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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO YURI DE OLIVEIRA DANTAS SILVA ANULAÇÃO E CONTROLE DAS NORMAS JURÍDICAS: UMA ANÁLISE A PARTIR DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE VITÓRIA/ES 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO

CENTRO DE CINCIAS JURDICAS E ECONMICAS

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIREITO

YURI DE OLIVEIRA DANTAS SILVA

ANULAO E CONTROLE DAS NORMAS JURDICAS: UMA ANLISE A

PARTIR DA AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

VITRIA/ES

2016

YURI DE OLIVEIRA DANTAS SILVA

ANULAO E CONTROLE DAS NORMAS JURDICAS: UMA ANLISE A

PARTIR DA AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Dissertao apresentada ao

Programa de Ps-Graduao em

Direito da Universidade Federal do

Esprito Santo, como requisito

parcial para obteno do ttulo de

Mestre em Direito na rea de

concentrao Processo, Constituio

e Justia

Orientador: Prof. Dr. Trek Moyss

Moussallem

VITRIA/ES

2016

YURI DE OLIVEIRA DANTAS SILVA

ANULAO E CONTROLE DAS NORMAS JURDICAS: UMA ANLISE A

PARTIR DA AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-

Graduao em Direito da Universidade Federal do

Esprito Santo, como requisito parcial para

obteno do ttulo de Mestre em Direito na rea de

concentrao Processo, Constituio e Justia.

COMISSO EXAMINADORA

_________________________________

Prof. Dr. Trek Moyss Moussallem

Universidade Federal do Esprito Santo

Orientador

_________________________________

Prof. Dra. Cristiane Mendona

Universidade Federal do Esprito Santo

_________________________________

Prof. Dr. Samuel Meira Brasil

Faculdade de Direito de Vitria

Dedico este trabalho a meu av Deusnar Barcellos

Silva (In memoriam) e a toda minha famlia e amigos,

pelo apoio nessa trajetria.

Agradecimentos

Muitas foram as pessoas que contriburam direta ou indiretamente para este

trabalho. Sou muito grato a todos vocs.

Em primeiro lugar, agradeo a Deus, pela vida.

minha famlia inteira. Meu pai, Jos Guilherme, pela garra; minha me ,Lcia

Helena, por todo o amor; e minhas irms, Mariana, por ser to meiga e

carinhosa e Lorena, alheia ao mundo, mas dotada de alegria e pureza

contagiantes. Nia, por me aguentar desde 01 ano de idade. Agradeo ao

meu av Ded, que nos deixou um forte legado tico. Muito obrigado, v!!! s

minhas avs Daize e Nina (In memoriam) e av Zezinho.

UFES, instituio que nutro um profundo carinho.

FAPES, pela bolsa de estudos.

Aos meus amigos do Mestrado em Direito da Ufes, especialmente: Andreza,

Joo Calmon, Marlon, Petruska e Elias. Obrigado pelos debates e diverso!!!

Ao amigo Jlio Csar, pelo material e pelas ideias trocadas desde o incio da

Graduao na UFES. Aos amigos do tnis: Marcelo, Peixo, Ivanzinho, Fraga e

Lema. Aos amigos advogados: Camilo, Isaque, Sandro e Stephan.

A todos os colegas do grupo de estudos de lgica jurdica, especialmente

Camila.

Ao Professor Trek Moussallem, meu amigo e quem me fez gostar do Direito.

s irms Cristiane e Christine Mendona por sempre serem to solcitas

comigo. Ao Professor Lucas Galvo, pelas dicas valiosas e por sempre me

atender. Ao professor Jos Pedro Luchi, meu orientador na Graduao. Ao

professor Maurcio Abdalla, pelas lies de Teoria do Conhecimento e por abrir

as portas de sua sala s minhas inquietaes. Ao professor Joo Maurcio

Adeodato, por me ajudar a desconstruir o constrangedor conceito de verdade.

Ao Professor Samuel Meira Brasil, por sugar at a ltima gota de meu

conhecimento na banca e pelas dicas valiosas para o aprimoramento do

trabalho.

Digam de mim tudo quanto queiram (pois no ignoro

como difamam a loucura at os que mais so loucos), eu,

somente que, pela minha influncia divina, mergulho na

alegria deuses e homens. (Elogio da Loucura Erasmo

de Roterd)

RESUMO

O sistema de direito positivo, a partir da perspectiva adotada, possui forma

piramidal (Kelsen), onde uma norma jurdica busca seu fundamento de

validade em outra norma jurdica, que superior hierarquicamente. Ento

surge o problema: os enunciados prescritivos que perdem o seu fundamento de

validade no pertencem mais ao atual sistema de direito positivo? Esse

problema analisado pelo mtodo do constructivismo lgico-semntico, com

uma perspectiva normativa, especificamente HANS KELSEN, LOURIVAL

VILANOVA, PAULO DE BARROS CARVALHO. Analisamos a norma de

anulabilidade criada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de Ao Direta de

Inconstitucionalidade. Dado que essa norma retira a validade da norma

anulada, as normas que buscaram seu fundamento de validade nessa norma

anulada continuam vlidas? Para responder ao problema foram testadas as

seguintes hipteses: i) a norma sem fundamento de validade no pertence

mais ao sistema de direito positivo, logo, h uma expulso automtica; ii) a

norma integrante do sistema de direito positivo pode ser considerada nula

desde o incio, sendo irrelevante ela ter ou no fundamento de validade, pois

ela jamais pertenceu ao sistema; iii) a norma sem fundamento de validade

continua pertencente ao sistema. Testadas as hipteses vislumbrou-se que a

norma jurdica continua vlida mesmo com a perda de seu fundamento de

validade. As normas individuais e concretas que perdem seu fundamento de

validade por meio da norma de anulabilidade criada em sede de ADI esto em:

prazo recursal, suscetveis a Ao Rescisria, insuscetveis Ao Rescisria.

As normas gerais e abstratas que buscaram seu fundamento de validade na

norma anulada continuam vlidas pois a norma apenas retirada de maneira

expressa do sistema de direito positivo. Admitir a tese contrria admitir que o

intrprete retira a norma pela sua interpretao, o que nos faria cair em

reprovvel confuso entre os planos do objeto e o plano do cientista; ciso que

permeia todo o trabalho.

Palavras-chave: Ao Direta de Inconstitucionalidade. Fundamento de

validade. Norma jurdica. Sistema de direito positivo. Constructivismo lgico-

semntico.

ABSTRACT

The positive law system, from the perspective adopted, has the pyramidal

structure (Kelsen), where a norm seeks its foundation of validity in other legal

norm, which is higher hierarchically. Then the problem comes: the prescriptive

statements that lose their foundation of validity no longer belong to the current

positive law system? This problem is analyzed by the method of logical-

semantic constructivism, with a normative perspective, specifically based on

HANS KELSEN, LOURIVAL VILANOVA and PAULO DE CARVALHO

BARROS. We analyze the nullity norm created by the Supremo Tribunal

Federal in the Direct Legal action of Unconstitutionality. If this norm removes

the validity of the annulled norm, the norm that seek its foundation of validity in

this annulled norm remain valid? To answer the problem these hypotheses

were tested: i) the norm baseless validity no longer belongs to the positive law

system, so there is an automatic expulsion of this system; ii) the norm that

belongs to the positive law system can be considered invalid from the

beginning, and is irrelevant whether or not the foundation of validity because it

never belonged to the system; iii) the norm without valid foundation remains

belonging to the system. The hypotheses were tested and it was concluded that

the norm of law remains valid even with the loss of its foundation of validity. The

specific individual norms lose their foundation of validity by annulling norm

created in ADI seat are in: judicial review term susceptible to rescissory action,

not susceptible to rescissory action. The general and abstract norms that seek

its foundation no validity in annulled norm remain valid because the standard is

only explicitly removed from the positive law system. To admit the contrary

position is to admit that the interpreter takes the norm for his act of

interpretation, which would make us into reprehensible confusion between the

planes of the object and the scientist's plan; division that permeates the entire

work.

Key words: Direct Legal action of Unconstitutionality. Foundation of validity.

Norm. The positive law system. logical-semantic constructivism.

Sumrio

Introduo ....................................................................................................... 14

1 Consideraes metodolgicas: apresentao do problema, do objeto de

estudos, das hipteses a serem testadas, do objetivo e a justificativa do

trabalho ......................................................................................................... 14

2 O nosso mtodo: o constructivismo lgico-semntico e a apresentao do

conceito de norma jurdica .......................................................................... 16

2.1 Linguagem e Realidade: esferas interseccionveis .......................... 16

2.2 Epistemologia: a linguagem o conhecimento ................................. 19

2.3 - Corte metodolgico: aproximao do objeto-formal de estudo .......... 20

2.4 - Objeto-formal da Cincia do Direito: sua delimitao ........................ 22

2.5 - Semitica: o estudo da linguagem ..................................................... 23

2.5.1 O signo: relao tridica composta por suporte fsico, significado e

significao. ............................................................................................... 24

2.5.2 O significado: seus elementos. ...................................................... 26

2.5.2.1 Denotao e conotao .............................................................. 27

2.5.3 Significao: o juzo formado pelo contato com o suporte fsico ou

conceito. .................................................................................................... 28

2.6 Composio do documento normativo: enunciao-enunciada e

enunciado-enunciado................................................................................. 29

2.7 Do texto norma: o sentido dentico e o encontro com o dever-ser

para se chegar definio do conceito de norma jurdica ...................... 31

2.8 Entre enunciado e proposio: o objeto de estudos do cientista do

direito e como identific-lo ......................................................................... 33

3 Organizao do trabalho: a apresentao dos captulos ........................ 35

PARTE I

CAPTULO I Por uma teoria da norma jurdica. Sua estrutura lgica-sinttica

e o problema do fato jurdico ilcito: h ilicitude sem denotao?..................... 36

1- Teoria da Norma Jurdica ......................................................................... 36

1.1.1 A hiptese normativa: os seus critrios, ou a sua conotao ........ 37

1.2 - Brevssimas notas sobre a Lgica dos Predicados Polidicos:

instrumento da Lgica para lidar com a Relao entre os signos. ................ 41

1. 3 - Norma primria sancionadora e dispositiva ......................................... 46

