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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO Marcelo Minghelli ESTADO E ORÇAMENTO: UMA CARTOGRAFIA JURÍDICO-POLÍTICA PARA A CONSOLIDAÇÃO DE UM ORÇAMENTO DEMOCRÁTICO Curitiba 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ FACULDADE DE DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Marcelo Minghelli

ESTADO E ORÇAMENTO: UMA CARTOGRAFIA JURÍDICO-POLÍTICA PARA A CONSOLIDAÇÃO DE UM

ORÇAMENTO DEMOCRÁTICO

Curitiba

2009

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Marcelo Minghelli

ESTADO E ORÇAMENTO: UMA CARTOGRAFIA JURÍDICO-POLÍTICA PARA A CONSOLIDAÇÃO DE UM

ORÇAMENTO DEMOCRÁTICO Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Federal do Paraná, sob a orientação do Prof. Doutor Manoel Eduardo Alves Camargo E. Gomes.

Curitiba

2009

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Dedico essa tese à Sandra, à Sofia e à Clara, pelas horas, dias e meses de ausência do seu convívio.

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Durante a minha vida encontrei muitos professores bons. Alguns deles me ensinaram teorias sobre o mundo e as coisas; outros apostaram na minha capacidade, mesmo diante das deficiências que eu apresentava; outros, ainda, foram meus conselheiros e amigos em momentos difíceis ou mesmo felizes. No entanto, só um conseguiu desempenhar todos esses papéis na minha vida e, consequentemente, a transformou. Obrigado, Professor Manoel Eduardo.

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RESUMO

O texto procura delinear uma cartografia do Estado e do orçamento público relacionando as categorias na sua dimensão jurídico-política com as práticas orçamentárias desenvolvidas pelo establishment político brasileiro, contextualizando a crise do Estado moderno e a crise do espaço público brasileiro no seu processo de modernização seletiva, bem como suas consequências para a cidadania. Aborda também as experiências denominadas de Orçamento Participativo e suas contribuições para a reformulação do processo orçamentário brasileiro, sugerindo, ao final, a construção, do que neste trabalho será denominado de Orçamento Democrático, o qual parte das referidas experiências, para ampliar a dimensão redistributiva, a dimensão da participação popular, constituindo um espaço público autônomo e comunicativo. Além disso, apresenta propostas de estruturação e consolidação da nova matriz orçamentária, através de um processo que envolve política legislativa, mudança da cultura jurídica dominante e das práticas burocráticas relacionadas ao orçamento público. Palavras-chave: Estado. Orçamento público. Orçamento Participativo. Cidadania. Espaço público.

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ABSTRACT

The text establishes a cartography of the State and public budget by relating categories in its juridical-political dimension with budgetary practices developed by the Brazilian political establishment, contextualizing the crisis of the modern State and the crisis of the Brazilian public area in its process of selective modernization, as well as the consequences for citizenship. It also deals with the experiences denominated as Participative Budget and its contributions in reformulating the Brazilian budgetary process, suggesting, finally, the construction of Democratic Budget, which begins in the referred experiences, to enlarge the redistributing dimension, the one of popular participation and constitutes an autonomous and communicative public area. Furthermore, it suggests proposals for both the structuration and consolidation of a new budgetary matrix, through a process which involves legislative politics, change in dominant juridical culture and bureaucratic practices related to public budget. Key words: State. Public budget. Participative Budget. Citizenship. Public area.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Quadro ilustrativo da perspectiva habermasiana .................................................59 Quadro 2 – Demonstrativo das experiências de Orçamento Participativo no Brasil............116 Quadro 3 – Número percentual de experiências de OP, por tamanho de população, no Brasil 1997 -2004 .........................................................................................116 Quadro 4 – Critérios distributivos adotados .........................................................................118 Quadro 5 – Comparação dos mediadores políticos antes e depois o OP..............................118 Quadro 6 – Instâncias decisórias do Orçamento Participativo.............................................119 Quadro 7 – Estrutura funcional do Orçamento Participativo de Porto Alegre.....................120 Quadro 8 – Atribuições, composição e organização básica de cada um ..............................121 Quadro 9 – Divisão da cidade em assembleias regionais e temáticas ..................................124 Quadro 10 – Sistemática de eleição dos conselheiros do Orçamento Participativo segundo a regra da proporcionalidade .............................................................................127 Quadro 11 – Estrutura do COP (Conselho do Orçamento Participativo)...............................128 Quadro 12 – Organograma do ciclo anual do Orçamento Participativo.................................130 Quadro 13 – Critérios, pesos e notas para a distribuição dos investimentos no orçamento..131 Quadro 14 – Distribuição percentual da renda familiar em 1998 entre os participantes da diferentes estruturas do OP e em Porto Alegre .................................................134

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................................9

1 O ESTADO MODERNO E A CONSTRUÇÃO JURÍDICO-POLÍTICA DA

MODERNIDADE.........................................................................................................13

1.1 Estado, cidadania e orçamento: uma relação necessária ..............................................13

1.2 Estado Liberal...............................................................................................................19

1.2.1 O papel político e epistemológico do normativismo liberal.........................................24

1.2.2 A cidadania na concepção liberal .................................................................................34

1.2.3 Modelo liberal de espaço público.................................................................................40

1.2.4 O orçamento no Estado Liberal ....................................................................................44

1.3 Cidadania, espaço público e orçamento no Estado de Bem-Estar................................49

1.3.1 O Estado de Bem-Estar Social .....................................................................................49

1.3.2 Cidadania, Estado de Bem-Estar Social e Social Democracia .....................................52

1.3.3 O espaço público no Welfare State: a manutenção da matriz liberal ...........................56

1.3.4 O orçamento no Estado de Bem-Estar Social...............................................................62

1.3.5 A crise do Estado de Bem-Estar: o fim da soberania orçamentária .............................64

2 CONTEXTO BRASILEIRO ........................................................................................71

2.1 Crise do Estado: peculiaridades do espaço público brasileiro e seu processo de

modernização seletiva...................................................................................................71

2.1.1 A burocracia brasileira: o esquecimento de Max Weber..............................................74

2.1.2 A cidadania brasileira: a cidadania do self interest e seus elementos pré-modernos ...82

2.2 O orçamento público brasileiro: uma leitura crítica .....................................................87

2.2.1 Marcos normativos e práticas orçamentárias................................................................87

2.2.2 A natureza jurídica do orçamento público e a dogmática jurídica tradicional .............96

2.3 Caminhos para uma reforma.......................................................................................104

2.3.1 Uma nova orientação axiológica: vida, razão libertadora e democracia ....................104

2.3.2 Orçamento público: um local estratégico para reformar ............................................113

3 A criação do Orçamento Democrático: uma mudança principiológica para

a dogmática jurídica....................................................................................................117

3.1 O Orçamento Participativo: as principais experiências nacionais..................................117

3.1.1 A experiência de Porto Alegre: um marco “normativo” para as experiências de

Orçamento Participativo .............................................................................................119

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3.1.2 A experiência de Belo Horizonte: a dimensão digital do Orçamento Participativo...136

3.2 Orçamento Participativo: o debate acerca da legalização do Orçamento

Participativo e sua recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro ............................138

3.2.1 A legalização do Orçamento Participativo: um debate ultrapassado .........................138

3.2.2 A recepção do Orçamento Participativo pelo ordenamento jurídico e pela

Constituição de 1988 ..................................................................................................140

3.3 O Orçamento Participativo como base empírica para o Orçamento Democrático.....146

3.3.1 O processo de substituição da Lei 4 320/64 ...............................................................146

3.3.2 O princípio redistributivo ...........................................................................................154

3.3.3 Princípio da autorregulação e da simplicidade comunicativa ....................................157

3.3.4 Princípio da ampla participação e da participação digital ..........................................159

3.3.5 O Orçamento Democrático e sua consolidação..........................................................160

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................164

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................167

ANEXOS................................................................................................................................175

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INTRODUÇÃO

O fato de este trabalho se desenvolver numa universidade pública, comprometida

historicamente com a função de apresentar respostas para os problemas brasileiros, norteou

ética e politicamente a escolha da linguagem, dos pressupostos e dos objetivos a serem

alcançados. Numa escolha, perigosa, mas necessária, foram abandonados os métodos

tradicionais da dogmática jurídica como forma de alcançar uma visão da exterioridade

institucional e técnica que circunda o tema e, por vezes, ofusca novos caminhos.

O orçamento público precisa ser rediscutido como instrumento jurídico-político

constituído historicamente com base na formatação do Estado, numa determinada concepção

de cidadania e da atuação dos sujeitos políticos no espaço público. Analisar a temática

orçamentária sem estabelecer esse contexto e sem analisar as consequências que essas

estruturas políticas e jurídicas trazem à concepção de orçamento seria uma escolha

metodológica egoísta., visto que ele se esconderia às sobras das categorias técnicas e jurídicas

já elaboradas, mas dificilmente apresentaria respostas inovadoras para o complexo contexto

nacional.

Usando como fio condutor a realidade local e estabelecendo como critério valorativo o

princípio da vida, mais do que os tradicionais argumentos e mecanismos argumentativos da

dogmática jurídica, tentamos demonstrar a inadequação política e jurídica do atual

procedimento orçamentário brasileiro. Inadequação jurídica pelo fato de o orçamento público

brasileiro ser um instrumento de ação governamental que ainda não se adaptou à nova matriz

constitucional do Estado Democrático de Direito, estabelecido pela Constituição Federal de

1988. Embora tenha sofrido atualizações, como com a Lei de Responsabilidade Fiscal, a sua

base normativa ainda se encontra substancialmente estruturada na Lei 4.320/64, uma vez que

a lei complementar prevista pelo texto constitucional ainda se encontra no Congresso

Nacional.

O processo legislativo que tem por objetivo substituir a legislação da década de 1960

encontra-se estabelecido desde 1996, com a apresentação de um número significativo de

projetos, que, no entanto, não conseguem adequar o processo orçamentário à nova ordem

constitucional. Sobretudo na dimensão democrática, observamos a omissão da maioria dos

projetos e, mesmo nos que destacam essa dimensão, sua insuficiência diante dos desafios

contemporâneos. É desse aspecto que decorre a sua inadequação política, pois tanto o atual

modelo orçamentário como o modelo sugerido nos projetos de lei não enfrentam

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satisfatoriamente os problemas da desigualdade social e da falta de mecanismos democráticos

de participação e de controle do orçamento público, limitando-se a avanços técnicos,

significativos, mas ineficientes diante da complexidade dos problemas referidos.

O orçamento público não é uma categoria abstrata, mas, sim, uma categoria jurídico-

política, que remete diretamente ao processo de apropriação e distribuição de recursos

efetivado pelo Estado. Sua não adaptação aos marcos normativos constitucionais e à realidade

de crise contemporânea cria distorções, não só na ação governamental, mas na própria

redistribuição de riquezas ou, mesmo, de meios de subsistência da sociedade brasileira. Essa

adaptação, no entanto, não é fácil, pois o próprio Estado está em crise, uma crise de

legitimidade por se estabelecer numa estrutura fechada, uma estrutura racional-legal

burocratizada, sobre a qual predomina a racionalidade sistêmica. A herança da matriz liberal

de espaço público e participação política, combinada com a burocratização do Estado Social,

tem levado a que a sociedade civil fique desprovida de espaços públicos ou de instrumentos

capazes de permear a lógica do Estado, gerando o enfraquecimento da cidadania e a perda de

legitimidade do Estado.

No caso brasileiro, a situação torna-se ainda mais difícil diante das peculiaridades do

espaço público, do Estado e da cidadania, que sofrem um processo de modernização seletiva,

estabelecendo esferas modernas e pré-modernas de práticas institucionais e sociais. Assim, no

Brasil não se pode falar apenas de uma atualização normativa para orçamento, mas, sim, da

adaptação de um instrumento para superação de problemas como a desigualdade social, a

corrupção e as práticas orçamentárias do establishment político brasileiro. Por consequência,

qualquer processo de reformulação do orçamento brasileiro deve levar em conta esses

aspectos, os quais não estão sendo observados por grande parte da doutrina jurídica, ou

mesmo pelo processo de reforma legislativa.

Esta tese também tem a pretensão de apresentar respostas, partindo dos mesmos

pressupostos que privilegiam a realidade local e a dimensão política e social do contexto

brasileiro.Para essa tarefa, optamos pela análise da experiência denominada de Orçamento

Participativo, tentando demonstrar a possibilidade de institucionalização de um procedimento

orçamentário mais adequado para enfrentar os problemas da desigualdade social e do

desvirtuamento dos recursos públicos. Essa possibilidade de institucionalização passa pela

demonstração da adequação política, mas também pela necessária análise acerca da

adequação do Orçamento Participativo ao texto constitucional, momento a partir do qual se

podem apresentar propostas para um novo desenho institucional para o orçamento público.

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A pesquisa encontra sua justificativa, portanto, na necessidade de reformular o

processo orçamentário brasileiro, adaptando-o não só aos novos marcos normativos do Estado

Democrático de Direito, mas também ao contexto de crise de legitimidade do Estado e às

peculiaridades do espaço público do Brasil. Como base para esse processo de reformulação,

optamos pelas experiências denominadas ou identificadas com o Orçamento Participativo,

justamente por serem experiências que enfocam a dimensão democrática na gestão

orçamentária e por apresentarem resultados empiricamente comprovados no enfrentamento

das desigualdades sociais e na superação das práticas clientelistas enraizadas historicamente

na experiência orçamentária brasileira.

Para o desenvolvimento dessa tarefa apresentamos no primeiro capítulo uma

cartografia jurídico-política do orçamento público, caracterizando-o como uma categoria

interdependente de uma concepção de Estado, de espaço público e de cidadania, ou seja, o

tema orçamento não envolve apenas uma lei nem se restringe ao campo normativo. Qualquer

proposta de alteração da lei orçamentária deve partir do contexto desenhado pela interação

com as categorias acima referidas, sob pena de se tornar ineficaz na dimensão social e

política.

Realizado esse mapeamento da interface do orçamento com outras categorias, o

segundo capítulo se desenvolve com dois objetivos: primeiro, analisar as peculiaridades do

Estado brasileiro, da institucionalização do espaço público e das características da cidadania

nacional; segundo, apontar uma matriz teórica para o desenvolvimento das propostas a serem

estruturadas, bem como justificar a escolha do orçamento público como local estratégico para

a operacionalização de reformas.

O terceiro capítulo traz a análise da experiência denominada de Orçamento

Participativo, que servirá de suporte à formulação de uma proposta de processo orçamentário

adaptado à dimensão democrática esculpida na Carta de 1988. Também apontamos a

possibilidade de utilização de uma experiência eficiente na redistribuição de recursos, na

ampliação da participação e na superação de práticas clientelistas para a construção de um

Orçamento Democrático, um procedimento orçamentário que signifique ganho na dimensão

democrática e na dimensão da igualdade social, problemas caros ao contexto social brasileiro.

Delimitado o objeto e traçado o caminho a ser percorrido, torna-se necessário indicar a

metodologia utilizada. O método de pesquisa adotado foi o indutivo, que se caracteriza pela

análise de um objeto específico para gerar conclusões gerais ou universais. Os argumentos

utilizados neste método levam a resultados plausíveis, mas sem o rigor que a lógica denomina

de “conclusões necessárias”. Em suma, o método fundamenta-se na generalização de

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propriedades comuns em determinado número de casos possíveis de serem observados em

todas as ocorrências de fatos similares a serem verificadas no futuro.

Assim, esse método se apresenta como o mais adequado para atingirmos o objetivo do

presente trabalho, qual seja, o de retirar da experiência do Orçamento Participativo um

desenho normativo-principiológico para a construção de um processo orçamentário mais

identificado com a Constituição Federal de 1988 e mais eficaz para a resolução de problemas

brasileiros. Essa análise tem a pretensão de servir de subsídio ao processo legislativo de

alteração da Lei 4.320/64, principalmente numa dimensão democrática, ou seja, na efetivação

da participação popular no processo orçamentário. Aqui, é importante frisar que essa análise

não tem a pretensão de esgotar o tema que uma reforma do orçamento público traz à tona,

mas apenas de contribuir numa dimensão específica, mas de fundamental importância, que é a

dimensão democrática. A técnica de pesquisa a que recorremos foi a bibliográfica.

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1 O ESTADO MODERNO E A CONSTRUÇÃO JURÍDICO-POLÍTICA DA

MODERNIDADE

1.1 Estado, cidadania e orçamento: uma relação necessária

O orçamento público não é analisado neste estudo como uma abstração jurídica

descontextualizada, mas como uma estrutura política e jurídica do Estado que cumpre uma

importante função numa organização social, qual seja, a de arrecadar e redistribuir a produção

coletiva de riquezas de uma sociedade. Esse enfoque situa o orçamento numa perspectiva de

Estado e numa concepção de democracia e de relações sociais estabelecidas a partir da

Modernidade.

Portanto, é preciso estabelecer uma contextualização das categorias orçamento

público, cidadania e Estado Moderno numa perspectiva que ultrapasse uma análise

meramente dogmática. Nesse sentido, ultrapassar os limites da dogmática jurídica atual é

necessário para o apontamento de soluções, bem como para a produção de uma argumentação

estruturada com base na interdisciplinaridade.

Ao analisar a trajetória desse processo de arrecadação da produção coletiva de

riquezas, Capella (2002, p. 41) aponta que o surgimento do poder político e do direito está

ligado a organizações sociais complexas, que desenvolveram modos de produção avançados e

exigiram a separação das comunidades de acordo com as funções produtivas desempenhadas1.

São as chamadas “sociedades tributárias”, que tributam o trabalho adicional realizado pela

comunidade subalterna para sustentar a realização de obras públicas, e a “comunidade

eminente”, cujo tempo de ócio era dedicado à regularização do trabalho social.

Essas formações sociais tributárias geram um conflito perene acerca da atribuição do

trabalho e da distribuição dos recursos, o qual exige um instrumento de controle complexo,

capaz de manter intacto o modo de produção, neutralizando as pretensões individuais e

coletivas da classe subalterna. Afirma Capella:

1 “A comunidade eminente e as comunidades subalternas compõem então uma só sociedade unificada pelo

processo produtivo, que é condição de reprodução de todos. As formações sociais deste tipo foram denominadas despotismos hidráulicos ou sociedades tributárias, segundo diversos autores. Nas sociedades tributárias se aprecia uma troca notável a respeito das comunidades primitivas, em relação aos meios de produção. Estes são de dois tipos distintos: de natureza predominantemente material – a terra, os apeiros e animais de lavoura –, que podem ficar a cargo das comunidades subalternas, e a de natureza predominantemente intelectual: os distintos saberes antes mencionados, detidos exclusivamente pelas comunidades eminentes.” (CAPELLA, 2002, p. 41).

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O conflito social intrínseco ao modo de produção tributário criou nas sociedades que respondiam a este modelo uma ameaça de dissolução permanente. A organização da produção gerava forças centrífugas que a comunidade eminente precisava neutralizar com outras. A moralidade positiva é insuficiente para fazer frente a um conflito social estrutural: pois deixa de ser uma só, cinde-se. Cada grupo social tem sua própria moralidade positiva. A força neutralizadora, para conter ou limitar o conflito interno da sociedade, foi o poder político (supremamente detido pela instituição chamada estado, com alguma reserva terminológica que se detalhará mais adiante). Esta tem, entre outros, o instrumento jurídico: o direito. A violência militar fundadora destes tipos de sociedades se metamorfoseia em instituições de coerção que asseguram a reprodução da sociedade tal como está organizada. (2002, p. 43).

O raciocínio de Capella (2002, p. 44) permite-nos a compreensão de um sistema de

produção e organização social incapaz de se reproduzir pelo mero desdobramento da lógica

econômica, fazendo necessária a estruturação de um instrumento institucionalizado, cujas

funções principais eram garantir a divisão do trabalho, implementar a realização de tarefas de

interesse comum e difundir a aceitação da ordem político-social, obtendo consensos sociais

que neutralizassem conflitos2. Depreendemos dessa leitura, com a ressalva de que essas

estruturas e funções, bem como a sociedade, iriam sofrer drásticas transformações, o embrião

de uma estrutura moderna de Estado construída historicamente e moldada de acordo com o

modo de produção de uma sociedade. (CAPELLA, 2002, p. 47).

Outro aspecto importante é a função de apropriação da produção de riquezas por essa

estrutura institucionalizada e não produtiva que mais tarde se transformaria no Estado

Moderno. Essa dimensão de apropriação – mais tarde também de distribuição de riquezas –

por um aparato institucionalizado geraria diversas tensões políticas à medida que o

capitalismo se desenvolveu e a burguesia se consolidou como classe hegemônica3.

A categoria orçamento público surgiu e se desenvolveu como subproduto dessas

tensões, com suas dimensões jurídicas moldadas e adaptadas às condições políticas, sociais e

econômicas, passando a representar uma cartografia da forma como segmento hegemônico

através do Estado produz e redistribui as riquezas. Na sua fase embrionária, o orçamento

começou a ser desenhado pela tensão política gerada pela ascensão da burguesia e pela sua

2 A concepção de Capella parte de uma leitura marxista do processo de formação do Estado Moderno, que

também é compartilhada por Habermas e Offe. Essa leitura permite uma contextualização das categorias jurídicas abordadas, pois desvela suas finalidades dentro de um contexto real da vida social, não apenas de um aspecto jurídico formal.

3 É importante, principalmente para o contexto brasileiro, lembrar com Przeworsky (1995, p. 53) que a burguesia nem sempre esteve ligada aos aparatos do Estado Moderno e que a leitura marxista do Estado como instrumento de controle da classe capitalista deve ser adaptada a uma realidade de autonomia da estrutura estatal. Assim, seu posicionamento abre a perspectiva de que a burocracia do Estado, em alguns casos, ganha autonomia perante as instituições políticas e econômicas do capitalismo.

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necessidade de controlar o poder de arrecadação do Estado4. A burguesia consolidou um

aparato institucional limitado a uma série de proteções jurídicas, cujo objetivo era garantir as

liberdades individuais e limitar o poder dos governantes5. Esses direitos de liberdade

fundaram a cidadania liberal e garantiram uma linha de proteção, separando o privado do

público, estabelecendo uma série de novas relações na sociedade e no mercado.

A cidadania liberal exigia essa limitação ao poder do Estado e à sua função

arrecadadora e estabelecia uma série de procedimentos institucionalizados, criando espécie de

“participação negativa” do cidadão nas finanças públicas, ou seja, uma limitação da

arrecadação controlada pelos seus representantes eleitos. Na nova estrutura desse Estado

moderno liberal as finanças públicas e a forma como o aparato de poder arrecada e gasta

riquezas tornam-se públicas, limitadas e passíveis de valoração. O orçamento público deveria

interagir com a cidadania liberal e suas pretensões políticas, que exigiam uma arrecadação

limitada, e ao mesmo tempo criaria um espaço público para a valoração ou qualificação dessa

atividade.

O orçamento público, fruto das tensões políticas contextualizadas no surgimento do

Estado liberal, sofreria drásticas transformações com a criação e a crise do Estado de Bem-

Estar Social6, por representar o aparecimento de novas tensões. Sua forma de arrecadação foi

fortemente potencializada para gerar um grau de legitimação pela redistribuição de riquezas

na forma de serviços públicos. O rol de direitos a serem atendidos e preservados pelo Estado

aumentou, visto que os direitos sociais passam a compor o núcleo de cidadania a ser efetivado

pelos órgãos estatais. Agora, a barreira entre público e privado é enfraquecida pela nova

noção de cidadania e de estrutura estatal, gerando uma tensão entre o Estado e o mercado.

Mais do que controle, o orçamento público, no contexto do Estado de Bem-Estar, passa a

representar planejamento e intervenção em setores da sociedade e da economia; sua função e

estruturação modificam-se para se adaptar às novas tensões sociais e econômicas.

No entanto, desde a década de 1970 o Estado de Bem-Estar enfrenta uma crise fiscal e

de legitimação, e a sociedade passa a presenciar a ascensão de políticas neoliberais e do

processo globalização financeira. O Estado, então, perde sua autonomia perante os

4 Torres (2008, p. 4) aponta para as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII como marcos históricos do

orçamento, já que nesse período fica clara a distinção entre público e privado. No entanto, na perspectiva do controle da arrecadação e da criação de uma esfera mínima de proteção, é importante lembrar do direito ao orçamento positivado na Magna Carta Inglesa de 1215. (ROSA JÚNIOR, 2007, p. 71).

5 Como afirma Przeworesky, a burguesia nem sempre optou ou nem sempre conseguiu exercer o poder diretamente. Na Inglaterra, por exemplo, estabeleceu uma aliança com a aristocracia, que permitiu o desenvolvimento de um Estado Liberal.

6 Permitem-se alguns recortes nesta parte do texto, porque a evolução ou passagem do Estado Liberal para o Estado de Bem-Estar e suas estruturas será abordada no decorrer do trabalho.

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organismos internacionais e o capital financeiro, ao mesmo tempo em que perde legitimidade

pela impossibilidade de gerar o rol de direitos exigidos por uma concepção mais ampla de

cidadania. No caso brasileiro, como ilustração, constatamos a tensão entre o cumprimento de

direitos sociais positivados na Carta de 1988, que exigem uma quantidade significativa de

recursos, e a necessidade de um superávit primário elevado para garantir a desenvoltura do

Estado brasileiro diante do mercado financeiro internacional. (COSTA, 2006, p. 96). O

Estado e o orçamento público, como seu instrumento de intervenção e planejamento, entram

em crise e suas dimensões são rediscutidas pela ideologia neoliberal, bem como pela social

democracia.

De fato, tais perspectivas não foram capazes de redimensionar o orçamento público

para o atendimento das novas tensões sociais e econômicas. O neoliberalismo sofre uma crise

nos seus fundamentos diante do colapso do sistema financeiro e da adoção de posturas

intervencionistas pelas principais economias do planeta. Por sua vez, o posicionamento social-

democrata não foi capaz de apresentar um modelo orçamentário mais eficiente depois da crise

da década de 1970 e de afastá-lo do controle de uma burocracia que maximiza os custos do

Estado.

Torres (2008), Sarlet e Figueiredo (2008, p. 29)7 contextualizam essa tensão sobre

efetivação dos direitos sociais segundo a teoria da “reserva do possível”, argumentando que a

função jurisdicional do Estado deveria garantir a efetividade desses direitos em virtude de sua

positivação no texto constitucional. No entanto, não deixam de apresentar os argumentos que

flexibilizam ou condicionam o cumprimento desses direitos sociais em razão da situação

financeira do Estado. Assim, segundo essas concepções, os direitos sociais dependeriam de

uma previsão orçamentária ou, no mínimo, de uma disponibilidade financeira planejada e

estabelecida pelo Estado. O Judiciário não poderia interferir excessivamente para não ferir a

autonomia entre os poderes, além do risco de atuar em demandas específicas sem dados e sem

planejamento adequado para gerir recursos públicos.

7 A concepção da “teoria da reserva do possível” surge justamente na década da crise do Estado de Bem-Estar

Social e de fortalecimento das teorias neoliberais. Sobre a concepção: “A construção teórica da reserva do possível tem, ao que se sabe, sua origem na Alemanha, especialmente a partir do início dos anos de 1970. De acordo com a noção de reserva do possível, a efetividade dos direitos sociais a prestações materiais estaria sob a reserva das capacidades financeiras do Estado, uma vez que seriam direitos fundamentais dependentes de prestações financeiras pelos cofres públicos. A a partir disso, a reserva do possível (Der Vorbehalt dês Möglichen) passou a traduzir (tanto para a doutrina majoritária , quanto para a jurisprudência constitucional na Alemanha) a idéia de que os direitos sociais a prestações materiais dependem da real disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado, disponibilidade esta que estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e parlamentares, sintetizadas no orçamento público”. (SARLET; FIGUEIREDO, 2008, p. 29).

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Mesmo uma atuação jurisdicional forte para a implementação de direitos sociais, como

o da saúde, que garantiria as pretensões individuais ou mesmo transindividuais específicas,

não afastaria ou resolveria o elemento financeiro. Esse posicionamento é importante, mas

soluciona apenas uma dimensão do problema, sem chegar a sua origem, qual seja, a forma

como o establishment político-jurídico brasileiro opera o orçamento público, ou seja, a

arrecadação e redistribuição da riqueza coletiva da sociedade. Nesse ponto o establishment

político brasileiro8 apresenta-se como um grande usurpador do orçamento público e negocia o

seu poder de decisão estratégico com o mercado e com a sociedade em benefício próprio.

Na análise de Przeworsky (1995, p. 73) observa-se um elemento interessante e

adicional ao qual o autor denomina de “resíduo fiscal”, ou seja, a diferença entre os benefícios

e os custos das atividades estatais. Esse resíduo, em algumas formas de Estado, mais

especificamente naqueles que se tornam autônomos com relação à sociedade e ao mercado,

podem ser apropriados pela burocracia. Essa burocracia age como uma espécie de aristocracia

estatal em busca de certos privilégios, como salários, gratificações, poder, patronagem e

regulação, adotando, para isso, a efetivação de serviços e bens públicos como moeda de troca

para sua manutenção. Seria uma burocracia maximizadora de orçamentos, que produz um

grau ineficiente de atividades públicas e a maximização fiscal9.

O papel desempenhado pela burocracia autônoma cria mais um elemento de

desequilíbrio, porque desvia uma quantidade significativa de recursos, obrigando o Estado a

maximizar sua arrecadação, ao mesmo tempo em que não consegue otimizar os serviços e

bens públicos. Em Estados que apresentam esse elemento adicional, o fortalecimento da

esfera estatal sem a criação de mecanismos de constrangimento institucionais sólidos

agravaria a tensão e geraria uma crise de legitimidade ainda maior.

Na verdade, a natureza tributária do Estado Contemporâneo atribui ao orçamento

público grande importância, por ser o instrumento que orienta todas as políticas públicas

desenvolvidas pelo Estado. Desde o fim do século passado, quando ganhou os contornos de

plano de ação governamental, o orçamento público vem se caracterizando como o principal

instrumento formal de importância administrativa, econômica e contábil das instituições do

Estado. É, sem dúvida, uma decisão política fundamental para a administração estatal,

8 O papel do establishment político brasileiro seria semelhante ao da burocracia autônoma descrita por

Przeworsky. Esta categoria inclui agentes eleitos e não eleitos que operam as estruturas estatais numa ação patrimonialista, que será mais bem explicada no decorrer desse trabalho.

9 A descrição elaborada por Przeworsky parece identificar o aparato estatal do Brasil durante o regime militar. No estado do Rio Grande do Sul são conhecidas as pensões vitalícias de ex-funcionários públicos que excedem a razoabilidade dos vencimentos do restante do funcionalismo. Em alguns casos, estão protegidas sob o argumento do direito adquirido e representam um pesado ônus no orçamento.

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sintetizando grande parte da normatização da cidadania, além de expressar como se efetiva

grande parcela da produção da riqueza pública, da forma como é apropriado e redistribuído.

(FEDOZZI, 2000, p. 106). No entanto, os modelos atuais de orçamento não estão adaptados

aos novos desafios contemporâneos e precisam ser revistos na sua dimensão política e

jurídica, para que se transformem num instrumento para a superação da crise de legitimidade

e da crise financeira.

O orçamento público precisa ser rediscutido como instrumento jurídico-político

constituído historicamente com base na formatação do Estado, numa determinada concepção

de cidadania e da atuação dos sujeitos políticos no espaço público. Analisar a temática

orçamentária sem estabelecer esse contexto e sem analisar as consequências que essas

estruturas políticas e jurídicas trazem à concepção de orçamento seria a escolha metodológica

“das sombras”, descrita no “mito da caverna” de Platão. (1996, p. 317). Além disso, aponta-se

para a necessidade de democratização do orçamento público, temática estranha à dogmática

jurídica, mas necessária diante dos novos desafios. Sarlet e Figueiredo (2008, p. 31) afirmam

que há a necessidade de democratização do orçamento público, no que são acompanhados por

Przeworsky (1995, p. 36) ao expor que a arrecadação de recursos, dos gastos desses em

serviços públicos e a forma política institucionalizada de deliberação do Estado sobre gastos e

arrecadações estão na pauta das tensões políticas, jurídicas e econômicas da sociedade

contemporânea.

A socialização dos recursos produtivos torna ainda mais urgente a tarefa de agregar as preferências e de supervisionar o aparato estatal. Uma democracia madura exige instituições eleitorais que sejam representativas, instituições estatais responsivas à democracia e mecanismos de alocação de recursos que obedeçam ao processo democrático. (PRZEWORSKY, 1995, p. 134).

Assim, neste capítulo levantaremos alguns elementos da formatação do Estado Liberal

e do Estado de Bem-Estar social, da cidadania e seus mecanismos de legitimação e de

deliberação política, com as consequentes formas de estruturação orçamentária, para

contextualizar, mesmo que minimamente, a categoria orçamento público e possibilitar uma

visão mais ampla que a análise técnico-jurídica. Essa visão e contextualização do orçamento

público com outras categorias tornam-se essenciais em razão das pretensões deste trabalho,

que foca a exterioridade institucional e dogmático jurídica para propor alterações no

procedimento orçamentário brasileiro.

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1.2 Estado Liberal

O conceito de Estado a ser analisado é o de Estado Moderno, mais precisamente na

sua segunda fase, marcada pela ascensão da burguesia ao poder e pela ideologia liberal.

Quanto ao espaço público, que pode ser pensado em diversas dimensões da vida social, opta-

se apenas pela dimensão da teoria política. As duas categorias, em conjunto com a concepção

liberal de cidadania, são analisadas de forma crítica, expondo-se suas limitações sem, no

entanto, negar as significativas transformações que trouxeram.

Para empreender tal tarefa é preciso compreender que, se num primeiro momento, o

espaço público burguês, o Estado Liberal e os direitos de liberdade quebraram a lógica do

antigo regime, criando uma esfera de direitos que possibilitou uma autonomia individual, num

segundo momento, continuaram significando um espaço público limitado, que lesava os

interesses de grupos excluídos10. (VIEIRA, 2001, p. 58).

Os movimentos revolucionários do século XVIII tiveram como resultado a formação

do Estado Liberal democrático, por meio do qual a burguesia consolidou seu poder político,

absorvendo grande parte do potencial emancipatório que aqueles movimentos representavam.

A ideia prevalecente foi a de liberdade, não a de democracia, que era contida numa estrutura

representativa limitada à propriedade e à renda, de forma a garantir à alta burguesia o controle

político do Estado. (CORRÊA, 1999, p. 70).

A formação do Estado Moderno foi orientada pela teoria política liberal, que teve em

Adam Smith, ícone deste paradigma, sua materialização ideológica, com base no postulado de

que o indivíduo deve ser submetido minimamente a uma limitação de ordem política.

(AVRITZER, 1999, p. 83). O liberalismo exigia a supremacia do indivíduo, de tal forma que

a existência de um Estado só era justificável na medida em que preservasse o indivíduo e suas

iniciativas. Nesse sentido, o papel do Estado ficava restrito ao mínimo necessário. (STRECK;

BOLZAN, 2000, p. 53).

Dussel (2007, p. 342) comenta que a teoria liberal desenhava um Estado que deveria

atuar em pontos estratégicos, como nas políticas aduaneiras, na organização da Justiça, na

defesa militar e no estabelecimento de uma política de arrecadação de impostos e gastos

10 Explica o autor, ao analisar o discurso de neutralidade dialógica incutida no Estado e no espaço público pela

teoria liberal, que “a condução da vida pública de acordo com a neutralidade dialógica não afastaria a dimensão agonística, como também reduziria a pauta do diálogo público, de forma lesiva aos interesses dos grupos oprimidos. No mundo moderno, todas as lutas contra a opressão começam redefinindo o que anteriormente é considerado privado, não público, não político, como questões de interesse público, de justiça, como espaços de poder que requerem legitimação discursiva.”

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públicos. No entanto, não poderia interferir nas relações econômicas estabelecidas entre os

indivíduos no mercado, como aponta Dussel acerca das observações de Smith:

Puede observarse claramente que Smith propone uma crítica de la razón econômica (em cuanto a saber los limites del conocimiento econômico ante la complejidad del objeto-mercado), de la que se “deriva” uma crítica de la razón política, em cuento a fijarle limites em su ejercicio, so pena de que si ultrapasa dichos limites transforma em uma acción estratégica imposible, irracinoal, insensata. El principio de impossibilidad fija um “marco” (como diria Rosa de Luxemburgo) a la accíon estratégica y a las intituciones políticas. Se trata de um princípio material fundamental: lo político debe dejar em total autonomia a la lógica armónica del mercado. La economia se independiza así da política. No debe “meterse mano” donde la mano invisible tiene su reino. (DUSSEL, 2007, p. 342).

As ideias liberais determinavam a separação entre Estado e sociedade civil: o primeiro

identificado como espaço público, local do poder e da política; a segunda, como o espaço da

vida privada, onde se desenvolvem as relações econômicas e a vida doméstica. A concepção

liberal trazia, portanto, uma clara separação entre as relações econômicas e as políticas.

(SMITH, 1988). O objetivo era livrar o indivíduo das restrições de um poder político central

limitando esse poder, com uma esfera jurídica que garantisse a individualidade e a liberdade

da ação social. A respeito, assinala Smith:

[...] uma vez que todos os sistemas de constrangimento tenham sido abolidos, [...] o óbvio e simples sistema da liberdade individual se estabelece. Todo homem que não viole as leis da justiça é deixado completamente livre para perseguir o seu próprio interesse à sua própria maneira. (1776, II, p. 180, apud AVRITZER, 1999).

As relações entre os indivíduos, de acordo com as ideias liberais, deveriam ser

reguladas pelas regras do mercado, segundo as quais cada um deve maximizar da melhor

forma a obtenção de seus interesses. O indivíduo, no mercado, é orientado por uma

racionalidade cognitivo-instrumental fundamentada na concepção de razão como faculdade

individual a ser utilizada para a “adaptação inteligente do indivíduo às condições do meio no

qual interage”. (AVRITZER, 1999, p. 84).11

11 A concepção de racionalidade cognitivo-instrumental exige uma abordagem mais verticalizada; no entanto,

para os objetivos do presente trabalho basta estabelecer o vínculo da ideologia liberal com tal concepção. Como afirma Avritzer: “A racionalidade, nesse caso, é sinônimo de liberdade na medida em que esta última é reduzida ao cálculo cognitivo-instrumental das condições nas quais o indivíduo pode se autopreservar ou mesmo se tornar bem-sucedido encarando todos os demais indivíduos enquanto meio para a realização dos seus próprios interesses. Nesse sentido, para Elster, a liberdade é na melhor das hipóteses a realização da condição descrita por Marx acerca da generalização do egoísmo.” (1999, p. 90.)

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Significa, portanto, dizer que o individualismo liberal não só estabelece uma

concepção de estrutura estatal, mas também uma concepção de relacionamento social

humano. As relações sociais sofrem drásticas transformações com essa visão de indivíduos

egocentrados, cuja única ligação social se estabelece na busca da satisfação ou do lucro.

(HOBSBAWM, 1995, p. 25)12. Os indivíduos são orientados a deixar a arena política em

busca da realização pessoal, desde que o poder político não crie empecilhos, o que pode ser

garantido por meio de um sistema de poder juridicamente limitado e periodicamente ajustado

por mecanismos de democracia representativa13.

Essas concepções se moldaram com o espírito dos europeus na Modernidade, pelo

menos com o espírito predominante, uma vez que a Europa girava em torno do comércio e o

sonho a ser alcançado era o do consumo e da produção, segundo Pasquino. (apud CORRÊA,

1999, p. 72). O ideário liberal estabelece uma visão na qual o Estado é reduzido ao mínimo

necessário à preservação do indivíduo; por consequência, a ação social e política é

desaconselhada, deixando que a sociedade se regule por meio das ações econômicas.

A burguesia molda uma forma de Estado de acordo com as suas necessidades, tratando

de consolidar suas conquistas. Segundo Bonavides (1993), a burguesia precisava da liberdade

e o Estado liberal-democrático, assentado naquele formalismo jurídico que em Kant chegará a

sua formulação mais acabada, era um Estado destituído de conteúdo, neutralizado para todo

ato de intervenção que pudesse embaraçar a livre iniciativa material e espiritual do indivíduo,

o qual, como soberano cingira a coroa de todas as responsabilidades sociais.

A legalidade passa, então, a desempenhar um papel de legitimação da nova ordem.

Segundo Weber (2001, p. 27), à sociedade capitalista, estruturada nos automatismos do

mercado, corresponde um determinado tipo de poder: o racional-legal. A questão acerca da

legitimação desse poder é colocada no centro da teoria weberiana do Estado e o poder do

Estado de Direito é caracterizado como racional, pois Weber afirma que está calcado na

12 Comenta Hobsbawm (1995, p. 25): “Na prática, a nova sociedade operou não pela destruição maciça de tudo

que herdara da velha sociedade, mas adaptando seletivamente a herança do passado para uso próprio. Não há “enigma sociológico” na disposição da sociedade burguesa de introduzir “um individualismo experimental radical” na cultura (ou no campo ro comportamento e da moralidade). A maneira mais eficaz de construir uma economia industrial baseada na empresa privada era combiná-la com motivações que nada tivessem a ver com a lógica do livre mercado – por exemplo com a ética protestante; com a abstenção de satisfação imediata; com a ética do trabalho árduo; com a noção de dever e confiança familiar; mas decerto não com a antinômica rebelião dos indivíduos.”

13 Esse posicionamento restritivo da democracia será retomado pela perspectiva neoliberal como expõe Przeworsky (1995, p. 24): “Riker (1982) argumentou que os teoremas da impossibilidade invalidaram a interpretação das eleições como uma expressão da vontade popular, sugerindo que deveríamos pensar as eleições como uma oportunidade negativa de eliminar dirigentes indesejáveis.”

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crença da legalidade dos ordenamentos vigentes e do direito daqueles que exercem o poder.

Bobbio e Matteucci (1997, p. 403)14 afirmam a respeito:

Assim, a fé na legitimidade se resolve em fé na legalidade, e legitimação da administração que transmite o comando político é uma legitimação legal. A lógica desta racionalidade administrativa é própria do Estado de direito; como execução da lei geral, ela se desenvolve segundo um esquema do tipo “se... então”.

O poder é exercido por meio de uma estrutura administrativo-burocrática caracterizada

como racional e legal: legal, porque sua legitimação baseia-se na ideia de legalidade,

abandonando qualquer princípio axiológico ou ético, uma legitimação estritamente formal e

procedimental; racional, pelo fato de gerar continuidade, disciplina, confiança e

calculabilidade, gerando uma otimização de resultados.

Esse posicionamento acarreta uma profunda transformação no fundamento de

legitimidade do poder e do direito, visto que o modelo do antigo regime é substituído pela

Administração Pública burocrática, gerando uma concepção de neutralidade e impessoalidade

no exercício das atividades do Estado. Assim, a legitimidade do direito repousa no

procedimento, numa racionalidade formal que se contrapõe à racionalidade substancial. Essa

fórmula, para o normativismo liberal15, garante a impessoalidade, generalidade e equidade dos

atos administrativos e jurídicos do Estado.

Para Weber, o direito moderno, o direito positivo, é antes de qualquer coisa o produto da racionalização formal. O processo precede o conteúdo do direito. Se o direito não pode ser remetido senão às decisões humanas, quer dizer, à sua instituição positiva, então a validade das normas jurídicas não pode mais repousar senão sobre a validade do processo e de sua prescrição. [...] A sublimação jurídica exige que o direito apresente um caráter exclusivamente formal, dito de forma breve, que ele rejeite a racionalidade substancial (imperativos éticos ou regras utilitárias, máximas políticas, etc.). Esse empobrecimento das implicações metajurídicas do direito teria assim, segundo Weber, favorecido tanto uma perspectiva cética diante do direito quanto uma docilidade efetiva com relação ao poder e às autoridades que reivindicam a legitimidade em um momento dado. Nesse sentido, o tornar-se positivo do direito é solidário da emergência da crença na legalidade como fundamento de legitimidade, do desenvolvimento de uma dominação legal, encarnado na expansão da burocracia. A racionalização do direito e a racionalização das formas de dominação política nutrem-se, dessa forma, do desligamento do direito e da ética, da forma jurídica e de seus fundamentos e objetivos substanciais. (CHANIAL, 2004, p. 639).

14 Na abordagem destes autores acerca de Weber, o poder também é representado pela possibilidade de contar

com a obediência a ordens específicas por parte de um determinado grupo de pessoas. 15 Para Chanial (2004, p. 643), o normativismo liberal é a articulação do positivismo jurídico com o liberalismo

político. Essa articulação foi preponderante nos “Estados legisladores” europeus do século XIX e estabeleceu a identidade do direito como lei.

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A ordem jurídica é legitimada por um critério formal, numa visão monista que

identifica o direito com a lei proveniente do Estado. Nessa estrutura, todos os atos de poder

têm como limite e como fonte de legitimidade a norma jurídica, que, por sua vez,

fundamenta-se e legitima-se em outra norma. É a cisão que separa o direito da política e acaba

por esconder os valores dos emissores dos atos de poder, que não precisam de uma

justificativa material. Numa dimensão, o cidadão ganha uma esfera de proteção contra o poder

central do Estado, que fica limitado ao exercício do poder legal; noutra, fica estabelecida uma

confiança excessiva na figura do legislador, porque esse mecanismo de legitimação permite a

elaboração de qualquer conteúdo normativo, desde que cumpridos os procedimentos

previstos.

As concepções da teoria política liberal, em conjunção com o positivismo jurídico,

estruturaram um aparelho estatal cujo centro do poder é o parlamento. As tensões e conflitos

de interesses da sociedade são resolvidos nessa arena, mas o acesso a este centro de poder é

filtrado por uma concepção de cidadania liberal e de democracia representativa. Essas

categorias e suas consequências serão analisadas nos próximos tópicos, porém antes é

possível resumir, didaticamente, algumas características do Estado Liberal.

A primeira característica é a concepção de um Estado soberano fundado na idéia de

Constituição como pacto originário limitador do poder e unificador das liberdades individuais.

(RAMETTA, 1999, p. 272)16. A segunda é uma separação nítida entre Estado e sociedade

civil, mediada pelo direito, com especial ênfase nas garantias jurídicas de liberdades

individuais, que garantem autonomia ao cidadão e suas atividades econômicas. A terceira

característica é a adoção do positivismo jurídico e da legitimidade racional-legal pelo

aparelho estatal, modelo jurídico cuja função é esconder uma ordem axiológica burguesa

utilizando um discurso de racionalidade, neutralidade e universalidade. A quarta, encontra-se

numa concepção de democracia negativa, retomada mais tarde pelas correntes neoliberais

(PRZEWORSKY, 1995, p. 24); uma estrutura democrática limitada a uma classe de

indivíduos, geralmente proprietários, cuja função essencial é a limitação do poder do Estado.

Como quinta característica tem-se a concepção de que o Estado é um mal necessário;

16 Rametta discute o sentido do termo “constituição” na obra de Kant, explicando que aparece acompanhando o

significado de ato de fundação do Estado e como carta de direitos ou documento. Sem entrar nessa discussão, o termo empregado neste trabalho apresenta-se na tradição contratualista de formação consensual do Estado e no controle do poder central.

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portanto, deve ser minimizado estruturalmente ao papel de garantidor da autonomia do

indivíduo (HAYEK, 1985, p. 69) 17.

1.2.1 O papel político e epistemológico do normativismo liberal18

A teoria política liberal é acompanhada, ao longo do século XIX e XX, por um

discurso jurídico de matriz positivista que completa sua função de legitimação da nova ordem

burguesa. Chanial (2004, p. 643) chama essa articulação de “normativismo liberal”, ou seja, a

articulação do positivismo jurídico com o liberalismo político.

Scalone (2005, p. 426) diagnostica que o liberalismo político e o positivismo jurídico

possuem uma pretensão comum, qual seja, a de neutralizar ou negar o elemento político.

Essas teorias concebem o Estado e o direito como uma ordem racional unificada e negam

qualquer possibilidade de legitimação de elementos provenientes da exterioridade dessa

ordem. No entanto, essa postura de abstinência política mascara uma série de valores políticos

determinados pela burguesia: “O liberalismo se subtraiu ao político tão pouco quanto

qualquer mudança humana, e também as suas neutralizações e despolitizações [...] tem um

significado político. A negação do político tem com êxito somente a criminalização do

adversário”. (SCALONE, 2005, p. 426).

Kelsen (1991), representante mais prestigiado do normativismo jurídico, ajudou a

legitimar essa ordem política com a elaboração de uma teoria jurídica pura. Kelsen adota o

racionalismo formal weberiano ao excluir da ciência do direito todos os aspectos materiais de

legitimação. Cabe aqui uma contextualização, porque a dogmática jurídica determinante do

paradigma de ciência do direito na época da formulação positivista possuía um núcleo teórico

abastecido pelas significações produzidas pelo direito natural. Essas significações, no dizer de

Kelsen (1998), eram carregadas de uma função ideológica19 e tinham como objetivo legitimar

17 Como afirma Hayek (1985, p. 133), tão logo o Estado “reivindica e obtém o monopólio da coerção e da

violência, converte-se também na principal ameaça à liberdade individual [assim] limitar esse poder foi o grande objetivo dos fundadores do governo constitucional nos séculos XVII e XVIII”.

18 O objetivo desse item é analisar o papel do normativismo positivista na estruturação política e epistemológica da modernidade. Para essa tarefa, serão utilizados os referenciais teóricos de Warat, por possibilitarem uma visão crítica do normativismo positivista.

19 A definição de “ideologia” utilizada no presente trabalho é dada como um instrumento retórico de dominação. “Ideologia é o conjunto orgânico de idéias representações, teorias, crenças e valores, orientado para a legitimação ou reprodução da ordem estabelecida, expressando os interesses vinculados aos grupos ou classes dominantes, através de um discurso dissimulador das contradições e antagonismos sociais, em nome de uma pretensa unidade social”. (CORRÊA, 1999, p. 29).

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um determinado ordenamento jurídico, criando uma situação impeditiva para a construção de

uma ciência jurídica comprometida com a racionalidade moderna.

A dogmática jurídica estabelecia um processo retórico, um processo de argumentação,

um discurso para legitimar a ordem dominante. Esse discurso produzia e, ao mesmo tempo,

era formado por lugares-comuns de significação, de onde se partiria para o processo retórico,

para o processo de convencimento. Tais significações foram cristalizadas e reproduzidas pelo

establishment jurídico20 e acabaram por formar um senso comum teórico dos juristas.

A “teoria pura do direito” contrapõe-se a esse processo utilizando-se dos critérios do

positivismo científico para estabelecer um novo paradigma, que impediria as influências

ideológicas produzidas pelo núcleo teórico da dogmática jurídica norteado pelo direito

natural. Neste sentido, adverte Kelsen:

Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é seu princípio metodológico fundamental. (KELSEN, 1998, p. 1).

Em resumo, Kelsen produz um conhecimento normativo do direito, que, como afirma

Warat,

[...] exclui de seu objeto toda ideologia e prática política, qualquer contribuição proveniente da filosofia da justiça, da moral, da religião e, ainda, crenças, princípios e categorias que regulam a constituição das ciências causais, como também as pseudo-categorias do pensamento jurídico-clássico. (1995, p. 157).

Chegamos, então, a um ponto crucial do normativismo kelseniano, pois os critérios

estabelecidos para a ciência do direito, de cunho positivista, e a adoção do princípio da pureza

metodológica, cujo objetivo é conferir aos seus resultados o ideal de toda ciência, qual seja,

objetividade e exatidão, criam a ilusão perigosa de que a ciência não cumpre uma função

social, além de produzir um novo lugar retórico, a serviço das funções que se pretendia

eliminar. (WARAT, 1995, p. 156).

20 O termo utilizado define o conjunto de órgãos institucionais como faculdades de direito, parlamento, tribunais

associações de profissionais e a administração pública, que reproduzem um discurso de fetichização do direito. Sobre o assunto ler Hermenêutica jurídica em crise de Lênio Luiz Streck.

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Warat afirma ter existido um processo de recuperação ideológica21 da teoria pura do

direito por parte da dogmática jurídica, que sempre teve por objetivo mascarar as ideologias e

os valores escondidos em seu discurso. Assim, ao adotar regras da racionalidade positivista,

Kelsen criou uma nova possibilidade de utilização retórica de significações. Se, antes, a

dogmática jurídica utilizava-se do núcleo teórico do direito natural, agora se utiliza de novos

mitos, introduzidos pela própria teoria pura do direito. A objetividade, a exatidão e a

neutralidade são, portanto, as novas máscaras do discurso dogmático, agora modernizado e

mais competente.

Dessa forma, a teoria pura do direito, de viés positivista, mostra-se bastante limitada

como teoria crítica do saber dominante, não conseguindo explicitar a complexidade do

fenômeno jurídico inserido na realidade social; passa, assim, a desempenhar, pelo processo de

recuperação ideológica, uma função de legitimação da ordem vigente. Para entender essa

função desempenhada pelo positivismo jurídico faz-se necessário uma rápida explanação

crítica da matriz do pensamento de purificação kelseniano. Essa concepção é estabelecida por

meio de cinco cortes metodológicos que acabariam por estruturar o objeto e a função da

ciência do direito.

O primeiro nível de purificação é o político-ideológico. A ideia central deste nível

reside na seguinte fórmula: “É necessário distanciar os saberes específicos do Direito das

concepções jurídicas tradicionais preocupadas em sustentar alguma ideologia social, em

implementar certos interesses, e ainda envolta em raciocínios de política jurídica ou

especulações endereçadas à formulação do Direito”. (WARAT, 1995, p. 163).

O conhecimento jurídico deve separar-se severamente da política, de forma a excluir

do objeto teórico tudo aquilo que faz referência às valorações ideologicamente construídas,

bem como limitar-se a realizar uma análise estruturante do direito positivo. Significa dizer

que a ciência do direito não poderá exercer uma função de orientação dos órgãos de

autoridade jurídicos; não indicará possíveis resoluções de problemas sociais, econômicos ou

políticos nem terá a função de valorar as posições já tomadas. A ciência do direito, conforme

Kelsen, pode afirmar apenas como o direito é, nunca afirmar como deverá ser. Esta postura

visa estabelecer o caráter anti-ideológico da ciência jurídica, na medida em que, para Kelsen,

a ideologia veda a realidade, pois toda ideologia política tem suas raízes na vontade e é

constituída emocionalmente, não racionalmente. Expõe o referido Autor: “Precisamente

21 “Entende-se por recuperação ideológica, em sentido lato, os mecanismos de argumentação por meio dos quais

são redefinidos os sentidos críticos, para readaptá-los à função de representação ideológica dos discursos tradicionais”. (WARAT, 1995, p. 161).

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através desta sua tendência anti-ideológica se revela a Teoria Pura do Direito como verdadeira

ciência do Direito. Com efeito, a ciência tem, como conhecimento, a intenção imanente de

desvendar o seu objeto”. (KELSEN, 1998, p. 119).

A teoria pura do direito, seguindo o princípio da pureza metodológica, renega o

dualismo entre política e direito e sua influência na determinação da sociedade, esquecendo-se

da dimensão jurídica da política e da dimensão política do direito. Em suma, o papel político

desempenhado pelo direito na sociedade não é abordado em razão do princípio da pureza, que

confere à ciência jurídica um conhecimento verdadeiro e imunizado contra a ideologia.

Warat critica essa abordagem afirmando que a postura kelseniana, de negar a

tematização das significações ideológicas, favorece o papel ideológico do conhecimento.

Afirma ainda que o conhecimento científico crítico só será alcançado quando puder explicar

as significações ideológicas. Tem-se, portanto, uma abordagem limitada a respeito do direito,

que esconde as significações ideológicas. Como afirma Corrêa: “Fazer ciência compreensiva

do direito significa abordar interdisciplinarmente a juridicidade, desvendando seus

condicionamentos, seus fundamentos ético-políticos, sua não neutralidade no processo de

construção da globalidade das relações sociais”. (1999, p. 22).

Kelsen não só limita a compreensão do fenômeno jurídico, mas também encobre a

função social da ciência jurídica, negando a relação de influência existente entre o processo de

produção de significações pelos órgãos institucionais politicamente determinados e o processo

de produção de significações da ciência do direito determinado de maneira objetiva e neutra.

Significa, portanto, dizer que a ciência trabalharia com sentidos produzidos fora de uma

relação de poder influenciadora, quando, na verdade, como afirma Warat, “[...] a significação

jurídica é sempre resultado de um ato político; os discursos jurídicos fazem ouvir sempre aos

sujeitos do poder”. (1995, p. 177). Essa ficção criada pelo mito da neutralidade científica, que

nega a relação entre ciência e política, obscurece e camufla as teorias sociais e políticas,

facilitando a sua inserção e cristalização no domínio da ciência dominante.

O segundo nível de purificação é o antijusnaturalista. Kelsen afirma que a necessidade

deste nível de purificação é derivada da purificação político-ideológica, o que Warat (1995,

p. 179) enuncia da seguinte forma: “É falso supor que os juristas possam produzir ao nível do

pensamento científico, um raciocínio determinante do que deva ser visto como Direito justo e,

consequentemente, postular um critério de validade para o Direito Positivo.” Kelsen critica a

postura jusnaturalista de adoção da ideia de justiça como fundamento de validade para o

direito positivo.

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28

Afirma que o direito natural tem uma proposta ideológica de fundamentação

metafísica e política do critério de validade e, assumindo os fundamentos epistemológicos do

positivismo científico, diferencia as concepções de validade e de valor22.

As normas de justiça são caracterizadas como relativas e subjetivas; portanto, são

incompatíveis com a perspectiva positivista da teoria pura do direito, que busca um

fundamento de validade objetivo23. Assim, após o rompimento epistemológico com o direito

natural, Kelsen parte para a construção de um critério de validade que sirva de demarcação do

campo teórico da ciência do direito, bem como para a formulação de seus enunciados e,

finalmente, permita o reconhecimento teórico do fundamento de validade das normas

jurídico-positivas. (WARAT, 1995, p. 183). Cria-se, então, a norma fundamental

gnoseológica, suporte do pensamento normativista, que estabelece com exclusividade as

condições jurídicas para a validade objetiva das normas de direito e para o reconhecimento

das proposições da ciência jurídica24.

Temos, portanto, que, à luz de uma teoria positivista, um determinado ordenamento

jurídico terá como último fundamento de validade objetiva a sua conformidade com a norma

hipotética e fundamental da ordem jurídica. Assim, uma determinada norma jurídica tem

como fundamento de validade outra norma jurídica superior, que, por sua vez, terá sua

validade determinada pela norma imediatamente superior, até se chegar à Constituição, que

terá sua fundamentação dada pela pressuposta norma fundamental. (CORRÊA, 1991, p. 12).

Assim, uma determinada ordem jurídica é fundamentada por meio de um processo de

desencadeamento lógico, e a validez do direito ganha um sentido hipotético ligado à norma

fundamental. Kelsen afasta a possibilidade de um critério de validade metafísico, subjetivo ou

valorativo para o ordenamento jurídico, pois, com seu artifício metodológico, a validade de

todo o ordenamento jurídico funda-se em si próprio. Como expõe Kelsen, na “norma

fundamental, acha-se, em última análise, o significado normativo de todas as situações de fato

constituídas pelo ordenamento jurídico” (Kelsen, 2007, p. 97).

Como já referido, o desencadeamento desse processo tem por objetivo impedir a

nefasta influência da doutrina do direito natural, que, por meio de um conjunto de

classificações, fórmulas tópicas e conceitos, permeia a ciência jurídica com ideologias. Kelsen

22 O problema da justificação da ordem jurídica é transferido para a ética ou para a filosofia. Percebe-se que este

problema não é eliminado, mas simplesmente deslocado. 23 É justamente a busca por um critério objetivo de validade que diferencia o positivismo jurídico do direito

natural. 24 A norma fundamental é um artifício metodológico utilizado por Kelsen para superar os apelos de

fundamentação metafísica e valorativa.

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critica o senso comum teórico de viés jusnaturalista e sua tentativa de legitimação da ordem

dominante e estabelece uma fórmula neutra de validade para o ordenamento jurídico.

É neste ponto que Warat (1995, p. 190) concentra sua crítica e, citando Ferraz, afirma:

O papel ideológico de uma linguagem é produzido a partir de uma neutralização ou encobrimento de sua função. Isto pode ser realizado de duas maneiras: 1a) escondendo a presença inevitável do emissor de uma valoração e dando a impressão de que se trata de uma proposição sem sujeito – caso do Jusnaturalismo que propõe um sujeito transcendente ou uma referência direita à natureza; 2a) substituindo fórmulas valorativas por fórmulas neutras – caso da norma fundamental em Kelsen.

O terceiro nível de purificação é o antinaturalista ou anticausalista, que tem como

enunciado: “É preciso evitar um sincretismo metodológico que obscureça a construção de um

campo temático específico da Ciência do Direito e dilua os limites que lhe são impostos pela

própria natureza do objeto”. (WARAT, 1995, p. 190). Aqui a intenção é estabelecer a posição

do direito perante as demais ciências para determinar a especificidade do conhecimento

jurídico.

Kelsen separa as ciências da natureza das ciências sociais, que, por sua vez, são

subdivididas em ciências sociais causais, regidas pelo princípio da causalidade, e ciências

sociais normativas, regidas pelo princípio da imputação. As primeiras são jogadas para o

mundo do ser; as segundas, para o mundo do dever-ser. Nas ciências naturais existe uma

conexão com o mundo do ser, com a realidade fática, e seu objeto (natureza) constitui um

sistema ligado na forma de causa e efeito, seguindo o princípio da causalidade. Assim, os

elementos do real são ligados de tal forma que o primeiro seja pensado como causa do

segundo. Por sua vez, nas ciências sociais o objeto é a sociedade;25 é um complexo de

elementos interligados pelo princípio da imputação. Portanto, para Kelsen a sociedade é um

conjunto de enunciados normativos, e as verdadeiras ciências sociais, ou ciências sociais em

sentido estrito26, são aquelas que têm por objeto as normas determinantes da conduta humana,

ou a conduta humana enquanto regulada por normas.

Com base nessas concepções, a teoria pura do direito situa a ciência jurídica como

uma ciência social normativa, um saber dirigido à conduta humana não como se realiza

efetivamente, mas como deve ser realizada de acordo com uma ordem normativa. Sua função

é produzir “um conjunto de proposições explicativas do significado jurídico atribuído à

25 A sociedade, para Kelsen, é considerada como um complexo de ordens normativas. (WARAT, 1995, p. 193). 26 Aqui a psicologia, a história e sociologia são consideradas ciências sociais causais, que se diferenciam apenas

em grau, mas não em princípio com as ciências da natureza, pois adotam o princípio da causalidade.

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conduta humana por um sistema de normas, as jurídicas”. (WARAT, 1995, p. 194). Kelsen

insere neste ponto a distinção entre direito e ciência do direito, entre normas jurídicas e as

proposições da ciência jurídica, como afirma Corrêa:

Chegamos, assim, à decisiva distinção metodológica na teoria kelseniana: a separação entre Direito e ciência do Direito, tão enfatizada pelo autor. Trata-se da distinção entre Sollen ou normas de dever-ser (mandamentos, prescrições) e Sollsatze ou proposições normativas (enunciados ou juízos hipotéticos sobre as normas). A proposição jurídica como função de conhecimento ensina, declara ou descreve se uma norma existe ou é válida, quer dizer, se a norma é efetivamente estabelecida pela autoridade do direito como sentido (objetivo) de seu ato de vontade (subjetivo). Neste aspecto é ela verdadeira ou falsa. Já a norma prescreve um dever-ser produzido pela autoridade jurídica, sendo que a prescrição não é verdadeira ou falsa mas válida ou inválida. (1991, p. 10).

É, portanto, a dissociação necessária entre saber e poder, na qual o conhecimento é

neutro e isento de influências volitivo-político-ideológicas. Percebemos, pois, a preocupação

com a neutralidade da ciência do direito, mas não com a neutralidade do direito. Kelsen, nesse

ponto, tenta operar uma conciliação entre uma racionalidade substancial e uma nacionalidade

formal, indicando a democracia parlamentar como elemento valorativo de produção

normativa, entendendo que as visões antagônicas e relativas podem ser conciliadas pela

discussão democrática.

Enquanto que o princípio de legalidade deve reger os atos de administração, o princípio da deliberação democrática governa a criação de normas gerais. Não há aqui nenhuma antinomia entre o formal e o substancial. Positivista conseqüente, Kelsen deduz de seu normativismo jurídico e de seu relativismo moral uma justificação do sistema democrático. (CHANIAL, 2004, p. 643).

Essa conciliação, entretanto, é frustrada pela predominância de uma racionalidade

formal e acaba por outorgar legitimidade a qualquer ordem jurídica procedimentalmente

elaborada27.

27 Essa concepção de legitimidade formal é fundamental para o desdobramento de uma concepção orçamentária

preocupada apenas com o controle de legalidade, como se verificará mais adiante.

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Em Kelsen vigoram somente as normas positivas, isto é, aquelas normas que efetivamente estão em vigor; elas vigoram não porque tenham que vigorar devido a sua maior justiça, mas, sem se importar como qualidades tais como racionalidade, justiça, etc., somente são positivas. Aqui cessa improvisamente o poder e cai a normatividade; no seu lugar aparece a tautologia de uma crua efetividade; algo vigora, se vigora, porque vigora. Este é o positivismo. (SCHMIT apud SCALONE, 2005, p. 426).

O quarto nível de purificação é o intranormativo. Faz-se necessário, agora, um

processo de distinção entre a ciência jurídica para e as outras ciências sociais normativas. É

este o enunciado apresentado: “Para que haja uma ciência jurídica, em sentido estrito, é

preciso que se proponham as noções de sanção e de órgão como princípios categorias aptos

para determinar, em relação às outras ciências sociais normativas, as diferença específicas do

objeto temático da Ciência do Direito”. (WARAT, 1995, p. 206). Como podemos observar

pelo enunciado, neste nível de purificação são os conceitos de sanção e órgão os elementos

determinantes da especificidade da ciência jurídica.

No desenvolvimento deste nível de purificação faz-se importante compreender que

Kelsen considera as ordens sociais como técnicas de motivação de conduta, dividindo-as em

diretas (moral) e indiretas (direito e religião). Nas técnicas diretas a simples representação da

norma é suficiente para motivar o comportamento determinado por ela, ao passo que, nas

indiretas, o comportamento determinado deve ser motivado, convertendo o desejo por meio

de certas vantagens, temores ou prejuízos imputados, num motivo determinante do

comportamento.

Dessa forma, é possível conceber o direito como uma técnica de motivação que

provoca a conduta determinada por suas normas, em razão da vinculação de um juízo

imputativo à conduta contrária à desejada com a ameaça de um ato de coerção aplicável por

um órgão dotado de autoridade, este por outra norma do próprio direito positivo. Obtém-se,

assim, o conceito de sanção, que seria o ato de coerção determinado como devido mediante

um enunciado imputativo da ordem jurídica. (WARAT, 19995, p. 209). Com esse conceito de

sanção é possível separar a ordem moral da ordem jurídica, pois a primeira não apresenta, em

seu conteúdo, um ato de coerção. É uma técnica de motivação, cuja própria ordem não define

suas sanções. A reação da ordem moral à conduta indesejável é colocada de forma automática

e espontânea pela comunidade, carecendo de órgãos autorizados para a aplicação da própria

sanção moral.

Por seu turno, a diferenciação entre a ordem jurídica e a ordem de apelo teológico é

feita pela concepção de “órgão”: na religião a sanção é aplicada por um órgão de natureza

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divina, ou seja, mesmo que aplicada neste mundo, a sanção possui uma natureza

transcendente; no direito, por sua vez, a sanção é aplicada por uma autoridade cujo poder

deriva da própria organização comunitária, sendo, pois, socialmente imanente, aplicada por

um indivíduo que atua como órgão da ordem social.

Como vemos, a construção deste conceito de sanção estabelecido pela teoria pura tem

o mesmo objetivo dos níveis de purificação anteriores, ou seja, produzir conceitos

ideologicamente neutralizados e desvinculados do modelo jusnaturalista. Este modelo teria

uma concepção de sanção como uma resposta eticamente justa e natural, que legitimaria o

poder dos órgãos estatais, o uso da força do Estado. No entanto, o normativismo não supera a

ideologização; consegue apenas modificar as significações ideológicas associadas ao conceito

de sanção. Se, antes, o jusnaturalismo estabelecia um processo retórico, de legitimação do uso

da força do Estado, com base numa concepção de sanção tida como reação ética da sociedade,

agora, com o conceito kelseniano de sanção tem-se o mesmo processo legitimação do uso da

força estatal, no entanto com novos argumentos, como a neutralidade do Estado e a sua

função de garantir a paz social28.

