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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA MESTRANDO: FÁBIO LOPES DE OLIVEIRA Projeto de qualificação de mestrado A folia de meu povo: territorialidades e identidades negras no Carnaval de rua porto-alegrense. ORIENTADOR: PROFESSOR DR. PAULO ROBERTO RODRIGUES SOARES. LINHA DE PESQUISA: ANÁLISE TERRITORIAL.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

MESTRANDO: FÁBIO LOPES DE OLIVEIRA

Projeto de qualificação de mestrado

A folia de meu povo: territorialidades e identidades negras no Carnaval de rua porto-alegrense.

ORIENTADOR: PROFESSOR DR.

PAULO ROBERTO RODRIGUES SOARES.

LINHA DE PESQUISA: ANÁLISE TERRITORIAL.

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01/2019

RESUMO

O presente projeto de qualificação de mestrado tem como tema central as geografias do carnaval de rua da cidade de Porto Alegre. Ele parte de algumas perguntas centrais: como se dá a produção do espaço urbano através do carnaval de rua na cidade? Quem são os atores que constituem esses processos? Quais as análises possíveis na constituição territorial e regional do carnaval em bairros do município? Isso, tendo em vista as relações dialéticas, sociais e raciais que compõem o espaço urbano, suas culturas e peculiaridades, assim como as disputas territoriais que compreendem os espaços do carnaval na cidade. Para responder estas perguntas buscarei traçar paralelos entre negritude, geografia, história e Carnaval, trazendo a pesquisa-ação pós-colonial como alicerces teórico e metodológico.

PALAVRAS CHAVE:

Geografia do Carnaval – Urbano – Regionalização – Território – Sociedade

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO _______________________________________________04

1.1. A afinação dos instrumentos _______________________04 1.2. Tem Carnaval em Porto Alegre? ____________________09

2. REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO.______________________16

3. JUSTIFICATIVAS ____________________________________________27

3.1. Questões que justificam ___________________________27 3.2. Justificativa objetiva ______________________________28

4. OBJETIVOS E DESEJOS ______________________________________31 4.1. Objetivos ______________________________________31 4.2. Desejos _______________________________________31

5. HIPÓTESES _________________________________________________34

6. MÉTODOS E METODOLOGIAS _________________________________36

7. DISCUSSÕES PRELIMINARES _________________________________42

7.1. Eu queria que essa fantasia fosse eterna! ____________42 7.2. A (dês) valorosa relação da cidade com seu povo ______46

8. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS E PERSPECTIVAS __________________49

9. CRONOGRAMA ______________________________________________51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _______________________________45

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1. INTRODUÇÃO.

1.1. A afinação dos instrumentos.

O Carnaval enquanto manifestação cultural e artística em diferentes

âmbitos é um fenômeno muito importante no mundo ocidental. Os festejos que

percorrem os meses de Fevereiro e Março em cada ano podem estar ligados a

culturas ancestrais que remontam ao antigo Egito. A origem da festa é incerta.

Alguns atribuem a mesma aos cultos agrários da Antiguidade, nos quais

homens e mulheres mascarados e com os corpos pintados saíam em cortejos

(PMPA, 1992, p. 09).

Sendo incorporada em diferentes culturas, em diferentes tempos

históricos, a trajetória do carnaval acompanha de perto a trajetória de grande

parte da população que se constituí na atual sociedade moderna.

Principalmente dos ocidentais que tiveram o cristianismo como ordem imposta,

o que gera ainda mais demandas no comportamento social e no pensamento

que orientam as populações. Sociedades que se reprimem, e são reprimida, se

boicotam e são boicotadas sistematicamente em diferentes âmbitos, sociais,

políticos, econômicos e culturais, e que nos dias de festas, se jogam aos

prazeres da carne e da alegria. Libertamo-nos de uma herança que nos

enquadra, que classifica, que exclui os corpos e sua espontaneidade, não

raramente usando a violência do patriarcado.

Uma sociedade que fez grandes guerras, que viveu uma grande

revolução tecnológica e que fez com povos vistos como bárbaros e subalternos

verdadeiros genocídios, gerando um dos maiores problemas da modernidade:

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a escravidão. Um dos mais perversos momentos da história da humanidade,

onde milhões de pessoas foram sumariamente expropriadas de seu direito a

qualquer dignidade. Essa chamada sociedade ocidental, ou há quem ouse

chamar de “civilização”, também é a criadora de elementos como nazismo,

stalinismo, fascismo, dentre outros muitos genocídios e guerras, mas tendo o

colonialismo como um importante motor de imposição cultural, religiosa e do

pensamento. O processo civilizatório ocidental traz marcas pesadas com suas

naus e caravelas, marcas de sangue e dor, destruição cultural e ambiental, o

que pode ser resumido brevemente como colonização. Em nosso país não foi

diferente.

É neste contexto que chegamos ao Brasil e sua maior festa popular. Um

país marcado pela colonização, exploração e segregação. E é nesse contexto

que nasce o Carnaval no território nacional. Uma festa que há

aproximadamente duzentos anos é sinônimo de negritude e cultura afro-

brasileira. Os passos até esta história chegar ao Carnaval extensamente

vendido no Brasil e no mundo na contemporaneidade, podem ser muito

doloridos. Esta escrita buscará estabelecer um tecido fino, formado por linhas

muito tênues dentro de processos complexos. Dor e alegria caminhando juntas

na formação de uma sociedade, seus hábitos, suas religiosidades, suas

culturas, seu saberes e sua forma de entender a vida.

Em seu desfile de carnaval de 2019, a G.R.E.S. Portela levou para a

Marques de Sapucaí um enredo homenageando Clara Nunes. Neste desfile um

tripé alegórico fazia referência ao primeiro emprego de Clara, em uma

tecelagem, onde esta trabalhava com um tear. É este o mesmo caminho deste

trabalho. Tecer uma geografia do carnaval, uma possibilidade de um colorido

tecido marcado pelo samba e pela negritude. Portanto, falar de Carnaval será

falar do povo negro. Será estabelecer um diálogo e uma reflexão profunda do

papel de negras e negros nos diferentes espaços que ocupam na sociedade e

em uma manifestação cultural enraizada, também, nas tradições vindas de

África. Tudo isso em um país com um comportamento social que nos remete a

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1888, ano da abolição da escravatura, que foi a mais extensa dentre todos os

países saqueados pelos europeus.

Tecer essa trama é ponto muito delicado em uma visão de que a

segregação racial no “país do samba e do futebol” é latente e mais gritante a

cada dia. Estas linhas são atravessadas por milhares de histórias de

resistência do povo negro em diferentes momentos da trajetória nacional.

Estabelecer esse diálogo sobre o Carnaval no Brasil, seja onde for, buscando

uma visão dos entraves da vida da população negra gerados pela escravidão e

pelo racismo é uma missão que não pode ser negligenciada. O marcador de

raça será um orientador muito importante nesta viagem às geografias do

carnaval porto-alegrense, mas também no carnaval de um país que nos brinda

diariamente com populações negras (e indígenas) sendo exterminadas em

muitos cantos do território nacional, todos os dias.

Neste mesmo ano de 2019, a G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira

veio para avenida com um enredo “História pra ninar gente grande”. Um enredo

sobre heroínas e heróis, negras e negros, que fundamentaram e construíram o

Brasil e são “esquecidos” no país racista e misógino em que habitamos. A

Mangueira cantou “Marielle, presente!” e até o dia da escrita deste trabalho,

mais de um ano depois da morte da vereadora Marielle Franco ainda não

sabemos: quem mandou matar Marielle? É deste país que estamos falando.

Este Brasil apresenta uma festa digna das maiores produções artísticas

e culturais já feitas pela humanidade. Todos os anos milhões de pessoas

interagem através do carnaval, seja onde for, seja da forma que for, o carnaval

está presente na vida de boa parte dos cidadãos e cidadãs deste território da

América Latina. Essa história é antiga, vem da época colonial, é mesclada de

muitas cores, de muitos sabores, de muitas fantasias, mas também é uma

fonte de disputas, de política e de conflitos. Todos esses aspectos do Carnaval

estarão presentes em diferentes momentos desta escrita, em diferentes

conceitos, em diferentes intensidades e escalas.

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Isso porque o Carnaval, com C maiúsculo, para marcar de que carnaval

estou falando, que é um fenômeno plural, um fenômeno ligado à

espontaneidade, ligado ao prazer, a alegria e a identidade. Uma análise do

carnaval, seja no âmbito e escala que for, só pode se aproximar do que

realmente o carnaval é, se considerar os componentes dessa festa

relacionados ao sentimento, ao pertencimento e ao lúdico, ao amor. Amor aos

blocos, às tradições, ao pavilhão, as cores e músicas das entidades

carnavalescas. Estes elementos constituem parte fundante de qualquer análise

em qualquer campo das ciências sociais e humanas e não seria diferente na

geografia, se tratando de Carnaval e da negritude brasileira.

No que tange o geografar deste projeto, procuro estabelecer diálogos e

laços com outros diferentes campos das ciências sociais e humanas, como a

sociologia, antropologia, economia, urbanismo e história. Mesmo com esta

diversidade epistemológica, a orientação desta escrita está fundamentada no

entendimento de que a geografia é importante ferramenta de produção do

saber em sua integralidade, física, psicológica, ambiental, espiritual e social

como um todo. Muitas são as discussões epistêmicas na geografia que

apontam para diferentes direções, mas a interação entre os seres vivos e seus

habitats, lugares, territórios, regiões, culturas e paisagens encontram-se nesta

área do saber de forma ímpar.

Olhar o mundo através da lente geográfica faz com que eu possa buscar

o entendimento interdisciplinar como grande balizador teórico-metodológico.

Fazer uma discussão geográfica em uma dissertação sobre as geografias do

carnaval torna-se o desafio de maior responsabilidade em minha vida

profissional. Cresci e vivo um entrelace com a geografia há mais de 25 anos,

pois essa sempre foi a minha abordagem preferida de entendimento de mundo.

Quando o carnaval chega, tenho uma festa!

Poder juntar Carnaval e geografia, me faz relacionar dois campos muito

significativos na minha vida. Dois campos de encontros, dois campos de

aprendizado, dois campos que atualmente vejo como um só. É com alegria que

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vejo que carnaval e geografia alimentar-se-ão um a outra na produção e

alinhamentos dessa dissertação que se aproxima. Contudo, não me é possível

limitar a visão dos elementos deste trabalho. Isso, pois minha negritude existe

e nela embaso a minha trajetória de vida.

O ser negro no carnaval é a agulha que costura o tecido. Mais que isso,

ser negro e negra no mundo é um ato de trabalho, resistência, força e

coragem. O tecido social atravessado por diferentes linhas, no Brasil, é

costurado pela negritude que flui na veia de uma gigantesca parcela da

população. Ser negro no Brasil é um dos grandes desafios contemporâneos

que o ser humano pode ter no ocidente. Tornar-se negro, assumir sua

negritude ou simplesmente ter na sua pele esta cor, pode ser uma sentença de

morte em nosso território. O racismo, o preconceito, o descaso, o ódio e a

misoginia, o sexismo e a homofobia, até mesmo a xenofobia, são partes

fundantes de uma sociedade colonizada, que trai sistematicamente sua

população com o desprezo por negros e indígenas. Trazer aqui, trechos de

sambas, poesias, falas, diálogos, percepções e emoções, serão uma constante

tanto neste projeto quanto na dissertação. Enquanto negro, vejo na música

negra uma geografia singular, que traz através da arte e da poesia, a dor de

anos de desrespeito e resistência.

Enquanto homem negro de origem periférica escrevendo uma proposta

de qualificação de mestrado sobre um tema tão importante para a negritude

brasileira e tão amplamente negligenciado pelas autoridades vigentes, me

enxergo e me vejo, me sinto e me examino dentro deste processo. Essa

mesma reflexão profunda que este trabalho gera, parece ter tomado conta de

parte da população. O samba da Estação Primeira de Mangueira 2019, pode

ser considerado um exemplo de como negritude, colonialismo e segregação se

atravessam e atravessam o país ("História pra Ninar Gente Grande", do

carnavalesco Leandro Vieira).

