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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
LICENCIATURA EM FILOSOFIA
AYRONNE SANTOS SOUZA
UMA ANÁLISE DA “VIRTUDE EM SI” NO MENON DE PLATÃO
AMARGOSA
2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA
CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
LICENCIATURA EM FILOSOFIA
AYRONNE SANTOS SOUZA
UMA ANÁLISE DA “VIRTUDE EM SI” NO MENON DE PLATÃO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso
Licenciatura em Filosofia do Centro de Formação de
Professores da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia como requisito parcial à obtenção do título de
licenciado em Filosofia
Orientador(a): Cícero Josinaldo da Silva Oliveira.
AMARGOSA-BA
2018
AYRONNE SANTOS SOUZA
UMA ANÁLISE DA “VIRTUDE EM SI” NO MENON DE PLATÃO.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso
Licenciatura em Filosofia do Centro de Formação de
Professores da Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia como requisito parcial à obtenção do título de
licenciado em Filosofia.
Aprovado em____/____/________.
BANCA EXAMINADORA
Cícero Josinaldo da Silva Oliveira (orientador)
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB
Geovana da Paz Monteiro (examinadora)
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB
José João Neves Barbosa Vicente (examinador)
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB
Amargosa/BA
2018
Àqueles que, incondicionalmente, apoiaram-me.
“Deixa, pelo contrário, a virtude intacta e inteira, e dize-me apenas o que ela
é.”
(PLATÃO, Mênon, 77 a).
AGRADECIMENTOS
Ao professor Cícero Josinaldo da Silva Oliveira, por ter me dado
credibilidade e pela sua sinceridade ao me incentivar à construção deste trabalho.
À professora Giovana Carmo Temple que, pela sua sensibilidade, pôde
perceber o meu potencial acadêmico, alertando-me a não desprezá-lo.
Aos demais professores do curso, mormente à professora Geovana da Paz
Monteiro, pela confiança e pelo incentivo, atribuídos durante este semestre.
À minha esposa, Juliana Cerqueira de Andrade, pelo incentivo, carinho e
pela companhia durante os longos estudos.
Ao meu filho, Abraão Martins Souza, pelo respeito, carinho e por
compreender os meus momentos de dedicação acadêmica.
À Maria das Brotas Santos Souza, minha mãe, pela assistência e pela
confiança. Agradeço também às minhas irmãs, Mirela Conceição e Maria da
Paixão, por também terem me assistido nos momentos de precisão.
Ao Leandro Angelo da Silva, por ter me “socorrido” em meu trabalho nos
momentos que eu mais necessitei.
Aos amigos, Robevaldo Correia dos Santos (DuBem), Lucas Silva do
Nascimento, Angela Silva de Souza, Antonia Iracema Cerqueira, Josivane Maria
de Jesus, pelo incessante apoio a mim atribuído.
Por fim, agradeço à Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB),
por ter me concedido as condições necessárias à produção deste trabalho, bem
como à qualificação de minha formação acadêmica.
RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar o problema da virtude na obra Mênon
de Platão. Nesse contexto, podemos afirmar que esse problema tem sua gênese na
pergunta “O que é a virtude?” que, por seu turno, remete-nos à ideia de
conhecimento. Este, de acordo com o pensamento platônico, nada mais é que
reminiscência, cuja mesma, em linhas gerais, diz respeito a um processo de
apreensão das coisas por meio da rememoração. Esse exercício, fundamentado na
imortalidade da alma, é realizado, por exemplo, em uma investigação entre dois
ou mais interlocutores, mediante perguntas e respostas, voltada a determinada
coisa. Aquele que responde equivocadamente às perguntas, vai sendo refutado até
que, não havendo mais recursos, ele caia em aporia. A partir daí, esse interlocutor
adquire plena consciência de que nada sabe sobre a coisa questionada. Temos aqui
um método de fundamental importância, uma vez que a aporia possibilita a
continuidade dessa investigação e, por fim, a apreensão da opinião certa sobre
essa coisa. Nesse sentido, a mesma passa a ser suscetível de ensinabilidade.
Quanto à virtude no Mênon, resta saber se sua opinião certa lhe permite ser
também passível de ensinamento. Do contrário, isto é, caso a virtude não possa
ser apreendida ao conhecimento, a mesma não será algo ensinável, sendo portanto
atribuída aos homens em razão de uma concessão divina.
Palavras-chave: Aporia. Conhecimento. Opinião certa. Reminiscência. Virtude.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10
2 CAPÍTULO I – A IMPORTÂNCIA DA APORIA À LUZ DOS
FRACASSADOS CONCEITOS DE VIRTUDE ELUCIDADOS POR
MÊMON ............................................................................................................. 13
2.1 Considerações iniciais ............................................................................... 13
2.2 Apresentando o problema: a natureza e a qualidade da virtude ............... 13
2.3 Primeira resposta de Mênon - A virtude em sua multiplicidade enquanto
capacidade de bem administrar as coisas ........................................................ 16
2.4 Segunda resposta de Mênon - A definição da virtude enquanto a capacidade
de comandar homens ....................................................................................... 18
2.5 Terceira resposta de Mênon - A definição do todo mediante sua parte: a
virtude esclarecida por meio da justiça enquanto querer coisas boas e poder
alcançá-las ....................................................................................................... 21
2.6 A total aporia de Mênon como implicação à continuidade da pesquisa ... 24
3 CAPÍTULO II – A VIRTUDE E A GARANTIA DO CONHECIMENTO:
IMORTALIDADE DA ALMA, CONTEMPLAÇÃO E REMINISCÊNCIA
............................................................................................................................. 27
3.1 Considerações iniciais ............................................................................... 27
3.2 O recurso às doutrinas mítica e dialética como prova de que é possível
procurar o que não se conhece ........................................................................ 27
3.2.1 O recurso à doutrina mítica ................................................................ 28
3.2.2 O recurso à doutrina dialética ............................................................ 31
3.3 A aporia como etapa no processo de rememoração .................................. 33
4 CAPÍTULO III – A VIRTUDE: CIÊNCIA OU OPINIÃO CERTA? ...... 37
4.1 Discussões transcorridas ........................................................................... 37
4.2 A investigação acerca da ensinabilidade da virtude por hipóteses ........... 38
4.3 A busca por professores de virtude entre os homens “bons e honestos” e os
sofistas: a virtude enquanto o administrar bem as suas casas e os Estados .... 42
4.4 É a virtude ciência ou uma opinião certa? ................................................ 46
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 53
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................... 57
10
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho é composto por uma análise das discussões a respeito da virtude em si no
Mênon de Platão. Além de averiguarmos os argumentos mobilizados para definição de virtude,
detivemos no exame do problema de se esse bem é passível ou não de ensinamento.
O Mênon nos proporciona um novo conceito de saber que, mediante recurso aos
exemplos matemáticos, tem como especificidade não ser suscetível de ensinamento exterior,
mas, ao contrário, demonstrar-nos que o conhecimento está – aquém e além – intrínseco na
alma humana.
De maneira resumida, apresentaremos agora o transcurso deste trabalho, cuja divisão se
dá em três capítulos, isto é: Capítulo I – A Importância da Aporia à Luz dos Fracassados
Conceitos de Virtude Elucidados por Mênon; Capítulo II – A Virtude e a Garantia do
Conhecimento: Imortalidade da Alma, Contemplação e Reminiscência; Capítulo III – A
Virtude: Ciência ou Opinião Certa?
O ponto de partida do primeiro capítulo encontra-se na apresentação da aporia no
pensamento de Platão. Trata-se de uma análise sobre a importância da mesma frente às
insolúveis situações elucidadas nos diálogos platônicos. Para tanto, será traçado o percurso
realizado por Mênon ao tentar responder à pergunta socrática. Aquele, antes de ser feita essa
pergunta, indaga a Sócrates se a virtude é passível ou não de ensinamento. Entretanto, Sócrates
o confronta, alegando que, antes de saber sobre a qualidade da virtude, será necessário,
primeiro, saber o que é a virtude. Desse modo, ele dirige a seguinte pergunta a Mênon: “O que
é a virtude?”
Para essa inquirição, Mênon se dispõe de três respostas, todas refutadas por Sócrates.
Após as duas primeiras respostas – fracassadas -, percebemos a insistência de Mênon em
admitir que sabe qual a natureza da virtude. No entanto, ao se deparar com a refutação socrática
após a sua terceira resposta sobre a virtude, Mênon, enfim, reconhece que, apesar de seus
inúmeros discursos feitos em relação à virtude, nada sabe sobre a mesma. Em outros termos,
ele se encontra em total aporia, e isso é de fundamental importância à continuidade da pesquisa,
visto que Mênon tem consciência de que nada sabe no que tange à natureza da virtude.
Esse cenário é o pano de fundo para o desenvolvimento de nosso segundo capítulo. É
que Mênon, embora reconheça desconhecer a natureza da virtude, ainda se encontra em dúvida
11
de como será possível procurá-la, posto que a mesma, por ser desconhecida, não seria
encontrada. E, se acaso a virtude fosse encontrada, Mênon indaga de que forma eles saberiam
que estavam diante dela, visto que é algo desconhecido. No combate ao argumento erístico
mobilizado por Mênon, Sócrates apela a dois recursos, a saber, à doutrina mística e à dialética.
Envolto ao primeiro recurso, o Mênon nos apresenta a doutrina em que fica
“comprovada” a imortalidade da alma. Em razão dessa imortalidade, a alma humana se encontra
enquanto conhecedora de todas as coisas, havendo, nessa vida atual, apenas uma rememoração
das mesmas, certamente contempladas em outra vida.
Com o objetivo em comprovar esse exercício de rememoração, Sócrates, somente por
meio de perguntas, demonstra-o, tendo como pano de fundo um subdiálogo que ocorrera entre
ele e o escravo de Mênon. Estamos agora, como podemos observar, diante do segundo recurso,
isto é, a doutrina dialética. Nesta, é-nos apresentado um problema matemático, cuja solução
será encontrada por um escravo inculto, sem que o mesmo tenha ensinamento algum. Diante da
solução, afinal, Sócrates convence Mênon de que é possível procurar e encontrar aquilo que
não se conhece, sendo esses recursos bem melhores que aquela doutrina erística, cujo
argumento afirma que não é possível procurar nem encontrar aquilo que é desconhecido.
Entretanto, apesar de estar convencido disso, Mênon retorna ao início do diálogo,
porquanto ele afirma que seu interesse é saber se a virtude, independente de ainda não terem
encontrado sua natureza, é passível ou não de ensinamento. Sendo assim, a procura pela
natureza da virtude fica, por um instante, em suspenso, uma vez que Sócrates cede à proposta
levantada por Mênon.
Nessa perspectiva, essa análise nos servirá de apoio ao desenvolvimento do terceiro
capítulo. Assim, a fim de saber se a virtude é suscetível de ensinamento, Sócrates propõe a
Mênon que isso seja feito semelhante aos geômetras, isto é, por meio de hipótese. Desse modo,
para saber sobre a possível ensinabilidade da virtude, são levantadas duas hipóteses, a saber: a
virtude será passível de ensinamento, se a mesma for ciência; se a virtude não for ciência, ela
não poderá ser ensinada. É que, de acordo com Platão, para que a virtude seja ensinada, ela
deverá ser considerada ciência, condição indispensável para adquirirmos conhecimento. Para
essa investigação, procura-se, com o intuito de provar que a virtude pode ser ensinada, a
existência de professores de virtude.
Afinal, lançadas as hipóteses e percorridas todas as possibilidades, se acaso a virtude
não for passível de ensinabilidade, o Mênon nos oferecerá outra possibilidade à natureza da
12
virtude. Não sendo a virtude conhecimento, resta saber se a sua natureza se restringe a uma
opinião verdadeira, cuja concessão ao homem é de responsabilidade divina.
13
2 CAPÍTULO I – A IMPORTÂNCIA DA APORIA À LUZ DOS
FRACASSADOS CONCEITOS DE VIRTUDE ELUCIDADOS POR
MÊMON
2.1 Considerações iniciais
O objetivo deste primeiro capítulo é apresentar, no Mênon, a importância da aporia para
o desenvolvimento do diálogo platônico. Para tanto, ser-se-á necessário traçar o percurso
desenvolvido por Mênon1 ao tentar esclarecer a natureza da virtude. É que, dentre algumas
indagações dirigidas a Sócrates, Mênon tem como inquirição principal saber se a virtude é
suscetível ou não de ensinamento. Todavia, Sócrates afirma que não sabe o que é a virtude e,
desse modo, jamais poderá saber se a virtude pode ou não ser ensinada. Antes de saber sobre
a qualidade de determinada coisa, é preciso, porém, que se tenha conhecimento sobre a natureza
(essência) dessa coisa. Não obstante isso, diante da pergunta “O que é a virtude?”, feita por
Sócrates, são desenvolvidas por Mênon - por três vezes e de maneiras diferentes - respostas
sobre esse problema. Tendo sido refutado por Sócrates e fracassado em todas as suas respostas
no que tange à natureza da virtude, Mênon, sem saída, por fim, cai em total aporia. Mediante
esse embaraço, ele admite racionalmente estar em dúvida em relação às suas próprias
ponderações. Devido à aporia, Mênon adquire ao cabo a plena consciência de que não sabe
nada sobre a virtude. Afinal, é somente por meio dessa aporia, na qual Mênon se encontra
envolvido, que será possível dar continuidade à pesquisa sobre a virtude.
2.2 Apresentando o problema: a natureza e a qualidade da virtude
Antes de irmos ao cerne da questão, é importante enfatizarmos, ainda que de grosso
modo, o problema que possivelmente levara Platão a investigar, esforçadamente, o em si e por
si das coisas. Como observamos, esse esforço em procurar conhecer “o ser das coisas” se dá
sobretudo através do logos, cuja dialética – que tem seu fundamento no diálogo - é o principal
método utilizado por Platão para esse exame.2
1 Personagem relativamente ao qual a obra aqui apreciada é homônima, como é comum no pensamento de Platão.
Em seu contexto histórico, Mênon – apesar de não sabermos o ano de seu nascimento -, nasceu na cidade de
Farsalo, na Tessália. Sua família, pertencente à nobreza da época, mantinha relações importantes com Atenas e
com a Persa. (PLATÃO, 2001, p. 14-15). 2 ROGUE, Compreender Platão, p. 41.
14
É sabido que Platão, em sua investigação, ao dizer que procura encontrar a virtude em
si, está se referindo à sua Ideia – embora o Mênon não deixe isso esclarecido. Desse modo, a
virtude - cuja natureza parece estar no campo ontológico - procurada por Platão nos remete a
pensar, no que tange ao problema do universal platônico, em hipóstase. Essa “entificação do
abstrato” no campo ontológico é justamente o que faz com que a ideia de virtude adquira uma
característica imutável, estável. Platão lança mão dessa característica imutável, visto que, se a
definição de virtude fosse passível de mudança, comprometeria a “verdadeira causa”, o que se
tornaria contraditório. Portanto, a realidade da virtude em Platão, longe de ser relativa ao
indivíduo, tem de estar nesse âmbito em que não há possibilidade de a mesma ser varrida ao
devir. Afinal, o caráter imperioso de virtude, bem como a objetividade da mesma têm de ser
demonstrado pelo em si e por si e pela imutabilidade dessa ideia de virtude.3
De início, entendemos que, para os gregos antigos, quer se trate de um objeto ou de um
ser animado, ambos possuem uma ou até várias funções. Estas, exercidas de forma perfeita, são
qualidades em que a definição é conhecida pela palavra “virtude”, cujo uso “parece ser
adequado para traduzir o termo da língua grega areté.” (PAVIANI, 2013, p. 36). Em outras
palavras, “A virtude é a excelência na função própria.” (BRISSON & PRADEAU, 2010, p. 72).
Tal definição é oriunda do conhecimento no que concerne à natureza de determinada coisa.
Será mediante o saber que se conhecerá a função ou funções dessa coisa. Em meados ao período
em que Sócrates viveu, porém, percebemos que a definição de virtude conota um sentido
igualmente voltado às questões sóciopolíticas, expressando, com isso, “qualidade ou excelência
de algo ou de alguém como, por exemplo, a capacidade de liderar pessoas” (PAVIANI, 2013,
p. 45).