1.4 - Norma secundria: a norma que prev a consequncia ante o

descumprimento da norma primria .............................................................. 47

1.5 - Norma primria sancionatria e norma secundria: sanes primrias e

secundrias; ilcitos primrios e secundrios. ............................................... 50

1.6 - Normas abstratas e concretas, gerais e individuais. ............................. 51

1.7 - Conotao e denotao do antecedente das normas jurdicas: o

problema do fato jurdico ............................................................................... 53

1.8- O efeito do fato jurdico a relao jurdica. A (ir)retroatividade da

relao jurdica: seus efeitos no tempo. ........................................................ 54

1.9 Quando a determinada conduta proibida: a importncia da sano

para o sistema de direito positivo .................................................................. 58

1.10 O fato jurdico ilcito primrio e secundrio: a relao jurdica

processual como pressuposto da sano secundria................................... 60

1.11 - Entre norma de conduta e norma de estrutura: os respectivos

consequentes normativos. Por uma distino entre sano e nulidade........ 62

CAPTULO II - O sistema de direito positivo: sua estrutura escalonada e o

problema da validade das normas jurdicas. As dimenses semiticas do

sistema de direito posto: fechamento sinttico e abertura semntica e

pragmtica. ..................................................................................................... 69

2.1 - Dimenses semiticas do ordenamento jurdico: o fechamento sinttico

e a abertura semntica e pragmtica. ........................................................... 69

2.2 - Uma noo preliminar de sistema de direito positivo: construindo o seu

conceito ......................................................................................................... 77

2.3 - Sistemas reais e proposicionais, ou s proposicionais? A

extralinguagem como um critrio fraco para distino entre sistemas. ...... 81

2.4 - O sistema e a teoria das classes .......................................................... 86

2.5 - A grande dicotomia kelseniana: sistemas estticos e sistemas

dinmicos. O direito como um sistema dinmico. ......................................... 89

2.6 - Ordenamento jurdico e sistema de direito positivo: a definio de

seus conceitos e tentativa de reduzir as ambiguidades que permeiam esses

smbolos ........................................................................................................ 93

2.7 - A unidade do sistema de direito positivo e a cadeia de validade: os dois

critrios kelsenianos de identificao (ou individualizao) .......................... 97

2.8 - O direito como sistema lgico-dedutivo? Os problemas decorrentes da

adoo de tal modelo .................................................................................. 105

2.9 - A norma fundamental: pressuposto epistemolgico e fundamento de

validade da Constituio-positiva ................................................................ 107

2.10 - O problema da validade das normas jurdicas: validade como relao

de pertinncia com o sistema de direito positivo e o nosso critrio de

pertinncia. O qu faz o enunciado prescritivo pertencer ao sistema de direito

positivo? ...................................................................................................... 111

2.11 - A validade e o percurso de gerao de sentido dentico (percurso para

a construo da norma jurdica): correto o juzo implicacional se for

validade do texto normativo, ento deve ser a validade da norma? .......... 117

2.12 A vigncia: o intervalo de subsuno. A eficcia: produo de efeitos.

.................................................................................................................... 120

2.13 - O problema da hierarquia normativa: quando h uma relao de

hierarquia? .................................................................................................. 125

PARTE II

Captulo III O documento normativo Constituio Federal e o Controle

Concentrado de Constitucionalidade. O problema do controle da

produo normativa, ou, o controle do produto normativo. .................... 128

3.1 O instrumento introdutor Constituio Federal. Nosso conceito e a

resposta pergunta: por que a sua superioridade hierrquica? ................. 128

3.2 A inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material: anlise

a partir do suporte fsico. ............................................................................. 135

3.3 - Teoria da nulidade e teoria da anulabilidade: breve comparao entre os

dois modelos e a aproximao entre ambos ............................................... 140

3.4 - O controle de constitucionalidade: notas distintivas entre as normas de

inconstitucionalidade criadas em sede de controle difuso e em sede de

controle concentrado (especificamente de ADI) ......................................... 145

3.5 - O Supremo Tribunal Federal e as tcnicas de declarao de

inconstitucionalidade: mais uma vez a diferena entre suporte fsico e norma

jurdica ........................................................................................................ 152

CAPTULO IV A norma de anulabilidade criada pelo STF em sede de ADI:

sua estrutura lgica e os seus efeitos sobre normas jurdicas que foram

criadas com base na norma anulada. ......................................................... 155

4.1 - O conceito de ADI e as caractersticas das normas jurdicas que podem

ser controladas em sede de controle concentrado. .................................... 155

4.2 - O problema da recepo das normas pela Constituio: as normas

recepcionadas j deixaram de pertencer ao sistema de direito positivo

inaugurado com a Constituio Federal? .................................................... 162

4.3 - A norma de inconstitucionalidade: a sua estrutura lgica. .................. 166

4.4 - Veculo introdutor e norma introduzida: o fato ilcito em cada norma;

inconstitucionalidade formal e inconstitucionalidade material. .................... 168

4.4.1 - A consequncia da anulabilidade: os efeitos ex tunc e ex nunc. .. 169

4.5 O consequente da norma de inconstitucionalidade (ADI) uma relao

jurdica processual? .................................................................................... 171

4.6 - As normas jurdicas criadas com a norma de anulabilidade do STF: o

efeito vinculante e a eficcia erga omnes. .................................................. 173

4.7 As normas que buscaram fundamento de validade na norma anulada:

uma anlise das normas individuais e concretas e normas gerais e abstratas

que buscaram seu fundamento de validade na norma anulada. ................. 177

4.7.1 Normas individuais e concretas que perdem seu fundamento de

validade: essas normas permanecem no sistema? O problema da coisa

julgada. .................................................................................................... 177

4.7.2 Normas gerais e abstratas que buscam seu fundamento de

validade na norma anulada ...................................................................... 187

CONCLUSO ................................................................................................ 191

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................. 194

14

Introduo

1 Consideraes metodolgicas: apresentao do problema, do objeto

de estudos, das hipteses a serem testadas, do objetivo e a justificativa

do trabalho.

A linguagem, contemporaneamente, ganhou papel central na maneira como se

desenvolvem Cincia e Filosofia, no sendo nenhum exagero afirmar que

ambas reduzem-se linguagem. Houve uma ciso radical que ocorreu com o

advento do Giro Lingustico: antes o modelo predominante era o da Filosofia da

Conscincia, no qual o sujeito era o alvo central de investigaes; aps, o

modelo foi alterado para pr em evidncia a Linguagem em todas as suas

manifestaes. Eis a Filosofia da Linguagem1. dentro deste paradigma que

estamos inseridos e trabalharemos.

O direito objeto se manifesta em linguagem na sua funo prescritiva. Seu

vetor semntico aponta para condutas humanas descritas na hiptese

normativa. Desta feita, tomaremos o direito como o conjunto de enunciados

prescritivos expedidos por autoridades credenciadas pelo sistema de direito

positivo. Desses enunciados prescritivos constri-se, em plano intelectual, a

significao. Quando a significao preenche a estrutura implicacional se...,

ento..., tem-se a norma jurdica. De um enunciado pode-se construir mais de

uma norma jurdica; de vrios enunciados prescritivos pode-se construir

apenas uma norma jurdica. A forma implicacional que deve estar revestida.

O sistema de direito positivo uma construo intelectual, assim como a norma

jurdica, mas com estrutura diferente. No sistema de direito positivo as normas

jurdicas se organizam mediante laos de subordinao e coordenao.

Subordinao e coordenao se manifestam porque o sistema de direito

1Em comentrio ligeiro, o Tractatus lgico-philosophicus marco decisivo na histria do pensamento humano. At Kant, a filosofia do ser; de Kant a Wittgenstein, a filosofia da conscincia; e de Wittgenstein aos nossos dias, a filosofia da linguagem, com o advento do giro lingustico e de todas as implicaes que se abriram para a teoria da comunicao.(CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributrio: linguagem e mtodo.4.ed.So Paulo: Noeses. 2011. p. 25)

15

positivo obedece a uma estrutura hierrquica. Norma superior estabelece forma

e matria de norma inferior. Assim, as normas inferiores buscam seu

fundamento de validade em normas superiores. Dizer que uma norma

superior hierarquicamente quer dizer que ela autoriza a promulgao de outras

normas e que essas normas produzidas so inferiores tambm

hierarquicamente; determina como se deve proceder para produzir os

enunciados prescritivos. Dessa maneira, teremos que, necessariamente, uma

norma sempre criada por outra, que lhe hierarquicamente superior. Mas o

que ocorre com a norma inferior (criada) quando essa norma superior

(criadora) expulsa do sistema de direito positivo? Analisaremos essa

problemtica a partir da norma de anulabilidade criada em sede de ADI. Ou

seja, a norma anulatria propaga seus efeitos para as normas que foram

criadas com fulcro na norma anulada? Assim, construmos nossa

problemtica central: qual o efeito que a norma de anulabilidade criada em

sede de ADI produz perante as normas que foram criadas com fulcro nessa

norma anulada? Podemos analisar o problema central por outra perspectiva: o

sistema de direito positivo comporta normas que tenham perdido seu

fundamento imediato de validade?

Para responder ao questionamento, o direito objeto ser analisado sob o

prisma normativista. As matrizes tericas residem em HANS KELSEN,

LOURIVAL VILANOVA e PAULO DE BARROS CARVALHO.

O objeto do presente trabalho o conjunto de enunciados prescritivos e

vlidos. A pergunta colocada de Teoria Geral do Direito, mas com um vis de

Direito Constitucional.

Para responder questo principal, problemas preliminares devem ser

resolvidos, pois estes influenciam diretamente na soluo daquela, que a

principal. Assim, estas so as hipteses testadas soluo do problema: i - a

norma de anulabilidade criada pelo STF no gera nenhum efeito sobre as

normas constitudas com fulcro na norma anulada; ii - a norma de anulabilidade

extingue, por si s, essa norma constituda com base na norma anulada; iii - se

a norma foi anulada com efeitos ex tunc, significa que ela nunca foi vlida, logo,

no vlida a norma anulada e nem os seus efeitos.

