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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR COSTA DA ROSA ASPECTOS DA PROGRESSÃO E DA COESÃO TEXTUAL Rio de Janeiro 2005

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Page 1: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PAULO CESAR COSTA DA ROSA

ASPECTOS DA PROGRESSÃO E DA COESÃO TEXTUAL

Rio de Janeiro

2005

Page 2: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

Paulo Cesar Costa da Rosa

Departamento de Letras Vernáculas

ASPECTOS DA PROGRESSÃO E DA COESÃO TEXTUAL

Tese de Doutorado em Língua

Portuguesa apresentada à

Coordenação do Programa de

Pós-graduação em Letras da

Universidade Federal do Rio

de Janeiro. Orientador:

Helênio Fonseca de Oliveira.

Rio de Janeiro

2005

2

Page 3: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

FOLHA DE APROVAÇÃO

ROSA, Paulo Cesar Costa da. Aspectos da progressão e da coesão textual. Rio de

Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2005. 110

fl. Mimeo. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________Professor Doutor Helênio Fonseca de Oliveira

(Orientador)

______________________________________________________________________Professora Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis

______________________________________________________________________Professor Doutor Cláudio Cesar Henriques

______________________________________________________________________Professor Doutor Luiz Fernando Medeiros de Carvalho

______________________________________________________________________Professor Doutor Agostinho Dias Carneiro

______________________________________________________________________Professor Doutor André Crim Valente

______________________________________________________________________Professora Doutora Rosane Santos Mauro Monerat

Examinada a Tese:Conceito:Em: 17/01/2006

3

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Dedico este trabalho a Janaína, meu norte:

Se o tempo me fosse quando,Se o onde, o meu espaço,Você seria o comando,O porto do meu cansaço.

Se os dias me arranham a pele,Me esfolam, destroem ossos,Só há você quem revele:Há frutos e serão nossos.

Se eu paro e sento à calçada:“Não posso, não posso tanto!”Você não me diz mais nada,Me olha e eu me levanto.

Se um arco é meu novo prumoE a alma já se me esgueira,Não tenho um só meu resumo;Você tem minha vida inteira.

Paulo Rosa

4

Page 5: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

AGRADECIMENTOS

Aos professores Maria Aparecida Lino Pauliukonis, Cláudio Cesar

Henriques, Luiz Fernando Medeiros de Carvalho, Agostinho Dias Carneiro,

André Crim Valente, Rosane Santos Mauro Monerat, pela gentileza de terem

participado da banca, a despeito dos prazos tão exíguos.

Ao Helênio, o oriente.

A Janaína, o norte.

A Victor e Júlia, meus filhos tropicais.

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Page 6: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

Tecendo a Manhã

1. Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos.

2. E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo

(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.

(NETO, João Cabral de Melo. A educação pela pedra, 1966.)

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Page 7: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

SINOPSE

Estudo do papel da coesão e da progressão textual na

construção do texto como unidade verbal de comunicação.

Investigação do comportamento da trama textual, resultante

da coocorrência da trama verbal, da trama lexical, da trama

referencial e da trama conjuntiva.

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Page 8: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO, 10

1 TEXTO E SIGNO LINGÜÍSTICO, 14

1.1 Natureza do signo lingüístico, 18

1.2 Sujeitos da comunicação e construção do discurso, 24

1.2.1 Texto e modo de organização do discurso, 25

1.2.11 Construção do sentido e situação de comunicação, 25

1.2.12 Tipos e gêneros textuais, 28

1.2.13 Trama verbal: uma categoria de língua, 31

2 COESÃO TEXTUAL, 35

2.1 Coesão lexical, 41

2.2 Uma observação acerca da reiteração, 42

2.2.1 Artigo definido como anaforizador, 43

2.3 Coesão colocacional, 45

2.3.1 Coesão e coerência, 46

2.3.11 Texto “com coesão, mas sem coerência”, 47

2.3.12 Texto “sem coesão, mas com coerência”, 49

2.4 Os verbos no contexto e no cotexto, 52

2.4.1 A função cotextual dos verbos, 52

2.4.2 A função contextual dos verbos, 56

3 PROGRESSÃO TEXTUAL, 59

3.1 Tema e rema, 59

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Page 9: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

3.2 Redigir e ler textos argumentativos, 61

3.2.1 O que subjaz à superfície textual, 62

3.3 Progressão de textos argumentativos: um exemplo, 64

4 TEXTO ESCRITO: INTERFERÊNCIA DA ESCRITA NO ENSINO DA

COESÃO, 75

4.1 A tradição da escrita, 79

4.2 Coesão no texto escrito: uma questão de registro, 82

5 EXAME DE DOIS TEXTOS, 87

5.1 A trama verbal, 90

5.2 A trama lexical, 92

5.3 A trama referencial, 94

5.4 A trama conjuntiva, 95

6 CONCLUSÃO, 97

REFERÊNCIAS, 100

9

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INTRODUÇÃO

A palavra texto tem origem no latim texere (construir, tecer), cujo

particípio passado textu também era usado como substantivo, e significava

maneira de tecer, ou coisa tecida, entrelaçamento, tecido, contextura, e ainda

mais tarde, estrutura. Provavelmente por volta do século XIV, a evolução

semântica da palavra terá atingido o sentido de tecelagem ou estruturação de

palavras, ou ainda composição literária, e passou a ser usado em inglês,

proveniente do francês antigo texte. Em português, o vocábulo pode ter sido

incorporado do francês no século XIV. O Dicionário etimológico da língua

portuguesa1 ilustra uma citação do século XVI com a forma já aportuguesada:

Não lhe negarey que tratão lá mays disso, que dos textos.

Portanto, a palavra texto tem origem numa catacrese. De certa maneira,

um dos referenciais que nortearão este nosso trabalho será a crença de que tal

catacrese não é destituída de razão. Mais ainda: cremos que um texto se estrutura

de maneira semelhante à que ocorre com o tecido: fios que se entrelaçam de

maneira não-fortuita, com um propósito definido, com uma lógica interna, de

sorte que, por exemplo, em função da natureza do fio, seja possível prever a

qualidade do tecido. Um tecido típico, enfim, não poderá ser o mesmo que um

fio – com este ele não se poderá confundir – pois um tecido deverá ter o

entrelace de fios e deverá ter comprimento e largura (sem isso não terá razão de

ser, pois um tecido terá outros objetivos: vestir, estofar, etc). Dessa forma,

1 CUNHA A. G. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

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queremos propor aqui que um texto, assim como um tecido, deverá apresentar

entrelace, densidade e extensão. Assim, conforme veremos, não haverá texto

sem coesão e sem progressão, os quais constituem dois fatores essenciais à

construção de um texto típico.

Basicamente buscaremos neste trabalho examinar alguns aspectos

lingüísticos e discursivos responsáveis pela coesão e pela progressão,

acreditando que um texto se constrói pela superposição de várias camadas de

tramas textuais, de modo a se lhe conferir uma determinada densidade. Cada

camada corresponde a um subsistema coesivo que examinaremos no capítulo

concernente à coesão textual.

Nossa tarefa inicial seria investigar, de maneira igualitária, aspectos tanto

da progressão, quanto da coesão textual. No entanto, constatamos que a rigor a

progressão é mais uma conseqüência da coesão do que um fenômeno textual do

status deste último. A oposição que se faz entre coesão e progressão nos remete

à que se estabelece tradicionalmente entre regência e concordância verbais: a

rigor, se considerarmos que regência verbal é a exigência que o verbo faz da

presença de um sujeito, um objeto, etc., a relação de concordância entre sujeito e

verbo nada mais será do que uma repercussão do fenômeno primitivo, a

regência.

De sorte que em vários momentos deste trabalho faremos ressalvas de que

certo aspecto da coesão terá como um dos resultados a extensão do texto.

No primeiro capítulo, discutiremos a natureza do signo lingüístico, com o

objetivo de tentar determinar o alcance do conceito de texto. Essa preocupação,

de caráter epistemológico é de grande valia e constitui uma de suas pedras

angulares. Ainda nesse capítulo, discutiremos o conteito de tipo de texto,

apoiando-nos fundamentalmente no modelo teórico de Patrick Charaudeau. Ali

levantaremos a especificidade daquilo que consideramos uma categoria

lingüística de grande poder na determinação de um texto: a trama verbal.

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No capítulo 2, discutimos o conceito de coesão textual, com base na teoria

de Halliday & Hasan, incluindo alguma contribuição da descrição de tempos

verbais que Harald Weinrich põe em prática e que nos parece até hoje pouco

aproveitada no campo do ensino de língua, dada sua grande operacionalidade e

capacidade de adaptação a diversos sistemas lingüísticos.

No capítulo em que tratamos especificamente de progressão textual – o

terceiro –, fazemos isso com alguma restrição. Considerando que nosso objetivo

inicial foi pesquisar esse fenômeno no nível argumentativo (especialmente em

redações argumentativas de Ensino Médio), de certa maneira estamos sendo

coerentes com a proposta. Contudo o título da tese (advindo de nosso projeto

inicial) não contempla essa especificidade: o resultado final é o de dar a

impressão de que nós entendemos texto argumentativo como o único capaz de

progredir – o que seria um absurdo. Portanto, neste trabalho cremos ter dado

uma abrangência leal aos interesses acadêmicos de uma tarefa desta monta. De

qualquer forma, a progressão é abordada em diversos pontos deste trabalho.

No quarto capítulo, trazemos para o debate duas questões pertinentes ao

campo do ensino/aprendizagem: a escrita e a leitura. Discutimos ali um

problema concreto do ensino da coesão: a interferência da escrita na descrição e

na execução da tarefa de ministrar aulas sobre esse princípio textual.

Por fim, no quinto capítulo, trouxemos para o interior da tese dois textos –

um narrativo e outro argumentativo –, a fim de que pudéssemos averiguar a

noção de que um texto é resultante da superposição de quatro camadas de tramas

textuais de caráter coesivo.

Esta é uma tese de caráter reflexivo (não é, por exemplo, um

trabalho em que se priorize o estudo de um corpus e dele se contabilizem dados,

etc.). A despeito disso, lançaremos mão de alguns textos integrais ou parciais,

que têm o cunho ilustrativo. Num trabalho que tem como objeto o texto, era de

esperar que assim fosse. Portanto, nosso papel central aqui será defender o

caráter exclusivamente verbal do texto – unidade que se constitui em uma

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superposição de quatro camadas de tramas textuais (trama verbal, trama

lexical, trama referencial, trama conjuntiva).

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1 TEXTO E SIGNO LINGÜÍSTICO

Um texto aqui será entendido como uma rede de signos lingüísticos que

forma uma unidade comunicativa, cuja atualização depende de sua inter-relação

coesiva (cotextual) e sua extra-relação com a situação comunicativa (contextual).

A matéria-prima de um texto é o signo lingüístico, algo que pode ser

verbalizado pela fala e eventualmente representado pela escrita em sociedades

não ágrafas. Portanto, não há por que falar em textos “não-verbais”, tais como

gravuras, fotografias ou imagens em movimento. Essas ocorrências icônicas não

são signos lingüísticos, uma vez que não apresentam a arbitrariedade (na

terminologia de Saussure) ou a consubstancialidade (na terminologia de

Benveniste), que lhes é intrínseca, necessária.

Esta nossa posição é uma tentativa de reagir àquilo que nos parece

apresentar dois perigos. O primeiro, de ordem epistemológica, é a perda do

limite de objeto de estudo da Lingüística do Texto. O segundo está no campo do

ensino de língua: os próprios autores de livros didáticos e professores da área

têm dificuldade de delimitar o sentido de texto.

É sabido que em nossas escolas, a cada dia que passa, mais e mais a

noção de texto está indo além do signo lingüístico. Acontece que essa tendência

– advinda principalmente das contribuições das pesquisas no terreno da

Semiologia – não nos parece ser suficientemente operacional: se texto fosse

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tomado como uma produção necessariamente verbal (porque passível de ser

verbalizado), todas as outras manifestações de linguagem poderiam continuar

sendo estudadas nas aulas de Português – até porque é notório que vivemos, por

conta da revolução tecnológica, uma cultura altamente audiovisual –, sem que se

perdesse o foco da questão: o texto é a materialização de um ato lingüístico.

Parece-nos, portanto, que o uso de texto como manifestação não-verbal é, por

assim dizer, um desperdício terminológico.

Para ilustrar o perigo a que aludimos, tomemos um “estudo de texto”

empreendido por Literatura brasileira: ensino médio2 – livro didático, muito

utilizado atualmente em colégios de Ensino Médio do Rio de Janeiro:

A seguir você vai fazer a leitura de três textos: dois verbais e um visual. O primeiro é um poema de Gregório de Matos, o principal poeta barroco brasileiro; o segundo é uma escultura de Aleijadinho, o principal artista plástico do Barroco brasileiro; o terceiro é parte de um sermão de padre Antônio Vieira, grande orador português que viveu no Brasil no século XVII. Após a leitura, responda às questões propostas.3

Nesse momento, os autores do livro oferecem para leitura Texto I,

Buscando a Cristo, de Gregório de Matos, e, a seguir, o que eles consideram

como Texto II: uma foto da escultura de Aleijadinho, feita pelo fotógrafo Felipe

Goifman, que representa Cristo a carregar a Cruz. Seguem os textos I e II:

Texto I

Buscando a Cristo

A vós correndo vou, braços sagrados,Nessa cruz sacrossanta descobertosQue, para receber-me, estais abertos,E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsadosDe tanto sangue e lágrimas abertos,Pois, para perdoar-me, estais despertos,E, por não condenar-me, estais fechados.

2 CEREJA, Willian. Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura brasileira: ensino médio. Edição reformada/ Livro do professor. 2.ed. São Paulo: Atual, 2000. 3 Op. cit. p. 93.

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A vós, pregados pés, por não deixar-me,A vós, sangue vertido, para ungir-me,A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me

A vós, lado patente, quero unir-me,A vós, cravos preciosos, quero atar-me,Para ficar unido, atado e firme.

(In: Antonio Cândido e J. A. Castello. Presença da literatura brasileira. São Paulo: Difel, 1976. v. 1, p. 60-1.)

Texto II:

Na seqüência do “estudo dos textos”, os autores fazem seis perguntas,

referindo-se aos textos I, II, III (a este último não faremos referências, por nos

darmos por satisfeitos apenas como os dois primeiros exemplos) Aqui estão as

três primeiras:

1- Tanto os textos literários quanto a escultura de Aleijadinho apresentam semelhança quanto ao tema, evidenciando interesse por determinado assunto. Compare os textos e deduza: qual é esse assunto?Resposta do “livro do professor”: Os três textos apresentam temas religiosos, ou, mais precisamente, tratam do sofrimento como forma de purificação.

2- O homem barroco sente-se espiritualmente em conflito, dividido entre a carne e o espírito, entre o pecado e o perdão, entre a razão e a sensação. Desse conflito, resulta freqüentemente um sentimento de culpa. No texto I, interprete:a) Como pode ser compreendido o desejo do eu lírico de se unir ao corpo torturado de Cristo?Resposta do livro do professor: Sentindo-se arrependido de seus pecados, o eu lírico identifica-se com a imagem de Cristo crucificado e, pela imaginação, deseja unir-se a ele em seu sofrimento como forma de purificação.b) Nesse texto, o eu lírico manifesta ter um sentimento de culpa? Justifique com dados do texto.Resposta do livro do professor: Sim; palavras como “castigar”, “perdoar” e “condenar” sugerem um sentimento de culpa.

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3- A expressividade da obra de Aleijadinho reside principalmente em duas partes do conjunto: o rosto (sobretudo o olhar) e as mãos. Observe esses elementos e deduza: que sentimentos ou sensações traduzem:a) a mão sobre a cruz e os dedos crispados de Cristo?Resposta do livro do professor: Resposta pessoal. Sugestão: traduzem a dor e o sofrimento provocados pelos maus-tratos. b) o olhar distante e perplexo de Cristo?Resposta do livro do professor: Idem. Sugestão: Traduz sua desolação e sua indignação diante das atitudes humanas, ampliando o sentido trágico da obra.

Queremos aqui comentar dois embaraços que verificamos.

O primeiro diz respeito à questão 3 – em que se faz uma análise da

estrutura plástica da escultura: diz-se, por exemplo, que o olhar perplexo de

Cristo traduz sua desolação e sua indignação. A interpretação nos parece

absolutamente viável e a própria inclusão de uma estátua barroca num livro que

trata do Barroco é, sem sombra de dúvida, de grande operacionalidade para

contextualizar a literatura daquela época. O problema é que essa interpretação,

ao contrário do que ocorre na questão 2, não surgiu propriamente de um texto.

Se uma imagem ou uma estátua, ou uma melodia, ou um passo de dança nos

remete à produção de um texto, este só o será por causa de nossa capacidade

cognitiva de produzi-lo livremente; não constituirão, pois, textos em si, mas

poderão funcionar como “instrutores textuais”, isto é, elementos icônicos que

evocarão eventualmente um enunciado.

O segundo embaraço nos remete a uma outra questão de ordem prática:

afinal a que “texto II” os autores se referem? Nas perguntas aos alunos, falam da

“obra de Aleijadinho”; portanto parece que o texto é a estátua. No entanto, tudo

está baseado na foto do fotógrafo Felipe Goifman . E nos vem uma dúvida: uma

foto de uma pessoa é um texto ou a pessoa é o próprio texto? Se a pessoa for o

texto, estaremos tão distanciados do objeto de estudo da Lingüística que talvez já

nem haja mais objeto.

Essa discussão, decerto excessiva, nos remete ao quadro do pintor

surrealista René Magritte, que viveu entre 1898 e 1967. Trata-se do desenho de

um cachimbo e se lê escrito abaixo, dentro do próprio quadro: "ISTO

CONTINUA A NÃO SER UM CACHIMBO".

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Portanto, considerar a existência de textos não-verbais agrega um

incômodo e dispensável problema de delimitação de um objeto que já engloba

tantos fatores complexos de ordem lingüística.

1.1 Natureza do signo lingüístico

Uma das grandes preocupações de Ferdinand de Saussure, ao estabelecer

o conceito dicotômico de signo lingüístico, foi apagar o conceito ingênuo de que

a língua é um simples rol de palavras que serviriam de rótulos para os objetos do

mundo biossocial, fatos, conceitos sociais. O signo lingüístico não une uma

palavra a um objeto, mas um conceito a uma imagem acústica: nem o

significante corresponde imediatamente à natureza audível ou legível do signo,

nem o significado representa o objeto do mundo extralingüístico. O signo

lingüístico é uma abstração de uma realidade psíquica: o que existe é uma

relação mediata, isto é, há uma espécie de embreagem entre o som/grafia e a

imagem acústica (no âmbito do significante) e o mesmo entre o conceito e o

objeto (no âmbito do significado). Para Saussure, o pensamento e a linguagem

se dão no mesmo momento. Isso significa dizer que a cada expressão do

pensamento corresponderá uma expressão lingüística. Ora, se durante a

produção de um texto (materialização do ato de comunicação) o sujeito

comunicante cria um texto seu, é justo que crie pari passu um outro texto virtual

(o que chamaremos mais adiante de texto virtual), com o qual estabelecerá

constante intertextualidade.

O filósofo alemão Frege escreve, em 1892, o artigo “Sobre o Sentido e a

Referência”. Nele concebe o sinal, ou nome próprio , como a união de uma

referência (a coisa designada) e um sentido (o “modo de apresentação” do

objeto):

A conexão regular entre o sinal, seu sentido e sua referência é de tal modo que ao sinal corresponde um sentido determinado e ao sentido, por sua vez, corresponde uma referência determinada, enquanto que a uma referência (a um objeto) não deve pertencer apenas um único sinal.4

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Entretanto, nem sempre uma referência corresponderá ao sentido:

“entender-se um sentido nunca assegura sua referência”. Palavras como

unicórnio ou centauro, embora tenham um sentido apreensível, não nos

garantem uma referência. Observe-se que outros autores, dentre os quais Pottier

propuseram uma solução mais plausível para a questão (sugerem a distinção

entre referente físico e referente mental – em que unicórnio não tem referente

físico, mas tem mental) Enfim, parece-nos que essa discussão não afeta a

totalidade do que buscamos aqui discutir.