Portanto, Sócrates reconhece na virtude um conceito eminentemente ético. Doravante,
não totalmente desmembrado do pensamento socrático, parece que Platão também desenvolve
no Mênon um diálogo voltado à virtude em seu aspecto antropológico. Afinal, ele pretende
saber mormente se a virtude humana é ou não suscetível ao ensinamento. Nessa obra,
observamos que o pensamento platônico, no que tange ao seu aspecto evolutivo-cronológico,
concebe um momento de transição cujo ponto de partida é do Platão ainda agarrado ao
pensamento socrático ao Platão que começa a expressar suas ideias de maneira mais original4.
3 REALE, Para uma nova interpretação de Platão, p. 130; 133; 136. 4 REALE, História da Filosofia Grega e Romana: Platão, p. 35-36.
15
Seguindo essa perspectiva, dentre os vários problemas que permeiam as inquietações
platônicas, percebemos que o filósofo de Atenas demonstra-se deveras preocupado com a
natureza da virtude e, com isso, ele nos apresenta um problema que implica, quiçá, dificuldade
de compreensão. Não é à toa que seu “procedimento dialético tem a vantagem de desenvolver
o ato de filosofar e não simplesmente de apresentar uma doutrina já pronta” (PAVIANI, 2013,
p. 40)
Mênon, ao iniciar a conversa, antes de qualquer exórdio, de maneira súbita e inesperada
– pelo menos ao leitor -, perpetra algumas indagações, a saber: se a virtude pode ou não ser
ensinada; se ela pode ser adquirida pelo exercício ou; se a virtude é incidida aos homens por
natureza ou por qualquer outro meio.5 Seu interesse maior é, todavia, voltado à primeira
pergunta – isto é, se a virtude é passível de ensinamento ou não.
No entanto, para Sócrates, nenhum de seus concidadãos sabe responder essa questão,
uma vez que as pessoas de Atenas sequer sabem o que é a virtude. Posicionando-se, pois,
enquanto partícipe da ignorância pertencente aos seus compatriotas, Sócrates censura-se a si
mesmo por também não saber nada sobre a virtude.6 Assim, aquele que não sabe o que
determinada coisa é, jamais poderá saber que tipo de coisa ela é. Não será possível a alguém,
por exemplo, não conhecendo absolutamente quem é Mênon, saber se Mênon é belo, rico, nobre
ou muito menos saber o contrário dessas coisas.7
Nesse contexto, “[...] Platão indaga pela possibilidade ou impossibilidade de conhecer
algo antes mesmo de saber o que algo é. Trata-se, é obvio, de uma questão de profunda
flexibilidade.” (PAVIANI, 2013, p. 114). É que, por meio dessa elegância, será necessário que
se tenha conhecimento sobre a natureza de determinada coisa, para serem expressadas
quaisquer qualidades sobre a mesma8. Percebemos, com isso, que Platão, por meio de seu
personagem Sócrates, desvia o problema inquirido por Mênon para a questão da essência. Esta
questão, como observa Paul Ricoeur (2014, p. 07), “nasce de uma pergunta formulada nos
seguintes termos: “O que é X?”, por exemplo, o que é a coragem? o que é a virtude?” Desse
5 Menon, 70 a. 6 Parece que estamos aqui diante da famosa ironia socrática. Ou será que de fato o Sócrates histórico não sabia
nada no que diz respeito à virtude? Compreendemos que, pelo menos o Sócrates, enquanto personagem desse
diálogo platônico, assumia não saber o que é a virtude. Quanto à ironia, esta diz respeito à habilidade em que
alguém – com o intuito em desencobrir a ignorância de algum interlocutor pretencioso – dissimula ser ignorante
sobre o conhecimento de determinada coisa. Para Reale, a ironia simboliza “um constitutivo essencial” aos escritos
platônicos. (REALE, História da filosofia grega e romana, vol. III: Platão, p. 33-34). 7 Menon, 71 a-b. 8 Benson vê enfatizada aqui o que ele chama de “Suposição Intelectualista”. (BENSON, Platão, p. 87-87. Ver o
que é isto.
16
modo, observamos aqui uma aproximação entre os verbos ser e ter. É Mediante essa relação
dialética, entre ambos os verbos, que as coisas têm parte na essência.9 Afinal, ainda segundo
Ricoeur, (p. 10) na discussão estabelecida no Mênon, “a essência é nas coisas, e inversamente,
as coisas têm a essência”.
Seguindo esse pressuposto, ser-se-á necessário, primeiro, saber o que é a virtude para,
posteriormente, poder afirmar se a virtude pode ou não ser ensinada. É por este motivo que
Sócrates, ao ser indagado por Mênon sobre o fato de não saber o que é a virtude, afirma que
não somente não sabe, como assevera também jamais ter encontrado alguém que soubesse o
que é a virtude.
Mênon, não obstante essa afirmação socrática, garante de forma contundente que
Górgias10, por exemplo, tem conhecimento da virtude. Dessa forma, é pedido àquele que
relembre então as coisas ditas por este no que concerne à virtude, ou falar por ele mesmo.
Afinal, o que é a virtude de acordo com Górgias? Com essa perquirição, Sócrates tem a
pretensão em provar que não está enganado ao dizer que jamais se deparou com alguém que
soubesse o que é a virtude.11
2.3 Primeira resposta de Mênon - A virtude em sua multiplicidade enquanto capacidade
de bem administrar as coisas
À guisa sofística, Mênon diz não encontrar dificuldade, em se tratando de sua
compreensão sobre o que é a virtude. Para ele, a virtude do homem, por exemplo, encontra-se
na capacidade de bem administrar as coisas da cidade, bem como proporcionar, ao exercitar a
gestão, o bem aos amigos e o mal aos inimigos, e, ademais, manter-se prevenido das más coisas.
No que respeita à virtude da mulher, Mênon a caracteriza enquanto o administrar bem a casa e
obedecer ao esposo. Além dessas virtudes, há também, de acordo com Mênon, a virtude da
criança, do ancião, do homem livre, do escravo etc. Por fim, nesta sua primeira resposta sobre
9 Observamos que se trata, aqui, da “Participação”. Esta, para Platão, é, grosso modo, “uma consequência natural
da hipótese da existência de formas inteligíveis, que desempenham, em relação às coisas sensíveis, que, portanto,
são de certa maneira suas imagens, o papel de causa e de ‘modelo’”. De relevância técnica, a participação em
Platão expressa a relação existente entre as coisas e a essência. Ela pode ter dois aspectos: as coisas sensíveis têm
participação nas formas inteligíveis e: há também participação nas formas inteligíveis, ou seja, estas participam
entre si. (BRISSON & PRADEAU, Vocabulário de Platão, p. 59-62). 10 Górgias era um sofista, cujo mestre era Empédocles. Nasceu em 487 a. C., em Leontium, na Sicília. Ao que se
consta, ele foi um dos primeiros a fundar a escola de retórica. (PLATÃO, 1966, p. 106). 11 Mênon, 71 c-d.
17
o que é a virtude, ele entende que a mesma relaciona-se a cada trabalho, e está de acordo com
cada ação e cada idade12.
Diante disso, uma vez que o que está sendo procurado é somente uma virtude, Mênon,
entretanto, permite que seja “pousado em si” um enxame de virtudes. Seu posicionamento
começará a ser refutado exatamente a partir do termo “abelha”. Será preciso, pois, que ele tenha
conhecimento sobre o que é o ser da abelha. É que, em meio às inúmeras variedades e formas
– tamanho, beleza etc. - de abelhas, estas - ao serem definidas enquanto abelha - não diferem
umas das outras. Observamos que tentar apreender uma coisa por meio de seus inúmeros e
relativos caracteres é permanecer nas inter-relações móveis do devir, visto que, agindo de
maneira acima explicitada, Mênon não será capaz de apreender o ser da virtude. O que é
perscrutado por Sócrates parece que está relacionado à necessidade em se “encontrar o caráter
substancial das coisas, seu ser próprio” (ROGUE, 2011, p. 79).
Com isso, notamos que aquilo que diz respeito às virtudes, tem semelhança com as
abelhas. Aquelas, apesar de existirem em muitas variedades, todas elas também têm um único
(mesmo) caráter. É exatamente devido a esse caráter essencial que essas qualidades são
chamadas de virtudes - o que possibilita encontrar a resposta da averiguação sobre o que vem
a ser virtude. Contudo, Mênon parece não apreender aquilo que é perguntado, visto que para
ele a virtude do homem, por exemplo, é diferente da virtude da mulher e da dos outros (criança,
ancião etc.), o que faz com que seja indagado se essa falta de apreensão acontece somente em
relação à virtude ou o mesmo acontece com as outras coisas. Interessa saber, com isso, se ele
pensa o mesmo, por exemplo, em relação às virtudes do corpo - ou seja, à saúde, à força etc. -,
se há uma saúde e uma força do homem e uma saúde e uma força da mulher, ou, se a saúde e a
força, tanto no homem quanto na mulher, referem-se ao mesmo caráter.
Mênon entende que, quanto a isso, parece se referir ao mesmo caráter, quer esteja no
homem, quer esteja na mulher. Afinal, no que concerne ao ser forte, a exemplo, tanto no homem
como na mulher, trata-se de uma mesma coisa - da própria força13. Nessa perspectiva, em se
tratando da questão da virtude, será que esta difere em alguma coisa, quer esteja na criança ou
num velho, quer numa mulher ou num homem? Mênon, porém, quanto ao ser virtude, ainda se
encontra em dúvida se se trata da mesma coisa ou não. Desse modo, Sócrates continua o seu
método até obter o acordo de Mênon de que não é possível administrar bem a cidade ou a casa
12 Mênon, 71 e-72 a 13 Mênon, 72 d-e.
18
se não for de forma prudente e justa. Logo, se ambas forem realmente administradas com
virtude, ser-se-ão administradas por meio da justiça e da prudência.14 Sócrates, enfim,
colocando Mênon em contradição, diz, que, tanto a mulher quanto o homem, para serem bons,
precisam da justiça e da prudência - precisam da mesma coisa, porquanto.15 Todos os seres
humanos só poderão se tornar bons pela mesma maneira, visto que “o fato de a justiça ou a
prudência, por exemplo, existirem num homem ou numa mulher também não supõe, portanto,
nenhuma diferença [...]” (JAEGER, 2013, p. 706).
Doravante, Mênon é parcialmente convencido de que é pela mesma virtude que os
homens se tornam bons. Destarte, Sócrates se volta ao objeto da questão, solicitando àquele que
expresse o que de fato Górgias dizia sobre o ser virtude. No curso das reflexões de Werner
Jaeger, queremos destacar este momento em que Mênon expressa sua primeira definição
equivocada sobre a virtude, seguido do que é proposto por Sócrates à significação da virtude,
como “uma regra dialética fundamental” (2013, p.715)16.
2.4 Segunda resposta de Mênon - A definição da virtude enquanto a capacidade de
comandar homens
Não obstante a “regra” proposta para a definição da virtude, Mênon insiste em
responder, ao seu modo, à indagação feita por Sócrates. Assim, encontrando-se em sua segunda
resposta, ele afirma que a virtude caracteriza-se enquanto capacidade de comandar os homens.
No entanto, Sócrates pergunta se essa capacidade é a mesma para a criança e para o escravo.
Isto é, estes são capazes de comandar o seu senhor? Certamente, não - pois, aquele que
comanda, não parece, de forma alguma, ser escravo. Dessa forma, percebemos que, a fim de
refutar mais uma vez o argumento de Mênon, Sócrates se apropria somente do termo
“comandar”. E, nesse contexto, já que para aquele a virtude é ser capaz de comandar, o mesmo
é indagado se não deverá ser acrescentado comandar “com justiça”, jamais de maneira injusta.
14 Parece começar aqui a intenção de Platão em mostrar que não será possível conceituar o todo por meio das
partes. 15 Mênon, 73 a-c. 16 Para a definição da virtude, observamos que Platão terá como regra principal a digressão matemática. Será por
meio desta ciência, que Platão - a fim de obter a natureza da virtude - estabelecerá os paradigmas que deverão ser
seguidos. O recurso às exemplificações matemáticas, no Mênon, “[...]serviu para pôr em destaque a fecundidade
educadora das aporias e para as apresentar como a primeira fase na senda do conhecimento positivo da verdade.”
(JAEGER, Paideia: a formação do homem grego, p. 715).
19
Mênon parece estar de acordo, mesmo porque para ele a justiça é virtude. No entanto, a justiça
é virtude ou uma virtude?17
Em vista dessa imprecisão, toma-se portanto como exemplo a redondez18, que é uma
figura – assim como demais outras figuras -, e não simplesmente que é figura. Parece que, aqui,
Platão recorre à matemática, mormente à geometria, como se isso fizesse parte de seu método
- visto que é como se ele fosse, mediante seus personagens, formando uma estrutura lógica,
afim de chegar àquilo que ele busca conhecer. Neste caso específico, isto é, no Mênon, Platão
almeja chegar à compreensão da virtude, estabelecendo como paradigma o termo “figura”.19
Nesse contexto, “[...] o problema da essência da virtude esclarece-se por meio da pergunta: o
que é uma figura? E o problema de se a justiça é a virtude ou uma virtude, por meio de pergunta
paralela: é o círculo a figura ou uma figura?” (JAEGER, 2013, p. 71. Grifos do autor).
Assim, de forma análoga a esse paradigma, Mênon afirma não haver somente a justiça
enquanto uma virtude, mas também outras virtudes. Como consequência, prometendo nomear
também outras figuras, Sócrates pede para que sejam nomeadas por Mênon as outras virtudes.
Este profere que a coragem parece ser uma virtude, assim como a prudência, a sabedoria, etc.
Embora essas qualidades sejam designadas enquanto uma virtude, notamos que não é este o
objeto da questão, uma vez que ao se procurar uma única coisa, agindo dessa forma, será
encontrada, ao contrário, uma multiplicidade de virtudes. 20 Mas o que se quer descobrir, afinal,
é a única virtude, a que perpassa todas as outras virtudes, em cuja relação as mesmas são
classificadas enquanto partes daquela. Mênon, porém, ainda não consegue apreender como
procurar uma virtude que é única em todas elas.21
Se alguém, por exemplo, perguntasse a Mênon o que é a figura - e este respondesse que
é a redondez -, esse alguém iria novamente indagar se a redondez é a figura ou uma figura. Sem
17 Mênon, 73 d-e. 18 Esta figura (redondez), apesar de ser assim traduzida, pode ser compreendida também por meio do termo
“círculo”. 19 Mênon, 73 e. 20 De acordo com os relatos platônicos, as discussões dialéticas - no que tange ao século IV a. C. – eram voltadas
mormente a “[...] ‘muitos’ em contraposição a ‘um’”. Desse modo, entendemos multiplicidade como aquilo “que
é múltiplo e variado.” Múltiplo, em Platão, tem uma conotação, não de “dispersão ilimitada”, mas de número. Este
encontra-se entre a multiplicidade ilimitada e a unidade absoluta. É por meio do número, portanto, que se
estabelece um limite para aquilo que é ilimitado. Como vemos, o número é, concomitantemente, um e muitos,
visto que pertence `a multiplicidade determinada. Afinal, de acordo com Platão, onde há número há inteligência.
É por isso que ele se preocupa em evitar que a sua análise sobre a virtude rume à multiplicidade ilimitada,
porquanto não se poderá, seguindo esta direção, determinar a natureza da virtude. Platão volta o seu pensamento,
ao contrário daquela direção capaz de fazer a sua pesquisa se debandar, à unidade das coisas. (ABBAGNANO,
Dicionário de Filosofia, p. 686, 718). 21 Mênon, 74 a-b.
20
dúvida, Mênon diria que é uma figura. Logo, e por esta razão, há ainda outras figuras. E se
perguntasse quais para nomear, certamente seriam nomeadas. O mesmo se passa em relação à
cor: se alguém perguntasse a Mênon o que é a cor - e ele respondesse que é o branco -, esse
alguém faria uma pergunta semelhante àquela sobre a figura, ou seja, perguntaria se o branco é
a cor ou uma cor. A resposta com certeza seria que o branco é uma cor, e não a cor - porquanto
há outras cores não menos cores que o branco22.
