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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FERNANDA DE CARVALHO RODRIGUES
PROCESSAMENTO DE TEMPO E ASPECTO
EM INDIVÍDUOS AFÁSICOS DE BROCA
Rio de Janeiro
2011
2
Fernanda de Carvalho R
odrigues
Processam
ento de tempo e aspecto
em indivíduos afásicos de B
roca
UFR
J V. 1
3
Fernanda de Carvalho Rodrigues
PROCESSAMENTO DE TEMPO E ASPECTO EM
INDIVÍDUOS AFÁSICOS DE BROCA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa Pós-Graduação em Linguística, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Linguística.
Orientador: Prof. Doutor Celso Vieira Novaes
Rio de Janeiro Fevereiro de 2011
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Rodrigues, Fernanda de Carvalho.
Processamento de tempo e aspecto em Indivíduos Afásicos de Broca.
/ Fernanda de Carvalho Rodrigues. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2011. XVII, 115f: il.; 31 cm Orientador: Celso vieira Novaes Tese (doutorado) – UFRJ/Faculdade de Letras/ Programa de Pós-
graduação em Linguística, 2011. Referências Bibliográficas: f. 105-110
1.Sintaxe. 2. Aspecto. 3. Tempo. 4. Psicolinguística. 5. Estrutura da
sentença I. Novaes, Celso Vieira. II.Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-graduação em Linguística. III. Processamento de Tempo e Aspecto em Indivíduos Afásicos de Broca.
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Fernanda de Carvalho Rodrigues
PROCESSAMENTO DE TEMPO E ASPECTO EM INDIVÍDUOS
AFÁSICOS DE BROCA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa Pós-Graduação em Linguística, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do Título de Doutor em Linguística.
Aprovada em ________________________________________________________________ Presidente, Prof. Doutor Celso Vieira Novaes (UFRJ) ________________________________________________________________ Prof. Doutora Érica dos Santos Rodrigues (PUC-RJ) ________________________________________________________________ Prof. Doutora Marcia Maria Dâmaso Vieira (UFRJ) ________________________________________________________________ Prof. Doutor Humberto Peixoto Menezes (UFRJ) ________________________________________________________________ Prof. Doutora Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold (UFRJ)
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Ao Amadeu e à Elani, meus pais, e à minha irmã Erika
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AGRADECIMENTOS
À minha família, em especial minha mãe, meu pai e minha irmã. À mamãe por
todo o carinho e dedicação ao longo dos anos, especialmente nas horas difíceis. Por
sempre cuidar de mim e por jamais permitir que minhas asas ficassem molhadas por
muito tempo. Por ser grande e humana. Ao meu pai por ser a força que me incentiva
a ser mais eu. Por ter voltado ao Rio, por me ter como “filhinha” e por servir de
espelho em tantas coisas. À minha irmã, por toda a ajuda em tantas partes desta
tese, em especial com as estatísticas. Pela paciência em me explicar o que eu não
sei e por perder a paciência com as minhas besteiras. Pela nossa amizade e por
nossa convivência. À todos os tios e tias, aos primos, primas e aos meus avós. Por
eles representarem tão bem a definição de família e pelo acolhimento e carinho de
sempre. Ao vô Antônio, à Bisa e ao vô Euclides por jamais saírem do meu lado, não
importa aonde estejam.
Aos meus amigos, por toda a felicidade que eles trazem para a minha vida,
tornando-a muito mais fácil. Às minhas duas amigas que estão sempre ao meu lado,
Mery e Miri, pela amizade verdadeira, eterna e incondicional. À mery pelo
companheirismo infinito e à Miri pela força e incentivo inigualáveis. À Irene, pela
alegria e tranquilidade. Ao Zé e à Ana Carol por serem um casal tão amigo e pelo
carinho constante. Ao meu grupo de meninos, companheiros de tantas coisas, por
me permitirem ser quase uma “deusa”: Bruninho, Ramon, Pafúncio, Banana, Ângelo,
Canelão, Bruno, Léo preto e Chedid. Aos meus amigos de sempre, como Mika,
Camila, Vitor, Nikinha, Clarisse, Letícia, Chel e Pedro, e aos meus amigos tão
constantes em minha vida como Gaby, Talita, Flavinha, Michel, Brad, Naty, Lú,
Aninha, Marquinhos, Léo Ribeiro, Lery, Tu, Peq, Rê, aos agregados e agregadas e
tantos outros que não foram citados, mas que sempre estarão bem guardados no
meu coração. À Ana Beatriz pela ajuda indispensável para eu me tornar quem eu
sou hoje. À Soninha, pelos melhores conselhos nas horas mais precisadas. Pela
amizade sincera e pela sabedoria que me apóiam em tantos momentos. Às queridas
Ângela e Thereza por serem “tias” tão legais. À Iade, pelo carinho de mãe. Ao
Thiago e ao Marquinhos, pela ajuda com as estatísticas.
Às amigas do grupo de Biologia da Linguagem, em especial à Dri, minha
companheira querida. Agradeço pelas revisões, pelos cafés, pelas traduções, pelos
chopes, pelos conselhos, pelos ouvidos, por pensarmos igual, pelo exemplo e
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incentivo. Por ser tão competente, bondosa e amiga. À Adriana Lessa, pela doçura e
carinho. À Marcelinha, por ser um exemplo de superação, em todas as áreas.
Agradeço às três pelas reuniões, de trabalho e de vida, e pelos saudosos outbacks.
À Juju pela disponibilidade, pela versão do resumo, por ser tão meiga e competente.
À Sarinha pela generosidade. À todas as meninas do grupo, Mercedes, Estrelinha,
Imara, Thais, Anne e Letícia pelas reuniões divertidas e proveitosas e pelas
contribuições para o meu trabalho. À Lana e à Natália, eternas companheiras de
grupo, pela amizade que perdura mesmo sem o convívio constante. À Urânia,
membro eterno do grupo, pelos almoços deliciosos, pela alegria contagiante e pelos
conselhos da cigana.
Às minhas companheiras de graduação, Vivis, Ana Lívia, Camilão, Lili, Eliane
e Juliana, por estarem comigo desde o início e até agora. Aos amigos do mestrado e
doutorado. Ao Roberto, amigo desde o início desta jornada, e a Nathalie, pela ajuda
no cargo de substituta. Eles são a maior prova de que gerativistas e funcionalistas
podem conviver em completa harmonia.
Agradeço aos professores que contribuíram para a minha formação e para
este trabalho: Cláudia Drummond, Mônica Rocha, Marcus Maia e Kristine Stenzel.
Agradeço aos meu alunos, que tornaram essa experiência de me dividir entre
ser aluna e professora tão alegre e revigorante.
Agradeço à Cintia Ramos e à Cláudia Drummond pela disponibilidade na
pesquisa. Agradeço a todos os informantes, por cederem seu tempo para a
pesquisa.
Ao João, pela ajuda insubstituível nos testes, pelas discussões sobre o
assunto, pelas diferentes perspectivas de vida, pelo otimismo, pelas descobertas,
pelo carinho, pela paciência, pelos desafios e por estar ao meu lado.
Ao Celso, meu orientador, meu vizinho, meu professor, meu chefinho e, acima
de tudo, meu amigo. Pela orientação carinhosa, pelo investimento na minha
formação e pelos ensinamentos valiosos. Pelo companheirismo não só na pesquisa,
mas nas caronas, nos almoços, nos cafés, na pizza hut e tantas coisas. Por
participar, torcer e comemorar em todas as minha realizações e por continuar
fazendo tudo isso eternamente.
Agradeço a Deus e ao Espírito Santo, por me guiarem até aqui.
Ao CNPq e à FAPERJ, pela bolsa concedida, que tornou possível a
realização deste trabalho.
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RODRIGUES, Fernanda de Carvalho. Processamento de tempo e aspecto
em indivíduos afásicos de Broca. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em
Linguística) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2011.
Esta tese tem como objetivo investigar a representação mental dos traços de
tempo e aspecto. Mais especificamente, busca-se uma melhor compreensão sobre o
papel da área de Broca no processamento de tempo e aspecto e sobre uma possível
dissociação de tempo e aspecto na representação sintática. Três hipóteses
nortearam este trabalho. A primeira é de que o tempo de processamento das
informações relativas a tempo é diferente do tempo de processamento das
informações relativas a aspecto em indivíduos normais. A segunda hipótese é de
que o tempo de processamento das informações relativas a tempo é diferente do
tempo de processamento das informações relativas a aspecto em indivíduos
afásicos de Broca. A última hipótese é que os tempos de processamento das
informações relativas a tempo e os tempos de processamento das informações
relativas a aspecto estão aumentados nos indivíduos afásicos de Broca em
comparação com os tempos de processamento dessas informações nos indivíduos
normais. Para atingir o objetivo, foi desenvolvido um experimento que conjuga
características de um teste on-line e de um teste off-line, inspirado no trabalho de
Caplan e Waters (2003). O primeiro consiste de um teste de audição auto-
monitorada e o segundo de um teste de julgamento de agramaticalidade. Em relação
aos resultados do teste de audição auto-monitorada, as análises revelaram diferença
estatística no modo como os indivíduos lidam com a compatibilidade /
incompatibilidade entre os traços aspectuais / temporais expressos na morfologia do
verbo e os traços expressos no advérbio. Não houve, no entanto, um padrão de
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resposta no que diz respeito ao processamento desses traços. De um lado, os traços
aspectuais foram os que causaram mais problemas para um dos afásicos, e por
outro lado foram os traços temporais os que causaram mais problemas para o outro
afásico. De uma maneira ou de outra, os indivíduos lidaram diferentemente com os
traços de tempo e aspecto. Esses dados são evidências em favor da proposta de
que essas categorias são apresentadas em nódulos diferentes na árvore sintática.
As hipóteses apresentadas não puderam ser refutadas. Os resultados dos testes
aplicados aos pacientes nesta tese corroboram a ideia de que os estudos de
processamento podem fornecer contribuições para um melhor entendimento da
representação da estrutura sintática na mente dos indivíduos.
Palavras-chave: Representação mental de tempo e aspecto. Teste de audição
automonitorada. Dissociação de tempo e aspecto. Afasia de Broca.
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RODRIGUES, Fernanda de Carvalho. Processamento de tempo e aspecto em indivíduos afásicos de Broca. Rio de Janeiro, 2011. Tese (Doutorado em Linguística) - Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
The goal of this thesis is to investigate the mental representation of tense and
aspect features. More specifically, it aims to provide a better comprehension of the
role of Broca’s area in the processing of tense and aspect and of a possible
dissociation of tense and aspect in the syntactic representation. Three hypotheses
guided this study. The first hypothesis is that the amount of time taken to process
information related to tense is different from the amount of time taken to process
information related to aspect by normal individuals. The second hypothesis is that the
amount of time taken to process information related to tense is different from the
amount of time taken to process information related to aspect by individuals with
Broca’s aphasia. The last hypothesis is that the amounts of time taken to process
information related to tense and the amounts of time taken to process information
related to aspect by individuals with Broca’s aphasia are increasing in comparison to
the amounts of time taken to process information related to tense and aspect by
normal individuals. In order to achieve the proposed objective, it was developed an
experiment which conjoins characteristics of an on-line test and of an off-line one,
inspired by the study developed by Caplan and Waters (2003). The first one
consisted of an auditory moving window test and the second consisted of a
grammaticality judgment test. In regard to the results of the auditory moving window
test, the analyses revealed statistical difference in the way individuals deal with
compatibility / incompatibility between aspect / tense features expressed in the verbal
morphology and the features expressed in the adverb. There was not, however, a
pattern of answer concerning the processing of these features. On one hand, the
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aspect features caused one of the aphasic patient more problems, but, on the other
hand, the tense features caused more problems for the other aphasic patient. In one
way or the other, the individuals dealt with tense and aspect features differently.
These data are evidence in favor of the proposal that those categories are
represented in different nodes in the syntactic tree. The hypotheses presented could
not be refuted. The test results obtained in this thesis corroborate the idea that
processing studies can provide contributions to a better understanding of the mental
representation of the syntactic structure.
Keywords: Mental representation of tense and aspect. Auditory moving window test.
Dissociation of tense and aspect. Broca’s aphasia.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Representação em forma de árvore da sentença “A menina tocou o violão”. 2 Figura 2 – Representação em forma de árvore etiquetada da sentença “A menina tocou o violão”. 23
Figura 3 – Representação esquemática do novo modelo de gramática. 28
Figura 4 – Representação esquemática do modelo de gramática a partir da década de 1980. 33
Figura 5 – Representação esquemática da gramática a partir do programa minimalista. 35
Figura 6 – Representação arbórea segundo Pollock (1989). 38 Figura 7 – Representação arbórea incluindo o nódulo aspectual. 42
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Composição das categorias lexicais. 29
Quadro 2 – Exemplo do cálculo de médias. 74
Quadro 3 – Exemplo do cálculo de médias para valores ausentes. 74
Quadro 4 – Organização dos dados para análise estatística. 76
Quadro 5 – Exemplo do cálculo de médias para afásicos de Broca. 77 Quadro 6 – Exemplo do cálculo de médias para valores ausentes para afásicos de Broca. 78
Quadro 7 – Julgamento de agramaticalidade por indivíduo para sentenças gramaticais. 86
Quadro 8 – Julgamento de agramaticalidade por indivíduo para sentenças agramaticais. 87
Quadro 9 – Julgamento da agramaticalidade por número de sentenças para sentenças gramaticais. 88
Quadro 10 – Julgamento da agramaticalidade por número de sentenças para sentenças agramaticais. 88
Quadro 11 – Julgamento da agramaticalidade por número de sentenças por afásico para sentenças gramaticais. 90
Quadro 12 – Julgamento da agramaticalidade por número de sentenças por afásico para sentenças agramaticais. 90
Quadro 13 – Julgamento da agramaticalidade em porcentagem para sentenças agramaticais. 95
Quadro 14 – Julgamento da agramaticalidade em porcentagem para sentenças agramaticais. 95
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Média e intervalo de confiança para a variável “sexo” em relação ao tempo de audição do segmento-alvo. 81
Gráfico 2 – Média e intervalo de confiança para a variável “sexo” em relação ao tempo de resposta. 81
Gráfico 3 – Média e intervalo de confiança para a variável “grau de escolaridade” em relação ao tempo de audição do segmento-alvo. 82
Gráfico 4 – Média e intervalo de confiança para a variável “grau de escolaridade” em relação ao tempo de resposta. 82
Gráfico 5 – Médias e intervalos de confiança para as condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH” em relação ao tempo de audição do segmento-alvo. 84
Gráfico 6 – Médias e intervalos de confiança para as condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH” em relação ao tempo de resposta. 85
Gráfico 7 – Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação ao tempo de audição do segmento-alvo, médias do grupo controle e do afásico S.. 91
Gráfico 8 – Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação ao tempo de audição do segmento-alvo, médias do grupo controle e do afásico I.. 92
Gráfico 9 – Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação aos tempos de resposta, médias do grupo-controle e do paciente S..93
Gráfico 10 –Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação aos tempos de resposta, médias do grupo-controle e do paciente I.. 93
Gráfico 11 – Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação aos tempos de resposta, médias do grupo-controle, do paciente S. e do paciente I.. 94
Gráfico 12 – Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação aos tempos de audição do segmento-alvo, médias do grupo-controle, do paciente S. e do paciente I. 98
16
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 18
1 REPRESENTAÇÃO ESTRUTURAL DA SENTENÇA 21
1.1 Os modelos de gramática e a estrutura da sentença 21
1.2 A representação estrutural das categorias funcionais 36
2 ESTUDOS ESTRUTURAIS E ESTUDOS PROCESSUAIS EM INDIVÍDUOS AFÁSICOS 45
2.1 Explicações estruturais para os déficits dos afásicos 46
2.2 Explicações processuais para os déficits dos afásicos 49
3 METODOLOGIA 61
3.1 Experimentos Pilotos 61
3.1.1 Leitura auto-monitorada 61
3.1.2 Audição auto-monitorada 63
3.2 Experimento 64
3.2.1 Tipo de teste 64
3.2.2 Desenho do teste 64
3.2.3 Teste 64
3.2.4 Variáveis Controladas 66
3.2.4.1 Controle dos constituintes das sentenças 66
3.2.4.2 Controle dos verbos 67
3.2.4.3 Controle dos sujeitos sintáticos 68
3.2.5 Sentenças Distratoras 68
3.3 Composição do teste 69
3.4 Seleção do grupo controle 70
3.5 Seleção de pacientes 70
3.5.1 Local da lesão 71
3.5.2 Aplicação do teste de Boston 71
3.6 Aplicação do teste Mini-Mental 71
3.7 Procedimento 72
3.8 Análise dos dados 73
3.8.1 Grupo-controle 73
3.8.1.1 Organização dos dados 73
17
3.8.1.2 Análise estatística 75
3.8.2 Afásicos de Broca 77
3.8.2.1 Organização dos dados 77
3.8.2.2 Análise estatística 78
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 79
4.1 Grupo controle 80
4.1.1 Resultados das análises estatísticas das variáveis independentes 80
4.1.2 Resultados da análise estatísticas do tempo de audição do
segmento-alvo 82
4.1.3 Resultado da análise estatística dos tempos de resposta 84
4.1.4 Resultados do teste de julgamento de agramaticalidade 85
4.2 Afásicos de Broca 89
4.2.1 Resultados da análise estatísticas do tempo de audição do
segmento-alvo 89
4.2.2 Resultados da análise estatística dos tempos de resposta 89
4.2.3 Resultados do teste de julgamento de agramaticalidade 89
4.3 Análises comparativas e discussão 90
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 102
REFERÊNCIAS 105
ANEXO A 111
ANEXO B 115
18
Introdução
Há pelo menos dois séculos a relação entre mente/cérebro intriga estudiosos
de diversas áreas. Muitas teorias foram desenvolvidas a fim de explicar a maneira
como o cérebro realiza as chamadas funções cognitivas superiores. As teorias
propostas giravam em torno de duas hipóteses principais. A primeira, uma visão
localizacionista, afirmava que uma área específica do cérebro seria responsável por
uma função específica, como por exemplo, a linguagem. A outra visão é a não
localizacionista, na qual o cérebro atuaria como um todo em todas as funções
cognitivas. Contudo, parece que nem uma nem outra visão se mostra verdadeira.
Aparentemente, uma união de ambas seria a explicação mais plausível para o
funcionamento do cérebro. Assim, as funções teriam áreas específicas, mas elas
não funcionariam sozinhas, e sim interagindo com outras áreas do cérebro.
As teorias atuais sobre o funcionamento da mente/cérebro têm sua pedra
fundamental em pesquisas realizadas com afásicos. Paul Broca, em 1861, publicou
um trabalho pioneiro no qual descrevia um paciente com severas perdas linguísticas
na produção, mas, aparentemente, sem alteração na sua compreensão. Na autopsia
desse paciente, Broca observou uma lesão na região posterior inferior do lobo
frontal, região essa que veio a ganhar seu nome, a área de Broca. Wernicke, em
1876, descreveu também pacientes afásicos, porém, em vez de déficit na produção
como os pacientes descritos por Broca, esses afásicos apresentavam prejuízo na
compreensão. O exame desses pacientes revelou lesão na área posterior do lobo
temporal, área hoje conhecida como área de Wernicke. Até poucas décadas atrás,
foram esses estudos com pacientes que sofreram lesão cerebral que forneceram
praticamente tudo o que se sabia sobre a organização da linguagem no cérebro.
Os estudos com pacientes afásicos não permitiram somente entender melhor
sobre as partes anatômicas do cérebro relacionadas à linguagem. Eles propiciaram
uma compreensão mais acurada da linguagem humana, uma vez que a gramática
de indivíduos que sofreram lesão neurológica pode servir para validar as propostas
feitas para a gramática de indivíduos normais1. Esse é o trabalho dos estudos da
1 Considera‐se, nesta tese, que indivíduos normais são aqueles que não sofreram nenhum tipo de lesão neurológica.
19
neurolinguística: investigar a relação entre a mente e o cérebro através da pesquisa
da linguagem humana.
Os estudos neurolinguísticos se beneficiaram do desenvolvimento de uma
teoria que tinha como objetivo investigar o sistema de conhecimento da linguagem
representado na mente/cérebro dos indivíduos: a gramática gerativa. Essa teoria foi
desenvolvida por Chomsky, na década de 1950. Chomsky (1957) afirma ser
necessária uma teoria linguística que forneça uma medida de avaliação para as
gramáticas, e o estudo formal de uma estrutura gramatical revela um quadro
sintático que pode ser a base de fundamentação da análise semântica.
Com a inauguração dessa nova maneira de se estudar a linguagem humana,
ocorre uma maior interação entre a linguística e a psicolinguística. Apesar de nem
sempre constante, a aproximação nos trabalhos desses dois campos do
conhecimento foi consolidada com a inauguração do Programa Minimalista
(Chomsky, 1995), modelo que trata de condições de legibilidade, isto é, as
instruções fornecidas pela faculdade da linguagem têm de ser legíveis aos sistemas
de desempenho, o que implica em uma relação mais direta entre a competência e o
desempenho.
O objetivo desta tese é investigar a representação mental dos traços de
tempo e aspecto. Mais especificamente, busca-se uma melhor compreensão sobre o
papel da área de Broca no processamento de tempo e aspecto, olhando para o
modo como os informantes lidam com a incompatibilidade entre os traços
aspectuais/temporais expressos na morfologia do verbo e os traços expressos no
advérbio. Pretende-se, com isso, investigar uma possível dissociação de tempo e
aspecto na representação sintática e, assim, um melhor entendimento sobre a
representação mental da sentença. Três hipóteses nortearam este trabalho. A
primeira é de que o tempo de processamento das informações relativas a tempo é
diferente do tempo de processamento das informações relativas a aspecto em
indivíduos normais. A segunda hipótese é de que o tempo de processamento das
informações relativas a tempo é diferente do tempo de processamento das
informações relativas a aspecto em indivíduos afásicos de Broca. A última hipótese é
que os tempos de processamento das informações relativas a tempo e os tempos de
processamento das informações relativas a aspecto estão aumentados nos
indivíduos afásicos de Broca em comparação com os tempos de processamento
dessas informações nos indivíduos normais.