Além desses componentes do que chamou de sinal, o sentido e a

referência, Frege introduz outro componente: a representação associada ao

sinal. Diferentemente do sentido do sinal, que seria uma imagem apreendida

coletivamente, portanto, de modo mais “objetivo”, a representação é

inteiramente subjetiva:

Se a referência de um sinal é um objeto sensorialmente perceptível, minha representação é uma imagem interna, emersa das lembranças de impressões sensíveis passadas e das atividades, internas e externas, que realizei. (...) A representação é subjetiva: a representação de um homem não é a mesma de outro. (...) A representação, por tal razão, difere essencialmente do sentido de um sinal, o qual pode ser a propriedade comum de muitos, e portanto, não é uma parte ou modo da mente individual (...). 5

O autor então resume a constituição do nome próprio:

A referência de um nome próprio é o próprio objeto que por seu intermédio designamos; a representação que dele temos é inteiramente subjetiva; entre uma e outra está o sentido que, na verdade, não é tão subjetivo quanto a representação, mas que também não é o próprio objeto.6

Frege afirma que o sinal designa uma “referência” (a coisa do mundo real

que é designada), contudo a conexão entre o sinal e a coisa designada é

arbitrária, já que ninguém pode ser impedido de empregar qualquer evento ou

4 FREGE, G. Sobre sentido e a referência. In: Lógica e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Cultrix/USP, 1978. p. 63.5 Idem. p. 64-656 Idem, ibidem.

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objeto arbitrariamente produzido como um sinal para qualquer coisa. Arbitrária

será a conexão entre o sinal e a referência – conexão que pode ser alterada, ou

deformada, pelo falante.

Ao contrário, Saussure concebe a língua como um sistema de signos que

por si só dão conta da significação. Ao conceituar signo, Saussure deixa

marcada a diferença entre entidades psíquicas (que constituiriam o signo) e

físicas (que lhe seriam estranhas). Como dissemos, o signo não une uma palavra

a um objeto, mas um conceito a uma imagem acústica: nem o significante

corresponde imediatamente à natureza audível ou legível do signo, nem o

significado representa o objeto do mundo extralingüístico. Essa distinção é

fundamental à concepção saussureana da língua como sistema auto-suficiente,

que não precisa do mundo para se explicar. Então, o princípio da arbitrariedade

do signo, que é o primeiro princípio enunciado por Saussure e, em sua opinião, o

de precípua importância na análise lingüística, não teria a ver com a conexão do

signo com o mundo, com a coisa do mundo real designada pelo signo. Os

componentes do signo, destacados na passagem citada acima, a saber, o conceito

(significado) e a imagem acústica (significante), é que sofrem uma conexão

arbitrária. No entanto, a palavra arbitrário requer também uma observação. Não

deve dar a idéia de que o significante dependa da livre escolha do que fala (...);

queremos dizer que o significante é imotivado, isto é, arbitrário em relação ao

significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade.

Língua e pensamento são indissociáveis, tal uma folha de papel, um sendo

o verso e outro o anverso da folha: ao rasgarmos o papel, afetamos ambos os

lados da folha. Esta metáfora, utilizada por Saussure, pode ser ampliada, ou

antes reduzida, aos componentes do signo, o significado e o significante. A

língua, para Saussure, é a expressão do pensamento que, sem ela, é uma “massa

amorfa e indistinta”. A expressão não se dá diretamente do pensamento aos sons:

ela é mediada pela língua, que é um sistema de signos. É na relação que se

estabelece no sistema que os signos adquirem seu valor, que significam. A

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língua não é um sistema de signos justapostos, mas uma rede de signos que se

relacionam e, assim, significam. Para Saussure, é como no jogo de xadrez: cada

peça se define, adquire- valor, na relação que tem com as outras peças do jogo.

Os signos, também, se definem negativamente, pela oposição com outros signos

do sistema. Mas é preciso ainda distinguir, como observa Saussure, o valor

lingüístico da significação. O valor é um elemento da significação. A

significação, para ele, refere-se ao signo lingüístico internamente, no seu

componente conceitual. Temos, então, uma contradição:

(...) de um lado, o conceito nos aparece como a contraparte da imagem auditiva no interior do signo e, de outro, este mesmo signo, isto é, a relação que une seus dois elementos, é também, e de igual modo, a contraparte dos outros signos da língua.7

A interpretação do signo se dá, então, em duas direções: vertical, entre

seus componentes (significante e significado); e horizontal, na relação com

outros valores semelhantes. Sem estas relações de diferentes direções não

haveria significação.

Émile Benveniste retoma a discussão de Saussure, sobre a arbitrariedade

do signo, redimensionando-a. Ele não refuta o pensamento de Saussure, mas

aponta algumas confusões, decorrentes da exclusão do mundo na análise da

língua como um sistema de signos. Para Benveniste, a relação entre significado

e significante não é arbitrária: “o que é arbitrário é que um signo, mas não outro,

se aplica a determinado elemento da realidade, mas não a outro”.8

Benveniste argumenta que não existe nada que obrigue um signo como

livro representar um objeto “livro”. Mas a intuição do falante será diversa: “Para

o falante há, entre a língua e a realidade, adequação completa: o signo encobre e

comanda a realidade; ele é essa realidade”.9 Em sua opinião, quando Saussure se

refere à arbitrariedade do signo, na verdade discute a significação, não o signo

7 SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1974. p.133. 8 BENVENISTE, E. Problemas de lingüística geral I. São Paulo: Nacional/Edusp, 1976. p.569 Idem. p.57.

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lingüístico: “o arbitrário só existe em relação com o fenômeno ou o objeto

material e não intervém na constituição própria do signo”.10

Entretanto, ao afirmar a arbitrariedade do signo, Saussure inclui, sem o

pretender, a realidade na definição inicial. Quando diz que o signo é arbitrário,

diz na realidade que é arbitrário em relação à coisa designada. Assim, introduz

as noções arbitrário absoluto (uma relação, por exemplo entre o signo sapato e

o objeto “sapato”) e arbitrário relativo (por exemplo, o signo sapateiro,

motivado por sapato).

A confusão entre o que existe de arbitrariedade no signo lingüístico tem

relações com a discussão entre sentido e referência, que também é tratada por

Benveniste (1989). Para ele, “o sentido de uma palavra é seu emprego” e o

referente “é o objeto particular a que a palavra corresponde no caso concreto da

circunstância ou do uso”. Assim, é mais operacional entender a palavra não

como dotada de significado, mas com instrutora de significado. Mais adiante,

aliás, Benveniste afirma que: “é desta confusão extremamente freqüente entre

sentido e referência, ou entre referente e signo, que nascem tantas discussões vãs

sobre o que se chama o princípio da arbitrariedade do signo”.11

Os signos lingüísticos são, pois, representações da realidade com maior

ou menor exatidão ou fidelidade, estruturadas de um modo organizacional

diferente dos modos discursivos, eminentemente textuais. Repetimos o que já

dissemos: se uma imagem ou melodia nos remete à produção de um texto, este

só o será por causa de nossa capacidade cognitiva de produzi-lo aleatoriamente;

não constituirão, pois, um texto em si, mas poderão funcionar como “instrutores

textuais”, isto é, elementos icônicos que evocarão eventualmente um enunciado.

Acreditamos, enfim, que esse conjunto de elementos icônicos não deverá ter o

nome de texto, por já haver na literatura lingüística nomes mais adequados: a

expressão cena nos parece interessante: entenderemos por cena, que, grosso

modo, inclui o texto, mas não é apenas o texto.

10 Idem, ibidem.11 BENVENISTE, E. Problemas de lingüística geral II. Campinas: Pontes/Unicamp, 1989.p. 231

22

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Entenderemos língua (langue) como um sistema de signos lingüísticos

segmentais e extra-segmentais, que são partilhados por indivíduos de uma

comunidade lingüística; e discurso (parole) como a realização, a concretização

da língua. Ele inclui todas as manifestações lingüísticas disponibilizadas pelo

sistema partilhado, sejam elas segmentais ou não.

Quanto às manifestações extra-segmentais, são certamente secundárias e

podem ser a entonação e as pausas entre os signos.

O texto é o conjunto coeso desses segmentos e extra-segmentos

lingüísticos; é a porção mais maleável do sistema. Francamente, não estamos

afirmando aqui que esses segmentos e extra-segmentos lingüísticos sejam os

únicos responsáveis (não nos interessa discutir que eles são os mais importantes)

pela enunciação. É preciso que entendamos segmento como algo que possa ser

verbalizado por intermédio da voz humana ou por um outro recurso supra

uma possível deficiência de produzi-la. Assim, procuraremos fixar os limites

do texto no âmbito desses segmentos e, eventualmente, alguns extra-segmentos.

Qualquer fenômeno para além dessa fronteira deverá ser compreendido como

discursivo e não textual.

Os enunciados dependem mais ou menos das manifestações extra-

segmentais. Vejamos alguns exemplos em que a dependência é mais flagrante.

Imaginemos um diálogo em que uma pessoa é inquirida sobre a saída de

um colega seu, de um recinto que era comum aos dois:

Marcelo saiu, realmente.

Um dar de ombros concomitante a esse enunciado poderia equivaler a

algo como “e isso não faz a menor diferença”. Uma entonação ascendente, com

um levantar de sobrancelhas indicaria uma surpresa e assim por diante.

Em enunciados como “Marlene chorou, porque seus olhos estão

vermelhos”, o nível puramente segmental não desfaz uma ambigüidade. Tanto

pode estar havendo a descrição de uma relação de causa e efeito (a causa do

choro é a constatação de que os olhos estariam vermelhos, e, neste caso, a

23

Page 24: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

entonação da segunda oração seria descendente), quanto poderia haver a

apresentação de um argumento, por intermédio de uma explicação (“[Acho que]

Marlene chorou, [e digo isso] porque seus olhos estão vermelhos”; neste caso a

entonação ascendente tem a função de exprimir extra-segmentalmente aquilo

que propusemos entre colchetes).

Se a língua é composta de signos lingüísticos (e nós acreditamos

firmemente nisso) e ela serve à comunicação, necessariamente um texto será

composto de signos lingüísticos, não havendo espaço para textos sonoros,

icônicos, imagéticos, estatuários, ou quaisquer que sejam as maneiras de o ser

humano representar um mundo particular ou geral; real ou irreal.

1.2 Sujeitos da comunicação e construção do discurso

Para Patrick Charaudeau12, embora a situação de comunicação determine

a identidade social e psicológica das pessoas que se encontram no jogo da

comunicação, isso não é o suficiente para que a comunicação se estabeleça. No

momento em que se inicia a comunicação, as pessoas se atribuem uma

identidade de linguagem que não é propriamente de natureza psicossocial. É de

esperar naturalmente que essas duas dimensões de sujeitos se confundam, mas é

necessário que se tenha claro cada um desses papéis. Se, no âmbito da realidade

apreensível do mundo biossocial, existem os participantes do ato de linguagem,

existem também, no âmbito da enunciação, os protagonistas da enunciação.

Os participantes do ato de linguagem externos a ele e de natureza não-

lingüística são definidos por um certo número de traços de identidade

construídos em função do ato de comunicação. Segundo Charaudeau, um dos

participantes é sujeito comunicante (o locutor-emissor, que produz o ato de

comunicação) e o outro é o sujeito interpretante (o interlocutor-receptor, que

recebe o discurso produzido, o interpreta e a ele reage no momento em que se

torna sujeito comunicante).12 CHARAUDEAU, P. Op. cit. p.643-644.

24

Page 25: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

Os protagonistas da enunciação são, para usar a expressão do autor, seres

de palavra, os quais se encontram no interior do ato de linguagem. O primeiro

desses participantes é o enunciador (o locutor-enunciador, que põe em prática as

intenções discursivas do sujeito comunicante). O segundo é o destinatário (o

interlocutor-destinatário, que recebe do locutor um espaço no interior de seu

discurso). É importante observar que não existe entre os pares sujeito

comunicante/enunciador e sujeito interpretante/destinatário a mesma relação: os

seres de palavra são produzidos pelo sujeito comunicante; enunciador e

destinatário podem ser comparados a títeres manejados pelo emissor. Quanto ao

sujeito interpretante, este tem existência independente e interpreta o que se

emitiu.

Para Charaudeau, o texto é a manifestação material da instauração de um

ato de comunicação e pode ser verbal ou não. Em nosso entender, tal

materialização se dá necessariamente por meio de signos lingüísticos e, portanto,

é necessariamente verbal.

Tanto a descrição charaudeauniana dos modos de organização do

discurso, quanto sua descrição parcial de tipos de texto (esta assumida por ele

mesmo como de difícil sistematização) serão de grande valia para nós neste

estudo.

1.2.1 Texto e modo de organização do discurso

Para Charaudeau, o texto representa o resultado material do ato de

comunicação. Ele reflete as escolhas conscientes ou inconscientes que o sujeito

comunicante fez das categorias de língua e dos modos de organização do

discurso, em função de uma série de exigências propostas pela situação de

comunicação.

1.2.11 Construção do sentido e situação de comunicação

25

Page 26: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

Comunicar não é tão-somente transmitir uma informação. O uso da

língua corresponde ao uso de qualquer outra criação cultural, e a informação é

apenas parte do resultado final de um ato de comunicação. Comunicar

corresponde à instauração de um ato em que o sujeito comunicante lança mão de

diversos componentes lingüísticos, discursivos e situacionais, com o objetivo de

criar sobre seu interlocutor efeitos de sentido. Em entrevista concedida em

1997, em uma revista de circulação nacional, um professor de português – muito

em voga até hoje – afirmou, defendendo a língua portuguesa como manifestação

de nossa nacionalidade, que será um imbecil aquele que usar uma palavra

estrangeira, para revelar uma noção que já tenha uma palavra ou expressão

portuguesa correspondente. Assim, o professor diz que não vai a um

shopping[center], mas a um centro de compras. Não sabemos se sua posição

permanece a mesma, mas o fato é que essa maneira de conceber a língua e sua

função é partilhada por muitos ainda hoje. A língua não tem uma função: em

1960, Roman Jakobson já defendia a existência de seis funções; antes dele, Karl

Buhler apresentara três. Enfim, independentemente de uma descrição

peremptória (descrição que, aliás, nunca existirá), o fato é que o signo lingüístico

tem um valor social, conferido pelo falante, que nada tem que ver com as

discussões normativas de gramáticos. Como bem observa Charaudeau, “querer

lutar contra o uso popular da linguagem e os empréstimos a línguas estrangeiras

é crer que uma língua possui um dom divino depositado entre os bem-nascidos,

cuja missão consistiria em se arvorar em guardiães do templo”.13 Uma língua é

construída por seus usuários, que exprimem sua visão de mundo, sua identidade

– fatores que muitas vezes os inspirarão a mudar o próprio significado dos

signos. Dessa forma, será ingênuo argumentar, com respeito à língua, que “isso

é ou será assim, porque no passado foi assim”. Embora tenhamos consciência da

importância do passado na construção do presente e do futuro, não nos parece

opção inteligente ancorar todo o entendimento de mundo – e da língua por ela 13 CHARAUDEAU, op. cit. p. 106.

26

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nele estar contida – em experiências que deram certo para uma parcela dos

indivíduos. A construção do sentido inclui transgressões por parte dos usuários

e seu projeto de comunicação.

Não duvidamos, portanto, das boas intenções do professor a que aludimos

– a despeito do adjetivo excessivo imbecil; no entanto será ingênuo acreditar na

língua como algo plano, sem profundidade, o signo em relação biunívoca com a

realidade, sem que as intenções de estar no mundo, por parte dos usuários, sejam

levadas em conta. A situação de comunicação será, pois, fortemente

determinada pela identidade social do usuário, o qual comparte um imaginário

social que constrói um mundo em que “crer que algo é verdadeiro” se confunde

com “algo ser verdadeiro”.

Quando dissemos que o sujeito comunicante lança mão de componentes

situacionais, discursivos e lingüísticos, queríamos afirmar que há uma

diferença sensível entre essas três instâncias. O componente situacional diz

respeito à situação comunicativa propriamente dita: a instauração de uma cena

em que os atores – o locutor e o interlocutor que este constrói – se utilizam dos

vários elementos da comunicação. O componente discursivo existe em função

das categorias de discurso, que têm em comum com o componente situacional o

fato de surgir também a partir de um instauração: a instauração de uma atitude

comunicativa que corresponde a uma determinada finalidade (descrever, relatar,

argumentar). O componente lingüístico concerne às categorias de língua, que

têm uma existência interna à língua, na medida em que organizam os signos em

sistemas significantes formais.

Para Charaudeau, o texto será a concretização do ato de comunicação

construído formalmente pela língua e o discurso – mas seu sentido só se estaui

após a explicitação de um projeto de comunicação e de um contrato que se firma

na situação de comunicação. Os textos se classificarão em tipos que não serão

tipos discursivos, mas tipos textuais, uma vez que a tipologia discursiva respeita

à atuação textual dos modos de organização do discurso: um mesmo tipo de

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texto poderá ser tramado com modos discursivos diferentes ou mesmo com a

combinação de mais de um modo de organização e o emprego de várias

categorias de língua. Charaudeau ilustra essa afirmação com um tipo de texto:

anúncio de oferta de emprego. Trata-se de um tipo que em geral emprega os

modos narrativo e descritivo, como se vê no exemplo que segue14:

“Cadeia de lojas procura uma gerente de, no mínimo 30 anos, tendo experiência em gestão, que saiba animar uma equipe e que possua bom domínio de inglês.”

Mas um anúncio pode também utilizar o modo argumentativo:

“Se você é excelente vendedor, pode, em um ano, criar uma situação de independência.”

Ou ainda pode ser uma atuação discursiva enunciativa, seja agindo de

forma conativa sobre o destinatário, interpelando-o (alocutivamente15), seja

apresentando os atores do ato comunicativo como os protagonistas de um relato

(delocutivamente16), como se vê exemplificado respectivamente:

“Você deseja trabalhar com uma larga autonomia de ação? Então este anúncio lhe interessa.”;“Importante laboratório de cosméticos procura diretor de laboratório.”17

1.2.12 Tipos e gêneros textuais

A necessidade de delimitar os vários gêneros textuais remonta à era

clássica, e a quantidade de gêneros possíveis tente a aumentar desde que se criou

a escrita alfabética cerca de sete séculos antes de Cristo. Com a invenção da

imprensa por Gutenberg, por volta de 1440, os gêneros se expandem. Com a

industrialização do século XVIII, inicia-se uma ampliação que chega aos nossos

dias, com algo que parece ser uma revolução: a internet. Observe-se que o

tremendo avanço tecnológico dos últimos duzentos anos não implica a criação

de novos gêneros a partir do nada: é evidente que os novos gêneros são

adaptação dos já existentes à nova realidade. Vê-se, portanto, que a noção de 14 Idem. p. 635.15 As modalidades alocutivas dizem respeito à maneira com a qual o locutor impõe sua tese ao interlocutor.16 As modalidades delocutivas são aquelas em que o locutor e o interlocutor estão distanciados da tese.17 CHARAUDEAU, op. cit. 635.

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Page 29: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

gênero textual está subordinada à História e às conquistas socioculturais – o que

confere a eles um aparente paradoxo: embora sejam estruturados

lingüisticamente, sua delimitação reside no âmbito extralingüístico. Esse

aparente paradoxo só ajuda a justificar a pertinência dos estudos no campo da

Lingüística do Texto e da Análise do Discurso, uma vez que prova ser qualquer

texto subordinado às mudanças das demandas culturais, as quais dão ensejo a

novas situações comunicativas .

Evidentemente, é importante frisar que, quando dizemos que o texto

reflete as demandas das novas situações comunicativas, não estamos obliterando

sua matéria prima: a forma lingüística, pois justamente a língua, com sua

plasticidade, oferece os recursos primordiais para a construção do texto. Então,

se as virtudes de um texto estão precipuamente em nível lingüístico, espera-se

que se possa, partindo de categorias lingüísticas, determinar, com um mínimo de

possibilidade de acerto, as características de um tipo de texto. Exatamente na

dicotomia que se estabelece entre situação sociodiscursiva e componente

lingüístico reside a oposição entre gênero e tipo de texto.

Marcuschi, em um ensaio18 cujo objetivo é divulgar o tema que ora

discutimos, propõe que se considerem três noções: tipo textual , gênero textual

e domínio discursivo. Os tipos textuais são constructos teóricos definidos por

propriedades lingüísticas intrínsecas. Os gêneros textuais correspondem a

realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sociocomunicativas

– o que inclui as várias transgressões por parte dos usuários e seu projeto de

comunicação, a que fizemos alusão acima. Sua sistematização definitiva é

impossível, na medida em que a ocorrência de gêneros está atrelada às mudanças

culturais: os gêneros textuais constituem ações sociodiscursivas para agir sobre o

mundo e dizer o mundo, construindo-o de algum modo. O domínio discursivo

designa uma instância de produção discursiva ou de atividade humana, que

18 MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela

Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora; MACHADO, Anna Rachel. Gêneros textuais & ensino. 2.ed. Rio

de Janeiro: Lucerna, 2003.

