verso 3 de 16 de novembro de 2011 · 2017-02-22 · 2 pontifÍcia universidade catÓlica de sÃo...

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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Janete da Costa Machado TRABALHO E CURRÍCULO OFICIAL: CONTRADIÇÕES E TENSÕES NO MODO DE SER PROFESSOR CONTEMPORÂNEO. REFLEXÕES SOBRE OS LIVROS-TEXTO MESTRADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO SÃO PAULO 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Janete da Costa Machado

TRABALHO E CURRÍCULO OFICIAL:

CONTRADIÇÕES E TENSÕES NO MODO DE SER

PROFESSOR CONTEMPORÂNEO.

REFLEXÕES SOBRE OS LIVROS-TEXTO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

SÃO PAULO

2011

2

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Janete da Costa Machado

TRABALHO E CURRÍCULO OFICIAL:

CONTRADIÇÕES E TENSÕES NO MODO DE SER

PROFESSOR CONTEMPORÂNEO.

REFLEXÕES SOBRE OS LIVROS-TEXTO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO: CURRÍCULO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação: Currículo, sob a orientação da Professora Doutora Regina Lúcia Giffoni Luz de Brito.

SÃO PAULO

2011

ERRATAS

P. 17

No 1º parágrafo, 2ª linha, onde se lê “Divisão do trabalho humano e Educação Oficial

do Estado político: Currículo, Livros-textos. Contradições e tensões no modo de ser

professor”, leia-se “Divisão do trabalho humano e Educação Oficial do Estado político:

currículo, livros-texto, contradições e tensões no modo de ser professor”.

P. 20

No 1º parágrafo, na 10ª linha, onde se lê “nucelares”, leia-se “nucleares”.

P. 88

No 4º parágrafo, 4ª linha, onde se lê “formação de professores”, leia-se “formação

humana”.

P. 131

No último parágrafo, na 5ª linha, onde se lê “senhoras do trabalho alheio”, leia-se

“senhores do trabalho alheio”.

P. 136

No rodapé da página, na 6ª linha, onde se lê “ocultar a própria origem desse particular,

isto é, a própria origem desse particular, isto é, a divisão da sociedade em classes”, leia-

se: “ocultar a própria origem desse particular, isto é, a divisão da sociedade em classes”.

P. 148

No 2º parágrafo, 6ª linha, onde se lê “e conduzir a seu modo o a força de trabalho

docente”, leia-se “e conduzir a seu modo a força de trabalho docente”.

P. 218

No 2º parágrafo, 6ª linha, onde se lê “com a conservação, a qualquer custa, da desigual

sociedade de classes atual”, leia-se “com a conservação, a qualquer custo, da desigual

sociedade de classes atual”.

3

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________

________________________________________________

________________________________________________

4

Dedico esta dissertação a minha família, como filhos da

classe trabalhadora, sempre acreditando na luta por um futuro

melhor, na figura de meu pai por sua luta passada que ainda

vive em nós, de meu marido, pela forma como enfrenta os

desafios da materialidade presente em nossas vidas, a meu filho

querido, por seus sonhos comprometidos com a construção de

um mundo menos desumano! E também, por fim, aos

professores e alunos das redes públicas de ensino brasileiro!

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RESUMO MACHADO, Janete da Costa. Trabalho e Currículo Oficial: contradições e tensões no modo de ser professor contemporâneo. Reflexões sobre os Livros-texto. Dissertação (Mestrado em Educação: Currículo), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2011. Esta dissertação busca a compreensão teórica do tipo de educação que vem sendo forjada pelas “novas” políticas “públicas” educacionais e seus efeitos na praxis docente e discente, engendrados por artefatos normativos e regulatórios como o Currículo Oficial concretizado em Livros-texto. Assim, instigada pela questão “quais os efeitos do currículo oficial na praxis docente?”, esta pesquisa objetiva perfazer breve panorama do processo de mercantilização da educação oficial e da conseqüente expropriação do trabalho docente por meio de reflexões sobre os citados Livros-texto. Para tanto pauta-se pelos princípios da pesquisa qualitativa via análise documental e bibliográfica. Desta feita, baseou-se em pressupostos teóricos estabelecidos pelos seguintes autores: Marx, Kosik, Vázquez, Paulo Freire, Tragtenberg, Mészáros, Leher, Gentili, Frigotto, Linhares, Torres Santomé, Apple, dentre outros, que propiciaram a reflexão, por fim, de temáticas teórico-metodológicas da dialética materialista histórica, enquanto lógica racional da apropriação da realidade pelo ser social, de forma a situar ontologicamente a especificidade do humano no trabalho social, fundamento de toda praxis. Englobando a divisão do trabalho humano no interesse do capital, analisou-se a cisão entre os momentos relacionais do trabalho intelectual e manual, da teoria e prática, da concepção e execução, da subjetividade e objetividade etc. – núcleo irradiador das contradições e alienações contemporâneas. Assim, o trabalho como produtor e reprodutor da sociabilidade global concreta, enquadrando-o no fenômeno social do burocratismo, degeneração da praxis ontocriadora e da potência omnilateral do trabalho humano. Nesse processo, aponta-se para a padronização do conhecimento oficial e uma crescente expropriação do saber docente e discente da realidade concreta, aproximando-a daquela concepção e prática de educação denominada por Paulo Freire de bancária. Cenário este que ainda descortina um modo de ser professor premido entre as contradições da realidade concreta e as tensões advindas da poderosa política do conhecimento oficial que transforma a Educação, de Direito Social, em mercadoria. Em suma, esta dissertação espera contribuir com reflexões que apontem para possíveis caminhos a partir dos quais o professorado descubra brechas, na e pela praxis, para a superação da lógica mercantil que se apodera da alma da educação pública dos filhos da classe trabalhadora. Palavras-chave: praxis, trabalho, currículo oficial, livros-texto.

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ABSTRACT MACHADO, Janete da Costa. Labor and state curricular system: contradictions and tensions in the mode of being a contemporary educator. Reflections on textbooks. Dissertation (Masters in Education: Curriculum), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2011. This dissertation seeks a theoretical comprehension on the sort of education nowadays forged by the “new public” educational policies and its effects on learning and teaching praxis through normative and regulatory artifacts such as the Official Curricular System, concretely presented in Text Books. Therefore, inspired by the question: “what are the effects of the official curricular system on learning and teaching praxis?”, this research seeks to present a brief overview of education’s commodification process and the consequent expropriation of teaching knowledge, by reflecting on the above mentioned Text Books. To attain such purposes, the research is based on qualitative survey and documentary and bibliographical analysis. Such basis was build on the theoretical assumptions of authors such as: Marx, Kosik, Vázquez, Paulo Freire, Tragtenberg, Mészáros, Leher, Gentili, Frigotto, Linhares, Torres Santomé, Apple, amongst others, that enabled the reflection of methodological and theoretical themes of the historical materialistic dialectics as the rational logic that expresses and aims at the appropriation of the reality by social being, in order to ontologically situate the specificity

of the social being in human labor; foundation of all sort of praxis. By studying labor’s division in capital’s interest, the split between relational moments of mental and manual labor was analyzed, theory and practice, subjectivity and objectivity, design and execution – a radiating center of contemporary contradictions and disposals. Therefore, the human labor as a producer and reproducer of global concrete class sociability, frames the social phenomenon of bureaucratization, the degeneration of the “ontocreator” praxis and of the human labor potentiality of freed labor from capital’s rule. In this process one points out to the standardization of official knowledge and the growing expropriation of learning and teaching knowledge of concrete reality, bring it closer to education’s conception and practice denominated by Paulo Freire as “banking education”. This scenario also unveils the ways of teaching although caught between concrete reality’s contractions and the tensions arising from the powerful official political economic knowledge which transforms Education, from Social and Human Right, into Commodity. In summary this dissertation hopes to contribute with reflections that point to possible paths through with teachers can find breaches in and through

praxis to overcome the market logic controlling public education’s soul ascribed to working class children. Key-words: praxis, labor, state curricular system , textbooks.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................08

CAPÍTULO I - DIMENSÕES DO TRABALHO ENQUANTO MEDIAÇÃO

FUNDANTE ENTRE SER HUMANO E REALIDADE SOCIAL EM FORMAÇÃO

HISTÓRICA............................................................................................................................20

1.1 PRINCÍPIOS DO MÉTODO DIALÉTICO MATERIALISTA HISTÓRICO...................20

1.1.1 Praxis social e relação dialética entre teoria e prática................................................31

1.1.2 Diferentes níveis ontológicos da praxis humana..........................................................35

1.1.2.1 Trabalho humano como mediação na criação do novo.............................................44

1.1.2.2 Trabalho humano como fundamento da praxis social...............................................47

CAPÍTULO II - DIMENSÕES SÓCIO-HISTÓRICAS DO TRABALHO

CONTEMPORÂNEO: BUROCRATISMO E EDUCAÇÃO BANCÁRIA..............54

2.1 DIVISÃO HIERÁRQUICA DO TRABALHO SOCIAL E ALIENAÇÃO

HUMANA.................................................................................................................................54

2.1.1 Limites e convergências do “senso comum” e do pragmatismo-tecnocrático..........62

2.1.2 Burocratismo: “jaula de ferro” da praxis ontocriadora..............................................68

CAPÍTULO III - DIVISÃO DO TRABALHO HUMANO E EDUCAÇÃO

OFICIAL DO ESTADO POLÍTICO: CURRÍCULO, LIVROS-TEXTO,

CONTRADIÇÕES E TENSÕES NO MODO DE SER PROFESSOR

CONTEMPORÂNEO.............................................................................................................74

3.1 NOVA GESTÃO NEOLIBERAL CONSERVADORA E MERCANTILIZAÇÃO

DA EDUCAÇÃO PÚBLICA....................................................................................................92

3.2 CURRÍCULO OFICIAL E CULTURA DOMINANTE: A FUNÇÃO DOS

LIVROS-TEXTO....................................................................................................................134

3.3 PROLETARIZAÇÃO E EXPROPRIAÇÃO DO SABER DOCENTE...........................164

3.4 CONTRADIÇÕES E TENSÕES NO MODO DE SER PROFESSOR

CONTEMPORÂNEO.............................................................................................................185

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................215

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................236

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INTRODUÇÃO

De início, brevemente, e a fim de situar meu trabalho como fundamento de minha

praxis, registre-se que trabalhei por cerca de treze anos em indústrias do setor papeleiro e

metalúrgico na região metropolitana de São Paulo e, em geral, em setores de “controle de

qualidade de produção”, em decorrência de minha formação em Química Industrial.

Com o advento do desemprego nos idos tempos do governo Collor, em um mundo do

trabalho cada vez mais precarizado e com menos oportunidades reais, apesar da ideologia que

brada o contrário, cursei uma complementação pedagógica com vistas à licenciatura plena em

Química. Assim, iniciei meus trabalhos na Educação.

Nesse itinerário de vida, tendo também como pano de fundo a influência de meu pai

enquanto representante sindical e um dos fundadores da Central Única dos Trabalhadores, do

sindicato dos metalúrgicos em nossa região, nos idos de 1980, fui por cerca de oito anos

representante de escola junto à sub-sede da APEOESP, sindicato dos professores do Ensino

Oficial do Estado de São Paulo, onde também fui conselheira regional por um mandato.

Ainda, exerci função de professora coordenadora pedagógica por onze anos em

escolas públicas paulistas na região metropolitana da grande São Paulo. Antes de 2008,

porém, quem exercia essa função, além de participar de uma seleção regional, era indicada

pelo grupo de professores da escola mediante a apresentação da proposta de trabalho.

Atualmente, há uma seleção regional, por meio de provas e entrevistas com o Diretor de

escola e o Supervisor de ensino.

Esse professor é “responsável” pela Formação Continuada na escola dentro das

denominadas Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPCs), com cerca de duas ou três

horas semanais, dependendo da jornada de trabalho do professor. Assim sendo, atuei por

cinco anos em escolas de Ciclo II e Ensino Médio, por cinco em escola de Ciclo I e por quase

um ano em Oficina Pedagógica, instância intermediária de caráter técnico-pedagógico da

burocracia do Estado.

Nesses anos todos caminhei acreditando estar contribuindo à melhoria da “qualidade

social” da educação pública na direção da superação da “educação bancária”, ainda muito

presente em parte das escolas em que trabalhei. Isto é, tratava-se, pensava eu, de superar

aquela educação que Paulo Freire denominou simples narradora de conteúdos fragmentários

tal qual retalhos apartados das dimensões concretas da realidade social dos educadores e

educandos.

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Dessa maneira, isso nos implicaria na luta contra as reificações, “coisificação” das

relações humanas que “não é outra coisa senão o esquecimento do caráter histórico da vida

social, que conduz a aceitá-la como realidade quase natural, determinada, e escapando à

práxis humana” (IMBERT, p.14). Intuía, à época, a importância de “trabalhar a história

concreta com suas contradições” (IMBERT, p.8) igualmente concretas, ou seja, em situações

existenciais que verdadeiramente significassem a vida de alunos e professores nas condições

reais da escola.

Por essas razões, em 2008 me encontrei numa situação agudamente ambígua e

contraditória dada a oficialização dos Livros-texto1, à época em processo de

institucionalização. Perplexa com a intensificação da burocratização imposta pela enxurrada

de decretos e normatizações legais oriundas do Estado político do capital sobre o trabalho

docente, submetido desde então a uma intensa regulamentação e controle por meio dos

Livros-texto e de contínuas avaliações externas, substancialmente me questionava à época:

que educação é essa que se diz “para todos” e oficializa tais materiais didáticos como se

fossem as velhas e dogmáticas cartilhas da concepção bancária, embora sob novos conteúdos

e roupagens? Que efeitos terão esses materiais pré-empacotados e distribuídos em massa no

chão da escola sobre a praxis docente da rede pública paulista?

Afinal, questionava-me à época, para quem e a que serve esta educação que venho

defendendo cotidianamente? Que pedagogia é esta que destrói a historicidade da própria

escola ao não respeitar o conhecimento advindo dos seus sujeitos reais em suas situações

existenciais concretas?

Então, no momento mesmo de sua brutal implementação, os Livros-textos me

pareceram um artefato estranho à realidade concreta da escola, em descompasso com suas

necessidades reais e ao seu fim, ou seja, a formação voltada para a dialética solidária de uma

formação emancipatória do humano, ou seja, para a urgente construção de uma cidadania

ativa que possibilitaria, de fato, um mundo mais justo, e não meramente formal e abstrata

cidadania ideológica.

1 Manuais técnico-pedagógicos elaborados por especialistas ligados à Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEESP), exclusivamente, para serem consumidos na escola pública paulista – como já se faz há bom tempo na escola pública municipal de São Paulo. Assim, tais manuais fazem parte de um conjunto de materiais didáticos pré-empacotados destinados tanto para a utilização em sala de aula pelos alunos, trazendo também diversos Guias de Planejamento e Orientações Didáticas para os professores da educação básica, de Ciclo I ao Ensino Médio. O conjunto desses materiais organiza e delimita todo o processo de ensino e aprendizagem na rede estadual pública paulista, inclusive, orienta ainda a formação continuada tanto dos professores na escola, quanto do próprio professor coordenador pedagógico, de modo que seus conteúdos são mesmo a base das avaliações externas, como por exemplo, do SARESP, Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar de São Paulo.

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Diferentemente, pareceu-me mesmo tratar da consolidação de uma pedagogia

especulativa, cuja educação se orientava regressivamente pela paranóia burocrática de “não

pode existir a não ser como acabada, ou seja, com a condição de lidar com um objeto

acabado, ou de ‘acabar’ seu objeto. A criança etiquetada, classificada, inventariada,

diagnosticada se completa de vez por todas: morre a todo vir-a-ser-ser-outro que não o

previsto” (IMBERT, p.17), mercê do “novo” ethos regulatório de uma “educação produtivista

e mercantilista” (LINHARES, 2001, p.64), bem como sua lógica interna de “hiperexploração

do trabalho” (LEHER, 2011a, p.168).

Assim sendo, progressivamente todas as relações educacionais – processo de ensino e

aprendizagem, formação continuada e avaliações institucionais etc. – pareciam-me

burocratizar-se em torno dos Livros-texto e, por conseguinte, destruía-se qualquer

possibilidade2, mesmo que latente, de sobrevivência do legítimo e rico conhecimento

construído a partir do trabalho docente calçado em um Projeto Político Pedagógico em

interação com o alunado.

Dessa maneira, com Paro e outros autores, tratava-se de diagnosticar a construção

hegemônica de uma “educação produtivista, com uma visão individualista, competitiva e

mercantilista presente no neoliberalismo3, que visa preparar o indivíduo para o mundo do

trabalho alienado” (LEMOS MOREIRA, 2010, p.122). Por conseguinte, acaba-se por forjar

uma educação “fundada no poder regulatório, em que a escola cumpre as decisões de orgãos

estranhos às necessidades internas da escola” (LEMOS MOREIRA, 2010, p.121).

Diferentemente dessa perspectiva e prática de educação enquanto domesticação do

humano, não colocadas no trilhar de caminhos da liberdade em direção a sua emancipação de

uma realidade desumanizadora, entretanto, sempre acreditei na possibilidade de uma “gestão

democrática” onde as tarefas e as responsabilidades fossem coletiva e horizontalmente

construídas, tanto em sua fase de elaboração quanto em sua etapa de execução. Isso a partir da

dinâmica construção de um Projeto Político Pedagógico na e pela escola que, como um “plano

2 “A ‘possibilidade’ como verdade a ser realizada não é uma meta abstrata pronta, mas como objeto ‘histórico’ apresenta uma dimensão ‘subjetiva’ em sua ‘objetividade’, cuja única via de acesso é a produção da sociedade na própria vida social material dos homens” (MAAR, 2011, p. 48). 3 Assim, o neoliberalismo “solicita” uma “presença mínima do Estado em relação aos direitos sociais, como a educação pública” (LEMOS MOREIRA, 2010, p.122), muito embora não se possa prescindir do Estado quando o assunto lhe interessa economicamente (subsídios etc.). Em outras palavras, evidenciando-se o caráter ideológico da doutrina e da prática neoliberais, importa reforçar com Tragtenberg (2009, p.103): “Na prática, o neoliberalismo implica uma vigorosa política estatal, que inclui múltiplas formas de subvenção do Estado à empresa privada.” E mais: “Em suma, diante dos pobres, os neoliberais apresentam o Estado como uma burocracia parasitária que cresce à custa do patronato. Todos os meios parecem bons para suscitar a rebelião ‘do cidadão contra o Estado’, rebelião setorial, alguns aspectos da atuação do Estado são criticados e outros são reforçados pelo neoliberalismo.” (p.102)

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global da instituição educacional, pode ser entendido como a sistematização, nunca definitiva,

de um processo de Planejamento Participativo” (LEMOS MOREIRA, 2010, p.121).

Ou seja, acreditava num currículo como “instrumento teórico-metodológico para a

intervenção e mudança da realidade escolar, integrando e organizando a atividade pedagógica

para um fim prévia e coletivamente definido por toda a comunidade escolar” (LEMOS

MOREIRA, 2010, p.121). E que, por aqueles tempos, parecia-me ter sido autoritariamente,

em pleno regime democrático pós-1988, substituído pelo currículo oficial baseado em Livros-

texto.

Em virtude dessas ambigüidades e contradições, à época por mim apenas pressentidas

ou intuídas e advindas de minha experiência empírico-social, entre a crítica ontológica

freiriana, calçada na categoria do ser mais, à “educação bancária” e o trabalho docente

burocratizado com a oficialização dos Livros-texto, apresentei no “Programa Educação:

Currículo”, da PUC-SP, um projeto de pesquisa com a seguinte problemática e tematização

originárias: Quais os efeitos do currículo oficial na prática docente?

Tal temática inquietou-me por todo processo de estudos e, no desdobramento e

problematizações desta pesquisa e dissertação, em seu devir, constituiu-se como o pano de

fundo a configurar seu objetivo central, ou seja, investigar a particularidade do fenômeno

educacional enquanto parte constitutiva, em interação dialética com uma totalidade concreta

da sociedade global, sob jugo teórico e prático da sociabilidade hegemônica do capital, hoje

de expressão neoliberal conservadora.

Toma-se como fundante, portanto, as relações entre trabalho e educação, uma vez que

essas recolocam a dimensão da materialidade histórica na formação humana da praxis

docente, de modo a assumir-se, com Arroyo e outros, o “trabalho como princípio educativo” e

a “centralidade do trabalho humano como constituinte da condição humana em diálogo com a

teoria e prática pedagógica” (ARROYO, 1998, p.139). Portanto, concebe-se a educação como

processo de humanização na direção da emancipação humana, estritamente vinculada, pois, às

formas ontológicas de ser e ir sendo do humano, para tanto, partindo-se de circunstâncias

concretas das situações existenciais do chão da escola na materialidade histórica do real.

Diferente, então, dos movimentos educativos restritos aos processos de “inculcação” e de

mera transmissão de conteúdos e competências tão em voga atualmente.

Dessa perspectiva, num plano mais particularizado, porém, procura-se compreender

que tipo de educação é aquela que padroniza o conhecimento e todo o processo educativo,

como é o caso da escola pública paulista, que o faz por meio de artefatos normativos de

regulação política e social com a implantação, no caso, de um Currículo Oficial baseado em

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Livros-texto, dentre outros mecanismos. Persiste-se a indagar sobre quais seriam seus efeitos

sobre o trabalho docente.

Isto é, mais especificamente, procura-se compreender como os processos ideológicos

de “inculcação” e manipulação dos valores hegemônicos (heteronomia cultural) – presentes

na escolarização à subordinação dos filhos das classes trabalhadoras – são atrelados à

padronização de um conhecimento tido como “o único” válido ou legítimo, bem como sua

inter-relação com a retroalimentação da “educação bancária”.

Nesse contexto, a pesquisa teórico-bibliográfica proporcionou a categorização do

trabalho humano como fundamento da praxis, de modo a correlacionar o trabalho docente

como um tipo inegável de praxis social, situando-o, pois, na educação oficial subsumida,

como não poderia deixar de sê-lo, à tradicional e histórica cisão pelo capital entre concepção

e execução oriunda da divisão social do trabalho em geral.

Desse modo, o professorado4, como parcela dos trabalhadores da classe que vive do

trabalho, sob forte influxo do ethos pragmático-burocrático das “novas” políticas “públicas”

educacionais, de cunho neoliberal conservador, condicionadas aos organismos internacionais,

forja uma prática educativa preocupada com seus resultados – submetidos às constantes

avaliações externas que o medem, tal como numa linha de produção de mercadoria imaterial,

através do “rendimento” escolar dos alunos.

Dessa maneira, à luz do referencial da dialética do materialismo histórico do filósofo

Karl Marx, entrelida como a lógica de apropriação do real (a reconstrução em pensamento da

realidade enquanto concreto sócio-histórico), estabelece-se nesta dissertação a necessidade de

interrogar as relações entre a divisão capitalista do trabalho humano, que se faz e se refaz,

historicamente, na contínua reprodução hierárquica da cisão e alienação entre teoria e prática,

subjetividade e objetividade, concepção e execução também na educação.

4 Nessa direção, destaque-se o fato de que, a partir dos fins dos anos de 1970 nos países centrais e posteriormente por todo o globo (países dependentes), o “neoliberalismo passou a ditar o ideário e o programa a serem implementados pelos países capitalistas, contemplando reestruturação produtiva, privatização acelerada, enxugamento do Estado, políticas fiscais e monetárias, sintonizadas com os organismos mundiais de hegemonia do capital como o Fundo Monetário Internacional” (ANTUNES apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.40). Assim, conforme pesquisas de Antunes, podem-se elencar algumas características essenciais ao enquadramento da totalidade concreta, em seu devir, do nosso presente histórico, plataforma prévia sem a qual não há como se ter uma visão do conjunto societário no qual nos inserimos historicamente na “desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores, o combate cerrado ao sindicalismo classista, a propagação de um subjetivismo e de um individualismo exacerbados tal qual a cultura ‘pós-moderna’, bem como uma clara animosidade contra qualquer proposta socialista contrária aos valores e interesses do capital, são traços marcantes deste período histórico” (HARVEY, 1992; MCLLROY, 1997; BEYNON, 1995) (ANTUNES apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.40). Portanto, para situar qualquer tematização a respeito da destrutividade do capital em crise estrutural sobre o mundo do trabalho e a degenerescência na forma de ser e ir sendo trabalhador, necessariamente, implica-se em incluí-lo, de modo ontológico, como integrante de uma crise civilizatória sob o jugo do ethos regulatório neoliberal.

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Por fim, procurou-se pensar o processo de mercantilização da relação trabalho-

educação a partir das metamorfoses no modo de produção capitalista em seus períodos de

estruturação e reestruturação fordista, taylorista e toyotista (ou pós-fordista), hoje sob influxo

do ethos neoliberal conservador que intensifica a exclusão social sob as condições efetivas

mais globais de produção da existência humana pela lógica mercantil.

Dessa forma, partiu-se da histórica constatação de que, na Organização capitalista do

trabalho humano, predomina a fratura ou a cisão entre os momentos relacionais do pensar e

do agir, no qual alguns poucos privilegiados operam e desenvolvem no mundo da produção a

capacidade intelectiva ou cognoscitiva de criar e planejar enquanto a outros, a maioria da

humanidade ou suas maiorias subalternas, restam-lhes a simples e mecânica execução da

ordem emanada dos ditos “competentes” planejadores a serviço do capital, sem possibilidade

de questionamentos.

Encontramos, conseqüentemente, o trabalho docente perspectivado num modelo

“ideal” burocrático (no sentido de tratar o ser real como o irreal) e heteronomamente moldado

“de fora” da escola por “especialistas”, aos quais se incumbe à função estatal de planejar um

currículo oficial concretizado nos Livros-texto de maneira apartada às condições existenciais

concretas do professorado. Este, expropriado de seu saber vinculado ao conhecimento do real

em estreita vinculação à praxis social, tem seu trabalho subsumido, pelo menos formalmente,

à lógica mercantil dos Livros-texto.

Desse modo, para um melhor enquadramento das diretrizes que fixam as políticas

“públicas” no campo educacional, julgou-se que a melhor maneira de sintetizar a temática

aqui desenvolvida seria situar o trabalho docente sob influxo do ethos5 regulatório neoliberal,

cujos efeitos se perceberiam, ontologicamente, pelo modo de ser e ir sendo professor premido

por contradições e tensões de mecanismos regulatórios de um sistema complexo de avaliações

externas. Tudo isso correlacionado às regulações técnico-instrucionais centralizadas em

materiais didáticos padronizados, pré-empacotados, a saber: os Livros-texto que, hoje,

condicionam fortemente o pensar-agir-pensar ou o quefazer cotidiano do professorado na

educação pública oficial básica.

5 Segundo o dicionário Houaiss (2009), a palavra éthos é um substantivo masculino que representa: (1) conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, idéias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou região; ou ainda, (1.1) na antropologia norte-americana, reunião de traços psicossociais que definem a identidade de uma determinada cultura; personalidade de base; ou mesmo, (2) parte da retórica clássica voltada para o estudo dos costumes sociais; ou (3) conjunto de valores que permeiam e influenciam uma determinada manifestação (obra, teoria, escola etc.) artística, científica ou filosófica.

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Para tanto, utiliza-se dos princípios da pesquisa qualitativa documental característicos

daquela pesquisa denominada por Saviani (1991, p.168) de “dissertação de base”, capaz de

reunir e organizar um conjunto de dados e informações que confluam, por meio de

explicitações das mediações concretas, com sua conjectura e temática, de modo a captar a

influência do ethos regulatório neoliberal conservador na praxis docente.

Dessa maneira, originariamente, formulou-se uma hipótese ou conjectura em que se

pressupôs que os Livros-texto, à semelhança de como já ocorreu no passado com as velhas e

dogmáticas Cartilhas, poderiam vir a ser manuais didáticos instrucionais responsáveis por

forjar uma educação precisamente como aquela que Paulo Freire nomeia “bancária”, só que

agora com novos conteúdos e roupagens.

Nesse plano analítico, o caminho percorrido para uma compreensão da praxis

permitiu-me, pois, apreender o trabalho humano como fundamento de toda praxis social, isto

é, como o próprio configurador ou possibilitador histórico de toda a sociabilidade e processo

de individuação social. Desse modo, pôde-se correlacioná-lo com os processos de alienação

ou separação, históricos ou de longa data, entre concepção e execução inerentes à divisão

hierárquico-capitalista do trabalho social que, agora já em nível de políticas “públicas”

educacionais do Estado atual, encontrariam sua expressão alienada e estranhada na cisão entre

os momentos relacionais do planejamento curricular e da execução do trabalho docente.

Isso porque, necessariamente, mesmo que não explicitada em alguns casos, sempre se

está presente, em qualquer teoria do conhecer, em qualquer lógica, epistemologia ou

gnosiologia, uma “leitura” ou “concepção” sobre o ser humano e a realidade humano-

societária.

Daí haver também, sempre, uma primazia da ontologia ou da concepção do humano e

de sua realidade societária perpassando a construção teorética de qualquer arcabouço

categorial ou conceptual, lógico, epistemológico ou gnosiológico que, no tronco do método

dialético, reconstrói em pensamento (teórico) a objetividade (real) da história, a saber: trata-se

do método gnosiológico ou epistemológico marxiano materialista, de talhe ontológico

histórico-imanente, de reconstruir o concreto pensado.

Inclusive, adiante-se por ora, mesmo o tronco não dialético de pensamento, que rejeita

abertamente como “não científica” a elaboração de uma coerente “concepção” ou “leitura”

ontológica do ser humano e da sua realidade enquanto totalidade concreta, também traz em

seu bojo, necessariamente, uma certa concepção de humano e de realidade. Ainda que

conceba o humano enquanto “coisa” e o real, como colcha de retalhos fragmentária e

“impossível” de ser apreendida em processualidade de totalização histórica.

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Nesse preciso sentido também, registre-se aqui centralmente, Paulo Freire considera

mesmo ser impossível para qualquer teoria do conhecer pedagógico estar isenta de uma

ontologia! Daí ser igualmente impossível iniciar-se qualquer reflexão científica sobre a

particularidade da educação enquanto fenômeno humano sem, antes, necessariamente se

estabelecer certo patamar ou estatuto filosófico de compreensão sobre o modo de ser e ir

sendo humano, em sua universalidade no e com o mundo social e natural.

Portanto, esta dissertação objetiva, nesse exato sentido, perfazer um breve panorama

do processo de mercantilização da Educação oficial e da conseqüente expropriação do saber

docente advindo de seu trabalho a serviço da produção capitalista contemporânea, situando-

os, historicamente, a partir das reflexões engendradas pelos Livros-textos e sua função e razão

de ser.

Assim, toma-se como hipótese que, a educação oficial e o trabalho docente, na medida

em que são situados, em sua particularidade, subsumidos às políticas públicas educacionais

conservadoras, são expropriados de substancialidade autenticamente humana, solapando-se a

função docente e, simultaneamente, proletarizando-se a docência num processo de

estandartização crescente de seu trabalho e do conteúdo escolar.

Para tanto, esta dissertação ainda situou, por meio da pesquisa qualitativa e da análise

documental e, sobretudo, bibliográfica, a Educação oficial e o trabalho docente mediante a

institucionalização de diversos mecanismos ou artefatos normativos de regulação política, a

partir de estudos de autores clássicos e contemporâneos que se debruçaram ou se debruçam

sobre a pertinente temática “educação e sociedade”, perspectivados na orientação geral de

uma pedagogia histórico-crítica que não dissocia a particularidade educativa da sociedade de

classes contemporânea global.

Finalmente, diante do exposto, para explicitar os caminhos e itinerários da pesquisa,

bem como para tematizar tais questões e suas problemáticas em nível de exposição desta

dissertação, isto é, de modo mais especificado ou determinado, organizaram-se os seguintes

capítulos:

No Capítulo I, sob o título “Dimensões do trabalho enquanto mediação fundante entre

ser humano e realidade social em formação histórica”, explicitam-se alguns dos pressupostos

metodológico-teóricos da dialética marxiana, necessariamente histórica e materialista, bem

como sua concepção teórica que expressa a apropriação prático-teórica do mundo pelo ser

social, de modo a compreender o trabalho humano como fundamento de toda praxis social,

das estruturas, das formas de consciência social etc.

16

Esse capítulo primeiro, assim, tem como finalidade principal delinear um estatuto

ontológico6 do ser humano e da realidade humano-societária a partir do qual, somente, crê-se,

é possível captar, através de uma episteme dialética, o fenômeno social – no nosso caso o

educativo – enquanto produto e simultaneamente reprodutor da sociabilidade do capital.

Então, ao final desse capítulo, situa-se a Ciência da Educação, entendida como uma particular

Ciência humana, atrelada ao estatuto ontológico do ser social e de sua realidade, a partir do

qual se é possível especificar a lógica concreta da educação como parte do todo societário

capitalista, necessária e contraditoriamente.

No Capítulo II, denominado “Dimensões sócio-históricas do Trabalho

contemporâneo: Burocratismo e Educação bancária”, analisa-se, estruturalmente, a cisão ou

fratura dos momentos relacionais da concepção e da execução do trabalho social –

característica da divisão hierárquica do trabalho humano em classes sociais antagônicas, cujo

núcleo contraditório reside, grosso modo, na subsunção do trabalho vivo ao capital,

subsunção dos não proprietários aos proprietários dos meios de produção em aliança com o

domínio político-jurídico sobre as maiorias subalternas.

Articula-se, pois, a difusão das alienações sociais mercê da expansão das relações

“coisificadas” – fetiches – a serviço da produção dominante de mercadorias com vistas à

acumulação, entrelendo-se aí, nesta estrutura social onde o trabalhador ele próprio assume a

forma de uma mercadoria a servir de “fator” ao capital, o surgimento do burocratismo.

Burocracia enquanto estrutura de poder de um Estado que, apesar da pseudoconcreticidade

com que se impõe, encontra-se dissociado da efetiva participação dos “de baixo”,

burocratismo, portanto, em oposição, à verdadeira democracia, na medida em que se forja

como “jaula de ferro” da praxis ontocriativa.

Ao final desse capítulo, como a divisão hierárquica do trabalho humano perpassa a

educação contemporânea, procura-se compreender o modo pelo qual os diversos mecanismos

ou artefatos de regulação político-burocrática sobre a educação pública formal e o trabalho

6 Ou seja, trata-se daqueles pressupostos e princípios “relativos à ou próprios da ontologia, a investigação teórica do ser”. Diferentemente do que se encontra “no heideggerianismo, relativo ao ser em si mesmo”, bem como nas concepções atomísticas de um ser abstrato, genérico e formal, ontologia, aqui, no talhe marxiano, refere-se a sua dimensão materialista, histórica e dialética, com vistas à compreensão dos elementos historicamente construídos que se referem aos “entes múltiplos e concretos da realidade” (HOUAISS, 2009). De acordo com Rago (2011, p.42), o conjunto das críticas ontológicas de Marx – à filosofia especulativa, à politicidade (Estado incluído) e ao capital – “se aprofundam, se condicionam mutuamente, a fim de reproduzir por abstrações razoáveis as categorias concretas como formas determinadas do ser, determinações da existência, que existem nos complexos reais”.

17

docente enjaulam a educação, hoje sob uma nova roupagem, numa desumana educação

bancária.

Já no Capítulo 3, “Divisão do trabalho humano e Educação Oficial do Estado

político: Currículo, Livros-texto. Contradições e tensões no modo de ser professor

contemporâneo”, admite-se a necessária e recíproca complementaridade, mutuamente

enriquecedora, entre um estatuto filosófico dialético, tornado ontológico, materialista e

histórico, e uma Educação ou Pedagogia Histórico-crítica entrelida como Ciência humana

particular em direção à humanização dos educandos e educadores, e não à domesticação tal

qual se promove na tecnocrática educação bancária.

Nesse passo, a partir do delineamento da reestruturação de uma nova divisão

hierárquica do trabalho humano e das conseqüentes alterações no âmbito educacional dela

advindas, procura-se compreender como tais profundas e recentes mudanças da sociabilidade

do capital e de sua crise real modificaram a concepção da “função social humanista” atribuída

à escola. Analisa-se, ainda, uma metamorfose neoliberal do sistema educacional tanto no

Brasil quanto no mundo, processo conduzido de modo a engendrar uma mercantilização

inaudita que penetrou na educação pública básica, a degradar a praxis docente como também

a discente, mercê da padronização de um Currículo Oficial calçado em Livros-texto.

Mecanismos e artefatos de regulação política e moral da educação pública enquanto “correias

de transmissão” da cultura oficial.

Dá-se ênfase aí, além disso, à proletarização e precarização do professorado,

expropriado de seu próprio saber a duras penas construído, em nome de uma nova gestão

neoliberal conservadora, baseada em ideológicos princípios de “competitividade”, “mérito”,

“eficácia”, “qualidade total” etc., em parceria público-privada na regulação pública da

educação que visa à empregabilidade no mercado, substancialmente privatista.

Por fim, relacionando tais vinculações entre políticas públicas educacionais

conservadoras e o processo de mercantilização da educação pública formal, na proletarização,

expropriação e padronização do saber docente, analisa-se ainda o significado das contradições

e tensões no modo de ser professor contemporâneo.

Em suma, a título de conclusão, encerra-se esta dissertação retomando, e se re-

apropriando do itinerário de pesquisa percorrido, de modo a expressar o necessário

enfrentamento crítico-transformador da lógica mercantil que rouba a alma da educação

pública oficial de hoje.

18

O autor J. Formosinho, ao referir-se ao modelo curricular da escola de massas em Portugal, em 1985 o definiu como “um currículo uniforme pronto a vestir de tamanho único”, de modo a caracterizá-lo como “completamente independente da aprendizagem real”, uma vez que “baseia-se numa abstração”. (FORMOSINHO, 2009, p. 45, 46)

E também no Brasil, atualmente, emerge um “currículo pronto–a–vestir, tamanho único”, para muitas de nossas escolas públicas destinadas aos filhos das classes trabalhadoras.

19

A classe trabalhadora no século XXI, em plena era da globalização, é mais

fragmentada, mais heterogênea e ainda mais diversificada. Pode-se constatar,

neste processo, uma perda significativa de direitos e sentidos, em sintonia

com o caráter destrutivo do capital vigente. Sistema de sócio-metabolismo,

sob o controle do capital, tornou o trabalho ainda mais precarizado, por meio

das formas de subempregado, desempregado, intensificando os níveis de

exploração para aqueles que trabalham. (ANTUNES, 2004b, p.335)

20

CAPÍTULO I - DIMENSÕES DO TRABALHO ENQUANTO MEDIAÇÃO FUNDANTE

ENTRE SER HUMANO E REALIDADE SOCIAL EM FORMAÇÃO HISTÓRICA

Considerando-se que esta dissertação versa sobre a particularidade do trabalho

docente e do conteúdo escolar do Estado capitalista, inserido na totalidade histórica presente,

advertiu-se a necessidade de refletir sobre a categoria, tanto da realidade quanto do

pensamento que a teoriza e a expressa, trabalho humano – enquanto o próprio fundamento da

praxis social, das estruturas e das formas de consciência sociais, objetivando, a partir desses

delineamentos ontológicos do ser social, a construção coletivo-individual de uma episteme

dialética para melhor entendermos a especificidade do trabalho docente inserido no interior

da sociedade de classes global. Reflexões que nos instigaram, crê-se, a uma melhor

compreensão da realidade e da praxis docente sob o capital. Para tanto, forçosamente optou-se

por resgatar alguns princípios nucelares do método dialético do materialismo histórico.