20
Esta tese está dividida em cinco capítulos. No primeiro capítulo, é
apresentado um histórico da relação entre a evolução da teoria que pretende
explicar a linguagem humana e a representação estrutural de uma sentença. No
segundo capítulo, o foco são as possíveis explicações para a origem do déficit
sintático dos afásicos de Broca: se ele seria um problema estrutural ou processual.
No terceiro capítulo, é discutida a metodologia adotada nesta tese. No quarto
capítulo, são apresentados os resultados do teste desenvolvido e a discussão
desses resultados. No último capítulo, são apresentadas as considerações finais.
21
Capítulo 1 Representação estrutural da sentença
1.1 Os modelos de gramática e a estrutura da sentença
Até o fim da década de 1950, a base da teoria linguística era estabelecer
métodos para se extrair dos corpora os fonemas, morfemas e outros dados, ou seja,
classificar os elementos que compõem a linguagem humana. A teoria linguística
tinha como objeto de pesquisa simplesmente a descrição dos fatos de uma língua.
Chomsky tentou utilizar esses métodos convencionais da linguística
estruturalista para o estudo da sintaxe, mas percebeu que apesar de eles
funcionarem muito bem para fonemas e morfemas, não funcionavam para as
sentenças (SEARLE, 1972). Cada língua contém um número finito de fonemas e
morfemas, mas um número infinito de sentenças. Além disso, os métodos de
classificação utilizados não davam conta das relações internas das sentenças, nem
das relações entre diferentes sentenças. Chomsky concluiu que seria necessário
utilizar os fatos de uma língua como pistas para se entender as leis por trás desses
fatos.
Com isso, Chomsky inaugura a teoria da gramática gerativa, que leva esse
nome por propor que a descrição de uma língua natural seria baseada em um
sistema contendo regras gramaticais que poderia gerar um número infinito de
sentenças e que fosse incapaz de gerar alguma construção que não pudesse ser
considerada um sentença.
Com base nessas ideias, Chomsky, em 1957, lança um livro com o objetivo
essencial de descrever a sintaxe, que para ele é: “o estudo dos princípios e
processos que presidem à construção de frases em línguas particulares”. O autor
explica que o estudo da sintaxe tem como objetivo a construção de uma gramática,
que pode ser vista como um mecanismo de produção de sentenças de uma língua
particular. O objetivo final dessa investigação é desenvolver um teoria linguística
com mecanismos abstratos, subjacentes a todas as línguas.
Chomsky propõe uma descrição inovadora do componente sintagmático de
uma gramática, que consistia em uma gramática sintagmática, que seria a base, e
em um sistema de regras transformacionais. A gramática sintagmática é uma
gramática formal que captura o tipo de informação sobre a estrutura das sentenças
22
fornecido pela análise dos constituintes imediatos. Os conceitos de análise de
constituintes imediatos e de gramática formal serão apresentados a seguir.
A análise dos constituintes imediatos (doravante ACI) busca atribuir às
sentenças da língua determinadas descrições estruturais, que são, basicamente, o
conjunto das relações abstratas entre os constituintes de uma sentença. Dada uma
frase qualquer, a ACI vai demonstrar de que maneira os elementos que compõem
essa sentença se agrupam para formar constituintes, que, por sua vez, vão se
associar a outros elementos para formar constituintes mais elevados, e assim
sucessivamente, até alcançar o constituinte máximo que chamamos de sentença.
Considere-se o exemplo a seguir:
(1) A menina tocou o violão.
Aplicando a ACI nessa sentença, observa-se que determinados elementos
têm uma relação intuitivamente mais próxima com outros elementos, como, por
exemplo, A e menina e o e violão, que se relacionam mais diretamente entre si do
que menina e violão ou tocou e violão. Além disso, podemos observar que os
elementos se juntam para formar elementos maiores, como, por exemplo: a menina
e o violão. A esses elementos conjuntos dá-se o nome de constituintes. Assim, uma
sentença não é somente a soma de elementos dispostos linearmente. Os elementos
que constituem uma sentença exibem entre si uma relação de dependência, isto é,
uma estruturação hierárquica. Uma das maneiras de se representar essa
estruturação hierárquica é o diagrama em árvore, ou simplesmente, árvore. A árvore
da sentença (1) seria representada da seguinte forma:
Figura 1 – Representação em forma de árvore da sentença “A menina tocou o violão”.
23
Contudo, essa primeira forma de representação não traduzia determinadas
relações intrassentenciais, não permitindo, dessa maneira, ir além da análise da
sentença. O que possibilitaria essa comparação intrassentencial seria o conceito de
classe de constituintes ou categoria. Esse conceito diz respeito ao fato de que um
conjunto de constituintes, ainda que diferenciado pela estrutura interna, pode ser
classificado em uma mesma classe ou categoria. Podemos dizer, por exemplo, que,
em relação à sentença (1), menina e violão são nomes, a e o são determinantes, e
que tocou é um verbo, ao passo que a menina e o violão constituem unidades do
mesmo tipo, designadas de sintagmas nominais. Assim, era necessário que também
na representação em árvore essa classificação fosse evidenciada, o que recebeu o
nome de indicador sintagmático.
Figura 2 – Representação em forma de árvore etiquetada da sentença “A menina tocou o violão”2.
Essa representação codifica não só a relação hierárquica dos constituintes na
frase, como também sua classificação em determinadas categorias.
A partir das informações fornecidas pela ACI, é a gramática formal que vai
representar essas informações. Esse conceito de gramática formal foi desenvolvido
por Chomsky a partir de 1955. Ele utilizou-se da lógica matemática para tentar
representar, de forma teórica consistente, os resultados da análise linguística
empírica. O objetivo era propor um sistema finito de regras capaz de gerar um
número infinito de frases. Assim, ele escolheu um sistema combinatório para definir
a gramática formal, que é o resultado da imposição de algumas restrições que estão
2 Assume‐se neste trabalho a abreviação de “phrase”, P, em inglês, por ser consagrada na literatura. Em português, “phrase” pode ser substituído pelo termo sintagma.
24
embutidas nas regras desse sistema. Assim, a gramática formal passa a ser
orientada por um sistema de regras da seguinte forma:
(2) X ⇒ Y
onde X e Y são sequências de símbolos e a seta representa a instrução
<reescrever X como Y>. Essa representação é uma relação binária. A essa regra dá-
se o nome de regra de reescrita. A gramática sintagmática é um sistema de regras
de reescrita, no qual cada aplicação de uma regra de reescrita gera uma derivação.
As regras vão sendo aplicadas até que a sequência final de derivação seja
constituída somente por formativos, sendo impossível aplicar qualquer regra de
reescrita. Esse sistema de regras está disposto em uma sequência linearmente
ordenada, e a aplicação de tais regras deve preservar essa ordem. Dessa maneira,
um sistema de regras de reescrita, desde que obedecendo a determinadas
condições, pode refletir certas propriedades estruturais da frase que gera.
Assim, a gramática sintagmática fornece um processo geral, unindo a ACI e
as regras de reescrita, que permite gerar qualquer frase possível da língua e seu
indicador sintagmático. A seguir, pode-se observar um exemplo desse processo
geral3:
(3) F ⇒ NP VP
NP ⇒ D N
VP ⇒ V NP
NP ⇒ N
(4) D ⇒ o
N ⇒ lugar, apreensão
V ⇒ inspira
3 Exemplo retirado da Introdução a alguns conceitos da gramática gerativa transformacional, introdução da tradução de Raposo (1978) do livro Aspects of the theory of syntax, de Chomsky (1965).
25
(5)
Como dito anteriormente, além da base da gramática sintagmática existe um
sistema de regras transformacionais. Esse sistema de regras transformacionais
baseia-se na ideia de que a gramática sintagmática atribui a cada frase apenas uma
descrição estrutural, e que existem frases cujas propriedades específicas não são
captáveis em um único nível de descrição estrutural, como, por exemplo, a relação
ativa-passiva.
Chomsky descreve, assim, um modelo de gramática de estrutura tripartida.
Correspondendo ao nível da estrutura sintagmática, uma gramática possui uma série
de regras de reescrita com a forma X ⇒ Y, e, correspondendo ao nível inferior,
possui uma série de regras morfofonológicas, com a mesma forma básica. Ligando
um nível ao outro, existe uma série de regras transformacionais. Essas regras
transformacionais são em parte obrigatórias e em parte opcionais. O modelo
proposto pelo autor está exemplificado a seguir:
(6) Σ : Frase F: X1 ⇒ Y1 : Estrutura Sintagmática Xn ⇒ Yn
T1 : Estrutura Transformacional Tj
Z1 ⇒ W1
: Morfofonologia Zm ⇒ Wm
26
Em 1965, Chomsky discute sobre a base do componente sintático. Para o
autor, uma gramática descritivamente adequada deve explicar fenômenos de
violações de regras sintáticas e também fenômenos de incongruência puramente
semântica. Assim, ele propõe um novo modelo para a gramática transformacional,
que tem como principal característica a modificação da estrutura geral do
componente de base da gramática sintagmática.
Nesse novo modelo, além das regras de reescrita que se aplicam aos
símbolos categoriais, haverá regras de reescrita que se aplicam aos símbolos das
categorias lexicais e que introduzem ou operam símbolos complexos. Essa ideia tem
como base a representação no nível da fonologia, em que as unidades fonológicas
se encontram em classificação cruzada4. Na fonologia, cada formativo lexical é
representado por uma matriz de traços distintivos. Essas noções foram adaptadas
por Chomsky (1965) para a representação das categorias lexicais e de seus
membros. Dessa maneira, para cada formativo lexical será associado um conjunto
de traços sintáticos. Além disso, os símbolos que representam as categorias lexicais
(N, V etc.) serão analisados pelas regras dos símbolos complexos, sendo cada
símbolo complexo um conjunto especificado de traços sintáticos. A gramática no
novo modelo transformacional deixa de ter regras de reescrita que introduzem os
formativos pertencentes a categorias lexicais e passa a ter como base um léxico,
que é definido como uma lista não ordenada de todos os formativos lexicais.
A partir dessas noções, Chomsky (1965) inaugura a nova forma da gramática,
compreendendo um componente sintático, um componente semântico e um
componente fonológico. Os componentes semântico e fonológico são puramente
interpretativos, não desempenhando nenhum papel na geração de sentenças. O
componente sintático é constituído por um componente de base e por um
componente transformacional. O componente de base é constituído por um léxico e
por um subcomponente categorial. O componente de base gera as estruturas
profundas, que entram no componente semântico e recebem uma interpretação
semântica. Posteriormente, essas estruturas profundas são convertidas por regras
4 Chomsky, em 1965, explica que uma classificação cruzada ocorre quando existem regras que se aplicam a determinadas unidades, mas não se aplicam a outras. Por exemplo, existem regras que se aplicam a consoantes sonoras que não se aplicam a surdas.
27
transformacionais em estruturas superficiais, sobre as quais incidem as regras do
componente fonológico, dando interpretação fonética às estruturas.
Chomsky (1965) explica que o léxico é constituído por um conjunto de
entradas lexicais e por certas regras de redundância. Cada entrada lexical é um
conjunto de traços. Alguns desses traços são fonológicos, representados sobre uma
matriz de traços distintivos que deve estar relacionada com cada um dos traços
sintáticos especificados pertencentes à entrada lexical. Alguns dos traços presentes
na entrada lexical são semânticos, ou seja, os traços que não foram mencionados
por nenhuma regra sintática. Alguns dos traços pertencentes à entrada lexical são
sintáticos e determinam as propriedades pertinentes para o funcionamento das
regras transformacionais. Existem, ainda, traços lexicais que são responsáveis pela
indicação das posições que podem ser ocupadas por um determinado formativo
lexical. As regras de redundância acrescentam e especificam traços quando esses
forem predizíveis por alguma regra geral. Portanto, as entradas lexicais constituem o
conjunto das irregularidades das línguas.
O autor também descreve a constituição do subcomponente categorial da
base. Esse subcomponente é composto por uma sucessão de regras de reescrita
independentes do contexto. A função dessas regras é definir um sistema de relações
gramaticais que determine a interpretação semântica, e especificar uma ordem
abstrata subjacente dos elementos que torne possível a operação de regras
transformacionais.
O sistema de regras de reescrita passa a gerar derivações que terminam em
formativos gramaticais e símbolos complexos. A sequências como essas dá-se o
nome de sequência pré-terminal, que irá virar uma sequência terminal a partir da
inserção de um formativo lexical, de acordo com uma regra lexical. Uma sequência
pré-terminal se converte em um indicador sintagmático generalizado quando as
entradas lexicais forem inseridas. A base do componente sintático gera assim um
conjunto infinito de indicadores sintagmáticos generalizados.
O componente transformacional é constituído de uma sucessão de
transformações singulares, definidas, essencialmente, pelas regras de reescrita da
base e do léxico. A partir de um indicador sintagmático generalizado, uma derivação
transformacional é construída, aplicando-se as regras transformacionais de baixo
para cima, isto é, uma sucessão de regras só é aplicada a uma dada configuração
se já tiver sido aplicada em todos os indicadores sintagmáticos de base encaixados
28
nessa configuração. Se nenhuma transformação for bloqueada, uma estrutura de
superfície é formada.
Os componentes interpretativos da gramática, o componente fonológico e o
semântico, parecem funcionar em paralelo. O componente fonológico é constituído
por uma sucessão de regras aplicadas a uma estrutura de superfície, de baixo para
cima, no diagrama em árvore que a representa. Dessa maneira, as regras aplicam-
se inicialmente aos formativos, depois aos constituintes, seguido dos constituintes
mais elevados, e assim sucessivamente, até atingir o domínio máximo dos
processos fonológicos, formando uma representação fonética de toda a frase. O
componente semântico opera suas regras de projeção sobre a estrutura profunda,
atribuindo uma interpretação semântica a cada constituinte. Esquematicamente, o
novo modelo da gramática seria o seguinte:
Figura 3 – Representação esquemática do novo modelo de gramática.
Na década de 1970, com o desenvolvimento da Teoria Padrão Estendida, o
modelo de gramática transformacional sofre novas modificações. As principais estão
relacionadas ao componente de base da gramática transformacional. O léxico ganha
um papel ainda mais importante na teoria, e passa a ser visto como o formador das
estruturas que serviriam de base para a aplicação de regras sintáticas. O
subcomponente categorial seria o responsável pela geração dos sintagmas, e passa
a ser visto sob a convenção da Teoria X-barra.
29
Nesse novo modelo, a hipótese lexicalista é reafirmada. Ela trata das
derivações de formação de palavras, que aconteceriam no léxico. Essa ideia sobre a
estrutura das palavras inaugura a criação de um componente morfológico na
gramática gerativa. Antes, a morfologia estava dividida entre a sintaxe e a fonologia.
Além da modificação do componente de base da gramática transformacional,
outra modificação na teoria envolve uma aproximação entre as propriedades lexicais
e as configurações sintáticas, aproximação essa que dá origem à Teoria X-barra. A
base fundamental dessa teoria tem dois aspectos. O primeiro está na afirmação de
que não existe nenhuma diferença categorial entre uma categoria sintagmática XP e
o seu núcleo lexical X (princípio da endocentricidade), mas apenas uma diferença de
nível hierárquico. O segundo aspecto da base dessa teoria é a ideia de que as
categorias são um conjunto de traços distintivos binários, a exemplo da
representação na fonologia.
Adjetivo Preposição
Nome +N -V
Verbo +V -N
Quadro 1 – Composição das categorias lexicais: representação dos traços nas categorias lexicais segundo Chomsky (1970).
A Teoria X-barra, proposta por Chomsky (1970), é fundamentada na ideia de
que cada categoria sintagmática baseada em uma categoria lexical é a realização de
um esquema sintático abstrato em três níveis hierárquicos, e que existem dois tipos
de elementos modificadores das categorias lexicais: os complementos e os
especificadores.
O nível hierárquico intermediário é a projeção X’, que é obtido pela
composição da categoria lexical com seu(s) complemento(s). Um complemento é um
constituinte subcategorizado pelos itens pertencentes àquela categoria lexical. O
nível hierárquico superior é a projeção X’’, que é obtido através da composição X’
com o especificador da categoria lexical. Um especificador é um modificador não
subcategorizado pelas categorias lexicais, e aparece à esquerda do núcleo lexical.
Cada categoria lexical possui um sistema praticamente fixo de especificadores.
Contudo, a natureza desses especificadores varia em função do núcleo lexical. No
30
caso dos complementos, a situação é diferente. Os complementos, por serem
subcategorizados, apresentam variação dentro de cada categoria lexical, mas as
mesmas categorias sintagmáticas podem ser complemento de qualquer categoria
lexical.
Assim, um conjunto de regras universais é constituído para formar o
subcomponente categorial do componente de base da gramática sintagmática. As
gramáticas particulares são dotadas de regras particulares que seguem o sistema de
regras universais. O sistema de regras universais segue o seguinte esquema:
(7) X’’ ⇒ (spec) X’
X’ ⇒ X (compl)
Seguindo as regras acima, é possível esquematizar a representação abstrata
determinada pela Teoria X-barra:
(8)
Até esse momento da teoria, a proposta de Chomsky (1970) é de que
somente as categorias lexicais projetariam nódulos. Outras categorias como
determinante, quantificador, advérbios e adjetivos em posição pré-nominal, além dos
morfemas flexionais de tempo e acordo, estariam na posição de especificador de
uma categoria lexical principal.
Essa ideia se manteve até a década de 1980. Em 1981, Chomsky propõe um
novo modelo teórico, o modelo de Princípios e Parâmetros. Segundo esse modelo, a
gramática universal (doravante GU) seria formada por princípios e parâmetros. Os
princípios seriam como propriedades universais e invariáveis que se aplicariam à
sintaxe de todas as línguas. Os parâmetros são possibilidades de variação binária
31
observadas entre as línguas naturais. Um exemplo clássico seria o do Princípio da
Projeção Estendida, que estipula que toda sentença deve ter um sujeito estrutural, e
o Parâmetro do Sujeito Nulo, que permite a variação binária de esse sujeito ser ou
não realizado foneticamente. Juntamente com a proposta de um novo modelo
teórico, veio a proposta de um novo modelo de gramática.
Nesse novo modelo de gramática, o componente de base ganha um novo
mecanismo: o de inserção lexical. Esse mecanismo permitiria a entrada de um item
lexical em uma estrutura sintática. Dessa maneira, um nome, por exemplo, seria o
núcleo do sintagma nominal, e um verbo, do sintagma verbal. O léxico abrigaria,
além dos traços fonológicos, sintáticos e semânticos, as idiossincrasias, que antes
deveriam ser previstas nas regras. O léxico abrigaria, ainda, as informações de
subcategorização dos itens lexicais, que contemplam quais os itens lexicais
requeridos por quais itens lexicais e quais as posições ocupariam cada item
subcategorizado. O subcomponente categorial se mantém, com uma modificação da
Teoria X-barra em relação à categoria INFL. Chomsky (1981) propõe que INFL
também projetaria um nódulo, proposta essa oriunda de um problema de
representação da sentença no modelo da Teoria X-barra. A representação proposta
até então era a seguinte:
(9) S’⇒ Comp S
S ⇒ NP Infl VP
(10)
Esse esquema, no entanto, não estava de acordo com as regras da Teoria X-
barra. Chomsky (1981) propõe que a representação dos elementos funcionais
deveria ser independente da representação do sintagma verbal, e, assim, nasce a
32
categoria INFL como nódulo terminal, que reuniria os traços de [± tempo] e de
[±Agr]5. Assumindo-se que INFL é o núcleo de S, a representação assume IP como
projeção de um núcleo I.
Uma proposta similar é feita, posteriormente, para o complementizador
(Chomsky, 1986a). Dessa maneira, o núcleo C é o núcleo de um nódulo funcional
CP, que dominaria a sentença. A estrutura de uma sentença passa a ser
representada da seguinte maneira:
(11)
Apesar de o modelo de Princípios e Parâmetros ter surgido na tentativa de
dar conta dos critérios de adequação descritiva e de adequação explicativa, é a
partir desse ano, 1986, que Chomsky (1986b) propõe um reformulação do modelo
de gramática no sentido de equilibrar a tensão entre essas duas tarefas. O autor
explica que para dar conta da adequação explicativa, muitas vezes aumenta-se o
sistema de dispositivos disponíveis na GU responsáveis pela linguagem. Contudo,
isso vai de encontro à adequação explicativa. De acordo com a ideia de adequação
explicativa, o sistema de dispositivos disponíveis na GU deve ser restrito o bastante
5 Do inglês, agreement, que em português pode ser substituído por concordância.
33
para que somente algumas línguas, ou só uma, sejam determinadas pelos dados a
que uma criança tenha sido exposta.
Dessa maneira, Chomsky (1986b) modifica novamente a estrutura da
gramática, na tentativa de encontrar as propriedades gerais abstratas, restringindo a
variedade de sistemas de estruturas de sentenças, e, com isso, aumentando o poder
explicativo da teoria, que até a década de 1970 satisfazia somente aos critérios de
adequação descritiva. Duas grandes modificações são propostas. A primeira em
relação ao componente transformacional da gramática, que passa a ser visto sob
uma única regra: mover α. A segunda modificação ocorre no subcomponente
categorial, ao qual Chomsky se refere como regras da estrutura sentencial. Esse
subcomponente passa a ser visto como uma espécie de projeção das propriedades
lexicais, e, assim, não se justificaria em um sistema de propriedades gerais de uma
gramática universal. A gramática passa a ser representada da seguinte maneira:
Figura 4 – Representação esquemática do modelo de gramática a partir da década de 1980.
Nesse modelo, o léxico seria o responsável por produzir a estrutura profunda,
que é o local onde os itens de uma sentença seriam ordenados. A estrutura
profunda corresponderia a uma estrutura abstrata, na qual seriam explícitas as
relações de dependência entre os itens lexicais. O componente transformacional,
que neste modelo se resume à regra mover α, atua na estrutura profunda gerando a
estrutura superficial. A estrutura superficial é aquela que apresenta a ordem real dos
elementos na superfície, tal como será interpretada pela Forma Fonética e pela
34
Forma Lógica. São esses dois níveis de representação que fazem a interface da
faculdade da linguagem com outros sistemas cognitivos.