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propicia surgimento de discursos específicos como o discurso jurídico, o

jornalístico, o científico e assim por diante.

Em seu trabalho, Marcuschi propõe o seguinte quadro sinóptico em que

bem se visualizam as diferenças entre gênero e tipo:

TIPOS TEXTUAIS

6. constructos teóricos definidos por propriedades lingüísticas intrínsecas;

7. constituem seqüências lingüísticas ou seqüências de enunciados no interior dos gêneros e não são textos empíricos;

8. sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspectos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal;

9. designações teóricas dos tipos: narração, argumentação, descrição, injunção e exposição.

GÊNEROS TEXTUAIS

1. realizações lingüísticas concretas definidas por propriedades sócio-comunicativas;

2. constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas;

3. sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas delimitadas pelo canal, estilo, conteúdo, composição e função;

4. exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo virtual, aulas virtuais, etc.19

Adotaremos aqui a distinção proposta por Charaudeau, por entendermos a

oposição que faz entre modo de organização do discurso e tipo de texto equivale

respectivamente à oposição que se faz entre tipo de texto e gênero de

19 MARCUSCHI, Luiz Antônio. Op. cit. p. 23.

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Page 31: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

texto/domínio discursivo. A vantagem da terminologia de Charaudeau é que ele

insere os modos de organização no âmbito das categorias de discurso, que estão

aproximadas às categorias de língua, mas a elas não correspondem. Parece-nos

bastante pertinente a semelhança que o autor vê entre os procedimentos de

instauração da cena discursiva durante o ato comunicativo e os da instauração

dos modos de organização discursivo, que constituem os princípios de

organização da matéria lingüística, os quais estão a serviço de uma finalidade

discursiva de enunciar, narrar, descrever ou argumentar. Considerando, ainda,

a infinidade de possibilidades de ocorrências de gêneros de texto, bem como o

número finito mas grandioso de domínios discursivos, parece-nos mais cômodo

agrupá-los num único conceito, como faz Charaudeau: tipo de texto. Portanto, a

existência de um tipo de texto corresponde a uma resposta textual à capacidade

humana de criar ilimitadamente novas situações comunicativas.

1.2.13 Trama verbal: uma categoria de língua

Conforme já dissemos, as categorias de língua organizam os signos em

sistemas formais dotados de uma significação que se atualiza em função o

contexto. Acreditamos que um texto se constitua em uma superposição de várias

camadas de tramas textuais que se coadunam. Uma das tramas que trataremos, a

título de exemplo para aquilo que Charaudeau define como categoria lingüística,

é a trama verbal. Um texto padrão deve apresentar verbo. Como temos

consciência do caráter ilimitado dos gêneros textuais (seja pela composição

formal, seja pela extensão, etc.), precisamos arbitrar aqui, como fez Otto

Jespersen em sua definição de uso culto da língua20. Portanto, entenderemos por

texto padrão uma unidade semântica, dotada de elementos coesivos

suficientemente numerosos e de extensão suficientemente plausível, que produza

20 Jespersen afirma que “falar correto significa o falar que a comunidade espera, e erro em linguagem equivale a desvios desta norma, sem relação alguma com o valor interno das palavras ou formas”.JESPERSEN, Otto. Humanidad nación, individuo, desde el punto de vista lingüístico. Buenos Aires: Revista Ocidente, 1947. p. 113-114.

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um sentimento de unidade – por assim dizer, “um efeito textual” – que leve esse

usuário a depreendê-lo como tal.

Weinrich, em sua obra clássica sobre tempos verbais21 constata que eles

vão muito além de simples marcadores temporais. Aliás, sua tese é a de que

simplesmente os tempos verbais nada ou pouco têm que ver com o tempo físico

propriamente dito. A função de superfície dos tempos verbais ─ sua função

intratextual precípua ─ consiste em informar àquele que ouve ou lê um texto que

aquilo que se comunica é um relato ou um comentário.

O autor observa que, ao falar de narração, se está descrevendo toda e

qualquer manifestação lingüística de relato: um pequeno acontecimento, a

informação de um jornal sobre o que ocorreu num comício, uma aventura de

caça, um conto inventado, uma novela, um romance. Para que algo se

caracterize como relato, não importa que seja verdadeiro ou inventado. É

também indiferente que tenha aspirações estilístico-literárias ou que seja um

relato ingênuo; tampouco deverá obedecer a leis dos gêneros literários. Acima

de quaisquer diferenças particulares está o fato de que o narrador se encontra em

posição relaxada, em função do natural distanciamento com relação ao fato

narrado. Observe-se que tal relaxamento não diz respeito ao conteúdo do

enunciado propriamente dito (pode-se, por exemplo, estar narrando uma tragédia

que se viveu, e, evidentemente, não estar relaxado com relação a isso). O

relaxamento que se preconiza diz respeito à elaboração do texto, que reconstrói

lingüisticamente uma realidade que já se instaurou e que está isolada da situação

de enunciação: trata-se de um enunciado não-embreado, isto é, não ancorado ao

tempo e ao espaço do enunciador. Narrar, pois, é um comportamento

característico do ser humano. Para Weinrich, podemos comportar-nos diante do

mundo, narrando-o – o que nos leva a empregar aquela parte da linguagem que

está prevista para narrar. Assim é preciso entender os tempos do mundo narrado

21 WEINRICH Harald. Estructura y función de los tiempos en el lenguaje. Madri: Gredos, 1968.

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como sinais lingüísticos, segundo os quais o conteúdo da comunicação

lingüística o qual leva consigo tem de ser entendido como um relato.

Isso certamente difere da atitude de comentário, cuja postura tensa advém

do fato de que o falante trata de coisas que lhe afetam diretamente. O falante

está comprometido: tem de mover e relacionar-se com a realidade, e seu discurso

modifica o mundo. Para Weinrich a atitude comunicativa de comentário é,

portanto, dramática e perigosa. Enfim, o comentário se constitui

necessariamente em um enunciado embreado, dada a dêixis subjacente aos sues

tempos típicos.

A nosso ver, uma terceira atitude comunicativa pode ser considerada ao

lado das que Weinrich estatui: enunciação alocutiva. Essa atitude, de caráter

instrucional, parece estar no meio termo entre a narração e o comentário:

apresenta o desengajamento da narração, na medida em que o

enunciador/instrutor não será responsável direto pelas ações que instrui; mas, por

outro lado, trata-se de um enunciado embreado e dêitico, já que constrói o

sujeito interpretante. Dessa forma, a enunciação alocutiva consiste na descrição

de eventos a serem cumpridos por outrem – o que propiciaria a posição relaxada

a que já se aludiu. Assim como – no dizer de Weinrich – absolutamente tudo, o

mundo inteiro, verdadeiro ou não verdadeiro, pode ser objeto de um relato, tudo

pode ser instruído, sem que se subordine a qualquer vericondicionalidade, já que

uma ordem não é uma proposição (no sentido aristotélico do termo).

O tempo verbal básico da enunciação alocutiva é o imperativo. Tratado

como modo pela tradição gramatical e como semitempo por Weinrich,

entenderemos o imperativo como tempo verbal, porque a categoria de tempo

que aqui se estuda não remete propriamente a tempo cronológico (cf. inglês

time), mas a tempo textual (cf. inglês tense), a construir uma trama textual

específica (narrar, comentar, enunciar alocutivamente). Cremos que talvez

exista aí uma categoria modo-temporal-aspectual que se relaciona com os modos

de organização do discurso. Parece que realmente o imperativo ativa um modo

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discursivo que não é nem exprimível por verbos de narração nem por verbos de

comentário.

Note-se, por fim, que enunciados como “Exijo que você faça isso” pode

ser empregado instrucionalmente, embora esteja estruturado sob forma de

comentário. Dizemos que está sob forma de comentário, pois a esse enunciado

corresponde um outro como “João exige que você faça isso”. Eis a grande

diferença que reside no cotejo entre o primeiro enunciado e um outro como

“Faça isso”: deste último emana diretamente a intenção instrucional do sujeito

comunicante e a ele nenhum outro corresponde (nem mesmo “Façamos isso”,

cuja forma em primeira pessoa nada mais é do que um minimizador de um

chamado ato ameaçador da face22).

Portanto, a trama verbal se estrutura a partir de um conjunto complexo de

procedimentos lingüísticos – categorias de língua no dizer de Charaudeau –

postos em prática pelo locutor, que está mais ou menos consciente das restrições

apresentadas pela situação de comunicação e pela finalidade do texto construído.

Essas categorias de língua são ordenadas em um modo de organização do

discurso, para produzir um sentido, sob a forma concreta de um texto.

22 BROWN P; LEVINSON S. Universals in language use: politeness phenomena. In: Questions in politeness. Strategies in social interaction., Cambridge: Cambridge University Press, 1978.

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2 COESÃO TEXTUAL

O desenvolvimento dos estudos lingüísticos no século XX enfocou

problemas relativos à oração e às relações entre seus elementos constituintes.

Primeiro com o nome de estruturalismo, depois com o de gerativismo, foram

privilegiadas algumas dimensões do fenômeno lingüístico, como as exaustivas

descrições da sintaxe da oração, do ensino fundado no estruturalismo pós-

saussuriano. A morfologia, dominante no ensino tradicional e a fonologia

constituíram o objetivo do ensino da língua em nossas escolas, mas não

apresentavam o caminho para o uso prático dos conceitos aí preconizados, seja

na produção de textos, seja na sua interpretação. Enfim, as exigências da

comunicação eram postas em segundo plano.23 A análise textual das aulas de

português, preocupando-se apenas com os períodos do texto, fez com que a

capacidade interpretativa do aluno fosse reduzida a uma capacidade

classificatória, deixando de lado a importância primordial da produção textual,

que possui um conjunto de significados e tem como objetivo enunciar um tema

23 KAUFMAN, Ana Maria & RODRIGUES, Maria Elena. Escola – leitura e produção de textos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

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específico, baseado num modo de organização do discurso. Tínhamos então,

aulas de português que excluíam a principal função da língua, que é comunicar

e, nesse contexto, formavam-se algumas poucas excelências em análise sintática

e negligenciava-se o desenvolvimento da capacidade interpretativa, que deveria

ser privilegiada.

Apesar de terem sido detectadas essas incoerências, pôde-se observar

claramente que, ainda com o desenvolvimento de várias propostas de mudança

no âmbito pedagógico, o ensino continuou vinculado à mesma prática, tornando

a disciplina de Língua Portuguesa algo extremamente distanciado da realidade

do aluno.

Com o surgimento da Lingüística do Texto na década de 60, os

procedimentos de produção, recepção e interpretação dos textos enquanto

entidades de comunicação passaram para o primeiro plano. Desviou-se o eixo de

atenção da oração para o texto, das unidades morfossintáticas às unidades

semânticas, preocupando-se com as relações que se estabelecem entre os

diferentes elementos constituintes do texto e o contexto.

Para ter uma idéia do impacto político desse deslocamento da importância

do texto, podemos citar a estruturação dos Parâmetros Curriculares Nacionais

(P.C.N.), de 1998, no que tange ao ensino da língua. Ali já se encontra a

proposta da Lingüística do Texto de que a reflexão gramatical na prática

pedagógica deve se desenvolver na perspectiva de uma didática voltada para a

produção e interpretação de textos, sem que seja desarticulada das práticas de

linguagem.

A aplicação de estudos desenvolvidos pela Lingüística do Texto nas aulas

de Língua Portuguesa, com contextos bem definidos, que fazem parte do

cotidiano do aluno, facilita não só o desenvolvimento da capacidade

interpretativa, mas também o aprendizado das categorias gramaticais, levando o

aluno, no momento da produção textual, a identificar problemas de utilização do

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léxico, com a possibilidade de reflexão para a adequação do uso das estruturas

gramaticais.

A Lingüística do Texto, pois, contrariamente à gramática tradicional,

admite texto como uma unidade lingüisticamente superior à frase, como um

instrumento transmissor de mensagens, em que formas lingüísticas são adaptadas

às variadas situações.

A história do estudo da coesão textual se confunde com a própria história

da Lingüística do Texto. Isso porque, ainda que não exista um consenso entre as

várias linhas teóricas acerca do grau de importância do fenômeno da coesão – há

quem a considere acessória, há quem a considere essencial – parece não haver

dúvidas de que ela constitui um incontestável fator a conferir textualidade, isto é,

um fator que define um texto enquanto tal.

Não há como falar de coesão sem citar primeiramente Cohesion in

English, de Halliday & Hasan, de 1976. Nessa obra, os autores estabelecem que

a coesão – conceito semântico – diz respeito a relações de sentido que existem

em um texto e que o definem como um texto:

Ocorre coesão, quando a INTERPRETAÇÃO de algum elemento no discurso é dependente da de outro. Um PRESSUPÕE o outro, no sentido de que ele não pode ser efetivamente decodificado exceto pelo auxílio do outro. Quando isso acontece, a relação de coesão se instaura, e os dois elementos, o pressuponente e o pressuposto, estão desse modo pelo menos potencialmente integrados em um texto.24

A coesão se refere aos meios lingüísticos através dos quais se chega à

textualidade. Para Halliday & Hasan, um texto não é apenas uma seqüência de

orações. Não é apenas uma grande unidade gramatical, como se participasse de

um grupo do qual fizesse parte a oração, e que dela diferisse tão-somente por

conta do tamanho. Um texto é mais do que isso: será mais bem compreendido

como uma unidade de um outro conjunto – uma unidade semântica. Mas a

semântica é aí entendida como apresentando um significado em função do

contexto. Sendo uma unidade semântica, um texto é realizado sob forma de 24 HALLIDAY, M. A. K; HASAN, Rugaia. Cohesion in English. Londres: Longman, 1976, p.4.

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orações (ou até mesmo, em um caso extremo, sendo constituído de uma simples

oração). Então, a expressão da unidade semântica do texto encontra-se na

coesão estabelecida entre as orações das quais ele se compõe. A textualidade

reside na atualização do significado da parte em função do todo. Um texto é,

enfim, qualquer parte de linguagem que é operacional e que funciona como uma

unidade em algum contexto, podendo ser escrito ou oral e envolver um ou mais

participantes.

A coesão faz parte do sistema da língua e, como qualquer relação

semântica, expressa-se através dos vários níveis lingüísticos: semântico,

lexicogramatical (formas e relações morfossintáticas), e fonológico/ortográfico

(expressões). A coesão se expressa seja por meio da gramática, seja por meio do

vocabulário – o que permite dizer que existe uma coesão gramatical e uma

coesão lexical. Halliday & Hasan consideram a existência de cinco mecanismos

de coesão, a saber: referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical.

Essas categorias de coesão podem ser enquadradas no sistema lexicogramatical

da língua.

Referência, substituição e elipse são indubitavelmente gramaticais,

envolvem sistemas fechados. Esses sistemas se estruturam em função de

presenças em face de ausências, envolvendo noções como pessoa, número,

proximidade e graus de comparação.

A referência consiste na relação entre um elemento do texto e qualquer

outro, cuja interpretação depende do primeiro. Trata-se de uma relação

potencialmente coesiva, visto que o dado que serve de fonte de interpretação

será ele mesmo um elemento do texto. Essa interpretação assume a forma de

identificação ou de comparação. Os itens de referência são pronomes pessoais,

possessivos, demonstrativos, interrogativos; portanto sua fonte primária de

pressuposição está no contexto, e não no cotexto. Todos eles são itens

específicos, pois sua interpretação dependerá da identidade e da localização do

elemento, o qual será potencialmente dêitico.

38

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A substituição já não implica especificidade. A relação de substituição

não tem conexão com a especificação ou a identificação de um referente

particular no espaço ou no tempo; refere-se tão-somente a itens textuais. Trata-

se de uma relação no nível lexicogramatical; ao passo que a referência é mais

especialmente semântica – semântica no sentido de que pressupõe significados e

não itens textuais. Ademais, a referência pode ser exofórica ou endofórica. A

substituição, por seu turno, é necessariamente endofórica, e poderá ser nominal

(com itens como um, mesmo); verbal (o verbo fazer ou um equivalente

cotextual); oracional (assim, isto em situação de pro-frases). Como se vê, não

tem valor dêitico. A referência implica que existe identidade entre o

pressuponente e o pressuposto; ao passo que a substituição implica não-

identidade de sentido. Isso se exemplifica pelo uso da substituição e a elipse em

respostas; a função de uma resposta é recuperar uma informação perdida ou

confirmação25.

A elipse tem todas as características da substituição: é necessariamente

endofórica e se refere a um item textual pressuposto. A diferença é que se trata

de uma substituição por zero.

A coesão lexical – como o nome indica – é de ordem vocabular, portanto

enquadrada num sistema aberto de escolhas. Note-se, no entanto, que esse

sistema dispõe de uma abertura restrita, no sentido de que uma escolha lexical

estará relacionada a uma ocorrência que lhe é anterior. Dedicaremos, mais

adiante, uma seção para discutir esse tipo de coesão.

Por fim, a conjunção está na fronteira entre o âmbito gramatical e o

lexical. As relações conjuntivas são de ordem aditiva, adversativa, causal e

temporal.Os elementos conjuntivos podem ser entendidos como gramaticais –

em termos de sistema, por conta das relações mais ou menos previsíveis que eles

estabelecem –, mas muitos deles podem ser também enquadrados como lexicais,

pelo fato de terem base lexical, tais como locuções conjuntivas, prepositivas,

adverbiais. 25 HALLIDAY, M. A. K; HASAN, Rugaia. Op. cit. p.315.

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Um texto será composto da superposição de várias tramas textuais, isto é,

os subsistemas textuais que se organizam para atingir a textualidade. Esses

subsistemas textuais são a materialização enunciativa, em funcionamento

concomitante, dos vários níveis lingüísticos (fonológico, morfológico, sintático,

lexical e semântico).

A crítica que se faz com relação à tipologia proposta pelos autores – entre

nós, a mais divulgada é a que faz Koch26– diz respeito a problemas tais como a

fluidez dos limites entre referência, substituição e elipse. Para a autora, a

maior diferença entre substituição e referência é que, no caso da segunda,

sempre haveria total identidade referencial entre os pressuponentes e os

pressupostos; no caso da substituição isso não ocorreria. Acredita que seria

muito difícil argumentar em favor da identidade total em qualquer situação de

referência, se, por exemplo, é possível um pressuponente referir-se a um

pressuposto que muda espacial ou cronologicamente ao longo de um texto.

Além do mais, ela objeta que uma elipse é uma forma de substituição por zero.

Dessa forma, Koch acredita ser bem mais operacional sua divisão, que inclui

num mesmo grupo a substituição, a referência e a elipse, nomeando-o coesão

referencial, e propondo a modalidade coesão seqüencial para um conjunto de

recursos coesivos que inclui, por exemplo, a conjunção e a recorrência de

tempos verbais. No entanto, não estamos seguros de que a coesão lexical,

preconizada por Halliday & Hasan esteja indiscutivelmente no grupo rotulado de

coesão referencial, como faz Koch. Se, por um lado, a coesão lexical tem um

papel de referenciação, por outro tem importante valor para a manutenção

temática e a progressão textual, sendo responsável por aquilo que se

convencionou nomear de colocação. Além disso – como veremos adiante –, não

é propriamente um vocábulo que é capaz de produzir referenciação, mas sua

combinação com um item gramatical, como, por exemplo, um artigo definido;

ou ainda um lexema de um verbo – capaz de produzir um efeito remissivo –

adjungido a morfemas gramaticais, responsáveis por noções sintáticas, 26 KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 19. ed. São Paulo: Contexto, 2004.

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Page 41: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

semânticas e textuais. Quanto à recorrência dos tempos verbais, entendemos que

se trata de um fenômeno de cunho lexicogramatical, com funções, colocacionais,

no âmbito lexical, bem como funciona como promotora de uma tipologia textual

por intermédio de seus monemas.

2.1 Coesão lexical

A nosso ver, de todo o estudo que se desenvolveu em torno da coesão, o

aspecto mais negligenciado foi a coesão lexical. Dizemos isso, porque se tornou

comum entre aqueles que são responsáveis pelo ensino de língua portuguesa ou

mesmo os refletem questões relativas à Lingüística do Texto, ao se referir à

coesão, fazer menção ou a aspectos de conjunção ou a de referenciação.