Não obstante às respostas sobre as variedades de figuras e de cores, não é de interesse
continuar com esse argumento pois, agindo dessa forma, chegar-se-á sempre à multiplicidade,
o que não parece ser esta a intenção de Platão. Essas muitas coisas são chamadas, antes, por um
nome só, ou seja, todas são figuras - por exemplo -, embora sejam umas diferentes das outras.
Todavia, é importante ressaltar que Brisson (2003 p. 161) afirma, em relação às virtudes
particulares apreendidas a partir das discussões do Mênon, que as mesmas “[...] não são
radicalmente distintas, porquanto elas têm todas por fundamento a epistéme que permite definir
a virtude geral.”
Comentários à parte, o posicionamento de Platão por meio de Sócrates, em se tratando
da compreensão de definição de figura, é o seguinte:
[...] Se, pois, como eu, ele prosseguisse o argumento e dissesse: “é sempre uma
multiplicidade que chegamos, mas não me venha com isso! Antes, já que chamas essas
muitas coisas por um nome só, e que afirmas que todas elas são figuras, e isso ainda
quando são contrárias umas das outras - que é isso que de modo algum compreende
menos o redondo do que o reto, isso precisamente que chamas figura, “de tal forma
que” afirmas em nada o redondo é mais figura que o reto? Ou não dizes assim?
(PLATÃO, 2001, p. 31).23
Por meio dessa citação percebemos que o filósofo ateniense se refere àquilo que é o
mesmo em todas essas coisas - à unidade das coisas. Em outras palavras, ele quer saber o que
é aquilo nas coisas chamadas figuras que, em todas elas, é o mesmo, que é figura. Portanto, o
que se procura é responder à indagação sobre o que é a figura, posicionando-se de maneira
delicada e dialética24. No entanto, a forma mais dialética, quiçá, não esteja voltada em responder
22 Sobre este trecho, Jaeger (2013, p.711) afirma que “[...] assim se esclarece logicamente o que Platão entende
por essência, pois a essência não admite um mais e um menos, e nenhuma figura o é em maior ou menor grau que
outra qualquer [...]”. 23 Mênon, 74 d-e. 24 A dialética é, por excelência, o método usado sobretudo por Sócrates. O processo desse método se dá por meio
da ironia e da maiêutica. A primeira, ocorre quando é indicado o erro do interlocutor. Quanto à segunda, grosso
modo, é aquele exercício em que o interlocutor se vê obrigado em arrancar de si mesmo a verdade daquilo que se
procura. (PLATÃO, Mênon 1966, p. 76).
21
somente a verdade. É preciso, antes, que transcorra o percurso por meio daquilo em que aquele
que é inquirido admite categoricamente saber.25
Assim, à maneira de conclusão sobre o que é figura, é preciso que Mênon tenha em
mente o conhecimento daquilo que é chamado de término, isto é, daquilo conhecido como
extremidade e limite. É que é possível observar nas figuras, por meio da geometria, aquelas
coisas que são conhecidas, uma, por superfície, a outra, por sólido. Desse modo, Platão afirma
que “onde o sólido termina, isso é uma figura. Aquilo que, precisamente, resumindo, diria: a
figura é o limite do sólido” (PLATÃO, 2001, p. 35).26
Como se vê, essa definição de figura elucidada por Platão é uma característica geral que
abrange todas as figuras particulares. É esse o paradigma por meio do qual Platão pretende
definir o caráter geral do termo virtude. Esse exercício serve como base para poder ser
alcançada uma resposta sobre a virtude. Observamos, mediante esse estalão, que a essência da
virtude no Mênon se caracteriza, também, devido ao “[...] contraste com o que Platão chama de
partes da virtude, como a justiça, a prudência, etc.”, e não somente “[...] contrapondo-a como
algo de unitário e absoluto às múltiplas relações da virtude com homens de tipo diverso [...]”
(JAEGER, 2013, p. 706).
2.5 Terceira resposta de Mênon - A definição do todo mediante sua parte: a virtude
esclarecida por meio da justiça enquanto querer coisas boas e poder alcançá-las
Em consonância com essa explanação concernente àquilo que se caracteriza enquanto
figura, entendemos que, de forma semelhante, deverá ser encontrado o caráter necessário ao
termo virtude - aquele caráter que conceitua a virtude como um todo, tendo em vista que Mênon,
ao contrário, acaba fazendo muitas coisas a partir daquilo que é um. Mas o que Platão pretende
é deixar a virtude “íntegra e sã”. É por isso que são citados os exemplos de caráter de abelha,
25 Como podemos notar, parece que as opiniões de Mênon sobre a natureza da virtude, bem como as primeiras
opiniões do escravo sobre o cálculo matemático – que veremos no segundo capítulo deste trabalho -, não expõem
a verdade em relação ao que está sendo averiguado. No entanto, isso pertence ao exercício dialético, cujo escopo
é, mediante exclusão das opiniões falsas, chegar à opinião verdadeira sobre as coisas, isto é, ao verdadeiro
conhecimento. 26 Mênon, 76 a.
22
de cor, bem como o de figura. Os mesmos servirão como paradigma para Mênon responder o
que é a virtude geral. 27
Diante disso, porém, Mênon que ainda não reconhece sua ignorância sobre a essência
da virtude, tem outra definição do que é a mesma. Para ele virtude é regozijar-se com as coisas
belas e poder alcançá-las, ou seja, desejar coisas belas e ser capaz de consegui-las.28 Muito
embora a virtude para Mênon, aqui, seja querer as coisas boas29 e poder alcançá-las, Sócrates,
no entanto, faz objeção a esse argumento pois, no que diz respeito ao querer, este pertence a
todos. Portanto, ninguém, por meio do querer, é melhor que outro. Alguém é melhor que outro
somente em relação ao poder alcançar. E, além do mais, aqueles que ignoram as coisas
consideradas más - acreditando, porém, que essas coisas são boas -, desejam na verdade coisas
boas. Ninguém quer as coisas más, se realmente não quer ser assim, porque aquele que deseja
e obtém as coisas más é considerado, para Platão, um infeliz.30
Mas, Sócrates, a fim de refutar mais uma vez o argumento de Mênon, apega-se
provisoriamente a essa definição atinente à virtude, visto que, como é sabido:
[...] no variado jogo de simulações, Sócrates chegava mesmo a fingir que acolhia
ideias e métodos do adversário como se fossem dele e os levava ao extremo para
poder fazer emergir facilmente os pontos débeis de refutá-los, algumas vezes fazendo
uso da lógica própria àqueles métodos. (REALE, 2014, p. 34).
Nesse contexto, Sócrates acrescenta, a esse conseguir, justiça ou prudência ou piedade
ou qualquer outra parte da virtude31. Caso contrário, embora se consiga coisas boas, não será
virtude. O mesmo se dá ao não conseguir, ou seja, “não <procurar> conseguir ouro e prata
quando não for justo nem para si próprio nem para outrem [...]”, esse não conseguir também é
considerado virtude (PLATÃO, 2001, p. 43)32. Destarte, ao se alcançar determinado bem, esse
alcançar, não será considerado mais virtude que o não alcançar. Vetante isso, parece que será
considerado virtude, para Mênon, aquilo que for feito com justiça, e o que for feito de forma
contrária a isso, será considerado vício.33 Só que o que ficou acordado anteriormente, porém, é
27 Mênon, 77 a-b. 28 Mênon, 77 b. 29 Para Mênon, essas coisas belas, são: o ouro, a prata, as honras, os postos de comando na cidade, a riqueza, a
saúde etc. 30 Menon, 78 a-b. 31 Percebemos que isso se dá, porquanto Sócrates tem o intuito em, posteriormente, objetar Mênon ao este tentar
definir o todo por meio de sua parte (justiça), o que no Mênon é impossível. 32 Menon, 78 e. 33 Mênon, 78 e-79 a.
23
que cada uma dessas qualidades – a justiça, a prudência etc. -, é considerada uma parte da
virtude. Parece que Mênon, ao se posicionar dessa forma, entra novamente em desacordo, não
entendendo o que de fato se quer dizer em se tratando do caráter necessário ao termo figura.
Desse modo, indaga Socrates:
SO. Então, resulta, a partir do que admites, que fazer o que quer que se faça com uma
parte da virtude, é isso a virtude. Pois afirmas que a justiça é uma parte da virtude, e
também <o é> cada uma daquelas várias coisas <que mencionamos>. Ora, por que
então estou dizendo isso? Porque, tendo eu pedido que dissesses o que é a virtude
como um todo, estás, por um lado, longe de dizer o que ela é, e, por outro, afirmas que
é virtude toda ação desde que seja feita com uma parte da virtude, como se já tivesses
dito o que é a virtude como um todo, e <como se eu> devesse reconhecê-lo a partir
daí ainda que a partas em pedaços. Precisas então, de novo, do começo, segundo me
parece, amigo Mênon, <retomar> a mesma pergunta: o que é a virtude, uma vez que
virtude seria toda ação acompanhada de uma parte da virtude? Pois é isso que se quer
dizer quando se diz que toda ação acompanhada de justiça é virtude. Ou não te parece
que precisas <retomar>de novo a mesma questão, mas, sim, crês que alguém sabe o
que é uma parte da virtude mesmo não sabendo o que ela é?
MEN. Não, não me parece. (PLATÃO, 2001, P. 47).34
Observamos, com isso, que a virtude em si não pode ser fragmentada, é preciso que se
encontre a sua unidade. A resposta, pois, deverá ser respondida por Mênon conforme os
paradigmas elucidados anteriormente. Embora essa resposta tenha de ser dada conforme os
modelos mostrados, ele, no entanto, mais uma vez negligencia isso, afirmando que a virtude é
ser capaz de conseguir coisas boas com justiça. Isto é, Mênon havia afirmado antes que a justiça,
semelhante às demais qualidades, é uma parte da virtude.
Tendo em vista que a resposta de Mênon leva à conclusão de que a virtude seria toda
ação acompanhada de uma parte da virtude, ou seja, acompanhada da justiça, é perguntado
novamente o que é a virtude - pois é isso que se conclui, ao alguém partir do pressuposto de
que toda ação acompanhada de justiça é virtude. Para Platão, não se pode ter conhecimento de
uma parte da virtude sem antes saber o que é a virtude como um todo.35 Em campos semânticos,
parece que, aqui, Mênon tenta definir a virtude por uma relação metonímica, isto é, por
antonomásia. Em discursos outros, ele arrisca em esclarecer a essência da virtude mediante
aquilo (a justiça) que é parte da mesma. É como se estivesse pressupondo conhecer o que ainda
estaria por conhecer. Portanto, Mênon, por meio desse contexto, “comete o erro lógico de querer
34 Mênon, 79 b-c. 35 Mênon, 79 d-e.
24
explicar a essência da virtude mediante uma parte dela, que é a justiça” (JAEGER, 2013 p. 717).
Sócrates, ao se deparar com a explicação imprecisa de Mênon, objurga-o.
O fato de Mênon sempre errar, ao tentar definir a virtude, quiçá seja pelo motivo de ele
não compreender o que é exigido por Sócrates para tal definição. De acordo com Christophe
Rogue, é necessário que esteja junto à definição um imperativo de unicidade dessa definição.
Todas as partes da virtude – isto é, a sua totalidade – têm de estar compreendidas em um só
logos.36
2.6 A total aporia de Mênon como implicação à continuidade da pesquisa
Diante da persistência da incompreensão acerca da natureza da virtude, bem como do
aparente esgotamento dos recursos argumentativos, Mênon cai novamente em aporia e, dessa
vez, todavia, ele reconhece estar em dúvida sobre o que é a virtude. O mesmo, neste instante,
tem plena consciência de que de fato não sabe o que é a virtude - coisa que anteriormente
afirmava categoricamente saber. Agora, comparando Sócrates a uma raia elétrica, afirma
Mênon:
Sócrates, mesmo antes de estabelecer relações contigo, já ouvia dizer que nada fazes
senão caíres tu mesmo em aporia, e levares também outros a cair em aporia. E agora,
está-me parecendo, me enfeitiças e drogas, e me tens simplesmente sob completo
encanto, de tal modo que me encontro repleto de aporia. E, se também é permitida
uma pequena troça, tu me pareces, inteiramente, ser semelhante, a mais não poder,
tanto pelo aspecto como pelo mais, à raia elétrica, aquele peixe marinho achatado.
Pois tanto ela entorpece quem dela se aproxima e a toca, quanto tu pareces ter-me
feito agora algo desse tipo. Pois verdadeiramente eu, de minha parte, estou
entorpecido, da alma e na boca, e não sei o que te responder. (PLATÃO, 2001, p.
47)37
Mênon, entretanto, por diversas vezes discursou sobre a virtude às multidões e, quiçá
devido ao aspecto persuadido das pessoas, ele imaginasse que seriam belos os seus
pronunciamentos discursivos em relação à virtude. Agora, porém, entorpecido, Mênon sequer
sabe dizer o que absolutamente ela é. Percebemos, com isso, que o discípulo de Górgias se
deixou ser levado simplesmente pelo fato de ele saber falar. É que Mênon, “sabendo falar,
imagina, por consequência, que sabe. Mas não é este o caso. Saber falar não é suficiente; é
36 ROGUE, Compreender Platão, p. 46 (Grifos do autor). 37 Mênon, 70 e-80 a-b.
25
preciso bem falar e, sobretudo, saber malograr as aparências de verdade dos discursos daqueles
que apenas falarão bem” (ROGUE, 2011, p. 21).
Observamos que à medida que Sócrates refuta Mênon, este vai tomando consciência de
suas contradições, de seus embaraços. Assim, mediante a refutação, Mênon sai da “ilusão de
saber o que não se sabe”, indo em direção àquele nível, cuja designação é “saber que não se
sabe”. (ROGUE, 2011, p. 47). Estar em total aporia, isto é, ter pleno conhecimento de que nada
sabe é, desse modo, “[...] o começo da atitude verdadeiramente filosófica [...]” (2011, p. 47). A
aporia, afinal, longe de ser uma ocasião negativa, é, não obstante, “[...] esse tempo de suspensão
do diálogo entre refutação e pesquisa. Momento intermediário onde se passa da ignorância ao
saber, ela abre o caminho para a verdadeira pesquisa” (2011, p. 48). É a aporia, de acordo com
Jaeger (2013, p. 715), “[...] a fonte do conhecimento e da compreensão.” Ao decorrer desse
método, em que os interlocutores apresentam uma questão, exigindo, com isso, que se tenha
uma resposta, parece que Mênon, vencido pelas refutações socráticas, compreende que ele nada
sabe em relação à virtude.
É visível, na maioria dos diálogos platônicos, que, “Para o interlocutor, infelizmente, a
investigação sobre sua tese normalmente termina em dificuldades e o próprio interlocutor cai
em embaraço, irritação, acusação” (BENSON, 2011, p. 57). No instante em que se encontra em
suspensão em relação à sua compreensão sobre a virtude, não resta outra coisa a Mênon senão
a dúvida. Porém, essa análise sobre a natureza da virtude só será possível justamente por causa
de sua aporia, visto que “A dúvida impulsiona a investigação.” (PAVIANI, 2013, p. 45).
Em face dessa aporia Deparamo-nos ainda, quando Mênon compara Sócrates com a raia
elétrica, com um impasse efetivamente compartilhado.38 É que este afirma o seguinte:
[...] Quanto a mim, se a raia elétrica, ficando ela mesma entorpecida, é assim que faz
também os outros entorpecer-se, eu me assemelho a ela; se não, não. Pois não é sem
cair em aporia eu próprio que faço cair em aporia os outros. Mas, caindo em aporia eu
próprio mais que todos, é assim que faço também cair em aporia os outros. Também
agora, a propósito da virtude, eu não sei o que ela é; tu entretanto talvez anteriormente
soubesses, antes de me ter tocado; agora porém está parecido a quem não sabe.
Contudo, estou disposto a examinar contigo, e contigo procurar o que ela possa ser.
(PLATÃO, 2001, p. 49).39
38 Sobre esse impasse, Benson pensa que: “Se esses diálogos são concebidos como representações de Sócrates e
de seus modos de fazer filosofia, então esses impasses parecem essenciais a eles, precisamente porque é neste
ponto que suas discussões sempre terminavam. (BENSON, Platão, p. 56-57). 39 Mênon, 80 c-d.