1.1 PRINCÍPIOS DO MÉTODO DIALÉTICO MATERIALISTA HISTÓRICO

De início, importa registrar que qualquer tentativa de explicitação do riquíssimo

arsenal teórico-metodológico de compreensão da realidade pelo talhe ontológico do filósofo

Karl Marx é tarefa de extrema complexidade, uma vez que impõe a necessidade de situar e

compreender o homem e seu modo de ser e ir sendo social em suas múltiplas e contraditórias

circunstâncias de existência concreta.

Ou seja, atualmente, trata-se de situar o ser humano na nossa mundaneidade capitalista

contemporânea, hoje em crise estrutural que nesta fase neoliberal se evidencia cada vez mais e

mais, sendo difícil de ser negada inclusive pelos agentes e ideólogos do capital.

Para tanto, concebem-se os homens em íntima conexão com suas materiais “condições

de vida existentes, que fizeram deles o que são” (MARX, ENGELS, 2007, p.32), na medida

em que se encontram imersos, em toda sua individualidade, nas relações sociais em constante

transformação histórica de um “mundo sensível como atividade sensível, viva e conjunta dos

indivíduos que o constituem” (MARX, ENGELS, 2007, p.32).

Desse modo, segundo Marx, importa fixar que o “primeiro pressuposto de toda

existência humana, portanto, de toda história” é aquele em que “os homens têm de estar em

condições de viver para poder ‘fazer história’, ou seja, precisa produzir meios para satisfazer

as necessidades da própria vida material” e, por conseguinte, no processo de sua ação para

satisfazê-las o homem cria tantas outras necessidades, cada vez mais sociais e menos naturais.

21

Assim, ainda de acordo com o filósofo alemão, tem-se em suas palavras a delimitação

explícita e precisa de sua concepção materialista e dialética da história humana, a saber:

Essa concepção de história consiste, portanto, em desenvolver o processo real de produção a partir da produção material da vida imediata e em conceber a forma de intercâmbio conectada a esse modo de produção e por ele engendrada, quer dizer, a sociedade civil em seus diferentes estágios, como fundamento de toda a história, tanto a apresentando como sua ação como Estado como explicando a partir dela o conjunto das diferentes criações teóricas e formas da consciência – religião, filosofia, moral, etc. etc. – e em seguir o seu processo de nascimento a partir dessas criações, o que então torna possível, naturalmente, que a coisa seja apresentada em sua totalidade (assim como a ação recíproca entre esses diferentes aspectos). Essa concepção mostra que [na sociedade] em cada um dos seus estágios encontra-se um resultado material, uma soma de forças de produção, uma relação historicamente estabelecida com a natureza que os indivíduos estabelecem uns com os outros; relação que cada geração, por um lado prescreve a esta última suas próprias condições de vida e lhe confere um desenvolvimento determinado, um caráter especial – que, portanto, as circunstâncias fazem os homens, assim como os homens fazem as circunstâncias. (MARX, ENGELS, 2007, p.42-3)

Explicita-se, pois, nessa concepção de história, a íntima vinculação do processo da

consciência humana na construção da realidade sócio-cultural conectada com a totalidade de

nexos, interpenetrações e contradições das circunstâncias concretas vividas pelo homem na

estrutura social capitalista. Trata-se dos fatos que são agarrados na própria realidade

histórica.

Porto Carreiro (1980, p.47) afirma, nesse sentido:

[...] estar ela [a estrutura social] dividida em duas partes fundamentais: a super e a infra-estrutura, [e que] a base econômica da sociedade (ou seja, sua infra-estrutura) compreende as forças materiais de produção, isto é, a técnica de produção existente em cada momento histórico e, por isso mesmo, nele aproveitadas de um modo racional. Enquanto isto, a superestrutura social, abrangendo as relações de produção, está posta em termos de uma ideologia e uma organização política e jurídica que tem por finalidade sustentar a primazia de uma classe dominante sobre as demais.

Nesse evolver, ainda, ontologicamente “podemos explicar a economia como a

estrutura fundamental para a objetivação humana, como ossatura das relações humanas, como

característica elementar da exteriorização humana, como fundamento econômico que

determina a superestrutura” ou demais formas de consciência (CARREIRO, 1980, p.47). Isto

22

é, a economia é o fundamento ou o matrizador da sociabilidade humana, na medida em que se

constitui mesmo enquanto o modo de produzir a vida material das sociedades.

É por essa exata razão que afirma Lukács ser o trabalho material “que determina em

última instância a relação entre o indivíduo e o mundo” (1967, p.40). Dessa maneira,

[...] como compreendemos a investigação da economia partindo da análise do trabalho, a própria economia se manifestou originàriamente não como uma estrutura econômica da sociedade, já pronta e acabada, como uma plataforma histórica já formada ou como unidade das forças produtivas e das relações de produção; manifestou-se como realidade humano-social que vai formando e constituindo a realidade fundada sobre o agir objetivamente prático do homem. Em segundo lugar, verificamos o posto que a economia ocupa na realidade humano-social porque ela constitui a esfera da metamorfose histórica de que cria o homem como ser racional e criatura social, a esfera onde ocorre a humanização do homem. A economia está situada no ponto em que se realiza a unidade de necessidade e liberdade. Neste sentido, a economia se manifesta como modo das relações humanas e fonte da realidade humana. (KOSIK, 1976, p.190)

Nesse passo, a economia é apreendida como uma “forma elementar de objetivação, é

unidade objetivada e realizada de sujeito e objeto, é atividade prática objetivada do homem”

(KOSIK, 1976, p.172). Portanto, além de produzir bens materiais ao consumo social sem o

qual não subsiste sociedade humana alguma, produz também específicas “relações sociais”

traduzidas em “formas existenciais do sujeito social” determinado, formas que não são

passíveis de se descolar ou se dissociar da inter-relação “dos próprios homens e da sua

consciência” (KOSIK, 1976, p.175).

Assim sendo, tendo em vista ser a economia, enquanto sistema ou totalidade, quem

ontologicamente “cria o homem sob seu ponto de vista”, embora hoje seja forjado o “homem

econômico” (KOSIK, 1976, p.175) a partir de “determinadas características” exigidas pelo

capital, em seu posicionamento ontológico incancelável, entretanto, faz parte da mediação

primária e fundante do sistema sócio-metabólico entre homem e natureza, sendo ela, a

economia, quem engendra, basicamente, a “edificação do ser social”, bem como a “estrutura

da própria sociedade” (KOSIK, 1976, p.173).

Entretanto, fora do tronco do pensamento dialético, costuma-se pensar a economia

contemporânea e o ser social que ela engendra a sua imagem e semelhança como formas a-

históricas, naturais e perenes da sociabilidade humana. Aí, nesse enquadramento não histórico

e não dialético, sob o clima de intensificação do fetichismo, o ser burguês posto e reposto

23

pela economia política capitalista eleva-se, artificial e ideologicamente, à condição de ser

humano, com vistas a deixar-se intacta a estruturação social regida pelo capital.

Enfim, a compreensão dessa exata natureza ontológica da economia enquanto modo de

ser ou produzir socialmente o humano abre caminho, pois, para a compreensão do ser social

em sua atividade prático-objetiva, em seu trabalho e praxis humana. Portanto, a razão

dialética – diferentemente da citada operação ideológica que “confunde” atemporalmente o

ser burguês com o ser humano passado e futuro – inclui a si própria na “historicidade do real”

em processualidade unitária de contradições dialéticas, reconhecendo a temporalidade que lhe

marca e condiciona, abrangendo tanto a historicidade condicionada que passa, cai no passado

e não retorna, quanto à historicidade funcionante, a criação “[...] daquilo que não passa,

daquilo que se cria e se produz” (KOSIK, 1976, p.131) no devir do processo de hominização

do ser social.

Trata-se, então, da dialética da continuidade e da descontinuidade no interior da

história humana em processo, por parte de uma razão ou cognição materialista dialética que

não se quer eterna, mas, pelo contrário, situa-se a si mesma historicamente posicionada tal

qual o objeto de sua análise, a saber: o mundo humano historicamente construído e

reconstruído na e pela praxis social.

Nesse sentido, enfatizando a necessidade dos problemas categoriais e metodológicos

da ciência e da filosofia serem pensados como problemas de uma realidade histórica em

perpétua transformação, Tragtenberg afirma:

Aí [no labor filosófico-científico] há um processo de reflexão da prática social-material pela prática ideal (individual-social); é a ação de pensar a realidade. Por isto, toda obra intelectual está definitivamente marcada pela temporalidade; na medida em que tem consciência dessa dimensão, perde seu caráter ideológico, opera-se a ação recíproca (realidade-pensamento e vice-versa). (2006, p.195)

Em outras palavras, para Marx, deve-se debruçar sobre as condições materiais da vida

e de sua reprodução pelo ser social em dada época e circunstâncias históricas a fim de, a partir

dessa primariedade incancelável da infra-estrutura ou da base econômica (sem a qual não há

sociedade que subsista), perscrutar as formas de consciência ou pensamento que compõem a

superestrutura ideológica necessária para dar funcionalidade operacional e sistêmica à dada

estruturação social, isto é, à manutenção da primazia de uma classe dominante sobre as

demais na totalidade do social. Ou seja, nas próprias palavras do pensador alemão sobre sua

concepção dialética da história, destacadas por um de seus estudiosos, José Paulo Neto:

24

[...] Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele inteiramente oposto. Para Hegel, o processo do pensamento [...] é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ele interpretado (MARX apud PAULO NETO, 2011, p.21)

Portanto, o ser social, a fim de significar culturalmente os fatos de seu mundo,

interpreta-os ideal ou subjetivamente num movimento prévio do pensamento, no qual a

consciência idealiza de maneira abstrata, mas necessariamente, nesse processo, respeita as

feições objetivas da realidade contingente e transitória para depois, então, efetivar

concretamente sua ideação, objetivando-a na prática, realizando-se, portanto, no mundo ao

dar forma subjetiva à matéria concreta; este movimento do pensamento abstrato que, assim,

ascende ao concreto é o que Marx denominou como “o verdadeiro método dialético”, isto é:

aquela razão que procede sem perder de vista a reprodução do concreto pensado.

Nesse passo, as “determinações materiais” – marcadas pelo desenvolvimento das

forças produtivas – “constituem o momento predominante no desenvolvimento das idéias”,

marcando profundamente a “existência social dos homens” (LESSA, 2008, p.44) e

determinando mesmo, em última instância, suas consciências. Portanto, o que há é a

determinação social do pensamento e das formas de consciência, sendo estas categorias do

pensar, “reflexos” dialeticamente articulados a uma dada e específica materialidade real em

processamento histórico, cabendo, pois, ao método marxiano reproduzir, em pensamento, os

modos de ser humano a partir das determinações contingentes e transitórias de sua realidade

concreta.

Destarte, Kosik, no tronco do pensamento dialético, adverte para o fato de que, nas

categorias da economia capitalista, e em geral em todas as demais instâncias das relações

humanas, sobretudo nas manifestações de pensamento e demais formas de consciência, as

relações humanas tomam o aspecto de coisas, de qualidades objetivas de objetos. Trata-se,

assim, de superar o aspecto fetichizado do mundo contemporâneo, o que denomina de

pseudoconcreticidade, como primeiro passo necessário do método dialético para apreender a

essência da realidade humana. Em suas palavras,

O mundo real não é, portanto, um mundo dos objetos ‘reais’ fixados, que sob seu aspecto fetichizado leve uma existência transcendente como uma variante naturalìsticamente entendida das idéias platônicas; ao invés, é um mundo em que as coisas, as relações e os significados são considerados como produtos do homem social. O mundo da realidade não é uma variante secularizada do paraíso, de um estado já

25

realizado e fora do tempo; é um processo no curso do qual a humanidade e o indivíduo realizam a própria verdade, operam a humanização do homem. (KOSIK, 1976, p.18)

Dessa maneira, “o mundo da realidade é o mundo da realização da verdade”, que “não

é dada e predestinada, não está pronta e acabada, impressa de forma imutável na consciência

humana: é o mundo em que a verdade devém” ou vem a ser, e que, sendo um por vir, “se faz;

logo, se desenvolve e se realiza [...] na união dialética de sujeito e objeto” (KOSIK, 1976,

p.19-20). Nessa fundante dialética materialista tornada histórica,

[...] a consciência humana deve ser, pois, considerada tanto no seu aspecto teórico-predicativo, na forma do conhecimento explícito, justificado, racional e teórico, como também no seu aspecto antepredicativo, totalmente intuitivo. A consciência é constituída pela unidade de duas formas que se interpenetram e influenciam recìprocamente, porque, na sua unidade, elas se baseiam na práxis objetiva e na apropriação prático-espiritual do mundo. (KOSIK, 1976, p.25)

Logo, a forma de consciência humana é tanto “reflexo” de dada estrutura ou totalidade

social quanto “projeção” que “registra e constrói, toma e planeja, reflete e antecipa; é ao

mesmo tempo receptiva e ativa” (KOSIK, 1976, p.26). Trata-se, pois, do modo dialético de

apropriação da realidade concreta pelo homem que apanha o real em sua lógica específica de

ser e ir sendo na mundaneidade histórica, necessários, pois, para “o desenvolvimento e a

ilustração das suas fases, dos movimentos do seu movimento” (KOSIK, 1976, p.29). Dessa

maneira,

[...] da vital, caótica, imediata representação do todo, o pensamento chega aos conceitos, às abstratas determinações conceituais, mediante cuja formação se opera o retorno ao ponto de partida, desta vez, porém, não mais como ao vivo mas incompreendido todo da percepção imediata, ao conceito do todo ricamente articulado e compreendido. O caminho entre a “caótica representação do todo” e a “rica totalidade da multiplicidade das determinações e das relações” coincide com a compreensão da realidade. (KOSIK, 1976, p.29)

Utiliza-se, aí, da mediação das partes para tornar “o concreto compreensível”, e a

partir de uma parte desta realidade elabora-se uma compreensão de sua totalidade concreta,

reproduzida em pensamento. O que não significa, repita-se, que o momento da compreensão

da totalidade concreta (compreensão da totalidade social) se confunda com a gênese ou

criação dessa mesma realidade.

26

Não se pense, portanto, ser a dialética da totalidade concreta uma ilusória ou

metafísica pretensão de absolutamente conhecer todos os aspectos da realidade, esgotando-os

maquinalmente, uma vez que, no tronco do pensamento dialético, o que importa é reproduzir

pela razão humana “a realidade compreendida como concreticidade, como um todo que possui

sua própria estrutura” (KOSIK, 1976, p.36), sua própria racionalidade em seu modo de ser ou

forma de existência em desenvolvimento histórico – ontológicos, enfim.

Destarte, os pressupostos reais do método dialético marxiano são os “indivíduos reais,

sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles encontradas como as

produzidas por sua própria ação. Esses pressupostos são, portanto, constatáveis por via

puramente empírica” (MARX, ENGELS, 2007, p.86). Reitere-se, assim, que o “primeiro

pressuposto de toda a história humana é, naturalmente, a existência de indivíduos humanos

vivos7”, o que os diferenciou dos animais na medida em que “eles mesmos começaram a

produzir seus meios de vida”, e produziram, “indiretamente, sua própria vida material”

(MARX, ENGELS, 2007, p.87). Nas palavras de Marx e Engels,

[...] esse modo de produção não deve ser considerado meramente sob o aspecto de ser a reprodução da existência física dos indivíduos. Ele é, muito mais, uma forma determinada de sua atividade, uma forma determinada de exteriorizar sua vida, um determinado modo de vida desses indivíduos. Tal como os indivíduos exteriorizam sua vida, assim são eles. O que eles são8 coincide, pois, com sua produção, tanto com o que produzem como também com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção. (2007, p.87)

Desse modo, dialeticamente, o materialismo histórico ao respeitar a feição da

objetividade do mundo articulado com os momentos da subjetividade humana, se constitui

como uma teoria unitária e integradora do ser social que respeita suas dimensões de

manifestação da esfera espiritual, cultural e intelectual condicionadas à materialidade da

realidade sócio-histórico em movimento, ou devir, no processo contínuo e sempre inacabado

de transformação do mundo e do homem.

Nesse passo, somente tem sentido o isolamento “relativo” de determinados aspectos

dessa realidade ampla ou total por meio de abstrações razoáveis, tematizações e projeções que

tenham como “ponto de partida a realidade concreta” para que, partindo dela pela intuição,

7 Para Marx e Engels (2007, p.87), “o primeiro ato histórico desses indivíduos, pelo qual eles se diferenciam dos animais, é não o fato de pensar, mas sim o de começar a produzir seus meios de vida”. 8 Ainda segundo Marx e Engels (2007, p.87), “mostra-se, portanto, no seu modo de produção [Produktionsweise], tanto no que eles produzem, quanto no [modo como eles produzem]”.

27

representação etc. – e mediante o caminho de elevar-se do abstrato ao concreto por meio da

força da abstração ou generalização filosófica – chegue-se também, em nível de ideação, na

realidade ou concreto pensado, donde uma reprodução teórica (científica e filosófica) de sua

totalidade.

Assim, esta não é mais apreendida de forma caótica ou imediatista, porque mediada

com suas tramas e nexos constitutivos e formativos que lhe conferem concretude ou

substância real. Dessa atividade teórica e cognoscitiva, pois, surge

[...] a produção de conhecimentos como um processo ascensional do abstrato ao concreto – processo que se opera no pensamento à força de abstrações razoáveis que consistem na reprodução espiritual do objeto real sob a forma do concreto pensado. (VÁZQUEZ, 1968, p.204)

Desse modo, reitere-se, o materialismo histórico reconhece a importância da

consciência social, de modo à nunca investigá-la de maneira abstrata e subjetiva, pois o faz de

maneira objetiva e concreta, isto é, “em conexão com a história de sua gênese” (KOFLER,

2010, p.110) e seu desdobramento histórico. Finalmente, o método de Marx esclarece a

relação interna entre o ser social e a consciência ideológica e abre todas as possibilidades

concebíveis da sua interpretação dialética e materialista e, mais ainda, desenvolve uma crítica

profunda ao capitalismo, efetiva e não meramente retórica.

O método da dialética, que é concreto porque pretende dar conta de toda a

multiplicidade e complexidade do processo social, “permite verificar até seus últimos e mais

finos detalhes a afirmação segundo a qual a estrutura ideológica está condicionada pela base

econômica” (KOFLER, 2010, p.229).

Nesse sentido, o método dialético “está em condições de indicar a unidade dos

momentos no interior do processo, tanto como condição necessária quanto como resultado

dele: condição e resultado se tornam aqui dialeticamente idênticos” (KOFLER, 2010, p.202),

mutuamente ‘individualizante’ e ‘generalizante’. Com efeito, “os momentos e suas

propriedades qualitativas singulares aparecem nele como inelimináveis em sua

individualidade, como momentos que, no interior do todo e através dele, se põem e se

cancelam dialeticamente” (KOFLER, 2010, p.202).

Enfim, a compreensão marxiana de um fenômeno social se arrima essencialmente no

“princípio metodológico da investigação dialética da realidade social, que antes de tudo

significa que cada fenômeno pode [e deve] (grifo nosso) ser compreendido como momento do

todo” (KOSIK, 1976, p.40), e que, portanto, passa, de um lado, a

28

[...] definir a si mesmo, e de outro, definir o todo; ser ao mesmo tempo produtor e produto; ser revelador e ao mesmo tempo determinado; ser revelador e ao mesmo tempo decifrar a si mesmo; conquistar o próprio significado autêntico e ao mesmo tempo conferir um sentido a algo mais. Esta recíproca conexão e mediação da parte e do todo significam a um só tempo: os fatos isolados são abstrações, são momentos artificiosamente separados do todo, os quais inseridos no todo correspondente adquirem verdade e concreticidade. Do mesmo modo, o todo de que não foram diferenciados e determinados os momentos é um todo abstrato e vazio. (KOSIK, 1976, p.40)

O fenômeno social na perspectiva materialista histórica, portanto, define a si mesmo e,

simultaneamente, a totalidade na qual se insere e adquire inteligibilidade pela consciência

humana. Conquista seu autêntico, porque concreto, significado na medida em que se constitui

na unidade contraditória da trama dos nexos pela mediação, ou melhor, mediações concretas

entre as partes e o todo.

Ao ser apreendido como unidade dialética, indissolúvel ou incancelável da

mundaneidade da vida social e da História humana, forja seu verdadeiro sentido na

concreticidade cotidiana, na medida em que se integra na processualidade da praxis humana

do ser social. Então,

[...] se a realidade é um todo dialético e estruturado, o conhecimento concreto da realidade não consiste em um acrescentamento sistemático de fatos a outros fatos, e de noções a outras noções. É um processo de concretização que procede do todo para as partes e das partes para o todo, dos fenômenos para a essência e da essência para os fenômenos, da totalidade para as contradições e das contradições para a totalidade: e justamente neste processo de correlações em espiral no qual todos os conceitos entram em movimento recíproco e se elucidam mutuamente, atinge a concreticidade. (KOSIK, 1976, p.41)

O processo de concretização do conhecimento dialético da realidade, pois, “não é uma

sistematização dos conceitos que procede por soma” arrimada em “uma base imutável”

(KOSIK, 1976, p.42), tal como no tronco positivista. Ele se dá, pelo contrário, no e a partir do

“movimento recíproco das correlações em espiral do qual todos os conceitos se elucidam

mutuamente” (KOSIK, 1976, p.42), conceitos e categorias dialéticas entendidos, portanto,

como formas de ser, determinações de existência, uma vez que se tem sempre presente a

determinação social do pensamento.

29

A realidade enquanto concreticidade, assim entendida, é ontológica, ou seja, constitui-

se em “um processo em espiral de mútua compenetração e elucidação dos conceitos, no qual a

abstratividade (unilateralidade e isolamento) dos aspectos é superada em uma correlação

dialética quantitativo-qualitativa, regressivo-progressiva” (KOSIK, 1976, p.42). Isto é,

esclarece Kosik, “não só as partes se encontram em uma relação de interna relação e conexão

entre si e o todo”, como também “o todo não pode ser petrificado na abstração situada por

cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação das partes” (KOSIK, 1976,

p.42).

A dialética materialista não pode, assim, confundir-se nunca com o empirismo-

racionalista vinculado ao positivismo e ao neopositivismo, nos quais o conhecimento da

realidade se realiza “mediante um método de análise e soma” – configurando o que Kosik

precisamente chamou de conhecimento aditivo –, cujo postulado baseia-se na “representação

atomística da realidade como congérie [um amontoado, uma acumulação, uma série] de

coisas, processos, fatos” (KOSIK, 1976, p.42).

Ao contrário, o conhecimento dialético, além de considerar o “conjunto de relações,

fatos e processos”, também pressupõe “a sua criação, estrutura e gênese”, e, portanto, “ao

todo dialético pertence à criação do todo e a criação da unidade, a unidade das contradições e

sua gênese” (KOSIK, 1976, p.42). Finalmente, tem-se que, de acordo com Marx, a

“concepção dialética” do real o concebe, ontologicamente, como “um todo estruturado que se

desenvolve e se cria” (KOSIK, 1976, p.43) historicamente por meio da atividade humana

sensível, praxis.

Por isso, toda teoria do conhecimento – e toda lógica – implica uma ontologia. Portanto, o individual e o universal aparecem como mediados um pelo outro: mantêm-se em sua determinação, mas, ao mesmo tempo, ao se relacionarem, se determinam. Na linguagem de Hegel: se negam determinando-se. (LABASTIDA, 1983, p.165)

Para Marx, nesse percurso, o concreto “é a totalização hierárquica das determinações e

das realidades hierarquizadas” (LABASTIDA, 1983, p.167), ou seja, “é a totalidade

determinada”, historicamente, com “suas múltiplas determinações e relações” (LABASTIDA,

1983, p.168). Portanto, o real é a síntese de múltiplas determinações. Dessa perspectiva, para

se conhecer científica e filosoficamente o concreto,

30

[...] temos que iniciar o caminho de sua reconstrução mediante o uso de conceitos ou categorias que são simples e abstratas, determinantes ainda que indeterminadas (indeterminadas no sentido de que só no final do processo de construção teórica encontramos o concreto, que é “síntese de múltiplas determinações, portanto, unidade do diverso”. (LABASTIDA, 1983, p.168)

O método da dialética em Marx possibilita identificar, portanto, “a ordem em que

hierarquicamente se encontram as partes no interior do todo” social (LABASTIDA, 1983,

p.168) ao destacar o momento predominante dessa articulação societária na produção e

reprodução do trabalho social, sem o qual inexiste sociedade humana.

Nesse ponto, aglutina-se um complexo de problemas, que tem “a força de produzir

conceitos que reproduz o todo real: o todo do pensamento intenta reproduzir o todo real, ou

seja, ser momentânea e parcialmente idêntico ao todo real, ao todo concreto”, uma vez ser,

para a razão dialética, cada fenômeno social “a unidade da semelhança e da diferença, a

unidade da singularidade e da universalidade, a unidade da interioridade e da exterioridade”

(LABASTIDA, 1983, p.170).

O que, enfim, permite “conceptualizar cada manifestação em sua singularidade, que se

determina pelo lugar que lhe cabe no movimento, como também em sua dependência e

universalidade, explicável igualmente pelo mesmo determinismo do processo” (KOFLER,

2010, p.202). Nessa

[...] concepção dinâmica da realidade, própria de toda dialética, o singular é concebido pelo todo, em sua universalidade, o singular, portanto, não apenas é conservado, precisamente porque é concebido como momento de um todo que se move a si mesmo, que põe os momentos contraditórios e os supera, é reconhecido também em sua essência oculta ao pensamento não dialético. (KOFLER, 2010, p.202)

Dessa forma, “o princípio dialético da articulação entre singularidade e universalidade,

que permite desvelar a essência dos fenômenos, eleva-se à condição de princípio teórico da

abordagem dialética da história”, porque se atenta, assim, para “o caráter dos momentos no

movimento contraditório de uma totalidade” (KOFLER, 2010, p.203). Por conseguinte,

“quando se parte da consideração da totalidade social e da gênese da sociedade humana, põe-

se em relevo a função central do trabalho como condição ineliminável de qualquer relação

humana” (KOFLER, 2010, p.203).

31

O trabalho humano revela-se, finalmente,

[...] o princípio que em geral torna possível o ser social. Mas, se o trabalho possui realmente esta função central, não podem existir processos ou fenômenos na história da sociedade, referidos aos indivíduos socializados através do trabalho, que não se possam vincular, em última análise, à relação sujeito-objeto, e ao princípio que a fundamenta, o próprio trabalho. (KOFLER, 2010, contracapa)

Por fim, o trabalho social no sentido filosófico ou dialético se apresenta como

“elaboração de finalidades e produção de conhecimento em íntima unidade” com a “tarefa do

homem de transformar a natureza exterior e sua própria natureza” (VÁZQUEZ, 1968, p.192)

em direção à liberdade dos indivíduos sociais numa processualidade histórica de

humanização.

Portanto, se o “fenômeno da consciência” é resultado de um processo de

desenvolvimento humano que “avança mediante contradições”, então, “pelo caráter do seu

ser, aparece essencialmente vinculado ao nível da existência mais alto atingido pela vida, ou

seja, pela práxis, ao mesmo tempo se descobre a sua função essencialmente prática, isto é,

inserida por essência na conexão universal do ser” (KOFLER, 2010, p.111).

Eis aí, em cheio, a ontologia marxiana, isto é, a dialética materialista e histórica

enquanto teoria ou lógica do real, do ente posto e reposto historicamente na e pela praxis

objetiva e objetivante do humano em interação com a natureza mediatizado pelo trabalho.

Tão importante quanto à praxis, pois, é a compreensão da praxis pelo pensamento

científico e filosófico que se propõe a reproduzir a objetividade do mundo humano, aquele

que não se pensa apartado de seu solo histórico-social determinado, tampouco se concebe

isoladamente da atividade prático-objetiva humana que, em sua processualidade, configura a

própria possibilidade do conhecer.

1.1.1 Praxis social e relação dialética entre teoria e prática

Nesse passo, “o materialismo dialético é um inesgotável manancial de conhecimento

de que jorra a percepção interpretativa dos fenômenos sociais que estão a exigir uma

transformação” (CARREIRO, 1980, p.18) e que, portanto, amarrado à praxis conjuga teoria e

prática para as necessárias modificações da estrutura social de uma realidade que desumaniza.

32

Desse modo, a praxis social é “formadora e ao mesmo tempo forma específica do ser

humano”, a partir da qual cria sua “realidade ontológica” (KOSIK, 1976, p.201). Por

conseguinte, a praxis é um “processo ontocriativo” que torna possível o próprio “acesso à

realidade” (KOSIK, 1976, p.201).

A praxis na sua essência e universalidade é a revelação do segredo do homem como ser ontocriativo, como ser que cria a realidade (humano-social) e que, portanto, compreende a realidade (humana e não-humana, a realidade na sua totalidade). A praxis do homem não é atividade prática contraposta à teoria; é determinação da existência humana como elaboração da realidade. A praxis é ativa, atividade que se produz historicamente, quer dizer, que se renova continuamente e se constitui praticamente, unidade do homem e do mundo, da matéria e do espírito, de sujeito e objeto, do produto e da produtividade. Como a realidade humano-social é criada pela praxis, a história se apresenta como um processo prático no curso do qual o humano se distingue do não-humano: o que é humano e o que não é humano não são já predeterminados; são determinados na história mediante uma diferenciação prática. (KOSIK, 1976, p.202)

Nesse evolver histórico e sua processualidade que comporta objetivamente a

humanização e também a desumanização, a praxis é ativa e produz a “unidade do homem e do

mundo, da matéria e do espírito, de sujeito e objeto, do produto e da produtividade” e,

portanto, é “o modo específico de ser do homem” (KOSIK, 1976, p.202), ou ainda, é um

modo específico da existência ontológica do humano.

A praxis com ele [o homem] se articula de modo essencial, em tôdas suas manifestações; e não determina apenas alguns de seus aspectos ou características. A praxis se articula com o todo do homem e o determina na sua totalidade. A praxis não é uma determinação exterior do homem. (KOSIK, 1976, p.202)

Assim, a praxis social como “processo da objetivação” (KOSIK, 1976, p.204) da

existência do homem é a manifestação de seu modo de ser em seu tempo e lugar históricos.

De acordo com síntese de Rago Filho (2011, p.42), “os indivíduos se apresentam como

manifestam suas vidas, como seres mutantes, sociais, históricos. Os indivíduos vivos e

atuantes são os criadores de seu próprio mundo, que tem no trabalho sua forma originária”.

Por conseguinte, a praxis social

[...] se manifesta tanto na atividade objetiva do homem, que transforma a natureza e marca com sentido humano os materiais naturais, como na formação da subjetividade humana, na qual os

33

momentos existenciais como a angústia, a náusea, o medo, a alegria, o riso, a esperança, etc., não se apresentam como ‘experiência’ passiva, mas como parte da luta pelo reconhecimento, isto é, do processo de realização da liberdade humana. (KOSIK, 1976, p.204)

A praxis, portanto, é objetivação do homem em suas circunstâncias concretas, e, por

essa razão, a dialética sujeito e objeto é fundamental para a compreensão do mundo do ser

social.

Conseqüentemente, o agir objetivo humano resulta da transitividade dos momentos

relacionais do idear subjetivo (sócio-individual) e do objetivar material, sendo a história

humana, pois, “processo de estruturação e desestruturação de objetos e idéias”

(TRAGTENBERG, 2006, p.260).

Dessa maneira, “o homem se realiza pela praxis na História e na sociedade”

(TRAGTENBERG, 2006, p.219), ao definir, em seu agir prático, os objetos das Ciências

humanas na processualidade histórica que não existe sem o humano, sendo mesmo com ele.

Nesse sentido, o homem é ao mesmo tempo criador e produtor da realidade e de sua

própria natureza ontológica e, assim, revela-se ou manifesta-se nela por meio de seu modo de

ser e ir sendo. A praxis, pois, é “atividade material humana, transformadora do mundo e do

próprio homem” (VÁZQUEZ, 1968, p.407).

Esta atividade real, objetiva, é, ao mesmo tempo, ideal, subjetiva e consciente. Por isso insistimos na unidade teoria e prática, unidade que implica também certa distinção e relativa autonomia. A praxis não tem para nós um âmbito tão amplo que possa inclusive englobar a atividade teórica em si, nem tão limitado que se reduza a uma atividade meramente material. A praxis se apresenta sob diversas formas específicas, mas tôdas elas são concordantes no fato de se tratar da transformação de uma determinada matéria prima e da criação de um mundo de objetos humanos e humanizados. Tôdas essas são formas específicas de uma praxis total, cujo resultado ou produto é, em última análise, o próprio homem social. Independente do grau em que cada indivíduo, grupo social ou sociedade participe dessa praxis total, ela é a atividade pela qual o homem se produz ou se cria a si mesmo. (VÁZQUEZ, 1968, p.407)

Assim sendo, “toda forma específica de praxis se integra num processo prático

universal de produção do homem” e, conseqüentemente, “através de seus avanços e recuos,

ziguezagues ou estancamentos”, tem sempre “um caráter criador” (VÁZQUEZ, 1968, p.407).

34

Caráter prático-criativo, ontocriativo, de um ser que dá respostas às necessidades ou

aos seus carecimentos, sob pena de perecer, elevando-se de sua organicidade biológica de um

ser natural à sociabilidade gregária dos seres especificamente humanos, seres sociais e

conscientes.

É somente a partir daí, registre-se, que se pode mapear a questão da cultura humana,

ou seja, integrada ao e oriunda do modo de produção material e reprodução da vida dos

homens em interatividade necessariamente social. Portanto, foi por esse movimento

ontocriativo da praxis humana que se possibilitou ao ser humano ser “precisamente um ser

cultural”, ou “um ser teórico-prático” (VÁZQUEZ, 1968, p.409).

Por essa razão é que o ser humano revela sua “dimensão essencial enquanto ser

histórico e social” em sua “atividade prática” (VÁZQUEZ, 1968, p.409), cabendo, pois, ao

método materialista dialético, conforme Rago Filho construir-se mediante um conjunto de

procedimentos analíticos, a saber: “a crítica histórico-imanente aos objetos históricos, a

determinação social e a funcionalidade social deles na processualidade histórico-social”

(2011, p.43). Isso porque, ainda segundo o autor, Marx “considerava que um ser que não

possua objetividade é uma absurdidade. O indivíduo é ser social, ser dinâmico, prático,

autoproducente, genérico, livre e consciente” (RAGO FILHO, 2011, p.41).

E, como toda finalidade, essa prática – ou, mais exatamente, esse projeto ou antecipação ideal da prática – só será efetiva com o concurso da teoria. A prática como objetivo da teoria exige um correlacionamento consciente com ela, ou uma consciência da necessidade da prática que deve ser satisfeita com a ajuda da teoria. Por outro lado, a transformação desta em instrumento teórico da praxis exige uma alta consciência dos laços que unem mùtuamente a teoria e a prática. (VÁZQUEZ, 1968, p.232)

Por conseguinte, a atividade teórica só tem sentido em estreito laço com a realidade;

pois é ela que é seu objeto de interpretação e transformação, ou seja, a teoria tem na prática

sua finalidade porque se origina de necessidades reais de situações concretas do ser histórico-

social.

Deve-se, então, esclarecer-se que a prática da qual se trata, na perspectiva marxiana, é

atividade transformadora da realidade social, situada por Freire como parte mesmo da

essência ontológica do ser humano ao longo de sua história, bem diferente, pois, da prática

que não se incorpora ou se manifesta como instrumento para a “transformação prática do

mundo real” (VÁZQUEZ, 1968, p.236).

35

Produz-se, nesse passo, um movimento dialético entre a teoria e a prática, no qual há

um ajustamento mútuo e contínuo entre os momentos relacionais – inseparáveis, portanto –

subjetivo e objetivo do ser social e, enfim, essa mútua dependência e relativa autonomia se

manifestam na praxis social.

1.1.2 Diferentes níveis ontológicos da praxis humana

Para Vázquez, na esteira de Marx, na praxis social há diferentes estágios, momentos

ou níveis, o que também se vincula ao grau de consciência do sujeito ativo no processo

prático, bem como ao grau e qualidade da criação do novo demonstrado pelo produto de sua

atividade sensível, prática.

Esses níveis, porém, são relativos, uma vez que “sujeito e objeto se encontram em

unidade indissolúvel na relação prática” (VÁZQUÉZ, 1968, p.266). Porém, como dois

grandes estágios, momentos ou níveis da praxis humana, podem-se citar a praxis criadora e a

praxis reiterativa.

A praxis se apresenta ou como praxis reiterativa, isto é, em conformidade com uma lei prèviamente traçada, e cuja execução se reproduz em múltiplos produtos que mostram características análogas, ou como praxis inovadora, criadora, cuja criação não se adapta plenamente a uma lei prèviamente traçada e culmina num processo nôvo e único. (VÁZQUÉZ, 1968, p.246)

Nessa direção, se a “praxis humana” consiste na

[...] produção ou auto-criação do próprio ser social, ser auto-producente, produtor e produto da história humana, então, a “praxis criadora é determinante” em seu movimento ontocriativo, o que nos permite enfrentar as novas necessidades, problemas e situações postos mediante a ação “de estar inventando ou criando constantemente novas soluções”. (VÁZQUÉZ, 1968, p.247)

Tendo-se em vista que “o homem cria por necessidade; cria para adaptar-se a novas

situações ou para satisfazer novas necessidades” (VÁZQUÉZ, 1968, p.248), pressupõe-se

ainda que, diante de fatos imprevistos, o ser humano modifique o plano traçado idealmente,

devendo respeitar, a cada momento do processo prático, as circunstâncias concretas de seus

objetos para dar sua forma subjetiva a um mundo repleto de objetos humanos, socialmente

significados e historicamente construídos.

36

A perda inevitável da finalidade original em todo processo prático verdadeiramente criador não significa a eliminação do papel determinante que a finalidade tem no referido processo, na medida em que ‘rege como uma lei as modalidades de sua atuação’ – como diz Marx referindo-se ao trabalho do operário – o que acontece é que a finalidade que começou presidindo os primeiros atos práticos se foi modificando no decorrer do processo para converter-se ao final dêste em lei que rege a totalidade do referido processo. (VÁZQUÈZ, 1968, p.250)

Nesse passo, revela-se todo aspecto flexível do processo prático-criador que

transforma as finalidades ideais previamente concebidas em resultados reais possíveis, não

totalmente idênticos às finalidades ideadas anteriormente aos resultados concretizados, já que

sempre há certa distância entre o ideado e o exteriorizado.