16

O objetivo do trabalho analisar, do ponto de vista proposto, a coerncia

interna do sistema de direito positivo entre as normas jurdicas, com seus laos

de subordinao e coordenao. Existe essa coerncia ou estaramos ns

(cientistas e aplicadores) perante um caos normativo?

A justificativa terica a reside: o constructivismo lgico-semntico, ora visto

como mtodo, ora visto como escola, fornece um arcabouo terico muito rico

e slido. Tal abordagem visa amarrar os enunciados que compem o trabalho

da maneira mais lgica possvel. Assim, pretendemos fazer Cincia, cujo

resultado da investigao seja fiel ao mtodo proposto.

A justificativa prtica est na importncia de os operadores do direito, diante

de uma gama de normas de declarao de inconstitucionalidade (ou seja,

normas que anulam outras normas), saberem como se portar diante dos efeitos

perpetuados pela norma que fora anulada. Como o prtico do direito lida

apenas com normas vlidas, fundamental saber se estas fazem parte de seu

objeto de estudos ou se so anuladas juntamente com a norma que foi anulada

em sede de controle de constitucionalidade.

Pois bem, para analisar nosso objeto de estudos e o problema inerente ao

mesmo, como estamos diante de uma pesquisa cientfica, pressupe-se a

utilizao de um mtodo. A seguir, sero expostas as linhas mestras que

norteiam nosso mtodo. Com elas chegaremos ao conceito de norma jurdica,

a partir do constructivismo lingustico.

2 Nosso mtodo: o constructivismo lgico-semntico e a apresentao

do conceito de norma jurdica.

2.1 Linguagem e Realidade: esferas interseccionveis.

recente, na histria do pensamento humano, a distino realizada entre as

palavras e as coisas, ou entre linguagem e realidade. Durante muito tempo,

acreditava-se que havia uma relao natural entre as palavras e aquilo que

17

elas representavam2, de maneira que um mau uso da palavra poderia gerar

consequncias diretas sobre a coisa representada3.

NINO, citando CARNAP, chama a essa ideia concepo mgica da

linguagem e nos oferece um exemplo que esclarece bem a dificuldade natural

do homem em entender que a linguagem no toca a realidade:

CARNAP diz que a criana que comea a falar sente-se inclinada a

supor que as palavras que usa para se referir s coisas so as

naturalmente apropriadas para isso, enquanto outras expresses, por

exemplo, as de idiomas estrangeiros, so erradas ou estrambticas.

O adulto mais tolerante com o fato de outros povos denominarem

as mesmas coisas com outras palavras, porm, de qualquer modo,

conserva-se sempre a impresso inconsciente de que o natural

chamar casa, e no house ou maison, ao que na realidade uma

casa.4

A ideia de que o significado das palavras determinado pela realidade, como

se fosse o reflexo de algum aspecto dela, ganhou legitimao filosfica com o

essencialismo. Segundo essa tradio filosfica que, de acordo com os

relatos predominantes (vencedores), teve incio com Plato, h um nico e

verdadeiro significado das expresses da linguagem, que deve ser buscado

com a anlise de uma realidade no emprica. Em outras palavras, buscava-se

a essncia daquela coisa e a palavra seria um instrumento entre o sujeito e a

coisa a ser designada.

Foi com o advento do movimento filosfico denominado Giro Lingustico5 que

a linguagem ganhou importncia central em todo o cenrio filosfico e

2 HOSPERS, John. Introduccin al anlisis filosfico. Madrid: Alianza Editorial, 1976. p.17. 3 Na cosmoviso da humanidade primitiva, o nome faz parte do ser dos objetos, talvez da alma, e s uma cuidadosa proteo pode afast-lo do perigo espreitante.[...]Observa um autor que os ndios norte-americanos consideram seu nome como uma parte definida de sua personalidade, a mesmo ttulo que seus olhos e seus dentes, e creem que a manipulao mal-intencionada de seu nome lhes pode causar tanto dano como uma ferida em qualquer parte do corpo(SIMPSON, Thomas Moro. Linguagem, realidade e significado. trad. Paulo Alcoforado. So Paulo: Edusp, 1976. p.25) 4 NINO, Carlos Santiago. Introduo anlise do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 293. 5 De acordo com SCAVINO Una de las premisas a partir de las cuales puede pensarse el "giro lingstico" fue propuesta por Ludwig Wittgenstein en su Tractatus: el lenguaje y el mundo son coextensivos, los lmites de uno son exactamente los lmites del otro. O dicho de outro modo: mi mundo es mi lenguaje. La otra premisa podramos encontrarla en Martin Heidegger y dice as: El hombre no habla el lenguaje sino que "el lenguaje habla al hombre", de manera qu

18

cientfico. As relaes linguagem/realidade e linguagem/conhecimento sofrem

um grande abalo. Se antes a linguagem era um meio, um instrumento para se

transmitir o conhecimento, agora ela um fim, ou seja, o conhecimento mesmo

um plexo de enunciados. No que tange relao linguagem/realidade, essa

artificial. Os nomes, dessa forma, no mais surgem da essncia da coisa,

mas, sim, de uma tomada de posio arbitrria de quem as nomeia.

A linguagem e a realidade fsica so duas esferas independentes entre si, sem

nenhum tipo de relao, de modo que a linguagem no possui qualquer

propriedade que possa vir a interferir na realidade fsica. Em outras palavras: a

linguagem no toca a realidade. Se isso ocorresse, cada coisa do mundo fsico

teria um nome individual. GUIBOURG, GUARINONI e GHEGLIANI, quando

tratam da relao da palavra com o seu significado, explicitam:

Cuando aprendemos El nombre de uma cosa, entonces, no

aprendemos algo acerca de la cosa, sino sobre las costumbres

lingustiscas de cierto grupo o pueblo: El que habla el idioma donde

esse nombre corresponde a esa cosa. Estas costumbres pueden

cambiar, y de hecho cambian muy a menudo a travs del tiempo.

Decimos entonces que las cosas cambian de nombre, pero sera ms

riguroso decir que nosotros cambiamos El modo de nombrar esa

cosa.6

Neste ponto, pensamos, est clara a distino entre as palavras e as coisas.

Nesse sentido, JOHN HOSPERS assevera:

[...] las palabras son signos arbitrrios (arbitrrios porque se podra

haber utilizado exactamente outro sonido), que se convierten em

signos convencionales uma vez que los han adoptado los usurios

del lenguaje. Los significados de las palavras no han sido

descubiertos sino asignados.7

lejos de dominar unalengua, como suele decirse, una lengua domina nuestro pensamiento y nuestras prcticas.(SCAVINO, Dardo. La filosofa actual. Pensar sin certezas. Buenos Aires: Editorial Paids, 1999. pp. 1-2) 6 GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Ricardo V.; GUIBOURG, Ricardo A. Introduccin al conocimiento cientfico. 3. ed. Buenos Aires: Eudeba, 2000. p. 34-35 7 HOSPERS, John. Introduccin al anlisis filosfico. Madrid: Alianza Editorial, 1976. p. 17.

19

Assim, clara est a falta de correspondncia entre linguagem e realidade. O

relato de que linguagem e objetos fsicos possuem algum tipo de relao no

legitimado pela Filosofia da Linguagem.

2.2 Epistemologia: a linguagem o conhecimento.

A realidade um caos de sensaes8, ou um caos emprico. O sujeito

cognoscente habita esse caos, que um conjunto de sensaes que o homem

experimenta ao longo de sua existncia. Atravs dos seus sentidos que o

homem tem acesso realidade e por meio de sua linguagem que ele atribui

sentido a essa realidade.

De uma sucesso desenfreada de eventos no existem fatos puros, aqueles

sem relao com os demais, espera do sujeito cognoscente. o sujeito

cognoscente quem constri o fato, o que apenas se torna possvel por meio da

linguagem. Ele constri o objeto (fenmeno) por meio de suas condies da

experincia (idealismo transcendental)9. Nesse sentido, assevera ADEODATO:

O conhecimento nem transcendente, nem imanente, mas sim

transcendental. Isso significa que a experincia dos eventos

indispensvel, mas s ocorre por meio dos constrangimentos

imanentes ao prprio ser humano. O conhecimento do mundo externo

moldado pelo mundo interno e ambos so indissociveis. 10

Assim, desse caos desordenado, o sujeito cognoscente, atravs de uma

construo conceitual, de um ato intelectual, reveste aquele evento em

linguagem para al-lo ao patamar de um fato, logo, ao nvel do discurso, mas,

como exposto acima, o revestimento do evento em linguagem est

condicionado ao conhecimento prvio11 que o sujeito cognoscente possui.

8 VILANOVA, Lourival. Teoria das formas sintticas: anotaes margem da teoria de Husserl. In: _____. Escritos jurdicos e filosficos. So Paulo: IBET, 2003. v.1. p 148. 9 REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 123. 10 ADEODATO, Joo Maurcio. Filosofia do Direito: uma crtica verdade na tica e na cincia. 4.ed. So Paulo: Saraiva, 2009. P. 28. 11 Cumpre mencionar que GADAMER chama preconceitos os conceitos prvios que o sujeito cognoscente possui. E, antes de ser prejudicial compreenso, ele essencial, formando as

20

O que no for linguagem, bem como o que no estiver ao alcance da

linguagem do sujeito cognoscente, torna-se insuscetvel de revestimento

lingustico, logo, inapto a ser alado ao nvel da comunicao. Dessa forma,

no h conhecimento fora dos quadrantes lingusticos, uma vez que esta

ganha plenitude no plano proposicional.

Assim, o conhecimento cientfico resultado de um processo comunicacional,

somente se torna possvel em virtude da linguagem. Os elementos que

compem o conhecimento so: I o sujeito cognoscente, ou o sujeito que

conhece a realidade circundante; II o objeto, aquilo que se pretende

desvelar12; III - a proposio, como estrutura que declara que o conceito-

predicado vale para o conceito-sujeito13, ou, proposio assertiva. Esse

processo precedido por um mtodo adotado arbitrariamente pelo sujeito

cognoscente.

2.3 - Corte metodolgico: aproximao do objeto formal de estudos.