Assim, Kelsen atribui uma finalidade, mesmo que indireta, ao conceito de sanção,

qual seja, a de garantir a paz social, a segurança coletiva. O uso da força estatal, a aplicação

da sanção, tem, pois, por objetivo garantir a paz social. Percebemos, portanto, a inserção de

um objetivo para o direito, que estabelece um processo de legitimação ideológica o qual

Kelsen nega e transforma, por meio da norma fundamental, em legalidade. Essa legalidade irá

impor à teoria jurídica, segundo Warat (1995, p. 218), “um sistema de legitimidade

aparentemente neutro e utilitário que, em realidade, fundamenta a obrigação de obediência à

ordem jurídica (e política)”.

O quinto nível de purificação é o monista ou antidualista. A purificação monista

apresenta o seguinte enunciado: “É preciso tornar independente o conhecimento do direito em

relação aos pressupostos metodológicos dualista, mediante os quais se constitui o sistema

classificatório e os exemplos paradigmáticos do modelo de ciência Jurídica aceito como

‘normal’ em nossos dias.” (WARAT, 1995, p. 224).

O dualismo jurídico estabelecia concepções metodológicas predominantes na ciência

jurídica; era uma condição metodológica fundamental que regia a definição dos problemas, a

organização das estratégias de resolução, bem como a própria concepção de ciência. Este

28 O direito, para a teoria pura, aparece como uma organização monopolizadora da força que serve para garantir

a paz social. No entanto, a própria teoria afirma que a busca do fim do direito, a sua função na sociedade, é a lacuna que permeia a ciência jurídica de teorias ideológicas.

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modelo, para Kelsen, produzia um conjunto de significações comprometidas ideologicamente,

pois submetia o direito e o Estado29 a uma ordem normativa metajurídica inscrita no sistema

da natureza, como condição de legitimação ética. A teoria pura do direito propõe a adoção de

um critério monista, considerando o direito como uma estrutura puramente normativa, na qual

todos os problemas devem ser colocados e resolvidos como questões normativas. Assim, a

busca de uma fundamentação fora da realidade normativa não é admissível para Kelsen, que

acaba por estabelecer um processo de autolegitimação do direito por meio da norma

fundamental.

Kelsen separa o mundo do “ser”, mundo dos indivíduos ou universo social, do mundo

do “dever-ser”, onde se processa a autolegitimação do direito e do Estado, independentemente

da sociedade. Significa dizer que a legitimação do direito não se processa por meio dos

valores sociais, mas por uma legalidade reconhecida teoricamente através da norma

fundamental30.

A ciência do direito fecha-se à realidade social com o objetivo de romper com as

significações ideológicas produzidas pela dogmática jurídica; substitui o núcleo teórico de

inspiração idealista e humanista por um modelo cartesiano, a fim de afastar as influências

ideológicas impeditivas da verdade. No entanto, as teorias ideológicas continuam

influenciando o processo de significações da ciência jurídica, escondidas sob o mito da

neutralidade e da objetividade. O silêncio da teoria pura a respeito da influência das teorias

ideológicas na determinação do direito não quer dizer que ciência jurídica não será

contaminada por essas teorias; e mais, este silêncio facilita a sua função ideológica, pois suas

significações ganham um status de neutralidade e objetividade sem revelar seu emissor.

Configura-se, assim, o parceiro teórico perfeito do liberalismo político, formando o

normativismo liberal, cuja função essencial é legitimar a ordem emergente e neutralizar as

tensões sociais.

Esses pressupostos epistemológicos trarão consequências para a dogmática jurídica

moderna, influenciando no direito financeiro, cuja visão acerca do orçamento público torna-se

excessivamente reducionista, escondendo os elementos políticos, econômicos e sociais que

com ele interagem. Como afirma Torres:

29 A tese monista identifica o Estado com o direito, rejeitando a concepção dualista que o vê como entidade

metafísica necessária. 30 Warat faz uma interessante observação da visão kelseniana do pacto social: “Isto é o que nos sugere a norma

fundamental, quando formulada da seguinte maneira: “se ‘A’ manda e é geralmente obedecido, deve ser que ‘A’ mande e seja geralmente obedecido”. Eis a versão Kelseniana do pacto social”. (1995, p. 227).

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[...] os juristas abdicaram dos juízos de valor e da consideração de lege ferenda e se apegaram a posições positivistas inteiramente superadas; os economistas sob a capa da pretensa neutralidade científica, passaram a decidir sobre os aspectos valorativos, assenhorando-se do discurso constitucional e legal do orçamento, ditando as políticas governamentais e importando acriticamente os modelos estrangeiros; os sociólogos e cientistas políticos abandonaram as pesquisas de campo e se passaram a dissertar sobre as sínteses de filosofia política e social. (2008, p. 26).

Assim, adotando os pressupostos epistemológicos do positivismo normativista, a

dogmática jurídica voltada para o direito financeiro será incapaz de lidar com a complexidade

contemporânea que envolve o orçamento público. Essa epistemologia cega o jurista,

tornando-o incapaz de sistematizar novas experiências que surgem à revelia da racionalidade

legal-estatal ou monista, e o aprisiona na ideologia liberal mascarada pelo discurso científico

de neutralidade.

1.2.2 A cidadania na concepção liberal

Inicialmente, é necessário esclarecer uma opção terminológica feita para a realização

deste trabalho, qual seja, a de adotar a categoria cidadania numa ampla concepção, que

abrange elementos políticos e jurídicos. A opção pelo termo “cidadania” justifica-se pela

necessidade de se destacar o elemento político ou a ação política dos sujeitos sociais numa

determinada época e local.

Contemporaneamente, na doutrina brasileira, sobretudo em razão da estruturação

desenvolvida por Sarlet (2003, p. 31), a terminologia adequada para a classificação e o estudo

dos direitos que se desenvolveram concomitantemente com o Estado Moderno é a de “direitos

fundamentais”.

O consenso terminológico acerca dos direitos fundamentais foi e é essencial para o

aprimoramento da dogmática jurídica e para a efetividade dos referidos direitos. No entanto,

não se devem confundir os termos “direitos fundamentais” e “cidadania”, pois, como será

visto no desenvolvimento deste capítulo, a concepção de cidadania engloba uma dimensão

jurídica, que se refere ao rol de direitos fundamentais, e uma dimensão política, que remete

diretamente ao processo deliberativo e à participação do indivíduo e da sociedade no espaço

público. Trata-se da articulação dos direitos fundamentais no processo de construção coletivo

do espaço público.

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Além disso, o estudo parte da concepção de uma cidadania moderna, cujo

desenvolvimento conceitual e histórico está relacionado à espacialidade pública formatada

pelas configurações do Estado moderno. Mesmo que a ideia de cidadania tenha surgido na

Antiguidade, optamos por um corte metodológico que desvele a construção conceitual de

cidadania associada à do desenvolvimento do Estado capitalista contemporâneo e à ideia de

espaço público que produz. Como afirma Fedozzi:

É de amplo conhecimento o fato de que a forma cidadania (moderna) encontrou a sua viabilidade histórico-estrutural na transição da sociedade tradicional para a ordem racional-legal representada pelo Estado Democrático de Direito que acompanhou o surgimento do modo de produção capitalista na modernidade. (2000, p. 39).

Essa ligação simbiótica aparece, propositadamente, no pensamento de Hannah Arendt

(1974), para a qual a cidadania é um elemento indispensável para o acesso à espacialidade

pública, ao mesmo tempo em que é continuamente remodelada pela atuação dos cidadãos no

seu interior. Fedozzi explica que, para Hannah Arendt, o espaço público é um conceito

jurídico-político resultado da construção dos sujeitos sociais que nele interagem; logo, sem a

cidadania, eles estão inviabilizados de participar dessa construção.

[...] no sentido arendtiano, perder o acesso à esfera pública significa perder o acesso à igualdade, pois a destituição da cidadania e a limitação à esfera privada significa a privação dos direitos, uma vez que estes só existem em função da pluralidade dos homens. (FEDOZZI, 2000, p. 41).

A cidadania começa a ganhar a concepção de ser o direito a ter direitos a partir da

normatização e implementação de uma gama de direitos e obrigações por parte do Estado,

que, por meio da ordem legal, confere um status normativo à cidadania. (LAFER, 1988,

p. 135). Apesar de a concepção arendtiana traçar os rumos de uma conceituação, a categoria

“cidadania” ainda está em processo de elaboração pelas ciências sociais, que não raras vezes

simplificam sua abordagem. Em sendo um conceito em processo de constante elaboração, não

pode ser reduzido a definições que privilegiem elementos meramente formais e

classificatórios, como o de Janoski, criticado pelo sociólogo Liszt Vieira (2001, p. 34):

“Cidadania é a pertença passiva e ativa de indivíduos num Estado-nação com certos direitos e

obrigações universais em um específico nível de igualdade.”

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Extraímos dessa concepção quatro elementos, quais sejam: 1) pertença a um Estado-

nação, ou seja, há uma personalidade definida num território geográfico; 2) direitos ativos e

passivos, ou seja, direitos que abrangem tanto as garantias individuais perante o Estado como

direitos que se referem à participação nas esferas de decisões do poder público; 3)

universalidade, que exclui o caráter particularista e informal, tornando-se direitos positivados

que devem ser garantidos para todos pelo Estado; 4) igualdade no aspecto formal perante o

ordenamento jurídico. (VIEIRA, 2001, p. 35).

Trata-se de uma proposição reducionista das ciências sociais que atribui à ideia de

cidadania um mero status. Em contraponto a essa tendência, Liszt Vieira elenca concepções

críticas que consideram a cidadania como processos integrados numa comunidade nacional,

ou como um conjunto de práticas políticas, econômicas, jurídicas e culturais que definem a

pessoa enquanto membro da sociedade.31 Portanto, cidadania e espaço público devem ser

articulados como categorias que se interpenetram.

Nessa mesma linha de entendimento, Jurgen Habermas começa a desenhar essa

conexão expondo que a esfera pública pode ser entendida, inicialmente, como

[...] a esfera das pessoas privadas reunidas em um público; elas reivindicam esta esfera pública regulamentada pela autoridade, mas diretamente contra a própria autoridade, afim de discutir com ela as leis gerais de troca na esfera fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis do intercâmbio de mercadorias e do trabalho social. (HABERMAS, 1984, p. 42).

Importa salientar que o contexto da formação dessa esfera de debate público, que se

iniciou nos séculos XVII e XVIII, com a estruturação da vida burguesa contrariando a rígida

ordem medieval, acaba por romper com as hierarquias fundamentadas na autoridade e na

tradição, dando condições para o surgimento de um campo de ação política. Na abordagem

habermasiana, a condição de cidadão-burguês é o elemento gerador das possibilidades de uma

atuação política no espaço público.

Ao defender a teoria habermasiana das críticas de matriz marxista, Leonardo Avritzer

(1999, p. 33) argumenta que, naquele tempo histórico, não foi possível compreender o

31 Segundo Vieira, “a definição de cidadania fornecida pelas ciências sociais conforme explicitada acima, difere

das demais, seja por não se restringir ao processo de naturalização, como as definições legais, por exemplo, seja por não se esforçar em definir o que seja um bom cidadão. É assim que Somers rejeita a cidadania como status e propõe sua definição como processo, constituído por uma rede de idiomas políticos que acentuam a pertença e os direitos e deveres universais em uma comunidade nacional”. O autor ainda destaca o pensamento de Turner, para o qual a cidadania é considerada um conjunto de práticas integradas que definem a pessoa como membro competente da sociedade. (2001, p. 35).

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resultado prático da declaração e positivação de direitos de liberdade, que limitaram o poder e

se colocaram de forma exterior a ele. Fedozzi resume esse pensamento da seguinte forma:

Marx não capta a dimensão universal dos direitos, qual seja, a independência do pensamento e da opinião face ao poder, da clivagem entre poder e saber e não somente da cisão entre burguês e cidadão, entre a propriedade privada e a política [...] [...] O autor de Mudança estrutural na esfera pública aponta para a complementariedade das três condições na medida em que a necessidade de privacidade e publicidade instauram princípios compatíveis com a cidadania civil e política. (2001, p. 88).

Estabelecidos esses critérios, faz-se necessário uma análise da concepção e cidadania

liberal, categoria que começa a se desenhar no contexto de formação do Estado liberal

burguês, ao ser substituído o antigo modelo baseado na desigualdade legitimada do sistema

feudal por um fundado na igualdade jurídico-formal de cada indivíduo, tornando-se

indispensável para a consolidação do mercado e da nova classe dominante, a burguesia.

Definitivamente, essa passagem se constitui num momento de transição paradigmática que

marca, portanto, a passagem de uma sociedade estamental para uma sociedade de classes.

(FEDOZZI, 1999, p. 88). Trata-se de uma cidadania que prioriza o indivíduo por meio de um

ideário liberal propositivo de uma gama de liberdades civis e da garantia absoluta ao direito

de propriedade.

Esses direitos, em virtude de sua contextualização histórica de embate com os poderes

tradicionais do Estado de afirmação da liberdade individual, determinam-se como liberdades

negativas, com as quais são demarcadas as fronteiras entre Estado e sociedade civil. Assim, o

projeto de cidadania burguesa do século XVIII concretizou-se juridicamente sob a forma dos

chamados “direitos civis”. (CORRÊA, 1999, p. 211). Segundo Marshall, citado por Fedozzi

(1999, p. 30), os direitos civis são os “[...] necessários à liberdade individual – liberdade de ir

e vir; liberdade de imprensa, pensamento e fé; o direito à propriedade e o de concluir

contratos válidos; e o direito à justiça que através dos tribunais, torna possível defender

igualmente todos os demais”.

Na nova ordem burguesa, os homens são vistos como livres e iguais num status

uniforme de cidadania formal estabelecida por vinculação jurídica com o Estado. Como

afirma Marshall (1967, p. 77): “A cidadania é um status concedido àqueles que são membros

integrais de uma comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito

aos direitos e obrigações pertinentes ao status.”

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Existe, evidentemente, uma confusão entre essa dimensão jurídica da cidadania e os

denominados “direitos fundamentais da primeira dimensão”, identificados basicamente com a

matriz jusnaturalista, que expõe o rol de direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à

igualdade perante a lei. (SARLET, 2003, p. 52). No entanto, na dimensão política da

cidadania, ou seja, na sua capacidade de inserir indivíduos na formulação do espaço público,

verifica-se uma característica restritiva.

Essa outra característica presente na formação da cidadania moderna de matriz liberal

é uma espécie de cisão da cidadania. Tal divisão aparece no pensamento de Sieyès, que

classificou a cidadania em ativa e passiva: a primeira limitando-se ao vínculo jurídico do

cidadão com seu respectivo Estado, excluindo a ideia de participação do cidadão na

elaboração do mesmo; a segunda possibilitando a participação do cidadão na construção do

Estado, esta reservada à burguesia. No registro de Corrêa:

No entanto, a cidadania política, isto é, o efetivo exercício da representação da nação e a conseqüente tomada de decisões em nome do todo do “corpo social”, foi reservada aos cidadãos/políticos através do mecanismo discriminador do voto e da elegibilidade censitários explicitamente defendidos por Sieyès. Enquanto homens/produtores todos são agraciados pela cidadania civil, de caráter passivo. Já enquanto cidadãos em sentido estrito apenas os representantes do poder econômico têm acesso à cidadania política, de caráter ativo. (1999, p. 219 - grifo do autor).

É como classe dominante que a burguesia sustenta apenas o aspecto formal do

discurso de universalidade da revolução, porque o princípio liberal parece se dissociar do

princípio democrático. Basta analisar a cisão operada na categoria cidadania elaborada por

Sieyès, que acaba por aprisionar o poder popular, sustentando que a complexidade da

sociedade moderna exigia uma classe política elitizada capaz de dirigir o Estado.

Bem diferente é o ponto de vista defendido por Rousseau (1998, p. 43), pelo qual a

democracia representativa dar-se-ia de modo mediato, num processo em que os cidadãos

escolheriam um determinado grupo para representá-los. Não bastasse a própria ideia de

representação, a burguesia ainda proporcionou uma série de estorvos, privilégios e empecilhos

à sua universalização. Bonavides (1993, p. 33) comenta que, mesmo na França, país de grande

maturação constitucional, o sufrágio universal só foi alcançado em 1848.

Os direitos políticos, portanto, foram excluídos ou não previstos na Declaração

Francesa e nos estatutos legais da França no período de 1791 a 1884. Esses direitos foram

conquistados com as lutas das classes subalternas não contempladas pelo processo

revolucionário burguês, muito embora dele tenham participado, pois o resultado daquele

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processo foi a institucionalização de uma dimensão estritamente liberal da cidadania,

acompanhada de uma forma de representação limitada e excludente. (FEDOZZI, 1999, p. 35).

Segundo Marshall, os direitos políticos não significaram, necessariamente, a criação

de novos direitos para enriquecer o conceito de cidadania, mas a ampliação da titularidade

desses direitos a novos setores da população. Os direitos políticos foram transferidos de um

substrato econômico para um status pessoal, passando a representar a possibilidade de o

indivíduo ingressar nos organismos públicos por meio do direito de votar e ser votado.

(MARSHALL, 1967, p. 69).

Resumindo o posicionamento liberal acerca da cidadania, Habermas define-a da

seguinte forma:

Acording to the liberal view, the citizens status is primarily determinade by negative rights they have vis-à-vis the state and other citizens. As bearers of these rights they enjoy the protection of government, so long as they persue their private interests within the boundaries drawn by the law – and this includes protection against governmente intervention. Political rights, such a similar meaning as civil rights that provide a sapace within wich legal subjects are released from external compulsions. They give citizens the possibility of asserting their private interest in such a way that through elections, the composition of parliamentary bodies, and the formation of a govenament, these interest finally aggregate into a political will that makes an impact on the administration32. (1994, p. 8).

Embora a ampliação dos direitos políticos tenha incorporado avanços à significação da

cidadania, deve-se ressaltar que não conseguiram evitar a predominância da categoria

fundamental da concepção liberal de cidadania elaborada inicialmente por Sieyès, qual seja, a

representação. A cidadania continua sendo concebida segundo uma matriz liberal, estruturada

na cisão entre cidadania ativa e passiva, concebendo um modelo de democracia representativa

ou indireta. Conclui Andrade:

32 “De acordo com o ponto de vista liberal, o status de cidadão é primariamente determinado pelos direitos

negativos que eles têm em relação ao estado e aos outros cidadãos. Como possuidores destes direitos eles gozam de proteção do governo, um vez que eles persigam seus interesses privados dentro dos limites traçados pela lei –e isso inclui a proteção contra a intervenção do governo. Os direitos políticos, tais como o direito ao voto e ao livre discurso, não apenas têm a mesma estrutura mas também um significado similar enquanto direitos civis que oferecem um espaço dentro do qual os sujeitos legais estão livres de compulsões externas. Eles dão ao cidadão a possibilidade de fazer valer seus interesses privados dessa forma. Através das eleições, da composição dos corpos parlamentares e da formação de um governo, esses interesses por fim se agregam em um desejo político que impacto sobre a administração”. (Livre Tradução).

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Desta forma, o conceito de cidadania, que é um elemento constitutivo de tal cultura, é tributário de suas matrizes e, em especial, do liberalismo, razão pela qual a cidadania é concebida (tal como nesta matriz) como direito à representação política e o cidadão definido como indivíduo nacional titular de direitos eleitorais (votar e ser votado) e do direito de exercer cargos públicos. Tal conceito vincula-se, por sua vez, a um modelo específico de democracia, fazendo com que a cidadania seja dependente e inexista fora de seu interior. Trata-se da democracia representativa ou indireta, originada da mesma matriz liberal. (1988, p. 125).

A cidadania não é um status contínuo e permanente, visto que se presentifica apenas

nos processos eleitorais periódicos, exercida por meio do voto. A atuação política nada mais

seria do que o momento eleitoral, no qual se busca a satisfação de interesses privados.

Passado esse momento, o espaço público é fechado, deixando-se o destino da coletividade nas

mãos dos escolhidos; os demais são remetidos ao espaço privado, à domesticidade, na qual a

atuação política é desaconselhada pela matriz liberal. Andrade resume esse pensamento da

seguinte forma:

[...] não é uma dimensão que possua um fim em si mesma – como emancipação humana – mas que ela foi moldada a partir das exigências institucionais do modelo liberal de sociedade e de Estado, possuindo em primeira instância, um valor instrumental. Mais especificamente foi moldada de acordo com as exigências do modelo de democracia representativa, sendo, por um lado, dele dependente, e, por outro lado, elemento indispensável ao seu regular funcionamento. (1988, p. 127).

Em suma, da dialética moderna entre a expressão da “vontade do povo”, pela

representação, e a sua manifestação imediata como sujeito emancipado preocupado com a

construção do espaço público, prevaleceu a síntese quase hegemônica da representação.

(DUSO, 2005, p. 214). É a concepção de uma cidadania do self interest, ou seja, do indivíduo

de ação econômica maximizada e de ação política minimizada.

1.2.3 Modelo liberal de espaço público

A dificuldade de se obter uma conceituação consensual do modelo liberal de espaço

público tem relação direta com as diferentes roupagens do liberalismo, bem como com as

estruturas institucionais e sociais por elas propostas.33 No entanto, é possível, por meio de

33 Bobbio e Matteucci (1997, p. 689) esclarecem: “Outro motivo que torna difícil o uso do termo liberal no

campo da história das idéias é a diversidade das estruturas sócio-institucionais em que as mesmas se manifestam”.

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uma análise historiográfica, identificar as linhas gerais de um espaço público formatado pelas

teorias liberais e pela atuação da burguesia no cenário político.

O discurso liberal assumiu, ao longo dos tempos, tantas facetas que Bobbio chega a

afirmar que nem sempre a burguesia esteve afinada com as teorias liberais. Em alguns

momentos históricos, a burguesia identificada na teoria marxista como detentora dos meios de

produção aproveitou-se do protecionismo do Estado interventor, contrariando as concepções

liberais. Por isso, tanto Habermas (1984) quanto Bobbio (BOBBIO; MATTEUCCI, 1997,

p. 687) alertam que é simplista demais a identificação da burguesia como classe social.

Segundo os autores, este termo expressa, simbolicamente, mais do que isso, porque representa

um conjunto de sujeitos sociais que ocupam o espaço da cidade, sendo responsáveis pela

formação da opinião pública. Evidentemente, essa perspectiva está atrelada ao século XVIII,

no qual Habermas identificava a criação de um espaço autônomo de formação da opinião

pública.34 Ao analisar o espaço público burguês, Habermas descreve-o como uma esfera de

pessoas privadas que atuam num espaço institucionalizado e garantido pela autoridade estatal,

ao mesmo tempo em que se contrapõem a ela. Seu objetivo é, pois, interferir na formação das

leis gerais que regulam a atividade econômica e a apropriação do trabalho social.

(HABERMAS, 1984).

A proposta liberal do século XVIII estabeleceu duas esferas de integração social, que

se contrapuseram ao Estado absolutista: a do mercado e a da opinião pública. Essa é a

interpretação habermasiana, que Bobbio explica de forma didática:

34 “Encontramo-nos diante do terceiro preconceito, o ‘histórico’, que dos três com certeza é o mais enraizado: o

liberalismo é a ideologia da burguesia. Tal preconceito se deve a dois erros metodológicos: antes de tudo dizer que a burguesia é uma classe nos leva a cair no vago e no equívoco. Porque o termo burguesia, referido a um período histórico tão amplo que coincide com a formação da Europa moderna, pode significar os habitantes das cidades, que desempenham determinadas funções, os proprietários, as classes mercantis, os capitalistas, a classe média de profissionais liberais, os engravatados, as classes dominantes (ou classe política). A burguesia se torna, pois, um fantasma de mil faces, à qual dificilmente podemos atribuir uma clara e eficiente estratégia para seu próprio desenvolvimento, que seria justamente o liberalismo. [...] Além disso, se o liberalismo político, principalmente na Inglaterra, identificou-se com o liberalismo econômico, precisamos reconhecer também que nem toda a burguesia européia foi livre cambista, uma vez que muitas vezes aproveitou-se das vantagens oferecidas pelo protecionismo do Estado, forçando freqüentemente os liberais livre-cambistas ou os livre-cambistas não liberais (às vezes socialistas) a ficarem na oposição”. (BOBBIO; MATTEUCCI, 1997, p. 700).

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Porém no interior do Estado Absoluto cria-se um espaço particular interno, que a burguesia, uma vez tomada consciência da própria moralidade, ocupa progressivamente, até torná-lo público, embora não político imediatamente: as ações políticas começam a ser julgadas pelo tribunal da moral. Este tribunal da sociedade (clubes, salões, bolsa, cafés, academias e jornais) chama-se “opinião pública” e age em nome da razão e da crítica. Enquanto na Inglaterra, se dá uma verdadeira coordenação entre moral (opinião pública) e política (Governo), na França com o iluminismo, o contraste é radicalizado, preparando desta forma a crise revolucionária. A burguesia liberal iria se firmando, pois, no século XVIII, mediante o monopólio do poder moral e do poder econômico, em relação ao qual o Estado Absoluto, enquanto Estado exclusivamente político ficava neutro. Sua transformação e sua destruição tiveram origem na opinião pública e no mercado. (BOBBIO; MATTEUCCI, 1997, p. 699).

Partindo do referencial habermasiano, pontuamos alguns elementos que identificam a

perspectiva liberal de garantir ao indivíduo a autonomia necessária para a sua atuação tanto na

esfera pública como na privada, pela regulação jurídica que institui um poder central neutro.

O objetivo é garantir uma igualdade de condições para que os indivíduos atuem de forma a

atender às suas necessidades sem a interferência de um poder central.

A proposta liberal, segundo Vieira, forma um aparato jurídico-político que se legitima

por meio de uma proposta de neutralidade dialógica quanto aos diversos grupos existentes

numa sociedade, determinando que o justo seja efetivamente neutro quanto às concepções de

vida digna. A “tradição liberal, de matriz kantiana preocupa-se com a questão de uma ordem

justa e estável, fornecendo um modelo chamado de legalista”. (VIEIRA, 2001, p. 51).

Mesmo se despindo de uma perspectiva crítico-marxista e procurando reafirmar a

importância histórica da formação desse espaço público, é necessário observar que a

possibilidade de acesso a essa espacialidade pública continua a depender dos direitos de

cidadania civil e da condição de burguês. Isso leva à conclusão de que a proposta liberal é

excludente porque, ao buscar uma legitimidade racional-legal que independe da participação

dos demais grupos sociais com base numa concepção jurídica de neutralidade, impede o

acesso de grupos sociais ao espaço público. Comenta Vieira:

A neutralidade é uma das bases do sistema legal moderno, estabelece um espaço dentro do qual os indivíduos autônomos podem perseguir sua concepção de vida digna, mas é demasiado restritiva e paralisante para ser aplicada às dinâmicas disputas de poder no processo político real. De fato a, a política e a democracia não podem ser neutras. Desafiam, redefinem e renegociam o tempo todo as divisões entre o bom e justo, o moral e o legal, o privado e o público. (2001, p. 58).

Essa concepção fica mais nítida em Habermas:

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Nas primeiras Constituições modernas, as seções do catálogo dos direitos Fundamentais são uma cópia do modelo liberal de esfera pública burguesa: garantem a sociedade como esfera da autonomia privada; contraposta a ela, um poder público limitado a umas puçás funções; e, ao mesmo tempo, entre ambos, o setor das pessoas privadas reunidas num público que, como cidadãos, intermediam o Estado com necessidades da sociedade burguesa, a fim de, conforme com a idéia ai subjacente, no meio dessas duas esferas, fazer com que autoridade política dessa espécie devesse ser mensurada, parecendo então garantido, caso se partisse do pressuposto de uma sociedade com livre intercâmbio de mercadorias (com a sua “justiça”, intrínseca ao mecanismo de mercado e à troca de mercadorias, da igualdade de chances em obter propriedades, isto é: de independência privada e co-gestão política), que o intercâmbio de pessoas privadas a nível de mercado e na esfera pública estivesse livre de dominação. Todas as relações de poder neutralizar-se-iam, então, automaticamente dentro da sociedade de pequenos comerciantes, constituindo uma esfera emancipada da dominação. [...] Por certo status negativus e status activus estavam tão nitidamente separados quanto as posições e funções de bougeois e de cityen, de pessoa privada e de cidadão em geral. (1984, p. 260).

Na concepção liberal temos uma espacialidade pública juridicamente garantida sob

uma dimensão negativa, ou seja, um local livre do poder central. A atuação política do

cidadão é circunscrita a esse espaço e aos instrumentos de democracia representativa. O

cidadão não constrói o espaço público; apenas é chamado a legitimá-lo, inclusive como

mecanismo de implementação de seus interesses individuais, porque, posteriormente, deve

remeter-se à esfera privada e dela cuidar, sem se preocupar com a coletividade, deixada a

cargo de uma elite política e das regras de mercado.

Como expressa Sartori (1965) ao comentar o pensamento liberal de John Stuart Mill, o

espaço público e os direitos políticos de matriz liberal têm como objetivo evitar que os

cidadãos sejam mal governados, não que eles mesmos governem. Assinala Hobsbawm:

Assembléias soberanas, eleitas por um sufrágio restrito mas em expansão, tornaram-se cada vez mais comuns a partir da Era das Revoluções, mas a sociedade burguesa do século XIX supunha que o grosso da vida de seus cidadãos teria lugar não na esfera de governo, porém na economia auto-regulada e no mundo de associações privadas e não oficiais (a “sociedade civil”). (1999, p. 139).

Sartori (1965, p. 379) explica que a democracia liberal35 tinha como principal objetivo

o controle do poder político, cuja consequência foi a adoção de um “Estado-faz-nada”, pois

desconfiava de qualquer igualdade outorgada gratuitamente de cima.

35 Sartori delimita nitidamente a diferença entre o liberalismo clássico e o neoliberalismo (novo liberalismo),

expondo que o contexto histórico do liberalismo clássico clama por liberdade perante o antigo regime, não necessariamente por um Estado Mínimo. Adverte, ainda, acerca da multiplicidade do termo “liberalismo” em suas diferentes dimensões – política, econômica, social ou mesmo religiosa – e acaba por afirmar que do núcleo do liberalismo político clássico deve-se reter a idéia de Estado constitucional.

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O liberal está na defensiva no plano social, mas é ativo quando passa a supervisionar o método de criar a ordem social. O democrata é de algum modo indiferente ao método, estando interessado acima de tudo com a substância, e prefere exercer o poder (no sentido redistributivo) a vigiá-lo. (SARTORI, 1965, p. 384).

Transpondo essa linha de raciocínio para as finanças públicas ou para uma concepção

orçamentária embrionária, contextualizada dentro dessa matriz de Estado, de cidadania e de

espaço público, vislumbramos a necessidade de um mecanismo de limitação do poder central

de arrecadação. A influência da consolidação de uma classe detentora de riquezas e produtiva,

a burguesia, e o seu discurso de relativa abstinência política do indivíduo só poderiam gerar a

concepção de controle fiscal negativo, ou seja, de proteção da propriedade e da riqueza

individual diante da estruturação do Estado Moderno. Este Estado tem a concepção de um

“orçamento” cuja principal função é o controle da arrecadação, não o controle sobre o gasto

público. Assim, faz-se necessário uma análise das características que o orçamento irá assumir

diante da matriz liberal de espaço público e de cidadania.

1.2.4 O orçamento no Estado Liberal

Faz-se necessário compreender que a concepção de orçamento nasce da interação entre

as concepções de Estado, de cidadania e de espaço público desenvolvidas entre os séculos

XVII e XVIII. O orçamento é o subproduto da visão que a classe hegemônica desse período

possuía acerca do modo de produção de riquezas e do aparato político-jurídico montado para

legitimá-lo e para superar, definitivamente, o antigo regime. Nesse contexto, o orçamento

assumiu características fundamentais, que no decorrer da história iriam se desdobrar nos

princípios que norteiam, em grande parte, a atividade orçamentária até os dias atuais.

Embora seja de extrema dificuldade caracterizar esses elementos do orçamento em

face das diferentes estruturas de Estados e da sua fase embrionária, podemos apontar – por

meio das categorias trabalhadas anteriormente, com maior eu menor ênfase, nos Estados de

democracia liberal, onde a burguesia se consolidou como classe hegemônica nos séculos XVII

e XVIII – a adoção de uma concepção orçamentária restritiva ou negativa. Assim, o

orçamento é criado, como toda esfera administrativa do Estado Liberal, com base na matriz

ideológica do liberalismo, assumindo as feições de um instrumento de controle do poder de

tributar, como afirma Torres:

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O Estado de Direito em seus primórdios aparecia como Estado Fiscal Minimalista ou Estado Orçamentário Liberal. O sistema tributário, raramente expressão em nível constitucional, encontrava sólido anteparo na extensão imensa da liberdade individual. Enquanto na Constituição a fiscalidade surgia como limitação ao poder de tributar, no direito infraconstitucional se manifestava através dos tributos capazes de fornecer os recursos para atender às necessidades mínimas da garantia estatal às liberdades individuais. O Estado Fiscal dessa fase histórica, que era um dos aspectos do Estado Guarda-Noturno, ou seja, do Estado que se restringia ao exercício do poder de polícia, da administração da justiça e da prestação de uns poucos serviços públicos, não necessitava de sistemas tributários amplos e por não assumir demasiados encargos na via das despesas públicas e por não ser provedor da felicidade do povo, como acontecia no patrimonialismo. (2008, p. 11).

Portanto, a primeira característica do orçamento no Estado Liberal é a sua função de

controle do gasto exercido pelo parlamento. Numa dupla via, a burguesia tornará públicos a

arrecadação e o gasto do Estado, separando-os do patrimônio da coroa e submetendo-os ao

controle da legalidade. O orçamento, no Estado Liberal, passa a ser regido pelo princípio da

legalidade, da publicidade e, mais tarde, da anualidade, rompendo, definitivamente, com a

característica patrimonial das finanças estabelecidas no antigo regime.

Assim, o orçamento é o instrumento administrativo de um Estado Mínimo criado pela

burguesia para proteger a esfera patrimonial do indivíduo, possuindo o objetivo central de

controlar a arrecadação, relegando a segundo plano o controle dos gastos, que, por sua vez,

não possuíam uma perspectiva teleológica social. Em outras palavras, como expõe Rosa

Júnior (2007, p. 3), o liberalismo não via na tributação um meio de modificar a estrutura

social e a conjuntura econômica, criando uma concepção de “finanças neutras” do Estado.

Senellart (2001, p. 458) comenta que a posição liberal do século XVIII representava a

recusa da intervenção estatal para prover o “bem positivo” do súdito, ou seja, saúde,

educação, moralidade, assistência, entre outras atividades. Ao Estado caberia, tão-somente,

garantir o “bem negativo” dos súditos, apontado como a segurança da esfera privada garantida

em lei. A cidadania do self interest adequava-se a esse modelo, porque oferecia uma esfera

negativa de proteção sobre as atividades produtivas individuais e não interferia

excessivamente no domínio econômico. Essa concepção de cidadania também caracterizava a

arrecadação “equitativa formal” do Estado para a manutenção das despesas mínimas, ou seja,

a coletividade era tributada de forma igual, sem levar em consideração as características

econômicas individuais de cada cidadão.

A segunda característica é concebida nessa perspectiva e afirma-se como a

neutralidade e equilíbrio das finanças públicas, ou seja, a atividade financeira do Estado deve

ser neutra e equilibrada; decorre diretamente da axiologia liberal, que não orientava o

indivíduo para a construção política do espaço público, mas, sim, privilegiava a ação

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econômica na esfera privada regulada pelas próprias regras do mercado. Como afirma

Fonrouge (2004, p. 14), a opção pela neutralidade e pelo equilíbrio das finanças estatais é uma

escolha política e filosófica que não se confunde com uma opção técnica eu cientificamente

neutra.

Assim, alguns dos princípios orçamentários, como o da anualidade, da legalidade, da

publicidade e do equilíbrio, surgiram diretamente da concepção restritiva e neutra do

orçamento público esculpida pela burguesia como traço fundamental do Estado Liberal. Essa

concepção de neutralidade das finanças estatais iria fundamentar a teoria clássica do

orçamento e, mais tarde, a própria concepção neoliberal.

A terceira característica é, em parte, estranha à matriz de pensamento anteriormente

exposta, mas contemporânea a sua criação. Trata-se da concepção do orçamento como lei

formal, esculpida na contramão da teoria liberal do Estado, na Alemanha do século XIX.

Torres (2008, p. 66) aponta o conflito entre a monarquia e o Parlamento da Alemanha em face

da expansão dos gastos públicos de 1841 a 1863. A monarquia, interessada em ampliar seus

gastos militares, contrapôs-se aos interesses da burguesia representada no Parlamento e

acabou por estabelecer uma teoria autoritária e discricionária do orçamento público, que

permitia a execução de gastos públicos sem prévia autorização parlamentar.

Aliás, Senellart (2001, p. 460), ao analisar o pensamento administrativo alemão como

o germe do Estado de Bem-Estar ou Estado de Polícia (Wohkfahrtsstaat), indica um perfil

diferente da matriz liberal, que se denomina “ciência cameral” ou “cameralística”. Era a

ciência das finanças públicas e da administração do Estado desenvolvida nas bases de uma

burocracia ligada ao monarca, ou seja, órgãos de planificação e controle burocrático, que a

partir de 1727 tornou-se parte dos ensinamentos dos futuros funcionários do Estado alemão.

(SNELLART, 2001, p. 460). Esse pensamento colocava no centro das relações sociais o

Estado, não o indivíduo, como expõe o autor:

O problema central da ciência, para os cameralistas, era o problema do Estado. O objeto de toda a teoria social, segundo eles, era mostrar como o bem-estar (welfare) do Estado podia ser assegurado. Eles viam no bem-estar do Estado a fonte de qualquer outro bem-estar. A chave desse bem-estar consistia nos rendimentos que permitiam ao Estado suprir as suas necessidades. Toda a sua teoria social irradiava a partir desta tarefa central: fornecer ao Estado dinheiro pago à vista e em moeda corrente. (SENELLART, 2001, p. 460).

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Em síntese, a cameralística é apontada como uma das matrizes de pensamento que

iriam influenciar as finanças públicas e a administração do Estado alemão, caracterizando-se

pelo seu contraponto ao pensamento liberal ao expor a necessidade de atuação do Estado nos

planos econômico e social.

Esse contexto deve ser levado em consideração quando surge o conflito entre o poder

central de caráter fortemente arrecadador e o Parlamento, ou seja, na síntese prevalece uma

postura que irá privilegiar o poder central. Torres (2008, p. 67) menciona essa característica

ao relatar a herança da classificação do orçamento como ato legislativo de conteúdo

meramente administrativo, que perdurou até o século XX.

No mesmo sentido, Fonrouge expõe que a doutrina alemã de direito público vinculada

a uma visão autoritária da atividade orçamentária influenciaria o direito francês e o

positivismo normativista, que acabaria por conceituar o orçamento como uma lei formal de

conteúdo meramente administrativo. Essa doutrina predominante fazia uma clara opção

metodológica por encobrir os aspectos históricos e políticos do orçamento, alicerçando essa

categoria em pressupostos puramente lógicos e formais, o que, afinal, redundaria na sua

classificação como lei formal. (TORRES, 2008, p. 67).

Assim, o normativismo liberal incorpora essa concepção por meio do positivismo

normativista quando este purifica o direito da política. À medida que o positivismo

normativista se alinha com a matriz ideológica do liberalismo econômico, o orçamento

público passa a assumir a característica de uma lei formal e, durante todo o século XIX e

início do século XX, os juristas preocupam-se apenas com a classificação do orçamento como

lei formal ou lei material, num plano epistemológico desvinculado da função política que tal

instrumento possui. Isso contribuiu, significativamente, para a concepção orçamentária do

Estado Liberal.

A Constituição Orçamentária, durante todo o séc. XIX e início do século XX, constitui o Estado Fiscal Clássico, ou seja, o Estado guarda Noturno, que se limita a fazer a guerra, prover a justiça e interferir minimamente sobre a vida econômica e social dos diversos países. A Teoria Clássica do orçamento, que lhe corresponde, apóia-se na distinção entre lei formal e material. (TORRES, 2008, p. 5).

Essa matriz de pensamento predominou até o século XX. Bobbio (BOBBIO;

MATTEUCCI, 1997, p. 703) assinala que, num certo momento histórico, em razão de

pressões políticas e conjunturais, as teorias liberais e o próprio Estado Liberal foram

obrigados a dar uma resposta às reivindicações de grupos excluídos, principalmente quanto às

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demandas sociais. Então, a alternativa política para absorver essas reivindicações sem

promover uma ruptura foi a de fusão das estruturas democrático-liberais com aparatos

administrativos e burocráticos, visando a uma eficiência econômica e à resolução dos

problemas sociais. Emergiu nesse cenário a ideia do Estado de Bem-Estar,36 que iria

modificar as estruturas governamentais, bem como a sua dimensão fiscal, gerando uma tensão

permanente entre o Estado e o mercado. Przeworsky explica:

O capitalismo é um sistema em que recursos escassos são privadamente apropriados. Entretanto, nesse sistema a propriedade é institucionalmente separada da autoridade. Em decorrência disso, existem dois mecanismos mediante os quais os recursos são alocados para usos diversos e distribuídos para os consumidores: o mercado e o Estado. No mercado, recursos produtivos (capital, terra e capacidade de trabalho) são alocados por seus proprietários e a distribuição do consumo resulta da interação descentralizadas. O Estado, porém, também pode alocar e distribuir, agindo sobre aqueles mesmos recursos que constituem a propriedade privada. Estados podem não somente taxar e transferir, mas também regular os custos e benefícios relativos, associados a decisões privadas. Portanto, há no capitalismo uma tensão permanente entre mercado e o Estado. (1995, p. 7).

Percebemos, portanto, um aspecto importante da teoria liberal: a defesa da autonomia

de uma esfera pública perante o poder do Estado. Essa autonomia foi quebrada pelos Estados

sociais com a intenção de resolver problemas de justiça social, justamente porque o aparelho

burocrático passou a atuar de maneira paternalista, afetando a autonomia da sociedade civil e

do mercado para manter o modo de produção capitalista, e alterou significativamente a

concepção de orçamento público.

36 “Para concluir acerca da atualidade do liberalismo, podemos tomar como ponto de partida uma afirmação de

Keynes. De acordo com essa afirmação, os sistemas políticos democrático-liberais demonstrariam fatualmente sua superioridade assegurando, ao mesmo tempo, um máximo de eficiência econômica, de justiça social e de liberdade individual. Esta tese serve não apenas para confirmar – ou não- a superioridade dos sistemas democráticos sobre os socialistas, mas também evidenciar os elementos problemáticos característicos da existência de valores bastante diferentes, se a liberdade não for entendida como uma mera situação garantida em lei. Em outras palavras, trata-se de ver, tendo presente as inquietações das mais recentes da literatura liberal, se a resposta que foi dada ao problema da eficiência econômica, com a aceitação da lógica técnica, ou da justiça social. Com o esforço do Estado administração, é compatível com exercício, pelo indivíduo, de uma efetiva liberdade política e social: em síntese se o Welfare State é realmente um Estado liberal”. (BOBBIO; MATTEUCCI, 1997, p. 703).

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1.3 Cidadania, espaço público e orçamento no Estado de Bem-Estar

1.3.1 O Estado de Bem-Estar Social

Entre o enfraquecimento da concepção liberal de Estado e o surgimento do Estado de

Bem-Estar, pontos referenciais deste trabalho, existe uma ampla dimensão de fatos históricos

e concepções teóricas que não serão abordadas aqui37. A preocupação central do estudo é a

necessidade de um corte metodológico que analisa apenas as dimensões política, jurídica e

orçamentária de dois extremos: o Estado Liberal e o Estado de Bem-Estar Social.

Hobsbawm (1995, p. 267) afirma que, no século XIX, motivos políticos e econômicos

alteraram a concepção das autoridades acerca da matriz liberal e tornaram impraticável a

manutenção do laissez-faire e do livre-mercado. No relato do autor:

Alguns objetivos políticos – pleno emprego, contenção do comunismo, modernização de economias atrasadas, ou em declínio, ou em ruínas – tinham absoluta prioridade e justificavam a presença mais forte do governo. Mesmo regimes dedicados ao liberalismo econômico e político podiam agora, e precisavam, dirigir suas economias de uma maneira que antes seria rejeitada como socialista. Afinal, fora assim que a Grã-Bretanha e mesmo os EUA haviam orientado suas economias de guerra. O futuro na “economia mista”. Embora houvesse momentos em que as velhas ortodoxias de retidão fiscal, moedas e preços estáveis ainda contassem, não eram mais absolutamente obrigatórias. Desde 1933 os espantalhos da inflação e financiamento de dívida não espantavam mais os passarinhos dos campos econômicos, mas as safras ainda pareciam crescer. (HOBSBAWM, 1995, p. 267).

O planejamento da economia por meio do Estado, uma espécie de planejamento

limitado, foi adotado como método por grande parte das democracias ocidentais,

principalmente depois que a França (1945-1946) conseguiu expressivos resultados com a

reestruturação de sua economia industrial. (HOBSBAWM, 1995, p. 269).

Fonrouge (2007, p. 133) relata que em 1947, como parte do plano Monnet, elaborado

para a reconstrução do país, elaborou-se um documento formal de uma proposta orçamentária

com características que iriam além do mero controle financeiro do Estado. Era a adoção clara

de um planejamento da economia por meio do Estado, o que traria uma mudança às finanças

estatais.

O planejamento limitado pode ser definido como a adaptação de concepções soviéticas

(planificação total) a uma economia de mercado. (HOBSBAWM, 1995, p. 269). É um 37 Para saber mais ler Eric Hobsbawm Era dos extremos.

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planejamento de estrutura maleável, que sugere uma espécie de meio-termo entre uma

economia de mercado e o planejamento total típico do comunismo. (SARTORI, 1965, p. 401).

O ponto central dessa concepção e planejamento ultrapassa a mera regulamentação da

economia sugerida pelo liberalismo moderado. O Estado não é uma agência reguladora, mas

um centro de redistribuição dos recursos econômicos, que substitui as regras de mercado para

alcançar objetivos sociais, políticos e econômicos. A concepção de regulação das relações

econômicas pela “mão invisível” do mercado é substituída pela concepção de planejamento

social-democrático. (SARTORI, 1965, p. 401). Segue dizendo o autor:

Sob este tipo de planejamento o mercado funciona como um mecanismo para a determinação de preços, e como indicador das preferências dos consumidores (e das reações dos produtores): mas o sistema econômico, como um todo, não é mais governado pelas leis do mercado. Ele é dirigido, ao invés disso, por uma agência central, atuando em proveito de finalidades tais como justiça social, justiça distributiva, pleno emprego, desenvolvimento, ou outras (as metas dependerão, pelo menos no que toca à sua prioridade, dos problemas que um país especificamente enfrenta). (p. 403).

Diferentemente da perspectiva do Estado Liberal, o Estado de Bem-Estar, com o

intuito de gerir a economia, impedindo, assim, a disseminação do socialismo e, basicamente,

mantendo o trabalhador dependente do Estado, de certa forma, absorve o mercado e a

sociedade civil e, com o objetivo de harmonizar as pressões, gera dois fenômenos distintos.

(BOBBIO; MATTEUCCI, 1997, p. 401).

Aponta Habermas (1987, p. 105-106) que o Welfare State, com seu caráter

intervencionista, acaba por substituir a regulação do mercado e da sociedade por mecanismos

políticos de regulação. Assim, a vontade política é formada por mecanismos institucionais,

que, por sua vez, operam como filtro das solicitações funcionais ao sistema, acarretando que

instituições como o Parlamento, os partidos e sindicatos atuem como dispensadores de

serviços, trocando-os pelo apoio politicamente disponível. Institui-se, então, uma relação

clientelista com os segmentos da sociedade, que se tornam dependentes da interferência do

Estado.

Outro aspecto seria o processo de socialização do Estado pelo qual todas as demandas

e reivindicações da sociedade devem ser respondidas pelas instituições públicas, ocasionando

sua paralisia pelo excesso de procura. O Estado não consegue selecionar ou aglutinar as

demandas, o que leva à burocratização da vida pública, que, por sua vez, gera a perda do

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consenso. Enfim, trata-se da sobrecarga das instituições, provocando a perda na confiança da

capacidade do Estado de resolver os conflitos da sociedade e suas demandas.

Bobbio entende que existe uma incompatibilidade entre essas duas funções do Estado

provedor:

A crise fiscal do Estado é tida como um indício da incompatibilidade natural entre as funções do estado assistencial: o fortalecimento do consenso social, da lealdade para com o sistema das grandes organizações de massa, e o apoio à acumulação capitalista com o emprego anticonjuntural da despesa pública. (BOBBIO; MATTEUCCI, 1997, p. 402).

Essas mudanças estruturais provocadas pela inserção dos direitos sociais sofreram um

revés com a crise do Estado-Providência e a reação neoconservadora ou neoliberal. E não

poderia ser diferente, pois uma das principais características dos direitos sociais, segundo

Marshall, é a invasão do contrato privado pela cidadania.38

A reação veio no século XX, a partir da década de 1960, pois o Estado de Bem-Estar

entrou numa crise fiscal, com desequilíbrio entre receitas e despesas, em virtude da crise

econômica, do aumento das demandas por serviços sociais e da necessidade de investimentos

em infraestrutura para o capital. A falta de disposição para investimentos, a estagnação

econômica e o desemprego são relacionados pela opinião pública ao pesado custo do Welfare

State, implicando uma reação neoconservadora que coloca em risco os partidos: o Democrata,

nos EUA; o Trabalhista, na Inglaterra, e o Social-Democrata, na Alemanha.

As teorias neoliberais reagem aos avanços dos direitos sociais, defendendo a

revitalização do processo de acumulação e a valorização do capital a altos custos sociais. No

quadro político, portanto, tem-se o avanço da perspectiva neoliberal, que impõe ao conceito

de cidadania uma dimensão potencialmente conservadora e, ao Estado, uma nova

readequação.

Antes de abordar a crise do Estado de Bem-Estar, é necessário fixar mais claramente a

concepção social-democrata de cidadania e sua dimensão jurídica, bem como a concepção de

espaço público e orçamento surgida nesse contexto.

38 Na estrutura jurídica Bobbio (BOBBIO; MATTEUCCI, 1997, p. 698) destaca quatro características:

1) estrutura formal do sistema jurídico, garantia das liberdades fundamentais com a aplicação da lei geral-abstrata por parte de juízes independentes; 2) estrutura material do sistema jurídico: liberdade de concorrência no mercado, reconhecida no comércio aos sujeitos da propriedade; 3) estrutura social do sistema jurídico: a questão social e as políticas reformistas de integração da classe trabalhadora;

4) estrutura política do sistema jurídico: separação e distribuição do poder.

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1.3.2 Cidadania, Estado de Bem-Estar Social e Social Democracia

Embora somente a partir da metade do século XIX possa ser verificado o processo de

formalização dos direitos sociais, faz-se necessário destacar uma diferenciação feita por Liszt

Vieira entre os direitos garantidos pela consolidação do Welfare State e a cidadania social.

A concepção da social-democracia acerca da cidadania é muito mais ampla porque a

considera como conquistas universais da humanidade, garantidas e adquiridas pelo cidadão

pelo fato de estar vinculado a uma comunidade; já a realidade dos direitos sociais estruturados

no âmbito do Estado de Bem-Estar baseia-se em meios de asseguramento dos indivíduos mais

vulneráveis. (VIEIRA, 2001, p. 42).

O ápice das tensões político-econômicas do século XIX produziu o denominado

“Estado-Providência”, ou Welfare State, uma forma encontrada pela burguesia para responder

a um problema para o qual não estava preparada. Aliás, esse problema continua sem solução

mesmo no Estado Moderno. (BOBBIO; MATTEUCI, 1997, p. 403). Segundo Marshall

(1967, p. 103), a inclusão desses direitos sociais dava uma nova significação à cidadania,

gerando, consequentemente, uma guerra contra a sociedade de classes capitalista. O rol de

direitos fundamentais do Estado amplia-se, abrangendo não somente os direitos e garantias

individuais, as chamadas “liberdades burguesas”, como também os direitos sociais, como a

educação, saúde, moradia, vistos como verdadeiros direitos subjetivos, não mais como

assistencialismo. Bobbio define o Estado de Bem-Estar da seguinte forma:

O Estado de bem-estar (Welfare State), ou Estado assistencial, pode ser definido, à primeira análise, como o Estado que garante tipos mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação, educação, assegurados a todos os cidadãos, não como caridade mas como direito político. [...] Na realidade, o que distingue o Estado assistencial de outros tipos de Estado não é tanto a intervenção direta das estruturas públicas na melhoria do nível de vida da população quanto ao fato de que tal ação é reivindicada pelos cidadãos como um direito. (BOBBIO; MATTEUCCI, 1997, p. 416).

Esses direitos colidem com a dicotomia sociedade civil/Estado, própria do Estado

Liberal, que pretende impedir a atuação do Estado na esfera privada, ou, mais propriamente,

no mercado. (ANDRADE, 1988, p. 126). Como afirma Marshall (1967, p. 103), “[...] os

direitos sociais em sua forma moderna, implicam numa invasão do contrato pelo status, na

subordinação do preço de mercado à justiça social, na subordinação da barganha livre por

uma declaração de direitos”.

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Tem-se, assim, nos direitos civis do Estado Liberal a garantia da separação e não-

intervenção do Estado na sociedade civil burguesa, ao passo que os direitos sociais promovem

uma interação entre essas esferas, acarretando modificações em suas estruturas e colocando

em risco a dicotomia liberal de diferenciação entre essas.

Bobbio destaca a coexistência complicada das formas do Estado de Direito liberal

com o conteúdo dos direitos sociais do Estado de Bem-Estar. Segundo o filósofo italiano,

os direitos fundamentais representam a tradicional tutela das liberdades burguesas: liberdade pessoal, política e econômica. Constituem um dique contra a intervenção do Estado. Pelo contrário, os direitos sociais representam direitos de participação no poder político e na distribuição da riqueza social produzida. A forma do Estado oscila, assim, entre a liberdade e a participação. (BOBBIO; MATTEUCCI, 1997, p. 401).

Para a efetivação desses direitos, a máquina administrativa do Estado é aumentada

visando atender às demandas sociais, o que causa, consequentemente, uma voracidade fiscal.

O Estado intervém no mercado e passa a regulá-lo, ao mesmo tempo em que assume a

responsabilidade de atender a algumas de suas demandas, como infraestrutura, mão-de-obra

qualificada, proporcionando a expansão do sistema capitalista.

A concepção social-democrata de cidadania faz uma crítica à teoria liberal e defende

uma ampliação dos direitos de cidadania a grupos historicamente excluídos. Por outro lado,

enfatiza a participação da coletividade nas decisões do Estado e uma maior integração do

cidadão nas instituições. Afirma, também, a necessidade de um equilíbrio entre os direitos

individuais, direitos do grupo (tais como classe, gênero ou etnia), cujo resultado, segundo

Vieira, “é um complexo sistema identitário, construído a partir da noção do indivíduo

enquanto participante das atividades da comunidade”. (2001, p. 42).

Janoski, citado por Vieira (2001, p. 45), estabelece uma vinculação das teorias

políticas com as concepções de cidadania e com os respectivos regimes estatais. Para o autor,

os direitos políticos, sociais e de participação estariam ligados à social-democracia e aos

regimes social-democráticos, como a Dinamarca, Noruega, Suécia, Holanda, entre outros. Já

os direitos civis referem-se ao liberalismo e aos regimes liberais, típicos dos Estados Unidos,

Japão, Suíça, Canadá e Austrália.39

39 Haveria, ainda, a perspectiva comunitarista, ligada a países de regime mais tradicional. No entanto, Vieira

afirma que a separação entre a visão social-democrata e a comunitarista é excessivamente radical e traz algumas distorções.

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Assim, é possível identificar nitidamente as diferenças entre a concepção liberal e a

social-democrata: a primeira está na base individualista do liberalismo em contraposição à

democracia social, que se baseia na participação igualitária de grupos e indivíduos; a segunda

é o enfoque de direitos civis contratualmente relacionados do liberalismo e o equilíbrio de

direitos e obrigações por meio de trocas restritas e generalizadas da social-democracia, o que

leva à conclusão de que a terceira diferenciação básica tem ligação com o fato de, no

liberalismo, o rol de direitos ser maior que as obrigações e, na social-democracia, existir um

equilíbrio de direitos e obrigações, com especial ênfase na garantia dos direitos sociais.

(VIEIRA, 2001, p. 44).

Interligando essas três gerações de direitos, Marshall constrói a clássica definição de

direitos de cidadania, que pode ser resumida da seguinte forma:

Primeiramente os direitos civis, correspondendo aos direitos necessários para o exercício das liberdades, originados no século XVIII; depois, os direitos políticos, consagrados no século XIX, os quais garantem a participação, tanto ativa quanto passiva, no processo político; e finalmente, já no século XX, os direitos sociais de cidadania, correspondentes à aquisição de um padrão mínimo de bem estar e segurança sociais que deve prevalecer na sociedade. (1967, p. 64).

O conceito de direitos sociais da cidadania de Marshall refere-se “[...] a tudo que vai

desde o direito mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por

completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que

prevalecem na sociedade” (1967, p. 64). Fedozzi (1999, p. 54), ao comentar o conceito,

afirma que, por mais abstrato que seja, possui a utilidade de constituir-se como um critério de

“diferenciação e avaliação ética de qualquer país ou época.”

A dimensão social da cidadania impõe, portanto, reformulações à estrutura do Estado

capitalista contemporâneo, no sentido de aumentar a sua máquina administrativa e seu poder

de intervenção, ou seja, a cidadania exige, nos seus moldes atuais, uma maior participação do

Estado. Essas transformações começaram a ser desenvolvidas no Welfare State, pois, embora

seja um modelo pensado para manter e revigorar o modo de produção capitalista, visando

apenas à diminuição das desigualdades sociais por ele produzidas, acabou abrindo espaço para

ações políticas e jurídicas de caráter emancipatório.

A dimensão jurídica da cidadania social transforma-se e abre novas perspectivas

teóricas, pois, como afirma Sarlet (2003, p. 52), não se trata mais de liberdade perante o

Estado, mas de liberdade por meio do Estado. Ao analisar o posicionamento de Jellinek,

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Sarlet expõe que os direitos sociais transformam o status negativus em status positivus ou

status civitatis. Essa concepção assegura, juridicamente, ao indivíduo a possibilidade de

utilização de instituições estatais e de exigir ações positivas do Estado. (SARLET, 2003,

p. 162).

Verifica-se uma mudança da cidadania do self interest, de predominante abstinência

política para uma concepção de “status activus do cidadão, no qual este passa a ser

considerado titular de competências que lhe garantem a possibilidade de participar ativamente

da formação da vontade estatal”. (SARLET, 2003, p. 163).

A dimensão jurídica da cidadania social implica, necessariamente, uma mudança de

concepção estatal, a qual ocorre numa perspectiva estrutural e fiscal, pois a dimensão jurídica

da cidadania social não é implementada pelos tradicionais mecanismos de resolução de

conflitos do normativismo liberal, ou seja, só pode ser implementada por meio de uma

perspectiva redistributiva de recursos, que gera voracidade de arrecadação.

O grande problema foi que, mergulhados numa dupla crise fiscal e estrutural, houve

um domínio hegemônico do processo neoliberal de globalização, que obstaculizou o processo

de recuperação e também de reformulação, acontecendo, em alguns casos, até um retrocesso

e, em outros, como no caso brasileiro, nunca acontecendo satisfatoriamente. (STRECK;

BOLZAN, 2000, p. 70). Por outro lado, importa salientar que não há, necessariamente, uma

relação direta entre um certo grau de relativa implementação dos direitos sociais e uma real

incorporação e concretização de uma concepção de cidadania universal e de ampla

participação política dos cidadãos defendida pela social-democracia.

Mesmo que seja possível destacar em alguns países a efetivação dos direitos, a

proposição de ampliação dos espaços democráticos defendida pela social-democracia não

ocorreu. Segundo Habermas, a situação agravou-se com uma perda significativa da autonomia

da esfera pública, ocasionada pela invasão sistêmica do mundo da vida.

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A transformação sócio-estatal do Estado liberal de Direito precisa ser entendida a partir desta situação inicial. Ela se caracteriza pela continuidade, se não por algo como uma ruptura com as tradições liberais. O Estado social-democrata de direito não pode ser diferenciado do liberal pelo fato de que uma constituição do Estado se apresenta com a pretensão da coerção jurídica de fixar também a constituição de organizações sociais quanto a determinados princípios fundamentais, mas, muito antes pelo contrário, o que ocorre é que o Estado da social-democracia, exatamente na continuação da tradição jurídica do Estado liberal, vê-se obrigado, para estruturar as relações sociais, a fazer o avesso disso, pois também pretendia, outrora, assegurar um ordenamento jurídico global do Estado e da sociedade. Assim, avança cada vez mais no sentido de ele mesmo, tornar-se o portador da ordem social, ele precisa se assegurar, para além das definições negativas e denegatórias dos direitos liberais básicos, uma determinação positiva de como se deve realizar a “justiça” com a intervenção social do Estado. (HABERMAS, 1984, p. 261).

1.3.3 O espaço público no Welfare State: a manutenção da matriz liberal

Embora o Welfare State tenha significado avanços importantes na implementação de

um conceito de cidadania mais amplo que a do Estado Liberal, devem-se observar alguns

aspectos limitantes.40

O primeiro aspecto é a continuidade de uma matriz liberal de cidadania e espaço

público. A implementação de direitos sociais de bem-estar significou um ataque à dicotomia

estabelecida entre sociedade e Estado, acarretando uma invasão sistêmica que reificou as

relações sociais, retirando a autonomia da sociedade civil. O Welfare State colocou em prática

uma série de políticas públicas e passou a controlar, por meio da burocracia estatal, o mercado

e a sociedade, com o intuito de amenizar as crises do modo de produção capitalista, ou seja,

objetivava a manutenção de uma sociedade capitalista por meio de uma resposta estatal às

crises por ela apresentadas.

O segundo aspecto é que o fracasso da proposta keynesiana e o desmantelamento do

socialismo soviético, apontados por Boaventura de Sousa Santos (2002, p. 651) como

posturas “antiliberais”, fortaleceram as doutrinas neoliberais, criando a imagem de que o

modelo da liberal-democracia seria a única possibilidade viável. Segundo o sociólogo

português,

40 Segundo Habermas, (1984, p.106), o Estado Social foi único a herdar o caráter emancipatório da revolução

burguesa, visto que, de certa forma, após a Segunda Guerra Mundial este modelo foi adotado em dimensões diferentes por todos os partidos dirigentes que alcançaram maioria com propostas socioestatais. Portanto, é possível apontar o Estado contemporâneo como um Estado constitucional-democrático, orientado em diferentes proporções, referentes a cada país e época, por um ideário socioestatal.

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o fracasso de cada uma dessas três alternativas – ao longo das décadas seguintes – abriu campo para que o liberalismo político e econômico aparecessem juntos como um novo projeto hegemônico, associando Estado mínimo e extensão inédita das relações mercantis, sob a égide do neoliberalismo. O mundo parecia refeito à imagem e semelhança da utopia liberal. (SANTOS, 2002, p. 651).

Boaventura classifica esse processo como a perda da demodiversidade, entendida

como a coexistência pacífica ou conflituosa de diferentes modelos e práticas democráticas. O

modelo de democracia liberal reafirma-se como único e universal, sendo sustentado pelo

processo de globalização econômica e por instituições internacionais (Fundo Monetário

Internacional e Banco Mundial), que o impõem até mesmo como critério para a concessão de

empréstimos e ajuda financeira. (SANTOS, 2002, p. 72).

O Estado continua estruturado num modelo de legitimação racional-legal e numa ideia

de democracia representativa, orientando-se por uma racionalidade instrumental. Nesse

aspecto, faz-se necessário uma abordagem acerca desses elementos e, sobretudo, de suas

consequências para a construção do espaço público e para a cidadania. Tem-se, portanto, um

modelo no qual a questão da legitimidade é reduzida ao problema da legalidade, construindo

um processo democrático como forma, não como substância.

Boaventura destaca que a postura hegemônica de democracia desenvolve-se com base

numa concepção procedimentalista elaborada por Kelsen e no pensamento de Schumpter e

Bobbio, para uma forma de elitismo democrático:

Vale a pena, portanto, perceber que a primeira via de afirmação da concepção hegemônica de democracia no pós-guerra é uma via que leva do pluralismo valorativo à redução da soberania e, em seguida, à passagem de uma discussão ampla sobre as regras do jogo democrático à identificação da democracia com as regras do processo eleitoral. Em nenhum momento fica claro no itinerário que vai de Kelsen a Shumpeter e Bobbio porque o procedimentalismo não comporta formas ampliadas de democracia. Pelo contrário, a redução do procedimentalismo a um processo de eleições de elites parece um postulado ad hoc da teoria hegemônica de democracia, postulado esse incapaz de dar um solução convincente para duas questões principais: a questão de saber se as eleições esgotam os procedimentos de autorização por parte dos cidadãos e a questão de saber se os procedimentos de representação esgotam a questão da representação da diferença. (SANTOS, 2002, p. 46).

Essa concepção cria uma séria crise de legitimidade, porque se mostra insuficiente

para legitimar o poder estatal. De acordo com Fedozzi,

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[...] contemporaneamente, a legitimidade do poder é forçada a buscar esferas públicas substancializadas de consensos políticos que ultrapassam a legitimidade formal-legal ou meramente procedimental vinculando-se a legitimidade no Estado contemporâneo, simultaneamente, aos procedimentos e a substantividade. (1999, p. 64).

Essa estrutura de legitimidade vem acompanhada de um modelo de democracia

representativa calcado na concepção de que a complexidade da sociedade contemporânea não

permite estruturas de participação mais amplas. Os problemas políticos, econômicos e sociais

desta sociedade exigem, segundo essa concepção, uma gama de pessoal especializado e

impedem a participação do cidadão comum nos centros de decisões. Institui-se, portanto, uma

tecnocracia que nega os princípios democráticos de participação dos cidadãos. Segundo

Bobbio,

[...] se o protagonista da sociedade industrial é o especialista, impossível que venha a ser o cidadão qualquer. A democracia sustenta-se sobre a hipótese de que todos podem decidir a respeito de tudo. A tecnocracia, ao contrário pretende que sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que detêm conhecimentos específicos. (1986, p. 34).

Como antes, o acesso ao espaço público estatal é restringido, mas, desta vez, a

delimitação é operada em nome do tecnicismo exigido pela complexidade da sociedade

contemporânea. A representação política fiduciária41 que prepondera nos Estados

democráticos na atualidade facilita a construção dessa estrutura, uma vez que a participação

dos cidadãos restrita a processos eleitorais periódicos mostra-se insuficiente para estabelecer

uma interação entre os cidadãos e os centros de decisões.

Depois que a elite técnico-política recebe a sua “dose” de legitimação, fica novamente

livre para atuar, criando na sociedade a ilusão de que as políticas desenvolvidas a partir desse

momento foram por ela escolhidas. Como afirma Rousseau, “[...] o povo inglês acredita ser

livre mas se engana redondamente; só o é durante a eleição dos membros do parlamento; uma

vez eleitos estes, ele volta a ser escravo, não é mais nada”. (apud BOBBIO, 1986, p. 41).

Essa elite se apodera da espacialidade pública, orientando a arena política por meio de uma

racionalidade cognitivo-instrumental.

41 Inclusive este autor distingue dois tipos de representação: a delegada, na qual o representante tem uma

liberdade de atuação restrita, vinculando-se estreitamente com a vontade dos representados, e a fiduciária, tipicamente desenvolvida nos Estados democráticos, onde o representante desvincula-se da base a partir de sua eleição, possuindo maior ou plena liberdade de atuação.

