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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CINCIAS DA SADE
INSTITUTO DE ESTUDOS DE SADE COLETIVA
JOS ANTONIO DE FREITAS SESTELO
PLANOS E SEGUROS DE SADE DO BRASIL DE 2000 A 2015
E A DOMINNCIA FINANCEIRA
Rio de Janeiro
2017
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JOS ANTONIO DE FREITAS SESTELO
PLANOS E SEGUROS DE SADE DO BRASIL DE 2000 A 2015
E A DOMINNCIA FINANCEIRA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Sade Coletiva da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial obteno do ttulo de Doutor
em Sade Coletiva
Orientadora: Prof. Dra. Lgia Bahia
Rio de Janeiro
2017
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S494 Sestelo, Jos Antonio de Freitas. Planos e seguros de sade no Brasil de 2000 a 2015 e a dominncia financeira /
Jos Antonio de Freitas Sestelo. Rio de Janeiro: UFRJ / Instituto de Estudos em
Sade Coletiva, 2017.
648 f.: il.; 30 cm.
Orientadora: Lgia Bahia.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de
Estudos em Sade Coletiva, Programa de Ps-Graduao em Sade Coletiva
2017.
Referncias: f. 415-432.
1. Sade pblica. 2. Sade suplementar. 3. Poltica de sade. 4. Planejamento
em sade. 5. Planos de pr-pagamento em sade. I. Bahia, Lgia. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Sade Coletiva. III. Ttulo.
CDD 368.382
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FOLHA DE APROVAO
JOS ANTONIO DE FREITAS SESTELO
PLANOS E SEGUROS DE SADE DO BRASIL DE 2000 A 2015
E A DOMINNCIA FINANCEIRA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Sade Coletiva da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
requisito parcial obteno do ttulo de Doutor
em Sade Coletiva.
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Para Jael.
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AGRADECIMENTOS
Esse um trabalho autoral, mas no teria sido possvel atingir um resultado aceitvel sem a
participao direta e indireta de diversas pessoas e instituies ao longo de uma trajetria de
repleta de desafios de toda ordem. Deixo aqui consignado o meu agradecimento a essa grande
comunidade de apoiadores. A maioria so annimos que compem o nosso espao de
convivncia social onde, eventualmente, mesmo sem perceber, nos ajudamos uns aos outros
quotidianamente de forma bastante concreta.
Outros, precisam ser identificados, ainda que com o risco de deixar de fora algum nome trado
pelas limitaes da memria.
Esse projeto teve incio no Instituto de Sade Coletiva da UFBA a partir de uma dissertao de
mestrado acadmico orientada pelo Professor Luis Eugnio Portela Fernandes de Souza a quem
agradeo pela confiana e pelo estmulo na continuidade da pesquisa sobre o tema do comrcio
de planos de sade no Brasil. Foi dele a sugesto de dar continuidade ao trabalho em nvel de
doutorado com a orientao da professora Lgia Bahia, referncia fundamental sobre o tema.
Com a acolhida do Instituto de Estudos em Sade Coletiva da UFRJ, e com a orientao da
professora Lgia, o projeto tomou outra dimenso e se inseriu em um conjunto maior de pesquisas
em andamento sobre a conformao e dinmica dos grupos econmicos atuantes na assistncia
sade. No teria sido possvel formular uma proposta de trabalho dessa natureza sem o cabedal
de conhecimento e a capacidade de pensar de Lgia Bahia. Ento, fica aqui o meu agradecimento
e o reconhecimento de que o rigor do mtodo s faz sentido se vem acompanhado da liberdade do
pensamento e do sentimento de que sempre possvel contribuir nos limites das nossas
capacidades. Obrigado Lgia.
O Grupo de Pesquisa e Documentao sobre o Empresariamento da Sade Henry Jouval Jr.
GPDES/UFRJ foi o espao de convivncia e desenvolvimento dentro do qual foi possvel
conhecer e reconhecer vrias pessoas na convivncia solidria. O projeto interinstitucional de
pesquisa financiado pelo CNPq onde nos inserimos ampliou ainda mais as interfaces de
compartilhamento.
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Agradeo professora Cludia Travassos da FIOCRUZ e ao professor Mrio Dal Poz do
IMS/UERJ que participam da coordenao do projeto do CNPq junto com Lgia Bahia, pela
oportunidade de conviver com eles nas reunies de trabalho. A Cludia agradeo ainda pela
participao na minha banca de qualificao e pelos comentrios preciosos sobre a tese.
A oportunidade de participar do Grupo de Estudos sobre Financeirizao coordenado pela
professora Lena Lavinas na economia da UFRJ foi fundamental para o desenvolvimento de
alguns dos principais argumentos apresentados na tese. Meu agradecimento a Lena e aos demais
colegas do grupo.
Aos colegas do GPDES, sem exceo, agradeo pela convivncia quotidiana ao longo dessa
jornada. Rosy, foi apoio sempre presente na soluo das questes prticas. Ial foi um apoio
fundamental na chegada ao Rio e na primeira etapa de formao do grupo, obrigado! Christine
ajudou bastante com seu conhecimento especfico sobre aturia. Artur Monte Cardoso e Lucas
Andrietta tiveram contribuio fundamental no desenvolvimento dos argumentos da economia e
na camaradagem. Sem eles no teria sido possvel avanar muito longe. Obrigado!
Maria Jos Luzuriaga foi, colega, companheira de pensionato e amiga com quem pude ter o
privilgio de compartilhar alegrias e tristezas sem reservas. Pessoa humana da melhor qualidade a
quem reservo um agradecimento especial. Obrigado Majo!
secretaria do IESC, nas pessoas de Ftima e Nadja e equipe da biblioteca, na pessoa de
Roberto, meus agradecimentos pelo apoio.
Aos colegas da diretoria da Associao Brasileira de sade Coletiva - ABRASCO e, em especial
a Mrio Scheffer meu agradecimento pela convivncia. Tudo que vivemos juntos tambm
contribuiu com a tese.
Aos colegas professores da rea de polticas do Instituto de Sade Coletiva da Universidade
Federal da Bahia - ISC/UFBA pelas oportunidades de compartilhamento de experincias e
conhecimento, Obrigado.
Aos amigos e aos companheiros de treino do Doj, obrigado pela pacincia com minhas
ausncias prolongadas, espero voltar melhor e mais forte.
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A Lucas, Sofia e, ber alles, Jael, obrigado pelo carinho e pelo amor. Me sinto mais vivo na
companhia de vocs!
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[...] A crise tambm a crise das formas de regulao extra mercado. A crise das formas
pblicas de regulao que tiveram vigncia na expanso pretrita. Sua eficcia dissolve-
se na crise, e assim as formas pblicas tornam-se cmplices da crise. (BRAGA, 1985 p.
394).
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RESUMO
SESTELO, Jos Antonio de Freitas. Planos e seguros de sade no Brasil de 2000 a 2015 e a
dominncia financeira. Tese (Doutorado em sade Coletiva) Instituto de Estudos em sade
Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
Estudo exploratrio sobre planos e seguros de sade no Brasil entre 2000 e 2015 e a dominncia
financeira. Revisa textos selecionados do campo da Sade Coletiva sobre as acepes relativas
ao social, o pblico e o privado na assistncia sade luz na noo de articulao
pblico/privada na assistncia. Formula hiptese de trabalho sobre o novo patamar de
desenvolvimento do esquema comercial de intermediao assistencial no Brasil entre 2000 e
2015 como uma das expresses da dominncia financeira no interior do sistema de sade. Revisa
as abordagens sobre dominncia financeira e elabora apontamentos metodolgicos para o estudo
dos grupos econmicos atuantes no comrcio de planos e seguros de sade no Brasil entre 2000 e
2015 a partir das formulaes originais de Jos Carlos de Souza Braga. Apresenta seleo de
dados documentais e de entrevistas com empresrios. Analisa os dados apresentados explorando
os limites e possibilidades de novos desenvolvimentos tericos e metodolgicos em uma viso
prospectiva sobre o conjunto do sistema de sade. O cotejamento dos dados com dimenses
selecionadas da Funo-objetivo (Fo) desenvolvida por Braga (2016) para financeirizao nas
empresas valida a tese da dominncia financeira como abordagem para o estudo do esquema de
comrcio da intermediao assistencial no Brasil e o define como um novo objeto com
caractersticas qualitativas e quantitativas distintas daquelas estabelecidas pelos estudos seminais
de polticas de sade at a dcada de 1990. Os agentes econmicos envolvidos detm agora um
poder de arbitragem crescente, capaz de criar mercados e nichos de mercado para produtos e
servios e influenciar na valorizao e desvalorizao de ativos de natureza diversa incluindo, no
caso da assistncia, insumos estratgicos de relevncia pblica.
Palavras-chave: Sade Pblica. Polticas planejamento e administrao em Sade. Planos de pr-
pagamento em sade. Financeirizao.
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ABSTRACT
SESTELO, Jos Antonio de Freitas. Planos e seguros de sade no Brasil de 2000 a 2015 e a
dominncia financeira. Tese (Doutorado em sade Coletiva) Instituto de Estudos em sade
Coletiva, Universidade federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.
