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UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
CURSO DE PSICOLOGIA
ANNA VALESKA PROCÓPIO ANDREA A. PALITOT
DEMANDA X ATUAÇÃO: REFLEXÕES NECESSÁRIAS PARA A PSICOLOGIA
NO CAMPO DA SAÚDE PÚBLICA
NATAL 2007
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ANDREA ANDRADE PALITOT ANNA VALESKA PROCÓPIO
DEMANDA X ATUAÇÃO: REFLEXÕES NECESSÁRIAS PARA A PSICOLOGIA
NO CAMPO DA SAÚDE PÚBLICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Psicologia da Universidade Potiguar de Natal como parte dos requisitos à obtenção do grau de Bacharel em Psicologia.
ORIENTADOR: Professora Ms. Cândida Maria Bezerra Dantas.
NATAL/RN 2007
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ANNA VALESKA PROCÓPIO ANDREA A. PALITOT
DEMANDA X ATUAÇÃO: REFLEXÕES NECESSÁRIAS PARA A PSICOLOGIA
NO CAMPO DA SAÚDE PÚBLICA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Psicologia da Universidade Potiguar de Natal como parte dos requisitos à obtenção do grau de Bacharel em Psicologia.
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Aprovado em 29 Dezembro de 2007
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________ Prof. Ms. Cândida Maria Bezerra Dantas
Orientador Universidade Potiguar – UnP
_______________________________________________________ Prof. Ms. Roberta Barzagui
Coordenadora do Curso e Leitor Convidado Universidade Potiguar
________________________________________________________ Cynara Maria Lopes Dantas
Leitor Convidado Unidade Básica de Saúde de Aparecida
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DEDICATÓRIA
Dedico a Você, que está lendo este
Trabalho de Conclusão de Curso, por compartilhar
comigo dessa inquietação e estímulo.
Dedico a Anna Valeska Procópio,
pelo empenho, entusiasmo e dedicação que me contagiou.
Andréa A. Palitot
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DEDICATÓRIA
Ao meu amado marido, Cláudio Márcio, pelo exemplo
de profissional, marido e pai dos meus filhos.
Aos mais filhos, Théo e Allan, que dão sentido
a minha existência.
A minha querida amiga Andréa Palitot, que juntas nos dedicamos
a construção dessa monografia
A Joana Mendes, mais que amiga, companheira de todas as horas e momentos da
minha vida.
Anna Valeska Procópio
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AGRADECIMENTOS
Agradecer, nesse momento, se torna fácil e muito prazeroso, afinal de contas,
tantas pessoas passaram pelo meu caminho e me fizeram ser quem eu sou,
profissional/pessoal.
Agradeço a Deus, senhor que iluminou a minha vida e meus passos, me guiando
pelo caminho, me dando saúde, fé e perseverança para lutar até o final.
Meus pais. Pessoas que não apenas me deram à vida, mas me deram amor,
carinho, aceitação, suporte e esíimulo, acreditando nos meus ideais, nos meus sonhos
e fazendo de tudo para que eu pudesse alcançá-los, meu profundo obrigado.
Meu irmão, de sangue, de fé, de espírito. Obrigada pelo apoio que me deu
tantas vezes, sem mesmo nem perceber que era isso que estava me dando.
A Clara Luci Valença, mais que amiga ou cunhada, uma irmã que Deus me deu,
que sempre esteve do meu lado, torceu por mim e me confortou. Muito obrigada.
A Joana Mendes e Suellen Souza, pessoas que conheci e que me mostraram
como amizades são importantes na vida e que me permitiram construir com elas a
família que eu escolhi para mim. Obrigada por sempre terem me ouvido, estado do
meu lado, nos momentos bons e ruim, me estimulando a seguir em frente.
Anna Valeska Procópio. Mais do que parceira do TCC, minha grande amiga,
minha companheira de jornada. Obrigada por ter sido a primeira a acreditar em
mim, talvez quando nem eu acreditava. Pessoas como você são únicas, especiais, do
tipo que a gente ama de graça.
Obrigada a toda a minha turma, a Psicologia 2007. Obrigada pelo apoio, pelos
elogios e incentivos que me deram ao longo de todo o percurso.
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Quero agradecer a Cândida Bezerra, nossa orientadora. Obrigada por ter
confiado na gente, acreditado na gente, respeitado o nosso jeito, os nossos momentos,
o nosso próprio tempo, sempre estando ao nosso lado para o que nós precisássemos.
E por fim, mas não menos importante, a todos os professores que passaram pela
minha vida acadêmica, que me ensinaram não só a ser uma profissional ética e
comprometida, mas que também me deram exemplos de cidadania.
Andrea A. Palitot
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AGRADECIMENTOS
A Deus, primeiramente, por senti-lo ao meu lado todas as horas me dando
forças para não desistir nos momentos difíceis, bem como proteção espiritual que
ilumina meus passos e a vida da minha família.
Ao meu marido, Cláudio Márcio, que me ajudou a trilhar o caminho
profissional que escolhi, estando ao meu lado nos momentos de alegrias e tristezas,
não desistindo de sermos felizes.
Aos meus filhos, Allan e Théo, que me enchem de alegria e que com seus
sorrisos me devolvem a força da vida.
Aos meus pais, pela presença marcante ao longo da minha vida e em especial a
minha mãe pela dedicação e amor, em especial, ao me filho Théo.
A minha amiga Andréa Palitot, pela compreensão e flexibilidade ao longo da
realização desse trabalho, bem como a dedicação e o amor que nos une, e fortalece a
nossa amizade a cada dia. Obrigada querida amiga por ser o que é e proporcionar
em minha vida essa existência.
A minha amiga Joana Mendes que ofereceu carinho, atenção e dedicação a
mim e aos meus filhos em momentos difíceis para a efetuação desse trabalho e que
possui um lugar especial em minha vida.
A meu irmão Marcel Procópio, que com uma simples frase me fez perceber que
precisamos aproveitar o tempo em nossas vidas.
A nossa orientadora Cândida Dantas, que se mostrou responsável, dedicada,
atenciosa, que me fez perceber a partir de sua postura que a grandeza do
conhecimento está na simplicidade.
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A todos os professores que passaram ao longo de minha formação e que
contribuíram com seus conhecimentos para minha formação acadêmica.
Anna Valeska Procópio
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“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança,
todo o mundo é composto de mudanças,
tomando sempre novas qualidades”
Camões.
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RESUMO
O trabalho realizado situa-se no campo das políticas públicas de saúde, conhecendo e
compreendendo a atuação do psicólogo nesse espaço, partindo da perspectiva dos
usuários, bem como de profissionais da Unidade Básica de Saúde e de outros aparelhos
sociais existentes na comunidade. Todos esses aspectos fazem referência ao que
chamamos de demanda, ou seja, um espaço social, que possue seus aspectos políticos,
econômicos, sociais, culturais e ideológicos, e que falam de uma relação dialética
indivíduo/coletividade.A pesquisa de campo foi realizada na comunidade de Mãe Luiza,
Natal, RN, tendo o Centro de Saúde de Aparecida como sendo base de apoio e de
investigação. Inicialmente realizamos um levantamento bibliográfico que nos ofereceu
suporte para desenvolvermos as atividades práticas. Utilizamos como instrumentos, para
coletar os dados, a observação, a entrevista semidirigida e conversas informais. Para
análise dos dados levantamos temáticas que nos possibilitaram conhecer melhor a
particularidade desse espaço social. Todo o material analisado possibilitou uma rica
discussão acerca da prática psicológica na saúde pública, permitindo compreender que é
relevante aprendermos a ouvir e entender outras formas de expressão que não sejam as
valorizadas e idealizadas pela área.
Palavras-chaves: Psicólogo na saúde pública, demanda para a Psicologia e
formação em Psicologia.
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ABSTRACT
The research has been realized in the field of heath politics, knowing and
understanding the psychologist actuation in their area beginning from users
perspective, from heath basic professionals and also from community associations.
The field research has been realized in Mãe Luiza, natal, RN, with the Centro de
Saúde de Aparecida as base, support and investigation. At the beginning has been
made a bibliographic search where we found support for pratic activities developing.
For methodology has been utilized for data collections the observation, interview and
colloquial talks. For analyses of the datas has been utilized thematic to be possible to
know bether the particularities from this social community. All the analyses material
provides a rich discussion about psychology practices on the public healf programs.
Key word: Psychologic on the public healf activities, psychologist demand, psychologist graduations.
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Tabela das atividades práticas desenvolvidas 63
Tabela 2 Mapeamento dos prontuários das pessoas atendidas
pelo serviço de Psicologia
103 e 104
LISTA DE SIGLAS
UBS Unidade Básica de Saúde
CEPES Comissão Especial para Execução do Plano de Melhoria do
Ensino Superior
CFE Conselho Federal de Educação
DP Desvio Padrão
EMPARN Empresa de Agropecuária do Rio Grande do Norte
EMBREPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
IES Instituição de Ensino Superior
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SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO..................................................................................................... 15
II. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................... . 19
2.1. História da Psicologia no Brasil e no Mundo............................................... . 19
2.2. Profissionalização do psicólogo no Brasil e a Cultura Profissional do
Psicólogo ................................................................................................... . 26
2.3. Políticas Públicas e Saúde Pública no Brasil................................................. 30
2.4. Inserção do psicólogo na Saúde Pública ..................................................... . 44
2.5. Formação x Atuação x Demanda ................................................................ . 50
III. METODOLOGIA ............................................................................................ . 62
31. Caracterização do campo de pesquisa ............................................................ 62
3.2. Instrumento de pesquisa e coleta de dados ................................................... 62
3.3. Instrumentos de pesquisa para análise dos dados ......................................... 64
IV. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ........................... 65
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 82
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 83
ANEXOS .............................................................................................................. 89
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1. INTRODUÇÃO
Refletir a atuação do psicólogo nas instituições públicas de saúde, mais
precisamente nas Unidades Básicas de Saúde destinada a atenção primária a saúde, não
é uma tarefa simples. O tempo de inserção desse profissional nesses espaços é
considerado relativamente pequeno, já que, mesmo com o aumento gradativo da oferta
de profissionais psicólogos atuando nessa área, ainda é pequeno o número de
profissionais em relação a outras profissões (Dimenstein, 1998).
Esse campo apresenta dificuldades e problemáticas em torno da prática do
psicólogo, tais como a transposição, pura e simples, do modelo hegemônico de atuação
clínico do psicólogo (curativo e assistencialista) para o setor público, muitas vezes
retroalimentado pelas graduações de Psicologia, como ressalta Silva (1992),
independente dos objetivos e características da população, desencadeando, assim, uma
prática possivelmente descontextualizada e inadequada, além de fazer uso de técnicas
psicoterápicas que são vistas como sendo o único instrumento de trabalho do psicólogo.
Essas dificuldades são reflexos de uma inadequação da sua formação acadêmica para o
trabalho nesse setor, bem como do seu modelo limitado de atuação profissional, da
dificuldade de adaptação ao perfil profissional conforme exigido pelo Sistema Único de
Saúde (SUS) além das dificuldades desse profissional em lidar com a demanda da
clientela e das instituições de saúde (Dimenstein, 1998).
Diante disso, podemos pensar em um campo de atuação da Psicologia que possui
entraves, limites e questionamentos, mas que também possibilita a construção de novos
pensamentos e caminhos. É nesse sentido que apresentamos como tema a atuação do
psicólogo no campo da saúde pública, caracterizando o nosso trabalho como sendo uma
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investigação de quais são as demandas trazidas pelos usuários das unidades básicas de
saúde ao serviço de Psicologia.
O nosso olhar se volta para tal problemática devido ao interesse em articular os
diversos elementos existentes em torno dessa prática, de forma a produzir
conhecimentos nessa área, no sentido de possibilitar reflexões significativas para a
construção de uma prática mais efetiva nos serviços de Psicologia oferecidos pelo
sistema público de saúde, já que conforme visto anteriormente, as práticas atuais dos
serviços de Psicologia em unidades básicas de saúde têm se mostrado, muitas vezes,
descontextualizadas e ineficazes.
Para tal propósito fizemos uso de um levantamento bibliográfico e de um
trabalho de campo. Nesse levantamento bibliográfico fizemos um breve percurso da
história da Psicologia, passando por questões relativas a sua cultura profissional e a
inserção do psicólogo na Saúde pública, bem como contextualizando a questão das
políticas públicas de saúde. Tais fundamentos aliados à questão da formação
profissional do psicólogo e a sua atuação no serviço público de saúde nos possibilitaram
a apropriação dessas temáticas para que assim pudéssemos desenvolver um olhar para
essa demanda que é o nosso público alvo na pesquisa.
O trabalho de campo foi realizado no Centro de Saúde de Aparecida (unidade
básica de saúde), localizado no bairro de Mãe Luiza, distrito Leste de Natal, RN, e nos
diversos aparelhos sociais existentes no bairro.
Tivemos, como procedimentos metodológicos, uma coleta de dados feita através
da formulação de entrevistas semidirigidas adequadas para cada público que era
entrevistado (diretor da unidade básica, psicóloga da unidade básica, psicólogo da
unidade mista, agentes de saúde da unidade básica, profissionais de uma creche mantida
pelo MEIOS, usuário em espera ao serviço de Psicologia e usuário já atendido pelo
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serviço de Psicologia), bem como observações e conversas informais feitas na Unidade
Básica de Saúde, na Unidade Mista e na comunidade de uma forma geral (aparelhos
sociais), para, assim, podermos entender essa demanda, demanda essa que fala de algo
que é compartilhado, vivenciado, experienciado tanto no plano individual como no
coletivo de uma comunidade, já que o sentido de demanda defendido por nós é algo que
diz de um espaço social, com seus aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais e
ideológicos, que falam de uma relação dialética indivíduo/coletividade.
Conhecendo as realidades apresentadas nesse espaço tivemos como objetivos
específicos à compreensão do universo social, econômico, político e cultural dessa
população, bem como as demandas apresentadas pelos usuários ao serviço de
Psicologia, podendo, assim, refletir acerca da prática do psicólogo na saúde pública; e
promovendo reflexões significativas sobre a saúde pública como campo de pesquisa e
atuação da Psicologia.
A relevância desse trabalho está em contribuir para a produção de
conhecimentos que venham a acrescentar aspectos relevantes para a área em questão,de
modo a levantar reflexões necessárias para uma atuação contextualizada, ética e
comprometida com o social. Segundo Dimenstein (1998) existem poucas produções
sistemáticas, sejam elas nacionais ou locais, que falem sobre a atuação do psicólogo nas
unidades básicas de saúde.
Acreditamos que tanto a revisão bibliográfica realizada, quanto à apresentação e
as discussões dos resultados apresentados configuram-se como sendo uma importante
fonte de conhecimento na área, tendo em vista que, poucos são os trabalhos
desenvolvidos partindo da perspectiva dos usuários do serviço de Psicologia. Sendo
assim, acreditamos que o trabalho desenvolvido possibilitou espaços e oportunidades de
expressão dessa clientela que tanto foi subestimada e aprisionada em saberes que não
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falavam de sua realidade. Nesse sentido, as demandas reprimida, em espera e atendida
se configuraram como importantes instrumentos para se pensar a atuação no campo da
Saúde Pública.
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II. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. História da Psicologia no Brasil
A história da Psicologia se configura como uma importante reflexão para
compreendermos como se deu o processo de profissionalização, bem como todos os
fatores que influenciaram esse campo. Além disso podemos refletir sobre a atuação da
Psicologia nos diversos espaços sociais, levando em consideração suas dificuldades,
impasses e conquistas.
Pereira e Neto (2003) relatam que durante o século XIX a profissão de psicólogo
no Brasil ainda não existia, caracterizando esse período como sendo um período pré-
profissional. Foram somente entre 1890/1906 que os marcos, como a Reforma
Benjamim Constant, a inauguração dos laboratórios de Psicologia Experimental na
Educação e a criação do Código de Ética, que a psicologia passa a ter um conhecimento
próprio, institucionalizado e reconhecido.
O período denominado de pré-profissional caracteriza-se por discursos
psicológicos que estão inseridos em diferentes áreas de saber como a Filosofia, a
Medicina, a Pedagogia e a Teologia. É no final do século XIX, segundo aponta os
autores citados anteriormente, que a Psicologia, como área de saber, se configura como
ciência. Essa estruturação se dá em uma perspectiva positivista. Os primeiros psicólogos
se interessavam pela descrição dos processos conscientes, posteriormente, no início do
século XX esse interesse muda para medir as diferenças individuais, a partir do uso dos
testes psicológicos.
A educação e a medicina contribuíram enormemente para o início da
profissionalização da Psicologia. Primeiramente a Psicologia se aproximou da
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educação, sendo incorporada como disciplina nos currículos das escolas normais,
durante a Reforma Benjamim Constant, em 1890. Essa inserção da Psicologia foi de
grande importância para o seu desenvolvimento, pois facilitou o início da sua
institucionalização no Brasil, somando a isso a incorporação da disciplina de Psicologia
nas grandes curriculares que iniciou, de modo sistemático, o ensino dessa área (Pereira e
Neto, 2003).
Dessa forma, a Psicologia no ensino constituiu um espaço próprio para a
profissionalização da categoria no Brasil, juntamente com a criação do laboratório de
Psicologia Experimental dentro da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro, no Rio
de Janeiro. Esse se constitui em um núcleo de pesquisas científicas e em um centro de
formação de psicólogos. Duas práticas ali realizadas marcam a Psicologia: a testagem e
a psicoterapia. A medicina exercia grande influencia sobre a Psicologia e ambas eram
influenciadas pelo espírito positivista. (Pereira e Neto, 2003).
Em 1930 a disciplina de Psicologia torna-se obrigatória em vários cursos
existentes, como de Filosofia, Ciências Sociais e Pedagogia. Nesse momento a
Psicologia ganha um caminho autônomo, desvinculando-se da medicina. Nesse período
a Psicologia foi ganhando espaço nas instituições universitárias e na formação de outros
profissionais.
Pereira e Neto (2003) colocam a existência do Instituto de Psicologia da
Secretaria de Estado de Educação e Saúde Pública, em 1932, porém este não durou mais
de um ano. As causas desse fechamento podem ser referidas a pressão da classe médica
e de católicos, bem como a falta de recursos financeiros. Em 1937 foi reaberto, fazendo
parte da Universidade do Brasil. Segundo os autores acima citados, ao mesmo tempo
em que a medicina, através da psiquiatria, cria condições favoráveis ao
desenvolvimento da psicologia brasileira, ela também tenta se apropriar desse universo
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Psi. As atividades exercidas pelos psicólogos no laboratório eram subordinadas aos
médicos, tendo a função de complementar a prática desse profissional.
Foi em 1946, com o Decreto-Lei 9092, que se institucionalizou a formação
profissional do psicólogo (Pereira e Neto, 2003). Da forma como conhecemos
atualmente a formação do psicólogo ocorreu, inicialmente, no ano de 1957, tanto no Rio
de Janeiro quanto em São Paulo. O primeiro curso de mestrado foi em 1966 e de
doutorado foi em 1974. Entre 1940 e 1950 o psicólogo começou a atuar, com cada vez
mais espaço, na educação e no trabalho. No governo de Getúlio Vargas cresce a
demanda pela atuação da Psicologia nas empresas, devido ao processo de
industrialização, com os objetivos de classificar, selecionar e recrutar pessoal para as
atividades disponíveis. Pereira e Neto (2003) nos colocam que “[...] enquanto a
Psicologia desenvolvia um conhecimento especializado e conquistava um mercado
consumidor de seus serviços, começavam a ser elaborados antiprojetos para a
regulamentação da profissão”. (p.05).
De acordo com Antunes (2004) foi então em 27 de Agosto de 1962 que a
Psicologia foi reconhecida como profissão, pela Lei 4.119. Há também o parecer 403 do
Conselho Federal de Educação que estabeleceu o currículo mínimo e a duração do curso
universitário de Psicologia. As funções descritas desse profissional estavam no Decreto
n° 53.464 (Pereira e Neto, 2003). Os primeiros psicólogos que se registraram
profissionalmente possuíam formação superior em Pedagogia e Filosofia. Nesse
contexto de busca por firmar, juridicamente, a profissão de psicólogo, ocorre à ditadura
militar que foi implantada a partir do golpe de 31 de março de 1964. Nesse cenário
repressivo temos a promulgação da lei n° 5540, conhecida como Reforma Universitária
de 1968, que possibilita a abertura de ensino superior para os setores privados e
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estabelece mecanismos que dificultaram e reprimiram os movimentos estudantis e
docentes.
Diante dessa reforma começam a ser instaladas as Instituições de Ensino
Superior privadas do Brasil. Muitas dessas instituições foram criadas em situações
precárias e com enfoque mercantilista. Os cursos que as instituições ofereciam eram
reconhecidos quando se formava a primeira turma. Os cursos de Psicologia eram de
baixo custo e para garantir rentabilidade havia a redução da oferta de disciplinas, indo
de encontro ao currículo mínimo. Além disso, os baixos salários pagos aos professores,
altas taxas de mensalidade e o rápido crescimento dessas instituições não foram
acompanhados do igual crescimento do número de professores preparados. Essa falta de
preparação necessária à formação dos docentes, acompanhado de salários baixos e
precariedade de condições de trabalho contribuiu para uma crescente perda na qualidade
de ensino de Psicologia (Antunes, 2004).
Ainda, segundo tal autora, as instituições particulares foram responsáveis pela
formação da maioria dos psicólogos, havendo, assim, mais profissionais que espaços de
atuação. A precariedade acadêmica, juntamente com a rápida formação desses
profissionais, acarretou prejuízos para a profissão e para os usuários. O campo clínico,
nesse contexto, foi o mais difundido, não somente por ser uma prática privilegiada nos
cursos de formação, mas também por tornar-se a grande demanda dos estudos de
psicologia, de acordo com Pereira e Neto (2003), que sonham com seus consultórios
privados no qual a psicanálise seria o modelo de referência.
Dessa forma, a atuação clínica permaneceu como um dos campos mais
difundidos da Psicologia no Brasil, absorvendo um número significativo de psicólogos e
ampliando-se para diferentes modalidades de atuação. Processo semelhante ocorreu com
o campo do trabalho, estruturando o que depois viria a se chamar a Psicologia
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Organizacional e do Trabalho, que ficou, após a regulamentação da profissão, cada vez
mais restrito aos psicólogos, construindo uma atuação voltada para a aplicação de testes
no que concerne à seleção de pessoal. Dessa postura emergiram críticas ao psicólogo.
Críticas a uma atuação que não visava às condições de trabalho do trabalhador e sim a
adaptação deste aos interesses da empresa. Com essa situação a Psicologia reproduzia a
postura capitalista e se desviava de seu foco de atuação, que era o trabalhador.
(Antunes, 2004).
Segundo Antunes (2004) com relação à Psicologia da Educação o psicólogo
nessa área atuava numa perspectiva clínica, atendendo individualmente as crianças
designadas como “portadores de problemas de aprendizagem”. Esse atendimento era
efetuado fora de sala de aula. No final da década de 1970 a Psicologia foi altamente
criticada, tanto por educadores como pela própria classe. As críticas eram,
principalmente, feitas com relação ao uso abusivo dos testes e de suas conseqüências
para o aluno, pois os resultados eram vistos como atribuições inerentes do aluno. As
condições sociais eram negligenciadas. As conseqüências dessa prática eram a
discriminação e a exclusão dos alunos ditos com “problemas de aprendizagem”. No
qual se considerava somente a dimensão psicológica e com isso não observava os
determinantes intra-escolares, como também, os diversos aspectos que completam o ser
humano. Diante desses argumentos muitos psicólogos negaram a possibilidade da
Psicologia continuar a trabalhar questões educacionais.
Antunes (2004) ressalta que, apesar de tais problemas e também em função
deles, a Psicologia conseguiu se estabelecer como profissão, com suas áreas tradicionais
de atuação (educação, trabalho e clínica) e posteriormente outras, como a Psicologia
Comunitária, a Psicologia Hospitalar, Psicologia Jurídica, entre outras. A própria
produção de conhecimento em Psicologia expandiu-se com os cursos de pós-graduação.
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Com isso houve um incremento da qualidade de ensino, embora fosse de forma
heterogênea.
Com relação à extensão, também, coloca a autora, não houve um projeto de
coletivização e extensão para a comunidade do conhecimento produzido na academia.
Mesmo assim muitas instituições de Ensino Superior produziram trabalhos
significativos, construindo, dessa forma um espaço para o desenvolvimento da
psicologia como ciência e profissão. A Psicologia, segundo Antunes (2004), sofreu
grandes mudanças passando de um grupo pequeno de profissionais a um aumento
considerável de psicólogos, no qual o mercado de trabalho não acompanhou esse
crescimento. Esse processo gerou algumas conseqüências que foram do abandono da
carreira à defesa corporativa da classe psicológica.
Resumindo, a Psicologia enfrentou desde sua profissionalização à precariedade
da formação, a disparidade entre o número de formados e o de psicólogos trabalhando
na área, além de uma carência qualitativa e quantitativa no atendimento as demandas
pelo trabalho profissional do psicólogo. Foi na década de 1970, segundo aponta Pereira
e Neto (2003) mais precisamente em 1971 que houve o I Encontro Nacional de
Psicologia, no qual foi defendida a criação de conselhos federais e regionais da
Psicologia, pela Lei n° 5.766 no dia 20 de Dezembro de 1971. O primeiro código de
ética foi criado em 1975 e um ano depois foi revisto. Em 1977 o conselho fixou normas
de orientação e também de fiscalização do exercício do psicólogo. Dessa forma, temos
que em 1975 foi o fim do processo de profissionalização da psicologia no Brasil.
A virada dos anos 1970 para os anos 1980 é marcada pelo renascimento dos
movimentos sociais, dados pela transição do regime ditatorial para uma nova forma de
organização social e política (regime democrático). Esses movimentos sociais abriram
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espaço para a participação popular na tomada de decisões e um contexto ideal para a
mudança foi se formando. (Medeiros, 2000).
Começam a surgir iniciativas em defesa da Psicologia como ciência e profissão,
tentando superar o corporativismo e buscando uma participação mais ativa que concerne
aos “problemas” que envolvem a sua categoria: a defesa do mercado de trabalho e a
busca de respostas às demandas sociais.
Buscava-se a construção e reconstrução de uma Psicologia comprometida com a
sociedade. A academia, assim, tinha uma participação primordial nessa busca do
compromisso social. A busca de conhecimento pautado nos problemas sociais ampliou
o olhar sobre o fenômeno psicológico, levando não só a busca por novas teorias,
categorias e conceitos como também novas bases metodológicas que pudessem dar
conta da complexidade do fenômeno psicológico. Segundo Antunes (2004) muitos
foram os que contribuíram para essa ampliação de saber/fazer, no entanto, uma
participação importante que não se pode esquecer de mencionar, é o da Associação
Brasileira de Psicologia Social, a ABRAPSO, que no início dos anos 1980 tinha como
objetivo central à construção de uma nova maneira de se fazer Psicologia, ou seja,
articulada e comprometida com a transformação da sociedade.
Antunes (2004) destaca a importância das críticas feitas à Psicologia pela própria
categoria. A Psicologia precisa ser também, objeto de estudo da própria Psicologia para
que possa desenvolver um olhar para seu percurso profissional e (re) pensar caminhos
possíveis de atuações.
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2.2. Profissionalização do Psicólogo no Brasil e a Cultura Profissional do
Psicólogo
Conhecer os fatores envolvidos no processo de profissionalização de uma
categoria, no caso do psicólogo, bem como a estruturação de sua cultura profissional é
tarefa que merece uma olhar relevante e particular, não deixando de considerar que a
história é um processo, uma continuidade e que, portanto, se configura como contexto
de possibilidades.
Segundo Freidson (apud Pereira e Neto, 2003) o termo profissionalização seria
conceituado como sendo um tipo específico de trabalho especializado e teoricamente
fundado, que apresentava um conhecimento delimitado, complexo, institucionalizado.
A história do processo de organização profissional permite conhecer e
compreender os fatores que influenciaram a profissionalização e como esta se configura
nos diversos ambientes da sociedade. A cultura se mostra como um desses elementos
norteadores desse processo e, portanto, possibilitador de uma compreensão da
sistematização e consolidação da profissionalização.
Um ponto importante para entender a cultura profissional do psicólogo é o
Modelo Hegemônico de Subjetividade. Falar sobre esse Modelo Hegemônico de
Subjetividade no campo Psi, segundo Dimenstein (2000), é considerar o contexto no
qual esse modelo emergiu e se consolidou. Nesse cenário vigoram idéias próprias ao
ideário individualista, de um indivíduo livre, autônomo, senhor de si, despido de
aspectos sociais e culturais. Dessa forma, temos um indivíduo que ao mesmo tempo em
que possui algo que o une aos demais de sua espécie, também possui elementos que o
tornam dono de uma interioridade ímpar e singular.
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Outro aspecto fundamental na construção desse modelo é o próprio advento da
Psicanálise, com sua teoria, que influenciou a Psicologia e a Psiquiatria, por trazer uma
visão na qual supera a idéia consciencialista no sentido de que constrói uma visão de
homem como clivado e determinado de dentro para fora, ou seja, por forças
inconscientes. “Sua experiência está onde sua consciência não pode chegar, ele é um
trágico personagem sempre tentando compreender e interpretar as motivações
desconhecidas que o governam”, Bezerra (1989, apud Dimenstein, 2000, p.98).
Podemos, assim, perceber que a psicanálise trás um modelo de subjetividade individual
e individualizante, narrando um sujeito mediado pela sua história e que não governa
suas ações e pensamentos.
As produções históricas que foram formuladas pela psicanálise aliadas ao
contexto histórico no qual predominava o ideário individualista, conforme visto
anteriormente, possibilitou a criação desse modelo hegemônico com o seu “sujeito
psicológico”.
Trazendo essa visão de homem para o Brasil, do sujeito psicológico, temos
Dimenstein (2000) que fala que a difusão da psicanálise se deu nas décadas de 1960 e
1970, na qual ganha uma dimensão nos meios sociais a tal ponto que é tida como uma
visão de homem e de mundo. Essa popularização produziu um ideal de sujeito e se
configurava, como ainda se configura, como sendo uma forte influência nos espaços da
sociedade, podendo assim falar de uma cultura psicanalítica. É importante ressaltar que
o contexto possibilitou não só a emergência como a propagação do sujeito descrito. Ou
seja, a difusão da psicanálise responde a uma demanda social afetada pela aceleração
moderna e tecnológica vivenciada pela sociedade brasileira nos anos 1950.
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Dessa maneira, a psicanálise ganha status nos diversos âmbitos e em decorrência
disso vai permear os saberes e práticas dos profissionais psi1, como destaca Dimenstein
(2000).
A cultura profissional do psicólogo brasileiro é permeada por essa visão de
mundo que traz a psicanálise. Podemos compreender essa influência quando analisamos
a história e a ideologia da profissão descrita, bem como a população que ingressa nos
cursos de psicologia no país.
Em se tratando da história e da ideologia da profissão no Brasil temos que esta
esteve comprometida com a promoção dos valores hegemônicos das ideologias
dominantes na sociedade. Essa reprodução também esteve presente nos espaços de
ensino já que ela não visava transformar as práticas e o ideário vigente, não
possibilitando aos alunos os conhecimentos necessários, no que diz respeito aos
aspectos socais, políticos, econômicos e culturais. Construindo, assim, uma Psicologia
ingênua e ineficaz, já que ela se apresentava como apolítica e neutra. Podemos ressaltar
que esta postura acadêmica está disseminando, quer seja de forma direta ou indireta, um
modelo vigente (modelo de atuação privatista de referência psicanalítica) de saberes e
práticas que acaba influenciando tanto a escolha de futuros profissionais na área, como
também a construção de representações sociais do psicólogo brasileiro. Ou seja, a
ideologia dominante que movimenta os comportamentos e pensamentos acaba por
acarretar uma visão e atuação profissional descontextualizada e não implicada com o
contexto social.
1 Dimenstein (2000) define por psi o conjunto e conhecimentos (psicanálise, psicologia e psiquiatria) e de suas práticas, bem como dos profissionais envolvidos.
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É nesse sentido que os aspectos culturais que perpassam a nossa categoria
profissional se colocam como importante elemento de investigação, compreensão e
reflexão para o campo da Psicologia.
No campo da assistência pública à saúde temos que esse modelo clínico de
atuação até então discutido, ao ser transposto ao setor público gera, muitas vezes,
intervenções desarticuladas com a demanda da população a ser atendida, promovendo
conflitos com relação às representações de saúde de doença, bem como a eficácia das
terapêuticas e os conseqüentes abandonos dos tratamentos.
A população atendida nesse serviço traz consigo um conceito próprio de corpo,
saúde e de doença, que se diferencia do modelo vigente de subjetividade trabalhado
pelos profissionais do campo psi nessa rede. A visão trazida pela população considera
aspectos como a coletividade, solidariedade e a reciprocidade existente nessa
comunidade que acabam por conduzir as existências individuais.
Sendo assim, temos também que as expectativas desses dois públicos são
diferentes. A clientela da clínica privada busca “se conhecer”, “se tratar”, enquanto que
a clientela do serviço público buscaria eliminar o sintoma que lhe causa sofrimento. As
questões trazidas por esse segundo público escapam do domínio especifico da clínica
por se referir às condições de vida da população. Surge então um impasse para a
Psicologia. Impasse esse causado pela predominância da Psicologia em enfocar o
sujeito como um ser abstrato, a-histórico, desvinculado do contexto social. Possuímos
idéias que são tidas como universais e, como exemplo, podemos citar os conceitos de
saúde e de doença, suas causas e possibilidades de cura. Tais representações acabam por
influenciar na eficácia do atendimento feito a população que freqüenta as instituições
públicas de saúde (Dimenstein, 2000).
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O arsenal trazido pelos psicólogos na sua teoria e prática nem sempre é
adequado, resultando, conforme já fora visto, em intervenções e estratégias de ação
descontextualizadas e etnocêntricas. Sendo assim, Figueira (1978, apud Dimenstein,
2000) fala que a prática terapêutica só será eficaz quando ela oferecer sentido, uma
explicação para o seu sofrimento e para as suas vivências. É preciso que o cliente e o
terapeuta compartilhem de quatro noções fundamentais, conforme coloca a autora:
causalidade cura, tempo-memória e individuo.
É preciso considerar, segundo Traverso-Yépez (2001) que a doença e o
sofrimento não se reduzem a uma evidencia orgânica. Existe toda uma ordem de
significações culturais que são construídas socialmente, que acabam por influenciar a
forma como cada indivíduo usa a seu corpo, como ele expressa os seus sintomas, bem
como os seus hábitos e estilos de vida, enfim, a maneira como cada pessoa pode
experimentar os seus estados de saúde e doença. O modelo biomédico hegemônico
limita a sensibilidade de perceber os recursos positivos do paciente, que poderiam vir a
ajudar-lhe em seu processo, de forma a fazê-lo reconhecer sua identidade e seu poder
pessoal.
2.3. Políticas Públicas e Saúde Pública no Brasil
Pensar sobre a inserção da Psicologia no Campo da Saúde Pública implica em
conhecer esse espaço que possui princípios, objetivos e uma ordem particular de
funcionamento, porque dessa forma poderemos, assim, contextualizar nossas ações e os
serviços prestados nesse cenário social.
Quando nos debruçarmos sobre a história da saúde pública no mundo, e mais
precisamente no Brasil, podemos perceber que as forças econômicas, políticas e sociais
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possuem uma grande influência na construção e/ou reconstrução de conceitos e
paradigmas de uma época. Nesse sentido se faz necessário transcorrer sobre os diversos
conceitos de saúde atribuídos ao longo dos anos para que possamos compreender
aspectos ligados a esse universo.
Acreditamos ser extremamente relevante trabalhar o conceito de saúde, pois esse
conceito vem influenciando a conduta dos profissionais envolvidos nesse processo, bem
como ocasionando conseqüências tanto individuais como sociais. Não podemos
esquecer que os diversos conceitos de saúde são produções de uma época e esses
conceitos passam, então, a interferir na forma como a saúde pública é estruturada e nas
conseqüentes mudanças nas políticas públicas de saúde.
Na Idade Antiga e Idade Moderna, segundo Medeiros (2000), não se pensava em
saúde de forma sistematizada. O que havia eram medidas higienistas que falavam de
uma preocupação do Estado com questões relativas ao saneamento, à limpeza, ao
tratamento de água, a educação em saúde, dentro outros.