Esse modelo de gramática vigorou até a década de 1990, quando houve uma
tentativa de aprimoramento do modelo de Princípios e Parâmetros, sob uma ótica
minimalista. Assim, em 1994, Chomsky começa a rever o modelo, examinando,
entre outros aspectos, a Teoria X-barra. Seu argumento inicial diz respeito ao fato de
que somente as projeções máximas parecem ser interpretáveis na interface FL.
Assim, não existiriam entidades do tipo XP como projeção máxima e X0 como
projeção mínima. As projeções máxima e mínima seriam determinadas pela
estrutura na qual apareceriam. Uma projeção máxima seria aquela formada por uma
categoria que não projeta qualquer outra, e uma projeção mínima é a categoria que
não é uma projeção. Chomsky (1994) propõe que a estrutura dos sintagmas seja
formada por duas operações básicas: merge e move. Ele explica que dois objetos
quaisquer como α e β, quando submetidos a merge, fazem um novo objeto γ, que
teria a seguinte forma mínima: {δ, {α, β}}, em que δ é ou α ou β, uma ou outra projeta
e é o núcleo. Os conceitos de complemento e especificador também são
modificados pelo autor. Dessa maneira, a relação entre o núcleo e o complemento é
a relação mais local de uma projeção máxima (XP) com o núcleo terminal (X). Todas
as outras relações dentro de XP são relações do tipo núcleo-especificador. Com
isso, a ideia inicial da Teoria X-barra, de que haveria um esqueleto de árvore já
pronto que ia sendo preenchido, é substituída pela ideia de uma construção da
representação sintática nódulo a nódulo. Abaixo, está representado um esquema do
novo modelo de representação6:
(12)
6 Exemplo retirado do texto “Bare Phrase Structures”, de Chomsky, 1994.
35
Os conceitos minimalistas chegam ao seu ponto mais elevado em 1995, com
a inauguração do programa minimalista. Uma arquitetura de linguagem universal
que desse conta da adequação descritiva e da adequação explicativa vinha sendo
perseguida por Chomsky, e com o programa minimalista, a teoria passa por novas
modificações. Os componentes básicos da gramática passam a ser o léxico e o
sistema computacional, eliminando, com isso, mais uma parte do modelo
inicialmente proposto. A estrutura profunda e a estrutura de superfície passam a ser
consideradas internas ao sistema, uma vez que elas não estabelecem interface com
os sistema de desempenho, e, assim, não se justificam em um modelo baseado em
princípios de economia. O léxico continua basicamente com a estrutura dos últimos
20 anos, sendo o responsável pelo armazenamento dos traços sintáticos,
semânticos e fonológicos, além das idiossincrasias. O sistema computacional, que é
o sistema operacional do novo modelo, é capaz de atuar sobre os itens lexicais,
produzindo representações. Essas representações devem ser legíveis aos sistemas
de desempenho através dos níveis de representação, a saber: forma fonológica e
forma lógica. São esses níveis de representação que fazem a interface da gramática
com os sistemas de desempenho. Assim, todo o sistema passa a ser descrito sob
forma de traços [±interpretáveis] pelas interfaces. Um elemento que tenha traços não
interpretáveis não projetaria um sintagma na representação estrutural das
sentenças. O novo modelo da gramática pode ser esquematizado da seguinte forma:
Figura 5 – Representação esquemática da gramática a partir do programa minimalista.
A seção seguinte trata da representação estrutural da sentença com foco na
camada flexional.
36
1.2 A representação estrutural das categorias funcionais
Os estudos gerativistas sobre a camada flexional da árvore sintática
ganharam foco a partir de duas propostas da década de 1980. A primeira delas é a
proposta de Chomsky (1981), de que a categoria INFL também projetaria um nódulo
na representação sintática, nos moldes da Teoria X-barra. A outra proposta é a de
Borer (1984), de que a variação entre as línguas derivaria das diferenças
morfológicas entre elas, cujos traços estariam alocados na camada flexional.
Um desses estudos sobre a camada flexional foi desenvolvido por Pollock
(1989). Com base na Teoria X-barra e no trabalho de Emonds (1976), o autor
sugeriu uma nova configuração da representação da estrutura sentencial. Seu
trabalho teve como proposta fornecer uma explicação que ao mesmo tempo desse
conta da posição dos verbos em relação à partícula de negação, ao advérbio e ao
quantificador no francês e no inglês.
Em seu estudo, Pollock (1989) descreve a posição do verbo nas duas línguas.
Ele descreve que, no inglês, os verbos finitos aparecem à direita da partícula de
negação e do advérbio/quantificado7, e que somente ocorre variação nessa regra
quando se trata de verbos auxiliares. Esses são os únicos que podem sofrer
movimento e, em alguns casos, aparecem à esquerda da partícula de negação. No
caso dos verbos não finitos lexicais, o autor explica que eles aparecem à direita da
partícula de negação e do advérbio/quantificador.
(13) John often Kisses Mary.8
(14) Not to get arrested under such circumstances is a miracle.9
Já no caso do idioma francês, Pollock (1989) aponta que os verbos finitos
aparecem à esquerda da partícula de negação e do advérbio/quantificador. No caso
dos verbos não finitos lexicais, o autor explica que eles aparecem somente à direita
da partícula de negação, mas podem aparecer à direita ou à esquerda do 7 Assumindo que este ocupa a mesma posição do advérbio.
8 João frequentemente beija Maria.
9 Não ser preso sob essas circunstâncias é um milagre.
37
advérbio/quantificador. Esses dados indicam que os verbos podem sofrer algum tipo
de movimento para a esquerda do advérbio, mas não para a esquerda do pas.
(15) Mes amis aiment tous Marie.10
(16) Ne pas sembler heureux est une condition pour écrire des romans.11
(17) Souvent paraître triste pendant son voyae de noce, c’est rare.12
(18) Paraître souvent triste pendant son voyae de noce, c’est rare.13
Para dar conta dos dados acima descritos, o autor propõe que não haveria
somente um sítio de aterrissagem, IP, mas sim dois, um à direita e outro à esquerda
do nódulo de negação. Dessa maneira, Pollock (1989) propõe que o nódulo flexional
IP seja decomposto em dois nódulos distintos, a saber, TP e AgrP, além do nódulo
de negação. A seguir, observa-se um exemplo da representação em árvore segundo
Pollock (1989).
10 Todos os meus amigos amam Maria.
11 Não parecer feliz é uma condição para se escrever romances.
12 Parecer frequentemente triste durante sua viagem de núpcias, é raro.
13 Parecer frequentemente triste durante sua viagem de núpcias, é raro.
38
Figura 6 – Representação arbórea segundo Pollock (1989)
Com isso, quando os verbos não finitos do francês realizam o que o autor
descreve como movimento curto, seu sítio de aterrissagem seria AgrP, enquanto o
movimento longo dos verbos lexicais teria como sítio final de aterrissagem o nódulo
TP. Por fim, o autor explica que a diferença entre o movimento dos verbos em
direção a TP em francês e inglês pode ser explicada pela diferença no traço de
concordância. O inglês seria uma língua com morfologia pobre, enquanto o francês
seria uma língua de morfologia rica.
Com a proposta de cisão da camada flexional de Pollock (1989), outros
autores apresentaram propostas de representação da camada flexional não só com
tempo e concordância, como previsto por Pollock (1989), mas também com outros
nódulos sintáticos, como, por exemplo, o nódulo de aspecto.
Os primeiros autores a propor aspecto como um nódulo na camada flexional
foram Koopman e Sportiche (1991), em seu estudo sobre a posição dos sujeitos. Em
1994, Adriana Belletti, em estudo sobre a posição dos verbos no idioma italiano, faz
uma proposta similar de inclusão de um nódulo aspectual na representação
sintática.
Contudo, a proposta de que a camada flexional incluiria um nódulo de
concordância foi desafiada por Chomsky (1995). A ideia, descrita no programa
39
minimalista, é de que o sistema deveria ser descrito sob forma de traços
[±interpretáveis]14, e que um elemento que tenha traços não interpretáveis não
projetaria um sintagma na representação estrutural da sentença. Para o autor, esse
seria o caso da concordância (AGR), que não teria motivação conceptual e, por isso,
seria composta por traços [-interpretáveis], o que eliminaria a concordância da
representação sintática.
Conjugando todas as propostas apresentadas, Bok-Bennema (2001)
apresentou uma nova composição para a camada flexional. A autora realizou um
estudo, à luz do de Pollock (1989), com dados obtidos na comparação entre o
francês e o espanhol. Ela sugere que o sítio de aterrissagem do movimento curto do
verbo finito do espanhol e não finito do francês é o mesmo, o qual nomeia como F2,
enquanto o sítio de aterrissagem do movimento longo do verbo não finito do
espanhol e do finito do francês também seria o mesmo, nomeado de F1. Além disso,
a autora faz uma análise do particípio passado das duas línguas, e conclui que o
alvo do movimento do particípio passado, tanto no francês como no espanhol, é F2.
A autora explica que, tipicamente, esses particípios codificam aspecto, e que o fato
de eles se moverem para F2 indica que, na verdade, F2 é um núcleo aspectual,
especificado como [± perfectivo]. Dessa maneira, segundo a autora, a camada
flexional seria composta pelas categorias de tempo e aspecto.
A proposta de que aspecto seria um nódulo da camada flexional, seja como
um nódulo adicional, seja ocupando o lugar de concordância, só se justifica se
tempo e aspecto não formarem um sistema único, tal como sugerido por Comrie
(1976, 1985). Para ele, o tempo é representado por uma linha reta, com o passado à
esquerda e o futuro à direita, e o presente por um ponto zero (p0) nessa linha.
Assim, uma dada situação pode estar relacionada a essa linha do tempo de duas
maneiras. A primeira seria por meio da localização dessa situação na linha do
tempo, o que está relacionado ao conceito de tempo. A segunda estaria relacionada
à constituição temporal interna da situação, isto é, se essa situação é vista como um
ponto ou um traço na linha do tempo, o que está relacionado ao conceito de
aspecto.
14 Traços interpretáveis são os traços conceptualmente motivados e passíveis de serem lidos pelos sistemas de desempenho.
40
Alguns estudos neurolinguísticos corroboram a ideia de que tempo e aspecto
são fenômenos dissociáveis. Um desses estudos foi realizado por Novaes e Braga
(2005). Os autores, ao investigarem a produção de tempo e aspecto de uma afásica
agramática, perceberam um comprometimento linguístico em relação ao aspecto,
mas não ao tempo. Outro estudo, realizado por Santos (2008), também apontou
para um comprometimento em relação à representação de aspecto em afásicos
agramáticos, dessa vez em testes de compreensão.
Outra questão acerca da composição da camada flexional diz respeito aos
advérbios. A maioria das teorias que estudam advérbios assumem que eles
projetam nódulos, e, dessa maneira, teriam três opções posicionais na árvore
sintática: a posição de complemento, de especificador e de adjunto.
No que diz respeito aos advérbios como complemento, discute-se quais
seriam os advérbios que ocupariam essa posição. A visão tradicional sobre o
assunto é de que seria a obrigatoriedade de advérbios em relação a certos verbos
que justificaria esses advérbios como complementos. Seria o caso dos advérbios de
modo, segundo Mc Connel-Ginet (1982 apud AUSTIN et al., 2004). Para o autor,
esses advérbios seriam os complementos dos verbos mais recônditos, uma vez que
o significado dos verbos muda quando combinados com um advérbio de modo.
Uma segunda posição possível para os advérbios seria a de especificador,
proposta defendida por Cinque (1999, 2006). O autor sugere que os advérbios
ocupariam a posição de especificador de nódulos funcionais. Sua proposta tem
como um dos argumentos principais o fato de que o número e o tipo das diferentes
classes de sintagmas adverbiais, e sua relativa ordem nas sentenças, parecem
combinar exatamente com os mesmos número, tipo e ordem relativa dos morfemas
que constituiriam os núcleos funcionais.
Em 2006, Cinque volta a argumentar em favor da proposta que intitula de
“proposta de especificador funcional”, e apresenta outras duas evidências que a
corroboram. A primeira, oriunda dos estudos sobre línguas de sinais, diz respeito à
grande similaridade na maneira como são expressos os advérbios e as categorias
de concordância, aspecto e negação nessas línguas. Isso, segundo o autor, vai ao
encontro da ideia de que os advérbios deveriam ser assimilados pela porção
funcional, e não lexical, da sentença. A segunda evidência, oriunda de estudos de
aquisição de primeira língua, diz respeito ao fato de que a emergência dos advérbios
ocorre de maneira intimamente relacionada à emergência dos núcleos funcionais
41
aos quais eles correspondem. O autor explica que, assim como as distinções
aspectuais são adquiridas antes das temporais, os advérbios aspectuais são,
aparentemente, adquiridos antes dos temporais, caracterizando mais uma vez o
caráter funcional intrínseco dos advérbios. Dessa maneira, o autor assume que os
advérbios, quando presentes na numeração, sejam concatenados sob uma relação
de checagem com o núcleo funcional correspondente na hierarquia da sentença.
Quando não há advérbio presente na numeração, então o núcleo funcional
correspondente receberia sua interpretação padrão.
A última posição possível para os advérbios é a posição de adjunto. Essa
ideia era padrão nas primeiras versões de trabalhos na teoria gerativa e aparece
como alternativa à proposta do advérbio como especificador depois de ter ganhado
análises mais sofisticadas nos últimos anos. É o caso, por exemplo, da proposta de
Ernst (2002 apud AUSTIN et al., 2004). Segundo o autor, os advérbios podem ser
adjungidos à esquerda ou à direita, em qualquer projeção disponível, na qual serão
interpretados. Os princípios sintáticos teriam pouca ou nenhuma influência em
determinar a posição dos advérbios. Haider (2000 apud AUSTIN et al., 2004), ao
tratar da posição dos advérbios, sugere que seriam os advérbios de início de
sentença os que estariam em posição de adjunto. São esses advérbios que foram
utilizados no teste desenvolvido para esta tese, apresentado no capítulo 3.
Paralelamente ao estudos sobre a composição da camada flexional estão as
propostas de organização estrutural dessa parte da representação das sentenças.
Isso porque não há consenso sobre qual seria o nódulo que ocuparia a posição mais
alta da camada flexional na árvore sintática. Por um lado, Pollock (1989), Friedman e
Grodzinsky (1997) e Bok-Bennema (2001) propõem que o nódulo mais alto da
camada flexional seria o de tempo, e que o nódulo mais próximo da camada lexical
seria o de concordância, para Pollock e Friedman & Grodzinsky, ou o de aspecto,
para Bok-Bennema. Por outro lado, estudos como o de Belletti (1994), Novaes e
Braga (2005) e Santos (2008) propõem exatamente o oposto, de que seria o nódulo
aspectual quem dominaria o nódulo de tempo. Nesta tese, assume-se que o nódulo
aspectual seria o nódulo mais acima na camada flexional, e dessa maneira,
dominaria tempo. A seguir, observa-se um exemplo da representação arbórea da
estrutura sintática.
42
Figura 7 – Representação arbórea incluindo o nódulo aspectual (Novaes e Braga 2005).
A discussão acerca da organização estrutural da camada flexional insere-se
na discussão sobre a universalidade da representação estrutural das sentenças.
Alguns autores, como, por exemplo, Margaret Speas, defendem que a
representação sintática não seria universal, podendo variar de uma língua para
outra. Speas vai de encontro à proposta de Chomsky sobre a eliminação do nódulo
de concordância da árvore sintática. Para ela, pelo menos em algumas línguas
AGRP teria traços [+interpretáveis] e, por isso, se justificariam, sim, como nódulos
sintáticos. A autora propõe, com base na proposta de Rohrbacher (1992, 1993 apud
SPEAS, 1995), que os traços fortes de AGR estão listados no léxico, com cada afixo
tendo um entrada lexical individual, enquanto um traço fraco de AGR está listado
junto com o verbo que o hospeda, em um único paradigma. Paralelamente a essa
proposta, está a proposta geral de princípios de economia, cuja postulação é de que
um núcleo XP só pode ser projetado se X ou especificador de XP tiver conteúdo
(Speas 1995). Assim, segundo Speas (1995), algumas línguas, como o japonês, não
projetariam o nódulo AGRP, enquanto outras, como o italiano, teriam AGRP
representado sintaticamente.
Giorgi & Pianesi (1997) também acreditam que a representação estrutural de
uma sentença não é universal. Para os autores, a estrutura da árvore sintática pode
43
variar não só de uma língua para outra, como também de sentença para sentença.
Seria o sistema morfológico de uma língua que determinaria quais as categorias
funcionais seriam representadas sintaticamente, através da associação de traços a
morfemas. Isso porque, segundo os autores, as línguas associam os traços a
morfemas de duas maneiras. A associação pode ser de um para um, ou um mesmo
morfema pode estar associado a mais traços.
No sentido oposto das propostas de variação da representação estrutural da
sentença estão os trabalhos que defendem a universalidade dessa representação.
Um desses trabalhos é o de Cinque e Rizzi (2008). Os autores apresentam o projeto
cartográfico das estruturas sintáticas, cuja tentativa é a de encontrar um mapa para
a configuração sintática. Eles explicam que, apesar de a estrutura ter sempre tido
um papel central na gramática gerativa, foi a partir do programa minimalista que o
mapa estrutural ganhou o foco dos estudos, provavelmente impulsionado pelo
grande número de categorias funcionais identificadas e sugeridas na análise
sintática nessa época e nos anos subsequentes. Os autores afirmam que um projeto
cartográfico estaria de acordo com o princípio de uniformidade de Chomsky (2001).
Segundo esse princípio, na ausência de evidência convincente do contrário,
assume-se que as línguas são uniformes, e a variação estaria restrita a propriedades
detectáveis nas elocuções. Assim, a cartografia assumiria que as evidências dos
últimos anos apontam para uma universalidade da hierarquia das projeções das
categorias funcionais que dominam as categorias lexicais. Essa universalidade
envolveria os tipos de núcleos e especificadores a que essas categorias estão
relacionadas, o número de categorias presentes, sua ordem relativa, e até mesmo a
realização fonética de cada núcleo e seu especificador. Os autores explicam que,
apesar de à primeira vista o projeto cartográfico parecer tão complexo que fugiria
aos princípios do minimalismo, essa visão não se mantém. Segundo a interpretação
de Cinque e Rizzi (2008), o minimalismo foca nos mecanismos elementares
envolvidos nas computações sintáticas, e que esses mecanismos elementares não
implicam na geração de uma estrutura empobrecida. Para eles, uma simples
operação de recursividade pode dar conta de gerar uma estrutura sintática complexa
e rica. Eles concluem explicando que a sintaxe é utilizada para expressar
significado, mas sem se resumir em apenas organizar unidades de sentido, e que a
gramática universal parece constituída sob medida para as necessidades da
expressão de significado sem, no entanto, se reduzir a essas necessidades. Nesta
44
tese, assume-se que as categorias sintáticas representáveis e a ordem em que elas
se organizam são universais, ainda que variem em relação a quais aparecem na
representação estrutural de uma sentença específica.
No próximo capítulo, será apresentada uma discussão sobre de que maneira
os estudos de neuropsicologia e de psicolinguística podem contribuir para a
elucidação de questões referentes à representação estrutural da sentença.
45
Capítulo 2 Estudos estruturais e processuais em indivíduos afásicos
O estudo da linguagem humana há anos desperta o interesse de
pesquisadores, principalmente pelo fato de essa ser uma faculdade específica do
homem. Assim, entender a linguagem é, em parte, entender o funcionamento da
mente.
A neuropsicologia é uma das mais antigas maneiras de se estudar a
linguagem. A investigação dos déficits de pacientes com quadros patológicos traz
dados elucidativos a respeito da estrutura da mente humana. As primeiras
descrições de déficits linguísticos apresentados por pacientes com lesão são de
1861. Paul Broca, nesse ano, publicou um trabalho em que descrevia um paciente
com severas perdas linguísticas em seu discurso, mas, aparentemente, sem
alteração da compreensão. Com isso, os estudos sobre a afasia de Broca tinham o
foco na investigação da produção desses pacientes. Foi somente em 1976 que
apareceu uma nova perspectiva sobre o déficit dos afásicos de Broca. Caramazza e
Zurif (1976) desafiaram a ideia de que os afásicos de Broca apresentavam somente
défict na produção e publicaram os resultados de uma investigação acerca da
compreensão desses pacientes, feita através de um teste com sentenças geradas
por movimento. Os afásicos não tiveram sucesso no teste, o que para os autores
seria uma evidência em favor da hipótese de que os afásicos teriam problema tanto
na produção quanto na compreensão. Os autores sugeriram que, pelo menos para
os afásicos de Broca, a lesão cerebral afetaria o mecanismo de processamento geral
da linguagem que suporta o componente sintático, tanto para produção quanto para
compreensão.
A partir da descoberta de um provável déficit central na sintaxe dos afásicos
de Broca, diversos autores passaram a tentar explicar a origem desse déficit: se ele
seria um problema na estrutura sintática ou se seria um problema na implementação
dessa estrutura em tempo real, isto é, no processamento sintático. Nas próximas
seções, serão abordados os trabalhos dessas duas correntes.
46
2.1 Explicações estruturais para os déficits dos afásicos
Um dos primeiros autores a tentar explicar os déficits dos afásicos de Broca
foi Grodzinsky. Em trabalho publicado em 1986, ele apresenta a Hipótese do
Apagamento do vestígio (doravante HAV). Grodzinsky (1986) descreve que nas
sentenças geradas por movimento o constituinte movido deixaria um vestígio. Uma
das funções do vestígio é crucial, uma vez que é através dele que o papel temático
dos NPs movidos é atribuído. Outra função relevante seria a de estabelecer relações
permissíveis entre ele e seus antecedentes, restringindo os movimentos. Assim,
seriam essas operações com movimentos que estariam prejudicadas nos afásicos
de Broca, fato que levou à hipótese de que os vestígios de movimentos estariam
apagados das representações sintáticas. Ele explica, ainda, que o desempenho dos
pacientes nos testes de compreensão de sentenças complexas, ou seja, que
envolvem movimento, estaria no nível da chance, devido a uma estratégia default de
atribuição de papel temático. Segundo Grodzinsky (1986), essa estratégia seria
utilizada quando o afásico percebesse um NP que não possui papel temático,
atribuindo, assim, o papel temático canonicamente associado com a posição que ele
ocupa. Em uma sentença passiva, por exemplo, o primeiro NP, para o afásico, está
sem papel temático, porque ele não consegue ligar o NP ao vestígio e, dessa
maneira, atribui a esse NP o papel de agente, por ser o papel temático canônico
para o primeiro NP da sentença. Contudo, o agente é o segundo NP da sentença, e
assim, dois NPs teriam o mesmo papel temático em uma sentença. O afásico, então,
escolheria aleatoriamente entre um dos dois e, por isso, teria o desempenho no nível
da chance.