Exploratory study of health plans and health insurance in Brazil between 2000 and 2015 and
financialization. It reviews selected texts from the field of Collective Health on the meanings
related to social, public and private on health care in light of the notion of public / private
articulation in care. It is taken as a hypothesis of work on the new level of development of the
commercial scheme of healthcare intermediation in Brazil between 2000 and 2015 as one of the
expressions of financialization within the health system. It reviews the approaches on
financialization and elaborates methodological notes for the study of economic groups operating
in the trade of health plans and health insurance in Brazil between 2000 and 2015 from the
original formulations of Jos Carlos de Souza Braga. It presents selection of documentary data
and interviews with businessmen. It analyzes the data presented exploring the limits and
possibilities of new theoretical and methodological developments in a prospective view on the
health system as a whole. The comparison of data with selected dimensions of the objective
function (Fo) developed by Braga (2016) for financialization in companies validates the thesis of
financialization as an approach for the study of the trade scheme of health care intermediation in
Brazil and defines it as a new object with qualitative and quantitative characteristics different
from those established by the seminal health policy studies until the 1990s. The economic agents
involved now have a growing arbitrage power, capable of creating markets and market niches for
products and services and influencing valuation and devaluation of assets of diverse nature
including, in the case of assistance, strategic inputs of public relevance.
Keywords: Public health. Health Policy, Planning and Management. Prepaid Health Plans.
Financialization.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Sntese dos principais temas e argumentos usados por Carlos Gentile de Mello em
textos publicados entre 1977 e 1983.............................................................................................. 68
Quadro 2 - Especificidades do esquema de intermediao da assistncia constitudo pelas
empresas de planos e seguros de sade no Brasil segundo Bahia (1999) ..................................... 77
Quadro 3 - Trabalhos selecionados com vis argumentativo crtico sobre o lugar do esquema de
comrcio de planos e seguros dentro do sistema de sade no Brasil ............................................ 80
Quadro 4 - Trabalhos selecionados que naturalizam a existncia do esquema de comrcio de
planos e seguros de sade no Brasil .............................................................................................. 82
Quadro 5 - Abordagem macro setorial: anlise histrico-estruturalista ........................................ 99
Quadro 6 - Abordagem macro setorial: anlise regulacionista ...................................................... 99
Quadro 7 - Abordagem macro setorial: outros trabalhos empricos ............................................ 100
Quadro 8 - Abordagens microeconmicas: governana corporativa e relaes de trabalho ....... 100
Quadro 9 - relao de fontes documentais utilizadas na caracterizao das empresas e grupos
econmicos estudados ................................................................................................................. 150
Quadro 10 - Empesas de planos de sade selecionadas para anlise de grandes nmeros
sugestivos de um padro de financeirizao................................................................................ 157
Quadro 11 - srie de deflatores aplicados aos grandes nmeros das empresas selecionadas ...... 157
Quadro 12 - Relao nominal dos entrevistados (as) e das empresas representadas .................. 160
Quadro 13 - Ano de incio da operao de empresas de planos e seguros de sade selecionadas
..................................................................................................................................................... 164
Quadro 14 - Relao entre despesa assistenciais (DA) e despesas totais (DT) nas CAPs entre
1923 e 1949 ................................................................................................................................. 166
Quadro 15 - Esquemas assistenciais particulares para empregados de empresas estatais e da
administrao pblica direta (CASSI e GEAP) ........................................................................... 184
Quadro 16 - Composio acionria da QUALICORP aps oferta pblica de aes no Novo
Mercado ....................................................................................................................................... 217
Quadro 17 - Alteraes registradas no nome das empresas, incorporaes, fuses, cises e
extines na linha do tempo relacionadas com o CNPJ .............................................................. 228
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Quadro 18 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 01.923.247/0001-42 ...................................... 237
Quadro 19 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 03.609.855/0001-02 ...................................... 237
Quadro 20 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.658.098/0001-18 ...................................... 237
Quadro 21 - Alteraes no objetivo social declarado da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.755.207/0001-15 ...................................... 238
Quadro 22 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.755.201/0001-48 ...................................... 238
Quadro 23 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.760.307/0001-30 ...................................... 238
Quadro 24 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 11.992.680/0001-93 ...................................... 239
Quadro 25 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 01.923.247/0001-42 ...................................... 240
Quadro 26 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 03.609.855/0001-02 ...................................... 240
Quadro 27 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.658.098/0001-18 ...................................... 241
Quadro 28 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.755.207/0001-15 ...................................... 241
Quadro 29 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.755.201/0001-48 ...................................... 242
Quadro 30 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 07.760.307/0001-30 ...................................... 243
Quadro 31 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico
QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 11.992.680/0001-93 ...................................... 243
Quadro 32 - QUALICORP S.A e suas controladas em 2016 ...................................................... 248
Quadro 33 - Outras empresas controladas pelo grupo econmico QUALICORP em 2016 ....... 248
Quadro 34 - estrutura societria da QUALICORP S.A. em 31 de dezembro de 2015................ 249
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Quadro 35 - Rede de empresas componentes do grupo econmico operacional sobre o qual a
ODONTOPREV tem participao direta ou indireta em 2015 ................................................... 255
Quadro 36 - Alteraes registradas no nome das empresas, incorporaes, fuses, cises e
extines na linha do tempo relacionadas com o CNPJ .............................................................. 259
Quadro 37 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 1973 e 2016 da empresa do grupo
econmico INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 44.649.812/0001-38 ............... 264
Quadro 38 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 1988 e 2016 da empresa do grupo
econmico INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 51.714.913/0001-00 ............... 264
Quadro 39 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 1995 e 2016 da empresa do grupo
econmico INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 74.327.545/0001-43 ............... 264
Quadro 40 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2010 e 2016 da empresa do grupo
econmico INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 13.061.886/0001-25 ............... 265
Quadro 41 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico
INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 44.649.812/0001-38 ................................. 265
Quadro 42 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico
INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 51.714.913/0001-00 ................................. 265
Quadro 43 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico
INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 74.327.545/0001-43 ................................. 265
Quadro 44 - Alteraes no objeto social declarado da empresa do grupo econmico
INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 13.061.886/0001-25 ................................. 266
Quadro 45 - Registros relativos ao objeto social declarado/atividade econmica de empresas
selecionadas do grupo econmico INTERMEDICA segregados por CNPJ ............................... 266
Quadro 46 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico
INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 44.649.812/0001-38 ................................. 268
Quadro 47 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico
INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 51.714.913/0001-00 ................................. 269
Quadro 48 - Composio societria e administrativa da empresa do grupo econmico
INTERMEDICA registrada no CNPJ sob o nmero 74.327.545/0001-43 ................................. 270
Quadro 49 - Composio societria de INTERMEDICA em 21 de maio de 2014 ..................... 271
Quadro 50 - Estrutura societria da INTERMEDICA em 31 de dezembro de 2014 .................. 273
Quadro 51 - Estrutura societria da INTERMEDICA em 31 de dezembro de 2015 .................. 274
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Quadro 52 - Grupo SULAMERICA: informaes financeiras consolidadas 2013-2015 ........... 277
Quadro 53 - Principais alteraes verificadas na composio societria desde 2013 no controle do
grupo SULAMERICA ................................................................................................................. 279
Quadro 54 - Descrio das empresas controladas integrantes do grupo econmico
SULAMERICA ........................................................................................................................... 280
Quadro 55 - Relao nominal dos membros da administrao e do conselho fiscal do grupo
SULAMERICA ........................................................................................................................... 283
Quadro 56 - Discriminao e participao dos principais acionistas na SULASA Participaes
S.A. (CNPJ 73.828.899/0001-09) em 30 de maro de 2016 ....................................................... 284
Quadro 57 - Discriminao e participao dos principais acionistas na SULEMISA Participaes
Ltda (CNPJ 19.305.877/0001-19) em 30 de maro de 2016 ....................................................... 285
Quadro 58 - Discriminao e participao dos principais acionistas na SULTASO Participaes
Ltda (CNPJ 19.313.266/0001-12) em 30 de maro de 2016 ....................................................... 285
Quadro 59 - Discriminao e participao dos principais acionistas na SULASAPAR
Participaes S.A. (CNPJ 03.759.567/0001-34) em 30 de maro de 2016 ................................. 285
Quadro 60 - Discriminao e participao dos principais acionistas na NOVA AO
Participaes S.A em 30 de maro de 2016 ................................................................................ 285
Quadro 61 - Discriminao e participao dos principais acionistas na SULAMERICA
Participaes S.A. SASA (CNPJ 29.978.814/0001-87) em 30 de maro de 2016 ................... 285
Quadro 62 - Empresas controladas pela SULAMERICA Companhia de Seguros de Sade CIA
SADE ........................................................................................................................................ 286
