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Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Centro de Artes, Humanidades e Letras Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública IASMINNI DE SOUZA E SOUZA EXPECTATIVAS E ESTRATÉGIAS QUE FAVORECEM A LONGEVIDADE ESCOLAR PARA AS FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA: UM ESTUDO EM SANTO AMARO DA PURIFICAÇÃO - BA Cachoeira 2014

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Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Centro de Artes, Humanidades e Letras

Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública

IASMINNI DE SOUZA E SOUZA

EXPECTATIVAS E ESTRATÉGIAS QUE FAVORECEM A LONGEVIDADE ESCOLAR PARA AS FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA:

UM ESTUDO EM SANTO AMARO DA PURIFICAÇÃO - BA

Cachoeira 2014

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IASMINNI DE SOUZA E SOUZA

EXPECTATIVAS E ESTRATÉGIAS QUE FAVORECEM A LONGEVIDADE ESCOLAR PARA AS FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA:

UM ESTUDO EM SANTO AMARO DA PURIFICAÇÃO - BA

Monografia apresentada ao Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública, Centro de Artes, Humanidades e Letras, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Tecnólogo em Gestão Pública.

Orientador: Profa. Dra. Lys Maria Vinhaes Dantas

Cachoeira 2014

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IASMINNI DE SOUZA E SOUZA

EXPECTATIVAS E ESTRATÉGIAS QUE FAVORECEM A

LONGEVIDADE ESCOLAR PARA AS FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA: UM ESTUDO EM SANTO AMARO DA PURIFICAÇÃO – BA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública, Centro de Artes, Humanidades e Letras, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Tecnólogo em Gestão Pública.

Aprovado em 2 de abril de 2014.

Lys Maria Vinhaes Dantas Professora orientadora Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Rosineide Pereira Mubarack Garcia Professora avaliadora Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Georgina Gonçalves dos Santos Professora Avaliadora Doutora em Sciences de L’education pela Université de Paris VII Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

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A

Mécia Cleide, mãe amada, exemplo maior de força e superação. Valdeci Costa, pai amado, por ser o meu herói e o meu porto seguro.

Maria Lúcia (em memória), avó amada, por ter me ensinado a perseverar sempre. Gabriella Souza, irmã amada, por ter me mostrado que nem só de estudo vive o homem.

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AGRADECIMENTOS

A graduação chega ao fim e deixa o sentimento de dever cumprido, nesta jornada foram especiais e me ajudaram a tornar os obstáculos mais simples e os dias alegres ainda mais felizes... Maria Lúcia Cardins (em memória), minha vózinha, por ter me amado incondicionalmente, por ter estado sempre ao meu lado, por ter me ensinado a ser mais tolerante e amar ao próximo. Mécia Cleide de Souza e Souza, minha mãe, por ter compreendido a minha distância, por ter sido minha ouvinte assídua; minha técnica; minha crítica e meu calmante antes das minhas apresentações de seminários/banners/resumos e por sempre ter me dito o quanto se orgulhava da sua “filha gestora pública”. Valdeci da Costa Souza, meu pai, meu “muso acadêmico inspirador” que mesmo cursando História nunca deixou de me ajudar na leitura dos meus textos, por nunca ter feito questão de perder sua noite de sono lendo meus resumos/artigos/TCC, por ter sempre feito parte (mesmo que a distância) de todos os meus grupos de seminário e por nunca ter me deixado desistir nos momentos de fraqueza. Gabriella de Souza e Souza, minha irmã e meu bebezinho, que me mostrou como viver o lado bom da graduação e como não enlouquecer com a pressão universitária. Jefferson Willes, tio Aú, por todo apoio, incentivo e por ser o meu orgulho. Nailma Lima, Tia Nai, por ser a primeira Gestora Pública da família e ter me mostrado o quanto o curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública era a minha cara. Lys Maria Vinhaes, minha orientadora/amiga, a minha inspiração acadêmica, a pessoa que despertou em mim a paixão pela pesquisa, pelo campo, e pelos saberes que o universo fora dos muros da universidade proporciona. Magnólia e Eliomagda Conceição, minha “mãe e irmã pretas”, que sempre me esperaram chegar da Universidade para poder dormir tranquilas, que sempre me apoiaram e perdoaram os meus momentos de ausência nas “festas semanais familiares”. Marta Lúcia, minha “mainha da graduação”, a mulher, amiga, modelo de responsabilidade a ser seguido, a pessoa que me ensinou a dar sempre o meu máximo, que sempre questionou as minhas ideias no intuito de aperfeiçoá-las e me tornar uma melhor estudante/profissional e que acompanhou sempre de perto o meu amadurecimento como estudante universitária. As minhas INHAS, Cássia Carvalho e Stephanie Nascimento, por terem tornado a graduação um dos momentos mais maravilhosos e inesquecíveis da minha vida, minhas amigas, companheiras que aguentaram as minhas crises, os meus choros e a minha vontade de explodir o mundo, que me acompanharam em todos os grupos e estágios e sem elas nada teria feito sentido.

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Aos professores José Mascarenhas, Edgilson Tavares, Jorge Antônio Silva por todo o incentivo e atenção dispensada. As amigas Catiane Caldas e Fernanda Nascimento por terem me dado a oportunidade maravilhosa de conhecê-las. Aos amigos de pesquisa Greyssy Kelly Araújo, Iran Herlanderson Neves, Larissa Matos e Olivaldo Jesus que me ajudaram a superar os desafios impostos pelo campo. Aos amigos Janaina Andrade, Julio Cesar Leite e Bruna Gomes por fazerem parte da minha vida. As famílias entrevistadas para o desenvolvimento desse trabalho, sem elas nada teria sido possível. E por fim, a Pesquisa Santo Amaro, ao Observatório da Vida Estudantil, a FAPESB e ao CNPQ pelo apoio.

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Em todo homem existe um ímpeto criador, o ímpeto de criar nasce da inclusão do homem. A educação é mais autêntica quanto mais desenvolve este ímpeto ontológico de criar. A educação deve ser desinibidora e não restritiva. É necessário darmos oportunidade para que os educandos sejam eles mesmos. (FREIRE, 1979 p. 32)

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SOUZA, Iasminni de Souza e. Expectativas e estratégias que favorecem a longevidade escolar para as famílias de baixa renda: um estudo em santo amaro da purificação - BA. 73 páginas. Monografia – Centro de Artes, Humanidades e Letras, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Cachoeira, 2014

RESUMO

As famílias de baixa renda sempre foram culpabilizadas pelo fracasso dos filhos nas instituições educacionais e a longevidade escolar não era, historicamente, um fenômeno associado a elas. No entanto, em 2012, no município de Santo Amaro da Purificação – BA, grande parte dos 474 estudantes concluintes do Ensino Médio (EM) declararam que gostariam de continuar os seus estudos quando concluíssem a Educação Básica e afirmaram serem as pessoas da família quem mais lhes influenciavam na hora da tomada de decisões para o futuro. Por conta disso, o presente trabalho se concentrou em investigar as expectativas das famílias santo-amarenses com relação ao futuro dos estudantes que eram concluintes do ensino médio em 2012 e as estratégias adotadas por elas para manter os filhos no EM e inseri-los no ensino superior (ES). O trabalho foi divido em duas partes: na primeira foi feito o recorte de famílias que, em 2012, viviam com uma renda declarada de R$ 311,00 reais mensais (o que resultou em 70 famílias do conjunto de 474). Posteriormente, foi feita uma análise descritiva do perfil dos 70 alunos oriundos dessas famílias e, em seguida, do universo das 70, foram sorteadas quatro famílias para a segunda fase, voltada para a investigação das estratégias e das expectativas. Todas as famílias entrevistadas sonhavam e desejavam que as suas filhas concluíssem o EM e ingressassem no ES. Dentre as estratégias adotadas, foram comuns o diálogo com os filhos, o acompanhamento dos filhos na escola (incluindo conversas com professores) e o incentivo às atividades como leitura e a manutenção do material didático. Chamaram atenção o papel que o trabalho tem para as famílias (o filho precisa obter um emprego para custear sua continuidade no ES) e o desconhecimento do sistema de cotas e das políticas de assistência estudantil. Em 2014, nenhuma das estudantes que tiveram suas famílias entrevistadas, mesmo com todas as expectativas e estratégias adotadas pelas suas famílias, conseguiu ingressar em uma universidade/faculdade. Esse resultado demonstra que só as expectativas e estratégias não bastam para inserir os alunos oriundos das camadas populares no ES. Junto com elas devem existir novas políticas e programas que considerem não só o aluno como foco, mas também as suas famílias.

Palavras-chave: Longevidade escolar; Ensino Médio; Família

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Lista de Quadros

Pg Quadro 01: Dimensões da Pesquisa Expectativas e estratégias que favorecem a longevidade escolar para as famílias de baixa renda, um estudo em Santo Amaro da Purificação – BA (2014)

29-30

Quadro 02: Preferência de cursos para o Ensino Superior dos alunos concluintes do Ensino médio no ano de 2012 em Santo Amaro da Purificação, Bahia

40-41

Quadro 03: Estratégias adotadas pelas famílias para manter as filhas no Ensino médio e posteriormente inseri-las no Ensino Superior – 2014

61-62

Lista de Tabela

Pg Tabela 01: Disposição de alunos de baixa renda por escola, Pesquisa Santo Amaro – 2012 33

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Sumário

I. Introdução ..................................................................................................................................... 11

II. Fundamentação Teórica ................................................................................................................ 16

2.1 O jovem do Ensino Médio e a longevidade escolar para famílias de baixa renda ................ 22

2.2 O papel da família na formação das expectativas dos estudantes e as estratégias adotadas

no apoio à longevidade escolar ......................................................................................................... 26

2.3 Quadro de Análise ................................................................................................................. 29

III. Método ...................................................................................................................................... 31

IV. As expectativas das famílias para os estudantes no futuro imediato e as estratégias de apoio para a longevidade escolar em Santo Amaro -BA ................................................................................ 37

4.1 Perfil das famílias que constituíram a primeira amostra de 70, a partir da percepção de seus

filhos – alunos concluintes do ensino médio em 2012. .................................................................... 37

4.2 Família A: perfil, expectativas e estratégias .......................................................................... 42

4.3 Família B: perfil, expectativas e estratégias .......................................................................... 46

4.4 Família C: perfil, expectativas e estratégias .......................................................................... 50

4.5 Família D: perfil, expectativas e estratégias .......................................................................... 53

4.6 Famílias de baixa renda em Santo Amaro: o que dizer das expectativas e das estratégias . 57

V. Considerações finais. ..................................................................................................................... 64

VI. Referências ................................................................................................................................ 67

1. Apêndice I: Roteiro de entrevista.............................................................................................. 71

2. Apêndice II: Termo de Consentimento Informado ................................................................... 73

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I. Introdução

Durante muito tempo, as famílias de baixa renda foram culpabilizadas pelo fracasso dos filhos

nas instituições escolares. Até os dias de hoje, a maior parte das pessoas que não conseguem

atingir o mínimo de escolaridade determinado em lei pertence às camadas de nível popular.

Dados do PNAD de 2011 (IBGE, 2012) mostram que, no Brasil, cerca de 2,9 milhões de

jovens entre 15 e 24 anos ainda não eram alfabetizados, 18 milhões dos jovens entre 15 e 24

anos estavam fora da escola e 1,8 milhão de jovens brasileiros não cursavam o ensino médio.

No decorrer da história da educação brasileira, várias justificativas surgiram na tentativa de

elucidar o fracasso escolar para as minorias negras e pobres, embasadas por teorias como a de

“Carência Cultural”, fundamentadas em explicações de cunho racista, médico e explicações

biopsicológicas que perduraram até a década de 1970, como afirma Patto (1992). Ainda

segundo a autora, essas teorias, encontradas nos escritos de intelectuais brasileiros como Nina

Rodrigues, Oliveira Vianna e Afonso Arinos de Melo Franco, separavam o grupo dos

“vencedores” destinados ao trabalho intelectual, composto pelas famílias ricas, dos

“perdedores” destinados ao trabalho braçal, composto pelas famílias pobres.

Inúmeras pesquisas como as de Patto (1990, 1992) e de Spósito (1993) se propõem a analisar

as relações sociais estabelecidas pela família com o sistema educativo e, em sua maioria,

estão voltadas para a constatação de que os filhos de família de baixa renda são mais

suscetíveis a uma escolarização sem sucesso. No entanto, são raros os trabalhos como o de

Vianna (2005) e Piotto (2008) que estudam as trajetórias de escolarização prolongadas para a

população de baixa renda e analisam as estratégias utilizadas pelas famílias das camadas

populares para inserir os filhos no ensino médio, mantê-los e incentivá-los para que possam

futuramente ingressar no ensino superior.

O foco principal desta pesquisa é investigar as expectativas das famílias de baixa renda

com relação ao futuro imediato dos alunos concluintes do ensino médio em Santo Amaro

da Purificação - BA e as estratégias utilizadas por elas para manter os filhos na escola e

incentivá-los a entrar no ensino superior. Buscou-se analisar a percepção que os pais ou

responsáveis construíram com relação ao desempenho escolar dos filhos (as), levantar as

estratégias de apoio à formação escolar do aluno e identificar se os pais mudaram de

estratégia de apoio quando o estudante assumiu certa idade e ingressou no ensino médio,

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partindo sempre da compreensão de que as famílias, independente da renda, mesmo que

implicitamente, constroem/depositam nos seus filhos algum tipo de expectativa e adotam

alguma estratégia para que essas expectativas sejam alcançadas.

Segundo Ariès (2011), o nascimento da instituição familiar data do século XV. Contudo, do

século XV até o século XVIII, estas instituições se limitavam apenas às classes imponentes da

época: aos aristocratas, aos homens ricos pertencentes ao campo ou a cidade, aos burgueses,

aos artesãos ou aos comerciantes. A partir do século XVIII, a família migra do sentimento

restrito à nobreza, no qual a importância era transmitir riqueza aos filhos, para abranger as

classes populares, e torna-se uma “sociedade fechada”, um local em que o sentimento

evocado é de pertencimento e onde o individualismo é sobreposto por uma sociabilidade que

permite ao homem fugir da solidão, reforçando, em detrimento aos laços da vizinhança, os

laços da vida privada. Para o presente estudo, família é considerada como uma instituição

responsável pela educação e pela formação de filhos, netos, afilhados ou enteados. Esta

instituição pode ser conduzida por pais, mães ou ainda outros responsáveis (como parentes,

madrinhas e padrinhos, dentre outros).

Como dito anteriormente, durante muito tempo o sucesso escolar nas camadas de baixa renda

foi tido como inesperado ou improvável. No que se refere ao ensino superior, como mostram

dados do INEP referentes a 2011 (MEC, INEP, 2013), somente 14,6% dos jovens com idade

entre 18 e 24 anos se encontravam cursando este nível de ensino. Além disso, estudos do

perfil socioeconômico de estudantes de universidades públicas feitos por Zago (2006)

comprovam que era baixa a representatividade dos estudantes das camadas populares nas

instituições de ensino superior (IES) e também a existência de uma forte hierarquização entre

as carreiras universitárias, que levava à percepção de formações, por exemplo, em engenharia

e medicina como aquelas acessíveis apenas à elite.

No entanto, a partir da década de 1990, com a interiorização das universidades e com a

adoção de políticas que levaram à criação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e

Expansão das Universidades Federais (REUNI) do Programa Universidade para Todos

(PROUNI) e à adoção do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como processo seletivo,

dentre outras, este cenário vem sendo alterado, resultando na expansão e na democratização

do ensino superior. Novamente de acordo com o INEP (MEC-INEP, 2013), no ano de 2011,

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12,5% das vagas nas IES foram reservadas para o sistema de cotas e, do total de estudantes

matriculados no ensino superior público ou privado, 21,7% recebiam na época algum tipo de

financiamento reembolsável ou não.

No escopo da presente investigação, sucesso escolar foi considerado como o processo de

escolarização prolongada que possibilita a inserção dos alunos de baixa renda no ensino

superior. Foram pesquisadas famílias de baixa renda que, em 2012, viviam com um valor

mensal de até meio salário mínimo (equivalente a R$ 311,00). É importante ressaltar que este

trabalho é um recorte do estudo que vem sendo realizado junto às escolas do município de

Santo Amaro da Purificação – BA, chamado Pesquisa “Expectativas de alunos concluintes do

3º ano do ensino médio e o novo campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia:

uma investigação em Santo Amaro da Purificação” (Pesquisa Santo Amaro), e que é fruto de

pesquisa PIBIC realizada entre 2012 - 2014. Em 2012, foi realizado um survey com 474

respondentes concluintes do ensino médio matriculados nas nove escolas que, naquele ano,

ofereciam as séries concluintes no município (DANTAS, SANTOS, 2013).

A continuidade dos estudos e o desejo de entrar no ensino superior, para os alunos do ensino

médio, são influenciados, em grande parte, pelos contatos estabelecidos no processo de

socialização, marcado por encontros presenciais com os amigos e conhecidos, dentro e fora

dos muros da escola. Dayrell (2007) considera que o processo de socialização amplia o leque

de escolhas para cada estudante e, por conta disso, quanto maior o contato para cada

estudante, maior a possibilidade de continuar com os estudos. Neste cenário, a família

perderia a centralidade. Porém, o que gerou grande surpresa foi que os dados coletados no

município de Santo Amaro em 2012 não acompanharam esta tendência, uma vez que grande

parte (78,8%) dos alunos, quando questionados sobre quem mais os influenciava na hora de

decidir o que fazer, apontava para família em lugar de seus amigos.

Como conceito de expectativa foi utilizado o adotado por Dayrell (2007), que a define como

um desejo ou um sonho que venha ser concretizado em futuro próximo. Para uma melhor

compreensão é importante conhecer também o conceito de projeto de vida, aqui colocado

como a ação dos pais ou responsáveis de escolher um entre os futuros possíveis para os

concluintes do ensino médio, transformando os seus desejos e as suas fantasias em objetivos e

metas possíveis de serem alcançados, representando, então, uma orientação e um rumo na

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vida (SCHUTZ apud LEÃO; DAYRELL; REIS, 2011). Aqui, estratégia é considerada como

a ação ou os mecanismos utilizados pelos pais ou responsáveis para que as expectativas

idealizadas por eles logrem êxito. Segundo Paixão (2007), os indivíduos (pais ou

responsáveis) fazem uma escolha racional para o processo de escolarização dos filhos de

acordo ao ambiente em que vivem. Neste caso a escola é vista como um instrumento que

possibilita que as estratégias dos pais na busca pelas melhores oportunidades para os filhos

sejam concretizadas.

Para o presente estudo, os conceitos de expectativa, projetos de vida e estratégia ajudaram a

compreender de que maneira as famílias santo-amarenses, investigadas pela voz dos pais ou

responsáveis, criaram alternativas que levaram seus filhos a concluir o ensino médio e a

desejar (ou não) a continuidade na Educação Superior. A partir do momento em que se

conhecem as expectativas e os projetos de vida construídos pelos pais para o futuro imediato

dos filhos, foi possível identificar e traçar quais as estratégias adotadas por estas famílias para

que o seu objetivo, fosse incluir os filhos no mercado de trabalho, no ensino superior ou

ambos, alcançasse, ou não, o êxito.

