vasconellos coordenação do trabalho pedagógico

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4. Sobre o Papel da Educacional/Coordenao Pedaggica

Superviso

O objetivo desta reflexo enfocar o papel da coordenao pedaggica (ou superviso) no processo educativo escolar. Trata-se de um recorte, de uma primeira aproximao, j que a esfera de atuao e preocupao da coordenao muito ampla (envolve questes de currculo, construo do conhecimento, aprendizagem, relaes interpessoais, tica, disciplina, avaliao da aprendizagem, relacionamento com a comunidade, recursos didticos, etc).

IPAPEL DA SUPERVISO/COORDENAO Afinal de contas, qual o papel da superviso? Diversas so as reclamaes que emergem do cotidiano dos coordenadores: sentem-se sozinhos, lutando em muitas frentes, tendo que desempenhar vrias funes. Qual seria sua efetiva identidade profissional? A sensao que tm, com freqncia, de que so "bombeiros" a apagar os diferentes focos de "incndio" na escola, e no final do dia vem o amargo sabor de que no se fez nada de muito relevante... Sentem ainda o distanciamento em relao aos professores, a desconfiana, a competio, a disputa de influncia e de poder, etc.

Breve Histrico Muitos dos problemas que se colocam atualmente no exerccio da coordenao pedaggica tm sua explicao na origem mesma da configurao formal da funo, associada ao "controle". Embora tenhamos no Brasil rastros da funo supervisora desde o sculo XVI, com a influncia dos jesutas e sua Ratio Studiorum, o modelo de superviso que ter maior incidncia sobre o nosso o dos Estados Unidos, que surgiu no sculo XVIII como "Inspeo Escolar", no bojo do processo de industrializao. Aqui quase inevitvel nos remetermos a Foucault (1977: 177), idia de Panptico: a super-viso como expresso do desejo de controle total dos movimentos dos outros. Mais recentemente, ganhou fora e contorno legal, num contexto nada favorvel: Sabe-se que a Superviso Educacional foi criada num contexto de ditadura. A Lei n. 5692/71 a instituiu como servio especfico da Escola de 1o e 2 Graus (embora j existisse anteriormente). Sua funo era, ento, predominantemente tecnicista e controladora e, de certa forma, correspondia militarizao Escolar. No contexto da Doutrina de Segurana Nacional adotada em 1967 e no esprito do AI-5 (Ato Institucional n. 5) de 1968, foi feita a reforma universitria. Nela situa-se a reformulao do Curso de Pedagogia. Em 1969 era regulamentada a Reforma Universitria e aprovado o parecer reformulador do Curso de Pedagogia. O mesmo prepara predominantemente, desde ento, "generalistas", com o ttulo de especialistas da educao, mas pouco prepara para a prtica da educao. (Urban, 1985: 5) A introduo da Superviso Educacional traz para o interior da escola a diviso social do trabalho, ou seja, a diviso entre os que pensam, decidem, mandam (e se apropriam dos frutos), e os que executam; at ento, o professor era, em muito maior medida, o ator e autor de suas aulas, e a partir disto passa a ser expropriado de seu saber, colocando-se entre ele e o seu trabalho a figura do tcnico. Comprometido com a estrutura de poder burocratizada de onde emana a fonte de sua prpria autoridade individual, o supervisor escolar tende a "idiotizar" o trabalho do professor porque, tal como na situao industrial, "no se pode ter confiana nos operrios" (...) A incompetncia postulada do professor se apresenta assim como a "garantia" perversa da continuidade da posio do supervisor, de vez que inviabiliza a discusso sobre sua competncia presumvel e sobre a validade de sua contribuio especfica. (Silva Jr., 1984: 105) Em funo dessa origem profissional ligada ao poder e controle autoritrios, h necessidade de o coordenador, que assume uma postura diferenciada, conquistar a confiana dos educadores.

Definio Negativa do Papel H a demanda pela definio do papel do coordenador pedaggico; certamente esta busca reflete o desejo de

redefinio da atuao do profissional. Comecemos pela definio negativa, qual seja, por aquilo que a superviso no (ou no deveria ser): no fiscal de professor, no dedo-duro (que entrega os professores para a direo ou mantenedora), no pombo correio (que leva recado da direo para os professores e dos professores para a direo), no coringa/tarefeiro/quebra galho/salva-vidas (ajudante de direo, auxiliar de secretaria, enfermeiro, assistente social, etc.), no tapa buraco (que fica "toureando" os alunos em sala de aula no caso de falta de professor), no burocrata (que fica s voltas com relatrios e mais relatrios, grficos, estatsticas sem sentido, mandando um monte de papis para os professores preencherem - escola de "papel"), no de gabinete (que est longe da prtica e dos desafios efetivos dos educadores), no dicrio (que tem dicas e solues para todos os problemas, uma espcie de fonte inesgotvel de tcnicas, receitas), no generalista (que entende quase nada de quase tudo).

Definio Positiva Poderamos dizer que a coordenao pedaggica a articuladora do Projeto Poltico-Pedaggico da instituio no campo pedaggico,4 organizando a reflexo, a participao e os meios para a concretizao do mesmo, de tal forma que a escola possa cumprir sua tarefa de propiciar que todos alunos aprendam e se desenvolvam como seres humanos plenos, partindo do pressuposto de que todos tm direito e so capazes de aprender.5 O ncleo de definio e de articulao da superviso deve ser, portanto, o pedaggico (que o ncleo da escola, enquanto especificidade institucional) e, em especial, os processos de ensino-aprendizagem. Neste sentido, a prpria concepo de superviso se transforma, na medida em que no se centra na figura do supervisor, mas na funo supervisora, que, inclusive, pode, e deve, circular entre os elementos do grupo, cabendo coordenao a sistematizao e integrao do trabalho no conjunto, caminhando na linha da interdisciplinaridade. A funo supervisora pode ser compreendida como um processo em que um professor, em princpio mais experiente e mais informado, orienta um outro professor ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e profissional (Alarco, 2001b: 13). importante lembrar que, antes de mais nada, a coordenao exercida por um educador, e como tal deve estar no combate a tudo aquilo que desumaniza a escola: a reproduo da ideologia dominante, o autoritarismo, o conhecimento desvinculado da realidade, a evaso, a lgica classificatria e excludente (repetncia ou aprovao sem apropriao do saber), a discriminao social na e atravs da escola, etc. Nos ltimos anos, temos desenvolvido algumas pesquisas de cunho etnogrfico, analisando a prtica pedaggica 'bem sucedida'.(...) Em todos esses trabalhos, o que sobressai, como principal fator para o sucesso da escola, a presena de um supervisor que v sua tarefa como essencialmente pedaggica, que est junto com os professores, discutindo com eles os problemas e buscando as solues, conhecendo as crianas, enfim, o fato de a escola contar com algum preocupado com o ensino e que busca meios de auxiliar o professor a tornar a sua tarefa menos rdua contribui sobremaneira para o sucesso da escola. (Mediano, 1990: 83) O supervisor deve colaborar ainda com a definio e explicitao do Projeto Poltico-Pedaggico da Escola 6 o que no deve ser entendido como longas pginas de declarao de intenes, mas sim alguns pontos considerados fundamentais e assumidos pelo conjunto dos educadores, bem como com a integrao da prpria coordenao pedaggica com os demais setores da escola. O foco de ateno do supervisor no trabalho de formao tanto individual quanto coletivo: deve contribuir com o aperfeioamento profissional de cada um dos professores e, ao mesmo tempo, ajudar a constitu-los enquanto grupo (tarefa na qual particularmente ajudado pela orientao educacional). Entendemos o supervisor como um intelectual orgnico no grupo (cf. Gramsci); sua prxis, portanto, comporta as dimenses reflexiva, organizativa, conectiva, interventiva e avaliativa. Nesta medida, nos afastamos daquela postura de controle burocrtico, em direo do educador do educador (no podemos perder de vista a clssica e sempre atual pergunta: Quem educa o educador?).

Mediao Quando analisamos a funo social da escola (a educao atravs do ensino), nos damos conta de que a atuao da coordenao pedaggica se d no campo da mediao, pois quem est diretamente vinculado tarefa de ensino, stricto sensu, o professor. O supervisor relaciona-se com o professor visando sua relao diferenciada, qualificada com os alunos. Neste contexto, preciso atentar para a necessria articulao entre a pedagogia de sala de aula e a pedagogia institucional, uma vez que, no fundo, o que est em questo a mesma tarefa: a formao humana, seja dos alunos, dos professores, da coordenao, dos pais, etc. A relao superviso-professor, em termos de processo de interao, muito similar professor-aluno. Assim como o aluno e no o professor, naquele momento da aula, o foco das atenes em termos de construo do conhecimento, quem vai ter a prtica pedaggica em sala o professor, e no o supervisor. Seu papel , pois, de mediador.9

Considerando, ento, que quem pratica, quem gere a prtica pedaggica de sala de aula o professor, a coordenao, para ajud-lo, deve estabelecer uma dinmica de interao que facilite o avano:

Acolher

o professor em sua realidade, em suas angstias; dar "colo": reconhecimento das necessidades e dificuldades. A atitude de acolhimento fundamental tambm como uma aprendizagem do professor em relao ao trabalho que deve fazer com os alunos; a perceber as suas contradies (e no acobert-las);

Fazer a crtica dos acontecimentos, ajudando a compreender a prpria participao do professor no problema, Trabalhar em cima da idia de processo de transformao; Buscar caminhos alternativos; fornecer materiais; provocar para o avano; Acompanhar a caminhada no seu conjunto, nas suas vrias dimenses.Podemos localizar aqui um certo movimento em que h uma alternncia entre criar e aliviar tenso.11 O coordenador, ao mesmo tempo em que acolhe e engendra, deve ser questionador, desequilibrador, provocador, animando e disponibilizando subsdios que permitam o crescimento do grupo; tem, portanto, um papel importante na formao dos educadores, ajudando a elevar o nvel de conscincia: tomada de conscincia (cf. Freire, 1980), passagem do "senso comum conscincia filosfica" (cf. Saviani, 1983a), ou criao de um novo patamar para o senso comum (cf. Boaventura Santos, 1995: 45). Em termos de abertura para um novo paradigma, podemos nos propor passar de "super"- viso para "outra"viso!