O sujeito cognoscente dirige-se a certa parcela da realidade e a secciona por

meio da linguagem. Atravs deste ato intelectual, o cientista corta o mundo

em pedaos. Ao ato de dirigir-se realidade e abstrair certos elementos por

meio da linguagem com o fim de estud-los, d-se o nome de corte

metodolgico. Esse corte suspende (em mbito temtico) da realidade um

dado para fim de estudo; separa para fins de anlise, no uma separao

fsica.

Desta maneira, o sujeito cognoscente constitui o seu objeto formal de estudos,

produto de um corte abstrato sobre o objeto material. Este, o objeto material,

no a realidade disposta no mundo fenomnico, mas, sim a matria

estruturas prvias da compreenso. No h como conhecer se no houver juzos prvios, ou preconceitos. (GADAMER, Hans-Georg.Verdade e Mtodo I: traos fundamentais de uma hermenutica filosfica. 10. ed. Petrpolis - RJ: Vozes, 2008. p.368-385.) 12 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relao no direito. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 9. 13 VILANOVA, Lourival. Lgica jurdica. In: _____. Escritos jurdicos e filosficos. So Paulo: IBET, 2003.v.2. p.158.

21

reconstituda gnoseologicamente. A cada cincia corresponde um objeto

formal14.

Assim, de um objeto material o cientista pode construir diversos objetos

formais. Dito de outra maneira, um mesmo objeto material pode ser objeto de

estudos de diversas cincias e, ao ser alado ao nvel de objeto de estudos, ele

constitudo formalmente para ser investigado. Nesse sentido, expe

VILANOVA:

Mas esse objeto material uno multiparte-se em diversos objetos

formais. A partir do objeto material M cada feixe homogneo de

proposies constitui uma teoria T. Assim, temos teorias T, T, T...

constituintes de subdomnios O, O, O..., justamente os objetos

formais obtidos pelos cortes lgicos e epistemolgicos de cada

teoria.15

A seco epistemolgica constitutiva do objeto formal opera-se sobre a

contextura total do objeto material de modo arbitrrio e artificial. Assim, o ato de

se cortar X e Y, ou to-s Y e no X, algo indiscutvel, pois a seco

arbitrria e unilateral. Admitir-se-ia ou no. Dessa forma, o sujeito cognoscente,

ao segmentar a realidade, constitui o objeto de estudos16. E o faz

linguisticamente.

A anlise do objeto formal se d por meio de um mtodo, como exposto mais

acima. Essa aproximao permeada pela linguagem. So leis que o cientista

segue ao se aproximar do objeto de estudos. Essa uma aproximao

lingustica.

Mtodo o conjunto de regras eleitas arbitrariamente pelo sujeito cognoscente

para descrever o objeto de estudos. O resultado das investigaes

empreendidas pelo cientista deve ser refutado por resultados advindos do

mesmo mtodo.

14 SANTI, Eurico. Lanamento tributrio. 2. ed. So Paulo: Max Limonad, 1999. p. 24. 15 VILANOVA, Lourival. Nveis de linguagem em Kelsen. In: _____. Escritos jurdicos e filosficos. So Paulo: IBET, 2003. v.2. p. 205 16 Os objetos so construes semiticas. Os suportes da tipificao semitica provm do sistema de linguagem. (VILANOVA, Lourival. Causalidade e relao no direito. 4. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.9)

22

Os resultados aos quais o cientista chega ao trilhar esse caminho sero

chamados de relatos. Alguns relatos so mais aceitos pela comunidade

cientfica e pela comunidade em geral que outros. Os relatos mais aceitos

sero predicados como vencedores, ao passo que os relatos que caem no

ostracismo ou aqueles que no so aceitos, sero classificados como relatos

perdedores. No presente trabalho o mtodo adotado o do construtivismo

lgico-semntico.

2.4 - Objeto-formal da Cincia do Direito: sua delimitao.

O objeto formal da Cincia do Direito no se apresenta pronto, delineado ao

Cientista, ele no se revela puro e simples. Como assevera LOURIVAL

VILANOVA, a purificao produto de tcnica conceptual, construo

metdica 17. O direito em sua ontologia complexa cientificamente

inapreensvel18. No conseguimos captar a essncia do direito,

fenomenologicamente falando.

No caso de uma cincia social, como o direito, a delimitao do objeto formal

de estudos torna-se crtica, o que no ocorre em outras cincias, pois h um

comprometimento existencial do jurista terico com o objeto19. A evoluo das

cincias sociais foi muito lenta ao longo da histria, pois o homem,

demasiadamente comprometido com o objeto ltimo do estudo que

empreende, encontra dificuldade em tomar a distncia adequada para

examin-lo com imparcialidade20.

No presente trabalho, o direito positivo que ser o objeto de anlise. Este

objeto vertido em linguagem em sua funo21 prescritiva e visa ordenar

17 VILANOVA, Lourival. O conceito de direito. In: _____. Escritos jurdicos e filosficos. So Paulo: IBET, 2003.v.1. p 47 18 SANTI, Eurico. Lanamento tributrio. 2. ed. So Paulo: Max Limonad, 1999. p. 27. 19 VILANOVA, Lourival. Nveis de linguagem em Kelsen. In: _____. Escritos jurdicos e filosficos. So Paulo: IBET, 2003. v.2. p. 205 20 GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Ricardo V.; GUIBOURG, Ricardo A. Introduccin al conocimiento cientfico. 3. ed. Buenos Aires: Eudeba, 2000. p.13. 21 Devido funo da linguagem em que se manifesta o direito positivo ser a funo prescritiva, as ordens no so verdadeiras nem falsas, mas, sim, vlidas ou invlidas.

23

condutas, seja mediata, seja imediatamente. Assim, o referente semntico do

direito positivo a conduta humana recepcionada por este mesmo sistema. Eis

a opo epistemolgica adotada no presente trabalho22.

Assim, o objeto formal de estudos, o direito positivo, texto, logo, um

conjunto de signos lingusticos. Em virtude desse corte conceitual, no prximo

tpico sero aplicadas noes de Semitica para a anlise do fenmeno

lingustico objeto de estudos.

O que iremos fazer nos prximos tpicos polir a ferramenta com a qual ns

iremos dissecar o direito objeto. E essa ferramenta a linguagem. Como dito

antes, estamos nos trilhos da chamada Filosofia analtica.

2.5 - Semitica: o estudo da linguagem.

O objeto formal de estudos seccionado para a anlise no presente trabalho

um conjunto de textos vertidos na funo prescritiva de ordenar condutas. Dito

de outra forma: direito positivo linguagem. Onde no houver linguagem em

sua funo prescritiva (logo, suscetvel aos valores vlido/invlido) de ordenar

condutas, no h direito positivo. Ou, onde houver um vcuo lingustico, ou a

no-linguagem, inexiste direito, para os fins propostos neste trabalho.

O ramo cientfico que estuda linguagem recebe o nome de Semitica, ou

Teoria Geral dos Signos. A Semitica ir estudar os elementos representativos

no processo de comunicao. O seu objeto, qual seja, a linguagem visa

22 Dentre as inmeras opes epistemolgicas que existem, possvel classific-las em dois grandes grupos: os jusnaturalistas e os juspositivistas. GUIBOURG sintetiza bem as caractersticas de ambas as classes: Las opciones iusnaturalistas suelen agruparse por uma caracterstica comn: sea cual fuere su manera de definir derecho, esa definicin incluye algn requisito relativo al contenido de las normas: que Sean justas, que no Sean injustas, que no Sean demasiado injustas o que se las aprecie em um orden de preferncia que tenga em cuenta alguna de esas condiciones. De este modo, El derecho en general aparece identificado com El derecho natural, o regido por El, o sujeto a um sistema de preferncias dependiente de alguna forma de derecho natural ajeno a la humana voluntad legislativa. Las opciones positivistas, por el contrario, son aquellas cuya definicin de derecho, sea cual fuere, no incluye referencia alguna al contenido de las normas. Estas opciones no excluyen el juicio moral que cada observador pueda ejercer respecto de lasnormas o de las prcticas sociales, pero esse juicio no incide em la descripcin del derecho vigente como objeto de la cincia jurdica.(GUIBOURG. Ricardo Teora general del derecho. Buenos Aires: La Ley, 2003. p.08)

24

comunicar um significado por meio de signos. Assim, a linguagem, o conjunto

de signos lingusticos e tudo que levar a representao de algo mente

humana.

Esse conjunto de signos pode ser estudado sob trs planos ou enfoques

distintos: a sinttica, a semntica e a pragmtica. O estudo da sinttica estuda

a relao entre os signos; j o plano da semntica tem por objeto o estudo do

signo e o objeto que este visa representar; e o plano pragmtico estuda a

relao dos signos com o utente da linguagem.

Dessa forma, o direito positivo, como possui a linguagem como um dado

constitutivo, mantendo com a mesma uma relao de cunho ontolgico, pode

ser estudado sob os trs planos.

2.5.1 O signo: relao tridica composta por suporte fsico, significado e

significao.

A premissa linguagem no toca realidade importante para a definio do

conceito de signo. Segundo FIORIN, O signo a unio de um conceito com

uma imagem acstica, que no o som material, fsico, mas a impresso

psquica dos sons, perceptvel quando pensamos numa palavra, mas no a

falamos. 23 O carter relacional do signo constante em autores que

trabalham com a Semitica. Assim, o signo a relao de um fenmeno com

outro fenmeno24. Uma coisa, A, um signo de outra coisa, B, se A representa

a B de um modo ou de outro25. Ele se caracteriza, pois, por sua mediatidade,

aponta para algo distinto de si mesmo26.

A febre um signo de uma doena; a cada das folhas um signo do outono; o

caminho de bombeiros em alta velocidade e com a sirene tocando signo de

23 FIORIN, Jos Luiz. A linguagem em uso. In: FIORIN, Jos Luiz (Org.). Introduo lingustica: objetos tericos. V.I. Contexto: So Paulo. 2003. p 58. 24 GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Ricardo V.; GUIBOURG, Ricardo A. Introduccin al conocimiento cientfico. 3. ed. Buenos Aires: Eudeba, 2000. p.18. 25 HOSPERS, John. Introduccin al anlisis filosfico. Madrid: Alianza Editorial, 1976. p. 14. 26 FERRAZ JR, Trcio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito: tcnica, deciso, dominao. 6.ed. So Paulo: Atlas, 2008. p. 223.