No próximo capítulo será discutida a base teórica que deu luz à discussão sobre longevidade

escolar para as camadas de baixa renda, dividido em três subcapítulos: procurou-se conhecer

o que diz a literatura acerca do jovem da camada popular que frequenta o ensino médio, de

como a família atua na construção da expectativa desse jovem para o seu futuro imediato e

das estratégias que lançam mão para assegurar a longevidade escolar para, por último, ser

estabelecido o quadro de análise que identifica as dimensões de análises utilizadas na

pesquisa. No capítulo três, identifica-se o método adotado na pesquisa deste trabalho de

conclusão de curso, no qual são detalhados os instrumentos de coleta de dados, a escolha dos

respondentes, o limite temporal e o local onde o trabalho foi desenvolvido. No capítulo quatro

e em seus quatro subcapítulos são apresentados os resultados obtidos em Santo Amaro,

inicialmente com um perfil geral para as 70 famílias de baixa renda, seguido pelos resultados

de entrevistas com quatro famílias e pela análise geral. No quinto capítulo, são feitas as

considerações finais.

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II. Fundamentação Teórica

Na trajetória escolar de estudantes concluintes do ensino médio são inúmeros os fatores que

podem vir a influenciar o seu sucesso, sendo o ambiente familiar um deles. Até meados do

século XIX, os ambientes familiares eram constituídos em torno das figuras do pai, da mãe e

dos filhos, arranjos esses caracterizados por uma estrutura hierárquica em que o pai,

considerado como o chefe da família, detinha todo o poder e autoridade no lar e a mãe e os

filhos eram completamente submissos às vontades dele. Para Romanelli (2002), isso ocorria

devido ao fato de o pai ser o único provedor financeiro da família e ser, também, considerado

como o detentor exclusivo dos conhecimentos e saberes.

Essa situação sofreu alterações com o passar dos anos. Os avanços tecnológicos e,

principalmente, a maior liberdade garantida ao público feminino fez com que essa relação de

dominação paterna/marital fosse sendo dissolvida e as relações no ambiente familiar fossem

se tornando cada vez mais igualitárias.

Nesse contexto, segundo Romanelli (2002), com as inúmeras transformações na estrutura

familiar, o pai sai da posição de dominador e passa a dividir o lugar de principal membro da

família com a sua esposa e seus filhos. Com isso, mães e filhos lançam-se para o mundo e

passam a adquirir conhecimentos e experiências que modificaram os papéis familiares. Esta

modificação nos papéis levou os integrantes do arranjo familiar a se reestruturarem e

definirem o lugar que passariam a ocupar e as funções que passariam a desenvolver no seio

familiar. Resultante também desse processo de reestruturação familiar surgem novas

formações familiares como: famílias monoparentais, formadas por mãe ou pai mais os filhos;

famílias constituídas apenas por irmãos ou primos; ou ainda por tios mais sobrinhos; avós

mais netos e, mais recentemente, homossexuais com filhos de relação anterior de um dos

membros ou com filhos adotados.

Para Amazonas; Damasceno; Terto e Silva (2003), a família é o primeiro ambiente de

socialização do indivíduo; ela atua como mediadora dos padrões, modelos e influências

culturais. Ela é também considerada como a primeira instituição social que, junto às outras

instituições como a escola, por exemplo, atua para assegurar a continuidade nos estudos, o

sucesso escolar e a ascensão social. Kreppner (2000 apud DESSEN; POLONIA, 2007)

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considera que a família é um sistema social responsável pela transmissão dos valores, das

crenças, das ideias e significados presentes na sociedade; ela opera como uma fonte de

influência para o comportamento, sendo através dessas influências que os indivíduos

aprendem as formas de agir e escolhem o que irão fazer para o futuro.

É no seio familiar que os indivíduos vivem as mais variadas e intensas emoções, é nele em

que se aprende a conviver com o amor, com o ódio, com a alegria, com o desejo, com os

sonhos, com a esperança ou falta dela e com as expectativas. Em conjunto, essas

características configuram o fio condutor entre a formação cidadã e a sociedade em que os

filhos serão inseridos. Complementando o papel da família, a escola surge como a instituição

responsável pela ampliação do que é aprendido em casa e as experiências vividas dentro dos

arranjos familiares somadas com as experiências escolares resultarão no fracasso ou no

sucesso dos estudantes em seu mundo em particular.

Sendo a família a primeira intercessora entre o homem e a cultura, é através dos

acontecimentos de seu ambiente interno que os grupos familiares propiciam a construção do

processo comportamental de seus agregados. São as estratégias adotadas dentro do seio

familiar como: a maneira de se transmitir capital cultural; as práticas de se transmitir

pensamentos; o hábito da leitura e de assistir noticiários; as visitas a bibliotecas ou até mesmo

conversas motivacionais que proporcionam ao filho/estudante um ambiente favorecedor ao

aprendizado e ao sucesso escolar. Para Souza (2006), viver em uma família desestruturada

pode ser a causa dos mais variados obstáculos para os filhos no futuro.

Com relação ao papel da família e a longevidade escolar para as camadas populares, diferente

do que foi exposto por Patto (1992), a renda de uma família não é diretamente proporcional ao

posterior sucesso ou fracasso escolar dos alunos. Estudo desenvolvido por Souza (2013)

acerca do processo de afiliação de jovens cotistas na Universidade Federal do Recôncavo da

Bahia demonstra, através de relato de estudantes de baixa renda que estão na universidade, a

importância da família no processo de entrada e permanência universitária:

minha mãe foi a pessoa que mais me influenciou, por que ela não teve estudo então ela quer que eu seja o que ela nunca foi... e também eu nunca quis trabalhar em mercado eu quero ter uma profissão, uma vida estável ter meu dinheiro. Estudante 1 (SOUZA, 2013, p. 53)

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Ou então que demonstraram o orgulho da família de baixa renda em ter um estudante universitário:

inicialmente a gente chega na universidade com a promessa de que, rapaz...não vou morrer pobre! (rsrs) vou ter nível superior e principalmente na minha família que eu sou a única que está fazendo universidade é algo glorioso! Quando eu estava fazendo vestibular...minha família me apoiou, no caso só minha mãe porque eu não tenho uma família completa, não tenho pai presente ele é vivo mais não é presente e principalmente na minha vida acadêmica. Quando a gente entra para universidade a gente entra com uma promessa de realização de um sonho, no meu caso...na verdade fazer um curso de nível superior é um sonho realizado não por mim mas por ela (refere-se a mãe) por que ela não teve oportunidade de estudar por que teve que trabalhar muito jovem pra sustentar os irmãos mais novos e ai ela disse: “bom! Eu vou lutar pra que meus filhos tenham... se vejam na condição de não ter que ficar como empregado o tempo todo” então quando eu entrei na universidade eu entrei com essa mentalidade de que um dia eu vou ser patroa eu não vou ficar quinem minha mãe na condição de empregado...a garantia que eu tenho disso é a cada dia que eu pisar aqui eu não posso em nenhum momento pensar em desistir apesar de que eu me deparo o tempo todo com isso quando eu vejo as dificuldades que vão aparecendo e o desanimo... Estudante 2 (SOUZA, 2013, p. 53)

Estes relatos demonstram a importância das estratégias e das expectativas das famílias para a

entrada e permanência dos filhos no ensino superior para os estudantes universitários; mostra

também a importância de se formular políticas públicas de qualidade para as instituições

familiares que favoreçam, facilitem e simplifiquem o desenvolvimento humano e cognitivo

dos seus filhos/alunos na Educação Básica para que, posteriormente, elas possam inseri-los no

ensino superior.

Por sua vez, vale ressaltar que as políticas construídas para essas instituições devem levar em

consideração contextos variados, visto que esses arranjos se estruturam de maneiras

diferentes: devem ser analisados os diferentes padrões, as significações atribuídas ao papel do

pai e da mãe, a classe social e a maneira como são estabelecidas as formas de sociabilidade

dentro do lar. “As formas de sociabilidade modulam formas de relacionamento intra e

interfamiliares. A relação entre valores, práticas e relações sociais e familiares se estabelece

de forma circular, recíproca” (FONSECA, 2006, p. 2). Para Mioto (1997. apud. FONSECA,

2006, p. 3), os ordenamentos jurídicos, na maioria das vezes, não conseguem acompanhar a

rapidez com que os novos arranjos familiares são formados e isso impede uma ação

governamental de qualidade porque o gestor público, através do princípio da legalidade, só

pode fazer o que é permitido em lei. Há, portanto, um descompasso entre o que “deve ou se

supõe ser” e o que “está sendo”, entre o “vivido”, o “idealizado” e o “legislado”.

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Isso tudo demonstra que, em um mundo familiar, coexistem modos particulares de

organização que podem vir a se diferenciar nas crenças, valores, recursos econômicos e

sociais. Quando se pensa em família como foco de intervenção de políticas públicas, analisar

com acuro a organização familiar torna-se imprescindível para que a política pública

planejada exerça um papel crucial na melhoria efetiva da qualidade de vida dos estudantes das

camadas populares.

É fundamental salientar que o papel das famílias de baixa renda no processo de escolarização

dos filhos é extremamente importante para fugir do caminho historicamente estabelecido de

que o investimento econômico define a longevidade escolar para as camadas populares. Para

Portes (2010), a insegurança, a privação e angústia vividas pelas famílias de baixa renda

impulsionam determinados tipos de ação, ou seja, o fato de se viver em ambiente com

condições limitadas de vida pode levar os pais a criarem expectativas acerca do futuro dos

filhos com o intuito de que, em um determinado período de tempo, possam melhorar as

circunstâncias vividas na família como um todo. Para que essa expectativa saia da abstração,

do mundo dos desejos e sonhos, eles constroem projetos de vida para os filhos focando o

estudo ou trabalho ou até mesmo nos dois e, pensando neles, assumem uma série de posturas

e estratégias que não precisam de dinheiro para ser realizadas e ao mesmo tempo interferem

positivamente na vida dos filhos/alunos como, por exemplo, incentivo à leitura, estímulo para

realização de cursos técnicos e profissionalizantes, visitas regulares à escola para conversar

com professores sobre o desempenho, etc.

Vale lembrar também que o fato de os pais (incluindo a família de uma maneira geral) não

participarem e não acompanharem a vida escolar dos “filhos” não significa que eles sejam

omissos e não se preocupem com o futuro deles. Este fenômeno, chamado por Lahire (1997

apud. PORTES 2010, p. 79) de “mito da omissão parental”, é reproduzido por professores

que, sem analisar os arranjos familiares e prestando atenção pura e simplesmente no

desempenho e no comportamento dos alunos dentro da escola, consideram os pais indiferentes

e negligentes com os mesmos.

Durante a realização da Pesquisa Santo Amaro, em conversas informais com professores,

coordenadores e diretores de escolas do ensino médio, a reprodução do discurso da omissão

parental foi frequente. Para a maioria dos professores, coordenadores e diretores, a família

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transferiu completamente a função de educar os filhos para a escola e muitos deles utilizam

este argumento para explicar os baixos níveis de desempenho dos alunos, culpando

diretamente as famílias por isso. Em outras palavras, a invisibilidade da presença da família

nos ambientes internos da escola reproduz o “efeito pigmaleão1” que pode ser entendido como

o fato dos professores criarem expectativas mais favoráveis acerca dos estudantes que

possuem familiares que participam das atividades escolares ou conversam mais com os

professores acerca do futuro e do comportamento dos filhos na escola.

Ainda são poucos os estudos que se referem à participação da família na escolarização dos

filhos de ensino médio. Em sua maioria as pesquisas relatam apenas a importância das

famílias na formação das crianças, como nos estudos de Amazonas, Damasceno, Terto e Silva

(2003) e Reis (2010). No entanto, a participação da família na educação do jovem no ensino

médio, que pode acontecer conscientemente ou inconscientemente, é fundamental para

explicar a longevidade escolar para as camadas populares.

Nos últimos anos, garantir uma educação de qualidade e atrair os jovens, principalmente das

camadas populares, às salas de aula tornou-se um desafio constante para pais, professores e

governantes. Com isso, a partir do ano de 2010, obedecendo à Emenda constitucional n° 59,

de novembro de 2009, o Estado foi obrigado a ampliar o escopo da Educação básica ao ensino

médio, já que, até então, incluía só até o Fundamental 2.

Para possuir as configurações que tem hoje, historicamente, o ensino médio foi submetido às

mais variadas reformas na tentativa de romper a dicotomia entre o ensino propedêutico e o

profissionalizante. Nesta perspectiva o sistema educacional do Brasil se encontrou diante de

um duplo questionamento: Como incluir o ensino médio na Educação Básica obrigatória? E

como reorganizar a estrutura curricular nacional? Esses pontos foram resolvidos com a

implementação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 9.394/96),

promulgada em 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu as suas diretrizes e bases

fundamentadas na universalização, na democratização do acesso e na soma de três de anos à

1 Efeito Pigmaleão, também conhecido por efeito de Rosenthal ou Profecia Autorrealizadora assim nomeado por conta dos psicólogos americanos Robert Rosenthal e Lenore Jacobson que realizaram uma pesquisa sobre como a expectativa dos professores afeta diretamente o desempenho dos alunos em sala. Segundo os autores, quando os professores possuem uma expectativa positiva com relação ao aluno, este tende a obter melhores resultados, porém visões e reprodução de discurso negativo acerca do aluno comprometem negativamente a postura e o desempenho dos mesmos. Para melhor compreensão, ler TACCA (1999).

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educação fundamental. A LDB 9394/96 define, por meio do Art. 36, que o ensino médio se

torna progressivamente obrigatório e passa a ser a etapa final da Educação Básica. Em 2013,

a Lei 12.796/2013, alterando a LDB, determina que a educação formal obrigatória, no Brasil,

seja organizada pela Educação Infantil (pré-escola), educação fundamental e o ensino médio.

Com esta alteração, a família passa a ser obrigada por lei a manter os filhos de 4 a 17 anos de

idade na escola (prazo final de adaptação até o ano 2016) e passa a dar também um sentido

especial para a escolarização, já que a obrigatoriedade do ensino médio, aliada à ampliação do

número de políticas públicas que aproximam e qualificam a entrada e a permanência dos

estudantes no ensino superior, constrói uma tendência de aproximação dos estudantes de

baixa renda e, concomitantemente, de suas famílias com o sistema de Educação Superior.

O estabelecimento da obrigatoriedade do ensino médio representou um grande avanço com

relação às leis anteriores. Como afirma Kuenzer (2000), no Brasil sempre existiu um

distanciamento entre o que estava prescrito em lei e a realidade; no entanto, a LDB 9394/96,

mesmo com muitos problemas de expansão da escolaridade básica, conseguiu fugir a essa

regra. Ela instituiu, vide o Art. 26, a construção de um novo currículo fundamentado em uma

base nacional comum que foi planejado, ajustado, executado e posteriormente avaliado,

garantindo uma maior flexibilização para que os diversos agentes que compunham o processo

pudessem adaptar os projetos e desenvolvê-los com o intuito de atender diretamente as suas

mais variadas demandas, com as mais diversas características do seu grupo social.

A partir do momento em que o ensino médio passa a ser considerado obrigatório, a etapa final

da Educação Básica nacional se torna objeto de estudo de diversos autores, como Franco;

Zibas (1999), Castro (1999) e Kuenzer (1997). Busca-se também compreender quem é o

estudante que passa a frequentá-lo e como os jovens das camadas de baixa renda e suas

famílias se enquadram nesse processo.

Para Madeira (2006), até meados da década de 1970 existiam acontecimentos que marcavam

os diferentes e previsíveis estágios da vida, que obedeciam a uma sequência específica:

primeiro a infância, período em que o indivíduo desenvolvia a sua sociabilidade e era

completamente dependente dos pais; segundo, a adolescência quando o sujeito completava 15

anos e ganhava uma autonomia perante a família; terceiro, o período entre os 18 e os 25 anos

que passou a se chamar juventude, no qual o jovem amadurecia e se preparava para entrar no

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mundo. Contudo, com o início da década de 1980, essas normas que definiam a infância, a

juventude e a vida adulta mudaram, dando origem a novas categorias etárias e ao incremento

de novos comportamentos aos seres. A partir daí, a infância encurta, a adolescência alonga e o

amadurecimento e a entrada na vida adulta só acontecem quando o jovem se sente realmente

preparado para o mercado de trabalho, resultando no prolongamento da juventude e

adiamento da meia idade.

A juventude, assim como o ensino médio, recentemente tem atraído os olhares de

pesquisadores como Franco (2001) e Dayrell (2007), que procuram entender como as relações

sociais deste público alvo são formadas. As pesquisas buscam analisar as relações dos jovens

com o mercado de trabalho, com questões relativas à socialização e com a educação, tentando

propor algum tipo de alternativa para inserção no mercado de trabalho, reconhecimento do

jovem enquanto sujeito, para inserção e permanência nos centros educacionais. No que se

refere à educação, a maioria dos estudos se preocupa em analisar o universo juvenil como o

ambiente da escola e da rua e esquece-se de investigar o ambiente da casa e as estratégias de

apoio à formação dispensadas aos filhos.

Analisar estas estratégias assumindo como foco principal as famílias de baixa renda é

importante porque, mesmo com o intenso processo de democratização da rede pública de

ensino, as desigualdades não desapareceram completamente (talvez pelos altos níveis de

improdutividade das escolas, como posto por Freitas, 2009), mas vieram se tornando cada vez

mais maquiadas visto que o sistema educacional, por si só, ainda não consegue minorar as

injustiças econômicas e garantir Educação Superior para todos que a desejam. A próxima

seção se debruça sobre o jovem oriundo de famílias de baixa renda e sua escolarização.

2.1 O jovem do Ensino Médio e a longevidade escolar para famílias de baixa renda

Entende-se a longevidade escolar como um processo de escolarização de sucesso que é

simbolizado, nesta pesquisa, pela entrada e pela permanência dos estudantes nas instituições

de ensino superior. Pode-se constatar que a longevidade escolar para estudantes oriundos de

família de baixa renda nem sempre foi vista como uma meta possível de ser alcançada.

Analisando a história da educação brasileira, observa-se que, até meados do século XX, a

educação era elitizada e fundamentava-se em um ensino mais amplo e voltado para a

formação literária e humanística dos indivíduos. No entanto, com o advento da globalização e

um forte processo de industrialização, vivenciado mais fortemente no Brasil a partir da década

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de 1950, a educação migrou do sentido elitizado para uma educação massificada e de baixa

qualidade voltada para as classes populares, como pode ser visto em Dias Sobrinho (2010).

Entretanto, nos dias atuais, com a ampliação do número de vagas nas universidades e com a

democratização do ensino, esta realidade vem sendo alterada e aos poucos a Educação Básica

e Superior vêm ganhando um novo público. São eles estudantes oriundos de famílias de baixa

renda que, outrora, estiveram destinados ao trabalho braçal. De acordo com Souza (2009), o

sucesso escolar improvável pode ser compreendido como a entrada e a permanência dos

jovens de baixa renda no ensino superior, sobretudo nos cursos considerados de maior

prestígio como Medicina, Direito e as Engenharias.

