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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS CURSO DE BIOMEDICINA
MARCELLE SUSANNE SANTOS FRANÇA
RESISTÊNCIA BACTERIANA EM BACILOS GRAM – NEGATIVOS:
A IMPORTÂNCIA DOS TESTES FENOTÍPICOS
Natal - RN
Novembro/2017
RESISTÊNCIA BACTERIANA EM BACILOS GRAM – NEGATIVOS: A IMPORTÂNCIA DOS TESTES FENOTÍPICOS
por
MARCELLE SUSANNE SANTOS FRANÇA
Orientador: Prof. Dr. Renato Motta Neto
Natal - RN
Novembro /2017
Monografia Apresentada à Coorde-nação do Curso de Biomedicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como Requisito Parcial à Obtenção do Título de Bacharel em Biomedicina.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE BIOCIÊNCIAS
CURSO DE BIOMEDICINA
A Monografia Resistência bacteriana em bacilos Gram – negativos: a importância dos testes fenotípicos elaborada por Marcelle Susanne Santos França e aprovada por todos os membros da Banca examinadora foi aceita pelo Curso de Biomedicina e homologada pelos membros da banca, como requisito parcial à ob-tenção do título de BACHAREL EM BIOMEDICINA Natal, 30 de novembro de 2017 BANCA EXAMINADORA _________________________________________
Prof. Dr. Renato Motta Neto Departamento de Microbiologia e Parasitologia – CB/UFRN
(Orientador) _________________________________________
Prof. Drª. Cecília Maria de Carvalho Xavier Holanda Departamento de Microbiologia e Parasitologia – CB/UFRN
(1º examinador) _________________________________________
Me. Bárbara Monique de Freitas Vasconcelos Departamento de Bioquímica – CB/UFRN
(2º examinador)
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos aqueles que me apoiaram na difícil trajetória que foi completar
esse Trabalho de Conclusão de Curso. Agradeço aos meus pais que me apoiaram
de forma direta e indireta em seu desenvolvimento e também ao meu orientador,
Renato Motta, que acreditou no meu potencial mesmo não tendo experiência na
área.
Agradeço também a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por me fornecer
diversas ferramentas que me permitiram alcançar esse conhecimento. Além disso,
não conseguiria ter escrito uma só linha deste trabalho sem a ajuda de meus amigos
queridos e colegas de curso, desta forma, agradeço a Lucas, Luiz, Leonardo,
Rayran, Adriane, Isabela e, principalmente, a meu namorado Pedro que me forneceu
todo o apoio emocional que eu precisava, estando sempre ao meu lado e me
ajudando em momentos de desespero.
Por fim, agradeço a todos os integrantes do laboratório do Hospital Universitário Ana
Bezerra por terem me acolhido carinhosamente e me dado apoio na construção
desse trabalho, mesmo de forma indireta. Não teria conseguido realizar o estágio
concomitante com o desenvolvimento do TCC sem vocês.
RESUMO
Os bacilos Gram-negativos costumam ser participantes frequentes em infecções
hospitalares, principalmente de pacientes imunossuprimidos. Dessa forma, são
organismos muito expostos a tentativas de tratamento, sendo os beta-lactâmicos a
classe mais utilizada contra os mesmos. Isso muitas vezes pode levar a casos de
multirresistência, tanto a diversos tipos de beta-lactâmicos como também a outras
classes, pois essas bactérias podem apresentar diversos mecanismos que a tornam
capaz de inibir ou reduzir o efeito de um antimicrobiano. Este trabalho objetivou
realizar uma revisão bibliográfica sobre a resistência bacteriana em bacilos Gram-
negativos, em bases de dados científicas, afim de reunir conhecimento sobre esse
assunto. Os principais testes fenotípicos utilizados para a detecção de resistência
nessas bactérias são as técnicas de disco difusão, disco aproximação para beta –
lactamases de espectro estendido (ESBL), teste de detecção para enzimas
cromossômicas (AmpC), teste do EDTA para metalo-beta-lactamases (MBL) e teste
para carbapenemases. Entretanto, como esse tipo de teste pode ser de difícil
interpretação quando existe a produção de ESBL e metalo-beta-lactamases, por
exemplo, a busca por novos testes fenotípicos que sejam mais sensíveis,
específicos e rápidos se mantém constante. Os principais mecanismos de
resistência são alteração de permeabilidade, alteração do sítio de ação do fármaco,
expressão de bombas de efluxo, alteração nas vias metabólicas e produção de
enzimas que inibem a ação do antibacteriano, sendo essa produção de enzimas o
mecanismo mais frequente e que conta com as ESBL, AmpC, MBL e
carbapenemases, como a KPC. Esse tipo resistência vem se espalhando pelo
mundo e também pelo Brasil, onde conta com grande prevalência de ESBLs do tipo
CTX-M e metalo-beta-lactamases. Dessa forma, a interpretação correta dos testes
fenotípicos pode ajudar, de forma significante, na redução de indução de resistência
e na formação de um banco de dados epidemiológicos, mesmo que os utilizados
ainda não sejam ideais, sua realização na prática clínica ainda apresenta grande
valor.
Palavras – chave: Resistência bacteriana, Bacilos gram negativos, Testes
fenotípicos, ESBL, AmpC, MBL, KPC.
ix
ABSTRACT
Gram-negative bacilli are often frequent participants in hospital infections, mainly
immunosuppressed patients. In this way, they are very exposed to treatment at-
tempts, with beta-lactams being the most used class against them. This can often
lead to cases of multidrug resistance, both to various types of beta-lactams and to
other classes, as these bacteria may have several mechanisms that make it capable
of inhibiting or reducing the effect of an antimicrobial. This work aimed to carry out a
bibliographic review on bacterial resistance in Gram-negative bacilli, in scientific da-
tabases, in order to gather knowledge about this subject. The main phenotypic tests
used for the detection of resistance in these bacteria are disc diffusion techniques,
disk approach for extended spectrum beta-lactamases (ESBL), detection test for
chromosomal enzymes (AmpC), EDTA test for metallo-beta-lactamases (MBL) and
test for carbapenemases. However, since this type of test can be difficult to interpret
when there is production of ESBL and metallo-beta-lactamases, for example, the
search for new phenotypic tests that are more sensitive, specific and fast remains
constant. The main mechanisms of resistance are alteration of permeability, altera-
tion of the site of action of the drug, expression of efflux pumps, alteration in the met-
abolic pathways and production of enzymes that inhibit the action of the antibacterial,
being this enzyme production the most frequent mechanism and that ESBL, AmpC,
MBL and carbapenemases, such as KPC. This type of resistance is spreading
throughout the world and also in Brazil, where it has a high prevalence of ESBLs of
type CTX-M and metallo-beta-lactamases. Thus, the correct interpretation of the
phenotypic tests can significantly contribute to the reduction of resistance induction
and to the formation of an epidemiological database, even if those used are still not
ideal, and its clinical practice still presents great value.
Key words: Bacterial resistance, Gram - negative bacilli, Phenotypic tests, ESBL,
AmpC, MBL, KPC.
