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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE – FACS
CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS
E GESTÃO DE LABORATÓRIO
Taciana Maria Soriano
DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA – MANIFESTAÇÕES E DIAGNÓSTICO
LABORATORIAL ATRAVÉS DAS ALTERAÇÕES ENZIMÁTICAS
Governador Valadares
2011
Taciana Maria Soriano
DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA – MANIFESTAÇÕES E DIAGNÓSTICO
LABORATORIAL ATRAVÉS DAS ALTERAÇÕES ENZIMÁTICAS
Trabalho de Conclusão de Curso para a obtenção do
título de especialização Lato sensu em Análises
Clínicas e Gestão de Laboratório à Faculdade de
Ciências da Saúde da Universidade Vale do Rio Doce
– UNIVALE.
Orientadora: Adelaide M. Coutinho Cavalcante
Governador Valadares
2011
RESUMO
O alcoolismo e as suas conseqüências no organismo configuram-se como um dos mais graves problemas de saúde pública no Brasil e no mundo. Os efeitos e conseqüências deste transtorno atingem o usuário, a família do indivíduo e a sociedade em números significativos e ameaçadores. O consumo crônico do álcool influencia profundamente a função de vários órgãos vitais, porém o fígado é o mais afetado por seus efeitos deletérios. A doença hepática alcoólica (DHA) progride da esteatose para a hepatite e posteriormente para cirrose, que se inicia pela deposição de fibras ao redor das veias centrais hepáticas. Sabe-se que fatores, como a quantidade de álcool ingerida, o sexo, a concomitância com outras doenças hepáticas e a genética podem acelerar o processo da doença. O diagnóstico precoce é fundamental para o tratamento da doença e inclui anamnese, avaliação física, exames de imagem, entre estes, testes laboratoriais. A avaliação da concentração sérica de enzimas produzidas pelo fígado, como a gama-glutamil transferase, as transaminases e a fosfatase alcalina, são importantes para o diagnóstico precoce da DHA, uma vez que estas se encontram com seus valores alterados, pois o álcool causa lesões nas células hepáticas, modificando a liberação destas enzimas para a corrente sanguínea. Este trabalho tem como objetivo descrever as desordens do fígado causadas pela ingestão alcoólica, a interferência ocorrida em função do uso do álcool pelo paciente e os mecanismos dos testes laboratoriais utilizados para dosagens de enzimas hepáticas. Palavras-chave: doença hepática alcoólica, álcool, enzimas hepáticas, exames laboratoriais.
ABSTRACT
Alcoholism and its consequences in the body come as one of the most serious public health problems in Brazil and worldwide. The effects and consequences of this disorder affect the user and his family, as well as the society in relevant and threatening degrees. Chronic alcohol consumption deeply influences the function of several vital organs, but the liver is most affected one by its deleterious effects. The alcoholic liver disease progresses from steatosis to hepatitis, and later to cirrhosis, which starts by the deposition of fibers around the central hepatic veins. It is known that factors such as the amount of alcohol drunk, sex, concurrent with other liver diseases and genetics may accelerate the disease process. Early diagnosis is crucial for the treatment of this disease and it includes clinical history, physical examination, imaging exams, among all laboratory tests. The evaluation of serum enzymes produced by the liver, such as gamma-glutamyl transferase, alanine aminotransferase, aspartate aminotransferase and alkaline phosphatase, is important for early diagnosis of alcoholic liver disease, since these are their changed values, because alcohol causes injuries liver cells by modifying the release of these enzymes into the bloodstream. This paper aims to describe the disorders of the liver caused by alcohol consumption, the interference occurred from the alcohol using by the patient and the mechanisms of laboratory tests used for measurement of liver enzymes.
Key-words: alcoholic liver disease, alcohol, liver enzymes, laboratory tests.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 - Metabolismo do etanol nos hepatócitos..............................................................14 FIGURA 2 - Segmentação do fígado....................................................................................... 18 FIGURA 3 - Aspectos do fígado normal e do fígado com esteatose hepática..........................18 FIGURA 4 - Corte histológico de um fígado com hepatite alcoólica.......................................20 FIGURA 5 - Fígado com cirrose alcoólica...............................................................................22 FIGURA 6 - Questionário CAGE.............................................................................................23 FIGURA 7 - Achados típicos de um exame físico da doença hepática alcoólica crônica........24
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................7
2 REVISÃO DA LITERATURA...........................................................................................10
2.1 ALCOOLISMO..................................................................................................................10
2.2 METABOLISMO E HEPATOXICIDADE DO ÁLCOOL................................................11
2.3 PATOGÊNESE...................................................................................................................14
3 METODOLOGIA................................................................................................................16
4 DISCUSSÃO.........................................................................................................................17
4.1 DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA (DHA)...................................................................17
4.1.1 Esteatose Alcoólica.........................................................................................................17
4.1.2 Hepatite alcoólica...........................................................................................................19
4.1.3 Cirrose alcoólica.............................................................................................................20
4.2 DIAGNÓSTICO DA DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA............................................22
4.3. ALTERAÇÕES ENZIMÁTICAS CAUSADAS PELO ÁLCOOL...................................25
4.3.1 Aminotransferases (Transaminases)............................................................................26
4.3.1.1 Alanina Aminotransferase (ALT).................................................................................27
4.3.1.1.1 Métodos de Dosagem da ALT...................................................................................28
4.3.1.1.2 Metodologia Cinética no Ultravioleta Otimizada......................................................28
4.3.1.1.3 Metodologia Cinética Colorimétrica de Tempo Fixo (Método de Reitman e
Frankel).....................................................................................................................................28
4.3.1.2 Aspartato Aminotransferase (AST)..............................................................................29
4.3.1.2.1 Métodos de Dosagem da AST...................................................................................29
4.3.1.2.2 Metodologia Cinética no Ultravioleta Otimizada......................................................29
4.3.1.2.3 Metodologia Cinética Colorimétrica de Tempo Fixo (Método de Reitman e
Frankel).....................................................................................................................................30
4.3.2 Fosfatase Alcalina (ALP)...............................................................................................30
4.3.2.1 Métodos de Dosagem de ALP......................................................................................31
4.3.2.2 Metodologia Cinética Colorimétrica (Método Para-nitrofenol)...................................32
4.3.2.3 Metodologia Cinética Colorimétrica de Tempo Fixo (Método Roy
mod............................................................................................................................................32
4.3.3 Gama – Glutamil Transferase ( y-GT ou GGT)..........................................................32
4.3.3.1 Métodos de Dosagem da GGT......................................................................................33
4.3.3.2 Metodologia Cinética Colorimétrica (Método de Szass
mod.).........................................................................................................................................34
5. CONCLUSÃO.....................................................................................................................35
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................37
1. INTRODUÇÃO
As doenças alcoólicas estão entre as mais incidentes no mundo, pois o álcool pode
produzir lesões nos mais variados órgãos e sistemas do corpo humano, principalmente no
fígado. No Brasil, o consumo de álcool se configura como um dos mais graves problemas de
saúde pública, pois se apresenta como o fator determinante de mais de 10% de toda
morbidade e mortalidade ocorrida no país. (PORTUGAL et al., 2010; ROCHA e PEREIRA,
2007).
O alcoolismo e suas conseqüências no organismo são apontados como graves
problemas de saúde pública, porém muitas vezes ignorados pelos setores responsáveis pela
saúde pública, pela sociedade e pelos familiares dos doentes. Ao contrário da realidade, os
alcoólatras devem ser relacionados como portadores de uma doença grave, em que os efeitos
acabam por afetar principalmente o fígado; e estes problemas precisam ser diagnosticados a
tempo para que o paciente receba o tratamento adequado.
A gênese das doenças causadas pelo álcool em geral, especialmente das doenças
hepáticas alcoólicas, recebe influência de vários fatores, dos quais a dose é o mais importante.