Trata-se, repita-se, de toda carga de incerteza e indeterminações inerentes ao que já se

denominou de processo prático, responsável pela dação subjetiva de forma à matéria, sem o

que não há sociedade nem história humanas.

Dessa forma, o produto desse processo assume um caráter único e específico devido à

“indeterminação e imprevisibilidade do processo e do resultado”, evidenciando-se toda

transitividade que distingue, mas também aproxima, “o subjetivo e o objetivo” (VÁZQUEZ,

1968, p.251). Daí, o objetivo tanto se ajusta à finalidade ou ao projeto, como também o ideal

se ajusta às exigências das condições reais, objetivas, decorrentes das “mudanças imprevistas

que surgem no decorrer do processo prático” (p.258).

Por conseguinte, segundo Vázquez (1968, p.251), os principais traços encontrados nas

diversas formas específicas de praxis real, que se revestem de um caráter criador, são: “(a) a

unidade indissolúvel, no processo prático, do interior e o exterior, do subjetivo e o objetivo;

(b) a indeterminação e imprevisibilidade do processo e do resultado; (c) a unicidade e

irrepetibilidade do produto”.

Destarte, nas diversas formas da praxis criadora, mercê da ontologia do ser social, de

acordo com a qual o ser humano é um ser que dá respostas para não perecer no mundo, tem-se

uma gestação interna, subjetiva, onde são construídos os objetivos e teorias para sua

efetivação, ou exteriorização material. Assim, o “projeto original plasma-se sobre uma

matéria social, que resiste, e com meios cujas possibilidades só se revelam em toda sua

dimensão no processo prático” (VÁZQUEZ, 1968, p.251).

Logo, a “presença ou a ausência de determinadas condições objetivas ou o

desenvolvimento dos fatores subjetivos” faz necessária “uma peregrinação constante do ideal

ao real, e dêste ao próprio ideal, abrindo-se assim uma brecha entre o projeto original e a

37

atividade prática, que haveria de transformar a realidade social, de acordo com esse projeto”

(VÁZQUEZ, 1968, p.251).

Dessa forma, o projeto original é modificado, uma vez que “nem tudo pode ser traçado

de antemão”, pois existem circunstâncias que não podem ser previstas, ou seja, entre o plano

ideal (teórico) e o real (prático) existem “elementos de indeterminação e imprevisibilidade”

(VÁZQUEZ, 1968, p.252). Esse movimento entre o ideal e o real cria, então, uma lógica

própria na medida em que só se desenvolve no próprio processo prático, na totalização ou na

sua totalidade concreta em processualidade.

Daí, “o ideal e o real se conjugam de maneira dinâmica e imprevisível em virtude de

transcender constantemente do projeto original – mas também único e irrepetível”, tendo-se

em vista “a existência de particularidades de suas condições objetivas e subjetivas” expressas

“através da singularidade imposta pelas circunstâncias históricas em que se desenvolve”

(VÁZQUEZ, 1968, p.253).

Porém, repita-se, essa imprevisibilidade não exclui certa antecipação ideal do objeto a

ser materializado, por estar em uma íntima relação entre o exterior e o interior, o subjetivo e o

objetivo que percorrem de um a outro os momentos do agir objetivo humano.

Na praxis criadora, o novo se desenvolve, pois, no processo prático, específico das

circunstâncias históricas em que se encontra e, por essa razão, não pode ser cabalmente

previsto de antemão, uma vez que se realiza com a intervenção da dimensão subjetiva em

relação com a objetividade do mundo.

Nessa perspectiva ontológica que forja tal concepção do humano, o ser social não pode

ser concebido “apenas como um ser abstrato, racional ou espiritual” (VÁZQUEZ, 1968,

p.405). Vai-se além ao tomá-lo “como ser prático”, mais ainda, como “teórico-prático” na

medida em que desenvolve sua “atividade transformadora como um ser histórico-social”

(p.406), portanto cultural, filosófico, espiritual, teórico etc.

Dessa maneira, reitere-se, a “atividade material humana” é “transformadora do mundo

e do próprio homem” (VÁZQUEZ, 1968, p.406). É atividade real tanto objetiva quanto

subjetiva e consciente. Não engloba, porém, a teoria em si e nem também se reduz a uma

atividade meramente material.

É, portanto, a “unidade da teoria e a prática”, o que implica, a sua vez, em “certa

distinção e relativa autonomia” (VÁZQUEZ, 1968, p.406) entre elas, dada a transitividade

desses momentos na processualidade histórica do ser social, ser ontocriativo, dinâmico e

autoproducente.

38

No segundo tronco das praxis reais, encontra-se, segundo as distinções de Vázquez, a

praxis reiterativa ou imitativa, sendo um “nível inferior à praxis criadora” no qual não se

encontram suas mencionadas características. A praxis reiterativa, assim, “rompe com a

unidade do processo prático”, porque o “projeto, finalidade ou plano pré-existe”, sendo

realizado “de modo acabado” (VÁZQUEZ, 1968, p.406).

Dessa maneira, o subjetivo se realiza a partir de um modelo idealizado, situação na

qual o real só é justificado ou legitimado mediante a “sua adequação ao ideal”, donde

pressupor o ideal como permanente e imutável, já que, de antemão, “não deve ser afetado

pelas vicissitudes do processo prático” (VÁZQUEZ, 1968, p.257).

Esse tipo de praxis delimita, assim, o campo do imprevisível, tentando anulá-lo

através da homogeneização ou impessoalização, uma vez que já se sabe antecipadamente “o

que se quer fazer e como fazer” (VÁZQUEZ, 1968, p.257). A praxis reiterativa, por

conseguinte, “determina o processo prático de forma acabada antes mesmo de estabelecer-se o

próprio processo e o produto no qual resulta” (p.258).

Portanto, o “planejamento e a realização se identificam” e, conseqüentemente,

pressupõe-se que “o resultado real do processo prático corresponde plenamente ao resultado

ideal” (VÁZQUÉZ, 1968, p.258). Daí, nessa estreita perspectiva, “fazer é repetir ou imitar

outra ação” (p.258), de acordo com essa concepção e praxis reiterativas.

Em contrapartida, “a praxis criadora exige uma elevada atividade da consciência”

(VÁZQUEZ, 1968, p.258) não só para planejar o processo prático, a finalidade e o projeto

original que o sujeito procurará concretizar ao longo de sua atividade material, como também

exige uma elevada atividade da consciência ao longo de todo o processo.

Dado “a problematicidade ou imprevisibilidade do processo e a incerteza quanto ao

resultado”, o sujeito é obrigado a “intervir constantemente” (VÁZQUEZ, 1968, p.281) em

ambos. Movimento que resulta no que Vázquez (1968, p.283) chama de consciência prática,

ou seja, a consciência que atua no início e ao longo do processo prático, em íntima unidade

entre a “plasmação” ou planejamento teórico e a “realização de seus objetivos”, ou seja, a

execução ou concretização da prática subjetivada.

A consciência prática, assim, é aquela que, uma vez inserida no processo prático, atua

e intervém para transformar um resultado idealizado em real; ou seja, é a consciência que

traça as finalidades ou o modelo ideal que pretende realizar e “ela mesma vai se modificando,

no processo de sua realização, atendendo às exigências imprevisíveis do processo prático”

(VÁZQUEZ, 1968, p.283).

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Essa consciência se qualifica na medida em que seus produtos ideais se materializam

e, ao reconhecer-se como “consciência projetada”, toma as atividades que regem o processo

prático para si. Nesse passo, “a consciência prática volta-se para si e para a atividade material

que projeta, transformando-se em consciência da praxis (VÁZQUEZ, 1968, p.284).

Logo, a consciência prática difere-se da consciência da praxis, mas, no entanto,

participam de um mesmo processo prático objetivante de mundo humano.

A primeira é “a consciência que impregna o referido processo, que o rege ou se

materializa em seu decorrer, a segunda qualifica a consciência que se sabe a si mesma, na

medida em que é consciente desta impregnação e de que é a lei que rege – como objetivo – as

modalidades do processo prático” (VÁZQUEZ, 1968, p.284). Portanto, são consciências de

um mesmo processo, mas, no entanto, se encontram em níveis, momentos ou planos

diferentes.

Vázquez explica ainda, seguindo em sua explicitação dos diferentes níveis ontológicos

da praxis, que “a consciência prática, como atividade ideal que se materializa, torna possível

que transpareça ou se eleve a consciência do que está se plasmando (VÁZQUEZ, 1968,

p.284)” ou planejando. Nesse sentido, é “a própria consciência prática que no seu próprio

processo prático ascende à consciência da praxis” (p.284).

Desse modo, a consciência da praxis “é produto da consciência prática” que “vem a

ser a autoconsciência prática” (VÁZQUEZ, 1968, p.284). Assim sendo, “segundo o grau de

manifestação dessa autoconsciência prática podemos distinguir mais dois níveis da atividade

prática do homem”, a “praxis espontânea e a praxis reflexiva” (p.285).

Essas praxis se relacionam e se estabelecem com “a consciência que se tem da

atividade prática que se está desenvolvendo, consciência elevada num caso, baixa ou quase

nula em outro” (VÁZQUEZ, 1968, p.285).

Cabe destacar, enfim, que não se trata de outros níveis da praxis, como dos níveis

criador e repetitivo. O que também não significa a correspondência entre a praxis criadora e a

reflexiva; nem a identificação da praxis reiterativa à espontânea, tendo em vista que a praxis

reiterativa opõe-se diametralmente à espontaneidade e à criação do novo.

Como também não se pressupõe, ainda, que a praxis espontânea é inconsciente ou

excluída da relação de exterioridade com o processo prático. Trata-se, antes, de “um problema

prático”, a saber, o do “tipo de relação que a praxis mantém com a consciência” (VÁZQUEZ,

1968, p.286), isso porque cada um desses níveis leva a produtos ou resultados diferentes.

40

Em suma, a praxis criadora pode ser, em maior ou menor grau, reflexiva e espontânea. A praxis reiterativa acusa uma débil intervenção da consciência, mas não é por isso que se pode considerá-la espontânea. Nesse aspecto, a praxis mecânica, repetitiva, se opõe tanto à atividade prática criadora como à espontânea. (VÁZQUEZ, 1968, p.286)

Nesse passo, espontâneo e reflexivo são conceitos “correlativos” na medida em que

“um adquire sentido com o outro” (VÁZQUEZ, 1968, p.293), entretanto, como se percebe, a

praxis espontânea não passa automaticamente a uma práxis reflexiva, ou seja, aquela “com

elevada consciência da praxis” (VÁZQUEZ, 1968, p.315), nem tão pouco emerge uma nova

realidade da atividade espontânea, por “geração espontânea”.

Todavia, a “anulação” quase total do espontâneo no processo prático produtivo conduz

a uma praxis repetitiva, mecânica, que, a sua vez, “leva a conseqüências análogas numa

prática burocratizada”, pois implica “no aniquilamento de um e outro elemento” (VÁZQUEZ,

1968, p.315-6).

Destarte, se “toda praxis pressupõe uma relação entre o espontâneo e o reflexivo”,

com o predomínio de um ou outro elemento, então, “a praxis criadora se dá no plano da

praxis reflexiva” (VÁZQUEZ, 1968, p.316). Nesse passo, dá-se “numa relação de causa e

efeito” (p.317), onde a individualidade sempre presente é “impregnada da qualidade ou

essência social que é inerente ao indivíduo como síntese de relações sociais” (p.317).

Desse modo, tanto a praxis individual como a coletiva têm “um objetivo previamente

traçado; seu resultado é, portanto, uma objetivação do sujeito prático e, em virtude de tudo

isso, há certa adequação entre seus objetivos ou intenções e os resultados de sua ação”

(VÁZQUEZ, 1968, p.318).

Encontramo-nos, portanto, numa esfera prática que acarreta a intervenção determinada, no decurso do qual o subjetivo se objetiva, a intenção se realiza, e o objetivo se subjetiva; ou seja, o realizado corresponde – em maior ou menor grau, de acordo com as vicissitudes do processo prático que já assinalamos – a certa intenção original. Encontramo-nos, pois, na esfera da praxis intencional. (VÁZQUEZ, 1968, p.318)

Sendo assim, na atividade da consciência existem objetivos e intenções a que se aspira

realizar e, portanto, tal processo dialético “se desenvolve tanto na produção do projeto do qual

se parte como no processo prático de sua realização e, finalmente, no resultado deste, na

medida em que nele se objetiva ou materializa o sujeito” (VÁZQUEZ, 1968, p.318). Portanto,

a validação da praxis intencional – tanto individual quanto coletiva – está em sua “atividade

41

subjetiva objetivada” (p.322), de modo que esta deve ser julgada “não por suas intenções, ou

seja, por seu lado meramente subjetivo, mas sim por seus resultados, isto é, por sua

objetivação prática” (p.325).

Em suma, o que interessa numa atividade prática, que só pode ser considerada como tal na medida em que o sujeito se objetiva, é o resultado da ação. Se existe certa inadequação entre o ponto de partida (intenção original) e o ponto de chegada (produto) – e como vimos anteriormente, não pode deixar de existir, principalmente numa praxis criadora – o que conta acima de tudo, não é o projeto original ou o nível de realização em que este se encontra, ou se encontrava, no decorrer do processo prático, mas sim seu resultado. Ao fazer tal afirmação, não queremos dizer que o subjetivo não conte, ou que possamos considerar o produto como um objeto em si e não como a atividade objetivada de um sujeito. Em contraposição ao que poderia ser sustentado por uma concepção condutivista ou objetivista da praxis, o subjetivo conta, mas só em unidade indissolúvel com o objetivo, ou seja, como intenção tornada objeto, já realizada. (VÁZQUEZ, 1968, p.319)

Toda praxis requer, pois, uma atividade de consciência “não só no início do processo

prático como ao longo deste, para atender às exigências apresentadas pela resistência da

matéria a ser transformada, o que acarreta uma problematicidade, uma incerteza ou uma

imprevisibilidade relativa quanto a seu resultado” (VÁZQUEZ, 1968, p.320).

Assim, “se a praxis intencional é a realização de uma intenção sujeita, por sua vez, há

uma transformação no decorrer do processo prático, o produto da atividade do sujeito não

passa da própria intenção já realizada” (VÁZQUEZ, 1968, p.320). Logo, “o subjetivo conta

através de seus efeitos, dos produtos que plasma” (p.319), e é por esta razão que “não

podemos separar a intenção do produto em que ela se plasmou, não podemos separar o

subjetivo do objetivo” (p.320).

Daí Lukács afirmar que “todo processo de trabalho é teleológico, o que quer dizer que

seu fim é dado na consciência do trabalhador, antes do seu começo efetivo” (1967, p.41).

A atividade consciente, portanto, transforma “o subjetivo em objetivo, no produto,

depois das modificações que a intenção, o objetivo ou projeto foram sofrendo no desenrolar

do processo prático” (VÁZQUEZ, 1968, p.320), assim, é a intenção que parece plasmada no

produto, tal como ele se apresenta realmente. Logo, “a validade de uma praxis tem de ser

procurada em seu produto” (p.320).

42

Nesse sentido, com Antonio Gramsci, “o domínio da teoria não pode ser desligado das

práticas sociais” (KOSIK, 1976, p.24), na medida em que “o conhecimento está estreitamento

relacionado com a prática [...]” (p.24), tendo-se ainda em conta que “o pensamento humano

não é teórico, mas prático” (p.24), já que é engendrado pela praxis social.

A dialética entre atividade humana e ideação subjetiva no e do conhecimento ou saber

humano, fixada a presença histórica do objeto com o qual a sociedade se depara nesta ou

noutra época histórica, representa o modo de apropriação do mundo pelo homem; além disso,

os dois elementos constitutivos de cada um desses momentos são o sentido subjetivo e o

sentido objetivo, ambos com um denominador comum, a atividade humana sensível ou

práxis.

Então, cada grau tanto do conhecimento sensível quanto do racional, ou seja, cada

“modo de apropriação da realidade” é uma atividade baseada ou configurada na e pela “praxis

objetiva da humanidade, e, portanto, ligada a todos os outros vários modos [de apropriação

subjetiva da objetividade], em medida maior ou menor” (KOSIK, 1976, p.23).

Novamente, trata-se, pois, da espinhosa e multissecular discussão sobre o estatuto da

cientificidade marxiana da reprodução, através da ideação subjetiva do concreto ou da coisa

em si da objetividade material do mundo, do movimento real da história humana. Para nele,

conscientemente, intervir com vistas à libertação ou emancipação da processualidade infinita

da hominização orientada pela ontologia e pelo devir do ser mais, hoje obstaculizado pela

existência societária capitalista, historicamente difusora de fetichismos e alienações que

exercem um efeito antidialético sobre o pensamento, incapacitando-o na difícil e

imprescindível tarefa de apreender o real enquanto totalidade.

Assim, nesse clima antidialético engendrado pela divisão capitalista do trabalho

humano – que, de fonte de hominização, passa a ser fonte de desumanização e opressões

mercê de sua divisão alienada – fragmenta-se o real tal como uma colcha de retalhos em

secções ou departamentos, tal qual nas disciplinas escolares e universitárias de herança

positivista.

Em outras palavras, para a concepção de ciência e filosofia de talhe marxiano, deve-se,

metodologicamente, como passos a seguir no labor dialético preocupado com a compreensão

da praxis para nela intervir e transformar, “desvendar a reificação de todas as relações

humanas” (LUKÁCS, 1967, p.29), o que implica na crítica profunda e radical – e a raiz do

homem é o próprio homem – da pseudoconcreticidade.

43

Ou seja, há de se proceder à crítica da imediaticidade do real que se apresenta sob a

forma fenomênica, desvendando-se o fetiche (a coisificação do humano e a humanização das

coisas) sempre manifestado na aparência enganadora e ocultadora da verdadeira natureza

essencial do real, ou sua concreticidade.

Nesse sentido, Lukács mostra “que a análise do social e de suas relações com a

natureza sofre sérias limitações se for fragmentada em disciplinas sociais particulares e

estanques” (COUTINHO, 1994, p.147).

É precisamente neste sentido que Lukács interpreta a dimensão metodológica contida na ‘crítica da economia política’ marxiana, ou seja, como um método de crítica ontológica, que implica um permanente recurso à totalidade e à história, com o objetivo de mediatizar os fatos empíricos, de retirar deles a aparência de fetiches isolados ou e 'coisas’ naturais. (COUTINHO, 1994, p.148)

Destaca-se, assim, no projeto histórico-ontológico de Lukács a importância de se

resgatar “o princípio de que a análise do ser deve preceder à análise do conhecer, já que este

último ato, o de cognição ou intelecção do mundo, é momento de uma totalidade mais ampla,

ontológica, ou seja, da práxis social global” (COUTINHO, 1994, p.147).

Não é que não se deva falar em epistemologia, teorias do conhecimento, gnosiologia

etc., mas, pelo contrário, devem-se enquadrar tais questionamentos sobre o conhecimento ou a

razão humana no âmbito real do desenvolvimento concreto-material do ser social ou humano,

sendo imprescindível situar historicamente os objetos do conhecimento.

Reitera-se, nesse talhe analítico, que o ser social não é uma essência inefável e

irracional, pois se exterioriza como ente histórico em processualidade, enquanto manifestação

dinâmica da realidade apreensível pela razão dialética, que também se situa historicamente.

Resgata-se, portanto, “o ponto de vista da totalidade contra a rígida divisão social de trabalho

científico proposta pelo positivismo” (COUTINHO, 1994, p.147). Por essa razão,

[...] o centro da ontologia consiste na idéia de que a especificidade do ser social reside no fato de que, ao contrário da natureza, onde existe apenas causalidade, surge com o ser social – e, em particular, a partir do trabalho enquanto ‘modelo de toda práxis social’ – uma peculiar e única articulação entre causalidade e teleologia, entre determinismo e liberdade. A esfera humana, segundo Lukács, só pode ser corretamente conceitualizada na medida em que se levem em conta, simultaneamente a ação criadora da práxis humana, formuladora e implementadora de projetos, por um lado, e, por outro, a presença de determinações causais, tanto postas pela natureza externa e interna ao

44

homem quanto às repostas pelos resultados da própria ação teleológica. (COUTINHO, 1994, p.149)

Importantíssimo repisar centralmente, nesse ponto, a irrefutável e inegável

importância da ontologia histórico-mundana do ser-social de Marx enquanto “arma crítica

contra a reificação” da sociedade contemporânea, para que se enfrente a “suposta ‘crise dos

paradigmas’ na medida em que contribui a nos defender da fragmentação ‘pós-moderna’

contra o princípio metodológico da totalidade” (COUTINHO, 1994, p.148).

Sem se esquecer do ensinado por Hegel no sentido de que “o verdadeiro é o todo”, o

que, já agora num plano marxiano, constitui-se num “antídoto eficaz contra a falsa dualidade

de formalismo vazio e de empirismo cego que predominam na ciência social contemporânea”

(COUTINHO, 1994, p.148).

1.1.2.1 Trabalho humano como mediação na criação do novo

Desta breve apresentação, com Coutinho, toma-se a centralidade da categoria trabalho

humano como “modelo de toda praxis social”, uma vez que é “fundamental na vida humana

porque é condição para sua existência social” (ANTUNES, 2004a, p.09).

Ou seja, não há sociedade sem trabalho, sem divisão do trabalho que, portanto,

necessariamente, sempre adquire um caráter social. Donde se deve fixar, centralmente, a

concepção de essência do homem como sua verdade, a qual, segundo Marcuse, “significa uma

forma de existência” (MARCUSE, 2004, p.94), ou seja, trata-se, pois, da ontologia do

humano no e com o mundo enquanto determinações de existência, formas determinadas de ser

e ir sendo do homem.

Nesse passo, o trabalho aparece como elemento articulador da história real da

humanidade.

Essa centralidade da categoria trabalho, determinada a partir da prioridade ontológica dada à atividade produtiva e seu reconhecimento enquanto motor do processo de desenvolvimento humano torna-se, então, a chave teórica para a compreensão da perspectiva materialista-dialética dos fenômenos históricos. (MACHADO, MUSSETI, 2010, p.198)

O trabalho, assim, “aparece como grande fator de mediação que enriquece o mundo

dos objetos” (TRAGTENBERG, 2006, p.84), ou seja, trata-se, por conseguinte, da produção e

reprodução da existência humana.

45

Diante disso, o trabalho humano, em sua essência e generalidade ou generidade

(gênero humano), “não é apenas atividade laborativa”, emprego, fator produtivo a ser

empregado a influenciar esferas específicas do ser humano, pois, vincula-se intimamente no

interior de “um processo que permeia todo o ser do homem e constitui a sua especificidade”

(KOSIK, 1976, p.180).

Assim sendo, é problema filosófico com vistas à realidade que o inclui como

problemática ontológica e, portanto, central numa “filosofia materialista” que se apresenta

como “ontologia do homem” (KOSIK, 1976, p.180).

Dessa perspectiva, portanto, decorrer ser o homem o único ser que trabalha, sendo o

trabalho o responsável por sua transformação, histórica, de ser natural em ser social ou

humano, afastando-se mais e mais das necessidades naturais, cada vez mais históricas – como

o é a necessidade por liberdade, ou vocação, ontológica, em ser mais.

Nesse contraditório evolver histórico, o “processo dialético no trabalho está associado

ao ser do homem”, e por esta razão é “especificidade do ser humano” (KOSIK, 1976, p.183).

Assim, opõe-se “ao ser dos animais e ao ser das coisas” (p.182).

Logo, o trabalho humano ou vivo “é um processo no qual se opera uma metamorfose

ou mediação dialética” capaz de criar o novo, o historicamente novo, o até então

desconhecido (KOSIK, 1976, p.183), e, nesse sentido, portanto, é trabalho emancipatório do

humano e de sua sociabilidade-individualidade.

Na mediação dialética deste processo não se estabelece um equilíbrio entre as contradições, nem se forma contradições antinômicas, mas sim a unidade das contradições se estabelece como processo ou processo de transformação. A mediação dialética é uma metamorfose na qual se cria o novo. (KOSIK, 1976, p.183)

Esse modo complexo de ser e ir sendo humano tem no trabalho um “agir” que

“transforma aquilo que é dado natural e [o] adapta às exigências humanas” (KOSIK, 1976,

p.183).

Portanto, o trabalho humano se constitui como “a unidade do homem e da natureza na

base da sua recíproca transformação” (KOSIK, 1976, p.184), constituindo-se no elo eterno,

perene, presente e fundante em todas as sociedades históricas, entre ser social e natureza,

sendo ele próprio parte da natureza, que, contudo, apresenta um “em si” não desdobrável no

humano.

46

Assim, conforme Marx, revelando-se o papel do trabalho no processo de hominização

do homem, isto é, sua essência ontológica, tem-se que,

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. [...] Ao atuar por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nele adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. (apud RAGO FILHO, 2011, p.44)

Nesse passo, “o homem alcança no trabalho a objetivação, ou seja, a realização dos

significados; e o objeto – arrancado do contexto original – é modificado e elaborado”, sendo

de fato “humanizado” (RAGO FILHO, 2011, p.44).

Nessa perspectiva, o principal “elemento constitutivo do trabalho é a objetividade”

(KOSIK, 1976, p.185) e que significa, em primeiro lugar, um movimento operacional em que

o “passado é transformado, no presente, em desígnios do trabalho futuro”, o que,

conseqüentemente, caracteriza o trabalho como a “ação objetiva do homem” sobre o mundo e

sobre os próprios homens para transformá-los.

A tridimensionalidade do tempo e a temporalidade do homem são baseadas na objetivação. Sem a objetivação não se dá suspensão temporal. O trabalho como ação objetiva é um modo particular de unidade de tempo (temporalização) e de espaço (função extensiva) como dimensões essenciais da existência humana, isto é, formas específicas do movimento do homem no mundo. (KOSIK, 1976, p.185)

Em segundo lugar, ainda com Kosik (1976, p.185), o trabalho humano “é expressão

do homem como ser prático, vale dizer, como sujeito objetivo” em seu processo de trabalho,

que revela algumas dimensões essenciais do modo de ser e ir sendo do homem, esferas

ontológicas, portanto.

Observa-se, daí, que o trabalho não se reduz apenas às operações do trabalho

material; constitui-se mesmo como o modo específico de existência de todo o ser humano

pelo fato de unir tempo e espaço, atribuindo um movimento específico a cada homem e,

conseqüentemente, a cada contexto sócio-histórico.

Finalmente, o trabalho humano é um “processo único” que se move “pela

necessidade e sob pressão de uma finalidade exterior” e, necessariamente, é só a partir dele

que é possível que se realizem “pressupostos da liberdade e da livre criação” (KOSIK, 1976,

47

p.188) em direção ao ser mais do humano na tematização igualmente ontológica de Paulo

Freire, também denunciadora de uma existência que nos nega a essência em ser mais.

Tem-se aí, pois, o itinerário de uma filosofia do trabalho como categoria fundante de

toda sociabilidade e individualidade até o delineamento de um estatuto filosófico de uma

ontologia do ser humano, ou social. Isso porque,

[...] o trabalho como agir objetivo do homem, no qual se cria a realidade humano-social, é o trabalho no sentido filosófico. Ao contrário, o trabalho no sentido econômico, é o criador da forma específica, histórica e social da riqueza social9. O trabalho em geral é o pressuposto do trabalho no sentido econômico, mas não coincide com este. O trabalho que forma a riqueza da sociedade capitalista não é o trabalho em geral; é um determinado trabalho dotado de dupla natureza, e apenas nesta forma pertence à economia. (KOSIK, 1976, p.191)

Enfim, dado o duplo sentido da categoria trabalho, o primeiro como insuprimível agir

objetivo do homem que cria sua própria realidade humano-societária e sua própria generidade

humana em relação à natureza, e o segundo enquanto criador das formas específicas,

históricas e transitórias de riqueza “social”, configura-se, portanto, o pano de fundo das

“contradições fundamentais da sociedade capitalista” (VÁZQUEZ, 1968, p.47).

Entrelê-se, pois, o trabalho, tanto em sua potência hominizadora e humanizadora,

quanto em sua potência desumanizadora e alienante, como “categoria dialética” fundamental

para a “interpretação científica da sociedade” (KOSIK, 1976, p.199).

1.1.2.2 Trabalho humano como fundamento da praxis social

Destarte, o trabalho humano – como modelo insuprimível de praxis social – se

manifesta na atividade prática dos homens e mulheres e estes, “independentemente da sua

consciência e vontade, tão logo ‘se acham’ dentro da situação, a transformam” (KOSIK, 1976,

p.219). Ou seja, as “circunstâncias fazem os homens, assim como os homens fazem as

circunstâncias” (MARX, ENGELS, 2007, p.43).

É por essa razão, que no “agir o homem inscreve significados no mundo e cria a

estrutura significativa do próprio mundo” (KOSIK, 1976, p.220). Logo, “a situação dada e o

homem são os elementos constitutivos da praxis humana que é a condição fundamental de

9 “A economia política trata das especificas formas sociais da riqueza, ou melhor, da produção de riqueza” (MARX apud KOSIK, 1976, p.191).

48

qualquer transcendência da situação” (p.220) para além de sua imediaticidade do senso

comum, ou, como prefere Karel Kosik, para além da pseudoconcreticidade.

Daí, para a dialética materialista e histórica, recolocando a pertinência ou o

pertencimento dos indivíduos sociais à classe como o próprio processo de individuação social

configurador de visões e concepções de mundo (mundo-visões), já que é o ser que, em sua

praxis, engendra sua consciência, e não ao contrário,

[...] a liberdade é espaço histórico que se desdobra e se realiza graças à atividade do corpo histórico, isto é, a classe. A liberdade não é um estado; é uma atividade histórica que cria formas correspondentes de convivência humana, isto é, de espaço social (KOSIK, 1976, p.221)

Por conseguinte, historicamente, a “ação verdadeiramente humana requer certa

consciência de uma finalidade (telos), que se sujeita ao curso da própria atividade”

(VÁZQUEZ, 1968, p.189), já que devem, necessariamente, respeitar a concreticidade das

circunstâncias, sob pena de perecer ou de não se objetivar no mundo enquanto ser social. Isso

porque,

[...] o homem não se encontra numa relação de exterioridade com seus diversos atos e com o seu produto, como acontece quando se trata de um agente físico ou animal, mas sim numa relação de interioridade com eles, porquanto sua consciência estabelece o objetivo como lei de seus atos, lei a que se subornam, e que governa, de certo modo, o produto. [...] Essa preconfiguração ideal do resultado real diferencia radicalmente a atividade do homem de qualquer outra atividade animal que, aparentemente, pudesse parecer com ela. (VÁZQUEZ, 1968, p.190)

Nesse sentido, explicitando-se ser a consciência a característica específica e

diferenciadora do humano em relação aos outros seres biológicos, levando-se também em

conta a interioridade que deve se subordinar e articular à atividade objetiva (material) ou à

atividade humana sensível, além de produzir objetivos – através da antecipação no ideal de

um resultado real que se pretende alcançar.

Enfim, produzem-se, a sua vez e a partir daí, conhecimentos úteis mediante os quais é

possível conhecer e transformar a, respondendo às necessidades impostas por ela, realidade

concreta. Por essa razão, o trabalho é um tipo de atividade muito diferente daquela

encontrada nas abelhas e formigas – determinadas geneticamente.

49

A ação e o resultado são sempre projetados na consciência antes de serem construídos na prática. É essa capacidade de idear (isto é, de criar idéias) antes de objetivar (isto é, de construir objetiva ou materialmente) que funda, para Marx, a diferença do homem em relação à natureza, a evolução humana. (LESSA, 2008, p.18)

Essa projeção – “antecipação na consciência do resultado provável de cada alternativa

– possibilita às pessoas escolherem aquela que avaliam como a melhor. Escolha feita, o

indivíduo leva-a à prática, ou seja, objetiva a alternativa” (LESSA, 2008, p.18). Uma vez

ideado o resultado almejado, o indivíduo age objetivamente, transforma a natureza e constrói

algo novo. Esse “movimento de converter em objeto uma prévia-ideação é denominado por

Marx de objetivação” (p.18).

Nesse passo, o “resultado do processo de objetivação é, sempre, alguma transformação

da realidade” (LESSA, 2008, p.18). Isto porque a objetivação produz uma “nova situação”,

conseqüentemente, muda tanto a realidade como o indivíduo.

Conseqüentemente, ocorre uma confluência dialética ou uma transitividade entre os

momentos subjetivo e objetivo do humano, ou seja, entre os imanentes momentos da

concepção (prévia ideação) e execução (objetivação da prévia ideação ou concretização da

prévia ideação na prática), durante o processo da transformação da realidade.

Daí, segundo Marx, isto significa que, “ao construir o mundo objetivo, o indivíduo

também se constrói”, porque ao transformar a natureza adquire sempre “novos conhecimentos

e habilidades” (LESSA, 2008, p.18). Essa “nova situação (objetiva e subjetiva, bem

entendido) faz com que surjam novas necessidades e novas possibilidades para atendê-las”

(p.19).

Logo, a objetivação, assim, “não significa o desaparecimento da natureza, mas sua

transformação no sentido desejado pelos homens” (LESSA, 2008, p.20). Desse modo, o

trabalho em Marx é sempre a resposta a uma necessidade humana concreta, resultado de uma

prévia-ideação. “O trabalho é o processo de produção da base material da sociedade pela

transformação da natureza. É, sempre, a objetivação de uma prévia-ideação e a resposta a uma

necessidade concreta.” (p.21) Então,

[...] todo ato de trabalho dá origem a uma nova situação, tanto objetiva quanto subjetiva. Essa nova situação possibilitará aos indivíduos novas prévias-ideações, novos projetos e, desse modo, novos atos de trabalho, os quais modificando a realidade, darão origem a novas situações. (LESSA, 2008, p.22)

50

Por conseguinte, “segundo Marx, o objeto construído pelo trabalho possui uma

ineliminável dimensão social: ele tem por base a história passada; faz parte da vida da

sociedade; faz parte da história dos homens de um modo geral” (LESSA, 2008, p.24). Desse

modo, a “idéia que é objetivada se transforma em objeto”, ou seja, é materializada através de

uma dação subjetiva de forma à matéria, portanto, “os objetos criados pelo trabalho se

originam da objetivação de prévias-ideações” (p.31).

Daí o absurdo em se falar que, em Marx, há um determinismo economicista ou de

qualquer outra espécie que, inevitavelmente, anularia o papel da consciência do processo

histórico e de humanização. Tal estreita visão inexiste, como se vê, na articulação do

pensamento marxiano, sendo oriunda de visões que não respeitam a letra e o espírito de sua

obra.

Nesse itinerário analítico, pois, o materialismo histórico-dialético concebe o “mundo

dos homens como uma síntese da prévia-ideação com a realidade material, típica e

elementarmente por meio do trabalho” (LESSA, 2008, p.45).

O ponto de partida, para Marx, está no fato de que entre as idéias e o mundo objetivo, externo à consciência, se desdobra uma intensa mediação que tem no trabalho a sua categoria fundante. Tipicamente, é pelo trabalho que os projetos ideais são convertidos em produtos objetivos, isto é, que passam a existir fora da consciência. E, do mesmo modo tipicamente, é reconhecendo as novas necessidades e possibilidades objetivas abertas pelo desenvolvimento material que a consciência pode formular projetos ideais que orientam os atos de trabalho. Realidade objetiva e realidade subjetiva são dois momentos distintos, mas sempre necessariamente articulados, do mundo dos homens. (LESSA, 2008, p.46)

Por conseguinte, “o conhecimento que se tem da realidade é condicionado pelos

objetivos e necessidades do presente”, e isso é o motivo que o torna “historicamente

determinado” (LESSA, 2008, p.50).

Daí, também, surgir uma razão libertadora ou emancipadora, dialética e materialista,

que não se quer a-histórica, eterna, perene e válida para todos os tempos e épocas, mas sim

uma razão que se situa e se explicita enquanto transitória porque historicamente determinada

pela estruturação sócio-material dos indivíduos em interatividade.

Conseqüentemente aí, já que “tanto a realidade quanto a subjetividade estão sempre

em evolução” (LESSA, 2008, p.50), são os indivíduos sociais que produzem continuamente

novas necessidades e possibilidades, pois “o conhecimento é sempre um processo de

aproximação da realidade por parte da consciência” (p.52).

51

E, por isso, é “impossível um conhecimento absoluto da realidade” (LESSA, 2008,

p.52), mas sim é possível um conhecimento que momentânea e aproximativamente se

pretende idêntico à totalidade concreta apreendida em nível de ideação pelo método dialético

de rigor, preocupado, necessariamente, com a reconstrução de elementos reais no pensamento.

Destarte, reforçando com o filósofo José Chasin, o saber marxiano constitui-se em

uma filosofia que “se arma e se articula como uma ontologia. E só nesta e a partir dela é que

ganham perfil e resolução as questões epistemológicas, gnosiológicas, metodológicas etc.”

(1983, p.36). Esse saber marxiano, pois, consiste em uma “concepção da própria filosofia, ou

seja, da forma do saber e de sua realização” (p.36) como um modo de interpretação ou

apropriação do mundo pelo homem concreto, por meio do trabalho para transformá-lo, em

sua materialidade.

Diferentemente, pois, de “interpretações do mundo que não pensam e não se implicam

em sua transformação”, a dialética do concreto (conforme importante síntese do filósofo

Kosik) demanda um homem que “interprete o mundo até o fim, [e que] por essa radicalidade,

seja mediação consciente de sua transformação” (CHASIN, 1983, p.36).

Assim, Marx, apesar de não desconsiderar as contribuições de Hegel, tece críticas ao

“pensamento especulativo”, ou seja, à razão especulativa típica da filosofia idealista alemã

que quer falar sobre a pedra sem deixá-la falar através do pensamento, apontando para a

necessidade de “seu esmagamento para a instauração de um novo saber” (CHASIN, 1983,

p.36).

Aí, ainda com Chasin, o “giro marxiano” dá “as costas aos automovimentos da razão”,

lembrando-se aqui da crítica freiriana à especulação ou verborragia do “blábláblá” avesso ao

concreto, e volta-se “para os automovimentos do mundo real”, isto porque a “exigência de

pensar o mundo até o fim não pode ser satisfeita de maneira nenhuma, pela filosofia

especulativa” (CHASIN, 1983, p.37).

Trata-se, pois, da crítica ontológica ao pensamento especulativo ou idealista

(“blábláblá”) que pensa auto-sustentar-se por si mesmo, sem “pés” na realidade sócio-

histórica.

Assim, o pensamento “descentralizado de si mesmo”, que rompe com a especulação e

se recentraliza sobre o mundo, em sua mundaneidade concreta, “abraça a substância que o

fortalece” (CHASIN, 1983, p.37), ou seja, abraça a essência humana da efetividade presente

na mundaneidade historicamente reconstruída. Lembrando-se, nesse passo, com Marx, ser a

essência humana o conjunto das relações sociais.

