e aproximação direta
com o público em geral com que os esportes se desenvolvem o que é um
atributo importante para as pretensões de qualquer política externa de um país;
pelo fato dos esportes serem um palco alternativo para evitar o conflito
interestatal, ou seja, torna-se uma excelente ferramenta pacífica entre nações;
pela variedade e quantidade de oportunidades que os esportes oferecem aos
governos, seja em amistosos internacionais ou nas Olimpíadas, seja para um
público determinado ou o mundo inteiro, não há limites referentes à utilização
do esporte como ferramenta política.
106
A respeito das finalidades específicas, foi possível cumpri-las iniciando-
se através da apresentação e a evolução histórica do futebol desde suas
origens até ao patamar de esporte mais popular do mundo e logo se inseriu no
texto os seus mais variados papeis e desafios no cenário internacional como o
papel de unificação nacional e o desafio do combate ao racismo. Após um
estudo de perto das teorias das Relações Internacionais, foram caracterizadas
as ferramentas internacionais de soft power como ferramentas pacíficas,
diretamente ligadas à alcançar objetivos utilizando-se da atração e sedução ao
invés de coerção ou força.
Mencionando casos atuais e antigos, se viu que o esporte é uma
ferramenta relevante nas relações internacionais, pois é uma alternativa política
para promoção de imagem positivada de um Estado, para criticar, divulgar e
apoiar ideologias e regimes políticos, para conquistar prestígio internacional,
para atrair investimentos externos e para fortalecer internamente os Estados o
que tende a afetar as políticas externas também. Como exemplos de casos
antigos foram citados o uso do futebol nos sistemas políticos fascista e nazista
e de casos atuais as disputas para sediar megaeventos esportivos como Copas
do Mundo e Olimpíadas.
Outro objetivo proposto foi demonstrar a dimensão da influência do
esporte na política internacional, e para a realização de tal foram apresentados
casos concretos a nível global como os boicotes Olímpicos e a diplomacia do
pingue pongue, mas principalmente foi feita a análise e interpretação do caso
brasileiro onde se observou o futebol como instrumento utilizado pelo Estado
no palco internacional. O amistoso entre seleções que ajudou a legitimar a
missão de paz no Haiti com finalidade última de tornar-se membro do Conselho
de Segurança da ONU e a criação da Coordenação-Geral de Intercâmbio e
Cooperação Esportiva (CGCE) foram ações diretas do Estado brasileiro que se
mostram em conformidade com o propósito deste trabalho.
O estudo realizado em torno dos esportes e com enfoque no futebol
corrobora as hipóteses levantadas no início do texto. A primeira delas de que
os Estados utilizam-se de recursos de soft power a fim de projetar seus
interesses nacionais para o cenário internacional foi comprovada quando
discutiu-se que o esporte, e o futebol em específico, é um meio de expressar
interesses, aspectos culturais, modismos, identidades, marcas entre outros. Há
107
uma clara dificuldade de percepção dos ganhos efetivos desse tipo de
ferramenta, principalmente pelos efeitos não poderem ser controlados pelo
Estados. Mas não se pode negar o poder que o futebol possui em influenciar
seus seguidores. Nesse contexto se obteve o suporte teórico das teorias
construtivista e neoliberal. O construtivismo mostrou que o mundo não é
predeterminado e sim socialmente construído, é produto das ideias e valores
dos agentes que o constroem e isso também pode se aplicar na proposta de
que o futebol é um desses agentes e atua amplamente a nível global devido ao
apelo social e de unificação de povos e culturas que carrega. Já a teoria
neoliberal trouxe o fator da relevância das instituições internacionais o que foi
amplamente comprovado com o poder de influência que instituições como o
COI e a FIFA possuem no cenário internacional.