Hickok, Zurif e Canseco-Gonzalez, em 1993, criticam a HAV de Grodzinsky,
dizendo que ela não explica todos os déficits apresentados pelos afásicos. Os
autores explicam que a HAV assume que o único déficit estrutural na compreensão
dos agramáticos é o apagamento dos vestígios na estrutura-s, e que, então, os
afásicos deveriam ser capazes de compreender bem a sentença matriz em uma
sentença encaixada, como no exemplo15:
15 Exemplo retirado do texto de Hickok, Zurif e Canseco‐Gonzalez (1993).
47
(1) The tiger [that chased the lion] is big.
O tigre que perseguiu o leão é grande.
“O Tigre que perseguiu o leão é grande”.
No exemplo, a oração principal é estruturalmente idêntica a uma sentença
ativa simples: The tiger is big. Contudo, tanto no estudo de Caramazza e Zurif (1976)
quanto no de Serman e Schweickent (1989 apud Hickok, Zurif e Canseco-Gonzalez,
1993), os afásicos não foram capazes de interpretar corretamente a oração principal.
Assim, Hickok, Zurif e Canseco-Gonzalez (1993) propõem-se a testar a HAV e
desenvolvem três experimentos com afásicos. Os resultados corroboram os acima
descritos – os afásicos de Broca têm um prejuízo significativo da compreensão da
relação predicado-adjetivo. Os autores propõem uma reformulação da HAV, a fim de
explicar também esses déficits encontrados nos pacientes. A hipótese do
apagamento do vestígio reformulada (HAVR) mantém a ideia de que os vestígios
são apagados da estrutura-s, mas apresenta diferenças em termos da
representação sintática normal. Hickok, Zurif e Canseco-Gonzalez (1993) adotam
desenvolvimentos da teoria linguística feitos por diversos autores (Burton &
Grimshaw, 1992; Kitagawa, 1986; Koopman & Sportiche, 1988 apud Hickok, Zurif e
Canseco-Gonzalez, 1993) que é a hipótese do sujeito interno ao VP. Nessa
hipótese, os sujeitos gramaticais são gerados dentro do VP e depois sobem para a
posição de superfície, em IP, deixando um vestígio na posição de origem, como
pode ser observado na representação abaixo:
(2) [IP The tigeri [VP ti chased the Lion]]
Assim, o sujeito recebe seu papel temático via vestígio, e a consequência
disso em um contexto de apagamento de vestígio é de que os sujeitos gramaticais
nunca recebem papel temático (atribuído gramaticalmente), mesmo em sentenças
ativas simples. Além disso, os autores propõem que os afásicos teriam um problema
adicional, na representação de atribuição temática, o que faria com que fossem
geradas representações não especificadas. Portanto, em vez da estratégia default
proposta por Grodzinsky (1986), o que explicaria o desempenho no nível da chance
em testes com pacientes afásicos seria o fato de que eles simplesmente tentam
adivinhar o papel temático em uma situação de teste.
48
Outra proposta de explicação estrutural para os déficits dos afásicos foi
apresentada por Friedman e Grodzinsky, em 1997. Eles realizaram uma pesquisa
sobre a produção verbal, visando a investigar o sistema flexional de uma paciente
afásica. Essa paciente apresentou taxa de erro de 50% (cinquenta por cento) para
as flexões de tempo, enquanto, para as flexões de concordância, a taxa de erro foi
de somente 2% (dois por cento), evidenciando uma dissociação na produção dos
itens flexionais. Segundo os autores, esse impedimento não apareceu somente na
flexão de tempo, mas também em outros fenômenos linguísticos relacionados ao
nódulo de tempo, como omissão de sujeito, dificuldade com cópulas e problemas
com a ordem das palavras. Além disso, fenômenos linguísticos relacionados à parte
mais alta da árvore sintática também apareceram com problemas para a paciente,
como a produção de palavras QU e complementizadores. Entretanto, as
propriedades relacionadas ao sistema de concordância não apresentaram prejuízos.
Com esses dados, os autores propuseram a hipótese da poda da árvore, na qual os
nódulos mais altos da árvore estariam inacessíveis aos afásicos agramáticos. No
caso da paciente estudada, os nódulos acima de TP, incluindo ele, estariam
inacessíveis para ela. Assim, eles acrescentam que a poda pode ocorrer em
diversos pontos da árvore, a partir da camada flexional, dependendo da severidade
da afasia.
Uma proposta mais recente de explicação estrutural para os problemas dos
afásicos é a hipótese de tempo subespecificado (HTS) (Wenzlaff & Clahsen, 2004
apud Faroqi-Shah e Dickey 2009), e seu desdobramento, a hipótese de tempo e
concordância subespecificados (HTCS) (Burchert et al., 2005 apud Faroqi-Shah e
Dickey 2009). Essas hipóteses relacionam o déficit dos afásicos a um problema na
especificação dos traços. Os traços morfossintáticos necessários para licenciar a
morfologia de tempo e concordância estão subespecificados nas representações
sintáticas dos indivíduos agramáticos. Essa subespecificação é a responsável pelos
problemas em todos os processos referentes a esses traços.
Contudo, para alguns autores as explicações estruturais para os déficits dos
afásicos não são as mais adequadas, uma vez que o problema, para eles, parece
estar não na estrutura e sim na aplicação do conhecimento sintático em tempo real,
ou seja, o déficit dos afásicos seria processual. A seção seguinte trata das
explicações processuais para os déficits dos afásicos.
49
2.2 Explicações processuais para os déficits dos afásicos
Uma crítica direta às explicações estruturais para os déficits dos afásicos foi
feita por Zurif et al. em 1993. Os autores argumentam que a caracterização feita por
Grodzinsky (1986) de que os afásicos manteriam a estrutura sintática
hierarquicamente representada, mas não seriam capazes de representar vestigios,
e, assim, não estabeleceriam os papéis temáticos dos constituintes movidos, seria
de caráter unicamente descritivo, e não explicativo. Assim, o questionamento passa
a ser se os afásicos não conseguiriam estabelecer os papéis temáticos devido a
uma perda parcial do conhecimento sintático, ou se isso se deveria a uma ruptura no
processo que implementa o conhecimento sintático em tempo real. Com o objetivo
de encontrar a resposta para a questão apresentada, os autores realizaram um teste
utilizando-se de um estímulo auditivo e um estímulo visual. Os sujeitos foram
instruídos sobre o teste: eles ouviriam uma sentença, e em algum momento durante
essa tarefa apareceria um conjunto de letras em uma tela em frente a eles, e a tarefa
consistia em decidir, o mais rápido possível, se o conjunto de letras formava uma
palavra. Os autores encontraram que os indivíduos sem patologias eram capazes de
realizar a tarefa sem nenhum problema, enquanto os pacientes afásicos ou tiveram
tempos de reação aumentados, ou não conseguiram realizar a tarefa. Baseados
nesses resultados, os autores propuseram que os afásicos não têm os recursos
processuais necessários para estabelecer as relações de dependência, isto é, ligar o
traço ao seu antecedente, e, assim, não são capazes de recuperar a representação
sintática adequadamente. Os autores sugerem que a decisão lexical seja
estruturalmente comandada, isto é, a análise da estrutura sintagmática da sentença
determina essa decisão.
Entretanto, desde a década de 1980, são os problemas dos afásicos com a
morfologia flexional que têm despertado grande interesse dos estudiosos da
linguística, inclusive nos estudos de processamento. Em 1980, Bradley, Garrett e
Zurif propuseram que o desempenho dos afásicos agramáticos estivesse
relacionado a uma inabilidade de acessar rápido e automaticamente o dispositivo de
morfemas gramaticais. Diversos estudos ao longo desses quase 30 anos também se
propuseram a investigar o processamento on-line das informações sintáticas
presentes nos morfemas gramaticais.
50
Um desses estudos foi desenvolvido por Shapiro e Levine, em 1990. Eles
realizaram dois experimentos sobre o processamento verbal durante uma tarefa on-
line de compreensão de sentenças em afásicos, com dois objetivos: o primeiro de
investigar se os afásicos são sensíveis à estrutura argumental de uma sentença, e,
assim, aos papéis temáticos; e o segundo de investigar se o dispositivo mental que
ativa o verbo e sua estrutura argumental opera normalmente e rapidamente durante
a compreensão de uma sentença. No primeiro experimento, foram utilizadas quatro
categorias verbais, a saber: (1) verbos transitivos puros16; (2) verbos de três
argumentos obrigatórios17; (3) dativos não alternativos18 e (4) dativos alternativos19,
em uma tarefa transmodal (cross-modal), na qual as sondas visuais ora eram
apresentadas na vizinhança imediata do verbo, ora eram apresentadas quatro
sílabas depois do verbo. A predição era de que para sujeitos normais, quando a
sonda aparecesse na vizinhança imediata, os verbos com estrutura argumental mais
complexa teriam tempos de reação maiores que os menos complexos. Assim, os
verbos transitivos puros e os verbos de três argumentos obrigatórios teriam os
menores tempos de reação, seguidos dos dativos, que não deveriam apresentar
diferenças significativas de tempos de reação entre eles. Além disso, quando as
sondas fossem apresentadas depois de quatro sílabas, o custo associado à
complexidade da estrutura argumental se dissiparia e, assim, não seriam
observadas diferenças significativas entre nenhum dos tipos de verbos. No segundo
experimento, foram utilizados dois outros tipos de verbos, que os autores chamaram
de verbos de dois complementos e verbos de quatro complementos. Verbos de dois
complementos seriam aqueles que permitem duas possibilidades de organização da
16 Exemplo de Shapiro e Levine (1990) para verbos transitivos puros: The old man exhibited the new suit on the rack (O Homem velho exibiu o terno novo no cabide).
17 Exemplo de Shapiro e Levine (1990) para verbos de três argumentos obrigatórios: The happy officer put the new suit on the shelf (O oficial feliz colocou o terno novo na estante).
18 Exemplo de Shapiro e Levine (1990) para verbos dativos não alternativos: The sad girl donated the new suit to the charity (A garota triste doou seu terno novo para a instituição beneficente).
19 Exemplo de Shapiro e Levine (1990) para verbos dativos alternativos: The old man sent the new suit to the friend (O homem velho mandou o terno novo para o amigo).
51
estrutura argumental20, e os verbos de quatro complementos seriam os que
permitem quatro arranjos diferentes21. A previsão era de que os verbos de dois
complementos tivessem tempos de reação menores em relação aos de quatro
complementos em uma tarefa transmodal quando a sonda fosse apresentada na
vizinhança do verbo, enquanto para a apresentação da sonda na vizinhança da
preposição não haveria diferença entre os tempos de reação.
Todas as previsões foram confirmadas nos testes com indivíduos normais, e
os mesmos resultados foram encontrados para pacientes afásicos. Assim, três
conclusões foram propostas com base nos resultados encontrados. A primeira é que
a informação sobre a estrutura argumental representada por verbos no léxico mental
afeta o processamento de sentenças em sujeitos normais. Esses dados não são
surpreendentes para os autores, uma vez que eles consideram que a estrutura
argumental pode ser o princípio segundo o qual o léxico está organizado. A segunda
conclusão diz respeito ao fato de que aparentemente todas as estruturas
argumentais possíveis são momentaneamente ativadas nas imediações do verbo
durante a compreensão. A terceira e última é sobre o dispositivo que ativa o verbo e
suas propriedade estruturais, que parece estar normal nos pacientes. O problema
geral com os verbos e com as estruturas complexas está relacionado com o
processamento pós-ativação, como a atribuição do papel temático para os NPs de
uma sentença. Contudo, os autores salientam que somente sentenças canônicas
simples foram utilizadas, e que é possível que a ativação da estrutura argumental
dos verbos não se apresentasse como nos normais se tivessem sido utilizadas
sentenças complexas, como passivas e relativas.
Blumstein et al. (1991), assim como Shapiro e Levine (1990), se interessaram
pelo prejuízo na morfologia flexional dos afásicos e desenvolveram um estudo com
objetivo de explorar a sensibilidade desses pacientes para a estrutura sintática. Para
isso, eles enfocaram no papel da estrutura morfológica em relação às dependências
sintáticas locais. Segundo os autores, dependências sintáticas locais podem ser
definidas como o papel funcional que cada palavra exerce na estrutura sintagmática
20 Exemplo de Shapiro e Levine (1990) para verbos de dois complementos: The old man accepted the gift reluctantly (O homem velho aceitou o presente relutantemente) .
21 Exemplo de Shapiro e Levine (1990) para verbos de quatro complementos: The old man remembered the gift fondly (O homem velho lembrou o presente afetuosamente).
52
da sentença. Algumas relações são definidas como internas ao sintagma sintático,
como, por exemplo, verbos auxiliares e verbos principais. Em contraste, existem
outros tipos de dependência sintática, que são definidas como através das fronteiras
sintagmáticas, como, por exemplo, um pronome sujeito que tem que concordar em
pessoa e número com o verbo da sentença. Em ambos os casos, duas palavras
compartilham dependências sintáticas, e essas dependências são governadas pela
marcas morfológicas utilizadas. Assim, foram desenvolvidos dois experimentos a fim
de investigar de que maneira a natureza das dependências sintáticas locais contribui
para o padrão de desempenho de indivíduos normais e afásicos. No primeiro
experimento, foi testada a sensibilidade dos sujeitos às dependências sintáticas
dentro de uma sentença. Os autores compararam os tempos de reação em um
experimento de priming22 no qual um alvo verbal marcado para tempo ou aspecto
era testado em três condições, a saber: (1) quando precedido por um modal
apropriado, como em is-going; (2) quando precedido de um modal inapropriado,
como em could-going; (3) quando precedido por um constituinte que tornava o
conjunto agramatical, como em very-going. Além disso, foram criadas sequências
com não palavras, como em plib-going. Eles investigaram também como não
palavras acrescidas de terminações morfológicas afetavam a decisão lexical, como
em is-plibbing e could-plibbing. No segundo experimento, o objetivo era investigar
efeitos similares aos das dependências sintáticas locais, só que entre fronteiras
frasais. Para esse fim, foi testada a sensibilidade dos sujeitos para as construções
gramaticais do tipo pronome-verbo. Assim, eles compararam os tempos de reação
em um experimento de priming no qual um alvo verbal marcado em pessoa e
número era testado em três condições: (1) quando precedido por um sujeito
apropriado, como em he-gives; (2) quando precedido por um sujeito inapropriado,
como em I-gives; (3) quando precedido de um constituinte que tornava o conjunto
agramatical, como em very-gives. Da mesma maneira que no primeiro experimento,
esses tempos foram comparados com os de sequências criadas com não palavras,
com em pru-gives. Também foi investigada de que maneira a relação entre não
palavras e terminações morfológicas afeta a decisão lexical, como em he-plibs e
they-plibs.
22 Experimentos de priming são experimentos de decisão lexical que visam a verificar se o reconhecimento do segundo estímulo do par (chamado de alvo) é facilitado ou não pela apresentação imediatamente antes de outro estímulo (chamado de prime).
53
Os resultados de ambos os experimentos indicaram efeitos sintáticos de
priming para indivíduos normais, ou seja, verbos sintaticamente corretos parecem
facilitar o processamento, enquanto as sequências incorretas parecem dificultar o
processamento. No caso da relação pronome-verbo, só foram encontrados efeitos
de dificultação do processamento. No que diz respeito aos pacientes afásicos, os
padrões de desempenho encontrados indicam prejuízo do processamento sintático
on-line. Os afásicos de Broca não apresentaram efeitos de facilitação no
experimento I, ou seja, os tempos de reação para os conjuntos sintaticamente
corretos não foram mais rápidos dos que os outros. No experimento II, o padrão de
resposta foi similar ao dos normais, ou seja, os tempos de reação para sentenças
corretas eram menores que os das sentenças incorretas. Os autores propõem que
haja dois tipos de processamento, um automático e outro controlado. Segundo eles,
o processamento automático é assim definido por acontecer rapidamente e
inconscientemente. Já o processamento controlado é estratégico e consciente. Os
afásicos só apresentaram efeitos de priming sintáticos quando esses efeitos
envolviam práticas primárias de processamento controlado. Consistente com esses
resultados estão os resultados do teste de julgamento de agramaticalidade. Esse
tipo de julgamento é feito depois do processamento on-line, não parecendo, assim,
que o processamento automático contribua para a habilidade de julgar a
gramaticalidade. Por outro lado, o processamento controlado contribui para a
performance em tarefas off-line. A conclusão é de que os problemas linguísticos dos
afásicos refletem uma desordem do processamento que atravessa os componentes
da gramática, isto é, o léxico e o parser. Os resultados mostram que esses
problemas dos afásicos não estão em um componente particular da gramática nem
refletem um prejuízo de uma representação linguística particular, e sim um prejuízo
das práticas de processamento usadas para acessar essas informações.
As propriedades sintáticas dos morfemas flexionais também foram o alvo do
estudo, que consistia de dois experimentos, desenvolvido por Friederici et al. (1992).
O primeiro experimento testava a sensibilidade dos sujeitos para a presença ou
ausência do morfema flexional e a habilidade de processar esse elemento particular
como marcador de uma categoria de palavra. Assim, os sujeitos eram apresentados
a verbos flexionados (danced) e sua raiz não flexionada (dance) que era igual ao
nome (the dance), em contextos sintaticamente corretos, como em he dance e a
dance, e em contextos sintaticamente incorretos, como em a danced e he dance. A
54
previsão era de que, se os sujeitos fossem sensíveis à restrição sintática, os tempos
de processamento seriam menores nas construções gramaticais em comparação
com as agramaticais, uma vez que processar informação agramatical seria mais
custoso para o sistema de processamento. Já o segundo experimento foi
desenvolvido especialmente para os pacientes afásicos de Broca. O objetivo era
descobrir se esses indivíduos eram capazes de acessar, em tempo real, esse tipo de
informação presente em um elemento flexional enquanto ouvem uma sentença.
Assim, os autores introduziram uma violação gramatical que só era possível ser
detectada se a flexão fosse processada em relação à marcação de pessoa, por
exemplo, segunda pessoa do singular versus terceira pessoa do singular. Segundo a
análise dos autores, os resultados encontrados nos experimentos I e II sugerem que
os pacientes afásicos de Broca são sensíveis à morfologia flexional como um
marcador de categoria gramatical, mas não parecem processar a informação
sintática contida nesses elementos enquanto ouvem uma sentença. Assim, os
autores afirmam que os resultados suportam a ideia de que os afásicos de Broca
preservam o conhecimento sintático, e que o problema seria no acesso on-line da
informação sintática codificada nos elementos flexionais.
Haarmann e Kolk (1994) também se interessaram pela morfologia flexional
em relação às restrições sintáticas e conduziram um estudo transmodal que tinha
por objetivo investigar a sensibilidade de pacientes afásicos de Broca a violações da
concordância sujeito-verbo. No primeiro experimento, o sujeito era apresentado a um
alvo, uma palavra que aparecia na tela de um computador. A palavra permanecia na
tela enquanto ele ouvia uma sentença através de fones de ouvido, e a tarefa era
apertar o botão assim que ele ouvisse a palavra que estava na tela, ou que não
fizesse nada, caso a palavra não aparecesse. O teste continha sentenças simples e
complexas23. O segundo experimento consistia basicamente da mesma coisa, sendo
que a única diferença era que havia um pequeno aumento do tempo para se ouvir a
próxima palavra em um determinado ponto da sentença. Com isso, eles
encontraram, no experimento I, que a complexidade sintática parece ter um efeito
negativo na sensibilidade on-line para violações da concordância sujeito-verbo. 23 Por complexas, entenda‐se encaixadas. Exemplos dos autores para (1) sentenças simples: The women carry the child and eat an ice cream (As mulheres carregam a criança e comem um sorvete) e (2) sentenças complexas: The women that carry the child eat an ice cream ( As mulheres que carregam a criança comem um sorvete).
55
Enquanto os indivíduos normais apresentaram um efeito de concordância, tanto para
sentenças simples quanto para as complexas, os afásicos só tiveram os mesmos
resultados nas sentenças simples, o que corrobora os estudos anteriores que
afirmam que a sensibilidade on-line dos afásicos de Broca para violações
gramaticais desaparece quando eles abrangem mais de uma oração.
Ainda na linha dos estudos sobre a morfologia flexional de pacientes afásicos,
Kühnast (2003) resolveu investigar o imperativo negativo do búlgaro. Isso porque há
uma interação entre a negação e o aspecto no imperativo. Uma sentença só é
gramatical no imperativo negativo se for utilizado um verbo imperfectivo. Com verbos
perfectivos a sentença é agramatical. A autora explica que a sensibilidade para as
propriedades aspectuais do verbo indica uma habilidade de usar a informação
sintática contida na partícula de negação e de obedecer aos requisitos estruturais
impostos ao verbo. Ela desenvolve, assim, um estudo de leitura automonitorada e
um de julgamento de gramaticalidade para investigar o imperativo negativo24 em
pacientes afásicos. As previsões da autora de que esse tipo de sentença não
apresentaria problemas para os indivíduos normais se confirmaram nos resultados.
Em relação aos indivíduos afásicos, os resultados indicaram que eles tiveram um
desempenho pior que o dos indivíduos normais, com uma velocidade lenta de
processamento na tarefa de leitura automonitorada. Contudo, os tempos de reação
estariam preservados, com efeito de priming, para os verbos imperfectivos no
imperativo negativo e percepção de sentenças malformadas com verbos perfectivos.
