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O PODER DA IMAGEM OU A IMAGEM DO PODER? A POLÍTICA NO TELEJORNALISMO. João Somma Neto 1 RESUMO A relação existente entre o telejornalismo, as ações de poder na sociedade, e as condições de formação e de exercício da cidadania na contemporaneidade parece se estreitar cada vez mais. O acesso à informação, e a aquisição de conhecimento sobre tudo o que envolve os cidadãos, sua vida individual e em comunidade, passa a depender diretamente de como se desenvolve o trabalho jornalístico na televisão, um dos principais veículos de comunicação no mundo globalizado. Palavras-chave: poder, telejornalismo, cidadania. ABSTRACT The relationship between the television, the actions of power in society and conditions for training and exercise of citizenship in the contemporary seems to increasingly closer. Access to information, and the acquisition of knowledge about everything that involves citizens, their lives individually and in community, going to depend directly on how to develop the journalistic work on television, one of the main vehicles of communication in the globalized world. Key words: power, television, citizenship. 1 Mestre e Doutor na área de concentração em Jornalismo pela Universidade de São Paulo, Professor Adjunto do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná. Autor do livro “Ações e relações de poder: a construção da reportagem política no telejornalismo paranaense”, e de diversos artigos científicos na área do Jornalismo..

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João Somma Neto 1 The relationship between the television, the actions of power in society and conditions for training and exercise of citizenship in the contemporary seems to increasingly closer. Access to information, and the acquisition of knowledge about everything that involves citizens, their lives individually and in community, going to depend directly on how to develop the journalistic work on television, one of the main vehicles of communication in the globalized world.

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O POder da Imagem Ou a Imagem dO POder?a POlítIca nO telejOrnalIsmO.

João Somma Neto1

resumO

A relação existente entre o telejornalismo, as ações de poder na sociedade, e as condições de formação e de exercício da cidadania na contemporaneidade parece se estreitar cada vez mais. O acesso à informação, e a aquisição de conhecimento sobre tudo o que envolve os cidadãos, sua vida individual e em comunidade, passa a depender diretamente de como se desenvolve o trabalho jornalístico na televisão, um dos principais veículos de comunicação no mundo globalizado.

Palavras-chave: poder, telejornalismo, cidadania.

aBstractThe relationship between the television, the actions of power in society and

conditions for training and exercise of citizenship in the contemporary seems to increasingly closer. Access to information, and the acquisition of knowledge about everything that involves citizens, their lives individually and in community, going to depend directly on how to develop the journalistic work on television, one of the main vehicles of communication in the globalized world.

Key words: power, television, citizenship.

1 Mestre e Doutor na área de concentração em Jornalismo pela Universidade de São Paulo, Professor Adjunto do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Paraná. Autor do livro “Ações e relações de poder: a construção da reportagem política no telejornalismo paranaense”, e de diversos artigos científicos na área do Jornalismo..

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O telejornalismo se tornou uma atividade que exige do profissional não só pleno conhecimento e domínio das técnicas produtivas, dentro de uma linguagem específica do meio, mas, sobretudo, uma especial capacidade de percepção quanto às ligações sutis entre o modo de produção estabelecido, para obter um produto final determinado, e o processo em que ocorrem as relações de poder na sociedade.

Esta exigência é obrigatória, se o jornalista pauta sua conduta em procedimentos éticos voltados ao cumprimento integral do papel do jornalismo como instrumento fundamental à disseminação de informações no meio social, como forma de busca permanente da garantia de livre acesso à informação e do exercício da cidadania. Neste sentido, a reflexão sobre o telejornalismo feito na atualidade em nosso país precisa identificar e pensar as questões cruciais referentes à produção das matérias jornalísticas, sobretudo as reportagens de televisão. Alguns dos pontos significativos, no emprego das técnicas produtivas, vão desde a elaboração das pautas, se faz a escolha de temas agendados para abordagem, até a definição de enfoques, tendenciosidade ou favorecimento político ideológico no trabalho da informação, tratamento visual da informação, produção de acordo com o grau de naturalidade ou artificialidade dado à matéria, atribuição do nível de importância ao tema da reportagem, seleção de fontes, tipo de imagens captadas, composição do cenário de fundo onde é mostrada a matéria, critérios de apuração e edição, trilhas sonoras, e outros elementos caracterizadores do produto final mostrado ao público.