SUMÁRIO
Página
LISTA DE ABREVIATURAS ............................................................................. ix
LISTA DE TABELAS ........................................................................................ x
LISTA DE FIGURAS ........................................................................................ xi
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13
1.2. Bacilos Gram-negativos .................................................................................. 17
1.3. Antimicrobianos ............................................................................................... 19
1.3.1. Beta - lactâmicos ...................................................................................... 19
1.3.2. Aminoglicosídeos ...................................................................................... 20
1.3.3. Macrolídeos .............................................................................................. 21
1.3.4. Tetraciclinas .............................................................................................. 21
1.3.5. Lincosaminas ............................................................................................ 22
1.3.6. Glicopeptídeos .......................................................................................... 22
1.3.7. Rifamicinas ............................................................................................... 22
1.3.8. Sulfonamidas e trimetoprim ...................................................................... 22
1.3.9. Quinolonas e fluoroquinolonas ................................................................. 23
2. OBJETIVOS .......................................................................................................... 24
2.1. Objetivo geral .................................................................................................. 24
2.2. Objetivos específicos ...................................................................................... 24
3. METODOLOGIA .................................................................................................... 25
3.1. Tipo de estudo ................................................................................................ 25
3.2. Obtenção dos dados ....................................................................................... 25
3.3. Técnica para detecção do perfil de sensibilidade a antimicrobianos (Técnica
de Kirbe bauer) ...................................................................................................... 25
3.4. Técnicas específicas para detecção de resistência ........................................ 29
3.4.1. Técnica para detecção de ESBL............................................................... 29
3.4.2. Técnica para detecção de metalo – beta – lactamase ............................. 30
3.4.3. Teste de Hodge modificado ...................................................................... 31
3.4.4. Técnica para detecção de AmpC induzível ............................................... 32
3.4.5. Técnica modificada para detecção de ESBL ............................................ 33
3.4.6. Técnica para detecção de KPC em disco ................................................. 33
4. DISCUSSÃO ......................................................................................................... 34
4.1. Mecanismos de resistência em bacilos gram-negativos ................................. 34
4.1.1. Alteração da permeabilidade .................................................................... 34
4.1.2. Alteração do sítio de ação ........................................................................ 35
4.1.3. Expressão de bombas de efluxo ............................................................... 35
4.1.4. Alterações nas vias metabólicas ............................................................... 35
4.1.5. Produção de enzimas que inibem a ação ................................................. 36
4.1.5.1. AmpC .................................................................................................. 36 4.1.5.2. ESBLs ................................................................................................. 36 4.1.5.3. Carbapenemases ............................................................................... 38
5. CONCLUSÕES ..................................................................................................... 43
6. REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 44
ix
LISTA DE ABREVIATURAS ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ATCC American Type Culture Collection
BaSO4 Sulfato de Bário
blaIMP-1 Gene codificante da Imipenemase-1
CDC Center for Disease Control and Prevention
CESP Citrobacter freundii, Enterobacter spp. , Serratia spp. , Providencia spp
CLSI Clinical and Laboratory Standards Institute
DHA Dhahran Hospital AmpC
DNA Ácido desoxirribonucleico
EARSS European Antimicrobial Resistance Surveillance System
EDTA Ácido etilenodiamino tetra-acético
ESBL Beta – lactamase de espectro estendido
FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz-RJ/Brasil
GES Guiana extended spectrum
KPC Klebsiella pneumoniae carbapenemase
MBL Metalo – beta - lactamase
MFPs Proteínas de fusão de membrana periplasmática
MHT Teste de Hodge Modificado
NHSN National Healthcare Safety Network
NMC/IMI not metalloenzyme carbapenemase/imipenem-hydrolyzing β-lactamase
OMFs Fatores de membrana externa
OXA oxacillin-hydrolyzing
RNA Ácido ribonucleico
SMART Study for Monitoring Antimicrobial Resistance Trends
SME Serratia marcescens enzyme
TMP Trimetoprim
UFC Unidades Formadoras de Colônia
UFP Universidade Fernando Pessoa/Portugal
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul/Brasil
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte/Brasil
USP Universidade de São Paulo/Brasil
UTI Unidade de Terapia Intensiva
xi
LISTA DE QUADROS Quadro 1: Exemplo de leitura dos halos de inibição para alguns antimicrobianos de acordo com o CLSI. ................................................................................................... 28
xii
LISTA DE FIGURAS Figura 1: Fluxograma sobre a descoberta e introdução dos antimicrobianos e o
consequente surgimento de resistência a eles em bactérias. ................................... 15
Figura 2: Exemplos de mecanismos de transferência de genes de resistência. ....... 16
Figura 3: Alvos dos antimicrobianos nas bactérias. ................................................... 21
Figura 4: Suspensão bacteriana 0,5 na Escala McFarland. ...................................... 26
Figura 5: Semeio em ágar Mueller - Hinton para disco difusão. ................................ 26
Figura 6: Organização dos discos de antimicrobianos. ............................................. 27
Figura 7: Visualização da placa com discos de antimicrobianos após o tempo de
incubação. ................................................................................................................. 28
Figura 8: Visualização de zona fantasma (setas) em relação ao disco de amoxacilina
+ ácido clavulânico ao centro. ................................................................................... 30
Figura 9: Visualização de aumento no halo de sensibilidade no teste do EDTA. ...... 31
Figura 10: Visualização de zona de entroncamento (setas) próximo ao disco de
meropenem ao centro. Técnica para detecção de carbapenemases em
enterobactérias. ......................................................................................................... 32
Figura 11: Mecanismos de resistência na célula bacteriana. .................................... 34
13
1. INTRODUÇÃO
Em ambientes hospitalares, infecções bacterianas geralmente estão em destaque.
A busca de tratamento eficaz contra esses organismos é árdua e constante, devido a
um grande mal que vem se espalhando por todo o mundo: a resistência a
antimicrobianos (AZEVEDO, 2014).
Após a segunda metade do século XIX, cientistas como Robert Koch puderam
identificar os germes causadores e seus ciclos de vida em diversas doenças, como a
tuberculose, cólera e febre tifoide. Métodos de vacinação eram estudados e
substâncias com atividade antibiótica efetiva eram buscadas. O pai da quimioterapia,
Paul Ehrlich, foi quem criou o princípio da mesma: um antibiótico deveria interferir
diretamente na proliferação bacteriana em doses toleradas pelo hospedeiro.
Também foi o primeiro a descobrir que o corante vermelho de tripan era capaz de
ajudar a destruir os tripanosomas causadores da doença do sono nas pessoas. A
descoberta de que compostos arsênicos eram capazes desse efeito iniciou a procura
por um composto que pudesse curar a sífilis. Após muito estudo, a arsfenamina (ou
Salvarsan) foi oferecida ao mundo como eficiente no tratamento da doença até a
descoberta da penicilina. A partir disso, a busca por novos compostos
antibacterianos se iniciou (PATRICK, 2013).
Em 1935, Gerhard Domagk descobriu que o corante vermelho prontosil era
efetivo contra infecções estreptocócicas, sendo criada a classe das sulfas, o único
antimicrobiano a ser usado contra infecções generalizadas até a descoberta da
penicilina (PATRICK, 2013). No entanto, as sulfas apresentam espectro de ação
limitado e são pouco usadas atualmente (GUIMARAES, 2010). Em 1928, Alexander
Flemming descobriu, por acaso, a capacidade do Penicillium notatum em inibir o
crescimento de Staphylococcus sp e, assim, deu-se a descoberta da penicilina.
Entretetanto, seu uso só se iniciou após a sua purificação, o que aconteceu em 1940
pelos cientistas Florey e Chain. A demonstração de que um fungo poderia produzir
um composto tóxico para bactérias impulsionou os cientistas na busca por outros
potenciais antimicrobianos (PATRICK, 2013).
Com o passar dos anos, novos compostos naturais foram descobertos e o
14
fabrico de sintéticos aumentou o arsenal de antimicrobianos até a descoberta da
genômica. Entretanto, segundo GUIMARAES (2010), houve uma redução dramática
na identificação de novos protótipos antibióticos, ao mesmo tempo em que ocorreu
um aumento na incidência de resistência bacteriana. A resistência é a capacidade de
um microrganismo se multiplicar mesmo na presença de concentrações de
antimicrobiano superiores aquelas usadas como doses terapêuticas nos humanos.
Isso ocorreu, principalmente, devido a uma prescrição exacerbada de antibióticos
para sintomas não necessariamente causados por bactérias, sendo um fator
importante na evolução da resistência causado por humanos (FAIR, 2014). O
fluxograma extraído do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (Center for
Disease Control and Prevention), CDC, ilustra a descoberta dos antimicrobianos e
de suas respectivas resistências que surgiram em bactérias (Figura 1).
15
Figura 1: Fluxograma sobre a descoberta e introdução dos antimicrobianos e o consequente surgimento de resistência a eles em bactérias.