Considera-se que níveis baixos de até mesmo doses de 60 a 80 gramas/dia podem levar a
graves lesões hepáticas, sendo as mulheres muito mais sensíveis aos efeitos do etanol. O
tempo total de duração do alcoolismo também é diretamente proporcional ao risco de doença
hepática, uma vez que a ingestão alcoólica diária pode ser distribuída ao longo do dia, sem
que as concentrações sangüíneas atinjam níveis de embriaguez. O tipo de bebida não interfere,
sendo o fator mais importante a quantidade de álcool puro que se ingere. Outros fatores que
influem são as condições nutricionais, aspectos genéticos e a concomitância com os vírus de
hepatite B e C. (BRASILEIRO FILHO, 2007; MATOS, 2006; LOPES, 2006)
O fígado humano é o maior órgão do organismo, correspondendo de 1,8% a 3,1% do
peso corpóreo. Possui grande importância, pois regula os níveis das principais substâncias
químicas do sangue. Está localizado logo abaixo do diafragma, no quadrante direito superior
do abdômen. Tradicionalmente é dividido em quatro lobos: direito, esquerdo, caudado e
quadrado, situando-se a vesícula biliar na face inferior do lobo direito. Entretanto, de acordo
com Rappaport, a divisão funcional é fisiológica: cada tríade portal é vista como centro e não
como periferia de uma unidade microvascular funcional ou ácino. Cada ácino é dividido em
três zonas, de acordo com a distância a partir de vasos e nutrientes; a região centrizonal
tradicional do lóbulo é, na realidade, a periferia (zona 3) de dois ou mais ácinos. O fígado é
8
parte vital do sistema digestivo, pois ajuda no desempenho de importantes funções biológicas
tais como: armazenamento e síntese de fonte de energia como a glicose; produção de
proteínas envolvidas no transporte de substâncias através do sangue e da coagulação;
regulação de hormônios, de colesterol e armazenamento de ferro, vitaminas e minerais;
desintoxicação através da metabolização de substâncias químicas, como o álcool, entre várias
outras drogas. Para exercer tais funções, o fígado é um grande produtor de enzimas.
(BRASILEIRO FILHO, 2007; MOTTA, 2003; DOUGLAS, 2006)
Por ter várias funções metabólicas, um abundante suprimento sangüíneo deve passar
pelo fígado. Este sangue é proveniente de uma circulação aferente denominada porta-hepatis,
constituída de dois vasos: artéria hepática e veia portal. A artéria hepática fornece sangue com
alta tensão de oxigênio, enquanto a veia porta traz sangue dos intestinos, do pâncreas e do
baço. As células hepáticas estão em contato com a circulação de um lado e o canalículo biliar
do outro. Todo sangue que retorna do trato gastrintestinal para o coração passa por um
sistema vascular eferente, constituído pelas veias supra-hepáticas localizadas na parte superior
do órgão. (BRASILEIRO FILHO, 2007; LOPES, 2006)
O parênquima hepático constitui-se de três tipos de células: os hepatócitos (80% do
fígado), que são células epiteliais com estrutura similar às outras células metabolicamente
ativas, responsáveis pela maior parte das funções hepáticas; as células de Küpffer, que são
macrófagos; e as células de Ito ou células estreladas, que se localizam no espaço de Disse
(onde se desenvolve intensa atividade de absorção e excreção), também chamadas de lipócitos
em função do vacúolo de gordura que apresentam em repouso, quando acumulam vitamina A
e outras vitaminas lipossolúveis. As células de Ito têm função ligada à fibrogênese, sendo
capazes de se transformar em miofibroblastos, os quais secretam laminina e vários tipos de
colágeno. (DOUGLAS, 2006; BRASILEIRO FILHO, 2007)
Diante de sua variedade funcional, o número de anomalias hepáticas também é muito
grande e atinge pessoas de várias idades. Já foram identificados mais de cem diferentes tipos
de doenças no fígado, sendo que as mais comuns são: esteatose, hepatite, cirrose e câncer. O
alcoolismo é um grande fator de risco para o desenvolvimento da doença hepática alcoólica. É
possível diferenciar a doença hepática alcoólica de outras hepatopatias através de testes da
função hepática, correlacionando-os com outros métodos diagnósticos. (LOPES, 2006)
As patologias hepáticas ligadas ao consumo prolongado do álcool variam do simples
acúmulo de gorduras nas células do fígado até a fibrose do órgão, e podem levar ao carcinoma
hepatocelular. A evolução da doença hepática alcoólica caracteriza-se por eteatose, hepatite e
cirrose, sendo que esta última possui um quadro irreversível. A esteatose hepática é a
9
conseqüência em curto prazo da ingestão etílica acentuada, enquanto a hepatite e a cirrose
requerem consumo sustentado, em longo prazo. (LOPES, 2006)
O diagnóstico da doença hepática alcoólica deve se basear em um conjunto de dados,
como: anamnese, exame físico, exames laboratoriais, métodos diagnósticos por imagem e
dados morfológicos da doença. Na prática laboratorial, os exames baseiam-se nas alterações
causadas pelo álcool no organismo, como a anemia macrocítica, diminuição dos fatores de
coagulação sangüínea e proteínas plasmáticas, além de alterações enzimáticas e outros
exames. Esta mudança nos níveis de enzimas no plasma sangüíneo deve-se à lesão causada
pelo álcool nos hepatócitos, que são células responsáveis pela síntese enzimática no fígado.
(MINCIS e MINCIS, 2010; BRASILEIRO FILHO, 2007)
Sabendo-se que as enzimas possuem elevado grau de especificidade sobre seus
substratos, quando há lesão gerada pelo álcool, torna-se possível determinar a causa e o grau
desta agressão através de exames laboratoriais, pois para cada agente lesivo, apenas as
enzimas específicas se alteram. Porém, não se deve tomar este parâmetro como determinante
do diagnóstico da doença hepática alcoólica, apesar de ser de extrema importância, deve-se
correlacionar com outros métodos diagnósticos. (LOPES, 2006, MATOS, 2006;
BRASILEIRO FILHO, 2007; CASANOVA et al, 1996)
O presente trabalho é uma revisão bibliográfica com ênfase em descrever as desordens
do fígado causadas pela ingestão abusiva do álcool, a interferência ocorrida em função do uso
do álcool pelo paciente e os mecanismos dos testes laboratoriais utilizados para dosagens de
enzimas hepáticas.
10
2. REVISÃO DA LITERATURA
2.1. ALCOOLISMO
O alcoolismo define-se como uma síndrome multifatorial com comprometimento
físico, mental e social. Os critérios diagnósticos atuais são baseados na Classificação
Internacional de Doenças (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS - 1993), e no
Manual de Diagnóstico e Estatístico dos Distúrbios Mentais da Associação Norte-Americana
de Psiquiatria - DSM-IV; American Psychiatric Association, 1994. (BAU, 2002)
Os efeitos e conseqüências deste transtorno atingem o usuário, a família do mesmo e a
sociedade em números significativos e ameaçadores. A OMS estima que 2 bilhões de pessoas
consumam bebidas alcoólicas e 76,3 milhões sejam dependentes da substância, além de esta
ser a responsável por 1.8 milhões de mortes anualmente. No Brasil, o abuso do álcool e suas
conseqüências são a terceira causa de morte e estima-se que há cerca de 20 milhões de
alcoólatras no país. Entre 12 e 16% das pessoas (20% dos homens e 8% das mulheres)
apresentam problemas de alcoolismo em alguma época da sua vida. A condição de
dependência encurta a expectativa de vida em cerca de 20 anos (PORTUGAL et al., 2010;
SOUSA et al, 2010; PEDROSO & OLIVEIRA, 2007)
O álcool é uma das substâncias psicoativas mais consumidas pela sociedade, sendo o
seu uso estimulado em algumas situações, como em festas e comemorações. As bebidas
alcoólicas são consumidas pelo homem desde o início da história, com os primeiros relatos
datados de cerca de 6000 anos atrás, no antigo Egito e Babilônia. Os efeitos da droga sobre o
indivíduo e sua capacidade de alterar o comportamento já eram conhecidos desde início do
seu consumo por todas as diferentes sociedades que o utilizavam. (SCIVOLETTO &
MALBERGIER, 2003)
As causas do alcoolismo ainda não estão esclarecidas totalmente, mas muitos fatores
podem afetar a decisão de beber. Segundo SCHUCKIT (1999) o provável início do seu
consumo repousa sobre os fatores sociais, genéticos, religiosos e psicológicos, embora a alta
taxa de pessoas que tentaram beber em algum momento de suas vidas indique que isso é um
fenômeno quase que universal.
