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Page 1 of 24 http://www2.unifap.br/borges Universidade Federal do Amapá Pró-Reitoria de Ensino de Graduação Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia Disciplina: Fundamentos da Filosofia Educador: João Nascimento Borges Filho Pragmatismo e Neopragmatismo Paulo Ghiraldelli Jr Universidade Estadual Paulista (UNESP - Marília) 1. O pragmatismo é filosofia? O pragmatismo é uma corrente filosófica. Não porque a filosofia tenha uma essência da qual o pragmatismo se ocupe, mas simplesmente porque os chamados pragmatistas ou neopragmatistas conversaram e conversam sobre assuntos que as pessoas, no passado, em diversos lugares, e agora, também em várias comunidades, dizem que são assuntos filosóficos ou metafilosóficos. Falando assim, eu já estou começando este texto de modo pragmatista ou, melhor, de um modo especificamente neopragmatista, pois é dessa forma que o pragmatismo e, mais ainda, o neopragmatismo, entende a filosofia: são filósofos aqueles que conversam de um certo modo sobre filosofia e é filosofia não só aquilo que em diversas épocas afirmamos que é filosofia mas também o debate que travamos com certos vizinhos que, olhando por cima do muro da nossa casa, diriam, "ei, o que vocês estão fazendo aí não é filosofia!" Às vezes o pragmatismo, em sua crítica à Filosofia (com "F" maiúsculo) propõe saídas que parecem lógica e racionalmente insustentáveis. Mas as coisas não são bem assim. O que ocorre é que o pragmatismo, não raro, quer mais ultrapassar (em um sentido kuhniano) um problema do que solucioná-lo nos termos em que ele está sendo proposto e, não encontrando palavras porque elas não foram ainda criadas para falar sobre os assuntos que quer falar e que, segundo ele, nos levariam a pensar coisas mais interessantes que aquelas que estamos pensando, o pragmatismo termina usando velhas palavras para criar coisas inéditas, passando a sensação de insuficiência lógica e de abandono da razão.

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Universidade Federal do Amapá

Pró-Reitoria de Ensino de Graduação Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia

Disciplina: Fundamentos da Filosofia Educador: João Nascimento Borges Filho

Pragmatismo e Neopragmatismo

Paulo Ghiraldelli Jr

Universidade Estadual Paulista (UNESP - Marília)

1. O pragmatismo é filosofia?

O pragmatismo é uma corrente filosófica. Não porque a filosofia tenha

uma essência da qual o pragmatismo se ocupe, mas simplesmente porque os

chamados pragmatistas ou neopragmatistas conversaram e conversam sobre

assuntos que as pessoas, no passado, em diversos lugares, e agora, também

em várias comunidades, dizem que são assuntos filosóficos ou metafilosóficos.

Falando assim, eu já estou começando este texto de modo pragmatista

ou, melhor, de um modo especificamente neopragmatista, pois é dessa forma

que o pragmatismo e, mais ainda, o neopragmatismo, entende a filosofia: são

filósofos aqueles que conversam de um certo modo sobre filosofia e é filosofia

não só aquilo que em diversas épocas afirmamos que é filosofia mas também o

debate que travamos com certos vizinhos que, olhando por cima do muro da

nossa casa, diriam, "ei, o que vocês estão fazendo aí não é filosofia!"

Às vezes o pragmatismo, em sua crítica à Filosofia (com "F" maiúsculo)

propõe saídas que parecem lógica e racionalmente insustentáveis. Mas as

coisas não são bem assim. O que ocorre é que o pragmatismo, não raro, quer

mais ultrapassar (em um sentido kuhniano) um problema do que solucioná-lo

nos termos em que ele está sendo proposto e, não encontrando palavras –

porque elas não foram ainda criadas – para falar sobre os assuntos que quer

falar e que, segundo ele, nos levariam a pensar coisas mais interessantes que

aquelas que estamos pensando, o pragmatismo termina usando velhas

palavras para criar coisas inéditas, passando a sensação de insuficiência lógica

e de abandono da razão.

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O pragmatismo é conhecido como uma corrente de pensamento

tipicamente norte-americana. Isto é correto. Mas não se pode dizer que ele não

tenha tido simpatizantes tipicamente europeus. Nietzsche, por exemplo, foi

reconhecido por muitos como tendo uma postura pragmática no campo da

teoria do conhecimento. Algumas das "teses contra Feuerbach", de Marx,

mostraram uma face pragmatista quanto à questão de critérios de verdade.

Wittgenstein este próximo de posições pragmatistas em vários momentos, se é

que não adotou algumas. Atualmente, Habermas tem se voltado para Peirce e

Dewey, os pioneiros norte americanos do pragmatismo, e Derrida, por sua vez,

é hoje um interlocutor do pragmatismo, a quem responde de modo provocante.

Nesse sentido, o pragmatismo é uma filosofia viva, talvez uma das filosofias

mais vivas nessa nossa época de transição do século XX para o XXI.

2. Uma periodização para o pragmatismo.

Em termos históricos, é possível estabelecer uma periodização para o

pragmatismo. O professor norte americano John Murphy (1), falecido antes de

terminar completamente seu livro, fez uma periodização interessante. Ele

contou três fases para o pragmatismo. Em um primeiro momento, que vai de

meados do século XIX até as duas primeiras décadas do século XX, a fase dos

"pioneiros". A época de Charles Peirce, William James e John Dewey. Em

segundo lugar, o casamento do pragmatismo com a filosofia analítica vinda da

Europa (os refugiados do nazismo, isto é, os membros do Círculo de Viena que

aportaram nos Estados Unidos e que praticamente dominaram uma boa parte

dos departamentos de filosofia norte-americanos).

Deste casamento surgiu uma legião de filósofos dentro da comunidade de

língua inglesa, principalmente nos Estados Unidos, entre eles os nomes

célebres de Willard Quine após a Segunda Guerra Mundial e, nos últimos

quarenta anos, o nome de Donald Davidson. Em terceiro lugar o "boom" do

pragmatismo na década de oitenta e noventa – a volta do pragmatismo como

uma corrente apta a enfrentar os mais variados campos de discussão (quase

que como nos tempo de Dewey): filosofia da mente, lógica, filosofia da

linguagem e epistemologia, filosofia social e política, filosofia da educação,

filosofia do direito e filosofia das religiões e temas da mídia, como as

discussões de gênero, o "politicamente correto" e assim por diante. Não há

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dúvida que nesta terceira fase uma série de pensadores brilhantes e bastante

diferentes empunharam a bandeira do pragmatismo: Hilary Putnam, Richard

Rorty, Susan Haack, Charles Taylor, Richard Bernstein, Quine, Davidson (por

que não dizer, também, Thomas Kuhn?) e uma série de outros não menos

instigantes e não menos eruditos.