Foi apenas no Séc. XIX, influenciado pelo modelo biomédico e pela postura
reducionista e elementista dominante da medicina científica da época, que a saúde passa
a significar a ausência de doenças. Podemos pensar que esse conceito aparentemente
simples esconde, na verdade, uma grande complexidade no sentido de que desconsidera
aspectos pertinentes ao processo de saúde/doença, como o contexto no quais os
indivíduos estão inseridos, no sentido de enxergá-los de forma tridimensional
(biopsicosocial).
No século XX, no final da década de 1980, forças contextuais da época, como o
processo de reforma sanitária e a transição democrática do Brasil, a saúde é vista como
sendo uma entidade contextual e histórica, que é determinada pela sociedade. Desse
conceito fazem parte questões como alimentação, habitação, renda, trabalho, lazer,
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dentre outros. É pela Reforma Sanitária que a saúde é entendida como sendo um direito
de todos, independente de contribuírem ou não para o sistema, e dever do Estado.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), segunda Vianna e Queiroz (1992),
defendeu a necessidade de se promover mudanças nessa percepção de saúde/doença,
conforme foi verificado, na Conferência Internacional de Alma Ata, em 1978. Sendo
assim, é operacionado o conceito de saúde como sendo um estado de completo bem
estar físico, mental e social, ampliando a visão anterior para os diversos fatores que
estão relacionados a saúde/doença.Esse completo bem estar é um direito inalienável de
todo indivíduo, no qual o serviço de saúde deve pressupor uma cobertura que seja
hierarquizada, universalizada, integrada, regionalizada e descentralizada.
Esse conceito rompe com a dualidade saúde x doença e também com a visão
medicamentosa utilizada até então, já que com a concepção adotada pela OMS, a saúde
considera as dimensões biológicas, psíquicas e sociais. Esse conceito influenciou os
avanços nas políticas públicas de saúde, porém ele também apresenta seus limites, pois
propor completo bem estar como equivalente de saúde seria pensarmos em um conceito
utópico e estático. Utópico porque dificilmente iremos conseguir manter por um longo
período de tempo esse completo bem estar físico, mental e social e estático, já que acaba
por negar a dinâmica da vida humana que está sendo suposta nesse completo bem-estar.
Acreditamos que seja importante não só possuir esse olhar que considera o
homem como um ser tridimensional, como citado anteriormente, mas também
precisamos considerar as particularidades de cada indivíduo, dando-lhes a oportunidade,
e quem sabe o direito, de descobrir-se enquanto ser saudável ou doente. Entendemos
que saúde e doença não são conceitos opostos, muito menos definidos, tendo em vista
que dor e prazer são dimensões subjetivas.
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Sendo assim, é necessário que tenhamos um conceito de saúde que atenda as
particularidades do sujeito em sua concepção do que seja saúde e doença. Entendemos,
assim, que a saúde é o poder de cada pessoa em tolerar e compensar as agressões do
meio, enfrentando situações novas. Cada pessoa possui capacidades próprias de
administrar, automaticamente, as tensões do meio com as quais ela precisa conviver.
Não se trata simplesmente da busca pelo equilíbrio, pela adaptação ou pela
conformidade com o meio. Trata-se, então, da possibilidade que o sujeito tem de
instituir novas normas em situações novas. Nesse sentido, o saber técnico não deve ser
visto como inimigo ou ser renegado, mas sim como um aliado, podendo sugerir, ajudar
a dar sentido ao que não está evidente para a pessoa, se dispondo a aceitar que cada
pessoa o instrua sobre algo que somente ela está capacitada a dizê-lo.
Trazendo para a discussão da história da saúde pública os diversos conceitos de
saúde apresentados temos que é possível compreender como se estruturou esse sistema,
com seus desafios, limites e avanços no campo das políticas públicas. Porém, as
mudanças nas políticas de saúde não são resultados apenas de mudanças nos conceitos
de saúde, tendo em vista que diversos acontecimentos na sociedade brasileira vieram
também influenciar essas mudanças.
Retomando ao século XIX temos, como destaca Silva (1988), que com o
incremento da industrialização e da urbanização, houve a emergência de enfermidades
devido, quase que exclusivamente, a crescente e desordenada urbanização das cidades,
principalmente, pelos fluxos migratórios do campo e de outros países para as grandes
cidades, desencadeando aglomerações humanas nos espaços urbanos e suburbanos em
condições precárias de vida. As epidemias que surgiam, muitas vezes, eram decorrentes
dessa realidade.
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As epidemias traziam prejuízos à economia da época, já que ocasionava a morte
em massa dos trabalhadores, prejudicando a produção plena, Rosen (1994, apud
Medeiros, 2000). O governo começa a ser pressionado por diversos setores da sociedade
para implantar medidas preventivas, envolvendo a incorporação de hábitos de higiene
para a população e saneamento. Como conseqüência dessas pressões sociais nasceu os
princípios da Reforma Sanitária e da ação comunitária em saúde, que tinham o objetivo
de diminuir a morbidade da população e a mortalidade infantil. Com o ato da saúde
pública, em 1875 na Inglaterra, temos um marco inicial da reforma sanitária, visando
diminuir a pobreza e melhorar as condições de vida da população. Foi a partir dela,
também, que o Estado assumiu o papel de organizador da saúde, provendo cuidados
necessários à população, no que diz respeito ao processo saúde/doença (Medeiros,
2000). É importante salientar que esses movimentos tinham, em seu bojo, interesses
políticos e econômicos, com o objetivo de manutenção da lógica capitalista: o lucro.
No Brasil a saúde pública como campo se inicia no período de colonização, no
século XVII, quando os primeiros médicos chegaram ao território brasileiro, já que no
cenário local as guerras, o isolamento e as doenças colocavam em perigo o projeto de
colonização e exploração econômica. As medidas adotadas por tais profissionais não
eram efetivas, não só pela falta de conhecimento epidemiológico, mas também pelo fato
da população ter medo de se submeter aos tratamentos com purgantes e sangrias, pela
dificuldade dada pelo tamanho do nosso território e pela pobreza de grande parte da
população (Bertolli, 2002).
Com a chegada da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro em 1808, se fez
necessária à criação de centros de formação para médicos com o objetivo de assim ser
efetuado um atendimento mais constante e organizado, referentes às questões sanitárias,
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já que havia graves problemas de saúde da coletividade, não só relacionados às
epidemias de varíola, mas também a falta de higiene da cidade.
A Proclamação da República no Brasil, em 1889, inspirado pelo cenário
mundial, é tida a idéia de que o Brasil precisa modernizar-se para promover o progresso
nacional. Para isso, o povo precisava estar suficientemente educado e saudável para o
trabalho. Surge um novo campo de conhecimento voltado para o estudo e prevenção de
doenças, que foi denominado de medicina pública, higiene ou, simplesmente, saúde
pública (Bertolli, 2002).
Foi decorrente das mudanças ocorridas nos espaços sociais, tais como o
surgimento de novos conhecimentos clínicos e epidemiológicos e o homem tido como
força de trabalho, que proporcionou a elaboração, por parte do governo, de minuciosos
planos para combater as enfermidades que acabavam por diminuir a expectativa de vida
do proletariado. Essa postura governamental contínua com relação às questões de saúde
possibilita a criação de uma “política de saúde”. É relevante pontuarmos que mesmo
com o compromisso do Estado de zelar pela saúde de todos esta prerrogativa não se
efetuava de fato na prática.
Andrade et al (2000) destacam que durante a República Velha (1889 – 1930),
mais precisamente na década de1920, surgem, no cerne do cenário industrial, as Caixas
de Pensões, que foram substituídas pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões, na
década de 1930. Foi então na década de 1960 que houve a unificação destas em Instituto
Nacional de Assistência Médica e Previdência Social, funcionando como marca na
administração das políticas de saúde pública no Brasil. Esse período, de 1923 a 1975, se
caracterizava por um atendimento médico de cunho assistencialista, privativo,
especialista, individualista, em função de um atendimento da saúde pública. Postura
essa que nos faz refletir sobre o desenvolvimento da medicina científica em conjunto a
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saúde pública (Medeiros, 2002). A Medicina, quando se consolida, fundamenta seu
trabalho no positivismo e no pensamento cartesiano, desenvolvendo, assim, uma forma
de ver a doença e de como tratá-la. É através do Relatório Flexner, nos EUA, que marca
a estruturação desse campo de saber. Tais princípios nortearam, como ainda norteiam
parte da classe médica, as práticas de saúde. São eles: o mecanicismo, biologismo,
individualismo, especialização, exclusão das práticas alternativas, tecnificação do ato
médico e ênfase na medicina curativa (Medeiros, 2000).
De acordo com Arretche (1999) foi no período dos anos 1960 e 1970 que o
Brasil esteve sob o regime militar, se caracterizando como um Estado Unitário, ou seja,
havia centralização financeira e administrativa pelo Governo Federal, detendo exclusiva
autoridade política. Não é por acaso que foi nessa época que foi constituída uma das
principais características do Sistema Brasileiro de Proteção Social: a centralização
financeira e administrativa. Em decorrência desse modelo de gestão militar o sistema
previdenciário se mostra ineficaz pelo fato de que o Estado, ao possuir exclusividade
administrativa dos recursos financeiros, diminuiu os investimentos feitos no setor
social, acarretando em insatisfação e pouco resolutividade das questões apresentadas.
Havia uma consciência por parte do Estado da necessidade de promover a saúde
coletiva em prol da produtividade, mesmo assim, a ênfase dada pelo Estado era no
atendimento médico produtivista e individualizado. Podemos, então, perceber que a
institucionalização da saúde pública se configurava como algo desarticulado das
necessidades particularidades de cada instância, fosse ela no âmbito estadual ou
municipal.
Porém, saindo da década de 1970, temos que é ao longo dos anos 1980 que é
recuperada a base federativa do Brasil (Arretche, 1999). Nesse momento de
redemocratização do país a Reforma Sanitária se caracteriza como sendo um importante
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veículo de transformações para o campo da saúde pública, já que esse espaço
democrático proporciona uma luta por um sistema de saúde eficaz. Medeiros (2000) nos
apresenta a tentativa de colocar em prática os princípios defendidos ao longo de seu
movimento, tais como a descentralização, o reconhecimento das individualidades dos
usuários, referente aos aspectos psicológicos, a melhor gestão de recursos e a melhor
formação dos profissionais, atendendo, principalmente, as necessidades dos menos
privilegiados em detrimento da ideologia neoliberal existente.
É com a VIII Conferencia Nacional de Saúde, em março de 1896, que se
fortalece a Reforma Sanitária, caracterizando-se como um marco desse movimento. Em
conseqüência desse fórum de discussão, que abrangem os diversos setores sociais, foi
construído o artigo de n° 196, trazido pela Constituição Brasileira de 1988: “Saúde,
direito de todos e dever do Estado”. Os pressupostos discutidos na VIII CNS
proporcionaram pensar no fenômeno saúde/doença além do aspecto biológico, visando
às condições de existência das pessoas. Essa concepção de saúde/doença que foi
defendida trás conseqüências positivas, na medida em que abarca os diversos fatores
que estão envolvidos nesse processo e ultrapassa os conceitos adotados ao longo da
história.
A Carta de 1988, segundo Andrade et al (2000), revelaram as seguintes garantias
de forma a possibilitar não só a sistematização das ações como dos serviços, com o
objetivo de promover, preservar, proteger e recuperar a saúde individual e coletiva:
saúde como direito de cidadania e dever do Estado, universalidade da cobertura e do
atendimento, buscando a equidade do sistema, bem como a descentralização da gestão
administrativa e a integração da rede pública num sistema único, dentre outros. A partir
dessas garantias foi implantado no Brasil o Sistema Único de Saúde (SUS). Para tal
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proposta são necessários princípios, que serão mencionados abaixo, segundo Campos
(1997, apud Medeiros, 2000).
a) Universalidade: acesso garantido a todos os segmentos populacionais;
b) Descentralização: recursos distribuídos entre estados e municípios, garantindo
o uso dos recursos de acordo com as necessidades sanitárias de cada localidade;
c) Atenção integral ao usuário: a garantia de um atendimento integrado com uma
equipe multiprofissional;
d) Equidade: atendimento sem restrições, para qualquer pessoa;
e) Resolutividade: acesso a atendimentos e tratamentos necessários para a
resolução do problema;
f) Participação da população: no sentido de tomar decisões em conjuntos com os
profissionais e administradores do sistema;
g) Complementaridade do setor privado: para garantir o acesso a qualquer tipo
de tratamento
Tais princípios variam em grau de efetividade entre si e entre os estados, já que é
necessário considerar, como afirma Arretche (1999), as expressivas desigualdades
econômicas e sociais do país, além da capacidade fiscal e administrativa de cada estado.
Tais aspectos podem justificar essas desigualdades, não só no grau como também na
complexidade da implantação do sistema e sua eficácia, por propor um processo de
definição de atribuições e competências na área.
O SUS deve se organizar para que possa oferecer serviços e ações de acordo
com as necessidades da população e com as problemáticas de saúde mais freqüentes em
cada região. Isso diz respeito à racionalidade. Deve, ainda, ser eficaz e eficiente,
prestando serviços de qualidade, além de apresentar soluções possíveis e promover a
participação popular que se organizam em conselhos e conferências de saúde.
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Silvia et al (2001) nos mostra a importância de compreendermos além dos
princípios e diretrizes do SUS, alguns termos usados na área de saúde. No que diz
respeito à Unidade Básica de Saúde temos o conceito de Território Distrito Sanitário
que significa uma área geográfica que comporta uma população com características
epidemiológicas e sociais e com suas unidades reunidas e recursos de saúde para
atendê-la. Tem caráter político-administrativo e podem ser vários bairros de um
município ou até mesmo vários municípios de uma mesma região. Almeida et al (1998,
apud SILVA et al, 2001).
O Território Área de Abrangência nos fala da área de responsabilidade de uma
Unidade de Saúde, segundo Unglert (1993, apud Silva et al, 2001). Com relação ao
termo Território Área de Influência tem-se os interesses ou a acessibilidade. Com
relação à acessibilidade dos serviços de saúde, Silva et al (2001) nos coloca que esses
critérios estão intimamente vinculados às condições de vida da população, que são eles:
o enfoque geográfico que se refere ao nível de distância a ser percorrida, associada à
disponibilidade de transporte e dificuldades. Considerando também ao que diz respeito
aos tipos de serviço que são oferecidos, seus horários, funcionamentos e qualidade
oferecida.
Discorrendo mais acerca das Unidades Básicas de Saúdes, espaço que se
configura como interlocutor entre a comunidade e profissionais de saúde, temos que
estas foram criadas na década de 1930 com a finalidade para atender a uma determinada
área de abrangência populacional. Porém, foi durante as décadas de 1970 e 1980 que
houve uma expansão do número de Unidades Básicas de Saúde (postos de saúde,
centros de saúde), visando seus atendimentos na perspectiva de um novo modelo
assistencial, proposto pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no qual oferece além do
atendimento à demanda a vigilância à saúde, passaram, também a ter como finalidade a
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recuperação, a promoção e prevenção de saúde, objetivando o atendimento universal as
pessoas. Mesmo tendo essa expansão e a proposta de descentralização dos serviços, da
integralidade na assistência, da regionalização, da ampliação da cobertura e da
racionalidade das ações, essas ações não se realizaram de fato.
Um importante membro das unidades básicas de saúde é o Agente Comunitário
de Saúde. Os agentes de saúde são profissionais técnicos em Saúde Pública, que
possibilitam uma ampliação da capacidade das UBS de atendimento na comunidade e
nos domicílios, havendo desse modo uma interação e proteção às pessoas, famílias e a
comunidade. Realizam visitas em função dos programas de saúde. Com relação à
atuação dos agentes temos que estas se configuram como sendo uma ampliação de
autonomia e capacidade de autocuidado de pacientes e das famílias, bem como para
abrir o Centro de Saúde para as demandas e as necessidades emergentes da comunidade.
Ortiz (2002) nos fala que não só a criação como a implementação de programas
para promover a descentralização fez com que cada município conhecesse seus
problemas, agindo de acordo com as suas necessidades. Houve também uma melhora
quanto às transferências dos recursos, que passaram a ser feitas de forma mais
democrática, com a participação da comunidade, além de uma expansão da atenção
primária a saúde e mudanças nas práticas assistências de saúde mental.
Houve, ainda, a criação de programas que se mostraram eficientes, como o
Programa Saúde da Família (PSF), a expansão dos números de medicamentos
genéricos, além do fortalecimento do programa do governo de combate a AIDS, dentre
outros. Ou seja, o processo de reforma do serviço público de saúde nos últimos anos
vem apresentando resultados positivos.
Porém, segundo Ortiz (2002), a heterogeneidade dos estados e municípios
brasileiros faz com que muitos não possuam condições financeiras e humanas para
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assumir todos os compromissos acertados nesse novo processo. Houve falta de
investimentos em ações de prevenção e formação e no desenvolvimento de capacitações
dos recursos humanos que lhe eram disponíveis.
Além disso, como ressalta Salazar et al (2003), de forma geral, muita gente não
consegue ter acesso ao SUS, já que as filas de espera são longas para consultas, exames
e cirurgias, faltam médicos, medicamentos e insumos básicos, sendo grande a demora
nos encaminhamentos e na marcação para serviços mais especializados. Os
profissionais, muitas vezes, não estão preparados para atender “bem” a essa população
que procura o serviço do SUS, sem contar as condições de trabalho e remuneração que
têm se mostrado não muito satisfatórias.
Porém, é importante salientar que a saúde não é responsabilidade apenas do
SUS, mas que também é necessário que haja investimento de recursos, de políticas
econômicas e sociais. Segundo Salazar et al (2003) a garantia de emprego, salários,
educação, administração, habitação e lazer influenciam nas condições de saúde e de
vida da população, ou seja, a saúde não é apenas o atendimento médico, mas também
elementos de prevenção, educação e reabilitação.
Dimenstein e Santos (2005) nos falam de uma perspectiva que adote o
compromisso ético com a promoção do bem-estar social, a responsabilidade profissional
e a produção de serviços de saúde adequados à realidade socioepidemiológica para os
diversos profissionais que estão inseridos no setor público, estando mais implicado com
os atores envolvidos com o processo político de consolidação do SUS, com a crítica das
práticas, das instituições e da organização do sistema.
No que se refere aos princípios da autonomia e da co-responsabilidade também
fica difícil se pensar em praticas psicológicas que não estejam comprometidas com o
mundo social, com o país, com as condições de vida da população brasileira, com a
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própria saúde pública, implicando em sujeitos protagonistas, autônomos, co-
responsáveis por suas vidas. Já o principio da transversalidade demonstra a importância
da intercessão com outros saberes/poderes/disciplinas.
A interface da Psicologia com o SUS se dá pela certeza de que o processo de
inventar-se é imediatamente inventar o mundo e vice-versa. Pensar em fazer política de
saúde, de acordo com Benevides (2005) é pensar que exige a criação de dispositivos, de
espaços de contratulização, entre outros.
Em outras palavras, a implantação de um sistema de saúde é um processo,
estando, assim, sujeito a sofrer avanços, retrocessos e alterações, que podem vir a
influenciar na adoção e alteração de modelos de atuação, no nosso caso, do psicólogo.
Sendo assim, uma dificuldade enfrentada pela Psicologia no SUS está na idéia de que
haja consultas ou atendimentos específicos para cada nível de assistência da rede
(atenção básica, procedimentos especializados e procedimentos assistenciais de alta
complexidade), supondo que existem características que os particularize. Para a
Psicologia essa diferenciação não existe, não se sabe como caracterizá-las e os critérios
adotados podem ser diferentes de profissional para profissional.
O campo da Psicologia diante desse panorama da estruturação do SUS apresenta
que nova demanda de responsabilidade social, como destaca Dimenstein (1998), estão
sendo feitas aos psicólogos. Isso implica em questionamentos de seus saberes, modelos
de assistência, referenciais teóricos, bem como a sua adequação a realidade exposta do
SUS. Quando falamos de responsabilidade social estamos usando o conceito de
Dimenstein (2000) no qual os sujeitos devem ser capazes de investir na produção de
modos heterogêneos de cuidado, singularizando a atenção, respeitando a diversidade
não só cultural como subjetiva dos usuários, de forma a criar veículos e
responsabilidade com a saúde do público. Esse profissional não deve estar escravizado
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pela técnica, pelos saberes totalizantes, e sim por modelos de explicação que estejam
ampliados acerca do processo “promoção-saúde-doença-cuidado”.
A aplicabilidade dos princípios do SUS requer construção e/ou reconstrução
teóricas e práticas com o intuito de abarcar as mudanças ocorridas, repensando os
pressupostos mantidos ao longo da história, que dificultou como ainda dificulta, uma
eficácia do Sistema Único de Saúde, bem como as políticas sociais, como caminhos
possíveis para a consolidação da saúde pública no Brasil.
2.4. Inserção do Psicólogo na Saúde Pública
De acordo com Spink (2003) a Psicologia embora esteja intimamente
relacionada com o conceito de saúde (defendida pela Organização Mundial de Saúde
como sendo o completo bem estar físico, mental e social), acaba por chegar tarde ao
espaço de saúde, tentando definir seu campo de atuação, sua contribuição teórica
efetiva, bem como as formas de incorporação do biológico e do social ao fator
psicológico. Procurava abandonar os enfoques centrados em um indivíduo abstrato e a-
históricos, tão usuais na Psicologia clínica tradicional.
Tudo isso nos fez relembrar que até recentemente o campo de trabalho da
Psicologia se resumia, principalmente, em dois espaços: o consultório particular
(restrito a uma clientela mais abastada) e os hospitais e ambulatórios de saúde mental.
Martins e Júnior (2001) falam que o trabalho do psicólogo em instituições de
saúde remonta a metade do século XX e surgiu como proposta de integrar a Psicologia
na Educação Médica. O deslocamento dos psicólogos da clínica privada trouxe também
um aumento de interesse na área da saúde, ampliando o espaço-público e as demandas
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do contexto social. A Psicologia da saúde surge, então, como uma necessidade de
promover e de pensar o processo saúde/doença como um fenômeno social.
Matarazzo (apud Martins e Júnior, 2001) nos coloca que a Psicologia da Saúde
deve possuir “o conjunto de atribuições educacionais, científicas e profissionais
específicos da Psicologia para a promoção e manutenção da saúde, prevenção e
tratamento de doenças, na identificação da etiologia diagnóstica relacionados à saúde, a
doença e às disfunções, bem como no aperfeiçoamento do sistema de políticas de
saúde” (p.815).
Martins e Júnior (2001) defendem a posição de que a prática da Psicologia da
saúde deve envolver serviços à comunidade, o ensino e pesquisa, dentro da realidade
brasileira.
Visando efetivar o princípio da atenção integral do SUS diversos profissionais
são chamados a participar do serviço, tornando-se, assim, um pólo de atração para esses
profissionais. Entre eles faziam parte os psicólogos, cuja inserção nesse espaço, da
saúde em sua vertente institucional, não fazia parte de suas linhas de atuação. A via de
acesso desse profissional foi à saúde mental, porém, essa não era a sua atuação de
preferência, tendo em vista que, devido a sua formação profissional, eles não estavam
preparados para atender casos graves, crônicos ou agudos, conforme eram a clientela do
centros referenciados e as unidades básicas. Como conseqüência tem-se o privilegio
dado às demandas que não apresentavam alto grau de comprometimento mental ou
psíquico (Oliveira et al, 2005).
O lugar da Psicologia no campo da saúde pública, segundo Benevides (2005),
requer reflexões, (re) construções de saberes e práticas que venham a possibilitar pensar
as interfaces da Psicologia com o SUS. Entre os pontos abordados a autora coloca o
princípio da inseparabilidade, que justifica a não dicotomia entre o coletivo e o
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individual, a clinica da política, o singular do coletivo, o macro do micro, pois fazer
política pública (SUS) é fazer política, ou seja, os processos de subjetivação se dão no
plano da coletividade, da multiplicidade, no plano público.
No que se refere aos princípios da autonomia e da co-responsabilidade também
fica difícil se pensar em praticas psicológicas que não estejam comprometidas com o
mundo social, com o país, com as condições de vida da população brasileira, com a
própria saúde pública, implicando em sujeitos protagonistas, autônomos, co-
responsáveis por suas vidas. Já o principio da transversalidade demonstra a importância
da intercessão com outros saberes/poderes/disciplinas.
A interface da Psicologia com o SUS se dá pela certeza de que o processo de
inventar-se é imediatamente inventar o mundo e vice-versa. Pensar em fazer política de
saúde, de acordo com Benevides (2005) é pensar que exige a criação de dispositivos, de
espaços de contratulização, entre outros.
Em outras palavras, a implantação de um sistema de saúde é um processo,
estando, assim, sujeito a sofrer avanços, retrocessos e alterações, que podem vir a
influenciar na adoção e alteração de modelos de atuação, no nosso caso, do psicólogo.
Sendo assim, uma dificuldade enfrentada pela Psicologia no SUS está na idéia de que
haja consultas ou atendimentos específicos para cada nível de assistência da rede
(atenção básica, procedimentos especializados e procedimentos assistenciais de alta
complexidade), supondo que existem características que os particularize. Para a
Psicologia essa diferenciação não existe não se sabe como caracterizá-las e os critérios
adotados podem ser diferentes de profissional para profissional.
O campo da Psicologia diante desse panorama da estruturação do SUS apresenta
que novas demandas de responsabilidade social, como destaca Dimenstein (1998), estão
sendo feitas aos psicólogos. Isso implica em questionamentos de seus saberes, modelos
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de assistência, referenciais teóricos, bem como a sua adequação a realidade exposta do
SUS. Quando falamos de responsabilidade social estamos usando o conceito de
Dimenstein (2000) nas quais os sujeitos devem ser capazes de investir na produção de
modos heterogêneos de cuidado, singularizando a atenção, respeitando a diversidade
não só cultural como subjetiva dos usuários, de forma a criar veículos e
responsabilidade com a saúde do público. Esse profissional não deve estar escravizado
pela técnica, pelos saberes totalizantes, e sim por modelos de explicação que estejam
ampliados acerca do processo “promoção-saúde-doença-cuidado”.
Foi a partir do final da década de 1970 que houve aumento no número de
psicólogos atuando nas diversas instituições de saúde, número esse ainda pequeno
diante da categoria médica que representava 74,42% para 1,14% de psicologia. Isso
deixa bem claro porque a categoria dos profissionais da Psicologia era pouco expressiva
na composição de força de trabalho no campo da saúde. Esse percentual vem
aumentando e a profissão vem gerando espaço e adquirindo reconhecimento no âmbito
social (Dimenstein, 1998).
Diante desse contexto, para a autora cima, alguns fatores foram extremamente
importantes para consolidar a entrada do psicólogo nos espaços das instituições de
saúde. São eles: o contexto das políticas públicas de saúde do final dos anos 1970 e da
década de 1980, no que se refere à política de recursos humanos; a crise econômica e
social do Brasil na década de 1980 e a retração do mercado dos atendimentos privados;
bem como os movimentos da categoria na tentativa de redefinição da função do
psicólogo na sociedade e a difusão da psicanálise e a psicologização da sociedade.
O contexto da década de 1970 delineou um quadro de recessão e inflação que
teve seu auge nos anos 1980. Isso foi devido a vários fatores, entre eles: um acelerado
crescimento populacional, migrações para os centros urbanos, desencadeando uma
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configuração social desordenada levando a um número significativo de pessoas a
viverem em más condições de vida no que diz respeito à moradia, alimentação e
também trabalho. Nesse cenário dos anos 1980 também se observou uma crise da
economia, acarretando no endividamento externo, na expansão da dívida pública e na
elevação dos juros. Com tudo isso a saúde pública também é afetada, na medida em que
são feitos cortes progressivos aos programas sociais e de saúde (Dimenstein, 1998).
A grave crise enfrentada pelo Brasil nessa época contribuiu para a entrada do
psicólogo no campo da saúde, já que com a crise os atendimentos mostravam-se cada
vez mais reduzidos, tendo em vista que a classe média (que era sua grande
consumidora) entrou em um processo de empobrecimento, contendo despesas. Além
disso, o número de profissionais que saia das universidades eram cada vez maiores,
gerando um desequilíbrio entre a oferta e a procura pelo serviço.
Sendo assim, o serviço de saúde se tornou um grande atrativo para os
psicólogos, como um todo (recém formados ou não), tendo em vista que esse espaço
lhes oferecia um emprego vitalício, com carga horária reduzida, possibilitando o
exercício clínico.
Esse panorama social sustenta um modelo de prática médica curativa, individual,
assistencialista, hospitalocêntrico, em detrimento da saúde pública. O psicólogo, quando
se insere nesses espaços públicos, assiste a todo esse arsenal histórico e social de
atuação como também aos movimentos reformistas que ocorreram nos Estados Unidos e
na Europa que influenciaram os diversos espaços sociais. Perante essas circunstâncias
podemos notar que o campo da saúde mental configura-se como grande pólo de
inserção de psicólogos, conforme anteriormente discutido (Dimenstein, 1998).
Foi, ainda, na década de 1980 que efetivamente se questionaram acerca dessa
situação e perspectiva profissional, visando uma prática mais comprometida
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socialmente. Dimenstein (1998) nos coloca que os hospitais, postos, ambulatórios e
centros de saúde se consolidaram como espaço privilegiado para o desenvolvimento de
novas práticas psicológicas.
É preciso pensar, diante da dissertação exposta, que o tempo de inserção do
psicólogo nas instituições da rede pública de saúde é relativamente curto, havendo, com
isso, um número ainda pequeno desses profissionais atuando nesse campo, por mais que
essa inserção venha aumentado gradativamente. Diante desse vasto campo de saúde as
Unidades Básicas de Saúde também se configuram como local de atuação dos
psicólogos, local aqui escolhido por nós para se pensar e repensar a psicologia. Esse
espaço também apresenta seus impasses, dificuldades e questionamentos,
principalmente, no que diz respeito à formação acadêmica, bem como ao modelo
limitado de atuação e, também, a dificuldade de adaptarem-se as dinâmicas necessárias
de perfil profissional colocado pelo SUS. É preciso repensar os aportes teóricos e
práticos que fundamentam os modelos de atuação, de modo a buscar uma
contextualização precisa para o exercício profissional do psicólogo.
Inserido nesse serviço a Psicologia encontra desafios, muitas vezes, em virtude
das dificuldades de adequação, no modelo do trabalho e clientela atendida, conforme já
apresentado. Segundo um estudo feito pelo Conselho Regional de Psicologia da 6°
Região, segundo Silva et al (2001), podemos apontar a psicoterapia em adultos, o
psicodiagnóstico, a ludoterapia, a orientação a gestante e aos hipertensos como sendo as
atividades psicológicas mais freqüentes em Unidades básicas de Saúde. Ainda segundo
esse autor, o estudo aponta que a abordagem mais utilizada é a psicanálise e os
instrumentos utilizados são as entrevistas, a psicoterapia individual, os testes,
psicoterapia breve, observação lúdica, psicoterapia grupal, dinâmica de grupo, grupos
operativos e observação.
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Com relação à atuação do psicólogo relacionada aos princípios e diretrizes do
SUS temos que este princípios e diretrizes, por várias vezes, não se aplicam a Psicologia
na medida em que há tratamentos que possuem longa duração (anos) e queixas, tanto
dos profissionais como dos usuários com relação a crescente demanda não atendida.
Esses são alguns dos fatores, segundo Oliveira et al (2004), dos quais há impasses para
a efetividade das diretrizes e princípios do SUS ao campo da Psicologia.
Para o autor citado acima a saúde pública é lugar para a clínica ou para a
psicoterapia, propostas tão defendidas e encontradas na pesquisa realizada, mas não
podemos restringir o trabalho da Psicologia nesses locais a esse atendimento,
pscoterapêutico, sob a conseqüência de não cumprir os princípios do SUS. “A
Psicologia precisa pensar em novas formas de ação em saúde pública, que ultrapassem
as fronteiras institucionais, resgatem a cidadania dos usuários e caminhem para um
enfoque preventivo” (p. 87).
Para tal Lo Bianco e Cols (1994, apud Lima, 2005) a inserção do psicólogo na
rede básica de saúde precisaria levar em conta condições, planejamento e execução de
ações com base em demandas coletivas, além de uma atenção às especificidades
trazidas pela população, da necessidade de lidar com um contingente maior de
indivíduos, levando em consideração o contato direto com as condições concretas de
vida da comunidade que expressa um poder aquisitivo não privilegiado
economicamente e a própria concepção de “clínica psicológica”, podendo abarcar ações
de baixa complexidade que visem práticas preventivas e voltadas para a promoção de
saúde.
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2.5. Formação, Atuação e Demanda.
Vários aspectos ligados à formação em Psicologia devem ser trazidos à
discussão. Dentre esses aspectos temos a questão da manutenção de um modelo de
atuação em clínica, modelo esse que é alimentado pelas graduações na área. O curso
tende a responder a imagem que a sociedade e a própria classe tem do psicólogo como
clínico especializado. Aliado a isto tem, também, um despreparo para a apreensão dos
contextos institucionais inseridos na saúde pública, bem como das reais características
da população atendida por esse serviço. Configurando-se, assim, “uma defasagem
progressiva entre os conteúdos da formação universitária e as necessidades do setor de
saúde” (SILVA, 1992, p.35).
Concordamos com Spink (2004) ao destacar a importância de refletir sobre a
formação necessária para a inserção do psicólogo em instituições na área da saúde.
Primeiramente é preciso que retomemos a definição de instituição, que segundo a autora
é um sistema de normas que estruturam um grupo social, regulam sua vida e seu
funcionamento, como também para indicar um espaço, um estabelecimento, para a
promoção de um determinado objetivo.
Como ressaltam Berger e Luckman (1976, apud SPINK, 2004) “[...] é através do
processo de institucionalizam que determinadas trocas simbólicas no processo de
transmissão geracional adquirem objetividade e qualidade de gatos inegáveis,
adquirindo a força de instituições sociais” (p.133).
Dessa forma, ao tentar compreender a formação do psicólogo para a prática em
instituições de saúde estamos buscando subsídios para essa inserção por meio da
organização, mesmo que esse psicólogo visse trabalhar apenas para o usuário, seja isto
por meio de um atendimento individual ou em grupo. Esse conhecimento das normas,
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regras, estruturação e funcionamento de uma determinada instituição se configuram
como ingredientes importantes para o desempenho profissional.
Nesse processo de transferência do psicólogo para as instituições de saúde é
preciso que ocorra uma expansão desse referencial, de forma contextualizada e que leve
em conta a alternativa, ou seja, a perspectiva do outro que vive e compartilha de um
espaço cultural. É aceitar que existem determinantes e condicionantes sociais, bem
como uma realidade multiforme. O que nos leva a conhecer os rituais dessa instituição,
os mitos, as representações compartilhadas que sustentam a ação conjunta, bem como as
diferenças e semelhanças no comportamento dos atores e sua hierarquia.
A autora Spink (2004) destaca duas questões tão pertinentes nesses espaços
públicos de saúde: Onde intervir? Qual é a importância do trabalho terapêutico quando
os determinantes sociais se mostram como heterogêneos e prementes? O psicólogo ao
se inserir nesses espaços se depara com essa questão tão discutida e questionada, bem
como em um cenários institucional que é habitado por diversos atores, com suas
complexas relações intra e intergrupal.
Sendo assim, uma alternativa para preparar os alunos da academia para a atuação
em saúde pública seria pensar as grades curriculares como forma de alternativa de se
buscar atuações comprometidas com toda a sociedade e com a real necessidade da
população. (Silva, 1992). Ceccin e Fernerwerker (2004) nos afirmam que as
universidades e outras instituições vêm sendo pressionadas para reavaliar sua forma de
relacionamento com a sociedade. Esse pedido de mudança decorre da importância de se
pensar as novas modalidades de organização no mundo do trabalho em saúde. A
universidade, portanto, exerce papel nessas posturas profissionais que questionamos.
Porém, Figueiredo (1996) trás uma discussão bastante relevante com relação às
grades curriculares. De acordo com ele desde que o currículo mínimo obrigatório para a
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preparação dos psicólogos foi criado que surgem questionamentos em torno do que é
oferecido. É preciso perceber que a Psicologia está, na verdade, “organizada em torno
de interesses políticos e cognitivos distintos e na forma de comunidades e
subcomunidades teóricas e profissionais, relativamente autônomas, com seus órgãos de
publicação, seus congressos, seus institutos de formação bastante independes uns dos
outros” (FIGUEIREDO, 1996, p. 114).