Nem todos os usuários de álcool são dependentes do seu consumo. Muitos manifestam
um padrão mal adaptativo e recorrente de uso com conseqüências danosas. É importante
11
salientar que o uso crônico do álcool não leva, inexoravelmente, à sua dependência. A
dependência é um comportamento de busca de álcool para evitar síndrome de abstinência. Já a
tolerância caracteriza-se pela necessidade de aumentar a quantidade de álcool usada para
obter o mesmo efeito, ou diminuição do efeito com a ingestão contínua das mesmas
quantidades. A tolerância se dá tanto a nível metabólico quanto farmacodinâmico. (SOUSA et
al, 2010; MATOS, 2006; SCIVOLLETO & MALBERGIER, 2003)
O consumo crônico de álcool influencia profundamente a função de vários órgãos
vitais, praticamente nenhum sistema do organismo é poupado por seus efeitos deletérios.
Particularmente, as mais importantes alterações ocorrem no fígado. As alterações hepáticas,
em geral, progridem da esteatose para a hepatite e posteriormente para cirrose, que se inicia
pela deposição de fibras ao redor das veias centrais. (SCIVOLETTO & MALBERGIER,
2003)
O processo de identificação do alcoolismo é facilitado por uma série de testes
sangüíneos. Esses marcadores do abuso etílico refletem alterações fisiológicas que tendem a
ser observadas se o paciente ingere regularmente quatro ou mais doses de álcool por dia ao
longo de muitos dias ou semanas. Entre os mais importantes estão os exames de dosagem
plasmática de enzimas hepáticas, como as transaminases, fosfatase alcalina e a gama-glutamil
transferase. (SCHUCKIT, 1999)
2.2. METABOLISMO E HEPATOXICIDADE DO ÁLCOOL
O álcool é uma molécula pequena solúvel tanto em óleo quanto em água e, dessa
forma, é rapidamente absorvido pelo intestino por difusão passiva. Uma pequena porcentagem
de etanol ingerido (0 a 5%) entra na mucosa gástrica de células do trato gastrintestinal alto
(língua, boca, esôfago e estômago), onde esta pequena parte é metabolizada e o restante passa
para o sangue. Cerca de 85 a 95% são metabolizados no fígado em sistemas enzimáticos
saturáveis, envolvendo reações de oxidação, e somente 2 a 10% são excretados pelos pulmões
e pelos rins. O indivíduo normal tem capacidade de metabolizar entre 160 a 180 gramas/dia
de álcool. (MATOS, 2006)
Segundo SMITH et al. (2007), em termos gerais, o metabolismo é mediado pela
enzima álcool desidrogenase, uma enzima citosólica que oxida o etanol a acetaldeído. Cerca
de 90% do acetaldeído produzido é posteriormente metabolizado em acetato. A principal
12
enzima envolvida é a acetaldeído-desidrogenase (ALDH) mitocondrial, que oxida o
acetaldeído em acetato com formação de NADH. O acetato, que não apresenta efeito tóxico,
pode ser ativado por acetil-CoA e passar a apresentar toxicidade às células do fígado. Outra
importante rota de oxidação do álcool no fígado é o sistema microssomial oxidante de etanol
(MEOS), que também oxida etanol a acetaldeído. A principal enzima microssomal envolvida
é a isoenzima oxidase do citrocromo P450 com função mista (CYP2E1), também utilizado no
metabolismo de drogas como o paracetamol, o que agrava a lesão hepatocelular quando
ingeridos concomitantemente. Ela utiliza NADPH como um doador adicional de elétrons e O2
como receptor de elétrons. A oxidação do álcool também está acoplada com a redução do
piruvato em lactato, que promove hiperuricemia, hipoglicemia e acidose; além de causar uma
diminuição do metabolismo de carboidratos, levando à hipoglicemia. (MATOS, 2006;
BRASILEIRO FILLHO, 2007)
Quando há o excesso de ingestão alcoólica, há o acúmulo do acetato nas células, que
causa lesão das membranas e na célula em si. O acetato oxidado origina o dióxido de carbono
e água, ou é convertido através do ciclo do ácido cítrico em outros compostos. Esta reação
condiciona a redução do NAD+ em NADH (NAD reduzido), que inibe a β-oxidação
mitocondrial e estimula a síntese de ácidos graxos, armazenados como triglicérides, causando
a esteatose no fígado. Estas alterações são conseqüências agudas que podem se reverter com a
abstinência. (REUBEN, 2008; CASANOVA et al, 1996)
O álcool, metabolizado via sistema P450 CYP2E1, aumenta o consumo de oxigênio, a
produção de aldeído e também promove a peroxidação lipídica. Durante a peroxidação
microssômica, são produzidos radicais livres de oxigênio potencialmente lesivos que
perpetuam essa mesma peroxidação lipídica. Além disso, há a peroxidação de outras
macromoléculas, como proteínas e ácidos nucléicos e o stress oxidativo afeta negativamente
as cascatas de sinalização celular, por diminuição da regulação das vias de proteção e
aumento da ativação de quinases que sensibilizam hepatócitos aos sinais de apoptose, o
último possivelmente mediado pelos produtos de peroxidação lipídica e potencialmente
passível de inibição pela leptina. (REUBEN, 2008; MATOS, 2006)
O fracasso da auto-preservação mitocondrial sob a influência do álcool deve-se à
desordem multifatorial da organela, que inclui danos ao seu proteoma, DNA e ribossomas por
espécies de oxigênio reativo. Por haver modificação do estado redox do hepatócito e pelo
aumento do acetaldeído, a síntese protéica é inibida. (WU, 2009)
13
O acetaldeído liga-se também às proteínas, o que condiciona a expressão de proteínas
modificadas. Estas, por sua vez, se comportam como neo-antígenos e estimulam a resposta
imunológica e a síntese de colágeno hepático. (WU, 2009)
Com a necrose dos hepatócitos, há instalação de processo inflamatório do fígado. O
dano celular leva à liberação das enzimas hepáticas alanina-aminotransferases (ALT) e
aspartato-aminotransferase (AST). Após a remoção dos hepatócitos mortos começa a
regeneração, mas quando não há sustentação, há proliferação nodal (pseudolóbulos) que são
irrigados principalmente pela artéria hepática. Entretanto não há recuperação da função da
célula hepática. Há formação de fibrose perissinusoidal, pois o álcool estimula células de Ito a
produzirem matriz extracelular. (SMITH et al, 2007; MINCIS & MINCIS, 2010)
A perda de função dos hepatócitos leva a:
1. Redução na produção de proteínas plasmáticas (albumina e fatores da coagulação);
2. Redução do metabolismo da hemoglobina e excreção de bilirrubina;
3. Redução da metabolização de produtos tóxicos;
4. Redução do ciclo da uréia;
5. Redução da metabolização dos esteróides. (MINCIS & MINCIS, 2010)
Apesar de estes mecanismos estarem relativamente bem esclarecidos, apenas uma
pequena percentagem de alcoólatras desenvolve doença hepática. A incidência da patologia
está mais intimamente relacionada com fatores de suscetibilidade individual como: o sexo,
sendo as mulheres mais vulneráveis a doenças hepáticas alcoólicas que os homens; a
coexistência de hepatites pelos vírus B e C; fatores nutricionais e genéticos. (MATOS,2006)
14
Figura 1- Metabolismo do etanol nos hepatócitos. DHA = desidrogenase alcoólica. Adaptado de BRASILEIRO
FILHO, 2007.