Ampliando o Horizonte Um outro desdobramento da funo supervisora o da educao da mantenedora, da administrao educacional. Existem contradies que esto colocadas pelo prprio lugar que se ocupa na estrutura e no por "maldade". O coordenador, em funo do espao em que atua, tem tanto a interface com o "cho da sala de aula" (atravs do contato com os professores e alunos), quanto com a administrao, podendo ajudar uns e outros a se aproximarem criticamente. Dando mais um passo, nos deparamos com a comunidade em que a escola est inserida, e encontramos mais um campo de atuao da superviso, na medida em que tambm a esto envolvidos processos de aprendizagem aos quais a superviso dever estar atenta. Assim, chegamos a um conceito mais amplo da superviso: lder de comunidades formativas (Alarco, 2001b: 50). Toda relao educativa, seja l onde se d, embora no se esgote nele, implica um vnculo epistemolgico, o qual ser objeto do cuidado da coordenao. E como afirma Paulo Freire: A educao, no importando o grau em que se d, sempre uma teoria do conhecimento que se pe em prtica.(..) O supervisor um educador e, se ele um educador, ele no escapa na sua prtica a esta natureza epistemolgica da educao. Tem a ver com o conhecimento, com a teoria do conhecimento. O que se pode perguntar : qual o objeto de conhecimento que interessa diretamente ao supervisor? A talvez a gente pudesse dizer: o prprio ato de conhecimento que est se dando na relao educador/educando. (Freire, 1982: 95) E possvel afirmar, portanto, que a especificidade da atuao da coordenao pedaggica so os processos de aprendizagem, onde quer que ocorram.

Condies Objetivas e Subjetivas Para que este papel possa se efetivar na instituio, e o coordenador ajudar a produzir as mudanas indispensveis da prtica pedaggica, so necessrias, amplamente falando, condies objetivas e subjetivas (entendidas como entrelaadas e no dicotomizadas numa distintividade categrica). Embora a tarefa de conseguir essas condies para o trabalho no seja, evidentemente, s da coordenao, tambm dela, devendo, portanto, se comprometer com sua concretizao, articulando-se com os demais segmentos envolvidos. Na seqncia, vamos analisar estas duas exigncias.

IICONDIES SUBJETIVAS PARA A AO SUPERVISORA Quando se fala de mudana da prtica de sala de aula para educadores, no h uma adeso imediata; ao contrrio, manifesta-se amide uma certa resistncia, comentrios que deixam transparecer nas entrelinhas descrena ou desnimo. E comum encontrarmos situaes em que, de um lado, esto os tcnicos a defender, e, de

outro, os professores fazendo de tudo para se livrarem das tais novas propostas... Para dar conta deste desafio, a coordenao pedaggica dever ser capacitada nas trs dimenses bsicas da formao humana: conceituai, procedimental e atitudinal.

1Dimenso Atitudinal Esta, provavelmente, seja uma das dimenses mais difceis de serem trabalhadas, justamente por envolver valores, interesses, sentimentos, disposio interior, convices; por isto, devemos nos aproximar dela com bastante coragem e rigor. Diante da forte crise de sentido para o trabalho que os educadores esto vivenciando, e da conseqente resistncia mudana, h o perigo de o coordenador cair na postura moralista no trato com os professores. No "moralizar" significa no fechar a porta para o outro; acreditar na possibilidade de mudana do outro; ao invs de ficar preocupado em julgar e rotular algum (atribuir a eventual falha "essncia" da pes-- a), procurar, antes de mais nada, compreender o porqu daquele ato ou situao (abordagem hermenutica), e, a partir desta atitude de acolhimento, ajudar o sujeito a encontrar ou, se for o caso, apresentar um outro caminho, uma outra possibilidade de ser. Podemos nos remeter aqui para uma metaleitura: quando dizemos isto a um supervisor porque estamos procurando vivenciar este princpio, acreditando que este supervisor (que vai nos ler) pode ter uma viso diferente a respeito dos professores com quem convive. Muitas vezes, parece que encaramos o professor como se fosse um indivduo perverso, mau carter, como se tivesse a prtica distorcida porque quer, porque conscientemente desejou aquilo. Numa postura de cuidado, de acolhimento, ao contrrio, entendemos que isto pode estar ocorrendo em funo de um processo de alienao. Se ns no conseguirmos um grau mnimo de empatia (capacidade de nos colocarmos no lugar do outro), se logo partirmos para juzo moral do professor, estaremos estabelecendo uma ruptura no relacionamento pela colocao do estigma: o professor autoritrio, descompromissado, etc., ao invs de buscar compreender, entender que ele eventualmente est sendo, est tendo algumas prticas autoritrias. Criticamos o professor que rotula o aluno e, de repente, podemos estar agindo de forma semelhante com ele... O supervisor no pode "queimar" a relao com os docentes. Toda relao humana autntica se baseia na crena da possibilidade do outro, de que ningum melhor ou superior a ningum. Acreditar que o outro pode mudar, que o que lhe faltou at ento foi efetiva oportunidade ou percepo da necessidade. Este o ponto de partida: confiar que o professor pode mudar sua viso e postura em relao prtica pedaggica. Precisamos nos trabalhar nesta direo, desarmar preconceitos, buscar sinceramente esta crena. Guardadas as devidas propores e as diferenas de contextos (um est no incio da formao, outro no exerccio profissional), poderamos dizer que assim como o professor no pode desistir do aluno, o coordenador no pode desistir do professor. Parte-se sempre do pressuposto de que todo ser humano pode aprender, todo ser humano "tem jeito". a)Categorias de Anlise Portanto, h que se analisar as causas de tal atitude do professor. Para isto, propomos algumas categorias de anlise (e tambm de interveno): criticidade, historicidade e totalidade.

Criticidade No ficar preso manifestao primeira, ao que aparece; ver atravs. Lukcs sinaliza que j na vida cotidiana os fenmenos freqentemente ocultam a essncia do seu prprio ser, ao invs de ilumin-la (1979: 25). Cabe pesquisar, investigar: por que as coisas esto acontecendo assim? A criticidade se contrape :

Ingenuidade:

no perceber a existncia do problema; ficar preso aos discursos; no conseguir furar os esquemas de ocultao, de desapario, de intransparncia; no estar apto para ver o que est por detrs, por dentro; "no desconfiar", viver "em outro mundo"; no equvoco; repetio de explicaes prontas que, com efeito, no do conta das reais causas dos problemas;

Insero na ideologia dominante: negao do problema, pela crena compartilhada com o sistema; convico Pseudo-superaes: por no captar o ncleo do problema, so feitas pequenas modificaes, sem alterar oelemento determinante, a estrutura. Quando no se sabe onde est o problema, corre-se o risco de se eleger (ou inventar...) um e tom-lo como se fosse o verdadeiro, o que traz a sensao de segurana e de que se est fazendo algo. Confundir crtica com "falar mal": do ponto de vista da ordem dominante, at interessante que existam 'crticos' ao sistema o que d a sensao de liberdade, desde que se fique no nvel da mera catarse, e no se parta para a organizao, para a ao concreta, pois a ao que