Ciro Marcondes Filho define o telejornal como o “gênero mais importante em matéria de noticiário de TV” por ser a melhor síntese do formato televisivo. (MARCONDES FILHO, 2000, p. 79). A partir dessa idéia é importante perceber a maneira como se produzem as matérias jornalísticas de televisão. Esse modo de produção apresenta múltiplos fatores determinantes, incluindo aqueles meramente técnicos, que devem ser analisados no plano ético. Isso porque a utilização de técnicas produtivas, definidas conforme certos parâmetros, contribui para construir a matéria jornalística de tal modo que lhe confere aparência da própria realidade a ser retratada, com a qual muitas vezes se confunde aos olhos do espectador. É imprescindível, portanto, do ponto de vista ético-profissional, identificar e discutir como se constroem as matérias transmitidas nos telejornais, para conhecer com mais propriedade os elementos determinadores do modelo de produção adotado no jornalismo televisivo. Dessa forma, poderemos compreender melhor a produção do material jornalístico na televisão, acusada muitas vezes de manipulação e parcialidade, principalmente quando mostra coisas relacionadas ao campo da política.

Hoje a televisão é o mais importante, senão o único, meio de acesso à informação para uma grande parcela da população brasileira. Mais do que isso, a TV é utilizada pelas instâncias de poder na difusão, e defesa, de suas idéias, valores, atos e opiniões, quando não na formação de uma imagem pessoal, ou institucional, que se pretende difundir. As matérias pertencentes à chamada “editoria política” estão presentes invariavelmente nos telejornais. Na estrutura dos noticiários da televisão, podemos comprovar com facilidade o grande espaço ocupado pelos temas específicos dessa área. Também não é difícil perceber a importância atribuída pelas próprias esferas de poder ao veículo televisão, e ao telejornalismo, como instrumento de visibilidade social.

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Por isso, as matérias jornalísticas também podem ser consideradas como formas de representação simbólica da realidade, as quais trabalham com recortes dessa realidade, passada ao telespectador como se fosse a própria realidade vivenciada. Além disso, no Brasil não se dissocia a televisão dos meandros em que se exerce o poder, sobretudo o poder político, como demonstra Bucci:

Televisão no Brasil é uma questão de poder. Não em decorrência daqueles lugares-comuns, como “imprensa é poder”, ou “os meios de comunicação se prestam à manipulação das informações segundo conveniências de interesses privados”. Aqui, televisão é poder porque ela se confunde com o próprio poder. O andamento moroso da evolução da TV no Brasil para um modelo mais plural é exatamente análogo e simultâneo ao da evolução da democracia. A TV anda devagar porque a evolução política é vagarosa (...) Pois assim é com a TV. Ela avança (ou não) segundo as mesmas leis que regem os avanços (ou não) das formas de poder (...) Uma boa representação dessa parceria (Estado e televisão privada) pode ser encontrada no tom oficial que adquiriu o telejornalismo.(...) É curioso o que aconteceu. Ela continuou servil ao poder político, por automatismo e por limitações de sua própria gênese, de sua própria natureza; o dado novo é que ela ganhou a prerrogativa de decidir quem seriam os titulares desse poder. (BUCCI, 1997, p. 18-20).

E o próprio “funcionamento do sistema político nas democracias da sociedade moderna está sendo cada vez mais determinado pela mídia”. (MATOS, 1994, p. 17). Isso acontece também mediante as atividades jornalísticas, principalmente na televisão. Wolton afirma que “a comunicação política é um espaço de intercâmbio de discursos controvertidos, ocupado por aqueles que detêm a legitimidade para expressá-los publicamente: os políticos, os jornalistas e a opinião pública...” (Wolton, 1996, p. 31). Reafirmando essa visão, Soares complementa: “a videopolítica não se reduz à publicidade, incluindo diversos gêneros e níveis de intervenção sobre a política: telejornal, entrevista, debate, comentário”. (SOARES apud MATOS, 1994, p. 116). Podemos aceitar, conseqüentemente, que as matérias jornalísticas na televisão se enquadram dentro de formas de expressão que têm por base representações sociais, onde se mesclam infinitos fatores. Nesse aspecto, Guareschi afirma que:

...implicado e inerente às motivações e forças que nos levam a fazer o que fazemos, não há apenas elementos racionais, cognitivos, lógicos. De modo algum. As “razões” de por que fazemos o que fazemos passam por outros canais e são legitimados e impulsionados por outros fatores bem mais amplos que o racional e o cognitivo: nessas supostas “razões” estão também presentes elementos míticos, afetivos, religiosos, culturais, tradicionais, ligados a status, poder, prestígio, etc. É a isso que chamamos de representações sociais. (GUARESCHI, 2000, p. 69).

Aquilo que é mostrado na tela, resultado das técnicas jornalísticas de televisão, busca a representação do real, na medida em que “o real é também produção do simbólico, uma representação do concreto, do empírico, da realidade objetiva, o que faz com que, ao invés de tomarmos uma realidade como unívoca, pensemos em muitas simbologias, que podem ser até contraditórias” (GUARESCHI, 2000, p. 77).

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A presença das chamadas representações sociais na mídia é notada ainda mais se levarmos em conta a definição estabelecida pelo autor, segundo a qual:

...as representações sociais procuram ocupar um espaço específico, e podem ser compreendidas como um conhecimento do senso comum, socialmente construído e socialmente partilhado, que se vê nas mentes das pessoas e na mídia, (...), nos comentários das rádios e TVs.(...) São um conhecimento social, um campo representacional. Elas podem possuir aparentes contradições na sua superfície, mas nos seus fundamentos elas formam um núcleo mais estável e permanente, baseado na cultura e na memória dos grupos e povos. (GUARESCHI, 2000, p. 78).

Recentes estudos realizados esclarecem também o fazer jornalístico, principalmente na televisão, colocando em evidência representações sociais que podem ser criadas e legitimadas através da mídia. Esta é, inclusive, uma tendência manifestada de maneira muito forte no âmbito da política. De acordo com Guareshi, os grandes meios de comunicação atuam no sentido de interferir no processo político, criando e disseminando representações sociais conforme a intenção de manutenção da hegemonia dos grupos detentores do poder. Ele cita um estudo sobre o assunto, realizado pelo Grupo de Pesquisa do Channel Four, de Londres, em 1995, que resultou numa “investigação sobre o papel da comunicação, especialmente da Rede Globo, no Brasil, de 1982 a 1992. A pesquisa conclui que não houve fato político importante daquela década que não tenha sido influenciado decisivamente pelo poder da mídia”. (GUARESCHI, 2000, p. 179). Partindo do pressuposto de que o jornalismo, apresenta uma dimensão política muito forte, as reportagens dessa área adquirem uma importância significativa tanto do ponto de vista da veiculação, como do público que recebe informações diretamente ligadas ao seu cotidiano.

O telejornalismo passa a ter então uma influência que não pode ser desprezada nas relações sociais, o que faz aumentar o interesse em se conhecer mais profundamente seu processo produtivo. Para Guareschi a dimensão política é aquela que move o ser humano para o social, não havendo como negar que ela sempre ocupou lugar central, tanto na vida pessoal, como na experiência social dos seres humanos.

Essa maneira de encarar a política está fundamentada no fato de que “embora haja boas razões para se enfocar a esfera pública como o palco específico da política, no qual se situa o sistema político e o estado, o domínio teórico da política é bem mais amplo. Mesmo que não haja estado nem políticos, a política continua uma característica central das práticas sociais cotidianas”. (GUARESCHI, 2000, p. 264). Numa análise rápida podemos afirmar que os temas relacionados à política, em geral, recebem uma atenção diferenciada em termos de importância e desfrutam de espaço e tempo relativamente grandes na mídia. Em especial no telejornalismo se estabelece certa cumplicidade entre jornalistas e políticos. Os primeiros em busca da informação, seu material de trabalho, e os outros na procura de espaço para aparecer, falar e fazer seu proselitismo.