2.3. PATOGÊNESE
Os principais fatores são a quantidade de álcool consumida, o estado nutricional do
paciente e as características genéticas e metabólicas. Geralmente existe uma correlação linear
entre a dose e a duração do abuso do álcool e o desenvolvimento da hepatopatia, embora nem
todas as pessoas que abusam do álcool desenvolvam danos hepáticos significativos. (LOPES,
2006)
O equivalente de etanol para 10g é 30mL de uísque 40%, 100mL de vinho a 12%, ou
250mL de cerveja a 5%. Tão pouco quanto 20g de álcool em mulheres ou 60g em homens
podem provocar lesão hepática quando consumidos diariamente por anos. Uma ingestão de
150g a 200g de álcool por 10 a 12 dias produz esteatose hepática, de outra maneira em
homens saudáveis. No caso da hepatite alcoólica, os pacientes consomem 80g de álcool
diariamente por quase uma década, enquanto que o limiar médio para desenvolvimento de
cirrose é 160g diariamente, por 8 a 10 anos. (LOPES, 2006; BELLENTANI et al, 2001)
15
Estudos comprovaram que há maior susceptibilidade das mulheres aos efeitos tóxicos
do álcool. Nelas, os valores séricos do etanol mais elevados são atingidos com consumo igual
ao dos homens, pois elas possuem menor capacidade de metabolização da enzima álcool-
desidrogenase e menor volume de distribuição do tóxico. Apesar de o alcoolismo ser mais
freqüente no sexo masculino, ele tende a ser subdiagnosticado em comparação com as
mulheres, apresentando-se estas geralmente com a doença mais avançada. As mulheres
demonstram um índice de recaída superior no tratamento do alcoolismo, e a progressão para
cirrose é mais comum, mesmo com abstinência. (CHROSTEK et al., 2003; MATOS, 2006)
Existem também dados que correlacionam o alcoolismo com a própria genética do
alcoolista, em que estes possuem vários polimorfismos da álcool desidrogenase (ADH) e da
aldeído desidrogenase, que condicionam diferentes taxas de metabolização de etanol e menor
ou maior acumulação de aldeído, tendo implicações na tolerância à ingestão do etanol. O
álcool promove também a desnutrição, pois fornece calorias sem os nutrientes essenciais,
diminui o apetite e causa má absorção de vitaminas por meio de seus efeitos tóxicos no
intestino e pâncreas. A desnutrição por si só não causa cirrose, mas uma falta de um ou mais
fatores nutricionais pode acelerar os efeitos do álcool. (LOPES, 2006; MATOS, 2006)
A concomitância do etilismo com hepatite viral é considerada como fator acelerador
do dano hepático em indivíduos alcoólatras. A prevalência da infecção pelo vírus da hepatite
C (HCV) em pacientes com doença hepática alcoólica é alta, entre 25 e 60%. O papel da
infecção pelo vírus da hepatite B (HBV) na patogênese do fígado por etanol parece ser pouco
importante. Além disso, a presença de HCV é considerada como um grande fator de risco para
o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular em pacientes com cirrose alcoólica, com um
risco cumulativo em 10 anos de 81% em pacientes cirróticos portadores da hepatite C contra
19% em pacientes não portadores. A relação entre infecção pelo vírus da hepatite B e
agravamento da doença hepática alcoólatra é controversa, mas parece haver um risco
aumentado de câncer hepatocelular em cirróticos etilistas com hepatite crônica B. (PARES et
al., 1990)
16
3. METODOLOGIA
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, através da consulta e estudos de
livros, sites eletrônicos e artigos científicos que tratam dos conceitos da doença hepática
alcoólica, seus aspectos fisiopatológicos, epidemiológicos e diagnósticos laboratorial.
17
4. DISCUSSÃO
4.1. DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA (DHA)
Didaticamente é usual a divisão da DHA nos três grupos histológicos clássicos:
esteatose, hepatite alcoólica e cirrose. No entanto, normalmente coexistem dois ou mais destes
grupos, traduzindo o espectro da resposta hepática à agressão pelo álcool. Esta divisão é útil
para classificar a DHA como um contínuo evolutivo, com um espectro de gravidade menor na
esteatose, e acima de tudo, o conceito de reversibilidade, que é total na esteatose e nula na
cirrose hepática instalada. (CASANOVA et al, 1996)
4.1.1. Esteatose Alcoólica
A esteatose ou fígado gorduroso é a forma mais comum da doença hepática alcoólica,
possui menor gravidade e é a mais facilmente reversível. Os portadores da doença são
geralmente assintomáticos ou com sintomas inespecíficos. Em 33% dos casos, o fígado fica
aumentado, sensível, liso e a superfície de corte fica amarela. (BRASILEIRO FILHO, 2007)
Na etiopatogenia postulam-se alterações no potencial redox intracelular com aumento
da relação NADH:NAD e inibição da oxidação dos ácidos graxos, resultando no acúmulo de
lipídeos em locais específicos no fígado. (CASANOVA et al., 2006) A gordura hepática
aumentada é derivada da dieta, de ácidos graxos livres mobilizados a partir do tecido adiposo,
e de lipídeos sintetizados no fígado e degradados ou excretados inadequadamente. As
gotículas de gordura de tamanho variável são encontradas na maioria dos hepatócitos, com
exceção das áreas de regeneração. As gotículas tendem a coalescer, formando glóbulos
grandes (macro vesiculares), que ocupam o citoplasma inteiro. A gordura se acumula nas
zonas 3 (centrizonal) e 2 (mesozonal) (Figura 2) dos ácinos de Rappaport. Os cistos
gordurosos representam provavelmente estágios tardios da alteração gordurosa. Geralmente
estes cistos estão localizados periportalmente e se formam através da fusão do conteúdo de
gorduras de vários hepatócitos. (LOPES, 2006; MATOS, 2006)
18
Outros aspectos incluem alterações hidrópicas nos estágios iniciais da lesão hepática
alcoólica e mitocôndrias esféricas gigantes. Os hepatócitos inchados semelhantes a balões
resultam do prejuízo na liberação de proteínas e lipoproteínas. Essas células se degeneram e
desintegram. O aparecimento da esteatose necessita apenas de 3 a 7 dias de ingestão alcoólica
intensa, porém com abstinência do álcool e dieta equilibrada, dá-se a regressão completa do
quadro em 3 a 8 semanas. (LOPES, 2006; MATOS, 2006)
Figura 2 - Segmentação do fígado. Visão integrada do ácino de Rappaport e do lóbulo hepático. EP = espaço porta; VHT = vênula hepática terminal. Adaptado de BRASILEIRO FILHO, 2007.
Figura 3- Aspectos do fígado normal e do fígado com esteatose hepática. Adaptado de BRASILEIRO FILHO,
2007.
19
4.1.2. Hepatite alcoólica
A hepatite alcoólica inclui a alteração gordurosa macro vesicular acompanhada de uma
resposta inflamatória difusa à lesão e necrose, sendo esta freqüentemente focal. É uma
apresentação relativamente rara, geralmente precedida da ingestão exagerada do álcool. O
espectro de gravidade é muito grande, variando desde completamente assintomática até uma
hepatite grave com falência hepática e morte. É um estado precursor de cirrose hepática, mas
não é condição necessária para o seu aparecimento (LOPES, 2006; MATOS, 2006)
A forma assintomática da hepatite alcoólica é menos freqüente do que na esteatose
alcoólica. Os sinais e sintomas desta doença são febre, náuseas, vômitos, hepatomegalia,
ascite, icterícia e anorexia. A febre é caracteristicamente baixa (< 38,3°C) e não deve ser
atribuída apenas à hepatite alcoólica até que sejam descartadas algumas infecções. Pode haver
ascite e edema. (BELLENTANI et al., 1997)
A histologia é relativamente característica, com degenerescência dos hepatócitos em
forma de balão, corpos acidófilos e corpúsculos de Mallory, mitocôndrias gigantes e
colestase. (MATOS, 2006) Os corpúsculos de Mallory (hialinos alcoólicos) são proteínas
fibrilares de corpos de inclusão intra-citoplasmáticos dentro de hepatócitos inchados; essas
células contêm pouca ou nenhuma gordura. Na hepatite alcoólica desenvolve-se uma reação
polifonuclear localmente em resposta a células hepáticas necróticas contendo corpúsculos de
Mallory. Na zona 3 do ácino hepático, deposita-se tecido conjuntivo nos sinusóides e ao redor
dos hepatócitos. Fibras de colágeno também penetram o espaço de Disse, desenvolvendo-se
uma membrana contínua sob o endotélio sinusoidal. (LOPES, 2006)
Também, nesta patologia, desenvolvem-se lesões venosas, tais como esclerose
proeminente ao redor das vênulas hepáticas terminais, chamadas de esclerose hialina central.