A segunda hipótese de que o esporte dá suporte à Diplomacia Estatal
também é visível nos exemplos apresentados no texto. Vários países utilizaram
o esporte como forma de criticar o regime sul-africano do Apartheid, algumas
ditaduras quiseram mostrar enquanto vitoriosos no esporte que as suas
situações internas estavam sob controle, ou também diversas cooperações
internacionais no setor esportivo têm se desenvolvido como forma de dar início
a possíveis relações mais profundas entre países. De qualquer forma o esporte
auxilia mantendo, elevando ou promovendo a soberania e o poder dos
respectivos Estados-Nação;
A hipótese final do trabalho é de que a cúpula governamental do Brasil
se aproveita da popularidade inerente que o futebol brasileiro conquistou a
nível global de forma a promover na agenda externa determinadas ações que
façam parte dos interesses nacionais. Sem dúvida esse ponto foi confirmado
no texto, uma vez que se viram novas determinações estatais para
ordenamento legal e reestruturação deste esporte principalmente no governo
Lula como tentativa de trazer de volta o futebol vitorioso do país, houve esforço
imenso em propagar através de uma bem sucedida Copa do Mundo de 2014 a
imagem de um país próspero e, por fim, os jogadores destaques do futebol
brasileiro são tratados como embaixadores do país de forma que representam
os interesses nacionais frequentemente em eventos internacionais.
Alguns problemas do futebol foram encontrados no transcorrer do texto
um exemplo disso seria a midiatização e a comercialização elevada desse
108
esporte que gera um afastamento relativo do povo, principalmente as classes
menos abastadas. Assuntos como violência, racismo e desorganização no
ambiente do futebol tanto brasileiro como mundial também foram abordados.
Nesse contexto, entende-se que para tentar remediar isso é necessário haver
uma atenção constante e progressiva não só privada, mas do setor público
também para com a organização e a estrutura do futebol interno. Só assim, os
Estados possuirão um arcabouço eficiente para utilizar como ferramenta na sua
agenda externa. Os resultados conquistados dentro do campo no futebol
fornecem parte da legitimidade que um Estado necessitaria para colocar em
prática sua política externa, e os resultados só serão possíveis com o
desenvolvimento e a evolução de tal esporte. Portanto, no texto se pode
reconhecer as motivações e os possíveis efeitos do uso do futebol como
recurso político, mas só com trabalho conjunto do Estado para que se possa
estabelecer parâmetros de efetividade e eficiência nesse processo.
Assim, baseadas em todas as ponderações realizadas pelo presente
trabalho infere-se que seria ingenuidade de um cientista social e político
acreditar que o futebol é uma ferramenta absolutamente polivalente e capaz de
causar grandes efeitos ou realizar mudanças estruturais em curto prazo no
cenário internacional. Entretanto, seria de similar ingenuidade enxergar no
futebol somente os aspectos lúdicos ou através de uma perspectiva de
neutralidade indissociável dentro de um cenário politizado. Longe de ter caráter
apolítico, o futebol hoje conta uma indústria em crescimento abundante,
principalmente com a ajuda da internacionalização dos ambientes
futebolísticos, conta também com uma popularidade indiscutível e com os
Estados procurando maximizar poder através de novos instrumentos
alternativos pacíficos de atração e sedução para se inserir na política
internacional. A diplomacia esportiva ou diplomacia da bola são, portanto,
suportes válidos à diplomacia estatal e devem ser progressivamente mais
utilizados pelos aparelhos políticos dos Estados. No caso brasileiro,
compreende-se que o futebol se comporta como setor notável da sociedade e é
um dos principais pilares do prestígio que o Brasil possui além de suas
fronteiras. Visto que o Estado brasileiro historicamente não apela para
instrumentos de coerção e força para alcançar suas pretensões externas, é
109
possível observar que o futebol se configura como uma relevante e
conveniente ferramenta política do país.
Algumas frases extraídas do livro Futebol em Frases de Cláudio
Dienstmann (2006) são extremamente convenientes para sintetizar e findar o
estudo desenvolvido neste trabalho:
"O Futebol é um reino da liberdade humana exercida ao ar livre."
(Antonio Gramsci)
"No futebol o pior cego é aquele que só vê a bola."
(Nélson Rodrigues)
“O futebol é um aparelho ideológico do Estado. Reproduz as condições
econômicas, políticas e sociais capitalistas. Trabalha em silêncio, com uma
pretensa neutralidade, o que significa um comprometimento. Mistifica as
relações de produção, legitimando o capitalismo.”
(Roberto Ramos)
“Enquanto esporte-rei, é uma das mais convincentes sínteses
sociológicas do conjunto de relações dominantes na história da nossa
formação.”
(Maurício Murad)
110
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