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Segundo Habermas, os Estados modernos apresentam uma administração burocrática

orientada por uma racionalidade sistêmica, que acaba se sobrepondo aos princípios

organizativos de uma esfera baseada na interação social. (HABERMAS, 1990, p. 101).42

Simplificando a abordagem habermasiana com o objetivo de operacionalizar o

presente trabalho, embora correndo o risco de certas imprecisões, pode-se afirmar, com

Vieira, que Habermas diferenciou as estruturas de racionalidade da modernidade ocidental e

dissociou as estruturas sistêmicas, nas quais predomina a racionalidade instrumental, das

estruturas comunicativas do mundo da vida. (VIEIRA, 1998, p. 54). O sistema é formado por

uma esfera pública, o Estado, e por uma esfera privada, a economia. Por sua vez, o mundo da

vida é formado, na sua esfera privada, pela família e, na sua esfera pública, pela participação

política dos sujeitos sociais, cidadãos, movimentos sociais, enfim, por todo um “caldo”

cultural à margem do Estado e do mercado. Portanto, é portador de uma racionalidade

comunicativa capaz de impedir o processo de colonização e reificação estabelecido pelo

sistema. (VIEIRA, 1998, p. 54).

Quadro 1 – Quadro ilustrativo da perspectiva habermasiana

Sistema Mundo da vida

Público Estado Participação Opinião Pública

Privado Economia Família

A concepção de racionalidade cognitivo-instrumental, predominante no Estado e no

mercado e que avança sobre o mundo da vida, é uma concepção ligada ao ideário liberal

(Locke, Hobbes e Smith), tendo a razão como cálculo associado à necessidade de o indivíduo

de se autopreservar, isso na concepção hobbesiana. Explica Avritzer:

A concepção cognitivo-instrumental está baseada na idéia de razão enquanto faculdade individual e supõe a utilização dessa faculdade para a adaptação inteligente do indivíduo às condições do meio no qual ele interage. [...] O elemento essencial dessa concepção de razão é a associação feita pelo pensamento entre vontade e meio adequado para sua realização. (1999, p. 78).

42 Avritzer (1991, p. 109) afirma que a concepção de que uma racionalidade de meios e fins está ligada ao

enfraquecimento da democracia não surge com Habermas, pois Weber já a concebia dessa forma. Para este último, existiria uma racionalidade valorativa que orienta o agir humano de acordo com suas convicções do que seria ordenado pelo dever, pela honra ou pelo sentimento religioso. Existiria também uma racionalidade de meios, ligada à escolha ou avaliação dos meios mais propícios para se alcançar determinado objetivo e que, segundo Weber, diminuiria a liberdade e enfraqueceria a democracia.

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Num segundo momento, a ideia de autopreservação hobbesiana é substituída pela

maximização individual de utilidade e é transportada para o agir político do ser humano.

Significa dizer que o homo politicus possui como elemento normativo de seu agir a

maximização de seus próprios interesses individuais, negando, dessa forma, a possibilidade de

uma escolha racional que estabeleça arenas consensuais a partir de ações coletivas.

(AVRITZER, 1999, p. 79).

As relações sociais são objetificadas, vistas como um conjunto de instrumentos à

disposição do indivíduo para que ele possa maximizar seus interesses, negando a sua presença

enquanto força viva. O “outro”, nesta concepção de racionalidade, não passa de um

instrumento à disposição do “eu” e jamais será visto como um igual ou como um ser humano

portador de direitos generalizáveis.

A predominância da racionalidade cognitivo-instrumental, importada da economia

para o campo político, é nefasta, pois conduz a que os indivíduos não levem em consideração,

ao tomarem decisões, os interesses dos demais indivíduos. A arena política, como o mercado,

é entendida como possibilidade de se tomarem decisões com base em critérios estritamente

pessoais, maximizando os interesses individuais.

Esse parece ser um equívoco comum a todas as versões da teoria da escolha racional. Nenhuma delas consegue perceber que o processo de argumentação próprio à política se distingue do processo de barganha próprio à atividade mercantil. A melhor diferenciação entre um e outro foi elaborada por Michelman. Para ele a política implica: “[...] em um intercâmbio de argumento entre pessoas que se reconhecem uns aos outros enquanto iguais em autoridade [...] A deliberação supõe um certo tipo de amizade cívica, uma atitude de abertura e persuasão [...] A interação estratégica pelo contrário, [...] pede que cada pessoa não leve em conta nenhum interesse a não ser o seu próprio. O seu meio não é o argumento, mas a barganha”. (AVRITZER, 1999, p. 94).

Dessa forma, em diferentes proporções, pode-se afirmar que o Estado contemporâneo

sempre esteve ligado ao ideal do capitalismo, estruturando-se segundo uma matriz liberal,

bem como, epistemologicamente, esteve ligado a uma racionalidade cognitivo-instrumental de

viés positivista que preponderou na Modernidade. (SANTOS, 1995, p. 81). Mesmo a curta

experiência do Welfare State não representou uma ruptura; ao contrário, em virtude de sua

atuação intervencionista, impulsionou uma invasão sistêmica do mundo da vida, ou seja, um

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processo de burocratização da sociedade e de legitimação do modo de produção capitalista.

(HABERMAS, 1994, p. 51).43

Essas dimensões políticas e jurídicas estruturam o espaço público da atualidade, que,

segundo Habermas, parece se desvincular cada vez mais das decisões da sociedade. Segundo

ele,

orientadas pelos meios as interações no sistema econômico ou administrativo são definidas justamente pelo fato de que as funções de organização se desprendem das orientações de seus membros; da perspectiva da ação, isso se reflete como uma inversão de meios e fins como se, de maneira fetchista, o processo de administração e governo tivesse vida própria. (HABERMAS, 1994, p. 107).

Tem-se um processo em que a sociedade é colocada à mercê do mercado e do Estado,

sendo destituída de instrumentos efetivos de participação e controle dessas esferas, como

consequência da limitação do espaço público estatal idealizado na forma do aparato jurídico

do Estado capitalista contemporâneo, com base racional-legal, de racionalidade instrumental e

democracia representativa. Portanto, é um Estado limitador, excludente, incapaz de

contemplar uma concepção de cidadania plena, restringindo-a a uma dimensão estritamente

liberal temperada por direitos sociais, e de buscar uma legitimidade substancializada de

consensos políticos. Comenta Vieira:

Nas democracias ocidentais realmente existentes, a esfera pública de legitimação democrática ruiu sob o impacto da mídia, do crescimento das corporações empresariais e das organizações político-empresariais como lobby, por exemplo. O cidadão autônomo, cujo julgamento racional e participação eram condição sine qua non da esfera pública, foi transformado em cidadão-consumidor de imagens e mensagens transmitidas por grandes lobbies e organizações. Esse empobrecimento da vida pública é acompanhado pelo crescimento da sociedade de vigilância e voyerismo (Foucault), por um lado, e da colonização do mundo da vida (Habermas) de outro. (2001, p. 63).

Enfim, o Estado de Bem-Estar social representou uma significativa democratização de

riquezas pela positivação dos direitos sociais, mas não representou uma democratização do

poder. A cidadania social foi implementada na sua dimensão jurídica, mas não foi 43 Segundo Habermas, a crise do capitalismo liberal levou a que o projeto do Welfare State acoplasse novamente

o sistema econômico ao político, fazendo surgir uma nova necessidade de legitimação. No entanto, esse processo de legitimação foi estruturado por meio de mecanismos de democracia formal, de maneira a possibilitar o afastamento de discussões acerca das contradições: “[...] entre a produção socializada administrativamente a contínua apropriação privada e uso privado da mais valia. A fim de manter esta contradição longe de ser objeto de discussão, então o sistema administrativo precisa ser suficientemente independente da formação da vontade legitimante.”

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significativamente implementada na sua dimensão política pela manutenção da matriz liberal

de espaço público burocratizada no ambiente do Estado de Bem-Estar Social.

Analisadas as categorias cidadania e espaço público no contexto do Estado de Bem-

Estar Social, faz-se necessário analisar ainda as principais características do orçamento nesse

contexto para, por fim, abordar a sua crise diante do avanço das teorias neoliberais e do

processo de globalização econômica,44 que colocam em questão o próprio conceito de Estado-

nação e de soberania.

1.3.4 O orçamento no Estado de Bem-Estar Social

Como resultado da reestruturação do Estado e da própria concepção de cidadania, que

ganha um novo rol de direitos, o orçamento público transforma-se substancialmente,

abandonando algumas das principais características da fase do Estado Liberal.

Essas alterações, fundamentadas nas ideias de Keynes, foram adotadas largamente nas

principais democracias ocidentais. Em 1941 a Inglaterra substituiu o orçamento estimativo,

resumo dos gastos financeiros do Estado, pelo orçamento amplo de planejamento econômico.

O objetivo era efetivar uma semiplanificação da economia para superar a crise, permitindo

gastos públicos e um razoável deficit orçamentário. (FONROUGE, 2007, p. 133).

Em 1946 a França adotou o mesmo conceito de intervencionismo estatal e apresentou,

em conjunto com o Plano Monnet, um orçamento econômico amplo e a permissão de gastos

elevados. Já nos Estados Unidos da América, Rosa Júnior (2007, p. 37) relata que Keynes

influenciou diretamente no programa de Roosevelt (New Deal), explicitado na Carta aberta

datada de 31 de dezembro de 1933. Nela, entre outras propostas, constava a sugestão de

intervenção estatal no domínio econômico em duas dimensões básicas: a) o Estado deveria

substituir parcialmente a iniciativa privada nas atividades econômicas, mesmo diante de

deficits orçamentários que não poderiam ser excessivamente prolongados; b) utilizar a

tributação direta sobre a renda e sobre os rendimentos financeiros para diminuir as

desigualdades sociais.

Fonrouge (2007, p. 129) expõe que a principal mudança ocorrida no orçamento na

transição do Estado Liberal para o Estado de Bem-Estar foi a concepção de que ele deixa de

44 O termo “globalização” encontra uma gama de significados e pode ser trabalhado em diversas dimensões, mas

nesse ponto do trabalho optou-se apenas pela sua dimensão econômica, ou, mais precisamente, pela globalização do capital.

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abordar aspectos meramente financeiros das contas públicas e passa a desempenhar um papel

de mapeamento global das atividades econômicas dos Estados. Essa, sem dúvida, é uma

característica técnica que se altera diante da mudança de um pensamento econômico e político

do liberalismo para a adoção de uma concepção de planejamento que preponderaria nas

social-democracias do Ocidente. Em outras palavras, as finanças públicas deixam de ser

entendidas como instrumentos neutros e passam a ser compreendidas como um poderoso

instrumento de transformação e controle da economia e da sociedade.

O orçamento não pode mais ser visto apenas na sua dimensão restritiva ou negativa,

pois por ele passam os recursos financeiros de um Estado cujas funções e estruturas se

ampliaram para manter o bem-estar social dentro do sistema de produção capitalista. Torna-

se um instrumento de legitimação do modo de produção capitalista e do Estado que o

sustenta, visto que pelo orçamento passam os recursos necessários para a efetivação dos

direitos sociais da cidadania.

A cidadania do self interest era contemplada por uma perspectiva restritiva do

orçamento, que protegia a propriedade e os ganhos individuais, mas a sua ampliação na

dimensão social exigia a ruptura da esfera privada para, por meio dos instrumentos e políticas

do Estado, efetivar práticas de redistribuição de recursos.

De outro lado, Habermas (1984, p. 208) expõe que a tensão do capital sobre as

finanças do Estado obrigava-o a efetivar despesas de infraestrutura pesadas para o

desenvolvimento do sistema de produção capitalista. Sobre o orçamento pairavam as tensões

sociais entre a classe trabalhadora e o capital, que faziam a burocracia governamental ampliar

os gastos para manter a legitimação do aparelho estatal. Para desempenhar esse novo papel o

orçamento sofreu diversas modificações. Fonrouge expõe as principais mudanças das finanças

públicas e do orçamento nesse período:

1) el pressupuesto sufre la acción de la economia y, a la vez, influye sobre ésta; se abondona la mística del equilíbrio anual y se preocupa um equilíbrio econômico (pressupuestos cíclicos); 2) el gasto público no constituye um simples medio para atender los serviços públicos; também debe cumplir funciones econômicas, fomentando el incremento del poder adquisitivo; 3) el impuesto tiene finalidades extrafiscales e debe actuar positivamente como elemento regulador y redistribuidor(cercenamento de ciertas rentas; absorcion del ahorro, estimulo industrial, etc.); 4) el empréstito ya no es um recurso “extraordinário”; pode ser empleado normalmente y utilizado em sus efectos sobre el mercado de capitais; 5) creación de moeda em condicionaes y circuntancias especiales, com fines transitórios. (2007, p. 18).

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Em suma, a mudança de concepção das atividades do Estado alterou a concepção de

orçamento, que passa a ser entendido como um instrumento de planejamento da vida

econômica e social de uma nação. Esta característica coloca o orçamento no centro de tensões

políticas que antes eram estranhas ao instrumento (HABERMAS, 1984, p. 209), porque passa

a intervir na esfera da sociedade e da economia com o objetivo de controlar as tensões e evitar

crises sistêmicas.

O orçamento sofre uma evolução técnica e transforma-se num instrumento de

planejamento global que é responsável pela redistribuição de recursos e opera a efetivação da

dimensão social da cidadania. No entanto, a redistribuição de recursos não significou

democratização das decisões, uma vez que a espacialidade pública desenhada pelo Estado de

Bem-Estar não permitiu a criação de um instrumento democrático de equilíbrio, permitindo

ou possibilitando a crise sistêmica descrita por Habermas, abordada no item anterior.

Diante das crises econômicas iniciadas na década de 1970, a estrutura de legitimação

fundada na redistribuição de recursos por meio do Estado tornou-se perigosamente instável.

Entre a tensão pela implementação de mais demandas sociais e a crise fiscal, o Estado

estruturado na racionalidade instrumental e na democracia representativa fica refém do capital

transnacional.

1.3.5 A crise do Estado de Bem-Estar: o fim da soberania orçamentária

Como mencionado anteriormente, a partir da década de 1970 o Estado de Bem-Estar

entrou em crise. A crise do petróleo, a ruptura do acordo de Bretton Wodds, as crises políticas

internas, o aumento do capital financeiro internacional e, especialmente, a crise financeira

formaram um contexto para o qual a estrutura do Estado não estava preparada. Costa (2006,

p. 73) destaca que a principal crítica foi endereçada aos gastos sociais, que passaram a ser

responsabilizados pelo surto inflacionário e pela crise econômica.

Verifica-se o avanço das doutrinas neoliberais, que questionam o pesado custo de

manutenção do Estado de Bem-Estar, uma perspectiva que, segundo Ianni (1999), diferencia-

se do liberalismo clássico, por trazer um conjunto de propostas cujas consequências podem

significar a própria modificação do conceito de Estado.

O autor destaca que o liberalismo clássico estava enraizado na sociedade nacional,

numa perspectiva de capitalismo competitivo que operava a partir do mercado nacional e que

se estruturava politicamente contra o antigo regime, pela implementação dos princípios de

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liberdade, igualdade e propriedade privada Já o neoliberalismo enraíza-se diretamente no

mercado mundial, desenvolvendo-se por meio do fluxo do capital financeiro e da tecnologia,

procurando força de trabalho barata, que permite a maximização de lucros. Essa maximização

só é possível em razão de uma ampla liberdade econômica, que, para seus principais teóricos,

é incompatível com a democracia. Na verdade, o neoliberalismo credita à democracia um

valor meramente instrumental e que se constitui, muitas vezes, em impedimento para o

desdobramento das regras de mercado.

A perspectiva neoliberal desfecha uma série de críticas às instituições políticas,

exigindo a diminuição da máquina estatal e a supremacia das regras de mercado, como afirma

Przeworsky:

A posição central dessa perspectiva – vou referir-me a ela como neoliberal- é que o mercado aloca recursos para todos os usos mais eficientemente do que as instituições políticas. O processo democrático é defeituoso e o Estado é uma fonte de ineficiência. O Estado sequer precisa fazer qualquer coisa para que as ineficiências ocorram: basta a mera possibilidade de que possa vir a fazer qualquer coisa. (1995, p. 26).

Ocorre uma revisão da proposta de Keynes, e o planejamento limitado adotado pelo

Estado de Bem-Estar, que partia da perspectiva de incentivo à economia elevando o nível de

emprego e de renda da população, é considerado ineficiente. Como a proposta keynesiana

trabalha, na dimensão orçamentária, com a possibilidade de deficits cíclicos no orçamento dos

Estados, ou seja, gastos para atender às demandas sociais e de infraestrutura, o Estado gasta

mais do que arrecada.

Essa dimensão de gastos públicos é um dos eixos principais da crítica neoliberal, que

exige uma liquidez de capital. A proposta de Keynes partia da necessidade de aumentar o

consumo e o investimento, ao passo que a prosposta neoliberal parte da necessidade de

aumentar os rendimentos financeiros e a liquidez. É a tensão constante entre o modo de

produção capitalista e o Estado, descrita por Przeworsky. No entanto, a economia ganha uma

dimensão transnacional, ou seja, não opera mais a partir da unidade Estado em trocas

comerciais internacionais, como explica Hobsbawm:

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Apesar disso começou a surgir, sobretudo a partir da década de 1960, uma economia cada vez mais transnacional, ou seja, um sistema de atividades econômicas para as quais os territórios e fronteiras de Estados não constituem o esquema operatório básico, mas apenas fatores complicadores. No caso extremo, passa a existir uma “economia mundial” que na verdade não tem base ou fronteiras determináveis, e que estabelece, ou antes impõe, limites ao que mesmo as economias de Estados muito grandes e poderosos podem fazer. Em dado momento do início da década de 1970, uma economia transnacional assim tornou-se uma força global efetiva. E continua a crescer, no mínimo mais rapidamente que antes, durante as Décadas de Crise após 1973. Na verdade, seu surgimento criou em grande parte problemas dessas décadas. (1995, p. 272).

A perspectiva de uma economia transnacional, operada por meio das multinacionais,

da nova divisão mundial do trabalho e do aumento do financiamento offshore (HOBSBAWM,

1975, p. 272), inverte a tensão entre Estado e capital. Até a década de 1960 havia um

consenso teórico45 sobre a necessidade de regulação política das relações de mercado para

evitar as crises cíclicas do capitalismo, o que permitia a formação de um Estado poderoso em

termos de estrutura e arrecadação. O capital utilizava o Estado como agente estabilizador para

manter sua dinâmica de funcionamento e pagava, por meio de uma estrutura tributária, por

esse serviço.

Com a perspectiva de uma economia transnacional e orientado pela racionalidade

instrumental, o capital começa a encontrar mecanismos alternativos para escapar do custo

estabilizador representado pelo Estado na sua formatação social. Na década de 1960, a prática

de registrar a sede de empresas em paraísos fiscais começou a disseminar, o que Hobsbawn

denomina de “capital offshore”. Tratava-se de uma ação engenhosa e complexa, que buscava

no globo países cujo ordenamento jurídico (leis trabalhistas e tributárias) tratasse de forma

mais branda o capital financeiro, como Curaçao, Ilhar Virgens e Liechtentein. Essa prática

representava uma maximização de lucros sem custos sociais e, em 1973, já rondava a soma de

quinhentos bilhões de dólares que não eram repatriados, mas somente reinvestidos em

localidades que permitissem lucros maiores e mais rápidos. (HOBSBAWN, 1995, p. 272).

O capital financeiro, além de ganhar autonomia perante o Estado, passou a orientá-lo

estrategicamente. Esse capital flutuante tornava os governos incapazes de controlar o câmbio

e estabeleceu novos centros de poder, independentes do Estado. Os Estados foram, então,

obrigados a se reorganizarem de acordo com as exigências desse capital financeiro sem

bandeira e sem responsabilidade social, gerando uma série de políticas, como

desregulamentação, privatização, abertura de fronteiras, superávits orçamentários, entre

45 Friedrich A. Hayek e Milton Friedaman são apontados como os principais expoentes da oposição oferecida às

idéias de Keyns e na formulação da concepção neoliberal. (COSTA, 2006, p. 73).

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outras. Segundo Lima (2000, p. 175), foi um conjunto de medidas que iriam afetar os

conceitos de cidadania e de participação política, pois, agora, a arena política passava a ser

orientada pela arena econômica.

Diante desse contexto, o neoliberalismo formulou as bases teóricas da inversão: antes,

o capital precisava do Estado; agora, o Estado precisa do capital. Ao exemplificar essa

afirmação e já abrindo a necessidade de trabalhar as peculiaridades do cenário brasileiro,

apontam-se as crises da década de 1980 e do Plano Real de 1997. No início da década de

1980, a América Latina enfrentou uma crise econômica diretamente relacionada com a

transferência de recursos financeiros para o pagamento da dívida. Os países credores,

orientados pela teoria neoliberal, operando por meio de organismos internacionais, como o

FMI, e com o objetivo de resolver sua própria crise fiscal, estabeleceram uma política rígida

de cobrança da dívida dos países em desenvolvimento. Expõe Costa ao comentar o

posicionamento do Banco Mundial:

A crise econômica na América Latina pode ser pensada a partir das novas determinações do cenário mundial na década de 1980, da pressão que o FMI fez sobre os países devedores no sentido de exigir superávits em moeda estrangeira para garantir o pagamento dos juros da dívida externa, como critério para avaliação do risco ao investimento externo. Sem capacidade de atrair novos investimento e sem poupança interna suficiente para alavancar o crescimento econômico, a América Latina viveu o medo da estagnação e do retrocesso na sua estrutura produtiva, com grave impacto social. (2006, p. 88).

Os países devedores precisavam estabelecer políticas econômicas que possibilitassem

a obtenção de moeda forte para o pagamento da dívida externa. No caso do Brasil, verificou-

se a formação de uma economia voltada para a exportação de produtos agrícolas em grande

escala, com o quase abandono do mercado interno, bem como a diminuição da importação de

bens de consumo com o objetivo de gerar um superávit na balança comercial. Explica Costa:

Os países devedores não comandavam mais os recursos de empréstimos, tiveram que limitar seus gastos – fazendo ajustes: esforço para obtenção de moeda estrangeira e busca de recursos orçamentários (superávits). Depois da crise de crédito de 1982, a despesa tinha que ser limitada, a absorção de empréstimos caiu abaixo do nível de saída dos pagamentos da dívida; os juros tinham que ser pagos com a produção corrente. Os pagamentos de juros tinham que ser cobertos por superávisits não usuários das contas correntes. (2006, p. 93).

No caso do Estado brasileiro, foi obrigado a estabelecer um corte drástico nos gastos

públicos, elevar a carga tributária e operar com uma política de aumento da taxa de juros para

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atrair o capital financeiro internacional. Como consequência do aumento da taxa de juros, a

dívida interna foi excessivamente ampliada e passou a exigir uma igual ampliação dos cortes

de gastos no orçamento.

O contexto da economia global exigia essa adaptação, pois o Brasil era obrigado a

atrair o capital financeiro por meio de uma política ortodoxa de aumento da taxa de juros e

corte de gastos orçamentários, perdendo a capacidade de controlar seus gastos e sua

arrecadação; assim, estabeleceu-se uma perigosa dependência ao fluxo de capital financeiro

transnacional para equilibrar suas contas. Essa fragilidade ficou nítida em novembro de 1997,

quando a crise asiática gerou um ataque especulativo ao Plano Real, derrubando a Bolsa de

Valores de São Paulo, e obrigou o Banco Central a gastar, em pouco mais de cinco dias, cinco

bilhões de dólares. (COSTA, 2006, p. 96). Essa crise exemplifica a perda de autonomia do

Estado perante o capital transnacional. O Estado brasileiro era obrigado a operar com um forte

superávit em face do perfil de sua dívida externa e do programa do FMI para as nações em

desenvolvimento, o qual padronizou uma política de elevação das taxas de juros. Registra

Costa:

As propostas de ajuste macroeconômico dos países da América Latina estão baseadas no corte das despesas do governo para gerar superávit primário, canalizado para pagar juros da dívida. A fragilidade externa dos países endividados fica evidente com relação á capacidade de gerar crescimento econômico, pois o ajuste fiscal realizado para pagar os juros da dívida afeta o nível dos investimentos. A política cambial também interfere na relação dívida/PIB e na capacidade de baixar os juros e fomentar o crescimento econômico. O problema da dívida coloca imites na condução da política econômica de cada país devedor, que podemos observar por meio do reflexo do ajuste do orçamento público e das taxas de juros no crescimento econômico. (2006, p. 94).

Na dimensão orçamentária, as críticas às ideias keynesianas e a reformulação de um

conceito de orçamento equilibrado foram postos em práticas em escala planetária. Torres

relata:

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Os países mais ricos do Ocidente, reunidos na OCDE,procuraram também saídas para o impasse da “stagflação”. A idéia básica era a do controle da despesa pública, e nãomais o aumento de impostos. Os economistas sugeriram a centralização dos trabalhos do orçamento, o controle dos gastos e a implementação de novo processo orçamentário, com papel maior para o Ministério da Fazenda e com a limitação do poder de emendas dos parlamentares, que veio mais tarde a influenciar o tratado de Maastricht e o Pacto de Estabilidade. A OCDE realizou, a partir do início da década de 1980, a conferência anual sobre o orçamento (SOB – sênior buget officials), que influenciou largamente os paísis filiados à instituição. Dois modelos principais foram adotados ulteriormente: o americano, de corte de despesas – targets – e o neozeolandês, de responsabilidade fiscal. (2008, p. 75).

De forma gradual e contínua, as legislações nacionais iriam se adaptando à nova

conceituação segundo um processo semelhante, mas inverso à implementação do Estado de

Bem-Estar. Constituições são alteradas, gastos são contidos e novas teorias jurídicas são

elaboradas para conter os gastos públicos e permitir a liquidez financeira dos Estados. O

Brasil adotou uma série de reformas, entre as quais se destaca a Lei de Responsabilidade

Fiscal, que permitirá um superávit e liquidez nas contas públicas com o intuito de evitar a

fragilidade financeira.

Nos dias de hoje, o ciclo parece ter se invertido ou, pelo menos, paralisado. Com a

crise financeira mundial, países como os Estados Unidos da América se viram obrigados a

interferir na economia de forma drástica injetando recursos financeiros substanciais no

mercado. A incapacidade das teorias neoliberais para conter a crise financeira demonstrou a

necessidade de reformulações no papel do Estado como agente regulador da economia.

Entretanto, não se estabeleceram padrões para essa reformulação, levando a que as

intervenções estatais sejam, até o presente momento, meramente pontuais, com a injeção de

recursos públicos significativos em instituições privadas. Os prejuízos são “democratizados”,

pagos pela apropriação das riquezas produzidas coletivamente, agravando a crise de

legitimidade política, pois o Estado estava política e juridicamente estruturado para se abster

de qualquer intervenção significativa na economia.

Tanto as leituras neoliberais como as ligadas à social-democracia, diante da incógnita

da extensão da crise financeira mundial, ainda não apontaram perspectivas plausíveis para a

reformulação do papel do Estado. Mesmo uma resposta de matriz keynesiana não parece

adequada, pois, como já se viu, apenas aumenta a intervenção estatal, sem democratizar a

tomada de decisões, o que, no contexto atual, seria passar um “cheque em branco” para que os

governos paguem a conta da festa financeira oferecida pelos agentes e sujeitos do mercado.

Assim, se antes da crise o Estado já se encontrava diante de um deficit de

legitimidade com a perda de sua capacidade de decisão e intervenção na economia, nesse

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contexto a situação agrava-se, em razão da aparente necessidade de salvar o mercado

financeiro da derrocada com investimentos públicos que podem comprometer gerações de

cidadãos.

No contexto brasileiro, as categorias cidadania, Estado e orçamento também sofreriam

essas mudanças, mas a sua peculiaridade exige um diagnóstico à parte, que será desenvolvido

no próximo capítulo.

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2 CONTEXTO BRASILEIRO

2.1 Crise do Estado: peculiaridades do espaço público brasileiro e seu processo de

modernização seletiva

Como já se viu, a manutenção da matriz de legitimidade do exercício do poder no

Estado contemporâneo, fruto da combinação do normativismo liberal, da democracia

representativa e da cidadania do self interest, torna-o perigosamente independente com

relação à vontade da maioria da população. Verifica-se que essa forma de legitimidade

acompanhada da política neoliberal hegemoniza a conduta dos Estados, que possuem em seu

centro de decisões equipes econômicas cujas ações são orientadas por uma racionalidade

instrumental típica de mercado, transformando a arena política num conjunto de ações e

barganhas que buscam atender a interesses individuais ou a interesses do capital, aumentando

a exclusão social, diminuindo os espaços públicos e criando uma séria crise de legitimidade.

Nesse contexto de crise, o Estado brasileiro apresenta uma peculiaridade, apontada por

Boaventura (Santos, 2002) e bem explicitada por Souza (2006), qual seja, um processo de

modernização seletivo do Estado e da sociedade brasileira. É uma realidade que combina

elementos modernos e, ao mesmo tempo, elementos pré-modernos, o que nos obriga a

analisar o plano institucional e as práticas coletivas e culturais desenvolvidas nesses planos.

O Brasil inseriu-se de forma seletiva nos valores da modernidade. Forçado pela

globalização dos valores ocidentais, o País implementou mudanças cuja matriz moderna foi

combinada com as formas arcaicas de uma sociedade patrimonialista. (FAORO, 2001,

p. 821). Esse caráter híbrido perpassa o discurso de formação do Estado e as práticas sociais

desenvolvidas no espaço público. O cenário brasileiro apresenta um núcleo, formado pelo

Estado e pela elite política, econômica e burocrática, que apresenta um discurso moderno. Em

parte, esse discurso é implementado criando uma esfera moderna, cujo acesso é limitado; no

entanto, esse núcleo é cercado por uma atmosfera exterior marcada pela ausência dos valores

e dos benefícios da modernidade.

Assim, numa análise limitada ao discurso oficial e ao plano jurídico-institucional,

estaríamos, evidentemente, diante de uma estrutura moderna, identificada com o Estado de

Direito Democrático, calcada na matriz racional-legal de legitimidade e com espaços relativos

de legitimação efetivados por meio da democracia representativa. No entanto, essa estrutura

institucional se articula com práticas políticas e jurídicas adotadas pelo establishment político

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e jurídico brasileiro, as quais acabam por atribuir características diferentes ao plano estrutural,

como aponta Souza:

O Brasil não é um país moderno e ocidental no sentido comparativo de afluência material e desenvolvimento das instituições democráticas. Mas o Brasil é certamente um país moderno no sentido ocidental do termo, se levarmos em conta que os valores modernos e ocidentais são os únicos aceitos como legítimos. (2000, p. 267).

No plano institucional-formal a elite brasileira formou um Estado moderno, com

estruturas democráticas respaldadas na legitimação racional-legal. O discurso público é o

discurso guiado pela axiologia da modernidade, no qual a igualdade, a impessoalidade e a

legalidade devem ser articuladas com as atividades de um mercado livre. Contudo, os

desdobramentos do discurso e do plano institucional-formal são rearticulados no espaço

público noutra perspectiva. Souza demonstra a característica das relações estabelecidas nos

espaços públicos, que, embora construídos dentro da matriz moderna, são articulados pela

matriz tradicional de poder e operam uma modernização seletiva:

Essa leitura do processo de modernização brasileiro como um processo inautêntico, tendo algo de epidérmico e pouco profundo, é precisamente o fundamento do que viemos chamando nesse livro de nossa sociologia da inautenticidade. Inautenticidade precisamente do processo de modernização que não teria logrado institucionalizar os valores individualistas burgueses da Europa moderna e não-ibérica. (SOUZA, 2000, p. 236).

Deve-se apontar ainda que os establishment político e jurídico são julgados fora dos

parâmetros estipulados pelos valores do individualismo moral ocidental. Na formação do

Estado brasileiro incorporamos valores que estão presentes até hoje, os quais, segundo

Hollanda (1999, p. 1), estruturam a atividade política e a solidariedade grupais com base na

amizade e no compadrio, não pela força de interesses objetivos e ideias pessoais.

A ação pública desenvolvida num plano institucional não é julgada ou valorizada pela

sociedade num plano axiológico moderno, mas pré-moderno. A crise sistêmica do Estado,

descrita por Habermas, no contexto brasileiro ganha contornos diferenciados, que criam uma

situação híbrida de instituições modernas insuficientes e de um corpo político e jurídico

competente para corromper essas instituições sem sofrer influências suficientemente forte por

parte da sociedade.

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A importância da inserção do conceito de esfera pública na nossa discussão permite um ganho singular em relação à abordagem do que vimos nos referindo como nossa sociologia da inautenticidade. Ela permite a ampliação da problemática relativa ao processo de modernização brasileiro de modo a superar o aspecto meramente técnico, instrumental, envolvido no tema da modernização do Estado e de mercado capitalista. O tema da esfera pública possibilita a discussão da questão do aprendizado coletivo no sentido também prático-moral como elemento principal do processo pedagógico pressuposto da democracia. (SOUZA, 200, p. 90 - grifo nosso).

Em outras palavras, na análise habermasiana, a esfera pública responsável pela

valoração ou julgamento das práticas institucionais do Estado sofre um processo de invasão

sistêmica que corrompe as relações sociais e impede sua função corretiva. No cenário

brasileiro, a esfera pública está estruturada segundo uma matriz valorativa inautêntica com

relação aos valores modernos, que impossibilita qualquer ação corretiva.

Um comportamento marcado pelo patrimonialismo e articulado com os processos de

modernização da sociedade e do Estado forma um contexto peculiar. As instituições modernas

e a racionalidade cognitivo-instrumental são implementadas, mas sofrem um processo de

metamorfose e passam a estabelecer uma relação, ora conflitante, ora não, com as

características de uma sociedade pré-moderna caracterizada pelo patrimonialismo brasileiro,

como afirma Souza:

Uma especificidade importante da modernidade periférica – da “nova periferia” – parece-me precisamente o fato de que nestas sociedade, as práticas modernas são anteriores às “idéias” modernas. Assim, quando o mercado e Estado, ainda que de modo paulatino, fragmentário e larvar, são importados de fora para dentro com a europeização da primeira metade do século XIX, inexiste o consenso valorativo que acompanha o mesmo processo na Europa e na América do Norte. Inexistia, por exemplo, o consenso acerca da necessidade de economia emocional burguesa a todos os estratos sociais, como aconteceu em todas as sociedades mais importantes da Europa e da América do Norte. (2003, p. 99).

A adoção adaptada desse conceito de modernização seletiva permite-nos diferenciar o

plano formal das instituições brasileiras de sua articulação social. O espaço público brasileiro

é caracterizado por uma modernização inautêntica, ou seja, um conjunto de valores que não se

identifica com os valores da modernidade. Ao mesmo tempo, apresenta um conjunto de

instituições modernas que passam a desenvolver uma função de legitimação, porém sem

alterar substancialmente a sua interação com a sociedade.

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2.1.1 A burocracia brasileira: o esquecimento de Max Weber

Para se entender a complexidade desse contexto é necessário resgatar algumas

concepções que formaram o aparelho estatal brasileiro e a característica de uma sociedade que

apresenta dificuldade de separar o público do privado.

Como já se viu anteriormente, o Estado Moderno caracteriza-se pela dominação

racional-legal, que possibilita a impessoalidade e racionalidade do exercício do poder. Essa

característica fundamental o separa da organização patrimonial de Estado, que opera segundo

critérios pessoais no estabelecimento das relações de poder e que se instituiu como um

discurso modernizador do Estado e condição para a democracia liberal. Afirma Weber:

Para nossa consideração, cabe, portanto, constatar o puramente conceitual: que o Estado moderno é uma associação de dominação institucional, que dentro de determinado território pretendeu com êxito monopolizar a coação física legitima como meio da dominação e reuniu para este fim, nas mãos de seus dirigentes, os meios materiais de organização, depois de desapropriar todos os funcionários estamentais autônomos que antes dispunham, por direito próprio, destes meios e de colocar-se, ele próprio, em seu lugar, representado por seus dirigentes supremos (WEBER, 2004, p. 529).

Prates analisa o pensamento do referido Autor:

É no sentido dessa regra universalista de recrutamento que Weber sugere a que a burocratização racional-legal da sociedade ocidental foi uma condição sine que non do sistema democrático-liberal de governo... A expressão concreta deste princípio somente foi possível através da criação da burocracia racional-legal que, por definição, é cega para os critérios de recrutamento e ascensão funcional de caráter não-meritocrático como, por exemplo, os de status de nascimento, religião, cor, raça ou sexo. (2007, p. 121).

Faoro (2001, p. 823) afirma que no Brasil a estrutura patrimonial de herança

portuguesa resistiu inviolável à formação da burocracia racional-legal que acompanhava o

avanço do modelo de democracia liberal. Esse conceito de Estado patrimonial é central na

narrativa do autor (p. 61), que o identifica como uma correlação de forças entre a burguesia

ascendente e a aristocracia decadente de Portugal, forjada a partir da crise política de 1383. É

uma articulação política e econômica que permite a manutenção de certos privilégios a um

“estamento” não produtivo e a acumulação da burguesia mercantil. Esclarece Faoro:

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O Estamento, quadro administrativo e estado-maior de domínio, configura o governo de uma minoria. Poucos dirigem, controlam e infundem seus padrões de conduta a muitos. O grupo dirigente não exerce o poder em nome da maioria, mediante delegação ou inspirado pela confiança que do povo como entidade global, se irradia. (2001, p. 107).

Essa estrutura, que predominou no Brasil até o século XIX e continua influenciando na

cultura política (FAORO, 2001, p. 819), estabelece uma comunidade política que conduz e

supervisiona a economia por meio do aparelho estatal para implementar os próprios

interesses. A consequência dessa tradição é um plano institucional que absorve a esfera

pública e a economia. A esfera pública liberal, desenvolvida no contexto das democracias

liberais, não se consolidou no Brasil, em razão de um Estado demasiadamente forte e de um

corpo administrativo patrimonialista. A relação estabelecida entre sociedade e Estado é uma

relação clientelista, como afirma Faoro:

Como realidade, e, em muitos momentos mais como símbolo do que como realidade, o chefe provê, tutela os interesses particulares, concede benefícios e incentivos, distribui mercês e cargos, dele se espera que faça justiça sem atenção às normas objetivas e impessoais. No soberano concentram-se todas as esperanças, de pobres e ricos, porque o Estado reflete o pólo condutor da sociedade. O súdito quer a proteção, não participar da vontade coletiva, proteção aos desvalidos e aos produtores de riqueza, na ambigüidade essencial ao tipo de domínio. (2001, p. 827).

O indivíduo não tem uma esfera de liberdade para perseguir seus objetivos; ele

depende dos favores do Estado para qualquer atividade a ser desenvolvida. A concepção de

cidadania e de direitos foge da matriz liberal e impede a formação de uma cultura democrática

de espaço público. O indivíduo não busca seus interesses numa esfera livre, mas busca ser

amigo do “Rei” para impor seus interesses.

Souza (2003, p. 146) comenta que a elite nacional do século XIX e do começo do

século XX não deixou de incorporar o liberalismo no seu discurso legitimador e

operacionalizou, parcialmente, suas concepções. No entanto, num competente processo de

recuperação ideológica, a elite agrária exportadora não utilizou o liberalismo para a expansão

de uma ordem legal e impessoal, e, sim, para modernizar sua legitimidade, criando a situação

híbrida de um liberalismo epidérmico e de uma prática clientelista culturalmente estruturada.

No decorrer da história ocorreram tentativas de mudar a máquina administrativa

brasileira com a adoção de uma burocracia racional-legal no sentido weberiano. Prates (2007,

p. 125) descreve a criação do Conselho Federal de Serviço Público Civil em 1936, que passou

a ser denominado de Departamento Administrativo de Serviço Público (DASP) em 1938. O

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objetivo era criar uma burocracia racional-legal que afastasse as práticas clientelistas típicas

da política brasileira, mas o resultado não foi satisfatório, como se verifica na análise da

Câmara Federal de Reforma do Estado:

Nesse período, a Administração Pública já se encontrava em acelerado processo de profissionalização e burocratização, sob o impacto de uma racionalidade formal, implementada pelos esforços do Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, criado em 1936. Não obstante, o patrimonialismo, “embora em processo de transformação, mantinha sua força no quadro político brasileiro. O coronelismo dava lugar ao clientelismo e ao fisiologismo. (PRESIDÊNCIA DA REPÙBLICA, 1995, p. 25).

Além de não apresentar resultados satisfatórios para afastar as referidas práticas, os

movimentos políticos de 1930 inauguraram uma espécie “unitarismo organicista” que

repudiava as práticas e relações pessoais, mas trouxeram um componente corporativo da

burocracia e da elite.

Se por um lado, o DASP veio a ser o instrumento de modernização mais eficaz da administração pública brasileira, por outro, foi transformando-se em gigantesco obstáculo à mudança adaptativa do sistema público. Centralizando e homogeneizando, através de padrões, normas e regulamentos, a vida funcional de todas as instituições públicas federais, em qualquer estado ou região brasileira, o DASP. Com o tempo passou a ser conhecido não pelo seu papel modernizador da burocracia, mas como a metáfora do gigante adormecido do Hino Nacional: uma instituição enorme, lenta, pesada, ineficiente e altamente ritualista. (PRATES, 2007, p. 126).

Em 1967, com o Decreto-lei 200, substituiu-se a orientação burocrática por uma

proposta de criação de um sistema de controle estruturado através do planejamento e

avaliação de resultados para administração pública indireta. Ao mesmo tempo, ocorreu uma

proliferação de fundações de direito privado, de sociedades de economia mista e empresas

públicas, que, estruturadas e controladas por meio desse novo marco normativo, passaram a

desempenhar papel fundamental na gestão de políticas públicas. (PRATES, 2007, p. 126).

Em 1979, o Decreto 83.740 adotou o Programa Nacional de Desburocratização,

instituindo uma clara política de transferência de empresas públicas para o setor privado, além

de restringir a criação de novas entidades paraestatais. Essa linha de orientação foi

aperfeiçoada em 1985 com o Decreto 91.991, que criou o Conselho Interministerial de

Privatização, o qual em 1988 foi substituído pelo Conselho Federal de Desestatização.

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(GROTTI, 2003, p. 149). No entanto, esse modelo gerencial também apresentou efeitos

colaterais e acabou sofrendo alterações drásticas após o processo de redemocratização:

[...] a volta de práticas clientelistas no recrutamento de pessoal e a marginalização política da administração direta que, vista como sistema inoperante e muito caro, foi relegada, sem receber qualquer atenção governamental em termos de investimento renovação. Durante quase vinte anos do regime militar, a burocracia da administração direta do governo federal foi posta em segundo plano. (PRATES, 2007, p. 127).

Com o processo de redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de

1988 novas mudanças ocorreram. Como uma forma de resposta ao sistema gerencial adotado

pelo regime militar, foi criado o Regime Jurídico Único, muito semelhante às intenções do

antigo DASP, ou seja, estabelecer uma burocracia impessoal e inflexível. Os resultados foram

semelhantes e, logo após a redemocratização, os novos governos já discutiam formas de

alterar um sistema que parecia demasiadamente pesado para as expectativas da sociedade e da

economia.

Além disso, no plano mundial, o Estado-nação estava passando por profundas

modificações, que apontavam para a diminuição e privatização de suas estruturas, levando a

que a perspectiva gerencial fosse retomada. Finalmente, em 1995, por intermédio do

Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, o governo Fernando Henrique

Cardoso tentou implementar uma mudança estrutural na máquina administrativa do Estado,

não só com o objetivo de implantar um modelo gerencial, mas, sobretudo, de resolver os

problemas fiscais provenientes de um grande e caro corpo burocrático.

O ajuste fiscal será realizado principalmente através da exoneração de funcionários, por excesso de quadro; da definição clara do teto remuneratório dos servidores e da modificação do sistema de aposentadorias, aumentando-se o tempo de serviço exigido e a idade mínima de exercício no serviço público e tornando o valor da aposentadoria proporcional à contribuição. (BRESSER PEREIRA, 1999, p. 257).

O Plano de Reforma do período FHC fazia uma clara distinção entre a administração

burocrática, estruturada na formalidade legal, na universalização de recrutamento e nos

critérios meritocráticos de ascensão, e a administração gerencial, estruturada na flexibilidade e

autonomia do administrador em gerir recursos financeiros e recrutar recursos humanos.

(BRESSER PEREIRA, apud PRATES, 2007, p. 128).

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Para adequar a Constituição às metas do Programa Nacional de desestatização, foram aprovadas várias Emendas Constitucionais. As de ns. 5 a 8, promulgadas em 15.8.1995, autorizavam as reformas legislativas tendentes à abertura ao capital... Redefinindo o papel do Estado, fez-se necessário redefinir o papel da Administração Pública, adotando oito princípios básicos como estratégias predominantes: desburocratização, descentralização, transparência, accountability, profissionalismo, competitividade e enfoque no cidadão. E, para esse fim, é proposta a substituição de seu modelo burocrático, no qual a norma, a finalidade, o meio e a impessoalidade objetiva dominavam a conduta, para o gerencial... (GROTTI, 2003, p. 151 - grifo nosso).

Verifica-se que a questão fiscal direciona toda a reestruturação do Estado defendida no

período FHC. A estrutura do Estado precisava diminuir, especialmente o quadro de

funcionários públicos, cuja ausência nas áreas sociais seria suprida por meio de organizações

públicas não estatais e acabou por estabelecer uma passagem de um sistema burocrático

incipiente para um modelo gerencial46. Assim, a tradição patrimonialista do Estado brasileiro

e a crise fiscal impediram o surgimento, ou, numa visão otimista, a durabilidade, de uma

burocracia estatal no sentido weberiano.

O aparato estatal brasileiro sofreu transformações por “saltos” e praticamente saiu de

um sistema patrimonialista pré-moderno para uma visão neoliberal de administração pública.

As etapas que poderiam caracterizar a administração de um Estado Liberal ou do Welfare

State não se concretizaram, ou não amadureceram fora do plano normativo, em razão da crise

do paradigma liberal-individualista e da inoperância social da máquina pública.47 Entretanto,

o resultado dessa articulação não deixa de trazer alguns resultados positivos, pois, à medida

que o processo de globalização econômica avança, as forças do mercado impõem,

gradativamente, transformações nas tradicionais práticas do establishment político brasileiro,

como a Lei de Responsabilidade Fiscal. (RENNÓ, 2007, p. 438). Evidentemente, a LRF (Lei

de Responsabilidade Fiscal) traz o objetivo claro de limitação dos gastos públicos, que, de um

lado, opera contra as práticas clientelistas e exige maior racionalidade da administração

pública e, de outro, atende à característica exigida pelo neoliberalismo de liquidez das contas

públicas.

No período Lula a perspectiva não foi diferente e pode ser comprovada pela análise do

processo eleitoral. Power e Hunter (2007, p. 327) apontam para uma realidade preocupante,

46 Para saber mais sobre o assunto recomenda-se a leitura: BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; WILHEIM,

Jorge; SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Editora Unesp; Brasília: ENAP, 1999.

47 Strecker (2002, p. 152) expõe, analisando as teorias constitucionais acerca do procedimentalismo, a ausência de uma etapa de Estado de Bem-Estar Social no contexto brasileiro. Adaptamos essa análise à estrutura administrativa brasileira, que, embora pesada e de custos financeiros elevados, não operou a finalidade social típica do Welfare State.

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qual seja, a de que o governo Lula mudou e ampliou sua base eleitoral pela concessão de

benefícios sociais (programa de transferência de renda Bolsa Família) sem, contudo,

promover reformas estruturantes. Desde 1989 até 2002, Lula possuía claramente uma base

eleitoral estabelecida nas regiões Sudeste e Sul do país e nas classes sociais com maior

escolaridade, ou seja, seu eleitorado estava concentrado nas regiões com maior IDH (Índice

de Desenvolvimento Econômico). Em 2006, essa base eleitoral mudou drasticamente, e Lula

passou a receber apoio das regiões que tradicionalmente votavam em seus adversários.

Segundo Power e Hunter:

Como Lula fez, então, para conseguir que a base geográfica de seu apóio fosse semelhante, de alguma maneira, à de Collor, seu oponente em 1989, ou mais ainda, à base de apoio geográfica do regime militar conservador de 1964-1985? [...] Os eleitores brasileiros o avaliam menos segundo seus discursos, que unem a crítica aos governos passados e às promessas para o futuro,mas mais de acordo com as suas realizações no Poder Executivo. Essa “interiorização” ou “nordestinização” do apoio é típica dos partidos governantes no Brasil, como havia sinalizado Victor Nunes Leal há mais de 50 anos no seu clássico trabalho de 1949: Coronelismo, enxada e voto. Isso seria, em alguns aspectos importantes, uma extensão a mais da velha história de se utilizar o governo para apoio clientelístico. (2007, p. 340).

Nesse aspecto, verifica-se a desvinculação do Partido dos Trabalhadores com relação a

Lula, pois, segundo Power e Hunter, o PT continua variando seus eleitores positivamente em

relação ao IDH, num movimento inverso ao de Lula, que varia negativamente com relação ao

índice. Outros dois aspectos são apontados: o primeiro aponta para a base geográfica de maior

votação do PT, que continuam sendo as regiões mais desenvolvidas; o segundo é que, pela

primeira vez, na representação na Câmara dos Deputados a bancada do PT não ampliou sua

representação em relação proporcional aos votos recebidos por Lula.

Em suma, os votos que reelegeram Lula diferenciam-se no perfil econômico,

educacional e geográfico das bases eleitorais que tradicionalmente apoiaram o PT e o próprio

presidente. Power e Hunter classificam esse voto como pocketbook voting ou voto econômico,

o que significa que os eleitores de baixa renda optaram pela melhoria de seus rendimentos

mesmo diante dos problemas de corrupção surgidos durante o governo. Sustentam Power e

Hunter:

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O crescimento total da renda da metade mais pobre do Brasil entre 2001 e 2005 foi de 16%. No sentido oposto, 20% dos brasileiros com maiores rendas sofreram com a estagnação de sua renda agregada (-0,5%) no mesmo período, e para o segmento superior a diminuição foi ainda mais aguda (-1,3%). Dessa maneira, tanto pobres como os profissionais da classe média tinham excelentes razões para exercer o pocketbook voting, os primeiros a favor de lula e os segundos contra. Entretanto, a enorme diferença que há entre tamanhos relativos das citadas classes sociais deve ser considerada. Se todos os brasileiros votam de acordo com seu próprio interesse econômico, o efeito macropolítico maior proveria da conduta agregada dos pobres. (2007, p. 347).

Os autores ainda assinalam que os programas sociais levaram a que a participação de

eleitores aumentasse significativamente (POWER; HUNTER, 2007, p. 532) nas eleições de

2006 e diminuísse o aspecto carismático e populista de Lula, enfatizando a orientação

econômica do eleitorado brasileiro:

Esses eleitores também mostraram que irão às urnas de forma sem precedentes para manter tais políticos em seus cargos, mesmo quando os benefícios sociais em questão sejam fornecidos segundo critérios objetivos de elegibilidade e não requeiram nenhuma “intermediação” política, que tem moldado a política brasileira por séculos. (POWER; HUNTER, 2007, p. 359).

Por fim, dessa análise dos períodos de FHC e de Lula extraem-se duas conclusões. A

primeira é a de que as reformas normativas estruturadas pelo governo Fernando Henrique

Cardoso não conseguiram promover uma mudança paradigmática na relação estabelecida

entre representantes (políticos eleitos), corpo burocrático e sociedade. O primeiro ponto

relevante é que as reformas do governo FHC não enriqueceram nem criaram novos

mecanismos de controle vertical fora dos modelos tradicionais do sistema de democracia

representativa. Assim, a relação estabelecida entre políticos eleitos (representação fiduciária),

burocracia e cidadãos permaneceu inalterada. Mesmo a Lei de Responsabilidade Fiscal,

quando menciona a participação popular, em seu artigo 4848, é vaga ao determinar a forma e o

método da participação da população no controle fiscal do Estado, o que, pela tradição do

normativismo liberal, anteriormente exposta, aponta a inércia do Poder Judiciário diante do

problema.

48 “Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive

em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.” (grifo nosso).

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Nesse sentido, Przeorsky (1999, p. 335) critica a reforma estabelecida no período

FHC, que adotou um modelo gerencial de administração e delegou às agências reguladoras

uma grande parcela de poder e controle sobre as atividades públicas. Essa característica da

reforma não ampliou espaços de controle democráticos e manteve o controle de importantes

decisões governamentais dentro establishment político e jurídico.

O segundo problema é saber se tais órgãos facilitam o controle público sobre o governo. Novamente, Sutherlend argumenta que a revisão independente não é uma doutrina democrática, mas antes uma doutrina gerencial (management), baseada na fórmula de controle mútuo entre funcionários públicos. Ela contrasta closed review (revisão fechada) com popular review (revisão popular), embora nunca deixe claro o que ela entende pelo último termo. O fato importante é que agências de supervisão independentes fazem parte do sistema interno de checks and balances do geverno, em vez de um instrumento de participação popular no governo. O perigo é que mesmo com independência, especialmente por continuarem sendo burocráticas, as agências conspiram umas com as outras, escondendo infomrações do público. Muitos tipos de comissões designadas para supervisionar a segurança ou as agências policiais ilustram bem esse perigo. (PRZEORSKY, 1999, p. 335).

Os últimos acontecimentos envolvendo a Agência Nacional de Aviação Civil, ou

mesmo membros do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul com irregularidades

praticadas no DAER-RS (operação Rodin)49, demonstram que o temor de Przeorsky acerca da

limitação dos controles horizontes do Estado é fundado. É o aspecto corporativo da burocracia

brasileira, segundo o autor:

Os burocratas podem simplesmente querer maximizar sua autonomia ou assegurar os seus empregos, prestar favores clientelísticos para amigose/ou aliados, negligenciar o seu trabalho, inflacionarem seus orçamentos ou ainda enriquecer a expensas do público. (1999, p. 338).

Outro ponto relevante é o de que qualquer reforma institucional que não subverta a

desigualdade social brasileira pode se tornar inoperante. Seguindo a linha de raciocínio do

autor, verifica-se que, além da ausência de novos controles verticais, o nível de desigualdade

social no Brasil é um elemento fundamental para a ineficiência de uma estrutura racional-

legal de poder. Nesse sentido, Przeorsky é taxativo:

49 Fatos amplamente divulgados na imprensa nacional durante o ano de 2008.

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A hipótese alternativa é que, nas sociedades altamente desiguais, o Estado, qualquer que seja sua estrutura institucional, é justamente muito fraco para fazer respeitar a lei de forma universal Nenhuma reforma do Estado é suficiente para salvaguardar os “direitos republicanos” para todas as pessoas, especialmente porque o Estado não dispõe de recursos suficientes para promover esses direitos. O impedimento é fiscal e não institucional. (1999, p. 338).

A segunda conclusão é retirada das críticas de Power e Hunter, que, embora sejam

expressamente dirigidas, expõem elementos importantes que caracterizam o comportamento

dos cidadãos brasileiros em face das ações governamentais e da caracterização do governo

Lula baseada na legitimação carismática. Isso parte da concepção, neste ponto acertada, de

que todos os índices econômicos e sociais positivos alcançados no governo Lula basearam-se

em programas, não em reformas do Estado brasileiro.

Mesmo que as políticas sociais tragam um maior equilíbrio às desigualdades

brasileiras, os autores fazem uma importante advertência, qual seja, ver se os avanços

eleitorais e sociais obtidos por Lula nos estados menos desenvolvidos e mais oligárquicos

desarticularão as redes de clientelismo, bem estabelecidas, e provocarão o desaparecimento

das velhas oligarquias. (POWER; HUNTER, 2007, p. 359). Essa advertência é pertinente em

face da inexistência de mudanças estruturais no Estado brasileiro e da caracterização de uma

opção valorativa da cidadania brasileira que potencializa o self interest, em razão de grande

desigualdade social, combinada com a ausência de valores capazes de julgar eficientemente

establishment político, colocando em risco a construção de um espaço público e a própria

democracia.

2.1.2 A cidadania brasileira: a cidadania do self interest e seus elementos pré-modernos

A cidadania moderna e sua interação com o espaço público e o Estado, que nos limites

desse trabalho, já foram discutidas no primeiro capítulo, restando agora a análise de algumas

características que marcam a cidadania no Brasil. É importante ressaltar que o enfoque dessa

análise será nas dimensões política e sociológica da cidadania, uma vez que no aspecto

jurídico formal o contexto brasileiro não apresenta diferenças drásticas em relação ao restante

das democracias ocidentais.

Ressalvadas algumas peculiaridades do texto constitucional de 1988, verifica-se que

no Brasil o rol de direitos fundamentais foi ampliado significativamente e o espaço público

nacional experimentou um significativo avanço. No entanto, o contexto brasileiro apresenta

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situações peculiares, pois, de um lado, como a maioria das democracias do Ocidente,

percebemos a crise sistêmica de perda da legitimidade do Estado e a desarticulação da

autonomia da esfera pública, nos cenários de invasão da racionalidade sistêmica relatados por

Habermas; de outro, a incorporação de valores e contextos pré-modernos em convivência com

instituições modernas gera tensões diferenciadas, como parece ser o caso da concepção de

cidadania estruturada política e socialmente no país.

Como já verificamos anteriormente, o conjunto de valores estabelecidos pelo

liberalismo individualista configurara um modelo de comportamento orientado pela

racionalidade instrumental. É um aparato axiológico e racional que irá estabelecer um modelo

comportamental prejudicial ao desenvolvido no espaço público. Em síntese, trata-se da

configuração da cidadania do self interest, no qual o aparato de cidadania na sua dimensão

jurídica possui a finalidade de criar uma esfera de proteção para a busca das satisfações

pessoais.

Todo aparato político e jurídico do Estado moderno foi construído para essa matriz de

cidadania e, mesmo durante o período do Estado de Bem-Estar Social, verificou-se, apenas, e

em alguns casos, uma ampliação da dimensão política da cidadania em relação aos centros de

poder políticos e econômicos. Cada vez mais, as grandes decisões que influenciam e trazem

consequências para grande parte da população são tomadas por um número menor de sujeitos,

identificados com a racionalidade sistêmica, seja proveniente da burocracia estatal, seja

proveniente do mercado.

O Brasil apresenta esse contexto, mas também mostra, como um país de capitalismo

tardio e desigualdades sociais relevantes, uma espécie de subcidadania, não no aspecto

jurídico formal, pois a Constituição Federal de 1988 garantiu a ampliação de direitos

individuais e sociais a toda a população, mas no aspecto político de atuação no espaço

público. Para analisar esse contexto serão utilizadas as categorias elaboradas por Jessé de

Souza habitus primário e habitus secundário, as quais permitem a leitura de um discurso

político excludente. (SOUZA, 2006, p. 167). Souza expõe que para a universalização da

igualdade pela instituição jurídica da cidadania é necessária a internalização de valores e

discursos simbolicamente articulados na sociedade. Expõe o autor:

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É essa dignidade, efetivamente compartilhada por classes que lograram homogenizar a economia emocional de todos os membros numa medida significativa, que me parece ser o fundamento profundo do reconhecimento social infra e ultrajurídico da igualdade e, portanto da noção moderna de cidadania. É essa dimensão da dignidade compartilhada, no sentido não jurídico de “levar o outro em consideração”, e que Taylor chama de respeito atitudinal, que tem que estar disseminada de forma efetiva em uma sociedade, para que possamos dizer que, nesta sociedade concreta, temos a dimensão jurídica da cidadania e da igualdade garantida em lei. Para que haja eficácia legal da regra da igualdade é necessário que a percepção da igualdade na dimensão da vida cotidiana esteja efetivamente internalizada. (SOUZA, 2006, p. 166).

Assim, no contexto social e político o status de dignidade e de reconhecimento da

igualdade é resultado da articulação de discursos ideologicamente conduzidos. No caso da

sociedade brasileira, Souza aponta a incorporação da “ideologia do desempenho”,

característica das sociedades modernas, como princípio unificador e identificador de uma

determinada coletividade. É composta por três elementos identificadores, como o salário, a

qualificação e a posição, que se articulam por meio dos méritos individuais e acabam por

legitimar o acesso aos bens escassos produzidos no mercado.

O habitus primário é concedido ao indivíduo que alcança os padrões de mérito

estabelecidos por essa formatação valorativa do desempenho, que Souza define como

[...] um conjunto de predisposições psicossociais refletindo, na esfera da personalidade, a presença da economia emocional e das precondições cognitivas para um desempenho adequado ao atendimento de demandas (variáveis no tempo e no espaço) do papel de produtor, com reflexos diretos no papel de cidadão, sob condições capitalistas modernas, a ausência dessas precondições, em alguma medida significativa, implica na constituição de um habitus marcado pela precariedade. (2006, p. 170).

Aqui Souza insere o conceito de habitus precário ou secundário, entendendo-o como o

limite do habitus primário para baixo, ou seja, seria a ausência de reconhecimento social para

um indivíduo ou grupo social por não conseguirem se adaptar aos padrões valorativos do

capitalismo moderno. (SOUZA, 2006, p. 167). É justamente esse habitus precário ou

secundário que irá marcar o abismo entre duas espécies de cidadania no Brasil, segundo o

autor:

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No caso brasileiro, o abismo se cria, já no limiar do século XIX, com a reeuropização do país e se intensifica a partir de 1930 com o início do processo de modernização em grande escala. Neste caso, a linha divisória passa a ser traçada entre os setores europeizados- ou seja, os setores que lograram se adaptar às novas demandas produtivas e sociais – e os setores “não europeizados” que tenderam por seu abandono, a uma crescente e permanente marginalização. (SOUZA, 2006, p. 171).

Essa diferenciação parte de consensos sociais opacos, mudos e subliminares, ou seja,

jamais serão admitidos e exteriorizados no espaço público, mas não deixam de produzir

significativas consequências. Souza aborda, nesse aspecto, a consequência do tratamento dos

indivíduos e grupos sociais pertencentes ao habitus secundário na persecução penal, mas

outro aspecto surge de seus apontamentos, embora não seja trabalhado especificamente pelo

autor. Esses aspectos ou consequências também dizem respeito ao modo como as instituições

políticas e jurídicas interagem com o habitus secundário e qual é a sua participação na

construção do espaço público.

O que podemos verificar é a relativa incapacidade de interação do habitus precário

com as instituições do Estado brasileiro e a sua exclusão do processo de construção do espaço

público. É um problema, como afirma Souza (2006, p. 178), que não foi resolvido e não pode

ser resolvido pelo Welfare State, porque sua estrutura supõe apenas igualdade jurídica formal

e uma concepção de redistribuição de recursos com o objetivo de amenizar as desigualdades

sociais.

Para Souza, portanto, aqueles que apontam as políticas do Estado de Bem-Estar como

saída para as desigualdades brasileiras são demasiadamente otimistas, visto que estamos num

contexto no qual um terço da população de 170 milhões de habitantes está preso a uma vida

marginal nas dimensões existenciais, econômicas e políticas (SOUZA, 2003, 152). Mesmo

num cenário em que o Estado brasileiro estivesse estruturado financeiramente de forma a

conceder “bolsa família” para esse um terço da população, não significaria que esse setor seria

incluído no espaço público de forma a possibilitar uma efetiva participação na vida política do

país. Até mesmo o resultado pode ser oposto, pois sua dependência econômica existencial

pode significar dependência política e gerar, consequentemente, a reprodução de políticas

clientelistas com novas roupagens e novos discursos. Florestan Fernandes (2002, p. 1781) já

salientava que a burguesia brasileira sempre guardou os postos públicos para si e nunca

empreendeu uma verdadeira ordem social competitiva, pelo menos não verticalmente.

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O que é pior, no plano histórico essa ordem social e competitiva só se preserva e se altera graças ao enlace da dominação e do poder das classes possuidoras com a neutralização ou exclusão das demais classes, que ou só se classificam negativamente em relação a ela (e permanecem inertes), ou se classificam positivamente, mas não podem competir livremente dentro dela e permanecem tutelados. (FERNANDES, 2002, p. 1781).

Nesse sentido, Souza (2003, p. 103) aponta a sociedade alemã como exemplo de onde

se verifica, em escala muito menor, o status de subcidadania dos indivíduos que sobrevivem

do seguro-desemprego. Embora sua condição econômica esteja garantida, sua existência

política e social é descartada enquanto não alcançarem os índices de desempenho exigidos

pela sociedade capitalista moderna.

Esse cenário pode gerar um contexto de crise para a democracia, visto que sua base de

legitimação é precária. Ela implica uma base de sustentação econômica, não política, na

medida em que a distribuição de recursos sem a readaptação do espaço público e dos

mecanismos institucionais e democracia representativa mantém a subcidadania refém das

políticas públicas, sem participar do seu processo de deliberação.

Aliás, o tratamento que o stablischment político-jurídico dá aos mecanismos de

participação popular positivados na Constituição Federal demonstra a ausência de

preocupação com a inserção de sujeitos sociais marginalizados no processo democrático

brasileiro. Formado por indivíduos que compõem o habitus primário, o stablischment

político-jurídico brasileiro não confia na abertura do processo decisório, mas apenas na

centralização das decisões nos órgãos estatais racionalmente orientados, como afirma

Fernandes, que traça um importante panorama do pensamento da elite nacional:

Ele só conta e só confia nas pressões de cima para baixo, que possam ser mobilizadas através da dominação burguesa ou imposta pelo poder burguês; e, nos casos de tensão extrema, só acredita, de fato, nas “pressões de cima para baixo” submetidas ao controle institucional da dominação e do poder burgueses, isto é, que se incorporem e sejam garantidos pelos meios de opressão e de repressão normais ou extraordinários, do Estado nacional. (2002, p. 1782).

Tornando a análise de Fernandes mais contemporânea, verificamos a opção nítida,

pactuada social e subliminarmente dentro da parcela modernizada da sociedade brasileira, de

que espaço público e Estado pertencem ao habitus primário. Somente esses sujeitos são

capazes de gerir dentro da racionalidade e axiologia moderna as instituições estatais e a

formação da opinião pública.

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Ao habitus secundário, ou à subcidadania, inserida formalmente na cidadania jurídica,

cabe o papel de receptora das políticas públicas dirigidas de forma a legitimar a estrutura, mas

não o papel político de gerir em conjunto com a sociedade o Estado brasileiro. Por esse

motivo, as reformas estruturais do período Fernando Henrique Cardoso não efetivaram uma

democratização de recursos e decisões políticas para a totalidade da cidadania brasileira, e o

período Lula, por sua vez, promoveu redistribuições de recursos, mas sem a democratização

de espaços democráticos, limitando-se a um processo de legitimação facilmente orientado e

sob controle.

2.2 O orçamento público brasileiro: uma leitura crítica

2.2.1 Marcos normativos e práticas orçamentárias

Depois de se estabelecer um delineamento cartográfico do Estado, da cidadania, do

orçamento público e de se analisar sua interação no contexto de crise da contemporaneidade e

no contexto brasileiro, faz-se necessário uma abordagem das influências desse cenário para o

orçamento público no Brasil. E como categoria política e jurídica interligada com as

categorias acima citadas, o orçamento público brasileiro também apresenta uma característica

cindida entre uma dimensão formal-legal e uma dimensão real, efetivada por meio das

práticas políticas, jurídicas e administrativas.

A doutrina classifica o orçamento brasileiro como um orçamento-programa, que foi

adotado na década de 1960, sendo ainda contemplado pelo ordenamento jurídico pátrio que

trata da matéria financeira do Estado. Orçamento-programa pode ser assim definido:

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O Orçamento Programa é aquele tipo de orçamento que apresenta, em primeiro plano, as metas ou os objetivos que a Administração decide levar a efeito em determinado exercício financeiro. Difere do orçamento tradicional, porque este coloca em destaque os elementos de que a Administração dispõe para a execução dos serviços, ou seja, pessoal, material, equipamentos, instalações, serviços de terceiros, encargos diversos, etc., sem preocupação aparente com objetivos a realizar. O orçamento clássico serve às mil maravilhas ao controle político-jurídico das despesas com aqueles elementos, mas não cria, no serviço público, a consciência de missão a efetuar e de custo. O Orçamento-programa, pelo contrário, põe em realce metas, intentos, objetivos e propósitos, inseridos em uma estrutura de programas a realizar em um período financeiro. A grande vantagem, pois, do orçamento-programa é que faz a ligação entre os sistemas de planejamento e finanças, permitindo que planos expressos em unidades fiscais – quilômetros de estrada a construir, número de doentes a atender, etc. – sejam concomitantemente expressos em termos de dinheiro, possibilitando assim levar os planos À execução prática. Isso significa que a característica fundamental do orçamento-programa é a mensuração, em termos físicos, das ações administrativas. (NERLING, 1998, p. 79).