Ao dizer que o Brasil foi descoberto e não dominado e saqueado; ao dar contorno heroico aos feitos que, na realidade, roubaram o protagonismo do povo brasileiro; ao selecionar

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heróis "dignos" de serem eternizados em forma de estátuas; ao propagar o mito do povo pacífico, ensinando que as conquistas são fruto da concessão de uma “princesa” e não do resultado de muitas lutas, conta-se uma história na qual as páginas escolhidas o ninam na infância para que, quando gente grande, você continue em sono profundo. De forma geral, a predominância das versões históricas mais bem-sucedidas está associada à consagração de versões elitizadas, no geral, escrita pelos detentores do prestígio econômico, político, militar e educacional - valendo lembrar que o domínio da escrita durante período considerável foi quase que uma exclusividade das elites – e, por consequência natural, é esta a versão que determina no imaginário nacional a memória coletiva dos fatos (disponível em: http://www.mangueira.com.br/carnaval-2019/enredo).

A imprensa, o governo e parte significativa da população reagem de

diferentes formas à crítica que o enredo da Mangueira aponta. Uma forma

descolonizada de ver o mundo, uma forma pós-colonial de luta. Assim, chego

à perspectiva teórica que mais me gera sentimentos de força, luta e resistência.

O enredo da Mangueira confirma minha ideia de propor essa dissertação a

partir de uma perspectiva pós-colonial.

Definido por Derek Gregori, como ‘uma formação político-intelectual crítica que tem como preocupação central, o impacto do colonialismo e sua contestação nas culturas dos povos colonizados e colonizadores do passado, bem como a reprodução e transformação das relações coloniais, representações e práticas no presente’, o pós-colonialismo produziu uma das mais sólidas teorias que na actualidade agitam o mundo acadêmico (AZEVEDO, at all. 2007, p.31).

Tecer uma narrativa neste momento em especial, utilizando uma

abordagem que se aproxime dos conceitos teóricos pós-coloniais, é

especialmente desafiador. Não somente pelos já conhecidos sofrimentos que

um mestrado pode causar, mas também pela conjuntura política nacional, onde

o primeiro carnaval sobre o comando de um governo extremamente

controverso foi um verdadeiro choque político em boa parte da nação. O trecho

do samba campeão da Mangueira a seguir, relata o que significa isso:

Brasil, meu nego

Deixa eu te contar

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A história que a história não conta

O avesso do mesmo lugar

Na luta é que a gente se encontra

Brasil, meu dengo

A Mangueira chegou

Com versos que o livro apagou

Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento

Tem sangue retinto pisado

Atrás do herói emoldurado

Mulheres, tamoios, mulatos

Eu quero um país que não está no retrato

Chegam a me sobrar palavras e embaralhar a mente como este samba

é potente e quanto o desfile da escola campeã do carnaval de 2019 foi

importante. O título do tema já aponta a uma ironia muito séria, pois Histórias

de Ninar Gente Grande é um enredo, que busca explicar uma história em um

país que em pleno século XXI parece ter destrambelhado para um abismo

político sem precedentes. Contar às histórias que não foram contadas, ou as

histórias que durante mais de cinco séculos são derramadas com o sangue do

povo negro e indígena é tão importante e por vezes desgastante que chega a

ser paradoxal.

O avesso no mesmo lugar, sempre, sempre e sempre. Os pobres, os

trabalhadores e muitas minorias, sufocadas pelo medo e receosas pelo por vir.

É nesse contexto que este trabalho nasce, buscando saber do carnaval,

buscando saber da geografia deste carnaval, buscando se embasar em uma

atitude de pesquisa pautada na autenticidade de fala, escrita, metodologia e

teoria. A pauta da negritude, associada ao carnaval, a análise dos territórios de

disputas, o pertencimento do autor, e a arte da geografia são o tear deste

trabalho. Vamos afinando os instrumentos, pois eu quero é botar meu bloco na

rua! Ou nas palavras de Rincon Sapiência na música Ponta de Lança (Verso

Livre):

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A noite é preta e maravilhosa, Lupita Nyong’o

Tô perto do fogo que nem o couro de tambor numa roda de jongo

Nesse sufoco, tô dando soco que nem Lango-lango

Se a vida é um filme, meu deus é que nem Tarantino, eu tô tipo Django

Amores e confusões

Curas e contusões

Fazendo minha mala, tô pique cigano

Tô sempre mudando de corações

Luz e decorações, sorriso amarelo nas ilusões

Os preto é chave, abram os portões!

1.2. Tem carnaval em Porto Alegre?

A cidade de Porto Alegre conta com um dos maiores carnavais de rua do

sul do Brasil. Isso dentro do espectro da vida urbana significa muito. Todos os

anos milhares de pessoas fazem nos meses de verão uma grande festa

popular, tanto nas ruas dos bairros, clubes, escolas de samba, casas noturnas

quanto no Complexo Cultural do Porto Seco. Também é necessário considerar

que existem trabalhos e muitas atividades envolvendo o carnaval o ano inteiro.

A gama de trabalhos que envolvem o desfile, o cortejo ou baile de uma

entidade carnavalesca é grande. A produção, fantasias, som, músicas e

arranjos, profissionais e voluntários envolvidos, reuniões e festas promocionais,

comércio e economias locais e intercâmbios culturais são algumas das

demandas e consequências do carnaval. Esse é o próprio movimento no

espaço geográfico, no caso a capital do Rio Grande do Sul (R.S.), Porto Alegre

(P.A). A cultura do Carnaval acompanha a história de Porto Alegre. Essa

cultura também é alvo recorrente de “marginalização” por parte de habitantes

da cidade que não entendem esta como um aspecto relevante de pessoas que

tem no Carnaval uma forma de expressão popular e comemoração de sua

história.

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Nesta capital, a festa já esteve presente em diversos lugares, diferentes

espaços públicos e privados tendo sua história remetida ao ano de 1772, ano

de fundação da cidade (CORREA, 2011, p. 156). Seja nas avenidas do Centro

Histórico, nas ruas da Cidade Baixa, Menino Deus, Bom Fim, Farroupilha,

Santana, Rio Branco e Floresta (para este trabalho esses serão os bairros

analisados, tendo em vista aspectos sociais, históricos e geográficos com o

carnaval e com a negritude porto-alegrense), áreas centrais da cidade que aos

poucos sofrem diferentes disputas e são “limpas” dessas festas. Ao longo dos

últimos cem anos o carnaval da cidade passou por muitas mudanças e

alterações espaciais e principalmente territoriais.

Alterações essas que acompanharam diferentes momentos urbanísticos

na história da, então hoje, metrópole. Estes processos serão largamente

discutidos neste texto, tendo em vista que existe uma territorialidade intrínseca

nesses movimentos higienizadores e segregacionistas que a cidade vive no

espaço-tempo. A história da cidade pode ser facilmente interpretada como uma

história de exclusão, colonização e urbanização de populações negras e

indígenas, que ainda acontece e não tem perspectiva de cessar. A perseguição

a quilombos, vilas, casas de religião de matriz africana, e a polícia na periferia,

são apenas alguns dos obstáculos enfrentados pelos negros e negras porto-

alegrenses na trajetória do município. No que tange o carnaval, não foi nada

diferente.

Talvez a mais brusca dessas alterações espaciais tenha sido a mudança

da festa da Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto para o Complexo Cultural do

Porto Seco em 2004. Localizado a aproximadamente treze quilômetros do

centro da cidade, esse controverso espaço é tema de muitas discussões na

comunidade carnavalesca. Contudo esse não é o único espaço de celebração

do Carnaval na cidade.

Alguns bairros periféricos como Glória, Restinga, Sarandi ainda

possuem blocos, associações e coletivos que ocupam os espaços públicos

para brincar e se divertir. Contudo, a partir do ano de 2004 os bairros Cidade

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Baixa e Menino Deus vem se consolidando como palco do Carnaval de rua.

Mais de trinta blocos saem às ruas nos meses de verão e alguns nas outras

estações do ano.

O marco temporal do trabalho se justifica pelo ano em que foi

inaugurado o Sambódromo do Porto Seco, oficialmente denominado de

Complexo Cultural do Porto Seco no Carnaval de 2004. A escolha desse marco

reserva uma das hipóteses que orientam esta escrita e que será mais discutida

no decorrer do percurso. Esta, levanta a possibilidade de que o Carnaval de

rua, dentre outros motivos, teve um maior reflorescimento desde a mudança do

desfile competitivo das escolas para o bairro Rubem Berta, gerando um

processo simbiótico de desterritorialização e territorialização simultâneas e não

sincronizadas (os conceitos de territorialização e desterritorialização assim

como os processos citados serão mais extensamente discutidos na

fundamentação teórica).

Como diz um samba da Velha Guarda da Portela, composto por

Manacéa em 1959 “a nossa vida é nascer e florescer”. Primeiramente, o termo

reflorescimento é uma maneira que encontrei de exemplificar que o Carnaval

da região central feito nas ruas por blocos nunca deixou de existir desde o seu

nascimento, que se deu no inicio da formação da cidade, ruas que sempre

foram o palco para a manifestação popular. No entanto, durante muitos anos, o

discurso de que o Carnaval em Porto Alegre não existia ou era ridicularizado

por elites foi muito forte. O debate sobre o Carnaval da cidade não ser

“representativo” também é um ponto importante na contextualização da festa.

Os discursos segregacionistas e demagógicos serão abordados na

dissertação, tendo em vista que não é possível pensar o carnaval da cidade

sem pensar nas narrativas que compõem os enredos da segregação sócio

espacial e racial, mais um importante conceito desta trama.

O reflorescimento se dá em um momento em que as escolas de samba

tiveram seus barracões e desfiles deslocados no espaço geográfico para um

lugar muito distante do centro da cidade, no que tange a cartografia do

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município. O deslocamento exposto apresenta muitos problemas sócio

espaciais. O transporte, os serviços e a distância são alguns deles, que

possivelmente geram menor público, menor participação (alguns grupos de

acesso do Carnaval da cidade nem desfilam no Complexo).

Pode-se analisar o processo de desterritorialização de maneira onde, o

poder público e demais agentes sociais trabalham para que haja um

enfraquecimento do laço cultural no âmbito sócio espacial, o que gera

desmobilização e muitas dificuldades para populações que já não tem

condições plenas, principalmente econômicas de realizar o evento. Sem apoio,

sem verbas e sem patrocínios, a desarticulação favorece as camadas sociais

que dominaram os territórios centrais da cidade e querem ver o carnaval

somente pela televisão, o do Rio de Janeiro, claro.

Esse movimento migratório elementar de uma cultura pode ter gerado

uma desterritorialização ligada ao carnaval quando este perde uma referência

espacial importante. A região central da cidade, abastecida de transporte

público regular para diferentes regiões da capital e da região metropolitana,

comércio de bebidas e alimentos, bancos e acesso mais facilitado para a

logística das escolas de samba. Assim, possivelmente, levando em

consideração outros fatores que ainda serão expostos, o carnaval de rua

centralizado refloresce e cresce a partir de 2004, juntamente como os conflitos

territoriais entre a população que é a favor e contra a festa. Esse argumento vai

ao encontro da hipótese de que o carnaval nos bairros centrais tem um

crescimento relativamente forte em relação aos anos anteriores a partir desse

marco temporal.

O carnaval se tornou mais popular na cidade e arrebata milhares de

foliões, movimenta o comércio formal e informal, músicos, poder público e

moradores. No entanto, essa movimentação nem sempre é a favor da festa.

Diferentes atores e agentes se colocam em oposição aos festejos e ocupação

da rua. Associações de moradores, prefeitura, Brigada Militar, ministério

público são alguns dos atores/agentes que tanto auxiliam quanto

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principalmente fazem pressão para o desmantelamento (fim?) dessa festa em

bairros centrais. Lógico que essa disputa nunca é explícita, por mais que

muitas ações possam ser claramente preconceituosas e perniciosas ao

carnaval, as argumentações nem sempre são tão claras. Os discursos a serem

analisados neste trabalho dão conta de ações muitas vezes subjetivas e

nebulosas no campo das políticas utilizadas na promoção e principalmente na

deterioração da festa.