52

O pensamento, então, “procedente do mundo, ao mundo retorna não para uma tarefa

tópica, ou para alguma assepsia formal” (CHASIN, 1983, p.37), mas sim

[...] volta ao mundo para tomá-lo na significação de sua totalidade. Debruça-se sobre ele para capturá-lo pela sociabilidade (pela dimensão social fundante, não por uma dimensão social qualquer, escolhida a talante e conveniência do intérprete). Ou seja, operação ontológica que rastreia e determina o processo de entificação do mundo e da lógica da sua transformação. Donde nasce a implicação para a prática transformadora. (CHASIN, 1983, p.37)

A dialética do concreto, por conseguinte, ao rastrear o processo criador ou efetivador

na mundaneidade humana, donde nasce à implicação com a prática transformadora do mundo,

rompe assim com a “balela da oposição entre ciência e filosofia, que reproduz sempre as

mesquinharias de natureza positivista” (CHASIN, 1983, p.38).

Filosofia, pois, enquanto estatuto ontológico do ser social, que não pode deduzir o

mundo da idéia, mas deve, ao contrário, enquadrar a partir das estruturas sociais da

mundaneidade o quadro donde são possíveis as formas de consciência ou do pensar,

articulando-se tal filosofia-ontológica com as Ciências humanas específicas ou particulares,

prático-objetivantes, que devem dizer como o mundo é em suas especificidades ou

particularidades concretas, em devir histórico situado na realidade concreta.

Na busca da compreensão do evolver da prática transformadora da realidade reemerge,

assim, “uma rica forma de saber: unitário e direcionado à totalização” (CHASIN, 1983, p.38);

o oposto, portanto, como acima lembrou Coutinho, da fragmentação efetivada pela sociedade

do capital e sua teorização, ingênua ou interessadamente, em nível de ideação, realizada pelo

neopositivismo ou pós-modernismo fragmentador e fragmentário do real enquanto síntese de

múltiplas determinações concretas.

Enfim, o trabalho social em seu sentido filosófico ou dialético, apresenta-se como

“elaboração de finalidades e produção de conhecimento em íntima unidade”. Pois se “integra

na dupla e infinita tarefa do homem de transformar a natureza exterior e sua própria natureza”

(VÁZQUEZ, 1968, p.192) na abertura para o ser mais em direção à liberdade dos indivíduos

sociais concretamente considerados, numa processualidade histórica de hominização e

humanização do humano, criticando e transformando, na praxis, uma existência que nos nega

tal vocação em ser mais.

53

A razão dialética é, pois, a única que permite ao humano verdadeiramente apropriar-se

do mundo, constituindo-se mesmo na lógica do real ou da coisa-em-si (ou do próprio homem

no e com o mundo) operando-se, assim, a reprodução aproximativa do concreto real em

pensamento para, então, transformá-lo em sua materialidade.

Não bastando, pois, a simples contemplação crítico-especulativa que, por ser mero

idear, nada altera na estruturação concreta, objetiva, das estruturas e relações societárias

desiguais e reprodutoras de exclusões e de deserdados.

Diferentemente, portanto, das perspectivas neopositivista nas quais “o momento

subjetivo da realidade social foi separado do objetivo e os dois momentos se erguem um

contra o outro como duas substâncias independentes: como mera subjetividade de um lado, e

como objetividade reificada, do outro” (KOSIK, 1976, p.119).

Por conseguinte, na sociedade global dividida em classes, assiste-se ao

aprofundamento da “disjunção entre concepção e execução” (LEHER, 2011a, p.168), ou

ainda, da teoria e da prática no processo de divisão hierárquica do trabalho social. Não há aí,

nesse tronco de pensamento não-dialético, pois, a imanente e insuprimível transitividade entre

os momentos relacionais da objetividade e subjetividade da praxis humana, que, em última

instância, é sempre dação de forma subjetiva à matéria do mundo humano e natural.

54

CAPÍTULO II - DIMENSÕES SÓCIO-HISTÓRICAS DO TRABALHO

CONTEMPORÂNEO: BUROCRATISMO E EDUCAÇÃO BANCÁRIA

2.1 DIVISÃO HIERÁRQUICA DO TRABALHO SOCIAL E ALIENAÇÃO HUMANA

Nesse enquadramento histórico, pois, de talhe ontológico, materialista e dialético,

revela-se toda a ambigüidade ou duplicidade histórica do trabalho em sua dimensão

humanizadora e também desumanizadora10.

Isto é, de um lado, enquanto fundamento de toda a sociabilidade (ou praxis social) e

da própria riqueza genérica ou generidade humana e, de outro lado, contraditória ou

dialeticamente, como difusor de estranhamentos diante da dinâmica da reprodução sócio-

metabólica do capital (trabalho vivo exteriorizado de forma alienada e apropriado

privadamente pelas personificações do capital).

No início da época industrial, detectando historicamente os germes do

desenvolvimento capitalista desigual e combinado pelo mundo que, ao longo dos séculos XIX

e XX, nos conduziriam à sociabilidade “plena” deste século XXI, Marx, ao debruçar-se sobre

a situação concreta do trabalhador coletivo ou o operariado “o encontra alienado nas

condições peculiares da produção capitalista” (VÁZQUEZ, 1968, p.415). E isso mercê de sua

separação dos meios de produção e subsistência necessários para se manter vivo e para

efetivar seu próprio trabalho.

Marx expõe, dessa maneira, de modo concreto a natureza do trabalho alienado e estranhado na sociedade regida pelo capital. Relação social de produção, na qual o trabalho morto se apodera do trabalho vivo. Revela que essência subjetiva da riqueza genérica é o trabalho. O trabalho exteriorizado que se materializa nos produtos enquanto dação de forma subjetiva, de capacitações subjetivas objetivadas, de capacidades genéricas, mas sob o jugo do capital, manifesta-se como estranhamento dos trabalhadores com relação aos produtos de seu próprio trabalho, de sua própria atividade produtiva. Além disso, o trabalho estranhado faz ‘do ser genérico do homem, tanto da natureza quanto da faculdade genérica espiritual dele, um ser estranho a ele, um meio de existência individual. Estranha do homem o próprio corpo, assim como a natureza fora dele, tal como a sua essência espiritual, a

10 “Dessa forma, o objetivo básico de sua [do ser humano] busca, que é o ser mais, a humanização, apresenta-se-lhe como um imperativo que deve ser existencializado. Existencializar é realizar a vocação a que nos referimos [...] Pois bem; se falamos da humanização, do ser mais do homem – objetivo básico de sua busca permanente –, reconhecemos o seu contrário: a desumanização, o ser menos. Ambas, humanização e desumanização, são possibilidades históricas do homem como um ser incompleto e consciente de sua incompleticidade. Tão-somente a primeira, contudo, constitui sua verdadeira vocação. A segunda, pelo contrário, é a distorção da vocação.” (FREIRE, 1969, p.127)

55

sua essência humana’, e em decorrência disto, dos estranhamentos com relação ao produto, a atividade vital produtiva e sua generidade, consubstancia, ‘o estranhamento do homem pelo (próprio) homem’. Expressão objetiva da alienação, a separação dos produtores diretos com relação à natureza, à atividade vital, à riqueza genérica e sua própria humanidade, é a exploração do homem sobre o homem, a luta de classes. (RAGO FILHO, 2011, p.42)

Tragtenberg (2006), também nas trilhas de Marx, no sentido de reforçar a centralidade

do trabalho na praxis social e individual – potência humanizadora que enriquece o mundo de

objetos especificamente humanos, mas que, entretanto, apresenta-se desumanizador num

trabalho reificado e alienado, a servir de “fator” ao capital –, é sintético sobre esse campo de

problemas prático-teóricos:

[...] o trabalho é a condição necessária da produção em geral. A produção capitalista se realiza através da compra e venda da força de trabalho. Já explicava Marx que, no processo produtivo, os homens, além de atuarem sobre a natureza, ‘atuam uns sobre os outros’. Para produzir, estruturam relações entre si e através destas atuam nas várias esferas da sociedade, família, escola, numa gama de relações sociais decorrentes desse processo. Os proprietários dos meios de produção – sejam particulares ou burocratas do Estado [ex-URSS, p.ex.] – incorporam o trabalho assalariado, que, acumulado em suas mãos, transforma-se em capital. O processo de acumulação capitalista depende de certas pré-condições relacionadas aos trabalhadores. Estes devem: a) estar separados dos meios de produção; b) ter liberdade de vender sua força de trabalho sem constrangimentos escravista ou servil; c) maximizar os lucros patronais, seja estendendo sua jornada diária de trabalho, seja intensificando seu ritmo de trabalho. Esse processo, em sua totalidade, é comandado pela lógica do capital, que procura integrar o trabalhador. O trabalhador assina o contrato de trabalho porque não tem outra opção de sobrevivência. Na fábrica tudo conspira contra a inteligência do operário, expropriado dos meios de produção, dos frutos do trabalho e do conhecimento. Integrado à linha de produção ou vinculado à maquinaria, o trabalhador constitui ‘uma máquina entre máquinas’; ele perde a consciência. (TRAGTENBERG, 2006, p.23-4)

Desse modo, o trabalho alienado encontra-se “esvaziado de sua natureza humana”

(STACCONE, 1983, p.200), uma vez que o homem perde o controle dos meios de produção e

de subsistência de sua vida material, apropriados privada ou excludentemente pelos

capitalistas.

Trata-se, pois, do trabalho no sentido econômico, a partir do qual as relações entre os

seres humanos aparecem, fenomenicamente, como relação entre possuidores de mercadoria,

mercê da generalização do trabalho assalariado que assume a forma daquilo que cria, a saber:

56

uma mercadoria para ser trocada (comprada e vendida) em uma economia de mercado

“livre”, a própria base objetiva da existência burguesa.

Ao adquirir a idéia da igualdade humana a consistência de uma convicção popular é que se pode decifrar o segredo da expressão do valor, a igualdade e a equivalência de todos os trabalhos, por que são e enquanto são trabalho humano em geral. E mais, essa descoberta só é possível numa sociedade em que a forma mercadoria é a forma geral do produto do trabalho, e, em conseqüência, a relação dos homens entre si como possuidores de mercadorias é a relação social dominante. (MARX, 2008, p.82) A mercadoria é a forma, historicamente específica, em que se pode apresentar o produto do trabalho, quando não destinado ao consumo do próprio produtor e a trocas apenas eventuais, e sim ao mercado. Existiu em várias sociedades antes da atual, mas só se tornou dominante com a generalização do trabalho assalariado, isto é, com a transformação da força de trabalho em mercadoria: nesse momento, a fonte criadora das mercadorias adquire, ela mesma, a forma social daquilo que cria. (GRESPAN, 2008, p.26)

Desse modo, historicamente, a força de trabalho humana passa a ser subsumida como

função do capital e de seus imperativos auto-expansivos, fonte de desumanização,

mortificação e alienação humana.

Observa-se, daí, o problema da alienação articulado com a divisão capitalista do

trabalho humano socialmente produzido, mas apropriado de forma privada pelos agentes

capitalistas sob proteção dos atores políticos e jurídicos articulados a eles.

Nessa direção, o homem “ao sentir o produto de seu trabalho como algo estranho,

aliena-se de si próprio” (STACCONE, 1983, p.201), além de alienar-se também em relação

aos outros homens, isto é, em relação a sua própria generidade ou pertencimento ao gênero

humano. Isso explica, ainda, o crescente e nefasto individualismo da sociabilidade do

capitalismo tardio, na qual os indivíduos átomos não se reconhecem, nem são mais capazes de

fazê-lo, enquanto parte constitutiva da humanidade.

Daí haver, desde a gênese do capitalismo e a partir de seus desdobramentos históricos

(desiguais e combinados) pelo mundo afora, uma difusão da alienação social mercê da

expansão das relações “coisificadas” ou fetichizadas entre as classes sociais, em luta porque

antagonicamente estruturadas na objetividade social. Tudo tende a ser mercantilizado,

portanto.

57

Configura-se, pois, a divisão hierárquica do trabalho humano totalmente

mercantilizado, já que, sempre que existirem seres humanos trabalhando uns para outros,

adquire o trabalho um caráter necessariamente social. E na sociabilidade do capital, repita-se,

impera a lógica mercantil a moldar a própria noção de humano, que passa a ser o possuidor e

produtor de mercadorias.

Nesse enquadramento, “o trabalho alienado” anula a relação criadora e

transformadora da praxis ou atividade sensível humana em sua totalidade histórica e

ontocriativa.

Portanto, nas lutas das classes de sociedades históricas sob o capitalismo, o

antagonismo estrutural e incancelável reside na contradição entre o trabalho e o capital, entre

operariado e classe capitalista ou burguesa, que se assenta na exploração da força ou energia

de trabalho vivo dos não proprietários dos meios de produção.

A divisão do trabalho e dos instrumentos de trabalho define justamente a divisão em classes que comporá cada forma de sociedade. Na capitalista, as classes sociais básicas serão a dos proprietários privados e a dos não proprietários privados dos meios de produção. A elas se acrescentarão classes intermediárias, classes remanescentes de sociedades anteriores, subclasses derivadas da subdivisão dentro de cada uma das principais – e do cruzamento e conflito dos interesses de todos esses grupos decorrerá um movimento efetivo, uma luta para conservar a situação original, de um lado, e para alterá-la, de outro. É sobre o fundo de tal dinâmica social que Marx analisa as disputas políticas. (GRESPAN, 2008, p.71)

A partir disso, então, Marx procede a critica da “unilateralidade da Economia Política

do capital, que vê só o lado exterior e produtivo do trabalho, e desmascara a alienação que

está na base da sociedade burguesa e, mais em geral, de toda sociedade com base na

propriedade privada dos meios de produção” (STACCONE, 1983, p. 198). Essa noção de

trabalho leva Marx a descobrir que “todas as contradições da sociedade burguesa têm sua

origem no trabalho alienado” (p. 198) e, nesse passo, acaba por concebê-lo “como forma

histórica de trabalho da sociedade contemporânea” (p. 198).

A desumanização posta pelo trabalho alienado sob o capital, historicamente, assim,

traz em si também seu oposto dialético, a saber: o trabalho humano emancipado dos ditames

econômicos do capital em direção ao processo infinito de humanização de acordo com a

potencialidade omnilateral do trabalho não estranhado. Ambos processos dialéticos, pois,

enquanto possibilidades históricas latentes no real.

58

Nesse passo, se “o trabalho é processo prático de transformação de uma matéria

segundo objetivos, a alienação se dará sempre que o operário estiver subjetiva e

objetivamente numa relação de exterioridade com seus produtos e com sua atividade”

(VÁZQUEZ, 1968, p. 440). Trabalho assalariado, assim, como meio de vida, necessidade

externa imposta para a sobrevivência.

Em suma, “a alienação aparece condicionada por um fato real, histórico: a divisão do

trabalho”, e, sendo assim, a “alienação” se vincula à “relação peculiar sujeito-objeto, na qual

o produto aparece alheio, ou subtraído de seu controle”, ou seja, “o sujeito não pode controlar

o objeto” fruto de seu trabalho (VÁZQUEZ, 1968, p.441). Por conseguinte,

[...] objetiva uma relação social e, no entanto, esta não se apresenta como tal, mas sim como coisa. A forma coisificada de manifestar-se a relação social não corresponde, portanto, e sim oculta, mascara a sua essência, a sua verdadeira natureza social. O produto do trabalho se torna assim um fetiche e o fenômeno de transformação desse produto em algo enigmático, misterioso, ao adotar a forma de mercadoria. É o que Marx chama de fetichismo da mercadoria. (VÁZQUEZ, 1968, p.445)

Entretanto, como não poderia deixar de sê-lo, esta “relação social entre homens sob

forma coisificada” não deixa de ser uma ”relação social” (VÁZQUEZ, 1968, p.446), mas, no

entanto, tem seus produtos oriundos do trabalho social representados sob a forma

mercadoria. Ou seja, na sociedade de produção capitalista, todos os frutos do trabalho

humano, exteriorizados de maneira alienada de seus produtores diretos ou daqueles que vivem

de seu trabalho, são, eles próprios, transformados em mercadorias, isto é, são produzidos

para que se tornem suscetíveis à compra e à venda com vistas, tão-somente, ao lucro ou mais

valia daqueles que comandam o processo produtivo.

Nesta sociedade, pois, a riqueza constitui-se mesmo enquanto uma imensa acumulação

de mercadorias11. Em importante síntese do filósofo húngaro G. Lukács deve-se ter sempre

presente que,

11 Assim, a lógica totalizante do capital faz do trabalho assalariado (exteriorizado de forma alienada) um passo necessário à produção de mercadorias, isto é, à produção de produtos do trabalho com vistas ao lucro ou mais valia (venda/troca). A humanidade hoje, portanto, chegou ao ponto em que as condições sobre as quais a satisfação das necessidades genuinamente humanas, mesmo as mais básica como comida, vestimenta, habitação, saúde etc. etc., encontram-se totalmente subordinadas à “produção do capital”. “Ou seja, [trata-se de] livrar a humanidade das condições desumanizadoras sobre as quais ganham legitimidade apenas aqueles valores de uso [dos produtos destinados ao consumo humano], não importa quão desesperadamente necessários, que possam caber na camisa de força dos valores de troca (grifo nosso) lucrativamente produzidos pelo sistema.” (MÉSZÁROS, 2011, p.09) O valor de uso, de consumo humano, dos produtos do trabalho, logo, sob o jugo do capital, aparece subsumido ou subordinado ao valor de troca lucrativamente produzido pelo sistema. Estruturalmente, produzem-se frutos do trabalho social não visando à satisfação das necessidades humanas, mas

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[...] na sociedade capitalista, o fetichismo é inerente a todas as manifestações ideológicas. Isto quer dizer, sumariamente, que as relações humanas que se mantêm na maior parte dos casos, por intermédio de objetos, aparecem, para esses observadores enganados pela miragem superficial da realidade social, como coisas; as relações entre os seres humanos aparecem, portanto, sob o aspecto de uma coisa, de um fetiche. É o elemento fundamental da produção capitalista, a mercadoria, que fornece o exemplo mais claro dessa alienação. Tanto quanto por sua produção como por sua circulação, a mercadoria é, com efeito, o agente mediador das relações humanas concretas (capitalista-operário, vendedor-comprador, etc.), e é necessário o funcionamento de condições sociais e econômicas – isto é, de relações humanas – muito concretas e muito precisas para que o produto do trabalho do homem se torne mercadoria. Ora, a sociedade capitalista mascara essas relações humanas e as torna indecifráveis: dissimula cada vez mais o fato de que o caráter de mercadoria do produto do trabalho humano é apenas a expressão de certas relações entre os homens. Assim, as qualidades de mercadoria do produto (seu preço, por exemplo) dele se destacam e se tornam qualidades objetivas, como o gosto da maçã e a cor da rosa. O mesmo processo de alienação ocorre no caso do dinheiro, no do capital e no de todas as categorias da economia capitalista: as relações humanas tomam os aspectos de coisas, de qualidades objetivas de objetos. Quanto mais uma dessas categorias está distanciada da produção material efetiva mais o fetiche está vazio, desprovido de todo conteúdo humano. É evidente que, para o pensamento burguês, seu efeito de fetiche é apenas o mais profundo. Eis como a evolução do capitalismo no estágio imperialista não faz senão intensificar o fetichismo geral, pois, do fato da dominação do capital financeiro, os fenômenos a partir dos quais seria possível desvendar a reificação de todas as relações humanas, tornam-se cada vez menos acessíveis à reflexão da média das pessoas. Do ponto de vista da filosofia, importa notar que esta intensificação do fetichismo exerce um efeito antidialético sobre o pensamento. Cada vez mais, a sociedade se apresenta ao pensamento burguês como um amontoado de coisas amorfas e de relações entre os objetos, em lugar de nele se refletir como é, ou seja, como a reprodução ininterrupta e incessante cambiante de relações humanas. O clima mental assim criado é muito desfavorável para o pensamento dialético. (LUKÁCS, 1967, p.28-9)

Dessa maneira, as relações sociais estruturadas para a produção e acumulação

incontrolável de mercadorias assumem um caráter fetichista, ou seja, “as relações sociais

aparecem como coisas” que “rebaixam o homem à categoria de apêndice da máquina”

(VÁZQUEZ, 1968, p.449). Mais ainda, reduzem-no “a mero suporte ou efeito das relações

sociais” (p.449), ou seja, são manifestações humanas totalmente mercantilizadas,

características da pseudoconcreticidade da sociedade do capital.

sim, e tão-somente, visando à venda e à troca lucrativa dos valores da mercadoria (forma que adquire o trabalho humano quando destinado ao lucro). Daí, enfim, a mercantilização de todas as dimensões societárias na contemporaneidade.

60

Assim, o trabalho alienado enquanto função do capital é materializado ou

exteriorizado como mercadoria, simulando possuir qualidades sociais que aparentemente não

provêm da atividade concreta do homem e da mulher que trabalham.

Logo, “os homens ficam separados dos produtos que objetivam”, de modo que esses

produtos lhes “escapam ao controle humano e se apresentam com um poder próprio”

(VÁZQUEZ, 1968, p.452), estranho, independente e hostil aos verdadeiros produtores da

objetividade do mundo. O produto do trabalho humano volta-se, pois, de forma hostil, já que

materializado de forma estranhada, contra seu próprio criador. Trata-se, assim, da sociedade

produtora de mercadorias.

Então, objetivamente, “estamos diante da estrutura fundamental da alienação, a saber:

a contradição entre os homens e uma sua realidade que se opõe a eles como uma realidade

exterior, estranha” (VÁZQUEZ, 1968, p.452).

O fetichismo econômico não passa da forma concreta da alienação nas condições da produção mercantil numa sociedade desenvolvida, portanto exprime tanto a coisificação dessas relações como o caráter fantasmagórico dos objetos nos quais esse processo se corporifica. Dêste modo, produtos sociais – do trabalho humano – aparecem funcionando como fetiches (VÁZQUEZ, 1968, p.452)

Portanto, “o fetichismo econômico exprime a forma mais desenvolvida da alienação

das relações sociais sob o capitalismo” (VÁZQUEZ, 1968, p.452). Todavia, a alienação

também se manifesta sob outras formas na totalidade da sociedade capitalista; mas o que

todas elas têm em comum é que, na divisão capitalista do trabalho social, “os produtos dos

homens se tornam estranhos a eles” (p.452).

Nesse sentido, Vázquez (1968, p.266) aponta para os aspectos negativos da divisão do

trabalho que se convertem na divisão dos próprios homens, a saber: a perda do caráter

universal do trabalho, a fragmentação deste numa série de operações parciais e a quebra da

unidade da produção material com as especializações exigidas pelo desenvolvimento técnico.

Assim, o próprio homem

[...] põe todo seu ser a serviço de uma só e única atividade, que corresponde a uma das operações da máquina. A universalidade do trabalho, do ponto de vista do operário, desaparece, e, em seu lugar, temos a especialização estreita e unilateral do trabalhador que se converte num apêndice da máquina. Ele fica limitado, assim, a uma só operação, com o que seu trabalho se transforma numa atividade que se repete monotonamente e que não exige – ou o faz em grau mínimo – a intervenção da consciência [...] A atividade parcelada, unilateral e

61

monótona do operário foi fixada previamente, sem que êle tivesse nenhuma participação nisso [...] Ou seja, não só se fixa por antecipação, e de forma acabada, a finalidade de sua atividade, o objeto ideal que há de realizar, como igualmente todos e cada um dos passos que êle dará também são determinados de antemão, sem possibilidades de desvios [...] Para evitar tôda a improbabilidade no resultado global que se pretende obter, determinam-se rigorosamente o ritmo, o tempo e os movimentos do operário, com a tendência a torná-los cada vez mais simples e reduzidos [...]. (VÁZQUÉZ, 1968, p.266)

Essa divisão capitalista do trabalho social, historicamente, tornou possível a elevação

e a correlata mercantilização da produtividade material, inclusive com a união entre capital e

ciência enquanto força produtiva a serviço da produção dominante, o que, no conjunto,

forneceu a condição básica do progresso social burguês que, hoje, chega a níveis de

mundialização da atividade produtiva, da circulação e da distribuição de bens e mercadorias

pelo planeta.

Tudo isso, entretanto, estruturalmente sempre com vistas ao lucro, uma das expressões

da mais-valia marxiana (ao lado de juros etc.), nunca objetivando satisfazer as necessidades

humanas mais básicas, não importa quão gritantes sejam.

Todavia, dominantemente o produto do trabalho humano torna-se uma mercadoria,

estranhamente a seu próprio produtor, implicando mesmo em uma tendência generalizada e

crescente à mercantilização de todas as coisas e de todas as relações humanas,

contemporaneamente se atingindo níveis máximos desse processo histórico.

Nesse sentido, de acordo com interpretação formulada por Immanuel Wallerstein “a

expansão e generalização do universo mercantil causa impacto não apenas na realidade das

‘coisas materiais’ como também na materialidade da consciência” (GENTILI, 1995, p.228).

Para o autor,

[...] os indivíduos na medida em que introjetam o valor mercantil e as relações mercantis como padrão dominante de interpretação dos mundos possíveis, aceitam – e confiam – no mercado como o âmbito em que, “naturalmente”, podem – e devem – desenvolver-se como pessoas humanas. (GENTILI, 1995, p.228)

Tal divisão hierárquica do trabalho humano, portanto, “requer dos homens uma

atividade especializada estreita – ou parcela mínima de uma atividade mais ampla”

(VÁZQUEZ, 1968, p.267), ou seja, prescinde da atividade humana sensível, já que esta se

apresenta como relações entre coisas, qualidades objetivas de objetos ou mercadorias.

62

Por conseguinte, o trabalho alienado é característico do trabalho no sentido

econômico enquanto função do capital, e não posto na direção da emancipação das

potencialidades humanas, desbloqueando-se, então, toda a potência omnilateral criadora do

trabalho no sentido filosófico.

Assim, por meio dos princípios tayloristas12 ou da chamada “ciência da organização da

produção” (VÁZQUEZ, 1968, p.268) acaba por se engendrar, continuamente, uma praxis

reiterativa ou repetitiva, simples mimese ou reprodução do já dado de antemão, implicada

com o “princípio do máximo rendimento da força de trabalho na produção em cadeia”

(p.268).

Por fim,

O sistema de sociometabolismo do capital é o complexo caracterizado pela divisão hierárquica do trabalho, que subordina suas funções vitais ao capital. O capitalismo é uma das formas possíveis da realização do capital, uma de suas variantes históricas, presente na fase característica pela generalização da subsunção real do trabalho ao capital, que Marx denominava como capitalismo pleno. (MÉSZÀROS, 2011, p.10).

2.1.1 Limites e convergências do “senso comum” e do pragmatismo-tecnocrático

Nesse panorama de intensificação das reificações (coisificação do humano,

humanização das coisas) e alienações humanas de todos os tipos, no desenvolvimento da

sociabilidade e individualidade do capital, que mercantiliza não só as “coisas materiais” como

também a própria “materialidade da consciência”, para o homem e a mulher comuns – que

vivem e agem praticamente – “as coisas em seu mundo, não apenas são e existem em si, como

também são e existem, principalmente, por sua significação prática, na medida em que

satisfazem necessidades imediatas de sua vida cotidiana” (VÁZQUEZ, 1968, p.11).

12 “O ‘taylorismo’ representa a tentativa mais radical de organizar o trabalho industrial sacrificando qualquer consideração humana à eficiência, isto é, à rentabilidade da produção. Isso se alcança despersonalizando ao máximo o trabalho de cada operário fazendo com que êste cumpra a tarefa que lhe fixa o órgão de direção correspondente, contando com sua mais completa passividade e ignorância. Dêsse modo abre-se um abismo intransponível entre o pensamento do operário e sua ação. Com a aplicação dos métodos tayloristas, o trabalho em cadeia alcança sua máxima atomização e proporciona uma produtividade não alcançada pela cadeia tradicional. Mas isso só pode ser conseguido à supressão de qualquer atitude criadora e consciente do operário em relação ao seu trabalho. Ora, a produtividade assim alcançada tem também seus limites, e isso explica por que o taylorismo tenha deixado a vez para novos métodos de exploração da mão-de-obra. Mas o abandono dos métodos tayloristas não significa o abandono do trabalho em cadeia impôsto pelo processo técnico” (VÁZQUEZ, 1968, p.268). Tragtenberg assim define o taylorismo: “O taylorismo tem a finalidade de eliminar o poder de decisão do operário, transformá-lo numa máquina. A organização moderna é a instituição onde se realiza a relação de produção que constitui a característica de todo o sistema social, é o mecanismo de exploração, se rege pela coerção e manipulação. A substância da organização não é um conjunto funcional, mas sim a exploração, o boicote e a coerção” (2004, p.45-6).

63

Estruturalmente, essa atitude do ser humano imersa em uma falsa forma de

consciência engendrada pelo “senso comum”, em sua cotidianidade repleta de

pseudoconcreticidades do universo prático e teórico dominante,

[...] se baseia no fato de ver a atividade prática como simples dado que não exige explicação. Com tal atitude, a consciência comum acredita estar numa relação direta e imediata com o mundo dos atos e objetos práticos. Suas conexões com o mundo e consigo mesma aparecem diante dela num plano a-teórico [...] Acredita viver – e nisso vê uma afirmação de suas conexões com o mundo da prática – à margem de toda teoria, à margem de um raciocínio que só viria arrancar-lhe da necessidade de responder às exigências práticas, imediatas, da vida cotidiana. (VÁZQUEZ, 1968, p.08)

Entretanto, essa falsa forma de consciência do senso comum, saiba-o ou não, também

apresenta uma bagagem teórica, mesmo que degradada em relação a um nível superior de

consciência da prática e da praxis, e mesmo que não devidamente percebida por tal

consciência, repita-se.

Por essa razão, essa consciência engendra um agir reiterativo ou repetitivo que não

capta e nem pode captar a vinculação social, histórica e transitória de sua própria prática sobre

o mundo, desprovida, então, de significação sócio-histórica.

Desse modo desvaloriza-se a prática social transformadora do homem, sua vocação

ontológica em transformar a realidade, e conseqüentemente, orbita em torno da reiteração dos

dados e atos mecânicos meramente reprodutores da situação de coisas existente, o chamado

status quo cuja lógica é a da mercantilização das estruturas substancialmente humanas.

Assim, para Vázquez, na consciência comum, “o prático é entendido no sentido

estritamente utilitário” – ou seja, “se dobra aos ditames ou exigências de uma prática

esvaziada de ingredientes teóricos” (VÁZQUEZ, 1968, p.210). Dessa forma, “a prática se

basta a si mesma e o ‘senso-comum’ situa-se passivamente, numa atitude a-crítica, em relação

a ela. O senso-comum é o sentido da prática” (p.210).

Por isso, “o ponto-de-vista do ‘senso-comum’ é o do praticismo: prática sem teoria, ou

com um mínimo dela” (VÁZQUEZ, 1968, p.211). Conseqüentemente, a perspectiva praticista

do trabalho “dissolve o homem concreto” em detrimento do “homo oeconomicus” (p.34) e,

por conseguinte,

[...] a carência de sentido da ação transformadora do mundo postulada abertamente pela filosofia pessimista de Schopenhauer que dá o braço às filosofias que atualmente negam o processo histórico-social e

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privam de sentido a história e, por conseguinte, a ação humana – é exatamente o que afirma a consciência comum com suas opiniões depreciativas e negativas quanto ao alcance da atividade prática revolucionária. (VÁZQUEZ, 1968, p.10)

Ou seja, a consciência do senso comum e outras a ela assemelhadas não captam,

portanto, “a transformação da natureza e a transformação do homem que se opera nessa

modificação da realidade por intermédio do trabalho humano” (VÁZQUEZ, 1968, p.35).

Dessa maneira, pois, o sujeito da consciência comum se vê como ser prático que não

precisa de teorias; os problemas encontram solução na própria prática, ou nessa forma de

reviver uma prática passada que é a experiência. Enfim, “pensamento e ação, teoria e prática,

são coisas que se separam” (VÁZQUEZ, 1968, p.14).

Mas não só a consciência comum que estabelece uma oposição radical entre a teoria e a prática. A história do pensamento filosófico mostra também um modo de conceber as relações entre teoria e prática sob uma forma que não passa do ponto-de-vista do senso-comum, depurado de seu aspecto rudimentar e alçado ao nível de doutrina filosófica, tal é o ponto-de-vista do pragmatismo. Seu praticismo se põe em evidência, principalmente, em sua concepção de verdade, do fato de nosso conhecimento estar vinculado a necessidades práticas, o pragmatismo infere que o verdadeiro se reduz ao útil, com o que solapa a própria essência do conhecimento como reprodução na consciência cognoscente de uma realidade, embora só possamos conhecer essa realidade – reproduzi-la idealmente – em nosso trato teórico e prático com ela. É preciso dizer, por outro lado, que, fiel ao ponto-de-vista do senso comum, do ‘homem da rua’, o pragmatismo reduz o prático ao utilitário, com o que acaba por dissolver o teórico no útil. (VÁZQUEZ, 1968, p.212)

O modo de ser e ir sendo da consciência pragmático-positivista, por conseguinte, ao

reduzir o critério de conhecimento a sua utilidade prática imediata, “verdadeira”, rebaixa o

teórico e forja uma consciência restrita, subjugada a interesses práticos particulares afins à

razão do poder e dos poderosos, já que reproduz a razão dominante da época.

Seria “exitoso”, assim, aquele pensar de acordo com a ordem estabelecida, já que

encontraria canais para sua reprodução “eficaz” no mundo prático.

Assim, tal concepção de verdade e do critério de seu conhecimento adquire um

“sentido estritamente egoísta”, diferente, portanto, do “conhecimento verdadeiro” que é “útil

na medida em que com base nele, o homem pode transformar a realidade” (VÁZQUEZ, 1968,

p.213), ou seja, aquele que

65

[...] implica numa reprodução espiritual da realidade, reprodução que não é um reflexo inerte, mas sim um processo ativo que Marx definiu como ascenso do abstrato ao concreto em e pelo pensamento e, em estreita vinculação com a prática social. O conhecimento é útil na medida em que é verdadeiro, e não inversamente, verdadeiro porque é útil, como afirma o pragmatismo (VÁZQUEZ, 1968, p.213)

Da perspectiva do pragmatismo-positivista, então, a verdade e o conhecimento são

subordinados a sua utilidade imediata e, por isso, entendida “como eficácia ou êxito da ação

do homem, concebida esta última como ação subjetiva e individual, e não como atividade

material, objetiva, transformadora” (VÁZQUEZ, 1968, p.213) do homem e do mundo.

Por conseguinte, nessa estreita visão, concebe-se a prática como “ação subjetiva do

indivíduo destinada a satisfazer seus interesses” (VÁZQUEZ, 1968, p.213) e, nessa

perspectiva, a “teoria vê a si mesma tão onipotente com suas relações com a realidade que se

concebe a si mesma como praxis”, na medida em que considera a “prática como mera

aplicação ou degradação da teoria” (p.214).

Nesse sentido, tal percepção estreita transforma a “realidade em fatos puros,

submetidos ao exame ‘neutro’ da razão, constituindo o ideal tecnocrático. O fato, entretanto,

dado pela própria razão. A absolutização da razão constitui, então, o ponto de partida da

tecnocracia, e significa a sua idealização a um nível transcendental” (RAMOS, 1980, p.108).

Desse modo,

[...] a tecnocracia apresenta-se como uma forma organizacional de um grupo ou instituição que, pelo uso da autoridade, objetiva a eficiência, condicionando fins racionalmente determinados pelo conhecimento especializado. Assim, em nome do progresso, do desenvolvimento ou da preservação das instituições sociais, passa-se à construção de uma visão “científica” do relacionamento social e das relações de produção, sancionada por órgãos tecnicamente especializados, fundamentados na ciência, e cujo substrato, em última análise, é a própria “razão”. Tal visão acaba se impondo pela organicidade e coerência interna, e pela legitimação que a racionalidade lhe confere. Essa imposição, contudo, só se consuma pela obediência à decisão; daí o aspecto autoritário da tecnocracia. Através de técnicas intermédias, pela utilização de meios eficazes, dirige-se a tecnocracia ao controle de todas as variáveis alternativas no processo econômico-social, culminando – como decorrência do seu próprio escopo – na dominação, ou seja, na repressão da possibilidade da emergência de novas opções transformadoras e no aniquilamento de qualquer posição que não se conformar com os critérios da tecnocracia. Ela absorve toda contestação, depaupera o protesto, gerando a submissão ou desmobilização de forças contrárias. Uma outra dimensão dessa dominação está na manipulação das necessidades sociais reduzindo-as a uma dimensão unívoca, apropriada à gestão da especialização

66

técnica. Enfim, há uma relação muito íntima entre racionalidade tecnocrática, autoritarismo e dominação. (RAMOS, 1980, p.108)

Dito isso, nesta contemporaneidade construída sob o signo da tecnocracia,

reproduzindo a marca desigual de toda a sociabilidade do capital, com a vertiginosa

especialização que acompanha a divisão capitalista do trabalho humano, progressivamente

cerceiam-se os espaços de liberdade dos dominados, e também da possibilidade de ser dos

dominadores – dada a dialética segundo a qual quem oprime não pode, como nos alertava

Freire, ser livre ou liberto das contradições advindas da operação da máquina de opressão que

criou.

Tais espaços de “liberdade” tecnocrática passam a ser “privilégio daqueles que detêm

esses saberes”, ou seja, “daqueles que detêm os códigos de acesso aos novos saberes”

(OLIVEIRA, 2001, p.126) e, portanto, ao engendrar novas formas de manipulação encurtam

os espaços de discussões democráticas e de construção de novos conhecimentos implicados

com a transformação de uma realidade, progressivamente eliminando-se os campos de

interlocução e de criação do novo.

Por conseguinte, engendra-se um movimento mimético, reiterativo ou imitativo do já

dado de antemão pela lógica mercantil dominantemente imposta à sociedade global, que a

todos e a tudo satura e engolfa, a partir do qual se depaupera o saber substancialmente

humano com uma única visão de mundo, aquilo “que se caracterizou como uma espécie de

pensamento único” (OLIVEIRA, 2001, p.127).

Fruto, aliás, do ethos do capital que, em sua particularidade histórica neoliberal

conservadora, é forjado a partir do pragmatismo-positivista da tecnocracia que se pretende

impor, ideologicamente, como técnica “neutra” e “universal”, omitindo a particularidade

burguesa que a determina e a orienta.

Daí resultar, registre-se, que “o conhecimento transforma-se em algo que passa a ser

capaz de moldar a própria reprodução da sociedade, que passa a ser moldada cada vez mais

pelo acúmulo e pela radicalização das especializações” (OLIVEIRA, 2001, p.127). Isso de

modo a transformar o conhecimento em uma mercadoria que “só se reproduz pela sua

mimese13, pela sua homogeneidade; [já que] a mercadoria recusa o diverso, recusa o plural; a

mercadoria é univocidade” (p.127), sempre.

13 Segundo o Houaiss (2009), o termo trata de figura em que o orador imita outrem, na voz, estilo ou gestos, em discurso direto; imitação.

67

Enfim, na sociedade capitalista, cuja lógica e prática mercantis são necessariamente

reprodutoras de fetiches, alienações e desumanidades de todo tipo, o ser humano de hoje, ao

percorrer o caminho da mercantilização de todas as relações humanas, vê o capital (modo de

controle societário) se apropriar privadamente do trabalho humano, do conhecimento

socialmente produzido e de sua apropriação pelas organizações escolares.