Adaptado de: Center for Disease Control and Prevention. Antibiotic Resistance Threats in the United
States, 2013. Disponível em: http://www.cdc.gov/drugresistance/threat-report-2013/pdf/ar-threats-
2013–508.pdf. Acesso em 14/09/2017
Dentro desse âmbito, há dois tipos de resistência a antimicrobianos em bactérias,
denominadas natural ou intrínseca e adquirida ou extrínseca. Resistência intrínseca
significa que cada membro de uma espécie determinada será resistente a um
composto sem que haja qualquer alteração genética adicional, sendo transmitido
verticalmente, ou seja, de uma bactéria para suas descendentes. Muitas espécies
16
bacterianas entéricas, incluindo Pseudomonas aeruginosa, apresentam uma
sensibilidade muito baixa aos antibióticos hidrofóbicos, como os macrolídeos, pois
os mesmos apresentam dificuldade para penetrar a membrana externa desses
organismos (HENRIQUES NORMARK, 2002; MACEDO, 2016). Já a resistência
extrínseca ou adquirida ocorre por meio de mutações (mutações de ponto, deleções,
inversões, inserções, entre outras alterações genômicas) ou por mecanismos de
transferência horizontal, ou seja, por mecanismos em que uma bactéria transfere
uma resistência para outras bactérias, podendo ser da mesma espécie ou não. Os
mecanismos pelos quais os genes de resistência são adquiridos variam (Figura 2).
Os plasmídeos transferíveis podem ser muito grandes (> 150 kb) e conter uma
variedade de genes de resistência. Podem formar cointegrados com transposons
que incorporam um ou mais genes de resistência. Os elementos cromossômicos
também podem se transferir por conta própria ou ser mobilizados por plasmídeos
transferíveis (RICE, 2012). Além disso, a forma como a bactéria sofre uma mutação,
por exemplo, em bombas de efluxo, pode levar a uma multirresistência a diversos
fármacos (RICE, 2006).
Figura 2: Exemplos de mecanismos de transferência de genes de resistência.
Fonte:http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/controle/rede_rm/cursos/rm_controle/opas_web/modulo3
/mec_animacao.htm Acesso em 25/10/2017.
17
Segundo Magiorakos et al. (2012), uma bactéria é considerada multirresistente
quando não é susceptível a pelo menos um agente em três famílias de
antimicrobianos diferentes. Definição baseada em testes in vitro. É considerada
extremamente resistente quando não é susceptível a um agente de cada família,
exceto por duas ou menos; ou seja, quando é resistente a todos ou quase todos os
antimicrobianos aprovados para uso clínico. E, por fim, é considerada panresistente
quando não é susceptível a qualquer classe de antimicrobiano, incluindo aqueles
disponíveis comercialmente, os estudados na rotina laboratorial e os disponíveis
para tratamento empírico (MAGIORAKOS, 2012).
Dessa forma, além da busca por novos compostos antimicrobianos, a utilização
consciente dos fármacos já existentes e a pesquisa de resistência em cepas
responsáveis por infecções hospitalares, principalmente, se torna eficaz na luta
contra as bactérias. Sendo assim, é preciso conhecer os patógenos, seus
mecanismos de resistência e os testes já existentes e aprovados para a detecção
dessa resistência (KIM, 2017; MACEDO, 2016).
1.2. Bacilos Gram-negativos
O grande grupo das bactérias gram-negativas é composto por organismos que
apresentam o mesmo tipo de parede celular: uma camada fina de peptidioglicano e
uma membrana externa contendo lipopolissacarídeos, fosfolipídeos e proteínas.
Esse grupo se divide, majoritariamente, entre as enterobactérias e bacilos não
fermentadores. As enterobactérias são microrganismos ubiquitários que se
encontram em todo o mundo no solo, na água e na vegetação. Geralmente fazem
parte da microbiota normal da maioria dos animais, mas também são as bactérias
mais comumente associadas a infecções do trato urinário e intestinais. Já o grupo
dos não fermentadores também apresenta representantes ubíquos, porém as
infecções causadas por este grupo são frequentemente de caráter oportunista
(MURRAY, 2014).
As Enterobacteriaceae são bacilos móveis com flagelos peritríqueos, ou não são
móveis e nem formam esporos. São anaeróbios facultativos, catalase positiva,
oxidase negativa, fermentam glicose e reduzem o nitrato a nitrito. A medida da
atividade da enzima citocromo oxidase pode ser usada para diferenciar essas
18
bactérias de outras gram-negativas (MURRAY, 2014).
Os principais representantes dos bacilos gram – negativos não fermentadores são
Pseudomonas aeruginosa e Acinetobacter baumanii. Membros do gênero
Pseudomonas também são ubíquos, mas, infelizmente, são também encontrados no
ambiente hospitalar em coleções úmidas, como alimentos, pias, banheiros,
equipamentos de terapia respiratória e de diálise e em soluções desinfetantes.
Apresentam exigência nutricional simples e versatilidade nutricional, ou seja, são
capazes de sobreviver na forma de biofilme sobre superfícies com poucos
nutrientes; sendo o biofilme uma estrutura que protege uma comunidade bacteriana
da ação de antimicrobianos e dos mecanismos imunológicos do hospedeiro. P.
aeruginosa é uma das bactérias com mais tipos de resistência intrínseca para
antimicrobianos, sendo a alteração de porinas o principal mecanismo. A. baumanii
também é um microrganismo ubíquo que pode sobreviver em campos úmidos, mas,
além disso, é capaz de sobreviver em superfícies secas, como a pele. Faz parte da
microbiota da orofaringe de poucos indivíduos sadios e podem se multiplicar durante
hospitalização (MURRAY, 2014).
Os dois grupos, entretanto, apresentam uma característica em comum que é a
capacidade de adquirir resistência a diversos tipos de antibacterianos, tanto de
forma vertical quanto horizontal e, dessa forma, com frequência utilizam mais de um
mecanismo para evitar a ação desses fármacos (ANVISA, 2007).
De acordo com dados da Rede Nacional de Segurança da Saúde (National
Healthcare Safety Network, NHSN), de 2009 a 2010, Escherichia coli (contando com
12% de participação nas infecções adquiridas em ambiente hospitalar), Klebsiella
pneumoniae e Klebsiella oxytoca (8%), Pseudomonas aeruginosa (8%) e espécies
de Enterobacter (5%) eram as causas mais comuns de infecções nosocomiais
causadas por gram – negativas nos Estados Unidos, em ordem decrescente
(MEHRAD, 2015).
Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (Center for Disease
Control and Prevention, CDC), o impacto anual por infecções causadas por bactérias
resistentes é estimado em 20 bilhões de dólares em tratamento excessivo e 8
milhões de dólares por dias a mais de internação nos Estados Unidos. Enquanto na
19
Europa, segundo a Agência de Medicina Europeia (European Medicines Agency),
são gastos 1,6 bilhões de euros em tratamento e 2,5 milhões em dias adicionais na
União Europeia (FAIR, 2014).
1.3. Antimicrobianos
1.3.1. Beta – lactâmicos
Os antibióticos beta-lactâmicos atuam inibindo a enzima transpeptidase, presente
somente em bactérias. Essa enzima tem a função de catalisar a reação de
transpeptidação entre as cadeias de peptideoglicano da parede celular bacteriana.
Todos os antimicrobianos desse grupo apresentam um anel beta-lactâmico em
comum e, dessa forma, o principal mecanismo de resistência a eles se dá pela
produção de beta-lactamases. As penicilinas foram os primeiros representantes
dessa classe de antibióticos, sendo descoberta em 1928 por Alexander Flemming,
como falado anteriormente. Têm como representantes as penicilinas G e V,
amoxacilina e ampicilina, principalmente. Por mostrarem sensibilidade a beta-
lactamases, podem ter seu espectro de ação estendido quando usadas em conjunto
com inibidores dessas enzimas (GUIMARAES, 2010; GOODMAN, 2012).