As disputas são bem mais profundas do que parecem ser e antecedem

um amargo histórico de racismo e exclusão social que a estrutura do

pensamento escravocrata e positivista cravaram em nossa sociedade. O

estudo aprofundado das diferentes ocupações que o carnaval possibilita na

cidade, as disputas territoriais que perpassam o espaço urbano ao longo dos

anos e a consequência dessas disputas para a urbe e cultura são de extrema

relevância em um cenário constante de segregação.

Voltando a segregação espacial e racial, busco utilizar esses conceitos,

pois entendo que ele traduz melhor as práticas e políticas, culturais,

econômicas e sociais que embasam o poder público e as elites quando o

assunto é negritude e suas demandas. Pobres, negros e indígenas são

diariamente segregados do uso da cidade, de seu direito ao uso do espaço

público e principalmente no que diz respeito às questões habitacionais.

É nesse contexto que esta dissertação nasce e floresce. Um contexto de

segregação, de luta e de resistência, com atores diversos disputando os

territórios urbanos e reprimindo cada vez mais e sempre que possível as

manifestações culturais negras e (hoje) periféricas. Isso, pois defendo que os

territórios centrais, eram e são territórios onde negros sempre tiveram

importante participação e auxiliaram a construir a cidade (na realidade

construíram e constroem). O carnaval é uma ponte desses territórios com a

cultura negra. O carnaval na rua é a expressão popular de uma festa gratuita,

abrangente, acolhedora e para todos que ocupa o espaço público. Juntamente

com os blocos de carnaval, população e poder público estes atores e agentes

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transformam o uso do espaço urbano e que geram impactos diretos nas

relações territoriais da cidade. São manifestações que tem importante peso

para quem faz, participa e para quem assiste, querendo ou não.

2. Referencial Teórico-metodológico.

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Realizar uma revisão bibliográfica para este projeto é um ato de

construção de minha identidade. A minha construção enquanto negro,

pesquisador, carnavalesco e cidadão passa por essas leituras. Este trabalho é

uma das muitas portas em minha vida que me fazem tornar-me negro. Que me

fazem resistir em momentos tão difíceis que nosso país atravessa e que se

repetem há centenas de anos. Nas palavras de Henrique Cunha Junior:

As ordens de fatores que relacionam a necessidade, a disponibilidade e o interesse pela pesquisa em determinado tema e com enfoque especifico quanto à base teórica, metodologia e caminhos interpretativos e organizativos da produção de conhecimento é um terreno de conflito e que se explicita com grande força quando se trata da pesquisa como opção da metodologia afrodescendente. A principal razão explícita é que ocorre uma ruptura de perspectiva sobre o conhecimento, este elege a população negra como fonte ativa do conhecimento e não como objeto. De maneira subjetiva interfere na relação intima da nossa sociedade sobre os racismos antinegros mentais, a nossa sociedade é perpassada pela ideia da superioridade e de supremacia do pensamento ocidental(disponível em: http://negronicolau.blogspot.com/2015/12/metodologia-da-afrodescendencia-uma.html).

Assim, ser um pesquisador negro, de origem periférica, formado e pós-

graduando em uma universidade pública, sendo beneficiário de bolsas durante

muitos anos da minha vida, graças a políticas públicas de inclusão e acesso ao

ensino superior me coloca em uma posição que hoje pode ser considerada de

muito privilégio. No entanto, a construção deste ator social que vos escreve, é

marcada por essa fonte ativa de conhecimento e não como objeto, como citado

acima. Como referência básica de minha construção social, geográfica, negra e

humana, tenho em Milton Santos uma fonte inspiradora e fundamental nessa

escrita.

Às vezes, até parece que o essencial é fugir à questão verdadeira: ser negro no Brasil o que é? Talvez seja esse um dos traços marcantes dessa problemática: a hipocrisia permanente, resultado de uma ordem racial cuja definição é, desde a base, viciada. Ser negro no Brasil é frequentemente ser objeto de um olhar vesgo e ambíguo. Essa ambiguidade marca a convivência cotidiana, influi sobre o debate acadêmico e o discurso individualmente repetido é, também, utilizado por governos, partidos e instituições. Tais refrões cansativos tornam-se irritantes, sobretudo para os que nele se encontram como parte ativa, não apenas como testemunha. Há, sempre, o

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risco de cair na armadilha da emoção desbragada e não tratar do assunto de maneira adequada e sistêmica (SANTOS, 2000, p.1).

Cabe ressaltar que a última frase da citação acima é uma das questões

ambíguas de ser negro no Brasil. Ao falar em “emoção desbragada” como uma

armadilha, o autor não considera como pertinente a emoção enquanto agente

fomentador da pesquisa e dos atravessamentos do homem negro. As emoções são

essenciais no processo de pesquisa-ação que este projeto traz. A palavra desbragada,

revela alguma pitada de machismo, tendo em vista que, no dicionário Aurélio

(https://www.dicio.com.br/desbragada/) possui um significado desrespeitoso quando

aplicado ao feminino. Desbragada é o feminino de desbragado. O mesmo que:

assanhada, desaforada.

Feito o adendo, com Milton Santos, além de entender nossas

ambiguidades e contradições no ser negro em uma sociedade machista,

buscarei fomentar uma discussão geográfica, histórica e econômica da cidade,

utilizando outros textos do mesmo autor (1996, 1997, 2001, 2006, 2009) e

tendo este como uma referência alicerce para esta pesquisa em diferentes

pontos. No entanto, a pergunta mais valiosa desta citação é a primeira do

parágrafo: ser negro no Brasil o que é? Pergunta que ele traz e me perpassa e

será pensada e repensada nesta futura dissertação. Em uma pesquisa-ação,

que leva a prática como fonte teórico-metodológica e epistêmica a sério, é

preciso urgente reagir se não quisermos cair em armadilhas muito mais

profundas.

Pode-se dizer, como fazem os que se deliciam com jogos de palavras, que aqui não há racismo (à moda sul-africana ou americana) ou preconceito ou discriminação, mas não se pode esconder que há diferenças sociais e econômicas estruturais e seculares, para as quais não se buscam remédios. A naturalidade com que os responsáveis encaram tais situações é indecente, mas raramente é adjetivada dessa maneira. Trata-se, na realidade, de uma forma do apartheid à brasileira, contra a qual é urgente reagir se realmente desejamos integrar a sociedade brasileira de modo que, num futuro próximo, ser negro no Brasil seja, também, ser plenamente brasileiro no Brasil. (SANTOS, 2000, p.4).

Marxista, Milton me ensinou e ensina a ver as contradições dialéticas no

espaço. Mesmo tendo uma formação muito embasada em conceitos do

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materialismo histórico, procuro nessa fonte apenas o que vai ao encontro de

minha negritude. A busca por descolonizar meu pensamento não exclui

nenhuma abordagem marxista, mas avança em uma prática que visa libertar o

pensamento de pressupostos teóricos rígidos. Como referências para esta

construção buscarei, também, beber em fontes alinhadas com a perspectiva

pós-colonial. Compreender a visão do negro e de sua cultura, de seus

atravessamentos, passa também, nesta abordagem por entender que as

[...] resistências ao racismo, institucionalizadas na forma de movimentos sociais, como uma das dimensões da “democratização” da sociedade brasileira desde pelos menos a década de 80, vem tendo impacto sobre as categorias de “raça” e “etnia”. Cada vez mais, os brasileiros têm sido obrigados a pensarem sobre si mesmos e suas relações com os outros em termos raciais (DOS ANJOS, 2008, p.93).

Citar o professor Dos Anjos é importante em minha construção como

negro, tendo em vista que foi este que introduziu na minha vida a atitude pós-

colonial de pesquisa. Mais que isso, cada vez mais, vejo também a

necessidade de pensar um Brasil negro, que reflete sobre sua condição

colonizada e escravocrata. Assim, além de Dos Anjos (2008, 2015) também

conto com autores como Franz Fanon (2008) e a trajetória de pesquisa

descolonizada deste importante pesquisador. Conto também com uma

importante ferramenta de pesquisa-ação que atravessa todos os pressupostos

pós-coloniais, o feminismo negro e a construção de nossa identidade em uma

sociedade livre da opressão e do machismo. Para essa abordagem, bell hooks

é sem dúvida uma das principais expoentes, principalmente no que tange o

papel de um pesquisador acadêmico e professor licenciado em geografia.

Se analisarmos criticamente o papel tradicional da universidade na busca da verdade e na partilha de conhecimento e informação, ficará claro, infelizmente, que as parcialidades que sustentam e mantém a supremacia branca, o imperialismo, o sexismo e o racismo distorcem a educação a tal ponto que ela deixou de ser uma prática da liberdade. O clamor pelo reconhecimento da diversidade cultural, por repensar os modos de conhecimento e pela desconstrução das antigas epistemologias, bem como a exigência concomitante de uma transformação das salas de aula, de como ensinamos e o que ensinamos, foram revoluções necessárias – que buscam

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devolver a vida a uma academia moribunda e corrupta (HOOKS, 2013, p.45).

Ao falar de educação bell hooks vem à tona a parte mais importante de

minha formação: a de ser professor negro. Esse é o grande destaque. Filho de

mãe negra, solteira e trabalhadora. A autora ensina a transgredir e busca trazer

a educação como uma prática libertadora. Esta autora estará presente neste

trabalho em todos os momentos, pois a descoberta de uma negritude, de uma

educação libertária e igualitária passa pela valorização das mulheres e

homens, negros e negras, professores e professoras. Assim, esse marcador

teórico irá reforçar o sentido de uma pesquisa-ação pautada em valores que

buscam vencer as barreiras do racismo e branqueamento acadêmico.

Discutir pós-colonialismo significa desconstruir o machismo,

descolonizar os corpos e romper com a lógica patriarcal que em diferentes

âmbitos fere nossa sociedade. Para tal discussão, além de bell hooks (2013,

2018) que perpassará o processo de escrita no que tange toda a

interdisciplinaridade a que essa dissertação se propõe, buscarei perceber como

a cultura é fator crucial na produção e reprodução do espaço, articulando-se as

expressões do local e do global, bem como aspectos de mito e memória

passiveis de exprimir a constituição dos grupos sociais e dos indivíduos

(AZEVEDO, 2007, p.33). Aspectos de uma cultura escarniada pelo domínio do

homem branco sobre povos altamente articulados, com culturas sofisticadas e

de ancestralidades singulares.

Referente ao conceito de cultura, ainda precisarei de uma orientação

maior sobre a possível escolha de Terry Eagleton (2003). A dúvida no uso

deste autor está no fato deste ser britânico, mas sua contribuição nos estudos

culturais ser muito importante. Esta abordagem com a qual também possuo

simpatia e que auxilia muito no entendimento do pensamento colonial. Outra

obra importante e autores que podem contribuir tanto na discussão de cultura

como identidade, são Serpa (2008) e Heidrich (2008) no livro Espaços

Culturais: vivências, imaginações e representações (2008). Esta compilação de

artigos traz um rico olhar sobre as representações culturais e de identidade em

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diferentes contextos no Brasil, assim como Brandão (1986) auxiliará nos

conceitos e análises possíveis de identidade, identidade social e identidade

étnica, tão importantes quando existe a possibilidade de geração de novas

territorialidades a partir do pertencimento a território, lugares e demais espaços

geográficos. Nas linhas que tecem a cultura, todos os autores citados até aqui

e outros que ainda virão poderão contribuir de diferentes formas.

Principalmente no que tange o carnaval como epicentro de análise desta obra.

Traçar os paralelos necessários entre pós-colonialismo, negritude

(identidade, pertencimento, racismo), território (desterritorialização,

territorialização, reterritorialização), região (regionalização), lugar (afeto e

pertencimento), segregação sócio espacial (racial) e educação (saberes) é um

desafio e tanto. Ainda posso e devo avançar em muitas leituras, mas a partir

daqui, esta fundamentação teórica, que já conta com um aporte importante de

embasamento terá autores que contribuirão em diferentes aspectos, assim

como os já citados, em basicamente todos os pontos deste tecido. Algumas

leituras são importantes possibilidades, outras já estão mais assimiladas e

consistentemente estudadas.