Com essa definição é possível afirmar que o orçamento-programa traz elementos de

diversas ordens, apresentando como pontos característicos o planejamento, a programação de

execução e o orçamento, que é o definidor tanto dos objetivos traçados como da

disponibilidade de recursos necessários para atingir os fins propostos pelo governo.

No Brasil a concepção de planejamento, da qual o orçamento-programa decorre, pode

ser identificada já em 1948 no governo Dutra. No entanto, Nerling relata que o orçamento-

programa foi adotado, inicialmente, na Constituição da Guanabara em 1961, contando com a

orientação de Aliomar Baleeiro, que, na época, era deputado constituinte do novo Estado.50

Essa concepção introduziu as seguintes disposições:

[...] a proposta orçamentária deveria condicionar-se aos planos de ação do Poder Executivo; II- obrigatoriamente incluir-se-iam nas despesas as dotações previstas em programas plurianuais aprovados em lei; os fins a atingir com cada despesa deveriam estar expressos qualitativamente e quantitativamente na proposta, aplicando-se a orçamento normas idênticas; IV – a Mensagem que encaminhasse a proposta deveria mencionar, em bases de contabilidade econômica, não só os objetivos fiscais mas também os efeitos de política financeira que presumivelmente dela relutasse. (NERLING, 1998, p. 77).

A instituição do orçamento-programa como padrão único para o setor público foi

consolidada com o advento da Lei Federal n. 4.320/64. Com a adoção do orçamento-

programa viabilizou-se um sistema de planejamento da administração, pois as diversas

50 A técnica do orçamento-programa, adotada inicialmente no Departamento de Defesa dos Estados Unidos, foi

efetivamente implementada no Brasil no Estado da Guanabara, após a Assembléia Constituinte do Estado em 1963 e, pelo governo federal, em 1964. (NERLING, 1998, p. 82).

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mensurações de metas e suas respectivas quantificações de custo provenientes dos diversos

órgãos da Administração Pública são nele inseridas de forma programática.

Na atualidade, o processo orçamentário é regulado basicamente por três principais

marcos legais. Em primeiro plano, a Constituição Federal, na segunda seção do capítulo II do

Título IV (Da Tributação e do Orçamento), expressa os princípios e normas que regem a

formação do orçamento. A própria Constituição, em seu artigo 165, parágrafo nono, previu a

necessidade de lei complementar para regular o exercício financeiro, a vigência de prazos, a

elaboração e a organização das leis orçamentárias; estabelecer normas de gestão financeira e

patrimonial e condições para a instituição e financiamentos de fundos. É a Lei Complementar

101, chamada de Lei de Responsabilidade Fiscal. Por fim, está ainda vigente a Lei n.

4.320/64, que expõe as normas gerais de direito financeiro para controle dos orçamentos dos

entes da federação, bem como de despesas e receitas e elaboração orçamentária.

(CHIESORIN JÚNIOR, 2001, p. 74).

A doutrina identifica uma série de princípios de direito financeiro que também

incidem sobre a regulação do orçamento. Embora haja discordância sobre quais são esses

princípios e sua extensão de incidência na regulação do orçamento, podem-se destacar de

forma mais ou menos consensual os princípios da legalidade, da clareza, da unidade, da

universalidade, da anualidade, da exclusividade e o da não vinculação51.

O princípio da legalidade orçamentária está ligado ao próprio surgimento do Estado de

Direito e à limitação do poder central, ou seja, os gastos do Estado estão limitados às regras

do ordenamento jurídico. Segundo Torres (2008, p. 313), o princípio da legalidade expressa-

se por meio de três subprincípios, quais sejam: o da superlegalidade, o da reserva da lei e o do

primado da lei.

O subprincípio da superlegalidade remete à ideia hierárquica do ordenamento jurídico,

sustentando a supremacia da Constituição na orientação de todo o processo orçamentário e

das normas infraconstitucionais que com ele interagem. Assim, o texto constitucional orienta

as normas de direito orçamentário, adequando-as aos imperativos constitucionais. Torres

(2008, p. 313) afirma que princípios estruturais do ordenamento constitucional, como o da

separação dos poderes ou mesmo o princípio democrático, incidem sobre o orçamento de

forma procedimental e axiológica.

51 Torres (2008, p. 168) identifica uma gama mais ampla de princípios ou mesmo uma série de subprincípios.

Por ora serão abordados singelamente os mais amplos, deixando para parte posterior do trabalho, que enfoca as dimensões jurídicas do Orçamento Participativo, a análise dos princípios mais afetos ao objeto do trabalho.

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O subprincípio da reserva da lei pode ser identificado nos artigos 165 e 167 da

Constituição Federal e determina que apenas as leis orçamentárias podem tratar da aprovação

dos orçamentos, dos créditos suplementares e dos créditos especiais. No mesmo sentido segue

o subprincípio do primado da lei, o qual limita o poder da administração aos espaços deixados

pelo legislador, como os atos permitidos pelo artigo 167 da Constituição Federal (realização

de despesas, assunção de obrigações, transposição, remanejamento ou transferência de

recursos, etc.).52 O artigo 165, par. 6°, da Constituição Federal expressa também o princípio

da clareza, o qual determina que o orçamento organize as entradas e as despesas com

transparência e fidelidade. (TORRES, 2008, p. 318). Esclarece o autor:

Esse princípio da clareza é importantíssimo para o equilíbrio orçamentário e abrange qualquer privilégio, ainda que sob a forma d renúncia de receita, de subvenção ou de restituição-incentivo. [...] Assim sendo, o princípio da clareza orçamentária sinaliza no sentido de que se devem tornar transparentes tanto os privilégios tributários no sentido estrito (= renúncia de receita, gasto tributário, despesa virtual, etc.) como privilégios financeiros que aparecem na coluna das despesas pública, porque todos eles possuem a aptidão d ferir direitos humanos do contribuinte. (TORRES,2008, p. 321) .

O princípio da unidade é mais bem definido por José Afonso da Silva (1999, p. 141)

ao afirmar que a unidade decorre de uma concepção de unidade da política orçamentária, não

mais de unidade documental. Assim, significaria uma integração uniforme das estruturas

orçamentárias e das metas ou objetivos a serem alcançados pela lei orçamentária. Como

afirma Nerling:

Conclui-se, pois, que o princípio da unidade orçamentária, na concepção do orçamento programa, não se preocupa com unidade documental; ao contrário, desenhando-a, postula que tais documentos orçamentários se subordinem a uma unidade de orientação política, numa hierarquização unitária dos objetivos a serem atingidos e na uniformidade de estrutura do sistema integrado. (1998, p. 141).

O princípio da universalidade estabelece que todas as receitas e despesas

governamentais devem proporcionar uma visão global de todos os envolvidos na atividade

financeira do Estado (poderes, fundos, órgãos, entidades da administração direta e indireta).

Decorre desse princípio a chamada “regra do orçamento bruto”, que não permite a dedução ou 52 A prática orçamentária brasileira tem demonstrado grande habilidade em se aproveitar desses espaços para

alterar substancialmente o orçamento público, como se constatará no decorrer do trabalho.

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compensação de despesas decorrentes da arrecadação, devendo ser demonstradas em bruto no

orçamento.

O princípio da anualidade determina a necessidade da existência de um orçamento

anual, que decorre, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, das seguintes razões:

[...] a) a previsão orçamentária não pode ter uma existência ilimitada, pois estaria fora do alcance da capacidade humana; b) sendo periódico o orçamento, há um maior controle quanto à execução; c) o contribuinte está mais protegido, eis, que, periodicamente, se pode fazer uma revisão da carga tributária e adaptá-la às necessidades do estado, que, como se sabe variam no tempo e no espaço. (1999, p. 61).

Por sua vez, o princípio da exclusividade prescreve a impossibilidade de o orçamento

conter disposições estranhas à previsão da receita e à fixação da despesa, com o objetivo de

impedir a inclusão de matérias extraorçamentárias. Assim, a lei orçamentária fica restringida à

matéria relativa ao orçamento.

Pelo princípio da não vinculação ou não afetação, que está expresso no artigo 167,

inciso IV, da Carta brasileira, nenhuma parcela da receita geral poderá ser reservada ou

comprometida para atender a certos e determinados gastos. O objetivo é propiciar maior

liberdade ao administrador, dando-lhe autonomia para atender às despesas conforme as

necessidades, como forma de evitar sobra em programas de menor importância. No entanto,

Torres (2008, p. 336) expõe que este princípio tem perdido densidade jurídica na medida em

as sucessivas emendas constitucionais e algumas circunstâncias econômicas e sociais já

vinculam boa parte da arrecadação.

Por fim, há o princípio do equilíbrio orçamentário, que ganhou densidade jurídica com

o avanço do neoliberalismo. Torres destaca que o ordenamento jurídico nacional incorporou

dispositivos normativos53 que determinam a equalização entre receitas e despesas, no entanto

sua observação dependeria de aspectos conjunturais, não podendo ser observado

restritivamente.

O processo orçamentário é materializado por meio de três leis de iniciativa dos

Executivos nos âmbitos federal, estadual e municipal:

1 - Plano Plurianual: sua função é de programação econômica e de direcionamento da

ação governamental. De acordo com o artigo 165 da Constituição Federal, deverá estabelecer

de forma regionalizada as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública federal, para

53 EC 10/96, EC 17/97 e a Lei de Responsabilidade Fiscal são exemplos citados por Torres. (2008, p. 174).

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despesas de capital e outras dela decorrentes e para as relativas aos programas de duração

continuada. Sua vigência compreende o segundo ano do mandato do Executivo (União,

Estados e Municípios) até o final do primeiro ano do mandato subsequente.

2 - Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): seu conteúdo é expresso pela Constituição

Federal e pela Lei de Responsabilidade Fiscal54, compondo-se de: compreender as metas e

prioridades da Administração Pública federal, incluindo as despesas de capital para o

exercício financeiro subsequente; orientar a elaboração da lei orçamentária anual; dispor sobre

alteração na legislação tributária; estabelecer a política de aplicação das agências financeiras

oficiais de fomento; equilíbrio entre receitas e despesas; metas fiscais; riscos fiscais;

programação financeira e cronograma de execução mensal de desembolso, a serem

estabelecidos pelo Poder Executivo trinta dias após a publicação da lei orçamentária; critérios

e formas de limitação de empenho a serem efetivadas nas hipóteses de risco de não

cumprimento das metas fiscais ou de ultrapassagem do limite da dívida consolidada; normas

relativas ao controle de custos e à avaliação dos resultados dos programas financeiros com

recursos dos orçamentos; condições e exigências para transferências a integrar a lei

orçamentária anual; demonstrações trimestrais apresentadas pelo Banco Central sobre o

impacto e custo fiscal de suas operações e concessão ou ampliação de incentivos ou

benefícios de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita. Esta lei precede e orienta

a lei orçamentária anual e deve estar de acordo com o Plano Plurianual.

3 - Lei Orçamentária Anual (LOA): constituída pelo orçamento fiscal (receitas e

despesas), pelo orçamento de seguridade social (saúde, assistência social e previdência social)

e pelo orçamento de investimentos das empresas estatais. A LOA estabelece a previsão dos

recursos que serão arrecadados no exercício financeiro e fixa as aplicações das despesas

correspondentes. Nela devem constar apenas dispositivos referentes à fixação de despesas e

previsão de receitas. Seus prazos estão estabelecidos na Constituição Federal, nas estaduais e

nas Leis Orgânicas dos Municípios. (GIACOMONI, 2002, p. 210).

O processo orçamentário desenvolve-se nas três esferas da federação (União, Estados

e Municípios) em quatro fases distintas:

1. elaboração da proposta orçamentária: de competência do Poder Executivo,

que deve levar em consideração o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes

Orçamentárias, previamente encaminhadas ao Legistativo;

54 Giacomoni (2002, p. 202) afirma que a Lei de Responsabilidade Fiscal ampliou significativamente o número

de matérias a serem disciplinadas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.

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2. apreciação e votação pelo Poder Legislativo: que pode propor emendas e

alterações de forma limitada;

3. execução do orçamento: que coincide com o período do exercício financeiro

(1o de janeiro a 31 de dezembro);

4. controle da execução do orçamento, realizado no âmbito interno do Poder

Executivo e, no externo, pelo Poder Legislativo, assistido pelo Tribunal de

Contas; destaca-se, ainda, o controle popular ou social disposto na

Constituição Federal (art. 31, parágrafo 3, art. 74, parágrafo 2, e art.165, par.

3/ Lei Complementar n. 101, art. 48 a 55).

Dentre essas fases, a fase de execução do orçamento tem sido palco de disputas e

tensões em face da prática orçamentária brasileira, que confere ao Poder Executivo uma

autonomia demasiada. (FEDOZZI, 1999, p. 223). Essa autonomia decorre, basicamente, de

duas causas: a primeira, destacada por Laerzio Chiesorin Júnior (1998, p. 83), refere-se à

ênfase dada ao controle das receitas e à margem ampla de discricionariedade na efetivação

das despesas, limitada ao mero atendimento da legalidade.

Este tipo de atuação em que o Estado é controlado pelo ângulo das receitas, com todas as limitações que lhes são postas, porém pouco atado ou quase livre sob o aspecto das despesas parece demonstrar que o Estado Brasileiro, no plano orçamentário é só formalmente controlado. (CHIESORIN JÚNIOR, 1998, p. 84).

Ocorre que as despesas orçadas devem ser pagas ao longo do período com as receitas

nele disponibilizadas. Como o princípio da não afetação impede a vinculação de receitas, o

administrador, discricionariamente, determina a ordem das prioridades a serem atendidas,

incluindo as despesas extraordinárias. Chiesorin Júnior tenta demonstrar que as despesas

orçadas na fase de elaboração e aprovação do orçamento chegam completamente desvirtuadas

no momento de sua execução, em face de uma tradição que concede uma discricionariedade

desmedida ao administrador.

Comumente constata-se que os administradores públicos se utilizam de autorização contida habitualmente na lei orçamentária, e promovem alterações, transposições ou transferências de dotação orçamentária, entre categorias de despesas, de tal forma que acabam por desvirtuar a feição do orçamento. [...] Embora haja a devida previsão orçamentária para o pagamento de qualquer das despesas, estas não são indiferentes entre si, de tal forma que seja permitido o pagamento de uma e de outra, executada uma obra ou outra, apenas obedecida a formalidade de transposição orçamentária. (CHIESORIN JÚNIOR, 1998, p. 83).

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A segunda causa é complementar à primeira, porém na perspectiva da técnica

orçamentária efetivada no processo orçamentário brasileiro. Nessa perspectiva, Giacomoni e

Fedozzi colocam a razão do excesso de autonomia na forma como se classificam as contas

orçamentárias, que acabam por determinar um orçamento, ao mesmo tempo, analítico e

sintético.

[...] analítico quando analisa a despesa segundo seu objeto imediato do gasto (pessoal, material de consumo, remuneração de serviços pessoais, encargos, etc.) e sintético na sua programação por atividades e projetos que são aprovados sem explicitação das obras e serviços, constituindo-se, em geral, numa autorização de teto de despesas. É neste sentido que, com exceção das obras de maior porte, que necessitam de levantamento de custos e indicações de fontes de recursos, geralmente as demais atividades não constam formalmente do orçamento, para serem decididas durante a própria execução orçamentária. (FEDOZZI, 2000, p. 109).

Analisando a prática orçamentária, Giacomoni acaba por concluir que o modelo de

escolha racional representado nos orçamentos-programas, qualificados por técnicas de

pesquisa operacional, análise de sistemas, entre outras, no caso brasileiro não tem passado de

uma promessa.

Quase todas as escolhas orçamentárias, inclusive as que vão além da manutenção dos serviços, ou seja, as decisões sobre novos investimentos, ampliações de serviços, etc., não resultam de avaliações técnicas de custos, benefícios e oportunidades entre alternativas concorrentes. [...] E, sendo as demandas e os pleitos em muito superiores aos recursos disponíveis, acaba restando ao Executivo decidir sobre as prioridades com base em valores pessoais, avaliações políticas, interesses particulares, pressões de grupo de interesse, etc. O cenário das decisões orçamentárias está, portanto, mais fielmente representado no paradigma incrementalista. (GIACOMONI, 2002, p. 123).

Segundo esse método, típico do procedimento orçamentário brasileiro na realidade, o

orçamento previsto no ano anterior é a base para o ano seguinte, com uma mera projeção de

variáveis econômicas e financeiras, isto é, sem qualquer processo mais elaborado de

planejamento governamental.

Outro aspecto, apontado por Fedozzi, é que os procedimentos orçamentários referentes

a sua elaboração e execução são controlados por uma tecnoburocracia, sendo verticalizados na

forma de organização da administração do Estado, o que ocasiona uma centralização das

informações e dos documentos nas cúpulas de governo, tornando-os inacessíveis à população.

(FEDOZZI, 2000, p. 119).

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Tais afirmações demonstram que, no Brasil, o orçamento público, como instrumento

de planejamento governamental, é raramente levado a sério, tornando-se, às vezes, mera peça

de ficção proporcionada pela dualidade entre o Brasil real e o Brasil formal. Essa prática serve

muitas vezes apenas como instrumento de manutenção de políticas patrimonialistas e

clientelistas por meio de recursos públicos. O establishment político brasileiro fez do

orçamento público seu principal instrumento de barganha na relação perversa estabelecida

entre o Executivo e o Legislativo em todas as esferas do Estado, deixando de estruturar e

contemplar as necessidades da sociedade, que se encontra desprovida de mecanismos de

ingerência na sua elaboração.

Boaventura comenta como as práticas orçamentárias brasileiras se desenvolvem de

forma clientelista e são uma característica do processo de modernização seletiva:

Contudo em uma sociedade comandada por uma forte tradição autoritária e patrimonialista, como é o caso do Brasil, o orçamento público tem sido menos a expressão do contrato político do que a expressão da sua ausência. Critérios tecnoburocráticos prevalecem na definição do orçamento, critérios suficientemente vagos para permitir a privatização clientelista das decisões públicas que dizem respeito à distribuição de recursos. Uma vez que o jogo político clientelista e seus mecanismos de troca de favores controlam a implementação do orçamento, este revela-se uma ficção, uma prova chocante da discrepância entre o enquadramento institucional formal e as práticas reais do Estado. (SANTOS, 2002, 465).

A incapacidade da sociedade perante o processo de desvirtuamento do orçamento

público é mais um reflexo do contexto político e institucional do Estado brasileiro. A decisão

sobre a apropriação do fundo coletivo de riquezas do Brasil, mesmo diante da adoção de

marcos normativos atuais, continua social, política e juridicamente controlada pelo

establishment político-jurídico-burocrático, que articula uma legitimidade formal-legal com

práticas patrimonialistas, acabando por dirigir as riquezas nacionais ao habitus primário da

cidadania.

Para superar essa cisão o Estado brasileiro precisa de reformas que, além de

democratizar recursos, democratizem também espaços de poder, gerando espaços públicos de

encontro do habitus primário com o habitus secundário.

O conflito entre o Brasil modernizado e o Brasil pré-moderno só pode ser gerido

dentro de um espaço público juridicamente estruturado e politicamente igualitário,

possibilitando o encontro da cidadania em condições de estabelecer uma racionalidade de tipo

não sistêmica. Por isso, a possibilidade de efetivação da cidadania como condição do “ser”

dignamente estruturado no espaço público só pode ser implementada por estruturas jurídicas

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e, sobretudo, políticas que transcendam a racionalidade sistêmica. Em caso contrário, os

agentes do establishment sempre poderão rearticular seus discursos, blindando jurídica e

ideologicamente o acesso ao fundo público de recursos, impossibilitando sua democratização

e, consequentemente, sua redistribuição.

2.2.2 A natureza jurídica do orçamento público e a dogmática jurídica tradicional

Ao contexto anteriormente analisado acerca dos marcos normativos do orçamento

público e das práticas orçamentárias deve-se acrescentar a análise do posicionamento da

dogmática jurídica sobre a natureza jurídica do orçamento. Pretendemos demonstrar que a

análise sobre a natureza jurídica do orçamento não pode ficar restrita a elementos formais da

dogmática jurídica, pois sua interface política de disputa pelos recursos e riquezas nacionais

ficaria escondida, impedindo uma adequada proposta para a resolução dos problemas sociais

decorrentes da estrutura e práticas orçamentárias brasileiras.

Assim, verificamos que o posicionamento majoritário da doutrina brasileira segue a

corrente germânico-francesa, concebendo o orçamento público como lei formal. Essa

perspectiva foi desenvolvida inicialmente por Laband, na Alemanha55, pela qual o orçamento

é um plano de gestão elaborado pelo Executivo e que o Legislativo aprova ou autoriza. Expõe

Torres:

[...] entendia tratar-se de simples autorização do Parlamento para a prática de atos de natureza administrativa, pois, “embora do ponto de vista formal seja estabelecido como lei, não é, entretanto lei, mas um plano de gestão.” Pode-se afirmar que até hoje, passando pelo regime de Weimar, continua preponderante na doutrina germânica a teoria da natureza formal do orçamento. (1995, p. 151).

Esse posicionamento doutrinário baseava-se numa classificação das leis segundo o seu

conteúdo, não quanto ao órgão que as promulgava. O orçamento poderia se revestir de uma

aparência de lei, mas não possuía conteúdo ou imperativos normativos que pudessem

qualificá-lo como norma material. Fonrouge expõe o posicionamento de Laband:

55 Essa doutrina começou a se desenvolver na Alemanha entre os anos de 1820 e 1840 e passou a ser

sistematizada dogmaticamente através da concepção dualista da lei expressa em estudos monográficos de Laband em 1871. Posteriormente é difundida para a Itália e para França, onde sofre pequenas alterações nos posicionamentos de Jèze e Duguit. (FONROUGE, 2004, p. 139).

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En outra pasaje expressa que se advierten las consecuencias del principio em virtude del cual el pressupuesto, aunque estabelecido desde el punto de vista formal como uma ley, empero no es tal como um plan de gestión. El presupuesto no contiene ninguna regla jurídica, ninguna ordem, nenhuma prohibicion; no contiene mas que cifras. (2004, p. 139).

O orçamento entendido como lei formal, seria caracterizado como um ato, como um

procedimento administrativo ou, mesmo, como um programa financeiro elaborado pelo Poder

Executivo, cabendo ao Legislativo a aprovação ou autorização. Observamos, pois, uma

tendência de fortalecimento do Executivo, que não por acaso orienta a construção da teoria.

É essa finalidade que uma análise meramente positivista encobriria, qual seja, a da

construção de uma perspectiva que fortalece o poder central cunhada num momento de crise

entre o Parlamento e o monarca na Alemanha. Envernizada pelo discurso científico do

positivismo, a teoria tinha a clara intenção de fortalecer o poder do monarca, permitindo-lhe a

efetivação de gastos sem a aprovação do Parlamento. Descreve Torres:

O Problema constitucional de princípio passou, então, a dominar a controvérsia. Posteriormente reconciliaram-se os Poderes e em 1876 foi aprovada o Bill de identidade, legitimando os gastos efetivados sem a prévia autorização parlamentar. A doutrina alemã dessa época conseguiu firmar alguns princípios que tiverammais tarde imensa importância, em virtude de seus posicionamentos positivistas e autoritários. Seja o primeiro o de que o orçamento era ato legislativo de conteúdo meramente administrativo. O outro consistia na afirmação de que os aspectos jurídicos do orçamento se estremam dos políticos; Laband chegava a dizer, na defesa da ciência do direito como trabalho de espírito puramente lógico, que não compreendia a crítica aos que expõe a dogmática do direito positivo segundo deduções lógicas, em lugar de recorrer à pesquisa histórica e às discussões políticas. O terceiro se fundava na inexistência de lacuna na Constituição ou no ordenamento jurídico, donde resultava que a não aprovação do orçamento tornava-se questão política insuscetível de controle jurisdicional ou parlamentar. (2008, p. 67).

A concepção exposta sofre variações no posicionamento de autores franceses, dos

quais destacamos Duguit e Jèze. O primeiro atribui ao orçamento uma natureza dicotômica,

não o considerando como lei propriamente dita, nem como simples operação administrativa;

separa, assim, a parte referente às despesas da referente às receitas, ou, mais precisamente, a

parte relativa à autorização para arrecadação de tributos. (JARDIM, 1999, p. 68). No caso

desta, quando os tributos são fixados anualmente em conjunto com o orçamento, atribui-lhes

caráter de lei material, pois geram obrigações tributárias de conteúdo jurídico para os

contribuintes; em caso contrário, não passa de uma operação administrativa. No que se refere

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às despesas, o orçamento nunca pode ser considerado como lei, mas como ato administrativo

da espécie ato-condição56.

Por sua vez, para Jèze, autor mais vinculado à doutrina alemã, o orçamento nunca

possui a natureza de uma lei material, sendo uma mescla de atos jurídicos; por isso, deve ser

analisado segundo a divisão de recursos e despesas. Fonrouge sintetiza seu pensamento da

seguinte forma:

a) en lo que respecta a recursos: 1) si son de naturaleza tributaria, en lo caso de cotarse anualmente, el pressuposto contiene autorizaciones para recaudarlos según reglas juridicas existentes, de modo que hay al respeto actos-condicion; pero en los regimenes legislativos sin regla de anualidad, el pressuposto no tiene significación juridica alguma; 2) si no revistem caráter tributario (locación o venta de bienes, etc.), el pressuposto carece de significación , por no surgir del mismo autorizaciones creadoras o recaudatorias; b) en lo respecta a gastos: 1) si son preexistentes, como en el caso de intereses, pensiones, deuda pública, el presuposto está desproviisto de significado jurídico, pues el Parlamento se halla ante un deber juridico, es decir, que su competencia es vinculada; 2) siendo futuros, el pressuposto contiene autorizaciones para crear deudas, es decidir, situaciones jurídicas individuales (contratos de sinistros), por lo cual se trataria de actos-condicion o sin significación juridica.

Tal concepção apresenta um sério problema quanto à restrição das faculdades do

Parlamento, que estaria subordinado a um papel secundário de mera autorização, criando uma

séria crise de legitimidade para um instituto de fundamental importância para o

desenvolvimento de políticas públicas do Estado57. Esclarece-nos Chiesorin Júnior:

Defender que a lei orçamentária se trata de mera lei formal resulta imaginar que não estabeleçam efetivamente obrigações à Administração Pública, atribuindo a esta uma liberdade que não tem e não pode ter, transformando a atuação do Legislativo na elaboração do orçamento em pouco mais que mera formalidade. (2001, p. 67).

Outros dois aspectos negativos são levantados por Torres ao expor que a classificação

do orçamento como lei formal retira da lei anual qualquer conotação material relativamente à 56 Para Duguit, o ato-condição é: “[...] modalidade de ato administrativo subordinado às situações criadas por

atos, estes determinados atos-regra, os quis veiculam comandos gerais e abstratos passíveis de modificação unilateral.” (JARDIM, 1999, p. 68).

57 As possibilidades de emendas orçamentárias por parte do Legislativo são extremamente limitadas no caso brasileiro. O artigo 166, parágrafo 3º determina que elas sejam compatíveis com o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, não podendo indicar novas fontes de receitas a não ser as provenientes da anulação de despesas, limitando-se, ainda, a correção de erros ou omissões no texto do projeto de lei. Para o orçamento de 2008 foram reservados R$ 11,5 bilhões de reais para emendas parlamentares, num total de receitas primárias estimadas em R$ 682,8 bilhões.

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constituição de direitos subjetivos para terceiros58. Ainda, tal classificação tem influenciado o

Supremo Tribunal Federal a não examinar as normas da Lei de Diretrizes Orçamentárias e dos

orçamentos anuais, com o argumento de que possuem a natureza de ato político-

administrativo. (2008, p. 96).

A natureza formal do orçamento abre espaço demasiado para a discricionariedade do

Executivo, que passa a manipular os recursos públicos sem o controle material das ações.

Observa-se ainda, segundo Piscitelli (2007, p. 4), o fato de que as prestações de contas que

são exigidas do executivo possuem uma característica financeiro-formal, não a materialização

de uma obrigação com o cidadão, assumidas e delimitadas nas leis orçamentárias chanceladas

pela representação política no Congresso Nacional.

Em suma, a doutrina brasileira segue, majoritariamente, a teoria que classifica o

orçamento como lei formal, seguindo uma tradição positivista que acaba por encobrir a

decisão política de fortalecimento do Poder Executivo em detrimento da representação

parlamentar. Ainda pior, é uma tradição herdada do século XIX e que se encontra

descontextualizada do texto constitucional democrático de 1988.

A definição da natureza jurídica do orçamento como lei formal e as suas

consequências para o plano jurídico e político não estão em sintonia com a nova ordem

constitucional, que consagra o Estado Democrático de Direito, a soberania popular, o

princípio da participação política e a cidadania como seus fundamentos. Expõe Canotilho:

O Estado constitucional é “mais” do que o Estado de direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para “travar” o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power). [...] O Estado “impolítico” do Estado de direito não dá resposta a este último problema: donde vem o poder. Só o princípio da soberania popular segundo o qual “todo o poder emana do povo” assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, o princípio da soberania popular serve de “charneira” entre o “Estado de direito” e o “ Estado democrático” possibilitando a compreensão da moderna fórmula Estado democrático de direito. (1998, p. 93).

O orçamento do Estado Democrático de Direito não comporta uma natureza jurídica

que permita distorções extremas na tomada de decisões acerca dos recursos e riquezas

nacionais, como afirma Fonrouge:

58 Na perspectiva atual, o Executivo pode, através de contingenciamentos de dotações, de retenção de recursos

ou mesmo cancelamentos de resto a pagar, operar com grande liberdade recursos significativos do orçamento. Dos restos a pagar inscritos em 2005 cerca de 33% foram cancelados; em 2006 a quantia de restos a pagar chegou a R$ 37 bilhões.

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Pero se olvida que esta tendência responde a um concepto político extraño a nuestra tradición democrática, por tener su antecedente em los escritores alemanes de derecho público [...] que niegan al Poder Legislativo el derecho absoluto e ilimitado de votar el pressupuesto, por no concebir uma negativa total a dotar al Ejecutivo de los elementos necessários para la atención de sus necesidades lo que poderia conducir –segun ellos– a la disolución del Estado; de aqui los esfuerzos para elaborar uma teoria que permita eliminar lãs faculdades soberanas del parlamento y nada mejor al efecto que ver em el pressupuesto uma simple “norma de administración” com el carácter de “ley formal”, sins in los alcances derrogatórios y amplios de las leyes materiales. Es asi como esos autores autocráticos procuram escamotear los derechos más importantes de las representaciones nacionales y, al próprio tiempo, los resultados más decisivos de las luchas políticas. (2007, p. 137).

Embora seja esse posicionamento majoritário da doutrina nacional, é visível que

concepção do orçamento como lei formal tem se enfraquecido substancialmente nos últimos

anos, por força do texto constitucional de 1988 e da emergência de normas constitucionais

que vinculam as receitas públicas a despesas e fundos específicos, como as EC 14/1996,

17/1997, 27/2000, 29/2009, 30/2009, 37/2000. 42/2003 e 53/2006. A própria Lei

Complementar n° 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) expõe, na Seção IV – “Da

Execução Orçamentária e do Cumprimento das Metas”, em seu artigo 8°, Parágrafo único, a

clara alteração de posicionamento normativo ao tratar da vinculação de recursos. Vejamos:

Art. 8° Até trinta dias após a publicação dos orçamentos, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias e observado o disposto na alínea c do inciso I do art. 4°, o Poder Executivo estabelecerá a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso. Parágrafo Único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

Ainda com relação à referida norma complementar, traz o artigo 17: “Considera-se

obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato

administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um

período superior a dois exercícios.”

Torres (2008, p. 97) reafirma esse entendimento expondo a criação de tributos

vinculados (PIS/Cofins/CSLL, CPMF) e a efetivação de instrumentos jurisdicionais

(precatórios, mandado de injunção, ação civil pública e outras ações e instrumentos) para a

defesa e garantia de direitos fundamentais e do mínimo existencial. Observamos claramente

um movimento político e normativo na direção da diminuição da discricionariedade do Poder

Executivo na elaboração e execução do orçamento, bem como no fortalecimento normativo

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dos pactos políticos que elegem prioridades orçamentárias, como nos exemplos da educação e

da saúde.

Em posicionamento contrário, a concepção do orçamento como lei material vislumbra

na lei orçamentária um aspecto de materialidade irrefutável, concebendo o orçamento como

um documento unitário e indivisível, emanado do Poder Legislativo no exercício de suas

funções; que possui natureza jurídica de uma lei, produzindo todos os seus efeitos como tal.

(FONROUGE, 2004, p. 143). Tal conclusão é derivada de um critério orgânico, baseando-se

na ligação do órgão editor do orçamento, o Legislativo, e na natureza em que é comunicada

ao objeto resultante da atividade legislativa, qual seja: a lei orçamentária. (JARDIM, 1999,

p. 68).

O orçamento como lei material, diferentemente da perspectiva anterior, diminui a

autonomia do Executiva frente ao Legislativo, bem como gera a possibilidade de direitos

subjetivos dos cidadãos frente à Administração Pública, ou seja, de sua natureza de lei

material resultam sua eficácia material constitutiva ou inovadora, a impossibilidade de

derrogação por regulamento ou norma inferior e a possibilidade de alterar lei

hierarquicamente inferior, como bem sustenta Fonrouge:

Puede decirse, a maneira de conclusión, que el pressuposto es um acto de transcendência que regulala vida econômica y social del país, com significación jurídica, y no meramente contable; que es manifestación integral de la legislación, de caráter unitário em su constituición, fuente de derechos y obligaciones para ala administración y productor de efectos com relación a los particulares. Como dice Ingrosso, “es uma ley de oraganización, la mayor entre las leyes de organización”. (2004, p. 145).

Por sua vez, Chiesorin Júnior sustenta a materialidade e obrigatoriedade da lei

orçamentária segundo uma concepção de que a lei, num regime democrático, é toda a norma

geral provinda direta ou indiretamente da vontade popular e editada no interesse comum do

povo. Ainda acrescenta uma interpretação do texto constitucional que diverge da doutrina

tradicional, expondo que o artigo 165 da Constituição Federal configura o orçamento,

“inapelavelmente”, como lei:

A teor do disposto no artigo 165 da Constituição Federal, verifica-se inapelavelmente, que o orçamento se trata de uma lei, ordinária, de iniciativa exclusiva do Poder Executivo, de vigência temporária (normalmente de um ano), e que possui algumas limitações de natureza procedimental no seu trâmite e na possibilidade de ser alterada pelo Legislativo. (CHIESORIN JÚNIOR, 2001, p. 67).

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Essa visão, que atribui ao orçamento uma natureza de lei material, está mais vinculada,

numa perspectiva normativa, aos cânones do Estado Democrático de Direito e garante um

maior controle da Administração Pública que está vinculada ao orçamento, dando, em tese,

maior garantia ao cidadão na observação dos gastos. A lei orçamentária transforma-se numa

verdadeira norma de regulamentação do gasto público, o que, do ponto de vista técnico-

jurídico de controle da Administração Pública, é, evidentemente, a visão mais adequada, por

possibilitar que instituições como o Ministério Público, o Tribunal de Contas e mesmo o

Judiciário exerçam um maior controle sobre esta.

Do ponto de vista político, os ganhos são ainda maiores, pois o orçamento público,

entendido como lei material59, vincularia o administrador público aos pactos políticos

assumidos com os cidadãos, potencializando instrumentos de participação popular como o

Orçamento Participativo, impedindo o predomínio da racionalidade sistêmica nos centros de

decisões e amenizando as relações clientelistas enraizadas na prática orçamentária brasileira.

Assim, ressalta-se novamente a incompreensão da adoção da concepção de lei formal adotada

pela maioria da dogmática jurídica nacional, que constitui um posicionamento equivocado

tanto na dimensão da nova ordem constitucional, como na dimensão política da realidade que

aponta para a necessidade de reestruturação do processo orçamentário.

A estrutura formal-racional torna visível o deficit de legitimidade que sofre o Estado,

bem como uma gama de reivindicações de movimentos sociais não atendidas por essa

estrutura. Segundo Alexis de Tocqueville (1987, p. 103), o Poder Judiciário é composto por

homens cuja tradição é manter um instintivo pendor para a ordem, um amor natural pelas

formas, um certo desprezo pela participação das massas na política e uma infinidade de

hábitos da aristocracia, o que o caracteriza como o último dos poderes da República a

transformar-se nos períodos de crise. Sua matriz de pensamento positivista também é um

obstáculo para reestruturações inovadoras, como Cittadino argumenta:

59 A concepção da lei orçamentária como lei material, traz essa diferenciação básica e fundamental frente à

concepção formal, qual seja, a de dar ao orçamento um caráter vinculativo que diminui a autonomia do Executivo frente ao Legislativo. Além de gerar para o cidadão um instrumento normativo para exigir a efetivação de políticas públicas.

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O pensamento jurídico brasileiro é marcadamente positivista e comprometido com a defesa de um sistema de direitos voltados para a garantia da autonomia privada dos cidadãos. Uma cultura jurídica positivista e privatista atravessa não apenas os trabalhos de autores vinculados à área do direito privado, mas também caracteriza a produção teórica de muitos dos nossos publicistas. Em todos estes autores a defesa do sistema de direitos se associa prioritariamente aos direitos civis e políticos e menos à implementação dos direitos econômicos e sociais, inclusive pelo fato que defendem uma concepção menos participativa do que representativa da democracia. (2004, p. 14).

Essas características levam a que a dogmática jurídica recepcione melhor categorias e

teorias conservadoras do que teorias mais progressistas. Quando a teoria do orçamento como

norma material começa a ganhar força e articula-se com a gama de direitos sociais e

econômicos da Constituição, o senso comum teórico dos juristas conservadores se redireciona

e produz novas formas de limites. Como no caso da teoria da reserva do possível, exposta por

Torres e Sarlet, articulada à crise do Estado de Bem-Estar Social e que ganha os contornos de

racionalidade típicos do neoliberalismo e do normativismo liberal, gera o enfraquecimento da

dimensão jurídica da cidadania, principalmente no aspecto da efetivação dos direitos sociais,

uma vez que dentro da matriz de equilíbrio orçamentário propõe o escalonamento de

prioridades por meio das estruturas representativas do Estado.

A teoria da reserva do possível, em primeira linha compete ao legislador julgar, pela

sua própria responsabilidade, sobre a importância das diversas pretensões da comunidade para

incluí-las no orçamento, resguardando o equilíbrio financeiro geral. Seguindo essa linha de

raciocínio, as pretensões sociais que exijam gastos financeiros perdem sua dimensão jurídica

de exigibilidade, pois só poderão ser efetivadas se estiverem nas condições e previsões

orçamentárias do Estado.

No entanto, subjacente ao argumento de racionalidade e equilíbrio dos gastos públicos,

apresentado por essa teoria, encontra-se a clara opção de se manter o monopólio sobre as

decisões que afetam o fundo público, pois o argumento de racionalidade dos gastos não vem

acompanhado do argumento da democratização das decisões sobre os gastos. O fundo

público ficaria subordinado aos órgãos e agentes portadores de uma racionalidade de tipo

sistêmico, que permitem o gasto de bilhões de dólares para socorrer o sistema financeiro, mas

não proporcionam o acesso universal à saúde e à educação, por exemplo. O critério da

representatividade política é insuficiente para legitimar decisões de escala global e que podem

comprometer gerações de cidadãos.

O establischment político-jurídico brasileiro é capaz de desenvolver processos de

recuperação ideológica de categorias jurídicas e políticas que acabam por enfraquecer a

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dimensão jurídica e política da cidadania. É uma realidade que se agrava porque mantém – e

muitas vezes aumenta – a cisão entre a cidadania como habitus primário e a subcidadania

como habitus precário.

Assim, a mera mudança acerca da natureza jurídica do orçamento não basta para o

estabelecimento de um procedimento orçamentário democrático ou adaptado à matriz

axiológica e constitucional de um Estado Democrático de Direito. Ela é importante, mas

insuficiente para a realidade brasileira. A matriz jurídico-institucional do Estado brasileiro

deve ser repensada segundo uma nova matriz axiológica, que permita a criação de

instrumentos jurídicos adaptados ao contexto político, social e econômico brasileiro;

instrumentos jurídicos que democratizem decisões de poder e que interfiram diretamente

sobre a apropriação do fundo público produzido pela sociedade brasileira, de forma a

estabelecer um ponto de não retorno.

Para empreender essa tarefa é preciso conceber uma nova matriz axiológica para o

pensamento jurídico e desmistificar a supremacia da racionalidade instrumental ou sistêmica,

comprovando que a democratização de decisões pela criação de espaços públicos que

permitam a convivência da cidadania pode gerar decisões legítima e racionalmente

estruturadas. Uma racionalidade assim permite o equilíbrio fiscal e o atendimento de

demandas legitimamente escolhidas num espaço público construído politicamente e garantido

juridicamente.

2.3 Caminhos para uma reforma

2.3.1 Uma nova orientação axiológica: vida, razão libertadora e democracia

Tentamos demonstrar que uma reestruturação do espaço público no seu plano

institucional-estatal precisa se assentar numa nova matriz de racionalidade, numa nova matriz

axiológica e procedimental. No caso brasileiro, essa nova matriz deve ser desenhada para

enfrentar o problema da cisão entre a cidadania e a subcidadania, que se encontra excluída do

processo de construção do espaço público e de apropriação do fundo público.

É preciso admitir que as estruturas jurídico-políticas da modernidade estão em crise, e

mais, nos países periféricos como o Brasil, não cumpriram seu papel emancipador. Essa

estrutura democrática formal-burguesa (LUDWIG, 2006, p. 182) não possui condições de

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inclusão da subcidadania que se encontra fora da esfera pública do país, seja pela

incapacidade de gerir os problemas locais, seja pelo seu esgotamento nos planos político e

epistemológico global. Os sujeitos que habitam a subcidadania não são sujeitos políticos

significativamente relevantes, visto que as condições sociais, econômicas e jurídicas não

possibilitam sua real inserção e participação. Como expõe Ludwig:

Este “pobre” não tem lugar na comunidade de argumentação argumentativa, porque faticamente excluído e silenciado. Em conseqüência, não busca acordo (consenso). Busca algo anterior: a condição de possibilidade de todo argumentar; o direito de ser pessoa para poder argumentar numa comunidade de comunicação histórica possível. Portanto é essa a condição prévia: poder de ser parte histórica e faticamente da comunidade. Isto nem sempre (ou então poucas vezes) é possível em nome dos direitos em vigor (positivismo da dogmática vigente e sua práxis “espontânea” predominante) na comunidade de comunicação e de vida real (tendo que se valer, em contrapartida, de um “positivismo de combate” ou do “uso alternativo do direito”. (2006, p. 176).

Nas estruturas do espaço público e do Estado brasileiro a subcidadania encontra-se na

exterioridade, ou seja, não constroem o espaço público e não participam significativamente da

apropriação das riquezas nacionais, pois, possuem com reduzidos instrumentos de inserção.

Mesmo quando esses instrumentos de inserção estão presentes transformam o indivíduo num

subcidadão subsumido, ou seja, alienado do processo consciente de construção comunicativa

do espaço público, pela adoção de uma racionalidade instrumental que torna invisível a

concreta existência do indivíduo habitante da subcidadania para o sistema jurídico-político do

Estado. Expõe Dussel:

Dos sistemas formais fetichizados ou não (o capitalismo, a educação bancária, o patriarcalismo machista, o racismo discriminatório, etc.) podem ser enunciados juízos de fato meio-fim com pretensão de performatividade ou eficácia sistêmica. Como tal, o sistema não tem sujeitos – no sentido em que o definimos – mas opera como uma subjetividade holística funcional auto-referente. Seu cálculo – inclusive científico – meio-fim não pode incluir, se nos ativermos apenas ao critério formal, a vida dos sujeitos que lhe servem de suporte, freqüentemente invisíveis, das diversas “funções” do sistema. (2000, p. 528).

Ultrapassando alguns aspectos epistemológicos e aplicando as afirmações de Dussel

potencialmente na teoria do Estado e na política, podemos afirmar que as estruturas

axiológicas que fundamentam a concepção de Estado Moderno e de espaço público não

valoram significativamente o indivíduo e tornam opaca a sua existência.

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Podemos tomar o exemplo de um indivíduo que pertença ao que denominamos

“subcidadania”, ou seja, desprovido das características do habitus primário, que

hipoteticamente esteja precisando adquirir medicamentos caros para o tratamento de uma

enfermidade terminal. Este indivíduo percorrerá todo o sistema de saúde público e, diante da

inexistência de recursos, pode ter a sua pretensão negada no plano administrativo. Diante da

negativa, ele procurará o líder político local, vereador ou deputado, que numa relação

clientelista poderá lhe fornecer os medicamentos à custa da alienação de seus direitos

políticos. Essa circunstância legitimaria a troca de favores políticos e reafirmaria o papel de

subcidadão do indivíduo.

O mesmo sujeito ainda poderia se socorrer de mecanismos jurisdicionais acionados

por meio de assessorias jurídicas assistenciais (Defensoria Pública, núcleos de prática jurídica

de universidades, Ministério Público, etc.). Neste caso, estaria sujeito à decisão da burocracia

jurisdicional, que estabeleceria um amplo debate sobre as condições fiscais do Estado e a

efetivação de princípios constitucionais, podendo, ao final, conceder tais medicamentos.

Novamente, pois, sua pretensão poderia ser atendida, mas agora de forma impessoal e

segundo uma racionalidade moderna que o coloca como sujeito de direitos e concede sua

pretensão individual sem que ele entenda, efetivamente, como esse processo burocrático se

desenvolveu.

No entanto, essas duas formas de resolução do problema, típicas do contexto

brasileiro, não resolvem a questão do acesso universal à saúde, visto que negam ao indivíduo

a capacidade de decidir sobre a alocação do fundo público que ele ajudou a produzir. Ainda,

como sistemas performáticos marcados pela racionalidade instrumental, a variação de

condições econômicas, políticas e sociais – já citamos como exemplos a crise fiscal e o

ressurgimento de teorias como a reserva do possível – pode trazer novos processos de

exclusão, que, além de negarem a participação política, negarão também a possibilidade de

subsistência digna.

Como expõe Dussel (2000, p. 566), construir a casa do sem-teto é um dever ético

exigido pelo princípio-libertação, mas uma casa na qual a vítima possa participar

simetricamente na elaboração de sua arquitetura e colaborar na sua edificação real. Seguindo

essa linha de raciocínio, mas passando do diagnóstico para a fase propositiva, vemos que

Dussel expõe três elementos edificantes para a proposta de trabalho que pretendemos

desenvolver aqui. O primeiro é a formulação de um princípio ético-material universal,

estruturado na passagem de enunciados descritivos de condições de reprodução da vida

humana para enunciados normativos. (p. 138).

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Para essa formulação Dussel expõe que a vida humana possui uma dimensão biológica

que pode ser objeto de enunciados descritivos, bem como a autoconsciência dessa vida a

partir de uma atividade neurocerebral. Assim, a responsabilidade de seus atos é consequência

da consciência e, mesmo, da sua autoconsciência. Além disso, o ser humano se constitui,

originariamente, por meio de uma relação intersubjetiva, ou seja, de sua interação

comunicativa numa comunidade viva. Esse aspecto também determinará a inclusão desse ser

numa comunidade estruturada culturalmente, que compartilha significações e valores.

Afirma Dussel:

Poderia parecer então que todo o enunciado descritivo de momentos constitutivos do ser vivente humano como humano inclui sempre, necessariamente ( por ser um sujeito humano e não outra coisa) e a partir de sua origem, uma auto-reflexão responsável que “entrega” sua própria vida à exigência de conservá-la – e mais se considerarmos que a motivação do puro instinto específico se transformou em exigências de valores culturais. [...] Com efeito, a conduta comunitária lingüística, com costumes regulados por valores, impediu evoluir instintivamente, porque o fez culturalmente. A normatividade ética vem a substituir o comportamento da espécie animal, a história suplanta e supera muitos momentos genéticos. A espontaneidade livre e auto-reflexiva humana abre um imenso horizonte às decisões não estimúlicas, mas, entre a segurança do instinto e a pura arbitrariedade de uma liberdade sem limites, a ética delimita uma conduta regulada por deveres, obrigações, exigências racionais (que tem como parâmetro material a fronteira que divide a vida da morte). (2000, p. 140).

A vida e sua reprodução estão sob a própria responsabilidade do ser humano e, como

único vivente responsável, ele o faz eticamente. A vida é colocada como um a priori, pois

está aí desde sempre e traz consigo a possibilidade de autorresponsabilidade como uma

espécie de projeto ético compartilhado com a comunidade (DUSSEL, 2000, p. 141). Por meio

desse a priori da vida, Dussel fundamenta a passagem para a dimensão ético-normativa, ou

seja, a vida espontânea e a capacidade de autoconsciência geram uma obrigação de preservar

e desenvolver a vida.

A partir do ser-vivente do sujeito humano pode-se fundamentar a exigência do dever-ser da própria vida, e isto porque a vida humana é reflexiva e auto-responsável, contando com sua vontade autônoma e solidária para poder sobreviver. Eis aqui a fragilidade, mas ao mesmo tempo a necessidade da ética, em seu nível deôntico, como normativa. Se a humanidade perdesse esta consciência – e parece que está perdendo, como se pode verificar na insensibilidade do assassinato do Outro, diante da miséria da maioria de seus membros no Sul do planeta terra- poderia precipitar-se num suicídio coletivo. O viver tranforma-se assim de um critério de verdade prática numa exigência ética: no dever viver. (DUSSEL, 2000, p. 141).

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Esse “dever viver” como princípio ético materialmente estabelecido deve orientar os

momentos posteriores, sejam eles formal-procedimentais, sejam de factibilidade, críticos ou

de libertação. É o princípio estruturante de qualquer projeto de construção social que se

estabeleça enquanto projeto ético para a humanidade, ou seja, também funda o conjunto de

relações institucionais de uma sociedade.

Toda a arquitetura institucional das relações sociais, estatais ou mesmo de mercado

possuem como objetivo fundamental a reprodução da vida. Expõe Dussel:

Nesse sentido, o conteúdo (ou matéria) de toda a política (de seus atos, instituições, etc.) é em última instância, a vida humana, a vida concreta de cada um, a “vida nua” – mais concreta que a a nuda vta de G. Agamben. Toda ação ou instituição política tem como conteúdo a referência à vida. A agricultura produz antimentos para a vida. Os caminhos cortam a distância para cumprir funções que, de mediação em mediação, são sempre ao final alguma dimensão da vida humana. A esse respeito, a política cria condições para a possibilidade da vida da comunidade (e de cada membro) e para seu acréscimo : uma vida possível; uma vida qualitativamente melhor. (2007, p. 78).

O segundo elemento edificante é a estruturação do princípio da libertação, e aqui a

dimensão política de reestruturação das instituições do Estado ganha densidade. Na verdade,

Dussel (2000, p. 506) propõe uma concepção de racionalidade libertadora para caracterizar a

atuação dos sujeitos sociais da exterioridade do sistema, ou seja, para o filósofo latino-

americano, todo sistema que se afirma da modernidade possui uma exterioridade negada, cuja

atuação social deve ser pautada por uma racionalidade libertadora.

É o exemplo da subcidadania brasileira, que se identifica como uma exterioridade ao

núcleo da elite de cidadãos do espaço público e do Estado brasileiro. Esse habitus precário

deve atuar de forma racional, embora essa racionalidade não se identifique com a

racionalidade de tipo instrumental ou sistêmica, ou seja, numa relação meio-fim. Caso

contrário, sua atuação seria meramente uma inserção que posteriormente seria subsumida,

passando a integrar o sistema de forma secundária e, portanto, não transformadora. No caso

do exemplo antes citado, seria do indivíduo que substituiria a ação clientelista da política pela

ação burocrática do sistema: no primeiro momento, sua existência é negada pelo plano

institucional; no segundo, ele ganha o papel de destinatário dos serviços do Estado, mas não

desempenha o papel protagonista da ação política. O ganho significativo seria o da dimensão

jurídica da cidadania, o que é especialmente relevante, mas insuficiente, diante da crise do

próprio sistema moderno estatal e de eventuais retrocessos do sistema jurídico positivamente

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estruturado, tais como a flexibilização, desregulamentação, reserva do possível, entre outras

características teóricas e técnicas que se configuram na proposta hegemônica da atualidade.

Assim, a razão libertadora é entendida como uma racionalidade estratégico-crítica

articulada a partir da exterioridade do sistema; é uma razão estratégica, mas mediada pela vida

humana, o que significa dizer que, diferentemente da razão instrumental, não pauta o êxito

como fim sem mediações valorativas. Como afirma Dussel:

Uma razão estratégico-crítica não é uma razão estratégica que simplesmente procura realizar os “fins” que as táticas ou circunstâncias impõem. Esta seria a posição de Max Weber, para quem os “fins” são inevitavelmente os de uma cultura dada, uma tradição vigente, e como tal devem ser aceitos – posição, por um lado, “conservadora” e, por outro “irracional”, já que não pode dar razões baseadas em princípios éticos a favor ou contra os meros valores ou fins existenciais. A razão estratégico-crítica, pelo contrário “não tem as mãos livres” como os “que buscam só os êxitos práticos. Procurar um “fim” e sua realização (só o êxito da ação) pode ser eficaz (e é o próprio de um triunfador), mas pode ser que nada tenha a ver com a ética e com a ética crítica (quer dizer, com a reprodução da vida e a participação simétrica de toda a humanidade. (2000, p. 512).

A razão libertadora é, portanto, uma razão estratégico-crítica que possibilita uma ação

transformadora, ou seja, não busca apenas a inserção, mas, sobretudo, a inserção com

transformação. Seguindo a linha de Dussel:

A razão estratégico-crítica em seu exercício último ou concreto realiza a ação tranformadora, partindo do exercício dos princípios críticos da razão prático-material e discursivo formal, das teorias científicas críticas, dos projetos alternativos formulados, do uso da razão instrumental técnico-crítica, na realidade empírica, tendo em conta os “diagramas” das “relações de poder” – para falar como Focoult, mas em nosso caso, incluindo também a macrofísica do poder. (2000, p. 506).

Nesse ponto, Dussel contribui ao expor uma matriz calcada num critério material para

a reformulação institucional de um Estado assentado, basicamente, em critérios

procedimentais e formais:

Por tudo isso, a legitimidade deveria ser definida – num sentido primário e básico – como a autovalidação comunitária que se outorga a uma ordem política (ou a outros sistemas práticos), a partir da capacidade empírica da dita ordem a) de reprodução e desenvolvimento da vida dos sujeitos (o material) e b) da participação intersubjetiva simétrica na tomada de decisões dos afetados (o formal), sendo tudo isso possibilitado c) por mediações instrumentais eficazes (a factibilidade), o que como resultado cria um consenso fundamental de aceitação da indicada ordem política (ou outras). (2000, p. 551).

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Dussel fornece um critério material para reformular as instituições, o qual ultrapassa

uma concepção formal de democracia e a base de legitimação racional-legal do Estado

Moderno. Trata-se de um critério que liga o momento formal, a necessidade de legitimação

pelo procedimento, com o critério material de possibilidade de reprodução da vida digna.

Nesse ponto podemos retirar o terceiro elemento edificante, qual seja, o conceito de

democracia, entendida por Dussel (2007, p. 81) como a institucionalização das mediações que

permitem executar ações e instituições, exercícios delegados do poder, legítimos. Segundo o

autor, é o princípio democrático que empresta legitimidade para a ação política e para a

estrutura institucional, exposto da seguinte forma:

Devemos operar politicamente de tal maneira que toda decisão de toda ação, de toda organização ou das estruturas de uma instituição (micro ou macro), no nível material ou do sistema formal do direito (como o ditado de uma lei) ou em sua aplicação judicial, ou seja, no exercício delegado do poder obediencial, seja fruto de um processo de acordo por consenso no qual possam da maneira mais plena participar os afetados (dos que se tenha consciência); tal acordo deve decidir-se a partir de razões (sem violência) com o maior grau de simetria possível dos participantes, de maneira pública e segundo a institucionalidade (democrática) acordada de antemão. A decisão assim tomada se impõe à comunidade e a cada membro como um dever político, que normativamente ou com exigência prática obriga legitimamente o cidadão. (DUSSEL, 2007, p. 82).

Dussel (2007, p. 83) acrescenta que dentro desse conceito nenhuma decisão

institucional é perfeita, ou seja, pela necessidade de operacionalização a decisão tomada

ensejará sempre uma exterioridade negada ou perdedora. Portanto, não pode alcançar o status

de uma “verdade prática”, imutável, que encontrará na exterioridade ou no voto vencido a

possibilidade de mudança e até mesmo de progresso.

Dessa conceituação podemos diferenciar o princípio democrático de sistemas

democráticos concretos, como sistema democrático liberal, deteriorado pela crise de

legitimidade, bem como vislumbrar novos mecanismos de democracia, como expõe Dussel:

O todo do sistema democrático liberal, por exemplo, é igualmente, um sistema concreto. De maneira nenhuma é um princípio normativo e nem sequer um exemplo a imitar. È fruto de um processo histórico que cada comunidade metropolitana e colonialista (Reino unido, França, Estados Unidos, etc.) ensaiaram com êxito. Os sistemas democráticos pós-coloniais e periféricos deverão estudar instituições concretas e, a partir do princípio democrático, criar novos sistemas concretos, factíveis, apropriados. (2007, p. 84).

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O caminho apontado para a realidade latino-americana é o da democracia participativa

e do fortalecimento da sociedade civil em detrimento das estruturas burocráticas do Estado, na

medida em que ela fortalece os elementos de inclusão da exterioridade representada pela

subcidadania. Não podemos confundir a linha de pensamento de Dussel com a concepção de

um “Estado mínimo”, mas, sim, a ideia de um “Estado subjetivado”60, ou seja, um Estado

permeado por instituições de participação popular que substituiriam os pesados aparelhos

burocráticos deteriorados pela crise de legitimidade.

O princípio democrático deve servir de orientação para a transformação do Estado e da

sua legitimidade racional-legal, sustentado na democracia liberal, estruturando novas

instituições, permanentemente abertas à participação popular em busca de uma legitmitade

material.

É importante frisar que Dussel expressa claramente que a visão desta legitimidade

material sempre deve ser estabelecida de fora para dentro, sob pena de se perder o critério.

Em outras palavras, expõe a necessidade de que todo o sistema seja revisto pela visão de

quem não usufrui deste sistema, possibilitando uma concepção crítica que afasta a

legitimidade da dominação (no sentido weberiano) e a ideia de concessões de direitos por

caridade61.

60 Expõe Dussel (2007, p. 158): “’Estado Subjetivado’, onde as instituições diminuiriam devido à

responsabilidade cada vez mais compartilhada de todos os cidadãos (O Estado somos todos nós) junto à aplicação da revolução tecnológica eletrônica eu diminui quase a zero o tempo e o espaço da participação cidadã quanto a solicitar a opinião da cidadania para constituir o consenso ou cumprir trâmites burocráticos.”

61 A importância de uma resposta institucionalizada ao atendimento dos direitos sociais das camadas pobres da população é fundamental para a continuidade da democracia. Na história brasileira, a dominação carismática foi bem utilizada por líderes regionais e nacionais e não trouxe bons resultados, ou resultados generalizáveis para uma vida democraticamente institucionalizada. Um povo pobre tende a escolher, primeiro, a subsistência e, só depois, a liberdade de escolher.

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A práxis da libertação, pelo contrário, opõe-se a esses três tipos de dominação “legítima” (cada uma delas hegemônica em suas respectivas épocas clássicas, diríamos com Gamsci). A comunidade de vida e comunicação crítica não é meramente carismática – evidentemente é antiburocrática e antitradicionalista -, mas levanta-se contra o sistema estabelecido (legal e legítimo, tradicional, burocrático, com seus “feiticeiros” carismático, ao modo de Hitler ou dos fascismos, dos nacionalistas burgueses, ou das novas religiões carismáticas cristãs ou fundamentalistas mulçumanas) por outros critérios de verdade, validade e factibilidade, critérios intersubjetivoes; por outros princípios normativos anteriores desta Ética da libertação. A crise de legitimidade (como lento processo de deslegitimação) e criação de nova legitimidade (contra o processo forçado de legitimação do sistema vigente em crise tenta) exige distinções que nem Weber nem Habermas conseguiram – por causa da estreiteza de seu marco teórico. Fique claro, então, que a legitimidade da qual parte e vai se afirmando a práxis da libertação não é nenhum dos três tipos de dominação weberianos, mas um situado em outro nível prático: a legitimidade que alcançam os novos sujeitos sociais emergentes, e que não se fundamentam, pelo menos em seus começos, em nenhum tipo de dominação - mas de organização com uma certa disciplina interna. (DUSSEL, 2000, p. 558).

Dussel absorve a ideia de uma racionalidade comunicativa de Habermas que se

contrapõe ao processo de perda de legitimidade, mas transcende a mesma perspectiva ao

propor um momento material de legitimidade. Nesta concepção, o plano institucional deve

fornecer instrumentos suficientemente amplos de participação no processo democrático e de

subsistência material da vida digna para os excluídos do sistema do modo de produção e do

próprio plano institucional do Estado. Caso assim não ocorra, qualquer processo de revolta

social estaria legitimado contra essa ordem, legitimada de forma racional-legal, mas

deslegitimada materialmente para os excluídos, criando um ponto de tensão permanente que

as instituições tradicionais do Estado Moderno resolvem com o uso da violência legal:

O estado que desmantela o antigo “estado benfeitor”, através de privatizações – que permitem realizar o capital fictício financeiro do países centrais em capital produtivo – e políticas monetaristas de recessão econômica, efetua uma coação legal mas crescentemente ilegítima, ante um povo que não pode mais aceitar uma ordem política que o vitimiza com o desemprego, a fome e a miséria. São ações do estado que adquirem o rosto da pura violência, a repressão legal ilegítima. Desta maneira, a crítica que se origina da ordem material das vítimas deslegitima a validade formal e aparentemente democrática e as ações desses movimentos sociais, suas práxis de libertação, nunca podem ser consideradas como violentas, mas significam uma coação legítima, embora freqüentemente ilegal. (DUSSEL, 2000, p. 553).

Limitando substancialmente a concepção de Dussel para os fins deste trabalho,

verificamos que a leitura e a reformulação de uma ordem política e institucional, segundo um

critério material e, sobretudo, clara orientação para a inclusão, atende a duas dimensões da

crise do espaço público brasileiro: a) dimensão político-institucional – a realidade social

brasileira é desenhada por um processo de modernização seletiva da sociedade e do Estado

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que exclui do processo de apropriação de riquezas e do processo de deliberação política a

maioria da população; b) dimensão jurídico-institucional – compreendida como a perda de

legitimidade diante do não cumprimento da ordem constitucional estabelecida em 1988,

principalmente na efetivação de direitos sociais e da ampliação da participação popular.

2.3.2 Orçamento público: um local estratégico para reformar

Dentro da matriz apontada por Dussel, uma reforma institucional do Estado só teria

uma função transformadora e eficiente para resolver os dilemas sociais na medida em que

puder atender a dois critérios: a) estabelecer a possibilidade de reprodução da vida digna; b)

criar um espaço amplo de troca de intersubjetividades, ou seja, um local para a amplificação

da racionalidade comunicativa62. É justamente por estabelecer esses dois critérios que a

orientação axiológica da razão da libertação atende às dimensões da crise brasileira. Como já

abordamos, o Brasil vive um processo de modernização seletiva que coloca o centro em atrito

com a periferia; por isso, qualquer reforma política, jurídica e institucional deve ser pautada

por esse pressuposto.

Desde a democratização do país em 1985, o Brasil não conseguiu desenvolver um

projeto institucional de Estado que articule de forma satisfatória desenvolvimento e igualdade

social. A consequência é que, em 2005, os 50% mais pobres detinham apenas 12% da renda

nacional e os 10% mais ricos, 46%, ou seja, a distância entre os mais ricos e os mais pobres

permanece inalterada (SOUZA, 2003, p. 120). Os dois governos mais significativos desse

período, Fernando Henrique Cardoso e Lula, não conseguiram implementar mudanças

estruturais que possibilitassem a superação deste problema.

Fernando Henrique Cardoso estruturou todo um processo de reforma do Estado por

meio de uma matriz axiológica e teórica construída para a realidade europeia63 e, no plano

econômico, seguiu as regras do FMI. O ponto positivo do seu período foi o aperfeiçoamento

do orçamento público com a edição da Lei de Responsabilidade Fiscal, que, na perspectiva

técnica, representou significativo avanço.

62 É importante salientar que a racionalidade comunicativa, na concepção elaborada por Habermas, é subsumida

pela racionalidade libertadora na concepção de Dussel. Assim, a racionalidade comunicativa não é descartada, mas passa a ser mediada pela significação do a priori que Dussel define como o valor Vida.

63 Trata-se, sobretudo, do plano de reestruturação do Estado e do fortalecimento do espaço público não estatal. Para saber mais BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos; WILHEIM, Jorge; SOLA, Lourdes (Org.). Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: Editora Unesp; Brasília: ENAP, 1999.

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O governo Lula é, igualmente, frustrante do ponto de vista das reformas institucionais

necessárias para a transformação do país. A implementação de políticas sociais é

significativamente forte, mas calcada no seu poder e carisma pessoal, que impõe ao

establishment político e jurídico brasileiro um pesado ônus, embora represente um alívio na

situação de alternância em face da inexistência de reformas institucionais do Estado. A

legitimação carismática, desenvolvida por Lula, e a legitimação racional-legal e

patrimonialista, desenvolvida pelo estabilishment político e jurídico brasileiro, é conflituosa e,

ao mesmo tempo, articulada. No entanto, o que interessa para o presente trabalho é que dessa

relação não emergirá nem se desenvolverá uma reforma institucional do Estado e se, no

período Fernando Henrique Cardoso, o analgésico foi o real, no período Lula são as políticas

sociais e seu carisma pessoal64. Em suma, não basta a alternância no poder para que se

estabeleça um processo de transformação da realidade social e o aprimoramento do Estado

Democrático de Direito.

Nesse contexto em que o plano institucional se encontra, um ponto estratégico a ser

reformulado segundo uma nova matriz axiológica é o orçamento público. A natureza fiscal

do Estado Contemporâneo atribui ao orçamento público grande importância, uma vez que é o

instrumento que orienta todas as políticas públicas desenvolvidas pelo Estado. Desde 1215, na

Inglaterra (ASSIS, 1999, p. 70), até o fim do século passado, quando ganhou os contornos de

plano de ação governamental, o orçamento público vem se caracterizando como o principal

instrumento formal de importância administrativa, econômica e contábil das instituições do

Estado. É, sem dúvida, uma decisão política fundamental para a administração estatal,

sintetizando grande parte da normatização da cidadania, além de expressar como se efetiva

grande parcela da produção do fundo público, da riqueza pública como é apropriada e

redistribuída. (FEDOZZI, 1999, p. 106).

O orçamento público é a norma que gera a totalidade das ações governamentais, cuja

reformulação pode significar uma ruptura com as tradicionais formas de gestão patrimonilista

da história brasileira, bem como um avanço significativo na criação de um instrumento que

possa enfrentar as desigualdades sociais e a crise de legitimidade do Estado. Em suma, sua

reestruturação deve enfrentar três desafios: as políticas clientelistas enraizadas na estrutura

política nacional, as desigualdades sociais e a crise de legitimidade em face da invasão

sistêmica de seus centros decisórios.

64 Para saber mais: SADER, Emir. Governo Lula: decifrando o enigma. São Paulo: Viramundo, 2004.

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Usando como fio condutor a realidade local e estabelecendo como critério valorativo o

princípio da vida, mais do que os tradicionais argumentos e mecanismos argumentativos da

dogmática jurídica, propõe-se uma reformulação nos procedimentos institucionalizados de

apropriação e redistribuição dos recursos públicos. Os desafios da realidade brasileira não

podem ser resolvidos com a importação de teorias jurídicas distantes da nossa realidade, que

se implementam formalmente, mas não alcançam efetividade social significativa. É necessário

se embasar em experiências adaptadas ou mesmo construídas tomando por base a realidade

local, que demonstrem eficiência para a resolução da crise híbrida do Estado e da sociedade

brasileira, cindida numa dimensão institucional moderna e numa dimensão social e política

pré-moderna.