Os beta-lactâmicos são mais ativos contra a fase logarítmica de crescimento e
exercem efeito reduzido em microrganismos em fase estacionária, quando não há a
necessidade de produção de componentes da parede celular (GUIMARAES, 2010;
GOODMAN, 2012). Em relação às bactérias gram - negativas, as quais apresentam
uma barreira lipídica, é mais difícil para o antimicrobiano chegar ao seu alvo, pois
deve passar através das porinas e, devido a isso, aqueles que apresentam grupos
ionizáveis em sua estrutura química terão maior atividade frente a essas bactérias
(GUIMARAES, 2010).
As cefalosporinas são os antimicrobianos beta-lactâmicos com maior uso clínico.
Sua classificação é dada por gerações: de primeira à quarta. As cefalosporinas de
primeira geração, cujas representantes são cefazolina e cefalotina, apresentam boa
atividade contra bactérias gram-positivas e moderada contra gram-negativas. As
cefalosporinas de segunda geração apresentam atividade superior contra
microrganismos gram-negativos em relação às de primeira geração, um exemplo é a
cefoxitina. Já as cefalosporinas de terceira geração possuem atividade reduzida
20
contra bactérias gram-positivas, mas maior ação contra as Enterobacteriaceae,
incluindo aquelas produtoras de beta – lactamase; um exemplo é a ceftazidima.
Enquanto as cefalosporinas de quarta geração, como a cefepima, apresentam
atividade superior em comparação com as de terceira e maior estabilidade à
hidrólise pelas beta-lactamases mediadas por plasmídeos e cromossomos
(GUIMARAES, 2010; GOODMAN, 2012).
Os carbapenêmicos exibem espectro de atividade superior em comparação com a
maioria dos outros antimicrobianos beta-lactâmicos. Isso se dá pela presença de um
anel beta-lactâmico fundido e de um sistema de anel de três membros que o
diferencia das penicilinas por ser insaturado e possuir um átomo de carbono no lugar
do de enxofre. Exemplos são o imipenem e o meropenem (GOODMAN, 2012).
Os monobactâmicos têm o aztreonam como principal representante. Ele interage
com proteínas de ligação da penicilina de microrganismos sensíveis, induzindo a
formação de estruturas bacterianas filamentosas. Sua atividade antimicrobiana é
mais semelhante a dos aminoglicosídeos, pois são ineficientes contra gram-positivos
e excelentes contra Enterobacteriaceae. Enquanto os inibidores de beta-lactamases
têm o ácido clavulânico como seu representante principal. O mesmo exibe baixa
atividade antimicrobiana intrínseca, mas atua ligando-se irreversivelmente a beta-
lactamases produzidas por diversos microrganismos, sendo assim utilizado em
conjunto com as penicilinas, por exemplo (GOODMAN, 2012).
1.3.2. Aminoglicosídeos
Os aminoglicosídeos possuem um grupamento amino básico e uma unidade de
açúcar. Apresentam efeito bactericida ao se ligarem à subunidade 30S dos
ribossomos das bactérias, bloqueando a sua movimentação no RNA mensageiro,
levando a erros de leitura e incorporação errônea de aminoácidos. Dessa forma,
impedem a síntese de proteínas bacterianas (Figura 3). Não atravessam a barreira
hematoencefálica de forma eficiente, sendo assim, não podem ser utilizados no
tratamento de meningites, a menos que sejam injetados diretamente. Esses agentes
são efetivos contra bactérias gram – negativas aeróbias e apresentam sinergismo
com beta – lactâmicos (GUIMARAES, 2010; GOODMAN, 2012).
21
Figura 3: Alvos dos antimicrobianos nas bactérias.
Adaptado de: FAIR, R. J.; TOR, Y., 2014.
1.3.3. Macrolídeos
Os macrolídeos são antibióticos que apresentam efeito bacteriostático ao se
ligarem ao RNA ribossomal 23S da subunidade 50S do ribossomo bacteriano,
bloqueando a síntese de proteínas (Figura 3) ao interferir no elongamento da cadeia
peptídica. Dessa forma, são antimicrobianos que inibem a proliferação bacteriana ao
bloquear a síntese de proteínas, deixando a tarefa de destruir as bactérias para o
sistema imunológico. São bastante utilizados contra infecções respiratórias, tendo a
eritromicina como representante principal. Entretanto, a mesma vem sendo
substituída por macrolídeos de segunda geração, pois apresentam espectro de ação
maior, melhor atividade e efeitos colaterais atenuados (GUIMARAES, 2010).
1.3.4. Tetraciclinas
As tetraciclinas são antimicrobianos bacteriostáticos que atuam sobre diversas
espécies bacterianas, aeróbias ou anaeróbias e gram-positivas ou gram-negativas.
Assim como os aminoglicosídeos, se ligam à subunidade 30S dos ribossomos,
impedindo a ligação do RNA transportador. Devido ao aumento de resistência frente
a essa classe, seu uso como primeira escolha vem diminuindo (GUIMARAES, 2010;
GOODMAN, 2012).
22
1.3.5. Lincosaminas
As lincosamidas funcionam pelo mesmo mecanismo de ação dos macrolídeos. A
clindamicina é o representante mais utilizado dessa classe, apresentam melhor
atividade e absorção quando administrado por via oral (GUIMARAES, 2010).
1.3.6. Glicopeptídeos
Os glicopeptídeos atuam na célula bacteriana inibindo a síntese da parede celular
(Figura 3) através da complexação com o resíduo dipeptídico terminal D-Alanil-D-
Alanina das cadeias peptídicas constituintes da parede. Isso impede que o substrato
esteja disponível para a enzima transpeptidase, inibindo a reação de
transpeptidação. São incapazes de atravessar a membrana de gram-negativos e,
por isso, somente são utilizados contra gram-positivos. A vancomicina geralmente é
utilizada como antimicrobiano de última escolha para infecções por gram-positivos
resistentes, mas já há relatos de resistência a ela (GUIMARAES, 2010, GOODMAN,
2012).
1.3.7. Rifamicinas
O mecanismo de ação da rifampicina se baseia na inibição da enzima RNA
polimerase (Figura 3), bloqueando a transcrição bacteriana. É usada clinicamente
como tratamento para a tuberculose, fazendo parte da combinação de fármacos
(GUIMARAES, 2010).
1.3.8. Sulfonamidas e trimetoprim
As sulfonamidas são agentes bacteriostáticos que atuam na inibição da síntese
do folato, cofator essencial para bactérias incapazes de absorvê – lo, pois é utilizado
na síntese de purinas. O sulfometoxazol é utilizado com frequência em associação
com o trimetoprim. O primeiro atua bloqueando a enzima di – hidropteorato
sintetase, impedindo que o ácido p-aminobenzoico seja incorporado a via de síntese
do folato. Já o segundo, inibe a enzima di – hidrofolato redutase, que reduz o folato a
tetraidrofolato para que sua forma reduzida seja utilizada em reações de
transferência de carbono. A utilização em associação dos dois fármacos, dessa
forma, inibe dois passos na via bioquímica desse cofator (GUIMARAES, 2010;
GOODMAN, 2012).
23
1.3.9. Quinolonas e fluoroquinolonas
Quinolonas e fluoroquinolonas são agentes bactericidas que agem inibindo a
enzima topoisomerase IV de bactérias gram – positivas e a topoisomerase II (DNA
girase) em gram – negativas. Dessa forma, inibem as atividades de corte e
selamento da DNA girase e de separação das fitas de DNA da topoisomerase IV
(Figura 3). Apresentam alta seletividade para enzimas bacterianas em relação às
humanas (GUIMARAES, 2010; GOODMAN, 2012).
24
2. OBJETIVOS
2.1. Objetivo geral
Fazer uma revisão bibliográfica sobre resistência bacteriana em bacilos Gram-
negativos e a importância dos testes fenotípicos.
2.2. Objetivos específicos
Reunir informações sobre as principais cepas resistentes de bacilos Gram-
negativos com prevalência no Brasil;
Reforçar a importância do uso dos testes fenotípicos para bacilos Gram-
negativos na rotina laboratorial;
Buscar a existência de testes fenotípicos inovadores para detecção de
resistência em bacilos Gram-negativos.
25
3. METODOLOGIA
3.1. Tipo de estudo
Esse estudo foi uma revisão de literatura científica sobre bacilos Gram-negativos.