26
Isto é, diante da aporia de Mênon, Sócrates também afirma que, embora ele seja
comparado à raia - cujo choque entorpece quem a toca -, também se encontra em situação
aporética, visto que nada sabe sobre a virtude. Desse modo, ele aceita a comparação, se a raia
também entorpecer-se a si mesma, porquanto ele, do mesmo modo que Mênon, encontra-se
entorpecido, tendo a certeza que nada sabe em relação à virtude.
Em suma, fica transparecido que o ponto decisivo no que respeita a essa primeira
discussão do Mênon seja, quiçá, o motivo “de Menon tentar explicar as espécies de virtude e a
única virtude [...], enfim, a virtude geral.” (PAVIANI, 2013, p. 45). Por meio dessas suas
fracassadas explicações, ele consegue “enxergar” que, apesar de seus “belos” e inúmeros
discursos às multidões, nada sabe sobre a natureza da virtude. Como esperado aos diálogos
platônicos, a dialética de Sócrates faz com que as três tentativas de Mênon em definir a virtude
sejam descartadas.
No entanto, há aqui no Mênon “[...] uma nova pitada: Sócrates insiste que o definiens
correto para a excelência deve evidenciar a unidade que faz com que todas as várias excelências
(justiça, temperança, etc.) sejam uma” (BENSON, 2011, p. 87. Grigo do autor).40 Em relação
a essa questão da virtude no Mênon, Jaeger (2013, p. 707) diz que esse problema da essência
da virtude equipara-se “[...] à suma e compêndio daquilo que se pode predicar não de uma ou
outras partes quaisquer da virtude mas sim da própria virtude em conjunto ou ‘na totalidade’
[...]”. Temos aqui, pela primeira vez, o estabelecimento – em se tratando do geral – de um novo
conceito lógico ao pensamento platônico41.
40 Para Benson - embora nada mais seja explanado em relação ao proposto para o definiens correto à excelência -,
trata-se de uma nova ênfase apresentada por Platão. 41 JAEGER, Paideia: a formação do homem grego, p. 707.
27
3 CAPÍTULO II – A VIRTUDE E A GARANTIA DO CONHECIMENTO:
IMORTALIDADE DA ALMA, CONTEMPLAÇÃO E REMINISCÊNCIA
3.1 Considerações iniciais
A pretensão deste Capítulo II é mostrar que, embora a virtude seja - para Sócrates e
Mênon - algo desconhecido, é possível, na contramão do argumento erístico, procurar aquilo
sobre o qual não se sabe absolutamente nada. Sendo assim, a fim de convencer Mênon a essa
busca, Sócrates lança mão de dois recursos, que são a “doutrina mítica” e a “dialética”. Ao
primeiro recurso, fica comprovada a imortalidade da alma. Já no recurso à dialética, Platão o
explana mediante um diálogo - em que ocorre a solução de um problema matemático - travado
entre Sócrates e um escravo de Mênon. Em suma, ambas as apelações servem para mostrar que
o conhecimento, longe de ser adquirido pelo ensinamento, se dá, para Platão, em virtude da
imortalidade da alma, a que o filósofo ateniense indexa às teorias da contemplação da
rememoração.
3.2 O recurso às doutrinas mítica e dialética como prova de que é possível procurar o que
não se conhece
Mênon - embora atribua razão a Sócrates, pelo motivo de este fazê-lo adquirir
consciência de que não sabe nada sobre a virtude - depara-se também com a incerteza de
Sócrates em relação ao assunto. A partir daí, apesar de recalcitrante, Mênon procura saber se a
proposta para encontrar a virtude poderá ser encontrada entre as coisas desconhecidas. É, que,
se ambos não sabem nada sobre a virtude, como poderão então procurá-la? Por outros discursos,
de que modo poderá ser procurado aquilo que não se sabe absolutamente o que é, visto que, se
fosse encontrada a virtude, de que forma se saberia que a encontrou, uma vez que a mesma é
algo desconhecido?42 Isso, porém, de acordo com Platão, é uma proposição erística. Para os
erísticos, seria impossível alguém adquirir o verdadeiro conhecimento, porquanto “[...] nem
procuraria aquilo precisamente que conhece – pois conhece, e não é de modo algum preciso
42 Esse problema levantado por Mênon ficou conhecido como o “paradoxo de Mênon”. (DANCY, R. M.
Definições platônicas e formas. In: BENSON, Platão, 2011, p. 87.)
28
para um tal homem a procura -, nem o que não conhece – pois nem sequer sabe o que deve
procurar.” (Platão, 2001, p. 49).43
Com o intuito de superar essa aporia apresentada, Platão se vê obrigado a traçar um
percurso que, como percebemos, é totalmente inusitado, a saber, que “[...] o conhecimento é
anamnese, isto é, uma forma de ‘recordação’, um vir à tona do que já existe sempre no interior
da nossa alma.” (REALE, 2014, p. 153-154). Tendo em vista, então, que conhecimento é
reconhecimento, Platão concebe Sócrates enquanto alguém que, por si só, conseguiu encontrar
respostas para as suas buscas e inquirições, tornando-se, portanto, sem efeito “[...] as
hipoteticidades pretensiosas que Mênon, por exemplo, aprendeu e presumiu com um Górgias,
e ainda mais nulo é um sofisma que tenha por fim dissuadir alguém, pela argumentação, de toda
e qualquer busca e indagação, como faz Mênon com cega astúcia.” (GADAMER, 2009, p. 53-
54).
Em suma, pelo que percebemos, essa doutrina da rememoração é apresentada no Mênon
de dois modos, isto é, Platão recorre ao mito sobre a imortalidade da alma e, consequentemente,
ao exercício dialético - este é explanado por meio de um “subdiálodo”, ocorrido entre Sócrates
e um escravo de Mênon. É necessário então que ambos os exemplos sejam aqui averiguados.
3.2.1 O recurso à doutrina mítica
Na perspectiva de provar que a doutrina erística importa-se somente em vencer a
discussão sem se preocupar com a verdade das coisas, Platão “[...] elabora no Mênon o profundo
conceito do saber, latente no seio da socrática, ao opor esta à concepção mecânica que os
sofistas têm do que é aprender.” (JAEGER, 2013, P. 716).
Nessa perspectiva, parece que, em Platão, o discurso filosófico mediante a razão tem
seu limite. Entretanto, em sua cartada, com o fito em transcender esse extremo, o filósofo de
Atenas, a fim de nos apresentar a primeira maneira de expor a doutrina da rememoração, recorre
intuitivamente ao mito44 que, por sua vez,
Dando uma perspectiva final e, portanto, moral à conversa na qual os interlocutores
se empenharam, o mito legitima em última instância uma filosofia que aparece como
o recurso para reaver certezas que ela própria contribuiu para destruir. [...] O mito
43 Menon, 80 e. 44 Para ROGUE (2011, p. 64), o fato de se recorrer ao mito em virtude de não conseguir convencer racionalmente,
é considerado uma “falha da filosofia”.
29
funciona, pois, como auxiliar da necessária conversão dos homens à filosofia,
finalizando uma busca que por si mesma não pode ter fim e prevenindo a volta aos
discursos de aparência de homens por demais escravos de seus interesses e de suas
paixões para poderem julgar como ele contém o valor absoluto. (ROGUE, 2011, p.
64-65).
Por meio deste recurso mítico, percebemos que os limites da razão são então superados.
Portanto, é à força do mito que o espírito é elevado “[...] a uma visão ou, ao menos, a uma
tensão transcendente.” (REALE, 2014, p. 41). Este recurso, no Mênon, é conhecido como teoria
da reminiscência ou da rememoração que, de forma contrária à concepção dos sofistas,
preocupa-se com a verdade. É também por meio dessa teoria, inspirada nas “doutrinas órfico-
pitagóricas” dos sacerdotes, que fica comprovada a imortalidade da alma.45 Segundo esta
doutrina a vida, como conhecemos agora, “[...] ora chega ao fim e eis aí o que se chama morrer,
e ora nasce de novo, mas que ela [a alma] não é jamais aniquilada. É preciso pois, por causa
disso, viver da maneira mais pia possível” (Platão, 2001, p. 51).46 A morte é, portanto, “[...] o
termo de uma das vidas da alma no corpo; o nascimento não é senão o recomeçar de uma nova
vida que vem somar-se à série das vidas precedentes.” (REALE, 2014, p. 151. Grifo de autor).
Mas por que Platão enfatiza que precisamos viver da maneira mais pia possível? Porque
é sabido que, além de Platão tentar associar a virtude a saber-fazer47, a mesma, em sua
dimensão, abrange também o contexto ético-social. O saber-fazer, logo, remete-nos ao conceito
de aprendizagem. Este, tendo em vista que o objeto em questão está direcionado à procura da
definição de virtude, tem de estar conectado à significação da alma, não somente “como um
princípio cognitivo”, mas antes também é necessária - para entendermos as relações existentes
entre a alma e a virtude - a compreensão da alma enquanto “um princípio ético”.48 De acordo
com Pradeau (2012, p. 38), é por meio desse princípio que a ética e a política platônicas serão
geridas. Desse modo, Platão relaciona o problema da virtude à alma pelo fato de a natureza do
45 É sabido que, frequentemente, muitos estudiosos atribuem à doutrina da rememoração (anamnese) as influências
órfico-pitagóricas exercidas sobre Platão. Contudo, observamos que a maiêutica socrática tivera também
fundamental importância à germinação dessa doutrina. (REALE, História da filosofia grega e romana, vol. III:
Platão, p. 156-157). 46 Menon, 81 b. 47 Parece que um dos interesses de Platão no Mênon, ao procurar a natureza da virtude, é tentar justificar a sua
prática através de um “conhecimento de causa”. Sendo assim, é possível pensar na possibilidade de haver
especialistas em virtude. Sobre isso, trataremos ao longo do terceiro capítulo. 48 Por meio desse entendimento, acreditamos que será permitido, por exemplo, saber se determinado homem é
bom ou mau.
30
Homem, para ele, ser expressa mormente pela psique, isto é, pela alma – por consequência, as
virtudes morais, em relação aos bens materiais, têm superioridade.49
Em vista disso, o que se entende em relação às hipóteses de Platão atinentes à
reminiscência é que as mesmas indicam haver uma existência precedente à nossa existência
atual. A alma, naquela existência anterior, contemplou as Puras Ideias50. Na existência atual, o
espírito, ao ser educado e instruído, simplesmente está se lembrando dessas ideias consideradas
puras, que foram contempladas, em algum tempo, nessa existência anterior. Há, portanto,
apenas uma recordação, um reconhecimento impreciso e sombrio daquilo que Platão chama de
perfeição ou de suprassensível. É em virtude dessa imortalidade que a alma já se encontra, na
vida atual, como conhecedora de tudo. Em síntese, a ideia da imortalidade da alma em Platão,
enquanto base essencial à designação da personalidade moral, quiçá seja o pano de fundo “[...]
à sua nova teoria de um saber de certo modo inato na alma do Homem.” (JAEGER, 2013, p.
714).
Sendo então a alma imortal e tendo nascido muitas vezes, e tendo visto tanto as coisas
<que estão> aqui quanto as <que estão> no Hades, enfim todas as coisas, não há o que
não tenha aprendido; de modo que não é nada de admirar, tanto com respeito à virtude
quanto ao demais, ser possível a ela rememorar aquelas coisas justamente que já
conhecia. Pois, sendo a natureza toda congênere e tendo a alma aprendido todas as
coisas, nada impede que, tendo <alguém> rememorado uma só coisa – fato esse
precisamente que os homens chamam aprendizado -, essa pessoa descubra todas as
outras coisas, se for corajosa e não se cansar de procurar. Pois, pelo visto, o procurar
e o aprender são, no total, uma rememoração. (PLATÃO, 2001, p. 51-52).51
Afinal, para Platão, não se adquire nesta vida presente um conhecimento das coisas, mas
antes um reconhecimento. Logo, no que concerne ao entendimento sobre a virtude (objeto do
diálogo aqui examinado), só há rememoração. Assim, tanto o procurar quanto o aprender são
uma rememoração. Desse modo, o argumento da rememoração faz com que os homens, de
acordo com o filósofo de Atenas, se tornem diligentes e inquiridores.52
Como é sabido, a filosofia, em sua pesquisa, inclina-se pura e simplesmente à busca da
verdade. É o pensamento filosófico, então, divergente da doutrina erística que, fazendo
49 PAVIANI, As origens da ética em Platão, p. 47. 50 Em Platão, podemos entender o termo “Ideia” enquanto “a espécie única e intuível numa multiplicidade.” Nesta,
a Ideia é visível como unidade. Assim, o caráter da Ideia, em relação à multiplicidade, tem uma posição de
privilégio, visto que, para Platão, a substância ou a essência daquilo que é numeroso é justamente a Ideia.
Entretanto, o conceito de Ideia, aqui, não será dignamente aprofundado. (ABBAGNANO, Dicionário de filosofia,
p. 524-525). 51 Mênon, 81 c-d. 52 Mênon, 81 d.
31
indiferença à verdade, cultua a mera persuasão. Esta, de acordo com Julia Annas (2012, p. 32),
é “[...] um empreendimento questionável tanto nas suas intenções quanto em seus métodos.”
Para ela, parece que foi em virtude disso que Platão “[...] enfatizou a necessidade de distinguir
claramente os métodos da filosofia dos métodos que granjeiam a concordância alheia por meios
persuasivos e não rigorosos.”
Enfim, Sócrates e Mênon entram em acordo de que a teoria da reminiscência prevalece
sobre a doutrina erística. Desse modo, sem serem explicitadas provas que validem tal
argumento, eles mantêm assim a hipótese e a confiança de que esse argumento (da
rememoração) é verdadeiro. Platão proporciona aos seus personagens, a disposição e o dialético
exercício em procurar o que é a virtude. Para Gadamer, (2009, p. 56), o recurso mítico “[...]
em que Sócrates coloca essa certeza sem solenidade irônica presta-se, no fundo, apenas para
ilustrar a autoexplicação da consciência indagadora”. (GADAMER, 2009, p. 56).
3.2.2 O recurso à doutrina dialética
Embora Platão não se expresse com clareza ao explanar que a resposta para se safar do
“paradoxo de Mênon” encontra-se na teoria da reminiscência, ele assume como corroboração
para esta teoria um subdiálogo ocorrido entre Sócrates e um escravo de Mênon.53 Neste
subdiálogo, toma-se como recurso, novamente, os exemplos matemáticos. Entendemos que,
para Platão, o conhecimento da matemática - em virtude da comunicação que há entre esta vida
e a vida anterior -, já existe enquanto potência na alma humana.54 Esse recurso, longe de ser
mero método, serve “[...] para ilustrar o tipo de saber que Sócrates se propõe como objetivo.”
(JAEGER, 2014, p. 712). Esse tipo de saber, “[...] embora partindo de vários fenômenos
concretos perceptíveis pelos sentidos e que representam o que se investiga, não está de per si
encravado dentro do campo do perceptível.” (2013, p. 712-713. Grifo nosso). Portanto, o
mesmo tem relação com as matemáticas, haja vista que somente “[...] o espírito pode captá-lo,
e o órgão que o capta é o lógos.” (p.713)
53 No que tange ao exercício pedagógico ocorrido aqui, Jaeger (2013, p. 713) entende ser o melhor momento do
Mênon. Para ele, “Platão deixa-nos contemplar aqui as reflexões que o levaram à aceitação da existência de uma
fonte puramente espiritual de certeza científica, diversa da experiência sensível.”
54 JAEGER, Paideia: a formação do homem grego, p. 713.
32
A possibilidade da teoria da reminiscência é elucidada, dessa vez, por meio de figuras
geométricas, desenhadas na areia, bem como através de perguntas dirigidas a esse escravo, que
não tem conhecimento algum sobre geometria.55 A princípio, a partir de um quadrado cujos
lados têm dois pés, o escravo de Mênon está convencido e afirma, categoricamente, saber qual
a medida da linha lateral que formará um quadrado de oito pés, que, para ele, é a superfície de
um quadrado de área dupla. O mesmo acredita que essa superfície será formada a partir da linha
que é o dobro da que Sócrates desenhou. No entanto, ele certamente não sabe. É exatamente
em virtude dessas perguntas que, para o discípulo de Sócrates, será possível a recordação.