Nesse sentido o ensino médio, período escolar que antecede o ensino superior, deve ser

analisado com cautela. Podendo ser considerado como um divisor de águas para os alunos que

o frequentam, o ensino médio é o momento que antecede a vida dos estudantes fora da escola,

é quando termina a obrigatoriedade do ensino imposta por lei e o aluno se vê obrigado a fazer

suas próprias escolhas, tornando-se, a partir daí, sujeito “dono do seu destino”. A

obrigatoriedade do ensino médio não foi transformadora e modernizadora apenas para a

educação nacional: o aluno matriculado nesta modalidade de ensino adquire, a partir dali, um

importante papel a desempenhar e começa a criar interpretações e intervenções próprias, mas

muitas vezes influenciadas pelas vontades das suas famílias, que servirão de base para o seu

futuro imediato, seja no mundo do trabalho, do estudo ou de ambos.

Segundo Leão, Dayrell e Reis (2011), a maior parte dos professores enxerga os jovens que

frequentam o ensino médio apenas na dimensão de aluno, não levando em conta o sexo, a

idade, a origem social e as expectativas sociais. Os alunos são identificados puramente em sua

dimensão cognitiva, sendo tratados como um dado natural do processo de escolarização e não

como sujeitos construídos social e historicamente.

Em uma pesquisa realizada, em 2001, por Zago (2005) foi constatado que a maioria dos

estudos educacionais abordava temas pedagógicos (como o processo de aprendizagem,

técnicas de ensino e metodologias) e também a escassez de pesquisas que buscassem conhecer

o aluno de maneira ampla, de enxergá-lo como resultado das experiências sociabilizadoras

que interferiam direta e/ou indiretamente no ambiente escolar. Já para Boyer e Corindian

(2000, apud. ZAGO 2005), os estudos desenvolvidos acerca dos aspectos educacionais

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durante muito tempo foram centrados nas análises das carreiras escolares e nas condições de

produção e reprodução das desigualdades sociais. Percebe-se hoje que o interesse específico

pelas vivências sociais do aluno, principalmente do ensino médio, aliadas às práticas de

prolongamento da escolaridade, não é dominante, sobretudo no que diz respeito às camadas

de baixa renda. Para Spósito (2001), de nada valem as experiências pedagógicas se as

dimensões e as práticas sociais em que o sujeito está inserido não são investigadas, ou seja, se

o ambiente familiar, escolar e social em que o estudante convive não for considerado.

Com relação ao ambiente da escola, inúmeros autores que se dispõem a explicar a relação do

professor com o aluno no ensino médio, como Spósito (2005) e Dayrell (2007), afirmam que

a origem deste novo público veio permeada de conflitos.

A educação da juventude, a sua relação com a escola, tem sido alvo de debates que tendem a cair numa visão apocalíptica sobre o fracasso da instituição escolar, com professores, alunos e suas famílias culpando-se mutuamente. Para a escola e seus profissionais, o problema situa-se na juventude, no seu pretenso individualismo de caráter hedonista e irresponsável, dentre outros adjetivos, que estaria gerando um desinteresse pela educação escolar. Para os jovens, a escola se mostra distante dos seus interesses, reduzida a um cotidiano enfadonho, com professores que pouco acrescentam à sua formação, tornando-se cada vez mais uma “obrigação” necessária, tendo em vista a necessidade dos diplomas. Parece que assistimos a uma crise da escola na sua relação com a juventude, com professores e jovens se perguntando a que ela se propõe. (DAYRELL, 2007, p. 1106)

Para Dos Santos, Nascimento e Menezes (2012), a escolarização da maior parte dos alunos

das camadas de baixa renda passa por limitações e dificuldades. De acordo com as autoras, os

jovens pobres são desmotivados pela falta de condição de acesso e permanência no Ensino

Infantil e Fundamental, o que reflete posteriormente em inúmeras reprovações e evasão

escolar temporária ou definitiva.

Ocorre que, ao chegar à escola, o jovem pobre se depara com um cenário de outras tantas dificuldades que desafiam seu desenvolvimento cognitivo, humanístico e cultural. Problemas de ordem estrutural das escolas, formação deficitária dos professores, currículo desatualizado e descontextualizado vão compondo um cenário de distanciamento entre juventude e escola. (DOS SANTOS; NASCIMENTO; MENEZES, 2012, p. 291)

As autoras consideram que boa parte dos alunos pobres mal consegue entrar e muitos menos

concluir o ensino médio por conta da sua entrada cada vez mais precoce no mercado de

trabalho.

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A partir do ano 2000, as discussões sobre desigualdades educacionais ganharam espaço nas

agendas de governo, o que impulsionou a nação a passar por um processo de reformas

políticas educacionais na tentativa de aproximar os jovens das camadas de baixa renda do

ensino superior. Para Pacheco e Ristoff (2004), até meados da primeira década do século XXI,

25 % dos potenciais alunos universitários no Brasil eram tão carentes que não teriam

condições de entrar nesta etapa de escolarização mesmo se fosse gratuita, isso porque o custo

financeiro existente para um aluno ingressar no ensino superior é enorme.

Segundo o MEC/INEP (2011), no ano de 2003 o número de estudantes matriculados no

ensino superior era 3.520.627; já no ano de 2011 esse número subiu para 6.739.689 matrículas

e, como dito anteriormente, em 2011, 12,5% das vagas nas IES foram reservadas para o

sistema de cotas. Do total de estudantes matriculados no ensino superior, público ou privado,

21,7% recebiam na época algum tipo de financiamento (reembolsável ou não), o que indica

que os estudantes em situação de vulnerabilidade econômica passaram a ser mais amparados

pelo sistema educacional brasileiro. Começa a existir, então, “um grupo de estudantes pobres

e muito pobres que estão conseguindo ultrapassar barreiras ao longo de suas trajetórias

escolares, ingressar e permanecer nas universidades públicas" (INEP, 2001, p. 41), que

passam a ser “tomados” como objeto de estudo com o intuito de explicar os casos atípicos de

sucesso escolar para as camadas de baixa renda.

De acordo com Corseuil e Santos (2000), a educação é fundamental para o desenvolvimento

de um país. Ela afeta significativamente a distribuição de renda entre os indivíduos, mas ainda

boa parte dos jovens brasileiros opta por estudar e trabalhar, o que coloca o trabalho como

uma dimensão importante no universo deste grupo específico. Para Leão (2006), a escolha

entre se dedicar ao estudo ou ao trabalho, prolongar a trajetória escolar ou não depende de

uma combinação de diversos fatores objetivos ou subjetivos na vida de cada indivíduo em

especial e da sua família. A motivação dos jovens mais vulneráveis economicamente diante

das escolhas da vida depende de como é estabelecida a sua relação e experiência no meio

onde é criado e de como o significado do trabalho ou da educação é atribuído pelos seus

responsáveis, pelos seus familiares, nesse processo.

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2.2 O papel da família na formação das expectativas dos estudantes e as estratégias adotadas no apoio à longevidade escolar

Estudos e pesquisas como as de Lahire (1997, apud PIOTTO 2008), que possuem como foco

principal a relação família-escola, têm demonstrado que quanto maior o vínculo estabelecido

entre pais ou responsáveis com os filhos do Ensino Fundamental no processo de

escolarização, maiores são as chances de esses estudantes alcançarem o bom desempenho

escolar e os níveis mais altos de ensino como, por exemplo, a Educação Superior.

Diferentemente de Patto (1990), que analisa o fracasso escolar dos alunos oriundos de

famílias pobres, Lahire baseia o seu estudo nas trajetórias escolares bem sucedidas de

alunos oriundos de famílias pobres.

Durante muito tempo as famílias de baixa renda foram culpabilizadas pelo fracasso escolar

dos seus filhos. Acreditava-se que as estratégias utilizadas pelas famílias pobres para educar

as suas crianças eram ineficientes, ou seja, essas crianças estavam fadadas a se sair mal na

escola porque o ambiente familiar em que conviviam dificultava o desenvolvimento de

competências e habilidades imprescindíveis ao seu bom desempenho na instituição escolar,

como demonstra Patto (1990). Todavia, a partir da década de 1990, estudos como o de Vianna

(1998), que se fundamentavam nas trajetórias prolongadas de estudantes das famílias de baixa

renda, começam a ganhar força e a família passa a ser considerada, então, peça chave para as

trajetórias de sucesso desses alunos.

Esse novo discurso que coloca a família como parte principal do processo de aprendizagem

invade as instituições escolares. De acordo com Paixão (2007), o governo do então presidente

Fernando Henrique Cardoso instituiu a data de 24 de abril como o dia nacional da Família na

Escola. Paixão, citando uma pesquisa realizada em 2004 pela UNESCO juntamente com o

MEC, afirma ainda que houve uma mudança no perfil dos educadores brasileiros, no que se

refere ao processo de aprendizagem dos alunos: os educadores começam a considerar a

parceria da família com a escola extremamente necessária para o bom desempenho dos

estudantes na escola. No entanto, grande parte dos estudos ainda hoje, no ano de 2014, analisa

as estratégias utilizadas pelos pais ou responsáveis para educar e manter os filhos menores na

escola, ou seja, os estudantes matriculados no Ensino Fundamental. Estudos como o de

Borsato (2008) consideram que a família é a base de tudo, que é através dela que as crianças

aprendem a viver em sociedade e que, quando os alunos vêm de famílias desestruturadas,

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apresentarão conflitos emocionais que resultarão posteriormente em distúrbios de

aprendizado.

Estes estudos desconsideram a influência dos pais ou responsáveis exercida sobre os filhos

maiores matriculados no ensino médio. Acreditam que, quando os filhos-alunos chegam à

idade de 15 anos, idade em que começa a juventude, a influência da família diminui e os

estudantes começam a ser influenciados pelos contatos estabelecidos no processo de

socialização, processo marcado por encontros com os amigos e conhecidos dentro e fora dos

muros da escola, pelas redes sociais, viagens e participação em eventos culturais, religiosos e

esportivos.

No que se refere à Educação Superior, Dayrell (2007) considera que o processo de

socialização vivenciado pelos jovens amplia as possibilidades de escolha para eles e, por

conta disso, quanto maior for a frequência de socialização para cada um, maior será a vontade

e a possibilidade dos estudantes, dependendo do grupo que fazem parte, entrar ou não no

ensino superior.

O Ministério da Educação (MEC), tentando explicar o distanciamento dos pais no ensino

médio, publicou no seu portal:

Quando o jovem chega ao Ensino Médio, muitas vezes os responsáveis enfrentam maior dificuldade para acompanhar os filhos no processo escolar, pois os trabalhos exigem domínio de conhecimentos específicos com maior complexidade, além de o currículo apresentar maior número de disciplinas. (MEC, 2013.)

Contudo, logo em seguida o Ministério da Educação estabelece atitudes básicas que as

famílias devem possuir para contribuir com o trabalho pedagógico da escola e melhorar a

parceria como, por exemplo: valorizar as atividades escolares, o avanço social do jovem nos

estudos e o acesso ao mundo do trabalho, verificar as frequências às aulas e manter contato

com a coordenação da escola para verificar o desempenho do aluno.

Investigar a relação da família com a escola na tentativa de buscar compreender os processos

que possibilitam aos jovens das camadas de baixa renda romper uma tradição histórica de que

o sucesso escolar está diretamente ligado com a classe social é imprescindível para entender

como as estratégias de escolarização criadas/adotadas pelas famílias interferem no êxito

escolar dos filhos.

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Viana (1998), com base em uma análise de referencial teórico, buscou compreender como as

estratégias das famílias dispensadas aos filhos contribuem para a sobrevivência dos mesmos

no sistema de ensino. A autora menciona os estudos de Laurens (1992. apud. VIANA, 1998)

que lidam com as trajetórias bem sucedidas dos filhos operários que conseguiram ingressar no

curso superior de Engenharia no período de 1986 – 1987. Em um primeiro momento, Laurens

identificou 167 trajetórias de sucesso que foram posteriormente analisadas com base em duas

dimensões: a primeira, como as trajetórias exitosas eram processadas; a segunda, as razões

que possibilitaram a essas famílias inserirem seus filhos na Educação Superior, contrariando

todas as expectativas da época. De acordo com Laurens, de cada 500 filhos de operários, 1 se

tornava engenheiro, o que demonstrava uma trajetória atípica de grande magnitude.

...o sucesso escolar de filhos de operários que têm acesso às mais prestigiosas das carreiras escolares era, antes de tudo, um trabalho de práticas educativas familiares, e não somente o resultado de uma justaposição de acasos felizes ou da participação de circunstâncias fortuitas. (LAURENS, 1992, p.47. apud VIANA, 1998. p. 17.).

Ou seja, a chegada ao sucesso depende da prática usada pela família na hora de investir na

educação de seus filhos. Para Laurens (1992 apud VIANA, 1998), a vontade da família de

vencer as condições, muitas vezes degradantes, em que vive ultrapassa todos os obstáculos e

cria um ambiente familiar favorável ao sucesso e à longevidade escolar.

Para Lahire (1997, apud. PIOTTO, 2008), o perfil psicológico dos pais interfere nas histórias

de sucesso dos seus filhos. Citando como exemplo a história de Salima, filha de pai operário e

mãe analfabeta e considerada boa aluna pelo seu professor, Lahire considera que ela foi

resultado de uma configuração familiar que possibilitou o sucesso na escola: mesmo o pai

tendo baixa escolaridade, sua ajuda e incentivo à realização das atividades acadêmicas, por

exemplo, levando Salima à biblioteca, resultaram em êxito. Ou seja, são as configurações

familiares, as práticas educativas incentivando os estudos ou as práticas de mobilização da

família na hora de levar os filhos para a escola ou biblioteca da cidade que tendem a gerar

uma maior oportunidade de longevidade escolar para os alunos das camadas de baixa renda.

Para investigar as expectativas e estratégias adotadas por famílias de baixa renda santo-

amarenses em relação ao futuro imediato de seus filhos, em especial quanto à longevidade

escolar, a próxima seção sintetiza o quadro de análise, proposto a partir desta fundamentação

teórica.

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2.3 Quadro de Análise

Para dar conta de responder a pergunta de pesquisa, com base no estudo bibliográfico e nos

objetivos do presente trabalho, foram tomadas três importantes dimensões: 1°) Contexto

familiar atual do aluno, 2°) Expectativas das famílias com relação ao futuro do aluno e 3°)

Estratégias utilizadas pelas famílias para manter os alunos no ensino médio e inseri-los no

ensino superior. Estas dimensões foram operacionalizadas por perguntas norteadoras que

deram vida ao roteiro de entrevista aplicado às quatro famílias de baixa renda santo-

amarenses selecionadas.

Quadro 01 - DIMENSÕES DA PESQUISA EXPECTATIVAS E ESTRATÉGIAS QUE FAVORECEM A LONGEVIDADE ESCOLAR PARA AS FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA:

UM ESTUDO EM SANTO AMARO DA PURIFICAÇÃO – BA (2014) .

DIMENSÕES PERGUNTAS NORTEADORAS

Contexto familiar atual do aluno

1. O que o seu filho está fazendo atualmente? Ele trabalha, estuda ou realiza outras atividades?

2. Ele já casou? 3. Se ele estuda, o que ele estuda e se ele trabalha em que trabalha? 4. Qual curso ele gostaria de cursar no ensino superior? Você apoia essa

decisão? Você acredita que ele vai conseguir? 5. Vocês mudaram de casa no período em que ele (a) estudava e concluiu o

EM? 6. Mudou o perfil de renda? 7. O que mudou na sua família depois que seu filho concluiu o EM? 8. Você tem outros filhos que já cursaram, estejam cursando ou queiram

cursar uma Universidade ou uma Faculdade? Expectativas das famílias

1. Quando seu filho nasceu, qual era o seu sonho para ele? 2. Você considera seu filho um bom aluno? Acha que ele é estudioso? 3. Qual o sonho para ele agora? 4. Você acha que esse sonho vai se tornar realidade? 5. O que você acha do estudo, estudar é importante? 6. O que você acha do trabalho, trabalhar é importante? 7. Para você o que é mais importante na criação de um filho?

Estratégias das Famílias

1. Você dava importância em frequentar as aulas, em fazer as atividades de casa?

2. Você incentivava o seu filho a ler? 3. No Ensino Médio, o que você fez para acompanhar o desempenho do seu

filho? 4. Você sempre olhou as notas? Você acha isso importante? 5. Você participava das reuniões na escola? Você considera que o fato de

participar (ou não) das reuniões influenciava no comportamento do seu filho na escola?

6. Você se preocupava com a manutenção do material didático oferecido pela escola?

7. Aqui na sua casa tem algum espaço destinado para o estudo? 8. Você recebeu algum tipo de apoio do governo para a criação dos seus

filhos? Algum tipo de Bolsa? 9. Você conhece as ações afirmativas das universidades?

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10. Seu filho já teve que abandonar a escola alguma vez? Se sim, por qual motivo?

11. Seu filho já perdeu de ano alguma vez? O que você fez para ele voltar a estudar?

12. Como foi escolhida a escola do seu filho? 13. Você tem livros ou revistas em casa? 14. Durante o Ensino Médio você conversava com os professores sobre o seu

filho? 15. Quando o seu filho era menor você se preocupava mais com o estudo

dele? Você acompanhava mais ele na escola? Sua forma de acompanhá-lo mudou quando ele foi para o ensino médio? Por quê?

Com as dimensões e as perguntas bem definidas, um roteiro de entrevista foi elaborado e a ida ao campo foi agendada.

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III. Método

O presente estudo está amparado, teórico e metodologicamente, no modelo utilizado na

Pesquisa Santo Amaro, desenvolvida por professores-pesquisadores vinculados ao

Observatório da Vida Estudantil. O Observatório é multi-institucional, conta com professores

e alunos da UFRB e da UFBA e, em 2011, ampliou seu leque de atuação para incluir

pesquisas de cunho mais quantitativo. Naquele momento, foi iniciada a Pesquisa Santo

Amaro, cuja apresentação do objetivo é feita nas palavras de suas pesquisadoras-

coordenadoras:

A pesquisa “Expectativas de alunos concluintes do Ensino Médio e o novo campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB): uma investigação em Santo Amaro da Purificação” tem como objetivo geral levantar as aspirações de futuro próximo declaradas por alunos concluintes de ensino médio e por seus professores, em especial em termos de formação e profissionalização, antes da implantação do campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia em Santo Amaro. (DANTAS E SANTOS, 2013, p. 05).

Este trabalho de conclusão de curso começou a ser desenvolvido no ano de 2012 a partir do

primeiro Plano de Trabalho Discente, desdobramento da Pesquisa Santo Amaro, aprovado

pelo PIBIC: A relação entre a família, rede social e colegas e as expectativas de alunos do

ensino médio em Santo Amaro da Purificação. O desenvolvimento daquele trabalho de

iniciação científica possibilitou, primeiramente, observar que os alunos santo-amarenses, na

hora de tomar as decisões para o futuro, levavam em consideração as opiniões da família e,

posteriormente, resultou no desenvolvimento de um segundo Plano de Trabalho Discente,

também aprovado pelo PIBIC, no ano de 2013, que se propunha a analisar quais são/eram as

expectativas e estratégias das famílias santo-amarenses para o futuro imediato dos seus filhos

e as percepções que os estudantes concluintes tinham em relação às expectativas dos seus

colegas, da sua rede social e da sua família.