Vivemos uma nova fase no pragmatismo, é certo, mas não é exagero

falar que vivemos uma nova fase em toda a filosofia ocidental e que isso deve

muito ao pragmatismo. Gary Gutting, em seu Pragmatic Liberalism and the

Critique of Modernity (1999), escreve belas e exatas linhas sobre isso:

Eles oferecem [Rorty, MacIntyre e Taylor] a clareza conceitual e

respeitoso cuidado pelos argumentos como bons filósofos

analíticos, mas sem a dura frieza de detalhamentos técnicos, a

claustrofóbica restrição para com alguns tópicos e o depressivo

isolamento da cultura não filosófica. Ao mesmo tempo, eles

fornecem o fôlego cultural e histórico da boa filosofia continental

sem a pretensão de obscuridade. Por que, eu penso, a filosofia

não pode ser sempre assim? (2)

Gutting está entusiasmado. Se há mesmo razões para o seu entusiasmo,

isto é, se chegamos no que ele diz – frutos bons de um casamento entre

filosofia analítica e continental – e se isto é realmente algo que podemos

comemorar como um avanço, há de se considerar que o caminho percorrido

não foi fácil. Foi um caminho bonito, eu avalio, e vou lembrá-lo em alguns

pontos.

3. Uma preocupação do pragmatismo: a verdade

Há temas permanentes no pragmatismo. Um deles: o pragmatismo

começa e chega aos dias de hoje com uma mesma preocupação – a

preocupação com a verdade; um tema clássico da Filosofia. Peirce, James e

Dewey estavam descontentes com a maneira como a Filosofia Antiga,

nomeadamente Platão e Aristóteles, trataram a verdade. E também torciam o

nariz para a Filosofia Moderna, em especial para com maneira como Descartes

ligou verdade e certeza. É claro que eles investigaram a verdade em um

sentido tipicamente filosófico da palavra "investigar". Mas também é claro que

eles se colocaram em uma posição metafilosófica, e tornaram suas

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observações sobre a verdade menos definições e mais descrições do que até

então a filosofia, a ciência e o senso comum faziam para afirmar e distinguir o

que era verdadeiro e o que não era verdadeiro. Se a história acabasse neles,

em Peirce, James e Dewey, diríamos que eles não construíram uma "teoria da

verdade", mas sim uma metateoria da verdade. E assim eles agiram na

tentativa de compreender os impasses das teorias tradicionais da verdade: a

teoria da correspondência e a teoria da coerência.

Simplificando ao máximo, os próximos parágrafos falarão do tema da

verdade e de seu desdobramento no campo do pragmatismo. O assunto aqui

não é a verdade, e sim o pragmatismo. Mas descrevendo sua abordagem do

tema da verdade, pode-se caracterizá-lo melhor.

Os manuais de lógica (3) que tratam do tema da verdade de modo

narrativo e amplo, em geral dividem o campo de uma maneira padrão. Parte-se

de Aristóteles e dele tiramos as teorias tradicionais: a teoria correspondentista

e a teoria coerentista, mas, também, dele emergem as teorias semânticas,

tomadas como não tradicionais, em geral as chamadas teorias deflacionistas –

deflacionistas em algum grau.

A teoria correspondentista diz que uma proposição, frase ou pensamento

é verdadeira se ela corresponde perfeitamente ao fato no mundo que descreve.

A teoria coerentista vê um problema nesta formulação na medida em que a

noção de "fato", usada pela teoria correspondentista, só pode ser definida pela

própria formulação desta teoria. Afinal, sabe-se que quando se diz "o fato" está

se querendo dizer de uma situação, um acontecimento que verdadeiramente

ocorreu ou que pode ocorrer. Sendo assim, a teoria coerentista abandona o

critério da sua rival e toma a verdade noutros termos. Ela diz que uma frase ou

uma proposição ou um pensamento são verdadeiros na medida crescente em

que podem ser coadunados com outros, formando redes consistentes,

coerentes.

A réplica do adepto do correspondentismo é rápida: é possível que um

conjunto de frases seja completamente coerente com outro conjunto de frases,

mas um deles não pode ser chamado verdadeiro na medida em que fere a

nossa intuição quando posto ao lado do acontecimento ou "fato" que quer

descrever. Afinal, todos sabemos que conjuntos de

frases/proposições/expressões mutuamente articuladas podem ser

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harmonizados entre si, podem ser coerentes entre si, e ainda assim não

dizerem qualquer coisa que tenha a ver com o que estamos chamando de

realidade, ou seja, o campo para o qual apontam tais frases.

Quando os velhos pragmatistas, principalmente Peirce, James e Dewey

se defrontaram com isso, eles acharam que entrar em um dos lados do debate

era inútil e, talvez, o próprio debate fosse coisa inútil – isso não os levaria a

lugar algum. Eles se puseram em uma atitude pragmatista (ou melhor, a partir

daí eles, digamos, criaram a "atitude pragmatista") e, assim, conseguiram ver o

que coerentistas e correspondentistas não viam.

Primeiro: a palavra "verdade" ou a palavra "verdadeiro" é um valor.

Segundo: a palavra "verdade" ou, melhor ainda, a palavra "verdadeiro" é algo

que deve ser pensada em graus e a partir dos procedimentos pelos quais as

pessoas as empregam. Sendo assim, eles elegeram alguns critérios pelos

quais as pessoas usam "verdade" e "verdadeiro". Elas usam "verdade" e

"verdadeiro" como expressões valorativas. Elas usam bastante tais palavras, e

de modos diferentes, mas em geral como um sinônimo de "útil". Elas usam a

palavra "verdade" porque ela é um termo que economiza nossa linguagem e

que pode fazer com que experiências distintas de pessoas distintas possam ser

aproximadas e, talvez, trocadas. "Verdade" e "verdadeiro", então, permitem o

acordo entre as pessoas.

4. Críticas passadas e leituras novas: o neopragmatismo ocupa seu

posto

Quando bem no início do século XX, Bertrand Russell viu esse

comportamento dos pragmatistas quando diziam estar investigando a verdade,

ele ficou decepcionado. Em um texto célebre dos Philosophical Essay,

"Pragmatism", ele conclui:

Se há uma verdade não humana, a qual um homem pode

conhecer enquanto um outro não, há um padrão exterior aos que

estão na disputa, para a qual, podemos encorajar, a disputa

deveria ser submetida: daí um acerto pacífico e judicial de

disputas é, ao menos teoricamente, algo possível. Se, ao

contrário, o único modo de descobrir qual dos que estão

disputando está correto é esperar e ver qual deles obtém êxito,

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não há mais qualquer princípio exceto a força pela qual a questão

pode ser decidida. (4)

Não se pode dizer que Bertrand Russell, com esse julgamento, foi, dentre

os filósofos, o principal responsável por certa aversão que realmente surgiu

contra o pragmatismo – aversão vinda de vários lados. Talvez os leitores de

James e Dewey daquela época, entre eles Russell, não pudessem mesmo ter

outra ideia senão esta, que está expressa acima, a respeito do pragmatismo.

Durkheim, antes, em um curso com o nome de "pragmatismo e sociologia" já

havia feito o mesmo, e Horkheimer, depois, no Eclipse of reason continuou a

trilhar esse caminho, nem sempre tendo claro as distinções entre o que ele

chamava de "razão intrumental" e o que Dewey queria com o seu

"instrumentalismo" da razão. Mas hoje é difícil não tomar Russell e outros como

pessoas que, no mínimo, foram apressadas em seus julgamentos sobre o

pragmatismo. E isto devido, entre outras, a uma razão simples: a frase de

James que foi odiada, hoje pode ser lida como uma brilhante ideia para as

correntes não tradicionais que investigam filosoficamente a verdade.