Segundo a autora, esses resultados sugerem que os afásicos são capazes de
acessar e usar a informação sintática das marcas de negativo e dos traços
aspectuais requeridos pelo verbo. Uma diferença significativa entre os dois grupos
apareceu na habilidade de interpretar o significado das sentenças imperativas
negativas, independentemente da adequação aspectual do verbo. Os indivíduos
normais atribuíram significado às sentenças mesmo quando elas não eram bem-
formadas e responderam as questões apropriadamente. Os afásicos tiveram um
desempenho no nível da chance, o que reflete uma compreensão pobre das
sentenças imperativas negativas envolvendo um verbo inapropriado
aspectualmente. Kühnast (2003) conclui a interpretação dos resultados afirmando
24 Exemplos de Kühnast (2003) para o imperativo negativo: *Molja te, ne kupi bira! – Please, don’t buyperf beer! e Molja te, ne kupuvaj meso! Please, don’t buyimpf meat!
56
que a negação e o aspecto como categorias funcionais marcando propriedades
semânticas parecem não afetar as habilidades dos afásicos em derivar a
representação sintática das sentenças imperativas negativas, mas que, em relação à
interpretação, os afásicos apresentaram um efeito de não disponibilidade da
interpretação do significado da sentença. Os achados experimentais encontrados
sugerem que a compreensão de sentenças dos indivíduos normais e dos afásicos
agramáticos difere no que diz respeito aos recursos computacionais disponíveis para
integrar a informação, dentro do contexto sentencial, no tempo esperado. Segundo a
autora, os padrões de resultados encontrados no estudo suportam a visão de que o
locus do prejuízo na compreensão dos agramáticos é a interface entre a
representação sintática e a interpretação semântica, e não a representação sintática
propriamente dita.
Faroqi-Shah e Dickey (2009) afirmam que os estudos sobre a morfologia
flexional do afásico mostram que nem toda a produção de flexão está prejudicada
nesses indivíduos. A relação nome-plural está frequentemente preservada nesses
indivíduos, e a relação de concordância entre sujeito-verbo também parece estar
preservada na maioria das vezes. Contudo, a morfologia de tempo parece
apresentar sempre problemas, em diferentes tipos de testes realizados com
afásicos. Os autores ressaltam que há uma enorme variedade de trabalhos sobre a
flexão de tempo, que variam não só na metodologia utilizada como no objeto de
estudo em si. Eles explicam que os estudos variam nas relações linguísticas em
conexão com a morfologia de tempo. Alguns estudos olham para a relação advérbio-
verbo e outros olham para a relação sintática local da morfologia do verbo. Eles
afirmam que a relação entre advérbio-verbo envolve uma relação semântica indireta
entre a morfologia de tempo e o advérbio. O advérbio provê um contexto temporal
no qual a morfologia de tempo deve se encaixar. A essa relação eles dão o nome de
morfosemântica, que seria diferente da morfossintática. As relações morfossintáticas
envolvem relações sintáticas diretas, em que uma categoria morfossintática
seleciona a outra, como no caso da relação auxiliar-verbo. Faroqi-Shah e Dickey
(2009) dizem que a melhor explicação para os déficits dos afásicos é a proposta de
Faroqi-Shah e Thompson de 2007: a hipótese diacritical enconding and retrival.
Segundo essa hipótese, o problema dos afásicos seria com as relações
morfosemânticas. Esse problema é descrito nessa hipótese como uma dificuldade
de traduzir o tempo codificado na mensagem em traços diacriticals, como por
57
exemplo [+presente], e/ou selecionar e recuperar as formas verbais que
correspondam ao tempo codificado. Eles definem traços diacriticals como os que se
referem aos aspectos da mensagem de um falante tipicamente representados por
afixos flexionais, tais como tempo, número, modo e aspecto. Para testar a hipótese,
os autores desenvolvem dois experimentos similares na estrutura, mas um de
produção em 2007 (FAROQI-SHAH e THOMPSON, 2007) e outro que inclui também
a compreensão em 2009 (FAROQI-SHAH e DICKEY, 2009). No teste de produção,
os participantes tinham que escolher a forma verbal apropriada para o
preenchimento da lacuna, como no exemplo: Tomorow, the theatre______ [was
closing, will close, closed]25. No teste de compreensão, eles tinham que decidir sobre
a gramaticalidade de uma sentença como: Last year, my sister lived in New
Hampshire26. Eles fizeram testes também sobre a relação morfossintática, como nos
exemplos: The man will ____ the Canadian border [cross, crosses, crossing]27 e The
nurse calling a doctor28. A conclusão combinada desses dois tipos de teste é de que
os afásicos têm problemas com as relações morfosemânticas, e não com as
morfossintáticas. O locus do problema do agramático, para os autores, seria
escolher uma morfologia temporal específica dada uma informação temporal
conceptual-semântica, como o advérbio na posição pré-verbal, quer seja o problema
maior o de decodificar os traços diacriticals do contexto temporal, quer seja o
problema maior o de recuperar os afixos flexionais/formas verbais corretas do léxico
mental. Uma observação interessante é a de que essa hipótese apresentada pelos
autores está de acordo com o espírito da teoria linguística do programa minimalista
de que somente os traços semanticamente motivados seriam interpretáveis. Os
autores explicam, ainda, que alguns traços diacriticals, como os de concordância,
seriam somente operacionais na codificação sintática e, por isso, não precisam ser
especificados. Além disso, em uma relação lógica, é possível conceber que alguns
agramáticos teriam problemas com outros traços como plural, gênero e aspecto.
25 Amanhã, o teatro _____ [estava fechado, vai fechar, fechou].
26 Ano passado, minha irmã morou em New Hampshire.
27 O homem vai _____ a fronteira Canadense. [cruzar, cruzar (3a pessoa), cruzando]
28 A enfermeira chamando o médico.
58
Os estudos de caráter processual acima descritos, de maneira geral,
assumem que o problema dos afásicos estaria no parsing, isto é, no mecanismo que
atribui as categorias gramaticais e as relações estruturais entre os constituintes de
uma sentença, e, dessa maneira, seriam evidenciados em testes on-line. Contudo,
Caplan e Waters (2003) ressaltam que ainda existem muitas inconsistências nos
resultados de estudos on-line comparados a resultados de estudos off-line. Nenhum
desses estudos consegue esclarecer a relação entre o processamento on-line das
estruturas sintáticas e o desempenho off-line em testes de compreensão sintática
realizados por afásicos de Broca. Para os autores, esse problema ocorre porque são
utilizados testes de naturezas diferentes para se investigar fenômenos
correlacionados.
A partir dessa observação, Caplan e Waters (2003) tentaram desenvolver um
estudo com uma comparação mais direta dessa relação. Assim, primeiramente eles
investigaram o processamento sintático on-line em uma técnica chamada auditory
moving window paradigm, que consiste em uma audição automonitorada, ou seja,
ao comando do sujeito os segmentos de uma sentença vão sendo apresentados
auditivamente, e, ao final, ele tinha que fazer um julgamento da gramaticalidade das
sentenças ouvidas. O experimento tinha quatro tipos de estímulos, a saber: (1)
sentenças clivadas de sujeito29; (2) sentenças clivadas de objeto30; (3) sentenças
relativas de objeto31; e (4) sentenças relativas de sujeito32. Assim, na mesma tarefa
eles conseguiram resultados on-line e off-line. Os resultados on-line foram obtidos
através da análise do tempo que cada sujeito levava para apertar o botão que
apresentava o próximo segmento da sentença na tarefa de audição automonitorada,
e o resultado off-line foi obtido através da análise do tempo que cada indivíduo levou
para decidir sobre a gramaticalidade da sentença apresentada e também sobre a
acuracidade das respostas. O resultado desse estudo indica um efeito da 29 Exemplo de Caplan e Waters (2003) para sentenças clivadas de sujeito: It was the food that nourishe the child (Foi a comida que nutriu a criança).
30 Exemplo de Caplan e Waters (2003) para sentenças clivadas de objeto: It was the woman that the toy amazed (Foi a mulher que o brinquedo surpreendeu).
31 Exemplo de Caplan e Waters (2003) para sentenças relativas de objeto: The father read the book that terrified the child (O pai leu o livro que aterrorizou a criança).
32 Exemplo de Caplan e Waters (2003) para sentenças relativas de sujeito: The man that the fire injured called the doctor (O homem que o fogo feriu chamou o doutor.).
59
complexidade sintática para o julgamento de plausibilidade. Tanto os sujeitos
normais quanto os afásicos mostraram um aumento no tempo de julgamento nas
sentenças complexas. Os afásicos ainda mostraram um efeito na acuracidade das
respostas em relação a sentenças sintaticamente complexas. Os afásicos que
tiveram baixo desempenho no teste de julgamento de gramaticalidade, e que
mostraram efeitos de estrutura sintática nesse teste, mostraram evidências de
prejuízo no processamento on-line. O uso combinado de medidas on-line e off-line
utilizando-se das mesmas sentenças e nos mesmos pacientes mostrou ser uma
maneira promissora de identificar os diferentes tipos de prejuízo no nível da
sentença que ocorre nas afasias.
Apesar das grandes contribuições feitas pelos estudos sobre o
processamento da linguagem, eles não apresentam uma contribuição direta para o
entendimento da estrutura da linguagem no cérebro. Maia e Finger (2005) explicam
que o processamento de uma sentença é o conjunto de procedimentos mentais que
determina a estrutura de uma sentença realizado pelo parser. Assim, acredita-se,
neste trabalho, que o processamento pode trazer pistas sobre a estrutura sintática
das sentenças, e, com isso, um melhor entendimento sobre a representação mental
da linguagem. Essa ideia vai ao encontro do modelo de gramática proposto por
Chomsky em 1995. O novo modelo da teoria prevê uma maior integração entre a
faculdade da linguagem e os sistemas de desempenho, com a imposição de
condições de legibilidade nas representações geradas pelo sistema computacional –
as representações devem ser legíveis aos sistemas de desempenho.
Em 1996, Chomsky aproxima ainda mais competência e desempenho
propondo que, pelo menos em alguma extensão, os sistemas de desempenho
seriam parte da faculdade da linguagem. O que não se sabe determinar ainda é o
tamanho dessa parte. Posteriormente, em 2002, Hauser, Chomsky e Fitch
aprimoraram essa ideia. Eles dividiram a faculdade da linguagem em duas: a
faculdade da linguagem latu sensu e faculdade da linguagem strictu sensu. A
faculdade da linguagem latu sensu incluiria um sistema computacional interno e dois
outros sistemas internos ao organismo: o sensório-motor e o conceptual-intencional.
A faculdade da linguagem strictu sensu seria o sistema computacional linguístico
abstrato, que seria independente dos outros sistemas, mas com os quais ele
interage e mantém interfaces.
60
Considerando que os estudos de processamento podem trazer indicações
sobre a representação de uma sentença, e a ideia de Hauser, Chomsky e Fitch
apresentada acima, esta tese propõe um teste que conjuga características de um
teste on-line e de um teste off-line, em indivíduos afásicos de Broca, que tem como
objetivo geral investigar o papel da área de Broca no processamento de tempo e
aspecto. Busca-se, assim, um melhor entendimento sobre a representação mental
da sentença. No próximo capítulo, será apresentada a metodologia do teste
desenvolvido para esta tese.
61
Capítulo 3 Metodologia
A escolha de um experimento constituído de uma tarefa on-line nesta tese
justifica-se pelo fato de que os estudos sobre o processamento de sentenças podem
fornecer dados acerca da representação sintática, objeto de estudo desta tese.
Segundo Derwing e Almeida (2005), a linguística experimental é impulsionada pelas
teorias derivadas da observação e descrição dos dados linguísticos. Além da parte
on-line do experimento, havia uma parte off-line, que essencialmente servirá como
objeto de comparação com o estudo on-line. Isso se deve ao fato de que, dessa
maneira, podem-se ter dados mais precisos quando os dois tipos de teste forem
comparados em uma mesma tarefa. No capítulo que se inicia, serão apresentados os experimentos pilotos
desenvolvidos para esta tese, o tipo de estudo e o desenho do teste elaborado, os
critérios utilizados na seleção dos pacientes e do grupo controle, os procedimentos
adotados na aplicação dos testes e as análises dos dados. Na próxima seção, serão
apresentados os experimentos pilotos desenvolvidos com o objetivo de melhor
preparação do experimento a ser utilizado na tese.
3.1 Experimentos pilotos
3.1.1 Leitura automonitorada
Inicialmente, foi desenvolvido um experimento piloto que conjugava
características de um teste on-line e de um teste off-line, inspirado no trabalho de
Caplan e Waters (2003). O primeiro consistiu de um teste de leitura automonitorada,
e o segundo de um teste de julgamento de agramaticalidade33.
O experimento era constituído de setenta e duas (72) frases, sendo vinte e
quatro (24) sentenças-alvo (seis de cada uma das condições) e quarenta e oito (48)
sentenças distratoras. As sentenças-alvo variavam entre compatibilidade e
33 Optou‐se nesta tese pelo uso do termo julgamento de agramaticalidade em vez de julgamento de gramaticalidade, uma vez que este estudo está mais interessado em verificar a aceitação ou rejeição de sentenças agramaticais por indivíduos afásicos de Broca, seguindo a linha de raciocínio proposta por Chomsky (1975) e Grodzinsky & Finkel (1998).
62
incompatibilidade dos traços aspectuais expressos na morfologia do verbo e dos
traços expressos no advérbio. Após a leitura de cada frase, os indivíduos tinham que
julgar a gramaticalidade da sentença lida.
Abaixo, estão exemplificados os quatro tipos de sentenças utilizadas nesse
teste.
1. Antigamente Rosa comprava adesivos.
2. Antigamente José assinou um contrato.
3. Ontem Regina preparou um empadão.
4. Ontem Débora filmava casamentos.
As sentenças-alvo foram divididas da seguinte maneira:
Antigamente Rosa comprava adesivos. ?
1a parte 2a parte 3a parte 4a parte
Para a realização deste estudo piloto, foram selecionados vinte e quatro (24)
falantes do português do Brasil. Os indivíduos tinham entre vinte (20) e trinta e cinco
(35) anos, com graduação completa ou incompleta em qualquer área que não fosse
Letras, e nunca tiveram nenhum tipo de lesão neurológica.
Em relação aos resultados do teste de leitura automonitorada, a análise do
tipo ANOVA revelou que o tempo de leitura das sentenças foi significativamente
diferente (F (3, 66) = 3,3979, p-valor = 0,02281). Dessa maneira, foi realizado o pós-
teste Tukey HSD que revelou que o tempo de leitura das sentenças do tipo 1 foi
significativamente menor que aquele das sentenças do tipo 2 (p-valor = 0,000485).
Do mesmo modo, o tempo de leitura das sentenças do tipo 3 foi significativamente
menor que aquele das sentenças do tipo 4 (p-valor = 0,000985). Em relação aos
resultados do teste de agramaticalidade, que corresponde ao teste off-line, verificou-
se que a maioria dos informantes julgou as sentenças do tipo 2 como agramaticais.
Todos os outros tipos de sentenças foram julgados como gramaticais pela maioria
dos informantes. No entanto, a análise do tipo ANOVA, seguida do pós-teste Tukey
HSD, revelou que os informantes julgaram as sentenças do tipo 4, que apresentam
uma incompatibilidade de traços entre o advérbio e a morfologia do verbo, mais
lentamente do que as sentenças do tipo 3 (p-valor = 0,013972).
63
Dessa maneira, os resultados obtidos no experimento foram satisfatórios,
sendo possível observar questões a respeito do processamento de estruturas ora
compatíveis, ora incompatíveis, pelos indivíduos normais. O experimento piloto
serviu para o aprimoramento das questões metodológicas envolvidas no
desenvolvimento do experimento pensado para esta tese. No próximo item, será
apresentado o segundo experimento piloto desenvolvido para esta tese.
3.1.2 Audição automonitorada
Com base nos resultados obtidos com o experimento piloto de leitura
automonitorada, foi desenvolvido um teste que também conjugava características de
um teste on-line e de um teste off-line, mas nesse novo experimento a parte on-line
era constituída de um teste de audição automonitorada. As sentenças eram divididas
da seguinte maneira:
Antigamente Rosa comprava adesivos. ?
1a parte 2a parte 3a parte 4a parte
O experimento foi aplicado em um indivíduo afásico de Broca e, durante a
aplicação, a responsável pela aplicação do teste observou que a medida on-line de
audição do segmento-alvo (3a parte) e a medida off-line do tempo de resposta (4a
parte) ficavam misturadas, uma vez que o paciente só apertava a tecla para
aparecer o ponto de interrogação e a tecla de decisão sobre a agramaticalidade da
sentença depois que ele já tinha refletido sobre a sentença. Assim, pôde-se chegar a
uma decisão final sobre o experimento desenvolvido para esta tese, que foi a
decisão de dividir o VP das sentenças (3a parte) e contabilizar o verbo como o
segmento-alvo do teste. A sentença seria apresentada da seguinte maneira:
Antigamente Rosa comprava adesivos. ?
1a parte 2a parte 3a parte 4a parte 5a parte
Dessa maneira, o indivíduo teria que apertar a tecla para que a última parte
da sentença fosse apresentada, e a medida do tempo de audição do verbo poderia
64
ser contabilizada como uma medida on-line. No próximo item, será descrito o
experimento utilizado nesta tese.
3.2 Experimento
3.2.1 Tipo de teste
A fim de esclarecer se esses pacientes apresentam déficits somente no
processamento de tempo e aspecto ou se há perda do conhecimento sintático de
tempo e aspecto, foi desenvolvido um experimento que conjugava características de
um teste on-line e de um teste off-line. O primeiro consistia de um teste de audição
automonitorada e o segundo de um teste de agramaticalidade.
3.2.2 Desenho do teste
O teste era constituído de oitenta e quatro (84) sentenças, sendo quarenta e
duas (42) sentenças-alvo, e quarenta e duas (42) sentenças distratoras. As
sentenças-alvo variavam entre compatibilidade e incompatibilidade entre os traços
aspectuais / temporais expressos na morfologia do verbo e os traços expressos no
advérbio. Após a leitura de cada frase, o indivíduo tinha que julgar a gramaticalidade
da sentença lida. Apesar de habitualmente utilizar-se o padrão de dois terços (2/3)
de frases distratoras nos estudos de psicolinguística, foi utilizada somente metade
(1/2) das frases como distratoras neste trabalho, uma vez que o teste foi
desenvolvido para a aplicação em indivíduos com lesão cerebral que apresentam
um cansaço maior numa tarefa complexa como a do teste.
3.2.3 Teste
A partir do desenho já explicado no item anterior, foram selecionadas oitenta
e quatro (84) sentenças para o teste. Das quarenta e duas (42) sentenças-alvo, vinte
e quatro (24) correspondiam à parte aspectual do teste. Dessas vinte e quatro (24),
doze (12) sentenças eram formadas com o advérbio antigamente e o verbo variando
entre passado perfectivo e passado imperfectivo (seis de cada). As outras doze (12)
sentenças eram formadas com o advérbio ontem e o verbo variando entre passado
65
perfectivo e passado imperfectivo (seis de cada). As dezoito (18) sentenças
restantes correspondiam à parte temporal34 do teste. Dessas dezoito (18), doze (12)
sentenças eram formadas com o advérbio atualmente e o verbo variando entre
presente e passado (seis de cada). As seis (6) sentenças restantes eram formadas
pelo advérbio antigamente e o verbo no presente. Essa diferença se deve ao fato de
que as sentenças com o advérbio antigamente com o verbo no passado já estavam
presentes na parte aspectual do verbo, e seriam utilizadas para a comparação com
as sentenças com o verbo no presente. Todas as sentenças receberam uma
codificação, de acordo com a combinação realizada entre os traços presentes no
advérbio e os traços presentes na morfologia verbal. Assim, a codificação II significa
que foi utilizado o advérbio com traço de Imperfectividade e o verbo também com
traço de Imperfectividade. A codificação IP significa que foi utilizado o advérbio com
traço de Imperfectividade e o verbo com traço de Perfectividade. A codificação PP
significa que foi utilizado um advérbio com traço de Perfectividade e o verbo também
com traço de Perfectividade. A condição PI significa que foi utilizado um advérbio
com traço de Perfectividade e um verbo com traço de Imperfectividade. A condição
HH significa que foi utilizado um advérbio com traço de tempo presente
(representado como Hoje) e um verbo também com traço de tempo presente
(representado como Hoje). A condição HA significa que foi utilizado um advérbio
com traço de tempo presente (representado como Hoje) e um verbo com traço de
tempo passado (representado como Antes). A codificação AH significa que foi
utilizado um advérbio com traço de tempo presente (representado por Antes) e um
verbo com traço de tempo passado (representado por Hoje)35.
Abaixo, estão exemplificados os sete (7) tipos de sentenças que foram
utilizadas nesse teste, com suas codificações.
34 Intitula‐se essa parte de temporal pois nesta tese assume‐se a proposta de Comrie (1976) de que o presente é um tempo com caráter imperfectivo, e, dessa maneira, o aspecto imperfectivo é mantido nas frases, mudando‐se somente o tempo.
35 A codificação AA não aparece por representar a mesma formação da condição II, isso é, ela também significa que foi utilizado um advérbio com traço de imperfectividade e um verbo também com traço de imperfectividade e, assim, as mesmas sentenças foram utilizadas para a comparação com as outras condições.
66
II. Antigamente Rosa comprava adesivos.
IP. Antigamente José assinou um contrato.
PP. Ontem Francisco instalou um chuveiro.
PI. Ontem Débora filmava casamentos.
HH. Atualmente Gilda desenha camisetas.
HA. Atualmente Raquel lanchava sanduíches.
AH. Antigamente Carmem costura uniformes.
Depois de ouvir a sentença, o indivíduo deveria decidir se a sentença ouvida
era natural ou estranha, sendo natural se ele julgasse a sentença gramatical, ou
estranha se ele julgasse a sentença agramatical. Todas as sentenças utilizadas no
teste encontram-se no anexo A. As sentenças distratoras serão explicadas no item
3.2.5 deste capítulo.