Dentro desta perspectiva, para o desenvolvimento do presente trabalho foram estabelecidas

duas fases: a primeira consistiu na utilização de dados secundários, oriundos da pesquisa-mãe,

em uma abordagem descritiva. Tais dados são oriundos do survey realizado com 474

estudantes prováveis concluintes do ensino médio em 2012, matriculados no último ano do

ensino médio em Santo Amaro, e favoreceram a identificação das famílias e o conhecimento

dos desejos dos seus filhos para o futuro. Na Fase II, as famílias identificadas foram

entrevistadas na busca pela compreensão das expectativas que elas mantinham para os seus

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filhos no futuro e as estratégias adotadas para que os seus desejos virassem realidade, em uma

abordagem qualitativa.

Para a escolha das famílias para a Fase II do presente trabalho, foi definido como critério: em

2012, elas possuíam renda mensal declarada pelo aluno de até meio salário mínimo. Todas as

análises de perfil foram realizadas através do Statistical Package for Social Science (SPSS).

Do conjunto total de 474 estudantes, foram identificadas 70 famílias que viviam sob a

condição estipulada.

Ainda na Fase I foi feita uma análise univariada das 70 famílias que viviam com as condições

de renda estipulada para o desenvolvimento da pesquisa. Nesta análise foram consideradas as

expectativas de futuro dos filhos-alunos das famílias selecionadas, buscou-se conhecer até

qual nível eles (filhos-alunos) gostariam de alcançar, buscou-se conhecer quais eram as

pessoas que mais os incentivavam na hora da tomada de decisões, quais as crenças com

relação ao estudo, ao trabalho, se tinham feito vestibular ou ENEM, quais cursos gostariam de

estudar nas IES, etc. Essas análises serviram como suporte para a análise individual das

famílias selecionadas.

As 70 famílias foram categorizadas pela matrícula de seus filhos nas escolas envolvidas pelo

survey de 2012 e percebeu-se que, em Santo Amaro, das nove escolas que ofereciam o ano

concluinte do ensino médio, apenas cinco possuíam famílias vivendo com renda inferior a

meio salário mínimo. Destas escolas, quatro eram estaduais (duas na sede e duas nos distritos)

e uma privada. Esta última possuía duas únicas famílias vivendo com o valor – teto

estabelecido. Com objetivo de aprofundar a pesquisa, escolheu-se realizar uma entrevista com

uma família por escola, totalizando cinco entrevistas.

Levando em consideração a disposição das famílias por escolas, foi feito um sorteio, também

pelo SPSS, de aproximadamente 25% das 70 escolas iniciais, o que resultou inicialmente em

uma sub-amostra de 19 famílias. Para entrar em contato com as mesmas, foi utilizado o

número de telefone dos estudantes encontrados nos arquivos da Pesquisa Santo Amaro/2012.

Foi estabelecida a seguinte regra: para cada número existente, seriam feitas até três ligações

em horários diversos. Caso as ligações não fossem atendidas, este número era substituído pelo

próximo na lista. Dos 19 números de telefone inicialmente obtidos, apenas quatro

continuavam funcionando em 2014.

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Foi feito contato com os quatro estudantes que ainda mantinham os seus números. Destes,

dois aceitaram que a sua família participasse da entrevista, um havia se mudado de Santo

Amaro para Salvador com a família na busca de melhor oportunidade de vida e por isso não

pôde participar, e o último era um dos dois alunos matriculados no ensino médio privado.

Este último se negou a participar da entrevista alegando motivos pessoais.

Como neste primeiro sorteio só se conseguiu duas entrevistas, houve a necessidade de realizar

um novo sorteio. Desta vez, foram sorteados 15% da amostra inicial, excluindo os 25% que já

haviam sido selecionados. Desta segunda vez, foram obtidos mais quatro números de

telefones válidos: o primeiro deles era do segundo aluno matriculado na escola privada que,

assim como o aluno anterior da mesma escola, se recusou a participar; os outros dois telefones

da lista eram de alunos matriculados em escolas estaduais (uma na sede e uma no distrito) e

também se recusaram a participar; o último telefone era de uma estudante matriculada em

uma escola estadual situada na sede que, diferente dos anteriores, ficou feliz em fazer parte da

pesquisa. Como neste segundo sorteio só se conseguiu uma entrevista, houve a necessidade de

realizar um terceiro sorteio de 15% do total no SPSS, excluindo os 40% que já haviam sido

selecionados. Deste último sorteio foi possível agendar a entrevista que faltava. No quadro a

seguir, é apresentada a disposição dos 70 alunos por escola.

Tabela 1 - DISPOSIÇÃO DE ALUNOS DE BAIXA RENDA POR ESCOLA, PESQUISA SANTO AMARO - 2012

NOME DA ESCOLA REDE ADMINISTRATIVA / LOCAL

QUANT. DE ALUNOS NA AMOSTRA

Centro Educacional Prof. José Nery de Mesquita

Particular (Sede)

02

Colégio Estadual Senador Pedro Lago

Pública Estadual (Sede)

12

Colégio Estadual Castro Alves Pública Estadual (Distrito)

16

Colégio Estadual Antônio dos Santos Paim

Pública Estadual (Distrito)

21

Centro Educacional Teodoro Sampaio

Pública Estadual (Sede)

19

TOTAL 70 Fonte: Pesquisa Santo Amaro - 2012

Como a intenção era de entrevistar um aluno por escola e os dois únicos alunos da Rede

Privada se recusaram a participar, foram feitas no total quatro entrevistas, uma para cada

escola da rede pública estadual. Todos os estudantes que aceitaram participar da entrevista são

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do sexo feminino, porém vale salientar que a intenção não é de se discutir questões de gênero:

todos os representantes foram mulheres porque, seguindo o critério de no máximo três

ligações por pessoa, foram as quatro selecionadas que atenderam ao chamado.

Na Fase II do presente trabalho, a principal ferramenta de pesquisa utilizada para o

desenvolvimento do trabalho foi a entrevista com as famílias santo-amarenses selecionadas no

sorteio do SPSS. Para a construção do roteiro2 foram feitas perguntas abertas e

semiestruturadas focadas no contexto familiar atual do aluno, expectativas das famílias para o

futuro dos filhos/alunos e estratégias para manter os filhos no ensino médio e inseri-los no

ensino superior.

As entrevistas foram realizadas no mês de janeiro de 2014 na casa dos entrevistados.

Participaram das entrevistas duas mães, um pai e duas responsáveis (de uma mesma família)

sem ligações consanguíneas. No início da entrevista foi explicado às famílias o objetivo da

pesquisa, foi explicado também, de forma simplificada, como aconteceu o processo que levou

até a escolha delas e posteriormente foi perguntado aos responsáveis se eles gostariam de

fazer parte da pesquisa com a concessão da entrevista. Dito sim foi entregue, antes do início

da entrevista, a cada um dos responsáveis o termo de consentimento informado 3, garantindo

que: os dados seriam utilizados apenas para o desenvolvimento deste trabalho em específico;

a identidade dos sujeitos envolvidos seria resguardada e a não utilização dos dados caso o

entrevistado quisesse posteriormente declinar a sua participação no decorrer do processo.

Vale ressaltar que todas as quatro famílias fizeram questão da presença das filhas na hora da

entrevista e que, em alguns momentos, as filhas comentaram as falas dos pais.

Trabalhar diretamente com o objeto de estudo possibilitou um maior estreitamento com o

campo de pesquisa definido. É importante observar que não se teve a intenção de checar a

problemática e sim desenvolver um processo de escuta para, posteriormente, aproximá-lo, ou

não, com o que foi definido pela literatura.

Para a transcrição da entrevista, optou-se por utilizar e transcrever apenas as argumentações e

explicações que ajudariam a responder a pergunta e aos objetivos de pesquisa. Nas

2 Consta no apêndice 1. 3 Consta no apêndice 2.

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transcrições e utilização das falas nesta pesquisa, optou-se por conservar a fala original dos

sujeitos envolvidos.

Para analisar os dados, foi inicialmente feita uma descrição do perfil dos 70 alunos que

integraram o recorte para esta pesquisa (aqueles que, em 2012, declararam renda familiar

mensal de até meio salário mínimo). Na sequencia, foi feita a análise das transcrições e das

anotações feitas durante as quatro entrevistas, a partir das dimensões do quadro de análise.

Optou-se por expor os resultados individualmente por família, mesclando as informações

obtidas na entrevista e no questionário de 2012. Foi estruturado, primeiramente, o perfil da

aluna-filha a partir da análise da questão aberta que integrava o questionário utilizado no

survey. Esta questão, que fazia referência ao que a estudante gostaria de fazer quando

concluísse o ensino médio, serviu como ponto de partida para a entrevista com os

responsáveis, pois logo no início da entrevista procurou-se saber se as estudantes estavam

realizando o que disseram que esperariam estar fazendo com a conclusão da Educação Básica.

Foram consideradas as respostas de cada filha-aluna ao questionário e analisado, trecho a

trecho, o resultado das transcrições das falas dos familiares.

Esta decisão de análise resultou na estruturação do capítulo IV a seguir. Ele foi subdividido

em seis subcapítulos: no subcapítulo 4.1 foi apresentado o resultado da análise univariada dos

filhos das 70 famílias; nos subcapítulos 4.2, 4.3, 4.4 e 4.5 foram descritas as estratégias e as

expectativas das quatro famílias envolvidas; e, no último subcapítulo, foi feita a síntese geral

das análises realizadas.

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IV. As expectativas das famílias para os estudantes no futuro imediato e as estratégias de apoio para a longevidade escolar em Santo Amaro -BA

Os resultados são apresentados em três momentos: na subseção 4.1, faz-se uma análise sobre

o perfil das 70 famílias de baixa renda em Santo Amaro, em termos das expectativas e das

percepções que seus filhos declararam no questionário aplicado em 2012, integrante da

Pesquisa Santo Amaro. Na sequência, são apresentados os resultados das entrevistas

realizadas com 04 dessas famílias em 2014 para, por fim, na subseção 4.6, fazer-se uma

análise geral, a partir das três dimensões que conduzem a pesquisa: perfil familiar,

expectativas para seus filhos e estratégias adotadas para que tais expectativas pudessem ser

concretizadas.

4.1 Perfil das famílias que constituíram a primeira amostra de 70, a partir da percepção de seus filhos – alunos concluintes do ensino médio em 2012.

Analisando primeiramente o universo dos 70 alunos que viviam, juntamente com sua família,

com uma renda de até R$ 311,00 mensais no ano de 2012, observa-se que 51 estudantes

(73,9%) afirmaram que gostariam de continuar os estudos em uma IES e/ou até mesmo chegar

à pós-graduação. Chama atenção que a grande maioria escolhe o estudo como uma opção a

seguir quando concluir a Educação básica e, quando questionados sobre as pessoas que mais

lhe influenciavam na hora de decidir o que fazer quando terminar o ensino médio, 81,5%

atribuíram essa importância à família de uma maneira geral (pais, mães, responsáveis,

esposos, etc.).

Muitos estudantes acreditavam que, conseguindo entrar em uma instituição de nível superior e

conseguindo um emprego, teriam condições de ajudar a família a melhorar de vida, como

pôde ser visto em algumas respostas à questão aberta Quais são seus planos para os 5 anos

depois que você tiver terminado o ensino médio? presente no questionário aplicado pela

Pesquisa Santo Amaro4.

Termina minha faculdade. Segui minha profição. Construir minha casa e colocar no nome da minha mãe. (Estudante1 do Colégio Teodoro Sampaio, Pesquisa Santo Amaro, 2012) Pretendo se as circunstâncias permitirem me ingressar numa Faculdade de Jornalismo, cursando à distância por via on-line. Além de um emprego de

4 Do mesmo modo que para a transcrição das entrevistas, fez-se a opção de manter a grafia das respostas como apresentada pelos respondentes em 2012.

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carteira assinada fixo, ou estagiar numa empresa que assuma o compromisso de aprendizado, a fim de ajudar a minha família. (Estudante 1 do Colégio Castro Alves, Pesquisa Santo Amaro, 2012)

Alguns estudantes colocaram, ainda, o trabalho como uma estratégia para entrar no ensino

superior, pois afirmaram que, sem ele, as suas famílias não teriam condições de arcar com os

custos de uma graduação. 56,7% dos estudantes declararam que se dedicariam, no término do

ensino médio, aos estudos, ao trabalho e à família concomitantemente. Para DAYRELL

(2007), isso se explica por conta da ressignificação do tempo e do espaço, da reflexividade e

das inúmeras dimensões presentes no novo contexto social em que o jovem está inserido.

Segundo este autor, o lugar social em que estes jovens estão arraigados, a vivência

estabelecida nos ambientes de camadas populares, a condição deles aliada à pobreza e às

intensas transformações no mundo do trabalho alteram as formas de pensamento dos jovens

oriundos das camadas populares e fazem com que eles delimitem, através das suas

experiências com sua família e seus amigos, o seu campo de possibilidades e os seus planos

para o futuro, planos estes que podem ser identificados nas falas dos sujeitos a seguir.

Meu plano primeiro é conseguir um trabalho para que consiga dinheiro, para depois entrar em uma faculdade, pretendo fazer primeiro isso por que sou criado só por minha mãe, com mais dois irmãos e ela só não irá conseguir manter uma faculdade para mim, que desejo tanto fazer, para direito. (Estudante 1 do Colégio Antônio dos Santos Paim, Pesquisa Santo Amaro, 2012)

Em primeira mente eu vou logo tentar me encachar ne algum mercado de trabalho, que seja um trabalho que cosiga me manter para eu conseguir me alimentar e ter o que eu quero e ainda muito mais. (Estudante 2 do Colégio Antônio dos Santos Paim, Pesquisa Santo Amaro, 2012)

No contexto da democratização da Educação Básica que caracteriza as últimas décadas no

Brasil, a grande maioria dos alunos (88,4%) não era, em 2012, a primeira pessoa da família a

concluir o ensino médio, porém, nesse mesmo período, apenas 34,3% deles mencionaram a

presença de familiares com diploma do ensino superior. Chamou atenção ainda que, neste

segundo aspecto, 28,8% dos alunos não sabiam se havia ou não alguém na família já

diplomado.

Através de alguns dados pode-se observar que, mesmo 73,9% dos estudantes afirmando que

quando concluíssem o ensino médio continuariam os seus estudos em uma IES, grande parte

deles não adotou estratégias para que esse sonho se tornasse realidade. A maioria (60%),

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mesmo no final do ano concluinte, nunca havia pesquisado sobre as possibilidades de cursos

nas universidades/faculdades, 30% ainda desconheciam o sistema de cotas e 55,2% afirmaram

que não realizariam o Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) em 2012. Vale lembrar que

quando o questionário da Pesquisa Santo Amaro foi aplicado, as inscrições para a prova do

ENEM-2012 estavam abertas.

Mesmo 88,8% declarando que gostavam ou gostavam muito de estudar e 78,8% acreditando

que a sua escola os preparava principalmente para entrar no ensino superior, 100% deles

declararam nunca ter feito um exame de vestibular e 85,3% deles nunca tinham realizado a

prova do ENEM antes, como fazem alunos de outras escolas no desenvolvimento de

habilidades para o processo seletivo a curso na educação superior. Nesse caso, percebe-se que

faltam aos alunos santo-amarenses o que Zago (2006) chama de estratégias integradoras.

Estas estratégias devem contrapor o processo de exclusão social e quebrar a noção de que

estudantes oriundos das camadas populares não podem ter uma escolarização de sucesso.

Ainda segundo Zago (2006), as desigualdades da oportunidade de acesso as IES são

construídas de maneira contínua e resultam de todo o trajeto escolar dos estudantes de baixa

renda em questão. Para os estudantes das camadas mais elitizadas e intelectualizadas, a

decisão de cursar uma universidade/faculdade é um dado natural, um acontecimento

inevitável, porém para as camadas de nível popular isso não aparece como algo evidente,

visto que ainda no ensino médio esses estudantes desconhecem, na maioria das vezes, as

informações relativas aos processos seletivos (vestibular, ENEM) e formação universitária,

como também pode ser visto em Nogueira (2003, apud ZAGO 2006).

Quando questionados sobre a chance que tinham em passar na seleção para uma instituição de

ensino superior pública ou privada, apenas 18,8% e 11,4% respectivamente consideravam ter

uma grande chance de acesso. É interessante perceber o contexto de relação social deste aluno

em relação à Educação Superior: dos 70 estudantes, 50% disseram não possuir nenhum amigo

estudando em uma universidade/faculdade, 26,4% afirmaram possuir 1 amigo cursando essas

instituições de ensino e 23,6% afirmaram possuir mais de 1 amigo estudando em uma IES.

Quando questionados se possuíam amigos com diploma de nível superior, 45,5% afirmaram

que não, 29,4% mencionaram possuir 1 amigo e 30,1% declararam possuir mais de 1 amigo

formado em uma universidade/faculdade. E com relação aos familiares, apenas 37,2% dos

estudantes disseram possuir um ou mais de um parente fazendo um curso de nível superior em

2012.

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Quando questionados acerca das suas crenças sobre educação, do conjunto dos 70 alunos,

85,7% afirmaram que ter um diploma de nível superior ajudaria a encontrar um emprego e

68,6% acreditavam que o mesmo diploma ajudaria a ter um salário mais alto. Para

Schwartzman (2005), de acordo com as teorias de capital humano, a educação ocupa uma

posição especial, pois ela é fator determinante para o desenvolvimento econômico. Para o

autor, são as desigualdades educacionais que geram as desigualdades de renda, de

oportunidades e a má qualidade de vida, ou seja, o fato do estudante de baixa renda buscar e

conseguir uma escolarização de sucesso possibilitaria fugir das condições de pobreza que ele

se encontra via possuir uma graduação que garantiria um salário melhor.

Além disso, 88,4% declararam existirem carreiras mais importantes que outras, o que reforça

a noção de formações de elite discutidas na fundamentação teórica, mas, por outro lado,

80,0% discordavam que só quem poderia trilhar as carreiras mais importantes era quem

possuía mais dinheiro. Ou seja, a vontade de entrar em cursos considerados “de elite”, como

medicina, não era posta em segundo plano porque o aluno tinha uma condição de baixa renda.

De modo geral, no entanto, pode-se observar, na análise do Quadro 02 a seguir, que os alunos

na amostra dos 70 não sabem exatamente quais os cursos oferecidos em nível superior. Vale

lembrar que, do conjunto, aproximadamente 74% gostariam de seguir os estudos, o que talvez

explique o percentual de 25,7% de respostas em branco à questão que indagava sobre o curso

superior que desejavam.