Quadro 63 - Srie histrica de valores de ativos totais deflacionados de empresas selecionadas295
Quadro 64 - Trajetria profissional dos sujeitos entrevistados e suas respectivas empresas ...... 304
Quadro 65 - Misso das empresas selecionadas segundo representantes entrevistados.............. 315
Quadro 66 - Opinio dos representantes das empresas sobre o ressarcimento ao SUS .............. 316
Quadro 67 - Principais argumentos dos entrevistados sobre o ressarcimento ao SUS ............... 317
Quadro 68 - Opinio dos entrevistados sobre a entrada de capital estrangeiro na assistncia .... 335
Quadro 69 - Opinio dos entrevistados sobre a renncia fiscal para despesas de pessoas fsicas
com as empresas .......................................................................................................................... 343
Quadro 70 - Sequncia de eventos conexos mudana de patamar no capital da QUALICORP
..................................................................................................................................................... 403
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LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 - Diagrama ilustrativo das alteraes registradas no nome das empresas, incorporaes,
fuses, cises e extines na linha do tempo relacionadas com o CNPJ .................................... 231
Grfico 2 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 1997 e 2015 da empresa do grupo
econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero 01.923.247/0001-42 ................... 232
Grfico 3 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2000 e 2015 da empresa do grupo
econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 03.609.855/0001-02 ......... 233
Grfico 4 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2005 e 2015 da empresa do grupo
econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 07.658.098/0001-18 ......... 233
Grfico 5 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2005 e 2015 da empresa do grupo
econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 07.755.207/0001-15 ......... 234
Grfico 6 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2005 e 2015 da empresa do grupo
econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 07.755.201/0001-48 ......... 234
Grfico 7 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2005 e 2011 da empresa do grupo
econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 07.760.307/0001-30 ......... 235
Grfico 8 - Alteraes de valor declarado* do capital entre 2010 e 2015 da empresa do grupo
econmico QUALICORP registrada no CNPJ sob o nmero CNPJ 11.992.680/0001-93 ......... 235
Grfico 9 - Evoluo de receitas entre 2009 e 2015 de empresas selecionadas .......................... 296
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABRAMGE Associao Brasileira de Medicina de Grupo/Associao Brasileira de Planos de
Sade
ABRASCO Associao Brasileira de Sade Coletiva
ADI Ao Direta de Inconstitucionalidade
ALAMES Asociacin Latinoamericana de Medicina Social
AMA American medical Association
AMB Associao Mdica Brasileira
AMMG Associao Mdica de Minas Gerais
ANFIP Associao Nacional dos Auditores da Receita Federal do Brasil
ANHAP Associao Nacional dos Hospitais Privados
ANS Agncia Nacional de Sade Suplementar
ASAP Aliana para a Sade Populacional
BB Banco do Brasil
BC Banco Central
BM Banco Mundial
BM & F BOVESPA Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de So Paulo
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econmica
CALPERS California Public Employees Retirement System
CAPs Caixas de Aposentadorias e Penses
CASSI Caixa de Assistncia dos Funcionrios do Banco do Brasil
CBEXs Colgio Brasileiro de Executivos da Sade
CDC Cdigo de Defesa do Consumidor
CEBES Centro Brasileiro de Estudos de Sade
CEIFAS Comit de Integrao de Entidades Fechadas de Assistncia Sade
CEME Central de Medicamentos
CLT Consolidao das Leis do Trabalho
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CMPS Conselho Mdico da Previdncia Social
CNAE Classificao Nacional de Atividade Econmica
CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados
CNSP Conselho Nacional de Seguros Privados
CODAP Comisso Diretora da Assistncia Patronal
COMEG Cooperativa de Servios Mdicos e Hospitalares do Estado da Guanabara
CONSU Conselho de Sade Suplementar
CVM Comisso de Valores Mobilirios
DATAPREV Empresa de Processamento de Dados da Previdncia Social
DIOP Diretoria de Normas e Habilitao de Operadoras
DIOPS/ANS Documento de Informaes Peridicas das Operadoras de Planos de Assistncia
Sade da Agncia Nacional de Sade Suplementar
DNERu Departamento Nacional de Endemias Rurais
DNPS Departamento Nacional de Previdncia Social
DNRC Departamento Nacional de Registro do Comrcio
DNSPC Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalizao
DOU Dirio Oficial da Unio
DRU Desvinculao de Receitas da Unio
EBITDA Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization
EUA Estados Unidos da Amrica
FAP Fundo de Assistncia Patronal
FenaSade Federao Nacional de Sade Suplementar
FINSOCIAL Fundo de Investimento Social
Fiocruz Fundao Oswaldo Cruz
FLACSO Faculdade Latino Americana de Cincias Sociais
FMI Fundo Monetrio Internacional
FPF Fundo de Peclios Facultativo
FUNABEM Fundao Nacional do Bem-Estar do Menor
GEAP Grupo Executivo de Assistncia Patronal
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HIV Human Immunodeficiency Virus
IAPAS Instituto de Administrao Financeira da Previdncia e Assistncia Social
IAPB Instituto de Aposentadorias e Penses dos Bancrios
IAPI Instituto de Aposentadorias e Penses dos Industririos
IAPs Institutos de Aposentadorias e Penses
IASB International Accounting Standards Board
IBEDESS Instituto Brasileiro para o Estudo e o Desenvolvimento do Setor Sade
IBEF-Instituto Brasileiro de Executivos de Finanas
IDEC Instituto de Defesa do Consumidor
IESS Instituto de Estudos de Sade Suplementar
IFRS International Financial Reporting Standards
INAMPS Instituto Nacional de Assistncia Mdica da Previdncia Social
INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria
INPS Instituto Nacional de Previdncia Social
IOF Imposto Sobre Operaes Financeiras
IPASE Instituto de Penses e Aposentadorias dos Servidores do Estado
IRB Instituto de Resseguros do Brasil
ISS Imposto Sobre Servios
JUCESP Junta Comercial do Estado de So Paulo
LAJIDA Lucros antes de juros, impostos, depreciao e amortizao
LBA Fundao Legio Brasileira de Assistncia
LDO Lei de Diretrizes Oramentrias
MEC Ministrio da Educao e Cultura
MPAS Ministrio da Previdncia e Assistncia Social
MPAS Ministrio da Previdncia e Assistncia Social
MS Ministrio da Sade
NIH National Institute of Health
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
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OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
OECD Organisation for Economic Co-operation and Development
OMS Organizao Mundial de Sade
OPAS Organizao Pan-Americana de Sade
PAPS Plano de Ao para a Previdncia Social
PIB Produto Interno Bruto
PPA Plano de Pronta Ao
PREVI Caixa de Previdncia dos Funcionrios do Banco do Brasil
RET Regime Especial de Tributao
SciELO Scientific Eletronic Library Online
SIB/ANS Sistema de Informao de Beneficirios da Agncia Nacional de Sade Suplementar
SINPAS Sistema Nacional de Previdncia e Assistncia Social
SINREM Sistema Nacional de Registro de Empresas Mercantis do Comrcio
STF Supremo Tribunal Federal
SUS Sistema nico de Sade
SUSEP Superintendncia de Seguros Privados
TCD Termo de Compromisso de Desempenho
TCU Tribunal de Contas da Unio
TGA Tabela Geral de Auxlios
UFF Universidade Federal Fluminense
UnB Universidade de Braslia
UNESCO Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
Unicamp Universidade Estadual de Campinas
UNIDAS Unio Nacional das Instituies de Autogesto em Sade
Unimar Universidade de Marlia
URSS Unio das Repblicas Socialistas Soviticas
USP Universidade de So Paulo
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SUMRIO
APRESENTAO ...................................................................................................................... 23
1 ACEPES SOBRE O SOCIAL, O PBLICO E O PRIVADO NA ASSISTNCIA
SADE NO BRASIL ................................................................................................................... 25
1.1 INTRODUO ....................................................................................................................... 25
1.2 AS ACEPES CLSSICAS NO CAMPO DA SADE COLETIVA ................................ 30
1.3 A ACEPO RESTRITA DO SOCIAL ................................................................................ 33
1.4 A VISO AMPLIADA DO SOCIAL ..................................................................................... 38
1.5 A CRTICA DA ECONOMIA NEOCLSSICA ................................................................... 48
1.6 AS EMPRESAS MDICAS ................................................................................................... 56
1.7 A DIFUSO DAS IDEIAS SOBRE O SOCIAL NA SADE .............................................. 64
1.8 O SUS: MUDANAS NO PADRO DE ARTICULAO PBLICO/PRIVADA ............ 72
1.9 UMA SNTESE DAS ACEPES SOBRE ARTICULAO PBLICO/PRIVADA ........ 83
2 DOMINNCIA FINANCEIRA: DESAFIOS PARA A COMPREENSO DA SUA
EXPRESSO NAS EMPRESAS DE PLANOS E SEGUROS DE SADE E
APONTAMENTOS METODOLGICOS ............................................................................... 89
2.1 INTRODUO ....................................................................................................................... 89
2.2 A DOMINNCIA FINANCEIRA .......................................................................................... 94
2.2.1 A financeirizao na periferia............................................................................................. 112
2.2.2 A financeirizao e as polticas sociais .............................................................................. 121
2.2.3 A financeirizao da vida quotidiana ................................................................................. 131
2.2.4 Os limites da dominncia financeira .................................................................................. 137
2.3 PLANOS DE SADE E DOMINNCIA FINANCEIRA ................................................... 140
2.4 APONTAMENTOS METODOLGICOS ........................................................................... 149
2.4.1 Limites metodolgicos ....................................................................................................... 160
3 AS EMPRESAS DE PLANOS E SEGUROS DE SADE: APROXIMAES PARA
ANLISE DA SUA INSERO NO REGIME DE DOMINNCIA FINANCEIRA ....... 162
3.1 UMA TRAJETRIA DAS EMPRESAS E GRUPOS ECONMICOS .............................. 162
3.1.1 Introduo ........................................................................................................................... 162
3.1.2 CASSI e GEAP ................................................................................................................... 165
3.1.3 INTERMEDICA, UNIMED BH, UNIMED RIO e AMIL ................................................ 188
3.1.4 BRADESCO SADE e SULAMERICA SADE ............................................................ 203
3.1.5 HAPVIDA, QUALICORP e ODONTOPREV .................................................................. 210
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3.2 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL E SOCIETRIA, ESTRATGIAS CORPORATIVAS
E VARIAES PATRIMONIAIS DE EMPRESAS SELECIONADAS .................................. 225
3.2.1 QUALICORP ..................................................................................................................... 227
3.2.1.1 Datas de registro ............................................................................................................. 227
3.2.1.2 Valor de abertura e alteraes de capital ....................................................................... 232
3.2.1.3 Objeto social declarado/atividade econmica ................................................................ 236