Os artigos foram coletados das bases de dados PubMed, Scielo e Mendeley, tendo
como resultado trabalhos da Inglaterra, Brasil, Estados Unidos, Coreia do Sul,
Espanha, Grécia, Suécia, França, Portugal e Singapura. Além disso, foram coletadas
monografias, dissertações e teses do Brasil e de Portugal a partir dos repositórios da
USP, UFRGS, UFRN e UFP.
3.2. Obtenção dos dados
Nas bases de dados, foram utilizadas as palavras-chave “gram negative
resistance”, sendo encontrados 4168 artigos nas bases de dados PubMed e Scielo
no período de 2007 a 2017. Sendo utilizados 25 artigos, 3 livros, 2 teses, 1
dissertação e 1 monografia e sites governamentais que abordavam o assunto na
construção desse trabalho.
3.3. Técnica para detecção do perfil de sensibilidade a antimicrobianos (Técnica de Kirbe bauer)
A etapa inicial da técnica de disco difusão é o preparo de uma suspensão
bacteriana: com a alça bacteriológica, uma colônia é pescada e colocada em
solução salina 0,9% e suspendida. Espera-se obter uma turvação equivalente a 0,5
da escala McFarland, ou seja, uma suspensão contendo, aproximadamente, 1,5 x
10 8 unidades formadoras de colônia (UFC) por mL (ANVISA, 2008) (Figura 4).
Segundo a ANVISA (2006), para padronizar a densidade do inóculo, deve-se usar
um controle de turbidez de BaSO4 , equivalente a uma solução padrão 0,5 de
McFarland ou seu equivalente óptico (ex., suspensão de partículas de látex).
26
Figura 4: Suspensão bacteriana 0,5 na Escala McFarland.
Fonte: Laboratório de Ensino de Microbiologia, DMP, UFRN.
Após o preparo do inóculo, o próximo passo é realizar a técnica em si. Em uma
placa de ágar Mueller - Hinton, à temperatura ambiente, semeia- se o inóculo com
um swab estéril em três direções diferentes (Figura 5).
Figura 5: Semeio em ágar Mueller - Hinton para disco difusão.
Fonte: Laboratório de Ensino de Microbiologia, DMP, UFRN.
Após isso, utiliza-se discos de antimicrobianos de acordo com o tipo de bactéria,
no caso, gram-negativas. Dessa forma, podem ser utilizados discos de ceftazidima,
27
cefepime, aztreonam e imipenem, por exemplo. Os discos são colocados na placa
de forma manual com o uso de pinça estéril e respeitando-se a distância necessária
entre eles (Figura 6).
Figura 6: Organização dos discos de antimicrobianos.
Fonte: Laboratório de Ensino de Microbiologia, DMP, UFRN.
Após incubação em estufa bacteriológica à 35ºC de 18 à 24 horas, os halos de
sensibilidade são lidos de acordo com o CLSI (2016) (Figura 7) e a cepa é
classificada como sensível, intermediária ou resistente (Tabela 1).
28
Figura 7: Visualização da placa com discos de antimicrobianos após o tempo de
incubação.
Fonte: Laboratório de Ensino de Microbiologia, DMP, UFRN
Quadro 1: Exemplo de leitura dos halos de inibição para alguns antimicrobianos de acordo com o CLSI.
Zona do diâmetro (em milímetros)
Agente antimicrobiano Conteúdo do disco Sensível Intermediária Resistente
Ceftazidima 30µg ≥ 21 18 - 20 ≤ 17
Cefoxitina 30µg ≥ 18 15 - 17 ≤ 14
Aztreonam 30µg ≥ 21 18 - 20 ≤ 17
Imipenem 10µg ≥ 23 20 - 22 ≤ 19
Adaptado de: CLSI, 2016.
29
3.4. Técnicas específicas para detecção de resistência
Essas técnicas se resumem aos testes fenotípicos utilizados para a detecção de
enzimas que inibem a ação dos antimicrobianos, as beta-lactamases. A quebra de
anéis beta-lactâmicos presentes em antibióticos é o mecanismo de resistência mais
comum em bactérias gram negativas. O grupo 1 de Bush, Jacoby e Medeiros (1995)
(classe C de Ambler (1980)) das beta-lactamases (AmpC) está presente em grande
parte desse tipo de bactéria, sendo um grupo ativo contra cefalosporinas e
aztreonam mas só agindo contra carbapenêmicos em altas concentrações. O grupo
2 (classe A) tem como representantes as ESBLs: beta lactamases de amplo
espectro que geralmente são adquiridas pelas bactérias através de mecanismos de
transmissão horizontal por elementos genéticos móveis. Essa transmissão é rápida e
bastante eficaz tanto em uma população bacteriana quanto entre populações e,
dessa forma, apresenta um caráter preocupante (HAWKEY, 2009). Já o grupo 3 tem
como representantes as carbapenemases (e metalo-beta-lactamases), enzimas
potentes na hidrólise de carbapenêmicos e que não sofrem efeito de inibidores de
beta-lactamase (MEHRAD, 2015). As metalo-beta-lactamases necessitam de dois
íons divalentes, usualmente zinco, para realizar a atividade catalítica, utilizando-os
como cofatores (AMBLER, 1980; BUSH et al., 1995).
3.4.1. Técnica para detecção de ESBL
A avaliação de ESBL em enterobactérias é feita com o teste de disco
aproximação. Em uma placa de ágar Mueller-Hinton, à temperatura ambiente, o
inóculo é semeado da mesma maneira que o teste anterior. Após isso, é colocado
um disco de amoxacilina/ácido clavulânico (30 μg) no centro da placa. Ao seu redor
são colocados discos de ceftriaxona (30 μg), ceftazidima (30 μg), cefepime (30 μg) e
aztreonam (30 μg) a 20mm de distância. A placa é incubada a 35º por 16 a 18 horas.
O teste é considerado positivo quando há distorções nos halos ou zonas fantasma
entre o disco contendo o inibidor de beta - lactamase e os discos contendo substrato
(Figura 8) (CLSI, 2016).
30
Figura 8: Visualização de zona fantasma (setas) em relação ao disco de amoxacilina + ácido clavulânico ao centro.
Fonte: Laboratório de Ensino de Microbiologia, DMP, UFRN.
Isso ocorre pois o ácido clavulânico é capaz de inibir essas enzimas, permitindo
que os outros beta lactâmicos ao seu redor atuem.
3.4.2. Técnica para detecção de metalo – beta – lactamase
Para a avaliação de carbapenemases, inicialmente se realiza o antibiograma do
inóculo com discos de imipenem e meropenem com interpretação de sensibilidade
de acordo com o CLSI 2016. Se alguma bactéria apresentar resistência a um deles,
a mesma é submetida ao teste de triagem de metalo-beta-lactamase (teste do
EDTA). Em uma placa de ágar Mueller-Hinton, à temperatura ambiente, semeia-se a
suspensão bacteriana e coloca-se um disco de imipenem (10 μg) e meropenem (10
μg) de forma paralela a outros dois discos de imipenem e meropenem embebidos
em 10 μg de EDTA. Se houver aumento do halo de sensibilidade no disco com EDTA
em relação ao disco sem a substância, trata-se de uma cepa produtora de metalo-
beta-lactamase (Figura 9) (ANVISA, 2006).
31
Figura 9: Visualização de aumento no halo de sensibilidade no teste do EDTA.
Fonte: Laboratório de Ensino de Microbiologia, DMP, UFRN.
Como essas enzimas necessitam de íons de zinco para a hidrólise do anel beta-
lactâmico, podem ser detectadas ao se utilizar um agente quelante, como o EDTA,
pois o mesmo forma complexos com esses íons, impedindo as enzimas de usá-los
(MENDES, 2006).
3.4.3. Teste de Hodge modificado
Para as enterobactérias, além do teste do EDTA é realizado também o teste de
Hodge modificado (MHT). No MHT, inocula-se a Escherichia coli ATCC 25922 e se
coloca um disco de meropenem no centro da placa. Ao redor dela, se faz estrias
com as amostras que devem ser submetidas ao teste, como recomendado pelo
CLSI (2016). Se houver um alargamento de crescimento bacteriano na área de
inserção (zonas de entroncamento), ou seja, próxima ao disco, a cepa é considerada
produtora de carbapenemase (Figura 10).