Quadro 02 - PREFERÊNCIA DE CURSOS PARA O ENSINO SUPERIOR DOS ALUNOS CONCLUINTES DO ENSINO MÉDIO NO ANO DE 2012 EM SANTO

AMARO DA PURIFICAÇÃO-BA CURSO QUANTIDADE DE ALUNOS PERCENTAGEM

Deixou em branco 18 25,7%

Medicina 7 10%

Administração 6 8,6%

Direito 4 5,7%

Gastronomia 2 2,9%

Música 2 2,9%

Publicidade 2 2,9%

Informática 2 2,9%

Soldador 2 2,9%

Veterinária 2 2,9%

Arquitetura 1 1,4%

Assistente social 1 1,4%

Auxiliar administrativo 1 1,4%

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Auxiliar de administração 1 1,4%

Biologia marinha 1 1,4%

Curso dos correios 1 1,4%

Curso Técnico 1 1,4%

Eletricidade 1 1,4%

Eletrostática 1 1,4%

Enfermagem 1 1,4%

Engenharia agronômica 1 1,4%

Engenharia Civil 1 1,4%

Engenharia de petróleo e gás

1 1,4%

Faculdade 1 1,4%

Ilegível 1 1,4%

Jornalismo 1 1,4%

Petróleo 1 1,4%

Psicologia 1 1,4%

Química Industrial 1 1,4%

Solda 1 1,4%

Teatro 1 1,4%

Técnico em eletrônica 1 1,4%

Tecnologia da informação 1 1,4% *Fonte Pesquisa Santo Amaro – 2012

**Manteve-se a escrita utilizada pelos alunos

Trazendo o foco para as famílias, para os estudantes que participaram do survey em 2012,

100% dos seus pais ou responsáveis gostariam que eles continuassem estudando quando

concluíssem o ensino médio, porém apenas 15,7% deles recebiam apoio financeiro dos pais

para continuar com o estudo. 11,5% afirmaram ter parado de estudar em algum momento da

vida para ajudar a família e 38,7% do total de estudantes trabalhavam no turno oposto para

ajudar com a renda de casa. Vale mencionar que 76,4% declararam trabalhar em casa nos

dias de aula, sem que fossem especificadas as atividades domésticas (ou não) realizadas.

Através dos relatos de alguns estudantes em 2012, consegue-se perceber a importância que

eles atribuem ao seio familiar e é por conta disso que conhecer diretamente das famílias as

expectativas que elas mantêm para os seus filhos contribui para explicar a relação que os

mesmos estabeleciam com a escola. Esta escola que passa a ocupar um lugar importante no

imaginário das famílias das camadas populares, como poderá ser visto nas subseções

seguintes. Nas entrevistas feitas com as famílias já em 2014, a educação é vista como uma

maneira do estudante melhorar de vida, os pais ou responsáveis consideram que o estudo abre

as portas para uma vida melhor, consideram que a falta de dinheiro e as condições precárias

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de vida que eles (pais ou responsáveis) tiveram quando menores e ainda tem hoje devem

servir de exemplo e assumir um papel decisivo no sucesso escolar de seus filhos. Os pais

desejam que os seus filhos consigam superar a condição de pobreza em que vivem e esperam,

também, que eles (os filhos) consigam fugir do percurso da baixa escolarização que tiveram.

Para apresentar os resultados das entrevistas realizadas em 2014, optou-se por analisar, em

primeiro momento e a partir das dimensões de pesquisa (perfil, expectativas e estratégias),

cada família individualmente. Na sequência, será feita a análise geral.

Portanto, as próximas subseções relatam o resultado das entrevistas realizadas com as quatro

famílias de baixa renda selecionadas. Respondendo a um compromisso ético estabelecido com

as famílias, neste trabalho elas não serão tratadas pelo próprio nome e sim por: Família A,

Família B, Família C e Família D. Os alunos (todos do sexo feminino) serão chamados

respectivamente de Filhas A, B, C e D. Foram entrevistadas duas mães, um pai e um

responsável sem ligação consanguínea.

4.2 Família A: perfil, expectativas e estratégias

Composta atualmente por seis pessoas (mãe, padrasto, três filhos e um neto), a Família A

vivia em 2012 com uma renda de 156,00 a 311,00 reais mensais e tinha, naquele ano, uma

filha matriculada no terceiro ano do ensino médio do Colégio Estadual Castro Alves (Acupe,

Santo Amaro). Na entrevista, a Família A foi representada pela mãe, denominada Mãe A.

Com relação ao perfil de renda, foi perguntado se continuava o mesmo que no ano de 2012 e a

Mãe A respondeu:

Num mudou não, porque sou eu e o pai-padrasto dela que trabalha né? Ele pesca e eu vendo na feira. E só mesmo quando ela saiu do ensino médio que a gente conseguiu dá um tapinha na casa, pintar, essas coisas, mas o dinheiro é pouco, a gente tem que ir mudano devagarinho, fica muito difícil mudar, a situação num deixa a gente mudar não. E agora eu comecei a tomar conta desse menino (refere-se ao neto filho do seu filho mais velho), a mãe dele tá com um pobreminha e não tem condição de criar ele, mas gente também recebe o Bolsa Família, se não fosse isso eu num sei não viu? (Mãe A, 2014)

No momento da entrevista, A Filha A afirmou que, por conta da falta de condições financeiras

da família e do número de pessoas que conviviam no ambiente da casa e precisavam do pouco

dinheiro que tinham, nunca recebeu um apoio financeiro para estudar. No entanto, ainda

segundo ela (no momento da entrevista), a Mãe A sempre a incentivou e motivou para que

continuasse os estudos. No questionário aplicado pela Pesquisa Santo Amaro em 2012, a

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Filha A declarou gostar pouco da escola, mas, em contrapartida gostava de estudar, se

considerava e achava que sua família a considerava como uma estudante regular e registrou

seu desejo de continuar, no futuro próximo, estudando até a graduação.

O Padrasto A, considerado como pai pela Filha A, tem o ensino médio completo, a Mãe A

mãe parou os estudos entre a 5° e 8° série, mas a Filha A, no momento da entrevista, afirmou

que ambos sempre reconheceram a importância da educação: tanto o pai como a mãe eram as

pessoas que ela sempre procurava para conversar sobre o futuro e as que mais lhe

influenciavam na hora de tomar as suas decisões. Quando questionada sobre o que gostaria de

fazer quando concluísse o ensino médio, a Filha A escreveu no questionário da Pesquisa

Santo Amaro em 2012:

Estudar em uma faculdade e fazer medicina e depois toma minha carreira de cantora mais além de tudo quero ter meu próprio trabalho para ser dependente. Mais o que eu mais quero é mim forma em médica e além de mim ajudar vai poder ajudar as pessoas. (Filha A, 2012)

Mesmo sendo grande a sua vontade em continuar os estudos e cursar Medicina, a Filha A

declarou, ainda em 2012, não saber sobre o sistema de cotas, nunca ter feito um vestibular e

nem o ENEM. Quando questionada sobre a possibilidade de passar para uma universidade

pública ou privada, em uma escala de pequena a muito grande, considerava possuir uma

chance média para ambas e afirmou que iria tentar o ENEM em 2012. Não foi, no entanto,

bem sucedida nesta tentativa. Na entrevista em 2014, a Filha A declarou que o ENEM foi para

ela muito difícil e que não tentaria fazê-lo novamente.

No momento em que foi aplicado o questionário, no ano de 2012, a Filha A declarou que

participava de 3 a 4 vezes por semana de um grupo religioso/congregação; 1 ou 2 vezes por

semana de algum evento cultural; raramente participava de eventos esportivos e declarou não

possuir nenhuma página nas redes sociais.

Durante a entrevista, umas das perguntas feitas à Mãe A, tentando identificar o contexto de

vida atual da aluna, foi a seguinte: o que sua filha está fazendo atualmente? Ela respondeu:

Agora? Nada. Ela botou muito currículo, mas até agora num achou nada e ela tá se arrumando pra casar agora em junho. E como ela é uma menina que fica sempre muito doente eu fico sempre na preocupação de ela consegui um emprego que num pegue muito peso como recepcionista, vendedora de loja ou telemartin. Eu queria que ela estudasse, mas é uma escolha dela num é? Mas eu vou dar a maior força pra ela ir em frente. (...) ela me falou assim: mainha se eu arrumar um trabalho eu vou trabalhar e continuar estudano, mas como ela ainda num arrumou. O sonho dela era ser médica né? Ela

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sempre me dizia isso, é como a dali (refere-se a filha caçula que cursa o 2° ano do ensino médio) que sempre me diz, mainha eu quero é ser veterinária, mas o sonho? A gente tem sonho, mas a situação não deixa seguir em frente, foi o caso dela mesmo, ela sonhou, mas não deu pra seguir em frente. Eu mesmo num consegui um emprego e pra mim fica difícil matricular, pagar né? E por isso ela tá aí, esperano uma oportunidade até hoje. (Mãe A, 2014)

Percebe-se que a vontade da Mãe A para que a Filha A continuasse com os estudos é grande,

mas, segundo a Mãe A, o sonho sempre esbarra na situação econômica que se tornou um

empecilho para que a sua filha conseguisse tornar realidade o seu sonho de estudar Medicina.

Observa-se também que a Mãe A estaria disposta a pagar por uma faculdade se tivesse

dinheiro, mas não conseguiu um emprego e, em decorrência disso, a Filha A não continuou,

assim que saiu do ensino médio, os estudos.

Em um dos momentos da entrevista foi indagado à Mãe A qual era o sonho dela para a Filha

A e ela respondeu:

No momento que ela nasceu eu pensei ne lutar pra ela sobreviver, porque foi uma menina que nasceu, mas sempre me deu muito trabalho até aqui me deu um pouquinho de trabalho porque ela era uma menina que ficava muito doente, sempre ficava muito internada, teve dois anos que ela parou de estudar três mês porque ela ficou ruim e o pessoal num dava mais nada a ela. Isso foi no segundo ano, aí eu fui lá (refere-se à escola) pra conversar que ela parou porque ela ficou muito doente e aí uma professora vei aqui em casa para passar as atividade pra ela fazer. Hoje meu sonho pra ela é que ela consiga tudo que sempre ela desejou, ser médica, casar, ser feliz no casamento, tudo isso, tudo que ela tá lutano hoje eu peço a Deus que ela consiga. (Mãe A, 2014)

O fato da Mãe A ter se preocupado com o estudo dos filhos fez com que a Filha A não tivesse

que parar o estudo no tempo que ela ficou doente, pois a Mãe, julgando importante, foi até a

escola para pedir acompanhamento em casa. Com relação ao desempenho da Filha A no

colégio, ela respondeu:

Ói, ela gostava de estudar, mas ao mesmo tempo brincava muito, eu reclamava, filha vá estudar, ela dizia mainha eu já fiz o dever, mas só que ela brincava, mas quando tinha atividade no colégio ela se dedicava. Uma vez eu tive que interferir (refere-se ao 3° ano do ensino médio) no, na, em um ano eu interferi, eu achava que ela tava muito abusada, brincava muito aí eu fui conversar com a professora que ela dependia e ela me disse que minha filha tinha tudo pra passar, mas brincava demais, aí eu disse a ela (refere-se à professora) minha filha não vai passar não, ele me perguntou por quê? Eu disse a ela, ela vai repeti o 3° ano porque ela brinca muito. Aí eu mandei a professora repetir ela e ela repetiu, mas ela repetiu porque de mim, (mãe riu) e de lá pra cá ela se dedicou mais, num brincou mais, porque eu disse a ela, qualquer hora eu vou lá e vou mandar te repetir de novo (mãe ri novamente).

(Mãe A, 2014)

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Percebe-se que a Mãe A utilizou o medo da Filha A de ter que repetir mais uma vez o 3° ano

por causa das brincadeiras e do desinteresse como estratégia para que ela alavancasse as notas

e se saísse melhor nos estudos. Para a Mãe A, se a filha lutar, trabalhar e não deixar o

casamento acabar com os sonhos dela, o desejo e a vontade da filha em se tornar uma médica

se transformarão em realidade. Ela complementa a sua fala afirmando a importância do

estudo, do trabalho e o que o mais importa na criação dos seus filhos.

Estudar é muito importante, eu sempre digo a elas (refere-se às duas filhas) eu não tive essa oportunidade que vocês têm hoje, mas estude porque a gente pra ser alguém tem que ter estudo isso em qualquer lugar do mundo. Pra conseguir algum trabalho tem que ter estudo. E trabalhar também importante porque se a gente trabalha a gente não fica dependente do próximo, da pessoa que tá do nosso lado. Na criação dos filho o que mais importa é o amor, em primeiro lugar. Ser amigo do seu próprio filho porque se a gente não for amigo deles quem vai ser lá fora? O que eu não achei da minha mãe eu tento ser com meus filho, porque eu num achei amor de mãe, nem amiga de mãe, minha mãe mesmo quando eu tinha 10 anos me botou pra trabalhar em casa de família. E o que eu tive no passado eu não quero que os meus filho tenha no futuro. Então, eu sempre dou atenção, chamo pra conversar e reclamo quando tá errado, eu reclamo se não amanhã eles vão bater a cabeça.

(Mãe A, 2014)

A Mãe A, a todo o momento, faz questão de falar sobre a boa vontade da filha de conseguir as

coisas. Ela afirma que sempre a incentiva a buscar mais e mais e que, sempre que abre um

curso técnico em sua comunidade, ela manda a Filha A se inscrever, mas que, para a tristeza

dela, os cursos que vão para a sua comunidade nunca chegam ao final e por conta disso a sua

filha tem vários cursos, mas nenhum completo. Fazendo referências aos outros filhos, ela fala:

Meu mais velho sempre foi cabeça dura, não me ouviu e procurou fio cedo, é muito preguiçoso, parou no primeiro ano eu insisti pra repetir e tudo, me deu muito trabalho, aquela dali (referindo-se a filha caçula) que tem um sonho e ela disse que vai lutar, entendeu? É um sonho dela e ela me disse mainha eu vou lutar pelo meu sonho e então eu disse: Amém. A gente nunca pode jogar água nos sonhos, tem que mandar ela ir em frente. A outra me falou (referindo-se à filha A) ó mainha quando eu me casar eu vou lutar para ser o que eu quero ser, eu disse amém. (Mãe A, 2014)

Por fim, buscou-se compreender que estratégias a Mãe A utilizou para acompanhar a Filha A

no ensino médio e ela disse:

Eu sempre gostei de botar meus filhos pra estudar de manhã, eu sempre perguntava filha vai pra escola hoje? Ela dizia eu não mainha, eu perguntava, tem alguma coisa importante na escola hoje filha? Ai eu ficava filha, aí eu sempre dizia como eu falo com a menor também, a mesma coisa, aí ficava pegando no pé pra ela ir procurar saber na escola o que passou de dever, aí ela dizia ah mainha depois eu vejo com meus colega e eu falava, não é assim não. Então eu sempre me importei, e por mim ela tava estudano

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até hoje. Eu sempre me preocupava com o material da escola e olha que isso era um problema viu? Eles era tão pouco, tinha vez que só metade da sala que ganhava e ela tinha que ficar pegano emprestado na mão de num sei quem. Sempre incentivei ela a ler, como você pode ver aqui tem muito livro eu sempre mando elas lê. Quando o dinheiro dava eu comprava umas revistinha, uns livrinho e tudo, mas é como o dizer né? As criança acha que livro é só pra escola e não quer ler em casa. Às vezes mesmo quando eu quero fazer alguma coisa eu peço pra ela e pra outra escrever pra mim porque eu pego um pouquinho em português, entendeu? (Mãe ri). Eu sempre fui pra todas as reuniões, sabe por quê? Porque quando a gente vai pra reunião os professores e os diretores falava as mãe que não ia e eu garanto que na sala de aula os professores falava isso também, e o filho fica feliz quando a mãe vai e eu acho isso importante, porque o filho sabe que ele pode contar com o pai. Pai sempre se preocupa com desempenho do filho, é a mesma preocupação quando o filho é menor e é maior, eu sempre ficava atenta, eu sempre ficava na cola, no ensino médio eu ia falar sempre com os professores por isso que eu botei ela pra repeti de ano e como ela sempre ficava doente eu ia sempre na hora da merenda pra ver se ela num tava comeno aquelas merenda cheia de óleo, (risos). (Mãe A, 2014)

Como se pôde observar, o estudo para a Família A é muito importante: mesmo a filha não

tendo conseguido passar no ENEM e estando com o casamento marcado para o mês de junho,

estudar não saiu dos planos. Para a Mãe A, estudar garante um melhor salário e uma melhor

qualidade de vida e, por ela, os filhos continuarão sempre lutando “para que os seus sonhos

não morram na praia”.

4.3 Família B: perfil, expectativas e estratégias

A estudante da Família B mora em casa somente com a mãe. As duas viviam, em 2012, com

uma renda média de 156,00 a 311,00. Em 2014, a entrevista foi realizada com a Mãe B e,

quando questionada sobre o perfil de renda atual, ela informou que, apesar de viver em 2012

com meio salário mínimo no ano de 2013, conseguiu um trabalho com carteira assinada e

passou a ganhar 670,00 reais mensais. Este novo valor ajudou muito com as despesas da casa,

possibilitou que ela pagasse alguns cursos técnicos para a filha, mas afirmou ainda que o valor

continuava muito pequeno para arcar com os custos de uma graduação para a Filha B.

A Filha B, no ano de 2012, não sabia até que nível gostaria de estudar, mesmo tendo

declarado que gostaria de cursar Medicina Veterinária na graduação. Quando questionada

sobre o que gostaria de fazer nos cinco anos após a conclusão no ensino médio, a estudante

respondeu:

Os meus planos é continuar estudando, fazendo cursinhos e ganhar uma bolsa em uma faculdade ou até arranjar um emprego se caso eu não ganhar a bolsa eu mesma pagar minha faculdade de veterinária. (Filha B, Pesquisa Santo Amaro 2012)

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Segundo a Filha B (momento da entrevista), a sua mãe chegou a concluir o ensino médio, mas

desejava que ela chegasse até a graduação e, por isso, sempre a incentivou para que

continuasse estudando. No questionário da Pesquisa Santo Amaro, a Filha B afirmou que:

gostava muito da escola em que estudava, gostava muito de estudar e nunca repetiu o ano,

mas, ao mesmo tempo, se considerava (e achava que sua mãe a considerava) uma aluna

regular. Mesmo afirmando que a escola a formou para que conseguisse acesso a uma

instituição de ensino superior (IES), a Filha B acreditava ser média a chance de entrada em

uma IES, pública ou privada. Ela declarara que ter um diploma de nível superior ajudaria a

conseguir um emprego e que possuir este diploma ajudaria a ter um salário mais alto, ainda

que isto não se aplicasse à cidade de Santo Amaro da Purificação, onde ela julgava que ter o

diploma não alteraria e nem aumentaria o salário recebido.

No ano de 2012, quando foi aplicado o questionário da Pesquisa Santo Amaro, a Filha B

afirmou que participava mais de 4 vezes por semana de algum grupo religioso; que raramente

frequentava algum evento cultural e quase nunca participava de eventos esportivos. No

entanto, declarou possuir uma página nas redes sociais. Quando questionada sobre quem mais

a influenciava na hora da tomada de decisões para o futuro, a Filha B respondeu “a mãe” e

disse também que sempre conversava com ela sobre os seus desejos, sonhos e vontades.