Com isso, características determinadas marcam a estrutura dos telejornais e, dentro dela, aquilo que se mostra ao espectador. Lage aborda a questão enfatizando

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que “as editorias políticas dos jornais conjugam todas as variantes dos verbos do campo semântico de dizer; nos noticiários de televisão, o que mais aparece são rostos falantes, seguidos, em ordem de freqüência, por votações e manifestações coletivas”. (LAGE, 1998, p. 38).

Isto reflete não só um modo de produção jornalística instituído pelo emprego de procedimentos técnicos, privilegiando um formato consagrado resultante na matéria pronta levada ao ar conforme a maneira de fazer preconizada tanto pela empresa como pelo próprio profissional, e também demonstra a forma como se dão as relações entre fontes e produtor do material jornalístico. No interior do campo específico da política:

O que é dito em público depende de enunciados que se resguardam em papéis secretos e conversas reservadas; são acordos, conchavos e acertos que justificam elevado investimento em espionagem, tornam a lealdade virtude cara. Em todo caso, a política obedece a regras: uma é que nela interessa, mais que qualquer discurso, o quadro que se altera permanentemente (daí existir a crônica ao lado do noticiário, a informação - no sentido estratégico-militar do termo: relato consistente, versão não contraditória - depois do informe); outra, que os temas dominantes são os dispostos pelo poder, de modo que impor um assunto representa prova de força. (LAGE, 1998, p. 38).

Outro ponto relevante quando se tenta compreender o funcionamento do jornalismo dentro da noção de representação social é seu papel expressivo na construção de cenários, montados a partir da atuação política de diversos agentes. Na História recente do país há exemplos espetaculares indicando como isso ocorre, partindo do modo como se constroem as reportagens jornalísticas na mídia em geral e na televisão em particular, até chegar à montagem do próprio cenário político. Foi assim com a ascensão e queda de Fernando Collor de Mello, um dos acontecimentos mais conhecidos, e continua no momento presente, com o Presidente itinerante, com o cartão corporativo, com o dossiê de FHC, com a proposta do terceiro mandato.

Na acepção de Lage, “análises essenciais de fatos políticos, qualquer que seja a instância que se pesquise, desenham cenários, não criam roteiros nem designam atores”. A consciência e intencionalidade, em maior ou menor grau, com que se apresentam ao público os significados contidos no material jornalístico produzido, incluindo-se as imagens das reportagens televisivas, com o intuito de se obterem resultados estabelecidos previamente, levam ao questionamento necessário do trabalho profissional no telejornalismo. É preciso, então, buscar o desvendamento das relações estabelecidas entre o emprego de técnicas consagradas, que reafirmam e legitimam o modelo, e as concepções éticas fundamentais, presentes ou ausentes neste processo. Não se pode perder de vista que valores, conceitos, normas e leis, reguladores da vida social, estão vinculados intimamente com o fazer jornalístico.

Quanto às normatizações técnicas do jornalismo, pode-se questionar o consenso nas redações de que a abordagem de um assunto, ou o seu simples descarte, tem a ver com a relevância social a ele atribuída. Mas, quem diz o que é relevante? E a partir de quais critérios? A forma como isto é feito também condiciona, muitas vezes,

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a maneira como essa abordagem é realizada, como os destaques são escolhidos, os meios empregados para apurar certas informações, etc. No caso do telejornalismo existe ainda o problema, ou a virtude, da imagem. Ela é considerada até como ícone de uma verdade escancarada, a conferir credibilidade àquilo que se mostra e do que se fala. Essa credibilidade tem uma ligação estreita com a possibilidade de a TV mostrar os acontecimentos, num processo de reprodução do real aparente. No entanto o que se tem é um trabalho realizado a partir de recortes da realidade ou, segundo alguns autores, de construção, ou ainda de reconstrução da realidade. O simples fato de a televisão mostrar a ocorrência não significa que no interior do modo de produção do telejornalismo tenhamos a oportunidade de reproduzir a realidade tal como ela é. A imagem televisiva não garante que aquilo que é visto na tela seja exatamente o que acontece em sua essência, principalmente porque, além da subjetividade inerente aos profissionais que produzem o material jornalístico, os procedimentos técnicos também interferem diretamente na captação e na difusão dessa realidade. Além do quê, existe o uso da reportagem para passar ao público a imagem que as instâncias de poder pretendem, mesmo diante da atuação do jornalista. Cabe então o questionamento: temos aí a imagem do poder, ou estamos perante o poder da imagem? A compreensão de como se processa esse fenômeno é facilitada quando Lage aborda a reconstrução da realidade na mídia. Segundo ele,