3.2.1.4 Composio societria e administrativa ......................................................................... 239
3.2.1.5 Apresentao dos resultados 2015 .................................................................................. 244
3.2.1.6 Descrio da companhia e de seus negcios .................................................................. 247
3.2.2 BRADESCO SADE ........................................................................................................ 249
3.2.2.1 Apresentao de resultados 2015 .................................................................................... 251
3.2.3 ODONTOPREV ................................................................................................................. 253
3.2.3.1 Apresentao de resultados 2015 .................................................................................... 254
3.2.4 INTERMEDICA ................................................................................................................. 258
3.2.4.1 Datas de registro ............................................................................................................. 258
3.2.4.2 Valor de abertura e alteraes de capital ....................................................................... 263
3.2.4.3 Objeto social declarado/atividade econmica ................................................................ 265
3.2.4.4 Composio societria e administrativa ......................................................................... 267
3.2.4.5 Apresentao de resultados 2015 .................................................................................... 270
3.2.4.6 Dados de poltica corporativa ......................................................................................... 275
3.2.5 SULAMERICA .................................................................................................................. 276
3.2.5.1 Poltica de distribuio de lucros e dividendos............................................................... 277
3.2.5.2 Fatores de risco para o negcio ...................................................................................... 277
3.2.6 AMIL .................................................................................................................................. 287
3.2.7 ESCALA DE GRANDEZA ............................................................................................... 294
4 ANLISE EXPLORATRIA DAS EMPRESAS E PERSPECTIVAS PARA O SISTEMA
DE SADE ................................................................................................................................. 297
4.1 INTRODUO ..................................................................................................................... 297
4.2 ANLISE DE ENTREVISTAS COM REPRESENTANTES DE EMPRESAS DE PLANOS
DE SADE ................................................................................................................................. 303
4.2.1 Trajetria do executivo, desafios, misso da empresa e localizao no sistema de sade . 304
4.2.2 Relao do grupo econmico com outras empresas do setor, usurios, prestadores e rgo
regulador ...................................................................................................................................... 316
4.2.3 Capital e diversificao de atividades ................................................................................ 329
4.2.4 Localizao no sistema de sade/relao com o setor pblico ........................................... 338
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4.2.5 Estratgias de crescimento e investimento ......................................................................... 344
4.2.6 Mosaico de articulaes ..................................................................................................... 354
4.3 OS EMPRESRIOS DA SADE E SUA VISO SOBRE O SISTEMA DE SADE ...... 360
4.3.1 Os autores ........................................................................................................................... 363
4.3.2 As referncias ..................................................................................................................... 364
4.4 O GERAL E O PARTICULAR............................................................................................. 365
4.5 PLANOS E SEGUROS DE SADE NO BRASIL ENTRE 2000 E 2015 E A
DOMINNCIA FINANCEIRA .................................................................................................. 371
4.5.1 A financeirizao no setor .................................................................................................. 375
4.5.2 Estrutura organizacional e societria .................................................................................. 377
4.5.3 Estratgias corporativas ...................................................................................................... 389
4.5.4 Variaes patrimoniais ....................................................................................................... 399
4.6 NOVAS PERSPECTIVAS ANALTICAS ........................................................................... 404
4.6.1 Interfaces nebulosas ............................................................................................................ 404
4.7 CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................ 408
4.7.1 Limites e possibilidades ..................................................................................................... 408
4.7.2. guisa de concluso ......................................................................................................... 412
REFERNCIAS ........................................................................................................................ 415
APNDICE ................................................................................................................................ 433
APNDICE1 A DOMINNCIA FINANCEIRA COMO FENMENO DATADO .............. 434
APNDICE 2 NOTA EXPLICATIVA SOBRE A NOMENCLATURA DO NOVO CDIGO
CIVIL .......................................................................................................................................... 437
APNDICE 3 A ABRAMGE E OS ARGUMENTOS DA IDEOLOGIA EMPRESARIAL .. 443
APNDICE 4 MICHEL PORTER E SEUS MODELOS ........................................................ 445
ANEXO ....................................................................................................................................... 457
ANEXO 1 QUESTIONRIO PILOTO ENCAMINHADO PREVIAMENTE AOS
REPRESENTANTES DAS EMPRESAS ................................................................................... 458
ANEXO 2 ENTREVISTAS COM REPRESENTANTES DAS EMPRESAS ........................ 459
AMIL .......................................................................................................................................... 460
BRADESCO SADE ................................................................................................................ 482
CASSI ......................................................................................................................................... 497
GEAP .......................................................................................................................................... 519
HAPVIDA .................................................................................................................................. 531
INTERMEDICA ........................................................................................................................ 543
QUALICORP ............................................................................................................................. 564
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SULAMERICA .......................................................................................................................... 581
UNIMED BH .............................................................................................................................. 598
UNIMED RIO ............................................................................................................................ 622
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APRESENTAO
Esse trabalho uma pesquisa exploratria sobre as empresas de planos e seguros de sade no
Brasil entre 2000 e 2015 e a dominncia financeira. Seu contedo est disposto em quatro
captulos, um apndice e uma seo de anexos que obedecem ao roteiro argumentativo
apresentado a seguir.
O primeiro captulo introdutrio e consiste em uma resenha de textos selecionados sobre as
acepes do social, do pblico e do privado na assistncia sade do Brasil. uma reviso que
visa reconstituir a trajetria histrica do pensamento sobre essas categorias lanando mo de
textos seminais do campo da Sade Coletiva e da anlise da trajetria de autores importantes que
elaboram essa temtica no seu interior. Seu contedo converge para o problema do esquema
comercial de intermediao da assistncia subsistente depois da criao do Sistema nico de
Sade em uma relao concorrencial com o sistema pblico. O principal elemento terico
utilizado no desenvolvimento desse captulo a noo de articulao pblico/privada
desenvolvida por pesquisadores latino-americanos na dcada de 1990.
O segundo captulo parte dos elementos reunidos no captulo introdutrio para construir a
hiptese de que, a partir dos anos 2000, o desenvolvimento das empresas de planos e seguros de
sade atinge um novo patamar que pode ser considerado uma das formas mais destacadas de
expresso da dominncia financeira no interior do sistema de sade do Brasil. Para esclarecer o
significado do conceito de dominncia financeira e para ajustar a sua formulao ao escopo da
investigao proposta pela hiptese de trabalho feita uma reviso que parte das abordagens
mais gerais na esfera da macroeconomia poltica, passando por desenvolvimentos mais
especficos para a formao social brasileira, as polticas sociais e as polticas de sade. Ao final
se apresentam apontamentos metodolgicos que caracterizam um estudo exploratrio sobre as
empresas de planos e seguros de sade no Brasil entre 2000 e 2015 e a dominncia financeira
como novo modo de ser da riqueza global segundo a acepo formulada originalmente por Braga
(1985).
O terceiro captulo uma seleo de dados documentais sobre as maiores empresas e grupos
econmicos atuantes no comrcio da intermediao assistencial no Brasil dispostos segundo as
categorias apresentadas nos apontamentos metodolgicos. Nesse captulo se reconstitui a
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trajetria de formao histrica de empresas selecionadas em uma linha de continuidade com o
material revisado no captulo introdutrio. Em anexo est disposto o contedo integral de
entrevistas semiestruturadas realizadas com representantes dos empresrios.
O quarto captulo procede uma anlise exploratria dos achados e do conjunto de dados
documentais das empresas e das entrevistas expondo limites e possibilidades de
desenvolvimentos tericos e metodolgicos em uma viso prospectiva sobre o conjunto do
sistema de sade.
O apndice contm material conexo ao tema da tese que foi disposto de forma separada para
facilitar a leitura do roteiro principal. Trata-se de uma resenha do texto de Tavares & Fiori (1997)
que analisa a dominncia financeira como um fenmeno datado, uma nota explicativa sobre a
nomenclatura do novo Cdigo Civil (til para a leitura do corpo do texto), uma sntese dos
principais argumentos da ideologia empresarial em sade apresentados historicamente pela
ABRAMGE na dcada de 1970 e, finalmente uma breve anlise crtica sobre a obra de uma das
principais referncias que instruem essa ideologia nos dias atuais, Michel Porter.
Os anexos contm o questionrio piloto e o inteiro teor das entrevistas realizadas com
representantes das empresas em 2014.
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1 ACEPES SOBRE O SOCIAL, O PBLICO E O PRIVADO NA ASSISTNCIA
SADE NO BRASIL
1.1 INTRODUO
Elaboramos uma resenha de trabalhos selecionados sobre o social, o pblico e o privado na
assistncia sade no Brasil com o objetivo de iluminar o lugar ocupado pelo comrcio de planos
e seguros de sade.