Afinal, como analisamos, “É a doutrina da anámnesis que exprime o verdadeiro sentido da
indagação socrática.” (GADAMER, 2009, p. 54) A indagação é, por sua vez, “[...] buscar e
encontra-se, enquanto tal, sob a batuta do objeto da busca. Somente se pode buscar conhecendo
aquilo que se busca – somente então, somente à vista do objeto buscado, pode-se excluir, limitar
e reconhecer em geral.” (2009, p. 60).
Por meio das indagações, portanto, o escravo percebe que ele está equivocado ao dizer
que a linha lateral (superfície), que formará um quadrado de área dupla, equivale a oito. Ele
conclui, no entanto, em razão dessas indagações, que essa área mede nove pés. Há, aqui, para
Platão, através somente de perguntas, um imenso progresso, cuja rememoração é a responsável,
não havendo, de forma alguma, ensinamento.56 Em se tratando desse processo de reminiscência,
o fato de Sócrates recusar a palavra “ensinar”, quiçá seja em razão de a mesma nos passar a
sensação de “atafulhamento” - na alma – de saberes oriundos do exterior. Dessa forma, no que
tange à verdade existente na matemática, o escravo a descobre extraindo-a por meio do saber
presente em sua própria alma, e não por um ensinamento externo.57
Não obstante, segundo Benson (2011, p. 87), é Sócrates quem direciona o escravo à
resposta correta, isto é, à “diagonal do quadrado original”. Antes de sugerir a resposta ao
escravo, a mesma tem seu nascimento a partir do próprio Sócrates.58 Também sobre isso, afirma
Jayme Paviani:
[...] há um paralelismo entre a linguagem das expressões usadas por Sócrates e as
linhas que formam o quadrado. Há uma relação entre o raciocínio de Sócrates, as
figuras e os cálculos. Por isso o raciocínio socrático pode ser questionado e
55 As ilustrações não serão feitas, uma vez que o que interessa, para este trabalho, é a comprovação de que o
conhecimento é possível, para Platão, enquanto rememoração. Não há ensino de fora para dentro. Há, na verdade,
a reminiscência, que acontece de dentro para fora, sendo a recordação diferente de aprender. 56 Mênon, 82 e. 57 JAEGER, Paideia: a formação de homem grego, p. 716. 58 Platão não faz aqui nenhuma menção à teoria das formas, todavia, há inúmeras possibilidades de que essa teoria
não esteja tão distante. (BENSON, Platão, p. 87.)
33
reinterpretado. Além disso, o escravo limita-se a responder sim ou não, aparentemente
sem realizar operações racionais complexas. (2013, p. 116).
Por esse motivo, isto é, em virtude da explanação apresentada por Sócrates ao escravo,
é possível indagar sobre a teoria da reminiscência, podendo ser atribuídas à mesma duras
críticas, como, por exemplo, se Sócrates, por meio dos desenhos ilustrados, não estaria, de certa
maneira, ensinando ao escravo. Porém, essas críticas, em se tratando da compreensão dos
diálogos, certamente não nos esclarecerão nada. O fato é que o escravo, mediante esse método
dirigido por Sócrates, já não sabe mais dizer se é a partir da linha de três pés ou não que se
formará a superfície de oito pés. Em outras palavras, ele caiu em aporia, o que parece fazer
parte à caminhada da rememoração.
3.3 A aporia como etapa no processo de rememoração
Assim, no começo de sua conversa com Sócrates, o escravo acreditava saber qual seria
essa linha, e respondia de forma demasiado confiante. Agora, porém, ele se encontra em dúvida.
Nesse sentido, assim como ele não sabe, também não acredita que sabe. Acreditar que não sabe
é, para Platão, uma excelente posição, bem melhor que aquela em que o escravo não sabia e,
no entanto, acreditava saber (conhecer). O escravo, diante dos primeiros equívocos ocorridos
em suas tentativas em responder às perguntas de Sócrates sobre a solução do problema
matemático, não demonstra-se – ao contrário de Mênon – intimidado. Essa falta de intimidação
talvez possibilitasse ao escravo o entendimento que “[...] por meio de bastante repetição do
exercício, se estabilizaria como conhecimento matemático genuíno.” (GADAMER, 2009, p.
58).
Semelhante a quem toca à raia – mesmo caso de Mênon -, esse escravo encontra-se
entorpecido, o que não lhe causa prejuízo algum. Ao contrário, tendo ciência de que não sabe,
certamente ele sentirá maior prazer em, de fato, procurar. Contudo, antes, acreditava que sabia,
e que estava falando com propriedade sobre a superfície que é o dobro - que seria preciso que
ela tivesse a linha que é o dobro em comprimento. 59
59 Mênon, 84 a-c.
34
Naturalmente,
[...] sem o auxílio de Sócrates o escravo jamais teria dado os passos que o guiaram à
descoberta daquela complicada realidade matemática; e, antes de compreender a
verdadeira razão do problema, incorre em todos os erros em que forçosamente tem de
começar a cair toda inteligência simplista, sem outro horizonte senão o que lhe abre a
percepção material dos sentidos. Mas a certeza de que o jovem tem de que as coisas
são assim, e não de outro modo, brota por fim unicamente da fonte da sua visão
interior e, uma vez captada claramente a natureza das relações matemáticas que lhe
servem de base, essa visão irradia uma força de convicção absoluta, que não deixa
lugar à mais leve dúvida. Não é do ensino que recebeu, mas do próprio espírito e da
consciência da necessidade da coisa, que brota essa força de convicção do
conhecimento adquirido. (JAEGER, 2013, p. 712-713).
Diante disso, antes de ter caído em aporia, o escravo, embora não sabendo, não trataria
de procurar nem de aprender aquilo que acreditava saber; ele, enfim, jamais teria sentido anseio
algum por saber. Esse proveito é tirado justamente após o escravo ter-se entorpecido. A partir
da aporia, proporcionada mediante análise geométrica, o que será descoberto pelo escravo
acontecerá pura e simplesmente por meio de perguntas voltadas às suas opiniões, em momento
algum, de acordo com o Mênon, haverá ensinamento.60 Porém, como vemos, o escravo não
tenta resolver o problema sozinho. Ao contrário, Sócrates acompanha-o por todo o percurso, a
fim de orientá-lo à verdadeira solução. Para Gadamer (2009, p. 57), “Tal fato, todavia, não é o
mais importante, e sim que ele próprio a reconheça como o objeto da busca.” Afinal, o escravo
consegue rememorar que é a partir da diagonal que será formada a superfície que é o dobro. A
diagonal é, pois, a linha que constitui um lado de um quadrado cuja área é dupla.61
Sem ensinamento, Sócrates consegue provar que as opiniões verdadeiras já se
encontravam no escravo.62 Em síntese, “naquele que não sabe sobre as coisas que por ventura
não saiba, existem opiniões verdadeiras – sobre as coisas que não sabe”. (PLATÃO, 2001, p.
63).63 Observamos, com isso, que o escravo, durante esse processo que na tese platônica implica
rememoração, traça, no tempo, um percurso. Nesse trajeto, no que tange ao entendimento da
aprendizagem, parece que há, de acordo com Paviani (2013, p. 117) “[...] etapas no
desenvolvimento da reminiscência, isto é, da passagem da opinião ou da crença para a crença
verdadeira.” No início da investigação, esse escravo imagina ter a certeza de que sabe qual
60 Mênon, 84 c-d. 61 Mênon, 85 b. 62 Como observamos, Platão lida com a opinião verdadeira desde a discussão confrontada entre Sócrates e o
escravo. Essa questão será novamente enfatizada na parte final do Mênon. Em nosso trabalho, a mesma será
aprofundada e discutida no terceiro capítulo. 63 Cf. Mênon, 85 c.
35
linha lateral se formará, o que na verdade é mera opinião. No entanto, ao final do processo de
rememoração, ele retira de si mesmo, sem jamais ter estudado geometria, a opinião verdadeira
sobre essa linha. Esse conhecimento é o responsável por conduzi-lo ao conhecimento científico.
Nessa perspectiva,
[...] pondo entre parênteses a existência imortal ou não da alma, é possível deduzir
que a aprendizagem se efetiva a partir níveis. E eles podem ser resumidos da seguinte
maneira: a) da crença falsa para a crença verdadeira; b) da capacidade de entender e
de elaborar conceitos para a formulação de juízos ou enunciados; c) do conhecimento
preexistente para o conhecimento cotidiano. Obviamente, Platão não é tão explícito.
Mas é possível perceber no diálogo o núcleo de níveis e de graus no processo de
aprendizagem e, igualmente, descobrir a necessidade de condições ou ambientes para
poder aprender. (PAVIANI, 2013, p. 117).
Assim, por meio dessas ou quaisquer outras questões, sendo colocadas de forma
frequente e por diversas maneiras, o escravo possivelmente acabará, em conformidade com a
doutrina da rememoração, tendo ciência das mesmas, não sendo inferior a ninguém. Sem
ensinamento algum, mas sim por meio da interrogação oportuna e bem conduzida, haverá a
possibilidade em ele mesmo recuperar, de si próprio, a ciência adquirida provavelmente na vida
anterior à atual. Recuperar alguém a ciência, ele mesmo em si mesmo, para Platão, é
rememorar.64 Essa ciência, presente agora no escravo, ou ele a adquiriu em alguma existência
de sua alma, anterior a esta, ou ele sempre a teve e, [...] “se sempre teve, ele sempre foi alguém
que sabe; mas, se adquiriu em algum momento, não seria pelo menos na vida atual que adquiriu”
(PLATÃO, 2001, p. 65), uma vez que ninguém havia-lhe ensinado.65
Por meio desse método, Platão afirma que o escravo poderá fazer descobertas não
somente no que respeita à geometria, mas antes, sem exceção, a todos os demais conhecimentos.
Suas opiniões verdadeiras não foram adquiridas nesta existência atual - antes, adquiridas e
aprendidas em outro tempo. Platão atribui esse tempo ao momento em que ele não era ser
humano. Seja neste tempo, enquanto ser humano, seja “[...] durante o tempo em que o escravo
não for ser humano, certamente deve haver nele opiniões verdadeiras, que, sendo despertadas
pelo questionamento, se tornam ciências [...]” (PLATÃO, 2001, p. 65).66 Entretanto, para
Gadamer (2009, p.55), “[...] quando a conclusão é puxada para uma época pré-humana em que
a alma já conhecia, e com isso, para a imortalidade da alma, no final, isso acaba não sendo
64 Mênon, 85 c-d. 65 Mênon, 85 e. 66 Mênon, 86 a.
36
considerado uma prova válida.” Ao contrário, o argumento pretendido por Platão é deixado de
lado.
Muito embora Platão não afirme de forma convicta alguns pontos desse argumento, ele
acredita que as pessoas necessitam de procurar aquilo que não sabem. Agindo assim, elas
certamente se tornam melhores, menos preguiçosas e muito mais corajosas em relação àquelas
que pensam o contrário, isto é, àquelas pessoas que acham que não é preciso procurar e nem é
possível encontrar as coisas que elas (os erísticos) desconhecem. É por meio desse argumento,
pois, que Sócrates convence Mênon - após este cair em total aporia, reconhecendo, em sua
dúvida racional, que nada sabe sobre a virtude - a procurar aquilo que não se conhece, ou seja,
procurar o que é afinal a virtude, visto que “[...] justificada a anamnese, nessa altura do diálogo,
é possível retornar à questão da virtude, e examinar se ela pode ou não ser ensinada e
principalmente saber o que ela é ou, ainda, se a virtude é uma espécie de saber.” (PAVIANI,
2013, p. 116). Afinal,
Da existência da verdade na alma Platão deduz em seguida a imortalidade e
perenidade da mesma: se a alma possui como suas próprias, verdades que não
aprendeu antes na vida atual, que estão encobertas, mas podem ser desveladas à
consciência, quer dizer que ela já as possuiu como próprias desde sempre, antes do
nascimento do homem no qual agora se encontra: a alma é então imortal e, mais ainda,
em certo sentido permanece no ser, assim como a verdade. (REALE, 2014, p.155).
Sendo assim, é por todo o tempo que qualquer alma será uma alma que já havia
aprendido. Logo, “[...] se a verdade das coisas que são está sempre na alma das pessoas, a alma
deve ser imortal [...]” (PLATÃO, 2001, p. 67).67 Portanto, aquilo que a pessoa, no momento,
não sabe - pelo fato de ela não se lembrar -, deve haver necessidade em criar coragem de
procurar. Esta procura acontece exatamente pela rememoração. Como observamos, o que
aconteceu com Mênon - após sua aporia sobre a virtude -, bem como a digressão matemática
proporcionada, pelo recurso dialétic,o ao seu escravo, servem para ilustrar a força educadora
existente nas aporias, bem como para nos apresentá-las “[...] como a primeira fase na senda do
conhecimento positivo da verdade.” (JAEGER, 2013, p. 715).
67 Mênon, 86 b.
37
4 CAPÍTULO III – A VIRTUDE: CIÊNCIA OU OPINIÃO CERTA?
4.1 Discussões transcorridas
No capítulo inicial, abordamos a importância da aporia para o desenvolvimento do
Mênon. Ao tentar responder à pergunta de Sócrates sobre o que é a virtude, Mênon é refutado,
vindo a fracassar por três vezes ao longo de suas respostas. Entretanto, após sua última resposta,
o discípulo de Górgias cai em total aporia. Esta, enquanto dúvida racional, faz com que Mênon,
em sua consciência, reconheça que não tem conhecimento algum no que tange à natureza da
virtude. A aporia, afinal, serve como pano de fundo à continuidade da investigação sobre a
natureza da virtude, servindo de base, também, à confecção de nosso segundo capítulo.
Naquele, mencionamos a possibilidade de procurar aquilo que é desconhecido – no caso
do Mênon, a virtude. Essa possibilidade fica comprovada mediante o recurso que Platão faz à
doutrina mítica – em que é confirmada a imortalidade da alma - e à dialética – a partir da qual
é solucionado, pelo escravo de Mênon, sem ensinamento, um problema matemático. Em suma,
é em virtude da imortalidade da alma que o escravo pode rememorar a solução matemática. O
conhecimento, afinal, de acordo com Platão, é reminiscência.
Mas, já que o interesse de Mênon - desde o início da obra - está voltado à ensinabilidade
da virtude, cabe agora começar este terceiro capítulo a partir dessa discussão. Desse modo, o
empenho maior de Mênon é saber se a virtude – embora seja ainda uma coisa desconhecida - é
suscetível ou não de ensinamento. Assim, a pergunta sobre a natureza da virtude fica por um
instante em suspenso, a fim de, por meio de hipóteses, saber se a virtude é passível ou não de
ensinamento. As hipóteses utilizadas, são: se a virtude for uma ciência, a mesma poderá ser
ensinada; se for algo diferente da ciência, a virtude não poderá ser ensinada. É, que, para que
uma coisa seja ensinada, a mesma, de acordo com o Mênon, deve pertencer à ciência, cuja
qualidade é boa. Contudo, o que se tem como conclusão é que a virtude, pela qual os homens
administram com excelência suas casas e seus Estados, - embora também tenha essa qualidade
(boa) - é algo diferente da ciência. Logo, a mesma não é passível de ensinamento. Isso faz com
que a ciência fique fora da política, visto que a virtude ou virtude política para os gregos antigos
se resumia em bem-administrar os Estados.68 Dessarte, os homens bons e honestos fazem as
68 PLATÃO, Mênon, 1966, p. 99
38
coisas certas, mas não têm a ciência (o conhecimento). Enfim, apesar de Platão concluir o
diálogo sem especificar o que de fato é a virtude, esta, para o mesmo, parece ser uma concessão
divina.