3.2.4 Variáveis controladas
3.2.4.1 Controle dos constituintes das sentenças
Pelo fato de esse experimento ser em parte on-line, era necessário um
controle rigoroso no tamanho das sentenças, pois somente assim seria possível
comparar os tempos de audição. Dessa maneira, das oitenta e quatro (84)
sentenças, setenta e duas (72) sentenças tinham quatorze (14) sílabas, e apenas as
formadas com o advérbio ontem continham doze (12) sílabas. Contudo, os
segmentos-alvo, que são os verbos das sentenças, tinham o mesmo número de
sílabas em todas as sentenças-alvo, três (3) sílabas. Além disso, por se tratar de um
experimento auditivo, também foi controlado o tempo de enunciação desses verbos.
Todos os verbos das sentenças tinham a duração de 700 milisegundos.
Todas as sentenças com o advérbio ontem tinham sujeitos com três sílabas.
Já as sentenças com os advérbios antigamente e atualmente tinham sujeitos com
duas sílabas.
Foram controlados também os complementos do verbo. Todos os
complementos tinham quatro (4) sílabas. Quando o verbo estava no passado
67
perfectivo foram utilizados complementos de cardinalidade especificada36. Quando
os verbos estavam no passado imperfectivo e no presente foram utilizados
complementos de cardinalidade não especificada37. Esse padrão foi adotado em
função dos trabalhos de Lessa (2007), Estrêla (2007) e Sampaio (2007), que
encontraram uma correlação positiva entre os aspectos gramaticais perfectivo e
imperfectivo contínuo e o verbo de processo culminado38 e entre o aspecto
gramatical imperfectivo habitual e o verbo de atividade39 no PB.
3.2.4.2 Controle dos verbos
Ainda que em estudos anteriores (MARTINS, 2006, RODRIGUES, 2007)
tenha sido demonstrado que a conjugação verbal não é relevante em testes de
tempo e aspecto, foram selecionados somente verbos de primeira conjugação, de
modo a eliminar a possibilidade de uma eventual interferência da conjugação verbal
no desempenho dos indivíduos. Assim, foram selecionados somente verbos de
primeira conjugação devido ao grande número de verbos desse tipo no português do
Brasil e devido ao fato de que os verbos de primeira conjugação escolhidos para o
teste são verbos regulares o que permitiu que os verbos não tivessem somente o
mesmo número de sílabas, mas também a mesma desinência modo temporal
quando flexionados no presente, no pretérito perfeito e no pretérito imperfeito do
indicativo. Foram selecionados quarenta e dois (42) verbos diferentes para as
sentenças-alvo, todos verbos regulares e transitivos diretos. No que diz respeito ao
tipo de verbo, levando-se em conta a classificação de Vendler (1957), foram
36 A cardinalidade diz respeito à noção de quantificação do complemento verbal. Assim, complementos de cardinalidade especificada podem ser mensurados, como por exemplo: uma mesa, um chuveiro.
37 Complementos de cardinalidade não especificada são os que não podem ser mensurados, como por exemplo: adesivos, casamentos.
38 Os verbos de processo culminado, chamados de accomplishment por Vendler (1957), são aqueles que expressam eventos que têm um ponto final inerente e que são graduais, ou seja, associados a complementos de cardinalidade especificada.
39 Os verbos de atividade são aqueles que expressam eventos dinâmicos que não têm um ponto final inerente (Vendler, op.cit.), ou seja, associados a complementos de cardinalidade não especificada.
68
utilizados apenas dois tipos nas sentenças-alvo: verbos de processo culminado e
verbos de atividade (cf. notas 38 e 39).
3.2.4.3 Controle dos sujeitos sintáticos
No experimento, foram utilizados oitenta e quatro (84) nomes diferentes,
sendo metade nomes de homens e metade nomes de mulheres.
Além das quarenta e duas (42) sentenças-alvo, foram desenvolvidas quarenta
e duas (42) sentenças distratoras, que serão explicadas no próximo item.
3.2.5 Sentenças distratoras
Foram elaboradas quarenta e duas (42) sentenças distratoras. As sentenças
distratoras tinham a seguinte estrutura básica:
Advérbio + Sujeito + Verbo + Sintagma preposicional
Para essas sentenças, foram utilizados os mesmos advérbios do teste:
antigamente, ontem e atualmente. Foram selecionados quarenta e dois (42) sujeitos
sintáticos diferentes, sendo vinte e quatro (21) nomes de homens e vinte e quatro
(21) nomes de mulheres. Além disso, foram selecionados quarenta e dois (42)
verbos diferentes. Esses verbos também eram diferentes dos utilizados nas
sentenças-alvo. Os traços temporais e aspectuais expressos na morfologia do verbo
eram sempre compatíveis com os traços expressos no advérbio. Por último, os
sintagmas preposicionais eram adjuntos ou complementos, sem no entanto ter sido
equilibrado o número de ocorrências de um e outro tipo de sintagma preposicional.
Esses sintagmas é que tornavam a sentença gramatical ou agramatical. As
sentenças agramaticais tinham uma preposição que não estava de acordo com o
sintagma preposicional da sentença.
Abaixo, estão exemplificados os três tipos de sentenças que foram utilizadas
como distratoras.
69
1. Atualmente Mário trabalha no mercado.
2. Antigamente Breno viajava por carro.
3. Ontem Rebeca estudou na biblioteca.
As sentenças distratoras tinham o mesmo número de sílabas da sentenças-
alvo, isto é, quatorze (14) sílabas. Como explicado no item 3.2.2 deste capítulo, ao
final das sentenças, o indivíduo deveria responder se tinha achado a sentença
natural, se julgasse a sentença gramatical, ou estranha, se julgasse a sentença
agramatical. Assim, metade das sentenças distratoras do experimento era
gramatical, e a outra metade, agramatical. Essa divisão de
gramaticalidade/agramaticalidade das sentenças ocorria mais especificamente para
cada grupo de advérbio. Assim, das 14 sentenças distratoras que começam com
“Antigamente”, 7 eram gramaticais e 7 eram agramaticais. O mesmo foi feito para os
advérbios “ontem” e “atualmente”. Todas as sentenças distratoras utilizadas
encontram-se no anexo A. No próximo item, serão explicados os procedimentos de
gravação das sentenças do teste.
3.3 Composição do teste
Como explicado no item 3.2 deste capítulo, o experimento é um teste de
audição automonitorada, o que significa que as sentenças eram apresentadas
auditivamente. Assim, tornou-se necessária a gravação das sentenças para a
realização do experimento. Para isso, inicialmente, foi contratado um produtor
musical e, posteriormente, um locutor/dublador profissional. O produtor musical
contratado foi João Jacques. O locutor/dublador profissional contratado foi Ricardo
Schnetzer.
A gravação dos dados foi realizada pelo produtor, em um estúdio de áudio,
utilizando o programa pro tools 8.0 CS1 (Digidesing) utilizando uma interface
digi002. Os áudios foram gravados no formato AIFF com um sample rate de 44.1 khz
e em 24 bits. Posteriormente, foram convertidos para formato mp3 com bit rate de 96
kb/s pelo produtor responsável pela gravação.
Como no experimento as sentenças seriam apresentadas em quatro partes,
foi necessário o corte do áudio das sentenças. Para que a transição entre os
segmentos fosse feita de forma suave, o corte das sentenças foi feito em áreas de
70
baixa amplitude de sinal. Além disso, foi feito um fade de 2 ms no início e no fim do
arquivo, para que não houvesse ruídos advindos da edição das sentenças.
A fim de que não houvesse nenhuma dificuldade de entendimento das
sentenças, foi utilizada uma caixa de som que amplificava o som das partes das
sentenças. O sinal digital do som da frase era convertido para um sinal analógico
pela interface de áudio (coreaudio) endereçado para os monitores de áudio.
O experimento desenvolvido para esta tese foi aplicado em indivíduos
afásicos. Contudo, o experimento foi, primeiramente, aplicado em um grupo-controle.
No próximo item, serão explicados os critérios de seleção desse grupo.
3.4 Seleção do grupo-controle
Um grupo-controle foi selecionado para a aplicação do teste para que fosse
possível a comparação dos resultados obtidos com esse grupo, com os resultados
obtidos pelos pacientes afásicos. O grupo-controle foi formado inicialmente por 30
indivíduos, mas, após análise de dois critérios,40 oito (8) indivíduos foram cortados,
ficando o grupo-controle com vinte e dois (22) indivíduos, dos quais quatorze (14)
mulheres e oito (8) homens. Todos os sujeitos tinham mais de quarenta (40) anos de
idade. Dos vinte e dois (22) indivíduos, três (3) tinham terceiro grau completo ou
incompleto, treze (13) tinham segundo grau completo ou incompleto, cinco (5)
tinham primeiro grau completo ou incompleto, e apenas um (1) não tinha nenhum
grau de escolaridade. Dos que tinham terceiro grau completo, nenhum tinha
graduação em Letras.
No próximo item, serão explicados os critérios de seleção dos pacientes
afásicos para a participação no estudo.
3.5 Seleção de pacientes
Como o objetivo desta tese é investigar o papel da área de Broca no
processamento de tempo e aspecto, foram selecionados dois (2) indivíduos com
lesão na área de Broca. Contudo, antes da seleção desses pacientes, o projeto
desta pesquisa foi submetido à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa
40 Os critérios de exclusão do grupo controle serão especificados no capítulo 4.
71
(CEP) em atendimento à Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, de
10 de outubro de 1996 (BRASIL, 1996d). O projeto foi analisado pelo CEP da
Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil - SMSDC/RJ, tendo sido aprovado em
09 de agosto de 2010. O parecer de aprovação do projeto encontra-se no anexo B.
A seleção dos pacientes foi feita a partir de dois critérios: local da lesão e
perfil resultante da aplicação de teste de Boston. Um dos pacientes selecionados foi
diagnosticado pela pesquisadora. Esse paciente foi disponibilizado pelo Instituto
Municipal de Geriatria e Gerontologia Miguel Pedro. O outro paciente participante da
pesquisa foi diagnosticado pelo ambulatório de Fonoaudiologia do Curso de
Fonoaudiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro que está alocado no
Instituto de Neurologia Deolindo Couto.
3.5.1 Local da lesão
Os pacientes apresentavam lesão no lobo frontal esquerdo, na área de Broca
e/ou adjacências, comprovada por tomografia computadorizada e/ou ressonância
magnética.
3.5.2 Aplicação do teste de Boston
A aplicação do teste de Boston, Boston Diagnostic Examinations of Aphasia
(GOODGLASS & KAPLAN, 2001), tinha como objetivo investigar e/ou caracterizar os
déficits linguísticos apresentados pelos indivíduos com lesão de hemisfério
esquerdo. Os pacientes foram classificados como afásicos de Broca.
3.6 Aplicação do teste Mini-mental
Além do teste de Boston, também foi aplicada uma versão adaptada para o
português do Brasil por Caramelli e Nitrini (2000) do Mini-exame do estado mental,
ou Mini-mental (FOLSTEIN, FOLSTEIN & MCHUGH, 1975). A aplicação do teste
Mini-mental tem o objetivo de investigar outros possíveis déficits cognitivos, além do
linguístico, decorrentes das lesões de hemisfério esquerdo.
72
3.7 Procedimento
Os experimentos foram implementados no programa Psyscope, versão XB53,
em um computador Macintosh Macbook, OSX versão 10.5.8, com um processador 2
GHz Intel Core 2 Duo, com 1Gb de memória RAM, de treze, três (13,3) polegadas.
Os participantes sentavam-se em frente à tela do computador e liam as instruções
do experimento, com a ajuda do responsável pelo experimento. Nessas instruções,
os participantes foram informados de que seriam apresentados a frases de maneira
não cumulativa, isto é, cada nova parte da frase substituía a anterior, e que
deveriam ouvi-las de maneira natural. Para que cada nova parte da frase
aparecesse, era preciso pressionar a barra de espaço do teclado, devidamente
identificada com uma instrução onde estava escrito “nova”. Depois da sequência de
quatro partes da frase, quando a barra de espaço era apertada, um ponto de
interrogação aparecia na tela. Os participantes foram instruídos a apertar, no teclado
do computador, a tecla com a cor verde e a letra “N” se decidissem que a sentença
era natural, e a apertar a tecla com a cor vermelha e a letra “E” se decidissem que a
sentença era estranha. Depois de ler as instruções, seis (6) sentenças de prática
eram apresentadas aos participantes de modo a habituá-los com o tipo de
apresentação do teste. O responsável pelo experimento estava presente durante a
leitura das instruções e durante a parte de prática do teste. Depois dos conjuntos de
prática, aparecia novamente uma instrução na tela do computador, retomando e
reforçando os pontos principais para uma eficiente realização do teste. Nesse
momento, o responsável pelo experimento deixava o informante sozinho na sala
para a realização do teste41, localizada na Faculdade de Letras da UFRJ, onde
funciona o laboratório do grupo de pesquisa de Biologia da Linguagem. No caso dos
pacientes, os testes foram aplicados nas instituições nas quais eles recebiam
tratamento. As instituições forneceram uma sala isolada, com a infraestrutura
necessária para a aplicação dos testes. O computador portátil era de propriedade da
pesquisadora. As sentenças experimentais e distratoras foram apresentadas de
forma aleatória.
41 Somente o paciente I. não permaneceu sozinho na sala de aplicação do teste, devido a infraestrutura do local de aplicação.
73
3.8 Análise dos dados
O programa utilizado para aplicar os testes nos participantes da pesquisa
fornece o tempo de audição das sentenças apresentadas a eles, além do tempo de
resposta dos indivíduos ao julgarem a agramaticalidade das sentenças. Desses
tempos, foram selecionados aqueles que correspondiam à audição do segmento-
alvo e do tempo de resposta. A organização dos dados obtidos com a aplicação do
teste e o tipo de análise estatística realizada foram diferentes para o grupo controle
e para os pacientes, e serão explicados nas próximas seções.
3.8.1 Grupo controle
3.8.1.1 Organização dos dados
Para que os dados pudessem ser analisados estatisticamente era necessário
que fossem retirados da análise os tempos e os indivíduos desviantes. Assim, foram
estabelecidos critérios de exclusão dos tempos desviantes e, consequentemente,
dos indivíduos que apresentaram esses tempos.
O primeiro critério de exclusão de indivíduos do grupo-controle foi a
quantidade de erros no julgamento da agramaticalidade das sentenças distratoras.
Foram excluídos do grupo-controle todos os indivíduos que tiveram mais que 14%
de erros no julgamento das sentenças. Esse critério foi baseado na ideia de que
erros até essa porcentagem são considerados erros de desempenho, como proposto
por Harris e Wexler (1996). Assim, sete (7) indivíduos foram excluídos do grupo
segundo esse critério.
No que diz respeito aos tempos de audição e resposta, foram excluídos os
valores aberrantes, ou seja, todos os tempos de leitura acima ou abaixo de três
desvios-padrão em relação à média.
Para cada um dos informantes foram feitas sete médias, correspondentes às
condições “II”, “IP”, “PP”, “PI”, “HH”, “HA” e “AH”, uma para cada condição, como
pode ser observado no quadro a seguir:
74
Indivíduo
(S.) Condição Tempo
Indivíduo
(S.) Condição Tempo
Indivíduo
(S.) Condição Tempo
S. II1 1091 S. IP1 1699 S. PP1 939
S. II2 1275 S. IP2 1010 S. PP2 987
S. II3 1034 S. IP3 1236 S. PP3 1019
S. II4 938 S. IP4 1403 S. PP4 1315
S. II5 1259 S. IP5 978 S. PP5 1042
S. II6 1235 S. IP6 1051 S. PP6 898
média II 1138 média IP 1229 média PP 1033
Quadro 2 – Exemplo do cálculo de médias: cálculo da média de tempo de audição, para cada uma das condições experimentais (“II”, “IP” e “PP”) para um mesmo indivíduo (ex. “S.”).
Cada vez que um indivíduo teve até dois dos tempos excluídos, a média foi
feita considerando os tempos restantes da condição. Contudo, se o indivíduo teve
mais de dois tempos excluídos, a média não foi feita, ficando esse sujeito fora da
análise, como exemplificado no quadro abaixo:
Quadro 3 – Exemplo do cálculo de médias para valores ausentes: cálculo da média de tempo de leitura considerando os seguintes casos: (1) quando somente um dos tempos de audição foi excluído (ex. “I.”); (2) quando mais de três tempos de audição foram excluídos (ex. “J.”). Nota-se que no último caso a média foi excluída.
A partir dessa exclusão de valores, foi estabelecido um segundo critério de
exclusão do grupo-controle. Se um indivíduo não teve sua média realizada mais de
duas vezes, em qualquer condição, ele foi excluído do grupo-controle. Assim, mais
um sujeito foi excluído do grupo-controle, permanecendo um total de vinte e dois
(22) indivíduos.
Indivíduo
(I.) Condição Tempo
Indivíduo
(J.)
Condição Tempo
I. HA1 1547 J. PI1 3102
I. HA2 1267 J. PI2 2678
I. HA3 1283 J. PI3 2459
I. HA4 2478 J. PI4 4236
I. HA5 1203 J. PI5 3115
I. HA6 1754 J. PI6 1947
média HA 1410 média PI ______
75
3.8.1.2 Análise estatística
Os dados foram analisados utilizando-se a análise de variância do tipo
ANOVA. Foi feita uma ANOVA three way com dois fatores independentes: sexo, com
dois níveis (feminino X masculino) e grau de escolaridade, com quatro níveis (1o, 2o,
3o e 4o); e um fator dependente, com sete níveis (condições experimentais: “II, IP,
PP, PI, HH, HA, AH”). Essa análise foi efetuada em relação a duas partes do teste:
no segmento-alvo e no tempo de resposta. As análises que revelaram diferença
estatisticamente significativa ensejaram uma análise pós-teste. Assim, foi feito um
pós-teste, o Fisher LSD. Toda a análise estatística foi feita em um programa
estatístico: o Statistics versão 7.
76
Quadro 4 – Organização dos dados para análise estatística: as colunas 1 e 2 correspondem aos fatores independentes, e as colunas de três a sete correspondem às condições experimentais, em relação ao segmento-alvo.
Sexo Escolaridade AH HA HH II PP IP PI
M 2o 1180,333 976,3333 1131,2
1138,666 1033,333 1229,5 1094
M 2o 1865,5 1755,833 1518,833
2006,666 1134,833 2329,2 2507
M 1o 1374 1477,333 1709,5
1297,166 1242,833 1731 1784,333
M 2o 1378,833 1298,833 1282,666
1338,833 1375 1356,333 1277,166
M 2o 1657,166 1331,8 1545,166
1236,333 1513,666 1964,166 1457,333
M 2o 2123 2205,833 1772,5
1455,166 1409,666 1896,666 1534,5
M 2o 2206,666 1989,333 1777,5
1973,333 1280 2073,166 1694,5
M 2o 1024,166 953,5 1179,5
1007 1100,166 1159,833 989,6
M 3o 1194,5 1207 1177,333
1033,33 1226,476 1449,333 1169,5
M 3o 1061,833 1162,166 1130,166
1039,333 1150,166 1351,333 991,1666
M 2o 963,1666 1176,5 1063,333
1067,166 1144,5 1115,5 984,6666
M 4 (0) 1058,5 1130,666 1160,5
1146 1235,5 1228,6 1127
M 2o 1121,5 1041,5 896,1666
865 938,6666 997,5238 973,6666
M 1o 1453,5 1430,666 1621,5
1664,166 1385,833 1474,666 1491,833
H 1o 1333,5 1069,5 985,6666
1422,833 1005,5 1197,5 1353,5
H 1o 1337,666 1305,833 1283,333
1261,833 1240,666 1589,666 1243,333
H 1o 2382 2044,125 1734,5
1762,666 1592 1974,5 2026,6
H 2o 1605,5 1100 1092,2
1137,5 1371 1414,2 1021,333
H 2o 1051 1070 1192,833
1148,83 1054,16 1083,333 1083,16
H 3o 954,3333 980,1666 1010,833
1053,16 950,833 1133,166 1034,33
H 2o 1442,5 1532 1450,666
1298,33 1133,5 1423,833 1539,66
H 2o 1100,833 1342,833 1126,833
1133,83 1168,66 1413,666 1412,66
77
3.8.2 Afásicos de Broca
3.8.2.1 Organização dos dados
Para que os dados dos pacientes afásicos pudessem ser analisados
estatisticamente era necessário que fossem retirados da análise os tempos
desviantes. Assim, foram estabelecidos dois critérios de exclusão dos tempos
desviantes.
O primeiro critério de exclusão de tempos de audição e resposta foi o de
tempo máximo de 10 segundos. Levando em consideração os tempos dos
indivíduos sem patologia e com patologia, o tempo de 10 segundos é muito superior,
o que parece demonstrar que ou o indivíduo não estava prestando atenção ou teve
um problema específico em algumas sentenças, o que em ambos os casos não
parece relevante para a análise estatística. Posteriormente, foram excluídos os
valores aberrantes, ou seja, todos os tempos de leitura acima ou abaixo de três
desvios-padrão em relação à média.
Para cada um dos informantes foram feitas sete médias, correspondentes às
condições “II”, “IP”, “PP”, “PI”, “HH”, “HA” e “AH”, uma para cada condição, como
pode ser observado no quadro a seguir:
Indivíduo
(S.) Condição Tempo
Indivíduo
(S.) Condição Tempo
Indivíduo
(S.) Condição Tempo
S. II1 1172 S. IP1 971 S. PP1 923
S. II2 1499 S. IP2 1571 S. PP2 1451
S. II3 2028 S. IP3 1267 S. PP3 1572
S. II4 1555 S. IP4 1860 S. PP4 1163
S. II5 826 S. IP5 1811 S. PP5 1859
S. II6 1380 S. IP6 1402 S. PP6 1331
média II 1410 média IP 1480 média PP 1383
Quadro 5 – Exemplo do cálculo de médias para afásicos de Broca: cálculo da média de tempo de audição, para cada uma das condições experimentais (“II”, “IP” e “PP”) para um mesmo indivíduo (ex. “S.”).
Cada vez que um indivíduo teve até dois dos tempos excluídos, a média foi
feita considerando os quatro tempos restantes da condição, como exemplificado no
quadro abaixo:
78
Quadro 6 – Exemplo do cálculo de médias para valores ausentes para afásicos de Broca: cálculo da média de tempo de leitura quando somente um dos tempos de audição foi excluído (ex. “I.”).