Produzir narrativa sobre um evento qualquer da realidade é: a) selecionar fatos e ordená-los em seqüências, atribuindo sentido aos acontecimentos; b) escolher qualidades e categorias dos personagens e ambientes, de modo a caracterizá-los; c) produzir funções que estabeleçam o diálogo com o consumidor da mensagem. Isto significa partir de critérios que não podem ser outros senão o momento histórico de quem escreve, seus valores, preferências ou interesses. Por outro lado, quem lê ou vê uma narrativa a interpreta conforme os mesmos parâmetros pessoais. (LAGE, 1998, p. 96).

Pesquisas atuais demonstram que, cada vez mais, o jornalismo se posiciona como um elemento institucional de mediação simbólica, cumprindo um papel social importante na medida em que sua prática possibilita o conhecimento de fatos ou eventos pelo público. Dessa forma, torna-se possível o acesso por parte dos espectadores de televisão aos acontecimentos considerados relevantes, embora não se saiba se a maioria desse público concorda com a relevância atribuída. Isto faz com que as análises se voltem também aos aspectos estruturais do jornalismo, e em nosso caso do telejornalismo. Assumem importância, então, os problemas ético-profissionais, ao lado de outras questões como os problemas de conteúdo, de significação e de leitura, pelos telespectadores, do material jornalístico divulgado pela televisão. No que se refere às possibilidades de leitura da matéria jornalística de TV, Arlindo Machado destaca que:

Um mesmo telejornal pode ser “lido” diferentemente por diversas comunidades de telespectadores, em função de seus valores, ideologias e estratégias perceptivas ou cognitivas. Por mais fechado que seja um telejornal, há sempre ambigüidade suficiente em sua forma significante, a ponto de interditar

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qualquer “leitura” simples e unívoca, e há também autonomia suficiente, por parte do telespectador, de modo a permitir que ele faça uma triagem do que lhe é despejado no fluxo televisual. (MACHADO, 2000, p. 100).

Numa observação ainda que superficial das matérias, reportagens e comentários, que todos os dias são transmitidos nos telejornais, evidencia-se a prevalência de determinadas fontes de informação. Raras vezes a diversidade de fontes permite uma apuração mais pluralista das informações, ou mesmo a variação de imagens, fazendo com que o enfoque seja direcionado para o aspecto mais importante de um suposto ponto de vista do interesse público. O que se vê, normalmente, são informações provenientes de um fluxo único e unidirecional, privilegiando-se origens autorizadas, especializadas, consagradas, no caso das informações trabalhadas nas matérias das editorias políticas. São os líderes políticos, representantes classistas, os partidos, as autoridades governamentais, que têm voz e a oportunidade de falar, além de mostrar o que pretendem que apareça na tela dos milhões de aparelhos de televisão espalhados pelo País.

No plano técnico, de elaboração do produto jornalístico, há inúmeros fatores que interferem no processo, indo desde orientações recebidas dos superiores hierárquicos, passando pela política editorial do veículo, até as próprias condições de trabalho do jornalista, que muitas vezes fogem do ideal, chegando também a certa acomodação do profissional, como critica Lage:

Jornalistas apressados ou preguiçosos adoram ouvir fontes oficiais (dispensam-se de confirmar informações); detestam ler textos longos, como os de processos judiciais; exageram na apuração de matérias por telefone, não costumam conversar com os entrevistados e desprezam informações que não podem publicar imediatamente. (LAGE, 1998, p. 235).

Mesmo com o aprimoramento constante dos instrumentos de busca e apuração de informações, com o desenvolvimento tecnológico rápido a disponibilizar facilidades, com a internet e outros mecanismos de acesso, continuam sendo mantidos antigos hábitos no relacionamento necessário entre jornalistas e suas fontes. A implantação de novos procedimentos não elimina velhas fórmulas empregadas no trabalho jornalístico, e ainda permite uma mistura em que convivem o novo e o arcaico, como se nota na abordagem feita por Lage.