Para essa tarefa optamos, portanto, por uma experiência nacional que tem

demonstrado eficácia no enfrentamento dos desafios acima expostos, qual seja, o Orçamento

Participativo. A experiência de gestão pública denominada “Orçamento Participativo” tem

ganho relevância e, muito embora seu desenho institucional não tenha uma previsão

normativa, é crescente o número de Municípios que estão adotando esse instrumento.

Segundo pesquisa realizada pela Fundação Ford, existem cerca de 103 experiências de

práticas orçamentárias associadas e identificadas com o Orçamento Participativo no Brasil, as

quais se caracterizam por uma capacidade política e um desenho institucional que com-

templam de forma mais eficaz a participação popular e o controle dos gastos públicos por

parte da sociedade. É uma experiência considerável de um instrumento de relação entre so-

ciedade e governo que poderá fornecer, empiricamente, um desenho institucional dife-

renciado.

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Quadro 2 – Demonstrativo das experiências de Orçamento Participativo no Brasil

Estado N° de Municípios Percentual de experiências vinculadas ao Orçamento Participativo por Estados

Acre 01 01,0 Alagoas 01 01,0 Bahia 01 01,0 Ceará 03 03,0

Espírito Santo 03 03,0 Maranhão 01 01,0

Minas Gerais 14 14,0 Pará 01 01,0

Paraná 12 12,0 Pernambuco 04 04,0

Piauí 02 02,0 Rio de Janeiro 09 09,0

Rio Grande do Sul 21 20,0 Rondônia 01 01,0

Santa Catarina 06 06,0 São Paulo 22 21,0 Sergipe 01 01,0 Total 103 100,0

Fonte: RIBEIRO (2003, p. 29)

Marquetti e Campos estimam que em 2004 o número de habitantes vivendo em

municípios com Orçamento Participativo era de 36.707.697, um aumento significativo com

relação ao ano de 2000, quando se apresentou o número de 14.788.741, ou seja, uma

expansão de 14,5 milhões de pessoas (2008, p. 20). Essa expansão se deu em todos os níveis

de cidades, o que pode ser demonstrado no Quadro 3.

Quadro 3 – Número percentual de experiências de OP, por tamanho de população, no Brasil 1997 -2004

Cidades Cidades com OP Cidades com OP (%) 1997-2000 2000-2004 1997-2000 2000 -2004 De 100.001-200.000 hab. 117 12 26 10,3 22,2 De 200.001 -500.000 hab 76 14 29 18,4 38,2 De 500.001 – 1.000.000 hab 18 4 7 22,2 58,3 Acima de 1.000.000 12 4 7 33,3 58,3 Total 223 34 69 15,2 30,9

Fonte: MARQUETTI; CAMPOS (2008, p. 20)

Para que a política de participação popular seja caracterizada como Orçamento

Participativo faz-se necessária a presença de três dimensões, que foram inspiradas do modelo

de Porto Alegre: a primeira diz respeito à definição das preferências; a segunda relaciona-se

com a capacidade de transcrever as preferências dos cidadãos para o orçamento; a terceira

refere-se à capacidade dos participantes de controlar a execução de suas demandas.

(MARQUETTI; CAMPOS, 2008, p. 18).

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3 A criação do Orçamento Democrático: uma mudança principiológica para a

dogmática jurídica

3.1 O Orçamento Participativo: as principais experiências nacionais

As experiências identificadas ou denominadas de “Orçamento Participativo”

proliferaram nos municípios brasileiros até o ano de 2004, podendo ser identificado um total

de 103. Seu surgimento remonta às décadas de 1970 e 1980, quando administrações ligadas

ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) implementaram políticas de

participação popular nos municípios de Lages/SC, Pelotas/RS, Boa Esperança/ES e Vila

Velha/ES.

No entanto, a bibliografia sobre o assunto é unânime em apontar a experiência de 1989

no município de Porto Alegre como um marco no processo de institucionalização do

Orçamento Participativo. Foi sob a administração do Partido dos Trabalhadores, perpetuando-

se durante 16 anos, que tal experiência ganhou densidade, com a construção de uma estrutura

complexa de participação popular. Seu modelo serviu de parâmetro para a quase totalidade

das experiências que se seguiram no âmbito nacional e influenciou significativamente

experiências internacionais, sobretudo depois do reconhecimento obtido pelo Programa de

Assentamentos Humanos (Habitat/1996), da Organização das Nações Unidas, como uma das

melhores práticas de gestão urbana do mundo. (VITALE, 2005, p. 675).

A título de exemplificação, das experiências internacionais podem ser citadas as

cidades de Buenos Aires, Córdoba e Rosário, que, por sinal, são as mais populosas da

Argentina. Ainda, Montevidéu (Uruguai), Assunção (Paraguais), Negrete e Monte Pátria

(Chile), Cantón Morana (Equador), Villa el Salvador (Peru), Saint Denis (França), Barcelona

e San Sebastán (Espanha). (VITALE, 2005, p. 676).

Além disso, é a estrutura do Orçamento Participativo de Porto Alegre que, pela sua

complexidade e durabilidade65 durante as sucessivas gestões, fornece uma base empírica

normativa mais substancial para os fins desta pesquisa. Como exemplo, há a criação de

critérios para a redistribuição de recursos, que no OP de Porto Alegre se encontra num

65 Observa-se que, mesmo depois que Partido dos Trabalhadores deixou a administração do Município, o

Orçamento Participativo continuou sendo a principal ação político-administrativa da Prefeitura. Alías, a atual administração, ligada ao PMDB, assumiu o compromisso político de manutenção do Orçamento Participativo nos moldes desenvolvidos, como estratégia para a vitória nas eleições, fato que demonstra o grau de densidade social e de institucionalidade dessa prática.

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patamar de densidade e complexidade normativa mais elevada ao combinar três dimensões

com diferentes pesos: a) população; b) carência; c) prioridade temática da região.

Vitale (2005, p. 675), ao comparar os critérios para a redistribuição de recursos entre

cinco municípios que implementaram o OP em períodos próximos, conclui demonstrando

essa peculiaridade de Porto Alegre.

Quadro 4 – Critérios distributivos adotados

Municípios Critérios Distributivos Porto Alegre População; carência; prioridade temática da região Belo Horizonte População e renda (até 1998); número de vezes que a demanda foi apresentada (1999 -

2000); IQVU e voto dos delegados (2001 – 2002) Belém População; carência. prioridade da região Campina Grande Não há Madianeira População; carência; prioridade da região Itapecerica da Serra Nota dada pelos conselheiros após caravanas; densidade populacional.

Fonte: VITALE (2005, p. 694)

Em comparação com Belo Horizonte, o elemento que se destaca é o amadurecimento

das instâncias de participação com relação à política institucionalizada. O desenho do OP de

Porto Alegre articula melhor instâncias do poder público e instâncias de participação, obtendo

um melhor resultado na efetivação de políticas que afastam o clientelismo, como expõe

Avritzer, tomando por base pesquisa realizada nas duas cidades.

Quadro 5 – Comparação dos mediadores políticos antes e depois o OP

Porto Alegre Belo Horizonte A comunidade conseguia obter acesso a benefícios materiais antes da existência do OP?

Sim 62,7%

Não 37,3

Sim 49,3

Não 49,3

De que modo os benefícios eram conseguidos?

Mobilização da comunidade

54%

Recorriam a políticos

41%

Mobilização da Comunidade

34%

Recorriam a políticos

60% A comunidade obteve ganhos materiais com o OP?

Sim 89,6%

Não 11,4%

Sim 60,3%

Não 39,7%

Houve a necessidade de obtenção de algum tipo de intervenção extra-OP?

Sim 28%

Não 72%

Sim 32,9%

Não 67,1%

Houve Intervenção de Políticos? Sim 0%

Não 100%

Sim 7,3%

Não 92,7%

Fonte: AVRITZER, 2005, p. 197

A questão levantada por Avritzer não exclui as contribuições da experiência de Belo

Horizonte; apenas demonstra que em Porto Alegre a institucionalidade do Orçamento

Participativo criou um horizonte de previsibilidade que aumenta sua densidade de

participação e de efetivação das políticas públicas em padrões diferenciados. (2005, p. 219).

A tendência, no entanto, é de que o OP Belo Horizonte alcance o grau de efetividade do OP

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Porto Alegre, pois políticas corretivas já foram tomadas, como a implantação do Orçamento

Participativo Digital.

Outro exemplo pode ser dado pela estruturação das instâncias decisórias e

administrativas, que em Porto Alegre se encontram amadurecidas e acabam por influenciar

grande parte das outras experiências de Orçamento Participativo. (BORBA; LUCHMANN,

2007, p. 44). É o caso do Estado de Santa Catarina, onde 50% das experiências de OP adotam

o modelo de Porto Alegre, ainda que somente no que se refere às instâncias de participação.

Quadro 6 – Instâncias decisórias do Orçamento Participativo

Municípios Instâncias decisórias e administrativas Criciúma Modelo OP: Porto Alegre e Chapecó (10 regiões)

Coordenação do OP Conselho do OP

Guaraciaba Modelo OP: Porto Alegre (34 regiões)

Coordenação do OP Conselho do OP

Chapecó Modelo OP: Porto Alegre (10 regiões)

Departamento do Orçamento Participativo – DOP Conselho do Orçamento Participativo – COP Congresso do OP

Concórdia Modelo OP: Chapecó, Blumenau e Porto Alegre (10 regiões)

Coordenação pelo Diretor de Orçamento Participativo e Conselho Municipal do OP

Blumenau Modelo OP: Florianópolis (9 regiões)

CMOP – Conselho Municipal do OP Congresso OP

Biguaçu Modelo OP: Chapecó (10 regiões)

Departamento do OP – DOP Conselho Municipal do Orçamento Participativo COP e Secretaria Executiva

Fonte: BORBA; LUCHMANN (2007, p. 44)

Assim, pela sua permanência em diferentes gestões, pelo amadurecimento dos critérios

redistributivos de recursos, pelo amadurecimento de suas instâncias decisórias e

administrativas e, sobretudo, pela sua forte influência sobre outras experiências de Orçamento

Participativo, optamos por uma análise e detalhamento do OP de Porto Alegre, que será

complementada com outras experiências no que for pertinente.

3.1.1 A experiência de Porto Alegre: um marco “normativo” para as experiências de

Orçamento Participativo

O Orçamento Participativo elaborado na cidade de Porto Alegre apresenta uma

estrutura calcada num processo de participação popular guiado por três princípios básicos:

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1- todos os cidadãos têm direito de participar, sendo que as organizações comunitárias não detêm, este respeito, pelo mesmo formalmente, status ou prerrogativas especiais; 2- a participação é dirigida por uma combinação de regras de democracia direta e democracia representativa, e realiza-se através de instituições de funcionamento regular cujo o regimento interno é determinado pelos participantes; 3- os recursos de investimento são distribuídos de acordo com um método objetivo baseado em uma combinação de “critérios gerais” – critérios substantivos, estabelecidos pelas instituições participativas com vista a definir prioridades – e de “critérios técnicos” – de viabilidade técnica ou econômica, definidos pelo executivo, e normas jurídicas federais, estaduais ou pela própria cidade, cuja implementação cabe ao Executivo. (SANTOS, 2002, p. 467).

O desenho institucional do Orçamento Participativo é estruturado basicamente em três

instâncias: instâncias de administração municipal, instâncias comunitárias e instâncias

institucionais de participação.

Quadro 7 – Estrutura funcional do Orçamento Participativo de Porto Alegre

Fonte: FEDOZZI (1999, p. 113)

A primeira instância é formada pelo conjunto de unidades administrativas do

Executivo Municipal, cuja atribuição é gerir o debate orçamentário com a comunidade. São

elas: Gabinete de Planejamento (Gaplan), Coordenação de Relações com a Comunidade

(CRC), Fórum das Assessorias de Planejamento (Asseplas), Fórum das Assessorias

Comunitárias (Facom), coordenadores regionais do Orçamento Participativo (CROPs) e os

coordenadores técnicos (CTs). As principais unidades de coordenação são o CRC e o Gaplan,

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o primeiro encarregado da mediação do governo municipal com comunidade e de organizar as

assembleias do Conselho do Orçamento Participativo (instância institucional de participação);

o segundo, com a função de operacionalizar técnica e economicamente as demandas dos

cidadãos, bem como informar as limitações estabelecidas por critérios gerais, técnicos e

econômicos.

Quadro 8 – Atribuições, composição e organização básica de cada um

Gaplan

Gabinete de Planejamento

Fórum das Asseplas

Assessoria de Planejamento

CRC -Coordenação das Relações com a

Comunidade

Fascom –Fórum das Assessorias Comunitárias

CROP - Coordenadores Regionais do Orçamento

Participativo

CT - Coordenadores

Temáticos

Data de Criação

1990 (informal) 1994

(formalização) 1990 (informal)

1981 Vinculado ao gabinete do prefeito desde

1989

1990 1992 1994

Participantes

Assessores e Funcionários da

Prefeitura Municipal

Coordenadores de Planejamento das

Secretarias e órgãos

Assessores e Funcionários da

Prefeitura Municipal

Assessores comunitários das secretarias e órgãos

Assessores Comunitários da CRC e secretarias

Assessores temáticos da CRC e/ou secretarias

Atribuições

1- Coordenação do Planejamento Estratégico 2-Gere a Execução do Plano de Investimentos 3-Coordena a elaboração da proposta orçamentária do ano seguinte

Discuti os procedimentos Técnico-administrativos para a preparação do orçamento e o procedimento das demandas comunitárias em cada órgão

1- Articula a relação com a comunidade através dos coordenadores regionais 2- Coordena a primeira e a segunda rodada do OP 3- Coordena as reuniões do Conselho do Orçamento Participativo

Discute e propõe políticas de participação popular, articulando tanto quanto possível o trabalho das diversas secretarias

Subordinados ao CRC – Cada uma das 16 regiões tem um CROP responsável, que acompanha todo o processo do Orçamento Participativo

Cada uma das 6 temáticas tem um CT que acompanha o processo de discussão nos plenários

Peridiocidade Permanente Irregular Permanente Semanal Permanente Permanente

Coordenação Indicação do Prefeito

Indicação das secretarias

Indicação do Prefeito

Indicação das secretarias

Indicação da CRCP Indicação da CRC

Fonte: FEDOZZI (1999, p. 15)

A segunda instância é composta por organizações comunitárias autônomas em relação

ao governo de Porto Alegre, as quais realizam a mediação entre a participação dos cidadãos e

a deliberação das prioridades para as regiões do município. São, na verdade, organizações de

base regional (conselhos populares, articulações regionais, união de vilas e outras). Por serem

autônomas e dependerem do nível de organização dos moradores de cada região, não

aparecem de modo uniforme em todas as regiões da cidade, possuindo diferentes formatos e

níveis de organização, de funcionamento e de participação.

A terceira instância é composta por instituições permanentes de participação

comunitária, concebidas para estabelecer uma interação e mediação entre as outras instâncias

do Orçamento Participativo de Porto Alegre. São o Conselho do Orçamento Participativo, as

Assembleias Regionais, o Fórum Regional, as Plenárias Temáticas e o Fórum Temático do

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Orçamento, encarregados dos procedimentos concernentes à sua dinâmica, de modo a

viabilizar a cogestão dos recursos públicos e a prestação de contas do Executivo às

comunidades sobre as decisões nas alocações das verbas orçamentárias.

O prefeito municipal deve encaminhar o orçamento anual à Câmara de Vereadores até

o dia 30 de setembro, a qual deverá devolvê-lo para sanção do prefeito até o dia 10 de

dezembro, conforme dispõe a Lei Orgânica do Município de Porto Alegre66:

Art. 121. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, aos orçamentos anuais e aos créditos adicionais serão apreciados pela Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal. [...] § 6º – Os projetos de lei do plano plurianual, dos orçamentos anuais e de diretrizes orçamentárias serão enviados à Câmara Municipal nos seguintes prazos: I – o projeto de lei do plano plurianual até 30 de abril do primeiro ano do mandato do Prefeito; II – os projetos de lei dos orçamentos anuais até 30 de setembro, devendo ser votados até o último dia útil do mês de novembro; III – o projeto de lei de diretrizes orçamentárias até 1º de junho de cada ano. § 7º – Os projetos de lei que trata o parágrafo anterior deverão ser encaminhados para sanção nos seguintes prazos: I – o projeto de lei do plano plurianual até 30 de junho do primeiro ano do mandato do Prefeito; II – os projetos de lei dos orçamentos anuais até 10 de dezembro de cada ano; III – o projeto de lei de diretrizes orçamentárias até 75 (setenta e cinco) dias corridos após a data de seu encaminhamento à Câmara Municipal. (PORTO ALEGRE, 1990)

Nesses termos, o Orçamento Participativo desenvolve suas atividades, em especial, no

período anterior à remessa do projeto de lei orçamentária anual ao Legislativo municipal, ou

seja, até 30 de setembro.

Basicamente, o processo de participação do orçamento municipal é desenvolvido em

três etapas e em duas modalidades de participação (regional e temática) reguladas pelo

Regimento Interno do Orçamento Participativo. Existe, portanto, a realização concomitante de

Assembleias Regionais e Assembleias Temáticas, que possuem a mesma dinâmica, mas se

diferenciam quanto ao caráter da agenda de discussão, visto que, no primeiro caso, as

demandas são regionalizadas e, no segundo, os temas são específicos.

A base geográfica é constituída pela divisão da cidade em 16 regiões, resultantes de

critérios socioespaciais e de acordo com a tradição organizativa dos movimentos de

moradores na cidade, não regulados exclusivamente por critérios técnicos de zoneamento

urbanístico determinado pelo Plano Diretor da cidade de Porto Alegre.

66 Lei Orgânica do Município de Porto Alegre. Publicada no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Sul de

04.04.1990; retificação publicada no DOE/RS de 17.05.1990.

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A implantação da base temática do Orçamento Participativo é mais recente (1994) e

teve por objetivo ampliar a participação de outros setores da sociedade, como sindicalistas,

estudantes, empresários, comerciantes, movimentos culturais e ecológicos e cidadãos em

geral, ainda não incorporados ao processo participativo orçamentário da cidade.

Outro aspecto que levou à implementação da base temática foi a necessidade de dar

uma nova dimensão ao Orçamento Participativo, aprofundando a discussão do planejamento

global da cidade e das políticas setoriais por área. Era uma resposta à critica elaborada por

parte da imprensa gaúcha, que afirmava a inexistência de um projeto de desenvolvimento

mais abrangente e menos regionalizado. Assim, segundo Genro e Souza,

[...] a população passou a discutir e decidir, juntamente com o governo, não só os investimentos regionais e as obras estruturais para toda a cidade, mas, também as políticas e os gastos de serviços. É a discussão da totalidade do orçamento público. O próprio público das regiões passou a freqüentar as reuniões temáticas, buscando soluções para problemas mais estruturais da cidade. (1997, p. 54).

A base temática é constituída pelos seguintes temas: transporte e circulação, educação

e lazer, cultura, saúde e assistência social, desenvolvimento econômico e tributação,

organização da cidade, desenvolvimento urbano e ambiental. Esta divisão pode ser mais bem

visualizada no Quadro 8.

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Quadro 9 – Divisão da cidade em assembleias regionais e temáticas

Regiões

Região 1 – Humaitá-Navegantes-

Ilhas Região 2 – Noroeste Região 3 - Leste Região 4 – Lomba do Pinheiro Região 5 – Norte Região 6 – Nordeste Região 7 – Partenon Região 8 – Restinga Região 9 – Glória Região 10 – Cruzeiro Região 11 – Cristal Região 12 – Centro-Sul Região 13 – Extremo-Sul Região 14 – Eixo-Baltazar Região 15 – Sul Região 16 – Centro

Temáticas

a) Circulação e Transporte (CT) b) Saúde e Assistência Social (SAS)

c) Educação, Cultura e Lazer (ECL)

a) Desenvolvimento Econômico e Tributação (DET)

b) Organização da Cidade e Desenvolvimento Urbano e Ambiental

Tem-se, assim, o seguinte desenvolvimento em etapas do Orçamento Participativo de

Porto Alegre:

1- Primeira Etapa: realização das Assembleias Regionais e Temáticas;

2- Segunda Etapa: formação das instâncias institucionais de participação, tais

como o Conselho do Orçamento e os Fóruns de Delegados;

3- Terceira Etapa: discussão do orçamento do Município e aprovação do Plano de

Investimentos pelos representantes dos moradores no Conselho do OP.

A primeira etapa tem três objetivos básicos: o primeiro é definir e escalonar as

necessidades e prioridades das regiões e as áreas temáticas prioritárias; o segundo é o

processo de eleição dos delegados e conselheiros, respectivamente, para o Fórum de

Delegados e para o Conselho do Orçamento Participativo; terceiro, avaliar o desempenho do

Executivo.

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Fedozzi (1999, p. 40) explica que a primeira etapa se subdivide em duas rodadas de

Assembleias Regionais e Temáticas abertas para todos os cidadãos67:

Primeira rodada de assembléias, que se realiza nos meses de março a abril, tem os seguintes objetivos e pautas: - Prestação de contas, pelo Executivo, do Plano de Investimentos do ano anterior e apresentação do Plano aprovado para o orçamento vigente; - Avaliação do Plano de Investimentos do ano anterior pelos moradores da região e/ou participantes das temáticas e pelo Executivo; - Primeiras eleições para o Fórum de Delegados, mediante o critério de um delegado para cada dez participantes. A segunda rodada de Assembléias Regionais e temáticas realizadas nos meses de junho e julho é organizada da seguinte maneira: - O Executivo apresenta os principais elementos da política tributária e de receitas e a política de despesas que devem direcionar a elaboração da peça orçamentária do próximo ano, bem como apresenta a proposta de critérios para a distribuição dos recursos de investimento; - Os representantes comunitários apresentam para a assembléia dos moradores e para o Executivo as demandas priorizadas que foram aprovadas nas reuniões intermediárias das regiões e temáticas; -São eleitos os representantes ao Conselho do Orçamento Participativo, através da escolha de dois membros titulares e dois suplentes em cada região.

Entre as duas rodadas da primeira etapa, de março a junho, deflagra-se um importante

processo de votação e negociação em reuniões intermediárias organizadas pelas organizações

comunitárias e temáticas (associações de moradores, clubes de mães, centros esportivos e

culturais, cooperativas habitacionais, sindicatos organizações não governamentais, entre

outras), nas quais se procede ao escalonamento das prioridades aprovadas em cada entidade

ou grupo organizado.

Cada região ou temática escolhe quatro prioridades setoriais atribuindo-lhes notas,

bem como são hierarquizadas as obras propostas pelos moradores em cada um dos setores

temáticos, que são posteriormente encaminhadas para o Executivo. Boaventura exemplifica o

processo da seguinte forma:

67 Nas Assembléias Regionais a participação está vinculada à região em que cada cidadão mora; nas Temáticas,

a participação é livre.

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Às prioridades escolhidas são atribuídas notas de acordo com a sua posição no escalonamento: À primeira prioridade corresponde anota 4, à quarta prioridade nota 1. Do mesmo modo, hierarquizam-se igualmente as obras especificas propostas pelos cidadãos em cada tema ou setor (no caso da pavimentação: primeira prioridade, rua A; segunda prioridade, rua B etc.). As prioridades setorias e a hierarquia de obras em cada setor são remetidas ao Executivo. Com base nestas prioridades e hierarquias, e somando as notas das diferentes prioridades em toadas as regiões, o Executivo estabelece as três primeiras prioridades do orçamento em preparação. Por exemplo, para o orçamento de 1997, as três prioridades foram: habitação (44 pontos), pavimentação (42 pontos), saneamento básico (30 pontos). Para o orçamento de 2001, as três prioridades foram pavimentação (34 pontos), habitação (32 pontos) e saneamento básico (27 pontos). No Orçamento de 2002 surge pela primeira vez a educação como grande prioridade: Habitação (40 pontos) educação (30 pontos) e pavimentação (30 pontos). (SANTOS, 2000, p. 476).

Na segunda etapa formam-se as instituições de participação comunitária, quais sejam,

o Conselho do Orçamento Participativo e os Fóruns de Delegados (dezesseis regionais e seis

temáticos). Os Fóruns de Delegados são instâncias colegiadas com funções consultivas, de

controle e de mobilização social, cujo principal objetivo é aumentar a participação das bases

comunitárias no Orçamento Participativo em dois momentos: na elaboração do Plano de

Investimentos e na fiscalização da execução das obras pelo Executivo. A competência dos

delegados é delimitada pelo artigo 32 do Regimento Interno, destacando-se as seguintes:

apoiar os conselheiros na informação e divulgação para a população nos

assuntos tratados no Conselho do Orçamento Participativo;

acompanhar o plano de investimentos, desde a sua elaboração até a conclusão

da obra;

compor as Comissões Temáticas;

deliberar, em conjunto com os conselheiros, sobre qualquer impasse ou dúvida

que eventualmente surja no processo de elaboração do orçamento;

propor e discutir critérios para a seleção de demandas nas microrregiões da

cidade e temáticas, tendo como orientação geral os critérios aprovados no

Conselho;

discutir a Lei de Diretrizes Orçamentária e, no primeiro ano da cada mandato

da Administração municipal, o Plano Plurianual, apresentado pelo Executivo;

deliberar, em conjunto com os conselheiros, alterações no Regimento Interno e

alterações no processo do Orçamento Participativo;

formar comissões de Fiscalização e Acompanhamentos de Obras, desde a

elaboração do projeto, licitação, até sua conclusão;

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organizar um Seminário de Capacitação dos delegados sobre Orçamento

Público, Regimento Interno, Critérios Gerais e Técnicos, com a produção de

material específico para melhorar a qualidade da informação;

encaminhar demandas das suas comunidade em prazos determinado pelo

fórum de delegados, regional e temático;

votar e defender interesse comum em nome dos demais delegados da sua

comunidade;

votar as propostas de pauta e demandas do Orçamento Participativo dentre

outras atribuições.68

O Conselho do Orçamento Participativo é a principal instância de participação, no

qual são estabelecidas mediações institucionais entre os cidadãos, organizações da

comunidade e governo municipal, conduzindo as decisões orçamentárias ao nível mais

concreto. Segundo Fedozzi:

O conselho é a principal instância participativa. Nele os representantes comunitários tomam contato com as finanças municipais, discutem e defendem as prioridades das regiões e temáticas. Nas sessões do Conselho, realizadas ao longo do segundo semestre – em dias e horários fixos da semana – processam-se as mediações institucionais visando às principais decisões do Orçamento Participativo. (2000, p. 120).

Os quadros 8 e 9 demonstram a normatização para a eleição dos conselheiros segundo

a regra da proporcionalidade e os detalhes acerca das funções do Conselho do Orçamento

Participativo. Quadro 10 – Sistemática de eleição dos conselheiros do Orçamento Participativo segundo a regra da

proporcionalidade

Percentual de Votos Titular Suplente 24,9% ou menos não elege nenhum 25,0% a 37,5% nenhum 1 37,6% a 44% nenhum 2 45,0% a 55,0% 1 1 55,1% a 62,5 % 2 Nenhuma 62.2% a 75,0% 2 1 Mais de 75,0% 2 2

Fonte: SANTOS (2002, p. 480) 68 Regulamento Interno do Conselho do Orçamento Participativo.

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Quadro 11 – Estrutura do COP (Conselho do Orçamento Participativo)

Atribuições Propor, Fiscalizar e deliberar sobre receitas e despesas do Poder Público Municipal

Composição69 - 2 conselheiros permanentes e 2 suplentes para cada uma das 16 regiões administrativas; - 2 conselheiros permanentes e 2 suplentes para cada uma das 6 plenárias temáticas; - 1 delegado e um suplente do Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Porto Alegre (SIMPA); - 1 delegado e um substituto da União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa); - 1 delegado do CRC sem direito a voto e; 1- delegado do GAPLAN sem direito a voto.

Mandato Um ano, sendo possível apenas uma recondução. Pode ser revogado pelas assembleias regionais e temáticas.

Competências Artigo 12 do Regimento A eleição dos membros dos Fóruns de Delegados e do Conselho do Orçamento Participativo é realizada mediante a apresentação de chapas em que os representantes são eleitos proporcionalmente à votação da respectiva chapa. As votações são abertas, podendo votar os maiores de 16 anos. Não existe a indicação de representantes por entidades e o mandato dos representantes é de um ano podendo ser revogado pelas Assembleias Regionais e Temáticas. Interno

- Opinar e posicionar-se a favor ou contra e alterar no todo ou em parte a proposta do Plano Plurianual a ser enviada à Câmara de Vereadores no primeiro ano de cada mandato do Governo Municipal; - Opinar e posicionar-se a favor ou contra e alterar a no todo ou em parte a proposta do governo para a Lei de Diretrizes Orçamentárias; - A proposta de orçamento anual, que será apresentada pelo Executivo, deverá ocorrer na primeira semana do mês de setembro para se apreciar, emitir opinião, posicionar-se a favor ou contra e alterar no todo ou em parte a proposta do orçamento anual antes de ser enviada à Câmara de Vereadores; -Apreciar, emitir opinião, posicionar-se a favor ou contra e alterar no todo ou em parte a proposta do plano de investimento; - Avaliar e divulgar a situação das demandas do plano de investimento do ano anterior (executadas, em andamento, prazo de conclusão licitadas e não realizadas) a partir das informações prestadas pelo município, quando da apresentação da matriz tributária do ano seguinte; - Apreciar, emitir opinião e alterar no todo ou em parte e propor aspectos totais ou parciais da política tributária e de arrecadação do poder público municipal; - Apreciar emitir opinião e alterar no todo ou em parte o conjunto de obras e

69 A composição do COP é estabelecida pelo seu Regimento Interno do Conselho do Orçamento Participativo

(arts. 1º a 9º), que é revisado anualmente pelo próprio COP. Artigo 2º - “O Conselho do Orçamento Participativo será representado por uma coordenação de Conselheiros titulares e suplentes de acordo com o que estabelece este regimento. Doravante neste regimento serão denominados COP (Conselho do Orçamento Participativo) e OP (Orçamento Participativo), respectivamente. SEÇÃO 1ª Da composição: Artigo 3º - O COP será composto por um número de membros assim distribuídos: a) 2 (dois) Conselheiros(as) titulares e 2 (dois) suplentes eleitos em cada uma das 17 (dezessete) Regiões da Cidade; b) 2 (dois) Conselheiros(as) titulares e 2 (dois) suplentes eleitos em cada uma das 6 (seis) Plenárias Temáticas; c) 1 (um) conselheiro(a) titular e um suplente do SIMPA (Sindicato dos Municipários de Porto Alegre) e da UAMPA (União das Associações de Moradores de Porto Alegre). d) 2 (dois) representantes titulares e 2 (dois) suplentes do Executivo Municipal das seguintes áreas de atuação: 1 (um) representante titular e 1 (um) suplente da SMCPGL (Secretaria Municipal de Coordenação Política e Governança Local), 1 (um) representante titular e 1 (um) suplente do GPO (Gabinete de Programação Orçamentária). § primeiro - Os representantes do Poder Público Municipal serão indicados pelo Prefeito Municipal, tendo direito a voz, e não tendo direito a voto. § segundo - Os Conselheiros(as) das outras entidades da Sociedade Civil (UAMPA e SIMPA) serão indicados pelas mesmas, por escrito, para este fim específico, tendo direito a voz e voto, obedecendo aos mesmos critérios dos Conselheiros(as) eleitos(as). § terceiro – Os Conselhos Municipais de Porto Alegre terão direito a voz, somente no período de informes das reuniões do COP.”

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Continuação atividades constantes de planejamento de Governo e

orçamento anual apresentadas pelo Executivo, em conformidade com o processo de discussão do OP; -Acompanhar a Execução orçamentária anual e fiscalizar o cumprimento do plano de investimentos, opinando sobre eventuais incrementos, cortes de investimento e despesas ou alterações no planejamento; - Apreciar, emitir opinião, posicionar contra ou a favor e alterar no todo ou em parte a ampliação de recursos extra-ordinários tais como : Fundos Municipais, Fundo Pimes, e outras fontes; -Opinar e decidir em comum acordo com o Executivo a metodologia adequada para o processo de discussão e definição da peça orçamentária e do plano de investimentos; - Solicitar à secretaria e Órgãos do governo documentos imprescindíveis à formação de opinião de conselheiros no que tange fundamentalmente a questões complexas e técnicas e;- discutir o Regimento Interno, ao final de cada ano de mandato, propondo mudanças ou emendas no todo ou em parte, entre outras atribuições.

Votação - Aprovação por maioria simples. As decisões são remetidas ao Executivo. No caso de veto (parcial ou total), regressam ao COP para nova apreciação e votação. - O veto pode ser rejeitado por dois terços dos conselheiros, seguindo-se a apreciação e decisão final do Prefeito.

Organização Interna Uma coordenação, uma secretaria executiva e conselheiros

Reuniões Quatro vezes por mês, e em caráter extraordinário quando necessário.

Reuniões de Conselheiros com delegados Uma por mês, no mínimo.

A terceira etapa, após a posse dos novos conselheiros e delegados, nos meses de julho

e agosto, refere-se à fase de início da especificação do orçamento. Nesta fase, o Executivo

começa o trabalho interno para compatibilizar as demandas provenientes do Orçamento

Participativo com as demandas institucionais dos órgãos municipais, elaborando a proposta

orçamentária. Já o Conselho do Orçamento elabora e discute os critérios para a distribuição

dos recursos de investimento, além de definir um cronograma de reuniões e o próprio

regimento interno.

A interação entre a instância administrativa e a participativa é feita pelo Gabinete de

Planejamento e órgãos municipais que participam das reuniões do Conselho. Esses órgãos

atuam propondo projetos de interesse multirregional ou investimentos que o governo julgue

necessários para toda cidade ou uma região específica. O Conselho delibera sobre o montante

de recursos para investimentos do orçamento. É importante salientar que a discussão sobre

investimentos está limitada à previsão de receitas gerais e com a folha de pessoal e demais

custeios estimados pelo Executivo, incluídas as despesas compulsórias e gastos fixados em

leis, como os percentuais constitucionais para as áreas da saúde e educação.

Forma-se o plano de investimento, que é composto por obras dos pleitos das regiões

ou temáticas que são dirigidos às diversas regiões ou para toda cidade. Fedozzi afirma que, ao

final o Plano de Investimento, este recebe uma publicação especial, que acaba sendo o

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Conselho acompanha votação orçamento

Lei das Diretrizes Orçamentárias até 15 de julho

Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO

Orçamento

Lei do Orçamento até 30 setembro

documento básico de fiscalização dos representantes comunitários e da prestação de contas

que o Executivo realiza nas instâncias do Orçamento Participativo. (2000, p. 125).

O ciclo anual do Orçamento Participativo de Porto Alegre pode ser mais bem

observado no Quadro 11.

Quadro 12 – Organograma do ciclo anual do Orçamento Participativo

Fonte: FEDOZZI (2000, p. 139)

Reunião do conselho para tratar de assuntos do Orçamento Participativo até a posse do novo conselho.

Reuniões Preparatórias nas Regiões e Temáticas

Março

- Início do levantamento das demandas da comunidade; - Avaliação do ano anterior; - Preparação da 1º rodada anual do Orçamento Participativo.

1ª Rodada de Assembléias Regionais e

Temáticas

Março e Abril

- Executivo presta contas do Plano de Investimento do ano anterior e apresenta o Plano do exercício atual;- Moradores avaliam o Plano de Investimentos do ano anterior; - Eleições de parte dos delegados ao Fórum do Orçamento Regional ou Temático.

Reuniões Intermediárias nas Regiões e Temáticas

Março a Junho

- População prioriza demandas e hierarquiza as obras para encaminhar ao Executivo; - Eleições dos demais delegados na maior plenária realizada na Região ou Temática.

2ºRodada de Assembleias Regionais e

Temáticas

Junho e Julho

- diretrizes de receita e despesa para o próximo orçamento e propõe critérios para distribuição dos investimentos; - Comunidade apresenta as demandas priorizadas nas Regiões e nas Temáticas; - Eleições dos Representantes ao Conselho do Orçamento.

Conselho Discute e vota Plano de Investimentos

Outubro a Dezembro

- Reuniões do Conselho

com os Órgãos Municipais

para discussão e aprovação

do Plano de Investimento

do próximo ano;

- Comunidades acompanham a votação do Orçamento na Câmara de

Conselho Discute Proposta de Orçamento

Agosto e Setembro

- Executivo apresenta e defende a proposta orçamentária no Conselho;- Proposta aprovada é encaminhada ao Prefeito.

Posse do novo Conselho do Orçamento

Julho e Agosto

- Discussão sobre critérios para distribuição dos investimentos ; - Regimento Interno e calendário de reuniões; - Executivo compatibiliza demandas das comunidades com recursos disponíveis e com demandas institucionais.

Início da Elaboração da Proposta Orçamentária

Maio a Agosto - Secretarias preparam

demandas institucionais e

analisam as demandas das

comunidades;

- Instâncias de decisão interna ao Executivo aprovam LDO para encaminhar ao Conselho do Orçamento;

CÂMARA DE VEREADORE

S - vota a LDO até 15 de setembro

vota o Orçamento

EXECUTI

VO MUNICIP

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Após a definição das prioridades das regiões, a distribuição dos investimentos entre

elas decorre da aplicação de critérios objetivos definidos pelo Conselho do Orçamento

Participativo, os quais são:

1. carência do serviço ou infraestrutura urbana, conforme dados fornecidos pela

Prefeitura e avaliação conjunta entre essa e os representantes comunitários;

2. População em áreas de carência máxima, conforme uma estimativa do número

de habitantes nas que não possuem níveis mínimos de infraestrutura e serviços

urbanos;

3. população total da região do Orçamento Participativo;

4. prioridade atribuída pela região aos setores de investimentos demandados por

ela.

Cada um desses critérios recebe uma nota que varia de 1 a 4 de modo diretamente

proporcional; assim, quanto maior for a carência de infraestrutura, identificada com base nos

dados oficiais atualizados pelos cidadãos, maior será a nota atribuída; da mesma forma,

quanto maior for o número de habitantes das áreas carentes em infraestrutura, maior será o

grau atribuído à região.

Em seguida, cada um dos critérios recebe um peso que varia de 1 a 3, diretamente

proporcional à importância atribuída pelo Conselho do Orçamento ao critério. Fedozzi

explica: “[...] o critério “carência do serviço ou infra-estrutura urbana tem recebido sempre o

peso máximo, numa expressão da vontade de praticar a justiça distributiva do qual o

Orçamento Participativo se propõe a ser um instrumento efetivo”. (FEDOZZI, 2000, p. 128).

O Quadro 12 ilustra o procedimento.

Quadro 13 – Critérios, pesos e notas para a distribuição dos investimentos no orçamento

Carência de Serviço ou Infraestrutura Peso 4 Até 0,01% a 14,99% De 15% a 50,99% De 51% a 75,99% De 76 em diante

Nota 1 Nota 2 Nota 3 Nota 4

População total da região Peso 1 Até 25.000 habitantes De 25.001 a 45.000 habitantes De 45.001 a 90.000 habitantes Acima de 90.001 habitantes

Nota 1 Nota 2 Nota 3 Nota 4

Prioridade temática da região Peso 4 Quarta Prioridade Terceira Prioridade Segunda Prioridade Primeira Prioridade

Nota 1 Nota 2 Nota 3 Nota 4

Fonte: FEDOZZI (1999, p. 128)

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A nota que cada região recebeu na análise dos critérios é multiplicada pelo peso do

critério, obtendo-se, assim, uma pontuação para cada região, a qual irá determinar o que ela

receberá em cada item de investimentos. Boaventura entende esse sistema complexo de

pontuação como uma metodologia de cálculo sofisticada, que garante a caracterização do

Orçamento Participativo como um “embrião de democracia redistributiva”.

Devido à sua preocupação central com a natureza democrática da distribuição, o OP pode ser considerado o embrião de uma democracia redistributiva. Conforme assinalei, a natureza democrática da distribuição é assegurada por uma metodologia de cálculo que foi se tornando cada vez mais sofisticada. Poder-se-ia dizer que, quando não evolui de forma weberiana – isto é, como um aumento de burocracia -, a democracia evolui em conjunção um aumento da complexidade decisória. Será, pois, possível formular a seguinte hipótese de trabalho: em sociedades internamente diferenciadas , quanto mais forte é o vínculo entre democracia e justiça redistributiva, mais complexa tende a ser a metodologia que o garante. A redução da complexidade que a burocracia permite não pode senão tornar frouxo o vínculo que liga a democracia à justiça redistributiva. (SANTOS, 2002, p. 512).

O sociólogo português fundamenta suas análises na constatação de que regiões mais

pobres da periferia de Porto Alegre – no caso por ele analisado as regiões de Humaitá,

Navegantes e Ilhas – apresentam um poder decisório igual ao de regiões mais ricas e com

maior número de habitantes.70

Outro fundamento apresentado encontra-se na inversão das prioridades

tradicionalmente contempladas no orçamento do Município. Aqui Boaventura estrutura sua

afirmação com base em resultados materiais alcançados desde 1988. Destacam-se a ampliação

do saneamento básico de 49% (1989) para 98% em 1996; a pavimentação, que chegou ao

índice de 30 km por ano; a legalização de propriedades, que ganhou destaque especial pelo

fato de 25% do solo urbano disponível pertencerem a 14 pessoas ou entidades, e a duplicação

de matrículas no ensino infantil, fundamental e médio.

No entanto, essas comparações são insuficientes para demonstrar a capacidade

redistributiva do Orçamento Participativo. A ampliação de serviços e da infraestrutura pode

decorrer de outras variáveis, como o aumento da arrecadação, o aumento dos repasses da

União aos Municípios a partir da Constituição de 1988, a diminuição da corrupção, entre

outras.

70 A comparação é feita com as regiões de Humaitá, Ilhas e Navegantes, que apresentam uma população de

cerca de cinco mil habitantes, quase todos classificados como carentes; no centro da cidade, com 271. 294 habitantes, apenas 3% são classificados como carentes. (SANTOS, 2002, p. 515).

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Por mais que Boaventura atribua ao Orçamento Participativo a causa da melhoria de

algumas dessas variáveis, afirmando, por exemplo, que a transparência na execução

orçamentária possibilitou uma maior motivação para o pagamento de impostos, torna-se ainda

necessária uma demonstração empírica mais substancializada dos efeitos redistributivos dessa

técnica de participação e orçamentação. A preocupação dos pesquisadores como Boaventura

concentrou-se, em certa medida, na elaboração de estudos teóricos que dimensionassem o

Orçamento Participativo, fato que evidenciou a carência de uma pesquisa que quantificasse as

realizações distributivas do referido instrumento. (MARQUETTI, 2003, p. 130).

É na pesquisa coordenada pelo sociólogo Leonardo Avritzer, apresentada no Fórum

Social Mundial de 2003 em Porto Alegre, que se encontram os subsídios para a afirmação do

caráter distributivo do OP. Numa análise acerca do caráter redistributivo do Orçamento

Participativo realizado no município de Porto Alegre, a pesquisa destaca que nas rodas das

assembleias regionais e temáticas, nos fóruns de delegados e no COP o perfil dos

participantes altera-se minimamente.

O perfil de 55,8% dos indivíduos que participam das rodadas das assembleias

apresenta uma renda familiar inferior a quatro salários mínimos. Em 1995, os indivíduos com

esta faixa de renda representavam 61,9% dos participantes, diminuição que se deveu ao

ingresso de segmentos de classe média no processo de participação. (MARQUETTI, 2003,

p. 134). O nível de escolaridade desses participantes padrão das rodadas é baixo: não possuem

educação formal ou não completaram a educação primária. Outro dado importante é que a

maioria pertence a algum tipo de associação comunitária.

Nos fóruns de delegados e do COP, 57% dos participantes têm apresentado um perfil

com uma renda familiar superior a quatro salários mínimos e cerca de um terço declarou uma

renda superior a oito salários mínimos. O COP é a estrutura de participação que apresenta o

maior nível de escolaridade, com cerca de 56,5% participantes que completaram, pelo menos,

oito anos de escolarização. Marquetti define os integrantes do Orçamento Participativo:

É, portanto, possível identificar o representante típico das rodadas como pertencente aos segmentos pobres e organizados da população de Porto alegre, tendo uma baixa renda familiar e pouco ou nenhuma educação formal. Os delegados e os conselheiros possuem uma renda maior e melhor nível de educação do que o participante típico das rodadas. Entretanto, mesmo delegados e conselheiros possuem uma renda familiar inferior à renda média das cidades. (2002, p. 132).

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134

Outro dado importante é a comparação do percentual da população total de Porto

Alegre, cuja faixa de renda familiar é de até dois salários mínimos, com o percentual de

participação que esta faixa de renda representa no Orçamento Participativo, o que fica mais

bem demonstrado no Quadro 13.

Quadro 14 – Distribuição percentual da renda familiar em 1998 entre os participantes da diferentes estruturas do

OP e em Porto Alegre

Rodadas Fórum de delegados COP Porto Alegre Até 2 salários mínimos 30.3 19.9 16.3 11.4 Mais de 2 até 4 salários mínimos 25.5 23.1 24.5 19.4 Mais de 4 salários mínimos 42.0 55.7 57.2 64.1 Sem resposta 2.2 1.3 2.0 5.1

Fonte: MARQUETTI (2003, p. 135)

Em suma, no Orçamento Participativo verifica-se uma maior participação das camadas

mais pobres da população de Porto Alegre, conferindo-lhes a capacidade de direcionamento

das políticas públicas desenvolvidas pela Prefeitura Municipal. Como consequência, a maior

parte dos investimentos é destinada às regiões de menor renda per capita e de grande deficit

em infraestrutura, pois os participantes do OP sempre atribuem peso significativo ao critério

carência de serviços e infraestrutura.

Marquetti demonstra, cruzando os dados de renda per capita e o número de obras por

mil habitantes, que, quanto maior o posto da região em termos de renda, menor é seu posto

em relação ao número de obras e ao montante de investimentos per capita.

Vejamos os seguintes gráficos (MARQUETII, 2003. p. 137):

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135

Figura 1 – Gráfico demonstrativo da distribuição de investimentos e obras

Com base nos dados expostos, verificamos que o Orçamento Participativo de Porto

Alegre atende ao marco teórico adotado neste trabalho, por ser capaz de redirecionar o fundo

público arrecadado pelo Estado para as necessidades das camadas mais empobrecidas da

população. É um instrumento estratégico para a superação da dimensão político-institucional

da crise do espaço público brasileiro, por ser, ao mesmo tempo, um espaço público de

deliberação e participação política da “periferia” excluída da “modernidade brasileira” e,

sobretudo, um espaço que delibera acerca das riquezas apropriadas e redistribuídas pelo

Estado. Não é apenas a democratização de um espaço político, mas a democratização do

recurso público, que tradicionalmente fica sob a gestão do establishment político e jurídico

brasileiro.

Embora Porto Alegre seja o marco inicial para as experiências de Orçamento

Participativo no Brasil, tendo amadurecido suas instâncias e critérios de forma mais efetiva,

existem experiências que implementaram mudanças na estrutura de acordo com a realidade

local.

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136

3.1.2 A experiência de Belo Horizonte: a dimensão digital do Orçamento Participativo

O Orçamento Participativo de Belo Horizonte começou a ser desenhado em 1993,

baseado na estrutura de participação de Porto Alegre, segundo o prefeito da época Patrus

Ananias (ANANIAS, 2005, p. 46), e tem sido implementado com peculiaridades.

Em sua estrutura principiológica o OP de Belo Horizonte segue os mesmos padrões do

de Porto Alegre, diferenciando-se nos aspectos referentes às dinâmicas das rodadas e

assembleias gerais, pois ao invés de três rodadas são realizadas duas. Também existem

alterações no critério de eleição de delegados e na forma de eleição das prioridades. Em Belo

Horizonte cada regional tem direito a um delegado por associação comunitária legalmente

constituída na região, diferentemente de Porto Alegre, que adotou o critério que não privilegia

as associações, pela sua ligação com as políticas tradicionais.

Os critérios para eleição de prioridades diferenciam-se quanto à forma. Em Belo

Horizonte não há o critério de votação de obra por obra como em Porto Alegre, pois sua

dinâmica parte de um confronto de chapas entre os delegados das regionais que irão compor o

Conforça, equivalente ao COP (Conselho do Orçamento Participativo de Porto Alegre). A

chapa com as propostas vencedoras é a que integrará o Conforça e implementará suas

políticas.

Esses elementos diferenciadores e a base associativa politicamente mais conservadora

parecem ter induzido os resultados menos expressivos de participação de Belo Horizonte. No

entanto, o governo local implantou em 2006 o Orçamento Participativo Digital, que de início

já incrementou a participação popular em 172.983 habitantes71.

No Orçamento Participativo Digital são disponibilizadas obras para que os eleitores

possam escolher de forma regionalizada, pela internet ou por telefone. Em 2006 foram

disponibilizadas 36 obras, distribuídas por todas as regiões da cidade, num valor total de

oitenta milhões de reais. Além disso, as obras podem ser acompanhadas em tempo real na

página da Prefeitura Municipal, facilitando a fiscalização e fomentando a participação dos

cidadãos. Essa importante inovação parece corrigir as distorções anteriores e tem servido de

forte ferramenta para a ampliação da participação popular, visto que possibilita o acesso mais

universal dos cidadãos, que se encontram limitados pela disponibilidade de participar das

reuniões, além de permitir uma interatividade mais ágil entre a administração e a população.

71 Disponível em: http://opdigital.pbh.gov.br

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137

Outro ponto diferenciador do OP – Belo Horizonte é a criação do Índice de Qualidade

de Vida (IQVU) como critério para a distribuição de recursos. Até 1999, o critério para a

redistribuição de recursos estava baseado no número de habitantes por região e a renda da

população era multiplicada por uma constante. Este critério possuía limites na efetivação da

redistribuição de recursos, razão por que em 2000 foi substituído pelo IQVU, que Pires

explica:

O índice expressa a oferta e o acesso da população a determinados serviços e recursos urbanos, contemplando variáveis temáticas ligadas a abastecimento, assistência social, cultura, educação, esportes, habitação, infra-estrutura urbana, meio ambiente, saúde, segurança urbana e serviços urbanos, como postos de gasolina, agências de correios, etc. A partir dessas variáveis foram calculados 75 indicadores de forma georrefenciadas para as 81 UPs72 de Belo Horizonte. (2008, p. 69).

A fórmula apresentada é a seguinte: Recursos do OP por UP = IQVU da UP +

população da UP. Com esta fórmula a política redistributiva do Orçamento Participativo de

BH foi potencializada e, a partir de 2000, as UPs com menor IQVU têm recebido quatro vezes

mais investimento do que as unidades de planejamento com melhor qualidade de vida. Em

2003 e 2004 foi realizada uma nova alteração, acrescentando-se o critério técnico de

prioridade para a inclusão urbano-social, como Pires expõe:

Esse mapeamento baseou-se nos seguintes indicadores: proporção de pobres, renda domiciliar média, taxa de analfabetismo, índice de risco à saúde, percentual de domicílios sem abastecimento de água e percentual de domicílios sem coleta adequada de lixo. As demandas apresentadas pelos participantes do OP localizadas nas áreas identificadas como prioritárias recebem um peso especial, que multiplica o número de votos populares recebidos pela demanda nas assembléias regionais. (2008, p. 71).

Na verdade, excetuando-se a efetivação do OP-Digital, as modificações

implementadas no OP- Belo Horizonte aproximaram-na do modelo e das normas

redistributivas da experiência de Porto Alegre. De toda forma, é inegável a característica

redistributiva do Orçamento Participativo, que, quanto mais se aproxima dos marcos de Porto

Alegre, mais encontra efetividade.

Além de Belo Horizonte, esse diagnóstico também foi percebido em Belém, quando o

Orçamento Participativo e o Congresso da Cidade abandonaram as normas redistributivas

72 Unidade de Planejamento

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138

similares às de Porto Alegre, com o que a função redistributiva não se perdeu, mas foi

atenuada significativamente. Argumenta Moraes:

Os critérios definidos para a distribuição dos recursos nos dois primeiros anos do OP seguiram o modelo de Porto Alegre. Nos anos seguintes, esses critérios deixaram de ser determinantes, passando a ter destaque a participação popular na apresentação e na votação de demandas. [...] Dessa forma, tendo em vista o objetivo desse texto – que é o de analisar se o Orçamento Participativo e o Congresso da Cidade, promoveram efeitos redistributivos dos investimentos em Belém entre 1997 e 2004, pode-se dizer que a redistribuição se materializou parcialmente. (2008, p. 138).

Em suma, o Orçamento Participativo de Porto Alegre está no “DNA” das demais

experiências, pelo menos das experiências mais significativas encontradas no país e que

tiveram ao menos uma continuidade razoável durante diferentes administrações. Verificamos

também a importância de sólidos critérios redistributivos, que, aplicados nas diferentes

realidades sociais, demonstram um efetivo grau de transformação das políticas públicas.

Embora não haja uma pesquisa acerca da eficiência redistributiva de todas as

experiências de Orçamento Participativo no país, a doutrina a respeito é pacífica em afirmar

que, uma vez aplicados os critérios normativos instituídos nos moldes do OP Porto Alegre ou

nos moldes do OP de Belo Horizonte, os recursos públicos passam a ser distribuídos com

maior eficiência e com justiça social (MARQUETTI; CAMPOS, 2008, p. 15), ainda mais se

aplicarmos o marco axiológico exposto por Dussel, elegendo a reprodução da vida digna

como valor fonte da Administração. Cabe, agora, retirar dessa experiência, que apresenta

resultados empíricos positivos, enunciados normativos que podem contribuir para uma nova

formatação de orçamento público.

3.2 Orçamento Participativo: o debate acerca da legalização do Orçamento Participativo

e sua recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro

3.2.1 A legalização do Orçamento Participativo: um debate ultrapassado

Desde a sua criação, o Orçamento Participativo vivencia um dilema que Boaventura

classifica como “institucionalização legal oficial do OP”. Essa discussão é polarizada por duas

posturas: uma contrária ao que se poderia chamar de “institucionalização” e outra favorável a

esta institucionalização.

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139

A primeira delas afirma que as experiências de participação popular bem-sucedidas

como a de Porto Alegre viabilizaram-se por meio de pactos políticos estabelecidos entre o

governo local e a sociedade, não de respostas jurídico-formais. A regulação ou

institucionalização legal do Orçamento Participativo pelo Estado acarretaria, portanto, uma

burocratização da participação popular. Consequentemente, os conflitos e diálogos, resolvidos

de forma autônoma pela sociedade, seriam regulados com base na lógica do direito estatal,

que, segundo Genro, é asfixiante e subordinada à mentalidade positivista do Judiciário.

(GENRO; SOUZA, 1997).

Do ponto de vista da não institucionalização, percebemos que a vinculação da

atividade orçamentária do Estado, de suma importância para o desenvolvimento de políticas

públicas, a mecanismos de participação popular capazes de corrigir distorções tradicionais

presentes na política brasileira não tem encontrado respostas jurídico-formais satisfatórias.

Por esse motivo, defendemos que as administrações comprometidas politicamente com a

participação popular utilizem permissivos legais e constitucionais para aplicar estratégias

próprias não vinculadas à racionalidade legal em sentido estrito.

A segunda postura, defendida por Fedozzi e Navarro, identifica a institucionalização

como uma forma de impessoalizar o Orçamento Participativo, libertando-o das amarras

partidárias e do controle governamental, que têm subordinado o processo e suas estruturas. A

crítica concentra-se na retirada do argumento eleitoral utilizado pelo governo do PT de que o

Orçamento Participativo é uma política exclusiva. (FEDOZZI, 1999, p. 192).

Nesse aspecto, essa postura é mais adequada, pois uma política que altera

substancialmente a formatação orçamentária da Administração não pode ficar sujeita, pelo

menos não em demasia, às alterações da política partidária. Seria um erro estratégico da

esquerda perder a oportunidade de transformar uma política de governo numa política de

Estado. Além disso, a alternância nas prefeituras de Belo Horizonte e Porto Alegre

demonstrou que, depois de implantada a experiência de Orçamento Participativo, a população

dificilmente abrirá mão do seu poder de escolha. Outro ponto importante é a possibilidade de

se aumentar a escala de efetivação do Orçamento Participativo para os demais entes da

federação, pois sem um amparo legal positivado essa amplitude ficaria prejudicada.

Em dimensões diferentes, as duas posturas apresentam diagnósticos corretos. No

entanto, existe a possibilidade de contemplar ambas com base no pressuposto de que não são

necessariamente excludentes. Na postura de não institucionalização, defendida por Genro, o

que se pretende preservar é a autonomia da sociedade civil e dos movimentos sociais perante

a racionalidade sistêmica do Estado. A simples positivação de uma estrutura predeterminada e

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implementada coercitivamente por mecanismos legais retiraria a característica de adaptação

do OP, bem como sua legitimidade substancializada na opção dos cidadãos em formatar suas

próprias instâncias de participação.

Por sua vez, na postura da institucionalização o que se pretende preservar é a

conquista histórica de orientar o orçamento da Administração por meio de uma participação

que garanta efeitos redistributivos. Os sujeitos políticos e seus pactos são passageiros, mas as

conquistas da sociedade devem ser perenes, devendo a coercitividade do ordenamento

jurídico garantir avanços, não retrocesso.

Habermas (1994, p, 12), ao analisar a relação entre soberania popular e os direitos de

liberdade (autonomia privada), aponta para a possibilidade de correlação possível entre essas

duas posturas. Adaptando seu posicionamento, verifica-se a possibilidade da

institucionalização do Orçamento Participativo sem que isso signifique, necessariamente, a

sua subordinação à racionalidade sistêmica.

A positivação-institucionalização do OP e a garantia de autonomia da sociedade não

são excludentes; pelo contrário, são correlacionadas, interdependentes. A institucionalização

não é sinônimo de burocratização, pois pode se dar como garantia de normatização de uma

base axiológica que se quer preservar, o que, no caso em questão, é a autonomia popular, o

caráter redistributivo e a própria participação popular.

A positivação desses valores não enfraqueceria a implantação do Orçamento

Participativo; ao contrário, o fortaleceria, na medida em que se combinaria com pressupostos

normativos do Estado Democrático de Direito e a Constituição de 1988, dando maior

densidade jurídica e maior operacionalidade em dimensões mais amplas que a do município.

3.2.2 A recepção do Orçamento Participativo pelo ordenamento jurídico e pela

Constituição de 1988

A perspectiva anteriormente expressa tornou-se possível com a Constituição Cidadã de

1988, fruto da mais ampla participação social que a experiência política brasileira já

experimentou. A consequência desse movimento foi a irrupção de uma nova ordem

constitucional, que consagra o Estado Democrático de Direito e elege a dignidade do ser

humano, a soberania popular e a cidadania como seus fundamentos.

Está dada, portanto, a matriz normativo-constitucional com base na qual o

establishment jurídico deve desenvolver uma nova dogmática, agora fundamentada nos

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alicerces da democracia e da justiça social. Essa mesma matriz deve perpassar a

Administração Pública, pois percebemos também que impôs um regime jurídico-

administrativo contrário à tradição autoritária anterior, contemplando o homem, o cidadão

concretamente situado. Bacellar comenta as transformações ocorridas a partir do novo texto

constitucional:

Promulgada em outubro de 1988, a par das diversas alterações, imediatamente, fez espargir, é precursora de significativas alterações no tratamento litúrgico até então outorgado aos processos ou procedimentos afetos às matérias reguladas pelo Direito Admnistrativo. A disciplina constitucional administrativa alberga novos arsenais jurídicos para a alteração do quadro tradicional de um Direito Administrativo autoritário, marcado pela pouca atenção dispensada aos direitos e garantias integrantes do patrimônimo do cidadão. (2003, p. 21).

A Constituição apresenta-se como um documento normativo dotado de força

normativa que transcende a perspectiva de uma simples orientação política ao legislador, pois

se expande para a ordem social, econômica e adentra no chamado “campo das utopias”,

tradicionalmente encaradas como meras mensagens ou lembretes, dando-lhes força de norma.

É nesse contexto que o direito de participação ganha densidade jurídica, visto que se inicia na

realidade brasileira um processo hermenêutico de entendimento de que as normas

constitucionais conferem força normativa à totalidade dos preceitos constitucionais, os quais

perpassam a totalidade do ordenamento jurídico, dando nova orientação à Administração

Pública. (BONAVIDES, 2001).

Fazendo o mesmo raciocínio de Schier, que utiliza a classificação das normas

constitucionais de Canotilho, pode-se conceituar o direito de participação como um direito

fundamental definido em normas constitucionais decorrentes diretamente do princípio

democrático do Estado brasileiro. (2002, p. 27). As normas constitucionais são classificadas

em duas espécies: princípios e regras. Tanto princípios como regras possuem um caráter

impositivo, ultrapassada a postura que negava o status de norma aos princípios.

Dois conceitos ilustram bem o papel atribuído aos princípios na doutrina brasileira. O

primeiro é de José Afonso da Silva, que, mesmo reticente quanto à distinção das normas

constitucionais em princípios e regras, atribui caráter estruturante e norteador aos princípios:

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Os princípios são ordenações que irradiam e imantam os sistemas de normas, são como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais. Mas, como disseram os mesmos autores, os princípios que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos de organização constitucional. (1999, p. 96).

O segundo conceito é o de Juarez Freitas, que, apoiado numa visão sistemática do

ordenamento jurídico, sustenta a exigência de concretização dos princípios constitucionais:

Por princípio ou objetivo fundamental entende-se o critério ou a diretriz basilar do sistema jurídico, que se traduz numa disposição hierarquicamente superior, do ponto de vista axiológico, em relação às normas e aos próprios valores, sendo linhas mestras de acordo com os quais se deverá guiar o intérprete quando se defrontar com antinomias jurídicas. (1995, p. 16).

Em longo processo de amadurecimento teórico, a doutrina brasileira foi incorporando,

paulatinamente, uma concepção de princípios com maior densidade jurídica. Estes são

encarados como normas que positivam os valores eleitos pela sociedade, ocupando uma

posição hierárquica superior no ordenamento jurídico.

Canotilho (1998, p. 1034), ao estabelecer a diferenciação entre princípios e regras,

desenha nitidamente as funções e a posição estruturante dos primeiros. Primeiramente, os

princípios diferenciam-se das regras pelo seu grau de abstração; possuem um grau de

abstração maior do que as regras, que têm um grau relativamente reduzido.

Consequentemente, a determinabilidade dos princípios é menor, carecendo de medições

concretizadoras, ao passo que as regras são aplicadas diretamente.

No caráter de fundamentalidade no sistema das fontes do direito encontra-se outra

diferenciação, pois os princípios ocupam posição hierárquica superior em virtude de sua

função estruturante no ordenamento jurídico. Disso decorre outra característica, qual seja, a

natureza normogenética dos princípios, ou seja, é deles que as demais normas do sistema

partem, sendo seu fundamento. Finalmente, há a proximidade da ideia de direito. Os

princípios são standards juridicamente vinculantes determinados nas exigências de justiça, ao

passo que as regras podem possuir um conteúdo meramente funcional.

Com base nessa caracterização, podemos perceber o tratamento que a doutrina vem

dando aos princípios constitucionais, aumentando o seu grau de densidade jurídica. Essa nova

postura, ou nova hermenêutica, está estruturada em fundamentos valorativos expressos na

Constituição, cuja função é nortear o ordenamento jurídico. (BONAVIDES, 2001, p. 38).

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Textos constitucionais como o preâmbulo, esquecidos ou renegados a meros textos

introdutórios adjetivados, como de linguagem retórica e apelo emocional pelos juristas do

positivismo clássico, são renovados em importância normativa. Expõe, a respeito, Bonavides:

O preâmbulo é pois, a convergência de todos os princípios de todas as cláusulas constitucionais que compõem e tecem a integridade moral da Carta Magna, quando esta busca concretizar o princípio dos princípios, a saber, a dignidade da pessoa humana, a qual outra coisa não é se não a dignidade mesma dos povos. E os povos tem na democracia participativa, o seu mais acabado instrumento de realização dos direitos de terceira e quarta geração, que conduzem ao desenvolvimento e à democracia. (2001, p. 38).

Assim, podemos afirmar que o princípio democrático de participação já se encontra

positivado no artigo primeiro da Constituição de 198873:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

O princípio democrático é um princípio estruturante da Constituição, que, segundo

Canotilho, atua de forma harmônica com os princípios da soberania popular e da

representação popular, tendo como pressuposto a participação dos cidadãos na administração

pública. Em outras palavras, as bases da democracia participativa já estão lançadas no

ordenamento jurídico nacional por meio da Constituição. Bonavides chega a afirmar que, de

acordo com o texto constitucional brasileiro, não se pode falar em legitimidade sem

democracia participativa. (2001, p. 27).

É a participação popular que concretiza o princípio democrático e manifesta-se por

meio de regras que asseguram ao cidadão a interferência nas atividades do poder público,

norteando o Estado para a consecução do bem comum. Segundo Schier:

73 Especificamente sobre matéria orçamentária, a Constituição prevê a participação popular na fiscalização e na

execução, no artigo 74, par. 2°.

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A Constituição Federal de 1988, conforme antes referido, assegura tal direito (direito de participação), dando-lhe a natureza de direito fundamental e situando-o concretamente a partir de sua dupla dimensão: a democrática (na qual ele concretiza o princípio democrático) e de controle (na qual ele efetiva o princípio do Estado de Direito). (2003, p. 75).

Por fim, aderimos ao que Bonavides chama de “embrião” de uma “teoria

constitucional da participação”, a qual exige fidelidade ao preâmbulo da Carta brasileira

(destaca-se também o artigo 1474), o fortalecimento de uma hermenêutica constitucional

ligada aos aspectos axiológicos e o concurso de elementos tópicos, axiológicos, concretistas,

estruturantes, indutivos e jusditributivistas, que confluem para inserir num sistema

programático-racionalista o princípio da unidade material da Constituição. (2001, p. 42).

Assim, a participação popular não nasce de permissivos constitucionais, como afirma

Genro (1999, p. 74), mas de diretrizes normativas da Constituição que impõem a

democratização do Estado e obrigam todo direito dirigido à atividade estatal a se reformular e

isso não só no texto constitucional, mas numa série de dispositivos infraconstitucionais nos

quais se destaca a pertinência do objeto tratado, como na Lei Complementar nº 101, de

04.03.2000, em seu artigo 48:

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos. (grifo não constante no original)

Citamos também a Lei Orgânica do Município de Porto Alegre (Lompa), que, no

capítulo em que trata dos orçamentos, garantiu a participação da comunidade nas etapas de

composição da legislação orçamentária municipal, cuja elaboração é da iniciativa do prefeito

municipal:

74 Art. 14. “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor

igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular”.

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Art. 116. Leis de iniciativa do Prefeito Municipal estabelecerão: I – o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais. § 1º – Fica garantida a participação da comunidade, a partir das regiões do Município, nas etapas de elaboração, definição e acompanhamento da execução do plano plurianual, de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual.(PORTO ALEGRE, 1990).

Esses textos legais não são os únicos a regular a matéria, tendo sido escolhidos para

demonstrar que a participação popular na área orçamentária não é estranha ao ordenamento

jurídico75, o que situa a demanda de legalização defendida por Fedozzi e Navarro em outro

patamar de discussão.

Institucionalizar uma forma específica de participação universalizando sua estrutura

não é possível, pois Porto Alegre apresenta características socioeconômicas peculiares, sendo

um solo fértil para experiências de participação popular como o Orçamento Participativo.

Mesmo no caso de cidades administradas pelo Partido dos Trabalhadores na região

Metropolitana de Porto Alegre, o Orçamento Participativo não alcançou os mesmos resultados

positivos, seja pela falta de capacidade financeira dos Municípios, seja pela carência de

associativismo. (AVRITZER, 2003, p. 34).

Avritzer aponta que em cidades de médio e pequeno porte as estruturas de participação

devem ser reduzidas para obter sucesso; também indica que a falta de capacidade financeira

desses Municípios pode prejudicar a dimensão distributiva do Orçamento Participativo,

fazendo-se necessário um novo desenho institucional do referido instrumento.