Para as questões que se referem ao pós-colonialismo, negritude,

segregação e subalternização poderei utilizar Fernando Coronil (2005) e sua

importante contribuição nos estudos pós-coloniais utilizando uma abordagem

que discute junto com o marxismo os aspectos econômicos do capitalismo e

colonização. Para uma análise da construção de narrativas pós-coloniais que

dêem conta da diversidade presente no carnaval, assim como as razões de

subalternidade envolvidas no tema, Inocência Mata (2014), Gayatri Chakravorty

Spivak (2010), Rita Laura Segato (2012), Kwame Anthony Appiah, Paul Gilroy

(1993), Neusa Souza Santos (1993) e Arnaldo Rosa Viana Neto (2006). Por

fim, mas não menos importante, Patrícia Hill Collins, Renata Moreno, Carla

Vitória e Helena Zelic (2015) complementam com suas visões e perspectivas

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políticas a gama de autores que podem contribuir para esse trabalho na

abordagem pós-colonial, negra, feminista e de resistência.

Claro, a descolonização do pensamento não passa apenas pelas

abordagens citadas. Ela é um continuo interdisciplinar que perpassa todos os

bordados do tecido social e espacial. No que tange a geografia, Milton Santos

acompanha esta escrita com os trabalhos já citados, como um guardião negro

do meu pensamento descolonizador. Avanço então com as Geografias Pós-

coloniais (2007), já citados anteriormente nas palavras de Ana Azevedo e

Marta Rodrigues (2010). A busca por descolonizar a espaço geográfico, segue

no que tange alguns dos conceitos mais preciosos da Arte de Cartografar.

Como conceitos básicos utilizarei os de Regionalização, território, Lugar e

segregação espacial e racial. Para tanto buscarei também autores com foco

nos conceitos referentes a analise territorial, urbana e da disposição do

carnaval de rua na cidade de Porto Alegre.

Como território, entende-se este como sendo um espaço geográfico

fundamentalmente definido por e a partir de relações de poder (SOUZA, 2011,

p. 78). Estas relações de poder também podem ser expressadas em um

possível disputa pela cidade, que pode excluir ou agregar posições conforme

interesses. Os bairros Santana, Bom Fim, Cidade Baixa, Floresta, Rio Branco,

Farroupilha, Centro e Menino Deus são bairros onde a população negra ergueu

literalmente a cidade. Blocos como o Areal do Futuro, localizado no Quilombo

do Areal da Baronesa, são um exemplo disso. Localizado nas proximidades da

antiga Ilhota, hoje Cidade Baixa, este quilombo é um símbolo de resistência à

especulação e higienização que a cidade sofre dês de sua expansão para além

das muralhas do centro. Para esta análise buscarei também, aporte teórico em

Neto (2006), Junior, (2014), Dias e Ferrari (2011), Cunha Junior & Maria Estela

Ramos (2007).

No trilhar do pensamento chegamos ao carnaval e suas geografias, seus

territórios e alguns exemplos. A formação étnica heterogênea do atual bairro

Cidade Baixa está relacionada aos descendentes africanos, e o Areal da

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Baronesa e a Ilhota podem ser considerados, pelo menos até a década de

quarenta, como um dos territórios negros que a cidade comportou no passado

(SOMMER, 2011, p. 101). Boa parte da população da antiga Ilhota, foi

sequestrada para o Bairro Restinga, na época sem nenhuma infraestrutura. A

canalização do Arroio Dilúvio e o processo de modernização da cidade foram

às desculpas racistas utilizadas para dispensar as pessoas para uma região

extremamente afastada do Centro, sem nenhuma condição, com um ônibus de

ida pela manhã e um de volta no fim da tarde. Para estas analises, trarei visões

de Andrelino Campos (2010), trazendo sua análise sobre a produção do

“espaço criminalizado”, Michele Farias Sommer (2011), Irene Santos (2010) e

Iris Graciela Germano (1999) e as histórias geográficas da região central, que

envolvem quilombos, bairros extintos e segregação espacial/racial.

O Quilombo do Areal resistiu (KISHLER, 2013; JESUS, 1999; SILVEIRA

2015). A vida boêmia nestes bairros, com diferentes ciclos também resistiu.

Todos esses bairros ainda guardam resquícios de cortiços e vilas que existiam

e foram desapropriadas. Isso, ao meu ver, representa uma afronta a população

negra quando moradores atuais, representados por suas associações

questionam, limitam e cerceiam o carnaval (GAMBIM, 2007). A Colônia

Africana não resistiu (ZAMBONI, 2007). Esta foi eliminada do mapa, inclusive

com seu nome alterado para Bairro Rio Branco. Inflacionados pelo setor

imobiliário, os bairros centrais expurgaram suas populações negras, com

efetivo auxílio dos poderes executivo, judiciário e legislativo.

A cidade de Porto Alegre se constitui em uma lógica racista e

segregacionista, o que me leva a crer que o melhor conceito para entender as

disputas territoriais é o de segregação racial. Este dentro do olhar do conceito

de segregação espacial, que acredito ser um pouco mais amplo, mas que vai

diretamente ao encontro de segregação racial. Estes conceitos merece

destaque, pois serão basilares desta escrita. Assim, a geografia urbana chega

nesta fundamentação de forma mais sólida porem extremamente atravessado

por tudo aqui escrito anteriormente.

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Deste modo, o sentido da cidade como reunião de todos os elementos definidores da vida humana e simultaneidade dos atos e atividades de sua realização, como possibilidade de uso dos espaços-tempos, que compõem a vida, contém aquilo que a nega: a produção da segregação como separação e apartamento implicando uma prática social cindida como ato de negação da cidade (CARLOS, 2013, p.100).

O conceito de segregação espacial é atravessado pelo enlace racista

que flui nas veias colonizadas da cidade. A negação da cidade para quem nega

e a quem é negada, gera um movimento espacial que exclui todos e todas. O

carnaval entrelaçado a isso é sufocado pela negação do negro como parte

pulsante da cidade que este constrói, mas não pode se beneficiar. As

investidas contra o sambódromo (BITENCOURT, 2016), as investidas duras

contra o carnaval de rua (RISKALA, 2016; DUARTE, 2013), contra a vida

noturna, contra a música ao vivo, contra a arte de rua (BOLL, 2016; FONSECA,

2006), nos mostram uma cidade doente, girando em seu próprio umbigo. Onde

a população periférica não tem vez, se não forem para ocupar as portarias e

carros de aplicativos que prestam serviços às ditas elites.

Isso porque nos bairros citados não encontramos as grandes elites

porto-alegrenses (talvez apenas na autoestima). São atores que enxergam o

mundo com a ótica da individualidade solitária que os aprisiona em seus

apartamentos bolhas. O carnaval é uma das vítimas desse modo operante

radicalizado que não quer pobres e negros no centro, fomenta o individualismo

capitalista e segregador. Que não permite que ambulantes e camelôs

trabalhem honestamente vendendo bebidas ou produtos e preferem confiscar

suas mercadorias e agredi-los jogando-os na criminalidade, muitas vezes.

Assim, o carnaval de rua de Porto Alegre, como todo carnaval, faz parte

de uma cultura, flui no sangue da população negra, dos trabalhadores e

trabalhadoras no espaço urbano, tão sofridos e segregados, mas que tem

coragem e força de resistir. Fazer carnaval não pode ser renegado a uma festa

sem valor, sem raízes e sem futuro. O carnaval é movimento, ou nas palavras

de GERMANO (1999, p. 12):

Esta apropriação do carnaval de Porto Alegre pelos descendentes de africanos imprimiu-lhe um caráter particular que articula passado e presente através de vivências e de

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práticas comuns que vem sendo ressignificadas, transmitidas e transformadas de geração a geração até os dias atuais.

Os territórios centrais mais populares para uso do carnaval são nosso

direito mais do que legítimo e devem sim, serem reivindicados com pautas

baseadas em uma estrutura racial desigual e espacialmente injusta. Justiça

social passa pela manutenção, preservação e fomento da cultura negra, de

seus espaços sagrados, de suas praças, seus quilombos, sejam urbanos ou

rurais, sejam terreiros ou escolas de samba. A rua é nossa, o centro é do povo

e nossa carne é de carnaval!

Outro conceito importante a ser trabalhado deve ser o de região, tendo

em vista os possíveis recortes de bairros da cidade a serem analisados. Para

um aprofundamento deste conceito este trabalho contará inicialmente com a

análise dos conceitos de região ligados as propostas Haesbaert (2004; 2007)

onde este relaciona a região como uma disputa pela identidade no espaço,

assim como suas contribuições sobre territorialidades. As regiões onde

ocorrem os carnavais de rua, podem ser entendidas como espaços de

identidade, ao mesmo tempo que possuem características dialéticas e

históricas de presença das festas carnavalescas. Assim a região também é

entendida como uma realidade concreta, física, ela existe como um quadro de

referência para a população que aí vive (GOMES, 2011, p. 57). Muitas outras

análises regionais podem ser feitas, mas para iniciar essa pesquisa os bairros

já citado são o recorte espacial mais importante.

No que tange as diferentes contradições do espaço urbano, trabalhar-se-

á com autores como a análise de Fioravanti sobre Lefebvre, onde para

entender o urbano é necessário ir

[...] retomando o “urbano como horizonte” e como “problemática” (LEFEBVRE, 2004, p.103), é preciso considerar as contradições que marcam este período de transição (concentração e dispersão, centralidade e segregação, uso e troca, habitar e habitat, obra e produto, historicidade e História, desenvolvimento e crescimento, apropriação e dominação...) (FIORAVANTI, 2013, p. 2).

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Tendo o urbano como um horizonte é necessário entender como as

manifestações dialéticas culturais acontecem neste espaço. Para tanto também

podemos entender as relações como descreve Milton Santos (2009, p. 327):

É por isso que as cidades, crescentemente inigualitárias, tendem a abrigar, ao mesmo tempo, uma cultura de massa e uma cultura popular, que colaboram e se atritam, interferem e se excluem, somam-se e se subtraem, num jogo dialético sem fim.

Por fim, ainda será possível fazer uma analise do espaço do carnaval na

cidade com o olhar do lugar e até mesmo das relações cotidianas. Milton

Santos (2009, p. 322) nos sugere novamente que:

No lugar – um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições – cooperação e conflito são a base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma ação própria, a vida social se individualiza; e porque a contiguidade é criadora de comunhão, a política se territorializa, com o confronto entre organizações e espontaneidade. O lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vem solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e criatividade.

Esta abordagem de Santos mostra toda a complexidade e beleza

possíveis na análise da manifestação cultural do carnaval e seus diferentes

agentes no território. A possibilidade do carnaval estar associado ao lugar

(VASCONSELOS, CORREA & PINTAUDI, 2013) ao espaço físico

regionalizado e territorializado/desterritorializado vai ao encontro de todos os

aspectos do cotidiano que compreendem a cidade. Sobre o conceito de lugar

vinculado a ideia de territorialidades, no entendimento desta pesquisa, este irá

ao encontro das palavras de Ana Fani A. Carlos (2013, p. 96), quando diz que:

A produção do espaço envolve vários níveis de realidade como momentos diferenciados da reprodução geral da sociedade: o da dominação política, o das estratégias do capital objetivando a sua reprodução continuada e o das necessidades/desejos vinculados a realização da vida humana. Este níveis correspondem a prática sócio espacial real que se revela produtora dos lugares, encerrando, em sua natureza um conteúdo social dado pelas relações que se realizam no espaço-tempo determinado, na qualidade de processo de produção/apropriação/reprodução dos indivíduos em sociedade.

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Estas práticas relacionam-se a criação de espaços e pertencimentos,

fontes de trocas de saberes e experiências sociais muito pedagógicas. O lugar

é também o amor, o lugar é a identidade, é o solo sagrado que faz o coração

sentir e os sentidos aguçarem. A rua, a quadra, a praça, o parque, são lugares,

territórios, desterritorializados e reterritorializados na dinâmica do carnaval na

cidade. São neles que as experiências são trocadas, o aprendizado é

fomentado, e se dá a verdadeira educação libertadora.