Para que exista um currículo mínimo seria necessária uma relação de forças,
entre diversas concepções do que seja fazer, pensar e ensinar Psicologia. Sendo assim,
um ideal de graduação (onde os alunos possam pensar em usufruir as disciplinas pagas
de forma harmoniosa e interdependente) não existe. O que existe são resultados
provisórios do conflito entre perspectivas e mais ou menos díspares, ou melhor, seria o
resultado de um jogo político que envolve a direção das universidades, o corpo docente
e às vezes, parte do corpo discente, nos quais não há pureza e sim interesses que se
misturam, deixando as convicções acadêmicas embrulhadas como se fosse uma teia de
pressões.
Ainda com relação às grades curriculares temos o que Figueiredo (1996) fala,
referindo a concepção de Winnicott quando aponta a relação mãe-bebê e destaca a
importância do termo “deixar a desejar”. Para Winnicott uma “mãe suficientemente
boa” é aquela que possibilita ao bebê os cuidados de sustentação e proteção para seu
desenvolvimento físico e psíquico, como também se posicionando como sendo uma
mãe que falha e que deixa a desejar, de forma a proporcionar para a criança o
crescimento e que ele venha a adquirir autonomia.
Figueiredo (1996) faz então uma analogia dessa mãe suficientemente boa com as
grades curriculares, no sentido de que nos faz pensar um currículo de Psicologia não vai
satisfazer todos os desejos e necessidades dos alunos, por mais que haja a pretensão
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dessa busca. Essa analogia permite perceber que o currículo suficientemente bom seria
o que dá sustentação e proteção básica, mas que também comente falhas e deixa a
desejar, pois esse currículo não pretende acompanhar os alunos ou até mesmo dirigi-los
ao longo de toda a preparação profissional, preparação esta que não termina nunca.
Dessa forma um currículo que deixa a desejar na medida do possível é na
verdade um espaço que se pode instaurar um campo de satisfações mobilizadoras do
trabalho pessoal do aluno. É necessário, nessa perspectiva, que toemos à insatisfação
como bússola e motor do processo de preparação profissional. Formar, para ao autor,
seria proporcionar um continente e uma matriz que possa oferecer o vir-a-ser, contando
com disciplinas que formariam um “ser psicológico”, sabendo também dialogar com
alternativas, que nos remetem a dimensão ética e política de nossa profissão.
Em suma o “ser psicólogo” seria “[...] independente das escolhas teóricas de
cada um, implica em situar-se nos campos da epistemologia e da ética, não sendo jamais
apenas um feixe de habilidades técnicas” (FIGUEIREDO, 1996, p. 118). Para isso
critérios como contextualização histórica, contribuição para a discussão da qualidade de
vida e cidadania, multiplicidade e diversidade são de suma importância para a avaliação
de disciplinas formativas.
A questão da formação é um dos fatores que influencia a prática psicológica.
Outra dificuldade encontrada está em partir do pressuposto de que as camadas populares
compartilham da mesma visão de mundo, que ela tem a mesma representação de
saúde/doença, corpo, etc. (SILVA, 1992). É preciso desenvolvermos a consciência de
que os saberes da população são elaborados sobre sua experiência concreta, a partir das
suas vivências, que, por sua vez, são vividas de uma forma distinta daquela que é vivida
pelos profissionais e, com isso, acabamos oferecendo um saber pensando que o da
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população é insuficiente, e por esta razão, inferior, quando, na realidade, é apenas
diferente. (VALLA, 1998).
Em se tratando da demanda do serviço público de saúde é preciso (re) considerar
que a população que chega a rede básica tem na raiz de seus problemas, segundo
Oliveira et al (2004), como conseqüência de uma relação de exploração, a impossibilita
de garantir condições mínimas e necessárias de sobrevivência. A Psicologia precisa,
dessa forma, se debruçar sobre novas formas de ação em saúde pública, que visem
resgatar a cidadania dos usuários e que possa caminhar para o enfoque preventivo,
ultrapassando, assim, as fronteiras teóricas e institucionais.
Sendo assim, cabe a nós entender melhor as falas da população, de forma a fazer
uma leitura e representação de uma história, que tem referência em sua experiência de
vida e que orienta a sua forma de estar no mundo. (VALLA, 1998). Compreendendo as
condições e as experiências de cada pessoa, como também a ação política da população,
iremos acompanhar de forma mais clara suas representações e visões de mundo. Não
sendo feito dessa forma corremos o risco de procurar, mas não achar, uma suposta
identidade, consciência de classe e organização que pode ser, na realidade, uma fantasia
nossa.
É necessário construir um olhar para essa camada social não como
despossuidores de saberes, mas como indivíduos e como coletividade, que possui
conhecimentos próprios como qualquer esfera social e que, diante disso, são atores de
sua história. É preciso que os profissionais de saúde se envolvam nessa dimensão social,
econômica, política, ideológica e cultural, com o intuito de desvendar realidades que
possam subsidiar uma atuação mais efetiva e produtiva.
Acreditamos que, além das dificuldades que envolvem a cultura profissional do
psicólogo, esse não pode adormecer no tempo somente reproduzindo atuações que nada
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dizem e se comprometer à busca de alternativas possíveis, de modo a atender a toda a
população, desenvolvendo um olhar biopsicosociocultural para o fenômeno
saúde/doença, do indivíduo e da coletividade.
Esses espaços da rede pública de saúde se configuraram como ainda se
configuram, como um desafio para a Psicologia, ou melhor, para o campo psi, na
medida em que esse profissional se depara com uma clientela que possui um saber
próprio, que difere da população atendida ao longo do percurso de profissionalização do
psicólogo, população essa que era elitista, que procurava o serviço para se conhecer
melhor, enquanto que a clientela que procura a rede pública necessita se curar,
conforme mencionado anteriormente. Nessa medida, podemos perceber que diante das
dificuldades apresentadas na consolidação de uma prática contextualizada e
comprometida com esse social atendido é algo que precisa constantemente mobilizar tal
profissional na busca de olhar para essa demanda e poder conhecê-la, compreende-la e
acolhê-la na suas diferentes expressões e realidades.
Portanto, a demanda se configura como um elemento importante de
investigação, de conhecimento e compreensão para que se possa repensar saberes e
práticas no sentido de produzir, a partir dessa escuta e desse olhar para essa clientela,
um conhecimento que possa vir a colaborar para a eficácia do SUS e de seus princípios,
para a elaboração de elementos culturais que venham a colaborar para a preparação dos
psicólogos ao trabalhar nesse espaço.
Acreditamos ser de real importância situar o leitor com relação ao que
chamamos de demanda. Partimos do pressuposto de que a demanda, segundo Neuburger
(1984, apud COSTA e BRANDÃO, 2005), refere-se a um pedido de ajuda formulado, a
um sofrimento declarado e uma sintomatologia definida. A esse tipo de demanda
chamamos de demanda atendida. Mas também pode ocorrer um pedido e ele não ser
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atendido imediatamente, caracterizando, assim, o que chamamos de demanda em
espera.
Porém, acreditamos ser necessário ampliar a definição de demanda já citada, no
sentido de perceber que a falta de demanda (como sendo um sofrimento declarado) não
se configura como falta de um pedido de ajuda.
Aliado aos conceitos de demanda atendida e demanda em espera temos, então, o
que denominados de demanda reprimida. Essa demanda se caracteriza como sendo a
possibilidade de pensar que o sofrimento existe sem que necessariamente seja expresso
ou chegue ao serviço de Psicologia.
Utilizamos então dos conceitos de demanda reprimida, em espera e atendida.
Todavia, defendemos aqui que esse três conceitos, na verdade, falam de uma única
demanda, que diz de um espaço social, com seus aspectos políticos, econômicos,
culturais, e ideológicos, que falam de uma relação dialética indivíduo/coletividade.
Para Lima (2005) a demanda coletiva (social) funciona como uma proposta que
visa o compromisso social e a prática contextualizada para o psicólogo como
profissional da saúde. Essa atuação psicológica coletiva deve estar fundamentalmente
nos princípios do SUS, como destaca Paim (1999, apud LIMA, 2005), orientando essa
atuação de forma a buscar não se esgotar no indivíduo nem achar que esse olhar é
exclusividade do setor de saúde.
Para atender a demanda coletiva seria também uma atuação coletiva, segundo
nos aponta Lima (2005). Essa atuação coletiva deve buscar se distanciar dos efeitos
negativos do emprego da clínica tradicional, servindo como um “processo contextual de
identificação de demandas, de planejamento e de execução de necessidades de
atendimento psicológico sócio-econômico e culturalmente orientado” (p.434). A
atuação coletiva seria entendida, então, como sendo uma estratégia de organização
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contextualizada da atuação psicológica, para prevenir doenças e promover a saúde em
situações de trabalho em saúde coletiva.
A autora ainda argumenta alguns pontos fundamentais para o trabalho do
psicólogo no SUS, particularmente em Unidades Básicas de Saúde. São eles: 1)
Identificar os problemas que requerem atenção prioritária na comunidade, visando à
construção de uma articulação entre a unidade e a comunidade; 2) Propor ações de
saúde em parceria com aparelhos sociais, objetivando a participação da comunidade
como também executar atividades a partir de temas significativos para o público alvo
em questão, levado em conta o perfil socioeconômico e epidemiológico da comunidade.
De acordo com Lacerda e Valla (2005) a compreensão da demanda por parte dos
gestores e dos profissionais se configura como importante organização de práticas
promotoras de saúde. Para tal proposta, a categoria demanda e oferta deve ser entendida
como ações dinâmicas na qual há interseção mútua. A ênfase nos sujeitos e no modo
como ele se relaciona com a vida pode indicar aspectos relevantes para uma ampliação
da compreensão social da demanda e oferta de serviços, visando à integralidade.
Uma pesquisa realizada pelos autores acima, com relação às práticas de saúde
denominadas de alternativas, complementares, entre outras denominações, se volta para
o sujeito, sua realidade e seu modo de se relacionar com o espaço, com o mundo e
percebendo, assim, o processo saúde/doença.
Para pensarmos sobre a construção social da demandas os autores destacam, em
pesquisa realizada e divulgada no artigo “Um olhar sobre a construção social da
demanda a partir da dádiva e das práticas de saúde” entre vários caminhos existentes, as
práticas de saúde contra-hegemônicas presentes na nossa sociedade, entre elas a
homeopatia e as práticas de apoio social. Essas práticas se mostram como caminhos
possíveis para se pensar a integralidade na atenção e no cuidado em saúde.
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Com relação ao apoio social Lacerda e Valla (2005) ressaltam que correspondem
aos diversos recursos emocionais e tangíveis que os indivíduos recebem através das
relações sociais (relacionamentos interpessoais, profissional da saúde-paciente, grupos e
redes sociais). No campo da promoção temos o apoio social como um dos instrumentos
para se alcançar à equidade em saúde, através do reforço da ação comunitária ou através
de práticas de integralidade e cuidado. (LACERDA, 2002, apud LACERDA e VALLA,
2005).
Os autores se referem ainda ao apoio social como sendo uma prática em saúde
onde há diversas atividades e práticas que estão presentes em nossa sociedade, entre elas
podemos citar os grupos de apoio mútuo, as práticas religiosas, as atividades
educacionais, as práticas populares, entre outras atividades que possibilitam o
enfrentamento o processo saúde/doença e as adversidades do cotidiano através da
solidariedade e cooperação. “Essas práticas de saúde muitas vezes expressam os
caminhos que as classes populares encontram na busca de obter recursos diante das
limitações do serviço público em atender as suas demandas de cuidado em saúde”,
Lacerda e Valla, 2005, p.282.
A partir dessa análise sobre o apoio social podemos perceber a importância que
os autores trazem em traduzir as necessidades e demandas, ou seja, dar voz aos sujeitos,
visando, assim, a integralidade dos serviços ofertados. Isso significa que a ação dos
sujeitos na busca de melhorias e com relação ao enfrentamento dos problemas tanto
individuais como coletivos merece uma atenção especial por parte dos profissionais e
gestores, para que se possa haver participação ativa de todos os atores envolvidos. “A
população tem que ser ouvida e respeitada no que concerne as suas necessidades em
geral e ao seu sofrimento, considerando que essas pessoas são detentoras de um saber
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próprio construído por meio das experiências concretas de vida, de luta, de saúde, e
adoecimento”, Valla (1998, apud LACERDA e VALLA, 2004, p.286).
Na medida em que os profissionais de saúde se colocam em posição dessa
escuta, tentando conhecer um pouco mais sobre as condições de vida, o fazer e o agir da
população, podem tentar implementar mudanças, objetivando uma prática que
contemple as demandas e as necessidades que surgem. As práticas da rede de apoio
social podem contribuir para esse trabalho compartilhado. Como exemplo tem o
Programa Saúde da Família, no qual a escuta e os diálogos dos sujeitos, bem como seus
vínculos com os agentes comunitários de saúde e com a comunidade se configuram
como atividades de cuidado em saúde.
Vanni e Maggi (2005) defendem a importância de se conhecer a população e
sua realidade para que assim se possa interferir contextualizadamente através de
projetos e programas. É significativo escutar e compreender o sintoma que o paciente
traz isso implica na inclusão do psicólogo na demanda.
Para Traverso-Yépex (2001) é preciso considerar que não existem
comportamentos ou até mesmo ações separadas das relações e valorações que os
indivíduos fazem de suas condições de existência. A autora defende a interface da
Psicologia Social com a saúde e para tal acredita na necessidade de mudanças. O
referencial teórico favorecido pela Psicologia Social crítica é possível considerar,
juntamente com os indivíduos implicados, o universo simbólico que permeia esses
comportamentos e ações e levar em conta a possibilidade de construção pelos próprios
agentes sociais envolvidos.
De acordo com Dimenstein e Santos (2005) a Psicologia Social da Saúde
configura-se como sendo um campo de conhecimentos e de práticas que trata de
questões psicológicas enfocando o social, o coletivo e a comunidade, voltados para a
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saúde. Há, desse modo, interações entre sujeito e seu ambiente, como também entre os
diversos atores sociais que estão presentes no cuidado a saúde.
Spink (2003) ressalta que a Psicologia Social possui como características
principais à atuação centrada em uma perspectiva coletiva e no comprometimento com
os direitos sociais como também com a cidadania. Dessa forma, rompe com os enfoques
mais tradicionais centrados no indivíduo. A atuação se dá, principalmente, nos serviços
de atenção primária a saúde, focalizando a prevenção e a promoção de saúde, bem como
com propostas de transformação do ambiente em que vivem. Fala de um processo de
transformação crítica e democrática que potencializa como também fortalece a
qualidade de vida.
Como destaca Israel (1972, apud SPINK, 2003) o sujeito precisa ser olhado como
produtos e produtor da realidade social, adotando dessa forma uma visão construtivista
na medida em que privilegia a relação dialética entre a esfera individual e social.
Portanto, pensar a Psicologia Social na saúde é poder focalizar o processo individual
e/em grupal de construção da pessoa cidadã, processo este que possui lugar no aqui-e-
agora do mundo vivido, mas que também encontra suas determinações no desenrolar da
história de sua sociedade. (SPINK, 2003).
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III. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1. Caracterização do campo de pesquisa
O trabalho efetuado foi realizado no Centro de Saúde Aparecida, Unidade
Básica de Saúde pertencente à Secretaria Municipal de Saúde de Natal, funcionando na
Rua Guanabara, n° 1050, no bairro de Mãe Luiza. A equipe de profissionais é composta
por 42 funcionários, entre eles nutricionista, pediatra, ginecologista, clínico geral,
assistente sociais, dentista, psicólogo, enfermeira, agente de saúde, dentre outros
profissionais. O horário de funcionamento é de segunda-feira à sexta-feira, das 7:30
horas às 16:00 horas.
3.2. Instrumentos de pesquisa e coleta de dados
O Trabalho de Conclusão de Curso que aqui se segue é de enfoque,
prioritariamente, qualitativo, pois se apresenta enfatizando a compreensão e
interpretação do fenômeno. Como recurso metodológico da fase de coleta de dados foi
utilizado entrevistas semidirigidas adequadas para cada público-alvo, que foram eles: o
diretor do Centro de Saúde, a psicóloga, os agentes de saúde desse centro, bem como os
usuários em espera e os já em atendimento no serviço de Psicologia da unidade básica,
além do psicólogo da Unidade Mista, de uma professora e uma diretora de uma creche
em Mãe Luiza, mantida pelo MEIOS. Essas entrevistas foram realizadas em dias da
semana, alternando-se no horário vespertino e/ou matutino. As entrevistas foram
gravadas e transcritas na íntegra.
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Fizemos, também, uso da observação da comunidade de Mãe Luiza, da Unidade
Básica de Saúde, da Unidade Mista, da Creche, mantida pelo MEIOS e do Centro
Social, visando conhecer alguns dos aparelhos sociais dos quais a comunidade dispõe,
bem como de sua dinâmica própria de funcionamento. Nessas observações ocorreram
conversas informais com usuários tanto da unidade básica como da unidade mista de
saúde, com a presidente do Grupo de Idosos, com a diretora de uma escola estadual e
com um professor do Centro Social. Tanto as entrevistas como as conversas informais
foram realizadas em visitas ao campo, totalizando 11 encontros na comunidade. Essas
visitas se dividiram da seguinte forma:
DATA ATIVIDADE PRÁTICA 11.09.06 Conhecer o Centro de Saúde de Aparecida e apresentar a nossa
proposta de pesquisa aos responsáveis pelo centro e a psicóloga a fim de verificar a sua viabilidade;
18.09.06 Entrevista com o Diretor da Unidade Básica 20.09.06 Entrevista com a psicóloga da Unidade Básica 26.09.06 Entrevista com um Agente Comunitário de Saúde 03.10.06 Entrevista com os Agentes Comunitários de Saúde; 10.10.06 Observação do Grupo de Mães, visitação de uma escola estadual e do
Centro Social; 11.10.06 Entrevista com a demanda em espera pelo serviço psicológico; 13.10.06 Conhecer os aparelhos sociais de Mãe Luiza, tais como a Unidade
Mista e a Creche. 16.10.06 Entrevista com o psicólogo da Unidade Mista e verificação dos
prontuários dos usuários atendidos atualmente pela psicóloga da Unidade Básica de Saúde, para assim selecionar aqueles que iriam ser entrevistados.
20.10.06 Entrevistas com demanda já em atendimento no serviço de Psicologia.
23.10.06 Entrevistas com demanda já em atendimento no serviço de Psicologia
O procedimento de escolha do número de participantes, tanto com relação à
demanda em espera quanto à demanda atendida, foi por meio de uma amostra aleatória,
escolhida a partir de sorteios. Porém, é importante ressaltar que não foi possível contar
com a participação de todos os sorteados já que houve faltas e desistências. Com relação
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à demanda em espera nos foi trazido pelos agentes um total de 12 pessoas que aguardam
o atendimento do serviço psicológico. Dessas 12 foram sorteadas 6 pessoas para virem
conversar conosco na própria Unidade Básica de Saúde, no entanto das 6 pessoas que
foram “convidadas” para encontrar conosco, somente duas apareceram.
Para a demanda atendida, também, foram sorteados 6 das 23 pessoas que estão sendo
atendidas pela psicóloga. Esse número corresponde a um recorte de duas semanas que
compreende do dia 02/10/2006 à 16/10/2006. Com relação à demanda atendida somente
entrevistamos 3 das 6 sorteadas, devido a faltas dos usuários ao serviço de Psicologia.
Mesmo só tendo a proposta de entrevistar 6 usuários em atendimento realizamos um
mapeamento das queixas das duas semanas citadas anteriormente, com o propósito de
conhecer as demandas em atendimento. (ver Módulo 2, anexo J).
3.3. Instrumentos de pesquisa em análise dos dados
A partir do material coletado (por meio de observações, entrevistas e conversas
informais) foi possível perceber algumas temáticas que se colocaram para nós como
indicadores das vivências, experiências, significações da comunidade investigada. Foi
por meio desses indicadores que pudemos conhecer, compreender a realidade
apresentada, produzindo, assim, discussões sobre a atuação do psicólogo no serviço
público de saúde.
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IV. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Para compreendermos a demanda (a reprimida, em espera e a atendida) tivemos
como base de investigação e de apoio o Centro de Saúde de Aparecida, situado no
bairro de Mãe Luiza, distrito Leste de Natal, RN. Pudemos pensar que essa instituição,
como qualquer outra, possui particularidades que regem seu funcionamento,
organização e estrutura. Como nos fala Spink (2004) mesmo que esse psicólogo viesse a
trabalhar apenas para o usuário, seja por atendimento individual ou em grupo, o
conhecimento das normas, regras, estruturação e funcionamento de uma determinada
instituição se configuram como elementos importantes para o desempenho profissional.
Portanto, pensar sobre a atuação do psicólogo nesses espaços é considerar tais
pressupostos, já que no caso da saúde pública devemos levar em consideração os
princípios e diretrizes do SUS. O trabalho do psicólogo em saúde pública é diferente do
trabalho feito na clínica particular (tradicional) exatamente pelo fato de que a saúde
pública possui suas particularidades e o psicólogo tem que conhecê-las para assim poder
promover um trabalho que seja adequado e correspondente a esses princípios.
Para ilustrar tal postura podemos fazer uso da fala da psicóloga da unidade
básica conforme abaixo:
Eu acho que o trabalho que eu faço aqui está dentro do que o SUS falava dentro do que preconiza do SUS, no sentido da demanda que surge, que aparece, sem critérios de A ou B... Não sei... Especificamente em relação à política do SUS eu falo assim a questão da hierarquia, essas coisas... Porque assim, como a unidade funciona dentro dessa filosofia fica fácil para o psicólogo se adequar a isso [...]C.M.L.D.
Dessa forma, percebemos que quando o profissional, seja ele da Psicologia ou de
outra área, está inserido em um ambiente da área da saúde que corresponde às regras e
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princípios estipulados pelo SUS a sua adaptação se torna, em alguma medida, mais
fácil. Porém, pensar no trabalho com essas particularidades, com esses princípios e
diretrizes preconizadas pelo SUS tem se mostrado como sendo um grande desafio para a
Psicologia. É nesse sentido que Benevides (2005) nos fala da necessidade de reflexões
que possam pensar sobre as interfaces da Psicologia com o SUS. Entre essas interfaces
o autor nos aponta a questão da inseparabilidade (que justifica a não dicotomia entre o
coletivo e o individual, entre o micro e o macro, entre a clínica e a política), da
autonomia, da co-responsabilidade (comprometimento com o mundo social, com o país,
com as condições de vida da população brasileira) e da transversalidade (intercessão
com outros saberes/poderes/disciplinas).
Benevides (2005) nos fala que fazer política pública, fazer SUS, é fazer política,
no sentido de que os processos de subjetivação se dão no plano da coletividade, da
multiplicidade, no plano público. Dessa forma, o trabalho do psicólogo precisa estar
implicado na construção de sujeitos que possam ser protagonistas, autônomos e co-
responsáveis por suas vidas.
A interface da Psicologia com o SUS se dá pela certeza de que o processo de inventar-se é imediatamente inventar o mundo e vice-versa. Pensar em fazer política de saúde é pensar que exige a criação de dispositivos, de espaços de contratualização, entre outro. BENEVIDES, 2005.
Porém, pensamos que tão importante quanto o fato do psicólogo conhecer os
princípios e as diretrizes do SUS, bem como todo o seu funcionamento e a forma como
se dão as relações nesse espaço, é preciso que o psicólogo adote uma postura pela qual
ele se faça conhecer dentro desse universo institucional, para que dessa forma todos os
profissionais possam trabalhar de uma forma mais articulada. Pudemos perceber certa
desarticulação a respeito do conhecimento acerca do que é o trabalho do psicólogo
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através das falas de alguns agentes comunitários de saúde encontrados no diálogo
abaixo:
Eto 12: Porque assim... A gente aqui não sabe... Eu não sei direito o que é e o que não é para a psicóloga... Se é para a psicóloga ou se é para outro médico... A gente vê que aqui não tem um trabalho sobre isso... Eto: Ela ou alguém já conversou com vocês sobre isso? Etr 12: Não... Etr: Como foi então quando ela chegou, como é que vocês foram apresentados? Eto 12: No meu caso alguém me disse que tinha agora uma psicóloga aí, depois quando o pessoal começou a procurar a gente começou a encaminhar... Eto 09: Pois é... Às vezes a gente acha, né? Como no caso dela... Do ponto e vista do agente... Eu podia pensar que um caso é estresse, mas eu não sei se ao olho da psicologia é... Eto 12: Eu não sei se é estresse ou se não é... Eto 09: É isso que eu to dizendo... Às vezes o agente de saúde pensa que é estresse, mas a pessoa está precisando mesmo de um tratamento, por isso que é bom encaminhar, em todo e qualquer caso [...] Agentes Comunitários de Saúde.
Dessa forma, tanto é relevante que o profissional da Psicologia conheça o espaço
no qual ele está inserido, como também que ele possibilite aos demais profissionais uma
visão do que a Psicologia pode vir a oferecer.
Além da necessidade de conhecer o lugar que o psicólogo está inserido, ele se
depara segundo Silva et al (2001), com desafios, muitas vezes em virtude das
dificuldades de adequação (com relação aos princípios e diretrizes do SUS, conforme já
colocado), do modelo de trabalho (modelo esse que prioriza atendimentos individuais
de longos períodos, em ambientes ideais de trabalho, muitas vezes respaldado em
princípios psicanalíticos, com uma visão de homem a-histórico e abstrato) e da clientela
atendida (população que difere socialmente, econômico, político e culturalmente da
clientela que foi atendida ao longo do percurso de profissionalização do psicólogo).
Notamos esses desafios nas falas da psicóloga da unidade básica de saúde:
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Mas tem algumas coisas que são difíceis de lidar... Primeiro é um espaço adequado para o atendimento... Quando eu cheguei à sala era lá na frente, num corredor apertado... Que não tinha segurança para mim nem para o cliente... Essa questão da estrutura física é um pouco difícil, um impedimento... Mas o trabalho diretamente com as pessoas eu gosto... Mas tem outra coisa que dificulta um pouco é a freqüência... Algumas pessoas conseguem entender a importância de uma psicoterapia... A questão da freqüência das sessões, seqüência... Mas aí assim é a expectativa da pessoa... Porque tem coisas que a gente acha que é ideal para o cliente, mas que ele não acha, ele não ta querendo aquilo que eu possa está querendo... Então no começo uma coisa que eu tive que fazer foi lidar com a expectativa que eu tenho e a que eles têm... Qual é a minha expectativa e qual é a expectativa dele... Tem vezes que a pessoa não está disposta... [...] Então a minha dificuldade, primeira, que é pequena, é com relação à estrutura... E a segunda é a outra, é a de ter vários limites fruto da cultura, do modo de viver, mas aí é aquele confronto da minha expectativa e da expectativa do cliente... Mas eu gosto, é bem diferente. C.M.L.D. [...] São demandas mais urgentes e mais breves, coisas mais focais mesmos... Não tem queixas existenciais... São coisas mesmo... Das dificuldades concretas do dia-a-dia. Os parâmetros são diferentes... Eu penso assim, os parâmetros dessa clientela que eu atendi são diferentes. C.M.L.D.
Nos relatos acima observamos a presença de dois, dos três desafios mencionados
com relação à inserção do psicólogo nesse campo. Encontramos questões relacionadas
com o modelo de atendimento, modelo esse que abarca questões relativas ao lugar físico
onde o atendimento acontece, bem como a freqüência e seqüência das sessões pelas
pessoas atendidas.
É importante levarmos em consideração os fatores que estão envolvidos no
processo de profissionalização da categoria, para que possamos compreender a forma
como esta se estruturou, aliados aos modelos hegemônicos de subjetividade e atuação
construídos.
Outro desafio colocado pela psicóloga da unidade de saúde fala da dificuldade
de atendimento a sua clientela devido ao fato, muitas vezes, de que esta possui
expectativas frente ao tratamento que diferem da sua. Dimenstein (2000) nos coloca
essa questão quando fala que a expectativa da clientela atendida pela psicóloga na
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clínica privada difere da expectativa criada pela clientela do serviço público de saúde,
tendo em vista que a clientela do serviço público busca a eliminação do sintoma que lhe
causa sofrimento, trazendo questões que escapam ao domínio específico da clínica já
que se refere às condições de vida da população, como fala a própria psicóloga da
entrevista.
Essa diferença, com relação à expectativa desses dois públicos aliada à
expectativa do psicólogo que também se “choca” no espaço público, ocasionam um
grande impasse para a Psicologia, já que psicólogo leva para a saúde pública um arsenal
teórico e prático nem sempre adequado, que acabam por influenciar na eficácia do
atendimento feito a população que faz uso das instituições públicas de saúde.
Para atender a essa clientela é necessário que a prática terapêutica ofereça
sentido a quem faz uso dela, adotando uma posição de escuta, tentando conhecer um
pouco mais sobre as condições de vida, o fazer e o agir da população objetivando uma
prática que contemple as demandas e as necessidades que surgem. Isso seria
contextualizar as ações e serviços, visando também atuações de que dêem conta de
alguma forma da prevenção e da promoção de saúde nos serviços de Psicologia
ofertados nesse campo.
Confiamos que o modelo de atuação, já citado anteriormente, tão questionado na
literatura possui sim o seu valor, a sua relevância e a sua eficácia. A nossa crítica fala da
utilização desse modelo como sendo o único modelo possível, tendo em vista que a
pluralidade de ações, modelos e serviços, é o que enriquece o campo, já que existem
enfoques teóricos diversos, capazes de dar contar dessa pluralidade.
Dentro das abordagens existentes identificamos, no campo de pesquisa,
possibilidades de arranjos e criatividades, tendo como exemplo ilustrativo à entrevista
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realizada com o psicólogo da unidade mista de saúde, de Mãe Luiza, que utiliza da
abordagem psicanalítica.
Na segunda eu abro a demanda, qualquer pessoa que queira falar comigo tem que vir na segunda [...] Existe uma grande demanda que é as mães para trazer os filhos. Essa demanda, não atendo criança e eu acho que tem que haver com... Com a incapacidade de criar esse meninos, então eu tenho que ficar mais com as mães do que com as crianças. Eu pego a mãe e digo: você fica. Eu consigo trabalhar assim. Resolver assim. Eu atendo não fazendo os desejos da mãe que pede para o filho e crie nem filho pra mim. Não é assim. Venha falar do problema do seu filho e se realmente... Empreste seu corpo para descrição do problema materno ou familiar. A melhor maneira que eu faço é que se seu filho ta realmente apresentando um comportamento estranho vamos encaminhar, mas se for um comportamento de toda criança, ela quer ultrapassar os limites, quer videogame, quer desobedecer, isso não é nada psicológico. Então eu prefiro trabalhar assim. Teve uma mãe que veio trazer o filho e eu disse: então venha falar do seu filho, vamos encaminhar ele. F.L.S.
Não sou radical. Se eu só trabalho quatro horas não vou atender mais? Não! Eu abro, mas também quando se reduz à demanda eu também tenho o direito de dizer: me deram um refresco, então eu vou embora. Então eu tenho feito isso. Já fiz muito. F.L.S.
Conforme a fala acima é percebemos que dentro de sua abordagem o psicólogo
da unidade mista de saúde cria estratégias que dão conta, de alguma forma, da demanda
que lhe é solicitada. Mesmo não trabalhando com crianças esse profissional consegue
perceber a importância de se trabalhar com a família dessa criança, considerando que as
intervenções feitas na família iram repercutir no filho, abrindo, ainda, a possibilidade de
promover encaminhamentos, caso perceba que o problema está voltado para questões
particulares da própria criança.
Também notamos, no relato da psicóloga da Unidade Básica de Saúde, que esta
também promove estratégias de atuação de acordo com as necessidades que
surgem.Adotando a abordagem Humanista como referencial teórico.
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[...] tem caso aqui que eu até quis fazer uma visita domiciliar para conhecer como era, compreender melhor... Ela dizia que deixou os filhos em casa com fome e trancados, porque é melhor deixar eles trancados em casa do que deixá-los na rua, mas falta comida... E ela também toma medicamentos psiquiátricos e não pode trabalhar... Então eu chamei a agente comunitária de lá e a gente quando chega lá não sabe como é possível conviver três crianças, de 10, 9 e 7 anos conviver em um espaço menor que esse aqui, com um fogão e uma cama de casal, sem poder sair, porque do lado tem uma boca de fumo e ela sem trabalhar [...] C.M.L.D. [...] A unidade de saúde tem um papel importante na vida das pessoas e a gente podia aproveitar isso e fazer uma coisa mais ampla. C.M.L.D.
Tal postura é reconhecida pelos agentes comunitários de saúde como sendo de
importante relevância, conforme descrito no diálogo abaixo:
Eto 10: Mas eu acho que a psicóloga daqui já é diferente, sabe? Porque ela já vai à casa das pessoas... Eto 09: Ela ta fazendo umas visitas, já fez até uma essa semana... Etr: O que é que vocês acham disso? Eto 12: Eu acho bom, assim, porque ela ta saindo da unidade, vendo se aquilo que a pessoa ta falando é certo... Eto 02: Porque às vezes a pessoa mente... Eto 12: É... Aí ela vai ver... Isso é muito bom... Eto 02: É muito bom, porque quando você fica só no seu birô você não sabe o que tem lá fora, mas quando você vai pra realidade, chega lá e vê, você já tem outra visão, você muda a sua avaliação. Eto 09: Com certeza. Eto 11: Ela fez uma visita domiciliar essa semana na minha área... Eu já tinha falado com ela sobre esse caso e aí na sexta-feira ela chegou e falou “vamos hoje, que essa tarde eu já estou desocupada e posso ir lá fazer essa visita...” E foi bom, principalmente porque a pessoa estava mesmo precisando. Agentes Comunitários de Saúde.
É nesse sentido que acreditamos que não importa o seu referencial teórico, mas
sim o que se pode fazer em prol de uma população que lhe convoca, lhe solicita,
explicita ou implicitamente, ao cuidado.
Esse olhar de pluralidade, versatilidade e criatividade precisam estar presentes
em toda nossa graduação para que possamos desfrutar de espaços de reflexões
significativas acerca do saber/fazer da Psicologia. Nesse espaço também deve ser (re)
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pensado o modelo clínico de trabalho, bem como a relação desse profissional com a
clientela atendida e a adequação do mesmo ao Sistema Único de Saúde.
Sabendo que a formação, por um bom tempo, defendeu um modelo de atuação,
bem como o uso de uma abordagem teórica, percebemos a real importância de
promover mudanças na graduação. Temos que na história de ideologia da profissão no
Brasil, a Psicologia esteve comprometida com a promoção de valores hegemônicos
construídos pelas ideologias dominantes na sociedade. Essa reprodução também esteve
presente nos espaços de ensino, segundo Dimenstein (2000), não possibilitando aos
alunos da graduação o conhecimento necessário sobre os aspectos sociais, políticos,
econômicos e culturais, acarretando em uma atuação profissional descontextualizada e
não implicada com o contexto social.
Para ilustrar essa carência na graduação temos um recorte da entrevista, que
segue abaixo, dada pela psicóloga da unidade básica de saúde, psicóloga essa que
concluiu a sua graduação em 1994. “A minha dificuldade maior foi com relação à
formação do psicólogo... O problema não é SUS é a nossa formação [...]” C.M.L.D.
Claro que se eu tivesse me formado e ido logo para a saúde eu teria aprendido, mas acho que seria bem mais difícil do que hoje, mais difícil me adaptar, ter a visão que eu tenho hoje... Acho que isso mudou, pelo o que eu vejo hoje já se falava... Mas minha época nem se falava... Eu vim conhecer a lei do SUS depois que eu comecei a trabalhar com isso, porque eu nem sabia que existia... Hoje se discute mais isso C.M.L.D.
Sendo assim, conforme fala Silva (2001), uma alternativa para preparar os
alunos que estão nas universidades para atuarem em saúde pública seria pensar as
grades curriculares, onde essas possam criar alternativas que levem a uma atuação
comprometida com toda a sociedade e com a real necessidade da população. Porém,
para esse mudança Figueiredo (1996) nos aponta a necessidade de que haja uma
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discussão das relações de forças entre diversas concepções do que seja fazer, pensar e
ensinar Psicologia, seria também resultado de um jogo político.
