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VA L E A P E N A
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internacional ização
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A decisão de explorar novos mercados geográficos tem implicações profundas e de longo
alcance sobre o modus operandi das empresas. Diferentemente da decisão de expandir
geograficamente dentro do mesmo território, os riscos e as incertezas envolvidos na escolha
de ingresso em mercados internacionais são mais elevados, comparados ao potencial
crescimento de receitas e lucros.
O sucesso no plano internacional depende da capacidade das empresas de encontrar um
equilíbrio entre duas forças opostas: de um lado, maximizar a base de ativos e conheci-
mentos desenvolvidos nos mercados em que atuam, e, de outro, estabelecer uma nova
configuração de competências, adaptada às circunstâncias e características dos merca-
dos externos, e explorá-la numa escala global.
Este artigo tem por objetivo explorar os principais benefícios da expansão internacional
das empresas, os riscos e custos envolvidos, bem como as suas implicações para os
resultados da empresa. A análise tomará por base grandes empresas brasileiras que se
encontram em estágios diferentes do processo de internacionalização, desde a expor-
tação às diversas modalidades de investimento direto no estrangeiro (IDE).
BENEFÍCIOS, RISCOS E CUSTOS DA INTERNACIONALIZAÇÃO Muitas das multina-
cionais brasileiras relatam que um dos grandes avanços propiciados pela internaciona-
lização foi a confiança obtida por seus clientes, em razão de sua capacidade de resposta
ampliada às exigências locais. A Sabó Indústria e Comércio, empresa brasileira do ramo
de autopeças, foi induzida por seus principais clientes multinacionais a se localizar em
outros mercados para que pudesse manter e aprofundar a sua condição de fornecedor
preferencial. Outras, como a WEG, do ramo metalmecânico, indicam que uma das vantagens
da internacionalização para a Europa foi ser considerada, pelos seus clientes e pelas
associações de classe, como empresa da comunidade européia, com status equivalente
aos demais produtores que atuam na região.
i n te rnac iona l i za r ?P O R Á LVA R O B . C Y R I N O | E R I K A P E N I D O
A expansão em mercados internacionais permite que as empresas“testem” alguns dos seus conceitos e modelos de negócio e aprendamsobre a sua robustez, bem como sobre os seus limites, em face dasdiferenças no mercado. Ainda resta um longo caminho de aprendiza-gem para que as multinacionais brasileiras ingressem no rol dastransnacionais do mundo desenvolvido.
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do mundo e este país era apenas mais um no seu
portfólio de negócios. Assim, para as duas empresas
brasileiras, a internacionalização foi o melhor meio
de diversificar seus fluxos de caixa e minimizar os
riscos do mercado local.
Para as multinacionais que estão listadas nas prin-
cipais Bolsas de Valores, a presença em vários mer-
cados está associada a um aumento no valor da
empresa. Para os investidores, o fato de uma em-
presa ser multinacional reduz a sua percepção de
risco. Dessa forma, um choque macroeconômico
num dos países em que a empresa está instalada
teria um efeito negativo menos intenso no valor da
empresa, pois o desempenho nos demais compen-
saria as perdas.
Muitas vezes, um dos benefícios da internaciona-
lização é o efeito-demonstração que a empresa
consegue nos seus mercados de origem. Isso ocorre
com freqüência em países emergentes, cujos con-
sumidores são muito influenciados por produtos
importados e marcas estrangeiras. Além do orgulho
nacionalista de ter uma empresa que está operando
em mercados internacionais, há o efeito da trans-
ferência do sucesso no exterior. Assim, a insta-
lação da subsidiária da Natura em Paris adiciona
mais um ingrediente de sofisticação e diferencia-
ção à sua imagem de marca para os clientes
brasileiros, contribuindo para um maior desem-
penho da empresa no Brasil. Outro exemplo é o
A presença física da empresa nos mercados inter-
nacionais também propicia melhor entendimento
da concorrência local e estrangeira.
Em setores caracterizados pela globalização dos
concorrentes, além dos fatores ligados à atrativi-
dade dos mercados, uma estratégia de internacio-
nalização eficaz deve levar em conta a posição e os
movimentos nos mercados internacionais. Assim,
empresas com participação restrita a poucos mer-
cados muitas vezes se acham vulneráveis a concor-
rentes mais internacionalizados. A escolha da loca-
lização em santuários de lucros dos concorrentes
muitas vezes pode ser uma forma de dissuasão de
movimentos mais agressivos nos mercados mais
importantes da empresa. Além disso, seguir os
concorrentes nos mercados mais expressivos evita
que estabeleçam fortalezas significativas nos
novos mercados internacionais, dificultando a
entrada em momentos posteriores.