Hilary Putnam, por exemplo, mostra que James foi ambíguo na sua

discussão sobre a verdade, e em um de seus mais interessantes textos sobre

James ele conclui:

Creio que muito do que James quis negar deveria ser negado. É

certo que não temos de pensar a respeito da verdade

pressupondo uma ‘relação misteriosa de concordância com a

realidade’ – uma e a mesma relação em todos os casos – ou uma

mente infinita capaz de superar as limitações de todos os pontos

de vistas limitados e finitos (como um idealismo absoluto) ou

alguma outra peça da maquinaria transcendental, alguma

metafísica sob nossa prática de elaborar e criticar exigências de

verdade, que tornam esta prática possível. O Pragmatismo de

James tem mais poder quando ele argumenta apenas isto, e seu

êxito é menor quando ele tenta encontrar relações externas que

tornam possível referência e verdade. (5)

Rorty, por sua vez, não discorda de qualquer uma das frases acima

escritas por Putnam. No entanto, Rorty não terminaria um artigo com elas,

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como Putnam fez; ainda que fosse, como é o caso de Putnam, um artigo

específico sobre a noção de verdade em James. Isso porque para Rorty,

colocar na balança o que é pró e o que é contra a respeito de James não vem

muito ao caso, já que ele avalia mais produtivo redescrever James de modo a

torná-lo uma ferramenta melhor para os impasses do debate atual e não para o

debate do tempo de James.

Entre outros, Richard Rorty prefere ler James da seguinte forma.

As frases de James que incomodaram foram:

1. "O verdadeiro (...) é somente o expediente no modo de nosso

pensamento, simplesmente como o "direito" é somente o expediente no modo

de nosso comportamento";

2. "O verdadeiro é o nome de seja lá o que for que se prove como bom no

modo de crença, e bom, ademais, por razões definitivas e assinaláveis". (6)

Para Rorty, diferentemente de Russell, Durkheim ou Horkheimer, essas

frases de James não indicam um beco sem saída ou, pior, um beco com uma

única saída, a da violência. Também não necessariamente indicam que a única

coisa que se poderia fazer com elas é apontar que elas não são todas as

frases de James, e que o próprio James estava confuso. Ele as vê como

indicando a possibilidade de uma investigação fértil sobre a maneira como

devemos ir cercando os usos (o que inclui os abusos) de "verdadeiro" em seus

vários contextos.

Com isto, podemos não encontrar a Verdade, mas em princípio

encontraríamos algo talvez mais importante: todos os usos do termo

"verdadeiro"; ora, encontrar o conjunto dos usos de "verdadeiro" é, afinal,

concretamente, encontrar a verdade, embora não mais a noção metafísica ou

lógico-metafísica ou religiosa de verdade – a Verdade. (é certo que os

adversários do pragmatismo, aqui, podem querer retrucar: "isso não é

encontrar ‘concretamente a verdade’, diriam eles, "é apenas um modo de

encontrar pragmaticamente a verdade". Mas estariam os adversários, aqui,

realmente retrucando ou estamos diante de uma confusão verbal entre o que

um e outro querem dizer com a expressão "concretamente"?).

Quando se diz que Rorty lê James e Dewey enquanto filósofos distantes

das teorias tradicionais da verdade, é porque Rorty, à sua maneira peculiar, vê

os pioneiros como precursores das posições semânticas e deflacionistas da

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verdade – posições que tem lá seu charme desde Frank Ramsey, e que

atualmente tornaram-se praticamente o centro do debate sobre este tema, com

os textos de vários filósofos, entre os quais destaca-se Paul Horwich. Em um

texto sintético o professor brasileiro Caetano Ernesto Plastino expõe, para o

caso da questão da verdade científica, qual o caminho dessas tendências, a

tendências minimalistas ou deflacionárias, em relação à acusação de

relativismo. Todavia, aqui, no que se refere à leitura de Putnam versus a leitura

de Rorty a respeito dos velhos pragmatistas, obviamente, vou adotar outro

caminho. Minha questão é: como é que é Rorty e outros fazem essa ligação?

Ou seja: de que maneira Rorty liga o velho pragmatismo e a filosofia pós-

ontológica ou até mesmo pós-epistemológica atual?

5. Uma das leituras neopragmáticas sobre o tema da verdade no

pragmatismo dos pioneiros

Peirce, James e Dewey eram filósofos não metafísicos no sentido de que

eles queriam evitar uma das características do pensamento metafísico-

platônico – a dualidade. Entre pensamento e matéria, entre alma e corpo, entre

ideal e real, entre liberdade e necessidade, entre história e natureza, os velhos

pragmatistas definiram uma noção intermediária, que, segundo eles,

atravessaria as dualidades, formando mais que uma ponte, mas um verdadeiro

aterro (hoje nós chamamos esta fuga do dualismo de holismo ou

contextualismo). Essa noção intermediária é a de experiência. É uma noção

que não deixa de ser uma parente próxima da noção marxista de práxis

(pragmatismo e marxismo são primos, na medida em que são filosofias

embaladas pelos braços de Hegel).

Todavia, se em Marx há uma férrea teleologia encravada na noção de

práxis, nos pragmatistas pioneiros não há qualquer teleologia na noção de

experiência (nesse sentido os pragmatistas foram mais "gregos" e menos

"cristãos" do que Marx). Todavia, o que Peirce entendia com o termo

"experiência" era bem diferente do que James e Dewey entendiam. Peirce era

um homem de laboratório, e a experiência tinha a ver com o experimento. O

critério de verdade (note-se, não a verdade), era o experimento crescente e

sucessivo, elaborado, acompanhado e avaliado por uma junta de especialistas.

James, diferentemente, era um filósofo do "mundo da vida". A experiência para

ele era toda e qualquer experiência: de um homem, de um povo, de uma vida,

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etc. O critério de verdade em James era a experiência em um sentido amplo:

aquelas experiências que nos levam cada vez mais à concordância e menos à

discordância são critérios de verdade melhores.

Por sua vez, Dewey casou as duas tendências, a de Peirce e a de James:

a experiência seria a vivência em um sentido amplo, como a experiência

individual-psíquica, histórico-psíquica, comportamental; e também a

experiência controlada ou semi controlada (como o experimento) e a

experiência completamente livre e ao acaso (como as vivências). O termo

"verdade", para Dewey, então, era a "assertividade garantida" – o resultado

último sobre avaliações de experiências – último no sentido de "warrant", isto é,

de garantia. O que Dewey queria dizer com isso – warranted assertibility?

Se você compra um relógio e ele está "na garantia" e, então, quando você

chega em casa ele começa a dar problemas, a não funcionar, você volta onde

comprou e o vendedor cede diante do selo de "garantia", isto é, ou o vendedor

conserta gratuitamente o relógio ou lhe dá um novo. Ou seja, o relógio estava

dentro de um espectro de experiências ocorridas ou possíveis (ou

experimentos) que previam que ele não quebraria em X espaço de tempo em Y

condições, e se ele quebrou, ele deve ser substituído gratuitamente na medida

em que, naquele tempo válido da "garantia" ele não podia ter quebrado – esta

é a ideia de verdade enquanto "warranted assertibility".