Uma educação que agrega, que capacita, que sociabiliza, que gera

trabalho, que é arte. Os lugares do carnaval são a própria poesia traduzida na

prática do saber. Assim, volto a bell hooks (2013) já citada neste trabalho, mas

agora com um companheiro importante de pensamento no que tange a

educação para uma sociedade autônoma e lúcida: Paulo Freire (2002; 1967). A

educação pensada como uma prática da liberdade e uma pedagogia da

autonomia é a base que sustenta as trocas entre grupos carnavalescos e a

cidade na criação de saberes. Ainda, no que tange a educação do povo negro,

Renato Emerson dos Santos (2010) integra o conjunto teórico deste trabalho

com um diálogo sobre o ensino de populações negras e periféricas que

buscam a liberdade e autonomia de seus corpos.

Por fim é necessário que se possa entender o carnaval de rua e sua

construção através de seus atores sociais. Para isso, existe ampla gama de

trabalhos acadêmicos a serem utilizados que expõem de forma interdisciplinar

o tema. Ulisses Correa (2011), já citado aqui, com seu trabalho em

antropologia do carnaval de escolas de samba de Porto Alegre ou, Nelson de

Nóbrega Fernandes (2001, p. 22) onde podemos analisar o carnaval

Do ponto de vista da geografia cultural desenvolvida por Glacken (1996), as instituições que cultivam a música e outras expressões artísticas sempre foram importantes instrumentos para as relações entre o homem e seu meio ambiente, principalmente quando este último se mostra hostil, porque através de tais instituições culturais os grupos sociais podem aprofundar a sua coesão, criar identidades e reinterpretar suas

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vidas, seus espaços vividos, o mundo e seu próprio lugar no mundo.

Esta perspectiva também faz ligação com os trabalhos de Thiago Rocha

Ferreira da Silva (2013) sobre o carnaval de rua na cidade do Rio de Janeiro,

Tavama Nunes dos Santos (2011) sobre o carnaval de Porto Alegre e a

História deste na Restinga, fundamental para entender processos de exclusão

do carnaval do centro da Cidade, assim como o trabalho de Liliane Guterres

(1995) sobre a Escola Imperadores do Samba. Também cabe destacar o

trabalho de Helena Cattani (2014) sobre os processos de carioquização do

carnaval de Porto Alegre e Alessandro Dozena (2009) sobre o carnaval de São

Paulo e as relações com a cidade.

Ainda existem outras teses, dissertações e publicações a serem levadas

em conta, mas que devido ao espaço deste projeto alongariam muito o texto.

As referências sobre o tema são muitas e com riquíssimo potencial de análise.

No entanto existe uma fundamentação teórica que ainda não estará aqui. As

entrevistas, as observações, os encontros e desencontros nos lugares e

territórios da região central de Porto Alegre. Penso ser importante ressaltar que

esse material a ser desenvolvido buscara ser a verdadeira fonte do

conhecimento geográfico interdisciplinar desta dissertação. Ouvir as pessoas,

negros e negras, apaixonadas ou “repudiadores” do carnaval. A manifestação

da contradição no espaço geográfico. Além disso, no que tange as

justificativas, métodos, metodologias e discussões preliminares, mais alguns

autores e trabalhos ainda aparecerão. Esta fundamentação teórica nunca

termina quando se fala de negros e resistência, temos que sempre apresentar

algo mais.

3. Justificativas

3.1. Questões que justificam

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Ao pensar esta pesquisa acredito ser necessário estudar como o carnaval

de rua da cidade foi se alterando ao longo dos anos na cidade de Porto Alegre?

Como a cidade e seus habitantes buscaram “organizar” ou “desmobilizar” a

festa ao longo do percurso que nos traz até 2019? Espacializar o carnaval de

rua, contextualizando como o território urbano serve de palco não apenas para

a festa, mas também para disputas pelos territórios entre os diferentes agentes

e atores. Como agentes e atores entendo que:

Parece-me necessário adotar um esquema metodológico, à semelhança dos conceitos de forma, função, processo e estrutura, que propôs para o estudo da organização espacial (Santos, 2008). Como se discutiu aqui, porém, o estudo das territorialidades necessita a compreensão da ação vinculada a seu agente ou ator, uma instituição, coletividade ou grupo. Instituições e sujeitos coletivos encontram-se com a equivalente qualidade de agentes e atores capazes de inventar/ construir territorialidades (Tizon, 1996) e, além disso, expressar vínculos com o simbolismo e imaginários a eles vinculados (HEIDRICH, 2017, p.37).

Neste trabalho, atores serão, dentre outros, entidades carnavalescas

(blocos, escolas de samba, clubes e demais possíveis enlaces de setores

sociais com o carnaval), sendo que neste aqui o foco será nos blocos de

carnaval de rua que no recorte temporal 2004/2019 tiveram suas atividades

ligadas aos bairros da região central da cidade, assim como fizeram em algum

dos anos, seu carnaval de forma independente, sem apoio ou patrocínios do

poder público e empresas, estas sendo os agentes que interferem de forma

institucionalizada no espaço público. Associações de Moradores também farão

parte desta relação dialética, tendo em vista que estas possuem forte

representatividade no terceiro elemento desta análise que é o agente poder

público, como atores sociais.

O tripé, blocos + associações de moradores + poder público é o elemento

fundamental deste projeto na análise territorial. Assim, o molde desta costura é

baseado em uma pesquisa-ação. Isso pois tenho participação direta em blocos

de carnaval, debate com o poder público e com moradores dos bairros

regionalizados. Define Thiollent (1988 in GERHARDT at all., p.40):

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A pesquisa ação é um tipo de investigação social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

Contudo, as perguntas que justificam esta proposta de dissertação ainda

são muito mais profundas. A necessidade de pensar como o espaço urbano é

disputado em processos históricos que marginalizam as festas das classes

menos abastadas e negras da cidade é outro ponto fundamental para entender

o que faz do carnaval de rua um problema de relevância geográfica? Esta

pesquisa ainda pode ser orientada por algumas outras perguntas tais como: os

blocos de carnaval de rua produzem novas espacialidades e influenciam o

espaço urbano? Como se dá o espaço de trocas de saberes, manutenção

cultural, contestação política e social através destes agentes? E por fim, quais

as regionalizações e territorialidades possíveis no carnaval de rua da cidade?

Todas estas perguntas servem de suporte para a busca do entendimento de

como este fenômeno cultural interfere e age no espaço urbano.

3.2. Justificativa objetiva.

Mais do que um trabalho de pesquisa relacionado à cultura do carnaval,

esta proposta de dissertação possui diferentes linhas que se entrelaçam dentro

da geografia. Falo principalmente nas geografias cultural e urbana, com foco no

que tange as relações sócio espaciais com o espaço público, disputas políticas,

elementos culturais e sociológicos, regulação e ordenamento territorial,

vínculos espaciais, pertencimento comunitário e identidades. Todos estes

conceitos e práticas que estarão permeando o trabalho fazem parte de uma

constelação de conceitos profundos. Buscarei trabalhar mais com cada um

deles durante a revisão bibliográfica e no decorrer da pesquisa, além de

autoras já citados que dão conta de importante bagagem teórica. Assim, as

geografias cultural e urbana caminharão lado a lado, hora uma com maior

destaque, hora outra, mas na maior parte desta pesquisa, acredito que ambas

sejam siamesas e intrínsecas, um grande carro alegórico, com muitos detalhes

separados, mas que compõem uma grande narrativa.

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No que tange a geografia urbana esta leva em conta aspectos culturais,

que levam em conta recortes de classe e raça. Assim, este projeto se justifica

tendo em vista o entendimento de que o carnaval de rua de Porto Alegre é um

importante motor cultural na cidade, mas que encontra fortes oposições de

setores públicos e associações de moradores quanto a sua existência. Nas

palavras do geógrafo Alessandro Dozena

O carnaval de rua é acompanhado do improviso, da resistência às normas e ao que é disciplinador. Temos nele uma lógica da improvisação, em que o ambiente urbano é apropriado e a espontaneidade permite ao artificialismo da realidade cotidiana. O principio do carnaval de rua é o da alegria, assegurando a utopia instantânea e fugaz, o convívio alegre, menos hierarquicamente arbitrário, menos tirânico e mais livre. Por isso, eu considero que o carnaval de rua possibilita a apropriação dos espaços públicos produzindo sentimentos de afeição identitária com os lugares, que são acompanhados de espontaneidade, de criatividade e sociabilidades, com a configuração de certas práticas sociais em que a vida momentaneamente se reinventa, seguindo a lógica do tempo festivo lento, criando os novos discursos pela subversão da ordem, pelas resistências aos poderes que instituem e afirmam os territórios do poder, da disciplina, da administração e da burocracia (disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2016-02/carnaval-de-rua-contribui-para-apropriacao-de-espacos-publicos-diz).

As diferentes ações do carnaval de rua e disputas pelo espaço urbano

ao longo de processos histórico apontam diferentes tensões territoriais no

espaço, assim como forjam diferentes regionalizações na cidade. Regiões

conhecidas por sediar os festejos em um ano, no outro, tendo em vista as

disputas territoriais, não são mais permitidas de e para tal uso. Com causas

diferentes e interesses mais diferentes ainda, as regionalizações e

territorialidades do carnaval de rua são fatores importantes de análise em

tempos onde as manifestações culturais negras e de classes baixas são

fortemente pressionadas para que não aconteçam ou se aloquem em lugares

longínquos da cidade.

Manifestações religiosas de matriz africana, carnaval, festas de rua,

shows de rap e hip-hop, shows de samba, ensaios de escolas de samba, são

exemplos de manifestações culturais ligadas ao povo negro da cidade que

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sofrem com diferentes pressões para que saiam das regiões centrais e vão

bater seus tambores longe do umbigo burguês, racista e machista. Estudar

estas relações tendo como recorte de pesquisa o carnaval de rua faz-se

importante para que haja maior dialogo entre os atores e agentes e que todos

possam de certa maneira ser beneficiados com a festa. Entender as disputas

territoriais e regionalizações possíveis no processo histórico e espacial de

Porto Alegre, no que tange o carnaval de rua, torna-se muito conveniente para

entender as novas formações da cidade na contemporaneidade.

O carnaval é uma festa do povo, uma festa negra, uma festa dos pobres,

dos moradores em situação de rua, dos excluídos, dos trabalhadores e

trabalhadoras. É uma festa democrática, que acolhe comunidades, que gera

um sentido de amor pela agremiação, que pratica a espontaneidade, alegria,

criatividade. É um fenômeno que questiona o estabelecido, que transcende o

racional e chega ao sentimento e a paixão. Estudar o carnaval de rua em Porto

Alegre é colaborar para o resgate e manutenção de uma cultura centenária que

alegra e motiva milhares de pessoas em uma cidade cada vez mais triste “leal

e valorosa” apenas a exclusão e expropriação de sua população.

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4. Objetivos e desejos

4.1. Objetivos

Este projeto tem como objetivo fazer uma análise geográfica, histórica,

social e econômica dos diferentes espaços usados para o carnaval na região

central de Porto Alegre. Bairros: Centro Histórico, Cidade Baixa, Bom Fim,

Farroupilha, Menino Deus, Santana, Floresta e Rio Branco. Este recorte pode

sofrer alterações conforme as necessidades e percalços encontrados no

decorrer da pesquisa.

Assim, com esta análise acredito ser possível traçar um perfil espacial atual

de como o carnaval de rua se organiza nessa região. O levantamento de dados

geográficos, estatísticos, históricos e sociais das disputas territoriais que

cercam os festejos, assim como quem são os agentes que se envolvem

diretamente na execução e na oposição destes. Por fim, outro objetivo

fundamental é entender as diferentes disputas territoriais e qual a

regionalização que o carnaval de rua possui atualmente na região pesquisada.

O objetivo mais amplo desta escrita é talvez, o mais específico.

Paradoxalmente tenho como objetivo central na construção deste trabalho,

contribuir para o debate da segregação espacial e racial que a cidade de Porto

Alegre fomenta, acoita e desdenha. A meta é demonstrar como o sistema

escravagista e colonizador nos coloca em posição de subalternidade e corta

ainda que não mais com chibatadas, nossa carne através do boicote à cultura

da população negra e de baixa renda.