Figueiredo (1996) ainda contribui para as nossas reflexões quando fala da
analogia entre as grades curriculares e o conceito de Winnicot da “mãe suficientemente
boa”. Uma graduação de qualidade falaria, nessa perspectiva, de um currículo que daria
uma sustentação e proteção básica, funcionando como bússola e como motor do
processo de profissionalização. Quando os currículos deixam a desejar abre-se um
espaço que pode instaurar um campo de satisfações mobilizadoras do trabalho pessoal
do aluno, adquirindo autonomia.
Nas falas de ambos os psicólogos entrevistados percebemos que houve uma
atualização frente à carência dos currículos de suas graduações. Ambos procuraram
aperfeiçoamento profissional. “[...] A formação acadêmica, a formação de graduação
especificamente eu acho que... Foi mais no amadurecimento do exercício profissional
que me preparou”. C.M.L.D. ou ainda “Eu fui atrás do que faltava. Quando terminei eu
fui atrás do que faltava [...]”. F.L.S.
O currículo da graduação não pretende dirigir os alunos ao longo de toda a sua
carreira. Entendemos que a preparação profissional não deve nunca terminar,
estendendo-se a todo o curso da atuação desse profissional, bem como quando esse
profissional se coloca em espaços com os quais ele tem pouca familiaridade.
Dessa forma, defendemos que a academia é um espaço de movimento que
precisa buscar, cada vez mais, conhecer, compreender e refletir a dinâmica da vida de
forma que possa oferecer aos seus alunos uma sustentação ao encontro com a prática.
Acreditamos que a partir dessa sustentação o profissional estará preparado,
minimamente, para entrar em contato com as demandas que lhe surgem.
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Nesse sentido, a demanda se configura como sendo um importante elemento de
investigação, de conhecimento e de compreensão, para que assim seja possível (re)
pensar saberes e práticas para que, a partir da escuta e do olhar para a clientela do
serviço público de saúde, possamos construir um conhecimento (teórico/prático) que
venha a colaborar para a eficácia do SUS e de seus princípios, elaborando elementos
culturais que colaborem para a preparação dos psicólogos ao trabalhar nesse espaço.
É importante relembrar o conceito de demanda adotado nessa pesquisa pelas
autoras. Trata-se de um conceito que, mesmo estando aqui apresentado como resultados
de forma separada (reprimida, espera e atendida), na verdade, consideramos na nossa
discussão como sendo uma única demanda, já que diz de um espaço social, com seus
aspectos políticos, econômicos, culturais, e ideológicos, que falam de uma relação
dialética indivíduo/coletividade.
No caso da Saúde Pública, encontramos no nosso espaço de pesquisa algumas
demandas que nos possibilitaram conhecer os indicadores dessa realidade, de forma a
pensar em atuações possíveis para o psicólogo nesse campo.
Iniciamos o nosso percurso sobre a demanda conhecendo um pouco sobre a
comunidade (sua dinâmica própria, seus questionamentos, necessidades, problemáticas,
carências, bem como suas conquistas e os aparelhos sociais existentes e suas estratégias
de enfrentamento dessas necessidades). Esse conhecimento nos possibilitou entrar em
contato com o que nós chamamos de demanda reprimida.
Para esse levantamento realizamos visitas a alguns aparelhos sociais da
comunidade, conforma já mencionado, entre eles um Centro Social (Ver Módulo 1,
anexo F), uma escola (ver Módulo 1, anexo F), uma creche (ver Módulo 1, anexo H), a
unidade mista de saúde (Ver Módulo 1, anexo H), bem como realizamos entrevistas
com os agentes comunitários de saúde da unidade básica.
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De uma forma geral percebemos os aparelhos existentes na comunidade
possuem relevância para os usuários desses serviços, embora tenhamos observado uma
certa desarticulação entre as instituições e profissionais da localidade. Foi possível
observar, como exemplo, que em uma creche mantida pelo Meios os funcionários
entrevistados não conhecem os serviços disponibilizados pelos psicólogos, tanto o da
Unidade Mista como a da Unidade Básica de Saúde. Elas fazem uso de uma psicóloga
localizada na sede do Meios, em outro bairro e que dá conta de todas as creches que são
mantidas por essa ONG.
Entendemos que procurar pelo serviço psicológico dentro da comunidade na
qual a criança e sua família esta inserida seria uma forma de promover uma atenção
mais efetiva, se levarmos em consideração a acessibilidade ao serviço de Psicologia
oferecido pelo SUS, o próprio profissional, que inserido nesse contexto desenvolve uma
visão dos aspectos que são pertinentes a esse espaço, bem como a parceria que pode ser
estabelecida entre o psicólogo e os profissionais dessa creche, promovendo, assim, um
trabalho interdisciplinar em prol dessa criança.
Com relação ao próprio trabalho realizado pelos psicólogos dessa comunidade,
observamos a importância de existir uma articulação, um conhecimento maior do que
cada profissional esta fazendo nesse espaço, levando em consideração o público
atendido por cada um, a forma como desenvolvem seus trabalhos, bem como os
questionamentos que surgem nesse espaço de atuação. A isso chamamos de parceria,
articulação entre as instituições e os profissionais que nele estão inseridos,
desenvolvendo, assim, serviços e ações que não sejam só pautados na recuperação, mas
também na promoção e na prevenção de saúde, conforme preconiza o SUS.
Outro ponto observado e questionado por nós foi com relação a uma maior
participação e envolvimento dos usuários, ou melhor, dizendo, dos indivíduos que
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compões aquela determinada realidade. Acreditamos que seja preciso existir o interesse
individual e coletivo em busca de ações e serviços que contemplem as necessidades
desse espaço comunitário. Para tal proposta é relevante que cada indivíduo, seja ele
usuário ou não dos serviços de saúde oferecidos, assuma uma postura crítica,
questionadora e participativa em prol de serviços, ações e práticas contextualizadas e
efetivas.
Portanto, é necessário haver uma comunicação entre profissionais e usuários,
com o propósito de oferecer o que se precisa. Os aparelhos sociais, todavia, se
mostraram como elementos possíveis para se pensar em promoção, prevenção e
recuperação de saúde. Não podemos deixar de ressaltar a importância que os agentes
comunitários de saúde exercem, ou poderiam exercer, entre essas instituições.
Dessa forma, os agentes comunitários de saúde que nos possibilitaram entrar em
contato com a demanda reprimida foram os mesmos que nos proporcionaram conhecer a
demanda em espera. Essa demanda fala de um pedido ao serviço de Psicologia que
ainda não foi atendido. Entre as pessoas entrevistadas a respeito dessa demanda foi
possível perceber alguns pontos pertinentes:
[...] Eu fico hoje preocupada quando ele sai na rua, por causa das drogas, de uma bala perdida... Eu acho que o certo, na idade dele, é estudar [...] A minha maior preocupação é isso. Se soltar ele na rua não tem nada para oferecer. [...] R.L.P.
Como sofrimento, a população levanta algumas questões que estão envolvidas
nesse processo, tais como a violência e as drogas. O espaço da rua se mostra como
sendo um espaço de perigo, tendo em vista que nela ocorre uma exposição a toda essa
adversidade apontada.
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Para evitar essa exposição uma das estratégias pensadas pela comunidade é a de
manter as crianças e os adolescentes ocupados tanto no período matutino como no
vespertino, matriculados em escolas, creches e centros sociais.
Esta colocação faz referência a um mal estar sentido por uma mãe (R.L.P),
observado nas entrevista, (R.L.P.) com relação aos perigos que a comunidade em que
ela está inserida oferecem ao jovem, falando assim de um incomodo causado por algo
que é da ordem do social, mas que, conforme já mencionado, produzem modos de ser e
de agir nas pessoas.
Dentre esses modos de ser e agir podemos pensar em comportamentos que falem
dessa violência e perigo que circulam os espaços sociais. Entendemos que esses modos
são colocados, também, nas queixas trazidas pela demanda em espera. “[...] Acho que
tem que ter uma ajuda profissional, pois ele ta rebelde, agressivo. Ta causando um
problemão para mim [...]”. (R.L.P). “[...] Ele ta muito agitado... Quer matar [...]”
( F.M.S).
Pensamos não em uma relação de causa e efeito, que o social determina o
individual ou vice-versa, mas sim que esses comportamentos denunciam que algo está
acontecendo ou de que, no caso da criança, fale de um próprio processo de elaboração
frente às adversidades que permeiam o seu dia-a-dia.
Outro aspecto observado através da demanda em espera é com relação à
concepção que trazem na respeito do trabalho do psicólogo. Concepção essa que está
ligada a algo biológico. “[...] Você às vezes não sabe se o seu filho tem algum problema
na cabeça, né? Que pode pedir um eletro, que a psicóloga pode ver, né? [...]”. (R.L.P).
“[...] Passar uma radiografia da cabeça dele... conversar direitinho com ele”. F.M.S. Ou
ainda “Dá para um de vocês marcarem para a psicóloga... sei lá, aquela médica de
cabeça?” ( usuária da Unidade).
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A questão de que o psicólogo trabalha com aspectos biológicos, no sentido
médico, nos fala de aspectos históricos, sociais, que perpassam a construção da
Psicologia como ciência e profissão. Se lembrarmos um pouco a história da Psicologia
veremos que durante um bom tempo ela esteve vinculada e subordinada a prática
médica. Como nos fala Pereira e Neto (2003), que a Medicina exercia forte influência
dobre a Psicologia e ambas eram influenciadas pelo espírito positivista.
Todavia, não podemos deixar de considerar os fatores culturais ao analisar essas
falas, tendo em vista que existem fatores culturais que perpassam a construção do
pensamento exigindo segundo Traverso-Yépez (2001), toda uma ordem de significações
culturais que são construídas socialmente e que iram influenciar a forma como cada
indivíduo experiência os estados de saúde e de doença, bem como a terapêutica
utilizada.
Dessa forma, consideramos que os significados culturais que são construídos
socialmente tem se mostrado como sendo de grande importância para o psicólogo
inserido nesses contextos, para que assim ele possa produzir uma prática terapêutica que
seja eficaz, na medida em que oferece sentido, uma explicação para o sofrimento
vivenciado (FIGUEIRA, 1978, apud DIMENSTEIN, 2000).
Depois que conhecemos a demanda reprimida e também a demanda em espera,
fomos entrevistar a demanda atendida pela psicóloga do Centro de Saúde de Aparecida
(Unidade Básica de Saúde). Em contato com essa demanda sentimos que o conteúdo
levantados pelos usuários faz referência às temáticas abordadas anteriormente sobre a
comunidade.
“Precisa mais de policiamento. Aqui acontece muita as coisas. Ontem mataram uma mulher e isso não é só ontem não. Aqui é muito violento lá para cima, lá pelo lado de lá, da caixa d’água” S.P.T.
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Não só a questão da violência trazida acima, mas também aspectos que falam do
uso de drogas, violência, álcool, entre outros, também estão presentes (Ver Módulo 1,
Anexo E). Assim, compreendemos que essa demanda nos comunica algo que mais uma
vez perpassa por questões sociais.
Dessa forma, conhecer as demandas apresentadas nos possibilitou compreender
que, mesmo que separadamente analisadas, elas nos falam de um todo, de uma
dimensão que individual/social, como se uma denunciasse a outra, configurando-se em
uma rede de fatores e influências.
Pensando assim cada indivíduo relata algo que é particular, singular, mas que
pode fazer referência com algo social, comunitário. Portanto, é necessário olhar de
forma contextualizada para que se possam compreender as reais necessidades que se
demandam ao serviço de Psicologia. É preciso que os serviços e as ações de saúde
estejam de acordo com as necessidades da população e com as problemáticas de saúde
mais freqüentes em cada região.
Todo o percurso percorrido foi de fundamental importância na medida em que
apresentamos esse trajeto como sendo uma proposta para atuações na Saúde Pública,
mais precisamente nas Unidades Básicas de Saúde, tendo em vista que o psicólogo,
quando se insere nesse espaço precisa levar em consideração os fatores institucionais
(princípios, objetivos, diretrizes) onde ele está inserido, conhecendo os demais serviços
oferecidos nesse espaço, visando uma inter e multidisciplinaridade, bem como
desenvolver um olhar para essa comunidade, de modo a poder conhecer e compreender
as relações, as representações e as vivencias da população que procura os seus serviços,
assumindo, assim, uma postura criativa, versátil e ética que precisamos construir nesses
espaços de atuações.
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Tudo isso, em nossa concepção, fala de um olhar que contextualiza a demanda,
considerando que essa demanda é construída na relação dialética indivíduo/coletividade,
Portanto, acreditamos que cada reflexão suscitada gerou em nós
questionamentos pertinentes para se pensar em uma prática efetiva, lembrando, que a
vida é assim, um fluxo de idas, vindas e paradas, e nesses movimentos precisamos
acompanhá-los, desenvolvendo olhares e posturas. Cada profissional precisa estar
envolvido com a comunidade, entendendo melhor as falas da população para que assim
ele possa fazer uma leitura e uma representação de uma história que tem referência em
uma experiência de vida e que orienta a sua forma de estar no mundo. (VALLA, 1998).
Nesse sentido compreendemos, através da prática realizada, que a “dificuldade”
não é o público alvo ou o que eles trazem especificamente, mas a nossa postura diante
do é colocado para nós, bem como os desafios e particularidades apontadas por esse
público. Seria desenvolver um olhar de pluralidade, versatilidade e criatividade para que
possamos desfrutar de espaços de reflexões significativas acerca do saber/fazer da
Psicologia. Nesse espaço também deve ser (re) pensado o modelo clínico de trabalho,
bem como a relação desse profissional com a clientela atendida e a adequação do
mesmo ao Sistema Único de Saúde.
A partir do momento em que conhecemos as condições e as experiências de cada
pessoa, como também a ação política da população, nós poderemos acompanhar, de
forma mais clara, as suas representações e visões de mundo.
Afinal, estar em comunidade e para ela é considerar que a comunidade se
expressa como espaço de construção de cidadania numa dialética constante entre
individual e coletivo.
O psicólogo, sendo assim, não pode adormecer no tempo, como fala Valla
(1998), somente reproduzindo atuações que nada dizem, passando, portanto, a se
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comprometer com a busca por alternativas possíveis, de modo a que essas venham a
atender a toda a população, desenvolvendo um olhar que seja biopsicosociocultural para
o fenômeno da saúde/doença, indivíduo/coletividade.
Portanto, refletir sobre a Psicologia na saúde, ressaltando os aspectos sociais é
poder focalizar o processo individual e/em grupal de construção da pessoa cidadã,
processo este que possui lugar no aqui-e-agora do mundo vivido, mas que também
encontra suas determinações no desenrolar da história de sua sociedade (SPINK, 2003),
isso é o que defendemos ser demanda.
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V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Realizar o trabalho aqui proposto se mostrou como um rico campo de reflexões.
O contato com a prática nos possibilitou um conhecimento significativo acerca do
trabalho do psicólogo na Saúde Pública, campo esse que possui seus entraves,
questionamentos, conquistas e desafios para a nossa profissão. Porém, ao mesmo tempo
em que esse campo se mostra como desafiador, também se coloca como sendo um lugar
que proporciona questionamentos e reflexões.
Durante o nosso percurso sentimos a necessidade de reformular o conceito de
demanda formulado por alguns autores, tendo em vista que o contato com a prática nos
permitiu perceber que o que chamávamos, anteriormente, de demanda (sofrimento
declarado) tem relação com algo que é da ordem social, ampliando o conceito de
demanda até então utilizado, já que a construção da subjetividade se dá no plano social e
vice-versa.
É preciso levar em consideração, como defende o SUS, que existem vários
fatores que estão ligados à condição de saúde, dentre eles o lazer, a moradia, o
transporte, a educação, entre outros. Portanto é pertinente que se construa uma postura
para a demanda do serviço de Psicologia que os considere como produtor e produtor do
meio, em uma relação dialética do sujeito com o espaço social em que ele esta inserido,
bem como a sua relação com os diversos fatores, como já citados.
Sendo assim, creditamos que só a partir de um olhar contextualizado para esse
espaço de atuação é que poderemos desenvolver práticas que sejam efetivas para a
população, considerando, em sua atuação, os princípios e diretrizes do SUS para a
promoção, prevenção e recuperação da saúde na população.
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VI. REFERÊNCIAS
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VII. ANEXOS
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MÓDULO 1
RELATÓRIO DAS VISITAS AO CAMPO
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Anexo A
1° Visita ao campo _ Centro de Saúde de Aparecida
Data: 11.09.06
Objetivo: Conhecer o Centro de Saúde de Aparecida e apresentar a nossa proposta
de pesquisa aos responsáveis pelo centro e a psicóloga a fim de verificar a sua
viabilidade.
No dia 11.09.06 realizamos nossa primeira visita ao Centro de Saúde de
Aparecida. Ao chegarmos lá fomos ao encontro do diretor do posto que estava nos
esperando. Conversamos com ele, explicando-o o nosso trabalho, os nossos objetivos e
metodologia.
Também conversamos com a psicóloga da unidade, C.M.L.D. Esse primeiro
encontro com a psicóloga nos permitiu situa-la com relação ao nosso trabalho a fim de
verificar a viabilidade ou não de que a nossa proposta fosse lá efetuada. A psicóloga se
mostrou, então, bastante receptiva, simpática e atenciosa, nos ajudando a programar
nossos primeiros encontros.
Após esse diálogo voltamos a procurar o diretor da unidade, juntamente com a
psicóloga, para colher já alguns dados geográficos da comunidade de Mãe Luiza. Ele
nos cedeu o mapa (ver Módulo 3, Anexo 1) que expressa a dimensão geográfica do
lugar. Conversamos com ele, em linhas gerais, sobre a comunidade, sobre as queixas, os
trabalho que a unidade realiza, dentre outros assuntos.
Conhecemos o posto e alguns profissionais que ali desenvolvem suas atividades,
entre eles dois agentes de saúde, a assistente social e o recepcionista. O diretor da
unidade, bem como a psicóloga, nos mostraram uma grande receptividade para
efetuarmos nosso trabalho de campo lá.
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Nesse dia marcamos nosso próximo encontro, que será dia 18.09.06, no qual
realizaremos uma entrevista com o diretor do Centro de Saúde de Aparecida, e no dia
20.09.06 iremos realizar a entrevista com a psicóloga do centro, bem como participar,
como observadoras, de um grupo de idosos que acontece todas as quartas-feiras, as
14:00 horas, na própria unidade, em um espaço que é disponibilizado para eles.
Anexo B
2° Visita ao campo _ Centro de Saúde de Aparecida
Data: 18.09.06
Objetivo: Entrevista com o Diretor da Unidade Básica
A entrevista estava marcada para as 13:00 horas, mas por motivo pessoal das
autoras desse trabalho só podemos chegar à unidade básica de saúde as 13:30 horas,
porém, telefonamos antes para o diretor da unidade para avisarmos sobre o nosso atraso.
Quando chegamos à unidade ele já estava nos esperando, se mostrando mais
uma vez muito atencioso e receptivo a nossa ajuda e a nossa entrevista. Como estavam
lavando a sua sala fomos para a sala da Enfermeira, aonde desenvolvemos a nossa
entrevista (ver Modulo dois, Anexo A).
Durante toda a entrevista o diretor da unidade respondeu as nossas perguntas
tranquilamente, funcionando como uma importante fonte de coleta de dados sobre o
modo de funcionamento do Centro de Saúde de Aparecida, bem como sobre alguns
aspectos da comunidade. Durante a entrevista sofremos uma breve interrupção pela
Enfermeira da unidade, já que estávamos na sala dela. Quando terminaram de lavar a
sala do diretor nós fomos para a sua sala, de fato, e a Enfermeira pode então ficar com a
sua sala.
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Assim que a entrevista terminou, passamos algum tempo observando a unidade
básica e em seguida fomos embora.
Anexo C
3° Visita ao campo _ Centro de Saúde de Aparecida
Data: 20.09.06
Objetivo: Entrevista com a psicóloga da Unidade Básica
No dia 20.09.06, conforme combinado, as autoras desse trabalho compareceram
a unidade básica de saúde para entrevistas a psicóloga do local, as 13:30 horas. A
psicóloga chegou por volta das 13:40h, iniciando logo a nossa entrevista (ver Módulo 3,
Anexo B).
A entrevista foi realizada na sala da psicóloga. Nessa sala tinha uma mesa, duas
cadeiras, um pequeno armário, aonde no final da entrevista, podemos perceber que era
nele que a psicóloga guarda seus materiais, bem como os brinquedos que ela utiliza ao
atender crianças, um biombo e uma maca.
A entrevista ocorrei tranquilamente, tendo sido interrompidas duas vezes. Na
primeira vez pela Assistente Social da unidade e na segunda vez pelo recepcionista. Mas
essas intervenções não atrapalharam o andamento da entrevista.
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Anexo D
4° Visita ao campo _ Centro de Saúde de Aparecida
Data: 26.09.06
Objetivo: Entrevista com um Agente Comunitário de Saúde
A autora Anna Valeska Procópio compareceu a essa entrevista sozinha, tendo
em vista que por alguns motivos a Andrea Palitot não pode acompanhá-la. Essa
entrevista, com o agente de saúde, foi uma idéia dada pela psicóloga do centro, como
forma de por meio dele podermos conhecer a comunidade, tendo acesso ao que
chamamos de “demanda reprimida”, tendo em vista que em seu trabalho o agente de
saúde circula a comunidade e conhece mais de perto a realidade do lugar, Mãe Luiza.
A entrevista ocorreu na própria sala dos agentes de saúde (ele possuem uma sala
para eles dentro do Centro de Saúde de Aparecida). No início só havia na sala o
entrevistado M.A.S., porém, com o decorrer da entrevista chegaram à sala outros
agentes, que acabaram contribuindo para a entrevista (Ver Módulo 2, Anexo C).
Anexo E
5° Visita ao campo _ Centro de Saúde de Aparecida
Data: 03.10.06
Objetivo: Entrevista Coletiva com Agentes Comunitários de Saúde
A partir da entrevista com apenas um agente de saúde, realizada no dia 26.09.06,
percebemos que esse profissional poderá vir a funcionar para nós como uma importante
fonte de dados sobre a comunidade, sobre as queixas, as demandas trazidas ao serviço
de Psicologia, bem como os problemas e necessidades da população. A entrevista
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anterior se mostrou bastante rica, porém, cada agente de saúde é responsável pelo o que
eles chamam de micro-área. Sendo assim, acreditamos que conhecer mais agentes, ou
seja, mais micro-áreas poderiam nos dar uma visão maior sobre Mãe Luiza, sobre essa
demanda que tanto acreditamos que seja importante ser ouvida e atendida.
Assim que chegou a unidade básica Andrea Palitot foi para a sala onde ficam o
diretor e a administradora do centro. Como os agentes ainda não haviam chegado
Andrea ficou conversando com Armanda (administradora). Enquanto elas conversavam
chegou uma mulher perguntando se haviam conseguido marcar uma consulta fora da
unidade para ela. Foi quando Armanda falou que não e explicou a Andrea que cada
pessoa, cada usuário da unidade, só tem direito a uma consulta com um especialista fora
da unidade por mês, ou seja, uma pessoa não pode ir ao cardiologista e ao
oftalmologista no mesmo mês.
Armanda comentou também com Andrea que a nutricionista chega tarde e que
por causa disso eles colocam menos clientes para ela do que para os outros
profissionais, já que a unidade só funciona até as 16:00 horas. Esse horário pode ser
estendido em casos especiais e esporádicos, porém os funcionários da unidade não
acham seguro ficar na unidade até o início da noite.
Segundo Armanda quando anoitece Mãe Luiza fica muito perigoso, ocorrendo
tiroteios, assaltos, mortes. Armanda conta que ficou sabendo que um casal estava na
causada por volta das 18:00 horas e que chegaram dois homens que atirarem neles. O
rapaz quase morreu e a garota estava internada.
Andrea questionou se esse tipo de violência ocorria na Guanabara e a
administradora fala que ainda não. Segundo ela a violência é maior na parte alta de Mãe
Luiza, mas que todo cuidado é pouco. Os relatos de Armanda deixaram Andrea um
tanto quando insegura e com medo dessa violência.
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Entrou uma agente de saúde e Andrea perguntou pelos agentes. A agente então
falou que já haviam chegado nove. Andrea decidiu começar, então, com esses que já
haviam chegado, deixando aberto para que os que chegassem entrassem à discussão do
grupo.
Pensamos então em uma entrevista Coletiva, ou em grupo. No inicio só haviam
chegado à unidade no horário combinado, 14:00 horas, 9 agentes de saúde. Fomos então
para a sala deles. Com o tempo mais agentes foram chegando e fazendo parte da
entrevista que ali era realizada por Andrea Palitot, já que Anna Valeska Procópio não
pode comparecer por problemas pessoais.
Surgiram reclamações com relação ao local em que estávamos fazendo a
entrevista. Realmente a sala se tornou pequena para o grande numero de pessoas que ali
trabalham (13 agentes comunitários de saúde), fazendo com que a entrevistadora
pensasse que eles não devem ficar os 13, ao mesmo tempo, na sala. Reclamara os
próprios agentes, sobre o calor e o barulho do corredor.
O diretor da unidade então surgiu e comentou que naquele dia a sala que eles
tem (o centro de saúde), que é mais espaçosa e ventilada, estava naquele dia ocupada, já
que era dia do grupo de idosos. Como já estava do meio para o fim da entrevista e uma
parte dos agentes já havia se retirado do lugar, os agentes que continuavam acharam
melhor continuar naquela sala mesmo.
De qualquer forma a entrevista foi bastante rica em experiência, dados e
considerações feitas pelos próprios agentes de saúde (ver Módulo 2, Anexo D). Nessa
entrevista os agentes de saúde nos deram os nomes de algumas pessoas que pediram a
eles para que conseguissem uma vaga para o serviço de Psicologia da unidade. Foi a
partir dos nomes que eles nos trouxeram que selecionamos o que chamamos de
“demanda em espera”.
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Anexo F
6° Visita ao campo _ Centro de Saúde de Aparecida, Escola Estadual e Centro
Social.
Data: 10.10.06
Objetivo: Conhecer a comunidade de Mãe Luiza
As 13:15 h chegamos à unidade básica de saúde. Nos nossos planos iríamos nos
dividir, onde Andréa ficaria na unidade para pegar os prontuários das pessoas que já
estão sendo atendidas no serviço de Psicologia da unidade para, assim, sortear alguns e
fazer entrevistas. Essa visita serviria também confirmar com os agentes o encontro com
as pessoas que estão na lista de espera pelo serviço psicológico, que será amanha
(11.10.06), as 8:00 h. Já Anna Valeska iria conhecer os aparelhos sociais da
comunidade.
Andréa ficou na unidade básica, aguardando a psicóloga e o agente Manoel, que
foi quem ficou de agendar o encontro do dia seguinte. Enquanto eles não chegavam
Andréa foi ver o grupo de mães que se reúne para um curso de pintura em uma sala
cedida pela unidade básica de saúde. Chegando lá uma senhora perguntou se Andréa era
a garota que estava fazendo um trabalho lá, Andréa sentou-se ao seu lado e se
apresentou, falando do trabalho que estava desenvolvendo em Mãe Luiza.
O nome dessa senhora era Dona Nenê, presidente do grupo de Idosos, que lá
também se reúne às quartas-feiras. Ela estava na unidade naquele momento ajudando na
organização do grupo de Mãe. Segundo ela o grupo de Idosos existe a mais de um ano,
enquanto que o grupo de Mães existe desde Abril deste ano.
Dona Nenê fala que existem cinco escolas em Mãe Luiza, seis creches, Conselho
Comunitário, Centro Social, uma Igreja Católica e aproximadamente seis Igrejas
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Evangélicas. Mãe Luiza conta também com uma Unidade Mista de Saúde, com o
Espaço Solidário, duas delegacias e os Alcoólicos Anônimos (AA).
Questionada sobre como é morar em Mãe Luiza essa senhora comenta que é
muito bom morar nessa comunidade, gosta do lugar, das pessoas, de colocar as cadeiras
na calçada de casa em noite de lua cheia e ficar vendo a lua e o mar (ela mora na
Avenida Guanabara, quase vizinha à unidade de saúde). Porem, a única coisa que
estraga é a violência, mas a violência, segundo ela, esta em todos os lugares, mas ela há
23 anos em Mãe Luiza e não tem do que reclamar.
Comenta que Mãe Luiza é perto de tudo, que eles podem ir ao centro da cidade,
ao Alecrim, a praia, tudo a pé. Porém, ela comenta que os moradores não se mobilizam
e lutam pelas “suas coisas”. Dona Nenê comenta que falta às pessoas saírem do
comodismo e lutarem por seus diretos. Ela comenta que o Centro Social não funciona
não como ela acha que deveria. Quanto ao Conselho Comunitário ela fala que este
também não funciona adequadamente.
Segundo Dona Nenê elas conseguiram formar esse grupo de Mães e o de Idosos
por vontade e iniciativa próprias, buscando apoio do município, patrocínio do governo
do estado e assim conseguiram que lhes disponibilizassem o espaço da unidade básica
de saúde. Os matérias para os cursos e oficinas são particulares (cada um compra o seu),
o que torna difícil a promoção de certos cursos, já que algumas delas não possuem
dinheiro suficiente para o investimento.
Questionada sobre a freqüência dos membros dos dois grupo Dona Nenê
comenta que é boa, que quase sempre todas as pessoas freqüentam assiduamente. Nesse
momento a psicóloga chega à unidade e chama Andréa para conversarem.
Andréa conversa com a psicóloga, pedindo a ela para disponibilizar os
prontuários das pessoas que estão sendo atendidas por ela. A psicóloga leva Andréa até
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Sr. Paulo, o recepcionista, que é quem toma conta dos prontuários. Como se tratava de
uma terça-feira, um dos dias mais movimentos da unidade, ficava difícil separar os
prontuários. Sendo assim, ficou combinado para que Sr. Paulo separasse os prontuários
das pessoas atendidas nas duas ultimas semanas (sugestão da psicóloga) no dia seguinte,
à tarde, que Andréa passaria para coletar.
Nesse momento Andréa encontrou o agente de saúde Manoel, que confirmou o
encontro no dia seguinte, com as pessoas que estavam na lista de espera pelo
atendimento da psicóloga da unidade.
Enquanto Andréa ficava na unidade Anna Valeska percorreu a comunidade, e
conheceu o Centro Social. Esse Centro Social conta com doações e funciona, na
verdade, como uma “escolinha”, onde são dadas aulas de reforço para alguns estudantes
da comunidade. Anna Valeska também esteve em uma escola estadual.
Anexo G
7° Visita ao campo _ Centro de Saúde de Aparecida
Data: 11.10.06
Objetivo: Entrevistar a demanda em espera pelo serviço de Psicologia
As 08:05 da manhã chegamos à unidade básica de saúde, conforme combinamos
com os agentes de saúde para entrevistar, em grupo, as pessoas seis pessoas que foram
selecionadas em sorteio, a partir dos nomes dados pelos agentes, que estavam na espera
para o serviço de Psicologia. Quando chegamos ainda não havia chegado ninguém,
abrimos à sala e ficamos esperando. Foi quando chegou uma senhora com o seu filho
(ver Módulo 2, anexo E).
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Durante a realização da entrevista outro usuário compareceu, conforme
combinado. Trava-se de um avô e seu neto (ver Módulo 2, anexo E). Das seis pessoas
convidadas apenas duas compareceram. Não sabemos se essa negativa pode ser vista
como um dado de pesquisa.
Anexo H
8° Visita ao campo _ Comunidade de Mãe Luiza
Data: 13.10.06
Objetivo: Conhecer alguns aparelhos sociais de Mãe Luiza, tais como a Unidade
Mista e uma creche.
As 08:35 h chegamos ao bairro de Mãe Luiza. Planejamos para esse dia
conhecer alguns aparelhos sociais dos quais a comunidade dispunha. Logo encontramos
o Grupo Mãe Luiza, aonde pudemos ver que lá também funciona os Alcoólicos
Anônimos (AA) (ver Módulo 3, anexo B). Infelizmente esse centro estava fechado e,
portanto só podemos tirar fotos da fachada.
Tiramos fotos também de uma escola estadual, uma biblioteca do município,
além da unidade básica de saúde (ver Módulo 3, anexo C). Tiramos fotos também da
comunidade, das suas ruas, ladeiras e morros.
Paramos na Unidade Mista de Saúde e entramos pra conhecer o lugar, já que,
segundo informações informais, nessa unidade mista também há a presença de um
psicólogo trabalhando. O recepcionista nos atendeu e falou que o diretor e o
administrador da unidade não estavam. Falamos, então, com Fátima, assistente social da
unidade mista, nos apresentamos e falamos sobre nossas propostas (queríamos conhecer
o lugar e o psicólogo). Infelizmente o psicólogo também não estava no lugar, tendo em
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vista que o horário dele no ambulatório é nas segundas, terças e quintas-feiras. Ela nos
deu então o telefone de lá para que ligássemos antes e marcássemos uma entrevista com
ele.
Ela se ofereceu para nos apresentar a unidade mista e nós aceitamos. Nesse
percurso ela nos mostrou as salas, os profissionais, os programas desenvolvidos, nos
explicou porque é uma unidade mista, falando sobre o seu funcionamento, dentre outras
coisas. Durante esse percurso perguntamos para Fátima quais eram as principais queixas
que chegavam ao pronto-socorro e ela comenta que são casos de pessoas baleadas ou
vitimas de facadas (novamente surge a questão da violência).
Nesse “passeio” pela unidade mista uma senhora perguntou a Andréa se ela não
se chamava Evelyne, pois se parecia muito com uma menina que morava em uma casa
onde ela havia trabalhado por muitos anos. Essa senhora pareceu muito simpática e
atenciosa, Andréa então aproveitou para ter uma conversa informal com ela.
Essa senhora procurou o serviço do ambulatório da unidade mista por, segundo
ela, estar muito doente. Comenta que trabalhou muito lavando roupas e que isso a havia
deixado com dores nas pernas, na coluna, nos braços, enfim. Quanto ao serviço do lugar
ela gosta e acha bom. Gosta por causa das meninas que trabalham na unidade mista.
Segundo ela as meninas são atenciosas, muito simpáticas, fazendo o que ela precisa,
tratando-a muito bem.
Com relação à comunidade ela comenta que gosta bastante de morar lá, que
dentro da comunidade já morou em três lugares diferentes, mas comenta que o único
problema lá são as drogas. Ela possui dois filhos, um deles mora na Alemanha, onde é
professore de Capoeira, e com dois netos, um jovem de 6 anos e uma menina de 12.
Ela se preocupa muito com o rapaz porque ela fala que onde eles moram, na sua
rua, tem muita droga e ela se preocupa em sue neto acabar “se juntando” com essas
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pessoas. Comenta que a partir das seis horas a sua rua fica cheia de pessoas se drogando
e ela mantém seu neto trancado dentro de casa, mas acha que seu vizinho (que é
traficante de drogas) está querendo seduzir seu neto e levá-lo para as drogas. Ela se
preocupa bastante com isso.
Ela é questionada se sabia que na unidade mista eles tinham psicólogo e ela fala
que não sabia. Questionada, também, sobre o que o psicólogo a faz parece confusa: “Dá
conselhos? (pausa) Não sei”.
Agradeço a essa senhora por ter conversado conosco. Ela comenta que gostou
muito e que é para a gente sair do posto de saúde e ir para a unidade mista. Comenta que
ira torcer e rezar pela gente. O tipo de reação dela me pareceu muito sincera e me
emocionou.
Voltando para a recepção conversamos um pouco com o recepcionista que
estava de plantão. Ela comentou sobre a violência, que sempre e a qualquer hora
chegam pessoas ao pronto-socorro esfaqueadas ou baleadas, trazidas por outras pessoas,
agitadas, com armas nas mãos, enfim, uma situação muito delicada.
Fala também que ele acha que a violência ocorre também por uma facilidade na
arquitetura do lugar, dos inúmeros becos e vielas, tornando-se fácil para os “bandidos”
correrem e se esconderem. Ele já trabalhou em outros lugares, como nas Rocas, por
exemplo. Ele preferia trabalhar nas Rocas, comenta que nas Rocas iam pessoas de
diversos lugares enquanto que onde ele esta são só pessoas de Mãe Luiza (diferente do
que o diretor da unidade básica de saúde fala ver Módulo 2, anexo A).