Queremos trazer para o debate, neste trabalho, a importância da coesão lexical,

todo o seu alcance e dimensão, em alguns momentos, buscando rever alguns

conceitos que se estabeleceram quando de sua formulação. Essa nossa

preocupação está francamente relacionada a nossa crença de que uma das

camadas da trama textual decerto será a organização lexical.

Segundo Halliday & Hasan, a coesão lexical abarca dois aspectos

distintos mas relacionados, que são a reiteração e a colocação.

A reiteração é a repetição de um item lexical, ou a ocorrência de

sinônimo, um hiperônimo, um hipônimo, um nome genérico. Tipicamente o

item lexical reiterado está acompanhado de um item de referência – em geral o

definido o ou um demonstrativo.

A colocação se dá pela ocorrência de um item lexical semanticamente

relacionado a outro. A repetição de um item lexical é por si só coesiva, tendo ou

não relação de identidade de referência com um outro item. A coesão, portanto,

deriva da organização lexical da língua. Uma palavra que de alguma maneira se

relaciona a outra que lhe precede em um texto – seja por sua repetição direta,

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Page 42: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

seja por um valor qualquer de sinonímia, seja por geralmente ocorrer em seu

ambiente lexical – contribuirá para sua textura.

2.2 Uma observação acerca da reiteração

Halliday & Hasan têm a preocupação de distribuir os tipos de coesão

(referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical) em dois grupos

maiores: coesão gramatical e coesão lexical. A coesão lexical, como se vê pelo

próprio nome, comporia solitariamente o segundo grupo (embora os autores

reconheçam que na referenciação lexical é típica a ocorrência de um artigo ou

um demonstrativo, que seriam a porção gramatical a somar-se com a porção

lexical do substantivo reiterado), ao passo que a referência, a substituição e a

elipse seriam casos típicos de coesão gramatical. A conjunção estaria numa

posição intermediária entre o nível gramatical e o lexical, porque. Embora os

autores chamem a atenção para essas duas naturezas da coesão, demonstram ter

consciência de que a distinção será uma questão de grau, e que a coesão é, acima

de tudo, uma relação semântica, que, como tal, se realiza por meio do sistema

lexicogramatical.

A questão que gostaríamos de trazer para o debate é a seguinte: qual é o

papel coesivo de um item lexical? De fato, concordamos com a distinção dos

dois tipos de coesão lexical feita por Halliday & Hasan, reiteração e colocação.

Entretanto parece-nos que, no âmbito da reiteração, se dá excessiva importância

para os itens lexicais, em detrimento daquilo que chamaremos aqui de

anaforizadores: em geral o artigo definido o, além de demonstrativos,

possessivos, indefinidos, interrogativos, o relativo cujo, e, em alguns contextos,

numerais ordinais. É interessante observar que Kallmeyer et al. (1974)27 já

identificava em todas essas classes uma função-artigo. Isso nos deixará mais à 27 apud. KOCH, 2004.

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Page 43: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

vontade para afirmar que o artigo é efetivamente um anaforizador: seu

emprego, ao lado de um substantivo, formará o que denominamos locução

anafórica. Será, pois, o artigo o responsável gramatical pela reiteração.

Houvemos por bem tomar emprestada a tradicional expressão locução, porque,

assim como, por exemplo, uma preposição anteposta a um substantivo pode

formar com ele uma locução adjetiva ou adverbial, com uma função sintática em

geral de adjunto, um artigo anteposto a um substantivo representará a intenção,

por parte do enunciador, de fazer uma anáfora, que representa uma função

textual. Assim, o processo de reiteração representará um esforço fórico de parte

do enunciador, ao passo que a colocação, como veremos adiante, representará

um esforço taxonômico-textual, já que se busca explorar por meio dela o

potencial semântico do item lexical.

2.2.1 Artigo definido como anaforizador

Como sabemos, a anáfora (bem como a menos usual catáfora) é um

fenômeno endofórico, isto é, ocorre no interior do texto (mais especificamente,

no cotexto). Se levarmos às últimas conseqüências a afirmação de que o artigo é

um anaforizador, seremos obrigados a considerar que ele sempre ocorrerá

referindo-se a uma passagem anterior do texto e será necessariamente

endofórico. Prince (1979), considera um caso de entidade evocada

textualmente para justificar o emprego do artigo definido o em “ Lecionei certa

vez a um superdotado. O superdotado queria saber o porquê de tudo.”; e um caso

de entidade evocada situacionalmente em uma frase como “Pega o dicionário

ali para mim.”28

Ora, nossa visão aqui é estritamente textual, e, por conta disso, é

imperioso que retomemos a afirmação de Charaudeau de que o texto é a

28apud. OLIVEIRA, 2000.

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Page 44: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

manifestação material da instauração de um ato de comunicação. O enunciador ,

que põe em prática as intenções discursivas do sujeito comunicante dirige-se ao

destinatário, por meio de um texto. Considerando que o sujeito comunicante dá

ensejo tanto à existência do enunciador e quanto à do destinatário, é plausível

que, ao usarmos o anaforizador o, a entidade pressuposta será sempre evocada

textualmente. O emprego do artigo faz parte de uma estratégia textual do

enunciador que considera sua ocorrência (a do artigo) como não-autônoma,

gramatical e anaforizadora.

Consideremos os seguintes exemplos:

a) Elvira arranhou o braço.

b) Elvira arranhou seu braço.

c) Elvira arranhou o seu braço.

O que justifica a utilização do artigo definido em (a) é a anáfora

estabelecida com aquilo que chamaremos aqui de texto virtual. A partir daí o

sujeito interpretante calcula a coerência a partir de um texto como “Elvira tem

braço”.

Em princípio, acreditar que textos podem se atualizar em função de textos

virtuais seria uma contradição com a nossa convicção de que um texto é de

natureza essencialmente lingüística. Poder-se-ia objetar que, se se considera a

possibilidade de um texto não-realizado concretamente, será possível conviver

com a existência de textos não-verbais – o que, conforme já externamos, nos

parece um equívoco.

No entanto, acreditamos que pensar a realidade que nos cerca por

intermédio de textos é francamente humano. Concordamos quando Charaudeau

diz que, nomear um ser é o resultado de uma operação que consiste em fazer

nascer um ser significante no mundo, classificando-o. Isso significa dizer que

nós o retiramos de um continuum e o identificamos a partir de suas diferenças e

semelhanças com os demais. Mas gostaríamos de ir mais adiante: se retiramos

os seres de um continuum de entidades, retiramos de um continuum de

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Page 45: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

enunciados possíveis um texto (ou fragmentos dele) – o que será decisivo para a

construção da significação do texto em produção. O texto virtual que aqui

pleiteamos é aquele que o sujeito enunciador constrói com base na hipótese de

que o sujeito-interpretante tem conhecimento dele (do texto). Esse texto virtual

é, portanto, produzido pari passu ao texto efetivamente enunciado.

Quanto ao exemplo (b), o pronome seu – de função-artigo – faz referência

ao pressuposto Elvira, que está explicitado no próprio texto (sabemos que existe

aqui uma pequena ambigüidade, que não compromete o exemplo: o seu em

questão significa “de Elvira”, e não “de você”). Trata-se de uma referência,

portanto uma coesão de natureza gramatical, equivalendo a de Elvira. No

exemplo (c), o artigo o mais uma vez faz uma anáfora com o texto virtual, com a

diferença de que o cálculo de coerência é facilitado pela presença de seu, que

equivale a de Elvira no texto virtual.

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Page 46: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

2.3 Coesão colocacional

A coesão colocacional surge em função da própria organização do léxico

em grupos de vocábulos que se relacionam semanticamente. No entanto, se por

um lado existe uma relação óbvia de complementaridade semântica entre

heterônimos como o par homem/mulher, tal não se dá com pares como

livro/canção – o que não significa dizer que estes últimos não possam

estabelecer uma relação coesivo-colocacional (se se partir de um tema como, por

exemplo, “Chico Buarque ficou famoso com suas canções e agora com seus

livros”, estará criado um contexto para a coesão nesses termos). Portanto, o

efeito da coesão colocacional é sutil e difícil de ser estimado. No caso da coesão

gramatical, tudo é muito mais à vista: se se emprega, por exemplo, um pronome,

uma pro-forma qualquer, espera-se que ela se refira a um termo anterior ou

posterior. No caso da relação lexical, é de regra que a afinidade lexical se

estabeleça em função do texto, sem que haja uma previsão e sistematicidade:

todo item lexical pode entrar em uma relação coesiva, mas ele não carregará

consigo a indicação de que funcionará coesivamente ou não. Isso só poderá ser

estabelecido por referência ao texto.

O texto é uma estrutura determinativa: determina, por exemplo, a trama

lexical. Um item como tarefa poderá ser hiperônimo de tese (“Concluí a tese; a

tarefa foi cansativa”.) ou de limpeza (“Concluí a limpeza; a tarefa foi

cansativa”.) Isso significa dizer que o texto instaura uma taxonomia textual,

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Page 47: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

que consiste na organização (dentro e em função de um texto) de itens lexicais

num mesmo campo semântico, ainda que aparentemente não façam parte desse

campo. Entendemos que não existe sentido literal tal que sentido literal seja

uma constante semântica. À mesma forma certamente corresponderá a mesma

significação, mas esta será função, e, não, uma constante.29 O responsável pela

atualização do sentido será o texto. Ora, essa atualização de sentido demanda

uma extensão textual qualquer – seja mais ou seja menos axiológica a

composição desse sentido. Acreditamos que, quanto mais axiológico for um

enunciado, mais ele deve gerar texto; teremos aí um importante manancial de

extensão textual. Parece-nos, portanto, que a coesão colocacional é o ponto de

interseção entre a coesão e a progressão textual.

2.3.1 Coesão e coerência

Não há dúvidas de que os conceitos de coesão e coerência se entrelaçam.

Não temos aqui a ambição de encaixar definitivamente os dois conceitos em

espaços descontinuados e indubitáveis. No entanto, para podermos seguir em

nossa descrição, é preciso tomar posições que garantam a clareza e a

funcionalidade de cada uma dessas noções.

A coesão é uma categoria textual necessária para a formação de um texto.

A coerência não é uma categoria textual, mas uma condição que consiste na

“ligação, nexo ou harmonia entre dois fatos ou duas idéias; relação harmônica,

conexão”30 Ora, como tudo que o ser humano concebe se exprime

lingüisticamente, é de esperar que a coerência também aí se expresse. Assim

como as noções de causa, tempo ou lugar são englobadas pela língua, assim será

a coerência. Em um texto, a coerência será determinada pelos processos

coesivos que aí atuam: se houver falhas de coesão, estará aberto o caminho para

29 ANSCOMBRE, J.C. Da argumentação na língua à teoria dos topoi. 2000. Rio de Janeiro: mimeo. 30 HOUAISS, A. & VILLAR, M., 2001

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haver falhas de coerência. Uma falha de coerência poderá ser, por exemplo o

emprego de pois num enunciado como “Fui reprovado, pois estudei muito.”, se a

intenção for expressar uma relação que se encontra num tempo e num espaço

social que toma como verdade o enunciado “Fui aprovado, pois estudei muito.”

ou ainda “Fui reprovado, embora tenha estudado muito.” O emprego do elo

coesivo errado pois instaura (sob as condições sociais consideradas) a

incoerência (aliás, a noção de coerência é tão independente do âmbito textual

que admite até um antônimo: incoerência; ao passo que será impensável algo

como “incoesão”, a não ser como sinônimo de incoerência). A coerência é um

efeito de sentido; a coesão é uma causa de sentido, o qual se constrói no texto.

Se a coesão representa uma intenção; a coerência representa uma finalidade.

Ora, se a coesão é intrínseca ao texto, não há por que falar de “texto sem

coesão”. Seria um paradoxo semelhante ao que se incorreria, no quadro da

nomenclatura da tradição gramatical, fazer referência a “frase incompleta”, já

que frase seria “um enunciado de sentido completo”. A coesão é condição sine

qua non para a existência de um texto. Não nos interessa aqui promover

polêmicas sobre o assunto, mas nessas discussões em torno de “textos com

coerência, mas sem coesão” ou “ textos com coesão, mas sem coerência”, o que

ao final se verifica são textos coesivos em um cenário especial, que é um livro

que discute a pertinência desses conceitos. Se não, vejamos.

2.3.11 Texto “com coesão, mas sem coerência”

Em Koch31 , lê-se o seguinte exemplo de texto sem coerência:

O dia está bonito, pois ontem encontrei seu irmão no cinema. Não gosto de ir ao cinema. Lá passam muitos filmes divertidos.

O texto acima é apresentado como incoerente e de fato o é. Mas é

apresentado também como tendo elementos coesivos. Em primeiro lugar, 31 KOCH, Ingedore Villaça. Op.cit. p. 19.

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Page 49: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

qualquer signo lingüístico em um texto terá potencial coesivo, desde que se

tenha a intenção de estabelecer tal nexo. Ocorre que a mesma capacidade que

um usuário da língua tem de construir um texto pode ser ativada para destruí-lo.

O texto acima apresenta uma série de recursos coesivos: o emprego de bonito

(masculino) num contexto que tem dia (masculino) é perfeitamente plausível e

ativa um mecanismo de harmonia coesiva. O mesmo se pode dizer da seqüência

ontem encontrei seu irmão no cinema: o dêitico ontem consoante com o pretérito

encontrei (se quem produziu o texto desejasse quebrar aqui a coesão, era só

empregar encontrarei ou encontrasse, já que este verbo destoaria em modo e

relevo mas concordaria em tempo, e aquele concordaria em modo mas destoaria

em tempo e atitude comunicativa). O problema está no emprego de pois, visto

que aquilo que se afirmou antes nada tem que ver com o que se lhe seguiu.

A incoerência continua entre os dois períodos que seguem: o verbo ir em

harmonia com a expressão locativa ao cinema, cujo pressuponente Lá está

absolutamente adequado ao verbo passam, o qual concorda [sintaticamente] com

o sujeito muitos filmes, e concorda [textualmente] com o verbo gosto (ambos os

verbos expressam a atitude comunicativa comentário). A desarmonia, mais uma

vez reside na incoerência forjada pelo par Não gosto/filmes divertidos, na

medida em que essa relação não se enquadra no código social a viger entre nós.

Enfim, embora o texto apresente muitos elos coesivos, eles não são

suficientes para gerar o efeito de coerência, porque pontos estratégicos do texto

não têm coesão: o que queremos afirmar é que os vários elementos de coesão

dão a falsa impressão de que a coesão é plena. Seria como serrar (mas não

totalmente) a barra de direção de um automóvel: ele funcionará normalmente até

que essa barra seja exigida além do que poderia suportar.

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Page 50: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

2.3.12 Texto “sem coesão, mas com coerência”

Tomemos o seguinte texto, retirado de A coerência textual32.

O showO cartazO desejo

O paiO dinheiroO ingresso

O dia A preparaçãoA idaO estádioA multidãoA expectativa

A músicaA vibraçãoA participação

O fimA voltaO vazio

Diz-se do texto acima que ele é destituído de coesão.

Em primeiro lugar, ele não é um texto típico: não é normal que se

converse em família, ou se profira uma palestra ou se ministre uma cerimônia

religiosa apenas por intermédio de artigos e substantivos. Esse fato per se

desqualifica o texto como contra-exemplo para a afirmação de que coesão é

essencial a um texto. Além do mais, trata-se ser um poema, que não é um texto

típico, no mínimo porque sua construção se caracteriza pelo artifício do

desequilíbrio da ativação dos eixos sintagmático e paradigmático: ocorre aí “a

projeção do princípio de equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de

combinação”.33

32 KOCH, I. V; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 5.ed. São Paulo: Contexto, 1993. p. 12.33 JAKOBSON, Roman, Lingüística e comunicação. 9.ed.São Paulo: Cultrix, 1977, p.130

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Page 51: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

Em segundo lugar, não estamos seguros de que esse texto seja “apenas

uma lista de palavras”, muito menos de que se estruture “sem qualquer ligação

sintática”34. A possível ligação sintática seria a plausibilidade de todas essas

palavras serem núcleos de um mesmo sintagma, se, por exemplo, o texto

terminasse assim: “ jamais me esquecerei disso tudo.” Quanto a ser uma lista de

palavras, parece-nos não corresponder à realidade. Todos os versos apresentam

um artigo definido e um substantivo; o artigo, como já afirmamos, tem o papel

anafórico relativo ao texto virtual (ou, para ser mais ortodoxo, relativo a um

conhecimento partilhado). Ao lado disso, observa-se o emprego de itens lexicais

do mesmo campo semântico, ou melhor, itens que são impelidos pelo texto a

participarem do mesmo campo, por conta do mecanismo de harmonia coesiva,

típico da coesão colocacional – mecanismo que, aliás, é típico de qualquer texto;

apenas nesse, em especial, toda a responsabilidade da coerência recai sobre ele.

Comparando esse texto a um tecido, diríamos que ele se assemelha à gaze – mas

o entrelace da trama com a urdidura tão esparso não a impede de ser um tecido.

Num texto típico, outros elos coesivos entram na cena textual, na qual

cada mecanismo terá, em função do tipo do texto, um valor, uma importância. A

ativação de um ou outro mecanismo de coesão estará subordinada à intenção

comunicativa do sujeito comunicante, ao seu projeto de fala.

Da mesma maneira que um texto não permite uma combinação ilimitada

de itens lexicais, ele determinará, de uma forma mais ou menos rígida, que

tempos verbais o comporão. A recorrência de tempos verbais, bem como a

recorrência de itens lexicais do mesmo campo, ou a atualização de sentido em

função da interdependência desses itens, ou qualquer outro tipo de elo que se

estabeleça entre os vários signos de um texto constitui uma rede de relações que

necessariamente será determinativa, isto é, dará ensejo a limites textuais.

Entenderemos aqui que os signos lingüísticos não significam: instruem

significado. Assim, faremos esse adendo à proposta dicotômica de Saussure por

34 HALLIDAY, M. A. K; HASAN, Rugaia. Op. cit. p.12.

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Page 52: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

entendermos que os significados não são constantes; são funções. Esses

significados estão em função do contexto, isto é da situação comunicativa, e do

cotexto, ou seja, do ambiente textual.

Um exemplo de atualização do significado em função da situação

comunicativa são dêiticos como aqui¸ eu, ou ainda os tempos verbais

embreados, tais como presente ou futuro do presente (sua atualização depende

do momento da enunciação).

Para exemplificarmos a atualização em função do cotexto – o ambiente

lingüístico –, tomemos os seguintes enunciados:

(1) Tomou nas mãos uma substância verde e comeu-a.

(2) Espere, que eu vou pegar o Drummond lá na estante.

Em (1), uma porção importante do sentido de substância (estado físico

líquido, sólido ou gasoso) se atualiza em função de comer, em cujo significado

se encontra a informação “consumir alimento sólido” (aliás, comer guarda

também outras informações, como, por exemplo, a instrução sintática “atribuir

casos nominativo e acusativo”, e assim por diante.) Ora, se o significado de um

signo como substância depende de um outro, dentro de um mesmo enunciado,

não temos razão para entender que significados de itens lexicais se

circunscrevem apenas no âmbito do mundo biossocial. Em (2), Drummond não

é um poeta, mas o livro de um poeta – sentido que se atualiza em função do item

estante.

Considerando o conceito de coesão textual proposto por Halliday &

Hasan de que – o que afirma a dependência da interpretação de um elemento no

discurso com relação à interpretação de outro –, nossa posição aqui deverá ser a

de que a atualização de um significado por conta de relações textuais consiste

em uma manifestação da coesão textual.

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Page 53: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

2.4 Os verbos no contexto e no cotexto

Embora o conceito tempo verbal remeta à noção de tempo físico, não

temos dúvidas de que apresenta, ao menos duas importantes funções: uma

cotextual, isto é, intratextual, é a de inscrever o texto em uma determinada

tipologia; outra, contextual, vale dizer, extratextual, a de definir a relação entre o

enunciador e a situação de enunciação.

2.4.1 Função cotextual dos verbos

A distribuição dos elementos da oração é condicionada por certas leis

estruturais da língua. Destarte, um tempo, uma vez situado no contexto de um

discurso vivo, exerce sobre os elementos vizinhos – em particular sobre os

tempos adjacentes da oração – uma pressão que limita a liberdade de eleger entre

todos os tempos possíveis. Dizendo de outra maneira, um tempo verbal de um

discurso, isto é, aquele que se encontra numa oração e em um contexto (oral ou

escrito), esse tempo verbal não é ilimitadamente combinável com outros tempos.