Outro fator vital apontado pela pesquisa coordenada por Avritzer é a vontade política

da administração local em implementar políticas participativas, superando os obstáculos

iniciais. Isso demonstra que, para a viabilidade do Orçamento Participativo, ainda é necessário

um pacto político entre o governo local e a comunidade, deixando em aberto o desenho

institucional de implementação desse pacto. Nesse aspecto Genro tem razão ao afirmar que

uma prática específica pode significar sua burocratização, mas a positivação de seus

princípios básicos, não. A positivação desses princípios calcados na experiência de Porto

Alegre pode, até mesmo, contribuir para o fortalecimento de uma teoria jurídica da

democracia participativa. 75 Poderíamos citar ainda o novo Estatuto das Cidades no seu artigo 2, inciso II: “A política urbana tem por

objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes:

[...] gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento.”

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Boanavides afirma a necessidade de estruturar o que ele chama de “teoria

constitucional da democracia participativa,” apresentada ainda como um embrião, que

necessita de novos significados e práticas para se sedimentar. Tais princípios, com base

empírica de razoável sucesso, podem contribuir para a factibilidade e operacionalidade dessa

teoria, não a deixando à mercê da abstração formalista da tradicional dogmática jurídica. Ao

mesmo tempo, reduziria a importância do governo local, que estaria obrigado, como já está,

mas de forma mais específica, a implementar no processo orçamentário formas de

participação popular realmente democráticas.

3.3 O Orçamento Participativo como base empírica para o Orçamento Democrático

3.3.1 O processo de substituição da Lei 4 320/64

O debate acerca da potencialidade jurídica de instrumentos de participação popular

deve ser fomentado com base num processo de reforma legislativa que possa gerar maior

efetividade aos princípios constitucionais ligados à democracia participativa, ao princípio da

soberania popular e à própria concepção de um Estado Democrático de Direito.

Verifica-se que a legalização ou institucionalização de práticas como o Orçamento

Participativo já encontra respaldo na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional,

no entanto o ordenamento jurídico nacional não conta ainda com uma legislação operacional

que supere o modelo jurídico meramente procedimental adotado pela Lei 4.320/64. A

substituição deste dispositivo para a superação da dimensão jurídico-institucional da crise

espaço público brasileiro76 torna-se necessária mesmo diante de textos como a Lei

Complementar 101 (04/03/00)77, ou do Estatuto das Cidades, em seu artigo 44, pois, além de

tratarem a matéria de forma genérica, recebem do establishment jurídico brasileiro uma

interpretação limitada, assim como o art. 14 da Constituição.

76 É importante frisar que o orçamento público foi apontado como um local estratégico para uma reforma, mas é

evidente que sua reestruturação não resolveria toda a crise de legitimidade do Estado brasileiro. 77 “Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive

em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos.” (grifo não constante no original)

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É o que se ilustra com o posicionamento de Amaral Filho (2004, p.266) ao comentar o

art. 44 do Estatuto das Cidades:

O artigo 44, seguinte, determinou a inclusão de realização de debates, audiências e consultas públicas previamente à análise do plano plurianaual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição de sua aprovação pela Câmara Municipal. Tal tentativa de compatibilizar a idéia já materializada e alguns municípios, sobretudo administrados pelo Partido dos Trabalhadores, de gestão orçamentária participativa com a intervenção dos representantes através da Câmara Municipal, pode trazer como conseqüência o conflito entre grupos de interesse organizados nas discussões e o parlamento municipal, sem contar a eterna dificuldade de se envolver o grande público em discussões dessa natureza, em particular em cidades de grandes concentrações populacionais.

Assim, esses dispositivos perdem a força normativa diante de uma hermenêutica

fundada em pré-conceitos78 que ignoram as experiências de Orçamento Participativo do

PSDB; o sucesso do instrumento em cidades com mais de um milhão de habitantes, como

Belo Horizonte e Porto Alegre; os grupos de interesses no Poder Legislativo e suas práticas

clientelistas e, sobretudo, o fato de que as experiências de Orçamento Participativo

desenvolveram um método complexo e funcional de gestão que atende, substancialmente, a

um dos princípios constitucionais.

Em suma, as experiências de participação popular bem-sucedidas, como a de Porto

Alegre, viabilizaram-se por meio de pactos políticos estabelecidos entre o governo local e a

sociedade, não por respostas jurídico-formais. No entanto, a universalização desses

procedimentos, que contemplam materialmente a Constituição de um Estado Democrático de

Direito, exige uma efetivação normativa e operacional mais densa.

As experiências de participação popular identificadas ou associadas ao denominado

“Orçamento Participativo” trazem um rol de procedimentos, formas de associações e

deliberações, regimentos e princípios de participação ainda não sistematizados pelo direito

positivo, mas que possuem efetividade.79 A sistematização dessas categorias, colhidas em

diferentes experiências de Orçamento Participativo, podem definir um novo procedimento

orçamentário, um procedimento mais democrático e que seja eficiente no controle dos gastos 78 Como não é o objetivo deste trabalho a perspectiva hermenêutica recomendam-se : STRECK, Lênio Luiz.

Hermenêutica jurídica em crise: uma exploração da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999; WARAT, Luis Alberto. Introdução geral ao direito: a epistemologia jurídica da modernidade. Porto Alegre: Fabris, 1995. v. 2.

79 Um exemplo é o Regimento Interno do Orçamento Participativo de Porto Alegre, que não se caracteriza como uma norma jurídica, pois não está positivado, no entanto vincula a administração municipal e a sociedade. Genro define estas normas como públicas não estatais, elaboradas num processo tenso de diálogo entre os participantes do Orçamento Participativo. GENRO, Tarso; SOUSA, Ubiratan de. Orçamento Participativo: a experiência de Porto Alegre, 2. ed. São Paulo: Perseu Abramo, 1996, p. 23.

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da Administração Pública, impedindo a reprodução de políticas clientelistas e superando a

racionalidade sistêmica descrita por Habermas. Observa Boaventura :

[...] o processo do OP transformou radicalmente a cultura profissional da equipe técnica do Executivo. Essa equipe tem sido submetida a um processo de aprendizagem profundo em relação à comunicação e à argumentação com cidadãos comuns. As suas recomendações técnicas devem ser veiculadas numa linguagem acessível a pessoas que não dominam conhecimentos técnicos; a razoabilidade dessas recomendações deve ser demonstrada de modo persuasivo, em vez de ser imposta de forma autoritária; nenhuma hipótese ou solução alternativa deve ser excluída sem que seja mostrada sua inviabilidade. Onde anteriormente prevalecia uma cultura tecnoburocrática, emergiu gradualmente uma cultura democrática. (SANTOS, 2002, p. 593).

Com a adoção desses princípios e de procedimentos colhidos das experiências de OP,

seria possível uma complementação aos procedimentos formais estabelecidos pela Lei

4.320/64, ou mesmo sua substituição. Sem essas reformulações, não será possível ajustar o

orçamento público à nova orientação normativa substancial exigida pela Constituição de 1988

e por legislação complementar, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e o Estatuto das

Cidades, como bem ressalta Torres:

[...] a lei orçamentária é simplesmente formal, pois, não gera a obrigatoriedade da realização da despesa nem cria critérios subjetivos. De modo que nada obriga o Executivo municipal ou estadual a realizar as despesas previstas na elaboração participativa do orçamento. (2008, p. 128).

Vale lembrar que a Constituição de 1988 previu no seu artigo 165, § 9°, a criação de

lei complementar para regulamentar o orçamento dos entes da federação, visando à

substituição da Lei 4.320/64. Como a lei complementar não foi promulgada, a doutrina

acolheu a legislação de 1964, dando-lhe, estranhamente, o status de lei complementar.

(OLIVEIRA, 2006, p. 355). Dizemos “estranhamente” porque a lei que instituiu o orçamento

programa possui um conteúdo procedimental, ou seja, sua matriz de regulamentação,

contextualizada no século passado, preocupa-se basicamente com o procedimento e com a

legalidade. Seu deficit perante o novo ordenamento jurídico constitucional é evidente e

precisa ser revisto, principalmente no que se refere à participação popular e ao processo de

legitimação material das decisões orçamentárias.

No Congresso Nacional tramita o Projeto de Lei Complementar n. 135/96, que se

encontra hoje na Comissão de Constituição e Justiça. Junto a ele tramitam cinco propostas de

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projeto substitutivo: PLP n. 166/1997, PLP n. 32/1999, PLP n. 88/1999, PLP n. 144/2000 e

PLP n. 102/2003.80 Seu principal objetivo é aperfeiçoar o procedimento orçamentário na

dimensão institucional, sem trazer inovações que alterem ou aumentem a interferência da

sociedade, como se vislumbra na justificativa apresentada pelo relator do projeto, senador

Aldeck Ornelas:

O presente Projeto de Lei Complementar busca enfrentar as principais questões que preocupam os Poderes Executivo e Legislativo no que se tange a qualificação do processo de programação, execução e controle da gestão orçamentária e financeira nas três esferas de governo. As inúmeras inovações embuídas no projeto tÊm por escopo alcançar os seguintes objetivos principais: (i) a retomada do planejamento, com destaque para os esforços de planejamento de longo prazo, (ii) a melhor utilização da LDO, capacitando-a a antecipar definições hoje tomadas apenas quando da apreciação do orçamento anual, (iii) melhor organização do orçamento anual, possibilitando maior transparência nos dados e fornecendo novos elementos de análise e avaliação e (iv) a busca da verdade orçamentária especialmente através da criação de mecanismos que garantam a execução do orçamento nos ermos em que é aprovado no Poder Legislativo (ORNELAS, Justificativa do Projeto de Lei Complementar n°. 135, 1996).

Trata-se do aperfeiçoamento do conceito do orçamento programa, cujo objetivo

principal é dar maior racionalidade ao processo orçamentário brasileiro, o que no contexto

nacional, caracterizado pelas práticas orçamentárias patrimonialistas, significa importante

avanço, principalmente quando determina a diminuição da discricionariedade do Poder

Executivo na fase de Execução do Orçamento. Neste ponto, retirando-se os mecanismos

técnicos contábeis do projeto, que não são objeto deste trabalho, pode-se vislumbrar uma

alteração adequada aos problemas do orçamento brasileiro.

O Projeto de Lei Complementar n°. 135 estipula quatro normas básicas, que

modificam a característica da lei orçamentária, atribuindo-lhe caráter material, pois impedem

a ampla discricionariedade do Executivo na exclusão de projetos e atividades constantes nas

leis orçamentárias. São elas:

I_- as ações constantes do PPA contempladas nos orçamentos anuais terão execução obrigatória, sob pena de crime de responsabilidade; II – a retirada de ações previstas no PPA depende de projeto de lei específico e fundamentado; III – para deixar de realizar atividade-fim e projeto constante da LOA, o Poder Executivo deverá obter anulação, mediante projeto de lei; IV – os recursos destinados a despesa de capital só podem ser utilizados para suplementação após cancelamento através de projeto de lei. (Projeto de Lei Complementar n°. 135, 1996).

80 Disponível em: www. camara.gov.br

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Embora, num primeiro momento, essas mudanças técnicas possam passar

despercebidas, implicam uma mudança de concepção que ultrapassa as dimensões

institucionais, podendo vincular a Administração Pública de forma mais efetiva, criando,

inclusive, direitos subjetivos aos cidadãos. O projeto seria mais inovador se adotasse de forma

mais clara a caracterização lei orçamentária como lei material, o que diante da cultura jurídica

nacional se transformaria num instrumento mais adequado nos futuros conflitos a serem

dirimidos pelos tribunais, no caso de aprovação do projeto.

No entanto, os avanços do projeto param nesse ponto, pelo menos da dimensão

externa à institucionalidade, pois não cria nem prevê qualquer instrumento de participação

popular ou mesmo de controle da sociedade na realização do orçamento. Essa ausência

também é sentida nos projetos substitutivos.

O PLP 144/1997, apresentado pelo deputado Augusto Franco, do PSDB do Sergipe,

por exemplo, concentra sua proposta de alteração e na adequação do procedimento técnico da

Lei Orçamentária Anual para aumentar os instrumentos de controle do Tribunal de Contas da

União. Sua principal contribuição é a definição de obras com indícios de irregularidades e o

impedimento de repasses para as referidas obras. Vejamos sua proposta de redação:

§2°. São tipificados como contendo indícios de irregularidades graves, tal como definido pelo inciso I desse artigo, as obras onde forem detectados: I - superfaturamento, assim entendido como obras em que os preços praticados nos contratos superam a média do mercado; II – pagamento por serviços não executados ou negligência da administração na mediação dos serviços executados, evidenciando falha na medição e/ou na supervisão da obra; III – modalidade de licitação incompatível ou ausÊncia de processo licitatório, assim compreendido quando a modalidade de licitação for inadequada em face do valor da obra ser superior ao imite estabelecido em lei para a forma utilizada ou for indevidamente utilizado o mecanismo de dispensa ou inexigibilidade de licitação; IV – inexistência de projeto básico, ou quando a obra for licitada sem apresentação do projeto básico; V – não conclusão da obra ou obra sem condições de funcionamento, assim compreendidos quando os recursos repassados forem totalmente gastos, sem haver a respectiva conclusão da obra; VI – desvio de recursos ou aplicação de recursos em finalidade diversa, quando os recursos repassados para a obra constante no orçamento foram aplicados por quem recebeu em objeto distinto do pactuado no convênio firmado; VII – omissão no dever de prestar contas ou irregularidades na sua apresentação, sendo caracterizada no momento em que o gestor que recebeu os recursos para a execução da obra não apresentar prestação de contas no prazo legal ao Tribunal de Contas da União comprovando a correta aplicação de recursos, ou a apresentar de forma incorreta.

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Assim, o referido projeto substitutivo concentra sua reformulação no plano da

racionalidade administrativa, tentando aprimorar um procedimento já existente com

definições claras na norma complementar. O mesmo caminho é adotado pelo PLP n° 32/1999,

do deputado Arnaldo Madeira, que se limita a estabelecer uma nova classificação às despesas

públicas, com proposta de alteração do artigo 12 da Lei 4.320. Esta mudança não afeta a

dimensão democrática do procedimento orçamentário brasileiro.

Já o PLP 166/1997, do deputado Mendonça Filho, concentra sua contribuição na

dimensão temática da mortalidade infantil e do analfabetismo, determinando que os índices

dos referidos temas sejam previstos na elaboração do Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes

Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios.

Portanto, tanto no texto do projeto original como no texto dos substitutivos a única

referência de maior densidade à participação popular é encontrada do PLP n°. 102/2003, ou

seja, dentre todos os projetos é o que se encontra maior identificado com a matriz jurídica da

Constituição Federal, principalmente no que se refere à implementação da participação

popular. O projeto está estruturado em sete capítulos: Capítulo I – “Das Disposições

Preliminares”; Capítulo II- “Dos Princípios do Controle Social”; Capítulo III – “Dos

Princípios da Fiscalização”; Capítulo IV – “Do Controle Interno”; Capítulo V – “Do Controle

Externo”; Capítulo VI – “Dos Princípios da Execução, Acompanhamento e Avaliação dos

Programas”; Capítulo VII – “Das Disposições Finais e Transitórias”.

É justamente no Capítulo II – “Dos Princípios do Controle Social” que o referido

projeto apresenta importantes inovações, do qual citamos os artigos:

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Art. 2º A elaboração, aprovação, implementação e divulgação dos planos plurianuais, das diretrizes orçamentárias, dos orçamentos anuais e dos relatórios resumidos da execução orçamentária e da gestão fiscal, bem assim balancetes, balanços e demais documentos que integrem as prestações de contas e respectivos pareceres, prévios e finais, serão realizados de modo a evidenciar a transparência da gestão pública. Parágrafo único. Entende-se por transparência fiscal: I - o acesso público às informações relativas aos objetivos e metas da política fiscal e à execução dos planos e programas de governo, bem como às contas públicas e às projeções que disciplinem o orçamento anual; e II - a divulgação de informações que sejam confiáveis, abrangentes, atualizadas e comparáveis entre os entes da Federação. Art. 3º A transparência será obtida por meios que contemplem a participação popular, tais como: I - realização de audiências públicas; e II - divulgação, na imprensa e em meios eletrônicos de acesso público, de resumos enunciados em linguagem simples e universal, dos: a) documentos mencionados no caput do art. 2º, enfatizadas as principais metas que se buscam alcançar e os resultados efetivamente verificados; e b) processos de orçamentação, execução, acompanhamento, avaliação e fiscalização de cada projeto de investimento e de cada atividade que envolvam aquisição de bens e serviços de terceiros para programas de duração continuada, incluídos no respectivo plano plurianual ou considerados de valor relevante nos termos da lei de diretrizes orçamentárias. Parágrafo único. Na hipótese de Município que tenha menos de cinqüenta mil habitantes: I - se não dispuser de condições próprias para a divulgação por intermédio de meio eletrônico de acesso público, a União prestará apoio técnico e financeiro para sua implantação, ficando aqueles obrigados a repassar os correspondentes demonstrativos ao órgão federal encarregado, em prazo e condições determinados; e II – será dada divulgação à comunidade sobre o período, local e horário em que as contas estarão à disposição dos interessados. Art. 4º A prestação anual de contas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ficará à disposição da comunidade, inclusive por meio eletrônico de acesso público, para exame e apreciação. Parágrafo único. Qualquer cidadão, partido político, organização, associação ou sindicato é parte legítima para: I – verificar a exatidão e legitimidade da prestação de contas referida no caput, nos termos de lei específica de cada esfera de governo; e II - denunciar irregularidades ou ilegalidades, desde que formuladas por escrito, com identificação e endereço do denunciante, confirmada sua autenticidade, e devidamente fundamentadas.

Notamos, entretanto, que a ênfase da participação popular desenvolve-se mais na

dimensão do controle e fiscalização do orçamento, sendo pouco propositiva da dimensão da

participação como definidora da política orçamentária e omissa na dimensão distributiva do

orçamento, como salienta na exposição de motivos o deputado do PSDB do Rio de Janeiro

Eduardo Paes:

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Destaca-se, na presente proposta, a institucionalização da parceria entre Governo e sociedade, por intermédio do controle social como mecanismo de acompanhamento, controle, avaliação e fiscalização da aplicação dos recursos públicos. O resultado dessa parceria subsidiará a elaboração, aprovação, implementação dos planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamentos anuais e a prestação das contas públicas, de modo a maximizar a transparência da gestão pública (Capítulo II – arts. 2º a 4º).

No texto do projeto 135/96 consta apenas a incorporação parcial dessas propostas no

artigo 5°. O restante do projeto não avança significativamente nos parâmetros do novo

ordenamento constitucional, ficando aquém das expectativas. Vejamos:

Art. 5° Do processo de planejamento será dada ampla divulgação à sociedade, especialmente, mediante: I – a realização de audiências públicas pela comissão legislativa encarregada de examinar e dar parecer sobre os projetos de lei do plano plurianual, de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, e de acompanhar sua execução. II – a publicação e distribuição, pelo Poder Executivo, de síntese das mencionadas leis, bem como dos relatórios de avaliação correspondentes, em linguagem clara e acessível a todo o cidadão; III – o estímulo à iniciativa popular para a apresentação de propostas relativas aos orçamentos.

Efetivamente, se o texto for aprovado com esse conteúdo e com as incorporações do

PLP 102/2003, já teremos alcançado um grande avanço, mas se o compararmos às

experiências de Orçamento Participativo, poderemos extrair contribuições mais eficazes na

implementação de um orçamento mais democrático.

O Orçamento Democrático pode ser entendido como um processo orçamentário

adaptado ao ordenamento constitucional da Carta de 1988, que instituiu o Estado Democrático

de Direito, mas, sobretudo, adaptado e construído para a resolução dos problemas sociais

brasileiros, expostos no segundo capítulo. Para atender a essa concepção, o processo de

substituição da Lei 4.320/64 deveria contemplar de forma mais efetiva a dimensão

redistributiva, a ampliação da participação popular e a preservação de um espaço autônomo

de comunicação em face da racionalidade sistêmica.

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3.3.2 O princípio redistributivo

Como vimos anteriormente, as experiências de Orçamento Participativo encontram

seu sucesso graças à adoção de critérios claros, que permitem a redistribuição de recursos para

os setores historicamente excluídos do processo de apropriação de riquezas nacionais.

Torres identifica a existência de dois princípios orçamentários ligados a essa

concepção redistributiva: o princípio orçamentário da redistribuição e o da solidariedade81.

Em sua análise acerca do princípio da redistribuição, classifica-o como princípio orçamentário

fundamental, decorrente diretamente de uma diretiva constitucional e de sua estreita ligação

com a efetivação de políticas públicas por um Estado Democrático e Social (2008, p. 283).

No entanto, a análise da maioria da doutrina nacional parece limitada a uma leitura do

artigo 145, par.1°, da Constituição Federal, limitando a incidência do referido princípio à

matéria tributária, não à financeira, o que englobaria não só a receita como também a despesa.

Tal posicionamento implica um erro, pois a arrecadação de despesas pode estar se realizando

de acordo com a capacidade contributiva, mas o direcionamento das despesas pode não ser

necessariamente dirigido ao público mais desfavorecido.

Como já analisamos o caso do espaço público e as dimensões políticas e jurídicas da

cidadania no país, podemos afirmar que isso de fato acontece. O grosso das receitas

apropriadas pelo Estado brasileiro é redistribuído de forma ineficaz e não alcança o que

denominamos de habitus secundário da cidadania, legal e formalmente contemplada, mas

política e economicamente excluída. Assim, o Estado arrecada dos mais ricos, mas devolve

grande parte do que arrecada, além, é claro, dos valores apropriados pelo establishment

político e pela burocracia autônoma.

O habitus secundário da cidadania submete-se a essa realidade em face do seu acesso

restrito ao espaço público, ficando refém de políticas clientelistas, ou mesmo, em menor

número, buscando a jurisdicionalização de demandas. Tal solução atende apenas a problemas

individuais e que não são uma solução para o problema macro, que se refere ao processo de

arrecadação e distribuição de recursos, os quais nem a teoria da reserva do possível nem a

teoria do mínimo existencial conseguem resolver por meio de intervenção judicial. Comenta

Torres:

81 Dentre os autores contemporâneos que tratam do orçamento público, Torres parece ser singular na

diversificação e classificação dos princípios orçamentários.

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De modo que o problema da redistribuição de renda se torna hoje, um dos mais difíceis para filósofos, juristas e economistas. Buchanan diz que “uma nação não pode sobreviver com instituições políticas que não enfrentam o fato essencial da escassez. É simplesmente impossível prometer mais a um sem prometer menos a outro. (2008, p. 286).

Concordando, nesse aspecto da escassez, com os argumentos neoliberais,

perguntamos: de que forma se pode decidir quem ganha menos e quem ganha mais? A

resposta é a mesma que a humanidade, pelo menos no Ocidente, tem dado na sua história: por

meio da democracia.

Por sua vez, o princípio da solidariedade, que segundo Torres está estritamente

vinculado com o princípio da redistribuição, implica uma visão conjunta de receitas e

despesas, dirigidas para o financiamento de ações sociais que beneficiem alguns setores da

sociedade, a exemplo do que acontece na seguridade social. Explica Torres, fortemente

embasado por Habermas:

A idéia da solidariedade sinaliza no sentido de que as contribuições sociais, necessárias ao financiamento da seguridade social, devem ser suportadas por todos os que participem do mesmo grupo sócio-ecnnômico, ainda que alguns deles não recebam diretamente o benefício. (TORRES, 2008, p. 290).

No caso do Brasil, o mesmo autor afirma que o direito brasileiro afastou-se do referido

princípio, conduzindo a que as contribuições sociais fossem deturpadas, obrigando a

vinculação das receitas de tributos efetivada pela Emenda Constitucional de Revisão n° 1/94

(TORRES, 2008, p. 291), ou seja, a solução foi a adoção de um critério vinculativo de receitas

para finalidades sociais.

Destacando a importância do princípio da solidariedade, Torres (2008, p. 30),

fundamentando-se novamente em Habermas, afirma que tal princípio é fundamental para

superar o paternalismo financeiro e burocrático observado no Estado Social de Direito. É uma

visão que liberta o cidadão dos “favores” do Estado, expressando o direito de receber parte da

produção coletiva de riquezas. No entanto, articulando esse posicionamento com a matriz

teórica de Dussel, verificamos que isso só se torna possível na medida em que os sujeitos

desse processo se encontrem num espaço público igualitário, formulando e orientando as

normas, ou seja, o cidadão deve ser artífice dessa construção, não a burocracia estatal.

Assim, as experiências de Orçamento Participativo contribuem ao explicitarem um

mecanismo de distribuição de recursos eficiente construído pela participação popular. Nos

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dois melhores exemplos encontrados, as prefeituras de Porto Alegre e de Belo Horizonte, em

conjunto com a população, normatizaram a questão da redistribuição em parâmetros que já

provaram sua eficiência empiricamente. Por esse motivo, a adoção desses critérios é um

importante acréscimo ao processo de substituição da Lei 4.320/64, inobstante o silêncio dos

projetos substitutivo a esse respeito.

A experiência de redistribuição do Orçamento Participativo articula a participação

popular e redistribuição de recursos, atendendo ao problema da desigualdade social e da

legitimidade das ações governamentais. Precisa, no entanto, ganhar escala e densidade

jurídica de uma positivação, ao menos em termos principiológicos, na lei complementar que

regulamentará o processo orçamentário.

Esse processo de positivação deve partir da proposta do PLP 102/2003, por sua melhor

adaptação à realidade brasileira, com a inserção no Capítulo II – “Dos Princípios do Controle

Social” de um artigo que faça referência expressa às desigualdades sociais como elemento

influenciador do processo de planejamento orçamentário, ou seja, a desigualdade social

passaria a ser um dos elementos normativos centrais no processo de elaboração das leis

orçamentárias.

Depois de se colocar as desigualdades sociais como um dos elementos centrais, deve-

se estabelecer como método para a resolução do problema a interação entre a participação

popular e a Administração Pública. Dessa interação devem ser retirados os critérios

normativos para a redistribuição de recursos, estabelecendo, assim, uma base dialogada e real

para o problemas específicos da desigualdade social em cada instância da Administração.

Ainda, no Capítulo VI – “Dos Princípios da Execução, Acompanhamento e Avaliação

de Programas”, seria necessária a inclusão do critério redistributivo como elemento avaliativo

dos programas, ou seja, a verificação da contribuição das ações estatais no combate às

desigualdades sociais, com referência expressa aos critérios elaborados pela participação

popular. Na avaliação, do orçamento deve ser verificado se a Administração Pública cumpre

os critérios redistributivos elaborados pela participação popular.

Em suma, a positivação do princípio redistributivo poderia ser exposta da seguinte

forma: a) no processo de planejamento deverão ser analisadas as desigualdades sociais e

regionais; b) na lei orçamentária anual, deverá ser elaborado, com a participação da

população, critério redistributivo de recursos para resolução das desigualdades sociais e

regionais; c) o critério distributivo de recursos, após cada período orçamentário anual, deverá

ser avaliado e, se necessário, reformulado pela participação popular; d) na avaliação dos

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programas verificar-se-á a observação dos critérios redistributivos e sua eficiência na

resolução das desigualdades sociais.

3.3.3 Princípio da autorregulação e da simplicidade comunicativa

Uma das principais críticas à implementação da democracia direta e, mesmo, de

instrumentos de democracia participativa é que a complexidade e dimensão da sociedade

moderna configuram-se em obstáculos instransponíveis para que todos os cidadãos possam

participar de forma igualitária. Contudo, o argumento das dimensões cai por terra quando as

pesquisas mostram que é justamente nas grandes cidades, com mais de um milhão de

habitantes, como Porto Alegre e Belo Horizonte, que o Orçamento Participativo mostra-se

mais eficiente. (VITALE, 2005, p. 675).

Quanto ao argumento da complexidade, verificamos que o Orçamento Participativo

parte de uma outra matriz de racionalidade. É uma estrutura de cogestão estatal e pública não

estatal efetivada através de uma esfera pública, legitimada por um contrato político a partir do

governo. (GENRO, 1997, p. 15). Embora haja previsão legal para sua elaboração, o

Orçamento Participativo não se desenvolve segundo uma estrutura racional-legal ou

meramente procedimental. É instituído por um pacto político no primeiro momento, mas em

seguida, estabelece um princípio de autorregulamentação, ou seja, é a própria sociedade que

regula sua forma de funcionamento. (p. 50).

As decisões que alteram a estrutura de funcionamento do Orçamento Participativo,

bem como aquelas que orientam a Administração Pública, não possuem um critério de

legitimidade racional-legal, ou seja, não emanam de órgãos estatais. São decisões geradas por

meio de um processo discursivo elaborado na busca democrática de consensos políticos,

patrocinando uma legitimidade política material e não meramente procedimental. Esse

processo gera um conjunto de regras que derivam do diálogo, das decisões elaboradas sob

tensão e de consensos obtidos dentro desse mesmo espaço de participação e que surgem de

um processo conflitivo de comunicação no qual seus sujeitos buscam de consensos, não de

normas jurídico-formais, cujo exemplo é o regimento interno do orçamento.

Enfim, esse espaço público é gerenciado por normas de direito público não estatal

(Regimento Interno do OP de Porto Alegre), elaboradas segundo um processo discursivo e

que se tornam possíveis graças às diretrizes constitucionais que consagram o princípio

democrático e direcionam a abertura do Estado para a democracia participativa. Esse processo

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discursivo, autônomo perante o Estado, diferencia o espaço público gerado pelo Orçamento

Participativo da atual matriz de espacialidade pública estatal, dominada pela racionalidade

sistêmica.

As experiências de Orçamento Participativo, principalmente a de Porto Alegre,

demonstram que a Administração Pública pode interagir com a população com outra matriz

de racionalidade. Em Porto Alegre, a burocracia simplificou sua linguagem, pois estava

submetida ao encontro político com a população, precisando convencer os sujeitos sociais das

suas prioridades e dos critérios técnicos que precisavam ser implementados. Essa perspectiva

vai além do princípio orçamentário da publicidade e da clareza, que são atendidos pelo

ordenamento jurídico atual e mesmo pelo projeto substitutivo. Citamos o inciso II do artigo 5°

do Projeto 135/96 e o inciso II do artigo 3° do PLP 102/2003:

Art. 5°... II- a publicação e distribuição, pelo Poder Executivo, de síntese das mencionadas lei, bem como dos relatórios de avaliação correspondentes, em linguagem clara e acessível a todo cidadão. Art. 3°... II- divulgação, na imprensa e em meios eletrônicos de acesso público de resumos enunciados em linguagem simples e universal, dos:

Os princípios da autorregulação e da simplicidade comunicativa garantem que as bases

do diálogo sejam estabelecidas pelos próprios participantes, em conjunto com a

Administração Pública, diferentemente do que acontece com as audiências públicas, onde as

regras de participação, horários e locais são marcados unilateralmente. No Orçamento

Participativo, a Administração Pública é apenas mais um sujeito político a intervir no debate

e, nesse papel, deve se fazer entender pela população, não ao contrário.

Outra característica é que o Orçamento Participativo não se esgota em uma ou duas

reuniões como as audiências públicas, com leituras de relatórios técnicos intermináveis.

Estabelece-se de forma perene durante o ano, cujas reuniões partem das necessidades locais

da população, confrontadas com aspectos técnicos dos agentes da Administração, que devem

convencer e, ao mesmo tempo, esclarecer as normas técnicas do orçamento à população. Essa

dinâmica fortalece o processo de discussão e acaba se transformando num importante

instrumento pedagógico, visto que os cidadãos acessam as informações de forma simples e a

tecnoburocracia aprende a dialogar com a população.

Assim, a positivação de tais princípios deve conter os seguintes mandamentos a serem

inseridos no Capítulo II do PLP 102/2003: a) o processo de participação popular no

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orçamento deve ser estabelecido durante o ano inteiro, abrangendo as fases de planejamento,

elaboração, execução e prestação de contas; b) o calendário de reuniões, forma de

participação, de eleições de representantes ou de prioridade deverá ser fixado pela própria

população vinculando a Administração Pública, que apenas contribuirá para sua efetivação; c)

nas reuniões os técnicos da Administração Pública deverão ficar à disposição da população

para esclarecimentos pertinentes; d) fica vedada a realização de apenas uma reunião ou

audiência pública.

3.3.4 Princípio da ampla participação e da participação digital

O sucesso das experiências de Orçamento Participativo decorre também da sua

capacidade de agregar cada vez mais um número maior de cidadãos que participam das

votações, num constante aprimoramento de suas modalidades de participação.

Belo Horizonte demonstrou que a participação popular na elaboração do orçamento

pode ser facilitada por meios eletrônicos. O Orçamento Participativo Digital, criado para

ampliar a base de participação, há três anos em funcionamento, tem apresentado um número

crescente de cidadãos que interagem com a Administração Pública por meio dessa

modalidade. Sua contribuição para uma tentativa de ganho de escala do Orçamento

Participativo é essencial. Num país de dimensões continentais como o Brasil, ampliar o

Orçamento Participativo para os Estados e para a União torna-se possível com a implantação

de instrumentos digitais de participação e de votação de prioridades.

Evidentemente, nos Municípios essa modalidade de participação deve ser articulada

com as assembleias regionais e temáticas, pois suas dimensões permitem essa combinação, ao

passo que nos Estados da federação e na União, faz-se necessário ainda uma formatação de

participação popular que atenda às suas dimensões. Embora o Estado do Rio Grande do Sul já

tenha demonstrado a possibilidade da participação popular pela realização de um Orçamento

Participativo Estadual e do Fórum dos Coredes82, a implantação da participação digital

poderia ampliar sua base de legitimação. Esse modelo de participação pode interagir na fase

de planejamento com a eleição de grandes obras, como a instalação de universidades,

construção de rodovias, dentre outros serviços públicos, além de se adequar perfeitamente

82 Os Fóruns dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento foram instituídos por lei estadual e organizam a

sociedade civil para participarem das eleições de prioridades para o orçamento estadual.

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para a fase de execução e fiscalização, como já prevê o artigo 3° do PLP 102/200383, e mais,

com uma razoável estrutura poder-se-ia, como em Belo Horizonte, acompanhar a execução

das obras em tempo real.

Assim, poderiam ser positivados os princípios da ampla participação e da participação

digital estipulando: a) a Administração Pública deve aprimorar constantemente as instâncias e

mecanismos de participação, buscando a ampliação do número de cidadãos na fase de

elaboração e de execução do orçamento; b) a União e os Estados da federação que não

possuírem forma de participação popular no orçamento público deverão fomentar

instrumentos que a efetivem; c) deverá ser fomentada a criação de instrumentos de

participação digital que ampliem a participação popular na elaboração e fiscalização o

orçamento.

3.3.5 O Orçamento Democrático e sua consolidação

O orçamento público é uma categoria jurídico-política que vem se adaptando às

formas e funções do Estado. Não é apenas um instrumento técnico de gestão da

Administração Pública, uma vez que a decisão política e econômica que o orienta contempla o

próprio processo de apropriação e redistribuição das riquezas de uma nação. Sua evolução e

transformação inseridas na história do Estado moderno demonstram essa característica, que é

de fundamental importância para os problemas sociais brasileiros.

A visão da dogmática jurídica, estabelecida na matriz do positivismo normativista, não

deixou que o direito percebesse a dimensão política do orçamento e, consequentemente,

impediu a sua adaptação aos novos marcos normativos estabelecidos pela Constituição de

83 Art. 3º A transparência será obtida por meios que contemplem a participação popular, tais como:

I - realização de audiências públicas; e II - divulgação, na imprensa e em meios eletrônicos de acesso público, de resumos enunciados em linguagem simples e universal, dos:

a) documentos mencionados no caput do art. 2º, enfatizadas as principais metas que se buscam alcançar e os resultados efetivamente verificados; e b) processos de orçamentação, execução, acompanhamento, avaliação e fiscalização de cada projeto de investimento e de cada atividade que envolvam aquisição de bens e serviços de terceiros para programas de duração continuada, incluídos no respectivo plano plurianual ou considerados de valor relevante nos termos da lei de diretrizes orçamentárias. Parágrafo único. Na hipótese de Município que tenha menos de cinqüenta mil habitantes: I - se não dispuser de condições próprias para a divulgação por intermédio de meio eletrônico de acesso público, a União prestará apoio técnico e financeiro para sua implantação, ficando aqueles obrigados a repassar os correspondentes demonstrativos ao órgão federal encarregado, em prazo e condições determinados; e II - será dada divulgação à comunidade sobre o período, local e horário em que as contas estarão à disposição dos interessados.

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1988, que fundou o Estado Democrático de Direito, dando à cidadania uma forte

caracterização social e participativa. Além disso, a realidade do contexto brasileiro ficou

desprovida de um instrumento de arrecadação e redistribuição de recursos capaz de enfrentar

as suas dificuldades peculiares.

Nesse contexto, o Orçamento Participativo é uma importante experiência, que

colabora para a criação de uma nova prática orçamentária, identificada com a realidade social

brasileira e com a Carta de 1988. Trata-se do que se pode chamar da criação do “Orçamento

Democrático”, ou seja, um processo orçamentário que supere as concepções liberal e social-

democrata, adaptando-se ao novo contexto social e normativo.

O Orçamento Democrático não pode ficar restrito aos controles tradicionais da

legalidade e do equilíbrio fiscal, nem se estabelecer de forma paternalista e deficitária como

na experiência do Estado de Bem-Estar. Esses dois modelos já encontraram os seus limites de

legitimidade e operacionais, tornando-se obsoletos diante dos problemas nacionais

contemporâneos. Portanto, o Orçamento Democrático deve possuir um novo desenho

institucional que operacionalize os mandamentos constitucionais, principalmente nas

dimensões social e democrática, e que enfrente as práticas orçamentárias do establishment

político brasileiro.

Em três dimensões, o Orçamento Democrático, estruturado por meio da experiência do

Orçamento Participativo, diferencia-se do orçamento liberal e do orçamento programa: a

primeira é a da participação popular, que no caso do Estado Liberal e do Estado de Bem-Estar

não se efetivou; a segunda é a dimensão distributiva, pois essa nova dinâmica de participação

concede ao orçamento uma legitimidade e uma eficiência não alcançadas pelo Welfare State;

terceira, é a dimensão comunicativa, diante da formatação de um espaço autônomo perante as

estruturas do Estado e do mercado que impede o predomínio de uma racionalidade de tipo

sistêmico.

A consolidação do Orçamento Democrático, no caso brasileiro, passa pela substituição

da Lei 4.320/64, com a positivação dos princípios: redistributivo, da autorregulação, da

simplicidade comunicativa, da ampla participação e da participação digital. Passa, também,

pela mudança de concepção da dogmática jurídica acerca da natureza jurídica do orçamento

público, como afirma Oliveira:

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Nem tem sentido que a lei determine a participação popular, o que alias, deveria ser obrigação do governante, efetuando-se reuniões públicas para discussão sobre onde deve o dinheiro ser gasto para depois enganar a população, pois a participação popular era “de mentinrinha”. Seria ignóbil fazer comícios, travar discussões, dar a palavra à população, e, ao final, toda essa mise-em-scène não produzir qualquer efeito ou ter qualquer utilidade prática. É essencial que a participação democrática não se esgote no mero exercício de escolha dos governantes, mas permita iniciar outro processo, qual seja o da participação direta. No entanto, não pode esgotar-se a participação no prazer lúdico do palpite. Tem de se consolidar em decisões tomadas na sociedade, incluindo-se nas decisões que forem formalizadas pelo governante. (2006, p. 313).

Não se trata de irresponsabilidade fiscal, mas de coerência jurídica, uma vez que se

vincula à decisão sobre onde e quanto gastar diante da realização de uma receita. Com a não

efetivação de receitas, evidentemente, não se pode obrigar o Estado a efetivá-las como prevê a

Lei Complementar n°101, conforme anota Piscitelli:

Não procedem assim, as críticas sobre a inviabilidade do orçamento impositivo, a pretexto de que a insuficiência de recursos poderia levar o Estado a uma situação financeira menos razoável ou responsável na sua gestão financeira. A Lei Complementar 101 de 4 de maio de 2000, a LRF, a propósito do assunto previu a limitação de empenho e movimentação financeira na hipótese da situação financeira não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal, até o restabelecimento da receita prevista. (2007, p. 4).

Assim, analisando o processo legislativo de substituição da Lei 4.32084 e tendo por

base textual o PLP 102/2003, por se adequar melhor aos princípios democráticos da

Constituição, afirmamos a necessidade de inclusão dos já mencionados princípios. O primeiro

ponto seria a alteração do caput do artigo 2° e o segundo, a inclusão de dois parágrafos

relacionados os princípios adotados, da seguinte forma:

84 Além dessa alteração, sugere-se a inclusão dos pontos mencionados nos itens anteriores nos respectivos

capítulos e artigos já mencionados

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Capítulo II Dos Princípios da Participação Popular

Art. 2º A elaboração, aprovação, implementação e divulgação dos planos plurianuais, das diretrizes orçamentárias, dos orçamentos anuais e dos relatórios resumidos da execução orçamentária e da gestão fiscal, bem assim balancetes,balanços e demais documentos que integrem as prestações de contas e respectivos pareceres, prévios e finais, serão realizados de modo a evidenciar a transparência da gestão pública e efetivar a participação popular Parágrafo primeiro. A participação popular na elaboração, execução e fiscalização do orçamento obedecerá aos seguintes princípios: I - ampla participação dos cidadãos; II - auto-regulação das instâncias de participação; III - simplicidade comunicativa na elaboração, divulgação e regramento das instâncias de participação e documentos informativos; IV - participação digital ; e V - redistribuição de recursos. Parágrafo segundo. As deliberações nas instâncias de participação popular vincularão o Poder Executivo nos limites estabelecidos pela Lei Complementar n°. 101/2000.

Evidentemente, a alteração legislativa, desde que aprovada pelo Congresso Nacional,

deverá vir acompanhada de uma cultura jurídica e orçamentária democrática para a

consolidação do Orçamento Democrático. Para tanto, o senso comum teórico dos juristas deve

ser ampliado para além das abstrações jurídicas, com a observação atenta das experiências de

Orçamento Participativo, que subsidiarão a implementação, aperfeiçoamento e, mesmo, a

regulação dos casos concretos que surgirão.

O Orçamento Democrático, procedimento orçamentário adaptado ao Estado

Democrático de Direito, seria consolidado, portanto, por meio de uma alteração legislativa da

Lei 4.320/64, utilizando os princípios normativos extraídos da experiência do Orçamento

Participativo, da mudança de concepção sobre a natureza jurídica do orçamento e da

reorientação da dogmática jurídica.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nos apontamentos realizados, é possível perceber que a Constituição de

1988 inaugurou uma nova matriz democrática para o ordenamento jurídico nacional. No

entanto, essa matriz não foi operacionalizada no processo orçamentário do Estado brasileiro,

que se encontra estruturado em normas da década de 1960 e atualizado com a orientação

neoliberal de equilíbrio fiscal exposta da Lei de Responsabilidade Fiscal. Do ponto de vista

normativo, podemos afirmar que o orçamento brasileiro é caracterizado como um orçamento-

programa com forte ênfase no equilíbrio fiscal, ficando distante das dimensões democrática e

social esculpidas na Constituição Cidadã de 1988.

Na dimensão política e das práticas orçamentárias reais, essa matriz normativa

encontra uma séria dificuldade de implementação, uma vez que seu desenho orçamentário não

consegue superar os desafios das práticas clientelistas do establishment político brasileiro e de

uma burocracia autônoma que acaba por estruturar um método incrementalista. O orçamento

brasileiro é uma simbiose entre métodos patrimonialistas e incrementalistas, configurados por

meio de um discurso técnico de superfície que não substancializa as decisões orçamentárias.

Num país como o Brasil, que apresenta um processo de modernização seletiva do

Estado e da sociedade, essa configuração agrava as desigualdades sociais, contribuindo para a

cisão da cidadania. A cidadania brasileira apresenta um habitus primário, visto que por meio

de uma situação econômica e de uma acessibilidade maior ao espaço público consegue

usufruir da distribuição do fundo público apropriado pelo Estado; de outro lado, também

apresenta um habitus secundário, por estar inserida formalmente no espaço público, mas

colocada na exterioridade da apropriação do fundo público pelas práticas políticas, jurídicas e

burocráticas do establishment político brasileiro.

Soma-se a esse cenário a crise de legitimidade que o Estado Contemporâneo apresenta

diante do processo de supremacia da racionalidade sistêmica e da vulnerabilidade econômica

que o avanço do neoliberalismo acrescentou. Ultrapassadas, as instituições democráticas do

Estado têm dificuldade de reorientar seus núcleos decisórios, dominados pelo interesse do

mercado e por uma burocracia ineficiente no aprimoramento do gasto público. O Estado

precisa ultrapassar e atualizar seus mecanismos democráticos e de legitimação, visto que não

pode mais se sustentar numa legitimidade racional-legal e em processos de democracia

representativa que lhe emprestam apenas uma legitimidade procedimental e impedem a

sociedade civil de interferir em decisões estratégicas substanciais. A última crise econômica

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reafirmou essa situação na medida em que Estados gastam bilhões de dólares,

comprometendo gerações de cidadãos, que possuem no espaço público institucionalizado

apenas “instantes” eleitorais, insuficientes para interagir de forma significativa.

Nesse contexto, as perspectivas de reformas institucionais do Estado brasileiro devem

seguir um marco teórico que dimensione adequadamente as peculiaridades do país, pois não

basta resolver o problema da legitimidade formal, mas também, e principalmente, deve-se

resolver o problema da desigualdade material. Essa matriz teórica e axiológica é parcialmente

fornecida por Enrique Dussel ao apontar a necessidade de uma dupla legitimação: dada pelo

momento procedimental e formal da democracia e pelo critério material de melhoria nas

condições de reprodução da vida digna.

Uma vez escolhida a matriz teórica, apontamos para locais estratégicos de reforma,

que possibilitem uma nova concepção na relação estabelecida entre as instituições do Estado e

a sociedade. O orçamento público foi apontado como um dos locais estratégicos a ser

reformulado dentro desta matriz, por três razões: a) o Estado Contemporâneo apresenta uma

natureza fiscal, o que coloca o orçamento como um dos principais instrumentos de

administração do Estado; b) no caso brasileiro, o orçamento público é um dos principais

centros de tensão entre os pressupostos legais de legitimidade e as formas clientelistas

adotadas pelo establishment político brasileiro; c) as experiências políticas brasileiras

alternativas denominadas de “Orçamento Participativo” demonstram a possibilidade de

construção de um instrumento eficaz para esse contexto de crise.

O Orçamento Participativo é um instrumento de participação que aponta para uma

nova relação entre as instituições do Estado e a sociedade; caracteriza-se por uma

legitimidade maior que os mecanismos tradicionais de representação e complementa-os, ao

mesmo tempo em que possibilita uma redistribuição de recursos às camadas populacionais

periféricas do processo de modernização seletiva da sociedade brasileira.

Além desses aspectos, o referido instrumento de participação está adequado aos

princípios constitucionais da Magna Carta de 1988. O Orçamento Participativo não se

estabelece apenas por permissivos constitucionais, mas por uma adequação material aos

princípios do Estado Democrático de Direito, da soberania popular e da participação.

Podemos afirmar, com certo cuidado na análise das experiências demonstradas, que o núcleo

de princípios estruturantes do Orçamento Participativo, como o princípio redistributivo, o

princípios da ampla participação e da participação digital e os princípios auterregulação e da

simplicidade comunicativa, está mais adequado à Constituição de 1988 do que a Lei 4.320/64.

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Esses princpios servem de embrião para a concepção de um orçamento público vinculado à

concepção de Estado Democrático de Direito, ou seja, um Orçamento Democrático.

Enfim, verificamos a capacidade de criação de um sistema de participação que

contemple a nova ordem constitucional de um Estado Democrático de Direito e que ganhe

densidade jurídica para alcançar resultados mais significativos e menos pontuais. Essa

densidade deve ser efetiva na substituição ou complementação da legislação que regulamenta

o procedimento orçamentário brasileiro, calcada numa matriz de legitimação formal e incapaz

de atender às dimensões da crise.

A experiência do Orçamento Participativo traz um rol de procedimentos, formas de

associações e deliberações, regimentos e princípios de participação que devem ser

incorporados pela legislação, como forma de adequação do orçamento público à nova ordem

constitucional brasileira, transformando-o em um importante instrumento na resolução das

desigualdades sociais. Trata-se do desenvolvimento da concepção de um Orçamento

Democrático, que não parte de abstrações jurídicas ou da “importação” de estruturas e valores

estranhos à realidade local, mas se estabelece por meio de práticas democráticas com

eficiência empiricamente comprovada na efetivação de um processo de legitimação das ações

estatais e, sobretudo, na efetivação da redistribuição de recursos ao habitus secundário da

cidadania.

Essa concepção de Orçamento Democrático apresenta diferenças substanciais na

medida em que adota como elemento do planejamento orçamentário o princípio da

redistribuição de recursos, ultrapassando o simples critério da legalidade na avaliação e

fiscalização do orçamento; ainda, amplia a base de participação popular por meio de um

espaço público autônomo não tutelado, mas protegido juridicamente. É este um espaço

público orientado por uma racionalidade comunicativa e libertadora, na medida em que é

capaz de redirecionar as ações estatais, incluindo os setores sociais que se encontram na

exterioridade, ao mesmo tempo em que permanece constantemente aberto à autorregulação da

comunidade do mundo da vida, não do sistema.

Enfim, encontrar ou elaborar um procedimento orçamentário adequado ao Estado

Democrático de Direito e ao contexto de crise atual é uma tarefa árdua diante do esgotamento

das experiências orçamentárias desenvolvidas no contexto do Estado Liberal e no contexto do

Estado de Bem-Estar Social. Por isso, mesmo diante das limitações deste trabalho,

pretendemos ter contribuído para a o processo de reformulação do orçamento público

brasileiro.

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ANEXOS

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Anexo I – Regimento Interno do Orçamento Participativo de Porto Alegre

SUMÁRIO Título I Regimento Interno do Conselho do Orçamento Participativo – COP ....................................................07 Capítulo I Das Funções Seção 1 - Da Composição.......................................................................................................................07 Seção 2 - Das Eleições ...........................................................................................................................07 Capítulo II Da Estrutura ...........................................................................................................................................08 Capítulo III Das Competências ..................................................................................................................................09 Capítulo IV Seção 1 - Das Reuniões ..........................................................................................................................10 Seção 2 - Da Coordenação .....................................................................................................................11 Seção 3 - Da Secretaria Executiva..........................................................................................................12 Seção 4 - Dos Conselheiros....................................................................................................................13 Seção 5 - Das Comissões........................................................................................................................14 Título II Regras Gerais do Orçamento Participativo.............................................................................................15 Capítulo I Do Fórum Regional do Orçamento Participativo ...................................................................................15 Capítulo II Dos Delegados........................................................................................................................................15 Capítulo III Do Processo............................................................................................................................................16 Capítulo IV Do Coordenador Regional do Orçamento Participativo e Coordenador Temático.................................17 Título III Critérios para as demandas do Orçamento Participativo ........................................................................19 Capítulo I Critérios Regionais .................................................................................................................................19 Capítulo II Critérios Gerais.......................................................................................................................................21 Capítulo III Prioridades Temáticas das Regiões Temáticas .......................................................................................23 Capítulo IV Critérios Técnicos...................................................................................................................................29 06 REGIMENTO INTERNO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO Aprovado em 15 de janeiro de 2008. TÍTULO I CAPITULO I Das Funções: Artigo 1º - O Conselho do Orçamento Participativo é um órgão de participação direta da comunidade, tendo por finalidade planejar, propor, fiscalizar e deliberar sobre a receita e despesa do Orçamento do Município de Porto Alegre, de acordo com o que preconiza o Artigo 116 da Lei orgânica do Município. Artigo 2º - O Conselho do Orçamento Participativo será representado por uma coordenação de Conselheiros titulares e suplentes de acordo com o que estabelece este regimento. Doravante neste regimento serão denominados COP (Conselho do Orçamento Participativo) e OP (Orçamento Participativo), respectivamente. SEÇÃO 1ª Da composição: Artigo 3º - O COP será composto por um número de membros assim distribuídos: a) 2 (dois) Conselheiros(as) titulares e 2 (dois) suplentes eleitos em cada uma das 17 (dezessete) Regiões da Cidade;

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b) 2 (dois) Conselheiros(as) titulares e 2 (dois) suplentes eleitos em cada uma das 6 (seis) Plenárias Temáticas; c) 1 (um) conselheiro(a) titular e um suplente do SIMPA (Sindicato dos Municipários de Porto Alegre) e da UAMPA (União das Associações de Moradores de Porto Alegre). d) 2 (dois) representantes titulares e 2 (dois) suplentes do Executivo Municipal das seguintes áreas de atuação: 1 (um) representante titular e 1 (um) suplente da SMCPGL (Secretaria Municipal de Coordenação Política e Governança Local), 1 (um) representante titular e 1 (um) suplente do GPO (Gabinete de Programação Orçamentária). § primeiro - Os representantes do Poder Público Municipal serão indicados pelo Prefeito Municipal, tendo direito a voz, e não tendo direito a voto. § segundo - Os Conselheiros(as) das outras entidades da Sociedade Civil (UAMPA e SIMPA) serão indicados pelas mesmas, por escrito, para este fim específico, tendo direito a voz e voto, obedecendo aos mesmos critérios dos Conselheiros(as) eleitos(as). § terceiro – Os Conselhos Municipais de Porto Alegre terão direito a voz, somente no período de informes das reuniões do COP. SEÇÃO 2ª Das eleições: Artigo 4º - Os Conselheiros(as) das Regionais e Temáticas da Cidade serão eleitos nas Assembléias Regionais e Temáticas, coordenadas pela Administração Municipal, em conjunto com a Organização Popular das mesmas. § Primeiro - Todos os candidatos titulares e suplentes a serem eleitos a partir de 2008, terão que ter participação como Delegados(as), nos fóruns Regionais ou Temáticos, de 1(um) ano, com no mínimo de 50% (cinqüenta por cento) de presença nos últimos 5 (cinco) anos, comprovados em lista de presença. § Segundo - As inscrições de chapas para Conselheiros(as) de Regiões deverão ser efetivadas nos Centros Administrativos Regionais (CARs) correspondentes, com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas da realização da Assembléia Regional. Só serão aceitas as nominatas completas, ou seja, 2 (dois) titulares e 2 (dois) suplentes. § Terceiro – As inscrições de chapas para Conselheiros(as) de Temáticas deverão ser efetivadas na Gerência do OP (GEOP), com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas da realização da Assembléia Temática. Só serão aceitas as nominatas completas, ou seja, 2 (dois) titulares e 2 (dois) suplentes. § Quarto - No caso de haver mais de uma chapa para a eleição dos(das) Conselheiros(as), será aplicada a seguinte proporcionalidade: A chapa mais votada colocará um Conselheiro(a) a cada 25 % (vinte e cinco por cento) dos votos. Todo o recurso referente a eleições Regionais ou Temáticas deverá ser apreciado e deliberado pelo referido fórum referente, respeitando este Regimento. Artigo 5º - Não poderá ser Conselheiro(a) (titular ou suplente) aquele que já tiver assento em outro Conselho nas esferas Municipal, Estadual e Federal (exceto em Conselho em que esteja representando o COP direta ou indiretamente) exercer mandato eletivo, cargo em comissão ou assessor político seja no poder Executivo, Legislativo ou Judiciário (nas esferas Municipal, Estadual, Federal), salvo se renunciar ao referido mandato, cargo ou função. § Primeiro - Não poderá ser Conselheiro(a) o funcionário de entidade conveniada com a PMPA (Prefeitura Municipal de Porto Alegre), que receba recursos públicos para a execução de Convênio. § Segundo – O(a) Conselheiro(a) (titular ou suplente) só poderá representar uma Plenária Regional ou Temática sendo vedada à sobreposição de mandatos. Artigo 6º - O mandato de Conselheiro(a) titular ou suplente é de 1(um) ano de duração, havendo a possibilidade de reeleição. § Primeiro - Durante o transcorrer do mandato, o(a) Conselheiro(a) que for candidato(a) a Conselheiro(a) do Conselho Tutelar deverá se afastar 45 (quarenta e cinco) dias antes da data da eleição. § Segundo – Durante o transcorrer do mandato, o(a) Conselheiro(a) que for candidato(a) a cargo eletivo nas esferas Municipal, Estadual e Federal nos poderes Executivo e Legislativo, deverá se afastar 90 (noventa) dias antes da data da eleição. CAPÍTULO II Da estrutura: Artigo 7º - O Município providenciará a infra-estrutura e condições ao bom funcionamento do COP, tais como: local adequado com condições de ventilação, temperatura, taquigrafia ou gravação, água e sanitários compatíveis para no mínimo 100 (cem) pessoas, sonorização que permita a comunicação dos Conselheiros(as) com a Plenária e com a mesa, e telefone. Além disso, disponibilizará aos Conselheiros(as) cursos de qualificação técnica em área Orçamentária, bem como todas as informações em resposta às consultas relativas ao Orçamento do Município de Porto Alegre e ao andamento das demandas e serviços previstos nos PI’s (Planos de Investimentos) com a posição atualizada, inclusive por intermédio de terminal de computador, à disposição dos mesmos na GEOP (Gerência do Orçamento Participativo) e nos CAR’s (Centros Administrativos Regionais), além de registro em ata das reuniões através de notas taquigrafadas com linhas numeradas ou gravação em fita magnética.

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Artigo 8º - O Município conjuntamente com a coordenação do COP disponibilizará de meios para realização de curso anual com metodologia de seminário de qualificação, sobre a dinâmica, método e legislação do Orçamento Público Municipal participativo, combinando técnicas de qualificação sobre as ações, programas e órgãos do Governo, servindo para Conselheiros(as), Delegados(as), Secretários (as), Diretores(as) e aos Agentes públicos e cogestões do OP, inclusive na condição de reciclagem e aperfeiçoamento do processo. § primeiro - O Município colocará, obrigatoriamente, à disposição do COP, a presença dos Secretários(as), Presidentes(as) ou Diretores(as) de Secretarias e Departamentos ou seu(s) Adjunto(s), ainda que acompanhado de técnicos quando agendado pelo COP. As Temáticas e Regiões ou segmentos do Governo Municipal deverão compatibilizar as agendas de forma conjunta para que não se sobreponham e prejudiquem o cumprimento deste parágrafo. § segundo - As faltas dos Agentes públicos mencionados no parágrafo anterior devem ser justificadas na próxima reunião, por escrito, para avaliação da plenária do COP, se homologada a falta o caso é encaminhado para o Prefeito Municipal para providências e retorno ao Conselho. § terceiro - Que o Município, em conjunto com os Conselhos Municipais, apresentem o diagnóstico do mapa da exclusão e carências da cidade, antes da hierarquização das demandas para o Orçamento nas Regiões ou Temáticas. Artigo 9º - A Administração Municipal disponibilizará meios de transporte para os Conselheiros(as), quando tiverem que se deslocar para visitas que tenham por objetivo inspecionar obras, serviços e reuniões de trabalho sobre o OP. Artigo 10 - Todos os locais que recebem atividades do OP deverão oferecer acessibilidades a PCDs (pessoas com deficiências) e PCRMs (pessoas com restrição de mobilidade), inclusive com intérprete de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), material em braile e/ou sistemas de comunicação sonora conforme legislação. Dada a continuidade de situações que impeçam ou restrinjam a presença daquelas pessoas. Parágrafo Único - O local que não oferecer as condições requeridas, deverá ser vetado a reuniões, até atender os critérios previstos. CAPÍTULO III Das Competências: Artigo 11 - Ao Conselho do Orçamento Participativo compete: I - Apreciar, emitir opinião, alterar no todo ou em parte a proposta do PPA (Plano Plurianual) do Governo a ser enviada à Câmara Municipal de Vereadores no 1º (primeiro) ano de cada mandato do Governo Municipal; II - Apreciar, emitir opinião, alterar no todo ou em parte a proposta do Governo para a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) a ser enviada anualmente a Câmara Municipal de Vereadores. Após aprovação da mesma, deverão ser emitidas cópias para os(as) Conselheiros(as) do OP; III - Emitir opinião, alterar no todo ou em parte a proposta do Orçamento anual antes de ser enviado à Câmara Municipal de Vereadores; IV - Apreciar, emitir opinião, alterar no todo ou em parte a proposta do Plano de Investimentos e Serviços, respeitada a decisão dos FROP‘s (Fóruns Regionais do OP) e Temáticas; V - Avaliar e divulgar a situação das demandas do Plano de Investimentos e Serviços do ano anterior (executadas, em andamento, prazo de conclusão, licitadas e não realizadas) a partir das informações prestadas pelo Município, quando da apresentação da Matriz Orçamentária do ano seguinte; VI - Apreciar, emitir opinião, alterar no todo ou em parte e propor aspectos totais ou parciais na política tributária ou de arrecadação do Poder Público Municipal; VII - Apreciar, emitir opinião, alterar no todo ou em parte sobre o conjunto de obras e atividades constantes do Planejamento de Governo e orçamento anual apresentados pelo Executivo, em conformidade com o processo de discussão do OP. VIII - Acompanhar a execução Orçamentária anual e fiscalizar o cumprimento do Plano de Investimentos, opinando sobre eventuais incrementos, cortes de despesas, novos investimentos e/ou alterações no planejamento. A Comissão de Receitas e Despesas deverá participar destas deliberações, inclusive com caráter propositivo juntamente com o Executivo para a deliberação dos(as) Conselheiros(as) e Delegados(as) do OP; IX - Apreciar, emitir opinião, alterar no todo ou em parte, a aplicação de recursos extraorçamentários tais como: Fundo Municipal, Fundo PIMES, e outras fontes; X - Decidir em comum acordo com o Executivo a metodologia adequada para o processo de discussão e definição da peça orçamentária e do Plano de Investimentos; XI - Apreciar, emitir opinião, alterar, no todo ou em parte, projetos de obras e investimentos, que o Executivo entenda como necessários para a Cidade; XII - Solicitar às Secretarias e órgãos do Governo, documentos imprescindíveis à formação de opinião dos Conselheiros(as) no que tange fundamentalmente a questões complexas e técnicas; XIII - Indicar 8 (oito) Conselheiros(as), 4 (quatro) titulares e 4 (quatro) suplentes que irão compor a Coordenação do COP;

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XIV - Indicar 6 (seis) Conselheiros(as), 3 (três) titulares e 3 (três) suplentes como representantes do COP para compor às Comissões Tripartite I, II, III, IV: a) As Comissões serão as seguintes: de Habitação, Dados Populacionais, Comunicação e Receitas e Despesas terão número de participantes votados pelo COP, e/ou a criação de Conselhos pontuais respectivamente; b) Cada Conselheiro(a) somente poderá participar de uma Comissão; c) Todas as Comissões, Conselhos e a Coordenação do COP só poderão ser compostas por conselheiros titulares e suplentes; XV - Apreciar e votar a Prestação de Contas do Governo, ao final de cada exercício, baseado no relatório informatizado GOR (Plano de Governo e Orçamento), com o detalhamento por demanda do que foi orçado, do que foi empenhado e do que foi realmente executado; XVI - Indicar Conselheiros(as) do COP, como representantes em outros Conselhos e/ou Comissões (Municipal, Estadual ou Federal). Os Conselheiros(as) deverão consultar o Conselho sobre as posições a serem levadas aos Conselhos e/ou Comissões; XVII - Apreciar recurso de votação, desde que comunicado na própria reunião, da votação, com a presença das partes envolvidas, e apresentado por escrito à Coordenação do COP; XVIII - Poderá ser discutido, ao final de cada exercício, o presente Regimento Interno e proposições de mudanças ou emendas no todo ou em parte; XIX – indicar 6 (seis) Conselheiros(as) 3 (três) titulares e 3 (três) suplentes com 4 (quatro) representantes do Governo 2 (dois) titulares e 2 (dois) suplentes para integrarem a Comissão de Ética do COP, a qual analisará as situações de quebra do RI (Regimento Interno). XX – Criar comissão para estudar uma nova divisão administrativa do OP, mantendo as 17 (dezessete) regiões, mas buscando maior eqüidade no que se refere ao número de bairros por Região. CAPÍTULO IV Da organização interna SEÇÃO 1ª Das Reuniões: Artigo 12 - Para instalação da reunião do COP será necessário o quorum de 1/2 (metade) mais 1 (uma) das 23 (vinte e três) Regiões e Temáticas existentes ou de 1/2 (metade) mais um dos 46 (quarenta e seis) Conselheiros(as) eleitos computadas as presenças de titulares ou suplentes no exercício da titularidade. Para as deliberações ou encaminhamentos do COP serão adotados os mesmos critérios para a verificação de quorum. As decisões serão por maioria simples. Parágrafo Único - As votações serão por contraste com manifestação através de mão estendida. Só será permitida a votação nominal mediante solicitação de um Conselheiro(a) do COP. Artigo 13 - O COP fará uma reunião ordinária semanal, sendo esta às terças-feiras com uma duração de 3 (três) horas no seguinte horário, das 18:00h (dezoito) às 21:00h (vinte e uma) reservando as quintas-feiras para extraordinária, caso necessário. Artigo 14 - Uma das reuniões ordinárias mensais do COP, deverá se realizar sem a participação do Governo na Coordenação dos trabalhos, com caráter de avaliação e desenvolvimento do processo etc. Serão computadas as presenças e faltas. Artigo 15 - O Governo deverá responder aos Conselheiros(as) das Regiões e Temáticas às questões levantadas pelos mesmos no período de comunicações das reuniões num prazo de 2 (duas) semanas a contar da data da solicitação, ou seja, 3 (três) reuniões ordinárias. Artigo 16 - As reuniões do COP são públicas, sendo permitida a livre manifestação dos titulares e suplentes presentes sobre assuntos em pauta, respeitada a ordem da inscrição, que deverá ser requerida à coordenação dos trabalhos. Os(As) Conselheiros(as) inscritos(as) não poderão receber mais de uma cedência. § primeiro - O COP poderá deliberar por conceder o direito a voz para outros presentes, através de votação específica na reunião em curso, apenas no período de comunicação e informes. § segundo - No início das reuniões ordinárias do COP é reservado um período das 18:00h (dezoito) às 19:00h (dezenove) para comunicações e informes (exceto questionamentos ao Governo Municipal) com um tempo máximo de 2 (dois) minutos para cada intervenção dos inscritos. Poderão ter apenas uma cedência. § terceiro - O Governo terá, dentro do período de comunicação e informes, 10 (dez) minutos para manifestações e a Coordenação mais 10 (dez) minutos. § quarto - O Conselheiro(a) ou representante do Governo presente nas reuniões em que seu nome for citado de forma desabonadora terá direito à réplica de 2 (dois) minutos. Em hipótese alguma, haverá tréplica para não prejudicar os trabalhos. § quinto - A coordenação dos trabalhos terá um prazo de 15 (quinze) dias ou 5 (cinco) reuniões somadas (ordinárias e extraordinárias) para apresentar respostas dos questionamentos feitos ao Governo e à Coordenação do COP, podendo os mesmos responder até a 6ª (sexta) reunião se necessário, avaliando a urgência para submeter à Plenária para providências. Artigo 17 - Só terá direito a voto os(as) Conselheiros(as) titulares ou suplentes no exercício da titularidade. SEÇÃO 2ª