Em conseqüência, leva-se o ser humano a, progressivamente, ignorar “que a riqueza, o

valor e o conteúdo verdadeiro de sua existência se encontram em ramificações numerosas e

profundas que o ligam à existência de seus semelhantes e à da sociedade” (LUKÁCS, 1967,

p.78). O indivíduo é, necessariamente, pois, indivíduo social – o que o individualismo

mercantil tenta cotidianamente negar, a fim de nos atomizar ou fragmentar a todos nós.

Assim sendo, “não reconhece que foi a perda de todo seu contato com a vida pública, a

reificação do processo do trabalho, o desligamento da vida social – conseqüência da divisão

capitalista do trabalho – que inspirou a necessidade dessa embriaguez permanente”

(LUKÁCS, 1967, p.78).

Essa “perda de substância humana do eu fetichizado”, então, forja visões de mundo e

de existência rígidas e dogmáticas, “tão naturais e tão inabaláveis”. Donde ser quase

“impossível submetê-las a uma crítica ou mesmo a um exame pouco mais sério” (LUKÁCS,

1967, p.79).

Dessa maneira, na processualidade histórica dominante, emerge uma das

características mais marcantes da cultura contemporânea, segundo David Harvey14, que é a

“compressão espaço-tempo” (apud CHAUÍ, 2003, p.10). Compressão espaço-tempo que

engendra, a partir dessa materialidade, uma concepção da realidade natural e cultural como se

tudo ocorresse em um presente contínuo, em um aqui e agora sem passado e sem futuro.

Consolida-se, assim, mais um dos mitos da ideologia dominante, calçada na produção

de um conhecimento a-histórico, estático, fragmentado e fragmentário, disperso no tempo e

no espaço, convergentemente ao domínio político econômico “eternizável” do capital.

“Conhecimento”, pois, suposta e interessadamente desprovido das contradições

histórico-imanentes das situações vivenciais concretas do homem e da mulher de nosso tempo

presente, a reforçar sistemicamente, pois, a submissão ao “instituído” pela “nova era do

mercado” (FRIGOTTO, 1998, p.13), a se constituir mesmo, apesar das aparências

democráticas, em uma efetiva “ditadura do mercado, fundada na perversidade de sua ética do

lucro” (TROMBETA, TROMBETA, 2010, p.167) e na recusa à crítica social, de modo a

14 HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992.

68

privilegiar posturas e mentalidades afins ao conservadorismo e ao autoritarismo neoliberais

que legitimam e naturalizam a exclusão social. “Conhecimento”, portanto, que reafirma

[...] a ética utilitarista e individualista do liberalismo conservador. Justificam-se a exclusão e a desigualdade como elementos necessários à competitividade. Busca-se firmar uma consciência alienada de que os vencedores e os incluídos devem-no a seu esforço e competência. Os excluídos, os derrotados e os miseráveis do mundo pagam o preço de sua incompetência ou de suas escolhas (FRIGOTTO, 1998, p. 14).

2.1.2 Burocratismo: “jaula de ferro” da praxis ontocriadora

Nessas agudas e críticas circunstâncias a que chegamos toda a humanidade, de uma

intensificação das reificações societárias, o gênero humano – imerso na pseudoconcreticidade

(imediaticidade fenomênica) tanto do senso comum quanto do pragmatismo-positivista

(tecnocrata), na historicidade efetiva do Estado e do poder político contemporâneos – acaba

por se efetivar em uma praxis reiterativa.

Reiteração manifestada por uma prática degradada e imitativa, decorrente da cisão dos

momentos relacionais entre a objetividade e a subjetividade, dissociadas como exterioridades

dicotômicas ou antinômicas. Tal qual na produção generalizada de mercadorias, aí também

prevalecendo o processo mimético industrial.

Essa exterioridade em uma formalização da prática, empuxada pela divisão capitalista

do trabalho humano na totalidade do social, que se faz e refaz, constitui-se traço

característico daquilo a que Vázquez denominou burocratismo.

Fenômeno historicamente condicionado e especificamente datado que não pode, por

essas razões, ser ignorado ou “naturalizado” pelas ciências sociais como algo eterno, perene e

a-histórico. A ciência da educação, ciência social por excelência que é, não pode nem deve,

pois, “naturalizar” como a–histórica a estrutura burocrático-estatal da prática social

engendrada pela divisão capitalista do trabalho humano e da sociabilidade daí engendrada.

Segundo um atento estudioso do fenômeno da burocratização das estruturas e dos

comportamentos das pessoas enquanto traço específico do capitalismo em seu evolver

histórico, Tragtenberg explica que “a evolução do Estado Moderno identifica-se com a

expansão do burocratismo” (TRAGTENBERG, 2001, p.XL).

Isto é, o burocratismo e sua correlata praxis reiterativa do status quo, na medida em

que se identificam com a própria evolução do Estado político do capital – desde sua gênese

histórica em formas burguesas primeiras advindas da Revolução Francesa de 1789 –, também

69

acompanha toda a história do mundo do trabalho assalariado, principalmente no que se diz

respeito aos funcionários estatais. Sem se esquecer que nele incluem-se, particularmente, a

Educação pública Oficial e também o professorado de hoje.

Na praxis burocratizada, portanto, “os atos práticos nada mais são do que roupagens

ou capas com que se reveste uma forma que já existe, como um produto ideal acabado”

(VÁZQUEZ, 1968, p.260).

Ocupa-se, então, de um tipo de “praxis social-estatal, política, cultural, educativa, etc.,

exercida de modo burocrático” (VÁZQUEZ, 1968, p.261), constituindo-se numa prática a

serviço do controle e da dominação política da sociedade de classes. O que degrada também a

praxis humana, e todo seu potencial emancipador do vir a ser (devir) do trabalho desalienado

e emancipado da lógica mercantil, com seu formalismo parasitário.

Isso, de modo a deteriorar seu conteúdo autenticamente humano em prol da obediência

aos “cargos” enquanto objetividade reificada, em nome da obediência a uma norma estatuída

“superior”, bem como mediante a execução sem questionamentos das regras “racionais” e

impessoais advindas verticalmente de cima, impostas pela tecnocracia e seus assessores e

especialistas.

Na prática burocrática o conteúdo se sacrifica à forma, o real ao ideal, e o particular concreto ao universal abstrato. Encontramos esse fenômeno justamente na prática estatal quando ela se degrada em prática burocratizada. Sem dar-lhe propriamente essa denominação que damos, Marx, ao criticar a concepção hegeliana da burocracia, deixa entrever o que é uma prática burocratizada e que podemos resumir nessas palavras: “...dar o formal como conteúdo, e o conteúdo como formal”. O burocrático é o formal, o irreal. Por isso Marx também diz: “O ser real é tratado segundo seu ser burocrático, segundo seu ser irreal”. (VÁZQUEZ, 1968, p.261)

Nesse preciso sentido, a prática burocrática das atividades administrativas do poder

político do Estado, ao conceber o conteúdo da prática de modo formalizado (concepção) e ao

instituí-lo (decisão) como fôrma ou molde a ser seguido e executado, mecanicamente, por

funcionários profissionais a serviço do poder, provoca a reiteração de uma “praxis degradada

ou burocratizada” (VÁZQUEZ, 1968, p.262).

Centralmente, essa referida “deformação burocrática” deve ser entendida como um

“traço essencial do Estado opressor da sociedade dividida em classes antagônicas”, revelando,

desse modo, “a estreita e mútua relação entre burocratismo e exploração” (VÁZQUEZ, 1968,

p.262), dada a inter-relação dialética entre o poder político e o domínio-exploratório

econômico na totalidade do social.

70

Sociedade global construída sobre a generalização da troca de mercadorias, com vistas

à acumulação de lucros e de riquezas, mas cuja contradição incancelável, nesta estruturação

social de classes proprietárias e não proprietárias reside no trabalho humano vivo subsumido

ao capital, trabalho passado, estranhado e acumulado privadamente pela classe que detém

(sobretudo) os meios de produção (terra, indústria, tecnologia etc.).

O burocratismo é sempre um fenômeno próprio de um sistema de governo no qual o Estado está divorciado do povo e é incompatível com todo controle popular de sua atividade, assim como, por essência, com ajuda dos métodos burocráticos de governo, ele exclui qualquer participação ‘de baixo para cima’ na direção da sociedade. O burocratismo se opõe, assim, diametralmente à verdadeira democracia. (VÁZQUEZ, 1968, p.263)

Sobre a interação dialética entre a dimensão política e a estrutura econômica, aqui,

com Chauí, devem-se reter os fundamentos do emergir histórico da burocracia e de seu

quadro administrativo correspondente, inserindo-o em um processo de homogeneização do

social propulsado pela generalização das trocas de mercadorias pelo mundo, onde a própria

força de trabalho humana acaba por ser reduzida à condição de mercadoria.

Equalizando abstratamente todas as esferas de socialização e todas as obras sociais, a

sociedade de mercado sobre o modo de produção capitalista é quem torna possível a própria

noção e prática da Administração.

Ora, o que caracteriza a sociedade de mercado ou o modo de produção capitalista é o fato de engendrar a partir de uma equivalência (as mercadorias) um sistema universal de equivalentes graças a vários processos de abstração no final dos quais tudo se equivale a tudo ou qualquer coisa vale por outra coisa. Essa homogeneização do social equalizando abstratamente todas as esferas de socialização e todas as obras sociais é o que torna possível o advento da noção e da prática da administração. Com efeito, a administração possui seu próprio sistema de regras, normas e preceitos, seus próprios princípios acerca do ato administrativo independentemente do objeto ou realidade que será administrada. (CHAUÍ, 1980, p.28)

Desse modo, já que “da mesma forma que a evolução do Estado Moderno e

Contemporâneo identifica-se com a expansão do burocratismo, o mesmo se dá com a empresa

capitalista privada” (TRAGTENBERG, 2001, p.XL). Ou seja, o burocratismo é também um

“traço essencial do imperialismo, na medida em que ele procura fundir o aparelho estatal com

o poder” das “corporações privadas” (VÁZQUEZ, 1968, p.263).

71

Maurício Tragtenberg ainda nos revela, ao falar do contrato de trabalho e da

predominância da relação legal-formal de dominação presente no universo da economia dita

privada, que a empresa capitalista “também é regida por normas burocráticas”

(TRAGTENBERG, 2001, p.XL).

Adverte mesmo que o burocratismo consiste em uma estruturação do poder e da

dominação racional-legal e, em realidade, não é apenas uma Organização formal.

Assim sendo, o poder do Estado capitalista necessita de um quadro administrativo que

reforce a cisão efetuada na sociedade entre dominantes e dominados, dirigentes e dirigidos,

para que se “dê estabilidade à dominação” política das classes dominantes.

Tragtenberg sintetiza, ainda, todo enquadramento do poder do Estado político

burocraticamente estruturado, ponto de partida, pois, para qualquer tematização sobre

qualquer trabalho estatal, o educativo incluído. Em suas palavras, historicamente,

[...] o quadro administrativo consiste em funcionários nomeados por quem detém o poder político, enquadrados numa estrutura de carreira, em que a função administrativa constitui sua forma de vida dominante. Em suma, dominação burocrática é acima de tudo obediência a cargos. Tanto o que manda quanto o que é mandado obedecem a uma norma estatuída “superior”. O tipo de burocrata é o que tem formação específica, recebe um salário e está enquadrado numa “carreira”. Ele deve trabalhar em obediência a regras racionais e impessoais, acompanhando o “processo” administrativo sem considerações por razões “pessoais” e “subjetivas”. (TRAGTENBERG, 2001, p.XL)

Nesse passo, de um evolver histórico de um capitalismo difusor de fetiches e

reificações sociais e individuais, o processo de burocratização abarca desde as estruturas de

poder e dominação das instituições estatais como também as das empresas privadas, sendo

inerente à totalidade da divisão capitalista do trabalho humano.

E mais, impregna mesmo mentalidades e comportamentos dos sujeitos (formas de

consciência alienadas), que passam a sofrer “inculcações” na direção de mentalidades

burocráticas, cuja máxima é a obediência ao superior hierárquico, ao estatuído pela

organização formal mediante sua razão abstrata e a necessidade do “chefe” ou do “líder”.

O burocratismo impregna, assim, todas as relações entre os homens e as mulheres em

interatividade social pelo trabalho alienado, ou seja, enjaula ou ossifica a cultura, a economia,

a política, a educação, o comportamento, a mentalidade; enfim, toda a vida social

contemporânea degrada-se no aprisionamento pela “jaula de ferro” das estruturas de poder e

mentalidades burocráticas.

72

Trata-se, então, de “uma praxis degradada e diametralmente oposta a uma praxis

criadora”, já que “não” leva em conta “as particularidades concretas de sua aplicação”

(VÁZQUEZ, 1968, p.264). A praxis burocratizada é, antes, uma

[...] forma de praxis mecânica em que a repetição infinita se alcança mediante sua extrema formalização, ou seja, mediante a negação do papel do conteúdo para sujeitá-lo inteiramente a uma forma que lhe é exterior. Dessa praxis se elimina, portanto, toda a determinabilidade do processo prático, que se torna assim abstrato e formal, e com isso desaparecem igualmente a imprevisibilidade e a aventura que acompanham toda praxis autenticamente criadora. (VÁZQUEZ, 1968, p.264)

Por conseguinte, para combater tais “deformações burocráticas” é necessário tomar

como “princípio” prático-teórico, na e pela praxis, a “democratização da vida social”

(VÁZQUEZ, 1968, p.262), para que o burocratismo não parasite a vida coletiva, de modo a se

promover, contrariamente a esse parasitismo do poder, a criação de “espaços de participação”

para controlar o aparelho estatal “de baixo para cima” (p.264).

Dessa maneira, somente mediante a criação desses ambientes ou circunstâncias

concretas será possível vislumbrar e forjar o respeito à autonomia (verdadeira e não

ideológica) dos sujeitos. Com vistas à concretização de uma praxis criadora, verdadeiramente

humanizadora na medida em que negue o extremo formalismo da praxis estatal e

burocratizada. Já no âmbito da educação pública formal, registre-se que tal praxis se apresenta

como constrangedora da possibilidade de uma subjetividade autêntica tanto do professorado

quanto do alunado, bem como da prática criadora do qualitativamente novo na realidade

escolar, articulada com a totalidade dos urgentes problemas sociais.

Burocratismo, pois, que centralmente se articula com aquela prática educativa

denominada por Freire de “bancária”, cujo cerne e diretriz consistem em tratar o ser humano

como receptáculo, ou “recipiente de depósitos”, das instruções e comandos a serem bem

memorizados e executados. Que serão avaliados seletivamente nas provas e exames, por um

alunado-coisa (não sujeito), ou “coisificado”, reduzido a “caixas vazias” de conteúdos

exteriormente impostos, a ser preenchido com o dito Conhecimento Oficial. De fato, o

conhecimento que importa às classes dominantes reproduzirem para manter sua dominação,

material e ideológica (conjunto de idéias dominantes).

Isto é, como não poderia deixar de sê-lo, já que a dimensão educativa insere-se,

dialeticamente, na e explica-se pela totalidade do social, regido hoje pelo capital (modo de

controle societário) que lhe estrutura e condiciona as relações e modo de ser e ir sendo, toda

73

praxis educativa tende a burocratizar-se. Em uma direção e sentido: progressiva e

mercantilmente, em benefício de uma extrema formalização orientada pela razão técnico-

administrativa (a racionalidade do poder), previamente planejada pelos especialistas ditos

“competentes”.

Conseqüentemente, cumprindo-se um a finalidade ou telos ideológico (de ocultação)

advindo da Educação oficial (bancária e burocrática), exclui-se de discussões a vinculação

umbilical, realmente existente e hegemonicamente “silenciada”, entre a educação do Estado

no interior da sociedade de classes global, sem se problematizar, teoricamente e na praxis

cotidiana, o poder político e a exploração econômica das elites dominantes.

Em suma, sob o signo da lógica mercantil e seu fetiche, na praxis sócio-histórica, a

tecnocracia e o burocratismo que lhe servem – tal qual toda estrutura de poder pautada por

critérios utilitaristas e positivistas –, tomam o ser irreal, formalizado, abstrato, pelo seu ser

verdadeiro ser, concreto, real. Assim considerando e pesando o exposto, por ora nos

remetemos a uma tematização mais particularizada do trabalho docente no interior da divisão

hierárquica do trabalho humano na sociedade contemporânea do capital, sua proletarização

simultânea à mercantilização neoliberal conservadora da gestão escolar, sua expropriação do

saber docente etc., ainda considerando o sistema curricular oficial calçado em Livros-texto e

nas parcerias público-privadas, bem como seu papel e função na “inculcação” ideológica de

elementos da cultura dominante das classes dominantes nas classes trabalhadoras e na

sociedade em geral.

74

CAPÍTULO III - DIVISÃO DO TRABALHO HUMANO E EDUCAÇÃO OFICIAL DO

ESTADO POLÍTICO: CURRÍCULO, LIVROS-TEXTO, CONTRADIÇÕES E

TENSÕES NO MODO DE SER PROFESSOR CONTEMPORÂNEO

Diante do exposto, observa-se que o ser humano contemporâneo, no processo de

produção e reprodução da vida social, individualiza-se mediante o burocratismo, a tecnocracia

e no interior das demais reificações e fetiches difundidos pela sociabilidade dominante, cuja

lógica é a mercantil e a da propriedade privada acumulada por uma minoria, assentada ainda

no controle sobre o trabalho – exteriorização da vida – alheio.

É nesse processo, ainda, em que se engendra a possibilidade mesmo das

individualidades construídas socialmente, perpassadas pelas classes, que o indivíduo

contemporâneo “perde progressivamente sua autonomia” e, simultaneamente, instaura-se um

“processo de desqualificação e atomização de tarefas” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.13),

desumanizando-se o trabalho enquanto exteriorização da vida.

Isso ocorre desde o “âmbito da produção e da distribuição” (TORRES SANTOMÉ,

1998, p.13) dos bens de consumo mais básicos para a manutenção da vida, até sua reprodução

“no interior dos sistemas educacionais” (p.13), no interior de sociedades estruturadas em

classes antagônicas, cuja contradição irreconciliável reside na subsunção do trabalho humano

vivo ao capital, trabalho passado exteriorizado de forma estranhada e acumulado nas mãos de

proprietários privados. Nesse cenário,

[...] tanto trabalhadores como estudantes verão negadas suas possibilidades de poder intervir nos processos produtivos educacionais dos quais participam. A taylorização no âmbito educacional faz com que nem professores nem alunos possam participar dos processos de reflexão crítica sobre a realidade. A educação institucionalizada parece ter se reduzido exclusivamente a tarefas de custódia das gerações mais jovens. As análises dos currículos ocultos evidenciam que o que realmente se aprende nas salas de aula são habilidades relacionadas à obediência, à submissão e à autoridade. (JACKSON apud TORRES SANTOMÉ, 1998, p.13)

Neste contexto extremamente desfavorável à ação educativa15 enquanto praxis

desocultadora de mundo ou desveladora da realidade que desumaniza, matrizada pelo

pensamento dialético com vistas a apanhar o concreto em suas circunstâncias existenciais para

15 “Toda ação educativa é ação humana, ação entre pessoas, de pessoas sobre pessoas, é convívio de gerações. Ser relação humana é o que confere sentido específico à educação, A presença de pessoas faz parte de toda ação formadora. A ênfase no peso dos aspectos institucionais e materiais pode marginalizar o elemento humano” (ARROYO apud FRIGOTTO, 1998, p.163).

75

nele intervir, desde a década de 1970 – que também data o início da crise estrutural do capital

–, segundo Torres Santomé e outros autores, com a instauração da crise econômica do modelo

produtivo capitalista.

Isso porque “os mercados se tornam cada vez mais heterogêneos e fragmentados,

provocando a desconcentração e a descentralização da produção” (TORRES SANTOMÉ,

1998, p.15). Teve-se início, assim, uma “era” de acumulação “flexível” de capitais pelo

mundo, em uma época de intensa internacionalização da economia capitalista, com reflexos

destrutivos no mundo do trabalho assalariado em geral.

Esse movimento de segmentação produtiva em diversos nichos mercadológicos pelo

globo, advindos da nova materialidade16 das relações capitalistas contemporâneas, contudo,

aparece ideologicamente como a forma mais adequada de atender-se às “necessidades e

interesses de caráter mais local”.

O que, a sua vez, provoca a precarização dos contratos de trabalho com a chamada

“flexibilidade trabalhista” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.16), “exigida” e bradada pelas

personificações do capital – as classes dominantes nacionais e internacionais articuladas em

um bloco do poder.

Desse modo, com impactos também no plano educacional, há o funcionamento

hegemônico de uma operação ideológica, isto é, o discurso da “flexibilidade” engendra e

fortalece uma falsa representação da processualidade histórica do objeto em questão. Falsa

representação que, contudo, não se confunde com uma mera “mentira” na medida em que

apresenta, efetivamente, uma funcionalidade objetivo-social em manter a “verdade falsa” do

status quo.

Ideologicamente, então, o trabalho docente contemporâneo passa a ser apresentado,

pelo conjunto das elites dominantes, em sua retórica oficial e prática de poder efetiva, como

em “benéfico” processo de “flexibilização inovadora”, sendo “recomendável”, sempre de

acordo com sua ótica, trabalhar com vistas à “modernização” de uma “educação para todos”.

Porém, quando se põe desse modo a problemática educacional, isto é, através de uma

colocação tipicamente ideológica, já que objetiva em primeiro lugar ocultar sua realidade ao

invés de desvelá-la, importa questionar-se, centralmente, de um lado sobre a cientificidade de

16 Essa nova materialidade se manifesta no “desenvolvimento das corporações transnacionais, reorganização de novos blocos econômicos e de poder e da mudança da base técnico-científica do processo e do conteúdo do trabalho, mediante, sobretudo a crescente reposição orgânica do capital, substituição de tecnologia fixa por tecnologia flexível e acelerado aumento do capital morto em detrimento da força de trabalho, capital vivo – que emerge de uma nova categoria geral, sociedade do conhecimento e novos conceitos operativos de: qualidade total, flexibilidade, trabalho participativo em equipe, formação flexível, abstrata e polivalente” (FRIGOTTO apud GENTILI, 1995, p.94).

76

um saber capaz de compreender do mundo, das contradições do real e de suas transformações

na e pela praxis, e de outro sobre o sentido sócio-histórico, político, ético e cultural da

produção desse conhecimento humano, contemporaneamente produzido.

Desse modo, pergunta-se substancialmente: de que educação se trata? Que educação é

essa, dita para todos, quando se convive em uma sociedade dividida em classes antagônicas

que, de fato, não é – nem pode ser nesta formação e estrutura social – “para todos”?

Trata-se, portanto, de questionar radicalmente a educação no interior da sociedade de

classes, oriunda da divisão do trabalho humano pelo capital nos interesses da propriedade

privada da riqueza produzida socialmente. Sem se esquecer aqui que a raiz do humano é o ser

humano, concreta e historicamente situado em sua determinada época e espaço geográfico.

Devem-se interrogar, pois, o sentido e a direção daquela Educação oficial criticada por

Marx, já nos longínquos anos de 1875, nas Notas à Margem do Programa do Partido Operário

Alemão, notas conhecidas posteriormente como Crítica do Programa de Gotha. À época,

interrogava-se o pensador alemão: Que tipo de educação seria aquela, em uma sociedade

dividida em classes antagônicas, “[...] igual para todos?”.

Educação popular [ou ensino elementar: volkserziehung] igual para

todos? O que se quer dizer com essas palavras? Acredita-se, talvez, que na sociedade atual (e apenas desta se trata) o ensino possa ser igual para todas as classes? Ou, então, pretende-se que as classes superiores devam ficar coativamente limitadas àquele pouco de ensino – a escola popular – única compatível com as condições econômicas, tanto dos trabalhadores assalariados quanto dos camponeses? (apud MANACORDA, 1991, p.38) 17

Nesse passo e direção, Karl Marx, delineando os temas fundamentais da “pedagogia

marxiana”, de acordo com Manacorda (1991, p.39), já nos apontava a incoerência de uma

educação popular, crítica e transformadora, a cargo do Estado burguês, alertando-nos que,

mesmo que este determine “por uma lei geral os recursos das escolas [...], as aptidões exigidas

ao pessoal docente, as disciplinas ensinadas, etc., [de modo a] fiscalizar por meio de

inspetores do Estado a execução dessas prescrições legais”, tudo isso, registrava o pensador,

difere completamente do que seria fazer do “Estado [,] o educador do povo!” (p.122).

17 Em outra tradução, tem-se: “Que se quer dizer com estas palavras? Acreditar-se-á que, na sociedade atual (e é dela que se trata), a educação possa ser a mesma para todas as classes? Ou querer-se-á então obrigar pela força as classes superiores a receberem apenas o ensino restrito da escola [da instrução gratuita], o único compatível com a situação econômica, não só dos operários assalariados, mas também dos camponeses?” (cf.: ANTUNES, 2004a, p.121).

77

Em outras palavras, mesmo havendo um Estado do capital ditando leis sobre a

educação a fim de controlá-la, deveria fazê-lo, com pressões e lutas populares dos de baixo,

de modo a atender às necessidades e condições de materialidade concretas de instalações,

insumos etc., mas nunca, na visão do trabalho a ser emancipado do jugo do capital, deveria

ser entregue a esse mesmo Estado o monopólio sobre o que, como e onde ensinar às classes

trabalhadoras.

De fato, para além dessa aparência fenomênica, o Estado atual, despido de seu caráter

de fetiche, não pode ser tomado como “inocentemente” trabalhando e operando em função

“de todos”, já que se trata de domínio ou exercício do poder de poucos sobre os demais,

outros.

Isso, sobretudo, no que tange às relações dos efeitos políticos – estratégicos – que o

aparelho estatal inflige à educação popular, isto é, a educação recebida pelo povo entendido,

grosso modo, como as classes trabalhadoras. Que, anote-se, por sua situação e

posicionamento de classe, recebem seus filhos outro tipo de escolarização que não aquela

destinada às classes proprietárias e dominantes.

Importa fixar centralmente esse aspecto, que também se encontra apontado na citada

passagem de Marx, segundo a qual, por haver uma dualidade de classes (proprietários e não-

proprietários) na sociedade capitalista, há também, por esse motivo, uma dualidade de

escolarizações.

Uma às classes superiores, outra às classes trabalhadoras, uma “escola popular” e

limitada “àquele pouco de ensino” compatível “com as condições econômicas, tanto dos

trabalhadores assalariados quanto dos camponeses”. Sugere assim Marx, ironicamente, que só

pela força, coativamente, as classes superiores aceitariam esse “pouco de ensino”.

Desse modo, ao se adotarem critérios de qualidade como mecanismo de diferenciação

e dualização social, padronizando a educação popular de um povo que deveria se educar a si

mesmo como tarefa conscientemente sua, sonegam-se e silenciam-se os saberes dos “de

baixo”. Tudo isso se inscreve mesmo, hoje, “na ofensiva antidemocrática que os setores

neoconservadores levam a cabo contra a escola pública e contra a educação das maiorias”

(GENTILI, SILVA, 2001, p.159), completamente afins ou convergentes à lógica mercantil do

ethos (neo) liberal.

Contemporaneamente, nesse sentido, deriva desse contexto histórico que o trabalho

docente passa a ser padronizado, hegemonicamente, e perde a potência omnilateral criadora

da praxis. É posto, assim, como um tipo de relação mercantil entre “coisas”, com qualidades

78

de coisas ou mercadorias, prescindindo, supostamente, de qualquer atividade sensível do

professorado.

Assim, transformado em “fator” de produtividade do capital, a força de trabalho do

professorado efetiva uma praxis reiterativa e repetitiva, reproduzindo, em sua particularidade

educacional, um trabalho alienado e alienante que, a serviço da lógica global da acumulação,

passa a desefetivá-lo enquanto ser cuja vocação ontológica é um devir mais.

Nessa ambiência de estandardização (padronização), a descentralização também no

mundo empresarial sustenta-se sobre “programas de formação permanente e de reciclagem

trabalhista”. Cada vez mais diferenciados das concepções tayloristas de organização do

trabalho, ultrapassadas que foram pela nova lógica do capital toyotista.

Ou seja, “começa-se a conceder importância ao trabalho em equipe, frente ao trabalho

individual dos modelos tayloristas e fordistas” (GENTILI, SILVA, 2001, p.159), visando

mesmo à captura da alma do trabalhador “fiel” e “leal” aos objetivos lucrativos patronais,

como se fossem os seus próprios.

Consiste o atual momento histórico, pois, em uma mudança que, estruturalmente, nada

muda, a não ser na aparência fenomênica da imediaticidade do processo histórico, já que

sempre se pensa e se direciona a prática do trabalhador, docente incluso, subsumida aos

interesses da dita Organização. De fato, uma estrutura burocrática de domínio e controle sobre

comportamentos e mentalidades, poder sempre a serviço do capital e de seus imperativos

expansivos.

Assim, segundo Torres Santomé, esse movimento foi intensificado desde os anos

1980, investindo-se desde então em “propostas de culturas eficientistas, privatizadoras,

individualistas, liberais e conservadoras” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.17).

Evidente a todos, pois, a carga produtivista orientadora desse tipo de “educação”

ideológica, em realidade, uma escolarização à subordinação das classes trabalhadoras para

que “naturalizem”, conformando-se com, suas posições subalternas na divisão do trabalho

humano da sociedade do capital. Aquele pouco ensino, de Marx, único compatível com as

condições econômicas, tanto dos trabalhadores assalariados quanto dos camponeses.

Daí surgir no mundo do trabalho humano contemporâneo, dividido pelos interesses do

capital em sua fase tardia, portanto, o que se denominou toyotismo. Consiste em um modelo

de organização patronal de trabalho configurado como uma “nova” concepção orientada,

principalmente, pela redução dos gastos ao máximo e pela instauração do processo de

“qualidade total” para se detectar os defeitos de produção just in time (“bem a tempo”, no

79

exato momento mesmo da produção), eliminando-os pelo “bem” da reprodução ampliada de

capitais.

Para tanto, hegemonicamente utilizou-se de estratégias do poder tais como, dentre

outras, “o controle estatístico do processo e, especialmente, os grupos ou círculos de

qualidade” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.17). Essa “nova” concepção da divisão do

trabalho humano, embora sempre pensada do ponto de vista da Economia Política do capital

(que nunca põe em dúvida a “cientificidade” de sua a-historicidade eterna), prescreve agora,

ideologicamente, a panacéia da “colaboração”.

Colaboração dos trabalhadores “bem a tempo” ou just in time, a fim de superar os

imprevistos que possam diminuir a produção incessante de mercadorias e de lucros dela

advindos e, por isso mesmo, os trabalhadores passam a ser “treinados” para se

comprometerem, até a alma, fiel e lealmente com os interesses da administração da empresa

ou mesmo do Estado capitalista.

Tudo isso de modo a capturar, pois, até a mais íntima subjetividade do trabalhador a

fim de que colabore, sem nunca se questionar a respeito da “inequívoca harmonia” de

interesses capital-trabalho, de “maneira mais intensa na identificação dos problemas, de modo

a sugerir e experimentar mudanças que favoreçam uma maior produção e melhora da

qualidade” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.17) dos produtos, ou mercadorias, resultantes de

seu processo prático-produtivo.

Ilusoriamente, tudo se passaria como se os interesses das classes trabalhadoras fossem

os mesmos, idênticos, harmônicos ou convergentes, aos interesses das classes patronais e

proprietárias, “esquecendo-se”, ou melhor, ocultando-se ideologicamente, que estas exploram

a força de trabalho viva daquelas com vistas, tão-só, ao lucro ou mais valia.

Para isso, dialeticamente, exige-se a reprodução ampliada da sociabilidade e

individualidades dominantes, matrizadas pela lógica do mercado e da acumulação de

propriedades privadas nas mãos de minorias em uma sociedade reprodutora, simultaneamente,

de maiorias humanas desvalidadas.

Exploração do trabalho pelo capital, globalmente, que não se dá, nem nunca se deu, ao

longo da história, de maneira “harmoniosa”, mas sim, muito pelo contrário, mediante tensões

sociais graves, contradições e enfrentamentos objetivos. As greves, nesse sentido, são apenas

os exemplos mais evidentes, e atuais, das contradições da sociedade contemporânea do

capital.

80

Nesse sentido, tanto a empresa quanto o Estado, ambos sistemas de poder burocrático

muito mais do que Organizações formais, visam integrar e comprometer a subjetividade de

seus trabalhadores, reduzidos todos à condição de mão-de-obra mercantil, com os “objetivos

de qualidade e produtividade”, estimulando “a competitividade mediante prêmios e incentivos

econômicos” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.17).

A esse processo se denomina, bem longe da “neutralidade” com que se quer impor,

meritocracia, ou seja, traduz-se na existência de “ideologias meritocráticas e do

individualismo competitivo, segundo as quais o que justifica e legitima a divisão

hierarquizante e dualizada das modernas sociedades de mercado é o assim chamado princípio

do mérito” (GENTILI, 1995, p.234).

Segundo Gentili (1995, p.234), basicamente, deve-se “naturalizar” uma “norma de

desigualdade” entre os homens e mulheres, identificando-se essa processualidade presente,

inclusive, nos programas neoliberais e neoconservadores que “naturalizam” (a fim de ocultar

sua substância histórica e socialmente construída) a divisão em classes do trabalho humano.

Isso de modo a sustentar, ideologicamente,

[...] que os velhos esquemas institucionais premiavam os ineficientes, enquanto os novos, ao aumentar a dependência de cada um do valor de troca no mercado de sua capacidade individual, farão com que as retribuições sejam de acordo com sua maior ou menor eficiência como participante do sistema de trabalho social. (LO VUOLO apud GENTILI, 1995, p.234)

Trata-se, pois, de uma continuidade descontínua com o taylorismo e sua antiga

“administração científica” que pretendia reduzir o trabalhador à condição animalesca de besta

ou mula de carga – expressões da lógica ultrapassada da industrialização mecanizada, hoje

substituída pela automação, nanotecnologia, cibernética etc. –, pensando-se e teorizando-se,

assim, o mundo do trabalho assalariado na perspectiva das classes capitalistas e de seus

técnicos administrativos “competentes” em Organizações18.

18 “A estrutura administrativa muda com o modo de produção, da mesma forma que a imagem que tem de si (ideologia como elemento de auto-legitimação) tende à mudança. Assim, a história das teorias administrativas é a história dos modos de produção, representados pelos ideólogos patronais através do tempo. As estruturas burocráticas existem para realização do lucro e para assegurar a alienação do trabalhador: a separação entre planejamento e execução, a hierarquia na empresa, a disciplina industrial, enfim, todos os elementos que convertem a mão de obra em função do capital. A teoria da administração da empresa sob o capitalismo só pode ser vista como a teoria patronal da administração de empresa, na medida em que legitima como ‘natural’ e ‘fatal’ a separação entre produtor e meios de produção, a exploração do trabalho e o objetivo lucrativo como verdadeira panacéia organizacional.” (TRAGTENBERG, 1979, p.11)

81

Na filosofia toyotista existe uma organização e reorganização do trabalho de acordo com os princípios de flexibilidade horizontal e vertical e de multidimensionalidade. Pode-se afirmar que existe uma importante redescoberta do interesse da pessoa trabalhadora como elemento-chave da rentabilidade e competitividade da empresa, existe o convencimento de que, sem sua cooperação e compromisso, é impossível aumentar a produtividade e melhorar a qualidade. (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.18)

Nesse passo, em que se muda a forma de organizar o trabalho humano, mas não se

altera seu ponto de vista organizativo, sempre seguindo a lógica patronal a fim de reduzir a

força de trabalho a fator do capital, o toyotismo configura-se como um novo tipo de

organização capitalista do trabalho social.

Nela o trabalhador deve ser convertido ao “credo” em “uma espécie de taylorismo

interiorizado” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.18), no qual, embora os trabalhadores não

executem “tarefas corriqueiras” e nem haja um exagerado crivo do controle burocrático sobre

eles, existe sem dúvida a tendência em adotar estratégias padronizadoras e simplistas para

obter-se sempre maior produtividade da mão-de-obra. Que, a sua vez, deve ser manipulada a

acreditar na “filosofia” toyotista como se fosse sua própria filosofia e modo de vidas.

De novo, ideologicamente, tudo se passaria como se houvesse uma identidade de

interesses entre dominados e dominantes, dirigidos e dirigentes, trabalhadores e capitalistas,

classes exploradas e classes exploradoras – nunca provada mas sempre “inculcada”,

cotidianamente, pelos aparelhos do poder e seus agentes “culturais”, como “natural” e “fatal”

convergência de interesses dentro de uma sociedade supostamente “harmoniosa” e

“funcional”.

Ainda, nesse sentido, Bonazzi citado por Torres Santomé, alude que “é difícil discernir

a sutil linha que separa, por um lado, a participação voluntária e, pelo outro, a interiorização

obsessiva da auto-exploração”, tendo em conta que “as estratégias adotadas tendem a ocultar

as ‘hierarquias de poder’, que delimitam a ‘delegação de poder’ por meio de controles difusos

e às vezes ocultos” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.19). “Quanto à mão-de-obra”, afirma

Tragtenberg (2004, p.65) que “o termo ‘participação’ parece ter virtudes suficientes para

ancorá-la à Organização com muito mais firmeza que o servo feudal à gleba”.

Em conseqüência, segundo Torres Santomé e outros autores, pelo menos desde a

década de 1960, os pressupostos do mundo empresarial do capitalismo são também

encontrados na gestão escolar estatal e, portanto, o toyotismo enquanto taylorismo

intensificado, porque interiorizado na subjetividade das classes que vivem do trabalho,

passou a ter uma presença crescente nos atuais sistemas educacionais dos Estados. Em todo o

82

sistema internacional do capital, mesmo que sob a roupagem de políticas “públicas” ditas

“flexíveis”, gerencialistas, sistêmicas, “inovadoras” etc.

Nesse passo, o modelo de produção capitalista crescentemente vem exigindo da Escola

o “compromisso para formar pessoas com conhecimentos, destrezas, procedimento e valores

de acordo com esta nova filosofia econômica” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.20), que de

filosofia, entendida como a formulação de um pensamento coerente e sistemático com vistas a

conhecer do mundo humano, nada tem, uma vez que se constitui como “doutrina” de fazer

crer. Credo ou profissão de fé na “eternidade” e “naturalidade” do capital subsumindo o

trabalho humano, exteriorização da vida reduzida a “fator” de produção de mercadorias e

lucros a minorias.