Importa, a ttulo de introduo, destacar o propsito de valorizar, no desenvolvimento do texto, o
potencial heurstico subjacente noo de articulao pblico/privada1 na assistncia sade.
Trata-se de projetar o olhar sobre as linhas de fora que ligam e articulam os elementos de um
mosaico que s pode ter o seu significado plenamente desvelado quando se consideram os fluxos
que conferem sentido e direcionamento ao conjunto. Buscar compreender a natureza das pontes,
sua extenso e largura, para evitar cair na armadilha de um labirinto de objetos esparsos,
desconexos que falam pouco sobre questes substantivas relativas a acmulo de capital e poder,
fundamentais em qualquer trabalho que trate de polticas pblicas e, em especial de polticas
sociais.
O uso da expresso articulao pblico/privada originalmente (EIBENSCHUTZ, 1996)
pretendeu destacar a existncia de diferenas qualitativas incidentes sobre a trama que articula
elementos pblicos e privados nos sistemas de servios de sade de pases perifricos
evidenciando os limites e a zona de intercesso entre essas duas grandes dimenses analticas.
Ademais, a ideia de articulao, coerente com os fundamentos tericos da Medicina Social, ao
colocar o foco na interface entre os processos econmicos e sociais no campo da sade, permite
escapar da viso que, no distinguindo qualitativamente o espao pblico do privado, na prtica,
subordina o primeiro ao segundo, ou melhor, submete todos os aspectos da vida social lgica da
acumulao privada de capital.
Embora o termo articulao pblico/privada tenha sido introduzido oportunamente em
contraposio ao conceito de mescla (mix) pblico/privada na dcada de 1990 (EIBENSCHUTZ,
1 Expresso utilizada no II Seminrio Latino Americano de Poltica Sanitria, promovido pela Associao Latino Americana de Medicina Social (ALAMES), em 1993 (EIBENSCHUTZ, 1996) pretendendo criar espao para determinar a complexidade e as especificidades na relao entre os
servios de assistncia sade em pases perifricos.
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1996), posteriormente consagrou-se o uso da expresso relao pblico/privada na descrio dos
padres de articulao implcitos. Os autores que publicaram antes de 1990, portanto,
desconhecem essas formulaes, no obstante eventualmente se refiram ao mesmo fenmeno. Ao
longo do texto usaremos alternadamente os termos articulao, relao e interface
pblico/privada no sentido mencionado acima.
Tomamos como fulcro analtico para esta introduo a virada dos anos 1990 para 2000 quando a
magnitude do comrcio de planos e seguros de sade se torna mais aparente e volta a despertar
interesse em estudos na Sade Coletiva.
No campo acadmico, identificamos, nesse mesmo ponto da linha do tempo , a publicao da tese
de doutorado em Sade Pblica Mudanas e Padres das Relaes Pblico-Privado: Seguros e
Planos de Sade no Brasil (BAHIA, 1999) que contm uma reviso fundamental de trabalhos
sobre o surgimento de empresas mdicas no Brasil e desenvolve, na Sade Coletiva, uma
abordagem que no toma as suas faces privada e pblica como compartimentos estanques do
sistema de sade, considerando, portanto, os fluxos e as articulaes existentes na zona de
interface entre essas duas dimenses.
Bahia (1999) menciona o uso da expresso empresas mdicas nas dcadas de 1970, 1980 e 1990,
para se referir aos novos agentes econmicos forjados a partir das mudanas na poltica
previdenciria pautadas pelo regime instaurado a partir de 1964. Tais agentes, so rebentos do
novo ciclo de crescimento econmico engendrado em um momento de represso da atividade
poltica partidria, centralizao administrativa, estmulo expanso da assistncia privada e
empresariamento2 de atividades de relevncia pblica de forma sincrnica com a extenso de
benefcios previdencirios a novos segmentos populacionais.
A plotagem do ponto de virada que situamos no final dos anos 1990 favorece a visualizao das
linhas de continuidade e rupturas tanto na expresso institucional de polticas pblicas quanto na
produo de conhecimento sobre o tema, alm de permitir a investigao da influncia recproca
e dinmica entre esses dois aspectos modeladores do padro de articulao pblico/privada na
assistncia.
2 O trabalho de Maria Ceclia Ferro Donnangelo na dcada de 1970 aponta evidncias que sugerem a perda de autonomia no mercado de profisses tradicionalmente liberais. Donnangelo delineia algumas tendncias de reestruturao da prtica mdica e refere-se a trs categorias
tpicas: empresrio-mdico, assalariamento e autonomia liberal
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Deste modo, revisitamos o trajeto percorrido por Bahia (1999) em sua tese de doutorado, aqui
caracterizado como um marco3 na produo do conhecimento sobre o tema e, nesse trabalho,
assentamos um ponto de apoio linha que nos traz perspectiva hodierna, com base em uma
pesquisa bibliogrfica ampliada. Trata-se de uma incontornvel abordagem histrica sobre os
elementos utilizados na construo do cabedal de conhecimento presentemente acumulado. Um
trajeto que se justifica diante da extrema nebulosidade4 caracterstica da dinmica de articulao
entre o pblico e o privado na assistncia de indivduos e populaes no mbito do sistema de
sade brasileiro. Consideramos que, in casu, tal nebulosidade incide simultaneamente sobre as
relaes e transaes entre agentes econmicos bem como sobre os modelos de descrio e
anlise dos fenmenos5.
Assim, revisitamos referenciais, apuramos a investigao sobre seu desenvolvimento histrico e,
principalmente, sobre as contradies, impropriedades e insuficincias decorrentes do seu uso
para o estudo dos planos e seguros de sade no Brasil de hoje. Uma reconstituio do contexto e
das ideias mais que dos autores embora o conhecimento sobre a trajetria de formao de alguns
autores especficos possa ser elucidativo quando se pretende compreender as mudanas na
maneira de pensar6.
A acumulao privada de capital no interior do sistema de sade brasileiro no se d
exclusivamente a partir da base material difana, composta de poucas estruturas feitas de cimento
e tijolo, dos grupos econmicos de planos e seguros de sade, entretanto, importa destacar a
qualidade especfica desse segmento como elemento amplificador e legitimador da lgica de
segmentao da demanda e da oferta por produtos e servios de sade segundo a capacidade de
pagamento das pessoas, condio imprescindvel para a conformao de um determinado
ambiente de negcios tpico da voga atual onde a intermediao de servios de assistncia
3 A elaborao da tese de Lgia Bahia (BAHIA, 1999) foi sincrnica com e edio da Lei 9.656/98 e com a criao da ANS, que ocorreu no ano seguinte sua publicao. Alm disso, representa uma contribuio que no se limita aos aspectos institucionais das polticas de sade, mas desenvolve um olhar crtico sobre o espao ocupado pelo esquema de comrcio de planos e seguros de sade no conjunto do sistema sem recorrer
a um modelo dicotmico entre o pblico e o privado. Ambos os aspectos mencionados acima nos permitem considerar esta referncia um marco
na produo do conhecimento sobre o tema. 4 Usamos a ideia de nebulosidade no sentido oposto ao de transparncia republicana e semelhante ao de esquema, combinao ou acerto entre particulares celebrado em detrimento e revelia da coisa pblica (Res Publica). 5 Postulamos que a descrio e anlise da base emprica desse fenmeno pode ter aspecto nebuloso dada a complexidade inerente ao objeto e prevalncia de uma voga acadmica de vis institucionalista/reducionista, por definio, limitada em seus parmetros de abordagem. 6 Referncias que validam essa abordagem podem ser encontradas em: NUNES (2006; 2008; 2015); GOLDENBEG, MARSIGLIA & GOMES (2003); GALEANO, TROTTA & SPINELLI (2011).
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sade naturalizada como objeto de comrcio em uma extenso que torna disfuncional a gesto
do conjunto do sistema.
Passamos, no que se refere atuao dos grupos econmicos setoriais, de um padro de
regulao estatal restrito a polticas fiscais e subsdios demanda pontuais, no perodo anterior ao
nosso fulcro analtico na virada dos anos 2000, para um regime onde se configura uma matriz de
legislao especfica operada por um aparato burocrtico especializado.
Se, por um lado, a prtica fiscalizatria desse aparato burocrtico potencialmente ascende a um
patamar superior ao explicitar e dar maior visibilidade conformao do segmento fiscalizado,
por outro, confere extraordinria legitimidade institucional a uma atividade comercial e
financeira que, no limitada em sua expanso, subverte a lgica organizativa e os princpios
constitucionais sobre os quais foi concebido o Sistema nico de Sade - SUS.
Assim, ao percorrer os passos da produo acadmica relacionada com a articulao entre o
pblico e o privado no sistema de sade pretendemos tambm captar as fontes de produo e
reproduo de ideias princpios organizativos e conceitos, partindo da premissa de que este no ,
obviamente, um ambiente isento de tenses e disputas7.
Identifica-se no primeiro grupo de trabalhos selecionados por Bahia (1999), e relacionados com o
mencionado ciclo de expanso da assistncia privada, um apuro na investigao emprica e um
desenvolvimento analtico que considera, principalmente, a relao entre as polticas
previdencirias e o surgimento de empresas mdicas que se beneficiam do crescimento da base
populacional vinculada aos benefcios.