Algumas combinações são preferidas no contexto próximo ou distante; outras

combinações são limitadas e, às vezes, inadmissíveis.

Da mesma maneira que consideramos a soma do artigo definido com um

substantivo uma locução anafórica, podemos dizer que o verbo, com seus

quatro elementos básicos, terá suma importância na coesão, enquanto fenômeno

lexicogramatical. Seria o verbo, por assim dizer, uma locução coesiva.

Desde que a tradição gramatical passou a se preocupar em descrever o

verbo, existe a concordância geral de que se trata da mais complexa classe

gramatical. Sua descrição foi tão acurada que nem mesmo a moderna descrição

estruturalista de Mattoso Câmara Jr se distancia fundamentalmente do que se

fizera até então. Seria estruturado por um morfema lexical, o radical; e três

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Page 54: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

morfemas gramaticais, a vogal temática, a desinência modo-temporal, a

desinência número-pessoal, sendo estes três últimos suscetíveis a se apresentar

como zero (Ø).

Queremos, no entanto, aqui concordar com a descrição proposta por

Weinrich. Em vez da tradicional distribuição RAD+VT+DMT+DNP, o lingüista

alemão propõe a seguinte configuração: L – Ps A Pe R, na qual ele designa com

L (lexema) a informação semântica do verbo; com Ps (pessoa) a informação

sobre a pessoa; com A (atitude) a atitude comunicativa; com Pe a perspectiva; e

com R, o relevo.

Conforme já dissemos, Halliday & Hasan têm a preocupação de distribuir

os tipos de coesão (referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical)

em dois grupos maiores: coesão gramatical e coesão lexical. A coesão lexical

comporia o segundo grupo (embora os autores reconheçam que na referenciação

lexical é típica a ocorrência de um artigo ou um demonstrativo, que seriam a

porção gramatical a somar-se com a porção lexical do substantivo reiterado), ao

passo que a referência, a substituição e a elipse seriam casos típicos de coesão

gramatical, por participarem de grupos fechados na gramática da língua. A

conjunção estaria numa posição intermediária entre o nível gramatical e o

lexical. Pois queremos defender aqui que também o verbo, enquanto locução

coesiva, representa a imbricação entre o nível gramatical e o lexical.

Para demonstrar o que afirmamos, tomemos uma forma verbal:

deletávamos.

O lexema delet- tem a função coesiva no campo lexical: seu papel na

coesão colocacional estará subordinado à organização lexical estabelecida pelo

texto – essa superestrutura que enseja a taxonomia textual. Em outras palavras,

a organização semântica dos itens lexicais se dá intratextualmente, no momento

da enunciação – só assim se pode falar, sem ambigüidades, de campo semântico:

o lexema delet- significará “apagar virtualmente” em um contexto pleno de

outros lexemas do frame “informática” como computador, teclado, documento,

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Page 55: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

texto, etc. Esse é um fenômeno que confere ao texto o papel de estrutura

determinativa, proposta por Weinrich. O vínculo lexical se estabelece em função

do texto, sem que verifique uma previsão e sistematicidade: qualquer item

lexical pode entrar em uma relação coesiva, mas ele não carregará consigo a

indicação de que funcionará coesivamente ou não. Tal só poderá ser efetivado

quando da enunciação do texto.

A categoria pessoa, que reside na desinência -mos, exprime, na oração, a

categoria de caso nominativo, provinda da regência verbal. Embora esse

fenômeno sintático seja de suma importância para a construção da sentença, não

discutiremos aqui essa noção lingüística sob esse prisma: com efeito, o valor

coesivo da concordância verbal reside própria definição que Halliday e Hasan

oferecem para coesão: a desinência de número e pessoa remete ao sujeito em

outro ponto do texto – o que subordina a interpretação deste termo a seu

respectivo morfema gramatical. Ora, se o entendimento de algum elemento no

discurso é dependente de um outro, ocorre coesão.

As noções de atitude comunicativa, perspectiva e relevo estão acumuladas

na desinência modo-temporal -va. Como já se viu, para Weinrich existem dois

tipos de situação comunicativa: narração e comentário. E toda estratégia de

produção textual, no que concerne à trama verbal, passa pela opção por uma

dessas duas situações. Assim como, em um texto, um conector conclusivo

orienta em direção a uma conclusão, um tempo verbal orienta em direção à

tipologia do texto.

Para Weinrich, o sistema temporal das línguas (ao menos as que ele

estudou) apresenta três dimensões – a três estão reunidas naquilo que

tradicionalmente se chama de desinência modo-temporal. A primeira e mais

importante é a atitude comunicativa. Conforme já dissemos, para o autor é

dicotômica e se divide em atitude narrativa e atitude comentadora. A segunda

dimensão do sistema temporal é a da perspectiva comunicativa. Essa também é

dicotômica, já que se pode distinguir entre os tempos de grau zero, que carecem

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de toda perspectiva especial, e todos os tempos que a partir da situação

comunicativa distinguem uma prospecção e uma retrospecção. A terceira

dimensão do sistema temporal é a do relevo. Essa dimensão se encontra em

alguns dos idiomas que Weinrich estudou, apenas em certos setores do sistema

temporal. O autor o detecta somente no grupo temporal do mundo narrado,

estruturando-se também em uma dicotomia: primeiro plano (pretérito perfeito) e

segundo plano (pretérito imperfeito). Observe-se, no entanto, que o simples

emprego de tempos de presente ou tempos de pretérito (considerando apenas sua

forma tradicional) não resolve a questão, no sentido de determinar essa ou

aquela modalidade textual. Os empregos metafóricos dos tempos verbais

funcionariam como um incômodo contra-exemplo: o que importa é o sistema

enunciativo em que se desenvolve o enunciado. Assim, é possível, por exemplo,

um verbo formalmente em presente do indicativo comportar-se como pretérito

perfeito (caso, aliás, descrito pela tradição gramatical como “presente

histórico”), ou um pretérito perfeito comportar-se como pretérito mais-que-

perfeito.

Weinrich observa que, ao falar de narração, se está referindo a toda e

qualquer manifestação lingüística de relato, não importa que seja verdadeiro ou

inventado. É também indiferente que tenha aspirações estilístico-literárias ou

que seja um relato ingênuo; tampouco deverá obedecer a leis dos gêneros

literários. O importante é que o narrador se encontre em posição relaxada, em

função do natural distanciamento com relação ao fato narrado. Narrar é um

comportamento característico do ser humano. Portanto, os tempos do mundo

narrado são sinais lingüísticos, segundo os quais o conteúdo da comunicação

lingüística que eles conduzem tem de ser entendido como um relato.

Atitude diversa será a de comentário, cuja postura tensa advém do fato de

que o falante trata de coisas que lhe afetam diretamente. O falante está

comprometido a relacionar-se com a realidade que lhe é presente. Para

Weinrich a atitude comunicativa de comentário é dramática e perigosa, porque

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comprometida. Enfim, o comentário se constitui necessariamente em um

enunciado embreado, dada a dêixis subjacente aos sues tempos típicos. Como

veremos adiante, esse será um importante papel extratextual dos verbos.

Por fim, como sugerimos anteriormente, há uma terceira atitude

comunicativa pode ser considerada ao lado das propostas por Weinrich:

enunciação alocutiva. – atitude de caráter instrucional, com características de

narração e de comentário. A enunciação alocutiva consiste na descrição de

eventos a serem cumpridos pelo interlocutor. O tempo verbal básico da

enunciação alocutiva é o imperativo.

Portanto, o verbo pode ser entendido como uma locução coesiva, no

sentido de que representa uma superposição de intenções coesivas: por se

dotado de lexema – classe aberta – e de monemas – classe fechada –, o verbo é

tanto responsável pela coesão lexical quanto pela coesão gramatical.

2.4.2 A função contextual dos verbos

Um enunciado tem de estar situado em relação a algum fato. Espera-se de

um ato de comunicação que tome como ponto de referência o próprio ato. O que

se considera nesse ato é aquilo que define a situação de comunicação, a saber, o

sujeito comunicante, o sujeito interpretante, o momento e o lugar da

enunciação. A série de procedimentos por intermédio dos quais um enunciado

se ancora na situação em que se inscreve é chamada de embreagem. O eixo

temporal embreado por natureza é o eixo do comentário. Conclua-se disso que

o eixo da narração é não-embreado. Para Weinrich, a distribuição temporal

básica dos verbos se dá da seguinte forma:

a) tempos da narração:________|____________________________|__________________________|________tempo retrospectivo tempo-zero tempo prospectivo

pretérito mais-que-perfeito 1) pretérito perfeito futuro do pretérito 2)pretérito imperfeito

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b) tempos do comentário:________|____________________________|__________________________|________tempo retrospectivo tempo-zero tempo prospectivo

pretérito perfeito presente futuro do presente

É importante que se observe que, quando se diz que os tempos da

narração são não-embreados, não se afirma que estejam destacados da realidade:

é verdade que tenham um sujeito comunicante e um sujeito interpretante, um

tempo e um lugar; apenas buscam simular um distanciamento da realidade, o

qual propiciará a existência de um mundo a ser narrado. Sua não-embreagem

advém, pois, da busca pela construção de um universo autônomo. Um dado que

comprova essa busca por esse universo é a presença do tempo pretérito perfeito

nos dois eixos. No âmbito da narração, esse tempo verbal apresenta uma

novidade num tempo sem perspectiva, relacionado apenas ao que se enuncia; no

comentário, ele se ancora ao tempo em que o sujeito comunicante enuncia –

ancoragem conseguida por meio de, por exemplo expressões adverbiais dêiticas

como ontem, semana passada, etc. Há línguas que inclusive têm formas verbais

distintas a representar essas duas noções: o francês, por exemplo, apresenta o

passé simple (não-embreado) e o passé composé (embreado).

Como já afirmamos, não será o emprego de tempos verbais típicos deste

ou daquele eixo que definirá peremptoriamente uma modalidade de texto. Da

mesma maneira, a presença de uma forma verbal de presente pode não funcionar

como embreante. Tome-se como exemplo o gênero textual resumo de filme35:

A passagem – Drama. Psicólogo que trabalha em universidade americana é procurado por um jovem paciente que diz querer cometer suicídio em breve, pois suas terríveis profecias acabem se realizando. 99 minutos. 14 anos.

35 CINEMA. O globo, Rio de Janeiro, 31 dez. 2005. Segundo Caderno p. 4.

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No texto acima, os verbos, embora estejam no presente, não são

embreados. Os fatos que descreve estão fora da oposição passado x presente x

futuro. O tempo verbal nesse gênero de texto não se ancora à situação

enunciativa atualidade, mas a um tempo destacado e autônomo, que remete ao

filme propriamente dito. Não se trata, portanto de um presente dêitico, na

medida em que não dialoga com a situação enunciativa em que o texto está

inscrito: a edição do jornal. Trata-se de um emprego metafórico do presente,

embora não nos pareça o tradicional “presente histórico”: a ocorrência de

trabalha, por exemplo, parece estar mais no âmbito descritivo do que do

narrativo, isto é, está mais uma metáfora de pretérito imperfeito do que de

perfeito.

Acrescentemos o eixo da enunciação alocutiva.

c) tempo da enunciação alocutiva:________|____________________________|__________________________|________tempo retrospectivo tempo-zero tempo prospectivo

-------------------- imperativo --------------------------Observe-se que, da mesma maneira que estão sujeitos a metáforas

temporais os outros eixos (no comentário, por exemplo, uma forma de presente

pode funcionar como futuro – no tempo descrito tradicionalmente como “futuro

próximo”; na narração, uma forma de pretérito perfeito pode funcionar como

pretérito mais-que-perfeito; etc.), a enunciação alocutiva pode se expressar com

outras formas verbais além do imperativo propriamente dito: um pretérito

perfeito pode funcionar como imperativo em frases como “Parou !”, exigindo

que se pare; o futuro do presente ou o infinitivo impessoal funcionam como

imperativos no Decálogo; e assim por diante.

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3 PROGRESSÃO TEXTUAL

3.1 Tema e rema

Em estudos lingüísticos, a oposição entre tema e rema surge em fins da

segunda década do século XX. No entanto, é na década de setenta que ganha

impulso, em função dos estudos de textos que se desenvolveram a partir de

então. Tema é o dado já instaurado no texto, sobre o qual se vai desenvolver um

uma certa extensão textual. Rema é exatamente esse desenvolvimento; é a parte

do enunciado que acrescenta alguma coisa nova. A extensão de um texto

dependerá, portanto, do grau de exigência do tema proposto, isto é, do quão

transitivo é o tema – transitivo aqui está sendo usado no sentido de incompleto.

A incompletude de um tema não é absoluta, mas relativa ao texto que se produz.

Não se trata de uma relação sintática de regência de um verbo ou um nome que

pedem complemento. Embora a relação entre tema e rema historicamente (por

conta da etimologia grega) se aproxime da que existe entre sujeito e predicado, a

semelhança é apenas a que ocorreria entre um fenômeno microcósmico com um

macrocósmico em qualquer sistema: trata-se de uma relação eminentemente

textual, que se concentra, por um lado, no grau de informatividade e de dinâmica

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comunicativa dentro de um período, e, por outro, nos encadeamentos frasais.

Como a progressão se dá a partir da instauração de um tema que pleiteia um

rema – o que se dará por intermédio de uma transição, é possível dizermos que

esta transição – elemento necessariamente coesivo – é a “costura” essencial que

propicia a extensão textual.

Tradicionalmente na literatura, consideram-se três tipos de progressão

que, naturalmente, na maioria dos casos, estão misturados no interior de um

mesmo texto: progressão de tema constante; progressão linear simples;

progressão de temas derivados.

Na progressão de tema constante, um mesmo tema é retomado de um

período a outro e associado a remas diferentes:

Alguns lugares de comércio permitem que os amantes de livros se encontrem livremente em paz. Lugares onde se encontram as novidades, já no dia de seu lançamento. Lugares onde se pode falar sobre livros com pessoas que já os leram. Onde cada um pode constituir sua própria biblioteca. 36

Na progressão linear simples, o tema de um período se extrai do rema do

período que o precede:

Sobre o mar, está um barco – no barco, está um quarto – no quarto está uma gaiola – na gaiola está um pássaro – no pássaro está um coração.37

A progressão de temas derivados se organiza a partir de um tema

que desenvolve diferentes subtemas:

As duas admiráveis narrativas que compõem este livro estão dentre as mais características do gênio de H. James, porque centradas sobre o segredo e sobre a morte. L’Autel des morts, escrito em Londres em 1894, evoca um evento determinante na vida de James. Dans la cage data de 1898 e evoca o período parte de Rye, uma cidade ao sul da Inglaterra.38

O que se apresentou nesta seção apenas funciona para reafirmar o que se

diz acerca do assunto, mas nossa visão é a de que a progressão consiste na

36 CHARAUDEAU, P. ; MAINGUENEAU D. Dictionnaire d’analyse du discours. Paris: Seuil, 2002. p.

573.37 Idem, ibidem.38 Idem, ibidem.

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repercussão da coesão textual, no sentido de que esta, com seus movimentos

anafóricos e catafóricos e seus mecanismos de ligação e referenciação

lexicogramatical, produz a extensão de um texto.

3.2 Redigir e ler textos argumentativos

Em aulas de redação, nota-se que alguns temas têm mais preferência dos

alunos do que outros: eles alegam que, se tiverem de dissertar acerca de um

assunto sobre o qual já tenham lido ou que tenham discutido muito, o texto é

produzido com mais desenvoltura. Com efeito, isso não é de todo errado: se o

tema a ser desenvolvido for , por exemplo, “racismo”, “aborto” ou

“desarmamento”, tal facilidade, sem dúvida, se verificará.

Acontece que um tema em princípio dominado por eles, como, por

exemplo “a cidadania no Brasil” apresenta outro tipo de obstáculo, que é o fato

de ser “difícil, porque é muito vago...” Percebe-se que ser “muito vago”, para

eles, corresponde a ser, na verdade, pouco polêmico. Ora, se para haver

argumentação é preciso que haja polêmica, quanto mais consensual for o tema,

mais difícil será sustentar uma argumentação a seu favor. Aliás, se o tema for

totalmente consensual (por exemplo, algo como “a Terra gira em torno do Sol”),

a argumentação será impossível.

Jamais ocorre, portanto, argumentação em defesa de uma verdade consensual ou vista como consensual pelo argumentador. Todo texto argumentativo, oral ou escrito, resulta de uma tomada de posição com relação a uma assertiva polêmica preexistente a sua produção. A proposta, por conseguinte, é condição necessária para a existência do texto argumentativo, devendo estar de alguma maneira explicitada, e consistindo na citação ou alusão a uma assertiva presente em outro(s) texto(s), no(s) qual(is) desempenha o papel de tese39.

Com esse grau de dificuldade, não admira que o aluno seja acometido de

uma espécie de “síndrome da 15a linha”, isto é, o momento de sua redação em

que não há mais assunto e ele começa a repetir-se, aumentar a letra, incluir dados

estranhos ao tema central, enfim, procedimentos equivocados, que jamais 39 OLIVEIRA, H.F. (1999) p. 3

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passarão despercebidos a quem avaliará seu texto. É possível encontrar no

próprio texto alternativas de progressão textual, por meio do emprego de

categorias lingüísticas adequadas.

No entanto, para que uma boa produção textual ocorra, é preciso que o

aluno tenha uma desenvoltura com o texto gráfico, que lhe permita lançar mão

de estratégias discursivas típica de escrita. Portanto, o aluno terá de ser um leitor

proficiente. Quanto melhor leitor for o aluno, maior será a possibilidade de ele

ser um bom redator. Antes de procedermos à leitura de dois textos dissertativos,

a fim de examinarmos alguns aspectos de progressão do texto argumentativo,

façamos uma pequena digressão acerca do tipo de aluno que buscamos construir

por intermédio da sala de leitura.

3.2.1 O que subjaz à superfície textual

É importante que o aluno-leitor se cientifique de que a leitura não deve

ser uma atividade ingênua e passiva. É necessário que se observe que um texto

normalmente não visa apenas a transmitir informações. Há sempre um forte teor

argumentativo impresso pelo autor ao expressar suas idéias. Esta estratégia

tende a aproximar ou afastar o leitor de uma determinada linha de raciocínio, ou

de um determinado ponto de vista. Não há neutralidade. As palavras em um

texto estão sempre fazendo parte de um “jogo” de defesa e ataque. Nem sempre,

em um texto, o mais importante é o que se está dizendo, mas como se está

dizendo.

A utilização de termos subjetivos em um texto é uma forma bem clara de

expressar intenções pessoais com relação àquilo que se caracteriza. A

manipulação das palavras, por parte do autor, faz com que a informação se torne

um artigo de consumo como qualquer outro exposto em um estabelecimento

comercial. São os autores, verdadeiros vendedores de idéias, teorias, teses e

considerações e multiplicam o seu poder, à medida que vão adquirindo maior

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número de adeptos. Cabe ao aluno-leitor atentar para o fato de que ler não é

apenas extrair informações, mas adquiri-las e processá-las, observando as

entrelinhas e o grau de comprometimento do autor com aquilo que expressa no

texto, e a partir desses dados formular as suas próprias conclusões.

Quando se lê um texto pela primeira vez, tem-se a impressão de se estar

em contato com algo novo. Porém, na verdade um texto é sempre construído por

meio de idéias e experiências absorvidas a partir da leitura de outros textos, o

que faz com que haja em cada texto um “coro de vozes” polifônicas implícita ou

explicitamente expressas.

É comum observar em textos diversos, a presença da fala de outros

autores, claramente representada pela utilização de aspas, notas, citações e tantos

outros recursos que caracterizam a polifonia explícita. A aplicação desses

recursos polifônicos visa, em suma, a assegurar a adesão de uma idéia ou tese

por parte de outros autores, fazendo com que aquilo que é afirmado alcance um

grau de credibilidade mais elevado, principalmente se as citações se referem a

autores conceituados na área em que atuam. Assim há uma probabilidade maior

de convencer o leitor e conseqüentemente fazer com que ele absorva a idéia em

questão como a autêntica expressão da verdade.

O fato é que, normalmente, quando um leitor adota uma determinada

idéia ou teoria encontrada em algum texto, como verdadeira, passa a utilizá-la e

divulgá-la, fazendo com que esta se torne ainda mais consistente à medida que

adquire a aprovação de outros.

Redigir bem um texto implica capacidade de operar com os novos

conceito adquiridos, a fim de aplicá-los em sua produção.

Quando falamos anteriormente de dificuldades de redigir um texto, na

verdade estávamos falando da dificuldade de dissertar argumentativamente.