Quando o questionário foi aplicado em 2012, as inscrições para o ENEM estavam abertas. A

Filha B afirmou que já tinha realizado sua inscrição, mas que nunca tinha procurado saber

sobre a disponibilidade de vagas nas universidades e faculdades para o curso que ela desejava.

Ela também alegou nunca ter ouvido sobre o sistema de cotas e nunca ter realizado um

vestibular e uma prova do ENEM anteriormente.

Foi perguntado à Mãe B, para compor o contexto atual em que a Filha B vivia em 2014, o que

o que a sua filha fazia atualmente, se estava estudando, trabalhando ou exercendo qualquer

outra atividade e a resposta foi a seguinte:

Nada, terminou o ensino médio e não tá fazendo nada, está esperando agora a inscrição do SENAI (refere-se aos cursos gratuitos oferecidos Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), Ela já fez o ENEM 2 vezes, mas sempre perde o prazo da inscrição. Ela primeiro pensava em fazer Direito, mas cê sabe né? O custo é muito alto, mas agora ela tá pensando em fazer fisioterapia. E eu acredito que ela vai conseguir, porque ela me comentou que quando começasse a trabalhar vai logo fazer a faculdade porque só o meu salário não dá pra pagar o curso né? (Mãe B, 2014)

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Quando questionada sobre o sonho que ela tinha para a Filha B quando esta nasceu e agora

em 2014, a Mãe B respondeu:

Meu sonho? Uma mãe sempre quer o melhor para o seu filho não é? Quando ela nasceu eu pensei, pelo menos ela tem que conseguir estudar né? Tem que se formar. Eu sempre quis que ela estudasse, mas nunca interferi na vontade dela, aí a gente não pode escolher, aí é opção dela, porque eu posso querer que ela faça uma coisa ela pode querer fazer outra, mas eu nunca questionei dizendo eu quero que você faça isso, sempre deixei ela tomar as decisões dela. Ela sempre foi uma boa aluna, nunca me deu trabalho. E agora o que eu quero pra ela em termo de trabalho e estudo é que ela consiga encontrar uma profissão, porque eu trabalho há mais de 20 anos com comércio e te digo que comércio não leva ninguém pra frente. Eu sempre falo com ela, vá estudar porque eu não quero você em comércio. E eu acredito que o sonho dela de estudar fisioterapia vai se tornar realidade. Se eu pudesse, eu também estudava, mas eu não tenho mais paciência, porque eu já trabalho na rua, trabalho em casa fica difícil, mas estudar é importante sim, eu que trabalho eu vejo o que gente passa quando não estuda. (Mãe B, 2014)

A Mãe B, neste trecho da entrevista, afirmou que também tinha vontade de cursar uma IES,

mas afirma que as condições nas quais vive atualmente impossibilitariam isso e termina

transferindo toda sua vontade de cursar o nível superior para a sua filha. A Mãe B faz questão

de afirmar a todo o momento o quão é ruim é o trabalho no comércio. Ela ainda relata que, na

loja em que trabalha, há um rapaz que faz Administração à noite em uma faculdade particular

na cidade de Simões Filho e que ela fica “super feliz” em substituí-lo ou então deixá-lo se

esconder no fundo do estabelecimento para que ele consiga terminar as suas atividades e

estudar para tirar boas notas, o que, quando acontece, a deixa sempre muito orgulhosa. No

entanto, mesmo considerando o estudo importante, a Mãe B não desconsidera para a filha a

importância do trabalho.

Mas trabalhar também é importante, eu trabalho desde os meus 13 anos e eu digo a ela que se ela conseguir um trabalho já vai ajudar a ela conseguir as coisas que ela quer, já pode juntar com meu dinheiro pra gente pagar a faculdade dela e comprar as coisas dela né? Porque às vezes só o meu salário é pouco e não tem como eu comprar. Ela trabalhando ela vai gastar o dinheiro como ela quiser né? Porque o dinheiro vai ser dela mesmo. (Mãe B, 2014)

A Mãe B afirma que o fato de serem só as duas e não terem o apoio de mais ninguém da

família às vezes dificulta as coisas dentro de casa; depois relata o que considera mais

importante na criação de um filho:

A educação de casa é o que mais importa na criação de um filho, graças a isso minha filha nunca me deu trabalho, nem na escola, nem na rua, nem em lugar nenhum, porque eu vejo cada filho malcriado que eu penso logo isso é educação de casa que não tem. Na escola hoje você não pode dar, você não

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pode gritar um aluno, você não pode colocar de castigo, por isso que minha filha já teve educação em casa, pra não fazer coisa errada na rua, já sai de casa sabendo o que tem que fazer ou não. Educação em casa é conversar, não obedecer? Castigo. Bater? Eu nunca fui de bater. Nunca. Você fez isso e não me obedeceu, castigo. Ela vai pensar 2 vezes antes de fazer alguma coisa errada. Ninguém gosta de ficar de castigo. Eu mesmo, eu fui criança e eu preferia apanhar, porque eu apanhava e ia brincar e quando tá de castigo não, você fica ali presa. (Mãe B, 2014)

Se referindo às estratégias que utilizava para manter a Filha B no ensino médio e com bom

rendimento a Mãe B afirmou:

Sempre achei importante ela ir pras aulas, eu olhava o caderno todo dia e quando não via nada eu perguntava, oxe, não teve nada hoje não foi? Eu sempre fui severa (mãe ri). Até hoje eu incentivo ela a ler, até hoje eu falo, filha quanto mais à gente lê mais a gente fala melhor, escreve melhor, sempre eu falo com ela, você tem que ler. O ensino médio dela eu achei um pouco fraco, mas eu sempre perguntava filha como é que tá na escola? Tá em dificuldade com o que? Porque ela foi bem alfabetizada, dos 2 anos e 4 meses até quando ela foi pra 8° série eu consegui pagar a escola, mas o ensino médio aqui é um pouco caro né? Ai já viu, nem com o dinheiro do Bolsa Família eu consegui pagar a escola pra ela, aí ela teve que ir pra escola estadual. Mas ela teve um bom ensino, uma boa alfabetização e isso deu uma boa base pra ela no ensino médio. Olhar as notas é importante demais, eu sempre olhei até ela terminar o ensino médio, (mãe ri), e eu ficava porque que você tirou essa nota? Não é possível. Quando ela estudava na escola particular a média era 7 e quando ela foi pra outra escola a média era 6. Aí eu disse a ela, olha você saiu de uma escola com média 7 e eu não aceito média 6. Porque não pode, se a média era 7 como é que eu vou aceitar um 6? Eu não posso aceitar um 6. (Mãe B, 2014)

A Mãe B afirma que sempre participou de todas as reuniões da escola e, sempre que tinha

necessidade, dava uma “fugidinha” do trabalho para conversar com os professores. Para ela, o

fato de participar de todas as reuniões da escola influenciava positivamente o comportamento

de sua filha porque era “na reunião da escola que os pais ficam sabendo o comportamento dos

filhos dentro das salas de aula”. Para a Mãe B, há filhos que se comportam de uma maneira na

escola e de um jeito completamente diferente em casa: nas reuniões era possível identificar as

diferenças, muitas vezes desconhecidas pelos pais.

A gente tem sempre que acompanhar as reuniões para saber, porque tem filho que sai de casa dizendo que vai pra escola e não vai pra escola. Com relação a livro essas coisas eu nunca me preocupei porque ela sempre teve cuidado, desde a época que eu comprava ela era cuidadosa e não porque é o governo que tá dando que o aluno não tem que ter cuidado não é? Eu sempre disse a ela continue tendo cuidado por que vai servir depois pra outra criança. Aqui em casa não tem um lugar certo pra ela estudar, uma porque minha casa é deste tamanho, mas como somos só eu e ela, então, tem espaço pra ela estudar na mesa da sala, na cozinha e no quarto dela. Quando saiu da particular pra ir pro ensino médio eu escolhi a Teodoro por segurança, porque lá tem porteiro, os portões ficam sempre fechados e lá na escola

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particular era assim, se alguém fosse pegar ela tinha que ter carteirinha, ou então eu tinha que ligar antes avisando e na escola pública isso me deixa sempre preocupada. Então, eu escolhi o Teodoro porque o diretor era um policial e então tinha mais segurança, os alunos tinham mais respeito, não tem drogas na escola, então é um negócio mais seguro. (Mãe B, 2014)

A Mãe B torna a falar sobre a importância do estudo e declara não saber da existência do

sistema de cotas, nem do PROUNI ou do FIES. Ela mostra a quantidade de livros que tem em

casa e afirma que sempre se preocupou igualmente com a educação da filha desde quando ela

era pequena até a conclusão do ensino médio. De acordo com a Mãe B, a única diferença é

que, quando era menor, a Filha B tinha mais necessidade da sua presença e que, quando a

filha cresceu, a necessidade da companhia dela, que até então era de 100%, diminuiu.

Contudo, isto nunca fez com que a preocupação que ela, como mãe, tem para a sua filha

mudasse. Para a Mãe B, depois que a estudante foi para o ensino médio as exigências só

aumentaram.

4.4 Família C: perfil, expectativas e estratégias

A Filha C mora em casa com duas responsáveis: a que considera como mãe, com idade

bastante avançada, e a que considera como Tia, que é sobrinha de criação da senhora que a

Filha C considera como mãe. Neste arranjo, as três não possuem ligações consanguíneas e

moram juntas há mais de 10 anos. Para a entrevista realizada com as famílias no ano de 2014,

tanto a Mãe C, como a Tia C fizeram questão de responder as perguntas.

No ano de 2012, a Filha C afirmou que a família não tinha nenhuma renda. Em 2014, quando

foi perguntado à Mãe C se houve mudança no perfil de renda, ela afirmou que a condição

continuava a mesma e precisavam da ajuda de outros parentes para poder sobreviver. Afirmou

também que o fato de nunca ter conseguido ganhar o benefício do Bolsa Família atrapalhou

muito as condições vividas dentro de casa, benefício este que poderia, segundo a Mãe C, ter

sido investido “todo” no desenvolvimento da Filha C. Este desenvolvimento envolvia “pagar

cursos de artesanato, pintura e desenho” para que a Filha C não “passasse mais necessidades

no futuro quando ela, Mãe C, não estivesse mais viva”.

No questionário em 2012, a Filha C declarou gostar do Colégio Estadual Senador Pedro Lago

em que estudava o último ano do ensino médio, afirmou que a escola estava lhe formando

para atuar como cidadã na sociedade, se considerava uma estudante regular e acreditava que a

sua mãe achava o mesmo. Respondeu ainda que, mesmo tendo repetido duas vezes um ano

letivo, gostava de estudar e que gostaria de, quando terminasse o ensino médio, continuar

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estudando e terminar o ensino superior. A Filha C respondeu ainda que participava de 3 a 4

vezes por semana de algum grupo religioso; que raramente frequentava eventos culturais e

eventos esportivos e afirmou, também, que não possuía nenhuma página nas redes sociais.

Como resposta à questão aberta do questionário, a Filha C afirmou:

Tenho em mente: concluir o Ensino Médio e logo procura uma chance de fazer cursos medicinais, pretendo estudar medicina e se eu tiver sorte proceguir com essa carreira. Também tenho vontade; continuar meus estudos até alcançar meus objetivos e ajudar minha família. (Filha C, Pesquisa Santo Amaro, 2012)

Mesmo desejando muito cursar Medicina, a Filha C (no questionário em 2012) considerava

pequena a chance de entrar em uma universidade pública e muito pequena em uma faculdade

particular; informou também que não iria fazer a prova do ENEM e que nunca tinha

pesquisado sobre os cursos oferecidos pelas universidades/faculdades públicas e particulares,

mas que conhecia o sistema de cotas. Ela considerava que um diploma de nível superior

ajudaria a conseguir um emprego e um salário mais alto, mas não soube responder se só quem

possuía dinheiro poderia seguir as carreiras consideradas mais importantes, como Medicina e

as Engenharias.

No ano de 2014, na entrevista com suas responsáveis, foi perguntado o que a Filha C fazia

atualmente e a Tia C respondeu:

Por enquanto ela não tá fazendo nada, por que? Porque a minha Tia, que é pra nós uma pessoa muito importante já tem uma idade bem avançada, ela tem muitos sobrinhos, mas que não moram aqui moram muito longe e ela tem a mim que sou sobrinha do esposo dela que já é falecido, e a Filha C caiu na nossa vida como um anjo, um anjo bom, porque ela vivia com uma tia dela lá em Canoas e eu arranquei ela de lá na verdade e foi dessa forma que ela veio morar com a gente, eu trouxe ela para estudar aqui e me ajudar a cuidar de minha tia, porque a gente não tinha mesmo outra alternativa. E ela veio até com pouca expectativa assim, mas de repente criou um amor e hoje elas vivem realmente como mãe e filha as duas, com o maior carinho, com o maior amor e pra mim tá de grande tamanho. (Tia C, 2014)

A Tia C afirma que a Filha C ainda não buscou trabalhar e estudar para ajudar a cuidar da

Mãe C, mas que “tinha fé que todos os sonhos dela, Filha C, seriam realizados”. Acerca disto

a Tia C e a Mãe C falaram:

Ela queria estudar Medicina, mas agora ela quer estudar Biologia, eu tenho fé em Deus que ela vai conseguir, porque tudo aquilo que ela deseja ela corre atrás, ela luta e ela consegue. Eu moro aqui, mas eu não tenho dinheiro para ajudar ela financeiramente, eu dependo do meu esposo, eu queria tanto poder ajudar ela, mas eu não posso. (Tia C, 2014)

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Quando ela veio para cá eu tinha uma expectativa pra ela. Eu achava que eu ia superar minhas dívidas, se bem que quando meu marido morreu não ficou muita dívida, mas sempre fica algumas né? Uma coisinha aqui, uma coisinha ali, eu tinha a expectativa que eu ia conseguir pagar tudo e poder ajudar a ela com as coisinhas dela e ajudar ela a ter uma vida melhor, mas isso não foi possível. (Mãe C, 2014)

A Tia C complementa a sua fala afirmando que, quando a Filha C terminou o ensino médio,

aumentou muito a necessidade dela fazer algum curso que desse uma orientação para sua

vida, “que possibilite que ela viva melhor” e que, se a Filha C “continuar sem fazer nada, sem

fazer nenhum curso técnico gratuito vai ficar muito difícil ela conseguir conquistar os sonhos

dela”.

Nós temos a necessidade que ela continue a estudar, que ela procure um cursinho pra fazer pra ajudar a gente, porque essa casa aqui não é nossa, ela é de favor e a Filha C estudando conseguiria um trabalho e melhoraria a vida da gente, ela precisa realmente dar um rumo na vida dela. A mãe biológica dela a gente não sabe aonde reside e o pai biológico dela mora em Salvador, mas não tem aquela responsabilidade de assumir. Se ela conseguir ser bióloga vai melhorar muito a vida da gente, porque Filha C tem um coração muito bom, e a convivência dela com minha Tia é a melhor possível, eu tenho certeza que ela vai ajudar a gente. (Tia C, 2014)

A Tia C, na sequência da entrevista, relata sobre os sonhos que possui para o futuro da Filha

C:

O que eu desejo pra Filha C é tudo que eu desejaria para uma filha minha. Pra que ela encontre um esposo carinhoso, que a ame, que a compreenda (Tia chora), me desculpe por tá chorando, é que fico muito emocionada quando falo dela. A vida dela foi muito difícil, ela sofreu muito, desde muito nova ela teve que assumir uma carga muito grande. Eu acho que estudar é muito bom, porque o conhecimento ela vai a cada dia adquirindo, eu creio que é assim ó, é um degrau que ela vai subindo a cada dia na vida, é como se fosse uma escada. E trabalhar é uma forma dela não viver dependente, ela tem sonho maior e o trabalho vai ajudar ela a realizar isso. (Tia C, 2014)

A Mãe C, após o relato da Tia C, afirma que ama tanto a Filha C “que não saberia mais o que

seria da sua vida sem ela e se a Filha C fosse sua “filha de sangue” o amor que ela sente não

seria tão grande quanto é”. Com relação ao acompanhamento da Filha C na escola, disse:

Olha, eu nunca gostei de ouvir reclamação da escola e eu sempre incentivei ela a estudar, foi eu que decidi trazer ela pro Senador Pedro Lago porque ele era mais perto e o ensino era melhor. E eu gosto assim, quando o professor me chamar pra dar alguma reclamação eu quero que ter o que responder pra ele, eu quero responder ao professor, olha professor foi por isso ou foi por aquilo e não por desleixo dela. Estudar pra mim é muito importante. Aqui em casa mesmo eu incentivo sempre ela ler a Bíblia (Tia e Mãe riem), eu tenho que falar a verdade né? Não posso mentir, porque se eu disser que mando ela pegar um outro livro eu vou tá mentindo, eu só mando ela lê a Bíblia. Eu nunca olhei as notas dela, ela sempre foi uma boa aluna, mas eu

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acho que se eu tivesse feito isso sempre ela ia ser melhor ainda, o incentivo seria maior ainda. Mas isso era dela mesmo, ela sempre foi boa aluna, eu não ia para as reuniões, mas eu ia falar com os professores, ela sempre foi muito cuidadosa com o material, com as coisas dela. Ela já sofreu muito, ela foi uma menina muito sofrida, muito mesmo, porque assim, a mãe dela tinha uns probleminha na cabeça e não cuidava dela, teve uma vez mesmo que ela chegou a pegar bicho na cabeça, nunca fique com vergonha não Filha C, esses bichos colocou uns ovinhos, deu peteca, morotó na cabeça, aí a mãe dela abandonou ela, a tia pegou pra cuidar e eu peguei ela da tia. Ela só é essa menina inteligente, boa que ela é hoje por causa dela mesmo, foi a misericórdia de Deus e foi por causa desses acontecimentos que ela perdeu de ano 2 vezes quando ela era pequena, mas depois que a gente passou a cuidar dela e incentivar ela, nunca mais Filha C perdeu. (Tia C, 2014)

A Mãe C afirma que sempre incentivou e conversou com a Filha C para que ela não perdesse

mais de ano, que a conversa e o bom relacionamento entre elas possibilitaram que Filha C

fosse boa aluna e que ela, como mãe, acreditava que sua filha conseguiria realizar todos os

seus sonhos em um futuro próximo.