O telefone da recepção toca e assim interrompe a nossa conversa. Decidimos
então sair da unidade mista e percorrer, um pouco mais, a comunidade. Procuramos o
Conselho Comunitário, mas ele estava fechado. Procuramos por escolas, mas estavam
fechadas, até que chegamos a uma creche mantida pelo Meios. Nessa creche
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conversamos com uma professora e com a diretora da escola. Elas foram bastante
simpáticas. Comentaram que não fazem uso dos psicólogos da comunidade, já que o
Meios disponibiliza para elas e para todas as creches que são mantidas pela Ong uma
psicóloga.
Anexo I
9° Visita ao campo _ Centro de Saúde Aparecida e Unidade Mista de Saúde
Data: 16.10.06
Objetivo: Fazer mapeamento dos prontuários das pessoas atendidas pelo serviço
de Psicologia e entrevista com psicólogo da Unidade Mista de Saúde.
NOME SEXO IDADE QUEIXA M.A.O Masculino 6 anos Agressividade I.G.L Masculino 8 anos Dificuldade de
aprendizagem B.O.B Feminino 9 anos Rebeldia J.V.D.N Masculino 5 anos Comportamento
agitado e agressivo C.B.F Masculino 6 anos Stress/ M.E.B Feminino 36 anos Falta de motivação/
problema familiar A.O.C Masculino 3 anos Pai faleceu S.B.O Feminino 37 anos Sintomas de
depressão L.M.S Feminino 26 anos psicoterapia E.P.S Masculino 14 anos psicoterapia V.L.S Feminino 12 anos Agressividade/
alucinações visuais E.P.S Masculino 6 anos Agitado/ inquieto D.O Masculino 11anos Envolvimento com
drogas A.M Feminino 11 anos Medo L.S.B Masculino 18 anos Ansiedade/
comportamento compulsivo
L.M.O Masculino 10 anos Agressividade D.F.J Feminino 11 anos Encaminhada pelo
psiquiatra A.S Masculino 6 anos Sem queixa no
prontuário
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M.E.S.S Masculino 38 anos Comportamento obssesivo/raiva
K.M.S Masculino Sem idade Sem queixa M.E.P Feminino 6 anos Agitação/desatençãoL.C.O Feminino 21 anos Deficiência mental Quanto à entrevista com o psicólogo F. L.M., esta foi realizada na Unidade
Mista de saúde (ver Módulo2, anexo F).
Anexo J
10° Visita ao campo _ Centro de Saúde Aparecida
Data: 20.10.06
Objetivo: Entrevista com demanda atendida pelo serviço de Psicologia do Centro
de Saúde de Aparecida
Anna Valeska e Andrea se dividiram para poder entrevistar as três pessoas que
haviam sido sorteadas e que tinha atendimento neste dia. Na sala de espera, porem, só
estavam S.P.T., acompanhando a criança A.M. e V.L.S. Anna Valeska entrevistou
S.P.T. e A.M e Andrea entrevistou V.L.S.
Por motivos técnicos, problemas na gravação, a entrevista feita com V.L.S. será
aqui transformada em uma conversa informal. Já a entrevista com A.M e S.P.T. esta no
Módulo 2, anexo G.
V.L.S., no dia 20.10.06, estava tendo a sua segunda consulta com a psicóloga da
Unidade Básica de Saúde. Trata-se de uma jovem de 12 anos, residente em Mãe Luiza
desde o seu nascimento, morando com os pais, sendo a filha única desse casal.
Questionada sobre o motivo que a levou a procurar o serviço de Psicologia a
usuária fala que era por causa da sua rebeldia. Essa rebeldia, segundo o que a mesma
nos canta, esta relacionada à sua vida e a educação que seus pais lhe dão, como também
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com aspectos da sua condição de vida. A usuária fala que o seu pai chega a casa
embriagado e isso revolta ela.
Quando questionada sobre o que acha do serviço, do atendimento, ela comenta
que gosta. Essa é a primeira vez que ela procura o serviço de Psicologia, embora já
fizesse uso de outros serviços oferecidos pela unidade, tais como consultas médicas. No
primeiro atendimento a psicóloga ela foi acompanhada pela sua mãe, mas desta vez
estava só.
Com relação à forma como chegou ao serviço à usuária comenta que antes
esteve em um neurologista e que este a encaminhou para a psicóloga. Dessa forma a
família dela procurou pelo agente de saúde que passa em sua rua e pediu para que ele
conseguisse uma vaga para ela.
Os agentes de saúde, na opinião da usuária são “legais”. Segundo ela, quem faz
mais uso desse serviço é a sua avó, e que foi ela (a avó) quem conseguiu entrar em
contato com o agente para conseguir o atendimento.
Sobre morar em Mãe Luiza a usuária fala que gosta, mas relata um caso de
violência que aconteceu no final de semana anterior. Houve um tiroteio e um casal que
estava na calçada namorando (um rapaz e uma moça grávida), foram atingidos. O tiro
atingiu o rapaz e a moça, na barriga dela. Segundo V.L.S. a moça perdeu o bebe e
estava internada, enquanto que o rapaz estava bem.
A garota comenta que a questão da violência e como os seus pais se preocupam
com isso.
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Anexo L
11° Visita ao campo _ Centro de Saúde Aparecida
Data: 23.10.06
Objetivo: Entrevista com demanda atendida pelo serviço de Psicologia do Centro
de Saúde de Aparecida
Igualmente por motivos técnicos a entrevista que aqui foi realizada ira ser
transformada em uma conversa informal.
A Dona M.D.N. estava no corredor da unidade básica aguardando que a usuária
que estava sendo atendida pela psicóloga saísse para que assim o seu filho, J.V.D.N., de
cinco anos, pudesse ser atendido. Ela estava então acompanhando os eu filho.
Com relação ao motivo do atendimento ela fala que era devido aos
comportamentos da criança. Segundo ela o menino é muito inquieto, “impossível”, não
para um segundo. Deixa-lo sozinho, trancado em casa, é um perigo, porque, conforme já
aconteceu, ele coloca fogo no colchão e nas coisas da casa.
Ela se vê em uma situação difícil, já que quando ela sai para trabalhar (ela não
possui emprego fixo, seu ultimo trabalho foi entregando panfletos na rua) tem que
deixar os filhos trancados em casa, já que a sua rua é perigosa. Porém, as crianças
ficarem em casa sozinhas também é perigoso.
A mãe da usuária comenta que possui cinco filhos. Dois moram com sua mãe, na
Zona Norte, e três moram com ela. A criança atendida é o quarto filho dela.
Sobre a procura pelo serviço de Psicologia essa é a quarta vez que ela procura o
psicólogo, ou seja, não é a sua primeira experiência. Seu filho mais velho, hoje com 19
anos, tem alguns problemas mentais, segundo ela. Esses problemas mentais foram
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agravados por um acidente de carro sofrido por ele, onde o médico por ele responsável
informou dona M.D.N. que ele poderia vir a ter seqüelas.
Segundo dona M.D.N. o seu filho, desde então, toma remédios controlados, já
que como sintoma surgiu o comportamento do jovem no que ele ficava “agoniado” e
saia de casa, ficando perambulando pelas ruas, às vezes por diversos dias, sem que os
pais soubesse onde ele estava, até o dia em que ele, voluntariamente, voltava para casa.
Nessa saídas esse rapaz teve problemas com algumas pessoas de Mãe Luiza. A
partir desse problema o rapaz mudou-se para a casa de sua avó, na Zona Norte de Natal,
onde mora até então. Segundo a sua mãe desde a sua mudança para este lugar ele não
tem tido os comportamentos mencionados, deixando, ultimamente, de tomar as
medicações. Quando, esporadicamente, esse rapaz visita sua mãe em Mãe Luiza sente-
se desconfortável e logo volta para a casa de sua avó, ou seja, não se sente bem de ir a
Mãe Luiza.
Outro filho com problemas que a fizeram procurar o serviço de Psicologia foi
devido a um acidente sofrido pelo seu terceiro filho, quando ele tinha então seis anos
(hoje ele tem nove). Segundo relato de dona M.D.N. ele foi atropelado e também,
depois disso, no período de recuperação dessa criança ele teve acompanhamento
psicológico.
Na verdade dona M.D. N relata a preocupação que tem que os problemas que
seus filhos tem seja fruto dos problemas enfrentados por ela durante a gravidez e o
desenvolvimento dos seus filhos. Essa senhora conta uma historia de sofrimento, fruto
do relacionamento por ela mantido com o pai de quatro, dos cinco filhos que ele tem.
Tratava-se de um homem violento, alcoólatra e que “mexi” com drogas. Por
diversas vezes, durante as suas gravidezes ela foi vitima de espancamento, relatando que
em um momento ela chegou a quase morrer. Segundo ela esses espancamentos eram
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comuns tanto durante sua gravidez como também posteriormente, na frente das
crianças.
Ela se questiona se as crianças pegaram isso durante a gravidez. Atualmente ela
convive com outro parceiro, tendo um filho com ele. Comenta que esse novo parceiro é
diferente do primeiro, tratando muito bem a seus filhos, tendo bastante paciência com
eles.
Nesse momento os eu filho sai da sala de atendimento e interrompe nossa
conversa. Ele parece realmente muito agitando e assim ela vai embora.
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MÓDULO 2
ENTREVISTAS REALIZADAS
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Anexo A
Entrevista com Diretor do Centro de Saúde de Aparecida
Nome: J.F.D.
Sexo: Masculino
Data: 18.09.06
Loca: Centro de Saúde de Aparecida
Etr 1: A gente tem algumas perguntas aqui, mas o senhor fique a vontade, certo?
Eto: Certo.
Etr 1: Há quanto tempo você exerce a direção desse posto?
Eto: Eu vim para cá como administrador, em 22 de agosto de 2003. Esse ano é que eu
fui promovido a diretor, em fevereiro de 2006. Eu era a segunda pessoa e passei a ser a
primeira.
Etr. 1: Quanto tempo você passou como administrador?
Eto. Dois anos.
Etr 1: Qual é a função mesmo do administrador?
Eto: É o de não deixar que nada falte ao trabalho, para que o trabalho seja concretizado.
Ele tem que cuidar da freqüência dos servidores, se está faltando alguma coisa que ele
possa viabilizar. É o dono da casa.
Etr 2: E o diretor então?
Eto: O diretor... Eu faço isso tudinho, eu assumo as duas funções, mas é mais assim...
Corrigir o rumo, tomar as decisões... Mas tudo da função do administrador eu faço
também...
Etr 2: O senhor tem alguma formação?
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Eto: Eu sou formado em Ciência Contábeis, mas não exerço não... Eu nunca exerci a
função de contador...
Etr 2: O senhor se formou quando?
Eto: Em terminei 1995... Eu sou formado em formação executivo também, mas nunca
exerci nenhuma das duas... Só para efeito de promoção na prefeitura... Mas... A gente
sempre pega alguma coisa, né? De um modo geral...
Etr 1: Você já exerceu outra função, ou até mesmo de administrador ou diretor, em
outra unidade básica de saúde?
Eto: não. Eu to aqui fazem três anos e alguns meses... eu era digitador no distrito, aí eu
vim como administrador e esse ano para diretor...
Etr 1: Você falou que o diretor exerce supervisão geral...
Ato: a responsabilidade maior é dele...
Etr 1: E como é a sua relação com os outros profissionais da unidade? Assim, quando
eles precisam de alguma coisa, algo que falta, que estão em dificuldades, como é?
Eto: Recorrem à administradora. Mas aqui a gente tem... Eu costumo dizer que tem
gente que fica enaltecido com o cargo e tal, mas eu não vejo assim não... Eu to aqui para
servir, então eu e a administradora fazemos uma parceria muito boa, porque não tem
essa divisão muito rígida não, muito embora tenha coisas aqui que eu é que tenho que
tomar a decisão... É como se eu fosse um funcionário, só que eu tenho mais
responsabilidades que os outros... E quando falta alguma coisa o profissional vem ate a
administradora e a gente vai tomar as providencias... Se for um equipamento a gente vai
ao setor competente... Se for um impresso... Se for uma pia quebrada a gente vai atrás
de concerto... Aqui não tem essa divisão rígida não... A hierarquia aqui está só no papel,
mas no dia a dia não existe essa questão da hierarquia não...
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Etr 1: O senhor falou, da outra vez que a gente estava aqui, dos programas que existem
no posto... O senhor pode falar um pouco deles para a gente?
Eto: Aqui tem o programa do leite... O programa do leite é destinado para crianças de 0
a 5 anos que tenham desnutrição e para gestantes... Nós temos aqui no posto cerca de
150 pessoas que se beneficiam desse programa...
Etr1: É no posto mesmo que eles recebem?
Eto: É. Só que eles têm um acesso independe... Tem uma porta para a rua...
Etr 2: Ele é federal ou municipal?
Eto: Todos os programas que nós temos aqui são federais... Do governo... Para suprir as
carências nutricionais... Na minha opinião isso é assistencialismo, mas eles falam que é
para combater as carências nutricionais... Eu acho que eles deveriam capacitar as
pessoas para as pessoas comprarem o que elas precisam e não esse assistencialismo...
Etr 1: Você falou de outros programas...
Eto: É. Tem o CIS pré-natal... É o acompanhamento da gestante... Desde o inicio da
gravidez até o termino eles acompanham... Dá acesso também que você faça uma ultra-
sonografia obstétrica, coisas assim, ta entendendo? Para o acompanhamento ser mais...
Etr 1: Esse acompanhamento que você fala são com consultas médicas?
Eto: Isso, com o ginecologista...
Etr 1: O que esse programa oferece a mais, como um diferencial?
Eto: Explique melhor...
Etr 1: Normalmente a gestante quando fica grávida procura o médico, né? Tem aquelas
que procuram e as que não procuram... A essas que procuram o que ela ganha a mais, o
que é diferencial?
Eto: Esse programa além do ginecologista ele é uma coisa multiprofissional... São
vários profissionais envolvidos, têm o programa do leite, palestras...
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Etr 1: Quem faz essas palestras?
Eto: É a assistente social que organiza que chama a nutricionista para falar da
alimentação... Essas coisas...
Etr 2: E como é a freqüência das pessoas a esses programas?
Eto: Aqui o pessoal... As mulheres daqui têm muito preconceito porque o ginecologista
é homem... Antes o ginecologista era mulher, mas mudou então algumas tem resistência
porque acham que só o marido pode ver essas coisas. Antes de Lucia, a ginecologista
sair, tinha muita gente, mas depois que ela saiu caiu foi muito a procura pelo
ginecologista... Porque é médico homem, aí não dá certo... Mas a gente tenta mostrar
aqui que ele é um profissional, que vai tratar como trataria de qualquer outra pessoa,
mas tem esse preconceito...
Etr1: O senhor justifica a isso a não adesão das pessoas?
Eto: Não... Esse é só um dos motivos...
Etr 2: O senhor ainda nos falou de outros programas...
Eto: Tem o Hiperdia... Atende aos hipertensos e diabéticos... A gente prioriza também
palestras, a gente trás, nas quartas-feiras, no grupo dos idosos (a gente, assim, compara
aos idosos porque são os que tem a saúde mais debilitada, né? Geralmente são
hipertensos, diabéticos, tudo)... Então a gente prioriza o atendimento para eles na terça-
feira e nos outros dias a demanda é aberta... Que na maioria das vezes são hipertensos e
diabéticos... E esse programa aqui é um sucesso porque desde que esse programa foi
implantado a mais de um ano trás nunca faltou medicamento para eles... A coisa é bem
gerida, além da palestras, de atividades em grupo, a psicóloga participa, a nutricionista...
pela avaliação que a gente fez muita gente gostou... Ta assim... Se uma pessoa tomava
tantos comprimidos... Mas com o andamento do trabalho as doses da medicação vêm
diminuindo, tem gente até que deixou de tomar... É um grau de satisfação muito boa...
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Etr 2: E a adesão da comunidade a esses projetos?
Etr 1: Como é que a comunidade vê esse programa?
Eto: O Hiperdia, pelo o que os agentes me repassam, no dia a dia, é um grau de
satisfação muito bom... Não tem problema nenhum... Esse CIS pré-natal deixa um
pouco a desejar...
Etr 1: Essa opinião de que deixa a desejar é de quem?
Eto: É uma opinião nossa...
Etr 1: O que poderia ter para esses programas darem mais certo?
Eto: A gente precisa aqui de muitos recursos humanos... Tem muita coisa para a gente
levar, mas a gente não tem condições... Como tem pouca gente a gente acaba desviando
um pouco o foco de determinadas coisas e deixa muita, a gente quer concretizar aquele
negócio, mas não é possível... Por exemplo, eu, hoje, fui no programa do leite, distribuir
o leite e eu tenho que ficar de olho... ou seja, eu to saindo do meu foco, ao invés de
olhar de longe eu to no meio da coisa, se não você não consegue...
Etr 1: A freqüência dos outros funcionários, como é?
Eto: É mais ou menos.
Etr 1: Todos os dias tem todos os profissionais aqui?
Eto: Não, aqui é o seguinte... Nós temos cinco médicos, um ginecologista, dois
pediatras e dois clínicos... Todos eles têm um dia que eles não vêm, porque eles tem um
plantão, então a gente flexibiliza... Porque ele tem outra atividade, ele tem que
sobreviver também, então a gente flexibiliza... Então eles tem um dia de folga daqui da
unidade por semana... Por exemplo, o ginecologista é médico do Walfredo e na sexta-
feira ele ta de plantão então ele não vêm na sexta... Dr. Fábio tem plantão na segunda-
feira, então ele vem na terça, na quarta, na quinta e na sexta... Dr. Penha, é uma das
diretoras do Varela Santiago, e na segunda-feira é o dia de plantão dela.... Então, para a
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coisa andar a gente tem que flexibilizar... Mas isso é uma realidade de toda a rede,
porque todo mundo faz esses arranjos, eles são necessários...
Etr 1: Mas dentro dos seus horários os posto tem conseguindo manter os serviços?
Eto.: Tem.
Etr 2: São cinco médicos, uma nutricionista...
Eto: Tem a nutricionista, temos duas assistentes sociais, uma enfermeira e temos...
(pausa)... Tem o dentista....
Etr 2: E a psicóloga?
Eto: E a psicóloga...
Etr 1: quantos agentes comunitários são?
Eto: São treze... Inclusive Dr. Gilton atende todos os dias... É um acaso... Porque como
dentista ele atende todos os dias... Cinara tem um dia que ela não atende, porque ela tem
outros vínculos e esse outro vinculo, nesse dia é horário integral... É na quinta-feira... A
gente sempre tem essa flexibilidade... Para a coisa caminhar...
Etr 1: Como você vê a implantação do SUS na realidade... Porque a gente estava até
lendo sobre o SUS, como é que você vê estando aqui no posto e saúde...
Eto: O SUS é novo, né? Da constituição de 88 pra cá... Tem que avançar muito ainda,
para dar uma resposta à sociedade... Então falta muito coisa, muita resposta para dar a
sociedade... Porque vinte anos é muito novo, mas que foi um avanço foi... é até uma
coisa contraditória... Porque antes as pessoas não tinham acesso ao serviço, se você
fosse procurar um serviço podia ser como indigente, então o SUS universalizou... Quem
chegar no posto de saúde tem que ser atendido... Mas falta muita coisa... Mais
profissionais... Metas... Porque eu vejo a coisa, assim, como se não tivesse meta, como
se não tivesse uma cobrança... Daqui a dez anos vamos erradicar isso... Daqui a dez
anos vamos erradicar aquilo... Não tem meta... Vamos erradicar o sarampo... Foi um
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avanço, mas ainda deixa a desejar... Por exemplo, para marcar consulta...
Oftalmologista é um gargalo... Difícil demais... Eu vejo que a secretaria deveria
comprar serviços para atender... Falta muita coisa ainda...
Etr 1: Quando vem uma pessoa procurando um profissional que aqui não tem, como é
que vocês fazem?
Eto: Ele entra pelo posto, o paciente, e vai para o clínico e aí o clínico referencia para o
especialista e dá uma ficha de referência referenciando aquele paciente para um
ortopedista, por exemplo... E a gente aqui do posto que vamos agendar uma consulta,
através de computador ou telefone...
Etr 1: Em outros níveis de atenção?
Eto: É... A gente... O distrito, na Ribeira, tem 27 especialidades, então a gente as vezes
consegue referenciar o paciente para lá... Tem até o Hospital do Polícia... Tem vários
lugares...
Etr 1: Qual profissional, aqui no posto, tem maior procura?
Eto: Aqui no posto? (pausa) É o clínico... A demanda para ele é muito grande... E eu
acho que deveria ter mais profissionais, mais clínicos... Porque dois é insuficiente...
Etr 1: Deixa eu perguntar uma coisa... É uma curiosidade... Quando a pessoa chega no
posto ele é quem diz que vai para tal profissional ou vocês aqui é que falam...
Eto: Ele chega dizendo que queria marcar uma consulta com o clínico...
Etr 1: E isso é aonde?
Eto: No arquivo...
ETr 1: Mas tem alguém que chegue sem saber para qual profissional vai?
Eto: Não eles já sabem...
Etr 1: Mas todo mundo já sabe por que conhece o posto?
Eto: Todo mundo conhece...
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Etr 1: Mas se alguém não conhece?
Eto: Às vezes a pessoa vem por intermédio de alguém da família que mora aqui... Ou
liga antes para saber qual são os médicos que tem...
Etr 1: Você falou também que vem pessoas de outros lugares para aqui. Quais lugares
são os mais frequentes?
Eto: Pajussara, Morro Branco, Soledade, Igapó... Barro Vermelho... Areia Preta...
Brasília Teimosa... Lá tem unidade básica de saúde, mas as pessoas vêm para cá...
Etr 1: Tem alguma coisa ao qual você credita essa procura de outros lugares?
Eto: É o bom atendimento, o acolhimento... Dentro de toda a dificuldade a gente tenta
priorizar o atendimento, atender bem a pessoa, dar uma resposta a pessoa, mesmo que a
gente não possa fazer alguma coisa a gente ajuda, dá o caminho, a gente tenta ajudar a
pessoa... Isso de todos os funcionários...
Etr 1: como é que se dá o trabalho entre os profissionais? Há um trabalho em parceria
ou não?
Eto: Aqui foi uma unidade modelo, antes de eu chegar aqui... Quando se falava em
Posto de Saúde se falava em Aparecida... Isso no passado... Quando eu cheguei aqui a
maioria dos profissionais tinham saído, porque foram para o PSF... Fizeram concurso, a
área lá é melhor e foram pro PSF... os bons profissionais foram embora e não vieram
profissionais para repor isso... Até sexóloga aqui nos tínhamos, para fazer o
planejamento... Tínhamos dois dentistas agora só temos um... Tinha psicólogo...
Etr 2: E hoje, como seria esse trabalho?
Eto: Depende do problema... Não tem uma sintonia como teve no passado... O passado
foi um bom referencial... Só em casos específicos... De uma palestra...
_ Interrupção...
Enfermeira: Oi, tudo bem?
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Eto: Essa aqui é a nossa enfermeira... Soraia...
Enfermeira: Elas são do grupo da manhã, que estão aqui pela manhã?
Eto: Não... Ai eu dei uma pincelado sobre o CIS pré-natal, essas coisas...
Enfermeira: Qualquer coisa eu estou por aqui... Viu?
Etr 1 e 2: Obrigada.
- A enfermeira saiu da sala.
Etr 1: Todo mundo que procura o serviço consegue atendimento ou há uma demanda
em espera? Como é?
Eto: Fica esperando e muita gente não é atendida...
Etr 1: Mas para determinados profissionais ou em geral?
Eto: Em geral... Por quê? Porque a demanda é muita grande... A carência é muito
grande... E a gente tem um limite X de atendimento...
Etr 1: Qual é o limite de atendimento?
Eto: Por exemplo, o clinico são 16 consultas... Por dia... Porque a carga horária aqui é
de 20 horas, os médicos aqui são tudo 20 horas... Então todos os profissionais atendem a
16 consultas... Mas a demanda é maior...
Etr 1: Como pensar sobre isso ou o que se pensar quando a demanda é maior do que o
serviço suporta?
Eto: A gente aconselha que as pessoas tentem agendar com os agentes, por meio dos
agentes... 50% das consultas é feito pelo agende e 50% é feito por Sr. Paulo, lá na
frente... Então a gente pede que quando o agente passar na área dele ele peça para
marcar a consulta... Aí quando aparecer uma oportunidade a pessoa encaixa...
Etr 2: Existe algum momento no posto em que os profissionais vão até a casa das
pessoas?
Eto: Os profissionais?
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Etr 2: Sim...
Eto: Não. As vezes Soraia vai... Mas isso é uma prerrogativa mais do PSF... Mas Soraia
vai, Jaqueline já foi, Jussara já foi... Até porque não é programa da família... mas uma
vez ou outra a gente vai...
Etr 1: Com relação a essa demanda que você falou que fica em espera você diria que é
decorrente de que?
Eto: Por que... Envolve até a questão do meio ambiente... Aqui tem muita área de água
servida, você sabe que água servida é... 90% dos problemas de saúde é decorrente da
água servida, insalubridade, né?
Etr 2: Água servida que você fala é o que?
Eto: Esgoto, esses negócios assim... Isso é um fator, mas tem também aqui que muita
gente... Por exemplo... Para a psicóloga... Vem aqui pra psicóloga por causa de
agressão, o lar desestruturado, o alcoolismo, droga... Os problemas daqui são muitos...
A questão dos agravos aqui, as doenças, escabiose, isso tudo concorre...
Etr 1: E que providencias poderiam ser tomadas? O que você pensa sobre isso...
(Pausa)
Eto: Eu acho que o problema disso tudinho é prevenção... Eu levo muita fé no PSF, eu
acho que eles ajudam muito na prevenção, vai diminuir drasticamente esses problemas,
porque quando o profissional for até a casa das pessoas, na comunidade, os agentes
fizerem tudo, a tendência é a diminuir os atendimentos... Porque muita gente aqui só
vem quando esta doente, pelas tabelas... não vem na prevenção, ninguém se cuida
preventivamente...
Etr 1: Qual é a função dos agentes de saúde?
Eto: Os agentes de saúde... Fazer as visitas, detectar os problemas sociais... No meu
entender... E trazer para a unidade... Eles são o elo da unidade com a comunidade...
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Etr 1: Há uma cobertura de agentes em toda a comunidade?
Eto: Não. Mas quando for o PSF vai ter que cobrir toda a área... Hoje são menos de 40
%.
Etr 1: Porque esses 40%?
Eto: Quando vieram implantar o PAS (Programa de Agente da Saúde) eles
estabeleceram as áreas, não sei como foi feito não... São 14 áreas... Mas não cobrem
tudo não... Pode ser que com o aumento de gente, mais agentes pudessem cobrir mais
áreas... Mas no mapeamento que o PSF ta fazendo vai englobar toda a Mãe Luiza... Mas
são poucos para o tamanho do bairro...
Etr 1: O PSF vai funcionar aqui, nessa unidade?
Eto: Vai... Pelo menos é o que a gente esta esperando... Eles estão fazendo um
mapeamento, mandaram fazer o impacto de demanda para saber de onde a demanda
era... Eles estão estudando para implantar o PSF aqui...
Etr 2: E quando esse agentes fazem as visitas e trazem as demandas eles levam isso para
quem?
Eto: A supervisora deles é a enfermeira, aquela que entrou aqui na sala... Eles levam as
coisas para ela...
Etr 1: E ela encaminha?
Eto: Tudo da secretaria de saúde, orientação, curso, e ela quem passa para eles... Com
relação aos problemas ela tras o problema para o posto, mas aí o agente vai direto ao
médico, também, depende do problema... se for possível solicitar um outro
profissional... Eles fazem...
Etr 1: Com relação à psicóloga, quem é que marca as consultas?
Eto: Tanto é lá na frente como ela... Todos os dias ela olha com seu Paulo o livro...
Pode ser gente trazida pelos agentes e pode ser gente que chega sozinho
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Etr 1: Deixa eu ver se eu entendi: os agentes podem trazer pessoas ou as pessoas podem
vir direto para cá e marcar
Eto: é. Está tendo um caso aqui que eu não sei se você sabe... Tem um senhor aqui que
morava em uma casa, mas venderam a casa dele... Sendo que ele era tão apegado à casa
que as pessoas da família dele foram embora, mas ele ficou, abandonado... Daí o agente
oi atrás da assistente social e a assistente social foi atrás dos aparelhos... contactar a
promotoria do idoso, espaço solidário...
Etr 2: Você falou desse espaço solidário... De aparelhos que a comunidade dispõe...
Como são eles? Fale um pouquinho deles para a gente... Vocês, aqui do posto, fazem
uma comunicação com esses aparelhos...
Eto: Fazemos sim... A agente social é quem fica mais ligada nisso, atenta, sabe?
(A enfermeira entra na sala para falar que a sala do diretor já está desocupada. Nós
mudamos de sala)
Etr 1: Retomando a pergunta...
(pausa)
Eto: Nesse problema que eu lhe falei... a assistente social entrou em contato com a
promotoria do idoso, essas coisas... Para ver como a gente poderia resolver o
problema...
ETr 2: Então como é, o posto trabalha junto com esses aparelhos da comunidade?
Eto: Trabalha...
Etr 1: Quais são esses aparelhos?
Eto: Trabalhamos com o Meios, com a Ativa... A gente trás grupos para cá... A STTU
tem um grupo teatral sobre o transito ai a assistente social trouxe eles para cá, para
orientar os idosos, como atravessar a rua e tudo isso... A agente social daqui sempre trás
para cá...
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Etr 1: Você falou que tem outro posto na João XXIII, como é o trabalho deles? Há
relação com vocês?
Eto: É... Lá eles são pronto-socorro... Pronto-socorro e tem a concepção de um posto de
saúde... Por isso é que é misto...
Etr 1: Você em relação com eles?
Eto: Temos.
Etr 1: Com relação a que?
(pausa)
Eto: É mais com relação a viabilizar material, coisa que aqui tenha e lá não tenha e vise
versa... A gente ta sempre em contato... Por exemplo, aqui no bairro uma vez por mês
tem o bairro cidadão... Todas as secretarias do município se reúnem aqui... Para tirar
documentos, palestras, então a gente senta com elas para ver como a gente pode fazer
uma palestra, um negócios... A gente tenta também remanejar algum funcionário daqui
para lá nesses dias...
Etr 1: Cinara chegou aqui você falou em abril, foi? Há quanto tempo que não tinha
psicólogo na unidade?
Eto: é... Fazem três anos que não tinha psicólogo... Não, mais de três anos, quase quatro
anos... O pessoal cobrava muito que não tinha, por causa dos problemas do lugar...
Qtr 1: Quem cobrava?
Eto: a população... Às vezes eles vinham aqui e a gente encaminhava para a Unidade de
São João, que era aonde tinha... E hoje eu to achando até que as consultas dela... Tem
mais problema do que as consultas, né? Por exemplo,... Ela atende cinco pacientes por
dia, mas a quantidade de problemas são maiores... Agressão... Muita coisa associada à
droga... Maus tratos... E outras coisas, né? Inclusive eu pedi mais outra psicóloga para
cá... Porque só uma não dá vencimento das coisas daqui... Ela trabalha só à tarde...
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Etr 1: E como foi ter esse espaço da Psicologia aqui?
Eto: Foi muito bom... Muito gratificante... Porque a gente vê uma comunidade como
essa, cheia de problemas... Porque muitos problemas que chegam aqui... A gente faz
também papel de psicólogo, né? Chegou uma mulher aqui com o menino dizendo que
queria falar comigo, mas tinha que ser a portas fechadas... Só falava comigo se fosse a
portas fechadas... E só comigo... Ai eu pedi a administradora que saísse um pouquinho...
Ai ela me disse que a criança era soro positiva, que era filho do marido dela... Mas que
ela tinha medo de falar com as pessoas sobre isso e ficar estigmatizada... O marido era
promiscuo, mas que ela não tava muito preocupada com isso não... Ela mostrou o
exame dela que não era portadora... Mas no dia em que souberem que a criança era
aidética iam associar logo a ela e dizer que ela também tinha... Tinha uma outra que
dizia que era espancada em casa, violentada... Vinha para cá todo dia conversar comigo
e com a ex-diretora... Ai a gente encaminhou para psiquiatra, mas acho que ela não
soube explicar direito e o médico passou um remédio fortíssimo... Ai ela chegou aqui
dizendo que não estava sentindo as pernas, porque ela vinha aqui todos os dias... Ai a
gente mandou ela para a psicóloga lá de São João e quando ela voltou, depois, estava
com a cabeça melhor... Quando ela voltou abriu o jogo, falou que o marido batia nela...
Até estuprar ela ele estuprava, se ela não queria, mas ele queria e se ela não quisesse
apanhava, pois é, mas muitas vezes os médicos daqui não tem tempo de ouvir o que a
pessoa fala, talvez se ela ouvisse não tivesse, assim... Mas ele não ouve... Passa logo um
remédio... E a gente ouve cada coisa, cada relato... Quando a pessoa daqui chega sai
aliviada porque a gente deu oportunidade dela falar e a gente ouvir o problema dela...
Etr 1: Então há uma quantidade maior de pessoas a serem atendidas do que vagas para a
psicóloga...
Eto: Há... Porque ela só atende cinco por dia, ela não pode atender mais...
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Etr 1: Porque encaixa nas 20 horas de trabalhos?
Eto: É. Porque encaixa... Se ela tivesse 40 horas eram sete consultas... Só num horário,
mas com sete consultas...
Etr 1: Qual é o horário que ela chega e qual é o horário que ela vai embora?
Eto: Ia chega de 1:30 e quando sai... Varia muito... pode ser três e meia, quatro horas...
varia muito...
Etr 1: E quanto tempo dura as consultas?
Eto: Dura uns trinta minutos, acho que mais... A consulta dela é a que demora mais...
Mas ta certo... Muita gente eu converso aqui no corredor... Mas não para saber os
problemas, mas para saber o profissional... Ai eu sempre pergunto sobre ela e o pessoal
fala que gosta muito... Uma paciente me falou que estava com problemas conjugais,
mas só de vir conversar, desabafar, ajuda muito... Porque não tem com quem
conversar...
Etr 1: Esses cinco que ela atende permanecem por quanto tempo?
Eto: Tem a primeira consulta ai à da semana seguinte é ela quem marca... Ela vai lá e
marca o retorno, ai depois agenda de novo... É a terapia individual...
Etr 1: Mas esses cinco são os mesmos?
Eto: Não... É uma profissional excelente Dr. Cínara...
Etr 1: Por hoje nós já perguntamos tudo, não é Etr 2?
Etr 2: É verdade...
Etr 1: Foi excelente... Qualquer coisa no decorrer da nossa pesquisa a gente volta a falar
com você, certo?
Eto: Certo...
Etr 1 e 2: Obrigada...
Eto: Imagina... De nada...
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Anexo B
Entrevista com a Psicóloga do Centro de Saúde de Aparecida
Nome: C.M.L.D.
Sexo: Feminino
Idade: 37 anos
Dia 20.09.06
Loca: Centro de Saúde de Aparecida
(ainda organizando os gravadores)
Etr 1: Já chegaram quantas pessoas?
Eto: Chegaram três já...
Etr 1: Eles chegam cedo, né?
Eto.: Chegam...
Etr 2: Bom Cínara, como a gente já conversou daquela outra vez, a gente falou que
queria conversar com você, saber algumas coisas relacionadas ao trabalho do psicólogo
em uma unidade básica de saúde... Então, para comer, a gente queria saber a sua idade...
Ou o aproximado...
(risos)
Eto: 37 anos... Na mosca...
(risos)
Etr 2: E há quanto tempo você está formada?
Eto: Formei-me em 91 na UFRN... Vão fazer 15 anos...
Etr 2: E nesses 15 anos você fez algum mestrado, especialização...
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Eto: Eu fiz uma um aperfeiçoamento em ludoterapia em Recife e fiz uma especialização
em intervenção familiar sistêmica pela federal...
-Interrupção
O recepcionista entra na sala.
Recepcionista: Desculpem, viu?
Eto: Imagina...
Recepcionista: Não são pacientes não, né?
Eto: Não. São colegas...
Recepcionista: Pois vocês me desculpem viu?
Etr 1: Claro...
O recepcionista deixa a sala.
Eto: Eu fiz intervenção familiar sistêmica, pela UFRN...