Repórteres precisam de fluxo contínuo e confiável de matéria-prima para suas notícias e reportagens. Isto significa que as relações que guardam com as fontes são do tipo em que se troca informação por prestígio ou influência. As fontes oficiais beneficiam-se de credibilidade geralmente excessiva; dispensam confirmação, enquanto informações de fontes não oficiais precisam ser confirmadas, o que envolve custo e disponibilidade de tempo adicionais. A crescente profissionalização e o treinamento das fontes (oficiais e privadas, incluídas aí as organizações não governamentais) facilita os contatos mas, ao mesmo tempo, faz com que as informações sobre fatos venham já competentemente revestidas da versão que interessa à instituição que as divulga. (LAGE, 1998, p. 371).

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Dentro da rotina produtiva situam-se ainda outras questões específicas da prática telejornalística, em que elementos informacionais atuam em conjunto produzindo significados e sentidos. Imagens, textos, falas dos agentes (repórter e entrevistado), efeitos, luzes, movimentos de câmera, ângulos escolhidos, entre outros, determinam a estruturação do material produzido, bem como as significações pretendidas. A imagem, considerada muitas vezes como o que há de mais importante na matéria jornalística, segundo Barros Filho, é o elemento “informativo com maior grau de aparência de objetividade, estando ou não associado a um texto escrito ou falado”. Para o autor, esta “aparência de objetividade provém da relação mantida com o espectador, pelo tipo de percepção que enseja, e da relação mantida com o real”. (BARROS FILHO, 1995, p. 82). Torna-se relevante, a partir dessas constatações, refletirmos sobre os mecanismos de produção intencional no telejornalismo, até porque a televisão ocupa uma posição privilegiada na dinâmica das relações entre os segmentos que interagem socialmente. Este posicionamento garante ao telejornalismo a condição de importante instrumento para circulação de informações, idéias, valores, atuando na mediação comunicacional e em certa medida funcionando também como instaurador de relações de poder. Não há como deixar de levar em conta, em conseqüência, a forte ligação entre o telejornalismo e o estabelecimento, e desenvolvimento, dessas relações de poder no âmbito da sociedade, como focaliza Lage:

...a produção de informações numa sociedade é algo mais complicado do que a feitura de um jornal, a edição de um programa de rádio ou televisão, a concepção de um clip de 30 segundos; de fato, confunde-se com a própria estrutura de poder, na medida em que sociedades são conjuntos ordenados por hierarquias.Jornalistas devem transformar, processar, codificar informações segundo padrões técnicos consensuais (sem o que as mensagens correriam o risco de não ser aceiras ou compreendidas) e obedecendo a valores éticos admitidos pela sociedade, embora não necessariamente por todos os grupos que a compõem. (LAGE, 1998, p. 230).

A complexidade do funcionamento social influencia diretamente a maneira pela qual se faz a produção jornalística em televisão que, igual como em outros meios, passa por condicionantes ligadas ao modo como se estruturam as relações de poder. Do mesmo modo, há uma permanente e indissociável ligação entre a forma como se desenvolve e se produz o telejornalismo e as condições socioeconômicas e culturais presentes na sociedade capitalista contemporânea. O processo de globalização econômica, vivenciado na atualidade, vai além das questões econômicas entre países, e se enraíza nos meandros das formas de hegemonia vigentes na ordem mundial. E o telejornalismo está integrado a este contexto refletido em sua forma e conteúdos.