4.5 Família D: perfil, expectativas e estratégias

Em 2013, a Filha D mora em uma casa com a mãe, o pai e dois irmãos. Em sua família, o pai

(e não a mãe) aceitou participar da entrevista. Uma das primeiras perguntas feitas a ele

procurava saber sobre o perfil atual da renda da família para identificar se havia mudado em

relação a 2012 (até meio salário mínimo). O Pai D respondeu:

Não, é, a gente que trabalha aqui na roça, no rural varea né? As vezes melhora, as vezes piora, varea de época, a gente aqui trabalha, as vezes é, como eu trabalho com caminhão, eu conduzo a mercadoria do povo, quando tem uma época que esse povo que trabalha com banana tem muita banana, a gente é, é, a coisa melhora mais, quando não tem, a gente praticamente nem roda fica a semana toda em casa sem fazer nada, aí é, varea também né? (Pai D, 2014)

Em 2012, a Filha D estava matriculada no último ano do ensino médio do Colégio Estadual

Castro Alves e, apesar de já ter repetido uma vez de ano, se considerava uma boa aluna e

acreditava que a sua família considerava o mesmo. Afirmou participar de 3 a 4 vezes por

semana de algum grupo religioso; raramente participar de eventos culturais e eventos

esportivos; e afirmou não possuir nenhuma página nas redes sociais. A Filha C respondeu

ainda que gostava muito da escola em que estudava; que a sua escola tinha lhe formado

principalmente para continuação dos estudos e inserção em alguma universidade/faculdade

pública ou privada; que nos seus estudos chegaria até a pós-graduação, mas que, em

contrapartida, possuía uma chance pequena de entrar em uma universidade pública e muito

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pequena de entrar em faculdade/universidade particular. Quando questionada sobre o que

faria quando terminasse o ensino médio, a Filha D respondeu:

Em primeiro lugar eu pretendo cursa um vestibular para conseguir uma vaga em uma determinada universidade pública. Logo após desejo um emprego para que possa sustenta-la dando o melhor e o máximo de mim para que possa alcançar a profissão desejada. E depois pretendo conseguir na universidade uma vaga para administração que é a profissão que eu desejo ter. (Filha D, Pesquisa Santo Amaro, 2012)

Ainda em 2012, a Filha D acreditava que possuir o diploma de nível superior a ajudaria a

conseguir um emprego e um melhor salário. No momento da entrevista a Filha D declarou

que seu pai e sua mãe pararam os estudos no Fundamental 2, mas sempre quiseram que ela

chegasse até a pós-graduação e eram as pessoas que ela conversava frequentemente sobre o

seu futuro e também as pessoas que ajudavam financeiramente a sua educação. Ela declarou

que iria fazer a prova do Enem, que conhecia o sistema de cotas e já ter procurado saber sobre

instituições que ofereciam o curso que ela desejava.

A entrevista com a Família D foi realizada um ano e meio depois da aplicação do questionário

à Filha D. Ao ser indagado sobre o que ela estava fazendo atualmente, o Pai D respondeu:

Olha, ela tá concluindo um curso básico de informática e ela me levou também pra fazer esse curso junto com ela, inclusive a gente chegou até agora, agora mesmo de Santo Amaro. Ela não tá trabalhando né? Mas tá concluindo esse curso agora, o curso teve duração de 3 meses. E ela tá se planejando pra casar agora nesse ano, ela tá né? No plano, talvez até pro final desse ano ela consiga, eu fico feliz da vida. (Pai D, 2014)

O Pai D afirmou que a intenção dele é a realização da felicidade da filha e que teve uma

“felicidade grande” quando ela o levou consigo para fazer o curso de informática básica, pois

“aprender a mexer no computador”, para ele, “era uma vitória”. Com relação à educação

superior, ele respondeu:

Olha, eu não sei qual o curso que ela queria fazer na faculdade, porque assim, eu mesmo, eu sou dessa maneira eu gosto de apoiar o que o filho quer ser né? O que eles decidir ser eu vou tá sempre apoiando né? Eu deixo a critério de cada um deles, no máximo desde que seja uma coisa boa eu vou lutar pra na medida do possível, se for possível né? Se não fica difícil. Depois que ela saiu do ensino médio teve uma melhora nas condições aqui em casa, mas não total né? Porque se tivesse sido total mesmo eu pagaria pra ela tá estudando e concluir os estudos. Se eu tivesse condições eu ia pagar pras duas (refere-se a filha que concluiu o ensino médio em 2013) né? Não só uma, as duas taria fazendo uma faculdade. (Pai D, 2014)

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O Pai D informa possuir cinco filhos, dois mais velhos do primeiro casamento e três do

casamento atual. Diz que os dois filhos mais velhos pararam o estudo no ensino fundamental

e que só duas filhas concluíram o ensino médio. Segundo o Pai D, os dois mais velhos

começaram a trabalhar cedo para se sustentar e por isso não concluíram os ensinos. Quando

questionado sobre o sonho que ele tinha para a Filha D quando ela nasceu e o que tem para ela

agora, o Pai D respondeu:

Olha, eu nunca parei pra pensar mesmo em relação a isso, mas o sonho seria eu dar o máximo possível que como eu já disse que o que ela escolhesse eu fazer o máximo pra gente conseguir né? Mas eu decidi o que eu queria que ela fosse assim quando ela nasceu não, nunca pensei. Mas agora eu quero que ela arranje uma faculdade e consiga um bom emprego também né? Porque hoje, por exemplo, se ela tivesse uma faculdade, tivesse trabalhando e estudando seria bem mais fácil né? Então consegui tanto um como o outro, um bom emprego, um bom estudo a vida dela ia ser ótima. Ela sempre foi uma boa aluna, pelo menos os colégio nunca reclamaram dela aqui, nunca deu problema graças a Deus. Eu tenho fé que todos esses sonho pode acontecer (pai ri) eu não tenho certeza, mas eu acredito que isso possa acontecer. (Pai D, 2014)

O Pai D relata a importância do estudo e diz que a Filha D sempre o incentivou para que ele

voltasse a estudar. Na escola, ele tinha feito só até a 4° série, mas, por insistência da filha,

voltou a estudar, conseguiu concluir a 8° série e chegou a começar a fazer o primeiro ano do

ensino médio, mas parou em 2013 por conta do trabalho e da falta de tempo. Em seguida, ele

relatou:

Hoje por exemplo eu vejo a importância do estudo, eu vejo a importância que tem porque talvez se antes eu tivesse melhor estudo, um estudo melhor pra mim eu ia acompanhar mais as meninas na escola, mas na minha época não foi possível eu concluir porque a gente aqui tinha dificuldade de transporte pra ir pra Oliveira (Distrito de Santo Amaro). Mas, hoje eles já tem transporte graças a Deus e eu até voltei também a estudar né? Eu nem só acho como eu tenho certeza mesmo que é muito importante o estudo, muito, o estudo é tudo. É muito, tudo, tudo mesmo. Acho que o homem sem o estudo, sem o conhecimento não é praticamente nada, não vale nada, porque é muito difícil hoje ingressar em qualquer área de trabalho, aliás hoje vaga de trabalho, às vezes o povo diz que o desemprego tá grande e não é o desemprego é a falta de qualificação, o que falta é gente qualificada. (Pai D, 2014).

Com relação ao trabalho, o Pai D declara:

Ah, o trabalho é muito importante, ô é um mandamento bíblico que o homem tem que trabalhar todos os dias e eu acho que é impossível alguém conseguir alguma coisa sem ter que trabalhar, é muito difícil, as pessoas tem que trabalhar não tem jeito não. Mesmo aqueles que tem uma vida mais equilibrada trabalham administrando o que tem, estão trabalhando sempre. Então, é muito importante o trabalho. (Pai D, 2014)

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Quando questionado sobre o que era mais importante na criação de um filho, o Pai D

respondeu que “a educação é a única coisa que os pais deixam para os filhos depois que

morrem”. Segundo ele, “depois que o filho está educado, fica preparado para viver qualquer

situação na vida, até mesmo pra viver uma vida só, longe do pai e da mãe” e considera que a

Filha D está preparada para isso. Com relação às estratégias para manter a filha no ensino

médio, o Pai D respondeu:

Sempre achei muito importante ela frequentar as aulas no colégio, sempre achei muito importante ela responder as atividades de matemática de história, mas ela sempre fez atividades, sempre leu eu nunca precisei mandar, não era necessário eu ficar incentivando, eu ficar mandando ela sempre fez. Eu sempre olhei as notas dela, quando eu tinha tempo eu e mãe dela ia lá no colégio falar com os professores, saber como é que ela tava, procurava saber se ela filava aula, as reuniões da escola dela mesmo quando eu não ia a mãe dela ia, a gente sempre foi. O fato da gente ir pra reunião influenciava o comportamento dela muito porque a educação não se dá no colégio se dá em casa e as vezes os filho no colégio é uma coisa e em casa é outra e o pai tando presente na escola vai ta compartilhando do comportamento do filho com o colégio e em casa a gente faz a parte da gente e colabora com o colégio, porque as vezes tem pai que não vai lá no colégio, o filho vai pro colégio e fica lá, quem quiser que se vire, eu não acho que tem que ser assim. Eu pegava no pé dela com relação ao livro porque na devolução tem que tá em perfeito estado, eu sempre falava isso a ela. Eu minha esposa comprava o material pra forrar as capa de livro porque na devolução tem que tá legal porque vai servir pra outra pessoa né? (Pai D, 2014)

Posteriormente, o Pai D revela que, devido ao pequeno tamanho da casa, os filhos não tem um

espaço destinado ao estudo e estudam no quarto. Depois afirma que a família recebia o Bolsa

Família e o Bolsa Jovem e declara também que o dinheiro recebido ajudou muito “com as

despesas, com alimentação, com tudo e teria sido muito difícil se não tivesse esse auxílio”.

Pai D declarou não conhecer o sistema de cotas e afirmou que, na única vez em que a Filha D

perdeu o ano, conversou muito com ela para saber o real motivo e para a situação não se

repetir. Ele considera que a conversa e o incentivo surtiram muito efeito na Filha D. Com

relação à escolha da escola e ao acompanhamento da filha no colégio, ele respondeu:

Com relação à escola não teve opção né? Não tínhamos condição de botar em outra né? De mandar pra Feira ou pra Santo Amaro sem dinheiro pra condução, sem condições, então a opção era colocar em Oliveira mesmo, não tinha outra. Com relação o acompanhamento, no primário ela estudava aqui né? Era perto de casa, mas lá era aquele negócio fica mais distante a preocupação continua sempre a mesma não muda muito, só que no ensino médio a gente que é pai se preocupa e quer saber o que se passa mais na escola porque a filha já tem uma idade mais avançada e na idade de adolescente né as filha fica um pouco mais solta mais avançada, a gente

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passa a se preocupar muito em algumas amizade, em muitas coisas a gente se preocupa né? Aí a coisa aumenta mais um pouco (pai ri). (Pai D, 2014)

Para o Pai D, o fato dele não ter concluído os seus estudos na época correta interferiu na

maneira como via os estudos para os filhos, porém o desejo que a Filha D tinha para que ele

voltasse a estudar o mostrou o quanto era importante o seu incentivo e o desejo, cada vez

maior, de que seus filhos chegassem até a graduação “para poder melhorar as condições de

vida da família como um todo”. Segundo ele, a educação amplia o número de oportunidades

que uma pessoa pode ter na vida: “uma pessoa estudada tem muito mais chance de conseguir

um emprego, de conseguir melhores condições de salário e de alcançar o sucesso”. O Pai D

garantiu que iria reorganizar as suas atividades e retornaria ao estudo porque, para ele, “um

homem sem estudo não é nada”.

4.6 Famílias de baixa renda em Santo Amaro: o que dizer das expectativas e das estratégias

A longevidade escolar para as camadas populares sempre foi tratada como um caso

improvável ou atípico de sucesso. Como explica Patto (1992), o baixo rendimento dos alunos

oriundos das famílias pobres era atribuído, pelos professores e pela elite da sociedade, à falta

de renda e à organização da família. Ainda segundo Patto (1997), as pessoas que fracassavam

fariam parte de uma subcultura muito diferente da cultura de "classe média", na qual estariam baseados os programas escolares. Em outras palavras, as crianças das chamadas minorias raciais não se sairiam bem na escola porque seu ambiente familiar e vicinal impediria ou dificultaria o desenvolvimento de habilidades e capacidades necessárias a um bom desempenho escolar. (PATTO, 1997. p.282).

Como pode ser notado, no campo da Educação, são muitos os estudos que se propõem a

investigar as relações de fracasso e sucesso na escola, como os estudos de Viana (1998), Patto

(1988), Patto (1997) e Rosa; Lôrdelo (2009). Contudo, a emergência de novos olhares a partir

do ponto vista da família, relacionada com os alunos de ensino médio na tentativa de explicar

o sucesso e a longevidade escolar para as camadas populares, ainda é recente.

Partindo de uma análise acerca das expectativas e estratégias das famílias, o presente trabalho

teve como intuito analisar quais eram as expectativas e as estratégias do ponto de vista dos

pais ou responsáveis (de famílias baixa renda santo-amarenses) acerca da educação de seus

filhos. De acordo com as quatro estudantes que tiveram as suas famílias entrevistadas, seus

pais ou responsáveis eram as pessoas que mais lhe influenciavam na hora da tomada de

decisões para o futuro. Considerando esta influência exercida pela família sobre a decisão dos

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seus filhos e que todas as quatro estudantes desejavam prosseguir com os estudos quando

concluíssem o ensino médio, percebeu-se que era grande a influência que as famílias

exerciam sobre as filhas no momento em que cursavam o último ano da educação básica. De

acordo com Viana (1998), as famílias de baixa renda contribuem das mais diversas maneiras

para o sucesso escolar dos seus filhos. As ações e as estratégias que elas utilizam e que nem

sempre são visualizadas de forma explícita ocasionam o processo de longevidade escolar às

camadas populares.

Duas estudantes possuíam mães que pararam os estudos entre a 5° e 8° séries, uma estudante

tinha mãe com o ensino médio completo e uma das estudantes tinha o pai com 8° série

completa. O fato de os pais não terem chegado até a graduação não os impediu de criar um

ambiente familiar que incentivasse os estudos. Através dos quatro relatos pôde-se perceber

que existia, em todos os casos, a presença e o apoio da família, fosse via conversas

motivadoras, fosse em participação nas reuniões da escola ou até na preocupação da

preservação do material didático e isto pesou positivamente no desenvolvimento e

desempenho das filhas-alunas nas instituições escolares no ensino médio. No entanto, não

pareceu ser o bastante para inserir as filhas no ensino superior, visto que nenhuma das quatro

estudantes conseguiu passar em uma universidade/faculdade.

Muito embora as estudantes desejassem continuar estudando quando concluíssem o ensino

médio, com exceção da Filha D que estava matriculada e frequentando um curso técnico de

informática, as demais pararam completamente os estudos. Não se pode estabelecer quais as

causas exatas da descontinuidade de estudos destas alunas, mas, com base no que afirma Zago

(2006), isto talvez possa ser explicado, mesmo com as mudanças de cenário de

democratização da Educação Superior, ainda pela alta seletividade das

Universidades/Faculdades, pela falta de qualificação do ensino público na educação básica, ou

pela falta de políticas que qualifiquem efetivamente a permanência dos estudantes no sistema

educacional de ensino. Tudo isto aliado à falta de informação da família com relação às

políticas de inclusão. As ações afirmativas poderiam ter servido como um recurso adicional às

estratégias adotadas pelos pais ou responsáveis, favorecendo o processo de longevidade

escolar de suas filhas-alunas, o que não aconteceu em Santo Amaro.

Um dado que merece ser analisado com acuro faz referência à influência exercida pela filha D

em seu Pai D. O Pai D retomou os estudos, concluiu a 8° série (atualmente 9° ano) e se

matriculou em curso Técnico de Informática Básica por conta da vontade e do incentivo

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exercido pela Filha D para que ele voltasse a estudar. Para o Pai D, foi uma vitória aprender a

utilizar um computador e, segundo ele, a gratidão que sentirá por sua filha tê-lo levado junto

com ela para fazer o curso técnico será eterna. O interessante aqui, também, é que não foram

encontrados textos que explicassem ou falassem sobre essa influência reversa, filhos

influenciando pais no processo de escolarização, o que posteriormente poderá vir a culminar

em um novo projeto de pesquisa.

Das quatro famílias entrevistadas, três continuam vivendo com renda média mensal de até

meio salário mínimo. Percebe-se pelo discurso dos pais e responsáveis que, para eles, a baixa

renda é um fator que pesa negativamente e impossibilita a entrada dos seus filhos nas

instituições de ensino superior, como pode ser visto a seguir:

...A gente tem sonho, mas a situação não deixa seguir em frente, foi o caso dela mesmo, ela sonhou, mas não deu pra seguir em frente. Eu mesmo num consegui um emprego e pra mim fica difícil matricular, pagar né? (Mãe A, 2014) ...E eu acredito que ela vai conseguir, porque ela me comentou que quando começasse a trabalhar vai logo fazer a faculdade porque só o meu salário não dá pra pagar o curso né? (Mãe B, 2014) ...Eu moro aqui, mas eu não tenho dinheiro para ajudar ela financeiramente, eu dependo do meu esposo, eu queria tanto poder ajudar ela, mas eu não posso. (Tia C, 2014) ...Depois que ela saiu do ensino médio teve uma melhora nas condições aqui em casa, mas não total né? Porque se tivesse sido total mesmo eu pagaria pra ela tá estudando e concluir os estudos. Se eu tivesse condições eu ia pagar pras duas (refere-se à filha que concluiu o ensino médio em 2013) né? Não só uma, as duas taria fazendo uma faculdade. (Pai D, 2014)

As frases grifadas evidenciam que o discurso de ampliação e democratização do ensino

superior ainda não é um assunto dominado pelas famílias santo-amarenses de baixa renda

entrevistadas, pois nenhum dos quatro responsáveis entrevistados conhecia o sistema de cotas,

o Programa Universidade Para Todos ou o Programa de Financiamento Estudantil. Inclusive,

de acordo com a Pesquisa Santo Amaro, apenas duas das quatro estudantes conheciam ou já

tinham ouvido falar sobre as Ações Afirmativas. Isto demonstra que algumas famílias e

estudantes de baixa renda ainda desconhecem um conjunto de políticas e programas criados

para a diminuição das desigualdades sociais e educacionais e inserção dos estudantes das

camadas populares nas IES.

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E é no cenário de vulnerabilidade econômica vivido pelas famílias que o Programa Bolsa

Família5 contribuiu para a minimização dos impactos negativos causados pela má distribuição

de renda. Das quatro famílias entrevistadas, três contavam com esse apoio e a única que não

conseguiu esse benefício alegou a dificuldade que passou por não tê-lo.