Por conseguinte, os sistemas educacionais foram progressivamente perpassados pelos

interesses capitalistas do mundo empresarial, de modo a promover as retóricas da “exaltação

da figura do trabalhador”, donde habilmente ostentam-no como fundamental para qualquer

“inovação” educativa. Entretanto,

[...] no fundo, talvez pretenda-se apenas circunscrever o âmbito do que pode ser pensado por professores, professoras e estudantes às dimensões metodológicas e de organização das instituições escolares, mas não à análise crítica dos conteúdos e finalidades dos níveis educacionais e, em geral, do sistema escolar. (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.21)

Essa lógica do mercado com seus mecanismos de poder inerentes, assim, já que a

escola não é, e não pode ser, uma ilha apartada do todo societário capitalista, foi transferida de

maneira muito mais intensificada para o âmbito educacional. O que se explica – seu

surgimento e estabelecimento – pelo “forte impulso que os governos mais conservadores

estão dando à elaboração de ‘padrões de qualidade’ para analisar o sistema educacional, como

se estivéssemos falando de fábricas e mercados” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.21).

Essa pretensa “revolução da qualidade” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.21) na

educação formal foi, de fato, uma contra-revolução toyotista da educação exigida pelo mundo

empresarial.

Sobretudo nos anos 1990 mercê do forte influxo do mito acerca do “fim da história”,

bem como aquele outro, que sustenta a falsa noção de que, à resolução dos problemas sociais

mais estruturais e gritantes, “não há alternativa” que não mais e mais “livre” mercado e

capitalismo. Pretende-se legitimar, com isso, a função e importância de grupos de

83

“especialistas” dos órgãos chamados “competentes” para a elaboração de programas de

“qualidade total” nas Escolas.

Nessa direção, repita-se, já que a educação formal não é uma particularidade

destacável ou um espaço completamente “autônomo” e “independente” da dinâmica social

dominada pelo capital19, cuja lógica é a mercantilização das estruturas e relações humanas,

com a longa crise inaugurada em 1970 e evidenciada a todo o mundo a partir de 2008, até o

presente momento, intensificaram-se as “demandas econômicas” sobre o setor educacional.

Isso de modo a proclamar a necessidade de sua melhor adequação e controle na “inculcação”

dos valores hegemônicos.

Anote-se, por exemplo, o clamor dos meios de comunicação hegemônicos (empresas

privadas que pretendem prestar serviços “públicos”) ao bradar, de maneira focalizada

(omitindo alguns aspectos e seletivamente “iluminando” outros), sobre o “gargalo” ou o

“apagão” educacional que não escolariza, de acordo com seus interesses. Isto é, não escolariza

a mão-de-obra para que esta se torne mais “lucrativa”, mais “eficiente”, mais “capacitada”,

melhor “empregável” etc.

“Cobra-se”, então, do professorado força de trabalho o fato de não ter escolarizado o

alunado “eficazmente” enquanto mercadoria escolar ou capital humano, a ser empregado no

mercado de trabalho, como se educar fosse apenas e “fatalmente” educar para o mercado de

“empregos”, com vistas à garantia de uma estranhada “competitividade” das Empresas e da

Nação.

Desse modo, percebe-se que este “clamor” por “mais qualidade” na escola pública é

amplamente difundido pelos meios de comunicação de massa. Constituindo-se mesmo como

um dos mecanismos ou instrumentos estratégicos mais poderosos para a difusão e

consolidação da lógica mercantil na educação e no imaginário coletivo.

Portanto, os meios de comunicação “de massa”, em realidade o monopólio da

comunicação social e verdadeiramente democrática pelas grandes empresas do capital, são

convertidos em recursos técnicos e tecnológicos de fabricação de sentidos, consensos e

significados sociais favoráveis a seus interesses.

Isto é, favoráveis “à lógica ‘sempre benéfica’ e ‘mais eficaz’ da gestão privada-

empresarial, às decisões e às medidas efetivas acerca dos conteúdos e valores a criar e a

transmitir através delas a ‘ineficiência’ e a ‘lentidão’ da administração pública” (SUÁREZ

apud GENTILI, 1995, p.258).

19 “A educação, enquanto sistema, não pode estar acima do desenvolvimento econômico e social de uma sociedade.” (TRAGTENBERG, 2004, p.193)

84

Assim, como estratégia do poder neoliberal conservador e de seus instrumentos de

“inculcação”, passa-se a demonizar a “ineficiente” e “lenta” administração pública, a

“deplorável” esfera pública para que, logo em seguida, seja ofertada como panacéia ou

salvação miraculosa as parcerias desse “mastodonte” público com o “eficientíssimo” e

“célere” setor privado. Tudo isso calçado na ideologia do mercado dito “livre”.

Nesse sentido mais amplo, os meios de comunicação de massa, atrelados aos

interesses hegemônicos, conforme Silva citado por Suárez, “se convertem em poderosas

tecnologias de manipulação do afeto, do desejo e da cognição” de amplos setores da

sociedade, os quais, por estarem total ou parcialmente marginalizadas (seja material ou

culturalmente) da escolarização, escapam a sua influência pedagógica-disciplinadora

(SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.259). Desse modo, opera-se a hegemonia dos meios de

comunicação de massa na medida em que eles se transformam em interlocutores ou

personificações que trabalham diariamente no sentido de estabelecer no imaginário coletivo,

de forma ideológica, os modos de pensar, sentir e agir dos donos do poder e das classes

economicamente dominantes.

Amplamente tomando-se o processo de “inculcação” ideológica levado a cabo pelas

classes dominantes e proprietárias, vale a pena fixar, seguindo nas reflexões do filósofo

Mészáros (2009a, p.263), que

[...] nenhuma sociedade pode perdurar sem seu sistema próprio de educação. Apontar apenas os mecanismos de produção e troca para explicar o funcionamento real da sociedade capitalista seria bastante inadequado. As sociedades existem por intermédio dos atos individuais particulares que buscam realizar seus próprios fins. Em conseqüência, a questão crucial, para qualquer sociedade estabelecida, é a reprodução bem-sucedida de tais indivíduos (grifo nosso), cujos “fins próprios” não negam as potencialidades do sistema de produção dominante.

“Essa é a verdadeira dimensão do problema educacional: a ‘educação formal’ não é

mais do que um pequeno segmento dele” (MÉSZÁROS, 2009a, p.263). Isso porque,

prossegue o autor, “a educação tem duas funções principais numa sociedade capitalista: (1) a

produção das qualificações necessárias ao funcionamento da economia; e (2) a formação dos

quadros e a elaboração dos métodos de controle político” (p.275).

Em outras palavras, deve-se considerar a crise da educação formal ou oficial tanto

pública quanto privada (sua particularidade enquanto fenômeno social) no marco deste quadro

mais amplo de crise estrutural da sociabilidade engendrada pelo capital (o capitalismo real)

85

como matriz organizadora da vida humana, na totalidade concreta de nossa época histórica

contemporânea.

Ainda, nas palavras de Mészáros (2006), que evidenciam o fracasso das reformas

educacionais sintetizado na diluição do papel “integrador” da Escola contemporânea, mercê

de uma sociedade de capitalismo real em crise estrutural, deve-se ter sempre presente que

[...] a educação formal está profundamente integrada na totalidade dos processos sociais, e mesmo em relação à consciência do indivíduo particular suas funções são julgadas de acordo com sua razão de ser identificável na sociedade como um todo. Nesse sentido, a crise atual da educação formal é apenas a “ponta do iceberg”. O sistema educacional formal da sociedade não pode funcionar tranqüilamente se não estiver de acordo com a estrutura educacional geral – isto é, com o sistema específico de “interiorização” efetiva – da sociedade em questão. A crise das instituições educacionais é então indicativa do conjunto de processos dos quais a educação formal é uma parte constitutiva. A questão central da atual “contestação” das instituições educacionais estabelecidas não é simplesmente o “tamanho das salas de aula”, a “inadequação das instalações de pesquisa” etc., mas a razão de ser da própria educação. Desnecessário dizer: tal questão envolve inevitavelmente não só a totalidade dos processos educacionais, “desde a juventude até a velhice”, mas também a razão de ser dos instrumentos e instituições de intercâmbio humano em geral. Se essas instituições – incluindo as educacionais – foram feitas para os homens, ou se os homens devem continuar a servir às relações sociais de produção alienadas – esse é o verdadeiro tema do debate. A “contestação” da educação, nesse sentido mais amplo, é o maior desafio do capitalismo em geral, pois afeta diretamente os processos mesmos de “interiorização” por meio dos quais a alienação e a reificação puderam, até agora, predominar sobre a consciência dos indivíduos. (MÉSZÁROS, 2006, p.275)

Entretanto, na tentativa de pacificação social por cima ou pelo alto, no interior das

elites do poder, lutando mesmo contra a “contestação” que se faz presente na atual conjuntura

educacional do país e do mundo, na Educação oficial a serviço das classes dominantes –

como parte constitutiva do todo societário regido pela lógica mercantil – ganham espaço

posições teóricas e políticas educacionais mercantilizadas, pragmáticas, tecnocráticas,

positivistas e burocratizantes.

Tudo isso acaba por promover e estimular, sob a ideologia20 de uma suposta e nunca

provada “neutralidade”, a “primazia das escolhas pessoais e individuais e da mobilidade

social individual” (MÉSZÁROS, 2006, p.275).

20 Segundo Frigotto, o conceito ideologia de Antonio Gramsci (1978) é entendido como “falsa consciência, mistificação, falseamento da realidade nas relações de domínio entre as classes sociais, historicamente. Este é o significado que originariamente Marx e Engels deram a este conceito ao fazer a crítica à burguesia, enquanto

86

Em um contexto de diluição do papel “integrador” da escola em todo mundo, à

primeira vista de forma contraditória, o discurso oficial dos meios hegemônicos “inculcam” o

mito da ascensão ou mobilidade individual pela educação. Educar, pois, reduzido ao ato de ser

ou estar empregado, como fator de produção, no mercado de trabalho assalariado do capital.

Reforçando, assim, as relações competitivas, que isolam os homens e as mulheres uns

dos outros, já que a escola não é uma “ilha” apartada da totalidade do capital relação social21,

tais políticas “públicas” neoliberais de reprodução da exclusão social forjam também, no

homem e na mulher contemporâneos, um modo de ser e ir sendo pragmático-burocrático,

substancialmente mercantilizado. O que, a sua vez, fortalece a ideologia dominante, a

hegemonia das classes dominantes, “cujo esteio é a política do exercício técnico do poder, da

positividade das leis de mercado e da postergação do conteúdo ético aos fins” (MAAR, 2003,

p.65).

Mais uma vez, o que se vê na processualidade histórica de hoje, na visão e na prática

das classes dominantes, é a redução do exercício do poder político “cidadão”, enquanto direito

social e subjetivo conquistado ao poder do capital, à simples problemática técnico-gerencial,

substancialmente burocrática e administrativa definida por “especialistas”.

Implicando-se, pois, num tipo de projeto educacional-neoliberal defendido e

construído por tais frações hegemônicas, neoconservadoras, donde a educação guia-se pelos

valores da “neutralidade” técnica, tendo sua lógica organizacional precedência sobre

discussões sócio-pedagógicas desocultadoras de mundo e conscientizadora acerca dele tal

como é realmente.

Estrutura-se mesmo tal projeto político-pedagógico dominante de forma falsamente

“apolítica”, na medida em que, em realidade, fazendo-se crer como “apolítico” serve à

política estatal dominante e ao mercado a ela atrelado.

classe dominante do sistema capitalista, que busca veicular seus interesses, valores, sentimentos, visão de mundo e de realidade particular de classe como sendo naturais e universais. Para o campo educativo especialmente, mas não só, penso que o significado gramsciano de ideologia é particularmente fecundo. Reafirmando a perspectiva de Marx, mostra-nos este autor, todavia, o caráter não puramente reflexo e mecânico da inculcação e, portanto, a existência de contradições e, sobretudo, o papel das classes subalternas que lutam para fazer valer sua visão de mundo, valores e interesses. Trata-se de um embate contra-hegemônico. Indica-nos Gramsci a existência de ideologias não-orgânicas ou arbitrárias e ideologias orgânicas necessárias. A ideologia não-orgânica ou arbitrária é a que busca ocultar, falsear, mistificar e conciliar interesses historicamente antagônicos entre classes com o objetivo de garantir o domínio da classe dominante, através do consentimento das classes subalternas. Ideologia orgânica ou historicamente necessária é constituída pelos valores, concepções e visão de mundo, modos de pensar e sentir das classes subalternas a partir das quais se movimentam, adquirem consciência de sua posição e lutam por determinados objetivos. Trata-se de classes cujo objetivo é o de superar a forma capitalista de produção da existência e, com ela, a própria existência da humanidade cindida em classes. Cisão mediante a qual o humano se atrofia, dilacera e se perde” (FRIGOTTO, 1995a, p.77). 21 Diz-se relação-capital porque o capital não é uma “coisa”, tampouco se trata de “alguém”, mas sim, em si

mesmo, “é um modo geral de controle; o que significa que ele ou controla tudo ou implode como um sistema de controle reprodutivo da sociedade” (MÉSZÁROS, 2011, p.11).

87

Nesse sentido de enraizamento da concepção de educação pela lógica do mercado,

Chauí, mesmo que discorrendo sobre a particularidade da escola pública de nível superior, na

medida em que se pode ampliar suas conclusões ao que também ocorre nos níveis básicos da

educação pública, distingue, historicamente, duas formas de estruturação e concepção de

educação.

A primeira delas é definida, pelo vocabulário analítico utilizado pela autora, enquanto

instituição social, ou seja, uma prática ou quefazer educativo efetuado num campo de ação

que se baliza de acordo com as necessidades humanas urgentes e relevantes do ponto de vista

democrático e republicano de cada época. Ou seja, arrimada no processo de construção do

conhecimento ligado às práticas sociais. Trata-se, pois, de uma educação necessariamente

universalista, e não seletivamente focalista, entendida como direito social e humano

fundamental, capaz de articular-se com a cultura humana e com a promoção da cidadania

ativa, concreta e substancial – não simplesmente formal e abstrata.

Isto é, uma educação estruturada como instituição social, prossegue a autora, deve ser

capaz de “relacionar-se com o todo da sociedade e com o Estado de maneira conflituosa”

(CHAUÍ, 2003, p.6), exprimindo, sem medo de perder os chamados “consensos balofos”

(FRIGOTTO, 2011b, p.236), as reais e evidentes “divisões e contradições da sociedade”

(CHAUÍ, 2003, p.6) do capital.

A sua vez, na esteira do processo acima identificado como toyotismo educacional, a

segunda forma de estruturação da educação, prosseguindo com Chauí e sua distinção, forma

hoje vitoriosa mercê das forças dominantes e neoconservadoras, constitui-se enquanto

organização22 social vinculada ao mercado e aos seus todos poderosos valores hegemônicos.

Motivo pelo qual a educação, então, “deixou de ser concebida como um direito e passou a ser

considerada um serviço” (CHAUÍ, 2003, p.6).

Assim, a escolarização dessa forma estruturada como organização social, “prestadora

de serviços” a quem puder pagar sem se verificar os fins éticos e políticos da encomenda a ser

vendida, “define-se por uma prática social determinada de acordo com sua instrumentalidade:

está referida ao conjunto de meios (administrativos) particulares para obtenção de um objetivo

particular” (CHAUÍ, 2003, p.6).

Daí suas ações se articularem como estratégias balizadas pelas idéias de “eficácia” e

de “sucesso”, no emprego de determinados meios para alcançar o objetivo particular que a

define.

22 “A distinção entre instituição social e organização social é de inspiração frankfurtiana, feita por Michel Freitag em Le naufrage de l’université. Paris: Editions de la Découverte, 1996.” (CHAUÍ, 2003, p.15)

88

Por ser uma administração, é regida pelas idéias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social universitária [como também para a básica] é crucial, é, para a organização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe. (CHAUÍ, 2003, p.6)

A visão organizacional hegemônica, portanto, traz em seu bojo, seguindo na análise de

Chauí, a operacionalidade técnica, os contratos de gestão e, dentre outras, a avaliação por

índices de produtividade do trabalho docente calculado para ser “flexível” e recompensado

“meritocraticamente”.

Na docência daí derivada, matrizada pela organização social escolar ligada ao

mercado e aos seus valores dominantes, desponta-se como palavra de ordem a “transmissão

rápida de conhecimentos, consignados em manuais de fácil leitura para os estudantes”

(CHAUÍ, 2003, p.06).

Nessa direção, à semelhança do que também ocorre nos níveis básicos da educação

pública, o professorado universitário, na análise da autora, passa a ser força de trabalho

docente mais e mais

[...] escorchada e arrochada por contratos de trabalhos temporários e precários – ou melhor, “flexíveis”. A docência é pensada como habilitação rápida para graduados, que precisam entrar rapidamente num mercado de trabalho do qual serão expulsos em poucos anos, pois se tornam, em pouco tempo, jovens obsoletos e descartáveis; ou como correia de transmissão entre pesquisadores e treino para novos pesquisadores. Transmissão e adestramento. Desapareceu, portanto, a marca essencial da docência: a formação. (CHAUÍ, 2003, p.07)

Por conseguinte, diante do exposto, observa-se objetivamente a vitória da dita “ética

do mercado”, se é que ela existe, na organização e estruturação da Educação oficial

contemporânea, operação hegemônica correlata ao desmanche da característica essencial que

até então marcara a docência, repita-se, a formação do professorado.

Educação, pois, reduzida à prestação de serviços educacionais, cuja “ética” é a

mercantilização das estruturas e relações humanas como tendência histórica “fatal”,

fetichizada.

Assim, em face dessa materialidade extremamente adversa ao quefazer educativo

crítico, porque conscientizador e desvelador das desumanidades da realidade humana pautada

pela lógica mercantil – que só reconhece valor no valor de troca e venda de mercadorias com

89

vistas ao lucro e à acumulação de riquezas –, com Paulo Freire, urgentemente deve-se repor

no horizonte de futuro o questionamento mais que atual que o autor se fazia em vida,

preocupado que estava com os rumos mercantis a engolfar o labor educativo:

[...] Me pergunto se a ética do mercado (grifo nosso) que prevalece hoje com ares de vencedora imbatível nos discursos e na prática político-econômica neoliberais se instalou para sempre contra a ética universal do humano. [...] O discurso ideológico da globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns poucos e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. O sistema capitalista alcança no neoliberalismo globalizante o máximo de eficácia de sua malvadez intrínseca [...] Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência em puro treinamento é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando. Educar é substancialmente formar. (FREIRE apud TROMBETA, TROMBETA, 2010, p.166-7)23

Por ora, importa registrar que Freire colocava-se radicalmente contra essa ideologia e

visão de mundo fatalista e determinista, embora apresentada pelo discurso e prática

dominantes como a inevitável vitória da “ética” do mercado “livre”, contrapondo-lhe não

apenas uma ética antípoda, ou abstratamente rotulada de “humana”, genericamente. Muito

pelo contrário.

Concretamente, Freire, nas trilhas de Marx, delineava mesmo as orientações gerais de

uma ética universal do humano pautada numa ontologia do ser mais humano impedida de se

existencializar, hoje, pela existência do sistema sócio-metabólico do capital que nos impõe a

todos, histórica e presentemente, um ser menos em virtude das explorações, dominações,

23 “A ética assumida aqui, com Freire, dentre outros, reside na defesa da dignidade humana, donde a opção humanista se manifesta com clareza na sua ética da libertação e da solidariedade que assume o compromisso de lutar pela dignidade do oprimido, do excluído e pela justiça global. É a partir da ética universal do ser que devemos pensar todas as relações dos humanos entre si e destes com a natureza e com a vida. Enquanto espaço de formação humana, a educação é essencialmente um processo de conquista e desenvolvimento da dimensão ética. A razão última de ser do processo educativo é possibilitar a emancipação pela mediação de uma reflexão crítica sem perder a vinculação com o ético. A educação jamais pode prescindir da formação ética. ‘Nunca me foi possível separar em dois momentos o ensino dos conteúdos da formação ética dos educandos’ (FREIRE, 1997, p.106). Quando a ética é concebida como uma reflexão crítica destinada a tematizar os critérios que possibilitam superar o mal e conquistar a humanidade do homem como ser livre, os vínculos entre educação e ética tornam-se fortíssimos a ponto de podermos dizer que educar é formar sujeitos éticos tendo em vista a humanização do humano e das relações sociais. A educação é na sua essência um encontro ético entre o eu e o outro. Sem ética é impossível efetivar um projeto de educação libertador e ‘humanizante’.” (TROMBETA, TROMBETA apud STRECK, REDIN, ZITKOSKI, 2010, p.166-8)

90

alienações e reificações inerentes a esse modo de reprodução da existência social na sua

totalidade.

Isto é, em outras palavras, não se trata, nem nunca se tratou, da “ética pela ética”, tão

ao gosto dos moralismos focais e discursos falsamente reformadores, porque “atentos”

somente à superfície das estruturas desiguais do social dividido em classes antagônicas,

preservando-se suas raízes exploratórias do homem pelo homem, a luta de classes.

Trata-se mesmo, o problema ético, não apenas de um problema ético, mas sim parte

constituinte de um problema ontológico histórico-imanente de constituição, no devir, do ser

humano nos caminhos da liberdade e da humanização. Em contraposição a sua domesticação.

Superar na e pela praxis, portanto, o estado de coisas que bloqueia hoje o itinerário

fundamental de constituição do ser mais humano implica, pois, em lutar, teórica e

praticamente, contra o poder e alienações do capital, que encontram no mercado e em sua

falsa “ética” os exemplos mais emblemáticos e onipotentes de uma verdadeira “ditadura”. Em

suas palavras:

[...] as estruturas socioeconômicas atuais são injustas, desumanas e antiéticas porque proíbem o ser humano de se realizar em sua vocação ontológica (grifo nosso). Lutar contra a malvadez do capitalismo e a barbárie econômica que mata milhões de pessoas é um imperativo ético. “O sonho pela humanização, cuja concretização é sempre processo, e sempre devir, passa pela ruptura das amarras reais, concretas de ordem econômica, política, social, ideológica que nos estão condenando à desumanização.” (FREIRE apud TROMBETA, TROMBETA, 2010, p.99)

Enfim, centralmente, e com abrangência a todo o corpo desta dissertação de pesquisa,

registre-se que, para o materialismo histórico e dialético,

[...] tratar de estabelecer o objeto da história implica uma dupla problemática, ontológica e gnosiológica, a uma só vez. Entre os problemas do conhecimento sócio-histórico encontram-se incluídos os relativos à determinação do objeto próprio a esse conhecimento. A construção do objeto (teórico) da história só pode dar-se sobre a base da reconstrução do objeto (real) da história. Por isso, toda teoria do conhecimento – e toda lógica – implica uma ontologia. (LABASTIDA, 1983, p.161)

Ou seja, necessariamente, mesmo que não explicitada em alguns casos, faz-se sempre

presente uma “leitura” ou “concepção” sobre o ser humano e a realidade humano-societária

91

em qualquer teoria do conhecer e do saber, em qualquer lógica, epistemologia ou gnosiologia,

e mesmo em qualquer construção ética.

Daí haver também, sempre, uma primazia da ontologia ou da concepção do humano e

de sua realidade societária perpassando a construção teorética de qualquer arcabouço

categorial ou conceptual, lógico, epistemológico, gnosiológico e mesmo ético que, já agora no

tronco dialético, devem reconstruir em pensamento (teórico) a objetividade (real) da história,

a saber: trata-se do método gnosiológico ou epistemológico marxiano – que também abrange

a construção de uma ética humanista coerente – de talhe ontológico histórico-mundano, de

reconstruir o concreto pensado.

Inclusive, importa registrar, mesmo o tronco positivista de pensamento, que rejeita

abertamente como “não científica” a elaboração de uma coerente concepção ontológica do ser

humano e de sua realidade enquanto totalidade concreta como múltiplas determinações,

também traz em seu bojo, necessariamente, certa concepção de humano e de realidade,

mesmo que conceba o humano enquanto “coisa” e o real, como colcha de retalhos

fragmentária e impossível de ser apreendida em processualidade de totalização histórico-

concreta.

Nesse exato sentido, delineando complexas questões de fundamental importância,

Paulo Freire, refletindo sobre o Papel da Educação na Humanização, considera mesmo ser

impossível a qualquer teoria do conhecer pedagógico (armada como uma lógica cognoscitiva

coerente e sistemática, uma epistemologia ou gnosiologia acerca da potência da razão humana

transformadora, uma ética universal do humano etc.) estar isenta de uma ontologia.

Daí ser igualmente impossível iniciar-se qualquer reflexão científica sobre a

particularidade da educação enquanto fenômeno humano sem, antes, necessariamente, e

mesmo que sumariamente, estabelecer-se certo patamar ou estatuto filosófico sobre o ser e o

ir sendo humano, em sua universalidade, no e com o mundo social e natural ao longo da

história. Em suas palavras:

Não se pode encarar a educação a não ser como um quefazer humano. Quefazer, portanto, que ocorre no tempo e no espaço, entre homens, uns com os outros. Disso resulta que a consideração acerca da educação como um fenômeno humano nos envia a uma análise, ainda que sumária, da realidade, do homem. O que é o homem, qual a sua posição no mundo – são perguntas que temos que fazer no momento mesmo em que nos preocupamos com a educação. Se essa preocupação, em si, implica nas referidas indagações (preocupações também, no fundo), a resposta que a ela dermos encaminhará a educação para uma finalidade humanista ou não. Não pode existir uma teoria pedagógica, que implica em fins e meios da ação educativa, que

92

esteja isenta de um conceito de homem e de mundo. Não há, nesse sentido, uma educação neutra. Se, para uns, o homem é um ser da adaptação ao mundo (tomando-se o mundo não apenas no sentido natural, mas estrutural, histórico-cultural), sua ação educativa, seus métodos, seus objetivos, adequar-se-ão a essa concepção. Se para outros, o homem é um ser de transformação do mundo, seu quefazer educativo segue por outro caminho. Se o encaramos como uma “coisa”, nossa ação educativa se processa em termos mecanicistas, do que resulta uma cada vez maior domesticação do homem. Se o encaramos como pessoa, nosso quefazer será cada vez mais liberador. (FREIRE, 1969, p.123-4)

Eis aí, portanto, em cheio, a ontologia do ser mais de Freire, construída nas trilhas do

estatuto ontológico do ser social de Marx, pautando dialeticamente, de modo sócio-histórico e

materialista, a rica abertura para as dimensões epistemológicas, metodológicas, gnosiológicas

e éticas, de um humanismo radical em direção a uma pedagogia (marxiana) e educação

histórico-críticas; não confundidas, ainda, com a “inculcação” dos valores hegemônicos das

classes dominantes, mas construídas, sim, nos caminhos da emancipação e conscientização

acerca da materialidade desumanizadora de um mundo humano regido pela lógica mercantil

na reprodução simultânea de uma minoria abastada de prepotentes e de uma maioria de

desvalidos.

3.1 NOVA GESTÃO NEOLIBERAL CONSERVADORA E MERCANTILIZAÇÃO DA

EDUCAÇÃO PÚBLICA

Diante do exposto, deve-se refletir, pois, sobre a especificidade da Educação oficial do

Estado político do capital, no atual modo de produção e reprodução societária regido pelo

mercado e sua “ética”, a partir desse preciso enquadramento aventado, ou seja, na direção

contracorrente ao estatuído, a saber, a de uma “pedagogia histórico-crítica” (SAVIANI, 1991)

enquanto Ciência humana particular.

Ciência particular enriquecida, porém, como se viu, por um estatuto filosófico do ser

mais do humano ou do ser social histórico-imanente, no e com o mundo, considerando o

homem como um ser da praxis, devendo-se, assim, realizar a crítica radical às concepções e

práticas de “educar” para competir. De fato, “deseducar” na medida em que domestica o devir

humano com vistas à manutenção de um status quo que engendra um ser menos, isto é, a

reprodução de uma realidade que desumaniza.

93

Nessa perspectiva crítica e desveladora das aparências fenomênicas ou da miragem

superficial da realidade social, Krawczyc e Vieira, ao revelam o caráter mistificador presente

nos discursos ideológicos sobre a “democratização” e a “modernização desenvolvimentista”

da reforma educacional brasileira, engendrada na década de 1990 – conciliada às diretrizes

internacionais neoliberais para “a constituição de uma nova forma de gestão da educação e da

escola, no marco de mudanças regulatórias próprias do novo modelo hegemônico do papel do

Estado” (2008, p.47) –, destacam o domínio de uma tecnocracia gerencialista, operante “com

forte influência do modelo de gestão empresarial” (p.62).

Também, evidencia-se, aí, a íntima e real articulação entre os setores privado e

“público” do capital e, em última instância, revela-se a interação dialética entre o econômico

e o político, este como expressão concentrada do primeiro, forma pela qual os interesses

econômicos dominantes se impõem, forjando uma politicidade a sua imagem e semelhança.

Destarte, em nível mundial, os governos dos Estados capitalistas passam a

institucionalizar políticas “públicas” afinadas, mais e mais, ao modelo de gestão empresarial

que promove a reestruturação dos sistemas educacionais sob um “novo” modelo de

“gerencialismo” (PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS apud BURBULES, TORRES,

2004, p.77), redesenhando, assim, as burocracias educacionais sob influxo das burocracias

empresariais mais “eficientes” e “produtivas” (p.77), hoje não mais taylorizadas, mas

toyotizadas.

Ainda, de acordo com Peters, Marshall e Fitzsimons esse “novo” gerencialismo é

acompanhado por uma “desagregação das grandes burocracias estatais em agências

autônomas”, por meio de “um esclarecimento de objetivos organizacionais e uma separação

entre funções de aconselhamento e implementação de políticas” (apud BURBULES,

TORRES, 2004, p.77).

Essa desagregação envolve, ainda, uma “mudança de controles de insumos para

medidas de resultados quantificáveis e alvos de desempenho a curto prazo, especialmente para

altos executivos e gerentes sêniores” (PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS apud

BURBULES, TORRES, 2004, p.77). E, dessa maneira, prosseguem Peters, Marshall e

Fitzsimons, os sistemas educacionais se redirecionam no sentido do “interesse da chamada

eficiência locativa”, focalista, que progressivamente mercantiliza e privatiza a educação

estatal. Esta, pois, não é mais concebida e praticada como instituição vinculada à ação social,

democrática e republicana, silenciando-se, então, a educação enquanto direito social e

subjetivo em prol de sua mercantilização e redução à “prestação de serviços” educacionais.

94

Esse modelo promove, assim, a “descentralização do controle da gestão do centro para

a instituição individual” por meio de “novas estruturas de responsabilização e financiamento”

(p.75), sendo todas essas fundadas na esfera da administração, razão pela qual acabam por

transformar problemas pedagógicos em falsos problemas de gestão técnico-administrativa.

Consiste mesmo no oposto daquela praxis pedagógica construída nos caminhos da

liberdade inseparável da igualdade, com vistas a desocultar a materialidade das circunstâncias

concretas historicamente construídas, bem como suas relações contraditórias e articuladas por

mediações de classes, explorações e domínios; fenômeno sócio-educativo em interação

enquanto parte dialética de um todo sócio-humano, portanto.

Dessa maneira, Jonathan Boston, citado por Peters, enumera as características dessa

Nova Gestão Pública que caracteriza o capitalismo contemporâneo como um modo

organizacional no qual há

[...] um uso excessivo de contratos escritos; uma ênfase em recompensas e sanções econômicas; uma redução em relações múltiplas de responsabilidade; uma minimização de oportunidades para a discrição ministerial na operação detalhada entre órgãos governamentais; a separação de funções de orientação, execução e fiscalização; a introdução da contabilidade dos ganhos impostos sobre o capital; uma distinção entre os resultados e produtos; um sistema de apropriações baseado na renda e uma ênfase em licitações e terceirizações. (PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS apud BURBULES, TORRES, 2004, p.81)

Ainda, para Peters, essa forma particular de gerencialismo – a Nova Gestão Pública –

assume características compartilhadas historicamente – continuidade descontínua – com as

idéias que fundaram a nova administração do século XVIII24 que, em suas variantes atuais,

agregam alguns aspectos convergentes como, por exemplo, a ênfase na “formulação de

políticas para a gestão” e para o “projeto institucional” (PETERS, MARSHALL,

FITZSIMONS apud BURBULES, TORRES, 2004, p.81).

24 “A Nova Gestão Pública tem uma história que pode ser seguida pelo menos até as idéias dos cameralistas. Hood diz que essas idéias fundaram a nova administração do século XVIII. Suas características comuns subjacentes envolvem: uma orientação ‘de cima para baixo’, uma visão compartilhada de que a parcimônia era a rainha de todas as virtudes na gestão pública; uma predileção por determinadas formas de organização; uma supremacia construída menos na produção de conclusões tiradas de ‘dados reais’ em máximas seguidas de razões e exemplos persuasivos. Hood sugere que a maioria dessas características é compartilhada pelo equivalente atual do cameralismo – a Nova Gestão Pública.” (PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS apud BURBULES, TORRES, 2004, p.81).

95

Baseadas no deslocamento dos “controles do processo para controles do produto”,

assim como no direcionamento do “sistema estatal para o subsidiário” (PETERS,

MARSHALL, FITZSIMONS apud BURBULES, TORRES, 2004, p.81). Ou seja, num marco

maior, esse processo consiste no desmonte da concepção e prática (onde existiu) de um

“Estado de bem estar social” (Welfare state keynesiano) para um Estado neoliberal, “de mal

estar social”, seletivamente “mínimo” para as classes trabalhadoras, mas sempre atento aos

interesses exclusivos do capital.

Desse modo, prosseguindo com Peters, esse “novo” gerencialismo destaca questões

como os padrões profissionais, metas, prêmios etc., ou seja, “forja uma noção de gestão

pública que não se difere substancialmente da gestão do setor privado empresarial”, e que,

portanto, configura-se num dos “principais elementos numa mudança para um discurso

neoliberal das políticas educacionais” (PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS apud

BURBULES, TORRES, 2004, p.82).

Assim, se na época de predomínio da organização industrial taylorista no mundo do

trabalho, correlata ao período de predomínio do Estado de “bem-estar social” pós-Segunda

Guerra Mundial (1939-1945), garantiam-se ainda – ou mesmo sustentavam-se

discursivamente na retórica oficial das classes dominantes – certos direitos sociais

conquistados às elites pela luta dos trabalhadores assalariados.

Hoje, porém, após a reestruturação das unidades do capital pelo mundo com a dita

globalização da produção de mercadorias e com o emergir do toyotismo e das revoluções

tecnológicas e científicas que intensificam esse processo, o cenário de um Estado de bem estar

público encontra-se em franco desmoronamento e desmonte neoconservador, simultâneo,

como se verá, a uma montagem e ajustamento do Estado ao mercado.

Vive-se num mundo capitalista de expressão neoliberal cada vez mais gerencialista e

tecnocrata, que se faz – com trágicos resultados à luta pelo ser mais humano – cada vez mais

destrutivo em relação ao trabalho social e ao meio ambiente. Inclusive, importa fixar, são

insustentáveis para a manutenção da vida humana essas duas tendências históricas, a saber; a

destrutividade cada vez maior no mundo do trabalho “flexibilizado” e a destruição ambiental

do próprio planeta.

Nesse cenário adverso às classes trabalhadoras de todo mundo, segundo Yeatman

(PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS apud BURBULES, TORRES, 2004, p.83), “o que

está em jogo não é tanto a ética e a prática da gestão como a cultura e a estrutura da

96

governança25”, mas sim “a forma de dominação justificada por uma estrutura de autoridade

que, por sua vez, se legitima pela autoridade legal-racional” (p.83), isto é, a razão burocrática

– impessoal, gerencialista, tecnocrática, hierárquica e obediente ao estatuído normativamente.

Trata-se, pois, da dominação legal-racional que encontra na burocracia estatal seu

exemplo típico e clássico, com um quadro administrativo no qual rege e impera a obediência

ao “estatuído”, ao superior hierárquico, articulada com a “legitimidade” dessa estrutura de

poder burocrático procurada, pelas estratégias dos poderosos com vistas à manutenção da

dominação, numa crença que permita aos subordinados aceitarem sua submissão.

Não se trata, assim, somente, de um ato de força, violência ou imposição, mas também

de convencimento acerca da “legitimidade” ou do “consenso” atingido por esse tipo de

exercício do poder e dominação dos comportamentos e mentalidades dos dominados.

Daí, conforme se viu acima, a importância da “contestação” da própria razão de ser da

educação nesse aspecto mais geral, ou seja, no trabalho de crítica à “inculcação”, efetuada

também pela escolarização, dos valores dominantes como se fossem de interesse de “toda” a

sociedade, supostamente sendo esta um todo harmônico ou funcional.

Para esse autor, aliás, o neoliberalismo concebe e tenta impor outro “modelo

contratual” entre os Estados e os cidadãos, politicamente refazendo o dito “pacto social”, de

modo a estabelecer uma relação desagregada e individualizada de governo; diferentemente,

então, da noção coletivista de contrato social democrático e republicano que o concebia como

“legítimo” de acordo seu comprometimento com a cidadania ativa.

Essa “nova” política “pública” educacional, bem com as teorias administrativas e

gerencialistas que a acompanham ideologicamente, de cunho hoje toyotista, pré-configura

mesmo as “escolhas ofertadas” como se fossem do âmbito da “liberdade de opção” dos

sujeitos a que se destina, evocando-os, retórica e manipulatoriamente, como “cidadãos

autônomos”, de fato, cidadãos consumidores, não cidadãos, portanto. E tudo isso com base

em certo “princípio de legitimidade” que se estrutura a partir de uma forma de racionalidade

técnico-mercantil, de fato, a razão do poder e do mercado a ele vinculado.

Em outras palavras, trata-se da comprovação, na processualidade histórica objetiva do

mundo do trabalho em processo de precarização, da mercantilização da totalidade das

25 Com o termo governança, Yeatman quer significar a “cultura e a estrutura da relação entre aquilo que Max Weber chamou de dominação legítima e aqueles que estão sujeitos a ela” (PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS apud BURBULES, TORRES, 2004, p.83).

97

relações sociais. Assim, o setor “público” se aproxima do setor privado26 no que diz respeito,

principalmente, à organização pragmático-burocrática da vida no trabalho, de modo a limitar

certos comportamentos e a promover outros, sempre de forma seletiva, já que nunca há

organização neutra ou a serviço de todos.

Dessa maneira, com fecunda repercussão na esfera da “introjeção” do opressor na

consciência do oprimido, mesmo a identidade, a pessoalidade ou a subjetividade das pessoas é

socialmente constituída de forma alheada ou estranhada de suas próprias necessidades reais e

expectativas humanas concretas e, assim sendo, é guiada por “verdades” não condizentes com

seu autêntico “eu” que perpassam a economia capitalista. Uma vez que esta só visa, tão-só, à

auto-expansão ampliada, repleta e reprodutora de alienações e intensificadora do fetichismo e

da reificação das consciências individuais.

Tudo é subsumido, o que reduz o ser humano a um ser menos, à suposta “ética”

vitoriosa do mercado, o grande formador das individualidades contemporâneas.

Portanto, revelando-se toda a carga de manipulação com que se opera o poder da

ideologia e a prática das elites dominantes nacionais articuladas com suas congêneres

internacionais na reprodução do sistema mundial do capital, a “subjetividade do indivíduo se

torna a chave do pensamento, da prática e das teorias neoliberais”.