Etr 2: Você já exerceu ou exerce hoje a Psicologia em outras áreas?
Eto: Eu exerço na clínica... né? E já exerci na saúde pública em diferentes, em outros
municípios... Em Extremoz... Não era uma Unidade Básica, era uma unidade Mista, um
hospital, mas eu fazia atendimento individual... E já trabalhei no CAPS também... Já
trabalhei no Detran, era um estágio, passei seis meses... Mas não era a minha área não...
A clínica eu exerço desde a minha formatura, né? Durante a minha graduação eu fui
direcionando para trabalhar com crianças, me estagio básico foi com crianças... E na
clínica trabalho com crianças até hoje...
Etr 2: Então como foi a sua inserção na saúde Pública? Como se deu?
Eto: Onde eu estou agora, né, nessa situação atual, na secretaria municipal, foi por meio
de concurso, em 2004... Antes disso, como eu disse, foi em Extremoz, com um contrato
temporário e antes também, de 99 a 2004 eu passei cinco anos na secretária do estado na
coordenação de saúde mental da secretaria estadual... Ai foi convite... A secretaria
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municipal não tinha uma coordenação para saúde mental... A pessoa que tinha saído
fazia muito tempo e ficou desativado... Com a saúde mental e nunca tinha trabalho... Ai
eu trabalhei cinco anos e quando acabei fui para o CAPS, da onde eu não pretendo sair,
porque gosto muito... Eu gosto do trabalho... É bem diferente do que a formação da
universidade, da época que eu fiz, na minha época praticamente não tinha essa
oportunidade, tinha só no hospital João Machado, mas não tinha nada, praticamente, de
saúde pública...
Etr 1: No momento você esta na clínica e aqui?
Eto: E no CAPS. O CAPS são todas as manhãs... Aqui à tarde, depois daqui é eu vou
para a clínica... Após as 16:00h... E na sexta-feira, como a gente tem uma folga
quinzenal, é a minha folga na sexta-feira...
Etr 2: E como você chegou ao posto de Aparecida? Você fez o concurso e logo veio
para cá...
Eto: quando eu fiz o concurso eu queria ir para a unidade básica de saúde, mas a
secretaria tinha necessidades de suprir algumas vagas no nível central mesmo... Então
eu fiquei uns dois meses no nível central, até que surgiu a oportunidade de trabalhar
mais na ponta, no Sentas, a gente prestava serviço lá enquanto eles não faziam
concurso... Fiquei na casa de passagem uns cinco meses... Porque eu passei em 2004,
mas a minha convocação foi em 2005, então do final de 2005 até março de 2006 eu
fiquei na casa de passagem... Depois foi que eu vim para cá... Eu já tinha vindo aqui em
aparecida, sabia que aqui não tinha psicólogo, que o ultimo tinha saído há alguns anos...
Mas eu não vim logo, mesmo, por casa dessa questão da secretaria... Porque eu sempre
quis trabalhar num posto de saúde...
Etr 1: E como é para você trabalhar em uma unidade básica de saúde?
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Eto: Olhe... Para mim é muito prazeroso... Eu gosto mesmo... Mas tem algumas coisas
que são difíceis de lidar... Primeiro é um espaço adequado para o atendimento... Quando
eu cheguei a sala era lá na frente, num corredor apertado... Que não tinha segurança
para mim nem para o cliente... Essa questão da estrutura física é um pouco difícil, um
impedimento... Mas o trabalho diretamente com as pessoas eu gosto... Mas tem outra
coisa que dificulta um pouco é a freqüência... Algumas pessoas conseguem entender a
importância de uma psicoterapia... A questão da freqüência das sessões, seqüência...
Mas aí assim é a expectativa da pessoa... Porque tem cosias que a gente acha que é ideal
para o cliente, mas que ele não acha, ele não ta querendo aquilo que eu possa está
querendo... Então no começo uma coisa que eu tive que fazer foi lidar com a expectativa
que eu tenho e a que eles têm... Qual é a minha expectativa e qual é a expectativa dele...
Tem vezes que a pessoal não está disposta... Eu tenho dois grupos principais aqui...
Crianças, relacionado à agressividade, desajuste na família... E mulheres, com
problemas conjugais... Então são grupos que a gente tem dificuldade em lidar com a
dinâmica da família... A maioria das vezes as crianças vem com a mãe, muitas vezes
vem com as avós, à maioria são criadas com as avós... As mulheres também... Trazem
um sofrimento muito grande, mas não querem ou não podem sair desse lugar... Não tem
disposição nem conseguem, estão cristalizadas há muito tempo... Então a minha
dificuldade, primeira, que é pequena, é com relação à estrutura... E a segunda é a outra é
a de ter vários limites fruto da cultura, do modo de viver, mas aí é aquele confronto da
minha expectativa e da expectativa do cliente... Mas eu gosto, é bem diferente...
Etr 1: Você falou que tem esse grupo de mulheres e de crianças... A procura maior pelo
serviço de psicologia se definiria em que?
Eto: eu falei em grupo, mas não são grupos formados não... Essa é a minha idéia... Eu
queria... Atualmente eu só atendo individualmente por uma questão de espaço... Eu já
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falei com Jusnaldo para disponibilizar uma sala que tem ali para eu fazer um grupo de
mulheres e de crianças... Mas a clientela maior é de crianças, com agressividade,
queixas de comportamento... E de mulher são as relações conjugais... As traições, as
suas possibilidades e todo o sofrimento que está nisso... São esses dois principais...
Etr 1: Você escolheu alguma abordagem para trabalhar?
Eto: Humanista.
Etr 1: Você já atendia com essa abordagem na clínica?
Eto: Já.
Etr 1: E como é trazer essa abordagem aqui, para a unidade?
Eto: Assim... Tem diferenças... Mas aqui tem muito a coisa do apoio, da orientação
também... Assim... Eles têm coisas mais urgentes... São demandas mais urgentes e mais
breves, coisas mais focais mesmo... Não tem queixas existenciais... São coisas mesmo...
De dificuldades concretas do dia-a-dia... Os parâmetros são diferentes... Eu penso assim,
os parâmetros dessa clientela que eu atendi são diferentes...
Etr 1: Como é a visão que você dessa clientela da clínica e da clientela daqui... Como é
isso, quais são os desafios, se há desafios?
Eto: Na clínica eu só atendo crianças... Mas assim... Aqui tem alguns limites... Na
clínica, às vezes, criança que eu atendo ela precisa não só de um atendimento
psicológico, ela precisa também de outras intervenções... Precisa de uma
psicopedagoga, de alguma coisa corporal... Aqui é difícil... É difícil conseguir na rede...
Tem um caso que eu preciso encaminhar para o psiquiatra... Mas eu nunca consigo ter
uma contra-referência desse profissional... A contra-referência que eu tenho é do que o
cliente mesmo me trás... E isso é complicado... Aqui tem uma central de marcação e a
central é quem marca... Isso complica um pouco... Trabalhar com outros profissionais...
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Etr 2: A gente queria saber um pouco, então, de como é essa relação com os demais
profissionais? Na unidade, na rede... Como é?
Eto: Eu me sinto bem sozinha... (risos)... Não tenho... Também assim, eu to aqui de
abril para cá... Participei de um fórum de saúde mental que era com outros profissionais
da área do distrito leste... Mas... Aqui tinha muito tempo que não tinha psicólogo... Era
um posto de saúde, com consultas médicas... Às vezes é o próprio profissional daqui,
que esta aqui, no mesmo horário que eu, me encaminha alguém para cá por papel...
Sabendo que eu to aqui no mesmo horário que ele... Não tem mesmo equipe... Porque a
proposta da unidade também não é essa... De dar uma atenção integral... Eu tenho uma
boa relação com os agentes, eu tenho um bom acesso com eles e eles comigo também...
Etr 1: Você falou para a gente que começou em Abril... E a demanda era grande depois
deu uma parada... Como foi?
Eto: é assim... No começo eu acho que foi maior porque foi quando souberam que havia
psicólogo na unidade, que tinha chegado, então eles procuraram... Em junho e julho, foi
muita gente ao mesmo tempo... Mas alguns casos são bem focais ou então eles vem
como se fossem consulta... Quando chegam aqui que a gente fala que vai investigar,
saber do pai, que o pai bebe, ai ela não quer mais, porque não quer mexer nas coisas...
Então depois desse tempo para cá diminui... Mas está dando... A gente está conseguindo
marcar... Acho que eu tenho duas ou três pessoas que está aqui desde que eu cheguei...
Não, são 4 pessoas... Os outros não... A rotatividade é grande.
Etr 1: Você faz psicoterapia, então?
Eto: É.
Etr 1: Individual?
Eto: Sim... Psicoterapia individual e quase sempre breve...
Etr 1: E como se dá esse agendamento... Os agentes trazem para você alguns casos...
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Etr 2: Há algum critério...
Etr 1: Por exemplo, quando há demanda grande como é que faz esse agendamento?
Eto: Tem um livro que fica lá na recepção que S. Paulo marca... No início, como a
característica do posto é de consultas médicas, se chegava alguém ele marcava de novo,
no mesmo horário de outra pessoa que vem semanalmente, naquele horário... Ai ele
disse que era melhor eu marcar, porque eu é que seis e é quinzenal ou semanal... Então
se não tem vaga nessa semana nem na seguinte à gente marca depois, ele deixa lá o
nome no prontuário e quando a gente consegue uma vaga a gente marca... Mas não
acontece de ficar esperando muito tempo... Mas tem também os que marcam e que não
vem, o que me preocupa um pouco... Depois também não me procura...
Etr 1: Dependendo do sofrimento é que você se organiza se é semanal ou quinzenal, ou
você determinado o tempo, como é?
Eto: Tem pessoas que a gente marca semanal e tem pessoas que são quinzenais... Às
vezes para mim não é possível por causa do horário, porque eu só trabalho a tarde, então
eles vão para o psicóloga na unidade mista...
- Interrupção
Assistente social: Licença, Quem é a dona do clio?
Etr 1: Eu.
Assistente social: Dá para você tirar para eu poder colocar o meu carro para dentro,
porque fica dentro dele a minha bolsa, as chaves, celular... Interrompe?
Eto: Interrompe.
Assistente Social: Mas eu posso interromper? (risos)
Eto: Eu to dando uma entrevista, agora não dá...
Assistente Social: Ta certo... Mas demora?
Eto: Não.
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Assistente Social sai da sala
Etr 1: Certo Cinara... Você já falou dos agentes... E a procura pelo gênero, é mais
feminino e criança, né?
Eto: É.
Etr 1: Você falou que o grupo de mulheres e mais freqüente queixas conjugais...
Eto: É... Com relação à traição, brigas, essas coisas...
Etr 1: E como é a freqüência das pessoas, elas dão continuidade aos atendimentos?
Eto: Não sei lhe dizer em termos de percentuais... Tem pessoas que realmente vem,
quando não vem avisam... Ontem essa pessoa que esta comigo desde abril não veio
ontem, mas avisou... Mas tem gente que não... Quando é a primeira vez que está
marcado e ela não vêm ela perde a vaga... Mas se a pessoa esta em atendimento e ela
falta à semana seguinte o horário dela ainda vai estar reservado, mesmo que ela não
tenha justificado a falta... Mas isso é acordado no contrato... Mas tem gente que não tem
o compromisso, que falta mesmo, interrompe o tratamento... Quando é mais uns
psicoterapia breve até que eles vêm, mas quando precisa de mais tempo aí fica difícil...
Etr 1: como é que você poderia traçar um perfil da comunidade? Porque Jusnaldo falou
que eles atendem pessoas de todos os bairros...
Eto: Pois é... Quando cheguei aqui eu pensava que eu só podia atender que era daqui,
mas daí eu percebi que tinha gente de outros lugares... Tem gente de Pirangi, Cidade
Alta, Tirol... Que tem até o Posto de São João bem próximo... Ai eu perguntei a ele e ele
disse que não... Que como a gente realmente não funciona como PSF, com áreas
restritas, isso funciona só com os agentes, né? Eles é que só podem dar conta de uma
área especifica... Mas os outros profissionais podem atender... Mas a demanda maior é
de Mãe Luiza... Você quer algumas características da comunidade?
Etr 2: Pelo o que você conhece...
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Eto: Eu acho assim, que tem uma coisa que é característica dessa comunidade a questão
da privacidade das pessoas... para algumas é uma coisa normal, para outras não... As
pessoas participam muito da vida umas das outras, você quase não tem privacidade...
Como é uma coisa da comunidade isso para despercebido, natural... Para outras isso
incomoda profundamente e são vistas como besta. São discriminadas, por que... Tem
muito... Assim... Eu não sei se posso chamar de invasão, para mim seria, mas para elas
não, porque o outro esta ali para escutar, para ajudar, para acolher... Para outro está ali
para invadir... Na sala de espera, se você for prestar atenção, eles falam abertamente
sobre os seus problemas enquanto que outros ficam profundamente incomodados... Até
de nem entrar na sala do psicólogo e quando vai saindo, alguém perguntar por que é que
você ta fazendo no psicólogo... Para mim seria uma invasão, mas eu não sei... Assim...
Características muito da minha prática... Falta muita coisa, em relação às coisas básicas
mesmo... Ai tem a questão da afetividade... Que algumas família mesmo com todas as
dificuldades tem uma afetividade, que dá uma sustentação mesmo, enquanto que outras
crianças não...
Etr 2: O que você chama de afetividade?
Eto: o interesse, a participação, o amor, o carinho mesmo... Em relação à pessoa, aos
sentimentos daquela criança, o que é que pode estar por detrás daquele sintoma... Lidar
com a importância da auto-estima, que é importante estar estimulando, reconhecendo
conquistas, participando das coisas que são significativas para aquela criança, o papel de
pai, o papel de mãe, de cuidador... Tem algumas famílias que tem e outra não... Tem o
cuidado que essas crianças não se envolvam com más companhias, isso tem, mas falta
muita coisa dentro de casa... Mas tem outras coisas também... Há muita coisa que falta,
não só relação ao dinheiro mesmo e que poderiam ter sido dadas, mas que também os
pais não tiveram e aí você vai puxando...
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Etr 1: Pegando um gancho no que você esta falando ai como é trabalhar com uma
população caracterizada como sendo de baixa renda?
Eto: É difícil... tem casos aqui... tem caso aqui que eu ate quis fazer uma visita
domiciliar para conhecer como era, compreender melhor... ela dizia que deixou os filhos
em casa com fome e traçadas, porque é melhor deixar eles trancados em casa do que
deixa-los na rua, mas falta comida... E ela também toma medicamentos psiquiátricos e
não pode trabalhar... Então eu chamei a agente comunitária de lá e a gente quando chega
lá não sabe como é possível conviver três crianças, de 10, 9 e 7 anos conviver em um
espaço menor que esse aqui, com um fogão e uma cama de casal, sem poder sair,
porque do lado tem uma boca de fumo e ela sem trabalhar... Então é difícil você ver as
coisas pelas quais as pessoas passam as limitações do dia-dia... E você querer fazer
alguma coisa para que pelo menos, emocionalmente, essa pessoa tenha alguma
tranqüilidade dentro de uma situação daquela... É difícil, é bem complicado... e aí eu me
pergunto de novo qual é a minha expectativa e qual é a expectativa dele, porque se a
gente for falar do ideal que a gente pensa ela não suporta um tratamento, porque faltam
condições básicas mesmo de sobrevivência... Mas mesmo assim eles procuram um
psicólogo, tem uma motivação ainda, tem um sentindo ainda... E a gente vai fazendo o
que é possível... Você falou em uma comparação da clinica com aqui... É muito
diferente muito... De poder junto com aquela pessoa caminhos que sejam importantes
para ela... Porque aqui é muito difícil achar esse caminho com eles...
Etr 1: Você se depara com essas queixas de situação econômica? As pessoas chegam
mais falando sobre essas dificuldades econômicas, pelo o que passa...
Eto: Não... Essa não é... Se eu fosse colocar entre as queixas principais não...
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Etr 1: Vamos partir então para as possibilidades... O que é que você pontaria como
possibilidade de trabalhar em uma unidade básica, quais os caminhos, as possibilidades,
dentro das dificuldades, que ela apresenta para a o nosso campo?
Eto: Eu sinto falta de fazer um trabalho mais comunitário, assim com as escolas... Acho
que seria interessante... Eu me sinto sozinha aqui, como eu falei, então eu acho que
precisaria de uma discussão maior na unidade, não só do psicólogo, com o enfermeiro, o
dentista, todos eles podem faze o cuidado, estar nas escolas, fazendo palestras... Eu
queria também fazer grupos terapêuticos, mas aí existe um problema do espaço físico...
Queria também ter um parceiro, ou um outro psicólogo ou um assistente social, para
poder ser um co-terapeuta... Eu acho interessante... A unidade de saúde tem um papel
importante na vida das pessoas e a gente podia aproveitar isso e fazer uma coisa mais
ampla...
Etr 1: Voltando para a questão da formação... Como é que você trabalha hoje, com
relação a sua formação... Ela deu base para isso, para esse trabalho.
Eto: A formação acadêmica, a formação de graduação especificamente eu acho que...
Foi mais no amadurecimento do exercício profissional que me preparou... Claro que se
eu tivesse me formado e ido logo para a saúde eu teria aprendido, mas acho que seria
bem mais difícil do que hoje, mais difícil me adaptar, ter a visão que eu tenho hoje...
Acho que isso mudou, pelo o que eu vejo hoje já se falava... Mas minha época nem se
falava... Eu vim conhecer a lei do SUS depois que eu comecei a trabalhar com isso,
porque eu nem sabia que existia... Hoje se discute mais isso...
Etr 1: Você pensaria hoje em alguma disciplina que pudesse ser oferecida?
Etr 2: Ou em alguma outra forma de discussão?
Eto: Não sei... Eu acho, assim, que o interessante seriam os estágios, na casa de saúde
natal, no João machada, fazer também em unidades básicas de saúde...
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Etr 2: Você falou um pouquinho do SUS...
Eto: Depois da minha graduação foi que eu conheci, quando eu fui para a secretaria em
extremoz...
Etr 2: Você então tem idéia de como seria, de como deveria ser o psicólogo dentro dos
princípios do SUS?
Eto: Eu acho que o trabalho que eu faço aqui está dentro do que o SUS falava, dentro do
que preconiza do SUS, no sentido da demanda que surge, que aparece, sem critérios de
A ou B... Não sei... Especificamente em relação à política do SUS eu falo assim a
questão da hierarquia, essas coisas... Porque assim, como a unidade funciona dentro
dessa filosofia fica fácil para o psicólogo se adequar a isso... A minha dificuldade maior
foi com relação à formação do psicólogo... O problema não é SUS é a nossa formação...
eu acho que é muito prazeroso claro que tem que ter identificação, mas é um trabalho
muito rico, muito importante para mim... Não sei se lhe respondeu...
Etr 2: Respondeu... Mas tem mais alguma coisa que você acha ser interessante ser
falado e que a gente não perguntou?
Eto: Não... Eu não perguntei naquele dia, mas assim, o trabalho de você vai repercutir
em nível de universidade ou de propostas para a secretaria, vocês tem alguma discussão
sobe isso?
Etr 1: É tudo o que a gente quer... (risos) A gente já fez o projeto e agora é a monografia
e a gente pensa sim, que a gente possa fazer reflexões, estar com os usuários, com
vocês, aqui, lhe entrevistando, aprendendo com o seu trabalho, para que a gente possa
fazer reflexões significativas mesmo, de caminhos, possibilidades, vai ter uma reflexão
teórica para embasar, mas a gente quer levar isso para as pessoas, dar um retorno para
vocês...
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Eto: Eu até queria contar uma coisa para vocês e que vocês possam pensar e depois me
dar um feedback do que pode ser feito, porque eu tenho uma dificuldade muito grande
com esses prontuários... Porque eu tenho um livro, esse livro é meu, mas fica aqui e
aqui eu anoto... No prontuário é um prontuário familiar e que todos os profissionais tem
acesso a ele, todos os profissionais... Dentro dos prontuários de um cliente, tem a
folhinha do pai, da mãe, da cliente, do irmão... Esse prontuário assim... São muitos
prontuários... Então não tem como colocar coisas aqui no prontuário.. Então eu coloco
as coisas nesse livro, mas é um livro meu....
Etr 1: Aqui você colocaria a data e uma breve queixa, resumo da queixa?
Eto: É... Mas é isso que eu não estou fazendo... Eu coloco só o atendimento em
psicoterapia... Porque todos os dias a gente tem que fazer um levantamento da produção
do que foi feito no dia, porque cada procedimento tem um código e tem que fazer para a
lista para o posto poder receber por isso... Então eu coloco o número do prontuário, a
idade e o número do procedimento... Mas não dá para escrever sobre a pessoa
Etr 1: Mas assim...
Eto: Por favor, pode falar...
Etr 1: Pode ser que depois a gente mude de idéia e desconstrua o que a gente esta
construindo aqui, mas eu acho interessante a sua idéia do caderno, porque não sei se
essa ficha já existia antes do psicólogo estar na unidade, então os médicos podiam
compartilhar... Então o caderno é seu, e quando você sair e vier outra pessoa para o
lugar você passa isso para a pessoa... Não sei... Porque para algumas pessoas seja ruim
falar sobre si, não goste e pode ser que outras não...
Eto: Eu to falando isso para vocês porque vocês podem até levar isso para uma reflexão,
de como é que o psicólogo em uma unidade de saúde, que pelo o que eu sei são todos
iguais faz os seus registros... Porque os prontuários são familiares...
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Etr 1: Cinara... Está ótimo... Obrigada pelo seu tempo, pelas suas palavras... Agora a
gente vai ter uma orientadora para decidir como a gente vai chegar ao usuário... Que é
mesmo o foco do nosso trabalho... Como é que a gente vai chegar até elas... Então a
gente não vai lhe acionar muito, certo? Obrigada....
Eto: De nada, imagina...
Anexo C
Transcrição: Entrevista com Agente de Saúde
Nome: M.A.S.
Sexo: Masculino
Data: 26.09.06
Local: Centro de Saúde de Aparecida
Etr: Como se dá o seu trabalho? O que o agente comunitário faz?
Eto: Olha, a gente faz visitas, é.. são 150 famílias para cada agente e... cada agente tem
em média oito visitas por dia... quem quiser faz quatro pela manhã e faz quatro à tarde...
o certo é oito por dia.
Etr: É uma coisa estipulada que tem que ser seguida é assim?
Eto: É obrigatório. Assim, o agente faz visitas com hipertensos, diabéticos, faz o
cadastro para receber medicação. Cada um é cadastrado. A gente entrega o cadastro
para a assistente social que toma conta da medicação dos hipertensos e diabéticos.
Fazemos acompanhamento com gestantes... e, como se diz... pessoas que tem doenças,
como tuberculose, hanseníase...
Etr: Entendi.
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Eto: E as visitas normais, que é assim... aquela casa que não tem pessoas que
hipertensas, nem diabetes, mas a gente vai lá para conversar com o pessoal.
Etr: Sobre o que?
Eto: A gente trabalha mais com orientação e, como é que se diz... tem um outro
nomezinho... é com orientação e informação.
Etr: Certo. Sobre qualquer coisa?
Eto: Qualquer doença. Qualquer doença... o agente trabalha com panfleto da dengue,
tuberculoses, gente que tem dúvida em casa de doenças a gente.. como é que se diz... a
gente pega o nome da pessoa e para a enfermeira. Ela vai fazer uma visita com o agente
e ela conversa com o paciente, entendeu? O paciente pode vir aqui também.
Etr: Quando você falou que faz visita a hipertensos, eles já passaram pelo posto para
saber que são hipertensos, né?
Eto: É. Pelo clínico.
Etr: Entendi... Cada um tem um lugar (o agente) para desenvolver seu trabalho?
Eto: Cada um tem sua área, são microáreas. Cada cor desse mapa é de cada agente.
Agora que ta para vir o PSF aí vamos trabalhar com quarteirões e não com ruas.
Etr: Então cada cor desse mapa são 15 casa.
Eto: É... mas pode ser mais um pouco ou menos um pouco.
Etr: É em torno de 150, né?
Eto: É no máximo 150, mas tem agente que tem 180 e tem agente que tem menos de
140, 135, entendeu?
Etr: Entendi. Essa parte branca, que não ta pintado, ainda faz parte da comunidade?
Eto: É. Mas não é coberta. Mas agora fizemos um mapeamento de todos os quarteirões.
Etr: De todo o bairro?
Eto: De todo o bairro, porque querem implantar o PSF.
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Etr: E esse mapeamento possui algum critério para ser feito?
Eto: É... a gente trabalha com rua, o PSF vai trabalhar com quarteirões, aí... o... os
agentes vão trabalhar com o PSF por enquanto aqui, porque cabe a secretaria saber se
vai contratar ou realizar concurso.
Etr: Com o PSF vai continuar os 13 agentes para dar cobertura a área todinha? É assim?
Eto: Vai... Vai trabalhar com quarteirões aí vai ser primeiramente com os 13 agentes
que tem, aí depois é que pode chamar mais gente.
Etr: Para atender essa outra área que não tem.
Eto: Que não tem. Porque eles querem cobrir, com o PSF.
Etr: agora me deixa fazer uma pergunta curiosa: cada um tem sua rua pintada aí, vamos
supor que alguém de outra rua, da área branca, que não é sua, pede para você ir a casa
dela. O que você faz?
Eto: Ele dá informações e o que perguntam sobre os profissionais que tem na unidade.
Quando chamam a gente é para perguntar algum tipo de serviço do posto. Assim, a
gente vai e dá a informação, né, direitinho.
Etr: E essas informações que você falou é sobre saúde/doença?
Eto: É sobre saúde/doença e o atendimento, serviço do posto.
Etr: Entendi O trabalho do agente de saúde se dá individualmente ou junto com outros
profissionais? Como é que se dá?
Eto: A gente trabalha muito com... o trabalho do agente é assim... o agente se reúne,
mas o trabalho é individual, cada um com sua rua.
Etr: Há alguma relação com algum profissional?
Eto: Tem! Tem! Com a enfermeira, que é quem toma conta dos agentes.
Etr: Ah, tudo o que acontece, vocês levam para a enfermeira e a enfermeira repassa para
os outros profissionais, é isso?
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Eto: É. Para o diretor e para a secretaria.
Etr: Como é para você estar em contato com a comunidade de Mãe Luiza?
Eto: É muito bom, o pessoal lhe tira dúvidas... existem muitas dúvidas. O pessoa
conversa, principalmente o pessoa idoso. E... às vezes a gente chega na casa e eles não
tem com quem conversar e dão graças a Deus por ter uma pessoa que chega e conversa
com eles. Você às vezes chega numa casa e o pessoal está com problema e você tem que
dar atenção para aquela pessoa e isso demora mais, porque a visita é de 15 a 20 minutos
numa casa, aí quando pegamos pessoa que conversa com o agente aí a gente demora
mais.
Etr: Como você diria que é o perfil da comunidade? Assim, algumas características da
comunidade?
Eto: Ele cobra muito. O posto apela muito pelo distrito. Por exemplo, ta faltando um
profissional e a comunidade cobra muito. Eles cobram muito, entendeu?
Etr: Então você diria que uma característica da comunidade é a de cobrar muito?
Eto: É, assim... e são pessoas muito carentes, sabe?
Etr: Carentes em que sentido?
Eto: Assim, é... é... como é que se diz... que tem pessoas que não trabalham, que vivem
como é que se diz... que não tem salário e às vezes quer conversar com a pessoa para
desabafar um pouco.
Etr: Na sua visão, o que você acha que essa comunidade precisa?
Eto: Ah, muita coisa... (risos). Principalmente de um atendimento melhor, assim, nas
unidades de saúde, de profissionais, que falta também...
Etr: Quais são os profissionais que estão faltando?
Eto: Aqui falta mais... assim... principalmente o psicólogo, porque chegou uma
psicóloga agora, mas não dá para cobrir a comunidade, né? Porque, assim,
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agendamento, a pessoa precisa muito, é clinico que não dá para cobrir a comunidade,
porque a comunidade aqui é grande. Tem outra unidade às vezes, quando o pessoal não
consegue lá vem para cá. A comunidade aqui é muito grande. Eu acho muito pouco
duas unidades, então precisa de clínico, ginecologista... psicólogo.
Etr: No espaço da comunidade o que você acha que ela precisa, necessita?
Eto: É... de emprego, principalmente, porque tem muita gente que não tem emprego.
Principalmente, assim, para os adolescentes que estão caindo nas drogas, para
profissionalizar os adolescentes para o futuro, né? É porque eles não tem quem procurar
e entram nas drogas. Você sabe que quando não tem refúgio é isso, né? Quando não tem
um trabalho, um negócio, aí caem nas drogas. E o pior, que esta aumentando o grande
número de drogas. Adolescentes que são menor de idade tudo drogado.
Etr: Menor de idade que você fala é de que idade?
Eto: Assim... 14 anos, para 15 anos. Assim, é uma coisa melhor para a comunidade é
mais profissionais, para orientação, porque às vezes o pessoa não tem muita orientação
sobre trabalho, entendeu?
Etr: Entendi... Então... Quais as queixas mais freqüentes trazidas pela comunidade
quando você visita as casas?
Eto: Onde eu trabalho é muita bala (risos). Assim, porque tem aquela rixa por drogas aí
tem tiroteio, tem também quando a paciente vem ao posto e não é bem tratado pelo
profissional também. Existe muita queixa, mesmo.
Etr: Essas são as queixas que elas trazem mais quando você vai visitar?
Eto: É.
Etr: Tem queixas relativas a vida pessoal?
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Eto: Tem queixa pelo atendimento melhor, também. Você sabe que o SUS não dá
aquela cobertura toda... é... queixa sobre ficha de referencia que diz que aqui no posto
demora...
Etr: E como a comunidade vê o trabalho dos profissionais? Você tem algum retorno?
Eto: A gente tenta dá retorno, eles perguntam alguma coisa do posto e repassa para eles
(informação).
Etr: Quando vocês começaram a trabalhar na comunidade qual foi à reação deles?
Eto: Tinha gente que não aceitava não. Ficava com medo. No início não tínhamos farda,
nem crachá. Agora é que temos. O pessoal ficava com medo.
Etr: Como se dá essa visita? Por onde começa seu percurso?
Eto: Casa por casa. Mas a gente também faz o roteiro de onde precisa ir também.
Etr: Antes de maio, abril, não tinha psicólogo no posto, né? Aí começou a ter a
psicóloga no posto. Na sua visão depois que a unidade passou a ter o psicólogo houve
alguma diferença e em que sentido? Como
era antes trabalhar na comunidade sem ter psicólogo no posto e como é agora?
Eto: É... o pessoal cobrava muito porque não tinha, né? Porque é assim, na outra
unidade tinha psicólogo e ele saiu, aí aqui não tinha nenhum... o pessoal tem muitos
problemas... Jusnaldo encaminhava para outra unidade, fora daqui... aí veio a psicóloga,
mas não dá para suprir todo mundo. Porque, assim, é muita gente.
Etr: Há muita gente que você acha que precisa ou muita gente que pede a você para vir?
Precisam porque você está notando ou as pessoas que pedem?
Eto: Porque precisam muito, porque as pessoas pedem...
- Interrupção
O diretor da unidade chama o agente, que precisa sir da sala.
Eto: Você espera?
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Etr: Espero.
Depois de alguns minutos o agente volta.
Eto: Pronto.
Etr: Você tinha falado que a demanda, a procura pelo serviço de psicologia é muita, né?
Eto: É muita.
Etr: E as pessoas lhe pedem para ir ao psicólogo?
Eto: É, assim... não tem vaga, entendeu?
Etr: Como se dá à marcação de consulta a psicóloga? Ela marca sozinha as consultas,
como se dá isso? Quando você vê que em uma casa há alguém precisando ir para o
psicólogo?
Eto: Antes era diretamente com ela e agora não. O agente anota o nome do paciente, de
cada área, a gente...
- Interrupção
Usuária: Com licença, dá para algum de vocês marcar para a psicóloga... sei lá, aquela
médica da cabeça?
Eto: A psicóloga.
Usuária: Já vim duas vezes.
Outra agente: Não é ela não, porque não tem vaga.
Usuária: Ela disse para vir hoje às 2 horas e disse que faltasse porque é difícil.
Outra agente: Espere ela chegar para falar com ela, porque ela pode ter deixado a vaga
das pessoas que marcam e não vêm.
Eto: Espere ela chegar
Usuária: Eu venho duas vezes para bestar, não adianta.
Eto: Espere para falar com ela.
Usuária sai da sala.
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Etr: Você disse que as pessoas procuram muito, né? E também são poucas vagas. Como
é a marcação?
Eto: Pegamos o nome da paciente, junto com o prontuário e quando surge uma vaga dá
para ela agendar.
Etr: Ta. Mas como você sabe que surgiu vaga?
Eto: Ela avisa para a gente.
Etr: Ah ta. Deixa eu ver se eu entendi. Você traz o nome de alguém que precisa e guarda
o papel, aí quando ela avisa que surgir vaga você dá o nome da pessoa a ela, é assim?
Eto: É. Isso. Quando não é a área coberta vai direto em seu Paulo (recepcionista) para
marcar.
Etr: Na sua visão há muito procura pelo serviço de psicologia?
Eto: Muita! Muita! Muita!
- Interrupção
A outra agente que esta na sala fala
Eto 2: A área de drogado é a que mais precisa. Ela atende mais criança. Não dá para
atender essas pessoas porque não tem segurança aqui, uma pessoa, um policial, por isso
ela fica mais com a família, a criança.
Etr: Mas eles (as pessoas que se drogam) querem vir para o serviço de psicologia?
Eto 2: Querem.
Etr: Você diria pelo mapa, qual é a área que tem menos segurança?
Eto 2: a vermelha e um pedaço da verde. O serviço de psicologia ajuda muito. Tem
gente que não consegue se abrir com alguém de casa e procura alguém que possa dar
uma palavra... é... é... uma palavra de conforto. Eles pedem, pedem muito para vir e a
gente avisa que está sem vaga e que deixa para depois. Porque assim, tem família que é
muito problemática.
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Etr: Bom, antes não existia psicólogo e agora a unidade oferece o serviço de psicologia.
A comunidade sabe o que o psicólogo faz?
Eto: Não. Eles falam que querem conversar e acham que psicólogo é para doido.
Etr: É essa a concepção da comunidade?
Eto: A maioria. A gente é que explica o que o psicólogo faz para eles. A maioria pensa
que é para doido. Tem gente que não quer vir, mas quer que o psicólogo vá lá, quer que
a gente marca e faça de tudo. E tem vezes que marcamos, mas não vêm.
Etr: Na comunidade, o que existe de escolas, de creches, de aparelhos sociais?
Eto: Tem uma escola municipal, cinco estaduais, e creche tem, mais ou menos umas
seis.
Eto 2: Acho que tem 4 ou 5. uma particular, duas do estado e duas do município.
Eto: E tem também espaço para idosos
Eto 2: Tem.
Eto: E tem grupo de mães.
Eto 2: Tem. Tem dois ou três se eu não me engano. Eu acho que é particular, eles se
juntaram e formaram o grupo. Aquela parte que eu te falei dos adolescentes, assim, era
para ter projeto, como assim... cursos para adolescentes, porque estão tudo indo para as
drogas.
Etr: Assim, qual a mais dificuldades que o agente comunitário encontra? Se é que há...
Eto: Na minha área é a violência. Tem tiroteio, drogas...
Eto 2: É a violência.
Eto: A violência e quando ta tendo tiroteio a gente não encontra as casas abertas aí à
gente não vai e deixa para ir ao outro dia, aí teremos que fazer mais 16, por exemplo.
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Anexo D
Entrevista Coletiva com os Agentes de Saúde
Dia: 03.10. 06
Local: Unidade Básica de Saúde de Mãe Luiza
Etr: Na ver agora eu queria que... Deixa eu contar... Somos nove...
Eto 01: Ta faltando ainda algumas pessoas, elas vêm já...
Etr: Certo... Vocês poderiam ir se apresentando para mim, falando o nome, e de qual
região vocês ficam, a área, não é, no caso?
Eto 01: Maria. Área 1.
Eto 02: Luzia. Área 7.
Eto 03: Terezinha. Área 9.
Eto 04: Manoel. Área 4.
Eto 05: Eu sou Jário. Área 13.
Eto06: Melina. Área 12.
Eto07: Antonio. Área 2.
Eto 08: Lucineide. Área 3
Eto 09: Adriana. Área 10.