transforma a realidade (e no simplesmente as palavras). Diante do problema, preciso uma atitude de anlise, de investigao, de busca de compreenso da estrutura profunda e de compromisso de transformao. Esse o papel da Cincia: passar do movimento simplesmente aparente dos fenmenos ao movimento interno real (Garaudy, 1967: 127). Um dos elementos essenciais mudana a compreenso da natureza contraditria do real, tanto no que concerne aos sujeitos, quanto s estruturas. Pela anlise crtica, podemos ir identificando as contradies presentes na realidade e nos educadores, e trabalh-las, qual seja, ajudar na tomada de conscincia, bem como na busca de superao. Este trabalho deve se basear ao mesmo tempo por um respeito profundo e pela verdade. No entanto, a arma da crtica no pode esquecer a crtica das armas (cf. Marx, 1989: 86): quando criticamos, p. ex., a preocupao em cumprir o programa (o que, de resto, pe por terra qualquer possibilidade de um planejamento mais autntico), no podemos esquecer as condies que levam o professor a tal atitude; por isto a anlise da realidade deve ser muito bem feita, para o professor no ser depois destronado pelos acontecimentos. Criticar tambm ser capaz de ver e resgatar os aspectos positivos; no ficar s no cobrar. Valorizar o saber do outro: dado o carter contraditrio da realidade, por mais equivocada que nos parea uma prtica, sempre tem algo vlido e no deve ser totalmente descartada. Cabe igualmente a autocrtica: o supervisor aprender a colocar em pauta a prpria prtica, trabalhar suas contradies, para poder de fato sem defesas dialogar com o professor. O coordenador no pode se prestar a fazer o papel de pelego, de justificar as contradies da instituio. E preciso ainda a metacrtica: a crtica da prpria crtica, qual seja, a reflexo saber-se limitada, o sujeito estar sempre atento aos perigos, s armadilhas do pensamento e da subjetividade. Daqui advm um vetor importante para orientar a atividade do educador: a partir de certo ponto, s conseguimos avanar na crtica se avanarmos na tentativa de interveno no real, uma vez que a conscincia crtica no se constitui atravs de um trabalho intelectualista mas na prxis - ao e reflexo (Freire, 1981a: 82). Diante de situaes de conflito, de que lado deve se colocar o coordenador: dos professores ou da mantenedora/direo? Nos parece que esta uma questo mal colocada: no se trata de assumir a "defesa" de uma das partes a priori muito menos de "ficar em cima do muro", j que no h neutralidade, mas sim de estar comprometido com um Projeto Poltico-Pedaggico, e, em funo disso, se posicionar em cada situao concreta. Alguns coordenadores, ingenuamente, defendem a entrada da escola nas redes empresariais de ensino (tipo franquia). S que no percebem que, com esta atitude, esto sendo autofgicos: em pouco tempo a escola vai perceber que, para fazer simplesmente os professores seguirem aquelas famigeradas apostilas, no precisar de algum para auxiliar nisto... Alm do mais, as redes oferecem padronizao atravs de cursos, reciclagens, atendimento telefnico para as dvidas, etc., ou seja, no caso de filiao, o coordenador, sobretudo se tentar fazer um trabalho mais crtico e reflexivo, no s se torna descartvel como indesejvel!

Totalidade Procurar perceber as mltiplas relaes, as vrias partes envolvidas (princpio de complexidade), bem como seus nexos e conexes. Entra aqui a relao entre parte e todo, geral e particular. Buscar a viso de conjunto, ver as vrias dimenses do problema adiante e atrs; de um lado e de outro; acima e abaixo (cf. Alarco, 2001b: 41) fundamental para sua compreenso concreta e para a adequada interveno. Os esquemas explicativos monocausais so muito confortantes, mas tambm muito ineficazes... Devemos considerar que o comportamento do professor de resistncia mudana no um caso isolado; esta distoro est presente num nmero bastante significativo de docentes. Alm disto, no podemos focar s o professor: preciso resgatar a rede de relaes da qual o professor faz parte; caso contrrio, parece que o problema s ele, como se todo o resto estivesse muito bem. Por outro lado, em termos de interveno, quanto maior o nmero de fatores atingidos por nossa ao, maior a probabilidade de dar certo. Algumas vezes, o professor-coordenador acusado pelos colegas de ter "mudado de lado". Isto, com efeito, pode acontecer, qual seja, o supervisor passar a defender a mantenedora como forma de manter o emprego ou certos privilgios. No entanto, normalmente o que acontece no mudar de lado, mas ver outros lados, perceber aspectos que at ento no tinha tido oportunidade. E preciso, pois, trazer estes elementos novos para os professores, ajudlos a ver tambm, para enfrentar juntos.

Historicidade Para que possamos saber como sair desta situao, precisamos nos localizar no movimento da histria, a fim de entender como chegamos a isto (gnese e desenvolvimento do problema). Cabe, pois, investigar: como o professor atingiu este descrdito em relao prtica de ensino e s possibilidades de mudana? No nasceu assim. Devemos

reconhecer que as propostas de mudana, em muitas realidades, foram implantadas de cima para baixo, sob a gide do tecnicismo, num contexto de desqualificao da formao, achatamento salarial, entrada dos especialistas, avano da indstria do livro didtico, etc., enfim, do esvaziamento da funo docente. Aqui est a raiz de grande parte da sua descrena no ensino: a alienao deste processo, o seu carter exterior, estranho, burocrtico, autoritrio. No cotidiano da escola, muitas foram as contradies: propostas desvinculadas das condies para sua efetivao; formalismo (ex.: exigncia de preencher formulrios com determinados verbos ou termos); imposio do livro didtico (professor "tem que" seguir); estratgia de dirigentes de transferir toda a responsabilidade para a escola em nome da delegao da tarefa de elaborao do Projeto Pedaggico; faz-se projeto, muda algum da mantenedora, impe-se outro; faz-se plano de trabalho e nunca ningum sequer l, etc. A histria do profissional, do grupo e da instituio nos ajuda a entender muita coisa, possibilitando uma aproximao mais adequada realidade. Quando todos estes elementos so levados em conta no processo de mudana, passamos a ter um outro olhar sobre ns mesmos e sobre os colegas docentes, por compreender o fenmeno na sua complexidade e movimento.

b)Sensibilidade e Confiana Uma das grandes virtudes que se aponta hoje para a funo supervisora a sensibilidade, a capacidade de estar aberta, perceber o outro, reconhecer suas demandas, suas lacunas, bem como seu potencial, seu valor. Podemos nos lembrar do conceito radical de afetividade (capacidade de se deixar afetar pela necessidade do outro). Tal sensibilidade leva ao cuidado de no generalizar (ex.: "os" professores so resistentes); as generalizaes apagam as diferenas, tendendo a ser injustas; conseguir ver os nuances, a diversidade do espectro, e preservar as diferenas (combinando-as). Ser sensvel ser capaz de ver os sinais mais tmidos ou sutis; no apagar a chama que ainda fumega. Ter capacidade de identificar e valorizar as prticas novas que esto acontecendo (ainda que frgeis e at contraditrias, num primeiro momento). A sensibilidade d uma certa leveza ao to desafiador trabalho de formao, sobretudo quando consideramos a necessidade de desconstruir conceitos, hbitos e atitudes j enraizados. imprescindvel procurar construir o relacionamento baseado na confiana. E claro que isto no se faz com discursos vazios ("podem confiar em mim"), mas com atitudes concretas no cotidiano do trabalho, onde o coordenador revela, de fato, a que veio e a quem est servindo; temos de mostrar aos professores que estamos com eles, no sentido de ajud-los a terem um trabalho mais adequado do ponto de vista pedaggico, portanto mais realizador, com menor grau de sofrimento e desgaste. O nosso papel no destruir ningum, no desprezar ningum, no desvalorizar ningum. O que queremos construir uma prtica educativa transformadora, libertadora, onde todos possam se tornar mais humanos, livres, solidrios, justos. Nosso empenho alertar para a necessidade de desconstruir os eventuais elementos de alienao que existam nos sujeitos que participam da prtica educativa. Como diz a tradio oriental, para se confiar em algum necessrio comer um saco de sal junto... A confiana no vem por decreto; conquista-se com o tempo. Por seu turno, diante das crticas que recebe, a superviso no deve comear logo a se justificar ou a desqualific-las; h um discurso corrente de que "as crticas devem ser construtivas" que um tanto perigoso, uma vez que pode ser usado como uma forma sutil de calar o outro. Em primeiro lugar, inerente crtica um certo carter destrutivo, na medida em que se busca a mudana da realidade (o que no justifica, de maneira alguma, desrespeito s pessoas). Em segundo lugar, no obrigao de quem critica j ter clareza do que deve ser posto no lugar do que est sendo criticado. Por fim, se formos solicitar que cada crtica seja acompanhada por seus fundamentos ontolgicos, axiolgicos, epistemolgicos, etc., o que estamos fazendo, na verdade, decretar o fim das crticas... A coordenao colabora muito quando se coloca numa postura de formao permanente, no se julga pronta s porque tem determinado curso, grau ou tempo de trabalho; cultiva a to saudvel e absolutamente necessria conscincia da incompletude, que leva a sempre buscar, para corresponder vocao ontolgica de ser mais (cf. Freire, 1981b: 83-86). Humildade, abertura.

2Dimenso Procedimental Um outro campo de formao e domnio por parte da coordenao pedaggica o relativo ao saber-fazer, encontrar caminhos para concretizar aquilo que se busca (mtodos, tcnicas, procedimentos, habilidades).

a)Categorias de Interveno Indicamos, na .seqncia, algumas categorias nas quais a ao supervisora pode se referenciar.