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Da Coordenação: Artigo 18 - A Coordenação do COP será composta por 4 (quatro) membros do Governo, sendo 2 (dois) titulares e 2 (dois) suplentes, 8 (oito) Conselheiros(as) do COP, sendo 4 (quatro) titulares e 4 (quatro) suplentes, mais o Secretário(a) Executivo(a) do COP. Parágrafo único - A Coordenação deverá ser eleita a partir da 4ª (quarta) reunião do COP. Artigo 19 - A Coordenação do COP, deverá propor no início do processo de discussão do Plano de Governo e Orçamento, uma metodologia adequada para proceder ao estudo da Peça Orçamentária e levantamento das prioridades da comunidade, bem como o cronograma de trabalho. Artigo 20 - À Coordenação do COP compete: a) Acompanhar a execução das receitas e das despesas públicas, definindo parâmetros ou critérios para tal. Além disso, todo projeto de reforma tributária deverá ser avaliado pela Coordenação, que apresentará parecer para deliberação do COP. Para estas atribuições, poderá a Coordenação buscar assessoria técnica externa; b) Convocar e coordenar as reuniões ordinárias e extraordinárias do Conselho. A coordenação das reuniões do Conselho deverá ser efetuada em rodízio entre os representantes do Governo e os Conselheiros(as) do COP; c) Convocar os membros do Conselho para se fazerem presentes às atividades necessárias para o desempenho do mesmo, dando-lhes conhecimento prévio da pauta; d) Agendar o comparecimento dos órgãos do Poder Público Municipal, quando a matéria em questão exigir; e) Encaminhar junto ao Executivo Municipal as deliberações do COP; f) Conhecer, cumprir e fazer cumprir o presente Regimento Interno; g) Coordenar e planejar as atividades do COP; h) Discutir e propor as pautas e o calendário mensal das reuniões ordinárias, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias; i) Reunir-se em seção ordinária uma vez por semana. j) Prestar contas ao COP de suas atividades, mensalmente; k) Apreciar e mediar conflitos nas Regiões e Temáticas referentes a divergências quanto à priorização de obras, serviços e diretrizes políticas; l) Apresentar ao plenário do COP, todas as obrigações contidas neste Regimento em conformidade com o que prevê o ciclo do OP, cumprindo-se e fazendo cumprir este diploma legal; m) Respeitar e fazer respeitar a soberania das Plenárias Regionais e Temáticas no que concerne às suas deliberações, desde que as mesmas não firam o presente Regimento Interno; n) Havendo algum tipo de recurso sobre deliberações, junto ao COP, a Plenária poderá encaminhar a solução e remeter à mesma (Região ou Temática), que deverá acatar; o) Apresentar mensalmente a freqüência e a situação dos membros da Coordenação do COP. Artigo 21 - Será substituído o Conselheiro(a) da Coordenação do COP que atingir 8 (oito) faltas consecutivas ou alternadas não justificadas. A substituição se dará por nova eleição. Parágrafo Único – Será justificado apenas as faltas em que o Conselheiro(a) apresentar boletim ou atestado médico. Este deverá ser apresentado na reunião subseqüente até o término da mesma. SEÇÃO 3ª Da Secretaria Executiva: Artigo 22 - A Secretaria Executiva será mantida pela Administração Municipal, através da Secretaria de Coordenação Política e Governança Local, devendo fornecer meios adequados para o registro das reuniões. Artigo 23 - São atribuições do(a) Secretário(a) Executivo(a): a) Elaborar a ata das reuniões do Conselho e apresentá-la na reunião posterior aos Conselheiros(as); b) Realizar o controle de freqüência nas reuniões do Conselho, informando à Coordenação do COP mensalmente para análise e providência; c) Organizar o cadastro dos(as) Conselheiros(as) das Regiões e Temáticas; d) Fornecer aos Conselheiros(as) cópias dos editais de licitação das obras com local e data de abertura dos envelopes com as propostas; e) Organizar e manter toda a documentação e informação do Conselho, proporcionando acesso aos Conselheiros(as); f) Fornecer apoio material (cópias xerox, correspondências etc.) ao trabalho dos Conselheiros(as); g) Divulgar os vencedores dos Editais de demandas constantes do Plano de Investimentos; h) Entregar, quando solicitado, cópias dos contratos das demandas constantes do Plano de Investimento, efetuados entre os contratados e a Administração Municipal; i) Receber dos Centros Administrativos Regionais (CARs) e Coordenadores Temáticos (CT‘s) a relação de seus Delegados(as ); j) Encaminhar à coordenação dos trabalhos a relação dos visitantes (estrangeiros, estudantes, pesquisadores, convidados, etc.) durante a reunião para que as representações sejam anunciadas. SEÇÃO 4ª

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Dos(as) Conselheiros(as): Artigo 24 - O (a) Conselheiro(a) titular que se ausentar das reuniões do COP por 5 (cinco) reuniões consecutivas ou alternadas sem justificativa será jubilado e substituído(a) pelo suplente que passará a ter titularidade no Conselho. Em caso de não haver suplentes para assumir, será substituído(a), em Assembléia da Região ou Temática, onde fora eleito. § primeiro - Quando o(a) Conselheiro(a) entrar em licença médica para um período superior a 2 (duas) reuniões ordinárias, assume o suplente imediatamente até o retorno do Conselheiro(a) titular, que reassume o cargo. § segundo – Será justificado apenas a falta em que o Conselheiro(a) apresentar boletim ou atestado médico. Estes deverão ser apresentados na reunião subseqüente ao término da mesma. § terceiro - A Região, Temática ou Entidade (UAMPA e SIMPA) que não se fizer presente por seus Conselheiros(as) titulares em 5 (cinco) reuniões consecutivas ou alternadas, deverá realizar nova escolha dos seus Conselheiros(as) titulares em Assembléia Geral, convocada e coordenada pelo COP, através da Coordenação. § Quarto - A justificativa para falta(s) deverá ser por escrito, assinada pelos outros Conselheiros(as) da Região ou Temática e dirigida à Coordenação do COP. O prazo para apresentação é de 2 (duas) semanas, a contar da falta. Havendo cancelamento ou adiamento de reuniões da 2ª (segunda) semana, o prazo correspondentemente será ampliado. § Quinto - Não poderá ser considerado falta, as reuniões de Comissões, Plenárias e debates do COP, Conselheiros(as), Delegados(as) - cegos(as) e surdos(as) se estes não contarem com o auxilio de um profissional intérprete de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e material em Braile, bem como a acessibilidade universal. Não se consignará falta aos Conselheiros(as) ou Delegados(as) PCDs ou PCRMs em qualquer atividade do OP se o local desta reunião não contar com os requisitos referidos no artigo 10. § Sexto - Independentemente da justificativa, cabe ao Conselheiro(a) titular notificar seu suplente para que este o represente, quando a previsão da ausência ultrapassar a uma reunião. Da mesma forma, será necessário comunicar ao COP esta substituição. Artigo 25 - São Direitos dos Conselheiros(as): a) Votar e ser votado em eleições de representação do Conselho; b) Participar com direito a voz e voto nas reuniões do COP, nas Plenárias e reuniões da sua Região ou Temática; c) Exigir o cumprimento das resoluções e decisões tomadas pelo COP; d) Participar de cursos de qualificação para Conselheiros(as) promovidos pela SMCPGL nas diversas áreas do interesse social levando em conta as sugestões dos demais Conselhos; e) Solicitar esclarecimentos e retorno sobre temas e demandas, investimentos, serviços, ações do Governo que suscitem dúvidas de interesse de sua Região ou Temática. Estas solicitações deverão ser por escrito em duas vias que serão entregues à Coordenação dos trabalhos; f) O Conselheiro(a) Temático poderá ser Delegado(a) em apenas um fórum Regional; g) O Conselheiro (a) Regional poderá ser Delegado(a) em apenas um fórum Temático. Artigo 26 - São deveres dos(as) Conselheiros(as): a) Conhecer, cumprir e fazer cumprir o presente Regimento Interno; b) Comparecer às reuniões e Plenárias convocadas pelo COP e/ou Regiões e Temáticas; c) Informar nos Fóruns Regionais e Temáticos do processo de discussão em realização no COP e colher sugestões e/ou deliberações por escrito; d) Participar de Seminário de qualificação do COP visando sua qualificação no conhecimento do Ciclo do Orçamento Participativo e do Orçamento Público; e) Informar aos demais Conselheiros(as) com antecedência quando de sua ausência de alguma reunião ou Assembléia; f) Manter e respeitar as decisões anteriores do fórum de Delegados(as), em relação às demandas Regionais, Temáticas e da Cidade, observando que, as ordens de prioridades não serão passíveis de alterações posteriores, pelos Conselheiros(as) e pelo Governo. Artigo 27 - Na ausência do(a) Conselheiro(a) titular o(a) Conselheiro(a) suplente assumirá automaticamente com direito a voto. Artigo 28 - Os(As) Conselheiros(as) perderão seus mandatos nos seguintes casos: a) Por renúncia que deverá ser encaminhada por escrito ao fórum de Delegados, COP ou GEOP (Gerência do OP) com a data e assinatura; b) A revogação do mandato dos Conselheiros(as), dar-se-á em reunião ordinária do fórum, por deliberação de 2/3 (dois terços) dos Delegados(as) eleitos(as) da Região ou Temática, desde que o motivo seja justificado e comprovado após duas reuniões do fórum referido, tendo como pauta única e intervalo de 30 (trinta) dias. SEÇÃO 5ª Das Comissões: Artigo 29 - Da Composição e função das Comissões Tripartite:

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a) Tripartite I - Política de Pessoal - composta por representantes do COP e Governo (SMA, SMF, GPO) com a função de discutir o ingresso de pessoal na PMPA. b) Tripartite II – Políticas de Educação - composta por representantes do COP, CME (Conselho Municipal de Educação), CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente) e Governo (SMED, GPO, SMCPGL) com a função de acompanhar e avaliar as demandas na área de Educação. c) Tripartite III - Políticas de Assistência Social - composta por representantes do COP, CMAS (Conselho Municipal de Assistência Social), CMDCA e Governo (FASC, GPO, SMCPGL) com a função de discutir e sugerir critérios de conveniamento NASF, SASE (Serviço de Atendimento Sócio Educativo) e Trabalho Educativo, acompanhar e avaliar os convênios já existentes. d) Tripartite IV - Políticas de Saúde composta por representantes do COP, CMS (Conselho Municipal de Saúde) e Governo (SMS, SMCPGL, GPO) com a função de discutir e sugerir critérios de conveniamento de UBS (Unidade Básica de Saúde), bem como acompanhar e avaliar os convênios já existentes, visando qualificar os serviços de saúde na cidade. Caberá a esta comissão discutir políticas bem como fiscalizar os serviços já existentes e emitir parecer em toda rede Municipal de Saúde de POA; e) A Tripartite I - Será composta por: 3 (três) representantes do COP e 3 (três) representantes do Governo; f) A Tripartite II - Será composta por: 3 (três) representantes do COP, 1 (um) representante do CME, 1 (um) representante do CMDCA e 3 (três) representantes do Governo; g) A Tripartite III - Será composta por: 3 (três) representantes do COP, 1 (um) representante do CMAS, 1 (um) representante do CMDCA e 3 (três) representantes do Governo; h) A Tripartite IV - Será composta por: 3 (três) representantes do COP, 1 (um) representante do CMS e 3 (três) representantes do Governo. Parágrafo único: Os representantes do governo nas tripartites não terão direito a voto, apenas a voz. TÍTULO II Regras Gerais do Orçamento Participativo CAPÍTULO I Dos Fóruns Regionais e Temáticos do Orçamento Participativo: Artigo 30 - Os Fóruns Regionais e Temáticos do Orçamento Participativo são compostos por Delegados(as) e Conselheiros(as), escolhidos conforme a Assembléia Regional ou Temática. Artigo 31 - As Regiões e Temáticas definirão o número de seus Delegados(as) na Assembléia na seguinte proporção: 1 (um)(a) Delegado(a) para cada 10 (dez) participantes dentre aqueles devidamente identificados nas listas de presença no dia da Assembléia. § Primeiro: Os participantes da Assembléia deverão se identificar na lista de presenças, indicando a comunidade, associação ou segmento a qual pertence, para que a partir da correta identificação possa ser definido pelo critério da proporcionalidade qual o número exato de Delegados(as) que terá cada comunidade (Associação, Cooperativa ou segmento) participante da Assembléia Regional ou Temática. § segundo: Para o credenciamento nas Assembléias Regionais e Temáticas, o Governo deverá providenciar toda a estrutura, recursos humanos e materiais para o cadastramento, garantindo o comprovante de inscrição ao cidadão e a cidadã. § Terceiro: Os Fóruns Regionais e Temáticos reunir-se-ão quinzenalmente ou mensalmente em local, adequado e com infra-estrutura para atender os Delegados(as), Conselheiros(as) e representantes do Governo. CAPÍTULO II Dos(as) Delegados(as): Artigo 32 - São atribuições dos(as) Delegados(as): a) Conhecer, cumprir e fazer cumprir o presente Regimento Interno; b) Participar das reuniões organizadas pelos Conselheiros(as) nas Regiões ou Temáticas; c) Apoiar os(as) Conselheiros(as) na informação e divulgação para a população dos assuntos tratados no COP; d) Acompanhar o Plano de Investimentos, desde a sua elaboração até a conclusão das obras; e) Compor as Comissões Temáticas (exemplo: Saneamento, Habitação e Regularização Fundiária) com o objetivo de debater a construção de Diretrizes Políticas. As comissões Temáticas poderão desdobrar-se em Comissões de acompanhamento de obras; f) Propor e discutir os critérios para seleção de demandas nas micro-regiões e Regiões da Cidade e Temáticas, tendo como regra geral os critérios aprovados pelo COP; g) Participar das Comissões de Fiscalização e Acompanhamento de obras, desde a elaboração do projeto, licitação, até sua conclusão; i) Encaminhar demandas das suas comunidades em prazo determinado pelo fórum de Delegados(as), Regional ou Temático; j) Votar e defender interesse comum em nome dos(as) demais Delegados(as) de sua comunidade; k) Votar as propostas de pauta e demandas do Orçamento Participativo; l) O cidadão poderá ser Delegado em apenas uma Região no mesmo mandato e/ou Temática;

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m) Apreciar, emitir opinião, posicionar-se a favor ou contra, alterar no todo ou parte a proposta do PI (Plano de Investimento) referente às Obras e Serviços. Artigo 33 - É direito participar de cursos de qualificação para Delegados(as) promovidos pela SMCPGL. Artigo 34 - Não poderá ser Delegado(a) titular ou suplente aquele que já tiver assento em outro Conselho, exercer mandato eletivo, cargo em comissão, assessor político seja no Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário, nas esferas Municipal, Estadual e Federal, salvo se renunciar ao referido mandato, cargo ou função. CAPÍTULO III Do Processo: Artigo 35 - Anualmente, até 20 (vinte) de abril, o Município deverá efetuar a Prestação de Contas do Plano de Investimentos (obras e atividades definidas no exercício anterior), bem como a realização do Orçamento do Município do ano anterior (Despesas X Receitas) nas Reuniões Preparatórias Regionais e Temáticas. Artigo 36 - Fica o Executivo obrigado a dar abertura ao processo de discussão anual da peçaOrçamentária e do Plano de Governo até 15 (quinze) de abril de cada exercício anterior, ou seja, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias antes de enviar a proposta da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) à Câmara Municipal de Vereadores. Artigo 37 - A proposta de Orçamento anual, que será apresentada pelo Executivo, deverá ocorrer em final de Agosto ou na 1ª (primeira) semana de Setembro para ser apreciada. Artigo 38 - As resoluções aprovadas serão encaminhadas ao Executivo que as acolherá ou vetará no todo ou em parte. § primeiro - Vetada a resolução, a matéria retorna ao COP para nova apreciação ou votação. § segundo - A rejeição do veto somente ocorrerá por decisão mínima de 2/3 (dois terços) dos votos dos membros do COP. Artigo 39 - Nas Regiões e Temáticas as obras Institucionais, que para sua implementação exigirem recursos orçamentários próprios, ou financiamento de Organismos Nacionais ou Internacionais, deverão ser apresentados previamente ao COP para apreciação e/ou votação para acompanhamento quando da sua apresentação e debate com a comunidade diretamente interessada. Artigo 40 - A Prefeitura Municipal não poderá iniciar a execução do Plano de Investimentos do ano seguinte, sem que antes emita um relatório sobre as demandas eventualmente pendentes, justificando sua não execução. Artigo 41 - Antes do lançamento de uma licitação referente à obra demandada, pelo Orçamento Participativo, o respectivo responsável técnico da PMPA pela obra deverá fazer contato com os(as) Conselheiros(as) da Região ou Temática demandante, para acionar a Comissão de Obras e realizar a 1ª (primeira) reunião de conhecimento detalhado do projeto, estabelecendo a rotina de acompanhamento da obra. Artigo 42 - O órgão que não obedecer às regras do Regimento do Orçamento Participativo, deverá ser convocado pelo COP, para apresentar justificativas. Esta atitude contra o processo do Orçamento Participativo deve passar por uma avaliação do COP, caso não haja o comparecimento deverá ser levado ao conhecimento do Prefeito, por escrito e assinado pelos Conselheiros (as). Artigo 43 - Os termos de recebimento, provisório e/ou definitivo, somente serão lavrados com parecer favorável, por escrito, da Comissão de obras e de um dos(as) Conselheiros(as) da respectiva Região ou Temática. Isto não ocorrendo, a PMPA não poderá dar como concluída a obra. Artigo 44 - As Secretarias e Departamentos deverão promover uma análise técnica prévia, da viabilidade de execução das demandas, para posterior hierarquização, a fim de que não haja erro na hierarquização das mesmas. Parágrafo único: Comprovada a inviabilidade técnica de uma demanda Regional ou Temática, levar-se-á para uma apreciação do referido fórum (Regional ou Temático), com a convocação dos demandantes por escrito. Caso se esgotem todas as possibilidades de execução, será contemplada a demanda seguinte. Artigo 45 - Será garantido a diplomação aos Conselheiros(as) do Orçamento Participativo, na Assembléia Municipal. CAPÍTULO IV Do(a) Coordenador(a) Regional do Orçamento Participativo e Coordenador(a) Temático(a): Artigo 46 - Cada Região ou Temática do OP terá um(a) Coordenador(a), funcionário(a) indicado pela Prefeitura. Parágrafo único: Cada Região do OP deverá ter um CAR (Centro Administrativo Regional). Artigo 47 - São atribuições do Coordenador(a) Regional do OP (CROP) e Coordenador(a) Temático do OP (CTOP): a) Estar presente a todas as reuniões do Fórum Regional (FROP) de Delegados(as) ou Temático (FTOP); b) Colaborar com a mesa na condução dos trabalhos; c) Contribuir com subsídios e informações atualizadas no sentido de auxiliar no trabalho dos(as) Conselheiros(as); d) Informar a posição do Governo sobre assuntos de interesse da Região ou Temática; e) Informar a situação das atividades e obras de interesse das Regiões ou Temáticas; f) Os representantes do Poder Público Municipal deste artigo, e para os fins visados, terão assegurado o direito a voz, não tendo direito a voto;

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g) Prestar apoio material (cópias xerox, correspondências, etc.) ao trabalho dos(as) Conselheiros(as), acesso a terminal de computador, transporte quando necessário para avaliar demandas problemas nas comunidades, fiscalizar obras, inaugurações, participar de reuniões quando convidado pelo Governo; h) Viabilizar a lista de presença atualizada (Regional ou Temática) dos(as) Conselheiros(as) e Delegados(as) com telefone e e-mail; i) Nenhum fórum Regional ou temático poderá deliberar ou tomar decisões que firam este Regimento. Artigo 48 - Este Regimento entrará em vigor a partir das Reuniões Preparatórias do Orçamento Participativo - OP. Artigo 49 - Os casos omissos a este Regimento Interno deverão ser encaminhados a Coordenação do COP, por escrito. Discutido e aprovado no COP em 15.01.2008 18 TÍTULO III Critérios para as demandas do Orçamento Participativo Capítulo I CRITÉRIOS REGIONAIS E TEMÁTICOS 1. Os critérios Regionais e Temáticos (obedecerão as seguintes ordens de hierarquização): 1º - Prioridade da micro-região ou comunidade; 2ª - Prioridade dos Delegados(as); 3ª- Carência do serviço ou infra-estrutura; 4ª - População atingida. 1.1. Aplicação dos critérios: a) Cada Associação, Comissão de rua, etc, faz levantamento de suas necessidades; b) Em Assembléia de cada micro-região, temática, as comunidades decidem: I - Uma ordem de prioridade por tema; II - Em cada tema, as demandas hierarquizadas. c) Em Assembléia Regional ou Temática: I - Aplica-se o cálculo para verificar a hierarquização dos temas da Região ou Temática, com 17 (dezessete) temas, atribui-se notas de 17 (dezessete) a 1 (um). Na soma teremos os temas de maior índice. Pavimentação 17 Saneamento Básico (DEP) 16 Política Habitacional 15 Assistência Social 14 Saúde 13 Saneamento Básico (DMAE) 12 Educação 11 Iluminação Pública (DIP) 10 Circulação, Transporte e Mobilidade Urbana 09 Áreas de Lazer 08 Esporte e Lazer 07 Cultura 06 Desenvolvimento Econômico 05 Juventude 04 Saneamento Ambiental 03 Turismo 02 Acessibilidade e Mobilidade Urbana 01 Política Habitacional 17 Saneamento Básico (DEP) 16 Pavimentação 15 Saneamento Básico (DMAE) 14 Assistência Social 13 Educação 12 Saúde 11 Iluminação Pública (DIP) 10 Circulação, Transporte e Mobilidade Urbana 09 Desenvolvimento Econômico 08 Áreas de Lazer 07 Cultura 06 Turismo 05

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Esporte e Lazer 04 Saneamento Ambiental 03 Juventude 02 Acessibilidade e Mobilidade Urbana 01 Política Habitacional 17 Educação 16 Pavimentação 15 Saneamento Básico(DEP) 14 Assistência Social 13 Saneamento Básico (DMAE) 12 Saúde 11 Iluminação Pública (DIP) 10 Circulação e Transporte 09 Cultura 08 Esporte e Lazer 07 Áreas de Lazer 06 Desenvolvimento Econômico 05 Saneamento Ambienta 04 Turismo 03 Juventude 02 Acessibilidade e Mobilidade Urbana 01 20 1.2. - Como hierarquizar as obras em cada tema: a) Considera-se primeiramente o critério Prioridade (como exemplo cita a pavimentação): I - A 1ª (primeira) rua a ser pavimentada dentro da hierarquia da Região será da micro, temática ou comunidade que selecionou a pavimentação em 1º (primeiro) lugar, a 2ª (segunda) rua será da que selecionou em 2º (segundo) lugar e assim sucessivamente; II - Em caso de empate, ou seja, duas micros ou comunidades selecionarem o tema em questão em 1º (primeiro) lugar, aplica-se o segundo critério, que é a prioridade dos Delegados(as); III - Persistindo o empate usa-se o terceiro critério o de Carência do Serviço ou infra-estrutura. Persistindo o empate utiliza-se o critério população atingida, em último caso, persistindo o empate, utilizam-se critérios específicos para cada tema. 2. Para Pavimentação: • Acesso à Escola; • Linhas de ônibus; • Acesso à Posto de Saúde; • Vias de abastecimento; • Vias interbairros. Capítulo II CRITÉRIOS GERAIS PARA DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS ENTRE AS REGIÕES E TEMÁTICAS 1. Nas Assembléias Regiões e Temáticas: a) Os participantes escolherão as 4 (quatro) primeiras prioridades dentre os 17 (dezessete) Política Habitacional 49 pontos Pavimentação 47 pontos Saneamento Básico (DEP) 46 pontos Assistência Social 40 pontos Educação 39 pontos Saneamento Básico (DMAE) 38 pontos Saúde 35 pontos Iluminação Pública 30 pontos Circulação e Transporte 27 pontos Áreas de Lazer 21 pontos Cultura 20 pontos Desenvolvimento Econômico 18 pontos Esporte e Lazer 18 pontos Saneamento Ambiental 10 pontos Turismo 10 pontos Juventude 08 pontos

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Acessibilidade e Mobilidade Urbana 03 pontos temas existentes (Saneamento Básico-Drenagem e Dragagem; Saneamento Básico – Água e Esgoto Cloacal; Habitação; Pavimentação; Circulação e Transporte; Saúde; Assistência Social; Educação; Áreas de Lazer; Esporte e Lazer; Iluminação Pública; Desenvolvimento Econômico; Cultura; Saneamento Ambiental; Acessibilidade e Mobilidade Urbana; Juventude e Turismo); b) São atribuídas notas às prioridades de cada Região ou Temática: PRIORIDADE NOTA Primeira.............................................................................04 Segunda ............................................................................03 Terceira .............................................................................02 Quarta................................................................................01 c) Somando-se as notas de todos participantes, chega-se às 4 (quatro) primeiras prioridades da Região ou Temática; d) Somente as 4 (quatro) primeiras prioridades da Região ou Temática, serão as que receberão recursos com exceção do DMAE que possui critérios próprios: Ex: Os recursos de Pavimentação serão divididos pelas Regiões e Temáticas que priorizarem o tema entre as 4 (quatro) primeiras prioridades; e) A divisão dos recursos se dará através da soma dos 3 (três) critérios abaixo; f) Quando houver empate entre as 3 (três) primeiras prioridades Regionais e Temáticas, o critério de desempate será o da maior participação nas Assembléias Regionais e Temáticas. POPULAÇÃO TOTAL DA REGIÃO PESO 2 Até 25.000 habitantes ...............................................nota 01 De 25.001 a 45.000 habitantes.................................nota 02 De 45.001 a 90.000 habitantes.................................nota 03 Acima de 90.001 habitantes......................................nota 04 Obs: Fonte de dados do IBGE. CARÊNCIA DO SERVIÇO OU INFRA-ESTRUTURA PESO 4 De 0,01% a 14,99% ..................................................nota 01 De 15% a 50,99% .....................................................nota 02 De 51% a 75,99% .....................................................nota 03 De 76% em diante ....................................................nota 04 PRIORIDADE TEMÁTICA DA REGIÃO PESO 5 Quarta prioridade ......................................................nota 01 Terceira prioridade ....................................................nota 02 Segunda prioridade...................................................nota 03 Primeira prioridade....................................................nota 04 22 DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos): Em virtude da complexidade técnica para obras, instalação ou ampliação da rede de água e esgoto serão utilizados critérios específicos previstos nos critérios técnicos aprovados pelo COP. SMED (Secretaria Municipal de Educação): A prioridade Temática Educação, caso seja escolhida entre as 4 (quatro) primeiras prioridades da Região ou Temática, terá a distribuição dos recursos conforme os critérios gerais condicionada a conclusão das obras em andamento e à repercussão financeira decorrente de acréscimos de pessoal. SMS (Secretaria Municipal de Saúde): A prioridade Temática Saúde, caso escolhida entre as 4 (quatro) primeiras prioridades da Região ou Temática, terá a distribuição dos recursos conforme os critérios gerais, condicionada à conclusão das obras em andamento, as necessidades criadas a partir da municipalização da saúde e à repercussão financeira decorrente de acréscimos de pessoal. Investimentos com Recursos de Financiamentos: No caso de recursos provenientes de financiamento, a sua utilização para atender demandas das Regiões, Temáticas e toda Cidade estará condicionada às exigências do órgão financiador, à natureza das obras, à existência de projetos e de situação fundiária regular.

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Capítulo III TEMAS REGIONAIS SANEAMENTO BÁSICO (DMAE/DEP) 1. DMAE (Água e Esgoto Cloacal): 1.1. Rede de Água; 1.2. Rede de Esgoto Cloacal 2. DEP (Esgoto Pluvial – micro e macro drenagem/dragagem): 2.1. Esgoto Pluvial (micro e macro drenagem); 2.2. Arroios e cursos d’água (drenagem e dragagem); 2.3. Programa de Educação Ambiental (Arroio não é valão). HABITAÇÃO (DEMHAB) I) REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANÍSTICA 1. PRF - Programa de Regularização Fundiária: 1.1. Levantamento Topográfico e Cadastral; 1.2. Urbanização de Vilas; 1.3. Construção de Unidades Habitacionais nas Vilas do PRF (Programa de Regularização Fundiária); 1.4. Loteamentos Irregulares e Clandestinos. II) PRODUÇAO HABITACIONAL 1. Programa de Reassentamento; 1.1. Da distribuição do loteamento; 2. Programa de Ajuda Mútua – Mutirão. PAVIMENTAÇÃO (SMOV) 1. PAVIMENTAÇÃO (Obras e Viação): • Pavimentação de Vias, incluindo abertura de ruas, estradas e calçadões; • Construção e reformas de escadarias, passarelas, pontilhões e derivados da pavimentação etc. EDUCAÇÃO (SMED) 1. EDUCAÇÃO INFANTIL – 0 (zero) a 6 (seis) anos: 1.1. Convênio Creches Comunitárias: • Aumento de metas; • Reconstrução reforma e Ampliação de Creches Comunitárias; • Construção de Creches Comunitárias; • Recuperação reforma e reconstrução de Escolas Infantis da RME (Rede Municipal de Ensino). 2 . ENSINO FUNDAMENTAL: • Ampliação reforma e reconstrução de Escolas de Ensino Fundamental; • Construção de Escolas de Ensino Fundamental. 3. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: • Programa EJA (Educação de Jovens e Adultos); • Projeto MOVA (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos). 4. EDUCAÇÃO ESPECIAL: • Adaptação de Espaço Físico para atendimento dos portadores de necessidades educativas especiais. ASSISTÊNCIA SOCIAL (FASC) 1. ATENDIMENTO CRIANÇA E ADOLESCENTE: • SASE (Serviço de atendimento Sócio Educativo); • Trabalho Educativo e Educação Social; • Abrigagem; • Centros de Juventude. 2. ATENDIMENTO À POPULAÇÃO ADULTA: • Plantão Social; • Construção e Reforma de Abrigos; • Casas de Convivência e Albergues etc. 3. APOIO INTEGRAL AO ATENDIMENTO DO IDOSO 4. ATENDIMENTO AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA 5. REFORMA AMPLIAÇÃO E/OU IMPLANTAÇÃO DE UNIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: • Centros módulos; • Abrigos e albergues. 6. CONSTRUÇÃO, REFORMA, AMPLIAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DOS ESPAÇOS DA COMUNIDADE UTILIZADOS PARA OS PROGRAMAS: • SASE (Serviço de atendimento Sócio Educativo) e NASF;

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• Família Cidadã; • Trabalhos Educativos, comunitários, etc. SAÚDE (SMS) 1. REFORMA, AMPLIAÇÃO E CONSTRUÇÃO: • Postos de Saúde. 2. AMPLIAÇÃO DE SERVIÇOS NA REDE BÁSICA E ESPECIALIZADA: • Ampliar e qualificar o atendimento. 3. EQUIPAMENTOS E MATERIAL PERMANENTE: • Postos de Saúde. 4. PROGRAMAS E AÇÕES INCLUINDO NO PPA (PLANO PLURIANUAL): • Receita é Saúde; • Bem Me Quer; • Carinho Não Tem Idade; • Porto Alegre da Mulher e outros. ACESSIBILIDADE E MOBILIDADE URBANA (SEACIS) 1. ACESSIBILIDADE ARQUITETÔNICA 2. URBANÍSTICA 3. TRANSPORTE 4. COMUNICAÇÃO 5. INCLUSÃO SOCIAL JUVENTUDE (SMJ) 1. DEMANDAS QUE CONTEMPLEM OS PROGRAMAS VINCULADOS A SMJ (Secretaria Municipal Da Juventude): • Gurizada Cidadã; • Juventude em Foco; • Bem-me-quer; • Lugar de Criança é na Família e na Escola, e outros. 2. AÇÕES E EVENTOS 3. GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA 4. COMUNICAÇÃO CIRCULAÇÃO, TRANSPORTE E MOBILIDADE URBANA (EPTC) 1. SOLICITAÇÕES/DEMANDAS: • Rótulas, recuo de transporte coletivo e ou área de escape para embarque e desembarque de passageiros; • Abrigos e equipamentos de sinalização; • Acessibilidade universal a fim de propiciar a participação das PCDs e PCRMs. ÁREAS DE LAZER (SMAM) 1. URBANIZAÇÃO OU REFORMA: • De praças e parques nas áreas administradas pela SMAM. 2. RECANTOS INFANTIS: • Nas áreas administradas pela SMAM. ESPORTE E LAZER (SME) 1. CAMPOS DE FUTEBOL: • Nas áreas Públicas Municipais. 2. EQUIPAMENTOS ESPORTIVOS: • Nas áreas Públicas municipais. 3. EQUIPAMENTOS DE LAZER: • Em áreas Públicas municipais. 4. REFORMA E AMPLIAÇÃO: • Dos Centros Comunitários. ILUMINAÇÃO PÚBLICA (DIP) 1. ILUMINAÇÃO PÚBLICA: • Implantação da rede de Iluminação Pública etc. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, TRIBUTAÇÃO (SMIC) 1. ABASTECIMENTO E ÁREA RURAL. 2. PROGRAMA DE OCUPAÇÃO E RENDA: • Apoio às iniciativas econômicas populares. 3. EMPREENDIMENTOS: • Apoio a empreendimentos econômicos e populares.

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TURISMO 1. TURISMO: 1.1. APOIO, URBANIZAÇÃO, REFORMA, AMPLIAÇÃO OU CONSTRUÇÃO: • A serviços e produtos turísticos; • Urbanização reforma, ampliação ou construção de equipamentos turísticos. CULTURA (SMC) 1. EQUIPAMENTOS CULTURAIS 2. ATIVIDADES DA DESCENTRALIZAÇÃO DA CULTURA 3. AÇÕES E EVENTOS DA CULTURA SANEAMENTO AMBIENTAL (DMLU) 1. ATENDIMENTO EM VILAS: • Projeto bota-fora. 2. COLETA SELETIVA: • Lixo seco e reciclável. 3. PROGRAMA DE COMPOSTAGEM: • Lixo Orgânico e resíduo. 4. REFORMA: • De Unidades de Triagem. PRIORIDADES TEMÁTICAS CIRCULAÇÃO, TRANSPORTE E MOBILIDADE URBANA 1. CIRCULAÇÃO: • Pavimentação ou reforma de vias de maior fluxo; • Duplicação e Alargamento de vias de maior fluxo. 2. TRANSPORTE E MOBILIDADE URBANA: 2.1. PROGRAMA DE MOBILIDADE E ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO: • Rótulas, recuo de transporte coletivo e ou área de escape para embarque e desembarque de passageiros. 2.2. QUALIFICAÇÃO DE TERMINAIS E PARADA SEGURA: • Abrigos e equipamentos de informação e sinalização. • Acessibilidade universal a fim de propiciar a participação das PCDs e PCRMs. 2.3. SEGURANÇA VIÁRIA: • Sinalização (placas, sinaleiras, faixas de segurança etc.) e proteções ao pedestre em vias de maior fluxo. CULTURA 1. ATIVIDADES DE DESCENTRALIZAÇÃO DA CULTURA 2. EQUIPAMENTOS CULTURAIS 3. AÇÕES E EVENTOS DA CULTURA 4. COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, E TURISMO 1. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: 1.1. GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA E QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL: • Apoio às iniciativas econômicas populares; • Incentivo a cursos de qualificação profissional, etc. 2. TRIBUTAÇÃO: 2.1. EMPREENDIMENTOS: • Apoio a empreendimentos econômicos e populares. 3. ABASTECIMENTO E ÁREA RURAL. 4. TURISMO: 4.1. APOIO, URBANIZAÇÃO, REFORMA, AMPLIAÇÃO OU CONSTRUÇÃO: • A serviços e produtos turísticos; • Urbanização reforma, ampliação ou construção de equipamentos turísticos. EDUCAÇÃO, ESPORTE E LAZER 1. EDUCAÇÃO: 1.1. EDUCAÇÃO INFANTIL – 0 (zero) a 6 (seis) anos (Convênio Creches Comunitárias): • Aumento de metas; • Reconstrução reforma e Ampliação de Creches Comunitárias; • Construção de Creches Comunitárias; • Recuperação reforma e reconstrução de Escolas Infantis da RME (Rede Municipal de Ensino).

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1.2. ENSINO FUNDAMENTAL: • Ampliação reforma e reconstrução de Escolas de Ensino Fundamental; • Construção de Escolas de Ensino Fundamental. 1.3. EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: • Programa EJA (Educação de Jovens e Adultos); • Projeto MOVA (Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos). 1.4. EDUCAÇÃO ESPECIAL: • Adaptação de Espaço Físico para atendimento dos portadores de necessidades educativas especiais. 2. ESPORTE: • Campos de Futebol (nas áreas Públicas Municipais). • Equipamentos Esportivos (nas áreas Públicas municipais). 3. LAZER: • Equipamentos de Lazer e Recreação (em Áreas Públicas Municipais); • Reforma e Ampliação dos Centros Comunitários, etc. ORGANIZAÇÃO DA CIDADE, DESENVOLVIMENTO URBANO E AMBIENTAL 1. HABITAÇÃO: 1.1. III) COOPERATIVISMO HABITACIONAL 1. Cooperativas Habitacionais de Baixa Renda (Ocupação) 2. Cooperativas Habitacionais Auto-Gestionárias (Baixa Renda) 3. Poderá ser demandado 2. SANEAMENTO BÁSICO: • Implantação da rede de água (DMAE); • Implantação da rede de Esgoto Cloacal (DMAE); • Implantação da rede de Esgoto Pluvial (DEP); • Esgoto Pluvial (micro e macro drenagem) (DEP) etc. 3. MEIO AMBIENTE. • Educação Ambiental (Arroio não é valão) (DEP); • Drenagem e dragagem de cursos d’água (DEP) etc. 4. URBANISMO: • Movimentação de terras Terraplanagem; • Implantação da rede de energia elétrica; • Implantação da rede de iluminação pública (DIP) etc. 5. SANEAMENTO AMBIENTAL SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL 1. SAÚDE: a) Construção e ampliação da Rede Especializada; b) Reforma, ampliação e construção de Postos de Saúde; c) Ampliação de serviços na rede Básica; d) Juventude; e) Acessibilidade e Mobilidade Urbana. 2. ASSISTÊNCIA SOCIAL: a) Atendimento a Criança e ao Adolescente; b) Atendimento à Família; c) Reforma, ampliação e/ou implantação de Unidades de Assistência Social; d) Atendimento à população Adulta; e) Atendimento aos Portadores de Deficiência; f) Grupos de convivência da terceira Idade; g) Juventude; h) Acessibilidade e Mobilidade Urbana. REGRAS PARA APRESENTAÇÃO DAS DEMANDAS Poderão demandar as Associações, Cooperativas, comissões de ruas, segmentos (movimentos sociais, representantes de classes, grupos religiosos etc.). Com exceção dos Conselhos e órgãos públicos, em qualquer esfera, Municipal, Estadual ou Federal. 1) GERAIS: As demandas e propostas de prioridades para a Região ou Temática serão encaminhadas, pessoalmente (por qualquer meio) ou através da Internet (via GPO e SMCPGL – sofrendo análise prévia), sendo obrigatória sua avaliação e deliberação nos fóruns de delegados do Orçamento Participativo.

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2) REGIONAIS: As Regiões poderão apresentar até 15 (quinze) demandas de obras e serviços nas suas 4 (quatro) prioridades Temáticas e até 5 (cinco) demandas nos demais temas, sendo que as mesmas deverão ser entregues no formulário fornecido pelo GPO, no dia da Assembléia Municipal, contendo: • Descrição clara da solicitação; • Localização, sendo que para obras de pavimentação e saneamento básico será imprescindível o preenchimento do mapa no verso do formulário; • Metragem estimada; • Indicação da vila e bairro no qual se localiza a demanda. 3) TEMÁTICAS: As Temáticas poderão apresentar até 15 (quinze) demandas para o eixo eleito em primeiro lugar e até 5 (cinco) demandas para os demais eixos. Capítulo IV CRITÉRIOS TÉCNICOS HABITAÇÃO - DEMHAB O programa de habitação poderá atender as propostas de: loteamentos públicos, reassentamentos e Cooperativas Habitacionais (de baixa renda) que devem ser apresentados,discutidos, analisados e aprovados nos Fóruns Regionais do OP, Temática OCDUA e COP. I) REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANÍSTICA 1. PRF - Programa de Regularização Fundiária: a) Serão admitidas no PRF as vilas localizadas em áreas situadas em próprios municipais, que admitam a utilização da CDRU, em conformidade às Leis Complementares 242, 251 e 445 ou em áreas particulares de ocupação consolidada, com posse igual ou superior a 5 (cinco) anos ininterruptos e possibilidade de usucapião; b) Não serão admitidas no PRF as vilas localizadas em área de risco, com declividade acima de 30% (trinta por cento) ou demais condições geológicas impróprias à moradia, como áreas rochosas, margens de arroios, etc; c) As vilas localizadas em áreas de preservação ambiental ou de potencial de reserva ecológica, bem como as vilas assentadas sobre o traçado do sistema viário principal, será analisado, caso a caso, pelos órgãos competentes, considerando o estabelecido no PDDUA (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental), especialmente quanto a sustentabilidade urbano-ambiental. 1.1 Levantamento Topográfico e Cadastral: a) Somente depois de atendidos os critérios estabelecidos para o ingresso no PRF (item 1, acima), poderá ser demandado o levantamento topográfico cadastral e pesquisa cartorial; b) Demandas de topografia podem ser solicitadas no OP, entretanto a prioridade é concluir o trabalho do DEMHAB nas vilas já cadastradas no Programa de Regularização Fundiária, ressaltando-se que existem limitações de capacidade técnica tanto do DEMHAB como das empresas existentes no mercado para efetuar novos levantamentos. 1.2 Urbanização de Vilas: a) Para demandar urbanização, as vilas deverão ter seu Levantamento Topográfico e Cadastral concluído ou, pelo menos, possuir demanda gravada para este fim nos Planos de Investimento. 1.3 Construção de U.H.s (Unidades Habitacionais) nas vilas do PRF: a) Só poderão demandar recursos para construção de unidades habitacionais aquelas vilas onde o processo de implantação de projeto urbanístico esteja concluído no setor demandado. 1.4 - Loteamentos irregulares e clandestinos: a) A população para demandar investimentos no Orçamento Participativo em loteamentos irregulares, clandestinos deve entrar no Processo de Regularização conforme o estabelecido pelo Decreto 11.637; b) Ao ingressar com o processo de regularização no DEMHAB (Departamento Municipal de Habitação), PGM (Procuradoria Geral do Município), SPM (Secretaria do Planejamento Municipal) a comunidade poderá solicitar também gravação da área em AEIS (Áreas Especiais de Interesse Social). II) PRODUÇÃO HABITACIONAL 1. PROGRAMA DE REASSENTAMENTO: a) Para reassentamento serão admitidos os domicílios localizados em áreas com declividade acima de 30% (trinta por cento) ou demais condições geológicas impróprias à moradia e classificadas como de risco pelo programa de Áreas de Risco; b) Os domicílios localizados em áreas de preservação ambiental ou com potencial de reserva ecológica, bem como sobre o traçado do sistema viário principal serão admitidos para reassentamento, desde que não contemplados pelo PRF; c) Famílias atingidas pela implantação do programa de urbanização de vilas; d) O município priorizará reassentamentos próximos ao local de origem e na Região dos moradores a serem reassentados;

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e) Os critérios para alocação de recursos em reassentamentos, os quais implicam na transferência de famílias residentes em áreas impróprias de uma Região para outra, estão sendo elaborados por comissão específica, cuja proposta será analisada e deliberada pelo COP. Após definição dos critérios publicaremos um anexo; 1.1. Da distribuição do loteamento: a) Toda a área que o DEMHAB comprar que seja destinado 30% (trinta por cento) para a Região que estiver recebendo as famílias reassentadas; b) A aprovação da demanda admitirá a indicação de estimativa do número de domicílios envolvidos no reassentamento, que servirá de base à elaboração de rigoroso cadastro, em conjunto com a comunidade, de acordo com os critérios de seleção aplicada à política habitacional de interesse social. c) Todo Loteamento novo, ou reassentamento que o DEMHAB fizer deverá reservar 5% (cinco por cento) para as famílias em situação de risco atendidas pela FASC, Conselho Tutelar (da Região), Comissão de Habitação (da Região) e CAR (Regional) as quais deverão analisar e indicar as famílias que devem ser beneficiadas; d) Que o Governo execute a recuperação das áreas onde houve reassentamento, evitando assim novas ocupações; e) O reassentamento das famílias deve ser feito prioritariamente em áreas da Região de origem. 2. PROGRAMA DE AJUDA MÚTUA – MUTIRÃO: a) As regiões, poderão demandar construção de unidades habitacionais em regime de mutirão auto-gestionário em parceria técnica e financeira com o DEMHAB; b) Os projetos apresentados serão analisados caso a caso por uma c omissão designada para este fim. III) COOPERATIVISMO HABITACIONAL Toda e qualquer demanda, oriunda de Cooperativas Habitacionais ou destinada a áreas de Cooperativas deverão ser via Temática(s). 1. COOPERATIVAS HABITACIONAIS DE BAIXA RENDA (OCUPAÇÃO): a) Cadastramento no Programa de Cooperativismo Habitacional do DEMHAB; b) Apresentação de documento que comprove a transferência da área ao domínio da cooperativa podendo ser admitido o contrato de promessa de compra e venda; c) Deve ter aprovado os projetos urbanísticos e o encaminhamento de aprovação dos projetos complementares de infra-estrutura; d) Participar da Plenária Temática OCDUA (Organização da Cidade, Desenvolvimento Urbano Ambiental); e) Participar das reuniões da Temática OCDUA; f)Ter renda familiar conforme legislação vigente (Decreto 14.740/2004); g) Os recursos investidos devem retornar para o Município, não podendo haver investimento a fundo perdido, e deverá cumprir-se a legislação vigente. 2. COOPERATIVAS HABITACIONAIS AUTO-GESTIONÁRIAS (BAIXA RENDA): a) Cadastramento no Programa de Cooperativismo Habitacional do DEMHAB; b) Possuir contrato de promessa de compra e venda no Cartório de Registro de Imóveis; c) Deve ter aprovado os projetos urbanísticos e o encaminhamento de aprovação dos projetos complementares de infra-estrutura; d) Participar da Plenária Temática OCDUA (Organização da Cidade, Desenvolvimento Urbano Ambiental); e) Participar das reuniões da Temática OCDUA; f) Ter renda familiar conforme legislação vigente (Decreto 14.740/2004); g) Os recursos investidos devem retornar para o Município, não podendo haver investimento a fundo perdido, e deverá cumprir-se a legislação vigente. 3. Poderá ser demandado: • Ações de regularização fundiária; • EVU (Estudo de Viabilidade Urbanística); • Assessoria técnica (engenheiro, arquiteto etc.); • Equipamentos urbanos; • Urbanização de lotes; • Urbanismo; • Saneamento Básico. • Construção de moradias. PAVIMENTAÇÃO DE VIAS - SMOV 1. PAVIMENTAÇÃO DE VIAS: Considera-se pavimentação de ruas e estradas àquela demandada no Orçamento Participativo, que inclui obras de: micro-drenagem (meios-fios, bocas-de-lobo e redes) e drenagem de estradas; pavimentação (terraplanagem e estrutura de pavimento que inclui base da rua e revestimento - concreto asfáltico ou bloco de concreto); substituição e/ou implantação de redes de água e de esgoto cloacal.

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I - Critérios: a) Largura: • A largura das ruas ou estradas deverá ser de no mínimo 10 (dez) metros, sendo 7 (sete) metros de pista e 3 (três) metros para os passeios ou acostamentos; • Em ruas em que a largura for inferior poder-se-á estudar a possibilidade de implantação de gabarito menor até o limite inferior de 4 (quatro) metros (calçadão), ressalvadas as AEIS (Áreas Especiais de Interesse Social); • Nas AEIS deverão ser respeitadas as recomendações do EVU (Estudo de Viabilidade Urbanística), ou projeto urbanístico, conforme o caso. b) Cadastramento: • O logradouro deve estar cadastrado ou previsto no traçado do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental - PDDUA. O logradouro não cadastrado deverá ser analisado pela Secretaria de Planejamento Municipal - SPM para verificação da possibilidade de seu enquadramento como via oficial; • Para ser requerida esta análise, o interessado deverá comprovar que o parcelamento com frente para a via ou que originou, ocorreu antes de 1979 (lei Federal 6766/70). Esta comprovação se dará através de contratos de compra e venda, escrituras e registros de imóveis. Este último independente da data; • Além da análise dos documentos, será verificada no local a existência de hidrômetro e relógio de luz em cada lote com frente para o arruamento; • Com estes elementos torna-se possível o estudo com base na lei complementar 140/86. Os documentos deverão ser entregues ao GPO (Gabinete de Programação Orçamentária) na etapa de análise técnica e legal das demandas até o prazo que for estabelecido por Ofício a ser encaminhado ao CROP (Coordenador Regional do Orçamento Participativo), para abertura de processo de consulta. c) Abertura de Ruas: • O Programa de Pavimentação Comunitária atenderá demandas de abertura de logradouros, desde que os mesmos não tenham impedimento de propriedade e que estejam dentro dos critérios técnicos e não tenham necessidade de macro-drenagem de reassentamento de famílias. d) Segunda pista: • Demandas de pavimentação da 2ª (segunda) pista, em ruas que já tenham recebido pavimentação na 1ª (primeira) pista, poderão ser atendidas desde que não tenham necessidade de macro-drenagem, desapropriação e reassentamento de famílias. e) Consultas: • Serão consultadas outras Secretarias se a pavimentação da rua ou estrada resultar em significativa alteração do sistema viário, abertura de nova via ou outras situações que porventura ocorram. f) Leito de rua Ocupado: • Leito de rua ocupado por residências, deverá ser demandado o reassentamento junto ao DEMHAB, antes da demanda de pavimentação. g) Desapropriação e macro-drenagem: • O programa de pavimentação comunitária não prevê desapropriações e macro-drenagem. 33 II - Condicionantes: a) No caso de necessidade de remoções de casas, cercas, muros, calçadas, postes de entrada de energia, doação de áreas, liberação de passagem de coletor de fundos da drenagem pluvial ou outros obstáculos à obra, os moradores devem se comprometer em resolver os condicionamentos. b) O termo de compromisso específico para resolução de cada problema surgido deverá ser encaminhado pela comunidade até o início do processo de contratação do projeto da obra. III - Orientações: a) Demandar preferencialmente a pavimentação de toda a rua. Se for demandado apenas um trecho, o mesmo, de preferência, não deverá ser inferior a 500 (quinhentos) metros (exceto quando o trecho corresponder a complementação da pavimentação da rua ou quando a análise técnica e legal indicar um trecho inferior) e no caso da rua possuir declive, priorizar a parte alta para evitar problemas futuros de conservação do esgoto pluvial, em decorrência da erosão do solo; b) No caso da rua possuir declividade acentuada que não permitam a pavimentação será executada a construção de escadaria; c) As obras deverão procurar o equilíbrio entre o custo e os benefícios das obras, considerando-se a densidade populacional, interligação com outras ruas dentro do sistema viário, ligações com núcleos habitacionais, etc; d) Sejam priorizadas as ruas que dão acesso a Escolas, linhas de ônibus, postos de saúde, vias de abastecimento e vias interbairros; e) Deve ser considerado o critério conjunto das obras de forma ordenada, ou seja, após demandar uma rua sejam demandadas em outros PI's as ruas adjacentes. 2. PAVIMENTAÇÃO DE VIAS (SMOV): Os investimentos poderão ser demandados em partes, particularmente quanto a muros de arrimo e obras acessórias, que quando completas no aspecto financeiro, poderão ser executadas no todo.

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Passeios: Os moradores, proprietários ou ocupantes dos respectivos terrenos devem assumir o compromisso de revestir as calçadas em frente aos imóveis beneficiados com a pavimentação comunitária para assim qualificar toda a obra e porque do contrário: • A obra como uma toda continua incompleta, ensejando mais conservação da rua e prejudicando a estética; • A água da chuva arrasta a terra dos passeios para o leito da rua e para rede pluvial (bocas de lobo e tubulações) obstruindo-as constantemente; Além de impedir o adequado funcionamento deste sistema de drenagem, gerando altos custos de conservação, reduz a via útil dos revestimentos asfálticos devido o mau funcionamento da rede pluvial, ocorre a desvalorização dos imóveis; • As calçadas pavimentadas além de valorizar os imóveis facilitam o trânsito de pessoas, principalmente, dos PCD's (Pessoas com deficiências). A Lei Complementar n. º 12 (Código de Posturas) é muito clara no artigo 28: "os proprietários de terrenos localizados em ruas com meio-fio são obrigados a executar a pavimentação do passeio fronteiro a seus imóveis e mantê-los em bom estado de conservação e limpeza". O Município terá, juntamente com as lideranças comunitárias das regiões, um programa permanente de conscientização dos proprietários ou ocupantes de terrenos sobre a necessidade e a importância de implantação e manutenção dos passeios, bem como fornecerá orientação técnica para a sua efetivação. Estradas: Para pavimentação de estradas sugerem-se os seguintes critérios: • Sejam priorizadas demandas que possuam as seguintes características: servir como via de ligação entre bairros/núcleos habitacionais, servir como escoamento da produção, possuir no seu entorno escola, posto de saúde, ter linha de ônibus regular. • No caso da estrada possuir declive, priorizar a parte alta para evitar problemas futuros de conservação do esgoto pluvial, em decorrência da erosão do solo. Pontes: As demandas de pavimentação que necessitarem de execução de ponte (nova construção ou reconstrução) terão seu custo avaliado com o seguinte critério: • Um metro de ponte equivale ao custo de 20 (vinte) metros de pavimentação, devendo, portanto a extensão da ponte ser multiplicada por 20 (vinte) para se obter a metragem total a ser descontada da metragem da Região. 3. PROGRAMA DE CONSERVAÇÃO PERMANENTE (PCP): Para receber o Programa de Conservação Permanente, a via (rua, acesso, beco, alameda, estrada) deverá atender aos critérios abaixo: • Não deve ter problemas de drenagem (alagamentos); • Deverá ter menos de 6 (seis) metros de largura, exceto nas estradas em Região de considerável densidade demográfica, para evitar a poeira, por questão de salubridade; • A Conservação permanente é aplicada com uma camada de, no mínimo, 5 (cinco) cm de concreto asfáltico sobre o saibro compactado; • A via que receber a Conservação Permanente quando o estado de deterioração tornar-se financeiramente insuportável a sua manutenção, conforme laudo técnico; • A PMPA poderá aplicar o PCP a qualquer tempo se aprovado pelo Fórum Regional ou Temático do OP, em caráter de urgência, quando for necessária por motivo de segurança viária, segurança pública e saúde pública; • As comunidades poderão solicitar o PCP através do Fórum Regionais e Temáticos do OP, quando da hierarquização das demandas; • Também poderão receber o PCP a Governança Solidária Local, as Associações de Moradores, Comissões de Rua e abaixo-assinados, através de encaminhamento aos Centros Administrativos Regionais e aprovação dos Fóruns Regionais e Temáticos; • Os recursos para o PCP serão distribuídos igualmente entre as demandas institucionais, as demandas hierarquizadas pelos FROP’s (Delegados) e as advindas de solicitação da SMGL, Conselheiros do OP, Associações de Moradores e Comissões de Rua. EDUCAÇÃO - SMED 1. EDUCAÇÃO INFANTIL, ATENDIMENTO DE 0 (ZERO) A 6 (SEIS) ANOS: I - Rede Municipal: Na reconstrução, reforma e qualificações de prédios escolares serão avaliadas as condições físicas das escolas, a partir de levantamentos e estudos técnicos definidos pela SMED, tais como, situação da edificação, disponibilidade de terreno e recursos humanos. II - Instituições de Educação Infantil (Creches Comunitárias): a) Na reconstrução/ampliação/reforma e qualificação de prédios das Instituições de Educação Infantil (Creches Comunitárias) serão avaliadas as condições físicas, a partir de levantamentos e estudos técnicos definidos pela SMED, tais como: situação da edificação, disponibilidade de terreno, com base na resolução 003/2001 do Conselho Municipal de Educação.

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b) Na construção de novas Instituições de Educação Infantil (Creches Comunitárias) ou complementação de construções inacabadas, serão considerados os seguintes critérios: c) Em regiões onde tenha terrenos disponíveis para esta construção. Os terrenos poderão ser da PMPA ou pertencente à entidade demandante, ou, em último caso, em terrenos particulares cedidos à Prefeitura, comodato por no mínimo 10 (dez) anos. • Em regiões onde a organização comunitária se comprometa em garantir condições de conveniamento, de acordo com os critérios da resolução 020/1998 do CMDCA e 003/2001 do Conselho Municipal de Educação, destacados neste Regimento. Tão logo termine a construção, as instituições serão conveniadas automaticamente, com previsão de que os 3 (três) primeiros repasses do Convênio sejam destinados a aquisição de material permanente. • Buscar parceria com iniciativas privadas ONGs Nacionais e Internacionais para atendimento em geral e construção. • Conveniamento: as instituições deverão atender os critérios expostos na resolução 020/1998 do CMDCA e 003/2001 do CME (Conselho Municipal de Educação), considerando alguns artigos imprescindíveis para a garantia da qualidade no atendimento. Além disto, deverão encaminhar o cadastramento, de acordo com a Resolução 001/2001 do CME, e a designação orientada pela Resolução 004/2001. III - Critérios (Priorização, viabilidade técnica e carência): 2. ENSINO FUNDAMENTAL: Na reconstrução, reforma e qualificação de prédios es colares serão avaliadas as condições físicas das escolas, a partir de levantamentos e estudos técnicos definidos pela SMED, tais como, situação da edificação, disponibilidade de terreno e recursos humanos. A ampliação de escolas onde houver espaço físico e alunos excedentes. I - Na construção de Escolas novas serão considerados os seguintes critérios: a) Em Regiões onde o número de alunos matriculados no Ensino Fundamental é inferior à população de 7 (sete) a 14 (quatorze) anos; b) Em Regiões que apresentam alunos excedentes devido a relocação de vilas (reassentamentos), provocando crescimento populacional na faixa etária de 7 (sete) a 14 (quatorze) anos. RESOLUÇÕES PARA OS CONVÊNIOS DE CRECHES COMUNITÁRIAS Resolução 020/98 do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente 1. DOS PRINCÍPIOS: 1.1 - Respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (toda criança é): • Sujeito de direitos civis, humanos e sociais que devem ser garantidos, com absoluta prioridade, pela família, comunidade e Poder Público; • Pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. 1.2 - Participação Comunitária: • É pressuposto fundamental em todo o processo, como forma de aprofundamento da participação popular através de Conselhos, Órgãos Regionais, Associações, Fóruns e outros órgãos/grupos, país e comunidade, em busca efetiva dos direitos de cidadania das crianças. 1.3 - Transparência e Responsabilidade: • Deve estar presente em todas as etapas, com divulgação ampla, acesso às informações e compromisso coletivo de utilização correta de recursos públicos em benefício da população infantil. 1.4 – Eqüidade: • Deve ser assegurada a igualdade de condições de acesso à creche respeitando a realidade, as diferenças e as necessidades de cada Região, no estabelecimento de prioridades municipais e hierarquização das demandas locais. 2. DO ATENDIMENTO A CRITÉRIOS: 2.1 - Do Regime e Programa de atendimento: • Estar registrada no CMDCA, com inscrição do Programa para crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos, conforme artigos 90 e 91 do ECA e credenciada no Fórum Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente com documentação correta e atualizada, realizando atendimento em Regime de Apoio Sócio-Educativo em Meio Aberto, de acordo com o Plano de Reordenamento Institucional. • Ter personalidade jurídica, com estatuto registrado, diretoria e ata, da atual gestão. 2.2 - Caracterização da Entidade: 2.2.1 - A Entidade mantenedora da creche, pessoa jurídica de direito privado, deve se enquadrar em uma das seguintes categorias: • Creche Comunitária: - Mantida por Associações de moradores, de mulheres, de bairro, Clube de Mães ou alguma outra modalidade similar; - A diretoria é eleita pela comunidade, para um período determinado, exercendo atividades sem remuneração; - Não possui fins lucrativos.

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• Creche Beneficente: - Mantida por associação de caráter religioso, assistencial, cultural ou de benemerência; - Integrada e vinculada à comunidade onde se localiza; - O responsável local (diretor, coordenador) é representante legal da diretoria, da congregação ou ordem religiosa; - Não possui fins lucrativos. • Creche Beneficente de caráter comunitário: - Mantida com apoio de associação de caráter religioso, assistencial, cultural ou de benemerência; - Integrada à comunidade onde se localiza; - A diretoria é eleita pela comunidade, com participação da mesma nos cargos de direção; - Não possuir fins lucrativos. 2.2.2 - Da atuação Comunitária da Entidade: • A entidade, através da Diretoria e associados, deve: - Participar do Movimento Popular da Região (Fóruns, Rede, OP) e, âmbito Municipal; - Viabilizar e estimular a participação dos Pais nas deliberações e atividades da creche, inclusive das normas de funcionamento; - Prestar contas à comunidade dos recursos recebidos e de sua utilização; - Apoiar as medidas de proteção dos CTs. 2.2.3 - Atuação e Compromisso da Diretoria: • A Diretoria deve responsabilizar-se pela execução do Convênio, com fiscalização do Conselho Fiscal, não podendo receber remuneração de qualquer tipo; • Prestar contas obrigatoriamente, na forma estabelecida em lei; • Aceitar e comprometer-se com os princípios, critérios e procedimentos estabelecidos, em âmbito municipal, por esta resolução. Resolução n.º 003/2001 do Conselho Municipal de Educação - CME Estabelece normas para a oferta da Educação Infantil no Sistema Municipal de Ensino de Porto Alegre. O Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre, com fundamento no Artigo 11, inciso III, da Lei Federal, n. º 9394, de 20 de dezembro de 1996 e na alínea a, do inciso I, do Artigo 10, da Lei n. º 8198, de 26 de agosto de 1998. RESOLVE: Art. 1 º- A Educação Infantil é a primeira etapa da educação básica e tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de zero a seis anos de idade, em todos os seus aspectos, complementando a ação da família e da comunidade, sendo que a sua oferta, no âmbito do Sistema de Ensino do Município de Porto Alegre, está sujeita às normas estabelecidas na presente Resolução. Art. 2º- A Educação Infantil constitui-se em ação pedagógica intencional, caracterizada pela indissociabilidade entre cuidar e educar, considerando as vivências socioculturais das crianças. Art. 3º - São consideradas como instituições de Educação Infantil todas aquelas que desenvolvem cuidado e educação de modo sistemático, por no mínimo quatro horas diárias, a dez crianças ou mais, na faixa etária de zero a s eis anos, independentemente da denominação das mesmas e, portanto, submetida a normatização pelo Sistema Municipal de Ensino. Art. 4º- Integram o Sistema Municipal de Ensino, nos termos do Artigo 18, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as instituições que oferecem Educações Infantis, mantidas e administradas: a) Pelo Poder Público Municipal; b) Pela iniciativa privada, não integrante de escolas de ensino fundamental e/ou médio. Art. 5º- A oferta regular de Educação Infantil em instituições pertencentes ao Sistema Municipal de Ensino depende de autorização de funcionamento a ser concedida pelo Conselho Municipal de Educação - CME. Parágrafo único - As instituições privadas de Educação Infantil pertencentes ao Sistema Municipal de Ensino devem, antes do credenciamento e conseqüente ato de autorização, cadastrar-se junto à Secretaria Municipal de Educação - SMED. Art. 6º- O credenciamento e o ato de autorização de funcionamento das instituições de Educação Infantil serão regulados em Resolução própria. Art. 7º - O atendimento às crianças portadoras de necessidades especiais nas instituições de Educação Infantil públicas e privadas contempla o disposto na LDBEN, no Artigo 58, e parágrafos e na Lei Federal n.º 7853/89 que prevê sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. § 1º - As mantenedoras de instituições de Educação Infantil devem oferecer assessoria especializada e sistemática, conforme cada caso específico, aos educadores responsáveis por grupos de crianças onde estão integrados portadores de necessidades especiais; § 2º - As mantenedoras de instituições de Educação Infantil serão responsáveis pela viabilização do acesso e adequação do espaço físico, mobiliário e equipamentos necessários à inclusão de crianças portadoras de necessidades especiais.