No segundo grupo de trabalhos selecionados por aquela autora, identifica-se a formulao de uma
relevante questo de investigao, pautada sobre o aumento da clientela dos planos e seguros de
sade vis a vis a institucionalizao de um sistema de assistncia pblico de base universal.
Esta uma questo que ainda se coloca presentemente e que, diante da perspectiva, vislumbrada,
pelo menos at 2013, de incorporao de segmentos populacionais de baixa renda s franjas do
crculo de consumo de produtos e servios no Brasil, renova-se em seu potencial heurstico.
7 Como referncia para essa discusso remetemos o leitor para a obra seminal de Raymond Williams (WILLIAMS, 2014) e, mais recentemente, em linha com o tema em anlise: (BRAGA, I.F. 2012) e (GRN, 2003).
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H ainda um grupo de trabalhos revisados por Bahia (1999) relacionado diretamente pesquisa
sobre o Wellfare State e sobre as reformas setoriais da era Thatcher/Reagan/Pinochet8. No que se
refere s reformas setoriais, percorremos os passos daquela autora e, em seguida, acrescentamos
alguns elementos da literatura mais atual sobre o avano da dominncia financeira no interior do
sistema de sade. Postulamos que esse material esteja ligado indagao fundamental
mencionada no pargrafo acima e ao objeto de investigao especfico da nossa tese que
interroga sobre como se d a expresso do fenmeno da dominncia financeira em um conjunto
de empresas relacionadas com a intermediao de esquemas assistenciais privativos.
Para o segundo perodo da nossa matriz analtica, posterior ao ponto de virada dos anos 1990 para
2000, tomamos como referncia fundamental os artigos de Sestelo, Souza & Bahia (2013; 2014)
e desenvolvemos uma discusso em torno dos principais resultados daquela investigao. Trata-
se de um trabalho de reviso feito a partir de descritores referidos a planos e seguros de sade no
Brasil, que analisa uma dcada de publicaes especializadas, identificando as caractersticas
principais do material explorado.
Naquele perodo histrico, nos deparamos com um volume crescente de publicaes de contedo
caracterizado por um vis que se identifica progressivamente com a perspectiva das empresas
denominadas pela ANS de operadoras9 de planos e seguros de sade. So textos que assumem de
forma naturalizada a existncia e a expanso da prtica comercial de intermediao no acesso
assistncia e que desenvolvem seus argumentos a partir de noes tpicas do mundo corporativo
como: desenvolvimento de metodologias de custeio, anlises de impacto da regulao pblica em
sade sobre cooperativas mdicas, descrio de mecanismos de regulao de preos utilizados
pelo rgo regulador, anlises da influncia das vantagens competitivas das empresas na
fidelizao de clientes de planos, estudo das caractersticas dos clientes que produzem gastos
elevados com sade (SESTELO; SOUZA; BAHIA, 2014).
Por outro lado, a produo que assume um vis crtico e uma viso ampliada da relao entre
Estado, sociedade e prticas assistenciais de sade encontrada em um nicho de publicaes que
8 A aliana poltica estratgica entre o Presidente do Estados Unidos, Ronald Reagan e a Primeira-ministra da Inglaterra, Margareth Thatcher foi celebrada na dcada de 1980 e criou condies para o aprofundamento de polticas de recorte liberal nos pases centrais. Na Amrica Latina, o regime golpista de Augusto Pinochet no Chile serviu como laboratrio para a difuso da prescrio desse iderio entre as economias dos pases
perifricos da regio. 9 Postulamos que de fato, so empresas e grupos econmicos que atuam em articulao com a esfera pblica e que o termo operadora empregado pela ANS, retirado de teorias de livre mercado, instila uma descrio espria sobre o espao de atuao desses agentes passando a falsa impresso de que se trata de iniciativas totalmente desvinculadas das garantias do Oramento Pblico apenas ligadas a um mercado onde consumidores
individuais tomam decises de compra.
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seguem caudatrias daquele cabedal, em grande parte desenvolvido no interior do campo da
Sade Coletiva e acumulado nas dcadas de 1970, 1980 e 1990.
nesse manancial crtico que encontramos as ferramentas para avanar na investigao sobre a
conformao e a dinmica dos grupos econmicos relacionados com o atual esquema de
comrcio de planos e seguros de sade no Brasil. Procuramos, em acrscimo, identificar as
lacunas e as insuficincias da base terica crtica, ajustando-a ao estudo dos fenmenos
observados presentemente na nebulosa interface que articula as dimenses pblica e privada
dentro do sistema de sade no Brasil.
1.2 AS ACEPES CLSSICAS NO CAMPO DA SADE COLETIVA
Para estabelecer um ponto de origem histrico sobre a dinmica e a conformao de grupos
econmicos que atuam na prestao de servios de assistncia no interior do sistema de sade de
um pas em formao como o Brasil recuamos ao incio do atual ciclo de desenvolvimento
urbano/industrial.
Se admitirmos que o esgotamento do perodo agroexportador que se configurou ao longo da
Repblica Velha (1889-1930) marcou uma grande mudana poltica e institucional no pas e
possibilitou a emergncia de um novo modelo de organizao da burocracia federal do Estado
com a ampliao do seu escopo de atuao e da sua dinmica de funcionamento, teremos j um
balizamento adequado para os objetivos de nossa anlise.
Donnangelo (2011) ao se referir s origens da participao estatal na assistncia mdica no Brasil
diz:
[...] a criao e o desenvolvimento da Previdncia no Brasil adquirem, de um lado, o
sentido de conquista de direitos sociais pelos assalariados; de outro, revelam-se como
parte de um processo de reatualizao, pelo Estado, de condies necessrias
preservao e aos desdobramentos da ordem social capitalista. Um e outro podem ser
explicitados a partir da anlise das situaes histricas consubstanciadas na Revoluo
de 1930. [...] (p. 24).
O desenvolvimento de uma verso perifrica de capitalismo industrial e de seu correspondente
mecanismo de regulao da reproduo da fora de trabalho, inclusive no que se refere a questes
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relacionadas com sade e adoecimento de trabalhadores o cenrio onde situamos os primeiros
passos da nossa trajetria histrica.
Trata-se, portanto, de um cenrio onde se conjuga um vetor de ampliao do escopo de atuao
da esfera do Estado com a centralizao e a verticalizao da estrutura burocrtica vinculada ao
Estado Novo na dcada de 1930.
Simultaneamente, transcorre um processo de industrializao e urbanizao que exibir uma face
exuberante j no perodo ps-guerra agora sob uma crescente influncia econmica, poltica e
cultural da potncia ocidental dominante, os Estados Unidos.
na periferia dessa zona de influncia que viceja o capitalismo industrial brasileiro, matizado
pela persistncia da tradio colonial exportadora de matrias primas e produtos agrcolas.
nesse momento histrico que so criados, no incio dos anos 1930, os Institutos de
Aposentadorias e Penses (IAPs) segmentados por categorias profissionais e se d a introduo
do modelo de administrao tripartite dos recursos consolidados para polticas sociais.
Os recursos para financiamento do sistema, antes pulverizados entre as diversas Caixas de
Aposentadorias e Penses (CAPs) existentes em cada empresa, uma vez reunidos nos Institutos
de Aposentadorias e Penses (IAPs) organizados por categorias profissionais, resultaram em
fundos de considervel envergadura. A gesto desses recursos viria a ocupar lugar de destaque no
planejamento das aes de governo e a configurar uma questo poltica de primeira linha como
objeto de disputa entre fraes do bloco histrico hegemnico.
A revoluo de 1930 foi um acontecimento histrico crucial para a formao do moderno Estado
brasileiro e seu modelo de desenvolvimento e existe uma farta literatura com ttulos clssicos10
que tratam desse tema.
Para o propsito do nosso estudo, tomamos como referncia ilustrativa o texto de Draibe (1985)
que coteja os clssicos referenciados acima para desenvolver uma viso da formao econmica e
poltica do Brasil a partir de uma perspectiva desenvolvimentista. Draibe (1985), ao tempo em
que reconhece o marco de 1930 como incio do processo de formao do Estado Nacional
moderno, no sentido de rgo poltico que tende a afastar-se de interesses imediatos e sobrepor-
10 Werffort (1968); Furtado (1961); Cardoso & Faletto (1970), Fernandes (1975); Ianni (1965).
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se ao conjunto da sociedade como soberano11, expande a formulao do conceito de Estado de
compromisso12, identificando a presena, naquele momento histrico
[...] de diferentes modalidades de compromisso entre foras sociais no estticas e em
transformao, e face s questes da industrializao, elas mesmas em processo contnuo
de reatualizao. [...] (p. 24).
Pode-se dizer, referindo-se questo setorial da sade que houve, a partir da revoluo de 1930,
um movimento de incorporao pela esfera pblica de prticas originalmente desenvolvidas em
mbito privado ou no mbito de associaes de auxlio mutual relacionadas com sade. Houve
uma concentrao dos recursos utilizados para o financiamento da estrutura previdenciria e
subsidiariamente para a estrutura de assistncia sade.
A anlise poltica oferece elementos para a compreenso das decises relacionadas ao uso de tais
recursos acumulados a partir do esforo da fora de trabalho assalariada, mas evidente que h
uma relao direta entre a magnificao dessa base material, em volume de recursos, e o aumento
da tenso na disputa poltica pela sua apropriao a par da contnua atualizao (DRAIBE, 1985)
das formas de expresso social no seio da dinmica formativa da sociedade brasileira.