Assim, diferentemente de Russell (ou de outros que citei, como

Horkheimer e Durkheim, por exemplo), os pragmatistas pioneiros – Peirce,

James e Dewey – acharam que conheceríamos melhor a verdade se

pudéssemos dizer quais os usos do termo "verdadeiro". Isto é, se seguíssemos

a trilha do homem, do ser humano, que vive aqui e ali chamando frases,

proposições e sentimentos de "verdadeiros", saberíamos, afinal, o que é a

verdade.

Rorty, por sua vez, valoriza nos velhos pragmatistas exatamente o

seguinte: se queremos investigar filosoficamente a verdade devemos investigar

procedimentos humanos ordinários e deixar de lado a busca de uma definição

final, metafísica e/ou epistemológica, a respeito da verdade. Agora, note o leitor

que, fazendo isto, a pesquisa se encaminha necessariamente para um campo:

o campo da semântica, da lógica e da filosofia da linguagem. Pois investigar

procedimentos humanos ordinários, comuns, no caso, é investigar

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procedimentos lingüísticos, comportamentos lingüísticos. O que ocorre aqui é a

possibilidade do casamento entre a filosofia analítica e o pragmatismo. John

Skorupski, (8) em um artigo de uma magnífica coletânea sobre filosofia

analítica da revista Ratio, chega mesmo a dizer que, se há uma ideia comum

em todo o movimento analítico em filosofia, esta ideia é a de que "o uso exaure

o significado". E se exaure o significado, exaure também o significado da

palavra "verdade" ou "verdadeiro". Mas, nesse caso, já estamos fora do campo

em que a verdade era assunto próprio da epistemologia enquanto disciplina

filosófica, ou mesmo da metafísica. Pelo menos no mundo de língua inglesa,

estamos no campo de ação dos desdobramentos da época "pós-virada

lingüística".

6. "Fazer" filosofia é trabalhar com comportamentos linguísticos de

um modo específico?

Uma das melhores definições que conheço de "virada lingüística"

(linguistic turn) é a de Rorty, em um livro de 1967, The linguistic turn: recent

essays en philosophical method:

O objetivo do presente volume é o de fornecer material de

reflexão sobre a revolução filosófica mais recente, a da filosofia

lingüística. Entenderei por "filosofia lingüística" o ponto de vista de

que os problemas filosóficos podem ser resolvidos (ou

dissolvidos) reformando a linguagem ou compreendendo melhor a

que usamos no presente. Esta perspectiva é considerada por

muitos de seus defensores o descobrimento filosófico mais

importante de nosso tempo e, desde logo, de qualquer época.

Porém seus críticos a interpretam como um sinal de enfermidade

de nossas almas, uma revolta contra a própria razão e um intento

que engana a si mesmo (nas palavras de Russsell) de procurar

com artimanhas o que não se tem conseguido com trabalho

honesto". (7)

Pois bem, que os problemas filosóficos podem ser resolvidos (hoje, mais

de três décadas depois, Rorty diria dissolvidos e/ou abandonádos e/ou

abandonáveis e não resolvidos) pela investigação da linguagem ou, mais

precisamente, pela investigação de seu uso, então isto vale também para o

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uso da linguagem quando se trata do termo verdade. O próprio Rorty, lendo

Donald Davidson, tenta isso.

Todavia, sabe-se o quanto Davidson discorda de Rorty, e o quanto outros

pragmatistas querem afirmar, às vezes abusiva e pedantemente, que "Rorty

não entendeu Davidson". Mas aqui o problema não está em "entender" ou "não

entender", o interessante está em perguntar como que Rorty quis usar

Davidson.

Rorty quis usar Davidson e vários outros deflacionistas ou defensores de

teorias minimalistas da verdade, ou defensores de teorias semânticas da

verdade etc., de uma maneira radicalmente historicista. Assim, para Rorty, não

existe "Os Usos da Palavra Verdade" como mais um tópico da Filosofia, mas

sim inúmeros usos da palavra "verdadeiro" que devem ser vistos e revistos

caso a caso, de modo a termos acesso ao human behavior de modo

continuamente melhorado.

7. A teoria semântica (da verdade) em Davidson

Lendo os velhos pragmatistas, e se dedicando mais tarde a Quine e a

Davidson, vários pragmatistas têm procurado esboçar uma nova teoria da

verdade para o pragmatismo, uma teoria neopragmatista da verdade.

Entre os candidatos a serem aproveitados há a teoria semântica de

Davidson. Maximamente resumida, como faço aqui, tal teoria dá os seguintes

passos.

Donald Davidson acredita que embora não exista espaço para uma teoria

epistemológica da verdade, há espaço para uma teoria lógica da verdade.

Assim, não sendo epistemológica, tal teoria não estaria interessada em

definições de verdade, ou em qualquer função da verdade que permitisse

explicar o conhecimento. Dizer que ela é o uma teoria lógica e não

epistemológica é, em parte, dizer que ela está interessada no seguinte: é

possível, diz Davidson, fornecer para uma determinada linguagem um sistema

axiomático do qual derivam teoremas de condições de verdade para toda

sentença nesta determinada linguagem. Ou seja: as condições de verdade

para uma sentença S de uma linguagem L são dadas por uma declaração em

uma metalinguagem que especifica o estado do mundo que devemos obter se

e somente se a sentença é verdadeira. Propositalmente, para exemplificar, vou

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deixar o português de lado e dar um exemplo onde o alemão é a linguagem L e

o inglês a metalinguagem para L. Segundo o que Davidson está propondo,

uma declaração de condições de verdade é:

"Schneem ist weiss" is true iff snow is white" (onde iff é o símbolo lógico

equivalente a: se e somente se)

A fórmula acima chama-se sentença-T. Então, o esforço para montar um

sistema axiomático capaz de nos dar todas as sentenças-T seria relativamente

simples e fácil se, para cada frase de L pudéssemos assumir como um axioma

que "S" é verdadeira se e somente se T(S), sendo que T(S) é a tradução de S

na metalinguagem. Mas isto seria um trabalho, em princípio, factualmente

impossível.

Todavia, reparemos no seguinte. O lado direito de uma sentença-T é uma

tradução, na metalinguagem da sentença nomeada do lado esquerdo. Ora, isto

sugere uma ligação com questão do significado. Afinal, poderíamos dizer,

simplesmente, que o lado direito da sentença-T para uma dada sentença S é o

significado da sentença. Poderíamos? Haveria aí a objeção de que nossa

capacidade de construir o sistema axiomático capaz de dar sentenças-T

pressupõe que nós já conhecemos o significado das sentenças de L. Pois nós

sabíamos que "Schnee ist weiss" quer dizer "Snow is white"; se não fosse

assim não teríamos destinado nossos axiomas a produzirem as sentenças-T

que eles produziram ou podem produzir. Assim, dificilmente poderíamos dizer

que a sentença-T nos fornece o significado de S. Todavia, nós poderíamos

derivar todas as sentenças-T para uma linguagem L da observação do

comportamento lingüístico e de outros comportamentos dos usuários de L.