Etr: Certo. E eu queria que cada um me falasse como é o trabalho nessa sua área, como
são as pessoas, quais são os principais problemas, queria que vocês falassem um
pouquinho... No geral...
Eto 09: Tanta coisa para falar que... Pelo menos eu to falando da minha área... Muita
coisa, muito problema, em relação à criança, em relação à droga, a prostituição, a falta
de higiene, é isso o que eu tenho que falar... Esses problemas todos são da minha área..
Etr: Eu estou aqui é para ouvir mesmo, você pode falar o que você achar importante...
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Eto 05: A gente ir para outra sala porque essa sala aqui esta muito quente...
Eto 03: É porque hoje a sala lá ta ocupada, tem grupo de idosos...
Eto 09: Mas assim, vocês querem saber o que? Realmente o que? Sobre o que? Vocês
têm alguma coisa especifica que vocês queiram saber?
Etr: Não. Eu quero saber as atividades, os problemas, que cada um de vocês encontra no
seu trabalho... Das pessoas, do lugar, da comunidade...
Silêncio...
Eto 05: A gente pode falar das nossas condições de trabalho? Se for para falar sobre a
falta de condições de trabalha a gente fala um bocado. Falar que a gente não tem
respaldo, não tem fardamento para ir trabalhar, não tem acompanhamento, não tem
especialização... Colocam a gente para trabalhar numa sala dessa que você ta vendo
como é... No meu caso, hoje, o maior problema é esse... Mas a direção, infelizmente, se
vê omissa...
Silencio...
Etr: Querem mais gostaria falar alguma coisa?
Silencio...
Etr: Querem falar mais sobre isso?
Eto 04: O que tem mais aqui é droga...
Eto 08: A violência aqui do bairro... Que às vezes as pessoas deixam até de trabalhar...
Eto 07: tem muita bala perdida...
Eto 09: Tem dias que agentes não conseguem ir para a sua área por causa da violência...
Silêncio... Mas isso daí tem em todo lugar, não é? Não sei se é como aqui ou se é pior
do que aqui... Porque eu moro aqui, eu não moro em Felipe Camarão, eu não moro em
satélite então eu não posso falar de Felipe Camarão nem de Satélite, eu posso falar é de
Mãe Luiza...
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Eto 02: assim, para ficar mais claro para e gente, eu queria saber qual é o ponto de
partida de vocês...
Etr: a gente quer estudar o serviço de psicologia a partir da necessidade da comunidade,
a gente não está aqui para avaliar o serviço de psicologia nem a unidade de saúde, a
gente esta aqui para conhecer a comunidade, para saber o que essa comunidade precisa,
o que essa comunidade tem de necessidades, de problemas, para assim pensar o que o
psicólogo pode fazer nesse lugar...
Eto 05: Vocês são da UnP ou da Federal?
Etr: Da UnP.
Eto 05: Licença. (se levanta e sai da sala)
Eto 02: Entendi. Porque vocês vão passar um tempo, né, na comunidade, conhecendo...
e qual seria o retorno do trabalho de vocês para a comunidade?
Etr: Isso. Nós estamos focalizando o nosso trabalho em Mãe Luiza e quando acabar nós
vamos chamar Cínara para assistir o nosso trabalho, as nossas considerações, o que a
gente pode pensar a partir do que a gente vai ver, vai ouvir, vai perceber da
comunidade, nós vamos passar tudo isso para Cínara e isso é de domínio público, quem
quiser ter acesso tem acesso, quem quiser saber o que a gente escreveu, o que a gente
pensou, todos tem acesso a isso.
Eto 02: Aqui teve, fazendo um trabalho, um pessoal da UFRN... E eu entendi, assim,
que eles não vão dar para a gente, assim, uma resposta... eles vão é dar teoria para
formar hoje o profissional que era desinformado na sala, sem conhecer a realidade, não
é? Então eles vão trazer profissionais, no futuro, que conheçam esse social, essa
realidade.
Etr: é. O nosso exercício é o de fazer o contrário. Não pensar a prática partir da teoria,
mas sim pensar a teoria a partir da pratica.
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Eto 02: pois é. As pessoas aqui querem um retorno imediato, mas eu entendo que o
retorno aqui vai ser para a formação de futuros profissionais que vão atuar na
comunidade.
Silencio...
Etr: alguém tem mais alguma duvida sobre o nosso trabalho para que a gente converse
logo?
Silencio...
Eto 02: São quantas pessoas no grupo?
Etr: Sou eu e Anna Valeska. Somos nós duas.
Eto 02: Mas vocês têm quanto tempo?
Etr: Na verdade nós temos mais um mês. Um mês para coleta dedados, aqui com vocês
e depois para produzir.
Eto02: E vocês vão se encontrar com a gente mais vezes?
Etr: Não. Na verdade assim... A gente está se organizando para ver quais são os
problemas, as necessidades que a comunidade enfrenta a partir da fala de vocês, mas
também do que a gente vai observar na comunidade... Vocês acabaram de falar da
dificuldade em lidar com esse ambiente da violência, do trabalho de vocês... A gente
quer conhecer isso para descobrir, juntos, nós aqui, elaborar como é que a gente vai
chegar nessas pessoas, ter acesso a elas, por isso que eu queria conversar com vocês
hoje, aonde cada um pudesse me falar sobre a sua área, sobre os seus problemas, o que é
que vocês trazem mais para o posto, por exemplo...
Silencio...
Eto 04: Por exemplo. A minha área é a quatro... Assim, nela tem muita droga, problema
familiar e alcoolismo também, sabe? Porque as pessoas passam o dia bebendo, tem
droga também que eles compram isso de dia...
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Eto 03: Se de dia é festa imagine a noite...
Eto 04: e eu vejo assim, que essas pessoas precisam muito do serviço de psicologia, né?
Eles procuram médicos, já que só tem aqui... Mas fica difícil por causa da espera, que é
grande...
Etr: como era antes, quando não tinha psicólogo?
Eto 04: elas eram encaminhadas para uma outra unidade, não sei se era a de São João...
Eto 09: Era encaminhado para São João.
Eto 04: É. Se eu não me engano... Porque só lá tinha Psicólogo...
Etr: E agora que as pessoas procuram o serviço aqui... O que é que vocês acham que é,
que são coisas que devem ser levadas para o psicólogo? Que tipo de coisas vocês
escutam e vocês pensam: “ah, isso é para o psicólogo?”.
Silencio...
Eto 04: Tem realmente procura é a família, né? Assim, quando tem uma pessoa que se
droga em casa, assim... Quando está dando muito trabalho, aí eles pedem... Ai cada
agente anota o nome e entrega pra psicóloga... Coloca o nome da pessoa, para ver se
consegue uma vaga, para encaminhar...
Etr: No caso de uma pessoa que usa droga, mas quem procura é a família, você colocam
o nome da pessoa que usa droga ou a pessoa da família que procura?
Eto 04: Da pessoa que usa.
Etr: E essa pessoa comparece ao serviço?
Eto 04: Às vezes sim, né?
Eto 06: Às vezes a mãe é quem quer, mas o filho não concorda. Tem isso também, né?
Ela acha que ele precisa, mas ele não.
Eto 09: Porque eu acho também que há a falta de conhecimento do trabalho psicológico.
Porque, vamos supor, na minha área tem uma criança que é muito danada aí ela diz
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“vou levar esse menino pro psicólogo, ele é muito danado”, aí tem um que já é quieto
demais aí ela diz “mulher, eu vou levar esse menino pro psicólogo porque ele é quieto
demais, não tem condições não”.
Eto 03: O que a gente percebe é que, assim, os pais perderam o domínio dos filhos e
acham que os psicólogos têm a obrigação de resolver os problemas que eles mesmos
criaram. A educação dos filhos é responsabilidade dos pais, não só da escola, também.
Então eles perderam a rédia e acham que hoje o psicólogo tem que fazer o que eles não
fizeram...
Eto 09: Que vai resolver o problema...
Eto 03: É, então, assim, sempre que alguém na minha área solicita é porque não tem
mais condições... Tudo bem, mas eu acho que tem tantas outras prioridades na
psicologia que eu acho que... Eu passo pra Cinara é ela é quem vê...
Eto 04: É... E quando procuram, geralmente, é porque já ta muito sério... Já ta muito
sério...
Chegam mais três agentes na sala. Eto 10, Eto 11 e Eto 12.
Etr: E o que é que vocês fazem num caso desses, aonde a mãe quer, mas o filho não
concorda... Qual é a atitude de vocês?
Eto 09: Tem que respeitar, principalmente se for um usuário de droga, né? Se ele não
escuta o pai, a mãe, a avó, quanto mais o agente de saúde.
Eto 06: Ou qualquer outra pessoa.
Eto 09: Ou até mesmo o psicólogo, se for na casa dele, vamos supor... Porque depende
muito da pessoa, se a pessoa estiver mesmo necessitando de uma ajuda e querer uma
ajuda aí fica até mais fácil... Pode ser usuário de droga, pode ser prostituta, pode ser até
traficante... Se quiser ajuda aí fica mais fácil... Mas quando a pessoa não quer ajuda...
Etr: Quais outras situações... Assim, vocês falaram das drogas, das crianças...
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Eto 04: Tem muito problema familiar...
Etr: Qual é o que tem maior procura no serviço?
Eto 05: Problema familiar... Às vezes porque acha que o filho ta agressivo demais, que
às vezes nem está...
Eto 10: Às vezes nem está e você vê que quem precisa realmente é os pais, né?
Eto 03: É verdade...
Eto 10: Mas eu acho que a psicóloga daqui já é diferente, sabe? Porque ela já vai à casa
das pessoas...
Eto 09: Ela ta fazendo umas visitas, já fez até uma essa semana...
Etr: O que é que vocês acham disso?
Eto 12: Eu acho bom, assim, porque ela ta saindo da unidade, vendo se aquilo que a
pessoa ta falando é certo...
Eto 02: Porque às vezes a pessoa mente...
Eto 12: É... Aí ela vai ver... Isso é muito bom...
Eto 02: É muito bom, porque quando você fica só no seu birô você não sabe o que tem
lá fora, mas quando você vai pra realidade, chega lá e vê você já tem outra visão, você
muda a sua avaliação.
Eto 09: Com certeza.
Eto 11: Ela fez uma visita domiciliar essa semana na minha área... Eu já tinha falado
com ela sobre esse caso e aí na sexta-feira ela chegou e falou “vamos hoje, que essa
tarde eu já estou desocupada e posso ir lá fazer essa visita...” E foi bom, principalmente
porque a pessoa estava mesmo precisando...
Eto 12: Assim, na minha área, como a maioria colocou aqui, são problemas familiares.
A gente encontra muito...
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Eto 09: E eu acho que ajuda até a própria família, né? Porque ela ta mostrando o
interesse profissional, aí eu acho que uma pessoa que esteja interessada mesmo num
tratamento aí vai se tocar vai dizer “não, a psicóloga hoje veio aqui, querendo me
ajuda... ela viu que o meu problema necessita de uma ajuda maior, ela veio na minha
casa”. Aí eu acho que o trabalho facilita mais, a resolutividade... Saí um resultado
melhor.
Etr: E a comunidade... Ela dá um retorno para vocês do que elas acham do psicólogo, se
vem depois comenta como foi...
Eto 03: Eu não sei... Porque na verdade eu acho que existe, por parte de todos, a falta de
procurar saber... Porque de dez casos que a gente encaminha, assim, somente um precisa
mesmo de tratamento, os outros 9 são problemas que a família pode resolver, mas
acham que essa obrigação é de outra pessoa, ta entendendo? É tanto que essa pessoas
não duram no consultório... A gente tem até que ver como isso é feito com Cinara, para
fazer uma triagem, e agora, da próxima vez a gente saber se realmente é necessário ou
não, como a gente pode ficar sabendo se é necessário ou não. Porque essa avaliação
quem faz é ela. Ela passando pra gente os caminhos de como deve ser o acesso até ela
acho que fica até melhor pra ela, que ela não fica sobrecarregada, porque a procura é
grande, sabe?
Etr: As próprias pessoas falam pra vocês que precisam do psicólogo ou não?
Eto 12: Quando ela chegou à gente saiu divulgando, né? Porque a gente passou sem
psicólogo uns dois ou três anos aqui na unidade. Foi uma carência total, o povo sempre
cobrava, procurava, mas ficava difícil... Fiquei sabendo que na outra unidade tinha, mas
agora não tem mais...
Eto 09: Mas tem um psicólogo lá... Agora, assim, é porque tem a demanda daqui e a
demanda de lá... por exemplo, pro agente de saúde, se tem uma pessoa hipertensa que
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não é da nossa área ele vai ser atendido, vai ter a consulta, mas ele sendo hipertenso,
vamos supor, ele não vai ter direito a medicação porque o agente é coberto pela unidade
de aparecido, então ele é encaminhado para a outra unidade. Talvez aqui aconteça a
mesma coisa... Como aqui tem psicóloga ela cobre a área daqui e o de lá cobre a área de
lá, entendeu?
Etr: então, assim, se vocês pudessem eleger umas coisas que a comunidade precisa o
que vocês falariam?
Eto 09: Aí meu Deus...
Eto 02: Em que sentido? Essa palavra “precisar” é muito ampla mesmo...
Etr: E é no sentido amplo que eu to falando...
Eto 06: Eu acho que educação viu?
Eto 02: porque às vezes o menino é mal criado na escola, dá trabalho ou então tira nota
ruim, mas o que é que está por detrás disso?
Eto 09: Melhores escolas, né? Começando das escolas, né? Eu acho que a escola é à
base de tudo, fora a casa, né? Fora à família... Existe a figura da família...
Eto 02: É... Porque a escola não é a pedra fundamental, é a família...
Eto 09: Eu tenho pra mim, pelo menos de quando eu estudava, eu era menina, sempre
me ensinaram que a minha segunda casa era a escola...
Eto 02: A segunda, mas e a primeira?
Eto 09: Não, eu to dizendo... Mas... Vamos supor que a educação funcionasse, a criança
ou o adolescente ia ter alguma chance na vida de ser alguém, porque se ele não tivesse
nada na primeira casa, viu Luzia, se ele não tivesse nada na primeira casa, não tivesse
educação, respeito ele ia ter a segunda casa para aprender...
Eto 07: Não é obrigação da escola...
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Eto 09: Mas existe muitas dessa primeira que não tem base de nada, tem muita casa que
não tem base de nada...
Eto 02: Porque a escola é um momento, né?
Eto 09: Hoje em dia eu acho que tudo é generalizado. Cada caso é um caso... Do jeito
que se eu não aprendo em casa eu posso levar isso para a escola eu posso também
aprender na escola e levar para casa, principalmente se nessa casa não existe nada...
Pelo menos esse é o meu ponto de vista...
Eto 08: Quando alguma criança tem algum problema na escola elas logo perguntam
como é a família, como é a casa...
Eto 05: Eu entendo que a criança da escola acaba sendo alvo do que ninguém vê.. Se ela
está se masturbando ou fazendo alguma coisa que não é para a idade dela ainda a
professora vai entender que ela está vendo alguma coisa dentro de casa...
Eto 10: Mas aí é outro caso...
Eto 05: Mas acontece... Eu to dando um exemplo... Que ela ta dizendo que a escola é à
base de tudo...
Eto 09: Não. Eu não to dizendo isso não... Você entendeu mal...
Eto 05: porque também tem a questão familiar, da criança dizer “não, mainha disse que
isso era errado...”.
Eto 09: Eu to dizendo que às vezes, pelo menos na minha área, eu posso levar, seja
quem for, em casas que não tem base, como vocês estão falando, que a casa, a família é
à base de tudo, vocês sabem que na minha área tem famílias que não tem base de nada,
nada e as crianças, tudo o que sabem, ou o pouco que sabem, aprenderam na escola, que
chega em casa e fala “mainha, isso aqui ta errado porque na escola eu vi que tava
errado...” Eu to dizendo isso... Eu não to dizendo que a escola é à base de tudo...
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Eto 02: A gene ta dizendo que a família é pra funcionar, é para ela ser a primeira
instituição, agora, assim, não acontece na prática...
Eto 11: Não é só na escola que ela aprende o que é errado, se ela não vê o pai ou a mãe
dizer que ta errado ela vai continuar daquele jeito...
Eto 02: é. Agora deixa eu dizer... Na minha casa tem uma família com crianças
pequenas que estão ao léu, né? Essas crianças não tem acesso à escola e a casa é à base
delas... Então se ela não tem uma escola nem tem a base da família, que futuro ela vai
ter? Ta entendendo? Então a responsabilidade é primeiro da escola ou da família? Da
família. Por isso é que eu to dizendo que a base é a família...
Eto 09: E eu não to dizendo que não é não... Você apenas colocou palavras na minha
boca...
Eto 02: Eu não.
(Risos)
Chegou o Eto 13.
Eto 09: Você falou que eu disse que a escola é a base...
Eto 02: Ta bom.. Ta bom...
Eto 09: É... Eu acho bom você entender melhor...
Eto 13 Pergunta a Eto 12 o que é que Andrea está querendo deles.
Eto 12: Ela ta querendo saber as necessidades de cada lugar...
Eto 13: Assim... Tem muitos jovens... Assim, uns desistem dos estudos... Outros vão
trabalhar... Mas sustentar ou dar um padrão de vida melhor a sua família...
Etr: Certo... A Eto 09 falou que na área dela não tem base na família, não é?
Eto 09: A minha área é a pior de todas...
Eto 01: Olhe, eu tenho uma que a mãe tem a base familiar, ela tem base... Mas ela
mesma que não tem, é da estrutura dela mesmo... Ela xinga muito as crianças, briga...
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Então o que essas crianças vão aprendendo dentro de casa? Ela vai para a escola, então
como é que a professora vai tirar esses comportamentos da criança? A criança pula na
cara da mãe, xinga a mãe, bate na mãe...
Eto 02: Até porque o maior tempo dela é dentro de casa, não é fora...
Eto 01: a mãe pega o cinto pra bater nela, ela fica mangando, pulando... Aí eu explico a
ela que ela não pode bater porque é isso que você esta ensinando a ela (a criança)... Mas
ela não estava preparada pra ser mãe...
Eto 02: O que é que vocês pretendem fazer? Atender essas pessoas?
Etr: No final a gente tava pensando em ver... Porque vocês falaram que tem pessoas em
espera, não é pro serviço de psicologia? Então eu queria que vocês dessem os nomes
dessas pessoas pra gente, do lugar, pra gente fazer um sorteio aleatório, para não
priorizar nem A nem B, para a gente estar visitando essas casas com vocês, porque
infelizmente a gente não pode ir a todos...
Eto 09: É... Assim... Eu penso assim, que seria melhor trazer essas pessoas à unidade,
porque assim... Tudo o que acontece aqui se fala assim “não, é porque vem visita a casa
e depois fica nas costas dos agentes de saúde”... Essa pessoa que você visitar, quando
você não estiver mais aqui, vai perguntar por você, vai dizer que serviu de cobaia...
Então, como a gente tem uma sala, várias salas, você poderia falar até com Cínara e
usaria a sala da psicologia... Porque se você for na residência, quando acabar o seu
estágio aqui eles vão cobrar e talvez não surja à vaga pra ele continuar aqui...
Eto 02: É.
Eto 09: E também vai ser um trabalho inválido, porque ela vai começar com você e
terminar com Cínara? A gente falaria que é uma reunião, entendeu?
Etr: Porque, na verdade, a gente não vai fazer atendimento, nesse momento, não é a
proposta da gente...
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Eto 09: Porque se você chegar na casa de gente que esta precisando e dizer que você é
estudante de psicologia ele vai pensar que você já vai marcar atendimento, que você vai
atender...
Eto 02: É muito complicado...
Eto 09: Eu não gosto de levar para a minha área... Porque eu já levei duas vezes e
depois o povo fica perguntando, sabe?
Etr: Certo.
Eto 09: Então eu preferia que fosse na unidade, porque aí...
Etr: Mas vocês acham que eles vêm?
Eto 09: Eu acho que vêm.
Etr: Mesmo sabendo que a gente não fazer um atendimento psicológico?
Eto 8: Mas eles não iam saber...
Eto 09: Eu acho que eles tem que saber... A gente explicaria...
Eto 02: O que você vai fazer com essas pessoas?
Etr: A gente ta pensando em conversar com vocês, conversar com as pessoas que estão
na espera e conversar, depois, com as pessoas que já estão sendo atendidas... E aí uma
conversa como essa que a gente está tendo agora, certo? De saber por que ela procura o
serviço, quais são as expectativas dela, o que ela espera do serviço...
Eto 09: Aí eu acho que como é você e sua colega eu acho que fica mais fácil, melhor...
Eto 04: É, eu também concordo com Ana Paula. Eu acho que é melhor trazer o pessoal
para cá.
Etr: Certo.
Eto 04: Porque às vezes eles ficam cobrando e a gente fica sem resposta...
Eto 02: Mas aí é aquela coisa... A gente tem que passar a informação de que o resultado
vem aos poucos... Essas pessoas não vêm para cá para resolver os problemas de saúde
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do bairro. A proposta é a de começar a formar hoje profissionais que futuramente
venham a contribuir para a comunidade, aptos a saber como lidar com os problemas da
comunidade, o que há até pouco tempo atrás não acontecia. Sem querer ser grosseira,
mas era um bocado de almofadinha que vinha, entrava no consultório dele, depois ir
embora e não estava nem aí. Hoje a gente vê que mudou... Eu fui levar um aluno que
estava aqui numa casa e quando ele viu a realidade ele se emocionou, então, quer dizer,
esse processo que esta começando hoje vão nos trazer frutos no futuro...
Eto 6: Mas se eu for usar essa justificativa na minha área ninguém vêm.
Eto 9: Na minha também não...
Eto 12: Eu não tenho ninguém na espera... Eu peguei o nome da menina que queria, dei
o nome dela para Cinara e pronto... Assim, eu nem sei direito...
Etr: Você pode ficar a vontade para me falar o que você achar importante...
Eto 12: Porque assim... A gente aqui não sabe... Eu não sei direito o que é e o que não é
para a psicóloga... Se é para a psicóloga ou se é para outro médico... A gente vê que
aqui não tem um trabalho sobre isso...
Eto: Ela ou alguém já conversou com vocês sobre isso?
Etr 12: Não...
Etr: Como foi então quando ela chegou, como é que vocês foram apresentados?
Eto 12: No meu caso alguém me disse que tinha agora uma psicóloga aí, depois quando
o pessoal começou a procurar agente começou a encaminhar...
Eto 09: Pois é... Às vezes a gente acha, né? Como no caso dela... Do ponto e vista do
agente... Eu podia pensar que um caso é estresse, mas eu não sei se ao olho da
psicologia é...
Eto 12: Eu não sei se é estresse ou se não é...
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Eto 09: É isso que eu to dizendo... Às vezes o agente de saúde pensa que é estresse, mas
a pessoa está precisando mesmo de um tratamento, por isso que é bom encaminhar, em
todo e qualquer caso... O ruim é que a demanda é pouquíssima...
Eto 06: A demanda é grande...
Eto 09: A demanda que ela pode atender é pouca...
Eto 06: Ela tem uma ficha para preencher... É pouco e ela nunca pode aumentar...
Eto 04: Eu to fazendo a lista das pessoas da minha área que estão na espera... To
colocando o número do prontuário e o meu nome, pra você saber, certo?
Etr: ótimo...
Eto 11: Como é?
Etr: Ela está colocando o número do prontuário e o nome dela...
Eto 11: Aí no dia da reunião, como vai ser?
Etr: Eu vou ligar... Vou falar com Jusnaldo agora, dizer que eu estou levando os nomes,
pegar alguns nomes com Cinara, que vocês disseram que ela tem, não é isso?
Eto 09: Têm...
Etr: Para a gente sortear... Aí eu torno a ligar para Jusnaldo para ele falar com vocês os
números para vocês trazerem essas pessoas para cá, como vocês mesmos pediram...
Eto 11: E o acompanhamento, quem é que vai ficar fazendo?
Etr: É o que eu tava falando...
Eto 09: Não... A gente vai convidar eles para uma reunião com a psicóloga...
- Interrupção
Diretor da Unidade: Perdão... É o seguinte, como hoje é terça-feira tem a reunião do
grupo de mães na sala ali, então seria mais conveniente depois você agendar uma
reunião no dia em que não tivesse grupo de mães nem de idosos, porque aí ficava mais
espaçoso, você ouvia melhor e os protagonistas aqui também...
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Eto 09: A gente está se encaixando aqui...
Etr: É, eu acho que deu para a gente se entender, como disse Eto 09, mas qualquer coisa
a gente combina...
Diretor da Unidade: Certo...
Eto 04: Eu coloquei pequeninho aqui... Mas dá para ver, não dá?
Etr: Dá sim... São três, não é?
Eto 04: São...
(Os agentes estão escrevendo os nomes)
Eto 07: Dependendo de quantas pessoas pode ser que dê para atender todo mundo no
sorteio, né?
Etr: Vamos ver...
(Os agentes estão escrevendo os nomes)
Etr: Vocês podem fazer como for melhor para vocês... Por nome, prontuário, nome da
rua...
Eto 09: Mais alguém?
(alguns agentes ainda continuam escrevendo os nomes)
Etr: Ok.
(começam a entregar os papéis)
Etr: Bom gente, obrigada por vocês terem se disponibilizado aqui um pouquinho
comigo, certo?
Eto 09: De nada...
Eto 02: A gente tem que dizer para as pessoas qual é objetivo dessas meninas aqui...
Que é para ales entenderem que no futuro eles vão se beneficiar disso... A gente tem que
começar a bater nessa tecla a partir de agora que é para as pessoas começarem a
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entender e não procurarem mais por respostas para hoje... Elas estão aprendendo hoje o
que elas vão fazer amanhã...
Eto 09: A pessoal que mais conhece a minha área aqui é a Eto 10, porque ela vai muito
lá comigo, e ela pode dizer que se eu chegar para um morador da minha área e falar isso
ele vai dizer para deixar pra lá...
Eto 02: Eu acredito nisso...
Eto 09: Se eu explicar da maneira que ela ta explicando ou até com a linguagem popular
que eles usam ele vai dizer “Ah, então não quero não, deixa pra lá!”. É um problema
nosso que eu acho complicado, por isso que eu acho melhor trazer para cá...
Etr: Ta bom então gente... Obrigada mais uma vez...
Etos: De nada...
Anexo E
Entrevista com demanda em espera pelo serviço de Psicologia
Eto 1: R.L.P Eto 2: F.M.S. Eto 3: V.M.S.
Sexo: Feminino Sexo: Masculino Sexo: Masculino
Idade: 40 anos Idade: 65 anos Idade: 06 anos
Dia: 11.10.06
Local: Centro de Saúde de Aparecida
Etr 1: Eto, você procurou... Porque são os agentes que passam na ria, aí você procurou
com ela sobre o serviço de psicologia ou ela que indicou para você, como foi isso?
Eto 1: Assim, porque agora ela (a psicóloga) não tava podendo atender, aí os agentes
falaram que vocês estavam aqui, porque não saiu nenhum paciente dela.
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Etr 1: Mas assim, quando a agente de saúde passou lá aí você falou o que estava
acontecendo na sua vida, aí ela que sugeriu ou você mesma já sabia que tinha psicóloga
no posto? Como foi?
Eto 1: Eu perguntei a ela se tinha psicólogo e ela disse que sim.
Etr 1: Aí, no caso, alguém indicou a você que o posto tinha psicólogo ou você já sabia
que tinha?
Eto 1: Eu já procurei o psicólogo quando ele era menor, porque eu mimei ele demais,
deixei todo mundo de lado e tudo era para ele. Tudo era para ele. Ele não dormia se não
fosse comigo. Ele é adotivo. ele tem uma paciência enorme comigo, não quer que eu
saia. Ele quer porque quer trabalhar, mas a gente quer que ele estudo. A gente dá a ele o
que ele precisa. Acho que tem que ter uma ajuda profissional, pois ele ta rebelde,
agressivo. Ta causando um problemão pra mim. Quer ficar na rua com meninos
maiores...
Etr 1: Então não foi a primeira vez que procura o serviço de psicologia?
Eto 1: é.
Etr 1: Há quanto tempo você falou com o agente para vir ao psicóloga?
Eto 1: Eu acho que... uns 15 dias. Foi até rápido, eu não esperava.
Etr 1: Sabe dizer se o agente de saúde já passou para Cínara?
Eto 1: Não sei, ela disse que vou lhe dar o papel e depois ver quando eu posso vir. E ela
disse que a psicóloga agora não pode atender e disse para vir aqui conversar com vocês.
Agora vocês já estão sabendo da história.
Etr 1: Assim Eto, você já procurou um psicólogo e agora esta procurando a psicóloga do
posto. Você sabe o que o psicólogo faz?
Eto 1: Eu entraria primeiro, só, até porque ele está constrangido. Por isso ela me atende
primeiramente si, aí entro e converso.
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Etr 1: Assim, como agora a gente não ta fazendo atendimento, mas ao mesmo tempo
nós estamos lhe escutando e conhecendo sua história, se você quiser que e ele fique um
pouquinho lá fora, enquanto a gente conversa, não tem problema não.
Eto 1: Vá Juan, lá para fora.
Juan sai da sala.
Etr: Porque é assim. Com Cínara mesmo você iria entrar primeiro, depois ele entrava e
tal. Como a gente está fazendo algo informal, um espaço para conversarmos sem ser
terapia, porque a gente queria conhecer...
Eto 1: Porque a... pois então deveria ter deixado ele lá fora... eu estranhei quando ela
falou.
Etr 1: Hum rum.
Eto 1: Eu fiquei assim...
Etr 1: Mas podia ter falado, perguntado se era para ele entrar...
Etr 2: Fique a vontade... Mas o que você acha que o psicólogo faz?
Eto 1: Ele ajuda demais. Porque na época que ele tinha 5 anos ele era sem amigo, ficava
num cantinhos, tímido, apanhava. Aí quando levei para a psicóloga, para falar sobre o
colégio, aí então ajudou. Ai ela chamou o pai dele para conversar, levava ele para
conversar com ele. Ela chamou eu, o pai e ele quando ela viu que ele tava melhorando.
Aí entrou os três aí ela disse: “é você que é o padrasto?”. Ela fez mesmo para chocar,
para saber alguma coisa, né? Aí ele reagiu, dizendo: “Ah! Eu vim aqui para ser
ofendido. Não!”. Saiu batendo a porta e foi embora. Eu fiquei com vergonha, mas ela
disse: “Não mulher, é assim mesmo...” Eu fico hoje preocupada quando ele sai na rua,
por casa das drogas, de uma bala perdida... Eu acho que o certo, na idade dele, é estudar,
assistir alguma coisa, fazer alguma coisa que manda...
Etr 2: A senhora falou da violência... Qual a sua maior preocupação?
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Eto 1: A minha maior preocupação é isso. Se soltar ele na rua tem nada para oferecer. A
gente sai com ele para passear... Teve um dia que ele saiu me puxando da rua para
dentro de casa, ai dominei ele, as meninas reclamavam comigo porque eu não fiz nada
na hora, mas quando chegou em casa eu dei uns tapas nele que até os óculos dele
entortaram. Porque a psicóloga disse, reclamou com a gente, dizendo que era para dizer
não, ta entendendo? Ou eu batia nele ou ele batia em mim... o óculos dele tava com duas
semanas que tinha sido comprada, aí ó óculos caiu. Ele ficou nervoso. Se trancou no
banheiro, aí eu disse: “ah! Muito bem, você tem medo de mim”.. Fiquei depressiva,
chorando com essa rebeldia dia... ele fica naquela coisa, de querer sair, aí ele vai comigo
para onde eu for. Tem um rapazinho de 16 aos que fica acompanhando ele, aí eu não
gosto. Pois é, se você ver que não ta dando conta, eu procuro ajuda, tenho vergonha
não... As pessoas dizem para eu bater nele, mas ele é criança, tem esse tamanho todo,
mas só tem 13 anos. Dizem para levar para a de menor, ou dá uma boa surra nele.
Etr 1: Para onde Eto?
Eto 1: A delegacia. Que tem muitos pais que leva direto para lá. Não é para o psicólogo
não. Você às vezes não sabe se seu filho tem algum problema na cabeça, né? Que pode
pedir um eletro, que a psicóloga pode ver, né? Tem que procurar o psicólogo para fazer
um eletro e ver se tem alguma coisa na cabeça dele. Ele tem um ciúme louco da gente e
diz que painho vai abandonar a gente e quer defender a gente batendo nos outros. Por
isso que fui, né, na de menor para ele não reagir. E de lá para cá teve esse reação, que
ele não é assim. Já é importante. Eu to procurando entender se há alguma coisa errada
com ele... Ele vai pegar o irmão a pé e volta, não vai mais de bicicleta por casa da
rebeldia dele... os marginais no carnaval tomou... aí eu disse: “ta bom demais, melhor
do se machucar na rua”. Aí até hoje está sem bicicleta, como agora, nós estamos só com
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uma televisão, que a outra queimou, aí coloquei no quarto dele, para ele ficar, sabe?
“Quando você melhorar aí mãe manda ajeitar...” sei lá...
Etr 1: Aqui no posto, já procuraram outros serviços, outros profissionais?
Eto 1: Para ele... só consulta mesmo, pediatra.
Etr 1: Tem o outro posto que tem psicólogo também, né Eto?
Eto 1: Sabe que eu não sei? O atendimento de lá é horrível. Acho que poderia ser
melhor.
Etr 1: Em que sentido poria ser melhor?
Eto1: Lutar pelos seus direitos... as pessoas precisam lutar, as pessoas não entendem...
só pensam em brigar, se matar. Se o bandido lhe ameaçar e se traçar dentro de casa...
não. Eu não me tranco não... vou procurar meuis direitos... e eu me trancar o que vou
fazer? Viver nessa, dentro de casa. Então o que aconteceu com meu filho, passei duas
semanas dentro de casa. Sabem eu disse: “eu vou levantar a cabeça e vou sir, porque
ninguém me dá de comer, eu trabalho, tenho mina casa”. Isso que aconteceu comigo
deve acontecer com milhões. Ai sai, me arrumei e cheguei de oito horas. Eduardo
(esposo), que é todo ciumento, disse: “vá minha filha, vá pelo amor de Deus”. Ele
mesmo queria que eu saísse porque não tava agüentando. Eu gosto de sair. No dia da
criança vou levar eles para redinha. Se eu não tiver dinheiro para comprar presente eu
vou fazer um bolo de chocolate. Se a gente não tem condições de ir para o shopping
vamos para outros cantos... minha vida ta assim.
Etr 1: Então, lá na unidade mista você não tentou porque não sabia que tem, né? Veio
direto para cá...
Eto 1: É... porque como é próximo da minha casa e é mais fácil de pegar a ficha. Uma
vez um rapaz me deu a ficha dele, aí uma mulher que tava na fila disse que eu não ia
ficar, aí eu disse que ficava porque o rapaz passou a noite na fila. Mesmo que eu não
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ficasse, vinha outra pessoa e ficava. Ai a mulher disse que eu podia içar, porque lá é
mais difícil... é, é... pronto socorro...
- Interrupção
Entra na sala mais um usuário. Trata-se do avô com seu neto.
Eto 1: Tem semana lá que só tem enfermeiros. O nome pronto-socorro é só o nome.
Etr: Oi. Você veio para conversar com a gente? Qual foi o agente de saúde que falou
com vocês?
Eto 2: Não sei não.
Eto 1: Mas foi o agente de saúde que falou que a gente ir estar aqui hoje? Como é o seu
nome?
Eto 2: Francisco
Etr 1: O meu é Valeska e o dela é Andrea.
Etr 2: E o seu? Qual é o seu nome?
Eto 3: Vítor.
Etr 2: Eu não sei se a agente explicou para você ou para alguém na sua casa que a gente
estaria aqui para conversar um pouquinho. Porque estamos fazendo nosso trabalho da
faculdade, nós estamos estudamos e a gente está conhecendo um pouco o trabalho da
psicóloga do posto e pensamos em conversar um pouco com vocês. Pedimos aos
agentes para conhecermos algumas pessoas que estão na espera para a Psicologia, que
está querendo se consultar com Cínara, não é? Aí a gente estava conversando um
pouquinho, estamos conversando aqui com Eto 1, que ela chegou antes, não é?
Eto 1: u já posso sair?
Etr 1: Se você estiver com pressa...