4.2. Desejos.

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Como objetivos específicos, aponto que esta pesquisa buscará traçar

um paralelo, ou vários, entre carnaval de rua, negritude, territorialidades,

regionalização, cultura, lugares, pertencimento e identidade. Este caminho é

traçado com foco nas disputas territoriais na região, utilizando como lupa a

geografia urbana e cultural, a visão pós-colonial do conhecimento, e minha

prática e vivências com a festa. Mais especificamente ainda, o tear desta

narrativa buscará trazer um olhar leve, para problemas complexos. Assim

desejo, aqui, significa que também para este trabalho eu deva sonhar,

imaginar, criar, pois desejo que ele seja parte de mim e que eu possa olhar no

futuro e ver que fui sincero no passado.

Buscando assim, o pensamento crítico, mas que esteja calçado no mais

profundo respeito pela cultura negra, pelo samba, pelo carnaval e pela

sociedade com mais justiça social que almejo neste momento do país. O

objetivo mais específico de todos é traduzido nesta letra do samba enredo

campeão da Beija-Flor em 2018. O objetivo de que parem com o extermínio do

povo negro, que parem com o extermínio do povo indígena e que uma

verdadeira revolução pós-colonial possa reescrever nossa história de uma

forma mais humana.

Oh pátria amada, por onde andarás?

Seus filhos já não aguentam mais!

Você que não soube cuidar

Você que negou o amor

Vem aprender na beija-flor

Sou eu

Espelho da lendária criatura

Um mostro carente de amor e de ternura

O alvo na mira do desprezo e da segregação

Do pai que renegou a criação

Refém da intolerância dessa gente

Retalhos do meu próprio criador

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Julgado pela força da ambição

Sigo carregando a minha cruz

A procura de uma luz, a salvação!

Estenda a mão meu senhor

Pois não entendo tua fé

Se ofereces com amor

Me alimento de axé

Me chamas tanto de irmão

E me abandonas ao léu

Troca um pedaço de pão

Por um pedaço de céu

Ganância veste terno e gravata

Onde a esperança sucumbiu

Vejo a liberdade aprisionada

Teu livro eu não sei ler, brasil!

Mas o samba faz essa dor dentro do peito ir embora

Feito um arrastão de alegria e emoção o pranto rola

Meu canto é resistência

No ecoar de um tambor

Vêm ver brilhar

Mais um menino que você abandonou

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5. Hipóteses

Trabalho com as seguintes hipóteses:

1. Os territórios da região central da cidade são territórios de disputas

centenárias no que tange o carnaval. Estes territórios foram ocupados

em grande parte inicialmente por negros e negras e estes são parte

fundante da cidade.

2. Existem processos de segregação espacial que ocorrem historicamente

nesta região, mas que são negligenciados em detrimento de políticas

públicas segregacionistas.

3. Existem processos de territorialização, desterritorialização e

reterritorialização que fazem com que o carnaval de rua acompanhe a

história geográfica de Porto Alegre, no que diz respeito às disputas

nesta região. Assim, o principal processo de desterritorialização do

carnaval foi à transferência do carnaval competitivo para o Complexo

Cultural do Porto Seco.

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4. Os blocos independentes geram uma nova territorialização ou

reterritorialização dos espaços públicos e fomentam a cultura negra na

região central.

5. O poder público e entidades representativas de moradores dos bairros

são agentes e atores que utilizam em diferentes níveis colonizadores o

seus poderes para reprimir, segregar e desarticular o carnaval da

cidade.

6. O carnaval de rua é um movimento cultural negro que nasce na região

central da cidade e deve ser tratado e valorizado como patrimônio

cultural (que já é) de forma consistente.

7. O carnaval como um todo pode ser um fenômeno que valoriza, fomenta

e compartilha saberes, experiências e cultura. Acredito que será

possível entender o carnaval como uma metodologia do saber, ou “a

pedagogia do carnaval”.

Todas as hipóteses atravessam, em algum ponto, em alguma esquina,

mas a atuação de cada ator, cada agente, diz muito sobre as lógicas e visões

de mundo totalmente diferentes que podem existir entre moradores de uma

mesma cidade. Principalmente no que tange os interesses financeiros e

políticos da produção do espaço urbano enquanto mercadoria e segregado.

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6. Métodos e metodologias.

Existe grande discussão nas ciências humanas sobre métodos e

metodologias. Nas palavras de GHRHARDT at all. (2009, p.11) a definição

básica entre metodologias e métodos se dá quando

Tartuce (2006) aponta que a metodologia científica trata de método e ciência. Método (do grego methodos; met'hodos significa, literalmente, “caminho para chegar a um fim”) é, portanto, o caminho em direção a um objetivo; metodologia é o estudo do método, ou seja, é o corpo de regras e procedimentos estabelecidos para realizar uma pesquisa; científica deriva de ciência, a qual compreende o conjunto de conhecimentos precisos e metodicamente ordenados em relação a determinado domínio do saber. Metodologia científica é o estudo sistemático e lógico dos métodos empregados nas ciências, seus fundamentos, sua validade e sua relação com as teorias científicas. Em geral, o método científico compreende basicamente um conjunto de dados iniciais e um sistema de operações ordenadas adequado para a formulação de conclusões, de acordo com certos objetivos predeterminados.

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Na minha visão, e principalmente em meu lugar de fala, ambos são

intrínsecos e caminham juntos. A rigidez metodológica e as narrativas eruditas

não serão fonte de “encheção de linguiça” neste texto. Cada palavra é escrita

com o pensar e com um motivo, mesmo que não façam sentido em algum

momento, todos os pontos desta trama estão ligados. Isso, pois, uma visão

pós-colonial passa por caminhos nem sempre fáceis de serem encarados no

meio acadêmico, ou nas palavras de Jurandir Freire Costa:

A credibilidade do que é afirmado não nasce, primordialmente, dos conhecidos passaportes para o tantas vezes insípido mundo da responsabilidade científica: “rigor teórico”; “coerência conceitual”; “fidedignidade do fato empírico” etc. Aqui, a dor cria a noção; a indignação; o conceito; a dignidade; o discurso (COSTA, in SOUZA, 1993, p.1).

Essa dor é a dor do meu povo, é a dor de negros e negras, pobres,

indígenas e demais excluídos, subalternizados em uma lógica escravista,

manipuladora e desigual. Uma lógica embranquecida, academizada e

alinhavada, não raramente, com conceitos segregacionistas e excludentes.

Enquanto negro, não posso mais me curvar diante dos imperativos acadêmicos

e sociais que colocam a população brasileira, tão mal tratada, em métodos e

metodologias que repitam as narrativas e formatos que imperam na academia

e na sociedade há centenas de anos. Neste trabalho, o esqueleto teórico-

metodológico é apenas suporte de uma substância viva que pulsa, transpira e

nos transmite um sentimento de honestidade radical (COSTA, in SOUZA, 1993,

p.2).

Neste sentido a pesquisa afrodescendente é uma metodologia de postura nova, relacionando a ação à pesquisa, procurando uma dialética entre ação – pesquisa –ação, tendo como partida o campo e o conhecimento sobre o campo e procurando a construção explicativa teórica depois, como consequência, e não como fonte. Está no campo da discussão da epistemologia das ciências e das rupturas necessárias para integração do Continente Africano, de africanos e descendentes como produtores de um conhecimento com base na experiência criadora de populações africanas e negras na diáspora (CUNHA, 2015, p.4).

Como metodologia negra de estudos para este trabalho buscarei fazer

uma pesquisa-ação qualitativa que visa uma análise ampla de todos os

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agentes que fazem ou agem direta ou indiretamente no carnaval de rua de

Porto Alegre e nas diferentes interações com o espaço urbano. Os conceitos

de ação e qualidade desta pesquisa são pautados em uma prática real e que

busca mergulhar fundo na vivência do carnaval.

Como método de pesquisa, estar nos blocos, ver, observar e registrar já

seriam uma constante na minha vida. Contudo, mais que isso, participar das

construções diárias de alguns destes, ser membro da bateria de cinco blocos,

sendo membro da equipe de apoio de três, já tendo tocado em outros cinco em

diferentes momentos, participar de oficinas de percussão, ocupando espaços

públicos ou escolas de samba e ter ensaiado na maravilhosa Estado Maior da

Restinga, é uma jornada que além de motivadora, me possibilita escrever essa

dissertação com muito amor.

Estes amores ao samba, à rua, aos elementos que há compõem, por ver

gente, ver alegria, ver amores, cores e sorrisos. Essa é a minha maior

contribuição metodológica. As outras, apesar de necessárias, não conseguem

traduzir o que passa no coração de quem toca algum instrumento em uma

bateria. Este é o esqueleto desta pesquisa-ação, participação direta em blocos,

reuniões, encontros, oficinas e demais ambientes onde a graça do carnaval se

estabelece. O espaço escolhido é Porto Alegre, cidade onde nasci, o que

metodologicamente também implica em grande pertencimento.

A regionalização feita será a dos bairros já citados. As disputas

territoriais e demais conceitos ligados a estas serão analisados “in loco” com o

olhar da pesquisa, mas principalmente o olhar de carnavalesco e folião. A vida

que é vivida é que orienta essa dissertação. O objeto de pesquisa é o carnaval,

mas me pesquiso ao entrar nela. Examino-me e conto com grandes amigos

que tem muito mais experiência que eu no tema. Tudo isso é a minha base

metodológica. No que tange a pesquisa qualitativa em si:

Ao falar sobre a importância da pesquisa qualitativa, Godoy (1995) mostra que ela ocupa um lugar significativo entre as várias possibilidades de se estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos e suas intrincadas relações

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sociais estabelecidas em diversos ambientes (PESSOA, 2012, p. 06).

Esta visão qualitativa visará elaborar um histórico geográfico do carnaval

da cidade, onde serão levantados dados espaciais de onde o carnaval de rua já

esteve presente. Assim ter-se-á a possibilidade de um posterior recorte para os

bairros da região central do município. Regionalização esta, feita com base em

trabalhos anteriores citados no referencial teórico que colocam estes bairros

como territórios negros (VIEIRA, 2007; RUPPENTHAL, 2015). Este recorte

territorial poderá ser alterado, mas é a base que guia esta pesquisa.

Tendo em vista o recorte espacial e temporal (2004/2019) procuro

estabelecer um diálogo com trabalhos que demonstrem que a região central da

cidade, é território de negros e negras, que aos poucos são excluídos, tanto em

moradias, culturas, festas, religiosidade e costumes para regiões da cidade

consideradas periféricas. Este exercício dialético utilizará trabalhos

relacionados ao carnaval de Porto Alegre, que tenham como tema o carnaval

da cidade, a geografia negra e a história negra da capital.

Em um segundo momento, serão feitos levantamentos de dados no que

tange o carnaval na atualidade de Porto Alegre. Utilizando-se de bibliografias,

notícias de jornais, televisão, revistas, dados do poder público e dados

fornecidos pelas instituições carnavalescas e associações de bairros. Nestes

casos também serão feitas entrevistas com agentes e atores citados, como

representantes dos blocos de rua que saíram em cortejo de maneira

independente, nos bairros citados no marco temporal especificado, agentes do

poder público e representantes das associações de bairro.

Referente aos agentes do poder público, estes são escolhidos por sua

proximidade e decisões para com o carnaval na cidade. São eles: Prefeitura

Municipal de Porto Alegre (PMPA), principalmente nas representações setoriais

das Secretaria da Cultura, Escritório de Eventos, Empresa Pública de

Transporte e Circulação (EPTC) e Conselho Municipal de Cultura. Os

representantes do judiciário são os promotores do Ministério Público que atuem

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na pauta, assim como representantes da Brigada Militar, relacionada ao

Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

Outro ponto da pesquisa importante é que serão propostas aulas abertas

sobre o carnaval da cidade com os entrevistados. Estas aulas serão mediadas

por mim, com a participação de um convidado por semana, ou mais, de julho a

novembro de 2019. Estas aulas abertas têm como objetivos gerar um espaço

de colaboração, trocas de saberes, acesso a informação e vivência. Gerar um

debate orientado pela perspectiva pós-colonial, sendo este, guiado pela

pedagogia própria do carnaval. A pedagogia do carnaval é mais uma das

possibilidades conceituais que proponho associar a esta escrita. Contudo,

ainda careço de mais pesquisas, pois não tenho encontrado muitos textos que

fundamentem especificamente este conceito-hipótese.