Sem qualquer conhecimento sobre todo e qualquer significado de termos em

alemão, nós poderíamos começar de qualquer ponto, inclusive de "Schnee ist

weiss".

Vagarosamente, passando por vários estágios, inclusive pelo estágio que

presumimos que seria o seguinte: o alemão, em um dado momento, ou em

vários momentos, diz "Schnee ist weiss" apontando para a neve. Nós

poderíamos, então, atravessando várias fases de observação (como

antropólogos de Marte descendo na Alemanha e tentando "entender" os

alemães), levantar a hipótese empírica de que "Schenee ist weiss" é verdadeiro

iff snow is white (se e somente se a neve é branca, isso porque meus

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antropólogos marcianos falam inglês – ou seja, a metalinguagem neste caso é

o inglês). Bem, fazendo isso para todas as sentenças-T de L teríamos, sem

circularidade, o significado de todas as sentenças de L (meus antropólogos

marcianos que falam inglês teriam nada mais nada menos que um dicionário

Alemão-Inglês ou vice versa). Esta não é uma questão antropológica (embora

necessariamente o exemplo tivesse de ser sobre antropólogos marcianos), e

sim do interesse da discussão em filosofia, na qual o que se mostra é que a

metodologia de observação do comportamento em princípio é capaz de

estabelecer significados sem recorrer a significados.

O ponto filosófico aqui, o que interessa a Davidson, é: podemos

compreender a conversação significativa, ou seja, o nosso ato de conversar

(com significado), em termos de uma caracterização lógica da verdade,

caracterização lógica esta que tem como ponto de partida as sentenças-T que

ligam uma linguagem a uma metalinguagem. Dito isso, está se afirmando: não

há qualquer necessidade de uma teoria filosófica substantiva do significado.

Se voltarmos ao tópico anterior, no final dele, eu disse: Rorty quis usar

Davidson e vários outros deflacionistas ou defensores de teorias minimalistas

da verdade, ou defensores de teorias semânticas da verdade etc., de uma

maneira radicalmente historicista.

Mas como Rorty usa Davidson e de que modo Davidson torna-se um

neopragmatista típico – isto é, um Davidson rortyano – nas mãos de Rorty?

8. Davidson nas mãos de Rorty

Se continuamos com o nosso exemplo dos marcianos, o que Rorty pensa

a respeito do trabalho de Davidson pode ser dito da seguinte forma: os

antropólogos marcianos de língua inglesa que desceram na Alemanha voltaram

para casa sem qualquer decepção. Nunca tendo lido livros de Filosofia, eles

viveram felizes para sempre nas suas relações com os alemães – e, portanto,

atingiram certo objetivo da boa filosofia, que é viver bem. Isso porque eles

construíram bons dicionários Inglês-Alemão/Alemão-Inglês. Ou seja, nunca

tendo lido livros de Filosofia, pois não teria havido nem um cético marciano

nem um Platão marciano, eles puderam rapidamente mandar e-mails e vídeo

conferências para os alemães aqui na Terra e encerrarem com os alemães

uma sólida e fértil amizade (sendo que o único ponto de não entendimento ou,

melhor, de desinteresse dos marcianos em relação aos alemães era quando os

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e-mails dos alemães falavam sobre a verdadeira verdade, ou a Verdade.

Também boa parte dos sites e home pages dos alemães em filosofia que

diziam responder aos problemas sobre a Verdade posto pela figura do cético,

não interessou aos marcianos).

O que estou dizendo é que, para Rorty, o trabalho de Davidson mostra

que não precisamos de uma teoria substantiva do significado, mas o que

precisamos e felizmente temos são dicionários e enciclopédias cada vez mais

sofisticados e detalhistas. Agarrar a realidade não seria um trabalho filosófico

de modo a explicar, epistemologicamente, como que crenças ou linguagem

representam exatamente uma outra parte do mundo que é feita de não-crenças

e não-linguagem. – o que seria explicar a relação linguagem-mundo por

alguma tradicional teoria da verdade, correspondentista, ou coerentista em um

sentido específico. Agarrar a realidade, então, para Rorty, é algo que já

estamos sempre fazendo, caso a caso, na medida em que temos

constantemente sofisticado nossa capacidade de detalhar os comportamentos

de todos os animais, computadores, crianças, planetas e, cada vez mais, os

comportamentos do bípede sem penas, em suas variadíssimas maneiras.

Montarmos uma Teoria Geral capaz de, ahistórica e descontextualizadamente,

explicar substancialmente o que é o Significado, mostrando como que em todo

e qualquer caso temos a Referência ("exterior" ou "interior") e, portanto,

descobrirmos a Verdade que haveria nas verdades, tudo isso já fugiria à ideia

naturalista, historicista e pragmatista de "seguir o homem", de ir pelo

rastreamento do human behavior, ou melhor dizendo, rastrear o que faz, diz e

olha o bípede sem penas.

Bom, então, neste papel que Davidson assume, um papel rortyano, a

filosofia não teria mais o que fazer quanto ao campo da verdade?

Eis aí uma situação complicada. Eu penso que Rorty gostaria de dizer

isso. Aliás, ele às vezes diz isso mesmo. Mas cada vez que ele diz isso ele

também está, de certo modo, retomando e ampliando a discussão sobre a

verdade. E seus livros, nas estantes das bibliotecas, ainda terão de ser

classificados na parte de... epistemologia, talvez para o seu profundo

desagrado. Isso porque, para dizer que o campo de investigação filosófica da

verdade não necessita existir, Rorty se obriga a produzir artigos e artigos que

vão construindo sua filosofia a respeito da verdade. Não se trata de uma teoria.

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Nem acho que é uma teoria ad hoc (que é o modo como ele gosta de falar da

sua filosofia como um todo); trata-se de uma espécie de tipologia historicista:

uma tipologia dos usos dos termos "verdade" e/ou "verdadeiro" sujeita a

mudanças contínuas.

A tipologia de Rorty é a que está abaixo.

Se em Davidson uma teoria do significado não diria nada de substantivo

sobre o significado, isto é, não seria propriamente uma explicação de o que é o

significado, em Rorty, por sua vez, o que se pode dizer da verdade e o que ela

pode dizer de si mesma nada tem de substantivo, de explicativo, no sentido

que esta palavra ganha quando pensada associada à palavra teoria. O que

temos, simplesmente, é que, quando olhamos o comportamento do bípede sem

penas encontramos, na maioria das vezes, os seguintes usos.

1. Usamos verdadeiro como um termo de elogio. Quando aprovamos algo

podemos dizer "certo!", "correto!", "vá em frente", "verdade", "sim, isso é

verdadeiro", "é verdadeiro, eu endosso" e assim por diante.

2. Podemos usar o termo verdadeiro em um sentido descitacional

(disquotational). Isto é, podemos dizer, usando aspas (quotes), portanto

indicando uma citação, a seguinte frase: "a úlcera é provocada por um vírus".

Isto porque queremos afirmar a teoria que diz que a úlcera estomacal não é só

provocada por causas nervosas, mas ela tem como causa real um agente

virótico. Mas podemos não estar querendo afirmar isso, então tiramos as aspas

(dis-quotes) e usamos a seguinte performance linguístico-semântica: é verdade

para certos médicos que a úlcera tem causa virótica. Descitamos, mas para tal

tivemos de fazer uso do termo "verdadeiro", o mesmo para a palavra "verdade",

se a formulação fosse um pouco diferente: novos médicos dizem que é

verdade que a úlcera é completamente um caso provocado pelos vírus W.