32
Figura 10: Visualização de zona de entroncamento (setas) próximo ao disco de meropenem ao centro. Técnica para detecção de carbapenemases em enterobactérias.
Fonte: Laboratório de Ensino de Microbiologia, DMP, UFRN.
Esse resultado é observado pois a cepa E. coli ATCC 25922 é sensível ao
antimicrobiano meropenem, logo, se a estria da amostra ultrapassar seu halo de
sensibilidade, significa que a mesma produziu uma enzima capaz de limitar ou
inativar a ação do fármaco (ANVISA, 2008).
3.4.4. Técnica para detecção de AmpC induzível
Ainda não há teste aprovado pelo CLSI para detecção desse tipo de beta-
lactamase. Entretanto, Rossi e Andreazzi propuseram em 2005 a seguinte
metodologia: em uma placa de ágar Mueller-Hinton, à temperatura ambiente,
semeia-se a suspensão bacteriana e coloca-se um disco de imipenem (10 μg) e
cefoxitina (30 μg), dois poderosos indutores, a 20mm de distância de discos de
ceftazidima (30 μg) e ceftriaxona (30 μg). Após o tempo de incubação, considera-se
resultado positivo quando há formação de uma zona de achatamento nos halos de
cefalosporinas.
33
3.4.5. Técnica modificada para detecção de ESBL
O CLSI recomenda a técnica de disco aproximação para a detecção de produção
de ESBL. Entretanto, sabe-se que um mesmo microrganismo pode ser capaz de
produzir ESBL e outros tipos de beta-lactamase, como metalo-beta-lactamases e
KPC, o que pode interferir na interpretação da técnica fenotípica (MEHRAD, 2015;
POULOU, 2014). Dessa forma, foi mostrado por Poulou et. al. em 2014 uma
modificação na técnica de disco aproximação, em que se utilizava EDTA e ácido
borônico nos discos de antimicrobianos. Essas duas substâncias eram responsáveis
por inativar metalo-beta-lactamases e por inibir reversivelmente AmpC e KPC,
respectivamente. A técnica modificada apresentou 97,5 % de sensibilidade e 100%
de especificidade enquanto a técnica aprovada contava com 65,4% de sensibilidade
e 97,1% de especificidade. Além disso, a técnica proposta foi capaz de detectar
melhor ESBL em microrganismos que também produziam outro tipo de beta-
lactamase (POULOU, 2014).
3.4.6. Técnica para detecção de KPC em disco
O CLSI recomenda para a detecção dessa carbapenemase o teste de Hodge
modificado, como falado anteriormente. Entretanto, é um procedimento que
demanda muito tempo e, devido a isso, Kim et. al. propuseram em 2016 uma nova
técnica na qual se utiliza um disco contendo 0,3 mg de imipenem (Tienam 500) com
azul de bromotimol como indicador de pH. A técnica se baseia na detecção da
formação de ácido após a hidrólise do imipenem, o azul de bromotimol, como
indicador de pH, muda cor amarela (pH neutro) para a cor verde quando o pH fica
ácido. A mesma apresentou 98,6% de sensibilidade e 100% de especificidade para
bacilos gram – negativos produtores de KPC ou metalo – beta – lactamases com
resultados dentro de 60 minutos; entretanto, falhou em detectar a classe GES – 5
(KIM, 2017).
34
4. DISCUSSÃO
4.1. Mecanismos de resistência em bacilos gram-negativos
Os principais mecanismos de resistência em gram negativos são: alteração de
permeabilidade, alteração do sítio de ação do fármaco, expressão de bombas de
efluxo, alteração nas vias metabólicas e produção de enzimas que inibem a ação do
antibacteriano (Figura 11).
Figura 11: Mecanismos de resistência na célula bacteriana.
Fonte: http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/controle/rede_rm/cursos/rm_controle/opas_web/
modulo3/pop_mecanismo.htm. Acesso em 25/10/2017.
4.1.1. Alteração da permeabilidade
A membrana celular externa das bactérias gram-negativas é composta por
lipopolissacarídeos e proteínas especiais, as porinas. Esse tipo de membrana
permite que haja uma permeabilidade seletiva, pois as substâncias devem passar
por esses canais específicos. Essa permeabilidade limitada é o que garante a
resistência intrínseca de bacilos gram-negativos à penicilina, eritromicina,
clindamicina e vancomicina e pela resistência de Pseudomonas aeruginosa ao
trimetoprim (ANVISA, 2007).
35
4.1.2. Alteração do sítio de ação
A alteração do sítio alvo de determinado antimicrobiano é um dos mecanismos de
resistência mais importantes. Mutações de ponto nos genes da DNA girase e
topoisomerase IV são diretamente relacionadas à resistência à quinolonas em
Enterobacteriaceae por mudanças no sítio de ação, mas no geral esse tipo de
mutação confere somente níveis moderados de resistência. Entretanto, a aquisição
de plasmídeos que codificam enzimas capazes de inativar fluoroquinolonas ou a
expressão aumentada de bombas de efluxo são fatores que facilitam a resistência
clínica a esse tipo de antimicrobiano (PRIBUL, 2017; RICE, 2012).
4.1.3. Expressão de bombas de efluxo
Os transportadores ativos residem na membrana interna e, em bactérias gram-
negativas, eles formam complexos trans-envelope, juntamente com proteínas de
fusão de membrana periplasmática (MFPs) e fatores de membrana externa (OMFs).
São os responsáveis por reconhecer e expelir os antimicrobianos para o meio
externo antes que os mesmos alcancem seus alvos. A maioria dos genes que os
codificam se localizam cromossomicamente, mas já foram encontrados em
plasmídeos. A expressão exagerada desse tipo de resistência frequentemente
produz grandes falhas no tratamento de infecções e pode influenciar genes para
codificarem sítios diferentes para diversos antibióticos (SPENGLER, 2017; VARGIU,
2016).
4.1.4. Alterações nas vias metabólicas
As sulfas podem agir bloqueando a enzima di-hidropteroato sintetase ou a enzima
di-hidrofolato redutase. As duas atuam na síntese do folato, cofator importante na
biossíntese de bases pirimidínicas que constituem os ácidos nucléicos. Desta forma,
bactérias capazes de reduzir a afinidade de di-hidrofolato redutase, por exemplo,
inativam esse tipo de antimicrobiano (GUIMARAES, 2010). Devido a isso,
combinações com trimetoprim (TMP) foram inseridas na rotina clínica, sendo o TMP
o único aprovado para esse tipo de uso. Dessa forma, quando há resistência tanto a
sulfas como ao trimetoprim, dificuldades no tratamento são comuns (GUZZO, 2016).
36
4.1.5. Produção de enzimas que inibem a ação
Essas enzimas são as beta-lactamases, já citadas anteriormente. Serão divididas
em AmpC, beta-lactamases de espectro estendido (ESBLs) e carbapenemases
(incluídas as metalo-beta-lactamases).
4.1.5.1. AmpC
As beta – lactamases AmpC são enzimas frequentes nos integrantes do grupo
CESP (Citrobacter freundii, Enterobacter spp., Serratia spp., Providencia spp.)
devido à localização cromossômica de seu gene nesses microrganismos. Entretanto,
a mesma já foi encontrada em outras bactérias sendo mediada por plasmídeo.
Aquelas que possuem o gene em seu cromossomo produzem AmpC em níveis
basais para atuação no metabolismo da parede celular, entretanto, essas enzimas
garantem diminuição da sensibilidade ou resistência a cefamicinas, penicilinas,
cefalosporinas de 1ª e 2ª geração e a associações com inibidores de beta-
lactamase. Além disso, quando há a hiperprodução desse tipo de enzima, pode
ocorrer resistência a cefalosporinas de 3ª geração. Essa hiperprodução pode ocorrer
na presença de algum tipo de antimicrobiano, como cefoxitina e imipenem, que
agem como agentes indutores, ou devido a mutações em seus genes reguladores,
como o gene AmpR (ANDRADE, 2008; HENRIQUES NORMARK, 2002).