25

que h incndio nas redondezas; o semforo com a luz vermelha acesa signo

de que o motorista deve parar o automvel.

Como o objeto de estudos aqui constitudo manifesta-se em linguagem, mais

especificamente em texto, operar-se- com a espcie de signo classificada27

como smbolo.

O signo, aqui, ser trabalhado de acordo com a terminologia empregada por

PAULO DE BARROS CARVALHO28, que utiliza a terminologia de E.

HUSSERL. O signo possui o status lgico de uma relao que se estabelece

entre o suporte fsico, a significao e o significado29, ou seja, no h signo

sem esses trs elementos. Assim, a linguagem, como conjunto sgnico que ,

apresenta-se como indissocivel dos trs elementos, ou ngulos de anlise.

Dito de outra forma: todo o signo manifesta a relao entre um suporte fsico,

um significado e uma significao. Precisando os conceitos dos elementos que

constituem o tringulo semitico, o suporte fsico o plano textual, da palavra

falada ou escrita, ou seja, a base material. O significado o referente; algo

do mundo interior ou exterior; a relao dos signos com aquilo que

simbolizam 30. A significao o juzo ou proposio; noo ou ideia que o

suporte fsico suscita na mente do intrprete.

27 Costuma-se utilizar a classificao pierciana dos signos: smbolos, cones e ndices, classificao, essa que tem suas razes em Pierce. O ndice a espcie de signo que mantm uma conexo fsica, natural com o objeto que visa representar, ou seja, a vontade humana no interfere na construo daquela imagem acstica; o cone procura reproduzir o objeto a que se refere, tendo caractersticas do prprio objeto que visa representar, mas, insta ressaltar, a palavra no a coisa (mapas, fotos, esttuas, caricaturas so exemplos de ndices); o smbolo arbitrariamente convencionado pelos seres humanos e no guarda relao com o objeto que representa, ou seja, um mecanismo que os seres humanos encontraram para conseguir passar determinada mensagem; o mais comum dos signos (palavras de uma lngua, cruz, bandeira branca hasteada em um campo de batalha so exemplos). 28 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributrio: fundamentos jurdicos da incidncia. 8.ed.So Paulo: Saraiva, 2010. P. 37 29 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributrio: fundamentos jurdicos da incidncia. 8.ed.So Paulo: Saraiva, 2010. p. 37. 30 GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Ricardo V.; GUIBOURG, Ricardo A. Introduccin al conocimiento cientfico. 3. ed. Buenos Aires: Eudeba, 2000. p.20.

26

2.5.2 - O significado: seus elementos.

A relao entre a palavra e a coisa artificial31, fruto de decises individuais ou

sociais, sem qualquer nvel de interferncia na coisa em si. Falar que uma

coisa determinada tem um nome verdadeiro no parece adequado

metodologia aqui adotada. Sabe-se que o homem quem a nomeia. Assim,

no existem nomes verdadeiros ou falsos para as coisas, apenas existem

nomes mais aceitos e outros menos aceitos.

A possibilidade de inventar nomes para as coisas do mundo recebe o nome de

liberdade de estipulao32. Se um nome estipulado livremente sem qualquer

comunicao prvia ao ouvinte, corre-se o risco deste ouvinte no entender a

mensagem.

Devido necessidade do homem se comunicar e se entender com aqueles que

habitam o mesmo universo lingustico que surge a regra do uso comum, que

o emprego das palavras com os mesmos significados a que a comunidade

lingustica est usualmente habituada. Em outras palavras, o homem pode usar

qualquer nome para qualquer coisa, pois esta no tem um nome prprio, mas,

quanto menor seja a aceitao comum deste significado no meio em que o

homem se move, maior ser a dificuldade de comunicao. Em sntese, a regra

da liberdade de estipulao permite ao homem nomear qualquer coisa com

qualquer nome, ao passo que a regra do uso comum explicita que quanto

maior a aceitao daquele significado pela comunidade lingustica (ou pessoas

que falam a mesma lngua), menor a chance do emissor no conseguir se

comunicar.

Ao dar nomes s coisas do mundo, um limite traado na realidade, e

traado linguisticamente. A realidade cortada idealmente em pedaos. Ao

31 GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Ricardo V.; GUIBOURG, Ricardo A. Introduccin al conocimiento cientfico. 3. ed. Buenos Aires: Eudeba, 2000. p. 35. 32 Hospers define a liberdade de estipulao: Cualquiera puede usar el sonido que se le antoje

para referirse a lo que quiera, siempre y cuando aclare a qu se est refiriendo al utilizar el

sonido. (HOSPERS, John. Introduccin al anlisis filosfico. Madrid: Alianza Editorial,

1976. p. 19)

27

atribuir cada nome constitumos (quer dizer, identificamos, individualizamos,

delimitamos) o pedao que, segundo nossa deciso, corresponder a esse

nome 33.

2.5.2.1 - Denotao e conotao.

O significado do signo possui dois componentes: a denotao e a conotao. O

conjunto de requisitos, ou seja, os critrios de uso de uma palavra de classe

a conotao (ou designao) dessa palavra. Essas partes da descrio de um

objeto que integram o critrio de uso do vocbulo se chamam caractersticas

definitrias da palavra em questo34. Essas so as caractersticas que

constituem a conotao de um signo. Diz-se que so definitrias porque, ante a

sua ausncia, a palavra em questo no mais se aplica quele objeto. Dessa

forma, na ausncia de uma caracterstica definitria em um objeto, a depender

da classificao, outro smbolo dever ser utilizado.

Quando esses critrios de uso da palavra de classe forem preenchidos, diz-se

que houve a denotao. Denotao o conjunto de todos os objetos ou

entidades que cabem na palavra35. Conotao e denotao esto em funo

recproca, como assevera NINO36:

A designao e a denotao de uma palavra esto em funo

recproca. Se a designao se amplia (por exemplo, porque antes

eram exigidas as propriedades A e B para que um objeto integrasse a

classe e agora so requeridas A, B e C), a denotao possvel da

palavra se restringe, porque h potencialmente menos objetos que

renam um maior nmero de propriedades definitrias. Pelo contrrio,

uma exigncia menor quanto designao da palavra leva a uma

extenso maior da potencial denotao dela.

33 GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Ricardo V.; GUIBOURG, Ricardo A. Introduccin al conocimiento cientfico. 3. ed. Buenos Aires: Eudeba, 2000. p. 37. 34 GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Ricardo V.; GUIBOURG, Ricardo A. Introduccin al conocimiento cientfico. 3. ed. Buenos Aires: Eudeba, 2000. p. 46. 35 GHIGLIANI, Alejandro M.; GUARINONI, Ricardo V.; GUIBOURG, Ricardo A. Introduccin al conocimiento cientfico. 3. ed. Buenos Aires: Eudeba, 2000. p.42. 36 NINO, Carlos Santiago. Introduo anlise do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 297.

28

O exposto acima se refere s palavras de classe. Cumpre realizar uma breve

distino entre as palavras de classe e os nomes prprios. A distino entre

ambos reside em que as palavras de classe, alm de denotarem objetos,

conotam propriedades que tais objetos devem ter para que sejam denotadas

pela palavra correspondente; ao passo que os nomes prprios denotam sem

conotar: no h nenhuma propriedade comum com os outros Paulo da Silva

que o pai de um recm-nascido deva ter considerado para dar-lhe este nome.

2.5.3 Significao: o juzo formado pelo contato com o suporte fsico ou

conceito.

Pode-se definir o conceito como um esquema de natureza ideal no qual se

fixam as caractersticas bsicas de determinado objeto.37O conceito

representaria, ento, uma sntese dos caracteres comuns a uma pluralidade de

seres, obtida mediante o confronto comparativo, separando-se, nos seres, o

que genrico do que simplesmente individual.38

Desta forma, o sujeito cognoscente constitui as notas essenciais do conceito de

determinado objeto, idealmente. Essas notas correspondem aos aspectos,

caractersticas ou propriedades do dado. Dito de outra forma: o conceito o

conjunto de critrios lingusticos que o sujeito cognoscente possui em sua

mente e que so utilizados para diferenciar os dados que o circundam.

Adaptando o conceito terminologia aqui utilizada, ele corresponderia

significao. O conceito ser a significao de um signo.

A definio consiste na explicitao dos elementos do conceito. Desta forma,

definir uma palavra indicar o seu significado; deixar explcitas as regras de

uso da mesma39. Em outras palavras, definir expressar os critrios de uso

37 ADEODATO, Joo Maurcio. tica e retrica: para uma teoria da dogmtica jurdica. 4. ed. So Paulo: Saraiva, 2009.p. 109 38 VILANOVA, Lourival. O conceito de direito. In: _____. Escritos jurdicos e filosficos. So Paulo: IBET, 2003.v.2. p.9 39 CARRI, Genaro. Notas sobre derecho y lenguaje. 4.ed.Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1990. p 92

29

daquele signo (definio conotativa) ou explicitar uma srie de elementos que

so abarcados pelos critrios de uso do signo (definio denotativa).

Esta parte do trabalho serviu para que fosse traado o instrumental lingustico

que ser utilizado ao longo de seu desenvolvimento.

2.6 Composio do documento normativo: enunciao-enunciada e

enunciado-enunciado.

O direito positivo um corpo de linguagem formado por uma gama de

enunciados vertidos em sua funo prescritiva de ordenar condutas. O smbolo

enunciado significa o conjunto de fonemas ou de grafemas que, obedecendo

a regras gramaticais de determinado idioma, consubstancia a mensagem

expedida pelo sujeito emissor para ser recebida pelo destinatrio, no contexto

da comunicao.40

Tais enunciados so postos por sujeitos credenciados pelo sistema a cri-los.

Ao ato de criao desses enunciados d-se o nome de enunciao41. Assim,

todo o enunciado pressupe o ato de enunciao.

Retomando a premissa construda: o interesse, no presente trabalho,

circunscrever-se- ao conjunto dos produtos dos atos de enunciao realizados

pelos agentes competentes a injetar norma jurdica no sistema. Os textos que

so relevantes para o cientista do direito so os que foram introduzidos no

sistema por esses agentes competentes, segundo procedimento previsto pelo

prprio sistema. Ou seja, os textos relevantes para o cientista do direito

nascem das fontes do direito que, segundo, entendemos, so os atos de

produo de enunciados, ou enunciao.