3. Usamos "verdadeiro ou "não-verdadeiro" para atrair cuidados, dúvidas,

precaução. Quando dizemos coisas do tipo: "sua tese de que o Presidente da

República não rouba é justificável, mas não é verdadeira". Ou ainda, a

"justificação de tal tese está completamente falha, no entanto a tese é

verdadeira". E mais: "isto está completamente justificado, porém contém a

verdade"

Este terceiro uso da palavra verdadeiro, é fácil ver, tem um complicador.

O uso de "verdadeiro" para prevenir, parece reinflacionar a verdade, e não

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deflacioná-la. Pois alguém sempre pode dizer: "você conseguiu avisar a pessoa

do que você quis avisar porque tal pessoa sabe que, substancialmente,

‘verdadeiro’ é completamente diferente de ‘bem justificado’, ou seja, ‘bem

justificado’ é ‘bem justificado’ e ‘verdadeiro’ é ‘correspondente à realidade’",

Reapareceria aí, então, o sentido realista e correspondentista da noção de

verdade. Esta é, exatamente, a tese de Jürgen Habermas contra todo e

qualquer deflacionismo sem limites.

9. Habermas e Rorty: um debate neopragmatista sobre a verdade

Segundo Habermas (9) podemos e devemos investigar a verdade pelo

seu uso. Aliás, Habermas, hoje, nem de longe questiona a virada lingüística e,

também, já não mais critica todas as consequências do casamento, no seu

interior, entre filosofia analítica e pragmatismo. Habermas é, como Rorty, um

filósofo do século XXI, e não do XIX como às vezes ele é reduzido por

comentadores que gostariam de vê-lo, eternamente, dentro de um campo

caduco. Todavia, o seu pragmatismo, não no campo da política, mas

exatamente no campo da avaliação da noção de verdade, faz oposição a Rorty

e, de certo modo, a outros deflacionistas menos radicais.

Ele diz: há um limite de separação entre justificado e verdadeiro; e essa

separação não é uma separação meramente utilitária. Justificado é justificado,

verdadeiro é verdadeiro, diz Habermas. Verdadeiro e justificado não seriam

fases de um mesmo espectro.

Habermas, se tivesse de redescrever Dewey, o faria em um sentido

diferente do de Rorty, ele manteria a ideia de warranted assertibility como uma

ideia forte, e não deflacionista, exatamente porque ele está convencido de que

toda e qualquer prática lingüística, todo e qualquer comportamento de falantes,

institui por si mesmo um campo de entendimento antes de poder estabelecer

qualquer outro tipo de campo, seja ele de poder, de persuasão etc. Este campo

prévio de entendimento foi vislumbrado pela velha Escola de Frankfurt, de

Adorno e Horkheimer, ainda que, em seus escritos, isto tudo estivesse bastante

confuso.

A ideia principal é basicamente esta: se digo para você "feche a porta!", e

esta é uma frase de mando, antes dela se exercer como frase de mando ela

precisa ser entendida, para que depois ela possa realmente ser uma frase de

mando. Assim, o que Habermas diz é, existindo uma comunidade linguística

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qualquer, também existe filosoficamente, ao seu lado, uma comunidade

linguística ideal: nela, não há restrições de qualquer ordem ao entendimento da

linguagem; todos desta comunidade ideal se entendem intelectualmente e só

fazem isto. Assim, ao lado do campo empírico e histórico, há um campo –

pragmático transcendental? pragmático ideal? –, que funcionaria como ponto

arquimediano e, sendo assim, como um lugar que, pela sua própria existência,

que é a condição da existência de uma linguagem (um campo efetivamente-

intelectualmente comunicativo), verdadeiro se distinguiria do que é bem

justificado. Este campo pode ser visto através de abstrações conscientes e

mais, autenticamente filosóficas, das condições naturais e históricas de uma

comunidade de falantes. Mas, uma vez elaborado como uma teoria filosófica,

ele seria um tribunal possível para a warranted assertibility.

Outros filósofos, entre eles Rorty, acreditam que o verdadeiro, ao opor-se

ao justificado, o faz em um sentido de aviso somente, nada mais. Justificado

não é completamente diferente de verdadeiro, para Rorty. Justificação, diz ele,

é uma prática histórica e mundana, é pouco plausível que o termo "verdadeiro",

ao contrário de qualquer prática de justificação, possa se distinguir utilmente de

uma sentença por obra de sua existência ou garantia em um campo

transcendental, pragmático ou não (o que seria, digamos, a tese Apel-

Habermas). A prova que Rorty oferece da não diferença em espécie entre

justificado e verdadeiro caminha em um sentido específico do raciocínio

pragmático. Ele pergunta: quando queremos saber a verdade de uma

proposição, sentença, frase ou ideia, temos outra coisa a fazer do que

procurarmos justificações, ouvirmos justificações? E ele continua: se a resposta

para esta minha pergunta é um sonoro "não!", então porque dizemos que

verdade e justificação diferem não por graus, mas por qualquer outra coisa?

Por que insistimos em ver um campo transcendental, ainda que

pragmático transcendental? E Rorty continua: fazemos isso porque temos

saudades do tempo que vivíamos tranqüilos com a noção religiosa de verdade,

antes do Iluminismo, ou então com a noção metafísica posta pelo Iluminismo.

Queríamos não a verdade, como a semântica utilitarista nos apresenta, mas a

Verdade, como a religião e a metafísica nos prometeram. Rorty, aqui, é

completamente minimalista e nietzschiano. Mas ser minimalista não é o modo

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atual, pós-virada lingüística e pós-virada neopragmática, de ser ainda

nietzschiano?

10. Pós-modernidade e Pragmatismo

George Pitcher editou em 1964 Truth, um livro que organiza o debate

sobre a verdade já no campo semântico, com textos de Ramsey, Strawson,

Austin e Dummett. O próprio Pitcher faz uma interessante introdução, e todo

este debate, que o livro retrata com alguns textos, teve uma influência decisiva

nos filósofos que amadureceram nos anos sessenta e setenta. Quantos não se

enquadram nisso? Rorty, com certeza.

Todavia, como sabemos agora, Rorty vai além de simplesmente aplaudir

a semantização pragmática do tema da verdade. Ele quer mesmo que, ao

termos feito isso, possamos dar o assunto por encerrado. Ele entende que o

último reduto da metafísica, o último reduto da dualidade – a distância entre

justificado e verdadeiro –, não deveria ser levada a sério. Não deve ser

resolvida, mas ultrapassada (até porque, como um bom kuhninano, Rorty não

entende o termo "resolver" em outra fórmula que não ultrapassado). Isto é

como dizer, "eis aí um nó, mas será que para tirar os sapatos precisamos

desatá-lo? Será que não é só dar uma empurradinha no calcanhar e o sapato

sai e o nó é deixado de lado? E aí o nó não atrapalha mais.

Mas quais são os nós e laços que nos atrapalham?