So esses os principais motivos que nos levam a localizar na formao do sistema previdencirio
brasileiro o nosso marco analtico inicial. H, entretanto, trabalhos importantes que desenvolvem
seus argumentos a partir de dados relacionados ao perodo anterior a 1930.
As aes do Estado nas primeiras campanhas sanitrias na Repblica Velha foram consideradas
em textos do campo da Sade Coletiva como exemplares no desenvolvimento do argumento que
aponta a relao entre polticas pblicas de sade e controle da reproduo da fora de trabalho
em um sistema poltico e econmico de origem colonial voltado para e exportao de bens
primrios (GARCIA, 1981).
11 Esta formulao de Francisco Weffort e, segundo Draibe (1985) aparece em Estado e Massas no Brasil, Revista da Civilizao Brasileira, n.7, p.142. 12 Sobre Estado de compromisso Draibe (1985) se expressa nos seguintes termos: [...] expressa a ausncia de hegemonia de qualquer um dos grupos dominantes e exerce papel de rbitro entre esses interesses, respondendo por uma soluo de compromisso e equilbrio. A fonte de sua
legitimidade so as massas populares urbanas e ela se estabelece por mecanismos especificamente polticos de manipulao e auto esforo que
configuram, ao final, uma democracia de massas cujo trao distintivo, em ltima instncia, o Estado mostrar-se de forma direta, sem mediaes, a todos os cidados e de, numa dinmica prpria, absorver e concentrar em si as possibilidades de mudanas estruturais [...] (DRAIBE, 1985 p.
22).
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O corte inaugural da histria da Previdncia no Brasil fixado por Oliveira & Teixeira (1985) em
1923 com a aprovao da Lei Eloy Chaves e a constituio do sistema das Caixas de
Aposentadorias e Penses ao qual estes autores conferem caractersticas especficas no plano de
atribuies previdencirias alm de uma maior prodigalidade nas despesas com assistncia
sade.
Segundo Oliveira & Teixeira (1985) o regime revolucionrio de 1930, na prtica, ampliou a
abrangncia do sistema previdencirio, mas restringiu os gastos proporcionais com assistncia
sade da populao segurada, reduzindo a antiga prodigalidade dos benefcios.
A acelerao do processo de industrializao e urbanizao, a instituio de polticas sociais de
abrangncia nacional e a magnificao do papel do Estado no manejo dos recursos disponveis
suscitou, em meados do sculo XX, um debate sobre a articulao do interesse pblico com a
prtica liberal ento vigente no interior da corporao mdica.
1.3 A ACEPO RESTRITA DO SOCIAL
Expresso da controvrsia sobre a articulao do interesse pblico com a prtica liberal na
assistncia a obra Socializao da Medicina13, publicada em 1943 (BORGES, 1943) pelo
mdico sanitarista Durval Rosa Borges, com prefcio de Maurcio de Medeiros14 que passamos a
comentar sem pretenso de recomposio histrica do inteiro teor da discusso da poca, mas
tomando algumas de suas ideias como precursoras de uma vertente ainda atual da reflexo sobre
o papel do Estado na assistncia sade e sua relao com as prticas liberais. A relevncia dessa
referncia histrica avulta quando tomamos as palavras do autor do prefcio como as de um
futuro ministro da sade.
Medeiros (1943) comea por realar a importncia do aproveitamento dos dados coletados pelos
servios mdicos dos diversos institutos sobre o problema da doena nas classes trabalhadoras
(p. III) como subsdio para o encaminhamento da ao do Estado na defesa da sade das pessoas.
13 Esta referncia pode ser considerada atualmente uma obra bibliogrfica de difcil recuperao. O exemplar compulsado compe o acervo da biblioteca do Instituto de Resseguros do Brasil. Alm disso merece registro o fato de que esta referncia foi usada por Donnangelo (2011) para ilustrar a tenso entre o reconhecimento da necessidade de atuao Estatal na assistncia mdica a trabalhadores e os riscos desse empreendimento
sobre a segurana atuarial do sistema previdencirio. 14 Psiquiatra, ministro da sade nos governos Nereu Ramos e Juscelino Kubitschek.
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Em seguida, assume uma viso que toma a sade individual como bem coletivo (p.III) e, em uma
linha de pensamento que poderia ser definida como funcionalista, declara que o propsito da ao
do Estado deve ser o de reestabelecer ao trabalhador as condies de higidez, nas quais possa
voltar, o mais rapidamente possvel, sua funo de parcela de um todo ativo e operante (p. III).
Posiciona-se contra a objeo ento pautada pelos que defendiam a utilizao dos recursos dos
institutos exclusivamente para fins de previdncia sob uma lgica atuarial estrita, defendendo
uma taxao especfica adicional para um seguro-doena como garantia de financiamento dos
servios de sade dos diversos institutos.
No que se refere ao contedo especfico da obra prefaciada, Medeiros (1943) segue destacando a
importncia dos institutos como fonte de dados utilizada para a prpria elaborao da obra, ou
seja, uma nova configurao na estrutura do Estado que possibilita um olhar mais abrangente
sobre questes de sade/adoecimento na populao de trabalhadores. Nesse ponto o autor do
prefcio menciona uma tese que viria a concretizar-se apenas em 1966: a unificao dos diversos
institutos segmentados por categorias profissionais em uma estrutura institucional nica e
centralizada.
[...] Uma das primeiras impresses de sua leitura confirma a minha velha opinio, de que
de toda a urgncia a unificao de todas essas instituies, j pela economia nas
despesas gerais, j pela possibilidade de uniformidade de trabalho e de pesquisa. [...] (p.
IV).
Finalmente, tocando no tema central que d nome obra, Medeiros (1943) refere-se nos
seguintes termos socializao da medicina:
[...] Soluo fatal, inevitvel e que constitui evidentemente o passo infalvel de progresso
da medicina. Nem eu creio que, dentro de 20 ou 30 anos, haja mais lugar para o
exerccio da medicina privada. Esta vive hoje, apenas custa das deficincias dos
servios mdicos dos institutos de amparo da sade nas vrias profisses. Mas um
vestgio j imprprio para a poca, e que dentro de muito pouco tempo desaparecer. A
medicina ter de ser uma funo do Estado, to certo , que a defesa do Estado tanto se
faz nas trincheiras, como cabeceira do doente. [...] (p. IV).
O corpo do texto segue a mesma linha argumentativa do prefcio em defesa da socializao da
medicina e da ao do Estado para soluo de problemas de sade mais destacados e
evidenciados pelos dados disponveis nos institutos quais sejam: sade materno/infantil, manejo
da sfilis e da tuberculose pulmonar.
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No captulo introdutrio, Borges (1943) descreve a evoluo do seguro social no Brasil aps a
instaurao do novo governo em 1930 e aponta o advento dos rgos de previdncia e dos
sindicatos como meios essenciais para viabilizao da ao de ordem coletiva do Estado sobre a
sade.
Converge com os pontos destacados no prefcio quando assume que problemas mdicos, que
existiam apenas, na esfera individual, passaram a ser estudados pelo que tivessem de
transcendncia coletiva (p. 6).
A realizao de exames radiolgicos sistemticos e seriados15 para diagnstico precoce de leses
de tuberculose pulmonar e censos luticos dirigidos descoberta de casos ignorados ou latentes
de sfilis so exemplos de aes coletivas viabilizadas pela existncia da nova estrutura estatal.
O diagnstico formulado pelo autor, entretanto, no se limita aos achados individuais de doentes
antes ignorados. Envolve o diagnstico das frgeis condies estruturais do aparato Estatal para o
manejo da situao.
[...] O Seguro Social, pelas suas ntimas relaes com o trabalho e com a Medicina do
Trabalho, evidenciou, no apenas a necessidade de enfrentar este ou aquele setor, esta ou
aquela molstia, mas tambm, uma brutal carncia de servios mdicos em todas as
classes economicamente dbeis, carncia j conhecida da Sade Pblica, mas no
sentida em toda a sua importncia, porque no tinha, at ento, se revestido de roupagens
mais gritantes, de problema social. [...] (p. 7).
Trata-se, portanto, do reconhecimento de um novo dimensionamento do problema social
relacionado com sade/adoecimento da populao a partir de dados concretos elaborados nos
diversos servios mdicos criados com a nova poltica previdenciria.
Publicado em plena guerra, o texto revela a repercusso das ideias em discusso na Europa sobre
a criao de um plano de seguro social.
[...] A guerra, longe de diminuir a intensidade dos problemas mdico-sociais, e adiar a
sua soluo, veio, pelo contrrio, torn-los mais agudos e mais importantes, propiciando
e indicando, uma mobilizao mais rpida dos elementos de luta. timo exemplo nos
vem da Inglaterra, onde se cogita no momento, da adoo de um plano de Seguro Social
(plano Beveridge) com assistncia mdica universal. [...] (p. 8).
15 Refere-se abreugrafia, mtodo radiolgico de diagnstico em massa e com baixo custo para tuberculose pulmonar criado por Manoel Dias de Abreu. A tcnica permitiu uma enorme ampliao do universo de casos suspeitos entre trabalhadores antes investigados apenas pela ausculta e
percusso do trax.