Entre os anos de 2005 e 2006, esse tipo de beta-lactamase mediada por
plasmídeos foi encontrada em 10% das cepas de Klebsiella spp. e 2% das cepas de
E. coli em cinco hospitais infantis na China, sendo o tipo DHA-1 o mais prevalente; o
que reflete a alta propagação das AmpC, visto que o tipo mais frequente no mundo é
o CMY-2 (HAWKEY, 2009).
4.1.5.2. ESBLs
Beta-lactamases de espectro estendido, ESBLs, são enzimas que garantem
resistência a oximino-cefalosporinas, como cefotaxima e ceftazidima, e a
monobactâmicos; entretanto, são sensíveis aos inibidores de beta-lactamase como o
ácido clavulânico. Os plasmídeos que codificam essas enzimas podem carrear
genes de outras beta-lactamases que podem apresentar resistência a outras classes
de antimicrobianos, como quinolonas e aminoglicosídeos, tornando sua
37
antibioticoterapia complicada e, por conseguinte, sua sobrevivência e disseminação
facilitada (MEHRAD, 2015; POULOU,2014).
Algumas ESBLs são mobilizadas por bactérias do meio ambiente, como CTX-M,
enquanto outras derivam de mutações em aminoácidos de plasmídeos carreadores
de beta-lactamases, como TEM e SHV. Em meados dos anos 1980, as ESBLs
surgiram na Europa a partir de mutações nesses grupos TEM e SHV, praticamente
no mesmo período em que as cefalosporinas de terceira geração estavam sendo
inseridas na rotina clínica. Tornaram - se prevalentes nos anos 1990, em que a maior
parte dos casos de ESBLs se referiam a TEM e SHV, com exceção do genótipo
CTX-M-2 que era frequente na América do Sul. Hoje estão difundidas por todo o
mundo, contando com mais de 300 enzimas individuais descritas (HAWKEY, 2009;
MEHRAD, 2015; RUIZ – GARBAJOSA, 2016).
Segundo dados extraídos de um estudo SMART sobre infecções abdominais,
Escherichia coli produtora de ESBL tinha prevalência de 11% na Europa, enquanto
em outras regiões apresentava mais de 30% de prevalência, como no sudeste
asiático. E em relação a cepas de Klebsiella pneumoniae, países como Austrália e
Japão apresentavam níveis menores do que 10% e China e Singapura contavam
com, aproximadamente, 30% de prevalência, enquanto na Europa foi detectada
prevalência de 56% na Itália (HAWKEY, 2009; HAWSER, 2010; MEHRAD, 2015).
Além disso, as ESBL TEM e SHV, as mais comumente descritas, estão sendo
substituídas por CTX-M na maioria dos países. E em regiões como Ásia, América do
Sul e parte da Europa a prevalência endêmica já se alcançou, refletindo-se na
pandemia de CTX-M-15 que ocorreu na China, nessa última década, a qual foi
associada à disseminação de determinados clones de alto risco de E. coli,
destacando-se o ST131. A prevalência desse clone em cepas de E. coli produtoras de
ESBL na Espanha situou-se em 20%, sendo menor do que a porcentagem
encontrada em países como EUA e Canadá, cujo valor encontrado foi de 50%
(MEHRAD, 2015; RUIZ – GARBAJOSA, 2016).
No Brasil, entre os anos de 1998 e 1999, foram estudadas 18 enterobactérias
produtoras de ESBL, estando a família SHV como mais frequente, seguida, na
época, pela família CTX-M. Grande variedade de enzimas CTX-M foi encontrada,
38
sendo os relatos de CTX-M-8 e CTX-M-16 os primeiros no mundo. Entretanto, em
estudos mais recentes nota – se a prevalência de CTX-M-2 (ANDRADE, 2008).
Ademais, E. coli produtoras de enzimas da família CTX-M tem sido fortemente
associadas a infecções comunitárias, refletindo um panorama diferente do comum
em que esse tipo de microrganismo se encontrava, pois era mais frequente em
ambientes hospitalares, principalmente em UTIs (RUIZ-GARBAJOSA, 2016).
4.1.5.3. Carbapenemases
As carbapenemases são beta - lactamases que apresentam resistência aos
carbapenêmicos, além das cefalosporinas e penicilinas. São enzimas que se
diferenciam em duas famílias principais, levando em consideração seu mecanismo
hidrolítico, em que estão presentes íons de zinco ou serina no sítio de ação. Aquelas
que utilizam os íons de zinco foram primeiramente descritas em bacilos gram-
positivos, levando o nome de metalo-beta-lactamases devido a sua sensibilidade ao
EDTA e formando o grupo B (metaloenzimas) (RIBEIRO, 2013; RICE, 2012).
No final dos anos 80, surgiu outro grupo de carbapenemases, mas que não era
sensível ao EDTA, apresentava serina no seu sítio de ação e inibição ao ácido
clavulânico e tazobactam. Esse grupo contempla as famílias A (penicilinases) e D
(oxacilinases) e suas representantes são chamadas de serino-carbapenemases
(RIBEIRO, 2013; RICE, 2012). A resistência aos carbapenêmicos pode ser induzida
pela produção exacerbada de AmpC e de ESBLs associada a uma redução da
síntese de porinas ou aumento no efluxo, caracterizando os microrganismos que a
possuem como multirresistentes de forma frequente (HAWKEY, 2009).
A primeira Enterobacteriaceae produtora de carbapenemase foi descrita no ano
de 1991 no Japão (HAWKEY, 2009). No momento atual, existem quatro famílias
principais de carbapenemases de classe A, sendo SME, NMC / IMI, GES e KPC
suas representantes. O surgimento dessa classe se deu na década de 80 na
Inglaterra com a família SME, antes da comercialização ampla de carbapenêmicos.
São enzimas cromossomais encontradas somente em Serratia marcescens e há
relatos de sua detecção na Argentina e em boa parte dos Estados Unidos. Em
relação à família NMC / IMI, não há muitos relatos além daqueles feitos na sua
descoberta, e o fato de se caracterizarem como enzimas cromossomais talvez seja o
39
responsável pela sua raridade. Diversas enzimas da família GES têm sido descritas
pelo mundo, entretanto a GES-2 foi a primeira com atividade carbapenemase
encontrada apresentando eficiência catalítica inferior às demais enzimas da classe
A. Houve apenas um relato de K. pneumoniae produtora de GES-5 resistente a
todos os beta-lactâmicos no Brasil (RIBEIRO, 2013).
Dessa forma, a família mais comumente descrita pertencente à classe A, é a
Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC), sendo a mais associada à resistência
aos carbapenêmicos em enterobactérias. O fato de geralmente estarem associadas
a elementos genéticos móveis facilita sua disseminação e, por garantirem resistência
aos carbapenêmicos, geram sérios problemas na busca por alternativas de
tratamento. Além disso, há uma constante dificuldade em identificar uma
carbapenemase in vitro quando o mesmo microrganismo apresenta ESBL
(HAWKEY, 2009; MEHRAD, 2015; POULOU, 2014; RIBEIRO, 2013).
No momento atual, existem 16 variantes de KPC (KPC-2 até KPC-17), entretanto
a maioria dos estudos é focada nas variantes KPC-2 e KPC-3 (WANG, 2014). É a
carbapenemase mais comum nos Estados Unidos e foi primeiramente isolada na
Carolina do Norte no ano de 1996. Enquanto, em 2004, 19 isolados de Klebsiella
spp. resistentes a carbapenêmicos, apresentando carbapenemase de classe A KPC-
2 foram encontrados em sete hospitais da cidade de New York, com outro genótipo,
KPC-3, também sendo reportado. Em 2007, seis países europeus reportaram 25%
das cepas de P. aeruginosa como resistentes a carbapenêmicos em um estudo da
European Antimicrobial Resistance Surveillance System (EARSS) (HAWKEY, 2009;
MEHRAD, 2015; RIBEIRO, 2013). Já no Brasil, o primeiro relato de detecção de
cepa produtora de KPC ocorreu em 2009, em relação a quatro isolados de K.
pneumoniae produtoras de KPC-2 na cidade de Recife, em 2006. Desde então,
diversas pesquisas de vigilância detectaram isolados produtores de
carbapenemases em Estados como Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e
Espírito Santo (RIBEIRO, 2013).