40 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributrio: fundamentos jurdicos da incidncia. 8. ed.So Paulo: Saraiva, 2010.p. 42 41 FIORIN, Jos Luiz. As astcias da enunciao: as categorias de pessoa, espao e tempo. 2.ed. So Paulo: tica, 1999. p.31.

30

O suporte fsico dos enunciados prescritivos chamado de documento

normativo. O mencionado smbolo significa marcas de tinta no papel composto

por vrios enunciados prescritivos42.

Como todo e qualquer texto, possvel a classificao, dentro do mesmo

documento normativo, dos enunciados em: enunciao-enunciada e

enunciado-enunciado. A enunciao-enunciada aquela poro do enunciado

que se remete s instncias de pessoa (competncia), de espao, de tempo e

o procedimento da produo do texto normativo. Essas marcas deixadas no

texto, ou diticos, remetem instncia da enunciao. O enunciado-enunciado

a sequncia enunciada desprovida de qualquer marca de enunciao. No

enunciado-enunciado que transparecero as disposies normativas

propriamente ditas. Nesse caso, o smbolo enunciado-enunciado ser

definido pela negativa: todo enunciado que no remeter instncia de rgo

produtor do enunciado, espao em que foi produzido, data de produo e

procedimento, ser classificado como enunciado-enunciado.

Assim, o ponto de partida para o cientista atribuir o sentido dentico aos seus

juzos o documento normativo, documento, este, criado por atos de

enunciao.

Todo documento normativo nasce de uma fonte do direito (ou atos de

enunciao). O raciocnio simples: o documento que no nascer das fontes

do direito no um documento normativo, logo, insuscetvel de atribuir sentido

dentico.

O contexto que envolve o texto e o seu ato de produo no deixa,

diretamente, marcas no produto. impossvel o isolamento do contexto ao

momento da atribuio de sentido outorgado aos enunciados prescritivos

devido prpria ontologia do direito positivo que, como um conjunto de textos

postos, um bem cultural. Quando o contexto deixa marcas no texto, ele passa

a integrar o mesmo, logo, passa a ser considerado como texto.

42 MOUSSALLEM, Trek. Revogao em matria tributria. 2. Ed. So Paulo: Noeses, 2011.

p. 79.

31

2.7 Do texto norma: o sentido dentico e o encontro com o dever-ser

para se chegar definio do conceito de norma jurdica.

Os enunciados prescritivos so expresses irredutveis de manifestao do

dentico. O que significa que esses enunciados prescritivos para terem sentido,

logo, serem compreendidos pelo destinatrio como uma prescrio, devem

revestir um quantum de estrutura formal. A estrutura formal que representa o

mnimo dentico : D[F(SRS)], que possui o seguinte sentido: deve-ser

que, dado o fato F, ento se instaura a relao jurdica R, entre os sujeitos S e

S43. A estrutura lgica do juzo hipottico condicional obedece ao esquema

mencionado. A forma lgica que reveste a norma jurdica a forma da

implicao, qual seja: se..., ento... ou pq.

Dessa forma, o enunciado prescritivo a estrutura sinttico-gramatical, ao qual

o intrprete atribui sentido dentico, ao passo que a norma jurdica a

estrutura lgico-sinttica de significao. Isso nos leva concluso de que h

uma diferena ontolgica entre texto e norma, aquele est no plano da

objetividade, no plano emprico, ao passo que esta est no plano proposicional.

Ressalte-se: texto, na acepo aqui utilizada, equivale a direito positivo.

TREK MOUSSALLEM resume o caminho que percorrido pelo intrprete

para atribuir o sentido dentico aos enunciados prescritivos, ou seja, o percurso

gerador de sentido:

Para alcanar a estrutura lgico-sinttica de significao, o jurista

percorre, numa inesgotvel construo de sentido, estes trs

subsistemas do direito positivo: (a) S1 o subsistema das

formulaes literais, ou seja, o conjunto dos enunciados prescritivos

(produto das enunciaes); (b) S2 o subsistema de significaes

isoladas de enunciados prescritivos; (c) S3 o subsistema das

normas jurdicas, como unidades de sentido dentico, obtidas

43 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributrio: fundamentos jurdicos da incidncia. 8. ed. So Paulo: Saraiva, 2010. p. 40.

32

mediante o grupamento de significaes organizadas em um

arqutipo formal de implicao. 44

Paulo de Barros Carvalho acrescenta o nvel (ou plano) S4, que o plano onde

o intrprete organiza de maneira sistemtica as normas jurdicas construdas

no nvel S3. Segundo o referido autor:

[...] o nvel S4 de elaborao estrato mais elevado, que organiza as

normas numa estrutura escalonada, presentes laos de coordenao

e de subordinao entre as unidades construdas. [...] Enquanto em

S3, as significaes se agrupam no esquema de juzos implicacionais

(normas jurdicas), em S4 teremos o arranjo final que d status de

conjunto montado na ordem superior de sistema.45

Dessa maneira, o intrprete, ao ter como ponto de partida obrigatoriamente um

documento normativo, percorre os quatro nveis de interpretao. O processo

passa do mais concreto (S1) ao mais abstrato (S4). A norma jurdica (juzo

implicacional) incognoscvel a outro sujeito, pois se manifesta em plano

proposicional. O que implica dizer que, no obstante o mesmo ponto de

partida, possvel que normas diferentes sejam formadas, sentidos diferentes

sejam atribudos aos mesmo enunciados prescritivos.

A importncia do nvel S4 reside na relao de pertinncia entre a norma

jurdica e o sistema de direito positivo. Caso a norma (S3) construda no

pertena a (S4), no estaremos falando de uma norma jurdica.

O sentido atribudo ao texto revestido pela forma lgica implicacional, onde

um antecedente p implica () um consequente q, onde o consequente

efeito do antecedente. Mencionada frmula est abrangida pela causalidade

jurdica. Tal causalidade representada na frmula D[F(SRS)] pelo

functor-de-functor D, que modaliza, que abarca a implicao como um todo.

44 MOUSSALLEM, Trek. Revogao em matria tributria. 2. Ed. So Paulo: Noeses, 2011. p. 111. 45 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributrio: fundamentos jurdicos da incidncia. 8.ed.So Paulo: Saraiva, 2010. p. 119.

33

2.8 Entre enunciado e proposio: o objeto de estudos do cientista do

direito e como identific-lo.

Para saber quais so textos que integram S1, o intrprete analisa os diticos

marcados no documento normativo. Se os diticos conduzirem o intrprete a

um rgo credenciado pelo sistema a ejetar enunciados prescritivos no sistema

jurdico, esse enunciado prescritivo ser relevante e integra S1. Da exsurge a

importncia das fontes do direito. no estudo destas (dos atos de enunciao)

que se sabe quais os produtos relevantes para a construo da norma jurdica.

O sentido dentico atribudo sempre ser o sentido de um dever-ser. Mas o

dever-ser frequentemente comparece disfarado na forma apofntica, como se

o legislador estivesse descrevendo situaes da vida social ou eventos da

natureza. No obstante a forma apofntica, em plano proposicional sempre ir

se manifestar o dentico. Alcana-se o dever-ser em nvel proposicional, ou

seja, em nvel de juzo, com a norma jurdica j completa.

Independente da forma em que est vertido o enunciado que integra S1, ele

sempre ter a funo prescritiva. Assim, vrios enunciados vertidos em vrias

formas integram S1, mas sempre possuem a mesma funo: a funo

prescritiva.

Como exposto mais acima, o nvel S1, ou nvel das formulaes literais, o

objeto que aparece imediatamente aos sentidos do intrprete. A partir de uma

reconstruo e atribuio de sentido que o intrprete alcana o nvel

proposicional, ou nvel de juzo implicacional, para, a sim, formar a norma

jurdica. Ambos so objetos de estudo do cientista do direito. H a

impossibilidade de desconsiderar um nvel do percurso gerador de sentido.

Assim, os enunciados prescritivos ocupam a categoria de objetos imediatos,

pois so acessveis imediatamente aos rgos dos sentidos do cientista; ao

passo que a norma jurdica o objeto mediato, pois o cientista apenas a

alcana em nvel proposicional, ao partir da articulao de vrios enunciados

prescritivos.

34

Metaforicamente, como se o enunciado prescritivo fosse uma pea de um

quebra-cabea e a norma jurdica fosse o quebra-cabea montado, completo,

com a imagem fazendo sentido, com as peas encaixando uma na outra e o

desenho perfazendo o todo. Esse todo metafrico preenchido de acordo com

a estrutura implicacional da norma jurdica. Ocorre que possvel que, da

leitura de um nico enunciado prescritivo, construa-se uma norma jurdica. o

caso em que a significao isolada preenche as variveis p e q. Nesse caso,

h uma confuso entre os planos de S2 e S3. S que na grande maioria dos

casos a norma jurdica ser o resultado da integrao de uma srie de

significaes isoladas extradas de enunciados prescritivos.

Com esses elementos j possvel definir o conceito do smbolo norma

jurdica. Como exposto mais acima, a linguagem pode ser estudada pelos

planos pragmtico, sinttico e semntico. Dessa forma, para os fins do

trabalho, o conceito de norma jurdica definido ser: a significao dentica,

completa, articulada entre os textos de direito positivo (semntica), estruturada

na forma lgica do condicional (sinttica), resultado do uso prescritivo da

linguagem (pragmtica).

Sendo assim, o intrprete ao se deparar com o enunciado prescritivo (suporte

fsico), enxerga na conduta humana o significado desse suporte e cria a

significao isolada. Quando a significao dos enunciados (suportes fsicos)

for suficiente para preencher a estrutura implicacional da norma jurdica, o

significado desses suportes ser a descrio de uma conduta (conotao) ou a

conduta realizada como enunciado protocolar (denotao), ao passo que a

significao ser a norma jurdica. Trabalha-se, aqui, com as normas jurdicas

vlidas. Eis o objeto de estudo da Cincia do Direito recortado linguisticamente.