Essa lesão pode conduzir à hipertensão portal antes da cirrose se estabelecer, podendo ser a
manifestação mais precoce da cirrose. (LOPES, 2006)
A hepatite alcoólica, com seus infiltrados celulares inflamatórios difusos e necrose, é
vista como o estágio intermediário entre a esteatose e a cirrose. É nesta condição que
encontramos muitas alterações acentuadas de níveis enzimáticos, além de outros achados
laboratoriais. A necrose celular e hipóxia centrizonal (zona 3) podem estimular a formação de
colágeno. (MATOS, 2006)
Para o tratamento da hepatite alcoólica a abstinência alcoólica é fundamental, bem
como uma nutrição adequada, com um aporte calórico de 2000 a 3000 Kcal/dia, com correção
20
dos déficits vitamínicos que o etanol provoca (ácido fólico, tiamina, riboflavina, ácido
nicotínico, piridoxina). No caso de falência hepática aguda e irreversível o único tratamento é
o transplante hepático. (CABRE et al., 1990)
Figura 4 - Corte histológico de um fígado com hepatite alcoólica. Adaptado de BRASILEIRO FILHO, 2007.
4.1.3. Cirrose alcoólica
A cirrose é uma doença difusa e progressiva que afeta o parênquima hepático, o qual é
substituído gradualmente por um tecido fibrótico, resultado de uma resposta permanente de
ferida-cicatrização à agressão hepática crônica, com formação de nódulos em todo o fígado.
(PADOIN et. al., 2008) É o estágio final comum do alcoolismo crônico, além de outras
doenças como hepatites virais e auto-imunes. É uma das enfermidades mais relevantes no
Brasil, sendo que dados do Ministério da Saúde atribuem à cirrose 39.889 internações
hospitalares em 1997, com mortalidade de 12,6 por 100.000 habitantes. (BRASILEIRO
FILHO, 2007)
Normalmente, antes de estabelecer a cirrose alcoólica, procedem-se surtos repetidos da
hepatite alcoólica com aumento progressivo da deposição de colágeno. A cirrose baseia-se em
três lesões fundamentais: (1) neoformação conjuntiva em todo o órgão que insula partes do
parênquima hepático; (2) nódulos de parênquima hepático circundado por fibrose, em geral
com regeneração hepatocitária; (3) subversão da arquitetura lobular. Tais lesões comportam
algumas considerações como a substituição da arquitetura lobular por nodular, que é a base
21
das alterações substanciais no funcionamento do órgão e no fluxo sanguíneo hepático; e a
delimitação dos nódulos de parênquima por septos fibrosos, ambos decorrentes de uma
tentativa de regeneração da necrose hepatocelular. O fígado cirrótico sofre grande variação no
volume e no peso, podendo chegar a 22% do seu peso normal. (BRASILEIRO FILHO, 2007)
Durante o processo de regeneração, formam-se novos vasos dentro da bainha fibrosa
que circunda os nódulos; estes vasos conectam a artéria hepática e a veia porta com as vênulas
hepáticas, restaurando a via circulatória intra-hepática. Tais vasos interconectantes recebem
sangue dos sinusóides e proporcionam uma drenagem de alta pressão e volume relativamente
baixo, que é menos eficiente do que a normal e resulta em um aumento da pressão na veia
porta (hipertensão portal). O fluxo sanguíneo desordenado para os nódulos e compressão das
vênulas hepáticas por parte dos nódulos também contribuem para a hipertensão portal na
cirrose alcoólica. (LOPES, 2006)
Muitos pacientes com cirrose ficam assintomáticos por anos. Outros apresentam
sintomas como: fraqueza generalizada, dores abdominais, anorexia, icterícia, mal-estar e
perda de peso. A ascite é uma característica da cirrose, que é o acumulo intraperitoneal de
líquido contendo proteína, e pode causar a distensão abdominal. Por causa da redução da
metabolização dos estrógenos, surge hiperestrogenismo responsável pelo eritema palmar,
aranhas vasculares e, no homem, ginecomastia, perda da libido e hipertrofia testicular. A
insuficiência pancreática é um fator concomitante à cirrose hepática alcoólica. Há também o
aparecimento de circulação colateral. Uma apresentação mais drástica é a hemorragia
gastrintestinal maciça a partir de varizes esofágicas secundária à hipertensão portal.
(KUMAR, 2005; LOPES, 2006)
A incapacidade do órgão de cumprir suas inúmeras funções repercute no organismo de
muitas maneiras, sendo a encefalopatia hepática uma das causas desta incapacidade. A
encefalopatia hepática se caracteriza por um conjunto de manifestações neuropsíquicas
(alterações da personalidade, da capacidade intelectual e da consciência, tremores musculares
e, nos casos graves, coma) provocadas por distúrbios metabólicos no cérebro. Estes decorrem
do fígado em falência de não metabolizar certas substâncias consideradas tóxicas para o
sistema nervoso, e por ocorrer um desvio do sangue portal para o sistema cava sem passar
pelo fígado; neste último caso o termo usado é encefalopatia portossistêmica. (KUMAR,
2005; BRASILEIRO FILHO, 2007)
O diagnóstico da cirrose hepática alcoólica é feito principalmente por histórico de
ingestão de álcool pelo paciente, biopsia e ultra-sonografia. Os achados laboratoriais de
enzimas na cirrose hepática alcoólica podem se apresentar normais ou ligeiramente alterados,
22
não sendo este um parâmetro adequado para diagnosticar a doença, no caso de cirrose
hepática. (MATOS, 2006; LOPES, 2006)
O tratamento visa eliminar a ingestão do álcool e tratar as complicações, que mais
cedo ou mais tarde, instalam-se na evolução natural da doença. Cada doente é um caso e, mais
do que uma terapêutica estandardizada para a cirrose, interessa tratar e equilibrar cada doente
de acordo com seus sinais e sintomas. Assim, preconiza-se abstinência alcoólica absoluta,
embora apenas 30% dos cirróticos etilistas deixam de beber. Deve-se sempre oferecer ao
alcoólatra o tratamento em um centro de recuperação de alcoólatras. (MATOS, 2006)
Figura 5 – Fígado com cirrose alcoólica. Adaptado de Anatomia patológica - UNICAMP, acessado em 15 de junho de 2011.
4.2. DIAGNÓSTICO DA DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA
O estudo diagnóstico deve incluir: anamnese, exame físico, exames laboratoriais,
métodos diagnósticos por imagem e dados morfológicos. O diagnóstico precoce é
fundamental e deve-se evitar alguns erros, como desconsiderar a doença em indivíduos que
não apresentam o perfil de alcoólatra, como status social elevado, comportamentos adequados
e nenhum estigma de alcoolismo. É necessário um alto grau de suspeição e considerar sempre
abuso de álcool nos diagnósticos diferenciais de doença hepática. Do mesmo modo, não se
deve atribuir imediatamente alterações das provas hepáticas a abuso do álcool em doentes
23
com problemas de alcoolismo, com risco de menosprezar outras patologias. (MINCIS &
MINCIS, 2010; CASANOVA, 2000)
A história de ingestão etílica deve ser fornecida pelo doente e pelos familiares através
da anamnese. Duas respostas afirmativas no questionário CAGE (Figura 6) significam uma
forte probabilidade de abuso de álcool com 93% de sensibilidade e 76% de especificidade. O
clínico deve estar familiarizado com os conceitos de abuso, dependência e tolerância. O abuso
é um padrão repetitivo de ingestão de bebidas alcoólicas que possui efeitos adversos no status
familiar, social, ocupacional ou de saúde (MATOS, 2006).
Figura 6 - Questionário CAGE. Adaptado de Medicina Interna Viseu 2006; 13: 207-220.