Desse modo, o fazer telejornalístico instaurado se realiza no interior de um contexto socioeconômico, no qual a própria televisão em sua condição empresarial está inserida. Estão presentes aí, também, necessidades de mercado, que se unem a normatizações de caráter político institucional no plano global. Esta situação dá origem a várias fórmulas de produção no telejornalismo praticadas com a finalidade principal de cativar e atrair cada vez mais público. O modelo que contém estas fórmulas é

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justificado e explicado por argumentos, em geral inconsistentes, incluindo desde os batidos conceitos da objetividade, imparcialidade, neutralidade, até questões, como a capacidade de absorção e entendimento das mensagens pelo espectador, relações espaço temporais, padrões de qualidade, gosto médio do público e uma infinidade de outras concepções técnicas balizadoras do modo consagrado de se fazer jornalismo em televisão. Para a visão mercadológica com que é encarada a produção no telejornalismo, o que mais importa são os índices de audiência. Disso resulta o emprego de uma “lógica da sedução do telespectador” (MERCIER, 1996, p. 165), privilegiando estratégias voltadas à plena satisfação do público, com o objetivo primeiro de vender audiência aos financiadores /anunciantes. Tudo gira em torno da obtenção de prestígio e rentabilidade, na medida em que se atendem expectativas, desejos e aspirações de camadas cada vez mais amplas do público e se obtêm, ao mesmo tempo, mais recursos oriundos dos anúncios carreados a partir de elevados índices de audiência. Esta é a base sobre a qual se assenta um jornalismo com características peculiares, por fazer parte de uma programação estruturada pela chamada “neotelevisão” (MERCIER, 1996, p. 166), aquela que se faz de forma industrial, repetindo um sistema produtivo disseminado em escala mundial.

O modelo adotado trata a informação, anteriormente conceituada como matéria-prima do jornalismo, e sua conseqüente transmissão, de acordo com as leis de mercado e do espetáculo, pois tudo vira show de imagens. Essa espetacularização está ligada aos apelos emocionais utilizados no jornalismo de televisão. Ferrés classifica o campo televisivo como o império das emoções ao mesmo tempo que considera que a eficácia socializadora da televisão se baseia em boa medida no desconhecimento que as pessoas têm dos motivos que as levam a assistir determinados programas de televisão. Não é mais importante a informação pelo que pode representar socialmente, mas, sim, o simples atendimento àquilo deque o espectador gosta, pela possibilidade de cativá-lo, de seduzi-lo. Cada procedimento valoriza a proximidade com o telespectador. O rompimento da distância física acontece pelo uso de recursos que, geralmente, podem interferir de forma direta no processo, deturpando, manipulando, direcionando e condicionando a informação.

As fórmulas produtivas empregadas no jornalismo em televisão estão sujeitas a diversos fatores. Mas é a espetacularização da notícia, que tem prevalecido para atrair e seduzir o público. Técnicas, recursos e sofisticados equipamentos são usados com essa finalidade, iniciando com o trabalho de captação das imagens, quando são produzidas as cenas, dirigidas de acordo com o desejo, ou sugestões de repórteres, cinegrafistas, chefes de reportagem, pauteiros ou diretores, quando não por elementos estranhos ao processo de produção do telejornalismo. O roteiro da reportagem é previamente marcado, produzindo-se uma informação pré-fabricada sem autenticidade, e não-espontânea. A realidade televisiva não corresponde mais ao acontecimento. Na realidade produzida pelo telejornalismo tudo é rápido e superficial, o que resulta numa falsa impressão de recepção de informações, como afirma Marcondes Filho: “Ninguém se informa seriamente de nada; só se tem a impressão de ficar informado”. (MARCONDES FILHO, 1988, p. 54). Esta forma de se fazer jornalismo na televisão está embasada no modelo caracterizado pelo emprego de conhecimentos, e aplicação

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de técnicas produtivas que padronizam e modelam também a realidade externa. Daí que a TV muitas vezes acaba “fazendo de pequenos incidentes grandes fatos nacionais e menosprezando fatos importantes, se eles não interessarem a ela”. (MARCONDES FILHO, 1988, p. 56).