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Art. 8º- Compete à Secretaria Municipal de Educação - SMED organizar, executar, manter, administrar, orientar, coordenar e controlar as atividades ligadas à educação nas instituições de Educação Infantil que integram a Rede Pública Municipal, bem como orientar e fiscalizar as atividades das instituições educacionais privadas que integram o Sistema Municipal de Ensino. Parágrafo único - O não atendimento às exigências desta norma acarretará responsabilização das mantenedoras, prevista em Resolução própria. Art. 9º- A proposta pedagógica a ser adotada nas instituições de Educação Infantil deve observar os fundamentos norteadores apontados na Resolução CNE n.º1, de 07 de abril de 1999, quais sejam: a) Princípios Éticos da Autonomia, da Responsabilidade, da Solidariedade e do Respeito ao Bem Comum; b) Princípios Políticos dos Direitos e Deveres de Cidadania, do Exercício da Criticidade e do Respeito à Ordem Democrática; c) Princípios Estéticos da Sensibilidade, da Criatividade, da Ludicidade e da Diversidade de Manifestações Artísticas e Culturais. Art. 10 - A proposta pedagógica, ao explicitar a identidade das instituições de Educação Infantil, deve expressar a concepção de infância, de desenvolvimento infantil e de aprendizagem, abrangendo: a) A organização da ação educativa no tempo e espaço de cada instituição, a partir de atividades intencionais, estimulando a imaginação, a fantasia, a criatividade e a autonomia, bem como as formas de expressão das diferentes linguagens; b) Papel dos educadores, integrando ações de educação e cuidado de modo indissociável; c) A participação das famílias e da comunidade na sua elaboração e implementação; d) A integração entre as diversas áreas do conhecimento e aspectos da vida cidadã, numa abordagem interdisciplinar; e) A integração e o trabalho com as crianças portadoras de necessidades especiais, em conformidade com os parágrafos do Art. 7º; f) A interação entre os grupos de crianças, os adultos e o meio; g) O acolhimento e o trabalho com as diferenças de gênero, raça, etnia e religião na construção da identidade de todos os sujeitos envolvidos na ação educativa; h) O acolhimento e o trabalho com as diferentes situações socioeconômicas e com as diferentes fases de desenvolvimento físico e psicológico das crianças; i) O acesso às diferentes manifestações culturais, respeitando as suas diversas linguagens e expressões; j) O processo de avaliação visando o acompanhamento e o registro do desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. Art. 11 - O Regimento da instituição, documento que define a organização e o funcionamento da mesma, deve expressar as propostas pedagógicas, sendo ambos peças integrantes do processo de credenciamento e do ato de autorização. Art. 12 - Para atuar na Educação Infantil o professor deve ter formação em curso de licenciatura, de graduação plena, admitida como formação mínima a oferecida em nível médio na modalidade Normal. Art. 13 - Será admitida também a atuação de educador assistente tendo como formação mínima o ensino fundamental, acrescido de capacitação específica para atendimento à criança nesta faixa etária, a ser regulamentado em norma própria. Art. 14 - Da direção das instituições de Educação Infantil deve participar, necessariamente, um professor com no mínimo o ensino médio, modalidade Normal. Parágrafo único - Na composição e escolha da direção das instituições de Educação Infantil da Rede Pública Municipal fica preservado o estabelecido na Lei de Eleição Direta para Diretores. Art. 15 - Considerada a especificidade do trabalho com as crianças e a proposta pedagógica, as mantenedoras das instituições de Educação Infantil podem se assessorar de equipes multiprofissionais, por instituição ou grupo de instituições, para apoio específico aos educadores. Art. 16 - A organização dos grupos de crianças leva em consideração a proposta pedagógica e os espaços físicos, permitindo-se a seguinte relação criança/adulto e criança/professor: a) de 0 (zero) a 2 (dois) anos até 6 (seis) crianças por adulto e no máximo 18 (dezoito) crianças por professor; b) de 2 (dois) a 4 (quatro) anos até 10 (dez) crianças por adulto e no máximo 20 (vinte) crianças por professor; c) de 4 quatro) a 6 (seis) anos até 25 (vinte e cinco) crianças por adulto e no máximo 25 (vinte e cinco) crianças por professor. § 1º - Cada grupo de crianças deve ter um professor responsável que nele atue diariamente durante um turno de, no mínimo, quatro horas; § 2º - Quando a relação criança/adulto exceder aquela expressa nas alíneas a e b deste artigo, o professor deve ter suas ações compartilhadas com o educador assistente, respeitada a relação criança/adulto; § 3º - Quando a permanência de um grupo de crianças na instituição for superior a quatro horas diárias, este fica sob o acompanhamento do educador assistente, respeitada a relação criança/adulto expressa nas alíneas deste Artigo;

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§ 4º - O professor planeja as atividades a serem desenvolvidas com as crianças em conjunto com o educador assistente; § 5º - A mobilidade das crianças de um grupo para outro poderá ocorrer a qualquer época do ano mediante o acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, respeitada sua singularidade e sua convivência no grupo; § 6º - Durante todo o tempo/espaço em que as crianças permanecem sob a responsabilidade da instituição não podem, em nenhum momento, ficar sem o acompanhamento de um adulto. Art. 17 - No caso das instituições de Educação Infantil comunitárias e beneficentes de assistência social de caráter comunitário, ambas sem fins lucrativos, e filantrópicas, no mínimo um professor, por um período não inferior a quatro horas diárias, durante cinco dias na semana, deve ser o responsável pela orientação e acompanhamento das ações dos educadores a serem desenvolvidas com as crianças. Parágrafo único - A possibilidade prevista no caput deste Artigo está vinculada ao período de transição necessário para a adequação das instituições de Educação Infantil do Sistema Municipal de Ensino às exigências constantes na LDBEN. Art. 18 - As mantenedoras de instituições de Educação Infantil que possuem em seus quadros educadores sem a formação mínima exigida em lei e nesta Resolução devem, independentemente do nível de escolaridade destes, viabilizar a complementação da formação de seus profissionais. Art. 19 - Os espaços físicos das instituições de Educação Infantil, onde se desenvolvem as atividades de cuidado e educação, devem: I - Priorizar o convívio das crianças e educadores num ambiente amplo, tranqüilo e aconchegante; II - Possibilitar a flexibilização, a construção coletiva e a organização dos ambientes, permitindo novas experiências, atividades individuais ou em grupos, liberdade de movimentos, desenvolvimento da autonomia e acesso a situações de aprendizagens através do jogo e da brincadeira; III - Conter mobiliários adequados às atividades pedagógicas em tamanho e quantidade proporcional à faixa etária das crianças e que não se constituam enquanto obstáculos, nem insegurança para a liberdade de ações; IV - Garantir acessibilidade às crianças portadoras de deficiência; V - Permitir modificações na construção do ambiente pela disposição e uso do mobiliário, estimulando a criatividade e a reconstrução permanente deste espaço; VI - Disponibilizar brinquedos, jogos e objetos próprios à fase de desenvolvimento das crianças, em número suficiente e em locais de fácil alcance, que possam ser manuseados sem perigo; VII - Oferecer espaço externo próprio ou da comunidade que contenha equipamentos adequados ao desenvolvimento das habilidades motoras das crianças, onde seja possível a exploração de elementos naturais em espaços livres, ensolarados, sombreados, arborizados, gramados, de chão batido ou com pis o adequado; VIII - Oferecer ambientes em condições permanentes de higiene, saúde e segurança. Art. 20 - Todo o imóvel destinado à Educação Infantil, pública ou privada, depende de aprovação pelos órgãos oficiais competentes. § 1º - O prédio deve estar adequado ao fim a que se destina e atender às normas e especificações técnicas da legislação pertinente; § 2º - O imóvel deve apresentar condições adequadas de localização, acesso, segurança salubridade, saneamento e higiene, em total conformidade com a legislação que rege a matéria; § 3º - As dependências destinadas à Educação Infantil não podem ser de uso comum com domicílio particular ou estabelecimento comercial. Art. 21 - As instituições de Educação Infantil devem conter espaços construídos ou adaptados, conforme suas especificidades de atendimento, que contemplem: I - Sala para atividades pedagógicas, administrativas e de apoio; II - Salas de atividades para os grupos de crianças, com iluminação e ventilação adequadas, visão para os ambientes externos, mobiliários e materiais pedagógicos apropriados às faixas etárias; III - Equipamentos e utensílios adequados à conservação de alimentos e dependências destinadas ao armazenamento e preparo destes, que atendam às exigências de nutrição, nos casos de oferecimento de refeição; IV - Instalações sanitárias completas, de tamanho apropriado e suficientes para o número de crianças, preferencialmente situadas próximas às salas de atividades, com ventilação direta, não devendo as portas conter chaves e trincos; V - Sanitários em número suficientes e próprios para os adultos, preferencialmente com chuveiro; VI - Berçário para o atendimento de crianças de zero a dois anos provido de berços e/ou colchonetes revestidos de material impermeável, com local para higienização, pia, água corrente fria e quente e balcão para troca de roupas; VII - Espaço favorável para amamentação, quando necessário; VIII - Lavanderia ou área de serviço com tanque; IX - Espaço externo compatível com o número de crianças que dele se utilizam simultaneamente, com caixa de areia protegida e torneira acessível às crianças. § 1º - As dependências citadas nos incisos III, IV, V e VI devem observar as normas de saúde pública;

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§ 2º - As dependências citadas nos incisos II, VI e IX devem observar as exigências do Código de Edificações do Município. Art. 22 - A instituição deve prever sala para atividades múltiplas, com equipamentos e acessórios adequados, que possibilite um trabalho pedagógico diversificado e a liberdade de movimentos e de expressão das crianças, enquanto mais um espaço para o contato com a literatura, com as artes e as novas tecnologias, proporcionando o uso simultâneo do mesmo por mais de um grupo. Art. 23 - Escolas da Rede Pública Municipal que oferecem Educação Infantil e outros níveis de ensino devem ter espaços de uso privativo destinados aos grupos de crianças, observadas as exigências desta Resolução, podendo compartilhar outras dependências da escola. Art. 24 - As instituições de Educação Infantil existentes ou que venham a ser criadas no âmbito do Sistema Municipal de Ensino, que não atendam a todas as exigências estabelecidas nesta Resolução, serão provisoriamente classificadas tendo em vista a sua adequação as mesmas. § 1º - A classificação prevista no caput deste Artigo dar-se-á mediante relatório resultante da verificação das instituições, a ser elaborado pela Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre; § 2º - O relatório resultante desta verificação será o instrumento usado pelo Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre, que indicará a classificação provisória na qual se encontram as instituições, bem como as providências e os prazos para que realizem as adequações necessárias. Art. 25 - As instituições de Educação Infantis pertencentes ao Sistema Municipal de Ensino, já em funcionamento, têm até dezoito (18) meses, a contar da vigência desta Resolução, para solicitar seu credenciamento e conseqüente ato de autorização. Art. 26 - Esta Resolução, a ser interpretada a luz da justificativa que a acompanha, entra em vigor na data da sua publicação em Diário Oficial. 44 RELAÇÃO CRIANÇA/ADULTO IDADE NÚMERO DE CRIANÇAS POR ADULTO 0 a 2 anos Até 6 crianças 2 a 4 anos Até 10 crianças 4 a 6 anos Até 25 crianças Obs.: Entende-se por adulto os professores e educadores assistentes que atuam com as crianças. RELAÇÃO CRIANÇA/PROFESSOR IDADE NÚMERO DE CRIANÇAS POR PROFESSOR 0 a 2 anos No máximo 18 crianças 2 a 4 anos No máximo 20 crianças 4 a 6 anos No máximo 25 crianças Obs.: As Resoluções 001 de 1999 e 004 de 2001 do Conselho Municipal de Educação/CME e a justificativa da Resolução 003/2001 do CME estarão a disposição no GPO/SMCPGL/CAR‘s. Resolução n.º 001, de 4 de Novembro de 1999 – Conselho Municipal de Educação – CME Cria o cadastro de mantenedoras de estabelecimentos privados de educação que integram o Sistema Municipal de Ensino. CADASTRAMENTO: Art. 1º - Fica criado o cadastro de mantenedoras de estabelecimentos privados integrantes do Sistema Municipal de Ensino de Porto Alegre, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação e regido pelas normas da presente Resolução. Parágrafo único - As instituições privadas de ensino se enquadram nas categorias de particulares em sentido estrito, comunitárias, confessionais e filantrópicas. Art. 2º - O cadastramento é o ato pelo qual as mantenedoras identificam a si e aos estabelecimentos que mantém perante o órgão administrador do Sistema. § 1º - O cadastramento não substitui o pedido de autorização de funcionamento e/ou credenciamento a serem regidos por norma própria. § 2º - Todas as mantenedoras, bem como os estabelecimentos por elas mantidos, em funcionamento ou que venham a serem criados deverão ser cadastrados. Resolução n. º 004, de 04 de outubro de 2001 – Conselho Municipal de Educação - CME. Fixa normas para a designação e a denominação de estabelecimentos de Educação Infantil integrantes do Sistema Municipal de Ensino de Porto Alegre. O Conselho Municipal de Educação de Porto Alegre, com fundamento no Artigo 11, inciso III, da Lei Federal n.º 9394, de 23 de dezembro de 1996, e no Artigo 10, inciso XIV, da Lei Municipal n.º 8198, de 26 de agosto de 1998. RESOLVE: Art. 1º - Os estabelecimentos de Educação Infantil integrante do Sistema Municipal de Ensino serão designados conforme determina a presente Resolução.

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Parágrafo único - A designação referida no caput deste Artigo deve identificar a primeira etapa da educação básica. Art. 2º - Todo estabelecimento de Educação Infantil que integra o Sistema Municipal de Ensino designar-se-á Escola de Educação Infantil ou Instituição de Educação Infantil. § 1º - Caberá aos estabelecimentos de Educação Infantil mantidos pelo Poder Público Municipal incluir, na designação, a expressão "municipal". § 2º - Fica a critério dos estabelecimentos de Educação Infantil mantidos pela iniciativa privada incluir, na designação, expressão que os identifique com a mantenedora. ASSISTÊNCIA SOCIAL - FASC 1. PARA INDICAÇÃO DE DEMANDAS NO OP POR SUBTEMAS: a) Atendimento a Criança e ao Adolescente com implantação e/ou ampliação de: • SASE (Serviço de Atendimento Sócio Educativo) em rede própria ou conveniada; • Abrigagem para os serviços em rede própria ou conveniado; • Educação Social de Rua em rede própria ou conveniada; • Centros da Juventude (PEMSE, Agente Jovem, etc.) em rede própria; • Programa Família Acolhedora. b) Atendimento à Família: • Implantação ou ampliação do Programa Família, Apoio e Proteção conveniado ou prestado pela FASC. c) Atendimento à População Adulta: plantão social, construção ou reforma de abrigos, casas de convivência e albergues. • Implantação e/ou ampliação de equipe de abordagem de Atendimento Social de Rua em rede própria ou conveniada; • Implantação e/ou ampliação da albergagem em rede própria ou conveniada; • Casa de Convivência em rede própria ou conveniada; • Atendimento à Comunidade; • Construção ou reforma de abrigo próprio e conveniado. d) Atendimento ao Idoso: • Implantação e/ou ampliação de grupos de convivência em rede própria ou conveniada; • Implantação e/ou ampliação de centro de convivência em rede própria ou conveniada; • Abrigagem de idosos em rede própria ou conveniada; • Centro de convivência. e) Atendimento a Pessoas com Deficiência – PCD‘s, Implantação e/ou ampliação de metas nas modalidades previstas na rede própria ou conveniadas: • Sócio-educativas; • Trabalho Educativo; • Casa Lar; • Abrigagem; • Centros de Convivência; • Grupos de Convivência f) Reforma Ampliação e/ou Implantação de Unidades de Assistência Social, em rede própria ou conveniada: • Centros; • Módulos Ampliados; • Abrigos; • Albergues; • Casas lares; • Centros Regionais; • Centros da Juventude; • Centros de Convivência, etc. 2. CRITÉRIOS TÉCNICOS PARA TODAS AS DEMANDAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL MEDIANTE CONVÊNIO: a) A Entidade de Assistência Social deverá ser registrada no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) e Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e comprovar experiência na política demandada; b) As demandas de conveniamento nas Regiões deverão considerar o relatório de avaliação da CRAS, antes da aprovação; c) As Entidades deverão estar em dia com a prestação de contas de convênios anteriores perante o Fundo Municipal de Assistência Social (FMAS), Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FMDCA) e Gestor Municipal;

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d) O convênio será firmado depois de contemplados os critérios aqui elencados em comum acordo com a entidade demandante e parecer do CMAS e CMDCA; e) A entidade deverá contar com infra-estrutura minimamente adequada para o atendimento proposto; f) Como critério de desempate entre entidades da mesma Região, utilizar-se-á a facilidade de acesso dos usuários à entidade juntamente com o vazio de atendimento da Região. 3. CRITÉRIOS TÉCNICOS PARA OS SUBTEMAS: • As demandas de equipamentos e programas da Rede Básica (meio aberto), somente poderão ser realizadas pelas Regiões e Temática do OP; • As demandas de equipamentos e programas da Rede Especializada (abrigagem e atendimento á população de rua), somente poderão ser realizadas pela Temática do OP; • Todos os serviços de assistência social deverão ser prestados em locais com acessibilidade aos PCD‘s, na forma da legislação vigente. A) SASE (Serviço de apoio Sócio-Educativo em meio aberto) I - Público Alvo de 7 (sete) a 14 (quatorze) anos: - Crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e pessoal de acordo com o ECA e a LOAS; - Convênios para atendimentos exclusivamente para 20 (vinte), 40 (quarenta), 60 (sessenta) ou 80 (oitenta) metas; - Para PCDs vale os critérios da legislação vigente; - Crianças e adolescentes em situação de rua em SASE (Serviço de Atendimento Sócio Educativo) de Travessia com metodologia diferenciada. II - Educadores e coordenadores: - Educadores aptos a desenvolver proposta pedagógica/metodológica comprovada; - Dispor de um coordenador com formação mínima de Ensino Médio com experiência e /ou participação em cursos e atividades na área da criança e/ou adolescente, que responderá tecnicamente pela execução do serviço. III - Infra-estrutura: - Espaço adequado para atender, no mínimo, 20 (vinte) metas em turno inverso da escola; - Espaço adequado com boas condições de higiene, ventilação e iluminação adequada para os módulos básico e específico; - Possuir cozinha e instalações sanitárias adequadas, em boas condições de higiene, ventilação e iluminação; - Instalações elétrica e hidráulica em boas condições de funcionamento e segurança; - Dispor de espaço para lazer na entidade ou em local próximo, na comunidade. B) TRABALHO EDUCATIVO I - Público alvo (14 a 18 anos, 11 meses e 29 dias): -12 (doze) adolescentes em situação de vulnerabilidade pessoal e social de acordo com ECA e LOAS; - Atender adolescentes em situação de vulnerabilidade, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), renda familiar per capita de 1/4 (um quarto) de salário mínimo, articulada com a situação de ameaça ou violação dos direitos. II - Educadores e coordenadores: - 2 (dois) educadores, um para módulo básico e outro para específico, aptos a desenvolver proposta pedagógica/metodológica comprovada; - Coordenador com formação mínima em ensino médio; - 10 (dez) metas para PCD´s com flexibilidade na idade cronológica em situação de vulnerabilidade social e pessoal. III - Infra-estrutura: - Espaço adequado com boas condições de higiene, ventilação e iluminação adequada para os módulos básico e específico; - Boas condições de funcionamento e segurança do trabalho e instalações elétrica e hidráulica; - Quantidade e qualidade de equipamentos adequados ao número de adolescentes; - Acesso a recursos para material pedagógico específico (material em Braile, etc); - Executar oficinas de Trabalho Educativo de acordo com o projeto técnico do Gestor Municipal; - Equipamentos de proteção / segurança individuais; - Dispor de espaço de lazer na entidade ou em local próximo na comunidade. C) PROGRAMA FAMÍLIA, APOIO E PROTEÇÃO: I - Público Alvo: - Atender famílias em situação de vulnerabilidade social e pessoal, conforme a LOAS. - Os convênios serão firmados para um atendimento de 40 (quarenta) metas; - Executar o atendimento de acordo com o Projeto Técnico do Gestor Municipal. II - Educadores e coordenadores: - Os responsáveis técnicos (com formação mínima de Ensino Superior) deverão possuir experiência comprovada no trabalho com famílias, crianças e adolescentes.

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III - Infra-estrutura: - Contar com espaço físico adequado para o atendimento individual; - Contar com espaço físico adequado para o atendimento em grupo de no mínimo quinze pessoas; - Oferecer suporte administrativo (material de escritório e de expediente e recurso humano para a administração). Obs: O critério de desempate em uma Região será o da acessibilidade dos usuários a entidade. D) ABRIGAGEM PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: I - Público Alvo de 0 (zero) a 18 (dezoito) anos: - A demanda somente será aprovada se o regime de abrigo proposto destinar-se ao atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco, com vínculo familiar rompido ou fragilizado, quando esgotadas as demais medidas de proteção, conforme o art. 101, parágrafo único que afirma que o abrigo é medida provisória excepcional; - A demanda de um abrigo deve prever o atendimento à população de toda a cidade, não sendo possível uma demanda para usuários de somente uma Região. II - Infra-estrutura: - Espaço físico adequado ao atendimento proposto; - Construção de novos equipamentos apenas quando esgotadas as possibilidades de ampliação de metas nas redes própria e conveniada, mantendo-se a qualidade do atendimento; - A implantação de um equipamento em regime de abrigo deve estar em concordância com o ECA e em especial com os seus artigos 90 a 102; - O equipamento deverá estar localizado em área de fácil acesso aos usuários de toda a cidade. E) ATENDIMENTO À POPULAÇÃO ADULTA (ABRIGAGEM) I - Público alvo: - Atendimento provisório àqueles que se encontram em situação de rua e idosos em situação de abandono; - A demanda deve prever atendimento para toda a c idade e não apenas para uma Região. II - Infra-estrutura: - Espaço físico adequado ao atendimento proposto; - O equipamento deve estar localizado em área de fácil acesso aos usuários de toda a cidade; - Construção de novos equipamentos apenas quando esgotadas as possibilidades de ampliação de metas na rede própria ou conveniada, resguardando a manutenção da qualidade do atendimento aos usuários. F) ATENDIMENTO AO IDOSO: I - Público alvo: - Idosos em situação de vulnerabilidade social e pessoal; - Grupos de, no mínimo, 30 (trinta) pessoas sendo que o número de metas conveniadas será à base do repasse do repasse; - Em caso de implantação e ampliação em rede própria, deve-se demandar também os recursos humanos de acordo com o projeto técnico do gestor municipal. II - Infra-estrutura: - As entidades deverão contar com espaço físico adequado para o atendimento individual e em grupo de no mínimo 30 (trinta) pessoas. - As entidades deverão oferecer suporte administrativo (material de escritório e de expediente e recurso humano para a administração); - A coordenação deve contemplar formação mínima de ensino médio e experiência com idosos; - O equipamento deve estar localizado em área de fácil acesso aos usuários. Obs: Quando a Região ou entidade não tiver Espaço Físico adequado para atender grupos de terceira idade, que os mesmos sejam providenciados pelas Secretarias afins ou o Município. G) ATENDIMENTO AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – PCD’S: I - Equipe técnica: - Pessoal especializado de acordo com as modalidades a que se propõe: habilitação, reabilitação, grupos de convivência, oficinas de trabalho, abrigagem, atendimento sócio-educativo em meio aberto, trabalho educativo e profissionalização; - Equipes com experiência comprovada no atendimento. II - Infra-estrutura: - Espaço físico e administrativo adequados conforme legislação vigente; - Estarem adequados a LOAS e ao ECA. H) REFORMA, AMPLIAÇÃO E/OU IMPLANTAÇÃO DE UNIDADES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (centros, módulos, abrigos, etc.). Será atendida a demanda de ampliação ou implantação de Unidades de Assistência Social, se: I - Não existir outra unidade de Assistência Social que absorva a população usuária próxima ou verificar se há carência de vagas para atendimento a população no conjunto da cidade, nos casos de Abrigagem e albergagem;

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II - Não for possível realizar ampliação de metas em equipamentos próprios ou conveniados, no caso de abrigagem e albergagem; III - Houver espaços físicos disponível, possibilitando a cobertura de atendimento para todo o seu raio de atuação; IV - ampliação ou implantação de unidades de Assistência Social fica subordinada a disponibilidade de área pública (adequada a finalidade proposta) ou área oferecida pela comunidade desde que possua situação fundiária legal; SAÚDE - SMS 1. REFORMA, AMPLIAÇÃO E CONSTRUÇÃO DA REDE BÁSICA DE SAÚDE: No caso de reforma - significa modificação na área física sem aumento de pessoal, ampliação significa modificação na área física com aumento de pessoal e construção significa modificação na área física com aumento de pessoal aumento de pessoal. 1.1. Critérios Eliminatórios Básicos: a) Existência prévia de terreno para construção ou viabilidade de área para ampliação; b) Os serviços de saúde só serão construídos em área de situação fundiária definida; c) Os serviços de saúde s ó serão construídos em área onde houver disponibilidade de abastecimento de água; d) A construção de Serviços novos de saúde fica condicionada a carência de serviços públicos de saúde na Região e a disponibilidade de pessoal; e) Os serviços de saúde não serão construídos em área de risco geográfico; f) Os serviços de saúde só serão construídos para atender uma população igual ou superior a 800 (oitocentos) famílias (casos excepcionais em regiões distantes, comunidades rurais e de difícil acesso). Poderá ser avaliada a possibilidade de serviço móvel. Obs: As demandas por serviços de Urgência ou atendimentos 24 (vinte e quatro) horas, deverão ser discutidos e aprovados na Temática de Saúde e no Conselho Municipal de Saúde, consultados os Conselhos Locais de Saúde. 2. AMPLIAÇÃO DA OFERTA DE SERVIÇOS NA REDE BÁSICA DE SAÚDE (Ampliação da oferta de serviço significa aumento da capacidade de atendimento, o que implica em aumento de pessoal). 2.1. Critérios Eliminatórios Básicos: a) Só será ampliado o serviço de saúde quando houver oferta inadequada na Região (menos de 1 (um) médico de atenção básica, de serviço público sob gerência do município, para cada 2000 (dois mil) habitantes); b) Ampliação de oferta de serviços ocorrerá quando houver disponibilidade de pessoal e espaço físico adequado. C) Construção e ampliação da Rede Especializada de Saúde. 2.2. Critérios Eliminatórios Básicos: a) Os recursos destinados a investimentos em Serviços ou Unidades de Saúde especializada, deverão ser discutidos e aprovados no Conselho Municipal de Saúde, Temática de Saúde e Conselho do Orçamento Participativo; b) As demandas por serviços de urgência ou atendimento 24 (vinte e quatro) horas serão discutidas e aprovadas na Temática de Saúde/Conselho Municipal de Saúde (consultados os Conselhos Locais de Saúde). 52 TRANSPORTE E CIRCULAÇÃO - EPTC 1. RÓTULAS: Necessário um vão suficiente permitindo que veículos façam todas manobras possíveis, para forçar. Veículos a reduzir a velocidade, sem índice suficiente para implantação de semáforo, número de vias que chegam no cruzamento, topografia não acidentada. 2. ROTATÓRIAS: Alternativa transponível, quando não houver espaço físico para contorno de canteiro central. 3. SEMÁFOROS: Depende de volume de veículos mínimos em todas as aproximações; interrupção de tráfego contínuo; volume mínimo de pedestres que cruzam a via principal; índice de acidentes e travessia de estudantes. Ou, no caso de PCDs (pessoas com deficência) / PCRMs (Pessoas com restrição de mobilidade), considerar o índice de periculosidade da via, a intensidade do fluxo de veículos ou pessoas, ou ainda, por solicitação dos interessados, conforme legislação federal (Lei Federal nº 10.098 e Decreto Federal nº 5296). 4. CANTEIRO CENTRAL: Necessidade de permitir segurança para pedestres na travessa de vias públicas quando são de sentido duplo, e para disciplinamento no fluxo de veículos em sentido contrário, através de obstrução física na pista. 5. PARDAIS: Velocidade excessiva de veículos, travessia de pedestres e estudantes significativa. ÁREAS DE LAZER - SMAM 1. PODERÃO SER DEMANDADOS:

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Urbanização total, ou reformas de praças; recuperação de recantos em parques; implantação de equipamentos de lazer; esporte (canchas de bochas, pistas de skate, etc.) e recreação em parques e praças administrados pela SMAM. a) O atendimento de implantação de equipamentos de esporte (canchas de bochas, pistas de skate, etc) e recreação em áreas da SMAM fica condicionado à análise das dimensões da área, sua topografia e da presença de equipamentos ou outro obstáculo físico; b) Não serão atendidas demandas em áreas particulares, estaduais e federais. 2. PROGRAMA DE ÁREA DE RISCO (PODERÃO SER DEMANDADAS): a) Obras que permitam a permanência em condições seguras de habitação que, pelos critérios técnicos apresentados pela SMAM, estejam localizadas em áreas sujeitas a riscos físicos ocasionados pela instabilidade do terreno; b) Obras de eliminação de risco como: muros de contenção, cortes e desmonte de rochas e chanfreamento de taludes/barrancos; c) Ações de educação ambiental para as comunidades diretamente beneficiadas pelo programa. 3. DA INVIABILIDADE TÉCNICO ECONÔMICO PARA A REALIZAÇÃO DESTAS OBRAS: a) Deve ser previstos o reassentamento dos moradores com o DEMHAB e a recuperação da área; b) As obras de contenção realizadas pelo Programa não s e aplicam às margens de vias públicas, competência da SMOV; c) Não serão atendidas demandas em áreas particulares, estaduais e federais. ESPORTES - SME 1. NÃO SERÃO ATENDIDAS AS DEMANDAS: a) Em áreas particulares, Estaduais ou Federais. 2. SERÃO ATENDIDAS DEMANDAS: a) Construção de equipamentos esportivos e de lazer, seguindo os critérios técnicos da SME e as normativas da SMAM para as áreas verdes. Obs: Para implantação de equipamentos esportivos e recreativos nos espaços públicos da c idade (praças, parques, centros comunitários etc.) a SME deverá ser consultada para emitir parecer técnico relativo ao uso específico dos mesmos, garantindo a sua ativação. ILUMINAÇÃO PÚBLICA - SMOV/DIP A SMOV, através da Divisão de Iluminação Pública é responsável pela iluminação dos logradouros públicos do Município de Porto Alegre no que diz respeito a projetos, implantação e manutenção. 1. SÃO CONSIDERADAS DEMANDAS: a) Solicitação de iluminação pública; b) Pedidos de implantação de novos pontos de luz nos logradouros públicos do Município, ou seja, nas ruas, avenidas, praças, parques passagens de pedestres, escadarias, etc. 1.1. Critérios Técnicos: I - Para receberem iluminação pública, os logradouros devem estar regularizados ou pelo menos em processo de regularização; II - Somente serão contempladas demandas com extensão de rede, quando esta for específica para Iluminação Pública e apresentar viabilidade técnica III - Nas ruas onde existe posteação e rede de baixa tensão com 220v (duzentos e vinte volts), os pedidos de instalação de luminárias poderão ser feitos diretamente a DIP e entrarão em programação; IV - Nas vias públicas, vilas onde não existe posteação e rede para alimentar as casas (isto é: as casas que não têm luz) a responsabilidade de eletrificação do local é da CEEE. Entretanto, uma vez eletrificado o local, o pedido pode ser encaminhado direto a DIP para entrar na programação de instalação de luminárias; V - Iluminação específica de campos de futebol ou quadras esportivas é considerada demandas da Secretaria Municipal de Esportes (SME). CULTURA - SMC CRITÉRIOS PARA A POLÍTICA DE DESCENTRALIZAÇÃO DA CULTURA: 1. ORGANIZAÇÃO: a) É fundamental e é exigência da atividade cultural que haja cidadãos organizados, e interessados na propiciação de um trabalho cultural; b) A cultura deve respeitar a realidade da Região e para isso necessita o engajamento da comunidade; c) Sugere-se a constituição de coletivos (ou conselhos, ou núcleos) culturais que dêem suporte, divulgação e continuidade às atividades culturais; d) A culminância do processo deverá ser a autonomia da Região. 2. CONDIÇÕES TÉCNICAS DO LOCAL: a) O espaço deverá apresentar condições mínimas para realização de eventos culturais. Acústica, visibilidade, ventilação, etc, são aspectos importantes a serem considerados para localização de eventos em locais fechados, no sentido de dotar aos artistas as melhores condições para apresentação dos seus espetáculos;

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b) No caso de oficinas de artes, critérios semelhantes e adequados a cada área da oficina deverão ser levados em conta; c) O projeto de Descentralização conta com uma equipe de técnicos que fará a avaliação de cada local indicado pela comunidade; d) A avaliação será feita em conjunto com a comunidade. 55 SANEAMENTO BÁSICO - DEP 1. ÓRGÃO RESPONSÁVEL PELA IMPLANTAÇÃO: a) Recuperação e manutenção do sistema de macro e micro-drenagem e coleta de esgoto sanitário em redes unitárias (água da chuva e esgoto sanitário, após a passagem pela fossa séptica, na mesma rede) onde não há sistema separador absoluto; b) Órgão responsável pela manutenção e aperfeiçoamento do sistema de drenagem natural tais como: valas, sangas e arroios; c) Não é implantada rede pluvial em rua não pavimentada: considerando que a rede pluvial possui abertura para permitir a captação da água da chuva, ocorreria entupimento causado por areia e saibro do leito da rua; d) Ruas de conservação permanente não recebem implantação de esgoto pluvial devido ao fato de não possuírem meio fio e sua caixa (largura) é inferior ao gabarito da rua, devendo primeiramente concluir os 5 (cinco) anos previstos para demanda de pavimentação comunitária; e) Quando da canalização em áreas particulares é necessária à autorização por escrito do proprietário e/ou responsável legal; f) As obras de drenagem ou redes unitárias deverão equacionar os problemas de escoamento das águas pluviais no seu conjunto, ou seja, ao resolverem os problemas locais não devem gerar ou agravar as situações à jusante (pontos mais baixos de escoamento das águas). Isto significa que as novas redes devem ser estendidas até as redes, canais ou corpos receptores integrantes do sistema, já existentes, tendo estas condições de receber as novas contribuições; g) Em estradas a drenagem é realizada em valas e/ou canaletas laterais. SANEAMENTO BÁSICO - DMAE I) DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS PARA IMPLANTAÇÃO DE REDES DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA: 1. CRITÉRIOS ELIMINATÓRIOS BÁSICOS: 1.1. Situação fundiária indefinida: a) São áreas suscetíveis a ações de despejo quando se tratar de ocupações habitacionais sem garantias de posse sujeita a remoção por proprietário particular ou pelo poder público. Exemplo: são áreas sujeitas à ação de reintegração de posse, ocupações em leitos de ruas, praças, áreas destinadas a escolas ou outros usos públicos; b) Nas áreas de situação fundiária indefinida, cabe ao DMAE fornecer uma fonte provisória de abastecimento de água até que se defina a situação daquela população. 1.2. Área de risco ou inundável: a) Nas áreas com estas características o lançamento de infra-estrutura poderá agravar a situação de risco do local (erosão ou alagamentos), além de consolidar uma ocupação em área imprópria para moradia. 1.3. Condições técnicas desfavoráveis: a) Vazão e pressão; b) Necessidade de obras institucionais para abastecer o local. 1.4 Loteamentos clandestinos ou irregulares: a) As demandas de rede para loteamentos clandestinos ou irregulares deverão ser analisadas segundo os critérios utilizados pelo DMAE para estes casos. 2. CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS: a) As demandas serão classificadas e contempladas de acordo com a priorização e hierarquização das comunidades das regiões do Orçamento Participativo. II) DESCRIÇÃO DOS CRITÉRIOS PARA IMPLANTAÇÃO DE REDES DE ESGOTO CLOACAL 1. CRITÉRIOS ELIMINATÓRIOS BÁSICOS: 1.1. Situação fundiária indefinida: a) São áreas suscetíveis a ações de despejo, quando se tratar de ocupações habitacionais sem garantias de posse sujeita a remoção por proprietário particular ou pelo poder público. Exemplo: são áreas sujeitas a ação de reintegração de posse, ocupações em leitos de ruas, praças, áreas destinados a escola ou outros usos públicos. 1.2. Situar-se em perímetro rururbano: a) O lançamento de infra-estrutura em área rururbana fere o planejamento da cidade, além de elevar os custos de manutenção; b) Áreas localizadas em área rururbana têm uma produção de afluentes menor e poderão utilizar-se do solo para infiltração de seus efluentes.

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1.3. Área de risco ou inundável: a) Nas áreas com estas características o lançamento de infra-estrutura poderá agravar a situação de risco do local (erosão ou alagamentos), além de consolidar uma ocupação em área imprópria à moradia; b) Também se considera imprópria àquela área na qual a predominância de rocha for igual ou superior a 60% (sessenta por cento) área de análise. 1.4. Não ter abastecimento regular através de rede pública: a) No que se refere ao saneamento, o abastecimento de água deve preceder à rede de esgoto. 1.5. Relação custo - benefício inviável (parâmetros utilizados para avaliação deste item são): a) Distância do sistema de esgoto a ser implantado a ponto de lançamento, quanto maior a distância maior será o custo da obra; b) Grau de densificação da área alvo, quantidade de pessoas que residem na área objeto da demanda (n.º. de habitantes por hectare). 1.6. Loteamentos Clandestinos: a) Neste caso para a demanda ser atendido o loteamento deverá estar aprovado como Área Especial de Interesse Social (AEIS) e estar em processo de regularização fundiária; b) Loteamento que estão formados a mais de 1 (um) ano, e que continuam em situação irregular, poderão demandar no Orçamento Participativo- OP , desde que comprove encaminhamentos nos órgãos competentes, mediante a apresentação de documentos. 1.7. Ruas isoladas de qualquer sistema sem ponto de lançamento adequado, consideram-se pontos de lançamento adequados: a) Rede coletora do DMAE em operação; b) Rede pluvial não assoreada e em profundidade compatível com as exigências do projeto. 1.8. Quando a demanda apresentada for caso de lançamento de rede coletora de fundo de lote: a) A aprovação da obra fica condicionada a autorização dos proprietários atingidos pela rede coletora. 2. CRITÉRIOS CLASSIFICATÓRIOS: 2.1. Ordem de priorização no Orçamento Participativo, tomando por base a hierarquia de cada Região é aferida a pontuação conforme a seguinte tabela: Prioridade no OP Pontos 1ª a 3ª 30 4ª a 6ª 25 7ª a 10ª 10 11ª a 25ª 5 2.2. Custo e benefício de 5 (cinco) a 20 (vinte) pontos: a) Serão considerados na pontuação os parâmetros citados no item 5 (cinco) dos critérios eliminatórios. 2.3. Ligação ao sistema de esgoto: 2.3.1. Áreas onde o DMAE tem rede de esgoto cloacal implantadas: a) Em operação, com tratamento – 30 (trinta) pontos. 2.3.2. Áreas onde o DMAE tem rede de esgoto cloacal implantadas: a) Em operação, sem tratamento – 20 (vinte) pontos. 2.3.3. Ligação à rede pluvial (DEP) – 10 (dez) pontos: a) Ligações feitas com utilização de fossa séptica individual e ligadas à rede pluvial. 2.4. Esgoto a céu aberto – 20 (vinte) pontos: a) Este item serve como avaliação do grau de salubridade a que está submetida à população. 2.5. Projeto que constitua em proteção a manancial – 30 (trinta) pontos: a) Projeto em áreas que contribuem para despoluição de arroios, nascentes ou barragens. 2.6. Condições urbanísticas favoráveis – 10 ( pontos): a) Áreas que possuam traçado viário definido (ruas e acessos) sem possibilidade de mudança deste, através da reorganização do espaço do local (vias e lotes). SANEAMENTO AMBIENTAL - DMLU 1. ATENDIMENTO EM VILAS - PROJETO - BOTA-FORA: a) O Projeto - bota-fora quando demandado consiste em, juntamente com a comunidade organizada, programar um calendário de recolhimento de resíduos que não podem ser dispostos à coleta domiciliar: restos de obras, móveis e utensílios sem uso, podas e outros entulhos; b) O Atendimento somente será disponibilizado em locais onde a população de baixa renda (até 2 (dois) salários mínimos) não dispõe de recursos para contratar uma coleta eventual, respeitando a periodicidade mínima de um mês. c) A implantação do Projeto acontecerá somente nas comunidades onde à entidade representativa (associação, conselho popular, igrejas etc.) se responsabilizar pelo trabalho de conscientização, em conjunto com o Governo.

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2. COLETA SELETIVA: a) O serviço de Coleta Seletiva é executado pelo DMLU com frota própria, com caminhões com carroceria de madeira, recolhendo em toda a cidade 60 (sessenta) toneladas em média de papéis, plásticos, vidros e metais, que são encaminhados para unidades de triagem; b) A implantação e extensão da coleta seletiva deverão seguir os critérios de periodicidade e horários estabelecidos pelo órgão, e prever o aporte estrutural necessário (Ex: Equipamentos, Recursos Humanos, Instalações) para o atendimento do serviço; c) A implantação e extensão da coleta porta a porta não será possível em locais de difícil acesso ou que apresentarem dificuldades operacionais relevantes; d) Não serão dispostos recipientes para acúmulo de material reciclável em logradouros públicos. e) Entende-se como difícil acesso os locais onde o sistema viário não permite o tráfego dos veículos coletores disponíveis na frota da seção de Coleta seletiva do DMLU com segurança: largura da via inferior a 4,5 m (quatro metros e meio) e declividades superiores a 20% (vinte por cento); f) Toda demanda de implantação ou extensão de coleta será submetida à avaliação técnica da gerência operacional do DMLU, visando conferir questões relativas a trafegabilidade, manobrabilidade e pavimentação adequada; g) Entendem-se como dificuldades operacionais relevantes os problemas ligados ao sistema viário, vinculados às questões de trânsito, como ruas do município onde não é permitido o tráfego de veículos, ou onde o trânsito em horário comercial irá acarretar grandes transtornos ao trânsito local. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, TRIBUTAÇÃO E TURISMO - SMIC 1. DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO: 1.1. Apoio a Geração e Implementação: a) De Empresas de Base Tecnológica. 1.2. Consolidação do Parque Tecnológico Urbano (PTU): a) Do IV Distrito (Bairro Navegantes) através de elaboração de estudos e projetos e aquisição de imóveis e/ou equipamentos. 1.3. Consolidação da CENTRAL TECNOLÌGICA (CETEC): a) Do IV Distrito (Bairro Navegantes), através da execução de serviços e obras. 1.4. Ampliação das Atividades da Incubadora Empresarial Tecnológica (IETEC): a) Através de novos serviços, obras e equipamentos. 2. SEGURANÇA ALIMENTAR (Abastecimento Alimentar): 2.1. Implantação de Feiras Modelo: a) Feiras de hortifrutigranjeiros, derivados de leite e produtos coloniais com preço e qualidade controladas pela SMIC; b) As Condições para instalação devem ter: População superior a 6.000 (seis mil) hab. Num raio de 1.000 (mil) m da localização da feira, em local com visibilidade, de fácil acesso e que não cause transtornos para circulação de veículos.* Após aprovação no FROP. 2.2. Implantação de Pontos de Oferta: a) Pequenas feiras de hortifrutigranjeiros e produtos coloniais que podem ser implantados em áreas que não comportem Feiras Modelo. 3. DEFESA E PROMOÇÃO DO CONSUMO ALIMENTAR OFICINAS, PARA GRUPOS: a) Famílias, empresários do ramo de alimentação, sobre aproveitamento dos alimentos e condições de instalações. 4. APOIO AS ATIVIDADES ECONÔMICAS RURURBANAS: 4.1. Implantação de Agroindústrias: a) Apoio a processos de transformação de produtos primários, que agreguem valor e gerem renda; b) Podem ser demandadas construções e/ ou equipamentos; Condições para instalação: existência de organização coletiva (em associação ou cooperativa) e espaço físico (prédio e/ou terreno) para instalação dos equipamentos. 4.2. Apoio à agricultura Urbana: a) Aproveitamento de áreas apropriadas para produção de alimentos, através de grupos de famílias da comunidade; Podem ser demandados: insumos, equipamentos, ferramentas e cursos de formação. 4.3. Qualificação / diversificação de patrulha moto-mecanizada: a) Aquisição e/ou manutenção de máquinas e/ou equipamentos para prestação de serviços em atividades agrícolas, alocados e gerenciados pelo CAD (Centro Agrícola Demonstrativo). 4.4. Experimentação de Técnicas Agroecológicas: a) Pode ser demanda infra-estrutura (obra e/ou equipamentos) para desenvolvimento de experiências agroecológicas coordenadas pelo CAD.

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5. APOIO A EMPREENDIMENTOS: 5.1. Capacitação técnica e gerencial: a) Para micro ou pequenas empresas, organizadas em grupos ou associações. 5.2. Constituição de Condomínios Empresariais: a) Critério: existência de terreno ou próprio municipal ocioso. 5.3. Apoio à constituição: a) Das Redes empresariais. 5.4. Desenvolvimento do Parque Industrial: a) Restinga (PIR) e/ou Porto Seco. b) Ampliação da infra-estrutura no PIR. (exemplo: contratação de projetos, arruamento, saneamento, instalação de redes); c) Ampliação da infra-estrutura no Porto Seco. (exemplo: contratação de projetos, arruamento, saneamento, instalação de redes). 5.5. Apoio à pesquisa e projetos: a) Setoriais e/ou Regionais. 6. GERAÇÃO DE TRABALHO E RENDA: 6.1. Formação para o Trabalho: a) Promoção de cursos de formação profissional, com ou sem PETC (Pagamento de Bolsaauxílio), para atender grupos organizados para o exercício de atividades econômicas; b) A seleção do público deverá ser articulada com entidades comunitárias locais e aprovada no FROP (Fórum Regional do Orçamento Participativo). c) Promoção de cursos de formação profissional, com ou sem pagamento de bolsa-auxílio (PETC), destinados ao seguinte público: negros mulheres em situação de vulnerabilidade social, PCDs, homossexuais, índios, usuários de outros programas da cidade voltados à inclusão social, desempregados com baixa renda familiar e pessoas oriundas do sistema prisional. A seleção do público deverá ser apreciação na Temática de Desenvolvimento Econômico, Tributação Turismo. 6.2. Apoio às Iniciativas Econômicas Populares (apoio à comercialização de bens e serviços) Podem ser demandados: a) Promoção de Feiras de Economia Popular Solidária e Artesanato; b) Apoio à organização de Feiras Comunitárias de Artesanato; c) Constituição de Centro de Comercialização de Economia Popular Solidária; Critério: Somente para empreendimentos auto-gestionários com, no mínimo, 5 (cinco) pessoas e para o caso de construção do equipamento é necessário a existência de área pública disponível na Região. d) Constituição de Centros Regionais Populares de Comercialização (mini-shopping); Critério: para o caso de construção do equipamento é necessário à existência de área pública disponível na Região. e) Capacitação Profissional e Gerencial para empreendimentos auto-gestionários, com no mínimo 5 (cinco) pessoas; f) Apoio em Infra-estrutura e serviços, destinado a empreendimentos auto-gestionários com no mínimo 5 (cinco) pessoas; 6.2.1. Pode ser demandado: Apoio à incubação de empreendimentos através da: I - Prestação de serviços. Ex. assessoria/consultoria em design, marketing, gestão, produção, etc; II - Parceria com Instituições com capacidade para incubação de empreendimentos; III - Indicação do nome da Instituição na Região, para verificar as reais condições de instalação dos incubados, bem como a existência de infra-estrutura (redes de esgoto cloacal e pluvial, elétrica, abastecimento de água e etc.). IV - Cedência de equipamentos para produção e/ou prestação de serviços, mediante assinatura de documento legal que regularize a relação entre o beneficiado e a PMPA. 6.3. Reciclagem: a) Apoio à comercialização de material triado ou reciclado; b) Ampliação da Central de Comercialização de Resíduos Sólidos; c) Capacitação técnica e gerencial para trabalhadores de Unidades de Triagem, da Central de Comercialização e Usina de Beneficiamento de Plástico; d) Cedência de equipamentos para triagem ou reciclagem, destinados somente para Unidades em funcionamentos ou a serem implantadas e mediante assinatura de documento legal que regularize a relação entre o beneficiado e a PMPA.

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TURISMO 1. PROGRAMAS E PROJETOS TURÍSTICOS: Devem ser apresentados, discutidos, analisados e aprovados, nos FROPs (Fóruns Regionais do Orçamento Participativo), Temática Desenvolvimento Econômico, Tributação e Turismo e COP, atendendo os critérios estabelecidos, quando da intervenção urbana, no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental, assim como pela Conferência Municipal de Turismo. 1.1. Das linhas de ação: a) Eixo da Pesquisa: l - Pesquisa Qualitativa estudo, projeção e planejamento turístico com base local que viabilizem a inclusão social e/ou desenvolvimento sustentável e tecnológico e/ou a radicalização da democracia e/ou a organização urbana; ll - Pesquisa Quantitativa Estudo, diagnósticos e projeções de informações que sirvam de instrumento para o planejamento técnico das demandas, visando, transparência, responsabilidade e equidade no atendimento das prioridades da Temática. b) Eixo da Aprendizagem Turística: l - Qualificação de recursos humanos para o turismo no setor público e privado; ll. Apoio à organização de cooperativas, associações, ONGs e empreendedores do setor. c) Desenvolvimento Local: l - Consolidação do plano sustentável de turismo com base local, integrando a estruturação urbana e ambiental, ampliação de atividades do setor, com capacitação técnica/gerencial e condições de instalação de empreendimentos, possibilitando a flexibilização, a construção coletiva e a organização de ambientes propícios a novas experiências, atividades individuais ou em grupos e acesso/condições de aprendizagens turísticas. Ex: Ilha da Pintada. ll - Parceria entre a iniciativa privada/comunidade organizada e setor público no desenvolvimento ou aperfeiçoamento de produtos e serviços de interesse turístico da cidade, através do aporte de conhecimento e tecnologia existente no mercado, possibilitando a flexibilização, a construção coletiva e a organização de ambientes propícios a novas experiências, atividades individuais ou em grupos e acesso/condições de aprendizagens turísticas. d) Eixo Promocional da imagem da cidade: I - Participação em eventos; Il - Apoio a eventos; Ill - Organização de eventos; lV - Material e equipamentos promocionais; V - Divulgação institucional. e) Eixo da organização urbana: l - Estudo e planejamento para urbanização, reformas, ampliação ou construção de equipamentos turísticos que atendam os critérios do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) e as resoluções da Conferência Municipal de Turismo, que integra o Congresso da Cidade. FUNTURISMO - Discussão e aprovação da aplicação dos recursos do Funturismo na Temática de Desenvolvimento Econômico, Tributação e Turismo, em reunião convocada especificamente para este fim. TELE - CENTROS SECRETARIA DOS DIREITOS HUMANOS E SEGURANÇA URBANA 1. CRITÉRIOS PARA PROJETO DE TELE-CENTROS: a) As ações e Programas (demandas) de tele-centros deverão obrigatoriamente ser demandados através dos FROPs: • Sala ampla - local de fácil acesso e apropriada para instalação da rede lógica e elétrica; • 12 (doze) micro-computadores; • Bancadas para os micro-computadores; • 12 (doze) cadeiras reguláveis; • 01 (um) computador para servidor Pentium; • 01 (uma) copiadora (scanner); • 01 (uma) impressora; • Acesso ininterrupto à Internet; • Sistemas operacionais Windows e Linux; • Diversos Aplicativos; • Contas de correio eletrônico para todos os usuários; • 01 (um) quadro branco. 2. DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA PARA O CONVÊNIO: • Cópia do cartão do CNPJ; • Constituição da entidade (sociedade civil, ONG) e estatuto registrados; • Cópia da Lei que a declarou de Utilidade Pública (no caso de);

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• Ata de Eleição dando poderes a quem vai assinar o convênio, devidamente registrada; • Certidões - CND INSS, CND FGTS, CND Tributos Municipais; • Quando a entidade tiver empregados, deverá apresentar Certidão Negativa expedida pela DRT, referindo cumprimento do disposto no art. 7, inciso 23 da Constituição Federal de 1988. 3. RESPONSABILIDADES DA GESTÃO DE UM TELE-CENTRO: a) Prefeitura Municipal de Porto Alegre: • Equipamentos, Redes Lógicas e Elétricas no local do Tele-centro; • Custo da Linha de Transmissão de Dados; • Manutenção dos equipamentos; • Formação e acompanhamento dos monitores. b) Entidade Conveniada: • Ambiente físico do Tele-centro (custos de manutenção do prédio, energia elétrica, etc.); • Custos com o uso do Tele-centro (cartuchos, folhas, panfletos, etc.); • Manter o Tele-centro aberto de Segunda a Sexta, no mínimo 12 (doze) horas por dia e aos sábados 04 (quatro) horas. c) Responsabilidades Conjuntas: • Buscar parcerias; • Custeio dos Monitores; • Participação no Conselho Gestor; • Sustentabilidade dos Tele-centros. • Conselho Gestor do Tele-centro; • Formato sugerido: 03 (três) representantes da Entidade Conveniada, 02 (dois) representantes do FROP e 02 (dois) representantes da Prefeitura.

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Anexo II – PLP n°. 102/2003 apresentado em anexo ao Projeto de Lei Complementar 135/96 que

substitui a Lei 4.320

PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR Nº, DE 2003. (Do Sr. EDUARDO PAES) Institui normas gerais de direito financeiro para o controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e dá outras providências. O CONGRESSO NACIONAL decreta: CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES Art. 1º Esta Lei Complementar estabelece, com fundamento no art. 165, § 9º, da Constituição, normas gerais de direito financeiro voltadas para o controle da gestão orçamentária, contábil, financeira e patrimonial da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e sobre a transparência e participação popular na gestão fiscal. Parágrafo único. As disposições desta Lei Complementar obrigam a todos os entes da Federação, neles compreendidos a União, cada Estado, o Distrito Federal e cada Município, as respectivas entidades da administração direta e indireta, e as sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público. CAPÍTULO II DOS PRINCÍPIOS DO CONTROLE SOCIAL Art. 2º A elaboração, aprovação, implementação e divulgação dos planos plurianuais, das diretrizes orçamentárias, dos orçamentos anuais e dos relatórios resumidos da execução orçamentária e da gestão fiscal, bem assim balancetes, balanços e demais documentos que integrem as prestações de contas e respectivos pareceres, prévios e finais, serão realizados de modo a evidenciar a transparência da gestão pública. Parágrafo único. Entende-se por transparência fiscal: I - o acesso público às informações relativas aos objetivos e metas da política fiscal e à execução dos planos e programas de governo, bem como às contas públicas e às projeções que disciplinem o orçamento anual; e II - a divulgação de informações que sejam confiáveis, abrangentes, atualizadas e comparáveis entre os entes da Federação. Art. 3º A transparência será obtida por meios que contemplem a participação popular, tais como: I - realização de audiências públicas; e II - divulgação, na imprensa e em meios eletrônicos de acesso público, de resumos enunciados em linguagem simples e universal, dos: a) documentos mencionados no caput do art. 2º, enfatizadas as principais metas que se buscam alcançar e os resultados efetivamente verificados; e b) processos de orçamentação, execução, acompanhamento, avaliação e fiscalização de cada projeto de investimento e de cada atividade que envolvam aquisição de bens e serviços de terceiros para programas de duração continuada, incluídos no respectivo plano plurianual ou considerados de valor relevante nos termos da lei de diretrizes orçamentárias. Parágrafo único. Na hipótese de Município que tenha menos de cinqüenta mil habitantes: I - se não dispuser de condições próprias para a divulgação por intermédio de meio eletrônico de acesso público, a União prestará apoio técnico e financeiro para sua implantação, ficando aqueles obrigados a repassar os correspondentes demonstrativos ao órgão federal encarregado, em prazo e condições determinados; e II – será dada divulgação à comunidade sobre o período, local e horário em que as contas estarão à disposição dos interessados. Art. 4º A prestação anual de contas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ficará à disposição da comunidade, inclusive por meio eletrônico de acesso público, para exame e apreciação. Parágrafo único. Qualquer cidadão, partido político, organização, associação ou sindicato é parte legítima para: I – verificar a exatidão e legitimidade da prestação de contas referida no caput, nos termos de lei específica de cada esfera de governo; e II - denunciar irregularidades ou ilegalidades, desde que formuladas por escrito, com identificação e endereço do denunciante, confirmada sua autenticidade, e devidamente fundamentadas. CAPÍTULO III DOS PRINCÍPIOS DA FISCALIZAÇÃO Art. 5º A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades da administração direta e indireta, e as sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, quanto aos aspectos de legalidade, legitimidade, economicidade,

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eficiência, eficácia, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo respectivo Poder Legislativo, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno de cada Poder, nos termos da Constituição. § 1º A fiscalização observará o seguinte: I - será orientada por normas próprias e pelas relativas à responsabilidade na gestão fiscal, previstas na Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000; e II - verificará, sem prejuízo de outras matérias: a) o cumprimento dos objetivos e das metas previstos no plano plurianual e nas diretrizes orçamentárias; e b) a execução dos programas de governo e dos orçamentos anuais; e III - tomará por base: a) a escrituração e as demonstrações; b) relatórios de execução e acompanhamento de projetos e de atividades; e c) outros procedimentos e instrumentos estabelecidos pelos órgãos de controle. § 2º O exame da gestão, além de outros procedimentos previstos em lei ou definidos pelos órgãos de controle interno e externo, observará o seguinte: I - adotará como referência o desempenho e o padrão fixados para os respectivos agentes na execução dos programas, projetos e atividades governamentais sob sua responsabilidade; e II - será exercida mediante a utilização dos procedimentos de auditoria, previstos nas normas regulamentares. Art. 6º As atividades de fiscalização, exercidas pelo Poder Legislativo de cada esfera de governo mediante controle externo e pelo sistema de controle interno de cada Poder, são indelegáveis, sem prejuízo das atribuições dos membros do Poder Legislativo ou nomeados para os tribunais ou conselhos de contas, e serão executadas por servidores efetivos da administração pública. Parágrafo único. O disposto no caput não impede a contratação de auditoria ou perícia contábil ou de qualquer outra natureza, inclusive para efeito da realização de avaliação de risco por entidades privadas com notória especialização, desde que tais serviços constituam apenas uma forma complementar de fiscalização. Art. 7º Nenhum processo ou informação, na forma da lei, poderá ser sonegado aos tribunais ou conselhos de contas e aos órgãos de controle interno no exercício de suas atribuições, que poderão, ainda, ter acesso aos sistemas e bancos de dados informatizados, mantidos ou utilizados pela administração pública. Art. 8º Sob pena de responsabilidade solidária, os responsáveis pelo controle interno que tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade deverão dela dar ciência: I - ao respectivo Ministro de Estado ou Secretário de Estado, Secretário de Governo do Distrito Federal ou Secretário Municipal ou às autoridades equivalentes dos órgãos ou entidades e dos Poderes Legislativo e Judiciário; e II - ao respectivo tribunal ou conselho de contas. Art. 9º Quando se tratar da concessão de renúncia de receita e de subvenções, a fiscalização abrangerá os beneficiários e os órgãos ou entidades supervisores, operadores ou que tenham atribuição relacionada à gestão desses recursos, com vistas a verificar o real benefício da implementação das ações a que se destinam, bem assim os resultados em termos de benefícios socioeconômicos efetivamente alcançados com a renúncia e subvenção concedida. CAPÍTULO IV DO CONTROLE INTERNO Art. 10. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário de cada esfera de governo manterão, de forma integrada, sistema de controle interno, com a finalidade exclusiva de: I – verificar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual e na lei de diretrizes orçamentárias, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II – comprovar a legalidade, a legitimidade, a economicidade e examinar os resultados, quanto à eficiência e eficácia da gestão orçamentária, financeira, patrimonial e operacional dos órgãos e entidades da administração pública, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos, haveres e obrigações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional. § 1º É competência dos órgãos dos sistemas de controle interno: I - promover a sistematização e a consolidação das informações pertinentes à execução física e financeira dos programas constantes dos orçamentos, para elaboração das suas contas anuais; II - verificar o cumprimento das normas legais e regulamentares concernentes à execução orçamentária, financeira e patrimonial; e III - examinar, prévia, concomitante e subsequentemente, a legalidade dos atos da execução orçamentária.

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Art. 11. A nomeação do dirigente do órgão central do sistema de controle interno de cada Poder de cada esfera de governo deverá atender aos mesmos requisitos exigidos para a escolha dos Ministros do Tribunal de Contas da União, nos termos da Constituição Federal. Art. 12. Os resultados das ações dos sistemas de controle interno, ressalvado o disposto em lei específica, serão divulgados para os órgãos centrais de planejamento e de orçamento, administração financeira e contabilidade, a fim de subsidiar a tomada de decisão inerente à missão institucional dos respectivos órgãos . Art. 13. Em cada esfera de governo, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário regulamentarão, em lei específica, a aplicação desta Lei Complementar no seu âmbito, incluindo a definição do órgão que exercerá as funções de órgão central do respectivo sistema de controle interno e a fixação do período de mandato do respectivo dirigente, bem assim suas garantias e prerrogativas. CAPÍTULO V DO CONTROLE EXTERNO Art. 14. Ao controle externo, a cargo do Poder Legislativo de cada esfera de governo, compete: I – apreciar a prestação de contas anual da respectiva esfera de governo, mediante emissão de parecer prévio, individualizado, a ser elaborado no prazo de sessenta dias, a contar do seu recebimento; II – julgar, até o término do exercício seguinte, as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, das sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, bem como as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao Erário; III – apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, nas sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; IV – realizar, por iniciativa dos órgãos legislativos da respectiva esfera de governo ou de suas comissões técnicas ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, e entidades referidas no inciso II; V – no caso do Tribunal de Contas da União, fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo; VI – fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; VII – prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por quaisquer de suas Casas, pelas Assembléias Legislativas, pela Câmara Legislativa, pelas Câmaras Municipais ou por quaisquer das respectivas comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas; VIII – aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras combinações, multa proporcional ao dano causado ao Erário; IX – assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade; X – sustar a execução do ato impugnado, se não atendida a determinação de que trata o inciso anterior, comunicando a decisão ao Congresso Nacional ou aos órgãos legislativos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; XI – sempre que apurar irregularidades ou abusos, representar ao Poder competente, solicitando-lhe as medidas corretivas cabíveis e as informações sobre os resultados obtidos; e XII – dar ciência, em caráter confidencial, aos responsáveis pelo órgão ou entidade jurisdicionados, sempre que houver indícios de falhas ou omissões de natureza técnica ou administrativa na execução física ou financeira ou de irregularidades ou abusos em qualquer projeto ou atividade. § 1º Poderá haver, a qualquer tempo, levantamento, prestação ou tomada de contas dos responsáveis referidos no inciso II do caput deste artigo. § 2º No caso de contrato, o ato de sustação de que trata o inciso X será adotado diretamente pelo Poder Legislativo, que solicitará, de imediato, ao Poder competente as medidas cabíveis. § 3º Se o Poder competente, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, os tribunais ou conselhos de contas decidirão a respeito. § 4º As decisões dos tribunais ou conselhos de contas de que resultem imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo. § 5º Os tribunais ou conselhos de contas encaminharão ao Poder Legislativo da respectiva esfera de governo: I – relatórios trimestral de suas atividades, no prazo de sessenta dias após o término do trimestre; II – relatório anual de suas atividades no prazo de sessenta dias após o término do exercício; e III - plano sintético de auditoria contendo as políticas, diretrizes, estratégias e prioridades para a realização dos exames no exercício, em até sessenta dias após seu início.

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§ 6º As contas de que trata o inciso I do caput deste artigo consistirão dos balanços, das demonstrações e dos relatórios das ações dos órgãos e entidades de cada Poder, bem como dos relatórios dos órgãos centrais de controle interno. § 7º As informações contidas na prestação de contas anual referida no inciso I do caput deste artigo são de responsabilidade de cada órgão dos Poderes, inclusive as contas consolidadas em balanços. Art. 15. Prestarão contas, e só por decisão do Tribunal ou Conselho de Contas poderão ser liberados dessa obrigação, os responsáveis pelos órgãos e entidades da administração direta e indireta, pelas sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os ordenadores de despesa desses órgãos e entidades e quaisquer pessoas responsáveis por bens, dinheiros e valores públicos. Art. 16. As contas dos administradores, ordenadores de despesas e responsáveis por bens, dinheiros e valores públicos serão examinadas anualmente pelo sistema de controle interno e submetidas ao julgamento do tribunal ou conselho de contas, sob a forma de prestação ou tomada de contas. Parágrafo único. Os tribunais ou conselhos de contas poderão dispensar os sistemas de controle interno do envio das prestações de contas ou tomadas de contas que: I - não evidenciarem infração à norma legal e prejuízo ao Erário; e II - apresentarem movimentação financeira e patrimonial considerada irrelevante nos termos do disposto no art. 16, § 3º, da Lei Complementar nº 101, de 2000. Art. 17. O Tribunal de Contas da União, os Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, e os Tribunais ou Conselhos de Contas dos Municípios apresentarão, para julgamento, suas respectivas prestações de contas, conforme o caso, ao Congresso Nacional, às Assembléias Legislativas, à Câmara Legislativa e às Câmaras Municipais. CAPÍTULO VI DOS PRINCÍPIOS DE EXECUÇÃO, ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO DOS PROGRAMAS Art. 18. A execução dos programas abrange o seu objeto, a aplicação do montante de recursos envolvidos, sistema de informação para o desempenho físico, o plano de organização, os métodos e medidas adotados pela administração governamental para salvaguardar seus ativos, buscar a eficiência, economicidade e eficácia e estimular o cumprimento das políticas públicas prescritas, bem como a exação no cumprimento da lei. Art. 19. Os processos de acompanhamento e de avaliação serão baseados em normas e padrões estabelecidos pelos órgãos dos sistemas de planejamento e orçamento. Art. 20. As informações advindas do acompanhamento, da verificação da execução dos programas e do exame dos resultados da gestão deverão ser repassadas aos órgãos centrais de planejamento, orçamento e de programação financeira como subsídio às suas decisões. Art. 21. A avaliação dos programas visa à melhoria contínua da gestão orientada pelos resultados de interesse da sociedade, abrangendo a eficiência e eficácia das ações. Art. 22. A avaliação dos programas é inerente ao órgão responsável pela sua implementação e deverá ser realizada durante e ao fim de sua execução e, quando ultrapassar um período de governo, também por ocasião da elaboração da proposta de novo plano plurianual. CAPÍTULO VII DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 23. No último ano do mandato do Chefe do Poder Executivo, os relatórios resumidos da execução orçamentária e o de gestão fiscal, de que tratam os arts. 52 e 54 da Lei Complementar nº 101, de 2000, relativos ao quarto bimestre e ao segundo quadrimestre, respectivamente, incluirão, adicionalmente, todas as informações que constituem a prestação anual de contas, apuradas somente para o período dos primeiros oito meses do referido ano. Art. 24. Fica instituído o Conselho de Dirigentes de Controle Interno, órgão colegiado de coordenação dos sistemas de controle interno da União, com o objetivo de assegurar a articulação entre os sistemas, coordenar as respectivas ações de controle interno, promover a integração institucional e homogeneizar entendimentos entre órgãos e unidades de controle interno, no âmbito da União. § 1º O Conselho será composto pelos titulares dos órgãos centrais dos sistemas de controle interno de cada um dos três Poderes e do Ministério Público da União, sendo presidido pelo responsável do correspondente órgão de cada um dos três Poderes, mediante rodízio, a ser definido em norma regulamentar. § 2º Ao Conselho de Dirigentes de Controle Interno compete: I – examinar e propor soluções para matérias controversas no âmbito de sua atuação; II – propor a padronização, a racionalização e a atualização das normas e dos procedimentos de controle interno; e III - zelar pela ética profissional dos servidores encarregados das atividades de controle interno. Art. 25. Os arts. 5º, 47 e 58 da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992, passam a vigorar com a seguinte redação:

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"Art.5º ............................................................................................. ........................................................................................................ X- todos os responsáveis pela elaboração de propostas orçamentárias nas unidades gestoras e setoriais de planejamento e orçamento dos órgãos e entidades a que se refere o inciso I do art. 1º desta Lei." (NR) "Art. 47. ............................................................................................ .......................................................................................................... § 1º O processo de tomada de contas especial a que se refere este artigo tramitará em separado das respectivas contas anuais. § 2º A fiscalização orçamentária compreende, além de outras atividades, a exercida sobre a veracidade dos dados utilizados na elaboração dos orçamentos pelas unidades gestoras e setoriais de planejamento e orçamento dos órgãos e entidades a que se refere o inciso I do art. 1º desta Lei." (NR) "Art.58. ............................................................................................. .......................................................................................................... VIII - elaboração de propostas orçamentárias pelas unidades gestoras e setoriais de planejamento e orçamento dos órgãos e entidades a que se refere o inciso I do art. 1º desta Lei, cujos dados sejam falsos ou irreais. (NR) Art. 26. Esta Lei Complementar entra em vigor na data da sua publicação. Art. 27. Ficam revogados os arts. 75 a 82 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964. JUSTIFICAÇÃO A proposta que ora submetemos ao debate público, institui normas gerais de direito financeiro para o controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, as respectivas entidades da administração direta e indireta e as sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público, com fundamento no art. 165, § 9º, da Constituição, e sobre a transparência e participação popular na gestão fiscal. O objetivo desta proposta é promover uma profunda reforma dos processos e das instituições que tratam da fiscalização das contas e dos recursos públicos. A proposta vai além da necessidade de adequar as normas da legislação complementar às disposições da Constituição. Assim, também busca promover mudança estrutural que efetivamente modernize a gestão administrativa e democratize as instituições fiscais, permitindo um amplo acesso da sociedade às informações sobre a aplicação dos recursos públicos. A relevância e o alcance da matéria recomendam sua ampla divulgação, a fim de promover o debate público e recolher sugestões para seu aperfeiçoamento. A presente proposição alcança particularmente os arts. 75 a 82 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, em consonância com as modificações contidas no mencionado anteprojeto de emenda constitucional, dando consistência e harmonia ao conjunto de medidas. Destaca-se, na presente proposta, a institucionalização da parceria entre Governo e sociedade, por intermédio do controle social como mecanismo de acompanhamento, controle, avaliação e fiscalização da aplicação dos recursos públicos. O resultado dessa parceria subsidiará a elaboração, aprovação, implementação dos planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamentos anuais e a prestação das contas públicas, de modo a maximizar a transparência da gestão pública (Capítulo II – arts. 2º a 4º). A proposta define os princípios da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da administração direta e indireta, quanto aos aspectos de legalidade, legitimidade, eficiência, eficácia e economicidade. Regulamenta, ainda, a fiscalização exercida pelo Poder Legislativo, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno, nos termos da Constituição (Capítulo III – arts. 5º a 9º). Além de inovar na filosofia, na forma e nos meios para o exercício do controle das ações governamentais, este projeto também amplia o alcance das ações do controle externo e dos sistemas de controle interno. Estabelece, em seu Capítulo IV, arts. 10 a 13, que os Poderes deverão manter um sistema integrado de controle interno. Nos aspectos de organização, relaciona requisitos para a nomeação do dirigente pelo órgão central do controle interno de cada Poder e dispõe que sejam estabelecidos, pelos respectivos Poderes, na regulamentação desta lei complementar, a definição do órgão central de controle interno, a fixação do mandato de seu dirigente, bem como suas garantias e prerrogativas. Para coordenar os Sistemas de Controle Interno da União, o anteprojeto propõe a instituição do Conselho de Dirigentes de Controle Interno, composto pelos titulares dos órgãos centrais dos sistemas de controle interno de cada um dos três Poderes e do Ministério Público da União, com o objetivo de assegurar a articulação entre os sistemas, coordenar as respectivas ações de controle interno, promover a integração institucional e homogeneizar entendimentos entre órgãos e unidades de controle interno, no âmbito da União. Sobre o controle externo, dentre as medidas propostas, adicionam-se novos critérios para escolha dos Ministros do Tribunal de Contas da União, estabelecendo-se forma de renovação em seu quadro de ministros. Fixam-se prazos para a realização de determinados atos e cria-se a obrigação dos Tribunais e Conselhos de Contas prestarem contas, para julgamento, ao Poder Legislativo jurisdicionado (Capítulo V - arts. 14 a 17). Uma das mais importantes inovações do projeto diz respeito à definição de princípios e orientações para o acompanhamento e avaliação dos programas governamentais (Capítulo VI – arts. 18 a 26). No âmbito do Governo Federal, tal proposição pode ser entendida como a institucionalização da nova sistemática adotada a partir do Avança Brasil, que tem por objetivo controlar a gestão e aumentar a eficiência e eficácia no uso dos recursos públicos federais.

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Nesse contexto, ressalta-se a coerência e a consistência das medidas incorporadas no projeto, com a recente e fundamental alteração no regime fiscal promovida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Esta proposta complementa e aprofunda aquela alteração legislativa, ao promover uma revisão do controle interno e externo, além de introduzir o moderno instrumento do controle social permitido pelo amplo acesso às informações. Essas são as principais modificações na Lei nº 4.320, de 1964, e as razões que justificam o encaminhamento do presente projeto. Sala das Sessões, em 23 de setembro de 2003. Deputado EDUARDO PAES PSDB/RJ