No entanto, apesar de questionários permitirem uma avaliação simples, breve,
padronizada e confiável, eles não escapam ao processo de negação do paciente, refletido na
tentativa de minimizar o seu padrão de consumo. Esta dificuldade levou à procura de
marcadores biológicos do consumo alcoólico, que poderiam prover evidências objetivas do
consumo excessivo do álcool, mesmo quando este fosse negado. (MONTEIRO & MANSUR,
1986)
Os achados físicos em pacientes com a hepatopatia em questão, podem variar desde
um exame físico absolutamente normal até o achado de sinais sugestivos de insuficiência
hepatocelular crônica e cirrose. Assim, o exame físico isolado é insuficiente para a detecção
de doença hepática alcoólica, embora alguns achados possam ser sugestivos. (LOPES, 2006;
MATOS, 2006)
24
Figura 7 - Achados típicos de um exame físico da doença hepática alcoólica crônica. Adaptado de Medicina Interna Viseu 2006; 13:207-220 e KUMAR et al., 2005
Os exames laboratoriais são de extrema importância, pois além de serem confiáveis
como confirmação de uma hepatopatia associando-se a outros métodos diagnósticos citados,
podem ser utilizados como monitoramento do progresso do tratamento da enfermidade na
medida em que as alterações biológicas forem reversíveis. Entre os exames laboratoriais as
determinações dos níveis de albuminemia, do tempo de protrombina e da bilirrubinemia são
úteis para detectar disfunção hepática causadas pelo álcool. A denominada função
discriminante (FD) de Maddrey et al. é muito útil para avaliação prognóstica da hepatite
alcoólica. A FD é calculada determinando os níveis séricos de bilirrubina (em μmol/L) e o
tempo de protrombina. (MONTEIRO & MANSUR, 1986; MINCIS & MINCIS, 2010)
Anormalidades hematológicas são comuns na hepatopatia alcoólica, pode ocorrer
várias anormalidades de morfologia das hemácias, que são normalmente macrocíticas na
doença hepática alcoólica pela deficiência de folato no organismo causada pelo etanol. É
25
comum VCM (volume corpuscular médio) elevado, podendo ser um marcador útil do abuso
do álcool, pois retorna gradualmente ao normal após cessar a ingestão etílica.
Trombocitopenia é comum a partir dos efeitos tóxicos diretos do álcool na medula óssea ou
secundariamente ao hiperesplenismo. Um aumento policlonal de IgA é também característico,
especialmente na hepatite alcoólica aguda. Entre os testes de função hepática estão as
determinações de enzimáticas: alanina aminotransferase, a aspartato aminotransferase, a
fosfatase alcalina e a gama-glutamil transferase, porém todos estes exames devem ser
analisados em conjunto, pois não são suficientes para um diagnóstico da doença hepática
alcoólica. (LOPES, 2006; MATOS, 2006)
Entre os exames de imagem, a ultra-sonografia apresenta grande sensibilidade para o
diagnóstico de esteatose, porém de especificidade relativamente baixa. A tomografia
computadorizada pode mostrar dados sugestivos de esteatose e aspecto característico de
fibrose hepática confluente na cirrose hepática avançada. A ressonância magnética é útil para
o diagnóstico de esteatose, cirrose e para o diagnóstico diferencial entre cirrose alcoólica e
cirrose biliar primária, além de identificar nódulos regenerativos. (MINCIS & MINCIS, 2010)
Apesar da importância dos dados clínicos, testes laboratoriais e dos métodos
diagnósticos por imagem, o diagnóstico de doença hepática alcoólica, do tipo de lesão e de
sua atividade só pode ser estabelecido com a inclusão de dados morfológicos, fornecidos pela
laparoscopia e biópsia. Entretanto, os dados morfológicos, sem o conhecimento dos dados
clínicos (especialmente os hábitos etílicos) não possibilitam o diagnóstico de doença hepática
de etiologia alcoólica. Além disso, os dados do exame histológico não informam sobre a
disfunção hepática, e desse modo não substituem os testes de função hepática. (MINCIS &
MINCIS, 2010)
4.3. ALTERAÇÕES ENZIMÁTICAS CAUSADAS PELO ÁLCOOL
As enzimas podem ser encontradas em vários tecidos do organismo, podendo se elevar
em diversas doenças. São proteínas com propriedades catalisadoras sobre as reações que
ocorrem nos sistemas biológicos. Elas têm um elevado grau de especificidade sobre seus
substratos, acelerando reações específicas sem serem alteradas ou consumidas durante o
processo. As enzimas hepáticas, normalmente, apresentam baixos teores séricos, mas os
26
níveis aumentam quando são liberadas a partir de tecidos lesados por alguma doença, ou por
algum tóxico como o álcool, pois a lesão aumenta a permeabilidade da membrana celular, e as
enzimas difundem-se para os capilares, atingindo a corrente circulatória. Como as enzimas
são específicas de algumas células, isto permite inferir a localização e a natureza das
variações patológicas no fígado. A elevação da atividade sérica depende do conteúdo de
enzima do tecido envolvido, da extensão e do tipo de necrose. (MOTTA, 2003; BAPTISTA,
1996)
O estudo das enzimas tem imensa importância clínica. Verifica-se na prática diária que
não é incomum pacientes, mesmo sem sintomas, apresentarem elevação sérica das enzimas
aminotransferases (transaminases), fosfatase alcalina e gama-glutamil transferase. Embora
essas enzimas não sejam órgano-específicas (estão presentes em vários tecidos do organismo),
elevam-se mais freqüentemente em pacientes com doença hepática, podendo refletir dano ao
fígado, razão pela qual alguns autores denominam-nas enzimas hepáticas. (MINCIS &
MINCIS, 2007)
A determinação da atividade sérica dessas enzimas possibilita estabelecer o tipo de
lesão hepática, seja hepatocelular ou colestática, mas é não suficiente para o diagnóstico
diferencial das diversas hepatopatias existentes. Essa determinação enzimática é importante
para orientar a seqüência diagnóstica, direcionando a escolha de exames sorológicos
específicos, técnicas de imagem e biópsia, tendo suma importância também o histórico do
paciente. Quando há elevação das mencionadas enzimas no indivíduo, há uma conduta a ser
seguida. Admitindo-se que os resultados sejam confiáveis (não necessitando, portanto, a
repetição dos exames), deve-se inicialmente verificar se o paciente apresenta doença hepática
ou não hepática responsável pela mencionada elevação enzimática. (MINCIS & MINCIS,
2007)
Fatores, como proliferação, renovação, lesão celular intensa, ou modificação da
atividade enzimática pela ingestão alcoólica, podem alterar a liberação de enzimas específicas
para o plasma. Assim, torna-se possível avaliar o grau de lesão. (MATOS, 2006)
4.3.1. Aminotransferases (Transaminases)
As enzimas aspartato aminostransferases (AST) ou transaminase glutâmico-
oxalacética (TGO), e a alanina aminostransferase (ALT) ou transferase glutâmico pirúvica
27
(TGP), catalisam a transferência reversível dos grupos amino de um aminoácido para alfa-
cetoglutarato, formando cetoácido e ácido glutâmico. As reações catalisadas por essas
enzimas exercem papéis centrais tanto na síntese como na degradação de aminoácidos.