Conseqüentemente, deve-se perceber e registrar, “as escolhas das pessoas não são tão

autônomas, uma vez que moldadas pela racionalidade de mercado” (PETERS, MARSHALL,

FITZSIMONS apud BURBULES, TORRES, 2004, p.84).

E isso se dá uma vez que não há indivíduos átomos, não há “eu” que não um “eu

social”, ou ilhas, apartados da sociedade pela qual, necessariamente, se individualizam,

perpassados pelas clivagens entre classes sociais em luta.

Registre-se, por ora, que esse tipo de política individualista e subjetivista, abstrata, que

promove a desconcentração do poder, efetivou-se historicamente no Brasil com os Parâmetros

Curriculares Nacionais, descentralizando-se o controle da gestão educacional do centro para

as instâncias regionais de poder, de forma a engendrar “um ‘novo’ tipo de contratualismo –

freqüentemente chamado de doutrina de autogestão –, juntamente com novas estruturas de

26 “Scott aponta que os acordos de governança podem ser classificados em simples acordos de compra e venda, acordos bilaterais (por exemplo com joint ventures), e acordos trilaterais em que terceiros são envolvidos em processos de arbitragem e integração vertical, na qual os custos de transações são reduzidos, constituindo-se uma firma. Ele também alega que, enquanto a análise institucional do setor público (por exemplo, selecionar estruturas de governança que minimizem os custos de transações) está fundamentalmente preocupada com as mesmas questões que o setor privado, as verdadeiras questões do setor público são diferentes dos daquele setor. Enquanto no setor privado as firmas podem falir, isso não pode ser permitido em estruturas de governo, mesmo sob condições de mercado.” (PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS apud BURBULES, TORRES, 2004, p.83)

98

responsabilização e financiamento” (PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS apud

BURBULES, TORRES, 2004, p.77).

Note-se, aqui, que não se deve confundir tal “doutrina” de autogestão –

substancialmente mistificadora do real porque reprodutora da embriaguez necessária à

manutenção do sistema – com a construção histórica, através das lutas anticapitalistas dos “de

baixo”, dos movimentos sociais ou sindicais das organizações auto-gestionários.

Organizações essas contrapostos às burocracias do Estado capitalista, na medida em

que se embateram, e hoje ainda se embatem, por uma maior horizontalidade na tomada de

decisões, no controle do conjunto dos recursos estatais ou do fundo público, em direção à

estruturação de relações humanas livres e igualitárias.

Entretanto, tal conservadorismo do movimento neoliberal, hegemônico na educação

pública formal, acaba por promover, então, a mudança no controle de insumos por meio de

“resultados quantificáveis e alvos de desempenho, juntamente com uma ênfase a contratos de

desempenho a curto prazo” (PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS apud BURBULES,

TORRES, 2004, p.77).

Nítida, pois, a umbilical vinculação entre a educação como fenômeno atrelado à

totalidade capitalista; ou seja, se nesta prevalece o “controle de qualidade” produtivista e

toyotista das mercadorias (materiais e imateriais), com vistas ao lucro e à acumulação

concentracionária de capital e riquezas, necessária e dialeticamente, a particularidade da

educação acompanha tal tendência histórico-global, promovendo – mediante sua

especificidade como momento do todo na reprodução do sistema social – o “controle de

qualidade” do resultado do trabalho docente por meio da produção de um conhecimento

padronizado e homogeneizado tal qual uma mercadoria.

Consiste, assim, em um saber determinado e produzido pela lógica da produção do

conhecimento como mercadoria escolar, continuamente mensurado pelas avaliações oficiais

pautadas numa pedagogia de resultados, fomentadora de uma escolarização para as

competências e habilidades para o mercado.

Desse modo, intensifica-se a mercantilização da educação pública por meio de uma

lógica de “eficiência locativa produtivista” perspectivada na “adoção de uma administração

gerencial” baseada, a sua vez, na “admissão funcional via critérios de mérito, a existência de

uma carreira e de um sistema estruturado e universal de salários, a avaliação de desempenho e

o treinamento dos profissionais” (ADRIÃO, 2006, p.45).

99

Emerge, então, do discurso político-educativo neoliberal enquanto estratégia política

de reforma cultural, o que Daniel Suárez denomina de “princípio educativo da Nova Direita”

(SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.253).

Nova Direita que, em sua praxis hegemônica de poder econômico político, constrói e

promove no plano teórico, em nível de consciência, ligada e condicionada pelos estreitos

interesses da classe burguesa, “um novo ordenamento ético e político de escolaridade das

maiorias” subalternas.

E isso com um fim ideológico preciso, a saber:

[...] [deslocar] os conteúdos culturais e políticos implicados nas noções modernas de “cidadania”, “bem comum”, “democracia” e “educação pública” para outros produzidos no “quadro do mercado do livre consumo”, trazendo sérias conseqüências à estruturação do currículo e à possibilidade de se construir uma escola democrática e igualitária. (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.253)

Em um sentido mais amplo, essas “políticas de ajuste passaram a estar contra as

maiorias (grifo nosso). E se o sistema político está controlado, sem condições de ser a arena

pública da disputa e dos conflitos, da negociação, compromete-se o próprio sistema político e

a democracia” (BAVA, 2011, p.3).

Por ora, cumpre notar o explicitamente e a apreensão do fenômeno sócio-histórico

presente no qual a arena “pública” eleitoral passa a, periodicamente, instituir Governos em

nome do Estado dito democrático de direito e, em última instância, busca sua “legitimação” e

“razão de ser” na proteção da chamada “soberania popular”, isto é, do “povo”.

Ocorre que, em realidade, o que se constata na prática é um quadro de ajustamento do

Estado e da Educação por ele engendrada no sentido oposto daquele que supostamente

encontraria sua razão de ser ou “legitimidade”. Isto é, seu caráter de ser “em nome” do povo

e, simultaneamente, “agir contra” os interesses populares confirma-se pelo conjunto de

políticas neoconservadoras liberais de “ajustes” contra as maiorias subalternas da população.

Esse movimento também já chamado de “modernização conservadora” acarreta uma

prática burocrática perversa porque vinculada à retórica da “qualidade e da eficiência

educacional”, mistificando sobre a função social e pedagógica da escola pública na medida

em que a transforma em “estratégias dos donos do poder que legitimam e difundem uma

seleção particular de conhecimentos, conceitos e valores próprios como se fossem os únicos,

ou, pelo menos, os melhores” (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.253).

100

Esse “novo” enquadramento político econômico da escola pública forja, além disso,

mecanismos que progressivamente dissolvem determinados e específicos tipos de

racionalidades e mundo visões.

[Atacam as] representações ancoradas no imaginário social acerca das vantagens conquistadas, após anos de luta, pela democratização da vida social e política, e construída historicamente em detrimento do interesse individualista, da competição selvagem e do lucro indiscriminado prometidos pelo mercado entregue à sua própria legalidade, ou seja, sem ajustamento e controles públicos. (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.253)

“Nova” ofensiva que já dura ao menos há trinta anos, entre finais do século XX e

início deste, sendo uma expressão da crise estrutural do capital na medida em que é resposta

político-econômica das elites do poder a ela, não importando a essas o teor humano da

deterioração das condições do mundo do trabalho. Ideologicamente colocou-se no horizonte

da humanidade, de forma “fatal” e “inevitável”, a submissão cega ao deus mercado, fetiche

todo poderoso que dissolve a política pautada na ética pública a substituí-la por sua própria

política “apolítica”, supostamente “neutra” e ancorada na ética duvidosamente livre do

mercado.

O horizonte da ofensiva neoliberal é, então, substituir a legitimidade e o consenso edificados sobre estes significados por outro consenso e outra legitimidade, que incorporem como centrais (e talvez únicos) os valores próprios da empresa, da competitividade, da mensurabilidade e do lucro. Torna-se imperativo substituir a ética pública, cunhada coletivamente pelo combate cívico e democrático, por uma ética do livre mercado, importada sem mediações do mundo empresarial e que supõe a supressão da política. (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.255)

Logo, é nesse preciso contexto de uma ofensiva de décadas do neoliberalismo

conservador por todo o mundo que se compreende, já na particularidade do campo

educacional, as razões e direções do ataque à noção e prática de bem público e fundo público,

direito dos povos ou direito social e subjetivo de toda a população.

Nesse sentido se compreende porque a educação pública é mercantilizada e acaba por

agregar em sua retórica oficial, hegemonicamente, “princípios da liberdade e da escolha” –

discurso oficial que nunca deve ser tomado no imediato de aparência enganadora e

fenomênica, já que as razões do poder não são nunca tão ingênuas quanto querem fazer

parecer e se impor.

101

Esses princípios ligam-se às “políticas governamentais e teorias econômicas mais

amplas” e, assim, interessadamente, intentam moldar “a subjetividade das pessoas, em forma

de prática educativa e pedagógica, para que essas aceitem certas ‘verdades’” sobre si mesmas

e seus papéis institucionais (PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS apud BURBULES,

TORRES, 2004, p.85).

O sistema social atua, pois, com alto grau de manipulação e sofisticação

manipulatória, sobretudo em sua fase toyotista que, como vimos, visa mesmo à captura da

mais íntima subjetividade do trabalhador, alheado de seu próprio “eu social” – ou a

possibilidade de sua individualidade autêntica – que, já agora, deve se subsumir cegamente

aos ditames heterônomos do capital em procura de lucro e incontrolável expansão.

Esse processo de “modernização conservadora”27, forjado sob o ethos neoliberal e suas

doutrinas do “livre” mercado, possui uma dupla lógica em sua ação objetiva, conforme se

constata de seu movimento real.

Isso porque é tanto destrutivo em relação aos valores e práticas da “ineficiente” esfera

pública que quer destruir, quanto produtivo e positivo naquilo que quer estabelecer como

projeto de poder para os donos do poder. Destrutivo, de um lado, porque se empenha em

[...] corroer e deslegitimizar certos padrões culturais, axiológicos e de conduta social, assim como em desqualificar e marginalizar os agentes sociais que possuem e fazem uso político deles. Produtiva [a modernização conservadora] porque supõe a criação, difusão e aceitação generalizada de um novo senso comum, mesmo quando, no processo de construção hegemônica, incorpora e dá novo significado aos conteúdos fragmentários do velho e coopte alguns dos sentidos e interesses dos atores sociais vinculados a ele. (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.257)

Nesse contexto histórico presente, o que se observa é uma Educação oficial a serviço

do poder e do mercado a ele atrelado, consistindo, pois, em um processo social de

individuação dos escolarizados à subordinação estrutural na sociedade de classes, matrizada

pela lógica mercantil das relações humanas e pela produção, simultânea e contraditória, de

uma minoria proprietária abastados e de uma maioria de subalternos.

27 Daniel Suárez denomina modernização conservadora “a combinação de elementos neoconservadores e neoliberais dos projetos políticos concebidos e realizados pela coalizão de direita dominante em quase todos os países capitalistas. Resumindo, eles pretenderiam ‘liberar’ os sujeitos para que possam desenvolver propósitos econômicos no quadro do livre mercado e simultaneamente controlá-los para inibir o desenvolvimento de propósitos sociais, culturais e políticos. A conseqüência desta estranha articulação seria o enfraquecimento do Estado em certas áreas (por exemplo, nas políticas de promoção social e educacional), e seu fortalecimento em outras (sobretudo nas vinculadas com o controle e disciplinamento social). Além disso, o termo é adequado para manifestar o caráter transformador e criativo, e não só restaurador e conservador, das políticas culturais da Nova Direita” (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.256).

102

Escolariza-se o conjunto das classes trabalhadoras, assim, à subordinação mediante

uma heteronomia cultural, operando-se a escolarização ideológica, lado a lado, com a

intensificação das desigualdades sociais e a intensificação dos fetiches que “naturalizam”

esses abismos sociais.

Para tanto, promovem-se situações que (re) produzem certa sensação de “opção sobre

alternativas cujas características não escolhem” (PETERS, MARSHALL, FITZSIMONS

apud BURBULES, TORRES, 2004, p.86) e, concomitantemente, “transferem novas

responsabilidades para as instituições escolares” (TORRES SANTOMÉ apud LINHARES,

2001, p.21). Isso de modo a encarregar a escola de um número maior de funções, mas, no

entanto, “sem o acompanhamento dos fundos econômicos necessários para enfrentar tais

encargos” (p.21).

Desse modo, em decorrência da constante exigência dos organismos internacionais de

crédito e de cooperação internacional, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário

Internacional, o CEPAL e outras personificações dos donos do poder – que “não se cansam de

exigir dos governos de todos os países de nosso entorno que levem adiante cortes nos recursos

financeiros destinados aos serviços públicos, ou seja, à educação e à saúde” (TORRES

SANTOMÉ apud LINHARES, 2001, p.21) –, a escola aparece como a responsável exclusiva

diante dos novos encargos. A Escola pública “ineficiente”, então, passa a ser demonizada

perante à opinião pública que, de pública, tem pouco –, uma vez que é fabricada por meios de

comunicações privados atrelados à hegemonia das classes proprietárias e grupos dirigentes.

Conseqüentemente, o Estado se torna, de maneira gradativa e totalizante, cada vez

mais invisível em sua responsabilidade social universalista, republicana e substancialmente

democrática, o que é uma das características típicas do projeto de Estado “mínimo”

neoliberal, focalista e fragmentário, não preocupado com a materialidade concreta do social e

do chão das escolas. Trata-se, pois, de um Estado de “mal estar social”.

Nesse passo, o Estado se arma de mecanismos de controle por meio de estratégias

práticas de constituição ideológica, abstrata e simbólica, do real, do desejado e do benigno.

Imposição ideológica que não apenas sustenta uma determinada ordem de coisas, mas, além

disso, “nega a existência mesma de outras ‘realidades’, de outras possibilidades de representar

o mundo, seus objetos e relações” (Cf.: GENTILI, 1995, p.257). Impõe-se, então, um

“pensamento único” a serviço do status quo.

Dessa forma, essas “novas” políticas “públicas” de ajustes conservadores forjam não

apenas um clima ideológico de responsabilização exclusiva dos próprios indivíduos, os quais

devem buscar por sua conta e risco a almejada empregabilidade, como também culpabilizam

103

os sistemas escolares públicos em geral por sua alegada “incompetência técnica” em formar a

mão de obra para o todo poderoso “mercado”.

Surge daí, em resumo, uma concepção conservadora de “qualidade” no campo

educacional correlacionada, estreitamente, ao toyotismo oriundo do campo produtivo do

capital na segunda metade do século XX. Donde emergir um “duplo processo de

transposição”, a saber:

A primeira dimensão deste processo remete ao mencionado deslocamento do problema da democratização ao da qualidade; a segunda, à transferência dos conteúdos que caracterizam a discussão da qualidade no campo produtivo-empresarial para o campo das políticas educacionais e para a análise dos processos pedagógicos. (GENTILI, SILVA, 2001, p.116)

Nesse sentido, perspectiva-se sob a lógica e prática mercantis um conceito de

“qualidade educacional” que se “impôs rapidamente como senso comum nas burocracias,

entre intelectuais e – mais dramaticamente – em um número nada desprezível daqueles que

sofreram e sofrem as conseqüências do êxito destas políticas conservadoras: os professores,

pais e alunos” (GENTILI, 2001, p.116).

Nesse cenário, os governos estaduais brasileiros, principalmente no estado de São

Paulo, “plano piloto” das elites brasileiras, concretizam progressivamente intervenções nas

escolas públicas – principalmente naquelas do nível básico, ou seja, Ciclo I, Ciclo II e Ensino

Médio –, baseadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), responsáveis pela

reestruturação neoliberal da educação formal pública.

Essas políticas ditas “públicas”, assim, fortaleceram-se no Brasil a partir dos anos

1990, apesar do neoliberalismo no cenário externo, com a vitória do “bloco de poder”28 e seu

28 Para Francisco de Oliveira (1996), esse bloco de poder se constituiu “predominantemente” pela “burguesia paulista e grupos que reiteram velhas oligarquias do Nordeste, Norte e Sul”. Para este autor, “esta simbiose tipifica, ao longo de nossa história, uma burguesia bastarda, vanguarda do atraso [...] excludente. É ela que impede as reformas estruturais que interessam às classes populares, como a Reforma Agrária, e que mantém uma das mais perversas distribuições de renda do mundo” (apud FRIGOTTO, 2001a, p.61). Esse autor, em tentativa de síntese das características retrógradas e autocráticas da estrutura social, econômica, política e cultural brasileira, utiliza-se da imagem de um ornitorrinco, um mostrengo biológico exótico porque um mamífero que põe ovos: “O ornitorrinco capitalista é uma acumulação truncada e uma sociedade desigualitária sem remissão” (OLIVEIRA, 2008, p.150). Isso porque, no Brasil, país de extração colonial, antiga colônia da metrópole portuguesa, o capitalismo e sua burguesia se põem de maneira hiper-retardatária em relação às burguesias francesa e inglesa e mesmo alemã, por exemplo. Aqui, no dizer de Tragtenberg, “a evolução do capitalismo não foi precedida pelas realizações da cidadania e da comunidade democrática. A burguesia industrial se ligou à antiga classe dominante por meio do processo de conciliação; isso explica o fato de que a Revolução Democrático-Burguesa no país ser uma flor exótica, e a via colonial do desenvolvimento capitalista ter permeado nossa formação econômico-social” (2009, p.185).

104

“projeto profundamente conservador centrado na ditadura do grande capital e da ideologia

neoliberal do mercado autodeterminado” (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.60).

Desde então, registre-se, esse projeto conservador neoliberal promove a

“mercantilização da educação”, intensificada com a ingerência de normas de uma “nova”

gestão tecnocrática e gerencialista que induz uma prática educativa burocratizada nas escolas.

Fundamentando-se, ainda, em estratégias organizacionais pragmáticas advindas da lógica

mercantil do campo da administração privada, empresarial.

Diferindo-se, portanto, daquele ideário e prática de uma escola pública com qualidade

social, gratuita, unitária, laica, universalista e baseada na institucionalização da auto-gestão

democrática, defendido pelos movimentos sociais na década de 1980 e que, por conta de suas

lutas, foram positivados no artigo 206 da Constituição Federal de 1988, por exemplo.

Um direito abstratamente positivado em Lei, pois, mesmo que se trate da mais

importante delas, a Constitucional Federal, sem a suficiente base social constituída pelas

classes trabalhadoras em seus partidos, sindicatos etc., em luta, não pôde reverter e sequer

barrar a desertificação neoliberal do Brasil. O que não deve ser nunca explicado a partir do

ponto de vista meramente jurídico e legal, tendo mesmo raízes sócio-econômicas e políticas

profundas, históricas e, nomeadamente, materiais e de classes.

Nesse contexto, a partir dos anos 1990 se implantou, justificando o nome da década de

“desertificação social e política neoliberal” (ANTUNES, 2004c, p. 3), um projeto de ajustes

que alterou profundamente a estrutura do Estado brasileiro. Assim, “quanto mais se

desestruturava e se fragilizava internamente o país, mais ele se tornava dependente do cassino

financeiro internacional [...] Deslanchava, então, o processo de desregulamentação do

trabalho, coerente com a flexibilização produtiva, a reengenharia, a lean production, este

ideário e esta pragmática que quanto mais beneficia os capitais, mais destrói ou precariza os

homens e mulheres que vivem do trabalho” (ANTUNES, 2004c, p. 38).

Esse foi direcionado aos interesses do grande capital internacional, em detrimento das

forças sociais progressistas em luta contra a ditadura civil-militar na década de 1980, as quais,

contrariamente ao conservadorismo neoliberal, primavam pelo:

[...] fortalecimento dos processos constitutivos da cidadania e democracia ativas, cujo eixo fundamental se estruturava na configuração da ampliação da esfera pública – espaço específico e condições necessárias dos direitos sociais – com intenso controle pela sociedade civil. (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.59)

105

Tais “reformas” e “ajustes”, portanto, foram claramente subordinadas à nova (des)

ordem mundial e aos processos de globalização financeira associados a “políticas neoliberais”

que promovem, mundialmente, “desagregação e exclusão social” (FRIGOTTO apud

LINHARES, 2001, p.61).

Desagregação e exclusão social de políticas do Estado centradas, principalmente, em

discursos tal qual o do “fim” dos antagonismos entre as classes sociais, o do “fim da história”,

a fim de “naturalizar” a “exclusão de uma parcela da sociedade, por sua incompetência de

fazer escolhas adequadas e de competir” (p.62) vitoriosamente. Desse modo,

[...] as reformas neoliberais, ao longo do governo Fernando Henrique, aprofundaram a opção pela modernização e dependência mediante projeto ortodoxo de caráter monetarista e financista/rentista. Em nome do ajuste, privatizaram a nação, desapropriaram o seu patrimônio (PETRAS, VELTMEYER, 2001), desmontaram a face social do Estado e ampliaram a sua face que se constituía como garantia do capital. Seu fundamento é o liberalismo conservador redutor da sociedade a um conjunto de consumidores. Por isso, o indivíduo não está mais referido à sociedade, mas ao mercado. A educação não é mais é direito social e subjetivo, mas um serviço mercantil. (FRIGOTTO, 2011b, p.240)

Reduz-se, pois, a cidadania à ilusão do consumo e do consumidor “soberano” e “livre”

para escolher suas mercadorias e, simultaneamente, a educação é rebaixada a um serviço

mercantil, com vistas a omitir e ocultar que se trata de direito social e subjetivo não passível

de mercantilização.

Além do que, com sua retórica neoconservadora, o neoliberalismo promove também o

acobertamento do “desemprego endêmico” ou estrutural com a difusão da idéia de defasagem

da estrutura produtiva (FRIGOTTO, 2011b, p.240), advinda da falta de mão-de-obra

especializada e devidamente preparada pela Escola.

Essas reformas educacionais que reduziram a educação a serviço mercantil, em

consonância às “leis da competitividade do mercado mundial e da globalização” financeira,

operam por meio de três estratégias concomitantes, a saber: a desregulamentação, a

descentralização e a privatização.

Assim, legitimam o “mercado como árbitro fundamental na regulação das relações

econômicas, sociais, culturais e educacionais” (FRIGOTTO, 2011b, p.240), de forma que as

estratégias adotadas pelas políticas educacionais são “claramente definidas por esse bloco de

poder” (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.64) hegemônico.

106

O Estado assume, então, as metas das diretrizes político-administrativas pedagógicas

dos organismos internacionais e suas prioridades, tanto na organização quanto nos conteúdos

da educação básica dita “pública”. Vê-se aí que, como suas dimensões se encontram

dialeticamente articuladas, são inseparáveis, portanto, as relações entre o político e o

econômico, entre o setor dito público em interação e simbiose com o setor dito privado.

Dessa maneira, oficializa-se no Brasil, em um processo histórico de amplas

conseqüências na materialidade social, uma “educação produtivista e mercantilista”

(LINHARES, 2001, p.64). Essa, então, passa a ter o papel principal de

[...] desenvolver habilidades de conhecimento, de valores e atitudes e de gestão de qualidade, definidas no mercado de trabalho, objetivando formar em cada indivíduo um banco de reserva de competências e habilidades técnicas, cognitivas e de gestão que lhe assegure empregabilidade. (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.64)

Por conseguinte, tendo esse pano de fundo presente, teve-se a concretização do

modelo educacional gerencialista produtivista no Brasil com a regulamentação da Lei de

Diretrizes e Bases (LDB), por meio da elaboração, de cima para baixo, dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs) e da adoção de um Sistema Nacional de Avaliação.

A atual LDB – Lei nº 9.694/96 – barrou, então, o projeto original defendido pelo

senador Darcy Ribeiro e outros representantes das forças democráticas e progressistas,

emergentes das discussões da Constituinte de 1988, fruto da transição entre uma ditadura

civil-militar para uma de mercado, mesmo que com roupagens de democracia formal e

cidadania abstrata.

Esse primeiro projeto, infelizmente derrotado, vinculava-se à luta das classes

populares e pleiteava, então, a articulação de “um projeto societário29” com “mecanismos de

democracia e cidadania efetivas”, capazes de viabilizar “o acesso aos bens econômicos e

culturais às maiorias excluídas” (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.66).

Haja vista ter-se forjado tal proposta a partir de ampla luta e discussão com

movimentos sociais, organizações culturais, educacionais e sindicais em um contexto

histórico de “abertura” do regime militar em direção a um constitucionalismo de

“conciliação” nacional por alto, “capitulado” pela dita “ética” do mercado nos anos 1990.

29 “Ou seja, um projeto calcado na idéia de autonomia dos povos, de desenvolvimento ‘sustentável’ e de relações econômicas, políticas e culturais solidárias no plano nacional e internacional.” (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.66).

107

Nesse itinerário histórico brasileiro articulado com o neoliberalismo em todo mundo,

de acordo com Frigotto, esse projeto original tramitou por cerca de dez anos na Câmara de

Deputados, que o rejeitou e o transformou – em convergência às forças ligadas ao bloco do

poder conservador-neoliberal durante o governo Fernando Henrique Cardoso, em um “texto

minimalista” (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.63).

Portanto, “a LDB minimalista é coerente com a tese do Estado mínimo30 e com os

elementos de ajuste estrutural neoliberal” (DEL PINO apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002,

p.78), condensando-se em um “projeto de reforma estrutural” já posto em pauta à época pelo

poder central, por intermédio de Medidas Provisórias e Projetos-Lei no campo educacional.

Nessa perspectiva neoconservadora, o texto legal aprovado se relacionava com a

“ideologia da desregulamentação, flexibilização e privatização” (SAVIANI apud

FRIGOTTO, 2003, p.65), encampando categorias como a toyotista “qualidade total, formação

abstrata e polivalente, flexibilidade, participação, autonomia e descentralização”. Todas elas

forjaram “uma atomização e fragmentação do sistema educacional e do processo de

conhecimento escolar” (FRIGOTTO, 2003, p.79).

Bem diferente, pois, daquela educação perspectivada pela construção da cidadania

ativa, que somente pode ser assegurada “dentro de uma esfera pública democrática no

conteúdo, na forma e no método” (OLIVEIRA apud LINHARES, 2001, p.66), de modo a

reconhecer a “educação escolar como ‘direito social’ individual e coletivo” (FRIGOTTO

apud LINHARES, 2001, p.66), e não serviço mercantil.

Nesse sentido, o discurso educacional brasileiro “outorga, teoricamente, maior

autonomia ao professorado para a organização curricular” (TORRES SANTOMÉ apud

LINHARES, 2001, p.22), mas, entretanto, impõe-lhe controles que restringem as

possibilidades reais para que o

[...] professorado tenha condições de reunir-se para analisar a vida escolar; os projetos curriculares da escola e da sala de aula; para elaborar estratégias e planos de ação capazes de reconduzir àquelas situações sobre as quais considera urgente incidir. (TORRES SANTOMÉ apud LINHARES, 2001, p.23)

30 “A idéia-força do ideário neoliberal é a de que o setor público (o Estado) é o responsável pela crise de ineficiência, pelo privilégio, e que o mercado e o privado são sinônimos de eficiência, qualidade e eqüidade. Desta idéia advém a tese do Estado Mínimo e da necessidade de zerar todas as conquistas sociais, como direitos à estabilidade de emprego, o direito à saúde, educação, transporte públicos, etc. Tudo isto passa a ser comprado e regido pela férrea lógica das leis do mercado. Na realidade, a idéia de Estado Mínimo significa o Estado suficiente e necessário unicamente para os interesses da reprodução do capital.” (FRIGOTTO, 2003, p.83)

108

Dessa maneira, o projeto educacional em torno da defesa da escola pública com auto-

gestão democrática de caráter gratuito, laico, universal e único foi derrotado, historicamente,

pelas forças do poder conservador-neoliberal presentes no interior do Congresso Nacional.

Em completa sintonia com “o pensamento único” que se estabeleceu, em nível mundial, a

partir da fase de hegemonia neoliberal do capitalismo contemporâneo.

No plano teórico e filosófico, então, a perspectiva neoliberal adotada pelo Estado

brasileiro para a educação pública – opção política da elite contra a maioria da população –, é

“regulada pelo caráter unidimensional do mercado”, constituindo-se esse em verdadeiro

“sujeito educador” da atual contemporaneidade capitalista (FRIGOTTO, 2003, p.85).

Como resultado, tem-se uma educação utilitarista e imediatista, construída sobre uma

“concepção fragmentária do conhecimento, concebido como um dado, uma mercadoria e não

como uma construção, um processo” (FRIGOTTO, 2003, p.85).

Por essas razões, a concepção de educação emancipatória foi submetida a um rolo

compressor que a desmantelou e silenciou, restando, apenas, uma educação reduzida aos

egoísticos interesses dominantes em que se trata o alunado, sobretudo aquele oriundo das

classes trabalhadoras mais pobres, como “depósitos”.

Depósitos a serem preenchidos com “faixas mínimas” de “habilidades” e

“competências”, obviamente interessantes à empregabilidade, sempre seletivamente,

referenciada no mercado.

Nesse processo, “desintegra-se a promessa integradora e a função econômica atribuída

à escola passa a ser a empregabilidade, o que significa uma nem sempre declarada ênfase à

formação para o desemprego” (FRIGOTTO, 1998, p.17).

Há, pois, uma diluição do papel de “integração” social à produção dominante que um

dia se atribuiu à escola “redentora”, na medida em que, com o advento do desemprego

estrutural do capitalismo real em crise, a escola não consegue mais minimamente “atenuar” as

crescentes formas de subemprego, empregos informais etc.

É nesse exato deslocamento histórico entre eixos educacionais em que ocorreu a

metamorfose neoliberal conservadora do Estado, que passa a garantir apenas um patamar

mínimo do fundo público à educação formal, já que esta se destina aos mais pobres, embora

esteja subsumida à lógica mercantil que reproduz as desigualdades sociais e a pobreza.

Enfim, a educação transitou, portanto, “da política pública para a assistência ou

filantropia ou, como situa o Banco Mundial, [transformou-se em] uma estratégia de alívio da

pobreza” (LEHER apud FRIGOTTO, 1998, p.15).

109

E, nesse exato sentido, desloca-se a responsabilidade social do Estado com a educação

das classes trabalhadoras para o plano individual, dimensão redutora na qual as pessoas

(“consumidores”) são isoladamente concebidas como agentes de mercado. Assim, “devem

adquirir competências e habilidades no campo cognitivo, técnico, de gestão e atitudes para se

tornarem competitivas e empregáveis” (FRIGOTTO, 1998, p.15). Tudo isto de modo a se

adequarem à empregabilidade exigida pela crescente competitividade e reestruturação

produtiva do mercado de trabalho.

Por conseguinte, a educação brasileira contemporânea, em consonância com a “diretriz

mercantilista” da sociedade do capital mundializado, rompe com a “perspectiva formativa” na

direção de outra, a de “treinamento” (FRIGOTTO, 1998, p.15). E, assim sendo, configura-se

em “uma regressão e exacerbação do dualismo31 tecnicismo e fragmentação que não foi

conseguida nem mesmo pela legislação do regime ditatorial” (FRIGOTTO apud LINHARES,

2001, p.67).

O mercado e sua “ética”, assim, parecem ter-se impostos à democracia pós-1988,

superando os controles violentos da época de ditadura civil-militar brasileira mediante seus

mecanismos manipulatórios que operam nas mentes e comportamentos com alto grau de

sofisticação, em paralelo com o domínio das classes proprietárias e elites dirigentes.

Frigotto, em sólida análise32 do cenário educacional brasileiro da primeira década do

século XXI, analisando as continuidades e descontinuidades entre essa década e a década de

1990, ressalta a importância e a atualidade de ensinamentos de Florestan Fernandes.

Ao referir-se à Constituição Federal de 1988, no que diz respeito ao histórico descaso

com a Educação no Brasil, de fato, um projeto de descaso sustentado pelos donos do poder,

afirmava Florestan: “a educação nunca foi algo de fundamental no Brasil e muitos esperavam

que isso mudasse com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Mas a

Constituição promulgada em 1988, confirmando que a educação é tida como assunto menor,

não alterou a situação” (FERNANDES apud FRIGOTTO, 1998, p.243).

A luta contra a velha escola era justa, mas a reforma não era uma coisa simples como parecia, não se tratava de esquemas programáticos, mas de homens, e não imediatamente dos homens que são professores, mas

31 “Denunciamos a tradicional dualidade estrutural entre os que são preparados para o desempenho de funções intelectuais ou para funções instrumentais.” (ARROYO apud FRIGOTTO, 1998, p.139). Este fato, repita-se, reproduz ou repõe a divisão do trabalho humano pelo capital, cisão que historicamente divide trabalho intelectual destinado às elites, de um lado, e trabalho manual reduzido ao processo alienante de ser explorado em um trabalho assalariado dirigido e comandado pelas classes proprietárias, de outro. 32 Apresentada na abertura da 33ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), em 17 de outubro de 2011.

110

do todo o complexo social do qual os homens são expressão. (GRAMSCI apud FRIGOTTO, 2001b, p.70)

Assim, enganaram-se aqueles que acreditaram que bastaria um regime democrático de

Direito pautado numa Constituição “cidadã” a fim de se garantir o conjunto de direitos sociais

frutos das lutas dos anos de 1980, evidenciando-se “o fracasso de uma política tendente à

democratização dos direitos da cidadania e uma ampliação dos espaços públicos” (GENTILI,

SILVA, 2001, p.119).

Deve-se, pois, apreender a dinâmica societária em suas estruturas mais profundas,

aquelas dos movimentos e lutas entre as classes e as mudanças nas formas de acumulação de

capital, hoje predominantemente financeira e “flexível”.

Nesse passo, prosseguindo em análise com Frigotto, “o desfecho da aprovação da Lei

de Diretrizes e Bases (LDB) e o percurso do Plano Nacional de Educação (PNE), agora

subsumido pelo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)” (FRIGOTTO, 2011b, p.243),

confirmam o descaso histórico das elites dirigentes brasileiras em relação à educação das

classes trabalhadoras.

As análises críticas de autores clássicos como Antonio Candido, Florestan Fernandes e

Dermeval Saviani33, refletindo todos a respeito dos históricos mecanismos protelatórios de

uma gestão autenticamente pública da educação, registram uma contradição no exemplo

gritante da miséria brasileira condensada no fato de que, mesmo em finais do século XX,

ainda não se havia erradicado (como hoje também não) nem mesmo o analfabetismo, em

virtude da falta de qualidade social da universalização do ensino fundamental.

Diante disso, enfim, deve-se fixar que o “resgate ou a construção da escola pública

unitária, quiçá com quase meio século de atraso, é um dos problemas básicos a serem

enfrentados pela sociedade brasileira, para que a democracia tenha condições objetivas de se

efetivar” (FRIGOTTO, 2001b, p.70).

Nesse sentido, “o significado da qualidade e, conseqüentemente, a definição dos

instrumentos apropriados para avaliá-la, são espaços de poder e de conflito que não devem ser

abandonados” (GENTILI, SILVA, 2001, p.172), mas ao contrário, devem ser repensados e

transformados dialeticamente à luz das circunstâncias existenciais concretas das escolas. Uma

vez que não existe um critério universal de qualidade em uma sociedade dividida em classes

antagônicas, tal qual os neoconservadores neoliberais querem nos fazer crer através de sua

ideologia.

33 “Para uma visão crítica sobre a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional de Educação, ver, respectivamente, Saviani (1999 e 2008).” (FRIGOTTO, 2011b, p.243)

111

Existem diversos critérios históricos que respondem a diversos critérios e intencionalidades políticas. Um é o que pretende impor os setores hegemônicos: o critério de qualidade como mecanismo de diferenciação e dualização social. Outro o que devem conquistar os setores de esquerda: o da qualidade como fator indissoluvelmente unido a uma democratização radical da educação e a um fortalecimento progressivo da escola pública. (GENTILI, 2001, p.172)

Conseqüentemente, as atuais políticas públicas educacionais redundam em uma “pífia

qualidade de educação para a maioria da população” (FRIGOTTO, 2011b, p.246), tendo em

vista que mantêm o dualismo estrutural, provocando um abismo material na formação

discente das classes trabalhadoras, principalmente nas mais pobres. Como também observa-se

uma profunda degradação nas condições concretas do trabalho docente público na escola

básica, haja vista as crescentes exigências requeridas pelas contínuas e crescentes avaliações

externas e de mérito, emanado do centro do poder vigente e regulado pelo caráter

unidimensional do mercado e sua suposta “ética” meritocrática.

Resulta daí, portanto, uma educação fragmentada e bancária, utilitarista e imediatista,

que passa a conceber o conhecimento como habilidades a serem depositadas no aluno

recipiente vazio. Isto de modo a agregar “valor” de mercado a sua potencial empregabilidade

futura.

Muito longe daquela direção de uma educação problematizadora da materialidade

concreta do presente, aquela entendida como processo em que o novo emerge das

contradições da prática educativa nas circunstâncias existenciais da escola, imersa na dialética

social da unidade do diverso ou dos contrários, em processo. Desse modo,

[...] o sistema de avaliação atualmente proposto pelo Ministério da Educação, além de confundir e reduzir esta questão a técnicas de mensuração vai revelar o óbvio. A aplicação de um teste padrão, partindo de qualquer escolha arbitrária, no caso feita com a assessoria de técnicos adestrados nos organismos internacionais, que definem a qualidade (total!) esperada, vai mostrar uma brutal desigualdade que as pesquisas vêm apontando há décadas, no desempenho de acordo com a materialidade de condições sociais (extra-escolares) e das condições institucionais (intra-escolares). No plano social, basta tomar os dados da disparidade de distribuição de renda no Brasil para saber que vamos encontrar alunos com condições de educabilidade profundamente desiguais. No plano institucional da escola, a diversidade de formação, salários e condições de trabalho dos professores, técnicos e funcionários, nos oferecem elementos inequívocos para esperar desempenhos e resultados diferenciados. (FRIGOTTO apud GENTILI, 1995, p.85)

112

Daí vir à tona, então, a questão da exclusão aparentemente pedagógica dos já

excluídos socioeconomicamente, bem como toda a perversidade estrutural da inexistência

efetiva de processos “integradores” ou “equalizadores”, via escola, das circunstâncias reais

desiguais.

Estas determinadas, em última análise, pela clivagem de classes a partir da qual se

efetiva o ensino público básico brasileiro. Isso porque as condições de educabilidade têm

raízes socioeconômicas preexistentes profundamente e desiguais.

Nesse sentido, embora refletindo sobre “o filtro” do vestibular, aparentemente

pedagógico, Tragtenberg (2004, p.174) afirma que “a seleção educacional mascara uma

seleção socioeconômica preexistente”. Ou, pior do que isso, procura legitimar, transformar o

pobre em um fracasso escolar e, por outro lado, expropriar o pobre das condições de saber,

porque “o pobre já é expropriado pelo seu trabalho nas condições de produção capitalista”

(p.174).

Assim, sob o empuxo conservador neoliberal, ao se definirem políticas “focalistas” de

bonificações financeiras a uma “eleita” parcela de escolas e professores que atinjam certas

metas, pré-estabelecidas pelos órgãos regulatórios dos senhores do poder nacional e

internacional, pautados em critérios de produtividade docente e discente, abandona-se mesmo

o caráter formativo da educação enquanto direito social e subjetivo.