A expansão internacional da Votorantim Cimentos e
da Gerdau mostra que a busca de um posicio-
namento competitivo sólido é uma importante mo-
tivação para a expansão de empresas brasileiras.
Com a globalização crescente das indústrias de
cimento e de siderurgia e a entrada de grandes
empresas mundiais no mercado brasileiro, essas
empresas viram-se em situação frágil: seus com-
petidores estrangeiros tinham menos a perder no
Brasil, já que estavam presentes em várias partes
Seguir os concorrentes nos mercados mais expressivos evita que estabeleçam fortalezas significativas
nos novos mercados internacionais
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lançamento de várias versões das sandálias
Havaianas pela Alpargatas no exterior. Inicial-
mente tidas como um produto popular, as
sandálias passaram a usufruir uma imagem de
sofisticação, graças ao esforço da empresa em
reposicionar o produto nos mercados mais desen-
volvidos.
Dependendo do tamanho do mercado do país de
origem, para determinados produtos as empresas
precisam complementar os seus mercados internos
com exportações ou investimentos em outros países
logo no início, pois as exigências técnicas e econô-
micas impõem uma escala mínima para assegurar
custos competitivos, cuja produção muitas vezes
não é absorvida no país. Esse é o caso em inúmeras
indústrias globais, como a de aviação e a de pro-
dução de semicondutores e alguns segmentos da
indústria química, nos quais a internacionalização
é vital para a otimização dos elevados investimentos
de capital inicial. Exemplos significativos brasileiros
são a WEG e a Embraco, cujas escalas ultrapassam
a capacidade de absorção pelo mercado doméstico.
A internacionalização não ocorre apenas na direção
dos mercados consumidores. Muitas das vantagens
da internacionalização ocorrem na otimização da
cadeia de suprimentos em escala global e na bus-
ca do acesso a recursos e insumos a custos mais
favoráveis.
Muitas empresas produtoras de commodities,
como as petrolíferas e as do setor de mineração,
têm, desde o início, se implantado em locais que
apresentem as condições de acesso aos recursos,
limitados a poucas regiões mundiais. Já no setor
do agronegócio, a internacionalização tem permitido
às empresas o acesso a matérias-primas a custos
inferiores. Tendências atuais de relocalização de
parte das atividades das empresas e a prática da
terceirização de processos em países com custos
inferiores têm sido a norma em empresas de países
desenvolvidos. E, recentemente, firmas de países
em desenvolvimento também começam a compar-
tilhar as mesmas estratégias, como a Azaléia, que
iniciou em 2005 uma experiência de terceirização
de parte da sua produção de calçados a partir da
China.
A existência de barreiras tarifárias e não tarifárias
em diversos países, bem como diferenças nos
regimes de tributação, remessa de lucros e políti-
cas de câmbio e de incentivos à implantação de
empresas, muitas vezes possibilitam à empresa
realizar ganhos financeiros importantes através da
localização estratégica das suas atividades.
A instalação das empresas automobilísticas (ma-
quiladoras) no México após a aprovação do Nafta
seguiu essa lógica. A expansão no início de 2006
de algumas empresas brasileiras para a Argentina
também seguiu uma lógica semelhante: sendo os
ativos mais baratos e a relação peso-dólar mais
favorável à exportação, ficou economicamente mais
interessante para essas empresas utilizar as suas
operações platinas como plataforma de exportação.
A expansão em mercados internacionais permite
que as empresas “testem” alguns dos seus con-
ceitos e modelos de negócio e aprendam sobre a
sua robustez, bem como sobre os seus limites, em
face das diferenças no mercado. Essa incorporação
de competências aprimoradas, muitas vezes em
decorrência da convivência com clientes mais exi-
gentes e condições de mercado diferenciadas, leva
a competitividade a novos patamares, propiciando
o desenvolvimento de melhores práticas, que, pos-
teriormente, podem ser compartilhadas por toda a
empresa. Para sobreviver em mercados maduros e
competitivos, caracterizados por margens de lucro
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pode-se citar o fracasso do grupo Sonae na busca
da extensão da sua base no varejo brasileiro.
À medida que cresce o nível de diversificação
geográfica das empresas, elas precisam investir
em mecanismos e processos de coordenação e de
gestão do seu portfólio de atividades interna-
cionais. A crescente complexidade e a diversidade
das operações internacionais impõem uma sobre-
carga aos recursos existentes – deslocamento de
profissionais expatriados, atenção gerencial às
novas operações – e exigem novos recursos espe-
cializados, na forma de estruturas e processos de
controle, contribuindo para o aumento dos custos
gerais de coordenação e governança da empresa.