A partir dos critérios estabelecidos para exclusão da análise, nenhum dos
indivíduos afásicos de Broca foi excluído, permanecendo, assim, dois sujeitos
afásicos de Broca.
3.8.2.2 Análise estatística
Para a realização da análise estatística, as médias dos pacientes afásicos
para cada uma das condições experimentais – “II, IP, PP, PI HH, HA, AH” – foi
comparada em relação ao grupo controle. Essas condições foram analisadas em
relação a duas partes do teste: o segmento-alvo e o tempo de resposta. Os dados
foram analisados utilizando-se um teste T single sample (amostra simples), também
utilizando-se o statistics.
No próximo capítulo, serão apresentados os resultados obtidos com a
aplicação do teste e a discussão desses resultados.
Indivíduo
(I.) Condição Tempo
I. AH1 2111
I. AH2 13715
I. AH3 3887
I. AH4 1951
I. AH5 1695
I. AH6 6383
média AH 3205
79
Capítulo 4 Resultados e discussão
O modelo de teste apresentado no capítulo anterior foi desenvolvido para esta
tese com o objetivo de investigar o papel da área de Broca no processamento de
tempo e aspecto olhando para o modo como os informantes lidam com a
compatibilidade/incompatibilidade entre os traços aspectuais/temporais expressos
na morfologia do verbo e os traços expressos no advérbio. Busca-se, assim, um
melhor entendimento sobre a representação mental da sentença.
Como explicado no capítulo anterior, para que os dados pudessem ser
analisados, as sentenças receberam codificações. Essas codificações dizem
respeito à formação das sentenças. Assim, a codificação II significa que foi utilizado
o advérbio com traço de Imperfectividade e o verbo também com traço de
Imperfectividade. A codificação IP significa que foi utilizado o advérbio com traço de
Imperfectividade e o verbo com traço de Perfectividade. A codificação PP significa
que foi utilizado um advérbio com traço de Perfectividade e o verbo também com
traço de Perfectividade. A condição PI significa que foi utilizado um advérbio com
traço de Perfectividade e um verbo com traço de Imperfectividade. A condição HH
significa que foi utilizado um advérbio com traço de tempo presente (representado
como Hoje) e um verbo também com traço de tempo presente (representado como
Hoje). A condição HA significa que foi utilizado um advérbio com traço de tempo
presente (representado como Hoje) e um verbo com traço de tempo passado
(representado como Antes). A codificação AH significa que foi utilizado um advérbio
com traço de tempo passado (representado por Antes) e um verbo com traço de
tempo presente (representado por Hoje). As codificações podem ser observadas nos
exemplos abaixo:
II. Antigamente Rosa comprava adesivos.
IP. Antigamente José assinou um contrato.
PP. Ontem Francisco instalou um chuveiro.
PI. Ontem Débora filmava casamentos.
HH. Atualmente Gilda desenha camisetas.
HA. Atualmente Raquel lanchava sanduíches.
AH. Antigamente Carmem costura uniformes.
80
Os resultados apresentados neste capítulo também foram divididos em dois
grupos. Primeiramente, serão apresentados os resultados obtidos com o grupo
controle, e, em seguida, os resultados obtidos com os afásicos. Este capítulo
contém, ainda, uma análise comparativa entre eles e a discussão dos resultados.
4.1 Grupo controle
4.1.1 Resultados das análises estatísticas das variáveis independentes
No que diz respeito à análise dos fatores independentes, não foi encontrada
diferença estatisticamente significativa para a variável sexo nem em relação ao
segmento-alvo (efeito principal F(1, 20) = 0,17950, p-valor42 = 0,67633), nem em
relação ao tempo de resposta (efeito principal F(1, 20) = 1,2915, p-valor = 0,26921).
Também não foi encontrada diferença estatisticamente significativa para a variável
grau de escolaridade nem em relação ao tempo de audição do segmento-alvo (efeito
principal F(3, 18) = 1,2004, p-valor = 0,33793), nem em relação ao tempo de
resposta do teste de agramaticalidade (efeito principal F(3, 18) = 1,8723, p-valor =
0,17047). As análises podem ser observadas nos gráficos abaixo:
42 Para um teste de hipóteses, determina‐se a probabilidade máxima de aceitar o erro tipo I (é o erro ao rejeitar uma hipótese nula quando essa é verdadeira). Essa probabilidade máxima é chamada de nível de significância, e pode ser estipulada de acordo com o pesquisador. Em geral, estipula‐se um nível de 5%. O valor da probabilidade de se obter o efeito observado, dado que a hipótese nula é verdadeira, é chamado de p‐valor. Se o valor do p‐valor for menor que o nível de significância estipulado, assume‐se o erro tipo I e rejeita‐se a hipótese nula. Definição disponível em: http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/conteudo/index.php?id_conteudo=11443
81
Gráfico 1 – Média e intervalo de confiança para a variável “sexo” em relação ao tempo de audição do segmento-alvo.
Gráfico 2 – Média e intervalo de confiança para a variável “sexo” em relação ao tempo de resposta.
82
Gráfico 3 – Média e intervalo de confiança para a variável “grau de escolaridade” em relação ao tempo de audição do segmento-alvo.
Gráfico 4 – Média e intervalo de confiança para a variável “grau de escolaridade” em relação ao tempo de resposta.
4.1.2 Resultados da análise estatísticas do tempo de audição do
segmento-alvo
Como descrito no capítulo 3, o segmento-alvo investigado era o verbo das
sentenças, que era ora compatível ora incompatível com os traços
aspectuais/temporais expressos no advérbio.
83
No que diz respeito às condições experimentais, foi encontrada diferença
estatisticamente significativa entre as sete (7) condições (efeito principal F(6,126) =
5,1284, p-valor = 0,00010). Assim, foi realizada uma análise pós-teste, do tipo
Fisher LSD, com o objetivo de investigar onde estavam as diferenças.
Na análise do tipo Fisher LSD, a primeira diferença encontrada foi em relação
ao tempo de audição do verbo entre as condições “II e IP” (p-valor = 0,000598). A
segunda diferença encontrada foi em relação ao tempo de audição do verbo entre as
condições “PP“” e “PI” (p-valor = 0,008675). A terceira diferença encontrada foi em
relação ao tempo de audição do verbo entre as condições “II e AH” (p-valor =
0,042748). Contudo, não foi encontrada diferença em relação ao tempo de audição
do verbo entre as condições “HH” e HA” (p-valor = 0,526687).
Em relação às sentenças consideradas gramaticais, não foram encontradas
diferenças estatisticamente significativas em relação ao tempo de audição do verbo
das condições “PP e HH” (p-valor = 0,066391), nem entre as condições “HH e II” (p-valor = 0, 760537), e também não foi encontrada diferença entre as condições “II e
PP” (p-valor = 0,124517).
Em relação às condições consideradas como sentenças agramaticais, foram
encontradas diferenças estatisticamente significativas na comparação entre “IP e PI”
(p-valor = 0,017781), e “IP e HA” (p-valor = 0,803153).
Em quatro comparações, não foram encontradas diferenças estatisticamente
significativas: na comparação entre “IP e AH” (p-valor = 0,142797 ), entre “PI e AH”
(p-valor = 0,355702), entre “PI e HA” (p-valor = 0,857733) e entre “HA e AH” (p-
valor = 0,270566). Todas as análises acima descritas podem ser observadas no
gráfico abaixo.
84
Gráfico 5 – Médias e intervalos de confiança para as condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH” em relação ao tempo de audição do segmento-alvo.
4.1.3 Resultado da análise estatística dos tempos de resposta
Além da análise do segmento-alvo, foi realizada a análise estatística dos
tempos de resposta dos indivíduos, isto é, do tempo que eles demoraram para
decidir se a sentença ouvida era “natural” ou “estranha”43. Não foram encontradas
diferenças estatisticamente significativas entre as condições experimentais (“II, IP,
PP, PI HH, HA, AH”) em relação aos tempos de resposta (efeito principal F (6, 126)
= 0,81489, p-valor = 0,56029). Os resultados da análise podem ser observados
através do gráfico:
43 Tomando‐se como tempo de decisão o tempo entre o aparecimento do ponto de interrogação, no final da sentença, e o apertar do botão pelo sujeito.
85
Gráfico 6 – Médias e intervalos de confiança para as condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH” em relação ao tempo de resposta.
4.1.4 Resultados do teste de julgamento de agramaticalidade
Como explicado no capítulo 3, o teste era formado por uma tarefa on-line e
por uma tarefa off-line. No que diz respeito à parte off-line do teste, foi observado o
julgamento da agramaticalidade das sentenças pelos indivíduos. Esse julgamento foi
contabilizado de duas maneiras: a primeira em relação a cada indivíduo, e a
segunda em relação ao número total de sentenças.
Para a contabilização do julgamento em relação a cada indivíduo, foram
consideradas as respostas de cada indivíduo em relação a cada uma das condições.
Os resultados encontrados estão organizados nos quadros abaixo:
86
Condição II PP HH
Indivíduo N E N E N E
1 6 - 6 - 5 1
2 6 - 6 - 6 -
3 5 1 6 - 6 -
4 3 3 6 - 6 -
5 6 - 6 - 6 -
6 5 1 6 - 6 -
7 6 - 6 - 6 -
8 6 - 6 - 5 1
9 5 1 6 - 5 1
10 4 2 6 - 6 -
11 6 - 5 1 6 -
12 6 - 6 - 6 -
13 5 1 6 - 6 -
14 5 1 6 - 6 -
15 6 - 6 - 4 2
16 6 - 6 - 6 -
17 6 - 6 - 6 -
18 6 - 5 1 6 -
19 6 - 4 2 5 1
20 6 - 6 - 5 1
21 6 - 6 - 4 2
22 6 - 6 - 5 1
Quadro 7 – Julgamento de agramaticalidade por indivíduo para sentenças gramaticais: organização dos dados referentes à tarefa de julgamento de agramaticalidade em relação a cada indivíduo, para as sentenças gramaticais. A primeira coluna é referente às condições testadas e aos indivíduos. A segunda, a terceira e a quarta colunas dizem respeito às condições gramaticais do teste, e são subdivididas em duas outras colunas, uma “N” de natural e a outra “E” de estranha.
87
Condição IP PI AH HA
Indivíduo N E N E N E N E
1 3 3 5 1 4 2 5 1
2 - 6 3 3 - 6 - 6
3 1 5 - 6 - 6 - 6
4 1 5 1 5 - 6 - 6
5 1 5 2 4 1 5 3 3
6 1 5 4 2 - 6 4 2
7 2 4 1 5 - 6 2 4
8 - 6 5 1 - 6 - 6
9 - 6 - 6 - 6 - 6
10 - 6 1 5 - 6 - 6
11 4 2 6 - - 6 1 5
12 6 - 5 1 1 5 4 2
13 3 3 4 2 - 6 3 3
14 3 3 5 1 - 6 6 -
15 2 4 4 2 3 3 5 1
16 - 4 2 - 6 1 5
17 1 5 5 1 2 4 3 3
18 4 2 5 1 6 - 5 1
19 4 2 5 1 1 5 3 3
20 2 4 2 4 1 5 3 3
21 5 1 6 - 6 - 6 -
22 6 - 6 - 5 1 6 -
Quadro 8 – Julgamento de agramaticalidade por indivíduo para sentenças agramaticais: organização dos dados referentes à tarefa de julgamento de agramaticalidade em relação a cada indivíduo, para as sentenças gramaticais. A primeira coluna é referente às condições testadas e aos indivíduos. A segunda, terceira e quarta colunas dizem respeito às condições agramaticais do teste, e são subdivididas em duas outras colunas, uma “N” de natural e a outra “E” de estranha.
88
Para a contabilização do julgamento em relação ao número total de
sentenças, foi levado em consideração o número de sentenças julgadas como
“naturais” e o número de sentenças julgadas como “estranhas”. O número total de
sentenças julgadas por todos os participantes do teste é de 132 sentenças-alvo por
condição. Os resultados encontrados estão representados no quadro a seguir:
Condição Natural Estranha
II 122 10
PP 128 4
HH 122 10
Quadro 9 – Julgamento da agramaticalidade por número de sentenças para sentenças gramaticais: organização dos dados referentes à tarefa de julgamento de agramaticalidade em relação ao número total de sentenças do teste, para as sentenças gramaticais. A primeira coluna é referente às condições testadas, a segunda ao julgamento das sentenças como “natural”, e a terceira ao julgamento das sentenças como “estranha”.
Condição Natural Estranha
IP 49 83
PI 79 53
HA 60 72
AH 30 102
Quadro 10 – Julgamento da agramaticalidade por número de sentenças para sentenças agramaticais: organização dos dados referentes à tarefa de julgamento de agramaticalidade em relação ao número total de sentenças do teste, para as sentenças agramaticais. A primeira coluna é referente às condições testadas, a segunda ao julgamento das sentenças como “natural”, e a terceira ao julgamento das sentenças como “estranha”.
Na próxima seção, serão organizados e analisados os dados referentes à
aplicação do teste em indivíduos afásicos de Broca.
89
4.2 Afásicos de Broca
4.2.1 Resultados da análise estatística do tempo de audição do
segmento-alvo
Em relação ao primeiro paciente, S, foram encontradas diferenças
estatisticamente significativas em quatro das sete condições comparadas. Os
tempos de audição das condições “HA (p-valor = 0,000632), HH (p-valor = 0,002315), PP (p-valor = 0,000169) e PI (p-valor = 0,002735)” foram
significativamente maiores para o afásico S em relação ao grupo-controle. No
entanto, não houve diferença estatisticamente significativa para as condições “AH
(p-valor = 0,842357), II (p-valor = 0,094824) e IP (p-valor = 0,987706)”.
Em relação ao segundo paciente, I, foram encontradas diferenças
estatisticamente significativas em todas as condições comparadas, a saber: “HA (p-valor = 0,000003), HH (p-valor = 0,000005), PP (p-valor = 0,000000), PI (p-valor = 0,000046), AH (p-valor = 0,000086), II (p-valor = 0,000006) e IP (p-valor = 0,002931)”.
4.2.2 Resultados da análise estatística dos tempos de resposta
Em relação a ambos os pacientes, foram encontradas diferenças
estatisticamente significativas em todas as condições comparadas (p-valor =
0,000000).
4.2.3 Resultados do teste de julgamento de agramaticalidade
O julgamento de agramaticalidade das sentenças também foi observado em
relação aos pacientes afásicos. Esse julgamento só foi contabilizado de uma
maneira. Isso porque decidiu-se nesta tese pela realização de dois estudos de caso
em relação aos afásicos, e não juntá-los em um grupo. Assim, a contabilização do
julgamento em relação a cada afásico é igual àquela em relação ao número total de
sentenças por afásico. Os resultados encontrados estão organizados nos quadros a
seguir:
90
Condição Paciente S Paciente I
N E N E
II 6 - 4 2
PP 6 - 4 2
HH 6 - 4 2
Quadro 11 – Julgamento da agramaticalidade por número de sentenças por afásico para sentenças gramaticais: organização dos dados referentes à tarefa de julgamento de agramaticalidade em relação ao número de sentenças por afásico para sentenças gramaticais. A primeira coluna é referente às condições testadas, a segunda ao julgamento das sentenças como “natural”, e a terceira ao julgamento das sentenças como “estranha”.
Condição Paciente S Paciente I
N E N E
IP 6 - 4 2
PI 6 - 2 4
HA 6 - 1 5
AH 6 - 5 1
Quadro 12 – Julgamento da agramaticalidade por número de sentenças por afásico para sentenças agramaticais: organização dos dados referentes à tarefa de julgamento de agramaticalidade em relação ao número de sentenças por afásico para sentenças agramaticais. A primeira coluna é referente às condições testadas, a segunda ao julgamento das sentenças como “natural”, e a terceira ao julgamento das sentenças como “estranha”.
Nas seções 4.1 e 4.2 deste capítulo foram apresentados os dados e as
análises realizadas para o grupo-controle e para os afásicos de Broca. Na próxima
seção, serão feitas comparações entre os resultados desses dois grupos e a
discussão sobre essas comparações.
4.3 Análises comparativas e discussão
Nesta seção, será realizada a comparação das análises estatísticas e
quantitativas feitas para o grupo-controle e para os afásicos de Broca. Essa
91
comparação permitirá uma melhor compreensão sobre o papel da área de Broca no
processamento de tempo e aspecto e, com isso, um melhor entendimento sobre a
representação mental da linguagem. Dessa maneira, serão realizadas diversas
comparações entre os dados encontrados para os indivíduos-controle e os
indivíduos com patologia.
A primeira comparação diz respeito às médias dos tempos de audição do
segmento-alvo do grupo-controle confrontadas com as médias dos pacientes
afásicos de Broca. O primeiro gráfico diz respeito às médias do paciente S..
Gráfico 7 – Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação ao segmento-alvo, médias do grupo controle e do afásico S.: médias e intervalos de confiança para as condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação ao tempo de audição do segmento-alvo, do grupo controle e do paciente S..
O paciente S. teve um comportamento compatível com o comportamento do
grupo-controle. Nas três primeiras condições, não houve diferença estatisticamente
significativa entre os resultados desse paciente e os do grupo-controle. Nas outras
quatro condições, porém, houve diferença significativa em relação ao tempo de
audição do segmento-alvo. Contudo, não houve diferença no comportamento do
afásico em comparação com o grupo-controle. As condições que apresentaram
maior tempo para o grupo-controle também apresentaram maior tempo para o
paciente S.. A diferença está no fato de que, para o paciente S., esse tempo está
ainda mais aumentado. O mesmo não acontece para o paciente I., como pode ser
observado no gráfico abaixo:
92
Gráfico 8 – Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação ao segmento-alvo, médias do grupo controle e do afásico I.: médias e intervalos de confiança para as condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação ao tempo de audição do segmento-alvo do grupo-controle e do paciente I..
O afásico I. tem um comportamento diferente do grupo-controle e diferente do
paciente S. A primeira diferença está no tempo de audição das condições “IP” e
“AH”. Enquanto o grupo-controle e o paciente S. tiveram tempos de audição maiores
para a condição “IP”, o paciente I. teve tempos de audição maiores para a condição
“AH”. O mesmo pode ser observado na comparação da condição “PP” com a
condição “PI”. O grupo-controle e o paciente S. tiveram tempos de audição maiores
para a condição “PI”, enquanto o paciente I. teve tempos aumentados para a
condição “PP”.
A segunda comparação diz respeito às médias dos tempos de resposta do
grupo-controle confrontadas com as médias dos tempos de resposta dos afásicos de
Broca. O primeiro gráfico diz respeito às médias do paciente S.:
93
Gráfico 9 – Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação aos tempos de resposta, médias do grupo-controle e do paciente S.: médias e intervalos de confiança para as condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação ao tempo de resposta, do grupo-controle e do paciente S..
Como pode ser observado no gráfico acima, houve diferença estatisticamente
significativa para todas as condições, o que aponta para uma dificuldade na tomada
de decisão do paciente S. sobre a gramaticalidade ou não da sentença. O mesmo
acontece para o paciente I., como pode ser observado no gráfico que segue:
Gráfico 10 –Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação aos tempos de resposta, médias do grupo-controle e do paciente I.: médias e intervalos de confiança para as condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação ao tempo de resposta, do grupo-controle e do paciente I..
94
Os dados encontrados para o paciente I. revelam que ele teve ainda mais
dificuldade na tomada de decisão sobre a gramaticalidade ou não da sentença, com
todos os tempos aumentados em relação ao grupo-controle e praticamente todos os
tempos aumentados em relação ao paciente S. (a única exceção é o tempo da
condição “HH”). As diferenças descritas podem ser observadas no gráfico abaixo:
Gráfico 11 – Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação aos tempos de resposta, médias do grupo-controle, do paciente S. e do paciente I.: médias e intervalos de confiança para as condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação ao tempo de resposta, do grupo-controle, do paciente S. e do paciente I..
A terceira comparação diz respeito ao julgamento de agramaticalidade das
sentenças agramaticais. Segundo alguns estudos, como o de Grodzinsky e Finkel
(1998), os afásicos podem apresentar uma superaceitação ou superrejeição das
sentenças em testes de julgamento de gramaticalidade devido ao seu déficit
gramatical. Por isso, a comparação do julgamento das sentenças agramaticais pode
ser mais reveladora que a das sentenças gramaticais. O quadro abaixo diz respeito
à comparação do grupo-controle com o paciente S..
95
Condição G. Controle Paciente S
N E N E
IP 37% 63% 100% -
PI 60% 40% 100% -
HA 45% 55% 100% -
AH 23% 77% 100% -
Quadro 13 – Julgamento da agramaticalidade em porcentagem para sentenças agramaticais: organização dos dados em porcentagem referentes à tarefa de julgamento de agramaticalidade em relação ao número de sentenças por todos os indivíduos para sentenças agramaticais. A primeira coluna é referente ao grupo-controle; a segunda, ao paciente “S.”.
O paciente S. teve um comportamento bem diferente daquele apresentado
pelo grupo-controle. Observando-se as respostas do grupo-controle para o
julgamento das sentenças, percebe-se que os indivíduos-controle tiveram mais
dificuldade em julgar as sentenças agramaticais como agramaticais do que as
gramaticais como gramaticais. Esse tipo de comportamento também parece ser
recorrente, por se tratar de um teste, e não de uma situação natural. Em situação de
teste, os indivíduos sem patologia parecem aceitar mais sentenças e, assim, julgá-
las como naturais. Essa tendência foi muito maior para o paciente S., que julgou
todas as sentenças como gramaticais. Não foi, no entanto, o que aconteceu com o
paciente I., como pode ser observado no quadro abaixo:
Condição G. Controle Paciente I
N E N E
IP 37% 63% 66% 34%
PI 60% 40% 34% 66%
HA 45% 55% 17% 83%
AH 23% 77% 83% 17%
Quadro 14 – Julgamento da agramaticalidade em porcentagem para sentenças agramaticais: organização dos dados em porcentagem referentes à tarefa de julgamento de agramaticalidade em relação ao número de sentenças por todos os indivíduos para sentenças agramaticais. A primeira coluna é referente ao grupo-controle; a segunda, ao paciente “I”.