(MOTTA, 2003)
4.3.1.1. Alanina Aminotransferase (ALT)
A alanina aminotransferase é encontrada predominantemente no fígado, em
concentração moderada nos rins e em menores quantidades no coração e nos músculos
esqueléticos. Na célula hepática, a ALT localiza-se no citoplasma (90%) e na mitocôndria
(10%). Uma injúria tissular causada pelo álcool afeta o parênquima hepático, liberando uma
maior quantidade de enzimas para a corrente sanguínea, elevando os níveis de ALT. Convém
ressaltar que uma lesão tecidual nos rins, coração e nos músculos esqueléticos também
provocam uma maior liberação de ALT para a corrente sanguínea, elevando seus níveis
séricos. Assim, diante de um quadro clínico de miosite ou de uma rabdinólise grave, os
valores de ALT podem elevar-se. (LOPES, 1998)
A relação entre as aminotransferases AST/ALT (Índice DeRites) é empregada para
auxiliar no diagnóstico diferencial das hepatopatias. Nos casos de hepatopatia alcoólica, os
níveis de ALT encontram-se, freqüentemente, menos elevados que os da AST. Na maioria das
doenças hepáticas, o aumento de AST é menor do que de ALT (AST/ALT < 1); mas em uma
lesão hepática relacionada ao álcool, a proporção é freqüentemente > 2. A base para isso é a
necessidade maior de 5’ –fosfato piridoxina (vitamina B6) como um co-fator para a ALT; esse
co-fator está deficiente no alcoólatra, limitando a elevação da ALT. Embora a praticabilidade
da proporção seja limitada, uma proporção AST/ALT > 3 com aumento desordenado na GGT
(mais de duas vezes a fosfatase alcalina) é altamente sugestiva de hepatite alcoólica. As
transaminases raramente se elevam acima de 300 U/L. (LOPES, 2006; MINCIS & MINCIS,
2007)
28
4.3.1.1.1. Métodos de Dosagem da ALT
A amostra utilizada é soro ou plasma colhido em EDTA ou heparina. Não se deve
utilizar amostras hemolisadas. A atividade enzimática na amostra é estável por 4 dias entre 2 e
8ºC e por 2 semanas quando conservada a 10ºC negativos. Deve-se considerar fatores
interferentes, como algumas drogas (exemplo: anticoncepcionais orais, paracetamol,
allopurinol, fenilbutazona, entre outras), por isso é importante sempre fazer uma anamnese do
paciente antes de colher a amostra. (LOPES, 1998)
4.3.1.1.2. Metodologia Cinética no Ultravioleta Otimizada
A ALT catalisa a transferência do grupo amina da alanina para o cetoglutarato com
formação de glutamato e piruvato. O piruvato é reduzido a alanina para cetoglutarato com
formação de glutamato e piruvato. O piruvato é reduzido a lactato por ação da lactato
desidrogenase (LDH), enquanto que a coenzima de NADH é oxidada a NAD+. A atividade
enzimática da ALT na amostra é calculada com base na redução da absorvância em 340 ou
365nm, quando o NADH se transforma em NAD+. Os valores de referência no soro ou plasma
é de até 41U/L na temperatura de 37ºC e de até 29U/L na temperatura de 30ºC. (LOPES,
1998)
4.3.1.1.3. Metodologia Cinética Colorimétrica de Tempo Fixo (Método de Reitman e Frankel)
A ALT cataliza a transferência do grupo amina da alanina para o cetoglutarato
epiruvato. O piruvato formado reage com a 2-4dinitrofenihidrazina formando a hidrazona que
adquire coloração máxima pela adição de hidróxido de sódio. A intensidade de coloração
máxima pela adição de hidróxido de sódio. A intensidade da coloração é proporcional à
atividade enzimática da amostra. Os valores de referência no soro ou plasma é de 4 a 32
Unidades/mL. Neste teste, deve-se converter a Unidade Reitman-Frankel (U/mL) para
29
Unidades Internacionais (U/L) utilizando-se a seguinte equação: Unidades Reitman-Frankel
U/mL X 0,482 = U/L. (LOPES, 1998)
4.3.1.2. Aspartato Aminotransferase (AST)
A aspartato aminotransferase é uma enzima encontrada em concentração muito alta no
músculo cardíaco, no fígado músculos esqueléticos e em menor concentração nos rins e
pâncreas. Nas células hepáticas, a AST localiza-se no citoplasma (40%) e na mitocôndria
(60%). O álcool, lesando as mitocôndrias dos hepatócitos, afeta o parênquima hepático,
liberando uma maior quantidade da enzima para a corrente sanguínea, elevando níveis séricos
de AST. (MATTOS, 2003)
4.3.1.2.1. Métodos de Dosagem da AST
A amostra biológica utilizada é a mesma que se utiliza para a dosagem da ALT, nas
mesmas condições de conservação e temperatura. Além de algumas drogas, como
anticoncepcionais orais interferirem nos resultados, também exercícios podem provocar
aumentos nos níveis de AST, portanto, o paciente deve fazer repouso antes da coleta da
amostra. (LOPES, 1998)
4.3.1.2.2. Metodologia Cinética no Ultravioleta Otimizada
A AST catalisa a transferência do grupo amina do aspartato para o cetoglutarato com
formação de glutamato e oxaloacetato. O oxaloacetato é reduzido a malato por ação da malato
desidrogenase (MDH), enquanto que a coezinma NADH é oxidada a NAD+. A atividade
enzimática da AST na amostra é calculada com base na redução da absorvância em 340 ou
365nm, quando o NADH se transforma em NAD+. Os valores de referência no soro ou plasma
30
é de até 40 U/L na temperatura de 37ºC, e de até 27 U/L na temperatura de 30ºC. (LOPES,
1998)
4.3.1.2.3. Metodologia Cinética Colorimétrica de Tempo Fixo (Método de Reitman e Frankel)
A AST catalisa a tranferência do grupo amina do aspartato para o cetoglutarato com
formação de glutamato e oxaloacetato. O oxaloacetato formado reage com a 2-4-
dinitrofenihidrazina formando hidrazona que adquire coloração máxima pela adição de
hidróxido de sódio. A intensidade de coloração é proporcional à atividade enzimática da
amostra. Os valores de referência no soro ou plasma é de 4 a 36 Unidades/mL, sendo
necessário utilizar a conversão da Unidade Reitman-Frankel (U/mL) para Unidades
Internacionais (U/L). (LOPES, 1998)
4.3.2 Fosfatase Alcalina (ALP)
A fosfatase alcalina (ALP ou FA) pertence a um grupo de enzimas relativamente
inespecíficas, que catalisam a hidrólise de vários fosfomonoésteres em pH alcalino. O pH
ótimo da reação in vitro está ao redor de 10, mas depende da natureza e concentração do
substrato empregado. Está amplamente distribuída nos tecidos humanos, notadamente na
mucosa intestinal, fígado (canalículos biliares), túbulos renais, baço, ossos (osteoblastos) e
placenta. A forma predominante no soro em adultos normais origina-se, principalmente, do
fígado e esqueleto. Apesar da exata função metabólica da enzima ser desconhecida, parece
estar associada com o transporte lipídico no intestino e com processos de calcificação óssea.
(MOTTA, 2003)
No fígado, a fosfatase alcalina está localizada na membrana celular que une a borda
sinusoidal das células parenquimais aos canalículos biliares. Para se diferenciar elevação
sérica de origem hepática da elevação de origem óssea, recomenda-se determinar também os
níveis das enzimas gama-glutamil-transferase ou 5-nucleotidase, enzimas que estão, em geral,
elevadas paralelamente com a elevação da fosfatase alcalina nas doenças hepáticas. (MINCIS
& MINCIS, 2007)
31
A fosfatase alcalina apresenta várias isoenzimas, sendo que cada uma das fontes
produtoras contém uma isoenzima específica. O fracionamento das isoenzimas da ALP é útil
para diferenciar doenças ósseas das doenças hepáticas. Estas são melhor estudadas pelo teste
de estabilidade ao calor e pelo fracionamento eletroférico. A isoenzima de origem hepática
(ALP1) é termo-estável, enquanto que a fração óssea (ALP2) é inativada pelo calor. (LOPES,
1998)
Apenas a fosfatase alcalina, nas hepatopatias alcoólicas, não tem grande valor
diagnóstico ou prognóstico. Em alguns casos, pode ter utilidade indireta – naqueles pacientes
com elevações de GGT, em que é necessário diferenciar entre aumento por indução alcoólica
ou pela presença da colestase; elevação similar da fosfatase alcalina reforça a segunda
hipótese, enquanto os níveis normais da enzima fortalecem a primeira. Os níveis séricos da
fosfatase alcalina se encontram ligeiramente aumentados na esteatose e hepatite alcoólica,
enquanto na cirrose alcoólica, encontra-se em valores normais. (BERTELLI & CONCI, 1995)
3.2.1. Métodos de Dosagem de ALP
A amostra biológica utilizada é o soro ou plasma colhido com heparina. A atividade
enzimática é estável por 7 dias entre 2 a 8ºC e por vários meses a 20ºC negativos. Os níveis de
ALP podem aumentar após uma ingestão recente de alimentos, sendo obrigatório, portanto,
jejum para a coleta do sangue. Várias drogas podem provocar um aumento da ALP, como o
ácido nicotínico, allopurinol, antibióticos, colchicina, entre outros. Enquanto outras drogas
podem provocar uma diminuição dos níveis de ALP, como os arsenicais, cianetos, fluoretos,
nitrofurantoína, oxalatos e sais de zinco. (LOPES, 1998; MINCIS & MINCIS, 2010)
Por causa da diversidade de substratos disponíveis, na literatura há registros de uma
grande variedade de métodos que podem ser empregados para a dosagem da ALP.