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O diagnstico da questo da prtica assistencial categrico no que se refere aos limites da
medicina liberal para o manejo da situao
[...] As nossas grandes endemias, a imensa necessidade de cuidados mdicos, extensivos
a todos, as campanhas de ordem preventiva, somam um total de trabalho e atividades,
que ultrapassam de muito, a capacidade da Medicina Liberal, realizada por profissionais
independentes, e livres de qualquer relao com o Estado. [...] (p.8).
E o seu corolrio a reafirmao da tese de que a socializao da medicina a nica soluo para
tarefa desta envergadura. O estatuto da profisso mdica se choca, assim, com a perspectiva,
colocada naquele momento histrico, de articulao em mltiplas e cada vez maiores relaes
com o Estado (p. 8).
A viso do autor, entretanto, se expressa claramente em um apelo inelutvel para que os colegas
compreendam a situao e posicionem-se ao lado da ao do Estado quando forem adotadas
medidas, que atinjam a medicina e os mdicos. Que estas sejam ditadas e orientadas pela
prpria classe (p. 10).
Mais adiante, a ttulo de concluso fica patente o limite do significado dado pelo autor
expresso socializao da medicina.
[...] A extenso dos servios mdicos, adotada e distribuda pelo Estado, ou por melhores
motivos, pelo Seguro, deve ser dirigida, apenas para aqueles, que no conhecem os
prprios males, ou no contam com meios para combat-los.
No h o menor interesse, em que ela invada campos, onde a medicina Liberal, por
questes afetivas ou facilidades econmicas, a mais indicada para resolver casos
pessoais, sem interesse coletivo.
Pensamos, mesmo, que de algum modo deve ser preservado o esprito liberal da
medicina, porque ele representa uma aspirao e um prmio, e bem pode assumir o
carter de atrativo [...] (p. 127).
Ou ainda:
[...] Nada indica que a clnica particular, que frequenta os consultrios de melhor
apresentao ou renome, v desaparecer. Os empregadores, os industriais, os burgueses,
os agricultores, enfim, todos os indivduos de posses, e que sustentam as clnicas
privadas mais caras, continuaro, mesmo em pleno regime de socializao, e desde que
no penetrem na rbita das coisas compulsrias, a ter a mesma predileo e facilidades.
[...] (p. 128).
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Ou seja, trata-se de socializar a assistncia s classes trabalhadoras em expanso, mantendo as
prerrogativas liberais no estatuto da profisso mdica para atendimento aos detentores dos meios
de produo empregadores, industriais, burgueses, agricultores16 e indivduos de posses (p. 128).
De forma esquemtica, os principais argumentos veiculados por aquele texto publicado em 1943
podem ser enunciados da seguinte forma:
A poltica previdenciria e de assistncia sade de trabalhadores instaurada a partir de
1930 expande o escopo da ao do Estado na rea social; Esta expanso permite um
apuro no diagnstico dos problemas estruturais a partir de dados elaborados pelos
diversos institutos e pe em evidncia os desafio de responder aos problemas dentro dos
limites do modelo de assistncia liberal ento em voga; Admite-se a sade individual
como um bem coletivo dentro de uma viso funcionalista de recuperao da higidez da
fora de trabalho; A discusso pautada na Europa em conflito sobre a possvel
institucionalizao de um seguro-sade universal de carter estatal tomada como
adequada e necessria para fazer frente aos problemas de sade caractersticos do Brasil
em processo de industrializao; Admitem-se prerrogativas discricionrias aos
segmentos populacionais detentores dos meios de produo no sentido da garantia de
uma assistncia diferenciada daquela oferecida s classes trabalhadoras mediante
financiamento de uma estrutura privativa com traos liberais; Postula-se o protagonismo
da corporao mdica na definio das diretrizes polticas relacionadas com a assistncia
sade.
As mudanas institucionais ocorridas em 1930 ensejaram, no plano ideolgico, a abertura para
novas possibilidades de projeto de nao incluindo a ampliao do escopo de polticas sociais de
assistncia mdica para trabalhadores urbanos e uma clara viso da funo social da profisso
mdica. As contradies e os limites da proposta de socializao da medicina, entretanto, j
esboados no texto de Borges (1943) no tardaram a se avolumar aps o desfecho da guerra em
1945 e a consolidao da supremacia econmica, poltica e ideolgica do modelo de
desenvolvimento liberal estadunidense sobre os pases perifricos do hemisfrio ocidental
inclusive, com expresso setorial no campo da assistncia sade.
O esboo elaborado at aqui pode seguir como o modelo primrio de uma contenda poltica ainda
aberta, pautada em torno da disputa pela apropriao privada das bases materiais da atual
Seguridade Social, incluindo previdncia, assistncia social e, no caso da assistncia sade, os
servios prestados por profissionais e sua infraestrutura conexa.
16 Refere-se a fazendeiros e latifundirios, grandes proprietrios de terras e no a pequenos agricultores ou trabalhadores rurais.
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1.4 A VISO AMPLIADA DO SOCIAL
A viso que toma a prtica mdica como fato social e no como um dado natural desprovido de
historicidade fundamental para o campo da Sade Coletiva. No se pode avanar no terreno
onde se situa o objeto da nossa investigao sem a admisso do pressuposto de que a prtica
mdica historicamente construda e assume expresses distintas em diferentes sociedades e
momentos histricos (DONNANGELO, 2011; GONALVES, 1984). Da mesma forma, o papel
do Estado como instrumento de controle dos mecanismos de reproduo da fora de trabalho
destacado por referncias importantes nas dcadas de 1980 com um olhar especial sobre a
assistncia sade dos trabalhadores (POSSAS, 1989; BRAGA; PAULA, 1981).
So, portanto, contribuies das Cincias Sociais em geral e da Medicina Social em particular,
elaboradas a partir do tema da assistncia sade e da sua articulao pblico/privada que
comporo algumas das discusses mais importantes na conformao do campo que hoje
reconhecemos como Sade Coletiva.
Ainda na dcada de 1950, se introduziu gradualmente o estudo das Cincias Sociais nos cursos
mdicos do Brasil sob a influncia de recomendaes oriundas, principalmente, dos Estados
Unidos em um contexto de acirrada disputa ideolgica com pases do bloco liderado pela antiga
Unio Sovitica.
H importantes trabalhos de reviso, ainda atuais, sobre evoluo dos estudos de Cincias Sociais
em Sade, entre os quais destacamos os de Nunes (1992; 2006) e Canesqui (2011). Ambos
apontam a proeminncia de teorias de recorte funcionalista, culturalista ou comportamental na
base dos primeiros estudos do que se denominava ento de Cincias da Conduta na Sade.
A crescente influncia econmica, cultural e ideolgica dos Estados Unidos sobre a Amrica
Latina nos anos do ps-guerra se expressou, no campo da sade, pela incorporao das
disciplinas de Medicina Preventiva e Medicina Integral aos currculos dos cursos de formao
profissional, com o trnsito crescente de jovens professores bolsistas financiados por instituies
estadunidenses para perodos de formao em suas universidades. Esta estratgia pode ser
considerada como um esforo, no quadro de disputa ideolgica subjacente, pela conquista de
coraes e mentes dos jovens intelectuais oriundos de pases do cinturo perifrico da rea de
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influncia da potncia hegemnica ocidental. Algumas vezes, entretanto, o efeito produzido foi
precisamente o contrrio do esperado pelos financiadores, ou seja, o desenvolvimento de uma
massa crtica de pensamento, comprometida com as necessidades locais, e atenta ao fenmeno da
transposio alienada de conceitos formulados para um contexto de dominao econmica e
cultural.
No Brasil, o estudo da prtica mdica como objeto da sociologia do trabalho tem uma genealogia
que remonta ao perodo desenvolvimentista das dcadas de 1950 e 1960 em seu esforo de
elaborao de uma explicao endgena para a trajetria de desenvolvimento nacional que
contemplasse as peculiaridades da formao social brasileira. A tese de doutorado (1973) e a de
livre docncia (de escopo bem mais abrangente) ao Departamento de Medicina Preventiva da
USP em 1976 de Maria Ceclia Donnangelo representam um marco na construo desse
conhecimento.
A obra de Donnangelo referncia essencial para o ordenamento da argumentao a que nos
propomos. Entretanto, sua exegese no tem sido tomada como objeto de estudo frequente17.
No pretendemos aqui empreender uma reviso completa da enorme contribuio desta autora ou
de outros formuladores importantes no campo da Sade Coletiva, mas apenas destacar os
elementos necessrios para o desenvolvimento da nossa linha argumentativa sobre a conformao
e a dinmica dos grupos econmicos ligados ao esquema de comrcio de planos e seguros de
sade no Brasil e a articulao pblico/privada na assistncia no quadro atual de dominncia
financeira. Para esta tarefa recorremos aos textos de Donnangelo (2011, 1979) e tambm ao
trabalho de comentadores de primeira mo como Nunes (2008) e Mota et alii (2004)18.
A organizao social da prtica mdica foi a linha de investigao que permitiu a reelaborao
de conceitos da Medicina Social europeia para a produo de dados sobre a realidade emprica
local, dando visibilidade s relaes entre sade e estrutura social a partir da anlise das prticas
dos agentes prestadores da assistncia.
17 Jos Ruben de Alcntara Bonfim na segunda edio da tese de doutoramento de Donnangelo publicada em 2011 aponta apenas duas publicaes acessveis como reviso abrangente da obra e tr