A Votorantim Cimentos e a Gerdau experimentaram
os efeitos dessa sobrecarga nas suas equipes
gerenciais e técnicas quando da integração das
suas aquisições norte-americanas.
Ao se instalar em uma nova localidade, indepen-
dentemente se é ou não internacional, a empresa
se defronta com os custos de ser nova no mercado.
Esses custos, em geral, são decorrentes de se
instalar no local, encontrar e recrutar pessoas e
gerentes, negociar com fornecedores, adquirir
acesso aos canais de distribuição, formar a base de
estreitas, a Construtora Norberto Odebrecht desen-
volveu uma grande eficiência operacional e elevou
suas competências a níveis dos grandes grupos
internacionais. O atendimento dos mercados
europeu e norte-americano pela Embraer obrigou a
empresa a buscar o desenvolvimento de competên-
cias e certificações de nível internacional, tornan-
do-a, com isso, uma competidora global na plena
acepção do termo.
Muitas vezes, quando confrontadas com situações
sui generis em mercados internacionais, as empre-
sas são obrigadas a encontrar soluções inovadoras
para o atendimento das demandas e exigências
peculiares dos consumidores, por vezes muito
diferentes do portfólio de produtos nos mercados
de origem. Assim fez a Multibras, quando desen-
volveu uma lavadora para consumidores de baixa
renda, que posteriormente foi estendida para ou-
tros mercados emergentes, e a Tigre, com a com-
petência em novos canais (lojas de artigos domés-
ticos no Chile) e em novos materiais (polipropileno
na Argentina).
Em outros casos, é parte da estratégia de interna-
cionalização da empresa buscar as tendências
emergentes nos mercados mais exigentes e os
desenvolvimentos, tecnológicos nos centros mais
desenvolvidos para que ela possa, internalizando ou
através de alianças, incorporar esse aprendizado na
forma de novos produtos. A Natura, na sua implan-
tação no centro de Paris, por excelência terra do
perfume, tem como proposta principal aprender a
operar no mercado mais exigente e sofisticado do
mundo, privilegiando a aquisição de novas com-
petências, que, certamente, serão benéficas para
todas as suas operações, inclusive a brasileira.
Como toda decisão estratégica, a decisão de diver-
sificar geograficamente implica um equilíbrio
entre os benefícios e os custos e riscos, que têm
que ser computados caso a caso. Muitas empre-
sas, por falta de apreciação adequada dos custos
e riscos, embarcaram em iniciativas de interna-
cionalização mal concebidas, com repercussões
negativas sobre o seu desempenho. Entre esses,
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clientes e enquadrar-se no esquema regulatório e
legal. Esse início coloca uma subsidiária em
desvantagem com relação aos seus concorrentes
locais já instalados, não só em termos de desem-
bolsos iniciais (já amortizados pelos concorrentes
instalados), mas também na curva de aprendiza-
gem e de experiência local (na qual os competi-
dores locais estão mais avançados).
Outro obstáculo importante da expansão interna-
cional é a distância entre o país de origem e o país
de destino, aferida não apenas na dimensão física
e geográfica, mas igualmente em termos das dife-
renças administrativas, culturais e econômicas.
Como pode apenas contar com a experiência já
adquirida nos países em que opera, a empresa
cometerá erros inevitáveis ao se deparar com rea-
lidades diferentes. Esse custo de ser estrangeiro,
freqüentemente referido como tuition cost ou custo
da aprendizagem internacional, é muito grande no
início e se reduz à medida que a empresa aprende a
operar negócios no novo mercado.
As empresas podem reduzi-lo buscando, inicial-
mente, mercados internacionais mais semelhantes
aos do país de origem, mesmo que sejam economi-
camente menos interessantes.
Tanto na escolha do mercado como na operação
das subsidiárias internacionais, o risco político e
econômico do mercado deve ser muito bem avaliado.
Esse é o caso de muitos mercados economicamente
interessantes para multinacionais de países emer-
gentes, mas que, em virtude da sua instabilidade,
podem comprometer a rentabilidade das operações
e, em alguns casos, ocasionar perdas significativas.
INTERNACIONALIZAÇÃO E SEU IMPACTO SOBRE
OS RESULTADOS EMPRESARIAIS Uma questão-
chave para as empresas é a da determinação do
efeito da internacionalização nos resultados
econômico-financeiros. Trata-se de entender em
que situações a internacionalização acrescenta valor
econômico à empresa e quando não o faz.