Dificuldades de ordem ortográfica, estilística, sintática existem – nós o

reconhecemos –, mas não farão parte de nossa preocupação aqui. Julgamos que

produzir um texto narrativo de grande extensão é bem mais fácil do que

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produzir um que seja argumentativo, justamente porque o sistema de

informação40 da narração tem embutida uma quantidade maior de demandas

remáticas, tais como localizações, adjetivações, explicações, etc. Considerando

que um editorial de jornal é um tipo de texto que emprega vários recursos

lexicais, gramaticais e sintáticos, que seguem o padrão culto da língua, bem

como é um texto dissertativo, lançaremos mão de dois, a seguir.

3.3 Progressão de textos argumentativos: um exemplo

Vamos nesta seção examinar um editorial da Folha de São Paulo e um do

Jornal do Brasil, e constataremos que o primeiro tende a seguir uma razão

persuasiva, e o segundo, uma razão demonstrativa. Textos argumentativos que

adotam a razão demonstrativa se inclinam a ser mais demonstrativos; os que

adotam a razão persuasiva serão mais polêmicos. Enquadrando JB e Folha

numa escala em cujos extremos se encontram respectivamente a argumentação

demonstrativa e a polêmica, não restam dúvidas de que o JB se insere num ponto

dessa escala mais próximo do extremo polêmico do que a Folha se inseriria.

Para proceder a esse enquadramento, optamos por contabilizar palavras ou

expressões de valor avaliativo (engajado), especificamente de valor meliorativo

e pejorativo, cujo emprego se observa com muita freqüência nos textos

argumentativos, caracterizados pela argumentação polêmica.

Esse cotejo entre editoriais foi um procedimento de nossa dissertação de

mestrado41. Apesar de a intenção inicial da dissertação ter sido examinar tão-

somente o papel dos termos meliorativos e pejorativos na argumentação, a

notável diferença de extensão textual entre JB e Folha nos conduziu a um outro

momento de estudo que foi tentar compreendê-la. Levantamos a hipótese de que

40 Os sistemas de informação são aqueles relacionados à organização do texto em unidades de informação (HALLIDAY; HASAN, op. cit. p.325)41 ROSA, Paulo C. C. Pejorativos e meliorativos no “JB” e na “Folha”. 1999. 123 f. Dissertação (Mestrado em Letras Vernáculas) – Faculdade de Letras, UFRJ, Rio de Janeiro.

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os termos meliorativos e pejorativos poderiam ser responsáveis por tal extensão

textual.

A bibliografia de que então dispúnhamos não tratava exatamente de

termos meliorativos e pejorativos, mas especificamente de adjetivos. Em 1992,

Carneiro et al.42 observaram que “adjetivos de conteúdo ‘subjetivo’ tendem a

‘exigir’ explicitação, levando o texto a progredir, e que os de sentido ‘objetivo’

tendem a uma ‘auto-suficiência’ informativa não geradora de progressão

textual”.43 Entenderemos aqui progressão textual – tal como Carneiro et al. –

como o ato de estender o texto. Essa extensão poderá ou não suscitar novas

idéias, que poderão ou não gerar nova progressão do texto. Apenas para situar o

leitor sobre o que vêm a ser adjetivos objetivos e subjetivos, bem como alguns

de seus matizes, achamos que seria interessante apresentar, em linhas gerais, a

seguinte tipificação, proposta por C. Kerbrat-Orecchioni44:

42 CARNEIRO, A.D. et al. O adjetivo e a progressão textual. Uberlândia: Letras & Letras, v. 8. n. 1. EDUFU, 1992.43 Idem, p. 31.44 KERBRAT-ORECCHIONI, C. L’énonciation: de la subjectivité dans le langage. Paris: Armand Colin, 1980

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Os adjetivos objetivos são aqueles sobre cuja atribuição podemos afirmar ser verdadeira ou falsa. Os adjetivos subjetivos afetivos “enunciam, ao mesmo tempo, uma propriedade do objeto que eles determinam e uma reação emocional do sujeito falante em face desse objeto”; seriam adjetivos como esquisito, assustador, etc. Os avaliativos não-axiológicos supõem uma avaliação qualitativa do objeto fundada sobre uma dupla norma, interna ao objeto e específica do autor do texto. O emprego desse tipo de adjetivos depende da idéia que o autor do texto faz da norma de avaliação que convém a uma dada categoria de objetos. Um bom exemplo seria o adjetivo grosso. Quando se diz um livro grosso, diz-se, na realidade, que esse livro é mais grosso do que a norma de grossura de um livro, a partir da idéia de quem o disse. Está claro que a idéia que se faz de grossura é orientada por múltiplos fatores que intervêm nessa apreciação. Os avaliativos axiológicos também implicam uma dupla norma, ligada tanto ao objeto que suporta a propriedade, quanto ao autor do texto (adjetivos como bom ou belo são exemplos elucidativos). A diferença que existe entre os adjetivos axiológicos e os não-axiológicos reside no fato de que aqueles são mais subjetivos que estes. Observe-se que a noção de calor atmosférico, por exemplo, é mais consensual do que a de beleza. Por outro lado, por pessoal que possa ser um julgamento de valor, este sempre se apoiará em códigos culturais, que poderão se explicitados ou não pelo autor do texto. Além do mais, muitas vezes caberá ao contexto atualizar um mesmo adjetivo como mais ou menos subjetivo.

Como os termos meliorativos e pejorativos que encontramos em nosso

corpus participam não só da classe dos adjetivos, mas também da dos

substantivos, da dos verbos e, por fim, da dos advérbios de base nominal

terminados em -mente, foi necessário fazermos algumas adaptações àquilo

sugerido em Carneiro et al., considerando uma semelhança e uma diferença que

há entre adjetivos subjetivos e termos meliorativos e pejorativos.

A maior diferença é que os adjetivos favorecem uma tipificação

apriorística: o adjetivo nacional é à primeira vista objetivo. Para ter uma idéia,

num sintagma nominal, um adjetivo objetivo dificilmente pode ser colocado à

esquerda do substantivo (por exemplo, o sintagma bandeira nacional apenas em

situações textuais muito específicas permitiria a inversão). Isso acontece,

porque, ainda que um adjetivo seja objetivo, não perderá sua condição de

qualificador, e qualificar – diferentemente de nomear, que é fazer existir seres

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e classificá-los em função de sua semelhança ou diferença, mas de maneira não-

orientada – é reduzir a infinidade do mundo, buscando dissipar a “constelação

de seres” a que alude Charaudeau, dando um sentido particular a esses seres, de

maneira mais ou menos objetiva.45

A melioratividade ou a pejoratividade46 de um termo é textual; por

conseguinte essas noções se instaurarão, necessariamente, a posteriori. Isso

significa dizer que os termos se atualizam como pejorativos ou meliorativos por

estarem, antes de tudo, subordinados à coesão lexical. É por isso que mesmo

adjetivos a priori objetivos podem ser empregados pejorativa ou

meliorativamente. Então, todos os termos meliorativos e pejorativos serão

subjetivos, o que não quer dizer que a recíproca seja verdadeira: como o

engajamento deve estar a serviço da rejeição ou da reiteração da validade da

tese, é mais do que natural não serem meliorativos e pejorativos termos de valor

afetivo simplesmente por não estarem relacionados à tese.

De qualquer forma – e é esta a semelhança que há entre eles e os adjetivos

subjetivos –, os termos meliorativos e pejorativos representam qualificações e,

portanto, exigirão explicitações.

Passemos aos dois editoriais do corpus, a fim de que possamos examinar

alguns exemplos concretos.

Os notáveis e o possível Está praticamente terminada a montagem do ministério Fernando Henrique Cardoso. Mas é difícil fazer uma avaliação objetiva da qualidade média do gabinete porque esse tipo de julgamento parte sempre da comparação com os anteriores. Ocorre que as características de dois dos presidentes civis que antecederam FHC (José Sarney e Itamar Franco) são tão diferentes que impedem a comparação. Sarney herdou um ministério de Tancredo Neves, primeiro, e tornou-se virtual refém do PMDB, depois.

45CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l’expression. Paris: Hachette, 1992, p.663. 46 Em nossa dissertação precisamos lançar mão dos neologismos melioratividade e pejoratividade:

melioratividade deverá ser entendida como “qualidade ou estado do que é, em um texto, meliorativo ou

tem sua pejoratividade negada”; pejoratividade será entendida como “qualidade ou estado do que, em

um texto, é pejorativo ou tem sua melioratividade negada”.

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Itamar Franco assumiu na seqüência do inédito afastamento de um presidente (Fernando Collor), o que o obrigou, em certa medida, a compor uma equipe de emergência e para apenas a metade do mandato que lhe restava. O único presidente que assumiu em condições políticas análogas às de FHC foi Collor. Se o parâmetro for esse, não pode restar dúvida de que o ministério composto pelo futuro presidente é superior. Entre Zélia Cardoso de Mello e José Serra/Pedro Malan ou entre Bernardo Cabral e Nélson Jobim, a vantagem dos ministros de FHC sobre os de Collor é enorme. É claro que sempre lhes resta passar pelo único teste que de fato conta, o da prática administrativa. A história, não só do Brasil, está carregada de exemplos de ministros cuja biografia era notável mas que se revelaram, no exercício do cargo, apenas medíocres. A lista completa de nomes, em todo o caso, revela algumas características nítidas. FHC escolheu homens de sua confiança pessoal para vários cargos, como o estratégico Ministério das Comunicações, entregue a seu amigo pessoal Sérgio Motta. É um caso típico de personalidade que dificilmente seria chamada por qualquer outro presidente que não fosse o próprio FHC. Há, ainda, figuras que combinam o fato de serem amigos do presidente eleito com o rótulo de “notáveis”, personalidades destacadas em seus âmbitos de atuação e que, por isso mesmo, figuram sempre nas listas de ministeriáveis. Emblemático, a respeito, é o caso, acima de tudo, de José Serra (Planejamento). Já Reinhold Stephanes (Previdência) e Adib Jatene (Saúde), que também merecem o rótulo de “notáveis”, não são propriamente amigos de FHC. Foram chamados como especialistas nos assuntos que vão administrar. Nesses dois casos específicos, como em alguns outros, FHC comportou-se como prometera durante a campanha eleitoral. Stephanes, por exemplo, foi escolhido não só porque pertence ao PFL, mas sobretudo porque, na visão do presidente eleito e de sua assessoria, é o homem certo para o lugar certo. Mas há casos em que a promessa foi descumprida. Raimundo Brito (Minas e Energia) e Cícero Lucena (Secretaria de Integração Regional) entram na cota, respectivamente, do ex-governador Antônio Carlos Magalhães e do PMDB. Brito, aliás, foi secretário de Transportes de ACM, mas não administrará a mesma área com FHC, evidência adicional de um arranjo meramente político. Lucena nem mesmo com enorme boa vontade poderia ser listado como “notável”. A alegação para esse tipo de composição política é a de que o governo vai precisar de sólida maioria no Congresso para aprovar as reformas constitucionais que considera necessárias para a estabilidade econômica e

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o crescimento. É um raciocínio que tem sua lógica em países de sistemas partidários consistentes. No Brasil, como prova a história recente, há siglas que estão no governo, mas cujos parlamentares votam contra projetos do Executivo. O PMDB, aliás, tornou-se um especialista nesse paradoxo de ser governo e oposição ao mesmo tempo. É óbvio que a história não precisa repetir-se sempre, mas a coincidência de a distribuição política dos cargos ter sido deixada para a fase final de montagem do ministério acabou legando um sabor amargo ao resultado final. Há, sim, “notáveis” no gabinete. Mas, no seu conjunto, parece mais o ministério do possível e não o proclamado ministério dos notáveis.47

Antes de começarmos a falar da extensão do editorial da Folha, é

pertinente levantar a seguinte questão: não constituirá risco fazer suposições

sobre o porquê do tamanho de editoriais que em geral têm cerca de 340 palavras,

se os próprios responsáveis pelo jornal podem dizer que produzir editoriais

pequenos são “normas da casa”? Nosso estudo está acima, ou melhor, à parte

disso. Estamos convencidos de que, se existe alguma determinação para que o

editorialista não vá além de um certo número de palavras, tem de existir

igualmente uma outra determinação: “não seja prolixo, são normas da casa48.”

No que concerne ao texto da Folha, Os notáveis e o possível, não se pode

creditar sua extensão pouco comum a editoriais desse jornal apenas ao fenômeno

da progressão textual por engajamento. É preciso considerar, além desse, um

outro fator: a abundância de informações novas.

Embora o texto apresente pouco engajamento, todos os seus termos

meliorativos e pejorativos são responsáveis por progressão textual, além de dois

outros, que, se não são meliorativos e pejorativos, são por ela responsável. Se

não, vejamos.

Logo no primeiro parágrafo, é possível identificar o mecanismo que, com

regularidade iterativa, será responsável pela progressão de boa parte do texto:

47 EDITORIAL. Os notáveis e o possível. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 dez. 1994, p. 2.

48 Essas “normas da casa” realmente existem. No verbete nariz-de-cera do Manual de Redação da Folha, afirma-se o seguinte: “ [É um] parágrafo introdutório que retarda a entrada no assunto específico do texto. É sinal de prolixidade incompatível com jornalismo. Na Folha, evite em qualquer tipo de texto e nunca deixe passar em texto noticioso (grifos nossos).”

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palavras de valor subjetivo – engajadas ou não –, necessariamente representando

qualificações, possibilitam explicitações. Nesse parágrafo, o argumentador

afirma ser “difícil fazer uma avaliação objetiva da qualidade média do gabinete”

“porque esse tipo de julgamento parte sempre da comparação com os

anteriores”. O adjetivo difícil exige uma explicitação, e a oração explicativa que

destacamos o faz. A propósito, a diferenciação entre orações coordenadas

explicativas e orações subordinadas adverbiais causais, às vezes trabalhosa aos

mestres em nossas salas de aula, parece aqui ganhar um modesto reforço: se a

oração em pauta tiver sido gerada por palavra ou expressão de valor subjetivo,

estaremos diante de uma coordenada explicativa.

No parágrafo seguinte, o articulista diz que os “presidentes civis que

antecederam FHC” são muito diferentes. Certamente o leitor se perguntará:

“Diferente como?”. E o articulista responde com o período subseqüente. Isso se

repetirá com outras palavras do texto, como os meliorativos superior (4o

parágrafo), vantagem e enorme (5o parágrafo). O meliorativo superior reclama

uma explicitação que será apresentada no parágrafo seguinte, onde se encontram

os outros dois meliorativos a que aludimos. Estes, por seu turno, exigirão a

explicitação que está diluída em todo o texto, que discutirá a condição de

“notáveis” dos ministros do futuro presidente Cardoso.

Mas é um outro fator, a abundância de informações novas, que fez

efetivamente desse texto o maior texto da Folha constante em nosso corpus.

Não há dúvidas de que a intenção de levar para dentro do editorial um tom

noticioso o fez crescer sensivelmente: ocorre mais narração e descrição do que o

esperado nesse gênero de texto. São muitos os personagens: cinco presidentes

da República, dez ministros, um governador, cada qual com sua história,

merecendo do editorialista ao menos um comentário, cujo conteúdo tanto pode

ser descritivo, quanto narrativo, podendo até apresentar alguma tomada de

posição. No entanto não há um grande interesse em ser contra ou a favor, e sim

em passar em revista os prós e contras, à maneira da argumentação ponderada.

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Acima da Lei Movido pelo sentimento de que a pena imposta pelo TSE ao senador Humberto Lucena foi desproporcional à transgressão por ele cometida – imprimir 130 mil calendários de propaganda com o dinheiro do contribuinte –, o Congresso se propõe a votar uma “reparação” igualmente desproporcional a essa “injustiça” capaz de produzir, grave prejuízo político no Brasil. Ao se arrogarem, por motivos corporativos, o direito de desagravar um crime capitulado na legislação eleitoral, anistiando um delito transitado em julgado por um tribunal de última instância, nossos legisladores estarão reduzindo a pó primeira aspiração dos brasileiros: que no país onde os poderosos estão acima da lei, a lei comece a ser aplicada a todos sem distinção. Absurda, sim, Anistia é a graça pela qual é isentado de culpa o agente de “crime de caráter político praticado durante situação anormal”. O crime de Lucena nada tem de político (não é o feitio do homem), é crime eleitoral. E não se está pretendendo lhe restituir o gozo pleno de seus direitos, mas firmar o privilégio da impunibilidade mesmo quando condenado pelas supremas cortes do Judiciário. Alguns parlamentares compreenderam o alcance da monstruosidade do que se prepara. O corregedor da Câmara, deputado Fernando Lyra (PSB-PE) disse que, no caso, “não cabe anistia, isso é uma invencionice, uma barbárie que mostra como nossas instituições estão aquém das exigências da sociedade”. O presidente da Câmara, deputado Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), advertiu que “a simples perda de um mandato de um colega não pode ser motivo para se fazer uma lei inconstitucional”. A voz isolada do senador Eduardo Suplicy (PT-SP) denunciou o escandaloso casuísmo. Corajosamente, Suplicy está fazendo de tudo para que seu partido obstrua o projeto de anistia aos parlamentares acusados ou processados por uso irregular da gráfica do Senado. Toda essa manobra é abjeta, desacredita o Congresso de forma definitiva e terá efeitos deletérios no ânimo dos brasileiros. O PMDB estaria mesmo chantageando o líder do PFL, deputado Luís Eduardo Magalhães (BA-PFL), advertido de que não contará com o apoio do maior partido para se eleger à presidência da Câmara, caso não se curve ao jogo sujo que afronta as leis e o Supremo. É espantoso o que está acontecendo à luz do dia. Sacrificam-se os valores morais, rasgam-se a Constituição, os códigos, a legislação eleitoral, para inocentar um criminoso confesso e condenado. Um parlamentar que simboliza o mais desprezível nepotismo, o mais rasteiro clientelismo, que nunca se distinguiu por nada que não fosse medíocre e miúdo. O delírio na defesa da impunidade é tamanho, que alguns tramam aproveitar o comparecimento em massa de parlamentares ao Congresso, na ocasião do discurso inaugural de Fernando Henrique Cardoso, a fim de consumar a bandalha. O Brasil real proporcionaria assim um batismo e tanto para o Brasil ideal.49

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Page 73: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

Já em seu início, o articulista “avisa” habilmente ao leitor que ele está

sendo lesado, já que a transgressão não foi apenas imprimir calendários, mas

imprimi-los com “o dinheiro do contribuinte”, isto é, o próprio leitor. Observe-

se que aí o articulista aproveita bem a força dos fatos: contribuinte não faz parte

apenas de seu mundo, mas também do de quem o lê. Com isso provavelmente

conquista um consenso que lhe será fundamental para, no início do terceiro

parágrafo, reforçar com um sim o pejorativo Absurda, sem que o houvesse

empregado antes – o que seria o mais usual.

Posto que ciente de tal consenso, o argumentador sente nesse momento a

necessidade de explicitar sua qualificação pejorativa (Absurda). É este o

momento da gênese da progressão textual por engajamento: é como se o sujeito-

alvo perguntasse ao argumentador “Como assim, absurda?”; ao que o

argumentador responderá – cônscio da polifonia do texto argumentativo – com

todo o terceiro parágrafo.

Pergunta semelhante o sujeito-alvo poderá fazer, quando, no segundo

parágrafo se emprega o pejorativo corporativos. A diferença é que o

argumentador deixa para mais adiante a prova do que diz: no sexto parágrafo ele

atribui a um enunciador indeterminado a afirmação de que o “PMDB estaria

chantageando o líder do PFL” – indeterminação, aliás, conseguida com o uso do

futuro do pretérito estaria como metáfora verbal, em que o argumentador não se

responsabiliza pelo que é dito. Note-se que, a despeito de o enunciador ser

indeterminado, o argumentador precisa dele para validar sua tese. Não nos

esqueçamos de que provar é o objetivo precípuo da razão persuasiva, ainda que

quem valide a tese seja um enunciador ad hoc.

Mas nem só de enunciador indeterminado vive o argumentador: para

provar que detém a verdade, tanto pode lembrar que Lucena é criminoso,

declarado como tal pelo enunciador Tribunal Superior Eleitoral, quanto

mencionar parlamentares, enunciadores que “compreenderam o alcance da 49 EDITORIAL. Acima da lei. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 dez. 1994, p. 6.