Prxis O que muda a realidade a prtica; precisamos chegar a ela. No h mais espao para intenes genricas; preciso transformar idias em aes concretas, para assim, dialeticamente, transformar a prpria conscincia, enraizando o lampejo inicial que provocou a ao, bem como alterando-a de acordo com o confronto com o movimento do real. Mas, se desejamos transformar a realidade, no pode ser atravs de qualquer prtica.20 Esta deve corresponder a uma nova viso (logo, pautada numa reflexo crtica) e, mais do que isto, a uma nova postura (adeso interior, crena, convico). A prxis plena, portanto, muito complexa, j que envolve no apenas a reflexo e emoo (necessidade), mas tambm, para que possa realmente acontecer, a correspondncia a determinadas condies objetivas (possibilidade). Alguns educadores, fazem uma diviso grosseira entre teoria e prtica, e dizem, p. ex., que a reflexo fica no "antes" da atividade pedaggica, no plo da teoria, e a ao fica no "depois" da reflexo, no da prtica. No podemos aceitar esta viso, exatamente por fazer uma justaposio (e no interao) e romper a concepo de educao como prxis transformadora. Na perspectiva dialtica, a atividade educativa engloba tanto a Elaborao quanto a Realizao Interativa, qual seja, reflexo a partir da prtica, prtica refletida, reflexo sobre a prtica e sobre a reflexo, etc. Percebe-se, com freqncia, um certo preconceito em relao teoria, fruto do contato com determinadas 'teorias' mgicas. Da a assertiva: "Na prtica a teoria outra". Podemos dizer de imediato que tal afirmativa tambm uma teoria... Teoria sempre fazemos; a questo : que teoria? Blblbl ou algo que efetivamente decifre a realidade, a explique e nos ajude a intervir? Por outro lado, h um problema srio no exerccio do magistrio: quando comeamos a nos formar na academia, j temos muitos anos de experincia no campo ( certo que como aluno e no como professor, mas no mesmo campo que exerceremos nossa atividade profissional); isto tambm pode gerar a tendncia de menosprezar a teoria ("dar aula" bvio). Na formao dos novos docentes, este saber advindo da experincia prvia normalmente no trabalhado, o que refora a separao entre teoria e prtica. Um outro fator de secundarizao da teoria que os erros pedaggicos no tm tanta visibilidade como em outras reas (na Engenharia, a ponte cai; no Direito, o processo perdido; na Publicidade, a campanha no decola, etc): o ensino pode ser mal feito e demorar anos para isto ser percebido... O distanciamento entre teoria e prtica pode se dar por diferentes motivos, desde um fator antropolgico (a intrnseca diferena que existe entre aquilo que vivemos e aquilo que desejamos, tenso geradora do processo de hominizao, a no-conformao com o que est dado), at fatores sociais (diviso do trabalho), econmicos (diviso em classes sociais) ou culturais (idealismo). O problema nas instituies, muitas vezes, no tanto a distncia entre teoria e prtica, mas o fato de isto no ser assumido, no ser tematizado; nestes casos, a teoria acaba virando ideologia, no sentido negativo de encobrir contradies da prtica. Coloca-se aqui aquele questionamento bsico: ser que precisamos de uma nova relao de idias sobre a realidade ou nova relao com as idias e com a realidade? Seria importante tomar algumas idias, propostas, e acreditar, ir fundo, levar a srio, procurar concretizar, tentar efetivamente colocar em prtica. No ficar pulando de "galho em galho" nos modismos pedaggicos. O que se visa, ento, estabelecer na escola a dinmica constante de AoReflexo, de tal forma que possamos cada vez mais nos apropriar criticamente de nossa prtica (e da nossa teoria) e faz-la(s) avanar. Para isto, o acompanhamento individual e o trabalho coletivo constante so fundamentais, como veremos com detalhes mais frente.

Mtodo Para construir a prxis e atingir seus objetivos, a superviso precisa se estruturar. Vimos acima a queixa do "desvio de funo". Todavia, podemos questionar: a coordenao tem seu projeto de trabalho? Sabemos que o projeto no panacia, mas o mesmo argumento utilizado para com os professores serve para a superviso: se difcil o trabalho com um bom plano, ser muito mais sem ele! Esta idia to simples no to facilmente assimilada pelos supervisores: em decorrncia de toda a nfase que se tem dado ultimamente ao trabalho coletivo, muitos coordenadores acabam fazendo uma fuso sincrtica, qual seja, no se distinguem do coletivo e no conseguem perceber a necessidade de um projeto prprio, de um plano especfico de trabalho (embora, naturalmente, vinculado, como todos os outros planos setoriais da instituio o devam ser, ao Projeto Poltico-Pedaggico). Sistematizando os elementos colocados at aqui, podemos dizer que para a qualificao da ao mediadora do supervisor junto ao professor preciso:

1. 2. 3.

Compreender a realidade; construir a rede de relaes; conhecer, mapear, apreender o que est por detrs dos limites da prtica ou das queixas; Ter clareza de objetivos; saber a servio de que e de quem se coloca; ganhar clareza em relao intencionalidade do trabalho; Estabelecer o plano de ao, a partir da tenso entre a realidade e o desejo.

Avaliar a prtica. Ter Mthodos [Meta (fim) + Hods (caminho)] ajuda a entender a complexidade do real: h uma grande diferena entre o perceber intuitivamente o imbrglio que est a, e o se munir de instrumentos de anlise, de tal forma que se consiga estabelecer as relaes (dando melhores condies para a interveno). So comuns no meio escolar expresses mltiplas de descontentamento, reclamaes meio difusas. Ora, a percepo sincrtica tem seu valor, j que faz parte do processo de construo do conhecimento, do desenvolvimento humano. A experincia sincrtica muito rica, importante, at porque, como momento de instabilidade, abertura a novos possveis, a novas leituras, visto no estar fechada ainda num quadro conceituai mais rgido ou estruturado. O problema estagnar a. Quando comeamos a esmiuar, conhecer melhor a realidade, estabelecendo os nexos (conhecer estabelecer relaes), ganhamos tanto em nitidez dos objetivos, quanto na definio do plano de mediao. s vezes, passamos um pouco rpido demais por este olhar sobre o real; achamos que j sabemos como as coisas so. Ficamos repetindo discursos, chaves e no nos apropriamos da teoria. Se passarmos superficialmente pela realidade, tanto os objetivos quanto o plano de ao podem ficar empobrecidos, comprometendo o carter transformador da ao. Este processo de elaborao vai nos remeter necessidade de formao, de construo terica, de qualificao do sujeito (individual e coletivo). O projeto de trabalho uma estratgia para isto.

4. 5.

Agir de acordo com o planejado.

Continuidade-Ruptura A dialtica de continuidade-ruptura implica em dois vetores de orientao para o trabalho: 1 Partir de onde o sujeito/grupo est (e no de onde consideramos que "deveria estar"); 2 Mas superar (no ficar l...). Possibilitar o salto qualitativo. Assim, a superviso deve procurar entender o que se passa com o professor, no a fim de justificar, mas para levar o prprio professor a entender o que est acontecendo com ele, quais so os fatores que, naquele momento, esto condicionando sua prtica, e assim poder mudar. Trata-se de um respeito dialtico: mximo respeito e mxima exigncia (cf. Makarenko). Ser "colo" quando necessrio, mas tambm ser firme se a situao assim o exigir. um trabalho difcil, onde no se pode perder a tenso entre os plos respeitar (procurar entender) e problematizar (lembrando que a problematizao uma forma de respeito tambm: admitir que o outro pode crescer). Aqui j estamos apontando a necessidade da prxima categoria. A vivncia da tenso entre continuidade-ruptura permite superar a viso dicotmica: ou s se faz o novo ou s o antigo. O novo vai ser construdo no a partir do nada, mas dos elementos dispostos atualmente no real, que precisam ser identificados e articulados na nova direo. Isto no significa sincretismo, justaposio de partes desconexas, mas um esforo de construo, de re-significao dos elementos disponveis, enfim, de criao. Dilogo Problematizador A coordenao pode ser uma interlocuo privilegiada para o professor: DAntes de tudo, pelo simples fato de se colocar em efetiva atitude de escuta, de dilogo; sabemos que muitas vezes o que as pessoas precisam de algum para ouvi-las, pois ao falarem vo organizando as idias, podendo chegar a concluses por si mesmas. Mesmo o interlocutor que nada domina da rea em questo, pode ajudar com suas dvidas, com suas perguntas bsicas, j que estas obrigam o sujeito a ter de dizer de maneira simples, o que exige organizar as representaes, sintetizar. 2)Porque a coordenao tem um certo domnio, uma certa noo, uma viso geral do trabalho e pode, objetivamente, dar algum direcionamento para a prtica do professor, se no em termos de contedos especficos, certamente em termos de processo global de ensino-aprendizagem. O dilogo deve ser franco, chegando a discutir abertamente as questes com os professores, inclusive a eventual percepo que a coordenao estiver tendo, por exemplo, da desmotivao para o trabalho. Distinguir bem: uma coisa defender uma idia, tentar deix-la bem clara, marcar uma posio; outra, bastante diferente, colocar-se como "iluminado", como nico portador da sabedoria... A referncia, o pano de fundo do dilogo deve ser o Projeto Poltico-Pedaggico; isto muito importante para evitar abordagens idiossincrticas que geram disputas infantis pelo poder. No caso de o dilogo tornar-se mais difcil, o coordenador pode solicitar que algum o ajude, supervisionando a relao; esta superviso algo relativamente simples: dialogar com um terceiro (pessoa com quem tenha um bom relacionamento) sobre as entraves do seu dilogo com determinado professor.24 Com esta iniciativa, a coordenao re-afirma, simultaneamente, sua crena no dilogo, sua abertura crtica e a necessidade da atividade supervisora. O supervisor deve ter a preocupao, sobretudo nos primeiros contatos, na constituio inicial da dinmica grupai, de legitimar as falas, as perguntas, as dvidas. Aprender a escutar (cf. Freire, 1997: 127). No desqualificlas de forma alguma. Pelo contrrio, respeitar para que o sujeito possa se sentir valorizado. H o perigo de o dilogo ficar truncado em nome do "alto nvel epistemolgico" ou das "especificidades das reas do conhecimento". Esta pode ser uma forma sutil, porm extremamente autoritria, de fazer o outro calar ("Voc precisa ler mais para que possamos discutir"...). Um professor de uma determinada rea ou o prprio coordenador, p. ex., pode no saber a melhor

forma de ensinar Nmeros Primos; mas pode, como ser vivo, curioso e inteligente, comear por perguntar para qu estudar estes tais nmeros. A medida que for entendendo ~:as questes de base, poder at se capacitar para fazer questionamentos mais especficos; por outro lado, este questionamento radical (que vai raiz) ajudar o outro a resgatar o sentido de sua prtica que j teria se tornado repetitiva, mecnica.