No ano de 2010, quando ocorreu uma grande disseminação de isolados
produtores de KPC, foi publicada a primeira nota técnica brasileira pela ANVISA
(Nota Técnica Nº 1 /2010), que direcionava e instruía a detecção e registro de
membros da família Enterobacteriaceae resistentes a carbapenêmicos perante a
40
Agência. Além disso, a nota orientava que uma cultura resistente deveria ser enviada
até a FIOCRUZ para confirmação do mecanismo de resistência e, após sua
publicação, mais de 500 isolados produtores de KPC provenientes de 11 estados
(Santa Catarina, Rio de Janeiro, Ceará, Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo,
Alagoas, Pernambuco, Piauí, Maranhão, Amazonas e Distrito Federal) foram
recebidos (RIBEIRO, 2013).
A classe D de carbapenemases é composta por enzimas que apresentam alta
capacidade hidrolítica contra cloxacilina, oxacilina e meticilina, recebendo o nome de
oxacilinases devido a isso. As OXA são frequentemente descritas em Acinetobacter
spp., entretanto relatos em enterobactérias tem se tornado constantes. Neste
gênero, a principal representante é a OXA-23, a qual já foi detectada mundialmente,
sendo responsável por surtos em diversos países, incluindo o Brasil (RIBEIRO,
2013; RICE, 2012). A OXA-48 é a enzima mais frequente na família das
Enterobacteriaceae, tendo sido detectada principalmente em E. coli e K.
pneumoniae. Essa enzima foi detectada primariamente na Turquia, onde agora é
considerada a carbapenemase de maior relevância clínica, encontrando-se ainda na
Ásia, África, Europa, Estados Unidos e Canadá (RIBEIRO, 2013).
As carbapenemases de classe B ou metalo-beta-lactamases (MBL), são enzimas
produzidas intrinsecamente por alguns microrganismos, mas que recentemente tem
sido encontradas em patógenos de risco. Apresentam um espectro grande de ação,
não sendo capazes de hidrolisar somente os monobactâmicos e possuem
sensibilidade a agentes quelantes, como o EDTA. Atualmente são conhecidas 12
famílias: IMP (imipenemase), VIM (Verona imipenemase), SPM (São Paulo metalo-
beta-lactamase), GIM (Germany imipenemase), SIM (Seul imipenemase), DIM
(Dutch imipenemase), AIM (Australian imipenemase), NDM (New Delhi
imipenemase), KHM (Kyorin Hospital metalo-beta-lactamase), SMB (Serratia
marcescens metalo-beta-lactamase), TMB (Tripoli metalo-beta-lactamase) e FIM
(Florence imipenemase) (HONG et al.,2015; KAYAMA et al., 2014; MENDES, 2006;
RIBEIRO, 2013; WACHINO et al., 2011).
O primeiro relato de cepa produtora de MBL ocorreu no ano de 1994 no Japão,
em que uma Serratia marcescens era fenotipicamente resistente ao imipenem e
cefalosporinas de espectro ampliado, sendo descrita a nova classe de MBL IMP-1.
41
Já o primeiro relato no continente americano foi feito em 2002, em que foi descrita
uma Pseudomonas aeruginosa resistente a ceftazidima e carbapenêmicos (GIBB et
al., 2002). Análises posteriores revelaram a presença de uma nova MBL, a IMP-7.
Em 1999, foi descrita a segunda subclasse de MBL, a VIM-2, que foi encontrada em
Verona, Itália, em uma cepa de P. aeruginosa (MENDES, 2006; RIBEIRO, 2013).
Essa é a metalo-beta-lactamase mais frequente em P. aeruginosa, tendo sido
reportada em trinta e sete países por todos os cinco continentes (HAWKEY, 2009).
No Brasil, a SPM-1 foi relatada em São Paulo a partir de uma P. aeruginosa
coletada do trato urinário de um paciente no Hospital São Paulo na Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP). Desde então, cepas produtoras dessa enzima
foram encontradas em diversos centros no Brasil, como em Brasília, São Paulo,
Fortaleza, Salvador, Santo André, Londrina, Curitiba e Maringá, totalizando cerca de
70% dos isolados de P. aeruginosa, não sendo reportada em outros países.
(HAWKEY, 2009; MENDES, 2006). Posteriormente, foi descrita a GIM-1 em cepas
de P. aeruginosa provenientes de Dusseldorf, Alemanha. As enzimas SPM-1, GIM-1
e AIM-1 são consideradas variantes únicas detectadas apenas em P. aeruginosa em
seus respectivos países: Brasil, Alemanha e Austrália (MENDES, 2006; RIBEIRO,
2013).
A enzima SIM-1 foi isolada na Coreia e a KHM no Japão, não sendo difundida
para outros países. Entretanto, em 2009, houve o relato de uma K. pneumoniae
produtora de NDM-1 na Suécia e, após sua identificação, a mesma se disseminou
para o Reino Unido, Índia, Paquistão e Bangladesh apresentando hoje relatos
frequentes em todos os continentes (MEHRAD, 2015; RIBEIRO, 2013).
Em 2010, surgiu a DIM-1 caracterizada em uma Pseudomonas stutzeri na
Holanda. Seu gene apresentava também produção de resistência contra
aminoglicosídeos e desinfetantes. Enquanto as três últimas enzimas descritas, SBM,
TBM e FIM, foram detectadas em isolados de S. marcescens, Achromobacter
xylosoxidans e P. aeruginosa entre os anos de 2011 e 2012 permanecendo restritas
aos seus locais de origem (RIBEIRO, 2013).
No Brasil, durante os anos de 2002 e 2003, detectou – se o gene blaIMP-1 em
Acinetobacter spp. e P. aeruginosa isoladas de pacientes do Hospital São Paulo. O
42
primeiro relato de uma Enterobacteriaceae produtora de MBL adquirida na América
Latina ocorreu no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU/USP) em
uma Klebsiella pneumoniae que produzia IMP-1. Também ocorreu, entre 2003 e
2004, o primeiro surto hospitalar em uma UTI por um clone de K. pneumoniae
resistente a carbapenêmicos, em que mais tarde foi detectada a presença do gene
blaIMP-1. Além disso, foi constatado que 41% dos isolados de P. aeruginosa,
provenientes de diversos estados brasileiros, que eram resistentes a
carbapenêmicos eram produtoras de MBL (MENDES, 2006).
43
5. CONCLUSÕES
Apesar de os testes discutidos apresentarem sensibilidade aprovada pelo CLSI,
nem sempre os mesmos são realizados na rotina médica. Dessa forma, destaca-se
a importância da realização dessas técnicas de detecção para que haja um maior
controle da resistência bacteriana, principalmente quando se trata das
carbapenemases, pois as mesmas já conferem resistência à classe de
antimicrobiano mais eficaz contra as bactérias Gram-negativas.
Foram encontradas novas propostas de testes fenotípicos que se apresentaram
mais sensíveis, mais específicos e até mais rápidos quando em comparação com os
testes já aprovados pelo CLSI, principalmente quando em relação a microrganismos
que produzem mais de uma das beta-lactamases discutidas. Dessa forma, os
mesmos poderiam ser empregados quando as condições para a realização de testes
moleculares de confirmação genotípica fossem precárias.
No Brasil, as beta-lactamases mais relatadas foram as ESBL, com prevalência da
família CTX-M-2, metalo-beta-lactamases e carbapenemases da família KPC, com
muitos casos de bactérias Gram-negativas multirresistentes. Entretanto, ainda é
necessário um estudo de culturas de vigilância mais abrangente para que seja
formulado um banco de dados epidemiológicos mais confiável.
44
6. REFERÊNCIAS
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