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Page 74: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

monstruosidade do que se prepara”. Diga-se de passagem, o argumentador

destaca dessas declarações pejorativos que facilmente se confundem com os

seus. Exemplo disso se verifica, quando se refere ao senador Eduardo Suplicy,

que “denunciou o escandaloso casuísmo”. A imagem que nos vem à cabeça é do

senador afirmando o que, em verdade, foi dito pelo articulista, que mais uma vez

recorre à polifonia, identificável nesse discurso indireto livre.

Com relação a criminoso, que está no penúltimo parágrafo, note-se o que

já afirmamos anteriormente: mesmo um adjetivo considerado a priori objetivo

(não há como negar que houve um crime, julgado pelo TSE) pode ser empregado

pejorativamente e também gerar progressão textual: toda a seqüência, até o fim

do parágrafo, foi gerada por ele. A propósito, essa seqüência tem por núcleo

parlamentar, que funciona como uma espécie de aposto de tal pejorativo. Se

observarmos atentamente, verificaremos que isso acarretou um exótico período,

ao qual se subtraiu um verbo.

Com relação a escandaloso casuísmo, gostaríamos de deter-nos a um

outro aspecto da progressão textual. Trata-se de um subproduto da progressão

textual por engajamento, mas nem por isso menos importante. Não custaria ao

argumentador, em vez de ter dito escandaloso casuísmo (empregando um par de

pejorativos), dizer apenas casuísmo. Teríamos ainda assim a ofensa aos maus

congressistas e o texto seguiria seu curso. Ocorre que a prolixidade dos textos

altamente engajados exige e produz adjetivação dessa monta. O que queremos

afirmar é que, nos textos engajados, predomina o eixo sintagmático sobre o eixo

paradigmático. Tem-se, então, “privilégio da impunibilidade” em vez de apenas

impunibilidade; “o mais desprezível nepotismo, o mais rasteiro clientelismo, que

nunca se distinguiu por nada que não fosse medíocre e miúdo” em vez de

apenas nepotismo e clientelismo; e assim por diante. Podemos então concluir

que quanto mais polêmico for o texto, maior será a possibilidade de ele ser

horizontal, isto é, rico em sintagmas extensos; quanto mais demonstrativo for o

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Page 75: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

texto, maior será a possibilidade de ele ser vertical, isto é, não exibir com tanta

freqüência tais sintagmas.

Termos meliorativos e pejorativos representam qualificações e, portanto,

exigirão explicitações. Qualificar é tomar partido.

4 TEXTO ESCRITO: INTERFERÊNCIA DA ESCRITA NO ENSINO

DA COESÃO

Procuraremos aqui apontar algumas interferências da escrita no ensino da

coesão.

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Page 76: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

4.1 A tradição da escrita

Como sabemos, a tradição do ensino de língua se confunde com a

tradição do ensino de língua escrita. Assim, os primeiros estudiosos de língua se

dedicaram a examinar essa modalidade – mais especificamente, sua versão

literária. Essa iniciativa engendrou uma descrição e posterior normatização dos

recursos lingüísticos dos quais os literatos lançavam mão. Ora, tal procedimento

implicou uma intensa valoração da modalidade escrita, em detrimento da

produção lingüística oral, a qual viria a tornar-se, dois milênios depois, com

Saussure e seus seguidores, o fenômeno a ser efetivamente estudado.

Desenvolveu-se, pois, a partir de um corpus específico (escrito e com

objetivos artísticos) a gramática, cujo grama de sua composição não deixa

dúvidas: “caráter de escrita, sinal gravado, letra, texto, inscrição, registro, lista,

documento, livro, tratado”50 – fato a confirmar que o estudo de língua, em sua

gênese, confere à escrita o status de objeto de estudo de uma ciência a que se

convencionou chamar Gramática Tradicional.

Há dois enganos capitais nessa forma de abordar o fenômeno língua. O

primeiro equívoco está em ter havido uma rígida e pouco cuidadosa separação

entre língua escrita e língua oral, de modo que aquela se tornou o padrão, o

ponto de partida desta. O segundo equívoco – decorrente do primeiro – está na

maneira de encarar a mudança lingüística: qualquer desvio daquilo que se

registrou por escrito será necessariamente uma degradação da língua.

Dizemos que esse segundo equívoco decorre do primeiro porque, como se

sabe, é a escrita que acompanha e registra as mudanças lingüísticas. Ora, se se

acredita no contrário, está-se partindo de uma premissa que logicamente

implicará uma falsa conclusão. As mudanças lingüísticas são fato inevitável

embora lento; no entanto, mais lentas serão as mudanças ortográficas, já que

ocorrerão tão-somente após a nova tendência estar satisfatoriamente 50 HOUAISS, Antônio & VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa.

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sedimentada. Dessa forma, os gramáticos tradicionais cunharam um valor

cultural que se perpetua até hoje na nossa civilização: a crença de que deve ser

tomado como erro tudo o que fugir ao que se prescreve oficialmente. E é natural

que o que se prescreva como correto se paute pelos textos legados pelos

escritores clássicos ( ou melhor, dos que são considerados clássicos pelo senso

comum).

A prescrição de usos lingüísticos tipicamente verificáveis na escrita como

padrões a enquadrar a língua oral – esta sim a matriz da qual deveria provir todo

o estudo – dá-se em qualquer nível lingüístico.

Para ter uma idéia disso, tomemos o fenômeno da colocação pronominal:

a tradição gramatical defende que a posição proclítica do pronome átono

brasileiro deve ser substituída por um procedimento “mais adequado”, que seria

a opção pela ênclise – colocação que apenas a partir do século XVIII se tornou

preferência lusitana, em função de um processo de mudança fonológica,

responsável por conseqüências que hoje quase nos impedem de nos

entendermos. Aliás, a título de ilustração do fenômeno da colocação, nota-se

não só na imprensa culta hodierna uma tendência acentuada à negação da

próclise, como também em clássicos da literatura nacional.

Resenhas publicadas em cadernos especiais de jornais parecem-nos uma

fonte bastante adequada de exemplos cultos escritos, uma vez que seus autores

são o que se pode considerar como enunciadores ideais desse modo de texto.

Espera-se de enunciados produzidos nesse ambiente o emprego do maior número

possível de recursos prescritos pela gramática normativa; no entanto é comum

verificar-se a ênclise em contextos de “próclise obrigatória” – expressão cunhada

pela própria tradição. Os exemplos a seguir foram extraídos de duas resenhas do

JORNAL DE RESENHAS, caderno especial publicado pela Folha de São

Paulo.

A dança é um gerúndio, o momento onde símbolos tornam-se formas, adquirem motricidade. Nesses momentos moebiusianos, a arte conquista

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Page 78: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

autonomia, incorporando outras possibilidades. Didi vive e assinala essa abertura51.

Ela descobre esta inteligibilidade não no pensamento formal, mas em algo mais flexível, “na sensibilidade: o nexo emocional, moral e estético por meio do qual o pensamento expressa-se em ação, tornando-se público, visível e acessível à nossa observação”.Se o ritual tornou-se necessário devido ao entendimento asteca da vida como incerta e transitória, podendo com proveito ser considerado como propiciatório, "o seu maior significado", diz Clendinnen, "não era instrumental, mas antes estético, expressivo, indagativo e criativo".52

Autores que, em geral, têm seu nome mais ou menos atrelado à tradição

não raro empregam ênclise em contextos em que haveria próclise. A seguir,

alguns exemplos encontrados em A semana – crônicas de Machado de Assis:

Terceiro camarote, violinos, fagotes, coros e o duo. Pormenores técnicos. Ao fundo, dous homens, que falam de um congresso psicológico em Chicago, dizem que os nossos espíritas vão ter ocasião de aparecer, porque o convite estende-se a eles. Tratar-se-á não só dos fenômenos psicofísicos, (...)[105] [2 outubro] 53

Imagine-se que há meio século vendiam-se “aos milheiros” na Rua da Alfândega nº 15. Não há produção que resista a tamanha procura. Depois, o barbeiro sangrador é ofício extinto. [128] [19 novembro]54

Acho que a marcha da civilização explica-se pelo crescimento numeroso dos séculos. [132] [11 março]55

A verdade, porém, é que Mowat matou-se por causa dessa modéstia doentia. [142] [9 setembro]56

Vejam-se, ainda, estes passos de Clarice Lispector:

Por que uma casa encerada e limpa deixava-a perdida como num mosteiro, desolada, vagando pelos corredores? 57

51 AGUILAR, Nelson . A construção do cetro. Folha de São Paulo, São Paulo , 14 nov. 1998, p. Especial-852 GRAHAM, Sandra Lauderdale. Rituais de sacrifício. Folha de São Paulo, São Paulo , 14 nov. 1998, p. Especial-8. Trad.: LAURA DE MELLO E SOUZA.53 ASSIS, J.M. Machado de. Obra completa. v. 3. Rio de Janeiro: Aguilar, 1959. p.574.54 Idem. p. 617.55 Idem. p. 626.56 Idem. p. 644.57 LISPECTOR, Clarice. Perto do coração selvagem. 3.ed. Rio de Janeiro: Sabiá, 1969. p.29.

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Então Joana compreendia que na sucessão encontrava-se o máximo de beleza (...)58

Esse estado meio inconsciente, onde parecia-lhe mergulhar profundamente em ar morno, cinzento...59

Observe-se que aos elementos em destaque – ou melhor, à própria

estrutura subordinante ou interrogativa – se atribui o caráter atrator. Isso é um

indício do quanto se dedica à escrita um valor especial: embora se tenha

originado a partir de um fenômeno sintático-fonético, a colocação enclítica passa

a funcionar como uma marca de cultivo lingüístico. Assim, a regra geral da

ênclise se desloca para o âmbito da variação diafásica: trata-se de uma

ocorrência que se vai tornando típica da modalidade escrita culta.

4.2 Coesão no texto escrito: uma questão de registro

Se no âmbito da sintaxe se verifica esse tipo de hipercorreção, não

seria diferente com a coesão. Dos mecanismos de coesão considerados por

Halliday & Hasan, todos naturalmente estão presentes nos textos produzidos,

seja pela fala, seja por escrito. No entanto, a modalidade oral – por conta das

limitações próprias da memória humana – lança mão com mais freqüência da

coesão lexical por repetição do que por sinonímia ou hiperonímia, por exemplo.

Como já observamos, tornou-se corriqueiro entre quem está à frente do

ensino de língua portuguesa, ou mesmo os que são responsáveis por refletir

questões relativas à Lingüística do Texto, ao se referir à coesão, fazer menção a

aspectos de conjunção ou a de referenciação. Então, numa espécie de ato falho,

não-raro profissionais de língua tendem a condenar (usa-se aqui de propósito a

expressão normativa) a repetição como mecanismo de coesão responsável pelo

empobrecimento do texto. De fato, um texto escrito pode e deve variar ao

máximo os mecanismos de coesão, já que a leitura exige do receptor um tipo de

58 Idem. p. 40.59 Idem. p. 77.

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postura diversa à que teria se fosse ouvinte. Entretanto isso não justifica que se

chegue a desconsiderar a repetição como um legítimo mecanismo de coesão.

Para ilustrar a pouca observância conferida a esse mecanismo, podemos citar o

excelente e oportuno Curso de redação de A.S. Abreu, que chega à 12ª edição

reiterando o que fizera desde a primeira: dizendo, em sua seção de exercícios,

que um texto não tem coesão porque os elementos se repetem: Para cada um dos exercícios, você terá um “texto básico” no qual não está ainda realizada a coesão [grifos nossos]. Essa tarefa caberá a você, na medida em que for capaz de substituir os termos repetidos pelos elementos constantes dos mecanismos de coesão explicitados neste capítulo. Você deverá, em primeiro lugar, fazer um levantamento dos sinônimos ou expressões adequadas e substituir os termos que se repetem (...)A seguir, apresentamos um modelo. Suponhamos que o texto básico ou não-texto (é não-texto porque ainda não apresenta coesão) [grifos nossos] fosse o seguinte:As revendedoras de automóveis não estão mais equipando os automóveis para vender os automóveis mais caro. O cliente vai à revendedora de automóveis com pouco dinheiro e, se tiver que pagar mais caro o automóvel, desiste de comprar o automóvel, e as revendedoras de automóveis têm prejuízo. 60

Sem dúvida, o autor reconhece na repetição um mecanismo regular de

coesão textual. Contudo, provavelmente para atingir seu público, usa da

expressão, por assim dizer, exagerada “não-texto”, a qual, se, por um lado, leva

o aluno a refletir acerca de recursos de coesão mais valorizados pela escrita, por

outro, o conduz à falsa conclusão de que a repetição é um erro no campo da

textualidade. Acresça-se a isso o fato de que o livro é bastante difundido em

cursos de redação e que, muitas vezes, é o único livro de conteúdo teórico de que

dispõe o docente, temos aí a propagação de um conceito equivocado.

Halliday, McIntosh e Strevens61 entendem por registro a associação de

traços lingüísticos a traços situacionais, em particular os valores categorizados

como campo, teor e modo. O campo é o evento em sua totalidade, no qual o

60 ABREU, A. S., 2004, p.24.

61 HALLIDAY, MCINTOSH & STREVENS. The linguistic sciences and language teaching. Apud. HALLIDAY, M. A. K. & HASAN, Rugaia. Cohesion in English. Londres: Longman, 1976.

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texto funciona, considerando os recursos lingüísticos subordinados a uma escala

de formalidade que leva em conta os aspectos de âmbito normativo e estético. O

teor diz respeito aos tipos de papéis desempenhados durante a interação, isto é,

ao conjunto de relações de relevância social dentre os participantes da

enunciação. O teor será, pois, o ajustamento a ser feito pelo sujeito

comunicante, com base em informações que extrai acerca do sujeito

interpretante.

O modo é a função do texto no evento, incluindo assim ambos os canais

tomados pela língua – o escrito e o falado, improvisado ou preparado. Interessa-

nos aqui especialmente a contraposição que os autores fazem ao modo escrito e

o falado.

A língua falada e a escrita têm estratégias próprias, que não devem ser

cotejadas em termos uma ser mais complexa do que a outra. Suas características

estão subordinadas preliminarmente ao próprio canal em que se inscrevem. É

inegável que a fala e a escrita de uma mesma língua têm muitos pontos em

comum – e justamente esses pontos em comum serão responsáveis pelo

mascaramento das divergências entre as modalidades. O desconhecimento

dessas características próprias deverá resultar em um texto que oferecerá

dificuldades extras de inteligibilidade, quando não de total obscurantismo.

Apenas para ilustrar o que aqui se afirma, examine-se este breve levantamento

de diferenças que se verificam no confronto entre língua falada e língua escrita:

a) a língua falada pode usar uma série de recursos do nível fonológico que no escrito não podem ser usados (entonação, ênfase de termos ou sílabas, duração dos sons, velocidade em que se dizem as seqüências lingüísticas, etc.);

b) na língua falada aparecem truncamentos (de palavras e frases), hesitações, repetições e retomadas, correções que não aparecem no escrito, mas que aparecem no oral por razões diversas, tais como:

– a formulação do texto concomitante ao dizer, o que justificaria as hesitações (que podem entre outras coisas levar a truncamentos e repetições, pausas, alongamentos, aparecimento de elementos como “éh::, ahn::”), as correções e outros fatos presentes no texto falado; – não sobrecarregar a memória do interlocutor, o que talvez justifique o fato observado por muitos estudiosos de que as construções no oral

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são mais simples, menos complexas e longas; – impedir que ele tome a palavra (o turno) antes que terminemos;c) devido à interação ser face a face, no oral é possível: – observar as reações do interlocutor, o que pode levar a explicações, repetições, reformulações, cortes nas frases porque se percebe que o outro já entendeu, etc.; – observar marcas da relação entre o falante e o ouvinte na conversação como marcadores conversacionais (“uhn; né?; sabe?”);– sempre se valer de elementos do contexto imediato de situação e formular frases que seriam incompreensíveis na escrita sem a formulação de um prévio quadro de referência, o que não é necessário na língua falada. 62

Ora, se os vários níveis lingüísticos se organizam em função dos modos a

que se submetem, é de esperar que muitos recursos coesivos respondam, com

mais desenvoltura, às demandas deste ou daquele modo. Naturalmente, a

ininteligibilidade será conseqüência da opção por recurso coesivo inadequado ao

modo proposto. Um exemplo que bem ilustra a inadequação no emprego de

recurso coesivo é o uso de hiperônimos ou expressões sinônimas na língua

falada.

A transformação do recurso repetição em menos nobre tornou-o preterido

mesmo em enunciados orais. Para ter uma idéia disso, tomemos como exemplo

as transmissões da rádio CBN (Central Brasileira de Notícias), cuja imagem

construída é a de um veículo sério de comunicação, devendo empregar, portanto,

construções cultas na maior parte dos contextos. O uso de hiperônimos em

reportagens orais acaba fazendo com que o ouvinte esteja sujeito a perder

passagens importantes de seu conteúdo, conforme se pode notar nos seguintes

trechos de reportagens veiculadas pela emissora63:

Quando foi perguntado sobre o recuo dos juros, Palocci considerou justo o desejo de alguns para a aceleração do corte da taxa SELIC, mas reforçou que não se deve atropelar o processo. O ministro disse ainda que a expansão do PIB no ano que vem ficará próxima dos 4,9% de 2004.

62 TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1ºe 2º grau. São Paulo: Cortez, 1996.

63 CENTRAL BRASILEIRA DE NOTÍCIAS. Reportagens gravadas em fita magnética em 23 dez. 2005.

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A Light montou um esquema especial de trabalho para garantir o suprimento de energia durante os festejos de fim de ano. Segundo a empresa, a principal preocupação foi com os lugares onde vão ocorrer as festas promovidas pela prefeitura do Rio (...)

Os ônibus e os trens do metrô voltaram a circular hoje na cidade americana de Nova Iorque. Três dias de greve deixaram mais de sete milhões de pessoas sem ter como ir ao trabalho. Muitos foram a pé para seus compromissos, sob temperatura abaixo de zero. Os funcionários do transporte público pediam aumento de salário e melhores planos de saúde.

Enunciados dessa natureza são eficazes no texto escrito, mas o mesmo

não se pode dizer quando realizado oralmente, uma vez que os pressuponentes

Palocci, Light, metrô perdem seu poder de comunicação e não podem ser

suficientemente interpretados per se: se o ouvinte não memorizou seus

pressupostos ou ligou o aparelho no meio da reportagem, será muito difícil

compreender a matéria.

Como se vê, o poder coercitivo da escrita resulta na valorização de um

recurso que lhe é favorável, em detrimento do alcance comunicativo do texto. E

esse fato se agrava, quando o exemplo que damos é de um texto que deveria ser

mais claro possível, a notícia. Vale lembrar a afirmação constante no Manual de

redação da Folha de São Paulo:

Um bom texto jornalístico depende, antes de mais nada, de clareza de raciocínio e domínio do idioma. Não há criatividade que possa substituir esses dois requisitos. Deve ser um texto claro e direto. Deve desenvolver-se por meio de encadeamentos lógicos. Deve ser exato e conciso. Deve estar redigido em nível intermediário, ou seja, utilizar-se das formas mais simples admitidas pela norma culta da língua. 64

64 FOLHA DE SÃO PAULO. Manual de redação. São Paulo: Empresa Folha da Manhã S/A, 1996 (CD-ROM FOLHA ISSN 0104-7779).

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5 EXAME DE DOIS TEXTOS

Tomemos agora dois textos: o primeiro, em que predomina o modo

de organização argumentativo; o segundo, em que predomina o modo narrativo.

Procuraremos, neste capítulo, analisar quatro camadas textuais que se superpõem

nos textos: a trama verbal, a trama lexical, a trama referencial (aqui englobará a

referência, a substituição e a elipse), a trama conjuntiva. Acreditamos que um

texto se constitua em uma composição dessas quatro camadas de tramas textuais

de caráter coesivo que se coadunam em função da textura.