Significao Todo o esforo da mediao da superviso vai na perspectiva de ajudar o professor a construir um sentido para seu trabalho e, dessa forma, ajudar o aluno a tambm elaborar um sentido para o estudo. Vai ser por este empenho de articulao de sentido que vamos enfrentar a descrena do professor no ensino. Dado o carter teleolgico, de intencionalidade do ser humano, a tarefa de construo de sentido da maior relevncia. A superviso tem um papel muito importante na direo de resgatar o valor e o sentido do ensino como espao de transformao. Deve ter coragem de, junto com a orientao educacional, ir fundo nesta tarefa, se capacitando para trabalhar a carga de desesperana e ceticismo a que chegaram muitos educadores.

b) Categorias de Sustentao A questo no s desencadear um conjunto de aes; preciso sustentar um processo de mudana. Para isto, apontamos algumas categorias que tm se revelado como decisivas em tal propsito.

tica Muitas tentativas de mudana naufragam por uma espcie de boicote interno: a falta de transparncia, de tica entre os membros do grupo. E preciso jogar claro; no ter "duas caras", no ficar com indiretas, cinismo ou sarcasmo. No entrar no leva-e-traz, comentando pelas costas. Cortar na raiz qualquer diz-que-diz-que. Saber guardar sigilo daquilo que for assim solicitado pelo professor. tica implica em o sujeito assumir responsabilidades pelos seus atos (ao invs de entrar no "jogo de empurra"). No limite, tica libertadora significa querer o bem, no prejudicar o outro.

Viso de Processo Quando nos referimos concretizao processual daquilo que desejamos, no o fazemos como simples fora de expresso, mas, ao contrrio, baseados em toda uma concepo metodolgica de trabalho e interveno na realidade. Precisamos ter uma viso e uma prtica de processo, tendo conscincia da necessidade de mudana radical das estruturas, mas compreendendo tambm a importncia dos passos concretos possveis, ainda que limitados, porm efetivos, em direo finalidade maior. "Ningum chega l partindo de l". Aproximaes sucessivas: no podemos imaginar que vamos implantar de repente um ensino de qualidade democrtica. A viso de processo tambm se contrape abordagem dicotmica da realidade: ou muda tudo ou nada muda. Avanar mais onde for possvel; este princpio, aparentemente to elementar, tem provocado crises nos dirigentes das instituies, por sentirem-se inseguros pelo fato de existir, p. ex., ao mesmo tempo, trs sistemas de avaliao no seu interior (Educao Infantil e primeiros anos do Ensino Fundamental,26 demais anos do Fundamental, e Ensino Mdio). A unificao formal da escola parece trazer mais tranqilidade, mas pura iluso: quantas e quantas escolas que tm o mesmo sistema de avaliao do incio ao fim e, no entanto, so na verdade vrias escolas no interior da mesma. No caso de a escola conviver com diferentes modalidades de prticas, o importante que sejam devidamente conhecidas, ou seja, que a prtica de um segmento no seja estranha ao outro, e que as diferenas possam ser abertamente discutidas. Alimentar a tenso entre o desejvel e o realizvel (no atropelar os limites, em nome do desejo, nem abdicar do desejo em nome dos limites). Desta tenso que emergir o histrico-vivel. Muitas vezes, s vamos achar um razovel ponto de equilbrio (sempre provisrio) depois de algumas tentativas e alguns erros cometidos; lamentavelmente, em certos casos, estes erros so usados como justificativa para interromper a experincia, ao invs de servirem de elemento de aprendizado e avano. Alterar a realidade um grande desafio, e uma transformao mais substancial pode depender da acumulao de uma srie de pequenas transformaes na mesma direo. Tenta-se uma mudana durante uma semana; se no funcionou, j no se faz mais... E preciso persistir, ter a impaciente pacincia histrica. Ter clareza de que, embora seja necessrio levar em conta todas as dimenses da realidade (cf. Totalidade) e ter

presente que nem todas as alteraes tm a mesma importncia, no h um caminho nico, um ponto de gnese absoluta,28 qual seja, uma mudana da qual todas as outras dependeriam. E por isto que cada coletivo dever decidir o passo concreto que ser dado naquele momento. E em todas as dimenses, em todo este leque de iniciativas que se abre, a perspectiva sempre de aproximaes sucessivas, porque no temos as condies ideais (e nem podemos ficar esperando-as para da comear...). Devemos ter a viso de processo tambm em relao prpria atividade supervisora: esta nova coordenao que desejamos ser, ainda no est pronta; est se fazendo.

Avaliao O mesmo empenho que temos na avaliao do aluno, deveramos ter na avaliao do trabalho da escola, das nossas atividades, relacionamentos, etc. Trata-se da funo crtica (cf. Criticidade, vista acima), de ter coragem de questionar o trabalho, no ficar comprometido com a imagem. A avaliao, quando de fato avaliao (e no mera classificao para excluso), fator de revitalizao pessoal e institucional, na medida em que ajuda a localizar os pontos em que precisamos melhorar, os aspectos nos quais precisamos investir nossas energias para corrigir rotas e avanar na direo desejada. preciso ter uma nova relao com o erro: entend-lo como parte da aventura de construir o novo. Abrir mo daquela posio de "infalvel", pois tal atitude conduz necessariamente reproduo do mesmo (que seria a nica garantia de no errar - a pergunta que poucos se fazem : quem garante que o que se vem fazendo est certo?). E impressionante como isto est impregnado: por medo dos olhares, do julgamento dos colegas, as pessoas sequer se expressam no grupo; num quadro competitivo subjacente dinmica dos relacionamentos, perguntar algo seria como "perder" frente ao outro; no se expor passa a ser uma forma de se proteger, de no ter sua imagem arranhada; no saber ou ter um saber diferente seria uma desvalia. No paradigma emergente, percebemos como at nas "cincias duras" (Fsica, Qumica, Biologia) h uma nova compreenso (cf. Einstein, Heisenberg, Prigogine, Maturana, Varela, Morin), para alm da iluso do determinismo positivista. Fazer do erro uma oportunidade de aprendizagem.

Participao Falar em participao nos remetermos questo do poder e sua longa tradio autoritria, onde era comum no interior da escola a centralizao (uns decidiam, outros executavam), a interferncia de outras instncias no planejado (a escola previa uma coisa, o rgo superior determinava que outra fosse feita), a participao no perifrico (naquilo que no importante), o controle autoritrio, etc. J vimos a necessidade de criar uma nova cultura neste campo. Cabe, pois, ao supervisor procurar realizar a construo da proposta pedaggica da forma mais participativa possvel. Como sabemos, a participao, entre outras coisas, leva diminuio das resistncias internas mudana. Muitas vezes, emerge uma dvida nos supervisores: "No seria o caso de impormos algo, para ver se assim a coisa muda?" Por exemplo: "O contedo tem de ser este e acabou. Se algo bom, a coordenao no poderia impor, 'com jeitinho'?". A questo de fundo aqui : fazer algo por imposio ou por convico? Aparentemente o resultado o mesmo (fez-se a coisa), mas a dinmica interna no sujeito totalmente diferente. E fundamental a participao do professor no processo de mudana na condio de sujeito e no de objeto. E preciso lembrar que quem vai estar em sala de aula no cotidiano o professor, e se no estiver minimamente convencido, o trabalho fica s de superfcie. Por outro lado, alguns orientadores pedaggicos, querendo superar a posio autoritria, acabam assumindo uma posio espontanesta. Ser libertador no significa no ter proposta, mas sim no querer impor suas propostas. Vivenciar a dialtica entre a direo da equipe e a iniciativa do professor (como vimos na Continuidade-Ruptura). A superviso tem dever de provocar, mas respeitar a deciso coletiva. Este um processo um tanto mais lento, mas muito mais eficaz. Quando um supervisor, velada ou ostensivamente, pretende impor determinado comportamento a um professor ele nega com essa prtica a educao que ambos pretendem ver promovida. A negao do sentido educativo tambm acontece quando o professor recusa-se a considerar as perspectivas de aperfeioamento profissional que o supervisor coloca sua disposio. (Silva Jr., 1984: 109) Assim, consideramos importante que o coordenador tenha sua proposta de educao, sua concepo de planejamento, objetivos, contedos, metodologia, avaliao, etc. e que lute por ela, atravs de uma diretividade interativa, qual seja, uma diretividade que leva em considerao as posies dos outros, que aberta e firme, marcada, ao mesmo tempo, pelo profundo respeito e determinao (dialtica entre ternura e vigor). No cotidiano escolar costuma haver uma expectativa instalada sobre o papel do coordenador pedaggico, de tal forma que quando ocorre mudana, a presso to grande que o novo coordenador termina se enquadrando no modelo existente, naquilo que j se esperava dele; a expectativa formata o desempenho. Por isto a anlise histrica de grande valia tambm para a compreenso da figura da superviso (os papis que foram construdos, o imaginrio do poder instalado no outro ou no grupo).31