O espaço onde ocorrerão as aulas ainda deve ser definido, mas já existe

grandes possibilidades de uso de um centro cultural no bairro Menino Deus

para estas atividades. As/nas atividades contarão com a doação espontânea

dos participantes, visando pagar o espaço (30% do valor arrecadado e 70%

para o convidado ou convidada da noite). Caso eu não consiga levar algum

convidado, buscarei realizar tal entrevista de outra maneira. Será elaborado um

questionário básico, semiestruturado, com perguntas abertas, buscando a livre

manifestação do entrevistado.

Os convidados e convidadas serão escolhidos também com base no

recorte regional, pois serão representantes dos blocos, quilombos, escolas de

samba, poder público e associações de moradores que estão dentre os bairros

selecionados. A pesquisa neste ponto deve aprofundar para os blocos

independentes, ponto chave da argumentação. Isso pois estes blocos, ao meu

ver, são grandes geradores de pertencimento, resistência e persistência

cultural.

As perguntas serão retiradas, em hipótese, de sugestões de

questionamentos referentes ao carnaval, compiladas em até dez. Estas dez

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perguntas serão o resultado que será aplicado nas entrevistas

semiestruturadas. Este método é próprio, logo ainda está em elaboração, no

que refere à forma do recolhimento e escolha de quem irá perguntar e propor,

mas minha ideia é propor antes do inicio das entrevistas, um grupo de estudos

sobre carnaval, arte e cultura. Os membros que eu conseguir para este grupo,

serão os proponentes de questões, a priori.

Quanto ao acervo material que este trabalho pode gerar, utilizando de

equipamentos a mim acessíveis, vou gravar os encontros com filmadoras e

captadores de áudio, gerando uma rica fonte de audiovisual a ser

compartilhada em canais como You Tube (com a devida autorização assinada

por escrito para veiculação de imagem). As entrevistas serão gravadas, e

abertas ao público também pois,

O culto à ciência deve dar lugar ao debate e, por mais que ela conserve uma herança cultural de saberes, a universidade não deve ser o lugar para ensinar certezas, mas de construir os caminhos para a formação de pessoas capazes de desenvolver um espírito crítico e investigativo (SILVA, 2009, p.16).

O debate é essencial para que possamos elaborar uma ciência inclusiva,

livre e descolonizada, onde os atores e agentes sociais tenham voz e possam

expressar sua fala. A escuta dos atores e agentes envolvidos passam a ser um

vetor importante em uma perspectiva onde a população deve ser protagonista

e não apenas objetos de pesquisa, ainda mais se tratando de cultura negra.

Propor o africano e afrodescendente como pensadores ativos fere as ordens mentais instituídas e praticadas. Varias são estas ordens de fatores que relacionam a pessoa do pesquisador, seu coletivo de origem e os temas e posturas sobre os temas e sobre a forma científica de trata-los. Questionamentos que eram apenas realizados como uma opção entre o popular e erudito, entre o despossuído e possuidor (despossuído de poder político, cultural e social ou apenas despossuído de poder dos meios de produção), ou entre funcionalismo e marxismo, hoje, com a presença dos afrodescendentes falando de conhecimento africano e de populações de origem africana, se introduz um novo e precioso debate na epistemologia das ciências no Brasil (CUNHA, 2015, p.1).

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A compilação de dados se dará alinhavando os referenciais teóricos,

históricos, contemporâneos e dos entrevistados, com a previsão de elaboração

de mapas referentes ao território do carnaval de rua na atualidade, sua

regionalização e possíveis fatores espaciais que possam surgir ao longo da

pesquisa.

Fica traçada assim uma estratégia metodológica prévia:

a. Levantamento e compilação de dados históricos e bibliográficos

do carnaval de rua de Porto Alegre.

b. Levantamento e compilação de dados sobre o carnaval de rua de

Porto Alegre na contemporaneidade.

c. Criação do grupo de estudos sobre carnaval, arte e cultura, em

uma perspectiva de olhar para o urbano.

d. Elaboração de perguntas.

e. Trabalho de campo: entrevistas com agentes e atores do carnaval

e representantes do poder público e associações de bairros.

Aulas abertas.

f. Compilação, arquivo e fichamento do material áudio visual.

g. Elaboração de mapas referentes à territorialidade e

regionalização do carnaval de rua de Porto Alegre.

h. Relação e produção de dados geográficos qualitativos sobre o

tema.

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7. Discussões Preliminares

7.1. Eu queria que essa fantasia fosse eterna!

Para muitas pessoas o carnaval é “apenas” uma festa. Para alguns,

participar desta festa se trata apenas de ir a um baile, a um desfile em um

sambódromo, a cortejos em ruas, pular, brincar, se divertir e voltar pra casa.

Contudo, esta festa seja no dia que for, da forma que for, com os ritmos que

forem, é um evento que dificilmente nasce naquele dia e nem ao menos

termina. No que tange os carnavais dos grandes centros urbanos e capitais do

Brasil, o carnaval em suas diferentes manifestações pode ser considerado

sempre eventos de grandes proporções e geralmente o são.

Carnaval no Brasil é coisa séria, por mais que muitos digam que é uma

festa desnecessária, um feriado que só atrasa o “início” do ano, que é um

dinheiro jogado fora, dentre outras afirmações feitas a partir de um suposto

“senso comum” geralmente exposto por pessoas que não tem o menor

conhecimento do que significa realmente esta celebração. O carnaval pode ser

visto como uma narrativa poética, como um ato de resistência, como uma

manifestação cultural, popular ou elitizada, como as máscaras que simbolizam

as artes cênicas: uma sorrindo e outra chorando. Como diz no samba enredo

da Estação Primeira de Mangueira (2018):

Chegou a hora de mudar

Erguer a bandeira do samba

Vem à luz à consciência

Que ilumina a resistência dessa gente bamba

Pergunte aos seus ancestrais

Dos antigos carnavais, nossa raça costumeira

Outrora marginalizado já usei cetim barato

Pra desfilar na Mangueira.

Isso porque o carnaval é antes de tudo emoção! Sentimentos de

pertencimento, de paixão, amor, alegria, tristeza, são apenas alguns dos

muitos que podemos encontrar e vivenciar nestes festejos. Carnaval não nasce

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em fevereiro e nunca termina na quarta-feira de cinzas. O carnaval é um estilo

de vida vivido durante praticamente trezentos e sessenta e cinco dias do ano.

Dado que o carnaval é sentimento, vamos caminhando em rumo a suas

diferentes manifestações e realizações no espaço urbano metropolitano.

Assim, o carnaval de rua é uma manifestação, não só em Porto Alegre, mas

em todo o Brasil, que cria e vive os diferentes espaços urbanos e sociais. Com

diferentes classes, organizações e dialéticas, pode-se dizer que o espaço do

carnaval é muito diverso. Ou nas palavras de Moreira, (2007, p.85) por conta

da seletividade, o espaço nasce diverso. O espaço do carnaval é sempre

diverso. É uma festa que se manifesta indiferente de classes sociais, raças e

muitas vezes rompe até mesmo, barreiras morais e religiosas. Seletividade e

diversidade são duas lindas contradições do espaço, no que tange um olhar

científico.

Mas isso tudo não é tão simples e é combustível para disputas em torno

do tema, principalmente no que tange a cidade e o espaço urbano. Entendo

que o espaço seja seletivo e por isso seja palco de conflitos, disputas,

domínios, territorialidades e sentimentos, que fazem deste, um palco de

diversidade e diferentes manifestações sociais. Para iniciar esta estória, é

necessário sempre lembrar que o carnaval na cidade de Porto Alegre nasce

basicamente junto com a própria cidade. Quando os açorianos se instalam por

estas bandas, de onde escrevo a futura capital do Rio Grande do Sul passa a

contar com a tradição dos festejos no mês de fevereiro baseados em tradições

europeias vinculadas ao catolicismo. A principal prática era a do Entrudo.

Brincadeira na qual os foliões atiram entre si os limões de cheiro, água de

seringas e até farinha (P.M.P.A., 1992, p. 16). Aqui, analiso algo que poderá

ser uma das chaves deste trabalho. O machismo ligado a valores moralistas

patriarcais não é um que tem muitas linhas ligando-o ao carnaval. No seu livro

Coisas para o povo não fazer, Alexandre Lazzari (2001) traz algumas questões

sobre a relação da população da capital com o carnaval entre os anos de 1870-

1815. Sim, mais de um século atrás era isso que acontecia:

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Pequenos contos e crônicas de cunho moralista que comparavam a hipocrisia social e a mascarada carnavalesca eram comuns nos jornais desde muito tempo. O carnaval era um pretexto para a entrada em cena do discurso moralizador fossem com intenção pedagógica voltada aos indivíduos ou como uma maneira de admitir a existência da hipocrisia e do convencionalismo, considerando-os um problema social antes que individual. De qualquer forma o moralismo carnavalesco estava associado à velha de que aquela era a festa em que a sociedade apresentava sua verdadeira face e, sob as máscaras, os cidadãos revelavam o caráter sem o disfarce da dissimulação cotidiana. Constituía-se então num momento privilegiado para a crítica dos costumes e dos valores

dominantes.

Destaco este trecho que também embasa este trabalho, neste momento

da qualificação, pois preciso discutir isso no momento em que o país atravessa

uma crise de identidade ética e colonizada, onde as monstruosidades que

assolam a população negras vem acompanhadas de morbidade e ódio. O

discurso discriminador no fim do século RETRASADO (!) existe, persiste,

cresce e assola o livre pensar e todas as culturas que não estejam na ótica

conservadora, capitalista, patriarcal e reféns da informação de massa

fomentadas nas redes sociais. Ainda estamos associados a uma engrenagem

social pautada em valores nada diferentes. Como diz um amigo meu no fim de

cada cortejo, após horas tocando e se divertindo: o que que mudou? Mas

voltando pra estória...

Não muito depois da chegada dos açorianos, chegam os primeiros

escravizados de África. Chegam eles que construíram cada casa, prédio,

repartição pública, ruas e igrejas. Foram os africanos escravizados e seus

descendentes. Dado este apontamento, com o passar dos anos o carnaval

passa a ser incorporado pelos negros nos arrabaldes da cidade e em festejos

marcados por forte percussão, cantoria e alegria, diante de toda a opressão

sofrida mesmo após a abolição.

Com o passar dos anos, o carnaval passa a ganhar uma cara muito mais

negra, principalmente no que tange o carnaval de rua, pois esse era um dos

únicos espaços em que se podia, com muitas ressalvas, se comemorar algo.

Os escravizados e pobres passam a exercer forte influência na consolidação

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desta festa como uma festa acessível a qualquer um e livre de amarras sociais,

como eram os carnavais de sociedades com bailes fechados para elites.

As sociedades carnavalescas Esmeralda e Venezianos foram criadas no ano de 1873, sob inspiração do carnaval da Corte carioca e de cidades europeias e sob a expectativa de criar uma alternativa mais “civilizada” ao velho jogo do entrudo. Desde então passaram a marcar a presença com uma festa de bailes de gala e préstitos fantasiados conduzindo carros alegóricos pelas ruas da cidade, reunindo um conjunto selecionado de famílias (LAZZARI, 2001, p.31).

No entanto o negro neste país, nesta época, não era livre. Até hoje

questiono se somos. A repressão policial, leis proibitivas, regras, normas

“civilizatórias” sempre acompanharam a presença negra no Brasil, no Rio

Grande do Sul e na cidade de Porto Alegre. A perseguição a músicos,

sambistas, carnavalescos, blocos e escolas de samba faz parte da luta diária

que os amantes da festa precisam travar para manter vivas suas tradições e

amores por sua cultura.