As empresas tendem a seguir um modelo com três
estágios principais de resultados do processo de
internacionalização. No primeiro, em que há um
baixo grau de internacionalização, os custos supe-
ram as receitas, de modo que a extensão da diver-
sificação geográfica é negativamente relacionada
ao desempenho econômico-financeiro da empresa.
No segundo estágio, quando a empresa já implan-
tou um número maior de operações internacionais
e evoluiu na curva da experiência, os resultados
líquidos da internacionalização são positivos. Num
primeiro momento, o aumento do número de ope-
rações internacionais da empresa leva a resultados
econômico-financeiros crescentes. Após atingir um
ponto máximo, os custos marginais de coorde-
nação e governança das operações internacionais
passam a ser superiores à receita marginal, já que
os demais custos permanecem estáveis ou decli-
nantes. A partir desse ponto máximo, os resultados
da internacionalização, embora positivos, pas-
sam a ser decrescentes com o aumento do
número de operações internacionais. Num terceiro
estágio, a complexidade e os custos de coorde-
nação de um grande número de operações interna-
cionais ultrapassam as receitas das operações
internacionais, levando a empresa a resultados
econômico-financeiros negativos.
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Como se situam as multinacionais brasileiras nesse
modelo? Embora os dados empíricos sejam escas-
sos, os relatos das empresas parecem indicar que,
na sua grande maioria, elas se encontram nas
primeiras duas fases. O desempenho das operações
internacionais de algumas das jovens multina-
cionais brasileiras é inferior ao obtido no mercado
brasileiro, quando se excluem os resultados propicia-
dos pelas exportações. Algumas empresas
brasileiras em estágios mais avançados de interna-
cionalização, como a Gerdau e a Votorantim Cimentos,
já colhem resultados financeiros positivos das
suas operações estrangeiras. Situadas no início
da segunda fase do modelo, essas empresas possuem
o desafio de continuar a sua expansão internacional
mantendo ou ampliando os seus níveis de rentabili-
dade através do gerenciamento da complexidade e
do controle da velocidade de internacionalização.
Sendo o processo de internacionalização ainda
recente, não se identificou nenhuma empresa
brasileira que se enquadrasse em estágios mais
avançados da segunda fase ou da terceira.
ÁLVARO BRUNO CYRINO é professor e pesquisador da área de EstratégiaEmpresarial e Negócios Internacionais da Fundação Dom Cabral, comdoutorado no HEC Paris.
ERIKA PENIDO BARCELLOS é professora associada da Fundação Dom Cabral.
CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES
Do ponto de vista dos riscos e custos, os principais desafios para as multinacionais estão na superação dasdesvantagens de ser estrangeiro – que se manifesta, particularmente, nas dificuldades de transferir as suascompetências às operações no exterior, adaptando-as às condições e exigências específicas dos países eregiões onde atuam. Para tanto, essas empresas precisam consolidar as operações já existentes, construindo,com base nas experiências pioneiras, plataformas de aprendizagem que permitam acelerar o processo e oretorno financeiro do capital empregado. À medida que cresce o número de operações internacionais, asempresas precisam encontrar formas eficazes de gerir as iniciativas internacionais, evitando incorrer emcustos excessivos de controle e de coordenação.
O tamanho das operações internacionais e a sua contribuição para os resultados econômico-financeiros demuitas das multinacionais brasileiras são ainda reduzidos quando comparados à importância das operaçõesdomésticas. Isso leva os dirigentes a considerar a internacionalização como uma opção secundária decrescimento, retirando-lhe os recursos necessários para alçá-los ao segundo estágio – este sim, lucrativo,do desempenho internacional. Ao fazê-lo, estão deixando de investir nas suas opções de futuro – o cresci-mento internacional, em detrimento das opções domésticas conhecidas, mas limitadas no longo prazo,num ambiente crescentemente globalizado.
No balanço entre benefícios, custos e riscos, concluímos que ainda resta um longo caminho de aprendizagempara que as multinacionais brasileiras ingressem no rol das transnacionais do mundo desenvolvido. A aceleraçãodessa aprendizagem passa necessariamente pela adaptação dos modelos de negócio às culturas locais, poruma maior integração entre as operações nacionais e internacionais, pelo desenvolvimento de posturas denegócios internacionais e, acima de tudo, pelo intento estratégico dos dirigentes e proprietários, no sentidode transformarem a internacionalização em compromissos prioritários das suas respectivas agendas.
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