Atualmente, os métodos mais indicados são os que usam como substrato o para-
nitrofenilfosfato. (LOPES, 2008)
32
4.3.2.2. Metodologia Cinética Colorimétrica (Método Para-nitrofenol)
Em pH alcalino, a fosfatase alcalina catalisa em meio alcalino a tranferência do grupo
fosfato do para-nitrofenilfosfato para 2-amino-2-metil-1-propanol (AMP), liberando o para-
nitrofenol (amarelo). A atividade catalítica é determinada a partir da velocidade de formação
do para-nitrofenol, medida em 405 nm. Os valores de referência no soro ou plasma é de 26 a
117 U/L para adultos. (LOPES, 1998)
4.3.2.3. Metodologia Cinética Colorimétrica de Tempo Fixo (Método Roy mod.)
A fosfatase alcalina do soro hidrolisa o substrato de timolftaleína monofosfato,
liberando timolftaleína e fosfato inorgânico. Pela adição de álcali, a ação enzimática é inibida
e a timolftaleína adquire cor azul, cuja absorvância é medida fotometricamente. O produto
final da reação se constitui de uma mistura de cor azul e a cor própria do substrato. Os
valores de referência para o soro ou plasma são de 13 a 43U/L para adultos. (LOPES, 1998)
4.3.3. Gama – Glutamil Transferase ( y-GT ou GGT)
A gama-glutamiltransferase (γ-GT ou GGT) é uma enzima localizada
predominantemente nos hepatócitos, em menor concentração nos rins e, em concentração bem
menor no epitélio biliar, no intestino, coração, pâncreas, baço e cérebro. Sua função é catalisar
a transferência de um grupo γ-glutamil de um peptídeo para outro peptídeo ou para um
aminoácido produzindo aminoácidos γ -glutamil e cistenilglicina. Ela está envolvida no
transporte de aminoácidos e peptídeos através das membranas celulares, na síntese protéica e
na regulação dos níveis de glutatião tecidual. (MOTTA, 2003)
No fígado está localizada nos canalículos das células hepáticas. Os níveis desta enzima
são afetados tanto pela lesão hepatocelular aguda quanto pela obstrução do trato biliar.
Nesses quadros clínicos, os níveis de GGT acompanham os da ALP, porém a GGT é mais
33
sensível e não se eleva em doenças ósseas como a ALP. Um paciente apresentando GGT
normal com ALP alta indica uma doença óssea, enquanto uma GGT alta com ALP alta indica
uma doença hepática. (MOTTA, 2003; LOPES, 1998)
Um aspecto clínico importante da GGT é a sua utilização para detectar a ingestão de
álcool, uma vez que ela pode aumentar mesmo após pequenas doses da bebida. A localização
da GGT provavelmente contribui para sua sensibilidade como indicador de distúrbios
hepáticos causados pelo álcool, refletindo uma indução microssomal em que isto implique
lesão hepatocelular. Em bebedores excessivos é comumente encontrado aumento de 5 a 10
vezes no valor normal da GGT, sendo até mesmo detectados valores tão altos quanto 500U/L
nos casos de esteatose e hepatite alcoólicas, enquanto em cirrose, os valores são, geralmente,
normais. (LOPES, 1998; BERTELLI & CONCI, 1995)
Outra aplicação clínica da GGT foi a observação de que alcoólatras com valores
aumentados desta enzima, quando paravam de beber, apresentavam queda rápida nos seus
valores séricos que até podem votar à normalidade. Sendo assim, a dosagem sérica da GGT é
de extrema utilidade no acompanhamento terapêutico de etilistas, com finalidade de
monitoração da abstinência ou diminuição da ingestão de bebidas alcoólatras. (MONTEIRO
& MANSUR, 1986)
4.3.3.1. Métodos de Dosagem da GGT
A amostra utilizada é o soro ou plasma colhido em heparina ou EDTA.
Anticoagulantes contendo citrato, fluoreto ou oxalato inibem as atividades da GGT. A
atividade enzimática é estável por 7 dias entre 2 a 8ºC e por vários meses a 10ºC negativos.
As drogas que podem aumentar os níveis de GGT são: álcool, fenobarbital e fenitoína,
enquanto os anticoncepcionais orais, citrato e clofibrato podem diminuir os níveis da enzima.
Os valores de GGT podem estar diminuídos na fase final da gravidez. (LOPES, 1998)
34
4.3.3.2. Metodologia Cinética Colorimétrica (Método de Szass mod.)
A GGT catalisa a transferência do grupamento glutamil da γ -glutamil-3-carboxi-4-
anilida para a glicilglicina, formando γ-glutamilglicilglicina e 3-carboxi-4-nitroanilina, que
tem elevada absorvância em 405 nm. A quantidade liberada é diretamente proporcional à
atividade da GGT na amostra. A atividade catalítica da enzima é determinada a partir da
velocidade de formação da 3-carboxi-4-nitroanilina. Os valores de referência para o soro ou
plasma é de até 38 U/L para mulheres, e até 55 U/L para homens, a 37º C. (LOPES, 1998)
35
5. CONCLUSÃO
O alcoolismo e as complicações causadas pelo abuso etílico é um grave problema de
saúde pública no Brasil e no mundo, que muitas vezes são ignorados pelos setores
responsáveis pela gestão dos serviços de saúde pública e pela sociedade, em que os indivíduos
acabam não sendo relacionados como portadores de uma patologia, que precisa ser
diagnosticada a tempo e receber tratamento adequado.
As conseqüências do abuso do álcool afetam todo o organismo humano, porém
causam maiores efeitos no fígado, podendo estes ser reversíveis nas fases iniciais ou
irreversíveis, podendo levar o paciente a óbito.
O diagnóstico laboratorial baseado na investigação dos níveis séricos das enzimas tem
imensa importância clínica. Muitos pacientes, mesmo sem sintomas, apresentam elevação
sérica das enzimas aminotransferases (transaminases), fosfatase alcalina e gama-glutamil
transferase. Mesmo que essas enzimas não sejam órgano-específicas, elevam-se mais
freqüentemente em pacientes com doença hepática, o que constitui ferramenta auxiliar
importante na elucidação da hipótese diagnóstica
A determinação da atividade sérica dessas enzimas estabelece o tipo de lesão
hepática, seja hepatocelular ou colestática,porém é não suficiente para o diagnóstico
diferencial das diversas hepatopatias existentes. Essa determinação enzimática é importante
para orientar a seqüência diagnóstica, para direcionar a escolha de exames sorológicos
específicos, técnicas de imagem e biópsia, associando-se também o histórico do paciente.
Quando há elevação das mencionadas enzimas no indivíduo, há uma conduta a ser seguida.
Diante do que foi exposto, chega-se à conclusão de que as alterações dos níveis séricos
das enzimas hepáticas, transaminases, gama-glutamil transferase e fosfatase alcalina, podem
trazer informações importantes a respeito do uso abusivo do álcool se os resultados forem
interpretados entre si e em conjunto a outros dados clínicos. O diagnóstico precoce é
fundamental, pelo perfil evolutivo da doença hepática alcoólica e pela sua reversibilidade nas
fases iniciais (esteatose e hepatite), contrastando com a gravidade das situações mais
avançadas, como a cirrose, para as quais existem poucas ou nenhumas opções terapêuticas
eficazes.
Embora existam vários trabalhos indicando quais medidas diagnósticas a serem
tomadas diante das complicações da doença hepática alcoólica, é importante um maior
36
aprofundamento e descoberta de novos métodos em estudos futuros, além de maiores
pesquisas sobre a evolução da doença.
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