Enquanto isso as camadas populares por força de repetidas repressões policiais contra o entrudo – adotam formas mais disciplinadas de brincar nas ruas, paganizando a estrutura das procissões e criando os cordões que segundo Tinhorão (1974; 107), foram “os primeiros núcleos de criadores da autentica musica de carnaval” (PMPA, 1992, p. 14).

Com a perseguição à população negra, marginalizada em locais de difícil

acesso, longe das regiões centrais, negros e pobres são expurgados para mais

longe, o crescimento urbano na capital acompanha a lógica de higienização

social onde pobres não são bem vindos e vistos. Seja por pressão do estado

ou imobiliária. Para se ter uma ideia disso: a estigmatização urbana esteve

presente na cidade e designou certos lugares, personagens e práticas sociais

conhecidos como espaços malditos, excluídos economicamente e socialmente,

sendo esses territórios comumente associados à população pobre e negra

(SOMMER, 2011, p. 96). Cota não é esmola, é DíVIDA pelos séculos de

cativeiro e suas chagas ainda abertas!

Alguns casos são emblemáticos na maneira como a cidade foi

estruturada e como ela excluiu a participação da população negra da geografia

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urbana da atual metrópole. Casos como a Colônia Africana, Ilhota, Mon’t Serrat

são alguns dos espaços urbanos que eram de habitação de população negra e

que hoje são motores importantes do capital especulativo onde pouco resta de

lembrança de seus antigos moradores. Estes foram e ainda são vítimas

constantes dos processos de exclusão social que afetam a população em todos

os níveis, inclusive no cultural. Nos inícios do século passado e não diferente

da atualidade.

O pensamento da época pregava a condenação dos hábitos e costumes ligados pela memória à sociedade tradicional, a negação de todo e qualquer elemento de cultura popular que pudesse macular a imagem civilizada da sociedade dominante; uma política rigorosa de expulsão dos grupos populares da área central da cidade, que será praticamente isolada para o desfrute exclusivo das camadas aburguesadas (SOMMER, 2011, p. 97).

Assim, se forma Porto Alegre. Assim o carnaval vive e se transforma.

Uma cidade que nasce somada ao preconceito, afagada a valores moralizantes

questionáveis, conchavada com a busca de uma higiene social que exclui.

Logo, muitas questões no presente se explicam.

7.2. A (dês) valorosa relação da cidade com seu povo.

Este raciocínio nos leva a visualizar um dos grandes exemplos de

exclusão social da população negra e de seu carnaval no centro da cidade. A

implantação do Complexo Cultural do Porto Seco neste caso merece muita

atenção. Localizado a aproximadamente 17 quilômetros do centro da cidade, o

Complexo Cultural do Porto Seco é um complexo problema. Sem a

infraestrutura necessária para realização de desfiles, sem plano de prevenção

de incêndio permanente, sem estrutura fixa de arquibancadas, com acesso

viário limitado pela longa distância e transporte público e serviços reduzidos no

Bairro Rubem Berta, esse espaço é fermento pra grandes brigas.

Ao longo de sua história, o carnaval de Porto Alegre já ocupou muitos

espaços diferentes. No que tange este texto, refere-se ao espaço do Bairro

Cidade Baixa, Centro e Menino Deus, Santana, Centro e Bom Fim como

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espaços diversos e plurais. Bairros antigos na cidade e que carregam consigo

uma forte história de segregação e lutas. Um exemplo disso são:

Os locais dos desfiles na cidade são historicamente itinerantes e nunca tiveram uma estrutura fixa. Inicialmente os desfiles eram realizados na Avenida Borges de Medeiros, posteriormente foram para a Avenida João Pessoa, passando para a Avenida Loureiro da Silva, a Perimetral, e após para a Avenida Augusto de Carvalho. Apesar das constantes mudanças dos lugares de realização dos desfiles, todas estas avenidas citadas estão localizadas na área central de Porto Alegre (BITENCOURT, 2016, P. 13).

No ano de 2018 pela primeira vez, dês de seu surgimento na cidade,

Porto Alegre não teve o carnaval competitivo. A total irresponsabilidade de

diálogos entre o judiciário, do poder executivo municipal, somada a gestões

desarticuladas da Liga Independente das Escolas de Samba de Porto Alegre

(L.I.E.S.P.A.), fez com que o que deveria ser espaço de fomento de cultura,

capacitação de profissionais de diferentes áreas das artes, música e produção

fosse apenas um pesadelo que parece não terminar nunca.

Aqui cabe entender um pouco melhor a importância de se falar do “Porto

Seco”, mesmo este projeto se tratando do carnaval de ruas e blocos. Um dos

fatores que é notório para entender este processo é o discurso demagógico

populista de prefeitos e vereadores de que “este dinheiro do carnaval deveria

ser usado para saúde, educação ou outras áreas consideradas prioritárias”. O

que passa é que escolas de samba assim como muitos blocos, são verdadeiras

Escolas.

É possível nestes espaços consagrados pela população negra da cidade

vivenciar oficinas musicais de percussão, harmonia, dança, artes visuais,

soldas e construção, dentre outras. Nestes espaços vemos jovens

comprometidos com a educação formal, pois se não tiverem notas boas na

escola não podem sair nos desfiles. Também é visível nestes espaços o

encantamento das pessoas com as multiformes maneiras de coexistir em

comunidade, de viver seus bairros e a rua, de viver a alegria dentro do espaço

urbano. O investimento em escolas de sambas e espaços vinculados ao

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carnaval deveria ser uma prioridade preventiva e restaurativa de comunidades

carentes de serviços públicos, vinculados a acompanhamento contínuo do

poder público com setores responsáveis por fiscalizar o uso de verbas, assim

como ferramentas capacitadoras de gestão para as escolas e blocos.

Esta visão é inversamente aplicada quanto óbvia! Mas qual é o elemento

que não “permite” a valorização do carnaval? Seria o desconhecimento? O

gosto musical dos gestores? Em Porto Alegre temos um paradoxo racial que

deve ser fortemente levado em consideração. Muitas vezes ouvi de diferentes

pessoas que o carnaval da cidade “não presta”, “é feio”, é coisa de

“maloqueiro”, de “pobre”, de “desocupados”. Também é comum o discurso de

que o carnaval da capital “não existe”. Que em fevereiro vai “todo mundo” pra

praia e a cidade fica vazia.

[...] pouco se fala do carnaval em Porto Alegre. Se perguntarmos o porquê, uma das respostas seria a forte herança europeizante do Rio Grande do Sul. Poderíamos avançar um pouco e descobrir, no silêncio sobre o carnaval, o silêncio, na verdade, sobre determinado grupo social nele preponderante: os negros. Calar-se é, portanto, negar a existência de uma forte herança cultural negra em Porto Alegre (PMPA, 1992, p. 07).

Estes discursos, nesta cidade, são muitas vezes (quem sabe até na maioria)

verborragias de cidadão moradores das classes médias centrais ou de regiões da

cidade onde, quando os ricos não trabalham geram a sensação de que não tem mais

ninguém ao redor de suas bolhas. Desconsiderar uma festa que mesmo com um

importante contingente populacional estando no litoral, é um erro básico, para não

dizer maldoso. A população periférica da cidade que não tem condições de casas na

praia, ou que ama o carnaval, não pode ser desconsiderada. Ainda mais por pessoas

que bradam contra sambódromos, blocos, “barulhos”, “algazarras”, mas que ao chegar

a suas casas no famoso litoral gaúcho, não raramente, polui as cidades, colocas seus

carros com o “som no talo” durante toda a madrugada, desconsidera totalmente os

moradores fixos e faz tudo que abomina em seu recinto natal.

A classe média Porto-Alegrense (seja ela qual for) precisa entender que

carnaval é festa, mas está longe de ser uma bagunça. Ainda mais quando se trata da

relação dos diferentes atores sociais que promovem, trabalham, ensaiam, montam,

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pensam e tem no carnaval uma expressão autêntica do seu próprio ser. As interações

de atores com a cidade através do carnaval é um fenômeno muito importante para que

a população consiga também sentir-se pertencente ao espaço urbano, se identificando

com este, movimentando-se e ocupando ele.

8. Considerações parciais e perspectivas.

Carnaval é movimento. É a busca da alegria onde, os meios para

alcançá-la são, além de alegres, muitas vezes duros, trabalhosos, exercícios

de convivência, de escuta, de fala, de aprendizagem. Por isso o ensaio é

sempre importante. A falsa sensação de que fevereiro é o único mês em que

algo acontece traz consigo o desconhecimento de como vivem populações

periféricas ou como se articulam movimentos culturais no espaço urbano.

Escolas de samba, blocos e outras entidades carnavalescas se ocupam

durante o ano todo em manter vivas suas tradições, ideais, sonhos e poesias.

Para tanto, se faz necessário que as diferentes “comunidades carnavalescas”

estejam juntas, ensaiando, conversando, debatendo, convivendo e festejando

no final. Carnaval é uma pedagogia que nos ensina a acreditar em si mesmo.

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Aqui destaco os espaços de convivência traduzidos em lugar, como motor

propulsor de interações urbanas muito significativas para os cidadãos que as

vivem. Por mais que esse trabalho me atravesse particularmente, minha

convivência e vivências nestes espaços também são atravessadas de olhares,

sentimentos e expectativas dos companheiros e companheiras de folia.

Esta ocupação, este trabalho, este esforço é fruto, em grande parte, do

amor que cada integrante possui por sua entidade carnavalesca. Assim, sei

que o que move o carnaval é o amor. Por isso me entrego nesta escrita de

dissertação. Por isso me entrego á este projeto. Por isso participo de blocos e

fanfarras. Por isso frequento escolas de samba, pois estes são nossos lugares

e práticas sagradas, práticas do povo, do povo negro, do morador em situação

de rua ao mais rico magnata. Todos e todas podem curtir o carnaval. Minhas

expectativas são as mesmas que tenho em cada cortejo que participo: que seja

lindo, leve, ensolarado, colorido e musical, mas que mostre que a cultura na

rua, na região central e principalmente no carnaval é direito de qualquer pessoa

que queira ter acesso à diversão e relações sociais livres.

Podem as concordâncias terem que ser alteradas, podem as

fundamentações teóricas apresentarem contradições, podem métodos e

metodologias serem questionados quanto ao seu padrão e rigor, mas neste

exato momento, me sinto feliz, pois mesmo com muita coisa pra arrumar e

fazer melhor, eu sinto que até aqui, este tecido fino, com pontos dados sem

tanta firmeza, pode se tornar uma linda estampa traçada com bordados e

ofertada para as entidades negras do samba e do batuque. Para finalizar, que

Xangô guie essa escrita, para que seja justa e equilibrada, respeitosa e firme

na busca de uma sociedade melhor para todos e todas (samba enredo

Salgueiro, 2019).

Rito sagrado, ariaxé

Na igreja ou no candomblé

A bênção, meu Orixá!

É água pra benzer, fogueira pra queimar

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Com seu oxê, chama pra purificar

Bahia, meus olhos ainda estão brilhando

Hoje marejados de saudade

Incorporados de felicidade

Fogo no gongá, salve o meu protetor

Canta pra saudar, Opanixé kaô!

Machado desce e o terreiro treme

Ojuobá! Quem não deve não teme

Axé!

9. Cronograma

2018

Atividade Jan

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Fev

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Mar

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Abr

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Mai

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Jun

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Jul

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Ago

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Set

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Out

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Nov

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Dez

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Disciplinas

Mestrado

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Levantament

o

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bibliográfico

Elaboração

de

metodologia

de analise

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*

*

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*

Revisão

bibliográfica

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*

*

*

*

2019

Atividade Jan

.

Fev

.

Mar

.

Abr

.

Mai

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Jun

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Jul

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Ago

.

Set

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Out

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Nov

.

Dez

.

Revisão

bibliográfica.

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*

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*

*

Levantamento

material/dados

de imprensa/

poder público/

entidades

carnavalescas e

associações de

bairro.

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Entrevistas

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Saídas de

campo.

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Sistematizaçã

o de

informações

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Escrita da

dissertação.

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*

*

*

*

2020

Atividade Jan. Fev. Mar. Abr.

Compilação

de dados

*

*

*

*

Revisão normas

ABNT e

ortografia

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* * * *

Apresentação

*

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