96
O paciente I., mais uma vez, teve um comportamento bem diferente daquele
apresentado pelo grupo-controle. Em três das condições, o paciente I. teve um
comportamento exatamente oposto àquele apresentado pelo grupo-controle. Isso
aconteceu nas condições “IP”, “PI” e “AH”. Para as condições “IP” e “AH”, o paciente
I. julgou a maioria como natural, enquanto o grupo-controle julgou a maioria como
estranha. No caso da condição “PI”, aconteceu o oposto. Enquanto o paciente I.
julgou a maioria como estranha, o grupo-controle julgou a maioria como natural.
Além disso, na condição “HA” o paciente I. teve um índice de rejeição maior (83%)
que o do grupo-controle, que ficou praticamente na metade (55%).
As análises comparativas tornam-se ainda mais interessantes quando
comparamos a parte on-line com a parte off-line do teste, principalmente em relação
ao paciente S.. Se as três primeiras condições da parte on-line do teste do paciente
S. fossem analisadas separadamente das demais, poderia-se ter um indício de que
o problema desse afásico é mais estrutural do que processual. Isso porque essa
comparação entre as médias reflete a parte on-line do teste, e, para essas
condições, o afásico teve um comportamento compatível ao do grupo-controle. No
entanto, na parte off-line do teste, o julgamento de agramaticalidade, o afásico S.
julgou todas as sentenças como naturais (gramaticais), o que pode ser um indicativo
de que, apesar de o processamento ter sido feito de maneira similar aos indivíduos
do grupo-controle, a interpretação dessas sentenças não o foi, o que parece apontar
para um prejuízo na representação estrutural da linguagem nesse afásico.
Contudo, ao se analisar as outras quatro condições já houve diferença no
processamento das informações de tempo e de aspecto em relação ao grupo-
controle, indicando, nesse caso, problemas tanto de ordem processual como de
ordem estrutural. Isso significa que, apesar de este estudo não ser conclusivo para a
explicação dos problemas dos afásicos, ele traz indícios de que uma comparação
mais direta entre dados de testes on-line e off-line pode apontar se os problemas
dos afásicos são de ordem unicamente processual ou unicamente estrutural, ou
ainda, de ambos, seguindo a linha de raciocínio proposta por Caplan e Waters
(2003) e adotada nesta tese.
Assim, o objetivo desta tese de melhor entender o papel da área de Broca no
processamento de tempo e aspecto, olhando para o modo como os informantes
lidam com a incompatibilidade entre os traços aspectuais/temporais expressos na
morfologia do verbo e nos traços expressos no advérbio, pôde ser alcançado. A
97
partir dos dados dos afásicos de Broca, em comparação com o grupo-controle, é
possível perceber que uma lesão na área da Broca está, de alguma maneira,
relacionada com uma dificuldade maior de processamento dessa incompatibilidade,
tanto em tempo real quanto em dados de julgamento de agramaticalidade. Isso pode
significar que, pelo menos em parte, a área de Broca está relacionada não só com a
representação da linguagem mas também com a implementação desse
conhecimento em tempo real.
Havia, ainda, nesta tese, o objetivo de investigar uma possível dissociação de
tempo e aspecto na representação sintática, e, assim, um melhor entendimento
sobre a representação mental da sentença, objetivo esse que também foi alcançado.
A análise pós-teste do tipo Fisher LSD revelou que os indivíduos demoraram mais
tempo para ouvir o segmento-alvo nas sentenças incompatíveis do que nas
sentenças compatíveis; contudo, em uma comparação, “HH e HA”, essa diferença
não foi estatisticamente significativa (p-valor = 0,0526687).
A comparação com as sentenças consideradas incompatíveis revelou dados
importantes. Os mais importantes são os resultantes da comparação entre as
condições “IP e AH”. Ambas as condições foram comparadas com a mesma
condição “II”. Isso porque quando a condição “II” foi comparada com a condição “IP”,
era investigado o processamento das informações aspectuais contidas nos verbos
(Antigamente João tocava instrumentos X Antigamente José assinou um contrato).
Quando a condição “II” foi comparada com a condição “AH”, era investigado o
processamento das informações temporais contidas nos verbos44 (Antigamente João
tocava instrumentos X Antigamente Rita recorta reportagens). As análises do pós-
teste revelaram que o processamento de sentenças com incompatibilidade dos
traços aspectuais em relação ao advérbio foi significativamente mais custoso do que
o processamento de sentenças com incompatibilidade dos traços temporais em
relação ao mesmo advérbio.
A comparação com os afásicos corrobora as análises feitas para o grupo-
controle. Os dados observados em relação ao paciente S. revelaram uma
correspondência entre o comportamento desse afásico com o grupo-controle, o que
indica que a incompatibilidade dos traços aspectuais em relação ao advérbio foi
44 Nesta tese, assume‐se a proposta de Comrie (1976) de que o presente é um tempo com caráter imperfectivo.
98
mais custosa do que a incompatibilidade dos traços temporais em relação ao mesmo
advérbio, também para esse afásico. Contudo, os dados encontrados para o
paciente I. revelaram um comportamento diferente desse afásico em relação ao
grupo-controle. Apesar disso, esses dados reforçam a ideia de que o processamento
dos traços de tempo é diferente do processamento dos traços de aspecto. As
diferenças descritas podem ser observadas no gráfico abaixo:
Gráfico 12 – Análise das condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação aos tempos de audição do segmento-alvo, médias do grupo-controle, do paciente S. e do paciente I.: médias e intervalos de confiança para as condições “II, IP, PP, PI, HH, HA, AH”, em relação ao tempo de audição do segmento-alvo, do grupo-controle, do paciente S. e do paciente I..
Os dados acima descritos são evidências em favor da dissociação entre as
categorias tempo e aspecto, e, consequentemente, uma evidência em favor da ideia
de que essas categorias são representadas em nódulos diferentes na árvore
sintática.
Entretanto, considerando a discussão apresentada no capítulo 1 desta tese
sobre qual seria o nódulo que estaria mais acima na camada flexional, os dados
encontrados não parecem ser reveladores para essa questão. Por um lado, os
traços aspectuais causaram mais problemas de processamento para o grupo-
99
controle e para o afásico S., e por outro lado os traços temporais foram aqueles que
causaram mais custo processual para afásico I.. Olhando somente para os dados do
grupo-controle, a mudança dos traços de aspecto presentes na morfologia verbal em
relação ao traços presentes no advérbio causou aumento no tempo de
processamento dessas informações – a condição “IP”, com incompatibilidade entre
os traços aspectuais, levou mais tempo para ser processada que a condição “PP”,
que não apresenta incompatibilidade entre os traços aspectuais. Contudo, o mesmo
não aconteceu para a mudança dos traços temporais. A condição “HA”, com
incompatibilidade entre os traços temporais presentes na morfologia verbal e os
traços presentes no advérbio, não levou mais tempo para ser processada do que a
condição “HH”, que não apresenta incompatibilidade entre os traços. Esse dado,
quando comparado aos dados do teste de julgamento de agramaticalidade, também
não parece ser conclusivo. Apesar de não ter havido diferença estatisticamente
significativa entre os tempos de processamento das condições “HH” e “HA”, essa foi
a condição que mais parece ter causado dúvidas no teste de julgamento de
agramaticalidade. Os indivíduos do grupo-controle julgaram as sentenças da
condição “HA”, que seria uma condição agramatical, ora como natural, ora como
estranha. Dos vinte e dois (22) indivíduos, oito (8) julgaram as sentenças como
naturais, nove (9) como estranhas e cinco (5) julgaram metade das sentenças como
naturais e metade como estranhas, sem apresentar uma maioria. O resultado por
número de sentenças mostrou um padrão parecido – 45% das sentenças dessa
condição foram julgadas como naturais e 55% como estranhas. Não fica claro o
porquê do tempo de audição do segmento-alvo não estar correspondente com a
parte off-line do teste. Assim, não se pôde fazer nenhuma proposta de
representação da árvore sintática no que diz respeito à localização desses nódulos
na camada flexional.
A comparação da parte on-line com a parte off-line do teste revela um outro
dado interessante. Olhando-se somente para as condições “PP e PI”, é possível
observar que os indivíduos do grupo controle e o paciente S. tiveram tempos de
audição do segmento alvo e de resposta mais altos na condição “PI” do que na
condição “PP” (p-valor = 0,008675). Apesar disso, eles julgaram tanto as sentenças
do tipo “PP” como as sentenças do tipo “PI”, que indicavam sentenças agramaticais,
como “naturais”, ou seja, como sentenças gramaticais. A partir de uma análise
qualitativa do teste de julgamento de agramaticalidade, pode-se perceber que
100
apesar de eles terem julgado as sentenças do tipo “PI” como gramaticais em sua
maioria, alguns indivíduos do grupo controle julgaram essas sentenças como
agramaticais,45 o que indica que essas condições parecem estar num limite entre
serem compatíveis ou incompatíveis. Uma possível explicação para o julgamento
gramatical das sentenças do tipo “PI” seria a proposta de que existe, além do traço
default de perfectivo do advérbio ontem, um traço subespecificado de
imperfectividade nesse mesmo advérbio, levando a uma compatibilidade entre o
traço subespecificado do ontem e a morfologia de imperfectivo do verbo. Por conta
disso, por exemplo, ontem poderia ser interpretado como um período de tempo no
passado em que uma ação esteve em andamento; logo, uma oração do tipo “Ontem
Débora filmava casamentos” poderia ser interpretada como “Ontem Débora filmava
(estava filmando) casamentos enquanto eu estudava”.
Por último, esta tese tinha três hipóteses norteadoras. A primeira hipótese é
de que o tempo de processamento das informações relativas a tempo é diferente do
tempo de processamento das informações relativas a aspecto em indivíduos
normais. A segunda hipótese é de que o tempo de processamento das informações
relativas a tempo é diferente do tempo de processamento das informações relativas
a aspecto em indivíduos afásicos de Broca. A última hipótese é que os tempos de
processamento das informações relativas a tempo e os tempos de processamento
das informações relativas a aspecto estão aumentados nos indivíduos afásicos de
Broca em comparação com os tempos de processamento dessas informações nos
indivíduos normais. A partir dos dados obtidos com os testes, as hipóteses não
puderam ser refutadas. É importante ressaltar que, em relação à terceira hipótese, o
paciente afásico S. teve tempos de audição do segmento-alvo sem diferença
estatística em comparação com os encontrados para os indivíduos do grupo-controle
em três das sete condições existentes. Assim, torna-se importante uma investigação
mais apurada sobre esses dados, uma vez que para as outras condições, que
também envolviam traços de tempo e de aspecto, houve diferença estatisticamente
significativa entre o desempenho do paciente S. e do grupo-controle. Além disso, o
paciente I. apresentou diferença estatística para todas as condições analisadas.
Portanto, não foi possível refutar a hipótese de que os tempos de processamento
45 Esses dados podem ser observados no quadro 8 deste capítulo.
101
dos afásicos de Broca estão aumentados em comparação com os indivíduos
normais.
No próximo capítulo, serão apresentadas as considerações finais desta tese.
102
Capítulo 5 Considerações finais
Nesta tese, buscou-se um melhor entendimento das possíveis contribuições
que os estudos de processamento podem fornecer para uma compreensão mais
apurada sobre a representação mental da sentença. Assim, optou-se pela realização
de um teste que conjugava características de um teste on-line e de um teste off-line
para se investigar o papel da área de Broca no processamento de tempo e aspecto.
Para atingir o objetivo traçado para esta tese, foi desenvolvido um estudo com um
grupo-controle, que serviu de base para a comparação com os resultados obtidos
com indivíduos com afasia de Broca.
Os resultados encontrados mostraram diferença estatística no modo como os
indivíduos lidam com a compatibilidade/incompatibilidade entre os traços
aspectuais/temporais expressos na morfologia do verbo e os traços expressos no
advérbio. Não houve, no entanto, um padrão de resposta no que diz respeito ao
processamento desses traços. De um lado, os traços aspectuais foram os que
causaram mais problemas para o grupo-controle e para o afásico S., e, por outro
lado, os dados do paciente I. revelaram um custo processual maior para os traços de
tempo. O fato de não ter sido estabelecido um padrão vai ao encontro da proposta
de dissociação das categorias de tempo e aspecto. De uma maneira ou de outra, os
indivíduos lidaram diferentemente com os traços de tempo e aspecto. Esses dados
são evidências em favor da proposta de que essas categorias são representadas em
nódulos diferentes na árvore sintática.
Os resultados em relação ao tempo de resposta foram um pouco menos
esclarecedores. No que diz respeito aos dados do paciente S., três das condições
analisadas não apresentaram diferenças estatisticamente significativas em relação
ao grupo-controle, enquanto as outras quatro condições apresentavam tal diferença.
Ao analisar-se esses resultados com os obtidos no teste de julgamento de
agramaticalidade poder-se-ia chegar a duas conclusões. Olhando-se para as três
primeiras condições, há indícios de que o problema dos afásicos seja estrutural, e
olhando para as outras quatro condições, não seria possível determinar se o
problema dos afásicos é processual ou estrutural, ou ainda, ambos. Isso porque o
afásico S. julgou todas as sentenças do teste como gramaticais, o que parece indicar
um problema na interpretação dessas sentenças. Torna-se ainda mais difícil fazer
uma consideração nesse sentido olhando-se para os dados do paciente I., que
103
apresentou diferença estatisticamente significativa em relação ao grupo-controle,
para todas as condições de tempo de resposta analisadas. Esses dados corroboram
a ideia de que os estudos de processamento podem fornecer contribuições para um
melhor entendimento da representação da estrutura sintática na mente dos
indivíduos. Além disso, os resultados foram reveladores no sentido de que parece
ser esse um caminho promissor para melhor entender os problemas dos afásicos,
seguindo a linha proposta por Caplan e Waters (2003) e adotada nesta tese.
Apesar de nesta tese terem sido estudados dois paciente afásicos, com
lesões parecidas, e classificados como afásicos de Broca, a comparação dos
resultados desses pacientes não se mostrou conclusiva em todos os aspectos
analisados, uma vez que os desempenhos desses pacientes foram bastante
diferentes. Uma das possíveis explicações para essa diferença está no fato de que é
plausível que o paciente I. apresente outros problemas cognitivos além dos
problemas linguísticos. Em uma tentativa de aplicação do Mini-mental (FOLSTEIN,
FOLSTEIN e MCHUGH, 1975), o paciente teve um desempenho ruim em algumas
das tarefas apresentadas pelo pesquisador, como, por exemplo, aquelas
categorizadas pelo teste como envolvendo memória. Não foi possível aplicar o teste
nesse paciente porque ele apresenta grandes dificuldades de fala. Foram feitas
algumas tentativas de aplicação com tarefas alternativas, sem levar em
consideração a fala do paciente, e ele teve um desempenho ruim em todas. Assim,
ainda que nada possa ser afirmado quanto a isso, são indícios de um
comprometimento cognitivo maior, o que pode justificar tantas diferenças em relação
ao desempenho dos dois pacientes. O Mini-mental (FOLSTEIN, FOLSTEIN e
MCHUGH, 1975) foi realizado no paciente S., que teve nota 21. A nota de corte
sugerida pelos autores é de 23, e a nota de corte sugerida pelos autores da versão
validada para o Brasil, Caramelli e Nitrini (2000), é de 26 para pessoas com alto
nível de escolaridade. Para ambas as notas de corte, o paciente S. apresenta
problema cognitivo leve, e, ainda sim, há de se levar em conta os problemas de fala
de um paciente afásico de Broca. Os erros desse paciente foram relacionados à
tarefa de cálculo, a tarefas que envolviam a linguagem, como repetição e escrita, e a
pequenos erros em outras partes. Fica difícil determinar se os problemas
apresentados estão ou não relacionados à dificuldade de comunicação do paciente.
Esse tipo de problema é muito comum quando se trata de testes com
indivíduos com patologia. Ainda que se selecionem pacientes com lesões idênticas,
104
dificilmente encontram-se pacientes com alterações idênticas de linguagem. Uma
vez que é quase impossível encontrar pacientes com lesões idênticas, fica ainda
mais difícil encontrar pacientes com características linguísticas similares. Dessa
maneira, um dos caminhos possíveis para pesquisas futuras é o aprimoramento dos
critérios de seleção dos pacientes que realizarão os testes. O fato de a afasia ser
vista, tradicionalmente, como um déficit exclusivamente linguístico, merece maior
atenção. Ambos os pacientes analisados parecem apresentar algum grau de
comprometimento cognitivo não linguístico, o que sinaliza a necessidade de melhor
esclarecimento sobre esses prejuízos.
Por último, como desdobramento desta tese, propõem-se estudos com
pacientes afásicos com lesão em outra área que não a de Broca. Os dados obtidos
para esta tese indicam que a área de Broca influencia o processamento dos traços
de tempo e aspecto. Contudo, não é possível saber, apenas com esses dados, se
somente a área de Broca exerce essa influência. Essa investigação poderá ser de
grande valia para a discussão sobre como o nosso cérebro realiza as funções
mentais superiores, como, por exemplo, a linguagem. Se uma única área estiver
envolvida no processamento desses traços, poder-se-á pensar em uma visão
localizacionista. Se outras áreas estiverem envolvidas no mesmo fenômeno,
prevaleceria a visão não localizacionista.
105
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111
Anexo A – Sentenças do Teste
Sentenças-alvo
II1. Antigamente Rosa comprava revistinhas.
II2. Antigamente Pedro colava figurinhas.
II3. Antigamente Vera gravava entrevistas.
II4. Antigamente João tocava instrumentos.
II5. Antigamente Clara plantava margaridas.
II6. Antigamente Bruna fritava salgadinhos.
PI1. Ontem Débora filmava casamentos.
PI2. Ontem Renato montava televisões.
PI3. Ontem Francisco criava passarinhos.
PI4. Ontem Evandro domava elefantes.
PI5. Ontem Gilberto caçava crocodilos.
PI6. Ontem Mônica bordava fantasias.
IP1. Antigamente José assinou um contrato.
IP2. Antigamente André capinou um terreno.
IP3. Antigamente Vitor pendurou um espelho.
IP4. Antigamente Igor assaltou uma moça.
IP5. Antigamente Carla descascou uma maçã.
IP6. Antigamente Graça embrulhou um presente.
PP1. Ontem Gisele encapou um caderno.
PP2. Ontem Denise digitou uma carta.
PP3. Ontem Ernesto engraxou um sapato.
PP4. Ontem Felipe desmontou uma mesa.
PP5. Ontem Fátima cozinhou uma ave.
PP6. Ontem Regina preparou um empadão.
112
HH1. Atualmente Celso reforma restaurantes.
HH2. Atualmente Gilda desenha camisetas.
HH3. Atualmente Jorge fabrica celulares.
HH4. Atualmente Fábio reboca veículos.
HH5. Atualmente Marta entrega encomendas.
HH6. Atualmente Raul conserta geladeiras.
AH1. Antigamente Rita recorta reportagens.
AH2. Antigamente Laura opera pacientes.
AH3. Antigamente Carmem costura uniformes.
AH4. Antigamente Miguel instala telefones.
AH5. Antigamente Lurdes arquiva documentos.
AH6. Antigamente Luís projeta edifícios.
HA1. Atualmente Leila chupava pirulitos.
HA2. Atualmente Taís tomava vitaminas.
HA3. Atualmente Raquel lanchava sanduíches.
HA4. Atualmente Marcos treinava nadadores.
HA5. Atualmente Carlos julgava assassinos.
HA6. Atualmente Zico pintava automóveis.
113
Sentenças distratoras
XX1. Atualmente Natalino bebe com bares.
XX2. Atualmente Luiza dirige em cinto.
XX3. Atualmente Severino lê de óculos.
XX4. Atualmente Murilo gosta por verdura.
XX5. Atualmente Alessandra cuida por filho.
XX6. Atualmente Pablo aposta em cavalos.
XX7. Atualmente Mário trabalha no mercado.
XX8. Atualmente Alexandre beija por boca.
XX9. Atualmente Geraldo rema de lagoa.
XX10. Atualmente César vive no interior.
XX11. Atualmente Lucas luta em competição.
XX12. Atualmente Joel anda de bicicleta.
XX13. Atualmente Eduardo sai pra amigos.
XX14. Atualmente Flora ajuda na igreja.
YY1. Antigamente Breno viajava por carro.
YY2. Antigamente Rubens caminhava de praia.
YY3. Antigamente Cadu jogava na seleção.
YY4. Antigamente Valdir morava na fazenda.
YY5. Antigamente Mara brincava de boneca.
YY6. Antigamente Duda pedalava por praça.
YY7. Antigamente Sara fofocava com portão.
YY8. Antigamente Viviane rezava com fé.
YY9. Antigamente Marisa cantava de coral.
YY10. Antigamente Bianca nadava no clube.
YY11. Antigamente Juca fugia em escola.
YY12. Antigamente Carina corria na rua.
YY13. Antigamente Bernardo cochilava no trem.
YY14. Antigamente Laís namorava por sofá.
114
ZZ1. Ontem Mariana escreveu entre caneta.
ZZ2. Ontem Rebeca estudou na biblioteca.
ZZ3. Ontem Reginaldo comeu entre lanchonete.
ZZ4. Ontem Fabiano malhou com academia.
ZZ5. Ontem Madalena telefonou para casa.
ZZ6. Ontem Adriana participou por debate.
ZZ7. Ontem Alcione mudou de apartamento.
ZZ8. Ontem Janete almoçou para escritório.
ZZ9. Ontem Carolina jantou de aeroporto.
ZZ10. Ontem Luciana caiu no supermercado.
ZZ11. Ontem Daniela merendou no refeitório.
ZZ12. Ontem Roberto passeou de motocicleta.
ZZ13. Ontem Gabriela dormiu para camisola.
ZZ14. Ontem Aparecida foi ao cabeleireiro.
Frases de prática
FP1. Antigamente Marlene dançava por baile.
FP2. Antigamente Danilo pulava na cama.
FP3. Atualmente Helena varre por vassoura.
FP4. Atualmente Dilma conversa na janela.
FP5. Ontem Joaquim esteve com barbearia.
FP6. Ontem Ricardo estacionou na calçada.
115
ANEXO B – Parecer de Aprovação