4.2 A investigação acerca da ensinabilidade da virtude por hipóteses
Apesar de Mênon assumir que nada sabe sobre a virtude e, não sem esforço pregresso,
ter aceito que é possível procurar e encontrar aquilo que é desconhecido, ele insiste, porém, em
querer saber - antes de ser encontrado o caráter essencial de virtude - se a virtude pode ou não
ser ensinada. Em outros termos, Mênon - antes de saber o que determinada coisa é -,
erroneamente, pretende analisar que tipo de coisa é aquilo cuja natureza é desconhecida.69
Nesse sentido, Sócrates, semelhante aos geômetras, propõe, por meio de uma hipótese, a
procura para a descoberta dessa qualidade.70
Assim, antes de buscar a natureza da virtude, será através de uma hipótese que Sócrates
e Mênon tentarão concluir se a virtude pode ou não ser ensinada. A hipótese em Platão, num
contexto geral, tem sua gênese implicada no âmbito do irracional ou, (por que não?), envolvida
em um campo praticamente místico.71 Logo, a verdade dessa hipótese tem de ser “[...]
necessária e suficiente para a ensinabilidade da virtude, a saber, que a virtude é um tipo de
conhecimento, e então se põe a determinar a verdade desta hipótese.” (BENSON, 2011, p. 98).
Afinal, abandona-se, aqui, de acordo com Benson (2011), a “Suposição Intelectualista”
e, doravante, com respeito a este abandono, Platão “[...] traz consigo um método de lidar com
questões não definicionais como o de saber se a excelência pode ser ensinada, o ‘Método da
Hipótese’, do qual Sócrates fornece agora uma descrição sumária e bem obscura [...]”
(BENSON, 2011, p. 88). Desse modo, é proposta a investigação por meio das hipóteses dos
geômetras, estes, segundo Platão, expõem o seguinte:
Quando alguém lhes pergunta, por exemplo, sobre uma superfície, se é possível esta
superfície aqui ser inscrita como triângulo neste círculo aqui, um geômetra diria:
“Ainda não sei se isso é assim, mas creio ter para essa questão como que uma hipótese
útil, qual seja: se esta superfície for tal que, aplicando-a alguém sobre uma dada linha
69 Mênon, 86 c-d. 70 Há quem diga que Platão fez Sócrates propor esse método sucedâneo de hipóteses em virtude de Mênon se
recusar em procurar a natureza da virtude antes de saber se a virtude pode ou não ser ensinada. (BENSON, Platão,
p. 102-103). 71 RICOEUR, Ser Essência e Substância em Platão e Aristóteles, p. 29.
39
do círculo ela fique em falta de uma superfície tal como for aquela que foi aplicada,
parece-me resultar uma certa consequência, e, por outro lado, outra “consequência”,
se é impossível que “a superfície” seja passível disso. Fazendo então uma hipótese,
estou disposto a dizer-te o que resulta a propósito de sua inscrição no círculo: se é
impossível ou não. (2001, p. 69. Grifos no original).72
Em conformidade com o que destacamos, essas hipóteses fundamentam-se no método
analítico da geometria, utilizado pelos gregos. Esse método tem, em seu início, a apresentação
de determinada questão em que, já no princípio, sua resposta nos é apresentada como algo
desconhecido. No entanto, essa questão deve ser embasada em suposições oriundas de algo
conhecido, como, por exemplo, os “axiomas geométricos”.73 Nesse contexto, de forma análoga
aos geômetras, (já que Sócrates e Mênon não sabem nada sobre a virtude74; nem o que é,
tampouco, como ela é), a título de conclusões provisórias concernentes à ensinabilidade da
virtude, serão alvitradas duas hipóteses, a saber: se a virtude for uma ciência, evidentemente ela
poderá ser ensinada e; se a virtude for uma coisa distinta da ciência75, ela, logo, não poderá ser
ensinada.76 Nesse contexto, “[...] se a virtude é suscetível de ser ensinada, necessariamente tem
de consistir num saber” (JAEGER, 2013, p. 718), de modo que, para Platão, nada pode ser
ensinado ao homem, exceto a ciência.
Os interlocutores agora terão de examinar se a virtude é ciência ou algo diferente desta,
visto que - além de ambas as hipóteses - é sustentada também a presunção de que a virtude,
semelhante à ciência - ao conhecimento -, é um bem77. Em outros termos, Sócrates e Mênon
partem do pressuposto de que não há outra coisa considerada boa senão o conhecimento.78
Sendo assim, se houver, de um lado, alguma coisa que seja um bem e, que, no entanto, seja
distinta da ciência, certamente a virtude seja alguma coisa que não a ciência - e, sendo a virtude
algum bem diferente da ciência, aquela certamente não poderá ser ensinada. Todavia, se, por
72 Menon, 87 a-b. Este trecho, segundo estudiosos versados em interpretações filosóficas, caracteriza-se como
“difícil” e “obscuro”. (PLATÃO, Mênon, 1966, p. 94). Entretanto, o que importa é compreendermos quais as
hipóteses serão utilizadas, a fim de saber se a virtude é suscetível de ensinamento ou não. 73 DANCY, Definições e formas: o Mênon entre definições e formas. In.: BENSON, Platão, p. 88. 74 Será que Sócrates não sabia? 75 Quanto à ciência, esta, em Platão, longe de ser conceituada mediante discernimentos subjetivos, tem de ser
sempre definida mediante seu objeto. (RICOEUR, Ser, Essência e Substância em Platão e Aristóteles, p. 19). 76 Não podemos esquecer, aqui, que o ensinar e a reminiscência se referem à mesma coisa, porquanto, para Platão,
o conhecimento - como exemplificado no interrogatório feito ao escravo - nada mais é que recordação do espírito.
(Mênon, 81 c-d; 84 a; 85 c-d; 87 b-c). 77 O Bem, para Platão, é o responsável por conferir verdade às coisas cognoscíveis, permitindo ao ser humano
poder conhecê-las. Em linhas gerais, o Bem “[...] é a fonte de todo ser, no homem e fora do homem.”
(ABBAGNANO, 2007, p. 107). 78 Cf. A prática de Platão da dialética no Mênon, Fedon, e República. In.: BENSON, Platão, p. 98.
40
outro lado, não houver nenhum bem que não seja abrangido pela ciência, a virtude será de fato
uma ciência e, com isso, ela poderá ser ensinada.79
Na discussão do Mênon, Platão assevera que todas as coisas consideradas boas são
proveitosas. Quanto aos homens, estes são bons por causa da virtude e, sendo bons, eles, logo,
ser-se-ão proveitos. Então, a partir do que foi admitido, a virtude também é necessariamente
proveitosa. Assim, há aquelas coisas que proporcionam proveito ao homem e, dentre as quais,
são exemplos a saúde, a força, a beleza, bem como a riqueza.80 Contudo, essas mesmas coisas,
às vezes, ao invés de serem proveitosas aos homens, causam-lhes dano, porquanto é sabido que
“[...] nenhum dos bens tão desejados do mundo, e pelos quais a multidão entende coisas como
a saúde, a beleza, a riqueza e o poder, constitui para o Homem um verdadeiro bem, se não está
acompanhado do conhecimento da razão [...]” (JAEGER, 2013, p. 718), saber cuja
especificidade está voltada à compreensão de distinguir os bens verdadeiros dos falsos.
A razão, portanto, digamos que é um saber que tem por função nos “dizer” quais desses
bens devemos escolher. Saber esse, que “[...] assenta no conhecimento inabalável daquelas
ideias e arquétipos primitivos dos supremos valores que a alma descobre dentro de si própria,
quando medita sobre a essência do bom, do justo etc., e tem força bastante para determinar e
orientar a vontade.” (JAEGER, 2013, p. 718). Devemos, enfim, se quisermos encontrar a
resposta sobre o que é a virtude, seguir por esse viés.
Nessa perspectiva, para Platão, há - de maneira semelhante à saúde, à beleza, à riqueza,
ao poder etc. -, relacionadas com a alma, inúmeras qualidades. Podemos citar, como exemplo
para essas qualidades, a temperança, a justiça, a inteligência, a memória etc. Algumas delas,
pelo que notamos, parece que Platão as concebe como algo distinto da ciência.81 Logo, essas
qualidades, também, ora são úteis, ora, nocivas. Por exemplo, a coragem,
SO. [...] se não é uma compreensão, a coragem, mas uma espécie de ousadia cega;
não é o caso que, quando ousa usando a razão isso lhe traz proveito? – MEN. Sim –
SO. E não é assim também com a prudência, e com a facilidade de aprender:
acompanhada de razão, tanto as coisas que são aprendidas quanto as que são
exercitadas são coisas proveitosas, desacompanhadas de razão, nocivas? – MEN.
Absolutamente certo. (PLATÃO, 2001, p. 73)82
79 Mênon, 87 d. 80 Mênon, 87 e-88 a. 81 Mênon, 88 a-b. 82 Mênon, 88 b.
41
É, que, de acordo com Platão, qualquer coisa que concirna à alma, estando submetida à
razão, conduzirá o homem à felicidade83. Não obstante, estando a razão ausente, acontecerá o
contrário. Sócrates, a partir dessa demonstração, chega a cogitar, por um instante, que a virtude
– por ser uma qualidade da alma necessariamente útil – seja justamente a razão, uma vez que
as demais qualidades intrínsecas à alma, em si mesmas, não são nem lesivas nem úteis. Elas,
diferente da razão, para se tornarem úteis, têm de ser exercidas com juízo - sem este, as mesmas
tornar-se-ão danosas. Como se vê na obra, “[...] conforme êste raciocínio, a virtude, sendo em
si mesma útil, só pode ser uma espécie de juízo” (PLATÃO, 1966, p. 96).84 Assim, os demais
bens, como, por exemplo, a riqueza, a saúde etc. - de forma semelhante às qualidades
pertencentes à alma, que se tornam úteis quando são submetidas à razão -, tornar-se-ão úteis no
instante mesmo em que são submetidos ao uso correto e, ao serem usados de maneira errônea,
ser-se-ão prejudiciais. Afinal, para Platão, o uso correto é caracterizado por “racional” e, quanto
ao uso errado desses bens, é designado de “irracional”.85
Em linhas gerais, Platão afirma “[...] que no homem tudo depende da alma, e que a
própria alma depende da razão, condição indispensável para que ela seja boa” (PLATÃO, 1966,
P. 97).86 Consequentemente, o útil é justamente o racional. Por esse raciocínio, Platão
temporariamente conclui que, sendo a virtude útil, ela - seja em parte ou no todo - é a razão.
Por outros discursos, para Platão, “[...] dado que o conhecimento é benéfico e que a virtude é
benéfica, ‘virtude, então, como um todo ou em parte, é conhecimento’” (BENSON, 2011, p.
98).87
Mas, ao se admitir isso, tem-se por conclusão que os homens bons não poderão ser
caracterizados enquanto tais por natureza, de modo que, afirma Sócrates:
[...] se os bons se tornassem <bons> por natureza, teríamos, penso, pessoas que
reconheceriam, entre os jovens, aqueles que são bons por natureza, e, tendo<-os>,
essas pessoas, designado, nós os tomaríamos e, tendo-os selado mais bem que o ouro,
mantê-los-íamos sob guarda na acrópole, para que ninguém os corrompesse, mas sim,
ao contrário, <para que> assim que atinjam a idade, se tornem úteis à cidade.
(PLATÃO, 2001, p. 75).88
83 Mênon, 88 c. 84 Mênon, 88 e. 85 Mênon, 88 e. 86 Mênon, 88 e-89 a. Para esta passagem - quiçá em virtude de uma melhor compreensão -, utilizamos a obra da
Edições de Ouro, 1966. 87 Este trecho, no Mênon, é conhecido como “uma instância do método das hipóteses”. Como veremos, esse
método, já que a virtude não se encontra no campo da epistéme, é deixado de lado. 88 Mênon, 89 b.
42
Nesse sentido, uma vez que os homens bons infelizmente não o podem ser - assim
considerados - por natureza, eles certamente tornar-se-ão bons pelo ensinamento. Diante dessa
possível conclusão, Mênon, recordando-se da hipótese acordada entre eles, precipita-se,
alegando ser a virtude uma ciência e, portanto, que ela pode ser ensinada.89 É, que, ao ser dito
que a virtude é uma espécie de juízo, essa proposição pareceu ser verdadeira. Sobre esse ponto,
parece que Mênon tem certa razão, uma vez que “[...] se a virtude é natural e tendo em vista
que ‘não é pela natureza que os bons se tornam bons’, podemos indagar, então, se a virtude
advém do estudo, da educação” (PAVIANI, 2013, p. 46). Porém, não é o bastante parecer uma
ciência em somente um instante. Será necessário, de acordo com Platão, para que a virtude seja
uma ciência, que ela pareça sempre com essa ciência.90 Desse modo, se a virtude for de fato
uma ciência, não resta dúvida que ela poderá ser ensinada.
4.3 A busca por professores de virtude entre os homens “bons e honestos” e os sofistas: a
virtude enquanto o administrar bem as suas casas e os Estados
O problema dessa dúvida, sobre a virtude ser ou não uma ciência, encontra-se na questão
de saber se há ou não professores e alunos de virtude, porquanto para que qualquer ciência seja
ensinada, é necessária a existência de professores, bem como de alunos.91 Como podemos notar,
há, em uma mesma raiz, três coisas interligadas, a saber, o professor, o aluno e o conhecimento
que, de acordo com Ricoeur (2014, p. 31-32), são “[...] o ensinador, o ensinado e o ensinável
[...]”. Dessarte, se para determinada coisa não houver quem ensine nem quem aprenda, essa
coisa não será, portanto, ensinável. Assim, para que a virtude seja considerada uma ciência,
deverá haver professores da mesma.92 Conforme Benson (2011, p. 99), o que está sendo
proposto e discutido aqui é “[...] um método que consiste em dois processos distintos: o
processo de identificar hipóteses e obter suas consequências e o processo de verificar, confirmar
ou determinar de outro modo a verdade das hipóteses”. Observamos que o posicionamento de
89 Mênon, 89 c. 90 Mênon, 89 c. 91 Mênon, 89 d. 92 Esta situação é um pouco complicada, uma vez que Sócrates procurou, sobretudo entre os mais ilustres, alguém
que ensinasse a virtude e, no entanto, nunca o encontrou.
43
Sócrates, no Mênon - embora se ele dedique, de forma efêmera, ao primeiro processo -, está
voltado ao segundo processo.
Nesse panorama, surge a figura de Ânito, a cuja mesma Sócrates se dirige e recorre, a
fim de discutir e saber se há ou não professores de virtude. O diálogo, aqui, direciona-se à
questão da “educação certa” e, com o intuito em querer resolver o problema concernente à
virtude, Sócrates o expõe ao seu novo interlocutor.93 É que se Mênon quisesse ser médico,
sapateiro ou um flautista, por exemplo, o mesmo seria encaminhado àquele professor experiente
em uma dessas ciências. Contudo, o que se tem em vista é que Mênon “[...] deseja essa
sabedoria e virtude por meio da qual os homens administram bem suas casas e suas cidades,
bem como cuidam de seus pais, e sabem receber concidadãos e estrangeiros e deles despedir-
se de maneira digna de um homem de bem.” (PLATÃO, 2001, p. 81).94
Diante desse argumento, é importante enfatizarmos que, durante o período em que
Sócrates e Platão viveram, a virtude para os gregos se resumia, grosso modo, na capacidade que
o indivíduo possuía em bem administrar a casa e os Estados95. Esse indivíduo, de acordo com
Paviani (2013, p. 44), “[...] é um composto de alma e de corpo, porém nele se sobressai a alma,
pois ela é a sede da inteligência e operadora das ações e dos valores morais.” Quiçá seja daí a
importância dada pelos atenienses à inteligência voltada aos seus interesses políticos, sendo o
problema da virtude, no Mênon, investigado, a partir desse contexto, “[...] enquanto saber e
enquanto aprendizagem.” (2013, p. 44)
Voltando à obra, uma vez que Mênon tem interesse em possuir essa virtude, Sócrates
provoca Ânito, perguntando se eles não deverão encaminhá-lo àqueles que têm a pretensão em
ser professores de virtude, responsáveis por “instruir” os gregos à virtude e, para tanto, exigirem
um salário. Sócrates, querendo problematizar mais ainda a questão de se a virtude pode ou não
ser ensinada, está se referindo aos sofistas. Diante do aparecimento dessas figuras, é preciso
que tenhamos consciência da dimensão histórica e social abrangidas no Mênon. Nesse contexto,
temos de ter a noção que Platão se encontra em um período cujos sofistas se intitulam como
“mestres da virtude”. O problema grego acerca da virtude, isto é, sobre a possibilidade de seu
93 Contudo, como podemos observar, é a partir da primeira pergunta do Mênon, que esta obra tem, desde o seu
princípio, o objetivo voltado ao problema da educação certa, isto é, à maneira de como a virtude surge homem.