Existe, digamos assim, o poder real que o sujeito tem e o imaginrio, ligado a uma projeo coletiva que deriva de uma certa tradio, de uma certa forma de ver a hierarquia na escola. O coordenador deve ser mais educador, menos burocrata, controlador. No adianta querer resolver os conflitos na base do poder autoritrio; educao antes de tudo envolvimento, compromisso. Ningum tem condies, p. ex., de controlar o que professor faz realmente em sala de aula; mesmo quando se consegue algum tipo de controle, vem a dvida: como se comportar quando cessar o controle? Por isto, h que se ganhar o professor para a proposta. Um caminho bem concreto e adequado32 de realizar isto atravs da deciso coletiva do que vai ser feito (ou no).

c) Estratgias Complementares de Trabalho Quanto s formas de atuao da superviso, encontramos as mais diversas: atendimento individual ao professor (sistemtico ou de acordo com solicitao); orientao individual ou coletiva para o planejamento de sala de aula; sesso de orientao semanal por srie, ciclo ou rea; acompanhamento de aulas; coordenao das reunies pedaggicas; reunio sistemtica com equipe diretiva; busca de subsdios para os docentes; anlise de material didtico; participao em projetos especficos; assessoramento para a produo de material didtico; estmulo pesquisa; incremento da formao permanente atravs da organizao de cursos ou palestras para professores; etc. Encontramos ainda coordenadores que fazem questo de dar aula na prpria escola, para no deixarem o vnculo com a sala de aula. De qualquer forma, o importante que no perca o eixo central do seu trabalho, como vimos acima: a qualificao do processo de ensino, como forma de possibilitar a efetiva aprendizagem por parte de todos. Alguns professores usam o fato de o supervisor no estar em sala de aula como estratgia de resistncia: "S eu que sei como difcil o trabalho l".33 Ora, estar em sala no significa necessariamente ter maior grau de conscincia (padecer de um problema no traz automaticamente a conscincia; se assim fosse, no teramos mais pobreza no mundo, uma vez que os pobres, por viverem a pobreza, teriam conscincia de sua raiz estrutural e j teriam feito a revoluo...). J apontamos anteriormente a necessidade que vemos de o coordenador ter tido experincia docente. Porm, o fundamental a sensibilidade, a capacidade de refletir criticamente sobre aquilo que se vive. Objetivamente, temos supervisores que, embora no estando neste momento l, compreendem muito mais concretamente (no sentido dialtico do termo) a realidade de sala do que alguns colegas professores que s sabem usar os episdios de classe para justificar o que no fazem, ao invs de se perguntarem sobre o que est por detrs destas manifestaes. Entendemos que o fato de a instituio ter mais de um coordenador pedaggico um elemento facilitador para um trabalho mais democrtico e criativo. No raro a coordenao pedaggica desempenhar tambm outras funes (coordenao de curso, orientao educacional, orientao de convivncia, assistente de direo, etc), o que pode levar a uma inverso de prioridades da funo pedaggica ("no d tempo"), para a qual devemos estar atentos. Quanto s formas de vnculo da superviso com a escola encontramos basicamente duas: o coordenador no interior da escola, como membro do grupo (podendo ser algum que tem habilitao especfica ou um profesorcoordenador, indicado por seus pares para assumir a funo). Uma segunda forma de vnculo a do profissional sediado na mantenedora e que visita periodicamente as escolas (superviso itinerante); de um modo geral, este modelo acontece ou como decorrncia de uma viso centralizadora e com um certo rano autoritrio de controle, ou em funo da falta de recursos para contratar novos profissionais para a escola. Ultimamente, alguns gestores tm buscado um modelo hbrido em que fundamentalmente o supervisor fica na escola, mas tem um tempo semanal de trabalho na mantenedora (ex.: sexta-feira tarde), como forma de possibilitar, ao mesmo tempo, um espao de formao diferenciado e uma articulao enquanto rede. Elencamos, a seguir, algumas prticas no como receitas mas como exerccio de partilha de experincias de coordenadores que esto na mesma lida, procurando renovar a prtica educativa. A superviso deve buscar estratgias adequadas de interao com os docentes, indo alm do famigerado "colocar texto na mo do professor". No estamos condenando a prtica de dar texto para ler; o problema quando isto feito sem o menor cuidado, sem preparao, sem adequao do texto realidade concreta, etc. Outro problema quando apenas este tipo de prtica desencadeado pela superviso. Estar antenado: procurar se informar sobre experincias que esto acontecendo na nova direo. Ir ver, levar professores, colocar em contato com prticas que esto dando certo. Ter viso estratgica: identificar no grupo quem est querendo mudar, quem est mais aberto; fortalec-los. No concentrar todos os esforos e energias em quem no est aberto, pois isto pode levar a sugar o nimo e deixar sozinhos outros que esto querendo mudar. Buscar apoio em quem est vivo, em quem no se entregou. De preferncia, entre os professores; depois, se abrir tambm para alunos, pais, funcionrios. Considerando a complexidade dos processos de transformao, para avanar, podemos recorrer ao estudo de casos concretos: como determinado indivduo ou grupo conseguiu realizar determinada transformao; "anlise concreta de situaes concretas". Este um bom mtodo de aprendizagem para a inovao: toma-se uma situao objetivamente transformada e estuda-se seu processo, tentando descobrir os determinantes da mudana. Esta pode ser uma metodologia de aprendizagem da transformao: aprender com a histria. Podemos atingir mais o professor a partir da anlise de sua atuao, de episdios concretos, do que se levantarmos, logo de incio, bandeiras gerais.

Pela anlise concreta de sua situao, chegar s questes que condicionam sua prtica; a partir desta identificao, ficar mais fcil a superao, uma vez que a reflexo terica ganhou significado para ele. O acompanhamento de aula um poderoso recurso para a formao do professor, desde que seja feito adequadamente. Infelizmente, no passado a visita sala de aula foi usada como forma de vigilncia e controle sobre o docente. Hoje a viso totalmente outra. Entendemos que um privilgio ter algum para assistir nossa aula e depois sentar e dar a devolutiva, refletir conosco suas observaes, visando a tomada de conscincia e o eventual avano da prtica. Depois de uma certa caminhada, onde o grupo j adquiriu confiana, os professores podem ter suas aulas assistidas ou filmadas e discutidas no coletivo. Superar a exigncia de os instrumentos de avaliao terem de ser autorizados pela coordenao/superviso antes de serem aplicados.36 Este costume se revela deveras controvertido na prtica, e de mudana muito difcil. interessante observar a contradio na equipe dirigente neste sentido, pois defendem com nimo as propostas de diminuio da nfase na avaliao classificatria por parte do professor ("para que venha a fazer parte do processo"), mas quando so questionados sobre a expectativa que tm de autorizarem o instrumento, a reao muito forte, chegando a ser agressiva. O argumento, mais uma vez, cheio de boas intenes: proteger a imagem do professor e da escola diante da comunidade: "O que iriam dizer se uma prova sasse com erros?" S que no se apercebem que fazer isto dar nfase avaliao, desconect-la do processo. Poderamos indagar: o que mais importante: a prova ou a aula? E acaso o professor tem de dar a aula antes para a equipe? Tal prtica , para alm das boas intenes, insistimos, uma forma de manter o professor numa situao infantilizada, j que sabe que sempre haver algum sanando suas eventuais falhas. A necessidade de superao do papel de controle por parte da coordenao em direo ao de formao no facilmente compreendida. claro que compete coordenao acompanhar tambm a avaliao (at porque se acompanhasse tudo menos a avaliao, ainda que pelo caminho da negativa, estaria dando destaque avaliao), mas no com esta exigncia de anterioridade sua realizao. Assim, se neste acompanhamento percebe algum problema, com certeza a coordenao vai dialogar com o professor. Este, por sua vez, sabendo que ter que assumir a responsabilidade diante da comunidade, na elaborao do prximo instrumento ficar mais atento aos aspectos levantados, podendo at pedir ajuda aos colegas ou coordenao. Mas vejam a diferena: na primeira situao ele obrigado a "submeter" o instrumento superviso; na segunda, ele procurou a ajuda da superviso; qual das duas mais educativa? Entendemos que desta forma qualifica-se tanto o trabalho do professor quanto da equipe. Reduzir o burocrtico ao mnimo, estar atento para que no comprometa o fundamental do trabalho educativo.