Eto 1: Eu queria, assim, que se vocês pudessem, através da psicóloga para me atender,
você viram que meu caso não é brincadeira, é pesado, né? É adolescente, né?
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Etr 1: Ta. Obrigada.
Etr 2: Obrigada.
Etr 1: Oi Eto 2. Você já sabia que tinha psicólogo aqui? (pausa) Você sabe o que o
psicólogo faz? (pausa) Quer falar um pouquinho pra gente...
Eto 2: Ele ta muito agitado, quer matar...
Eto 1: Tchau...
Etr 1: Tchau. Obrigada. Francisco o senhor falou... ele quer o que?
Eto 2: Ta muito agitado...
- Interrupção
Diretor da unidade: Bom dia!
Etr 1 e Etr 2: Bom Dia.
O diretor da unidade sai da sala.
Eto 2: Ele não para.
Etr 1: Ele já veio alguma vez para a psicologia?
Eto 2: Não. É a primeira vez.
Etr 1: Você falou com a agente quando, para vir para a psicóloga?
Eto 2: Não, não! Quem mandou foi à menina...
Etr 1: A agente de saúde?
Eto 2: Sim.
Etr 1: Você já tinha falado a agente de saúde que queria trazê-lo aqui?
Eto 2: A gente falou com Luzia.
Etr 1: Faz quanto tempo?
Eto 2: Na semana passada.
Etr 1: Aí está esperando?
Eto 2: Aí está esperando.
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Etr 1: Entendi... Você utiliza dos outros serviços do posto?
Eto 2: Para ele é a primeira vez para a psicóloga. Já veio para a pediatra, já fez exame
de sangue...
Etr 1: E o que o senhor acha do serviço do posto?
Eto 2: Eu... eu acho bom. Não acho mal não. Não tenho o que dizer nada não.
Etr 1: O senhor é o que dele? (referindo-se a criança)
Eto 2: Avô.
Etr 1: O que você acha, Eto 2, que a psicóloga faz?
Eto 2: Não sei. Dá uma orientação à criança, como deve ser, como deve agir. Análise a
situação dele e dá conselhos a ele, às vezes dá até conselhos a mãe também para o
tratamento dele.
Eto 3: Quando chegar em casa vou ficar com meu irmão?
Etr 1: Você vai ficar com seu irmão? Ele é maior que você ou menor?
Eto 3: É maior. Eu tenho quatro e ele nove.
Eto 2: Ele aperreia muito. A mãe dele trabalhava e quem toma conta dele é a avó.
Etr 1: Quer dizer que quando você chegar em casa vai brincar com seu irmão.
Eto 3: Vou brincar na rua. Andar de bicicleta.
Eto 2: Ele não para não, corre para um lado, corre para o outro, pega uma pedra, joga na
porta, na parede...
Eto 3: Meu amiguinho é bem baixinho...
Etr 1: É? Mas ele vai crescer... Eto 2 a agente passou lá e você colocou para ela o que
estava acontecendo, foi isso?
Eto 2: Foi.
Etr 1: Aí foi ela que indicou ou vocês mesmos que procuraram?
Eto 2: Não. Foi ela que indicou.
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Etr 1: Então você não sabia que tinha psicóloga ou sabia que já tinha psicóloga no
posto?
Eto 2: Não, não sabia?
Etr 1: Você já foi alguma vez ao psicólogo?
Eto 2: Não. É a primeira vez.
Etr 1: Ela (a agente) colocou para você o que a psicóloga faz?
Eto 2: Não.
Etr 1: Você sabe?
Eto 2: (risos) É...
Etr 1: Bom Eto 2... eu nem perguntei, eu posso perguntar a sua idade?
Eto 2: Pode. É 66 anos.
Etr 1: Pronto... Qual é a sua ocupação?
Eto 2: Minha ocupação é... faço alguns trabalhos que surgem... sou aposentado.
(pausa)
Eto 3 fica conversando com Etr 2.
Etr 1: Eto 3, quer dizer que você gosta de brincar muito?
Eto 3: Gosto.
Etr 1: Bem, Eto 2...
Etr 2: Eto 2, ele falou que estava numa escola, mudou e agora está sem ir a escola, é
verdade?
Eto 2: Ele saiu da escola, porque quando vai só quer bater.
Eto 3: Eu gosto de lutar com meu irmão. Aí réia, a gente cai...
Etr 1: Nesse ano ele ainda vai estudar?
Eto 2: Não. Ele foi expulso de uma escola... ele estudava em duas escolas, agora está só
em uma, porque foi expulso da outra.
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Etr 1: Eto 2... eu acho que até já perguntei, mas vou perguntar de novo, caso eu tenha
esquecido. O que você espera que a psicóloga faça?
Eto 2: Dá conselhos... passar uma radiografia da cabeça dele... conversa direitinho com
ele...
Eto 3: Ele réia de mim... réia duas vezes...
Eto 2: (risos) Ele não para esse menino...
Etr 1: Bom Eto 2, é isso. Obrigada. A gente não tava propondo fazer atendimento aqui.
Nós somos estudantes de psicologia, mas estamos conhecendo um pouquinho o que
vocês estão trazendo, quais são as queixas, dificuldades, o que vocês esperam da
psicologia... é isso...
Etr 1 se dirige para Eto 3.
Etr 1: É esperar que ela vai chamar vocês e aí, você conversa tudo o que você falou aqui
para ela, ok?
Eto 3: Certo...
Anexo F
Entrevista com psicólogo da Unidade Mista de Mãe Luiza
Psicólogo: F.L.S.
Sexo: Masculino
Data: 16.10.06
Local: Unidade Mista de Mãe Luiza
Etr: Há quanto tempo exerce a psicologia na saúde pública?
Eto: 1 ano.
Etr: 1 ano, né? Então antes daqui você já trabalhava...
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Eto: Consultório particular desde 94.
Etr 1: Aí depois que você veio para aqui?
Eto: Fiz concurso, passei e fui chamado. Fiz em 2003, 2002. Fui chamado dois anos
depois... Passei em todos os concursos que fiz, passei para prof da UFRN de eletrônica,
fiz para a Polícia Federal e passei, fiz para a psicologia e passei... aí foi quando escolhi
professor e psicologia.
Etr: Aqui na Unidade Mista você está desde...
Eto: Desde fevereiro. Primeiro passei para conhecer, porque primeiro eles fazem um
tour com o psicólogo. É muito interessante... ele pega você, bota você no CAPS... você
passa um mês... é muito interessante, você vai conhecendo a rede e vendo se você se
afina com aquele serviço. Eu, como já tinha uma certa experiência eu já sabia que não
trabalharia com psicóticos, não é minha praia, como não trabalho com criança também.
Minhas coisas são bem direcionadas, bem precisas e certeiras. Então eu já sabia o que
queria, posto de saúde. Porque eu já tinha trabalhado cinco anos não contratado pela
prefeitura.
Etr: Mas como psicólogo?
Eto: Como psicólogo...
Etr: ah ta...
Eto: Mas uma atuação bem determinada, trabalhava com os médicos residentes, com o
grupo de médicos residentes, aquele R1, R2, R3. Eu, juntamente com uma amiga minha
muito competente, começamos a fazer um trabalho apenas na segunda-feira. Durante
cinco anos a gente pegou várias turmas de médicos para trabalhar a mort. Trabalhar a
morte, o que é ser médico.
Etr: E você disse também que tem consultório particular...
Eto: Tinha, fechei agora, faz uns três meses que fechei.
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Etr: Por enquanto está só aqui?
Eto: Só aqui, porque estou fazendo pós-graduação e estou sem tempo.
Etr: E para você como é trabalhar em uma Unidade Mista de Saúde?
Eto: É difícil responder a essa pergunta. Como é para mim? É trabalhar. (risos) O que se
pode dizer? Como é para mim trabalhar numa Unidade Mista de Saúde? (pausa) Não é
trabalhoso não, é... bem... eu gosto das duas coisas, bem, e quanto ao meu trabalho eu
tenho algumas características... eu... obedeço a certas normas pelas quais acho que são
éticas e certas. Eu não falto. Eu nunca tive uma falta, nunca atraso com o paciente... é
assim... a unidade para mim é a forma de educar o paciente, não ficar dando palestra
não, é um a um. A unidade de saúde tem isso. A unidade de saúde me mostra também...
minha consulta no consultório é 100 reais, aqui é de graça. Aqui paciente falta, quer ser
atendido antes do tempo... é assim, é uma coisa nova.
Etr: Qual é a sua abordagem?
Eto: Psicanálise. Eu sou adepto da psicanálise, fiz formação em comportamental e tal,
mas minha linhas é psicanálise.
Etr: E você trabalha com a psicanálise tanto no consultório privado como aqui?
Eto: Aqui é porque eu ao tenho divã e não dá para chegar a tanto, mas é através da
escuta que eu faço a intervenção. Escuto, escuto e faço intervenção. Escuto, escuto e
faça intervenção. E... dou alta.
Etr: Como é trabalhar com a psicanálise na saúde pública?
Eto: A psicanálise tem uma coisa minha filha: funciona. É esta a diferença, a psicanálise
funciona. Só que você não tem como medir, mensurar, não é como experimentação que
eu possa fazer em um laboratório de eletrônica ela funcionar... e tem uma coisa... tem
uma característica, ela tem um chamado só depois. Você atende, você não vê resultados
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na hora, nem na hora a pessoa responde, mas de repente ele não sabe como nem porque
ele sai do quadro. E isso é fantástico.
Etr: Sai do que?
Eto: Do quadro que ele ta. Ele consegue mudar e... o interessante é que não é o
psicólogo, não é o caso, ele não é reconhecido como agente transformados... isso
também é interessante. Porque se for ta errado! (risos).
Etr: Explique um pouquinho os eu funcionamento aqui?
Eto: Na segunda eu abro a demanda, qualquer pessoa que queira falar comigo tem que
vir na segunda. E tem um problema, porque as pessoas não querem vir na segunda,
querem ser atendidas na hora que eles querem... é interessante. No consultório você
espera 30, semana, aqui elas resolvem ser atendidas na quarta-feira e nessa quarta-feira
está toda marcada, as pessoas têm seus horários... Eu sempre digo para elas... e atendo
cinco pessoas por dia, por mais que eu não consiga memorizar as histórias de cada um.
Etr: Você chama a segunda de demanda aberta...
Eto: É demanda aberta.
Etr: Ta.
Eto: Se essa pessoa precisa de um tratamento, que eu veja que há necessidade de um
tratamento, eu remarco para ela para a outra segunda e quando noto que ela vai entrar
em tratamento marco para quarta e para quinta, quando tem vaga, quando não tem eu
digo: segura. E a gente nota quando a pessoa vai continuar, a gente sabe. Então ela entra
pela porta da segunda e na quarta e quinta ela tem horário marcado rígido. Marco às 08
horas, se chegar as 08:05 horas eu atendo até as 08:30, depois das 08:30 eu não te
atendo mais. E se faltas duas vezes você é cortada. O que posso cobrar do paciente, que
eu não posso cobrar aqui, é isso. Que você não falte e que se eu for faltar eu tenho o
telefone de cada um, eu aviso... (risos) Eu procuro amenizar fazendo isso, marco meus
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compromissos com eles, falo com eles, às vezes a administração não gosta muito, perde
o controle. Eu faço os relatórios, mas eu preciso dessa autonomia para questões de
transferência.
Etr: Agora me fala, a quarta e quinta são horários marcados, né? E aí como se dá se
houver demanda maior para ser atendida?
Eto: Aí eu seguro na segunda. Eu pego a segunda e abro de 8 até 9 horas, por exemplo,
e pego essas pessoas e empurro outras pra... até para que se estabilize. A demanda flutua
muito, que você estava perguntando, a demanda flutua muito, inclusive passou um
tempo com uma demanda que eu não tinha como segurar, eu tava para requerer outro
psicólogo para cá, depois um esfriamento geral, fiquei... com três paciente, três
pacientes, três pacientes... eu achei estranho. Depois voltou. Não sei por que, eu fui
atrás para saber o fique. Existe uma grande demanda que é as mães para trazer os filhos.
Essa demanda não atendo criança e eu acho que tem que haver com... com a
incapacidade de criar esse meninos, então eu tenho que ficar mais com as mães do que
com as crianças. Eu pego e mãe e digo: você fica. Eu consigo trabalhar assim. Resolver
assim. Eu atendo não fazendo os desejos da mãe que pede para o filho e crie nem filho
pra mim. Não é assim. Venha falar do problema do seu filho e se realmente... empreste
seu corpo para descrição do problema materno ou familiar. A melhor maneira que eu
faço é que se seu filho ta realmente apresentando um comportamento estranho vamos
encaminhar, mas se for um comportamento de toda criança, ela quer ultrapassar os
limites, quer videogame, quer desobedecer, isso não é nada psicológico. Então eu
prefiro trabalhar assim. Teve uma mãe que veio trazer o filho e eu disse: então venha
falar do seu filho, vamos encaminhar ele. Então eu empurro um pouco com a barriga e
pego essa mãe.
Etr: Ok.
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Eto: Entende? Eu acho muito produtivo, melhor do que eu ficar com uma caixa lúdica e
a mãe ficar do lado de fora, esperando que eu brinque os meninos dela. Eu não gosto
muito de arrudeios.
Etr: Ok. Você falou que o agendamento é realizado por você mesmo, né?
Eto: É.
Etr: Assim, explique um pouco sobre esse agendamento.
Eto: Eu agendo. Mando para mim na segunda, se forma por algum profissional, e eu
encaixo. Porque quem sabe do meu horário sou eu.
Etr: Então as anotações ficam com você ou no prontuário?
Eto: Não. Não pode ficar no prontuário de jeito nenhum, são completamente sigilosos.
O que vai para o prontuário é só a ficha de atendimento. E até porque se alguma pessoa
souber que no prontuário tem informações dele ela pode não vir mais.
Etr: A procura pelo serviço de psicologia você disse que dá mais por qual sexo, e
idade...
Eto: Mulheres.
Etr: E idade?
Eto: 32 a 40 anos.
Etr: Você diria que as queixas mais freqüentes, a demandas seriam quais?
Eto: A demanda é complicado, falar de demanda...
Etr: É, porque para a psicanálise demanda e são há diferença, né?
Eto: É. A gente pode separar isso em grupos. Tem muitas pessoas que vem com
aquele... achando que você vai resolver o problema dela, vem se queixando que estão
infelizes... grande parte vêm dizer que são infelizes porque não me deram isso, não me
deram aquilo, parece até que ele já vem com isso pré-arrumado. Ela diz: “eu sou uma
pessoa infeliz, me ajude, me dê alguma coisa”. Uma grande demanda vêm com isso.
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Segunda demanda é aquela mãe que diz: “eu sou uma mãe incompetente”, resumindo na
frase. “sou uma mãe incompetente, não sei criar nem meu filho, me ajude” e pede para
que o psicólogo seja a lei, “faça com que ele seja um bom menino, se comporte bem na
escola, dê um jeito nele” e diz que ele não é aquilo que ela queria que ele fosse... essa
são as duas grandes.deixe eu ver se tem mais alguma outra... Sim! Aí tem uma fatia que
é psicótica... essa já é completamente diferente, com visões, alucinações. Essa já vem
com demanda no corpo, já precisa tomar um remédio, não dorme, essa demanda tem
mais doente. Eu ainda posso colocar nesses três grupos que eu falei aquelas mulheres
que provocam o marido para apanhar, vivendo nessa relação de tapas e beijos. Muito
interessante... tem um bocado aqui nesse bairro. Essa demanda fica entre essa da queixa
que não consigo criar nem filho, não consigo me relacionar com meu marido... e vem
procurar os órgãos de apoio. Aqui vem procurar a assistente social para poder enquadrar
o marido, recai naquilo “ele não me dá o que quero, me bate”, mas quando você vai ver
a história esse “não me bate” é “me bate”, ela provoca. Diz, “não me bata na cabeça,
para ficar com roncha e eu ir na delegacia...” isso dá... e para desmontar isso não é
palestra, nem educação tipo, faça assim, seja assim, né? O setting é para que a pessoa se
toque, porque não adianta dizer para a pessoa, se fosse assim, padre e etc, era melhor
que psicólogo. E interessante é que as vezes uma cliente passa aqui, um grãozinho de
areia que você consegue atender muda, muda ao redor dela de uma forma tão radical,
que você pode ver até na comunidade. Muito diferente desses núcleos de auto-ajuda e
apoio. Para mim não tem ressonância, é mais uma questão política e não vejo uma
melhora.
Etr: Como é que você diria sobre a continuidade de quem começa o tratamento? Você
diria que há uma freqüência?
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Eto: Eles vêm. As pessoas não faltam não. Elas vão até o sintoma desaparecer e aí elas
desaparecem.
Etr: Você diria que há um tempo?
Eto: tem, tem... mais ou menos um mês e meio... não tem um tempo pré-determinado.
Etr: Não tem um tempo não...
Eto: Não. Não. Eu não conto. Varia em média 2 meses. Mas tem pessoa que entre
mesmo em quase um processo de psicanálise. Outras resolvem apenas aquele sintoma,
aí quando o psicólogo muda de lugar, aí... é porque tem outras demandas, de trabalho...
é interessante que as vezes as pessoas entram aqui desempregadas e não vêm mais,
porque arranjou um trabalho. Tem outras que entram com queixa de anorexia e duas,
três sessões “ah, eu achei que não tenho mais isso”.
Etr: Você falou que não existe uma demanda em espera, mas essa demanda flutua, né?
E quando acontece da demanda em espera ser maior, como você lida com isso?
Eto: Já que tem essa flutuação eu tento arrumar. Não sou radical. Se eu só trabalho
quatro horas não vou atender mais. Não! Eu abro, mas também quando se reduz a
demanda eu também tenho o direito de dizer: “me deram um refresco, vou me embora”.
Então eu tenho feito isso. Já fiz muito.
Etr: Você diria que há alguma dificuldade? Você trabalha na clínica privada, né? E
quando chegou aqui, no espaço público, você diria que há para a psicologia alguma
dificuldade nesse espaço?
Eto: É. A transferência é mais complicado. Eu nunca falto. Olhando pelo viés da
psicanálise, os pacientes sentem-se no estado de me recompensar, tem esse problema.
Querem me fazer um bolo, galinha. (risos). Eles querem.
Etr: E como você lida com isso?
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Eto: Pois bem. Esse é o problema. As vezes eles trazem sem me perguntar, trazem um
bolo, teve uma que queria me dar uma cesta básica. Sentem a necessidade de pagar. E
eu tenho conseguido desviar disso. É difícil. E difícil. Não consegui equacionar. E é
preciso que eu aceite alguma coisa. Não quere que vejam como “guru” o nosso trabalho.
É muito ruim nesse sentido. Se alguém quer ser psicólogo para se sentir o “guru”, não
dá. Quando o paciente consegue trazer para si e ver que ele é o responsável pela
mudança na vida dele, temos só uma participação, mas não somos o “guru”. Mas isso é
o marketing da Psicologia, como a comunidade me vê. E tentar ser o “guru”, a própria
vaidade, meu ego... e é esperado pela sociedade esse ligar de “guru”, só que não
podemos ficar nesse papel. A revista Exame me procura para dar uma entrevista e eu
toda hora dizendo que não.
Etr: Como é o trabalho em uma comunidade de baixa renda? Comparada a clínica
privada...
Eto: As queixas são diferentes. De base é a mesma. “falta-me alguma coisa”. Só o que
diferencia é o objeto. Um falta uma bicicleta outro falta um Picasso. Do ponto de vista
da psicanálise.
Etr: Mas chega a você questões de ordem social, política, econômica, com relação à
moradia, alimentação...
Eto: Não, Não... Isso aparece, mas aparece como queixa. Porque se eu for desse lado eu
não consigo. Eu vejo como uma falta, a mesma falta do outro, o outro também esta
tentando o Picasso e ele precisa desse Picasso. Então é a mesma falta. Às vezes a
necessidade básica é tão premente na pessoa, tão gritante que ela chega a ter a segunda
falta, porque ela não comeu, aí ela não chega. Depois que você tem as necessidades
básicas, começa a aparecer às ansiedades, os desejos. Quando as necessidades básicas
são totalmente tiradas, então o desejo não aparece. Mas se alimentou começa a aparecer
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a falta, na condição de “eu não tenho isso, eu não tenho aquilo, eu não sou amado”. O
que muda é o objeto. Uma é a falta de um lugar o outro é a falta de um emprego.
Etr: Você se formou em psicologia em que ano?
Eto: 94.
Etr: Você falou que já é formado em Engenharia Elétrica, é?
Eto: É.
Etr: Você diria que alguma disciplina que você pagou ou que não teve na grade
curricular está lhe fazendo falta ou está lhe compensando?
Eto: Eu fui atrás do que faltava. Quando terminei eu fui atrás. Fui vendo as abordagens
e fui chegando ao que queria e que tinha haver comigo, que foi a psicanálise. Fiz um
bocado de tempo comportamental e ainda sei, uso se for precise, se for necessário, mas
é simplório demais, então fui para a psicanálise.
Etr: E aí, você diria assim... quais as possibilidades para um trabalho efetivo na Unidade
Básica de Saúde?
Eto: Difícil de dizer. Eu acho que falta um trabalho de psicologia, não só nessa
comunidade, um trabalho de integração. Nunca sabem o que a psicologia quer fazer, ou
o psicólogo faz coisas que não deve. Eu acho que o psicólogo deve estar muito alerta do
nosso papel, porque a sociedade quer de nós tudo e a gente não sabe dizer não. Eu acho
que a psicologia esta se esfacelando. Tem psicólogo que resolve ser ambiental, do
trânsito e vai perdendo a personalidade, o papel. O que faz o psicólogo? Ninguém sabe
mais e bota você para fazer qualquer coisa... você tem que dar palestra... outro dia
falaram “você tem que atender esse povo”, mas, espera ai.. esse povo quer ser atendido.
“Há, você tem que dar uma palestra”. Palestra de que? Falar o que? Fica querendo
arranjar qualquer coisa e se a gente não estiver seguro vai que faz, para onde vão a gente
vai embarcar no Complexo de Hobby Hood, fui eu que inventei esse tema na psicologia.
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Eu acho que o psicólogo em vez de pensar no Complexo de Édipo fica no Complexo de
Hobby Hood, que é salvar os pobres e oprimidos. (risos). É isso mesmo. O psicólogo
precisa ser mais inteligente e trazer essa sua capacidade para dentro da unidade, para
tentar colocar a psicologia no lugar dela, como a medicina no lugar dela. Eu acho que o
psicólogo, em parte, as vezes quer se fazer médico, o enfermeiro quer ser médico, como
o pedagogo quer ser psicólogo. Mas existe essa coisa e essa coisa é a base de onde se
tem que trabalhar... Não é eu chegar aqui e ir para as escolas fazer palestras, ensinar os
meninos a escovar os dentes, que eu to sendo um bom psicólogo não. Eu acho que o
psicólogo é quem faz e os outros não.
Etr: Deixa eu repetir o que você falou para ver se eu entendi. Você quer dizer que cada
psicólogo tem um papel e você tomaria o papel da clínica que é o que você gosta, se
identifica e outro psicólogo com papel mais social...
Eto: É, já que a instituição quer psicólogos tem muito viés. Que cada um que tem um
viés se intitule e vista a camisa desse viés e não fique pulando de galho em galho. Ta
entendendo? Para mim só existiria um tipo de psicólogo: o clínico. Essa é a minha
questão.
Etr: E de que clínico que você fala?
Eto: Clínico psicanalítico. Para mim existiria somente esse, mas como é para mim,
então para os outros que dizem psicólogos sociais que se intitulem, se diga psicólogo
social e vista a camisa, faça isso e diga eu sou desse, que faz isso e pronto. E não vá
tirar xérox não... você que quer tratar psicótico estude, vá fundo, mas não seja babá de
psicótico. O pessoal diz que é só acolhimento. Não é só acolhimento. Não tem que ter
teoria? Eu acho que você pode ir para qualquer área mas tenha uma abordagem teórica.
Essa questão da psicologia. Tudo bem. Já que tem psicologia para todos os gostos, cada
um no seu gosto e respeite o dos outros, como eu respeito, por exemplo, o psicólogo
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escolar. Eu vou fazer encaminhamento para esse cara toda vez que tiver um menino
com problema escolar.
Etr: A ultima...Vêm muito se falando a questão do Sus, né? Que os profissionais que
estão nas unidades básicas de saúde, como qualquer espaço da saúde pública, ele
começa a fazer com que o SUS funcione. Como você vê a questão do SUS, seus
princípios na psicologia? Como a psicologia pode ter esse caminho com o SUS?
Eto: Eu acho de.. de... de... muito mais é.. é... muito mais do que essas reuniões que
estão havendo, malucas. Porque, inclusive na ultima reunião do SUS foi em relação ao
psicótico e inclusive tem uma lei lá que diz que o psicólogo deve evitar práticas que
levem o paciente a medicalização e o que... evitar os psicóticos que levam a medicação
e a psiquiatrização. Isso esta escrito, mas eu não sei que práticas não possa ter na minha
clínica porque eu acho que o psicótico tem que tomar remédio. Esta mal escrito. Então,
acho que o SUS é legal, mas tem que de novo colocar cada macaco nos eu galho,
repensar isso. Porque não ta legal... como eu vou tratar o psicótico sem remédio? Como
também entra em contato com o médico caso ele esteja conseguindo tem um contato
com o paciente? a interdisciplinaridade deve ser a nível profissional e ético, trabalhar
em equipe.
Etr: Obrigada pela atenção e volto para fazer o convite para assistir a apresentação da
nossa monografia, ok? Obrigada.
Anexo G
Entrevista com demanda em atendimento pelo serviço de Psicologia
Eto 1: S.P.T. Eto 2: A.M.
Sexo: feminino Sexo: feminino
Idade: 65 anos Idade: 10 anos
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Estado Civil: casada há 43 anos Sexo: feminino
Etr: O que levou você a procurar o serviço de psicologia?
Eto 1: Porque já faz... desde dos três anos eu já trato dela...
Etr: Desde dos três anos?
Eto 1: Ela passou quatro anos aqui, que era com... com Ivana, a psicóloga que tinha
aqui, e depois, quando ela fez 6 anos, a psicóloga disse que para mim que ela tava
preparada para tudo, se algum tempo ela precisar aí você vai e volta e procura a
psicóloga. Então ela tinha problema por causa da separação dos pais dela, né? Ela
começou a ter febre, dor no corpo e muitas coisas... ela chorava muito, não dorme bem
até hoje, tinha medo de escuro, medo de tudo, aí pronto. Hoje ela ta bem melhor. Hoje,
quando foi semana passada, lá no colégio, a professora disse para levar ela ao psicólogo,
porque ela estava muito agressiva, não muito, né? As professoras notam e falou para ir
ao psicólogo... as vezes ela não queria fazer atividade, ficava um pouco triste, tinha dia
que ela não queria ir... então eu disse: “ta bom, vou procurar”. Quando passou o agente
eu pedi para arranjar a psicóloga para ela. e ele disse que tinha no posto, ai eu pedi para
marcar para mim. Ai ele marcou para essa psicóloga. Então já faz três meses, não é Eto
2? Que ela passou um mês e pouco aí já disse que ela tava melhor...
Etr: Então ela está com a psicóloga há três meses?
Eto 1: Acho que vai fazer, não é Eto 2? Três meses... toda sexta-feira a gente vêm para
cá.
Etr: Aqui no posto já tinha outro que você já vinha, não é?
Eto 1: Já, quando ela era pequena. Era ela e meu neto, e agora de novo.
Etr: A primeira vez que vocês procuraram a psicóloga, lembra como foi essa procura,
alguém indicou, você já sabia?
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Eto 1: Foi a pediatra daqui. Ela passava remédios e ela não melhorava, aí a pediatra
indicou. Perguntou como eu tinha tido ela... Essa menina a mãe dela me deu quando ela
tenha onze meses e ela era muito inteligente. Ai eu contei tudo a psicóloga e ela disse
que eu fosse a psicóloga. Ela tinha 3 anos. Hoje ela tem 10 anos e já é formadinha.
Etr: agora você ficou sabendo que tinha psicólogo pelo agente?
Eto 1: Esse agora foi. E a outro foi por casa da pediatra. Ela (a psicóloga) gostava dela,
bastante, tratava ela muito bem.
Etr: Assim, na primeira vez que você procurou à psicóloga foi indicação da pediatra e
você já sabia o que o psicólogo fazia? Naquela época.
Eto 1: não. Nunca tinha, até depois eu tive problemas de família, de doença. Eu vivia
perturbada, tinha crise de nervo. Fui até no outro posto, mas só passei um mês, porque o
horário era muito ruim. Minha família era muito grande e era na hora do almoço, de 11
horas.
Etr: E o que você acha?
Eto: Eu gosto daqui do posto. É tanto que não gosto daquele de lá não. Eu gosto daqui.
Agora mesmo vou marcar exame que eu vou para o ortopedista.
Etr: Então, o que você acha sobre o serviço?
Eto 1: Pra mim eu gosto.
Etr: E quando você marcou para a psicóloga, você deixou como agente foi? Para marcar
para a psicóloga? E foi quando que você falou?
Eto 1: Acho que não fez uma semana.ele vai na minha casa marcar para mim.
Etr: O que você acha do agente comunitário?
Eto 1: Eu gosto.
Etr: E do trabalho dele? O que significa para a comunidade?
Eto 1: Eu... eu mesmo acho bom...
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Etr: O que você acha de morar em Mãe Luiza?
Eto 1: Ah! Minha filha! Você sabe quantos anos faz que eu moro aqui?
Etr: Não.
Eto 1: Faz 35 anos que eu moro aqui. Eu tenho sete filhos criados aqui em Mãe Luiza.
Eu tenho três homens e tenho quatro mulheres. Meus filhos não bebe, meus filhos não
joga, meus filhos não fuma... minha família é uma família excelente e mora aqui em
Mãe Luiza. Eu moro na Via Costeira, visinho ao Motel Caribe, não moro lá pra açula, lá
em cima não. Eu sofri bastante, porque aqui também!!!
Etr: A senhora é casada?
Eto 1: Sou. Há 43 anos.
Etr: Qual a sua profissão?
Eto 1: Do lar... mas eu gosto... se eu pudesse... porque tratar dela relaxa. É tanto que
quando é começo de mês eu ate falei para ela vir duas vezes. Nessa sexta-feira eu vim
para falar com ela (a psicóloga), saber como ela tava e ela disse que ela tava melhor.
(pausa). Mas é inteligente. Ela ta na quarta série.
Etr: E hoje, o que você acha que o psicólogo faz?
Eto 1: Ah! Eu gosto! Eu gosto porque... eu tiro por ela, que melhorou bastante. Quando
ela tinha nove anos ela tirou a sobrancelha, o bigode, aí meu Deus!!! Ela tirou tudo, aí
para ela ir para o colégio a gente cortou o cabelo dela de franja e usava óculos. Ela ia
tentar de novo aí eu disse “pelo amor de Deus, você já está uma mocinha, não vai fazer
mais não”..
Etr: E o que você espera do psicólogo? Você espera alguma coisa do psicólogo? Para
ela.
Eto 1: Eu espero que ela converse com ela, que ela fique bem, que não precise ir para o
psicólogo, que fique como a gente... é, porque eu sei que psicólogo é para conversar,
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mas se vai é porque alguma coisa tem, alguma coisa tem para ele melhorar mais. Porque
tem hora que ela não pensa, porque é criança, tem 10 anos, mas já moça. Eu não gosto
de conversa na frente dela as coisas.
Etr: Entendo. Você já veio para outros profissionais do posto?
Eto 1: Aqui? Eu consulto com ela aqui, com Maria Penha.
Etr: E Para você também?
Eto 1: Para mim também?
Etr: Você falou que tem sete filhos. Ela é a mais nova?
Eto 1: É. Ela é a mais nova.
Eto 2: Você me excluiu.
Eto 1: Não! Você é a caçula.
Eto 2: Você não falou de mim.
Eto 1: Não... porque eu tive sete filhos e com você oito.
Etr: Acho que ela falou no sentido de ter.
Eto 1: É. Ela sabe disso, porque eu não escondo nada. Ela conhece o pai dela, a mãe que
vêm ver ela. o pai não dá nada a ela. ela é filha de uma comadre. Mas crio ela com todo
o carinho e não faz diferença dos outros. Ela é minha filha.
Etr: E, assim, você falou que gosta de morar em Mãe Luiza. Você acha que a
comunidade precisa de alguma coisa?
Eto 1: Precisa mais de policiamento. Aqui acontece muito as coisas. Ontem mataram
uma mulher e isso não é só ontem não. Aqui é muito violento, lá para cima, lá pelo lado
de lá, da caixa d´água. Onde eu moro não tem isso, é tranqüilo.
Etr: Você falou que está sendo atendida há três meses com ela, não foi? E o que você
acha de antes do atendimento e de agora?
Eto 1: Melhor para ela.
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Etr: Em que sentido?
Eto 1: Porque logo no começo ela era muito agressiva, aí quando vêm para a psicóloga
ela melhora. É bom para ela. eu gosto.
Etr: Você tem alguma sugestão para o para o trabalho do psicólogo, do posto, da
unidade? Alguma crítica?
Eto 1: Crítica eu não tenho não.
Etr: E sugestão?
Eto 1: Não faltar psicólogo, porque passou um bom tempo que aqui não tinha.
Etr: E você, vamos falar com você. O que você acha de ser atendida pela psicóloga?
Eto 2: Eu gosto, porque... (risos)... é que quando eu venha para ela eu melhoro, por
causa dela. Aí quando... eu venho para cá... quando sou atendida ela me ajuda muito e aí
é o que eu acho.
Etr: Então você gosta?
Eto 2: Gosto.
Etr: Você disse que a professora que pediu para ela vir a psicóloga? E como a
professora ta observando ela, agora que esta sendo atendida pela psicóloga?
Eto 1: Disse que tava bem melhor.
Etr: E o que a professora disse que você faz na escola?
Eto 2: Ela disse que não brinco, não bagunço, não faço o dever...
Eto 1: Ela não gosta de brincar...
Etr: Lá tem lugar para brincar?
Eto 2: Tem. No recreio pode brincar do que quiser. Só que eu não brinco.
Etr: Porque você não brinca?
Eto 2: Porque os alunos são arengueiros.
Etr: É?
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Eto 1: Os meninos dão nela, porque ela é fole, né?
Etr: É por isso que você não brinca?
Eto 2: É.
Etr: Mas você tem alguma amiga que você gosta na escola?
Eto 2: Tenho.
Etr: Aí você faz o que no intervalo com ela?
Eto 2: Eu fico mais ela. Elas brigam e ficam sem se falar...
Etr: E as tarefas, você não faz porque? O que você acha?
Eto 2: Porque... a professora fica forçando a pessoa a escrever tudo. Quando eu tava na
segunda série a professora botou de 1 a 11 aí eu escrevi só 10, porque estava cansada, aí
ela disse que eu tinha que fazer porque sou obrigada a escrever.
Etr: E o que você acha da sua professora de hoje?
Eto 2: Ela é ótima.
Eto: E o que você acha de morar em Mãe Luiza? No seu bairro, o que você acha?
Eto 2: (silêncio).
Etr: Tem coisas que você gosta ou que você não gosta?
Eto 2: Tem coisas que eu gosto e tem coisa que eu não gosto.
Etr: O que você gosta? Diz aí pra mim...
Eto 2: É porque lá não tem briga, não tem nada, e... porque e... lá tem praia.
Etr: Ver o mar, que coisa boa! E o que você não gosta na comunidade, em Mãe Luiza?
Eto 2: De quando eu saio de casa fica malhando.
Etr: Como assim?
Eto 2: Quando eu saio de casa ficam me olhando eu fico agoniada, aí eu volto para casa.
Eu não comprei um relógio para mainha porque eu não agüentei. E também pessoas lá
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na escola que quer me bater. Tem uma menina na escola que disse que eu roubei a
caneta dela e ela disse que ia me bater. Eu não sabia que caneta era.
Eto 1: Eu acompanho ela para ir a escola.
Eto 2: Mãe, eu não gosto que ele fico só me olhando.
Etr: Quem?
Eto 2: Meu pai.
Eto 1: Eu não confio nele. Não quero falar algumas coisas, né?
Etr: Fique a vontade.
Eto 1: Ele não gosta de mim porque crio ela, por isso.
Etr: Ta dona S.P., obrigada. Obrigada as duas.
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