Ora, o nós e laços estariam na nossa perda de segurança. E a nossa

perda de segurança e de conforto metafísico ocorreria quando não podemos

mais colocar elementos lingüísticos de um lado e elementos não-linguísticos do

outro e em seguida dizermos que temos um esquema, da ordem do lingüístico,

que capta e representa fidedignamente o não-linguístico do outro lado, o

conteúdo (note bem, a sentenças-T não fazem isso!). O problema, para Rorty,

não é tentar mostrar como esse esquema funciona – isto seria um problema

para os ainda epistemólogos e metodólogos – mas, sim, dizer como ele pode

muito bem ser algo que rouba energia de nossas conversas e de nossas

ações. Se estivermos convencidos disso, convencidos de que há uma perda

substancial de energia emocional e intelectual nesse projeto epistemológico,

então esse problema pode ser dissolvido, ultrapassado... enfim, considerado de

outra maneira. Marcianos que falam inglês teriam toda a energia filosófica

possível em Marte para usá-la em outra coisa.

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Por exemplo: em contar histórias para seus filhos sobre dias em que estar

em paz foi considerado mais inteligente do que estar em guerra, sobre dias em

que os marcianos encontraram os alemães e, mesmo não entendendo nada

sobre aquele assunto de Verdade, foi possível manter uma ponte aérea entre

Marte e a Alemanha sem qualquer animosidade e, principalmente, histórias

onde os marcianos e os alemães se tornaram povos irmãos por conta dos

jovens marcianos que se casaram com jovens alemães e vice versa; e também

histórias de como um mercado comercial entre Marte e Alemanha acabou

sendo mais importante para a paz e para a felicidade dos casamentos que o

entendimento sobre a Verdade, aquele assunto alemão que os alemães, eles

próprios, foram se esquecendo (embora nem marcianos nem alemães fossem

mentirosos e mantivessem, em seus códigos de conduta, o mandamento "não

levantar falso testemunho" "não mentir, principalmente quando a mentira vai

prejudicar alguém" etc.

Este modo de fazer filosofia é algo exclusivo do neopragmatismo e, no

seu interior, principalmente, algo original vindo do trabalho de Rorty?

Mais ou menos. Há uma série de jovens, hoje, fazendo filosofia neste

caminho. O original em Rorty está no fato de que ele, falando várias línguas e

com uma erudição invejável, transita facilmente de um ambiente filosófico a

outro, indo da filosofia analítica para a continental e daí para suas áreas

específicas e, também, para a literatura etc., o lhe permitiu expor elos entre o

deflacionismo no campo técnico da filosofia analítica e do pragmatismo e a

postura sofisticada exigida pelo pós-modernismo europeu.

A tendência geral da filosofia contemporânea, em termos bastante

amplos, é caminhar em um sentido que, de certa maneira, Foucault levou ao

extremo. Foucault começou a perguntar pela história da verdade e não mais

pela história verdadeira (a pergunta dos historiadores tradicionais); ele

começou a perguntar não mais pela verdade da história (a pergunta dos

filósofos que, de alguma maneira, queriam ver como é possível apresentar algo

sólido no fluxo das contingências) e mais pela verdade na história. Lembro

Foucault propositalmente. Pois quero voltar os olhos, agora, no final deste

texto, para o Continente.

Enquanto ocorreu tudo isso que fui escolhendo para relatar nesses nove

pequenos tópicos anteriores na filosofia tipicamente de língua inglesa (e de

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seus leitores, como Habermas), o que ocorreu na filosofia continental que, em

específico, atraiu alguns filósofos do movimento pragmatista?

Ocorreu muita coisa. Muita coisa boa e valiosa: Heidegger, os

frankfurtianos, Sartre, os estruturalistas e os pós-estruturalistas, Habermas e

suas duas fases, sem falar em Wittgenstein, cuja história pessoal praticamente

é marco divisor entre filosofia continental e filosofia analítica, e assim por

diante.

Todavia, se fixarmos a atenção mais nas últimas décadas, na minha

avaliação um dos livros europeus mais importantes para o debate geral em

filosofia e ciências humanas no final do século XX, é claro que em certo sentido

bastante específico, foi o aparecimento da pequena brochura de Jean François

Lyotard, A condição Pós-moderna (1979). Quando o termo pós-moderno caiu

na mídia e desta foi para todo e qualquer lugar, ele aportou na filosofia. E aí,

por encomenda, Jean François Lyotard escreveu aquele belo livrinho. Talvez o

próprio Lyotard tenha se arrependido de ter escrito o texto. Não sei até que

ponto Lyotard, em seus últimos anos de vida, estava feliz por Ter se

popularizado para além do campo filosófico como "o filosófo do pós-

modernismo", dado que o termo foi banalizado.

Mas o livro é apaixonante e importantíssimo. Lyotard foi brilhante ao

captar sua época neste livro curto, e foi mais brilhante ainda em encontrar uma

fórmula, agora célebre, para descrever o que é o pós-moderno (na minha

opinião a única fórmula que deveria ser usada para falarmos de pós-

modernismo).

Lyotard denominou "pós-moderna" a época em que nossas teorias não

conseguem convencer mais muita gente, do modo como até então elas faziam

ou, pelo menos, parecia que faziam. Elas, as teorias, diziam: nossas narrativas

sobre a vida, o homem e o mundo podem até estar erradas, mas nossos pés

são sólidos, porque essas teorias que professamos são apenas a periferia de

uma metateoria, uma metanarrativa, na qual todos os fundamentos que

precisamos estão lá. O mundo pós-moderno, na fórmula de Lyotard,

caracterizou-se como a época, a nossa época, de perda de credibilidade na

metanarrativa (ou nas metanarrativas). Nenhuma suprafilosofia ou supraciência

pode estar na base da ciência, por que muita gente usa da ciência, vê que ela

funciona, diz que ela é verdadeira, mas jamais encontraria razões para justificar

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hoje tais teorias como necessárias a partir de uma grande narrativa, uma

metanarrativa como, por exemplo, a metanarrativa do Iluminismo, do

hegelianismo, do marxismo e assim por diante. Essas metanarrativas perderam

a credibilidade. Essa posição que entende que este é o clima intelectual, moral

e estético em que vivemos, que esse é o espírito do nosso mundo

contemporâneo, é a posição genericamente chamada de pós-moderna.

Não estou aqui entrando no mérito da questão, se isso é bom ou ruim.

Estou apenas constatando que Lyotard assim viu nossa época, e que nisso eu

concordo plenamente com ele. Houve uma espécie de deflacionismo filosófico

e científico geral, não só o deflacionismo enquanto termo técnico aplicado à

ideia de que temos teorias da verdade que já não recorrem à noção de verdade

em sentido tradicional. Houve, sim, um deflacionismo geral: as metanarrativas

são reduzidas a narrativas, ou simplesmente desaparecem.

Deflação nas narrativas, porque as metanarrativas perdem força – eis aí,

então, a filosofia do Continente falando algo próximo da filosofia analítica e/ou

analítico-pragmática, só que esta, por sua vez, se restringia ao específico

campo do debate técnico sobre as teorias da verdade. Rorty encontra então aí

um dos pontos de encontro entre as duas tradições, e ele passa a simpatizar

com o pós-modernismo na medida em que este estaria dizendo algo

semelhante ao que Dewey, James, Quine, Davidson, o "segundo" Wittgenstein,

Horwich e outros, cada qual à sua maneira, disseram quanto ao tema da

verdade.