Como damos especial nfase ao carter lingustico constitutivo do direito (seja

objeto, seja cincia), ingressaremos, no prximo tpico, na questo da

estrutura lgica da norma jurdica.

35

3 Organizao do trabalho: a apresentao dos captulos.

No captulo primeiro analisou-se o problema do fato jurdico ilcito. Ou seja,

quando algo ilcito, no direito? Para tal fim estudou-se a relao entre fato

jurdico ilcito, do ponto conotativo e denotativo e sua relao com a sano

jurdica. Em seguida, distinguiu-se sano de invalidade. Esses foram os

dois principais problemas que permearam o captulo primeiro. um captulo

basicamente de esttica jurdica.

No captulo segundo foi estudado o sistema de direito positivo, adotando-se

uma perspectiva dinmica, ingressou-se em problemas centrais: validade,

fundamento de validade e hierarquia normativa. Esse captulo foi essencial,

pois vamos tratar do pice da pirmide kelseniana. Visou-se analisar como se

comportam os elementos que compem o sistema de direito positivo perante a

sua referncia de unidade.

No captulo terceiro todas as noes de nosso arcabouo terico foram

aplicadas s noes dogmticas do controle de constitucionalidade.

Entendemos, de acordo com nosso mtodo, ser insustentvel a tese da teoria

da nulidade, pois as normas so apenas anulveis. De posse desse

posicionamento fomos construindo nossas teses a respeito do controle de

constitucionalidade. Analisamos as diferenas entre as normas do controle

concentrado e do controle difuso. Ao final, foram avaliadas as tcnicas

utilizadas em sede de controle de constitucionalidade para a anlise de

(in)constitucionalidade das normas.

No captulo quarto as hipteses sugeridas foram testadas. Apenas a primeira

hiptese foi a vencedora. Assim, temos a tese principal: normas que perdem

seu fundamento de validade permanecem inalteradas, independentemente dos

efeitos atribudos pelo STF, sejam elas normas individuais e concretas ou

gerais e abstratas. No se presume a retirada de normas, a norma apenas

perde seu vnculo com o sistema de direito positivo de maneira expressa. Caso

no seja de maneira expressa, estar-se-ia admitindo a interpretao ab-

rogante, o que causaria grande confuso entre o plano do objeto e o plano da

Cincia.

36

CAPTULO I Por uma teoria da norma jurdica. Sua estrutura lgico-

sinttica e o problema do fato jurdico ilcito: h ilicitude sem denotao?

1- Teoria da Norma Jurdica

Onde houver linguagem h a possibilidade de formalizao. Com a norma

jurdica no diferente. Atravs de sucessivos processos de generalizao

alcana-se a formalizao, a estrutura sinttica da norma jurdica, onde se trata

apenas com categoremas e sincategoremas. Para no incorrer no vcio da

ambiguidade, de incio, ressalte-se que o suporte material da formalizao aqui

trabalhada o direito positivo, onde se trabalha com modais denticos, e no a

Cincia do Direito, onde se opera com a Lgica Apofntica.

O functor dever ser sincategorema diferencial das linguagens normativas,

sendo que uma das subclasses o direito positivo. Necessariamente, essa

categoria sinttica deve estar presente na estrutura da norma jurdica.

Faltando, desfaz-se a estrutura, como se desfaz a estrutura apofntica se for

suprimida a partcula . O dever-ser transparece no verbo ser acompanhado

de adjetivo participial: est obrigado, est facultado ou permitido, est

proibido. Transparece, mas no aparece com evidncia formal46.

Dessa forma, nesta parte do trabalho ser exposta a estrutura sinttica em que

o Direito objeto se manifesta. Neste ponto, corta-se o vnculo da estrutura com

o seu referencial emprico. Aps, retoma-se o vnculo com os objetos, uma vez

que as variveis lgicas so saturadas com seus referentes empricos.

A primeira classificao que pode ser realizada tomando por suporte as normas

jurdicas a clssica diviso entre normas primrias e normas secundrias.

Nas primrias h a previso de direitos e deveres; nas secundrias h a

previso da atividade sancionatria pelo Estado.

Ser tratada, no ponto seguinte, a estrutura lgica da norma primria.

46 VILANOVA, Lourival. As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo, 3. ed. So Paulo: Noeses, 2005. p. 91.

37

1.1 - A norma primria: sua estrutura.

1.1.1 A hiptese normativa: seus critrios ou sua conotao.

Como exposto no tpico anterior, a estrutura do primeiro membro da norma

jurdica : D(pq). Neste esquema, que um juzo implicacional, D o

functor (sincategorema que indica a operao dentica incidente sobre a

relao interproposicional). O functor D ganha relevncia no interior da

estrutura lgica. Nas palavras de VILANOVA:

Essa colocao do functor [functor D], abrangente da relao formal,

evita que se construa formalmente a proposio-hiptese, na frmula:

pD(q), isto , como sendo uma proposio-antecedente descritiva,

implicando a proposio-consequente de carter prescritivo. Pois aqui

a incidncia do functor sobre a relao de implicao, que inexistiria

sem tal functor.47

Assim, a incidncia do functor D sobre toda a relao implicacional (pq) faz

com que tal vnculo estabelecido ganhe status de prescritivo e no meramente

descritivo. Diremos: o dentico no reside na hiptese como tal, mas no vnculo

entre a hiptese e a tese. Deve-ser o vnculo implicacional. Em outro giro:

deve-ser a implicao entre hiptese e tese48. O mencionado conector funciona

como se fosse uma capa, abrangendo a estrutura da norma, e fazendo que,

com esse revestimento, apenas se opere a lgica dentica.

A norma primria consta de uma proposio-hiptese e uma proposio tese.

No esquema formalizado, a hiptese representada pelo signo p e a

consequncia pelo signo q. A relao implicacional representada por ,

ou se... ento....

A hiptese normativa, ou proposio-antecedente, descreve um evento de

possvel ocorrncia no mundo social. na hiptese que comportamentos ou

eventos so colhidos e revestidos pelo manto do dentico. Fora da hiptese

47 VILANOVA, Lourival. As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo, 3. ed. So Paulo: Noeses, 2005. p. 93. 48 VILANOVA, Lourival. As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo, 3. ed. So Paulo: Noeses, 2005. p. 92.

38

normativa tem-se o no-direito, ou aquilo que insuscetvel de incidncia

jurdica. Retoma-se, aqui, o referencial semntico das normas jurdicas: a

conduta humana normatizada (abarcada pela hiptese normativa), bem como

fatos naturais normatizados.

Se a hiptese normativa fizer a previso de fato impossvel de ocorrer, logo,

insuscetvel de incidncia, tem-se o sem sentido semntico. Assim, a hiptese

assenta-se sobre o modo ontolgico da possibilidade. Como assevera

VILANOVA:

Se o dever-ser do normativo no conta com o poder-ser da

realidade, se defrontar-se com o impossvel-de-ser ou com o que

necessrio-de-ser, o sistema normativo suprfluo [...] Descabe

querer impor uma causalidade normativa contrria causalidade

natural, ou contra a causalidade social.49

A hiptese normativa, reitere-se, descreve um comportamento. Mas esse

comportamento, para ser abarcado pela hiptese, deve estar de acordo com as

coordenadas temporais e espaciais. Dessa forma, possvel distinguir trs

critrios que integram a hiptese normativa, quais sejam: o critrio material, o

critrio espacial e o critrio temporal. Preenchidas essas variveis,

cumulativamente, o efeito necessrio o estabelecimento da relao jurdica.

Antes de mais nada, esses critrios so descries hipotticas que

correspondem a conjuntos de critrios de uso.

O critrio material descreve as notas que a conduta deve preencher, ou seja,

esse critrio descreve um comportamento especfico. Um comportamento

humano. Esse comportamento humano pode consistir em uma ao ou em

uma omisso. Essa ao triparte-se em trs modalidades: dar, fazer e no

fazer. O critrio material sempre vir composto por: (i) um verbo, que

representa a ao ou a omisso seguindo de (ii) um complemento predicativo,

que indicar as peculiaridades dessa ao ou omisso. Esse critrio pode ser

chamado de ncleo, pois o dado central que o legislador passa a condicionar

quando faz meno aos demais critrios. Dessa maneira, expresses como:

49 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relao no Direito. 4.ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.p.11.

39

ser proprietrio de veculo automotor, celebrar contrato, constituir vnculo

empregatcio, dar o aceite no ttulo de crdito etc., integram o critrio material

da hiptese normativa.

O critrio espacial delimita o local em que o comportamento deve ocorrer para

que este seja alado ao patamar de fato jurdico. Encerra os elementos que

nos permitiro reconhecer a circunstncia de lugar que limita, no espao, a

ocorrncia daquele evento. Podemos dizer que no critrio espacial h o

delineamento do espao de incidncia. Mas qual norma incide, depende de

onde ocorreu o fato jurdico e em quais circunstncias. Ocorre que, reforcemos,

o papel do critrio espacial o de desenhar os limites da incidncia normativa.

E o ltimo critrio que ocupa a hiptese normativa o critrio temporal. O

critrio temporal delimita o perodo em que o comportamento deve ocorrer para

que haja a incidncia normativa. Ou seja, o responsvel por delimitar o lapso

temporal em que aquele comportamento suscetvel de incidncia normativa.

um sem sentido semntico, por exemplo, um critrio temporal que prev que

o comportamento deve ocorrer entre o ano de 1900 e 1950 para que seja

suscetvel de incidncia normativa. Por esse critrio identificamos o momento

temporal da ocorrncia do evento. Muitas vezes, como acontece com o critrio

espacial, ele vem implcito no texto normativo. O importante reter que o

critrio temporal fixa o critrio que conota o instante em que o direito considera

aquele comportamento suscetvel incidncia jurdica.

Assim, a hiptese normativa composta por esses trs critrios mencionados.

Uma vez preenchidos, h a figura do fato jurdico. Mas, ressalte-se, eles

somente so preenchidos com a incidncia, que a atividade do sujeito

credenciado pelo direito. Esse sujeito constitui linguisticamente esse fato

jurdico.