(JAEGER, Paideia: a formação do homem grego, p. 720). 94 Mênon, 91 a-b. 95 A boa administração da casa, nessa época, chamava-se economia. Quanto à boa administração dos estados, os
gregos a conceituavam de política, pretensão visada mormente pelo ensinamento sofista. (PLATÃO, Mênon, 1966,
p. 99).
44
ensinamento, surge, portanto, a partir desse contexto histórico e social, bem como em razão do
vínculo existente entre a mesma (a virtude), o saber e a opinião.96 Ciente disso, Parece que é
em razão dessa intitulação sofística que as perguntas pela natureza e pela transmissão da virtude
têm seu surgimento.
Ânito, fanático “político”, demonstra, porém, ter um imensurável ódio pelos sofistas
que, para ele, são considerados “agitadores de ideias.”97 Além do mais, os sofistas nada mais
fazem que enganar e encher mormente os jovens de desonra. Os mesmos, para Ânito, são
considerados uns loucos, sendo mais loucos ainda os responsáveis por enviar os jovens aos
sofistas, bem como os Estados, por permitirem a entrada dos sofistas em suas jurisdições – ao
contrário disso, Ânito afirma que os sofistas - sejam eles concidadãos ou estrangeiros -
deveriam ser expulsos dos Estados.98
Tendo Ânito possivelmente razão ao dizer que os sofistas não são, em hipótese alguma,
professores de virtude, resta afinal saber a quem Mênon deverá ser enviado, para que ele possa
aprender a virtude – bem cuja qualidade é responsável em fazer com que os homens
administrem com excelência tanto as casas quanto os Estados. Nesse sentido, segundo Ânito,
para que Mênon aprenda a virtude, basta que o mesmo encontre “[...] quem quer que seja dos
atenienses, entre os que são homens de bem – não há nenhum que não o fará melhor do que os
sofistas o fariam, contanto que ele esteja disposto a aceitar o que eles dizem.” (PLATÃO, 2001,
p. 85).99 Resta saber, porém, de que forma esses atenienses (homens de bem) se tornaram bons
e honestos. Por outros termos, esses que são considerados bons e honestos, são estimados
enquanto tais por si mesmos, sem terem aprendido por meio de ninguém e, embora eles tenham
se tornado bons e honestos por si mesmos, sem nenhum ensinamento, será que serão capazes,
no entanto, de ensinar aos outros a virtude, coisa que eles próprios não aprenderam?
Em vista disso, Sócrates até admite que esses homens são possuidores de virtude,
entretanto, “[...] se esta consistisse num saber, teria por força de ter manifestado como força
educadora” (JAERGER, 2013, p. 719), isto é, poderia ser transmitida por meio do ensino.
96 PAVIANI, As origens da ética em Platão, p. 44. 97 Apesar das controvérsias, Ânito também considerava Sócrates um sofista. Assim, aquele também possuía um
imenso ódio por este. Pelo que pode ser compreendido, Ânito foi um dos responsáveis pela calúnia que levou
Sócrates a ser julgado e condenado a tomar cicuta (substância venenosa utilizada na Grécia Antiga para executar
condenados à morte). (Cf. Nota sobre a composição dramática do diálogo. In.: PLATÃO, Mênon, 2001, p. 16;
PLATÃO, Mênon, 1966, p. 101). 98 Mênon, 92 a-b. 99 Menon, 92 e.
45
Todavia, Ânito acredita que esses homens tenham aprendido a virtude através de seus
precursores, os também considerados homens de bem - é que para ele houve homens bons em
Atenas. Mas o que interessa não é saber se há ou se houve homens bons em matéria de política,
o que interessa para a discussão exposta por Platão é saber se esses homens, além de serem
bons no que diz respeito à política - ou seja, à virtude -, são capazes de ensiná-la.100 Eles, sendo
uma vez virtuosos, será que também foram considerados excelentes mestres de virtude? Será
que a virtude é coisa que se ensina?
Afinal, Sócrates diz que o que está sendo examinado:
[...] não se aqui há ou não homens bons, nem se houve no passado, mas sim se a
virtude é coisa que se ensina <é o que> há muito examinamos. Ao examinarmos isso,
estamos examinando o seguinte: será que os homens bons, tanto entre os <homens>
de agora quanto entre os <seus> predecessores, souberam transmitir também a outrem
essa virtude na qual eram bons, ou isso não pode ser transmitido de um para outro
homem, nem recebido por um outro? (PLATÃO, 2001, p. 87).101
A partir dessa inquirição, são tomados como modelo alguns homens tidos como bons –
como, por exemplo, Temístocles, Péricles, Tucídides etc. – Estes, embora fossem homens
virtuosos, bem-sucedidos, não souberam transmitir a virtude aos seus filhos, aos seus
descendentes que, em se tratando de ciência - seja da arte da equitação, da música, da ginástica,
isto é, em tudo aquilo que esteja relacionado à arte -, sabiam por excelência. Não obstante todos
esses aprendizados, esses filhos dos homens bons, não souberam sequer ser melhores que o
comum dos outros homens. Logo, esses homens bem-sucedidos, uma vez que não foram
capazes de transmitir a virtude, “[...] não estão no plano da ciência, não foram capazes de formar
discípulos, não foram mestres, o que significa que não há ciência política.” (RICOEUR, 2014,
p. 31).
Destarte, assim como não convém enviar Mênon aos sofistas - a fim de que seja ensinada
para ele a virtude -, não convém, tampouco, enviá-lo a esses homens considerados honestos e
bons. Pois, se esses pudessem ser professores de virtude, obviamente que eles a ensinariam
primeiramente aos seus filhos.102 Ao contrário, “[...] Os filhos de grandes homens, que
certamente usufruíram toda a educação imaginável, não raro, são grandes decepções.”
100 Mênon, 93 b. 101 Mênon, 93 a-b. 102 Mênon, 93 c-94 a-e.
46
(GADAMER, 2009, p. 52). Portanto, os homens bons e honestos, de acordo com Platão, não
são, e jamais foram, professores de virtude.
Em se tratando dos sofistas, parece que estes, de forma semelhante aos homens bons e
honestos, não são, de forma alguma, mestres de virtude. Quanto a Mênon, que no início do
diálogo afirmava categoricamente que os sofistas eram professores de virtude, agora, porém,
em aporia, afirma, semelhante aos políticos, não ter condições em responder com segurança
sobre a probabilidade de a virtude ser ensinada – encontrando-se também em contradição; ora
ele pensa que a virtude pode ser ensinada, ora, que não. Enfim, “[...] a experiência parece
demonstrar que não existem professores de virtude, e que até hoje nem os homens mais
importantes do passado e do presente de Atenas foram capazes de transmitir as suas virtudes e
seu caráter.” (JAEGER, 2013, p. 718).
Nesse contexto, já que nem os sofistas nem os homens que são bons por si mesmos
podem ser mestres de virtude, certamente, para Platão, não haverá outros que a ensinem.103
Com efeito, visto que não há mestres de virtude em lugar nenhum, não haverá, tampouco, seus
alunos. Portanto, “[...] a nova paideia não é suscetível de ‘ensino’, tal como os sofistas o
concebiam, e desse ponto de vista Sócrates tinha razão ao negar a possibilidade de educar os
homens pelo simples fato de instruí-los.” (JAEGER, 2013, p. 719).104 Ademais, o que ficou
acordado, de forma hipotética, foi que, se não houvesse nem professores nem alunos de virtude,
esta não seria coisa adstrita de ensinamento. Se eles analisaram esse assunto corretamente, será
que de fato há homens bons? E, se os há, de qual maneira eles são formados?
4.4 É a virtude ciência ou uma opinião certa?
Anteriormente, Platão havia afirmado em sua pesquisa que somente a ciência seria capaz
de formar homens bons. Entretanto, parece que não somente a ciência - no que diz respeito às
ações e aos discursos humanos - guia os homens bem e de forma correta. Esses são considerados
bons, e portanto proveitosos, à medida que são capazes de guiar corretamente os assuntos dos
103 Mênon, 96 b. 104 O termo paideia, correspondente à palavra “cultura”, diz respeito à formação da verdadeira natureza humana
no que tange, sobretudo, à sua melhoria, ao seu refinamento, enfim, ao seu aperfeiçoamento. O homem, para os
gregos, se realizaria enquanto tal somente em comunidade e mediante o “conhecimento de si mesmo e do mundo”.
Desse modo, o homem, para alcançar a sua forma genuína e perfeita, era educado através das “boas artes” (poesia,
eloquência, filosofia etc.). (ABBAGNANO, Dicionário de Filosofia, p.225).
47
cidadãos. Sendo assim, Platão afirma que não é somente através da ciência que os homens se
tornam bons, é, entretanto, também por meio da opinião correta.
Através do personagem Sócrates, o que Platão quer nos passar, é:
SO. Se alguém que sabe o caminho para Larissa, ou para onde quer que queiras, para
lá partisse e guiasse outros, não os estaria guiando bem e corretamente?
MEN. Perfeitamente.
SO. Mas se alguém, tendo uma opinião correta sobre qual é o caminho, mas jamais
tendo percorrido nem tendo dele a ciência, <partisse e guiasse outros>, este também
não guiará corretamente?
MEN. Perfeitamente. (PLATÃO, 2001, p. 99).105
Por conseguinte, Platão pensa que esse homem, que guia somente por meio de
conjecturas, à medida que tiver a correta opinião sobre as coisas, embora não as
compreendendo, não será, em hipótese alguma, mais inferior que aquele outro, possuidor da
ciência, do conhecimento.106 Portanto, “[...] a opinião verdadeira, em relação à correção da
ação, não é em nada um guia inferior à compreensão.” (PLATÃO, 2001, p. 99).107
Diante desse contexto, antes de darmos continuidade a essa passagem do Mênon, é
necessário que abramos um parêntese, a fim de melhor compreendermos essa questão levantada
por Platão, isto é, o problema da opinião certa. Como vimos, Platão aborda, também nesta obra,
o tema da reminiscência que, em linhas gerais, tem como função “[...] elucidar de modo mítico
esse estado da alma que é visitada pelo pressentimento do verdadeiro”. (RICOEUR, 2014, p.
29. Grifo do autor). É esse estado entusiástico, ora existente na alma, o momento em que o
indivíduo se depara com o conhecimento verdadeiro, muito embora esse indivíduo ainda não
se disponibilize de meios que possam explicá-lo.
Enfim, em Platão, a opinião certa vai além do mero conceito moderno do termo
“hipótese”, cujo mesmo é passível de verificação. Reiterando, a hipótese platônica tem sua
concentração no âmbito do irracional e do místico. Desse modo, a questão sobre a opinião
verdadeira em Platão diz respeito “[...] ao começo do advento do verdadeiro numa alma, ao
problema do ‘crescimento’ da verdade, que começa e termina subjetivamente, embora em si
105 Mênon, 97 a-b. 106 Mênon, 97 b. 107 Mênon, 97 b. (o termo “compreensão” deve ser entendido como ciência, conhecimento).
48
mesma não comece nem cresça.” (RICOEUR, 2014, p. 29). Porquanto a reminiscência implica,
na alma, o aparecimento da verdade. Dessa forma, a opinião verdadeira vai além da mera
ambiguidade psicológica e intermediária do ser e do não-ser; ela é, de acordo com Ricoeur,
(2014, p. 30), “[...] o poder de reconhecer o verdadeiro antes de prová-lo.” Portanto, a opinião
verdadeira - elucidada, por exemplo, no diálogo ocorrido entre Sócrates e o escravo – tem de
estar necessariamente em conexão com um diálogo, ela tem como função participar do processo
de inquirição, cuja capacidade é responder a essas indagações. Mas, afinal, por que as pessoas
valorizam mais a ciência que a opinião certa? E qual é a diferença entre ambas?
Para essas indagações, Platão ilustra como exemplo as estátuas de Dédalo108. Estas nos
passam a impressão que, se acaso não estiverem encadeadas, acabam escapulindo e,
posteriormente, fugindo. Assim, não valerá muito possuir uma obra desse escultor sem ela estar
encadeada, visto que, semelhante a um escravo fugitivo, a mesma não permanecerá em seu
devido lugar. Ao contrário, estando acorrentada, essa obra terá muito valor, porquanto as obras
artísticas são mui belas. São citadas como exemplo as estátuas de Dédalo, afinal, pelo fato de
elas se assemelharem às opiniões certas, que se caracterizam enquanto “[...] o estado instável e
fugidio da alma, um Einfall, uma impressão fugitiva da verdade.” (RICOEUR, 2014, p. 32). As
mesmas, todavia, à medida que permanecem na alma, são consideradas belas, podendo produzir
quaisquer bens.109
De acordo com Reale (2014, p. 162. Grifos do autor), são duas as formas do
conhecimento, a saber, “[...] a mais baixa é a doxa [...], a mais alta é a epistéme [...] ou ciência:
a primeira tem por objeto o sensível, a segunda o suprassensível”. Ele, ademais, afirma haver,
em muitas das vezes certa deficiência no que tange à opinião verdadeira. É, que, embora
determinada opinião seja verdadeira, ela ainda assim permanece no devir da alma humana, uma
vez que é da natureza das opiniões verdadeiras não perdurarem. Elas, não se dispondo em ficar
por muito tempo, acabam fugindo dessa alma, já que não é atribuído às mesmas muito valor.
Porém, no instante que essas opiniões - por meio de um raciocínio de causa110 - são por alguém
encadeadas, elas se transformam em ciência e, desse modo, permanecem estabilizadas, estáveis.
108 De acordo com a mitologia grega, este personagem foi quem arquitetou e construiu as velas do navio, o nível,
bem como o Labirinto de Minos. Suas estátuas designam um novo período da escultura grega, livre dos cânones
das xaônas primitivas. Acredita-se que Sócrates faz menção a essas estátuas pelo fato de as mesmas denotarem
uma atitude marchante, diferente das estátuas primitivas. É por causa das estátuas de Dédalo, por parecerem
animadas, que as demais manifestações artísticas começam a expressar um sentimento de vida. (PLATÃO, Mênon,
1966, p. 108). 109 Mênon, 97 d-e-98 a. 110 Esse raciocínio de causa, ou raciocínio causal, está relacionado ao fato de a opinião verdadeira ser fixada “com
o conhecimento da causa (da Ideia).” (REALE, História da filosofia grega e romana, vol. III: Platão, p. 163).
49
No entanto, a opinião verdadeira, vista dessa forma, “deixaria de ser opinião e se tornaria
ciência ou episteme: haveria uma passagem do sensível ao suprassensível.” (Reale, 2014, p.
163)
Mas é isso que Platão designa reminiscência, posto que ficou acordado que essa base
racional é oferecida pela rememoração. Portanto, como quem conjectura, é afirmado que é pelo
fato de se associar às estátuas de Dédalo, que a opinião certa se difere da ciência e, sobre isso,
Platão diz categoricamente que não é conjectura alguma a afirmação de que a opinião correta é
algo que se difere da ciência.111 Em síntese, quando alguém toma a opinião certa como guia, a
mesma - análoga à ciência, e não menos inferior nem menos proveitosa - concretiza o trabalho
em vista de quaisquer ações humanas. Esse alguém também não será menos proveitoso ou
inferior àquele que possui o conhecimento.
Desse modo, sendo qualificado o homem enquanto bom, proveitoso à cidade, o mesmo
não o é somente em razão do conhecimento pois, se de fato há homens bons e proveitosos, estes
não o são apenas por meio da ciência, mas também devido à opinião correta - embora não sejam,
nem a ciência nem a opinião certa, pertencentes aos homens por natureza. Com isso, Não sendo
esses bens pertencentes ao homem por natureza, Platão investiga, pela derradeira vez, no
Mênon, se a virtude é coisa que se ensina. Nesse contexto, a virtude poderia ser ensinada, se ela
fosse uma espécie de ciência e, que, se acaso houvesse mestres de virtude, esta seria ensinável;
do contrário, não. O que se concluiu é que a virtude não é ciência, não podendo, pois, ser
transmitida.