TEXTO I

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Não fica um...65

HELENA CHAGAS

Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Receber recursos de caixa dois para pagar dívidas de campanha é crime eleitoral, mas menos grave do que embolsar dinheiro para votar, mudar de partido ou ganhar Land Rover de presente. No meio dessa confusão toda, porém, vai ser impossível convencer o distinto público de que uns merecem penas mais brandas do que outros. Aos olhos da opinião pública, todos os parlamentares que mamaram nas torneiras do valerioduto — que vem tendo seu funcionamento desvendado a cada dia com mais abrangência e detalhes, a cores e em tempo real — merecem a condenação política máxima: a cassação do mandato. Para o cidadão comum, bombardeado por denúncias e cifras milionárias de todos os lados, saturado por casos de corrupção que se repetem governo a governo, todos os que, de alguma forma, chegaram perto do esquema estão envolvidos na mesma névoa. Até porque a parte mais mal explicada do negócio continua sendo a origem do dinheiro que saía da lavanderia. Empréstimos bancários, ao que se sabe, funcionaram como sabão em pó. Quem deu, por que deu, com que objetivos e conexões com a máquina pública, nada disso ficou claro. É tudo corrupção. O que deixa a CPI, dirigentes do Congresso, partidos e outras instâncias de julgamento numa sinuca de bico. A rigor, se resolverem cassar todos aqueles que usaram recursos de caixa dois para se eleger, é possível que não sobre uma só alma no Legislativo para contar a história. Nem caça, nem caçador.Afinal, o valerioduto que serviu num passado mais remoto ao PSDB de Minas e, mais recente, ao PT é, provavelmente, apenas um dos muitos esquemas ilegais de financiamento de campanha espalhados pelo país. É bem verdade que terá se especializado em outras modalidades de atividade ilegal, mas, por uma questão de justiça, se caixa dois de campanha for razão para a cassação de uns, terá de ser para todos os que se serviram desse tipo de financiamento. E aí, salve-se quem puder. O justo então talvez fosse separar o crime menor do crime maior, dando punição mais branda (suspensão, multa, processo) a quem simplesmente recorreu aos costumes de sempre para se eleger. E cortando sem dó as cabeças dos que praticaram corrupção da grossa para trocar de legenda ou votar com o governo. Como, porém, separar de fato os que sacaram dinheiro do Banco Rural para pagar dívidas de campanha dos que tiraram a grana para botar no bolso? Lamentavelmente, hoje isso parece impossível. Caixa dois passou a ser a senha e a justificativa de todos os bandidos, graúdos e miúdos. Foi a desculpa de Marcos Valério e de Delúbio. Será também a do

65 Publicado em O Globo em 01 de agosto de 2005

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PP, apesar da coincidência de três saques de R$ 300 mil cada um, feitos pelo assessor João Claudio Genu, em setembro de 2003, último mês para mudanças de legenda. Como caixa dois não dá recibo — no máximo, nota fria — a justificativa serve para todos caírem na mesma vala. E a crise, como ocorre nessas ocasiões, não vai acabar com a distinção entre culpados, à luz das provas obtidas. O corte será político e temporal. Estabelecido prazo (provavelmente novembro) para o fim dos trabalhos da CPI, os partidos sentam-se à mesa e dão as cabeças a cortar. E aí, quem dançou, dançou; quem não dançou, não dança mais.

TEXTO II

Um Apólogo66

MACHADO DE ASSIS

Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: — Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo? — Deixe-me, senhora. — Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. — Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros. — Mas você é orgulhosa. — Decerto que sou. — Mas por quê? — É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu? — Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu? — Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados... — Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando... — Também os batedores vão adiante do imperador. — Você é imperador? — Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

66 ASSIS, J. M. Machado de. Obra completa v. 2. Rio de Janeiro: Aguilar, 1959. p. 537-538.

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Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha: — Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima... A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile. Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe: — Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá. Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

5.1 A trama verbal

A trama verbal se estrutura a partir de um conjunto complexo de

procedimentos lingüísticos ativados pelo locutor, que está mais ou menos

consciente das restrições apresentadas pela situação de comunicação e pela

finalidade do texto construído. Essas categorias de língua são ordenadas em um

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modo de organização do discurso, para produzir um sentido, sob a forma

concreta de um texto ou de parte de um texto.

O TEXTO I se estrutura na atitude de comentário. A postura tensa

(advinda do fato de que o sujeito comunicante trata do que lhe afeta diretamente)

se reflete na tese do artigo, que é baseada num raciocínio abdutivo: está

comprometida em função da dúvida de qual será o melhor procedimento dos

dirigentes do Congresso, com relação à punição dos envolvidos em corrupção.

Poderia assim se expressar: Talvez a punição à corrupção vá ser fruto de uma

negociação que [talvez] leve em conta o grau de gravidade de cada delito. O

tempo-zero é o presente, representado por verbos é, é, vai, merecem, etc.

Observe-se que, no início do segundo parágrafo, surge o verbo mamaram, no

pretérito perfeito. Como se sabe, o pretérito perfeito é também o tempo-zero da

narração. Haverá aí um caso de imbricação da narração com o comentário?

Decerto que não. É um caso de polissemia do pretérito perfeito do indicativo,

no português: tanto serve a tempo-zero de primeiro plano da narração, quanto

serve a ocupar o espaço de tempo retrospectivo do comentário. Trata-se de uma

acomodação comum às línguas, na dicotomia de princípios e parâmetros: é um

princípio lingüístico apresentar os eixos de narração e de comentário; o

parâmetro do português é de ter apenas um paradigma formal para suprir ambos

os tempos. Dessa forma, o verbo disse do TEXTO II em “Era uma vez uma

agulha, que disse a um novelo de linha” funciona aí como tempo-zero de

primeiro plano, porque se verifica a intenção narrativa de se distanciar do fato

narrado – no sentido de desembreagem (aliás, a expressão “Era uma vez” reitera

a noção de irrealidade do texto). Isso não se dá com o verbo mamaram do

TEXTO I, em “que mamaram nas torneiras do valerioduto — que vem tendo

seu funcionamento desvendado a cada dia com mais abrangência e detalhes, a

cores e em tempo real — merecem a condenação política máxima: a cassação do

mandato”. Esse pretérito é francamente embreado, seja pela presença de

merecem, que se vê mais adiante, seja pela própria localização temporal de

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atualidade que se vê na digressão entre travessões (“que vem tendo (...) tempo

real”). O mesmo ocorre com o pretérito deu do segundo parágrafo do mesmo

texto, ou sacaram, passou, foi. E o texto é concluído com duas formas verbais

de valor de futuro – tempo prospectivo – do eixo do comentário: vai acabar e

será.

A trama verbal do TEXTO II é a do eixo da narração. É interessante que,

a rigor o texto de Machado de Assis só apresenta tempo-zero: de primeiro plano,

o pretérito perfeito (Chegou, pegou, pegou, pegou, enfiou, entrou) e o de

segundo plano, o pretérito imperfeito (Estavam, passava, tinha, iam, era).

Observe-se que os tempos dos diálogos são em presente – o que é uma marca

lingüística do discurso direto – e não existe aí narração: o diálogo consiste em o

narrador buscar imitar o compromisso que os personagens (reais ou fictícios)

têm com o mundo presente que os cerca (real ou fictício), num tempo presente,

tenso e embreado. Outra observação digna de nota está no segundo plano: o

pretérito imperfeito exprime o ponto de interseção entre o modo narrativo e o

modo descritivo de organização do discurso.

5.2 A trama lexical

Consideremos os dois tipos de coesão lexical: a reiteração e a colocação.

Conforme vimos, a reiteração é a repetição de um item lexical, ou a ocorrência

de um sinônimo, um hiperônimo, um hipônimo, um nome genérico. É comum o

item lexical reiterado estar acompanhado de um item de referência – em geral o

definido o ou um demonstrativo. Numa rápida leitura, é possível identificar as

seguintes reiterações nos textos I e II:

TEXTO IPressuposto pressuponente

valerioduto o esquema

valerioduto o negócio

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os parlamentares que mamaram nas torneiras do valerioduto

uma só alma

casos de corrupção que se repetem governo a governo

nessas ocasiões

os parlamentares que mamaram nas torneiras do valerioduto

as cabeças

TEXTO IIPressuposto pressuponente

senhora [a agulha] a senhora

a costureira da costureira

o pano, a agulha, a linha (“pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha”)

a costura

a costureira a costureira

Costura a obra

As reiterações que identificamos seguem o padrão: hiperônimos como

esquema, negócio,ocasiões,costura; expressões metonímicas como alma e

cabeças; repetições como senhora e costureira.

Vimos que a coesão colocacional se dá pela ocorrência de um item lexical

semanticamente relacionado a outro, instaurando uma teia lexical de itens

taxonomicamente compatíveis. A repetição de um item lexical em si é coesiva,

havendo ou não relação de identidade de referência entre os dois constituintes.

A coesão, portanto, deriva da organização lexical da língua. Uma palavra que,

de alguma maneira, se relaciona a outra que a precede em um texto – seja por

sua repetição direta, seja por um valor qualquer de sinonímia, seja por

geralmente ocorrer em seu ambiente lexical – contribuirá para sua textura. A

colocação surge em função da própria organização do léxico em grupos de

vocábulos que se relacionam semanticamente, o que lhe proporciona o perfil de

um fenômeno sutil porque verificável apenas no momento de sua construção.

Assim, se por um lado existe uma relação óbvia entre recursos, dinheiro e

cifras milionárias (Texto I), tal não se dá com pares como dinheiro/ lavanderia

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(idem). O responsável pela atualização do sentido de lavanderia será o texto.

Essa atualização de sentido demanda uma extensão textual qualquer – o que se

verifica no período posterior à ocorrência desse item lexical: “Empréstimos

bancários, ao que se sabe, funcionaram como sabão em pó”. A símile é per se

axiológica, e, no texto, precisava ser elucidada. Essa ocorrência se coaduna com

o que afirmamos anteriormente: quanto mais axiológico for um enunciado, mais

ele deve gerar texto. Parece-nos, portanto, que a coesão colocacional é o ponto

de interseção entre a coesão e a progressão textual.

5.3 A trama referencial

A trama referencial (por conta da semelhança, será ad hoc constituída por

referência, substituição e elipse); diferentemente da lexical, é ativada no âmbito

gramatical da língua – o que a faz mais sistematizável do que a de nível

vocabular. Por isso, não espanta que seja a referência – ao lado da conjunção,

que veremos adiante – um fenômeno que se confunde com a própria coesão.

Mesmo Halliday & Hasan, quando estabelecem que a coesão diz respeito a

relações de sentido que existem em um texto e que o definem como tal,

permitem uma primeira interpretação com esse teor: ocorre coesão, quando a

interpretação de algum elemento no discurso é dependente da de outro.

Evidentemente, a interpretação a que fazem menção os autores não é biunívoca,

no sentido de que o elemento A represente o elemento B. Não custa lembrar

que, na relação de coesão, o elemento A pode atualizar o sentido do elemento B;

o elemento A pode prever a ocorrência do elemento B; e assim por diante. De

qualquer maneira, é de praxe, no contexto do ensino de língua, fazer esse tipo de

associação.

Tomemos, a título de exemplo, a seguinte passagem do Texto I: “(...) vai

ser impossível convencer o distinto público de que uns merecem penas mais

brandas do que outros.”

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Os itens uns e outros estabelecem uma relação coesiva de referência,

dado o seu caráter exofórico – o mesmo se pode dizer de você, si, me, do início

do Texto II, já que todos os itens apontam para elementos que se encontram fora

do cotexto. Consoante já dissemos, a substituição e a elipse só ocorrem

endoforicamente. O Texto II oferece um exemplo de substituição oracional

realizada pelo item isso: “— Você é imperador?”, “— Não digo isso.” Outros

casos dignos de nota são as elipses e todas as ocorrências de pronome relativo –

operador sintático necessariamente endofórico e anafórico.

5.4 A trama conjuntiva

A conjunção não depende de nenhum sentido referencial ou de identidade

ou de associação de palavra. As relações conjuntivas não são fóricas; elas

representam liames semânticos entre os elementos que constituem o texto. Para

Halliday & Hasan, as relações conjuntivas são aditivas, adversativas, causais e

temporais. Aqui entenderemos que o são todas as outras noções descritas

tradicionalmente e que, em geral, são estudadas nos capítulos relativos a

conjunções coodenativas e subordinativas; bem como os conectores modais, os

locativos e os reformulativos. No campo do ensino de língua, a conjunção e a

referência são fenômenos coesivos preferenciais. O caso da conjunção é

bastante compreensível, se considerarmos a quantidade de emprego de

conectores, mesmo em um curto fragmento de texto. Não admira que alguns

autores da área de Lingüística do Texto chegem a afirmar que um texto

destituído desses elementos não apresenta coesão. Para ilustrar, consideremos os

itens que destacamos no primeiro parágrafo do Texto I:

Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Receber recursos de caixa dois para pagar dívidas de campanha é crime eleitoral, mas menos grave do que embolsar dinheiro para votar, mudar de partido ou ganhar Land Rover de presente. No meio dessa confusão toda, porém, vai ser impossível convencer o distinto público de que uns merecem penas mais

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brandas do que outros.

De fato, a conjunção exerce papel fundamental na construção do texto:

temos aí ao menos três importantes noções relacionais: comparação (do que +

mais/menos); finalidade (para + infinitivo); adversidade (mas e porém).

No fragmento acima, o papel do conector de valor comparativo é

aparentemente de comparação. Dizemos isso, porque o valor argumentativo que

ele conduz é mais operacional do qualquer outro: ao comparar a gravidade que

existe em “receber recursos” e “embolsar dinheiro(...)”, na verdade a articulista

está usando um argumento a serviço de tua tese. Essa afirmação se confirma

com o emprego do conector adversativo mas, o qual exprime restrição, isto é,

negação a uma concessão. Considerando que concessão é uma estratégia

argumentativa que consiste em o sujeito comunicante aderir provisória e

falsamente à tese contrária, conectores como mas/porém e sinônimos servem

para reorientar a argumentação em direção à tese efetivamente defendida.

Por fim, o conector de valor de finalidade. Embora esses elementos

relacionais tenham um valor inicial de “conseqüência desejada”67 – e é o caso no

excerto que ora se estuda – não custa mencionar a vocação argumentativa dos

conectores finais, em casos com “Comprei uma Zafira para acomodar melhor a

família”. Numa situação em que o enunciador quer apresentar uma justificativa

para seu gasto com um automóvel caro, o conector de finalidade cumpre bem o

papel. De qualquer forma, o conector de valor de conseqüência com mais

potencial argumentativo é o conclusivo (portanto, logo, etc.), já que tem a

característica de introduzir a tese.

67 AZEREDO, José Carlos de. Iniciação à sintaxe do português. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.

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6 CONCLUSÃO

Procuramos oferecer neste trabalho a reafirmação da validade da obra de

Halliday & Hasan para o entendimento da coesão textual. Acreditamos que

nossa contribuição reside em algumas posições que tomamos e que nos são de

grande estima: sustentar o papel decisivo dos tempos verbais como categorias de

língua a organizar os signos em sistemas formais de sentido, a partir das quais

será produzido o texto, por intermédio das categorias de discurso; reafirmar a

importância da coesão lexical na construção do texto; apontar a interdependência

existente entre coesão e progressão textual. Mas acima de tudo, acreditamos ter

oferecido argumentos suficientes para comprovar nossa hipótese inicial:

defender o caráter exclusivamente verbal do texto – unidade que se

constitui em uma superposição de quatro camadas de tramas textuais

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(trama verbal, trama lexical, trama referencial, trama conjuntiva), que,

num texto típico, vão coocorrer.

Vimos que qualquer manifestação não-verbal que nos remeta à produção

de um texto, só terá esse poder, por causa de nossa capacidade cognitiva de

produzi-lo livremente; não há como entendê-los como textos em si, mas poderão

funcionar como “instrutores textuais”, isto é, elementos icônicos que evocarão

eventualmente um enunciado. Ademais concluímos que considerar a existência

de textos não-verbais produz um inútil problema de delimitação de um objeto

que já engloba tantos fatores complexos de ordem lingüística: o texto.

Um tempo verbal, uma vez situado no contexto de um discurso vivo,

exerce sobre os elementos vizinhos – em particular sobre os tempos adjacentes

da oração – uma pressão que limita a liberdade de eleger entre todos os tempos

possíveis. Dizendo de outra maneira, um tempo verbal não é ilimitadamente

combinável com outros tempos. Algumas combinações são preferidas no

contexto próximo ou distante; outras são limitadas e, às vezes, inadmissíveis.

Essas combinações estruturam a trama verbal, que se organiza a partir de

um conjunto complexo de procedimentos lingüísticos – categorias de língua no

dizer de Charaudeau – postos em prática pelo locutor, que está mais ou menos

consciente das restrições apresentadas pela situação de comunicação e pela

finalidade do texto construído. Essas categorias de língua são ordenadas em um

modo de organização do discurso, para produzir um sentido, sob a forma

concreta de um texto.

Outra contribuição que pretendemos oferecer com nosso estudo é a

reafirmação da importância da coesão lexical – em especial a coesão

colocacional, que, talvez por ser fluida e de difícil sistematização, em muitos

momentos equivocadamente não tem sido reconhecida como recurso coesivo.

Afirmamos que a coesão colocacional surge em função da própria

organização do léxico em grupos de vocábulos que se relacionam

semanticamente. No caso da coesão gramatical, as relações são mais fáceis de

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detectar: quando se emprega um pronome, espera-se que ele se refira a um termo

anterior ou posterior; quando se emprega um item com função no âmbito da

coesão conjuntiva; espera-se dele um certo valor semântico que atuará no

esclarecimento do tipo de relação que se estabelece. No caso da relação lexical,

é comum que a harmonia lexical se estabeleça em função do texto, sem que haja

uma previsão e sistematicidade: todo item lexical pode entrar em uma relação

coesiva, mas ele não carregará consigo a indicação de que funcionará

coesivamente ou não. Isso só poderá ser estabelecido por referência ao texto.

Isso acontece porque não existe sentido literal tal que sentido literal seja uma

constante semântica: significado de um item será função, e não uma constante.

Constatamos que a rigor a progressão é mais uma conseqüência da coesão

do que um fenômeno textual do status deste último. Concluímos, aliás, que a

coesão colocacional é o ponto de interseção entre a coesão e a progressão textual

e que quanto mais subjetivo for um enunciado, mais ele deverá gerar texto: trata-

se de uma importante fonte de extensão textual. Além disso, como a progressão

se dá a partir da instauração de um tema que pleiteia um rema (por intermédio de

uma transição), é possível dizermos que esta transição – elemento

necessariamente coesivo – é um liame essencial que propicia a extensão textual.

Este trabalho, portanto, é fruto da observação que fizemos ao longo de

nosso contato, seja em nível teórico ou prático, com a língua portuguesa. Nossa

preocupação é, acima de tudo, a de divulgar, com entusiasmo, um dos milhares

de aspectos concernentes à estruturação de um sistema lingüístico: o aspecto da

coesão e da progressão textual.

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ROSA, Paulo Cesar Costa da. Aspectos da progressão e da coesão textual. Rio

de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2005.

107 fl. mimeo. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas.

Este trabalho busca estudar do papel da coesão e da

progressão textual na construção do texto. Aqui o texto é

entendido como unidade exclusivamente verbal.

A investigação do comportamento da trama textual

(resultante da coocorrência da trama verbal, da trama

lexical, da trama referencial e da trama conjuntiva) permitiu

mostrar que um texto em geral se estrutura em quatro

camadas de tramas, mas esse fato não impede o falante de

eventualmente produzir textos com menos camadas.

O estudo mostra ainda que a progressão é mais um

fenômeno resultante das demandas coesivas do que um

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Page 105: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

fenômeno autônomo.

ROSA, Paulo Cesar Costa da. Aspectos da progressão e da coesão textual. Rio

de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2005.

107 fl. mimeo. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas.

The aim of this work is to study the textual cohesion and

the textual progression role in the text construction. Here the

text is perceived as exclusively verbal unity.

The investigation of the textual woof behaviour (that

resultes from the coincidence of the verbal woof, lexical

woof, referencial woof and conjuntive woof) showed that a

text is structured usually in four woof’s layers, but this fact

don’t impedes the speaker sometimes to produce text with

less layers.

This study shows too that the progression is more a

phenomenon that resultes from the cohesive demands than a

autonomous phenomenon.

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Page 106: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO PAULO CESAR

ROSA, Paulo Cesar Costa da. Aspectos da progressão e da coesão textual. Rio

de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2005.

107 fl. mimeo. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas.

Ce travail cherche à étudier le rôle de la cohésion et de la

progression textuelle dans la construction du texte. Ici le

texte est compri comme une unitée exclusivement verbal.

L’investigacion du comportement de la trame textuelle

(résultante de la cooccurrence de la trame verbal, de la trame

lexical, de la trame référencielle et de la trame conjuntive)

nous a permis de montrer que un texte est structuré

généralement en quatre couches de trames, mais ce fait

n’empêche pas le parlant de produire éventuallement des

textes à moins couches.

Cet étude encore montre que la progression est plus un

phénomène resultante de les demandes cohésives qu’un

phénomène autonome.

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