A hiptese normativa, dentro da estrutura lgica da norma jurdica, vem

seguida pelo conector . O dever-ser tem a funo de relacionar o

antecedente com o consequente da norma jurdica, visa ligar o antecedente

com o consequente normativo. Eis mais um functor. Devido impossibilidade

de saturao, um sincategorema. Esse o operador dentico

interproposicional, ponente da implicao entre p e q, como exposto acima.

40

Esse operador, uma vez que nunca aparece modalizado, chamado de

operador neutro. Ou diz-se que um dever-ser neutro.

Esse dever-ser neutro implica uma relao jurdica, em sentido formal; quando

houver a saturao dos critrios da hiptese normativa, implica uma relao

jurdica em sentido estrito.

Neste ponto aberto um parntese para que a relao jurdica seja tratada

com maior sutileza, uma vez que, dentro das premissas trabalhadas e de um

dos marcos tericos LOURIVAL VILANOVA -, a relao jurdica um

conceito fundamental50.

A proposio-tese, ou consequente normativo primrio, o efeito de uma

causa (hiptese normativa). Esse efeito normativo consiste em uma relao

jurdica entre sujeitos de direito: SRS. E relao jurdica, num grau maior de

abstrao, relao, quer dizer, uma estrutura formal composta por um termo

antecedente (ou termo referente) e de outro termo consequente (ou termo

relato) e, ainda, de uma espcie de operador: o operador relacionante51. Mais a

frente, quando dissermos que a norma geral, significa que os sujeitos-de-

direito no esto individualizados, eis uma relao formal-jurdica; j quando

houver o fato jurdico (denotao), o seu efeito a instaurao de uma relao

jurdica concreta, com sujeitos-de-direito individualizados.

Como no trabalho est sendo operada a relao jurdica sob seu aspecto

sinttico, a lgica dos predicados polidicos integralmente se aplica ao seu

estudo. E mais, justifica-se essa rpida insero no campo dos Predicados

Polidicos pela importncia que a relao jurdica possui na estrutura

normativa aqui tratada.

50 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relao no direito. 4. Ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000 p.238. 51 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relao no direito. 4. Ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000 p.116-117.

41

1.2 - Brevssimas notas sobre a Lgica dos Predicados Polidicos:

instrumento da Lgica para lidar com a Relao entre os signos.52

A Lgica dos Predicados Polidicos opera com a formalizao da linguagem

natural na medida em que essa utilizada para relacionar termos. As oraes

Joo amigo de Paulo, Pedro ama Maria e Joaquim deve mil reais a Jos

no pressupem o predicado mondico53 (onde predicam-se adjetivos ou

caractersticas aos sujeitos), pois faltam-lhe o apofntico. Essas oraes,

exemplificadas possuem dois termos ligados por um functor relacional: ser

amigo de, amar a, dever a, etc. Onde houver o functor relacional ligando pelo

menos dois termos, h o campo de estudos da Lgica dos Predicados

Polidicos.

Segundo a Lgica dos Predicados Polidicos, as relaes estaro configuradas

segundo uma combinao estrita entre termos: um com um (uni-unvoca), um

com vrios (uni-plurvoca), vrios com um (pluriunvoca) ou vrios com vrios

(pluriplurvoca). No h uma quinta possibilidade de combinao. H, aqui, a lei

do quinto excludo. A relao jurdica obedece a essa lei de possibilidade

combinatria.

A relao pode (no sentido de possibilidade) ser reflexiva ou irreflexiva,

simtrica ou assimtrica, transitiva ou intransitiva, independentemente da

quantidade de termos, como relata ULRICH KLUG54.

Diz-se ser reflexiva a relao em que os termos antecedentes e consequentes

possuem uma relao de igualdade. Seria xRx. Nas irreflexivas, logo, os

termos so distintos.

52 Tpico inspirado no artigo: ALMEIDA, J. C.; MANSUR, Joo Paulo. O papel da lgica na teoria geral do Direito: Uma anlise da relao jurdica em Lourival Vilanova e Hans Kelsen a partir dos predicados polidicos. In: XX Congresso Nacional do CONPEDI., 2011, Vitria/ES. Anais do [Recurso eletrnico] / XX Congresso Nacional do CONPEDI. Florianpolis: Fundao Boiteux, 2011. p. 9913-9935., onde aproveitamos a concluso no que pertine relao jurdica em Lourival Vilanova. 53 No predicado mondico h o sujeito, o functor apofntico (o apofntico) e o predicado, uma classe. 54 KLUG, Ulrich. Lgica Jurdica. 4. ed.Santa F de Bogot: Editorial Temis S/A, 1988. p. 100-110.

42

Diz-se simtrica a relao quando o disposto em xRy equivale relao

conversa em yRx. No caso contrrio h a assimetria da relao.

Uma relao ser transitiva se numa classe K, para trs elementos quaisquer

x, y e z dessa classe, as condies xRy sempre implicam xRz.55 Em

outros termos, a transitividade pressupe, ao menos, mais um termo, em que

das relaes yRz e zRw conclui-se que yRw. Por exemplo: Das relaes

de descendncia, em que x antepassado de y e y antepassado de z, a

transitividade exsurge: x antepassado de z. O mesmo no ocorre quando x

me de y e y me de z, ocasio em que prevalece a intransitividade, pois

x no ser me de z.

A relao jurdica, vista sob a tica da Lgica dos Predicados Polidicos,

classificada como: irreflexiva, assimtrica e transitiva ou intransitiva. Explique-

se. irreflexiva porque um sujeito-de-direito no pode estar em relao

consigo mesmo; sempre est em relao jurdica com outro sujeito-de-direito.

Quando tal situao jurdica ocorre tem-se o instituto da confuso, que uma

das formas de extino de obrigaes jurdicas.

A assimetria outra caracterstica da relao jurdica. O sujeito-de-direito S

tem a obrigao de realizar certa conduta perante S, o que implica uma

relao conversa com outro functor, no o mesmo. Em termos formais: (SRS)

(SRS).

A transitividade ou intransitividade caracterstica predicvel a depender de

cada sistema de direito positivo, logo, questo contingente.

Fixe-se, ento, a relao jurdica, pela leitura lgica feita a partir da lgica dos

predicados polidicos, caracterizada como: irreflexiva, assimtrica e transitiva

ou intransitiva.

Como mostraremos mais a frente, quando a norma for geral, ou seja, destinada

comunidade como um todo, estaremos diante de uma relao jurdica formal;

e quando integrar o consequente de norma individual, estaremos diante de

55 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributrio: linguagem e mtodo. 4.ed. So Paulo: Noeses. 2011. p. 105.

43

relao jurdica em sentido estrito56. Isso significa que a individualizao dos

sujeitos-de-direito critrio fundamental para a classificao da relao

jurdica.

A relao jurdica, seja formal, seja em sentido estrito possui a estrutura SRS.

Em SRS, S uma pessoa qualquer e S uma pessoa qualquer desde que

no seja S. O signo R functor, ou varivel relacional; varivel porque se

triparte em um dos trs modais denticos possveis: proibido, permitido,

obrigatrio. O R, como dito, um functor e possui a funo de relacionar os

sujeitos da relao jurdica.

O R mais um functor, mas esse uma varivel relacionar, pois se triparte

em uma das trs modalidades denticas: obrigatrio (O), proibido (V) ou

permitido (P).

Assim, a conduta humana sempre ir se incluir em um dos trs modos

denticos.57Eis as trs possibilidades denticas do functor relacional, como

assevera VILANOVA:

A relao intersubjetiva entre sujeitos da ao ou omisso divide-

se exaustivamente nessas trs possibilidades. Uma lei ontolgica de

quarta possibilidade excluda diz: a conduta obrigatria, permitida

ou proibida, sem mais uma outra possibilidade. Assim, a varivel

relacional dentica R tem trs e somente trs valores, justamente as

constantes operativas obrigatrio, permitido e proibido, ou seja, R, R

e R.58

A opo por um dos modais possui referncia direta com a definio dos outros

modais relacionais, por isso diz-se que h a interdefinibilidade entre os

functores. Explique-se. Caso se opte pelo modal proibido (V), em referncia a

certa conduta do sujeito-de-direito (p), h a equivalncia de V(p) a O(-p) e

P(p), ou V(p) O(-p) -P(p). Assim, trs so os functores relacionais,

irredutveis, mas todos eles interdefinveis. Desta maneira, com o auxlio do

56 Tal classificao foi inspirada em: SANTI, Eurico. Lanamento tributrio. 3.ed. So Paulo: Saraiva,2010. p.61. 57 VILANOVA, Lourival. As estruturas lgicas e o sistema do direito positivo, 3. ed. So Paulo: Noeses, 2005. p. 77. 58 VILANOVA, Lourival. O universo das formas lgicas. In: _____. Escritos jurdicos e

filosficos. So Paulo: IBET, 2003. v.2. p. 30.

44

conectivo negador (-) h a interdefinio entre os functores, por exemplo: O(p)

-P(-p), o que significa: dizer que uma conduta p obrigatria equivale a

afirmar que no permitido omiti-la. A partir da predicao de uma conduta em

uma das trs modalidades denticas, possvel a deduo para se saber quais

so as suas consequentes, ou correlatas modalizaes. Elas se equivalem.

Formalmente, dado comportamento p tem as seguintes equivalncias59:

O(p) V(-p) -P(-p)

V(p) O(-p) -P(p)

P(p) -O(-p) -V(p)

P(-p) -O(p) -V(-p)

Explicando o esquema das equivalncias temos, por exemplo, que a norma

obrigatrio o pagamento de taxa equivale norma proibido no pagar taxa,

que equivale a no permitido no pagar a taxa. A norma proibido fumar

equivale a obrigatrio no fumar, que equivale a no permitido fumar. A

norma permitido entrar com cachorro equivale a no proibido entrar com

cachorro, que equivale a no proibido entrar com cachorro. Por final, a

norma permitido no invadir propriedade alheia, equivale a no

obrigatrio invadir propriedade alheia, que equivale a no proibido no

invadir propriedade alheia. Assim, essa modalizao dentica faz parte do ser

da relao jurdica, sendo que esses modais denticos so sempre

interdefinveis; um fechamento operacional.

Dessa maneira, o consequente da norma primria efeito jurdico da

factualizao da hiptese, relao jurdica, prescreve direitos e deveres aos

membros da relao jurdica, aqui, membros da comunidade em geral, os