Entretanto, Platão reconhece a virtude enquanto boa. Ele adota também a hipótese de
que aquilo que é útil, e bom, retamente governa os homens. Com efeito, somente essas duas
coisas – a ciência e a opinião certa - conduzem corretamente o homem e, aquilo que acontece
em consequência do acaso, não diz respeito algum ao ser humano. Porém, a virtude, uma vez
que não pode ser ensinada, logo, não é ciência. Gadamer (2009, p. 47-48), em relação à
ensinabilidade da virtude, afirma que isso “[...] deveria ser uma consequência obrigatória do
caráter cognitivo das aretai da mesma forma que são, incontestavelmente, uma consequência
obrigatória do conhecimento-tékhne. Todavia, ela realmente não segue esse caminho.”
Consequentemente, desses dois bons guias a ciência desaparece, ou seja, para Platão, a
ciência é eliminada da política. Sendo assim, Temístocles e todos os outros homens que
111 Mênon, 92 b.
50
governaram o Estado, não o administraram bem devido à ciência, tampouco por serem sábios.
Esses homens jamais conseguiram formar outros homens semelhantes a eles, de modo que os
mesmos se fizeram assim não graças à ciência. Portanto:
Se não é graças à ciência, então, resta que é graças a uma feliz opinião? Servindo-se
dela os políticos administram retamente as cidades, não sendo eles em nada diferentes,
em relação ao compreender, dos pronunciadores de oráculos e dos adivinhos
inspirados. Pois também estes, quando os deuses estão neles, falam com verdade, e
mesmo muitas coisas, mas não sabem nada das coisas que dizem. (PLATÃO, 2001,
p. 107).112
Reiterando, os políticos governam bem o Estado em razão de eles possuírem a opinião
certa que, assumindo o seu caráter pragmático, realiza, no campo da ética, sua função. Esta,
distante daquele que acaba por descobrir o conhecimento – como no caso de escravo de Mênon
que conseguiu tal êxito -, jamais poderia “[...] aparecer na análise da matemática, em que a
opinião reta se dilui na ciência pela própria progressão do saber, e sim no plano da moral e da
política, em que a opinião reta vai estabilizar-se, tornar-se um nível da alma ela própria.”
(RICOEUR, 2014, p. 31). Portanto, esses políticos, assim como os profetas e os adivinhos, na
maioria das vezes, dizem a verdade, sem o saber. Desprovidos do saber, esses homens, não
obstante, acabam por realizar excelentes coisas e pronunciam belos discursos, no que são
merecedores de serem chamados de divinos113. E é “com justiça” que os mesmos, para Platão,
embora desprovidos de inteligência, são assim chamados, porquanto executam - seja em ação
ou em discursos -, com êxito, as formidáveis coisas interessadas aos Estados. Semelhantes
àqueles que, com seus prognósticos, pronunciam os oráculos, bem como à inspiração dos
adivinhos etc., esses políticos têm os deuses dentro de si, visto “[...] que a virtude não pode ser
ensinada e, nesse sentido, [...] não é só o saber que nos leva às ações corretas, mas também a
opinião verdadeira.” (PAVIANI, 2013, p. 46).
Dessa maneira, inspirados, esses homens bons e honestos, não sabendo nada em relação
às coisas que eles realizam, fazem-na com demasiado êxito. Sobre esse ponto, afirma Jaeger:
[...] a experiência parece demonstrar que não existem professores de virtude, e que até
hoje nem os homens mais importantes do passado e do presente de Atenas foram
capazes de transmitir aos próprios filhos as suas virtudes e o seu caráter. Sócrates está
disposto a admitir que aqueles homens possuíam a areté, mas, se esta consistisse num
saber, teria por força de se ter manifestado como força educadora. É evidente,
112 Mênon, 99 b-c. 113 Este termo era muito utilizado na Grécia Antiga pelas mulheres e pelos lacedemônios, ao se referirem a alguém
considerado um homem bom e honesto. (Mênon, 99 d).
51
portanto, que só se baseava numa “opinião acertada”, comunicada ao Homem por
alguma moíra divina, mas que não o habilitava a explicar aos outros os seus atos por
lhe faltar o “conhecimento da razão” que os determinava. (2013, p. 718-719).
Enfim, Platão conclui que a virtude é atribuída ao homem por meio de uma concessão
divina, tendo em vista que a mesma não advém aos homens por natureza tampouco pelo
ensinamento. Todavia, ele faz uma ressalva, advertindo que, se porventura houvesse, em meio
aos políticos, aquele com capacidade em fazer com que outro homem se transforme em um
político, a virtude, porém, certamente seria passível de ensinamento, e:
[...] se o houvesse, quase que se poderia dizer ser ele entre os vivos tal como disse
Homero ser Tirésias entre os mortos, dizendo sobre ele que é como sábio entre os que
estão no Hades, os outros são como sombras que se agitam. Da mesma maneira,
também aqui, um tal homem, por assim dizer, seria como uma coisa verdadeira ao
lado de sombras, no que se refere à virtude (PLATÃO, 2001, p. 109. Grifos no
original).114
Essa ressalva feita por Sócrates, quase imperceptível, põe fim, de acordo com Jeager
(2013, p. 720), ao difícil problema, uma vez que a mesma “[..] contém na realidade a solução
do dilema, pois, segundo a paradoxal tese de Platão, é Sócrates o único verdadeiro estadista que
torna os homens melhores.” Mas, por ora, conforme o raciocínio estabelecido durante toda a
discussão, a virtude advém àqueles homens que a possuem por meio de uma concessão divina.
Contudo, a fim de querer saber se de fato é desse modo que a virtude é concedida aos homens
bons e honestos, será necessário, antes disso, isto é, antes de procurar saber qual é determinada
qualidade da virtude, que seja analisado primeiro o que é a “virtude em si e por si mesma.”115
Sobre isto, entendemos que Platão deva estar se referindo à “objetividade estável” da
virtude, isto é, à sua perseidade e imutabilidade. Em outras palavras, falar sobre o em si e por
si da virtude, é dizer que a mesma tem “[...] uma realidade que não é arrastada no devir e que
não é relativa ao sujeito, uma realidade que não é possuída pela perene mudança e não é
manipulável segundo o capricho do sujeito, mas implica estrutural firmeza e estabilidade”.
(REALE, 2004, p. 136. Grifos do autor). Percebemos que, se não fosse essa estabilidade, o
conhecimento humano, bem como as suas avaliações – sobretudo morais – não possuiriam
significado algum. Ademais, a linguagem e o juízo humanos, se não fosse a estabilidade das
coisas, não seriam suscetíveis de nenhum sentido. Afinal, de acordo com o que segue em Reale
114 Mênon, 100 a-b. 115 Mênon, 100 b.
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(2004, p. 136. Grifos do autor), “[...] a imutabilidade e o em si e por si das Ideias exprimem a
sua objetividade e o seu caráter absoluto.”
Paviani (2013, p. 46) afirma que o Mênon, ao ser finalizado mediante essas questões, é
um tipo de diálogo cuja conclusão ainda nos proporciona dúvidas sobre o que é a virtude para
Platão. Afinal, como percebemos, o filósofo ateniense tem preferência em findar essa obra
baseando-se nas conclusões genuínas de seu mestre, ou seja, ele “[...] prefere acabar o diálogo
com uma aporia autenticamente socrática”. (JARGER, 2013, p. 718). Contudo, não podemos
nos esquecer do legado que o Mênon nos deixou. Por meio dele, Platão nos proporciona refletir
a respeito de um conceito que nunca nos fora apresentado antes. Esse “novo conceito de saber”,
tendo como principal recurso os exemplos matemáticos, proporciona-nos ao menos vislumbrar
um novo prisma em relação ao conhecimento, cuja especificidade é não ser passível de
ensinamento. Isto é, não é através de outra pessoa, que determinado indivíduo adquire
conhecimento, este, ao contrário, tem seu germe no cerne da alma humana. Sendo assim, a fim
de adquirir o verdadeiro conhecimento, basta que esse indivíduo perscrute-o norteando-se
corretamente pela sua consciência.116
116 JAEGER, Paideia: a formação do homem grego, p. 719.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho empreendemos uma análise sobre a natureza da virtude no Mênon de
Platão. Para tanto, tivemos também de nos aprofundar em uma nova definição de conhecimento;
trata-se da teoria da reminiscência que, de acordo com o filósofo ateniense, é o fundamento do
conhecimento, que está presente - desde sempre - na alma humana. Ademais, tendo em vista
que nessa obra citada é levantado o problema da possível ensinabilidade da virtude, esse estudo
também nos propiciou uma investigação sobre essa putativa qualidade desse bem. Dessarte,
essas averiguações puderam ser compreendidas a partir de três momentos.
O primeiro, que diz respeito ao Capítulo I, enfatizou a importância da aporia para a
progressão do diálogo platônico, isto é, segundo Platão, somente mediante essa aporia, seria
possível a continuidade ao diálogo exposto no Mênon. Este, em seu início, tem, dentre outras
inquirições feitas por Mênon, também a indagação de saber se a virtude é passível ou não de
ensinamento. No entanto, Platão expôs, por meio do personagem Sócrates que, antes de saber
sobre a ensinabilidade da virtude, seria preciso saber qual a natureza da mesma. Sendo assim,
é-nos apresentada a pergunta “O que é a virtude?”, para, a partir de seu conhecimento, sabermos
sobre a sua possível ensinabilidade.
Mênon, diante dessa perquirição, acredita ter certo conhecimento quanto à natureza da
virtude. Então, por três vezes, ele nos mostra, em sua versatilidade, distintas respostas sobre
sua compreensão no que tange à definição de virtude. Entretanto, como é sabido, Sócrates o
refuta em todos esses momentos em que ele se atreve em responder à pergunta sobre a virtude.
Embora sejam dadas essas três respostas, somente a partir da terceira nos é mostrado o porquê
das refutações feitas por Sócrates. Este, em seu método, faz com que o discípulo de Górgias
assuma-se como vencido – o que não é o bastante. Além disso, Mênon acaba se encontrando
em plena aporia, convencendo-se que, apesar dos “belos” e inúmeros discursos sobre a virtude,
nada sabe sobre a natureza desse bem.
O diálogo platônico nos mostra que, diante do método utilizado, em que são envolvidas
perguntas e respostas, aquele que aparenta ser conhecedor de determinada coisa, afinal, será
racionalmente refutado. Parece que esse método, de forma intencional, tem um cunho
teleológico, cujo objetivo último é justamente fazer com que esse aparente conhecedor caia em
aporia. Esta, pelo que percebemos, é de fundamental importância, de modo que proporciona a
continuidade da investigação sobre a virtude.
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Isso nos serviu exatamente como pressuposto para avançarmos ao segundo momento,
que se trata do Capítulo II, cujos principais assuntos abordados foram o recurso às doutrinas
mítica e dialética. Esta se refere à solução de um problema matemático, em que fica
comprovado - por meio das indagações feitas por Sócrates ao escravo de Mênon - que o
indivíduo traz em si o conhecimento que, existente na alma humana, é-nos apresentado
enquanto um exercício de rememoração, cujo recurso à doutrina mítica pode nos demonstrar.
Aqui, apreendemos que estávamos diante do limite da razão que, não podendo ultrapassar esse
extremo, toma como apelação o mito, para argumentar sobre aquilo que o raciocínio não é capaz
de explicar. Nesse mito, fica “comprovada” a imortalidade da alma, visto que é em razão dessa
imortalidade que a reminiscência do conhecimento é possível.
Embora tenha sido apresentada toda essa brilhante tese, não podemos esquecer que
Platão dá início ao seu diálogo através de algumas perguntas feitas por Mênon. Dentre essas
indagações, temos uma que praticamente transcorre toda a obra, trata-se da questão da
ensinabilidade da virtude. O Capítulo III, por seu turno, transcorreu sobretudo em meio a esse
problema. Por meio de hipóteses, foi investigada no Mênon a possibilidade de a virtude ser
ensinada. Todavia, ensinabilidade diz respeito a uma qualidade da virtude. Desse modo, o
terceiro capítulo tratou, também, da natureza da virtude.
Quanto à sua ensinabilidade ou não, as hipóteses apresentadas foram as seguintes: a
virtude poderia ser ensinada se ela fosse uma ciência e; se acaso a virtude fosse outra coisa
diferente da ciência, a mesma não poderia ser ensinada. Para Platão, tudo que é suscetível de
ensinamento pertence à ciência, que, por sua vez, é boa. A virtude, de acordo com o pensamento
platônico, também é boa. É em razão disso que chega a ser cogitada a possibilidade de a virtude
ser ciência. Não obstante isso, embora a virtude seja boa, ela não é ciência. Isso fica
comprovado ao Sócrates e Mênon acordarem que, para que a virtude seja conhecimento, deverá
haver professores da mesma.
Para a investigação sobre a possibilidade de existir professores de virtude, Sócrates trava
um diálogo com Ânito. Aquele fez uma provocação, perguntando a este se Mênon deveria ser
enviado aos sofistas, de modo que seu interesse é ser mestre de virtude. Ânito, todavia, alega
que basta Mênon ser enviado àqueles homens de bem - bons e honestos -, responsáveis pela
boa administração das casas, bem como dos Estados. Em suma, pudemos perceber que nem os
homens de bem nem os sofistas jamais foram professores de virtude. Os primeiros, embora
possuíssem a virtude, não haviam-na adquirido mediante ensinamento, bem como não tinham
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o saber, o conhecimento. Quanto aos sofistas, como Ânito bem resume, nada mais fazem que
enganar as pessoas e, sobretudo, proporcionar a desonra aos jovens.
Já que não há professores de virtude, a mesma não pode pertencer ao campo da ciência.
Doravante isso, uma vez que a virtude não pode ser definida enquanto conhecimento, a mesma
nos é apresentada como “opinião certa”. Esta, pelo que compreendemos, em nada é inferior à
ciência, visto que a opinião verdadeira também conduz corretamente o homem. Há, entretanto,
uma diferença entre ambas e, para demonstrar essa diferença, Platão recorre às estátuas de
Dédalo. Essas estátuas nos passam a impressão de estarem em movimento, de modo que, se não
forem acorrentadas, as mesmas, assemelhando-se a um “escravo fujão”, escapolem e fogem.
As opiniões certas, de maneira análoga a essas estátuas, se diferem da ciência em virtude
disso. Como mostrado no diálogo entre Sócrates e o escravo, o que é adquirido por este pode
ser encadeado e, com isso, transformado em conhecimento. É em razão dessa apreensão, que o
cálculo, feito pelo escravo, pode ser elucidado nos conhecimentos matemáticos. Mas parece
que o mesmo não pode acontecer com a virtude. Esta, pelo que ficou demonstrado, parece
pertencer mais ao campo da moral que ao campo da epistéme. Isso faz com que muitos
interpretem que no Mênon contenha, em seu início e em seu fim, uma aporia sobre a definição
de virtude. Desse modo, parece que nos é passada aqui a ideia de que a opinião verdadeira não
perdura em um ponto fixo da alma humana e, semelhante ao escravo fujão, tende a transitar,
feito um fugitivo, no devir dessa alma.
Mas há aqui um paradoxo e, já que a definição virtude, enquanto opinião verdadeira,
transita nesse devir da alma humana, há quem diga, em suas controvérsias, que essa opinião,
embora pertencente ao campo da moral, uma vez transitando em algum ponto da alma, pode,
semelhante aos conhecimentos matemáticos, ser “capturada”, sendo, portanto, passível de
ensinamento, cujo título de mestre é atribuído a Sócrates.
Afinal, podendo a virtude em si e por si ser ensinada ou não, a análise da mesma nos
demonstrou que o conhecimento em si, de acordo com Platão, não é passível de ensinamento,
ou seja, não conhecemos as coisas mediante uma ação externa, mas antes as reconhecemos
porquanto o conhecimento já existe, desde sempre, em nossa alma. Não é somente uma nova
teoria do conhecimento, que o Mênon de Platão nos apresenta, mas também nos é apresentada,
como afirma Jaeger (2013, p. 722), “[...] a mais perfeita visão [...] do cosmos e das forças
humanas e diamônicas”, cuja ocupação do saber encontra-se em “[...] um lugar central, porque
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o conhecimento do ‘sentido’ é a força criadora que tudo ordena. Ele é, para Platão, o dedo que
aponta para o mundo do divino.”
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