Assim, Rorty aplaudiu as iniciativas de Lyotard neste aspecto

deflacionista. Vários neopragmatistas estiveram com Rorty neste aplauso,

porque o que Lyotard disse era algo bastante plausível. Seu texto, em 1979,

pode ser visto como um texto sobre a pós-modernidade mas ele mesmo não é

um texto pós-moderno, ele é um texto relativamente moderno: a função do

texto é quase que a exibição da pós-modernidade seria uma época de

autoconsciência da modernidade. Na modernidade, as metanarrativas já

estavam perdendo para as narrativas (a filosofia no século XIX esteve em baixa

diante da ciência, embora própria ciência quisesse ser uma metanarrativa),

mas só agora, no final do século XX, a própria filosofia poderia dar o braço a

torcer e afirmar, ela mesma, que o que resta a ela é constatar sua condição de

teoria ad hoc. Assim, meio que hegelianamente, a autoconsciência – o saber –

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só sobrevoa o lugar dos acontecimentos no entardecer: as metanarrativas

haviam se tornado tão secundárias diante das narrativas quanto às teorias da

verdade se tornaram secundárias diante do uso facilitador e conveniente que é

simplesmente ter em nosso vocabulário a palavra "verdade" e "verdadeiro" e,

no máximo, uma tipologia, para uma conversa mais abstrata, filosófica.

Mas o namoro de Rorty com o pós-modernismo durou pouco.

Quanto à verdade, teríamos o deflacionismo, quanto às metanarrativas,

teríamos o pós-modernismo. Mas em ambos os casos, entende Rorty, as

consequências que a maioria dos filósofos tiraram e tiram são injustificáveis.

Por obra do deflacionismo na noção de verdade, começa-se a dizer que a

verdade não existe (e, pior, diz Rorty, começam a dizer que ele próprio, Rorty,

andou dizendo que a verdade não existe). Por obra do fim das metanarrativas

começa-se a dizer que o futuro – que nada mais é que os nossos sonhos – não

existe. Rorty avalia essas duas consequências, tiradas das posições

deflacionistas e pós-modernistas para o campo da filosofia social e política

como um completo mal entendido.

Se há perda de credibilidade na noção dita forte de verdade – o

correspondentismo nu e cru – isso não significa que as pessoas não estão

usando tranqüilamente o termo verdade hoje tanto quanto usaram no passado

e usarão no futuro, e que estão usando em um sentido que a sua tipologia

pode muito bem descrever. Se há perda de credibilidade na noção de ciência

que vem apoiada por uma filosofia, por uma metanarrativa, isso não significa

que as pessoas não estejam, ainda, colocando junto com cada verdade

científica seus sonhos, seus desejos de um futuro melhor, suas utopias e,

enfim, então, suas filosofias (agora com "f" minúsculo).

Os neopragmatistas, e Rorty entre eles ou mesmo à frente deles,

gostaram de ver as conclusões intelectuais desses dois movimentos mas, ao

contrário do que, por exemplo, o Habermas de O Discurso da Modernidade,

Rorty não crê que essa perda seja uma perda, ele acredita que tal perda é um

ganho, ou poderá vir a ser um ganho. Se opto por uma noção de verdade não

forte, me sinto dentro do intelectualmente possível, e então me sinto

intelectualmente sustentado. Se opto por uma noção de que a nossa época

não precisa ficar correndo em busca de um argumento decisivo e fundante,

penso que posso viver melhor no esforço de diálogo contínuo, ainda que, neste

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caso, eu tenha que passar a lutar política e retoricamente pela democracia,

cotidianamente, para a garantia do diálogo contínuo – eis aí o que Rorty

acredita que é um trabalho para todos, e também para os filósofos.

Agora, é necessário deixar claro – e isto, talvez, nem sempre Rorty faça –

é que não devemos confundir teoria, utopia e sonho. Se não fazemos

corretamente essa distinção, não entendemos a argumentação neopragmática.

A teoria diz a verdade, ou é definida para assim fazer, e, mais que isso,

tendo dito a verdade, ela impregna a utopia de uma metodologia para a

realização da utopia. Quem tem teoria e utopia quer realizar a utopia através de

instruções finalísticas e estratégicas da utopia (por isso Engels dizia aos

utópicos: falta-lhes teoria, falta-lhes o socialismo científico: enquanto que

Adorno, tendo visto no que deu a realização da utopia – o que chamávamos de

União Soviética e seus satélites ou "socialismo real" – tinha medo de ligar

utopia e teoria).

Os neopragmatistas não conversam sobre teoria e utopia assim postas.

Eles têm teorias ad hoc, corujas de minerva que levantam vôo somente ao

entardecer, mas que não estão dispostas a ficar no mesmo ninho nem

sobrevoar os mesmos lugares como corujas neuróticas. Tais teorias são

incapazes de propor uma plataforma geral para a realização da utopia. Aliás,

os neopragmatistas não têm propriamente utopias, eles têm sonhos, sonhos

vagos: sabem mais ou menos o que querem, mas sem os detalhes do

estrategista militar, sem a previsibilidade de uma equação lógica ou

matemática e, é claro, sem a violência que, uma vez desencadeada, pode não

mais parar – querem apenas um mundo melhor para todos. Isso, não significa

que os sonhos, uma vez postos na praça, não possam ganhar adeptos e se

realizarem, e se tivermos sorte eles podem sair melhor do que a encomenda.

Em vários lugares, histórias comoventes e/ou pragmáticas, ou apenas histórias

loucas, ganharam pessoas para fazerem agirem suavemente com os outros e

muito, muito sadiamente.

Referências

1. Cf. Murphy, J. O pragmatismo – De Peirce a Davidson. Trad. Jorge Costa. Porto: ASA, 1993, primeira edição em inglês em 1990.

2. Gary, G. Pragmatic Liberlismo and the Critique of Modernity. Cambridge: Cambridge University Press, 1999, p. 5.

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3.Cf. Haack, S. Philosophy of Logics. Cambridge: Cambridge University Press, 1996, pp. 86-134, primeira edição em 1978.

4. Russell, B. Philosophical Essays. Londres: George Allen & Unwin Ltd., 1966, p. 109, primeira edição em 1910.

5. Putnam, H. James’s theory of truth. In: Putnam, R. A. (ed.) .The Cambridge Companion to William James. Cambrifge: Cambridge University Press. 1997, p. 183.

6. Rorty, R. Objectivity, Relativism, and Truth. Cambridge: Cambridge University Press, 1991, p. 21.

7. ______. the Linguistic Turn. Londres e Chicago: Chicago Press, 1992.

8. Skorupski, J. Why did Language Matter to Analytic Philosophy? Ratio. Cambridge (IX): 267-83, 1996.

9. Sigo aqui todo o livro do debate entre Rorty e Habermas na Academia de Ciências da Polônia. Cf. Niznik, J. and Sanders, J. Debating the State of Philosophy. Londres: Praeger, 1996.

Prof. Borges