Em todos os casos, os pais ou responsáveis possuem uma necessidade de reforçar a

importância de uma graduação e acreditam que estudar e ter um diploma do ensino superior é

o único modo “do filho conseguir melhorar de vida”. No entanto, como afirmam não possuir

dinheiro para arcar com os custos de uma graduação, tratam o trabalho como uma estratégia

importante para que esse sonho seja realizado. Os responsáveis entrevistados acreditam que,

com os filhos empregados, a chance de entrada na educação superior aumenta

consideravelmente. Tomando as famílias B e D para exemplificar o caso, verifica-se que,

tanto para os responsáveis quanto para as filhas, existe ideia de que sem o trabalho a educação

superior poderá se tornar um sonho distante:

Em primeiro lugar eu pretendo cursa um vestibular para conseguir uma vaga em uma determinada universidade pública. Logo após desejo um emprego para que possa sustenta-la dando o melhor e o máximo de mim para que possa alcançar a profissão desejada. (...) (Filha D, Pesquisa Santo Amaro, 2012)

Ah, o trabalho é muito importante, ô é um mandamento bíblico que o homem tem que trabalhar todos os dias e eu acho que é impossível alguém conseguir alguma coisa sem ter que trabalhar, é muito difícil, as pessoas tem que trabalhar não tem jeito não (...) (Pai D, 2014)

(...) ou até arranjar um emprego se caso eu não ganhar a bolsa eu mesma pagar minha faculdade de veterinária. (Filha B, Pesquisa Santo Amaro 2012)

E eu acredito que ela vai conseguir, porque ela me comentou que quando começasse a trabalhar vai logo fazer a faculdade porque só o meu salário não dá pra pagar o curso né? (Mãe B, 2014)

Para Spósito (2005), a expansão da escolaridade não implicou a separação dos jovens com o

mercado de trabalho. De acordo com as condições sociais em que vivem os estudantes de

baixa renda, a educação e o trabalho não se tornam excludentes. Ao contrário, para os jovens

das camadas populares, trabalhar se torna uma condição indispensável para a continuação dos

estudos.

5 O Bolsa Família (BF) foi criado pelo governo federal brasileiro no ano de 2003 e é considerado um programa de bem estar social, que consiste em uma ajuda financeira às famílias consideradas pobres e indigentes e que mantém, como condição principal, a permanência dos seus filhos nas unidades de ensino. O efeito produzido pelo BF foi de importância e contribuiu para o aumento das taxas de matrícula e da regularidade na frequência dos filhos oriundos das famílias de camadas populares na escola. Para melhor compreensão, ver SILVA; BRANDÃO, DALT, 2007.

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Com relação às expectativas, os pais ou responsáveis desejam para os filhos uma

escolarização de sucesso. O filho conseguir ingressar em uma IES muitas vezes aparece como

um sonho, como no caso da família A em que a mãe deseja que a filha tenha o estudo que ela

não teve. Em outras, aparece como uma necessidade, como no caso da Família C que precisa

que a filha estude para melhorar as condições de vida em casa.

Estudar é muito importante, eu sempre digo a elas (refere-se às duas filhas) eu não tive essa oportunidade que vocês têm hoje, mas estude porque a gente pra ser alguém tem que ter estudo isso em qualquer lugar do mundo. Pra conseguir algum trabalho tem que ter estudo (...).(Mãe A, 2014)

(...) Se ela conseguir ser bióloga vai melhorar muito a vida da gente, porque Filha C tem um coração muito bom, e a convivência dela com minha Tia é a melhor possível, eu tenho certeza que ela vai ajudar a gente. (Tia C, 2014)

Para Lahire (apud PIOTO 2007) as expectativas que os pais das camadas populares assumem

para os filhos dependem de uma série de dimensões psíquicas. Segundo ele, em alguns casos,

quando os pais possuem um baixo capital escolar, esperam que seus filhos tenham sucesso na

sua escolarização, ou seja, os pais desejam para os filhos uma situação diferente da que

viveram ou foram submetidos quando crianças e jovens. E com base nessas expectativas os

pais ou responsáveis começam a utilizar estratégias que, aliadas à maneira que os arranjos

familiares foram configurados, buscam fazer com que os seus desejos logrem êxito.

Em Santo Amaro, são várias as estratégias adotadas pelas famílias entrevistadas para manter

os filhos no ensino médio e incentivá-los a estudar. São elas:

Quadro 03 - ESTRATÉGIAS ADOTADAS PELAS FAMÍLIAS PARA MANTER AS FILHAS NO ENSINO MÉDIO E POSTERIORMENTE INSERI-LAS NO ENSINO

SUPERIOR – 2014

FAMÍLIAS ESTRATÉGIAS ADOTADAS

A

1. Conversa com a filha sobre o futuro 2. Incentivo à continuidade dos estudos 3. Incentivo à obtenção de um trabalho para arcar com os custos da graduação 4. Conversa com os professores acerca do desempenho da filha na escola 5. Quando necessário, solicitação de acompanhamento escolar para a filha em

casa 6. Preocupação com a realização dos deveres passados para casa 7. Intervenção junto à escola para que a filha repetisse o 3° ano por considerar

que ela não estava preparada para concluir o ensino médio. 8. Preocupação coma manutenção do material didático 9. Incentivo à leitura 10. Participação nas reuniões escolares

B 1. Conversa com a filha sobre o futuro

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2. Incentivo à continuidade dos estudos 3. Incentivo à obtenção de um trabalho para arcar com os custos da graduação 4. Acompanhamento das notas 5. Participação nas reuniões escolares 6. Castigo quando necessário 7. Reforço à importância em frequentar as aulas 8. Incentivo à leitura 9. Incentivo à escrita 10. Acompanhamento das dificuldades que a filha relatava sobre a escola 11. Participação na escolha da escola do ensino médio

C

1. Conversa com a filha sobre o futuro 2. Incentivo à continuidade dos estudos 3. Incentivo à obtenção de um trabalho para arcar com os custos da graduação 4. Incentivo a fazer cursos técnicos 5. Conversa com os professores 6. Participação no processo de escolha da escola de ensino médio 7. Conversas motivacionais

D

1. Conversa com a filha sobre o futuro 2. Incentivo à continuidade dos estudos 3. Incentivo à obtenção de um trabalho para arcar com os custos da graduação 4. Participação nas reuniões escolares 5. Importância em frequentar as aulas 6. Preocupação com a manutenção do material didático 7. Conversa com os professores acerca do desempenho da filha na escola 8. Conversas motivacionais

Ainda segundo Lahire (apud PIOTTO, 2007), as interações efetivas e afetivas entre os filhos

e os responsáveis facilitam a trajetória do sucesso escolar. O fato dos pais ou responsáveis

participarem da reunião da escola, se preocuparem com a manutenção do material, estarem

disponíveis para conversar sobre o futuro com os filhos ou manter conversas motivacionais

para que eles não desistam dos seus sonhos influenciam o sucesso escolar.

Podemos perceber que as estratégias adotadas por todas as famílias foram: 1. Conversas com

as filhas sobre o futuro; 2. Incentivo à continuidade dos estudos; 3. Incentivo à obtenção de

um trabalho para arcar com os custos da graduação. E a estratégia utilizada por uma única

família foi a intervenção junto à escola para que a filha repetisse o 3° ano, por considerar que

ela não estava preparada para concluir o ensino médio. Essas estratégias fizeram de algum

modo com que as estudantes assumissem, segundo os pais, uma postura e um comportamento

exemplar na escola, no último ano do ensino médio (2012).

Outro dado que merece ser analisado refere-se ao casamento. No ano de 2012, as Filhas A, B,

C e D encontravam-se solteiras e não possuíam o estabelecimento de uma união estável como

objetivo para pós-ensino médio. Entretanto, em 2014, quando foi retomado o contato através

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da entrevista com os seus pais ou responsáveis, as Filhas A e D, que tinham como pretensão

de futuro imediato entrar em uma universidade/faculdade, não estavam estudando e estavam

com o casamento agendado para o mesmo ano. Segundo as famílias, a opção pelo casamento

surgiu como uma espécie de amadurecimento das filhas, que deixariam de ser adolescentes e

passariam para a vida adulta, e serviria também para melhorar as condições de vida das

mesmas, já que os seus futuros esposos trabalham e possuem uma renda fixa de 1 salário

mínimo.

Todas as famílias acreditam que o estudo possibilita fugir da condição de precariedade de

vida que estão inseridas. Para a formulação de políticas públicas educacionais, é necessário

conhecer como os pais ou responsáveis criam essas expectativas de continuidade de estudos e

as estratégias para que essas expectativas se tornem realidade; identificar qual o perfil do seio

familiar que os estudantes das famílias de baixa renda estão inseridos e identificar se os pais

acham ou não importante a graduação e o trabalho.

Compreender as demandas e a importância atribuída pela família de baixa renda ao processo

de longevidade escolar decorrente da continuidade dos estudos permite a construção de bases

sólidas de sustentabilidade às políticas públicas, que aproximem efetivamente as camadas

populares do acesso à Educação Superior.

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V. Considerações finais.

Não foram encontrados estudos que investigassem a importância das expectativas das famílias

das camadas populares para o futuro dos filhos-alunos matriculados no ensino médio e as

estratégias adotadas por elas para que as suas expectativas lograssem êxito. Pensando nisto,

estabeleceu-se como objetivo principal desta pesquisa investigar quais as expectativas das

famílias de baixa renda com relação ao futuro imediato dos alunos concluintes do

Ensino Médio em Santo Amaro da Purificação - BA e as estratégias utilizadas por elas

para manter os filhos na escola e incentivá-los a entrar no Ensino Superior.

Em 2012, a Pesquisa Santo Amaro identificou que a principal influência, no processo de

tomada de decisão para o futuro dos estudantes concluintes do ensino médio, era exercida pela

família, contrariando autores, como Dayrell (2007), que afirmam que os jovens, quando

assumem certa idade, passam a ser influenciados pelos processos de socialização vividos

dentro e fora da escola através das redes sociais, eventos culturais, esportivos, entre outros.

Com a institucionalização da família, as separações de classes e com a acentuação das

desigualdades sociais, as famílias pobres começaram a ser consideradas culpadas pelo

fracasso dos filhos nas instituições escolares. Em Santo Amaro, fazer o recorte das famílias

que viviam com a renda de até R$ 311,00 mensais, consideradas aqui como famílias de baixa

renda ou famílias de camadas populares, serviu para quebrar o paradigma social de que as

famílias das camadas populares não querem ou não desejam que os seus filhos possuam uma

escolarização de sucesso e de que os seus filhos já nasceriam destinados ao trabalho braçal,

conforme afirmavam os intelectuais brasileiros Nina Rodrigues, Oliveira Viana, Afonso

Arinos de Melo (PATTO 1992).

De algum modo, a quebra deste paradigma levou o seguinte estudo a considerar a questão dos

estudantes concluintes do ensino médio a partir da vivência em seu seio familiar e da forma

de como as expectativas dos pais interferiam positivamente no desempenho e na trajetória de

sucesso escolar vivenciados pelos filhos-alunos. Neste sentido, para a formulação de políticas

públicas não se pode restringir as histórias de sucesso, tidas como atípicas para alunos das

camadas populares, apenas como se o estudante fosse resultado das suas interações vividas

dentro e fora dos muros da escola, sem considerar o ambiente familiar (espaço onde são

estabelecidas as relações de construção de expectativas e adoção de estratégias) em que o

estudante está/estava inserido.

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Mesmo com a democratização do ensino; com a institucionalização do ensino médio como a

etapa final da educação básica; com a ampliação do número de vagas nas escolas e nas IES,

notou-se, através dos dados colhidos, que as políticas educacionais brasileiras não são mais

eficazes porque consideram o aluno simplesmente como um dado, o enxergam apenas como

um estudante e não se preocupam em fazer políticas que atendam e entendam que o aluno do

ensino médio é resultado de um contexto familiar e que as vontades/expectativas dos pais, das

mães ou responsáveis com relação ao futuro dos mesmos influenciam direta ou indiretamente

o desenvolvimento emocional e cognitivo dos estudantes em questão.

Observou-se, no decorrer do levantamento da literatura sobre o tema deste estudo, que a

modernização da sociedade, o aumento da diferenciação social manifestada através das

mudanças do mundo do trabalho e do estudo e, sobretudo, as mudanças sofridas pelos

indivíduos em suas instituições familiares, criaram uma nova forma de se encarar e de

formular políticas públicas educacionais. Estas políticas passaram a estar voltadas para:

auxiliar os cidadãos; assegurar uma melhor qualidade de vida através do estudo; e garantir

educação de qualidade para todos, em especial aqueles que não pudessem arcar com os seus

custos. Contudo, mesmo com o avanço das políticas educacionais e com a democratização do

ensino, percebeu-se, em Santo Amaro da Purificação, que essas políticas de inclusão ainda

são desconhecidas para alguns estudantes e, mais especificamente, para todas as famílias

entrevistadas.

As políticas de uma maneira geral e os programas de inclusão voltados para a inserção dos

alunos nas IES (PROUNI, FIES, REUNI) não são assuntos difundidos nas escolas, nem são

assuntos discutidos no seio familiar. Essas políticas seriam muito mais eficientes/eficazes se

considerassem para além do universo escolar dos estudantes e se preocupassem com o

contexto privado, com o ambiente familiar em que o aluno está inserido e analisassem,

também, que nem sempre este ambiente é formado por uma família nuclear estável, nem

sempre são formadas por pai e mãe e nem sempre os alunos poderão simplesmente optar pelos

estudos em detrimento do trabalho. Para as famílias de baixa renda, estudar e trabalhar não

são pensamentos excludentes e, para as famílias entrevistadas no município de Santo Amaro,

o trabalho é visto como uma estratégia que garante a continuação dos estudos.

Em Santo Amaro da Purificação, percebeu-se através dos relatos das famílias entrevistadas

que todas desejavam que os seus filhos continuassem com os estudos pós-ensino médio, todas

utilizavam algum tipo de estratégia para manter os filhos na escola e fazer com que as suas

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expectativas de manter os filhos no ensino médio e inseri-los no ensino superior fossem

alcançadas. No entanto, mesmo estas famílias acompanhando o desenvolvimento das filhas no

ensino médio, se preocupando com a manutenção dos materiais escolares; as conversas

motivacionais mantidas com as filhas-alunas; as conversas frequentes que mantinham com os

professores; as frequências nas reuniões pedagógicas escolares (entre outras) não foram

suficientes para tornar realidade esta vontade/sonho de inserir as suas filhas-alunas em

instituições de nível superior (IES).

Com base no conceito de longevidade escolar aqui adotado, para uma escolarização de

sucesso as quatro estudantes que tiveram as suas famílias entrevistadas deveriam estar, em

2014, matriculadas em alguma IES. Entretanto, constatou-se que nenhuma delas ingressou em

uma universidade/faculdade. Contudo, vale salientar que a situação atual de descontinuidade

não significa dizer que as mesmas futuramente não poderão estar cursando uma IES. Nota-se

então a necessidade de retornar as famílias após alguns anos para, com uma nova pesquisa,

identificar se as estudantes conseguiram retomar/continuar com os estudos e entraram em

alguma uma IES ou pararam os seus estudos no ensino médio.

Por fim, propõe-se que a família seja vista com centralidade nas políticas públicas brasileiras.

Na Constituição Federal de 1988, a família é identificada como a base da sociedade, ela é o

primeiro espaço de socialização em que o indivíduo é inserido, por isso é de fundamental

importância que, assim como neste estudo, busque-se saber quais as expectativas que elas

mantêm para os seus filhos, que estratégias adotam para que essas expectativas sejam

alcançadas e, em consonância com os dados e respostas obtidos, as políticas educacionais

sejam formuladas e implementadas para dar sustentação ao que já é feito no ambiente da casa

e, consequentemente, garantam a real e efetiva inserção dos alunos de baixa renda no ensino

superior, público ou privado.

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VI. Referências

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1. Apêndice I: Roteiro de entrevista

CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS. COLEGIADO DO CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM GESTÃO PÚBLICA.

Docente orientadora: Professora Dr. Lys Maria Vinhaes

Discente: Iasminni de Souza e Souza

ROTEIRO DE ENTREVISTA

CONTEXTO FAMILIAR DO ALUNO.

1. O que o seu filho está fazendo atualmente? Ele trabalha, estuda ou realiza outras

atividades?

2. Ele já casou?

3. Se ele estuda, o que ele estuda e se ele trabalha em que trabalha?

4. Qual curso ele gostaria de cursar no ensino superior? Você apoia essa decisão? Você

acredita que ele vai conseguir?

5. Vocês mudaram de casa no período em que ele (a) estudava e concluiu o ensino

médio?

6. Mudou o perfil de renda?

7. O que mudou na sua família depois que seu filho concluiu o ensino médio?

8. Você tem outros filhos que já cursaram, estejam cursando ou queiram cursar uma

Universidade ou uma Faculdade?

EXPECTATIVAS

9. Quando seu filho nasceu, qual era o seu sonho pra ele?

10. Você considera seu filho um bom aluno? Acha que ele é estudioso?

11. Qual o sonho para ele agora?

12. Você acha que esse sonho vai se tornar realidade?

13. O que você acha do estudo, estudar é importante?

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14. O que você acha do trabalho, trabalhar é importante?

15. Para você o que é mais importante na criação de um filho?

ESTRATÉGIAS

16. Você dava importância em frequentar as aulas, em fazer as atividades de casa?

17. Você incentivava o seu filho a ler?

18. No ensino médio o que você fez para acompanhar o desempenho do seu filho?

19. Você sempre olhou as notas? Você acha isso importante?

20. Você participava das reuniões na escola? Você considera que o fato de participar (ou

não) das reuniões influenciava no comportamento do seu filho na escola?

21. Você se preocupava com a manutenção do material didático oferecido pela escola?

22. Aqui na sua casa tem algum espaço destinado para o estudo?

23. Você recebeu algum tipo de apoio do governo para a criação dos seus filhos? Algum

tipo de Bolsa?

24. Você conhece as ações afirmativas das universidades?

25. Seu filho já teve que abandonar a escola alguma vez? Se sim, por qual motivo?

26. Seu filho já perdeu de ano alguma vez? O que você fez para ele voltar a estudar?

27. Como foi escolhida a escola do seu filho?

28. A senhora tem livros ou revistas em casa?

29. Durante o ensino médio a senhora conversava com os professores sobre o seu filho?

30. Quando o seu filho era menor você se preocupava mais com o estudo dele? Você

acompanhava mais ele na escola? Sua forma de acompanha-lo mudou quando ele foi

para o Ensino Médio? Por quê?

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2. Apêndice II: Termo de Consentimento Informado

CENTRO DE ARTES, HUMANIDADES E LETRAS. COLEGIADO DO CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM GESTÃO PÚBLICA.

TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO

Título do Projeto: Expectativas e estratégias que favorecem a longevidade escolar para as famílias de

baixa renda: um estudo em Santo Amaro da Purificação – BA.

Eu, ______________________________________________________,

RG________________________, declaro ter conhecimento dos termos e procedimentos que serão

desenvolvidos como parte das atividades de coleta de dados para o trabalho de conclusão do curso de

graduação do Curso Superior de Tecnologia em Gestão Pública, cujo objetivo é: investigar as

expectativas das famílias de baixa renda com relação ao futuro imediato dos alunos concluintes

do Ensino Médio em Santo Amaro da Purificação - BA e as estratégias utilizadas por elas para

manter os filhos na escola e incentivá-los a entrar no Ensino Superior.

Assim sendo, afirmo a minha disposição para responder a entrevista, ou colaborar com o procedimento

de pesquisa, desde que todos os dados aqui obtidos sejam somente utilizados para o referido trabalho

acadêmico e que minha identidade, bem como a de outros sujeitos envolvidos no processo de coleta

de dados/informações, sejam resguardadas e mantidas em sigilo profissional. Do mesmo modo, fica

assegurado que poderei declinar minha participação a qualquer momento do processo.

______________, ___ de _______________ de 2014.

Assinatura