A transformação em show de tudo o que é mostrado na TV ocorre, sobretudo, a partir dos anos 1960. É nessa época que o telejornal deixa de ser a simples leitura de notícias, passando a ganhar identidade resultado do desenvolvimento de uma linguagem própria e das técnicas de produção da televisão. Em quase todo o mundo, a produção dos telejornais está padronizada, revelando a existência de alguns paradigmas próprios deste tipo de prática jornalística. Um deles é a substituição da informação pela emoção. Outro é o que Marcondes Filho chama de a lógica da velocidade, referente tanto à rapidez com que os fatos chegam até o público, quanto ao ritmo de transmissão das notícias. A preocupação com a velocidade tem ligação também com o problema da concorrência. Um assunto ou tema não é considerado mais ou menos importante pela relação que mantém com a vida das pessoas, com sua qualidade intrínseca, ou pelo que representa em termos de bem-estar social. O primeiro critério vigente no telejornalismo passou a ser a necessidade de transmissão da matéria antes dos concorrentes. Tudo se transmite com ritmo veloz, e as notícias passadas freneticamente, com a troca ágil de planos produzindo um “efeito de aceleração”, como analisa Marcondes Filho. Este efeito não é captável de imediato, exigindo que o espectador fixe inconscientemente diversas narrativas rápidas em tempo mínimo. Como conseqüência há superficialidade das notícias, a não-reflexão a partir delas e a emocionalidade.

O primeiro objetivo do modo de produção jornalística na TV passa a ser provocar emoções; a notícia tem que sensibilizar os telespectadores, com cenas montadas, e imagens captadas, especialmente para transmitir e atiçar sentimentos. No telejornalismo não são quaisquer imagens que servem, são vetadas imagens monótonas, sem vida, paradas, que não causam atração ou interesse. Mais do que ser verdadeiro, o espetáculo no telejornal tem que ser instigante para poder prender a audiência. Os fatos são trabalhados sob a perspectiva da estética televisiva e traduzidos para a linguagem própria do meio. Não existe acontecimento em estado bruto na televisão, todos sofrem influência direta do modo de produção vigente no telejornalismo. As imagens, correspondentes aos supostos fatos, são captadas por diferentes angulações de câmera, por travellings, panorâmicas e zooms, e enfocadas diferentemente, e de acordo com a escolha de entrevistados e depoentes. Todos esses fatores interferem e levam à tradução do fato por uma linguagem-padrão e repetitiva. Isso significa que há uma reinterpretação do real, a partir de um recorte deste mesmo real, segundo um modo de ver, e também segundo uma perspectiva tecnológica da televisão. Exige-se que a realidade seja adaptada aos modelos da ficção para ser mostrada no telejornal. O acontecimento é transformado em algo sedutor, uma vez que o interesse e atenção do espectador são despertados pela emoção, pela sensação de envolvimento que provoca. É como se quem assiste estivesse participando junto. Daí resulta a aparência de autenticidade, de verdade, conferida pelo telejornalismo comercial àquilo que se passa.

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Pode-se perceber também o modo de produção específico do jornalismo televisivo nas matérias com temática política. A televisão acaba instituindo uma forma fragmentária, pela qual são construídos os fatos políticos. Nela se dissolve a discussão política por tema, personaliza-se o debate, que é substituído pelo espetáculo. Dependendo da maneira como é produzido, o jornalismo de televisão pode interferir diretamente na vida das pessoas, em sua maneira de pensar, de interpretar o mundo e de fazer suas escolhas cotidianas. Cabe um papel insubstituível, então, à formação profissional do jornalista, na busca incessante de alternativas voltadas à garantia de uma função realmente social à atividade jornalística em especial na televisão.

Diante da singularidade contemporânea, na qual a tecnologia avança vertiginosamente, é imprescindível avaliar, compreender e atuar no sentido do emprego de técnicas produtivas fundamentadas em valores éticos essenciais. Só assim não se reforçará e repetirá um modelo desumanizador dos sujeitos envolvidos no processo produtivo do jornalismo. É preciso colocar em prática normas de conduta que na maioria das vezes ficam apenas no papel, como, por exemplo, um dos preceitos constantes do manual de redação do jornal O Globo que diz: “todo jornalista, do repórter ao editor, seleciona e dá pesos diferentes aos elementos de informação que passam por suas mãos. Isso é inevitável – pois não há outra maneira de trabalhar – e representa o exercício de considerável poder: o de decidir como determinado aspecto da realidade será apresentado à opinião pública. A primeira questão ética que se põe para o jornalista é aprender a não abusar desse poder. É inaceitável que o processamento da informação seja posto a serviço de fins políticos, ideológicos e pessoais”.

O POder da Imagem Ou a Imagem dO POder? a POlítIca nO telejOrnalIsmO.

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reFerÊncIas

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