3Dimenso Conceitual Existem diferentes vises sobre educao, ensino, aprendizagem, planejamento, projeto poltico-pedaggico, etc., tanto no que diz respeito concepo quanto execuo. Cabe coordenao buscar clareza conceituai, conhecer, discernir e elaborar a sntese pessoal (bem como favorecer a coletiva). O coordenador deve revelar inteligncia no trato das questes; saber argumentar, no ficar preso aos aspectos formais, mas buscar a lgica interna, a pertinncia daquilo que est em pauta. Toda relao educativa implica um processo de construo do conhecimento, embora no se limite a ele. A relao educador-educando na escola est fortemente marcada pelo conhecimento. O coordenador precisa ter uma formao especfica neste campo. Trata-se de colaborar na construo de um mtodo de conhecimento, que responda no s pergunta do "o que", mas tambm "por qu", "para qu" e "como" conhecer. Um dos papis centrais da superviso justamente criar condies para que o professor descubra a melhor forma de ajudar o aluno a aprender. A rigor, o que est em questo no s o domnio crtico das diferentes teorias que informam contemporaneamente a ao educativa, mas ajudar o professor a ser produtor terico, a ser autor, a perceber os pressupostos da sua ao educativa, a fazer a epistemologia da sua prtica (cf. Schn, 2000), a teorizar sobre ela. Entendemos que a postura da superviso em relao s novas contribuies tericas deve ser de abertura, mas sem baixar a guarda do senso crtico, para no cair na sndrome dos modismos. Uma coisa entrar em crise diante de cada nova manifestao terica que aparece, e querer abandonar todo o trabalho que se vinha fazendo; outra, estabelecer um dilogo com a nova contribuio, tendo como referncia o Projeto Poltico-Pedaggico da instituio. Com isto, se diminui o estresse informacional entre os professores, resgatando, re-afirmando o que essencial. Chegam a ser desconcertantes algumas situaes em que o educador cita um autor, cita outro e depois outro e... e fica por isto mesmo, qual seja, no se sabe o que pensa a respeito, ou se pensa, pois como afirma E. Bloch (18851977), o homem que no aprendeu a pensar (...) repete o que outros j repetiram (1949: 10). A partir do confronto com o pensamento do outro, o sujeito deve construir o seu ponto de vista. Autoria para gerar autonomia.

a) Construo-Desconstruo

No processo de formao permanente do professor, o desafio no est apenas em construir um conceito, mas em desconstruir outros j instalados. Eis aqui mais uma tarefa delicada. Acompanhando processos de mudana na instituio, alguns coordenadores ficam um tanto angustiados com a assim nomeada "passagem da teoria para a prtica", uma vez que os professores parecem j dominar determinada concepo terica inovadora, mas a prtica nova "no vem". Evidentemente, nesta passagem h um enorme leque de questes envolvidas,39 porm pode estar em jogo uma que tambm terica: partindo do pressuposto de que por detrs de toda prtica sempre h uma mediao simblica, uma teoria40 pautando-a (dado o carter teleolgico, de intencionalidade da atividade humana, bem como a necessidade de um mnimo de coerncia interna do sujeito), levantamos a hiptese de que o que pode estar dificultando a nova prtica esta teoria subjacente, tcita, enraizada no sujeito. Em outras palavras, podem estar convivendo no sujeito a teoria desejada (inovadora) e a teoria enraizada (conservadora); enquanto esta no for trabalhada, dificilmente aquela poder assumir o papel de guia da prtica; tendo em conta que o conhecimento novo se d a partir do conhecimento prvio, trata-se, a rigor, de um trabalho de (re)construo, no qual o sujeito estabelece um dilogo interior entre ambas as teorias.

Superar Formalismo Com o avano da produo e circulao de novas concepes pedaggicas, temos atualmente o perigo de ver tudo resolvido formalmente, nos discursos: PPP, interacionismo, gesto democrtica, avaliao formativa, trabalho por projetos, incluso, etc. Mas, como aceitar isto com tranqilidade, sabendo que toda esta gerao de professores que est na ativa foi formada num outro paradigma de ensino? Por mais que o indivduo esteja "convertido" s novas perspectivas de trabalho, tem em si traos das outras em que foi plasmado. Ser que, de uma hora para outra, todas estas marcas simplesmente "sumiram"? Um indicador desta falta de internalizao das novas proposies a facilidade com que as inovaes so interrompidas quando da mudana dos gestores do sistema de educao ou at das lideranas no interior da escola.47 Alis, e sem querer ser pessimista demais, s vezes, at mesmo sem alteraes nestes nveis, a escola simplesmente deixa de realizar uma prtica inovadora porque ela prpria no tinha conscincia do valor (limitado, mas efetivo) de tal atividade. Ora, justamente as dvidas, as vises diferentes, assumidas e explicitadas, podem ser a ponta do iceberg, e sobretudo nos dar o fio da meada, possibilitando o aprofundamento. Se quisermos de fato mudar a prtica, temos de possibilitar a emergncia destes discursos subjacentes, que no so os inovadores veiculados, mas que esto presentes em ns. Podemos nos remeter distino que os gregos antigos faziam entre os vrios tipos de saber: episteme era o conhecimento verdadeiro, sistematizado, 'cincia'; doxa era o saber comum (isto , corrente), espontneo, a crena, a opinio (de carter imediato, baseado na aparncia, na empeiria: experincia sensorial); tchne o saber prtico (advindo de uma interveno no real, uma atividade que segue determinadas regras, portanto, considerada superior experincia, mas inferior episteme); sofia era o saber fundado na longa experincia de vida, a sabedoria, uma espcie de sntese dos anteriores. Num certo sentido, poderamos dizer que o desafio posto para a coordenao o de deixar aflorar doxa e tchne, para que a episteme possa se dar de uma maneira mais efetiva e completa, e se constituir em sofia (o professor como intelectual). A prtica educativo-libertadora se obriga a propor aos homens uma espcie de 'arqueologia' da conscincia, atravs de cujo esforo eles podem, em certo sentido, refazer o caminho natural pelo qual a conscincia emerge capaz de perceber-se a si mesma (Freire, 1981a: 100). A superviso pode, logo no incio do trabalho, pesquisar junto aos professores quais as representaes mentais que tm em relao escola, ao ensino, s vrias dimenses do trabalho (inclusive prpria superviso). Do ponto de vista da coordenao, a oportunidade para tomar contato, trabalhar estas representaes, ver com os olhos do outro, resgatar as positividades, bem como enfrentar os eventuais preconceitos, desconstruir os equvocos. J para o professor, a oportunidade de tomada de conscincia, de apropriao de contedos da sua conscincia que poderiam estar passando desapercebidos.

Clima de Respeito e Liberdade Para que possa se dar este trabalho de (re)construo, antes de mais nada, tal concepo precisa vir tona, ser explicitada. Isto refora a necessidade de um clima no ameaador, de abertura, onde o docente possa se sentir suficientemente seguro para se colocar e, a partir da, se dar a interao, o dilogo problematizador. Ao coordenador solicitado ser um interlocutor qualificado, uma vez que deve estar capacitado para uma escuta que, criticamente informada, leve em conta as fantasias, angstias e defesas que acompanham qualquer processo de mudana (Patto, 1990: 352). Se o clima na instituio de constrangimento, existe o risco de as dvidas, as discordncias, no serem explicitadas; omite-se o questionamento sobre o andamento do processo s para no dar a impresso de que se tradicional, retrgrado, contra a proposta; o professor pode ficar preocupado com a sua imagem e/ou da escola: certas dvidas j no poderiam mais existir (principalmente quando a instituio j fez uma certa caminhada); certos temas

ou posicionamentos seriam tabus. Evitar o erro histrico de determinada proposta virar dogma, pois neste caso passa a haver um compromisso com a aparncia, criando duas escolas: a real e a "do papel", o que, conseqentemente, inviabiliza qualquer mudana efetiva j que a reflexo est descolada da realidade. A autntica educao s pode se dar num ambiente de liberdade; esta uma exigncia bsica para o desenvolvimento humano. A autonomia, uma das grandes metas educativas, no se constri sem espao concreto de opo. Por isto, preciso um clima adequado na instituio para que as pessoas se coloquem, tenham coragem de dizer: "No sei, no concordo, no est claro para mim; por qu? Para qu?", e a partir disto, possam decidir. Garantir condies para o pensamento divergente, espao de liberdade! Provavelmente, nas primeiras tentativas de trabalho nesta linha, a coordenao precisar recuperar o sentido de tal prtica, uma vez que, para muitos professores, isto de ficar ouvindo o que pensam os colegas "perder tempo". O clima de acolhimento favorece tambm a superao do constrangimento interior: em certos contextos, o sujeito no se manifesta por se sentir envergonhado e culpado pelo fracasso do ensino. Neste caso, seria importante ajudar a perceber que a crise do ensino no foi provocada pelos educadores (o que no significa que no tenham algo a ver com isto, enquanto tarefa, projeto, interveno).

Construo-Desconstruo exige Autntico Dilogo Quando analisamos a questo do autoritarismo, nos deparamos com duas grandes pragas, duas atitudes que acabam constituindo um perverso par complementar:

Autoritarismo: dogmatismo, ser dono da verdade, no ter autocrtica, cercear o direito de expresso do outro; Infantilismo: omisso, no lutar por seus direitos, comodismo, cinismo, demisso em ao.Como forma de superao desta polaridade imobilizadora, apontamos algumas exigncias: Por parte de quem est em dvida ou discordando, h um duplo movimento a ser desencadeado: primeiro, o auto(re)conhecimento; depois , o trabalho em cima disto. Antes de tudo, o educador deve cultivar al m a , conhecerse, se reconhecer: no trabalho arqueolgico, poder perceber suas vrias camadas de discursos, sentimentos, percepes; ter coragem de se investigar, ver as representaes (idias, conceitos, mitos, informaes, imagens, fantasmas) que o habitam (ou que passam, que circulam por ele). Mesmo que o esclarecimento racional no dissolva diretamente os mecanismos inconscientes conforme ensina o conhecimento preciso da psicologia, ele ao menos fortalece na pr-conscincia determinadas instncias de resistncia, ajudando a criar um clima desfavorvel mo extremismo (Adorno, 1995: 136). Aquela curiosidade epistemolgica que cabe ao professor despertar no aluno em sala de aula, ele deve ter no s em relao ao objeto de conhecimento com o qual trabalha, mas tambm consigo. Enquanto atividade crtica, no basta tomar conhecimento: preciso a percepo dos condicionamentos destes contedos da conscincia (cf. Pinto, 1960, V. 1: 20), seja para no entrar num jogo desgastante de autoculpabilizao, seja para permitir identificar caminhos de superao. Todavia, o reconhecimento no suficiente; h necessidade da insero critica, da ao (cf. Freire, 1981b: 40). O educador deve falar, no se infantilizar, no se omitir; ser transparente, ser verdadeiro. Ouvir, revelar abertura de pensamento, inteligncia no confronto de argumentos; no boicotar o trabalho do outro s porque tem posio diferente. Esta postura parece algo relativamente simples, mas sabemos da dificuldade de sua concretizao sobretudo pelo fato de o professor intuir que sua autoridade vem do conhecimento e admitir, p. ex., que no domina determinado saber seria como que fazer um movimento autofgico, de auto-anulao (ao invs de entender este reconhecimento como sendo justamente aquilo que vai lhe permitir chegar a este conhecimento e afirmar, portanto, sua genuna autoridade de ser eterno aprendente). Alm disto, h a secular imagem projetada para o professor como sendo o que sempre sabe, o que no tem dvidas, o que no pode errar. E preciso ter humildade para perceber suas limitaes e disposio para correr atrs das superaes que julgar necessrias. Por parte da instituio (e de seus representantes): propiciar momentos sistemticos para a reflexo e expresso dos educadores (ex.: reunio pedaggica semanal); ter capacidade de acolher (e combinar, ao invs de antagonizar) as diferenas; buscar garantir o clima de respeito; dar condies de estudo e aprofundamento para quem est em dvida ou discordando; explicitar os motivos das opes e posicionamentos institucionais. A prtica de colocar concepes tericas em questo tem se revelado produtiva como forma de ajudar a desmistificar o saber "pronto e absolutamente verdadeiro", diante do qual s caberia "aos pobres mortais" dos professores se curvarem. Outra iniciativa a de resgatar as prticas significativas que esto acontecendo em sala de aula, uma vez que isto fortalece a auto-estima do professor, favorecendo que venha a se expressar com mais freqncia e segurana. A instituio deve fazer o exerccio da dvida metdica, auto-avaliar-se, no se colocar como acabada, como modelo indefectvel a ser seguido. Estas vrias iniciativas, no entanto, no devem ofuscar a interao, o dilogo problematizador: O que mais custa a um homem saber, de maneira clara, a sua prpria vida, tal como est feita por tradio e rotina de atos inconscientes. Para vencer a tradio e a rotina, o melhor procedimento prtico no se encontra nas idias e conhecimentos exteriores e distantes, mas no questionamento da tradio por aqueles que se conformam com ela, no questionamento da rotina em que vivem... (Freire, 1980: 35)

Estamos, pois, mais uma vez, investindo no dilogos (a palavra circulando em/atravs/entre ns), no valor limitado, mas efetivo das idias, das representaes. E para que haja dilogo, o mnimo que se exige o falar e o ouvir; mas para que o dilogo seja autntico, fecundo, se de um lado pede-se o clima de liberdade, de outro, pede-se uma atitude interior de abertura, de acolhida, de reflexo. Paralelamente, para dar mais vigor interao, preciso buscar competncia a fim de enfrentar os discursos concretos, os argumentos que vo surgindo no dilogo, que, por ser autntico, provavelmente no estar formatado nos discursos institucionais at ento elaborados. Temos observado que a existncia de um referencial comum (Projeto Poltico-Pedaggico, p. ex.) um elemento que ajuda a no criar "pnico", insegurana muito grande, que levaria o sujeito a no se manifestar por entender que sua fala colocaria o grupo sob impasse, sob uma situao muito catica, ameaadora. Para ajudar a avanar, a superviso pode solicitar que o professor registre suas questes; o colocar por escrito, antes de tudo, favorece a conscientizao: tomar contato com o que pensa e o que faz; alm disto, possibilita a sistematizao e permite a reflexo mais organizada e crtica sobre suas inquietaes (no s em termos pessoais, mas tambm pelo coletivo escolar). A superviso deve fazer o mesmo! Sistematizar e fazer memria: o registro permite a (re)constituio da histria de vida profissional e institucional. Quando h todo este cuidado, o sujeito que se convence da proposta se convence por inteiro (ou pelo menos num nvel de fragmentao bem menor), de tal forma que sustentar a inovao, porque esta agora lhe passa pelas entranhas, e no porque algum est a lhe cobrar externamente.

b)Saberes Disciplinares Em relao ao domnio dos saberes disciplinares por parte dos coordenadores, encontramos duas tendncias equivocadas: de um lado, os que se acomodam, valendo-se de sua "posio hierrquica" ou "em nome da democracia", e defendem que quem tem de entender de cada matria o professor respectivo, no se colocando o menor desafio de avano na compreenso das diversas reas do conhecimento. De outro lado, encontramos aqueles que vivem angustiados, querendo conhecer tudo de tudo, seja para controlar o trabalho dos professores, seja para tentar ajud-los. So posicionamentos que precisam ser superados. Entendemos que o supervisor deve ter uma slida formao em termos de uma concepo de educao e de seus fundamentos epistemolgicos e pedaggicos, aliada a um conhecimento dos conceitos fundamentais de cada rea do saber, bem como a uma cultura geral que lhe permite ter uma viso de totalidade da prtica educativa. Assim, a coordenao pedaggica no precisa entender em profundidade de todas as reas de conhecimento. A dificuldade de mudana em algum aspecto indicar a necessidade de uma formao mais concreta. Exemplo: surge uma questo forte na alfabetizao ou no ensino de cincias atravs da histria dos conceitos, que o grupo por si no est dando conta; caber coordenao se capacitar para ajudar ou chamar algum que possa faz-lo. Na linha da formao permanente, da mediao crtica, a interveno da superviso centra-se cada vez mais na reflexo conjunta com o professor sobre sua prtica (ajudando-o a identificar crenas, saberes ou teorias subjacentes), do que na transmisso de conhecimentos ou modelos de ensino (cf. Oliveira, 1992: 15). Em cada realidade escolar h a necessidade de um novo aprendizado. O coordenador vai se formando medida que participa da reflexo sobre a prtica, busca cursos de aperfeioamento, troca experincias, sendo que pode aprender o saber especfico de cada disciplina nas relaes que estabelece com os professores, da mesma forma que pode tambm dar sua contribuio na formao dos professores. Deve haver, portanto, uma verdadeira interao entre professor e supervisor, j que um necessita do saber do outro para fazer avanar o prprio trabalho. No processo de ensino-aprendizagem no existem regras exaustivas (que possam prever tudo), da a necessidade de se manter a dialtica entre o particular (o que nico, singular, diferente) e o universal (teorizao, sistematizao, generalizao, abstrao), sendo que, como decorrncia dos papis institucionais, o professor tem enquanto solicitao mais imediata o plo do particular, ao passo que o coordenador pedaggico, o plo do universal. Isolados, de pouco valem; articulados, provocam saltos qualitativos.

IIICONDIES OBJETIVAS PARA A AO SUPERVISORA Analisamos at aqui as condies subjetivas da atividade da superviso. preciso apontar tambm as exigncias objetivas (materiais e polticas), uma vez que o coordenador um ser concreto, atuando num contexto tambm concreto. Como vimos no Captulo 2, so muitos os desafios neste campo. Tendo como referncia as exigncias j colocadas em termos do conjunto da escola, vamos, neste momento, nos ater a algumas prticas objetivas que podem ajudar a coordenao na consolidao de uma educao emancipatria: Comprometer-se com a busca de melhores condies de trabalho na escola, tanto do ponto de vista pedaggico, quanto comunitrio e administrativo. Conquistar (e ocupar bem) o espao de trabalho coletivo constante na escola. Um dos grandes entraves colocados pelos coordenadores o tempo! A reunio pedaggica semanal pode ser a garantia de um tempo privilegiado. Este espao fundamental para a mudana da instituio. A funo de coordenao pedaggica pode

ser distorcida quando ele falta: J as experincias em que a presena de coordenadores pedaggicos no se fez acompanhar de condies de trabalho conjunto entre pares, a tendncia foi a burocratizao da relao e um certo 'amarramento' do trabalho. (Muramoto 1991: 41) Ter espao para fazer acompanhamento individual (ou em pequeno grupo) e sistemtico (ex.: a cada 15 dias) do professor. Ajudar a tomar conscincia de sua prtica e da teoria que pode estar subjacente. Biblioteca pedaggica na escola, para facilitar acesso do professor a livros, revistas, vdeos voltados para sua formao. Dar um basta! cultura do "xerox" (cpia de cpia; textos que sequer tm a fonte citada). Ter presente que o trabalho coletivo pode se dar em diferentes e articulados nveis: interior da escola, comunidade, entre escolas da mesma regio, etc. Constituir grupo de formao entre os supervisores (por exemplo, por regio, com reunies mensais ou quinzenais). Organizar grupos de estudo, independentemente da escola, com educadores interessados. Estes grupos apresentam duas grandes vantagens: no h relao de hierarquia formal (todos esto na mesma condio de participantes, a coordenao eleita livremente) e todos esto ali de espontnea vontade. Empenhar-se interna e externamente escola para diminuir a rotatividade dos professores, a fim de que possa se constituir efetivamente um grupo de trabalho na instituio. Lutar pela continuidade crtica das polticas educacionais. VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Coordenao do trabalho pedaggico: do projeto poltico pedaggico ao cotidiano da sala de aula. 8ed. Cap.4. So Paulo: Libertad Editora, 2007.