Saviani, nessa mesma direção, ao referir-se ao conteúdo de tais políticas públicas

educacionais, conclui que,

[...] do ponto de vista da pedagogia histórico-crítica, o questionamento do PDE dirige-se à própria lógica que o embasa. Com efeito, essa lógica poderia ser traduzida como uma espécie de ‘pedagogia de resultados’. Assim, o governo se equipa com instrumentos de avaliação dos produtos forçando, com isso que o processo se ajuste à demanda. É, pois, uma lógica do mercado que se guia, nas atuais circunstâncias, pelos mecanismos das chamadas “pedagogia das competências e da qualidade total”. (SAVIANI, 2007 apud FRIGOTTO, 2011b, p.243)

Nesse contexto, a “educação de resultados” engendra uma “pedagogia das

competências e da qualidade total” de modo a construir instrumentos que, ao forçarem

artificial e burocraticamente a adequação da praxis docente e discente às demandas do

mercado, provocam uma profunda cisão entre a teoria e a prática. O que degrada rapidamente

o saber do real, aquele advindo das contradições da concreticidade do chão da escola.

113

Portanto, essa perspectiva fragmentária do mercado provoca o “estilhaçamento dos

processos educativos”, restando certos

[...] conhecimentos veiculados pelas posturas pós-modernistas que reificam a particularidade, o subjetivismo, o local, o dialeto, o capilar, o fortuito, o acaso. Nega-se não só a força do estrutural, mas a possibilidade de espaços de construção de universalidade, no conhecimento, na cultura, na política, etc. (FRIGOTTTO apud GENTILI, 1995, p.86)

Essa fratura nos processos educacionais obstaculiza, assim, a construção do novo, da

verdadeira inovação educacional advinda essencialmente da transitividade dialética entre a

particularidade e a universalidade, entre o subjetivo e o objetivo, entre a teoria e a prática, ou

melhor, a praxis, imanentemente vinculadas às contradições e tensões das situações

existenciais concretas e adversas do chão da escola.

As autênticas inovações na educação, enfim, são oriundas daquela concepção presente

em Gramsci de uma escola histórico-concreta, aquela que teria como fundamentos teóricos e

práticos, tendo o trabalho como base e princípio na construção do conhecer de mundo, a

“autêntica pluralidade e diferença”.

Pressupostos essenciais, assim, para a “democratização e igualdade de condições” da

concepção clássica de uma sociedade igualitária justa, que, segundo Anderson (1995), citado

por Frigotto, significa “uma igualização das possibilidades reais de cada cidadão de viver uma

vida plena, segundo o padrão que escolher, sem carências ou desvantagens devido ao

privilégio de outros” (FRIGOTTO apud GENTILI, 1995, p.88).

Todavia, “o Estado em vez de alargar o fundo público na perspectiva do atendimento a

políticas públicas de caráter universal, fragmenta as ações em políticas focais que amenizam

os efeitos, sem alterar substancialmente as suas determinações” (FRIGOTTO, 2011b, p.245)

no que se diz respeito, principalmente, à materialidade concreta da escola pública.

Nesse passo, ampliam-se o atendimento e o acesso à educação, sem, porém, ampliar

proporcionalmente os recursos a ela destinados.

Disso,

[...] no plano das políticas educacionais, da educação básica à pós-graduação, resulta, paradoxalmente, que as concepções e práticas educacionais vigentes na década de 1990 definem dominantemente a primeira década do século XXI, afirmando as parcerias do público e

114

privado34, ampliando a dualidade estrutural da educação e penetrando, de forma ampla, mormente nas instituições educativas públicas, mas não só, e na educação básica, abrangendo desde o conteúdo do conhecimento até os métodos de sua produção ou socialização. Dentro dessa lógica, é dada ênfase aos processos de avaliação de resultados balizados pelo produtivismo e à sua filosofia mercantil, em nome da qual os processos pedagógicos são desenvolvidos mediante a pedagogia das competências. Nesse contexto, as concepções de educação centradas na pedagogia histórico-crítica – e, portanto, as possibilidades de uma educação unitária e omnilateral e as suas exigências em termos de bases materiais que lhe dá viabilidade, disputadas quando da definição do Plano Nacional de Educação (PNE), explicitadas em diferentes Conferências Nacionais e que afetam a educação no conjunto da federação, mormente a educação básica – ficam subvertidas dominantemente pela concepção mercantil. (FRIGOTTO, 2011b, p.242, 245)

Decorrem dessa lógica mercantil que a tudo transforma a sua imagem e semelhança,

“coisas” a serem passíveis de compra e venda e lucro, três perversos mecanismos

neoconservadores liberais, em ampla expansão nas redes estaduais e municipais da educação

pública brasileira, a saber:

[...] o primeiro mecanismo chega ao chão da escola calcado na idéia de que a esfera pública é ineficiente e que, portanto, há que serem estabelecidas parcerias entre o público e o privado, mesmo diante disfarce, quando o privado permanece encoberto pelo eufemismo que engloba organizações sociais ou o chamado terceiro setor. A esses institutos privados ou ONGs cabe selecionar o conhecimento, condensá-lo em apostilas ou manuais, orientar a forma de ensinar, definir os métodos de ensino, os critérios e processos de avaliação e controle dos alunos e dos professores. O segundo mecanismo, decorrente do anterior, talvez o mais proclamado pela mídia, notadamente pelas revistas semanais, é justamente o de atacar a natureza da formação docente realizada nas universidades públicas, com o argumento de que os cursos de pedagogia e de licenciatura se ocupam muito com a teoria e com análises econômicas sociais inúteis e não ensinam o professor as técnicas do ‘bem ensinar’. Esse último aspecto define o terceiro mecanismo, condição para que os dois primeiros tenham sucesso. Trata-se das ações de desmontar a carreira e organização docentes mediante políticas de prêmio às escolas que, de acordo com os critérios oficiais, alcançam melhor desempenho, remunerando os professores de acordo com sua produtividade em termos do quantitativo de alunos aprovados. Os institutos ou organizações privadas, para assessorar ou atuar diretamente nas escolas, têm a incumbência de avaliar professores e alunos de acordo

34 Pode-se exemplificar esse tipo de parceria público-privado com o PROUNI. Segundo Frigotto, o Programa Universidade para todos “criou mais de 700 mil vagas para jovens, e isso seria fantástico se tal inclusão não fosse incorporando, ainda que de forma enviesada, a tese conservadora de Milton Friedman que, no final da década de 1950, defendia que o Estado desse aos mais pobres um voucher ou uma carta de crédito para escolherem onde queriam estudar” (FRIGOTTO, 2011b, p.247).

115

com os conteúdos, métodos e processos prescritos. O que se busca, para uma concepção mercantil de educação, é, pois, utilizar na escola os métodos do mercado.35 (FRIGOTTO, 2011b, p.248)

De novo, o que se observa é uma educação ancorada em uma concepção mercantil que

lhe impregna a forma, o conteúdo e os métodos, em um “processo de mercantilização do

conhecimento e do trabalho docente” (FRIGOTTO, 2011b, p.250).

Assim, ao ser subtraída a educação do terreno dos direitos universais em benefício da

dita “ética” do mercado, sua produção passa a ser medida ou avaliada “em função dos

critérios produtivistas de mercado” (FRIGOTTO, 2011b, p.250).

Chauí, refletindo sobre uma possível reversão da lógica mercantil no matrizamento da

ação pedagógica, a depender da correlação de forças de base contra a hegemonia do capital na

educação, aponta para a necessidade de “levarmos a sério a idéia de formação” e a

revalorização da docência, desprestigiada e negligenciada com “a chamada ‘avaliação da

produtividade quantitativa’”, além da “necessidade de conhecimentos dos clássicos e sua

contribuição para entendermos as mudanças atuais” que, “diferente dos discursos em voga

que nos fala de uma sociedade de incerteza, significam que vivemos tempos de insegurança”

(CHAUÍ apud FRIGOTTO, 2011b, p.250).

Há nesse evolver histórico, segundo Frigotto (2011b, p.251), “um duplo processo de

mutilação e atrofiamento de capacidades intelectuais”. Nesse contexto, não se coloca a

questão fundamental da construção de uma “cientificidade que nos permita compreender a

realidade educacional”, nem tampouco se reflete criticamente sobre a “relevância social,

política, cultural e humana do conhecimento que se produz”.

Ao contrário, hoje o que ocorre é um aprisionamento da educação pelo “cronômetro da

‘pedagogia dos resultados’ e [assim] deslizamos na intoxicação e fugacidade mercantil de

informações. Produzimos, enfim, pouco conhecimento” (FRIGOTTO, 2001b, p.252).

Prosseguindo, deve-se registrar, enfim, que o projeto hegemônico educacional

brasileiro atual se fundamenta “nas perspectivas das habilidades básicas e específicas de

conhecimentos, atitudes e de gestão de qualidade, construtoras de competências polivalentes

e, supostamente, geradoras da empregabilidade36”, o que transforma o “ensino público em um

35 “Os estados de São Paulo e Minas Gerais são artífices dessas políticas, mas se ampliam céleres, especialmente nas regiões Norte e Nordeste.” (FRIGOTTO, 2011b, p.248) 36 “A empregabilidade é um conceito mais rico do que a simples busca ou mesmo a certeza de emprego. Ela é o conjunto de competências que você comprovadamente possui ou pode desenvolver – dentro ou fora da empresa [...] Ela diz respeito a você como indivíduo e não mais à situação, boa ou ruim da empresa – ou do país.” (OLIVEIRA apud FRIGOTTO, 2001a, p.70). Assim, a empregabilidade depende dos indivíduos atomizados na sociedade e de seus esforços pessoais de “ascensão social”.

116

serviço a ser vendido ao mundo empresarial” (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.68).

Isso porque, reitere-se, nas raízes do processo de desertificação neoliberal durante a década

de 1990, o projeto educacional do país foi

[...] elaborado em ‘parceria’ entre técnicos do Banco Mundial e outros organismos internacionais e o MEC. Os principais mentores intelectuais das políticas em curso, a começar pelo ministro37 da Educação, Paulo Renato de Souza e os pesquisadores altamente qualificados, João Batista de Araújo, Cláudio de Moura Castro e Guiomar Namo de Melo, entre outros, foram funcionários desses organismos e tiveram ou têm responsabilidade direta na arquitetura desse projeto. (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.65)

Novamente, revelam-se as íntimas articulações entre o sistema de ensino e o sistema

produtivo do capital em sua totalidade. Dessa forma, na visão dos donos do poder, a mão-de-

obra viva que já sofre com o desemprego crônico resultado da crise estrutural do capital deve,

assim, se adaptar à contingência do mercado. Educar, pois, sempre ao mercado parece ser o

lema desse “novo” tipo de escolarização a serviço dos poderosos.

Essa metamorfose neoliberal no sistema educacional brasileiro mercantiliza desse

modo, os âmbitos organizativos da gestão pedagógica da escola pública brasileira, a básica

inclusa, que assim passam a se orientar, agora mais do que nunca, pelas “perspectivas

individualistas e psicologistas” engendradas pelas mãos de seu “consultor-mor Cesar Coll” e

condensadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001,

p.71).

Dentro dessa ótica hegemônica e prática das elites do poder, a educação pública

assume, então, uma retórica ou ideologia econômico-desenvolvimentista ligada ao emprego

(“empregabilidade”) e à ascensão social (“mobilidade”) – em plena crise de desemprego

endêmico –, influenciada por um “mecanismo discursivo de hegemonia industrial, onde

sucessivos telos particulares passam a ser apresentados como meta a ser perseguida pelo

conjunto da sociedade” (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.71), ideologicamente.

Essa teoria do desenvolvimento forja, pois, de acordo com Florestan, “um processo de

modernização e de capitalismo dependente em que a classe dominante brasileira – minoria

prepotente – se associa ao grande capital abrindo espaço para sua expansão” (FERNANDES

apud FRIGOTTO, 2011b, p.238). Isto de modo a resultar “na combinação de uma altíssima

concentração de capital para poucos, com a manutenção de grandes massas na miséria, o

37 Paulo Renato foi ministro da educação do governo FHC e secretário da educação pública paulista entre 2008 e 2010.

117

alívio da pobreza ou um precário acesso ao consumo, sem a justa partilha da riqueza

socialmente produzida” (p.238).

A teoria do desenvolvimento é, na verdade, mais uma teoria da modernização do que a explicação das bases e determinações materiais contraditórias em que se assenta o processo de produção e reprodução capitalista. Resulta de uma forma de apreender a realidade presa à condição de classe social38. Na sociedade burguesa as relações de produção tendem a configurarem-se em idéias, conceitos e doutrinas ou teorias que evadem seus fundamentos reais. (FRIGOTTO apud GENTILI, 1995, p.90)

Observe-se ainda que essas teorias de desenvolvimento/modernização se assentam nas

idéias de “recursos humanos, de investimentos em educação e treinamento – em capital

humano – como fator chave de desenvolvimento” (GENTILI, 1995, p.91), base da ideologia

do capitalismo contemporâneo.

Entretanto, “não leva em conta as relações de poder, as relações de força, os interesses

antagônicos e conflitantes e, portanto, as relações de classe” (GENTILI, 1995, p.93).

A debilidade da tese do capital humano de gerar política e socialmente o que prometia em termos das nações e dos indivíduos resulta, pois, da forma invertida de apreender a materialidade histórica das relações econômicas, que são relações de poder e de força e não equação matemática como querem os neoclássicos ou neoconservadores. (FRIGOTTO apud GENTILI, 1995, p.93)

Conseqüentemente, deslocam-se as finalidades do ensino de uma “perspectiva de

responsabilidade social coletiva e solidária” para outra, “individualista centrada na idéia de

competência e competitividade” (FRIGOTTO apud GENTILI, 1995, p.93). Sem se esquecer

que, inevitavelmente, a competência competitiva ou concorrência isola os seres humanos uns

dos outros, acirrando os interesses mais mesquinhos e egoístas dos seres átomos postos em

contínua competição uns contra os outros.

38 Para Frigotto (apud GENTILI, 1995, p.90), “nada mais complexo e, contraditoriamente necessário, que discutir-se, atualmente, o conceito de classe social. À literatura liberal e neoclássica que in limine ignora este conceito, acresce-se, uma vasta literatura pós-industrialista ou pós-moderna, que vai dos apologetas da sociedade do conhecimento, fim do cognitariado (Toffler, 1977 e 1985), aos neo-frankufurtianos (Offe, 1989) e outros autores ligados à tradição marxista como Schaff (1990) e Kurz (1992), que defendem a tese do fim da sociedade do trabalho e com ela das classes sociais. Entendemos, todavia, com Francisco de Oliveira (1988, 1993), que quanto mais avançado é o desenvolvimento capitalista mais difícil é apreender as relações de classe, como o capitalismo não acabou e a relação capital comanda o conjunto das relações sociais, não elide a sua existência real e efetiva”.

118

O que comprova, objetivamente, o desenvolvimento histórico do capital em um

processo civilizatório reprodutor, cada vez mais, de individualismos fragmentadores da noção

de pertencimento ao gênero humano. Individualismo, pois, na contramão de qualquer noção

de humanismo radical.

Ideologicamente, esses telos (ou finalidades) empresariais, assumidos pelos sujeitos da

educação com “naturalidade” fetichista – que passam a “inculcá-los” como se representassem

o interesse geral – só fazem afastá-los da autêntica função social da educação, a saber:

desvelar mundo e desocultar a realidade, em um processo de conscientização humana no

caminho do ser mais, situando-se, pois, criticamente o papel da educação no processo de

humanização.

Nesse passo, essa educação forma “cidadãos conformistas, subordinados e alienados”

(FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.72), apartados das finalidades e objetivos da

concreticidade sócio-cultural de suas próprias vidas. Dessa maneira, conduz a uma “formação

mutilada” (p.72) e desagregada da realidade concreta. Educação genérica, a-histórica, uma

educação supostamente para todos, mas avessa ao concreto, ao seu fim real, ou seja, ao

homem e à mulher em suas circunstâncias existenciais. Especulativa e alienante, essa

educação “bancária” e burocratizada, ao negar a historicidade do ser social, acaba por reduzi-

lo à insignificância.

Educação de resultados, ainda, que induz a uma concepção de vida individualista e

competitiva, desigual e injusta, tendo em vista que não problematiza a realidade que, perversa

e objetivamente, esmaga as classes populares brasileiras e, pior, ilude-as com a retórica de

ascensão ou “mobilidade” social, e isto num mundo em crise estrutural de empregos,

progressivamente precarizados com oportunidades cada vez mais escassas, ao disseminar a

“idéia de uma ‘qualidade total’ para poucos” em contraposição de “uma qualidade social para

todos” (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.75).

Por conseguinte, uma educação mercantilizada sob a ilusória e sintomática retórica de

“Educação para todos”, é, nada mais, do que a reafirmação ideológica – imposição de uma

falsa universalização de um particular, a burguesia, omitindo-se tal particularidade ao propor-

se como em nome de TODOS – da histórica divisão social do trabalho humano pelo capital e

de sua correlação política, no plano estatal, a promover e reproduzir um verdadeiro

“apartheid, distanciando as escolas destinadas aos mais pobres daquelas freqüentadas pelos

mais ricos, numa cartografia em que abismos reproduzem as desigualdades econômicas e

sociais” (LINHARES, 2001, p.152).

119

Dessa maneira, intensificando o apartheid social posto pela fratura social entre classes

antagônicas, as escolas de excelência para ricos se adéquam aos ditames do mercado de

trabalho capitalista e as escolas populares, sofrem “regimes de alternância” que, a sua vez,

“oscilam entre a negligência e outro esquema também opressor: o das imposições

governamentais” (LINHARES, 2001, p.152).

[...] Não é difícil juntar as peças deste quebra-cabeça para entender como as atuais reformas educacionais tentam aprofundar desigualdades e hierarquias, sem deixar que se dissolvam os mecanismos de coesão social. O ‘todos na escola’, nas condições impostas pelas reformas, pode representar um esforço de domesticação da sociedade, via controle e imposição de outros comportamentos para estudantes e professores. (LINHARES, 2001, p.153)

Portanto, sob o manto de um aparente movimento de mudança educativa, a escola

brasileira na realidade se submete à direção das diretrizes capitalistas neoliberais e

conservadoras que, oportunisticamente, são empacotadas em retóricas de “proteção aos

pobres” e de “uma modernidade tecnológica a ser conquistada por todos”.

Isso acaba por levar as pessoas a se identificarem com interesses que “acabam por

lesar direitos” (LINHARES, 2001, p.153) do mundo do trabalho, os quais, a duras penas,

foram conquistados pelas lutas populares e democráticas de tantos anos, e mesmo séculos.

O atual enfoque educacional brasileiro, pois, em sua “nova faceta do tradicional

individualismo competitivo”, evita “o acesso do alunado às informações e às estratégias de

análise e de crítica que possam criar contradições ao sistema capitalista vigente ou evidenciar

a necessidade de propor modelos alternativos de organização da sociedade e/ou do mundo do

trabalho” (TORRES SANTOMÉ apud LINHARES, 2001, p.25, 27).

Obstaculizam-se, assim, aquelas “ideologias que apostam na solidariedade e na justiça

social” que, atualmente, parecem ser “vistas como ultrapassadas” (TORRES SANTOMÉ

apud LINHARES, 2001, p.28) pela ideologia dominante.

Daí a igualmente oportunística “decretação”, à canetada pelos forjadores do

“pensamento único” hegemônico, da “morte das utopias”, norte que continuará, apesar do que

quer fazer crer o conjunto das elites do poder, a guiar as novas formas de luta política diante

do aprofundamento da crise sócio-econômica estrutural do capitalismo real.

Essas políticas “públicas” educacionais, assim, caracterizam-se pela perda da “visão

do valor social do trabalho e do conhecimento” e apostam nos “conteúdos culturais

fragmentados” (TORRES SANTOMÉ apud LINHARES, 2001, p.28), frações do real,

120

baseadas em “um modelo de sociedade em que é notável a desigualdade de oportunidades”

(p.30), dada as divisões entre classes, muito embora a mitologia da ascensão social inculcada

pelo “pensar” dominante pretende negar tal facticidade.

Essas políticas se submetem mesmo às diretrizes de uma emergente “nova direita”

econômica que parece se fortalecer no Brasil, influenciada pelo neo-conservadorismo e pelo

neoliberalismo globalizados.

Dessa forma, confluem para “uma sociedade com escolas desiguais, ainda que

engessadas em padrões em que as diferenças não desfrutam de espaços” (LINHARES, 2001,

p.154).

Assim sendo, o discurso oficial assume slogans de padronização com a retórica de

atender “a todos”, mas, na realidade, promovem uma distribuição desigual do conhecimento

e, conseqüentemente, um aprofundamento da já tão grave diferenciação entre as escolas para

os ricos, em detrimento das escolas das classes populares.

A escola guiada por tais slogans, portanto, reproduz as desigualdades sociais,

reproduzindo e mesmo reforçando mencionado apartheid entre ricos e pobres – não gerado

pela escola, registre-se, mas pela divisão capitalista do trabalho humano, embora reproduzido

pela escolarização oficial afim ao neoliberalismo conservador.

Em síntese, o atual ordenamento educacional possui “novos modos de organização do

trabalho pós-fordista”, pós-taylorista ou mesmo toyotista que são orientados pelos “famosos

princípios da ‘mcdonaldização’ social: eficiência, quantificação, previsibilidade e controle”

(RITZER apud LINHARES, 2001, p.30).

Processo esse que recomenda a planificação do capital: “ensinar as novas gerações a

competir” a partir de “óticas exclusivamente empresariais” (TORRES SANTOMÉ apud

LINHARES, 2001, p.30), a fim de consolidar o influxo mercadológico competitivo no âmbito

educacional.

Desta forma, a educação sai da esfera do direito social e passa a ser uma aquisição individual, uma mercadoria que se obtém no mercado segundo os interesses de cada um/a e a capacidade de cada um/a obter o que quiser. O mercado é uma narrativa mestre no discurso educacional. Os propósitos econômicos do ensino se sobrepõem aos propósitos sociais e culturais [e dessa forma] a desregulamentação das relações econômicas vem sendo acompanhada da desregulamentação dos direitos sociais. A educação é um bom exemplo deste processo. (DEL PINO apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.81)

121

Essas “reformas”, por conseguinte, levam as escolas, cada vez mais, ao treinamento do

alunado para provas externas e internas, provocando “uma verdadeira obsessão por prever

resultados minuciosamente programados” (GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.31), que

fortalecem as concepções individualistas tradicionais da educação baseadas na divisão

desigual do trabalho humano, ou seja, prioriza a competitividade ao invés da solidariedade e

da defesa dos direitos humanos de caráter social, não somente abstratos e juridicamente

“assegurados”.

A pseudoconcreticidade mercadológica invade, pois, com a força de seu fetiche, todas

as relações educacionais na escola “pública” básica, colocando mesmo em xeque o quão

“pública” pode ser tal orientação da escolarização aos interesses do capital.

Para atingir seus objetivos, ainda, tais políticas de ajustes neoliberais se agregam à

ação dos neoconservadores em direção a “uma estabilidade com a volta a um passado

enrijecido e assegurado por dogmas moralista” (GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.31), que

combatem os movimentos sociais, estes com vistas à transformação na organização da

sociedade como um todo e que, exatamente por isso, precisam ser constantemente

“criminalizados”

Desse modo, “as questões políticas ficam reduzidas a ‘problemas de polícia’, e as

questões pedagógico-escolares à matéria de legislação e de decisões autoritárias” (GENTILI,

FRIGOTTO, 2002, p.155), restritas às decisões de nível técnico-administrativas que

padronizam os conteúdos oficiais e burocratizam o trabalho docente e, por conseqüência, toda

prática educativa.

Nesse processo, inclui-se também a ação dos neoliberais em direção a um falso “apelo

ao futuro, urgindo pela aquisição de informações, competências e um tipo de conhecimento

sem memória e sem história” que ignora a concreticidade das condições do trabalho docente,

de modo a identificá-lo com os objetivos educacionais individualistas e competitivos da

perspectiva mercantilista da educação.

Por conseguinte, a “banalização da vida” (LINHARES, 2001, p.154) é promovida pela

redução da responsabilidade social do Estado na educação “pública” em benefício do

fortalecimento dos interesses do capital. Nesse cenário,

[...] os métodos e perspectivas podem parecer opostos – um, volta-se para restaurar um tipo de passado; o outro, para apressar um tipo de acesso ao futuro – mas não há dúvida de que ambos estão remetidos a uma mesma direção: distrair o presente, extraviá-lo, por roubar-lhes conexões vivas, obstruindo a insurgência do novo, dos germes, das larvas ou das fagulhas que podem começar a instituir uma outra

122

realidade, capaz de ir implantando um tipo de convivência social marcada pela solidariedade, e não pela competição; pelo respeito, e não pela violência; pela pluralidade, e não pela homogeneidade; pela includência de todos, e não pela produção e legitimação de “supérfluos humanos” e sociais a qualquer hora “descartáveis”, enfim, pela busca de valorizar a vida, e não pela quase exclusividade com que o desenvolvimento de uma economia para poucos se amplia sem limites. (LINHARES, 2001, p.156)

Esse movimento conservador neoliberal, mesmo que venha sob a roupagem de

“reformas” educacionais que, de fato, nada mudam na estrutura educacional, priva a escola

pública e seus sujeitos de uma atuação ontocriativa em favor da padronização e da

burocratização das atividades curriculares que desqualificam as ações compartilhadas pelos

agentes escolares.

Assim, obliteram suas leituras da problemática social real, capaz de conduzir a uma

formação ético-estética dos alunos na direção da cidadania ativa, ontológica, furtando-lhes,

portanto, a própria humanidade do processo educacional, bem como a possibilidade de

engendrarem uma praxis ontocriadora manifestada em uma prática transformadora da

realidade escolar que promova a solidariedade, e não a competitividade entre os atores

envolvidos no processo de educação.

Essas forças conservadoras, cientes da racionalidade política centralizadora de poder

dos sistemas educativos brasileiros, vêem verticalizando essas políticas educacionais

excludentes através de seus programas que disseminam “certezas manufaturadas39, falsamente

construídas, colocadas como premissas inquestionáveis acima de qualquer suspeita”

(LINHARES, 2001, p.156).

Por conseguinte, as atuais políticas “públicas” educacionais transformam o

professorado em “bode expiatório” dos fracassos educativos e, para tanto, se debruçam na

retórica do controle burocrático sobre sua formação continuada40, o que crescentemente

“induz à privatização e ao aligeiramento do processo” (LINHARES, 2001, p.131).

Isso de modo a proporcionar uma formação docente técnico-pragmática desvinculada

da cultura escolar41 e tão adequada ao “discurso homogeneizante, monista e, logo autoritário,

39 Segundo Linhares (2001, p.157), esta expressão está apoiada em outra que lhe é muito próxima, “verdades manufaturadas”, usada por Chomsky, principalmente, para analisar o processo de criação de falsos consensos pelos grandes meios de comunicação hegemônicos em torno de assuntos de seus interesses. E isso, repita-se a fim de se atentar à sofisticação dos processos manipulatório, sob regimes dito democráticos. 40 Diferente, pois, daquele processo de formação continuada onde “o professor e todos os que trabalham na escola tornam-se educandos em uma relação de reciprocidade” (BRITO, 2003, p.137). 41 Acredita-se, portanto, com Brito (2003, p.138), que a “chave das mudanças” esteja “na própria escola”, ou seja, sua ênfase “recai na apropriação e criação, pelos atores educativos, das condições do processo de mudança”.

123

que sustenta o modelo neoliberal e o dissimula enquanto metástase social, sobretudo nos

países capitalistas periféricos” (SILVA apud LINHARES, 2001, p.133).

Por essas razões, para a compreensão do trabalho docente contemporâneo, mercê das

novas políticas “públicas” educacionais sob o “capitalismo real”, convém vinculá-lo tanto ao

âmbito das reformas estruturais, pois, caso contrário, tem-se apenas “uma visão superficial

dessas políticas, sem apreender seu significado essencial” (SILVA apud LINHARES, 2001,

p.131). Fazendo-se também necessário captar os movimentos instituídos na própria escola na

efetivação concreta das mesmas, no cotidiano escolar.

Nesse desvelar dos movimentos da realidade concreta, então, talvez surjam

movimentos contra-hegemônicos que nos apontem para pistas de “caminhos por onde possam

transitar saberes que afirmem a vida, com a busca de aperfeiçoamento e solidariedade”

(LINHARES, 2001, p.170) do humano – na direção da construção do conhecimento

verdadeiramente comprometido com a prática transformadora e superadora do caráter

destrutivo do capital, conhecimento orientado, assim, que deve ser reorientado à vocação

ontológica de ser mais humano, a saber: transformar a realidade, mudando o mundo e a si

mesmo simultaneamente.

Todavia, “o grave das políticas educativas neoliberais, da escola de qualidade total, é

quebrar a consciência do público, tão tênue, tão incipiente na América Latina”, de modo a se

constituírem mesmo em uma ameaça “à consciência pública e cultura pública”

(ALMONACID, ARROYO apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.276).

Essa tensão entre uma educação amarrada ao mercado e conseqüentemente pobre, estreita, e a possibilidade de um projeto educativo vinculado ao avanço da consciência dos direitos. O mercado nunca foi tão exigente em termos de formação humana, nunca. Quando as políticas educativas se vinculam só ao mercado, carregam uma concepção de educação muito pobre, muito mercantil e interessada. Sabemos que só se garantiu a educação universal quando foi colocada no campo dos direitos e quando se garantiam outros direitos. Não só o direito à educação. O direito à educação nunca vinha sozinho. Não adianta querer uma infância na escola, uma infância escolarizada, mantendo a infância sem moradia, com fome, dormindo na rua, ou dormindo amontoados em casa, uma infância sem carinho. Uma infância sem infância. Não adianta serem pedagogos de uma infância sem infância. Porque ser pedagogo é ser condutor da infância. E a infância não é construída na escola, mas está se construindo e destruindo na dinâmica social mais ampla. (ALMONACID, ARROYO apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.276)

124

Desse evolver histórico societário, emerge, assim, o fortalecimento de uma “educação

de resultados” perspectivada em uma “filosofia da excelência e da competitividade [que]

propugna a crença somente nas capacidades individuais” (TORRES SANTOMÉ apud

LINHARES, 2001, p.33).

Ignorando as condições estruturais concretas, de classe e sócio-econômicas, que levam

ao “fracasso educacional”, oculta-se, pois, que o dito problema “educacional” é, de fato,

sócio-econômico e político, desde que despido de sua pseudoconcreticidade de fetiche.

Essa educação, ao negar e desqualificar significados divergentes de sua lógica

mercantil impõe-se autoritariamente como a única válida, razoável e legítima. Então,

apresenta-se mesmo como um “conjunto de critérios” que apregoa a “modernização da

educação” ao “ajustá-la às demandas colocadas pela sociedade”, ou seja, preconiza a

adaptação da escola às “exigências de qualificação-disciplinamento ditadas pelo mercado de

trabalho surgido de processos produtivos reconvertidos” (SUÁREZ apud GENTILI, 1995,

p.259).

Nessa ideologia e prática neoliberal e neoconservadora emerge, pois, uma “nova”

racionalidade educacional que “pretende apagar do imaginário social a idéia de educação

pública como direito social e como conquista democrática. Parcialmente obtida após anos de

lutas sob o slogan da igualdade de oportunidades e historicamente vinculada ao processo

social de construção da cidadania” (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.259).

A tentativa consiste em despojar a memória coletiva de suas ancoragens histórico-culturais e retirar do senso comum das maiorias o interesse político que atravessou as formas autogeradas de constituição de valores e conteúdos culturais referentes à educação. As persistentes alusões à fórmula que postula o “fim da história e das ideologias” (ou a formatos discursivos semelhantes) adquire neste contexto específico um significado retrospectivo: recoloca a educação e a escola como espaços sociais naturalizados (isto é, como dados agora e para sempre), neutros e imunes a toda formulação política e/ou revisão histórica. O debate acerca de sua funcionalidade em relação a determinadas (e assimétricas) relações de poder fica assim mistificado pela aparente ingenuidade de certo imperativo tecnológico que submete a ponderação dos fins à eficácia e ao rendimento dos meios. Ou, em outras palavras, uma nova versão da “racionalidade instrumental” – desvalorizada por sua mimese direta e exclusiva de critérios e padrões econômicos – abre caminho e estabelece limites para a discussão simplesmente técnica de uma problemática que é – e tem sido – inerentemente política. (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.260)

125

Essa “nova” racionalidade técnico educacional, instrumentalizada de critérios e

mecanismos de mensuração matemáticos, pretende forjar uma altamente questionável

qualidade “universalizada” do capital humano. Este identificado ao alunado de modo a

adequá-lo às competências e habilidades de uma futura empregabilidade que, como vimos,

por vezes significará desemprego.

Educação subsumida à lógica e prática do mercado, reduzindo-se à mera formação

técnica ou treinamento para a futura empregabilidade do alunado, desde bem cedo. Longe,

assim, de pretender formar sujeitos críticos a exercerem uma cidadania ativa.

Escola de conformismo e submissão reduzida, desse modo, ao histórico papel de

reprodução da divisão hierárquica do trabalho humano. Escolarização excludente que

compromete mesmo a própria construção da identidade e da cidadania das novas gerações

brasileiras.

Principalmente a dos filhos das classes trabalhadoras mais pobres, uma vez que, na

medida em que são submetidos a esse tipo de escolarização, devem eles individualmente

construírem sua empregabilidade em um mundo onde o trabalho é cada vez mais precarizado

e escasso.

Educação que, repita-se, acaba sendo identificada com uma formação para o

enfrentamento do desemprego crônico e estrutural de um capitalismo em crise real.

Consiste em uma escolarização que nega, ainda, a educação como direito social e

subjetivo ao ser rebaixada a uma mercadoria a mais, como um bem que se compra, vende-se,

possui-se, consome-se no contexto hegemônico de um mercado educacional.

Apresentada, conseqüentemente, como um serviço educacional “livre” de todo

conteúdo e julgamento político, a educação oficial converge com os interesses de um

mercado cada vez menos regulado pelo poder público. Na medida em que se diz garantir uma

suposta oferta de qualidade variada, bem como a “liberdade” de escolha de seus “usuários” ou

“consumidores”.

Nesse passo, segundo seus mentores, esse tipo de educação combateria a “inoperante

organização escolar” ao deslocar noções como a de igualdade de oportunidades para a noção

de eqüidade, que consiste em uma espécie de consenso entre os desiguais. Como também

preconiza, além disso, a substituição da noção de participação democrática na tomada de

decisões educacionais para outras, perspectivadas nas noções econômicas e tecnocráticas de

eficácia (produtividade, eficiência e êxito).

126

Logo, progressivamente, essa educação neoliberal conservadora destrói

[...] a imagem coletiva de uma sociedade de cidadãos, que em virtude de seus direitos, negocia e luta por seus interesses de grupo e pela democratização da vida econômica e social na arena política, em favor da imagem de uma sociedade sem cidadãos e de consumidores em competição. (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.265)

Portanto, trata-se de uma educação que desconsidera as desigualdades e assimetrias

envolvidas nas relações de poder econômico político e, ao apartar-se da realidade concreta,

pretende pairar acima das contradições sociais contemporâneas.

Desse modo, “em realidade [o que] garante e impõe é a reprodução e a produção de

sujeitos sociais com escassa autonomia na compreensão e intervenção críticas no mundo

social” (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.265).

Assim, nega-se o “acesso aos direitos sociais, enquanto fortalece o seu papel de

controle social e de proteção ao capital” (LESBAUPIN, SINGER apud LINHARES, 2001,

p.117).

Na esfera educacional, este processo de privatização, segundo Gentili, é mais amplo do que comprar e vender, é mais que delegar responsabilidades públicas para organizações privadas. Na educação, a compra e a venda não é regra de privatização. A formação de professores e professoras, definição de currículos, a avaliação, são tarefas que têm sido sistematicamente repassadas à iniciativa privada. Privatizar significa redistribuir e rearranjar o poder, o que torna a “privatização mais difusa e indireta que a privatização das instituições produtivas” (GENTILI, 1998c, p.322). Este processo é fundamental para o estabelecimento de um mercado educacional42. Ele se completa pela definição de mecanismos centralizados de controle sobre o resultado das políticas, especialmente das políticas educacionais. O que os governos neoliberais pretendem com suas reformas educacionais é “transferir a educação da esfera da política para a esfera do mercado” (idem, 1998b, p.19). (DEL PINO apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.81)

42 A investida das corporações sobre a educação oficial tem duplo propósito: realizar grandes negócios na área educacional, por meio da apropriação de verbas públicas, e difundir nas escolas um determinado conformismo, uma certa forma de sentir, pensar e viver. Observe-se aqui, rapidamente, o que não deve surpreender a ninguém, que mesmo “a investida das corporações” tem de seguir a lógica particular (na sua duplicidade em formar mão-de-obra e “escolarizar à subordinação”) do movimento da educação sob a sociedade do capital, a saber: “fazer dinheiro” (lucrar) com o aumento da produtividade do fator H (Capital Humano) ou da mão-de-obra docente viva no processo educativo mercantilizado e burocratizado que produz um tipo de conhecimento-mercadoria e, num plano político de “inculcação” social, participar da “prática de depósito” cultural de faixas e formas de sentir, pensar e agir das classes dominantes como se fossem compartilhadas pela totalidade do social.

127

No sentido da implementação desse projeto educacional não mais pensado enquanto

político-social, mas voltado à supostamente neutra a-politicidade mercadológica (de fato, à

política econômica do poder), é mais do que nítido o processo histórico presente de

esvaziamento do público a serviço do capital, cada vez mais próximo e subordinado à lógica

mercantil que a todos nos engolfa43, dado que tal “investida sobre a educação pública vem

sendo efetivada por meio de entidades âncoras” (LEHER, 2011b, p.163), que no Brasil são

poderosas e onipotentes corporações do grande capital.

Tais entificações e personificações do capital “ocultam seu caráter corporativista e

empresarial por meio da filantropia, da responsabilidade social das empresas e da ideologia do

interesse público” (LEHER, 2011b, p.163) – o que é justamente o oposto do público, já que o

fetichismo da ideologia dominante aparece, em regra, como o oposto do que é.

Na prática, tais corporações atreladas aos poderosos meios de comunicação privados,

colocam-se a pensar e a forjar um “consenso balofo” (FRIGOTTO, 2011b, p.236),

artificialmente pré-fabricado pela sociedade civil burguesa – bem longe de qualquer “dissenso

crítico” e democrático como se esperaria de uma imprensa que se auto-proclama aos gritos

“livre” – a “inculcar” na dita “opinião pública”, classe média, a “decadência” da educação

pública básica e a “incompetência” de seus professores sob o signo e a lógica das relações

mercantis, para a conversão do conhecimento e da formação humana em “capital humano”44,

a serviço do mercado a servir de fator “H”. Fator.

Nesse exato sentido de apreensão do real, é o que se constata nas análises contidas no

artigo “Desafios para uma educação além do capital”, de Roberto Leher, encontrado no livro

“Mészáros e os desafios do tempo histórico”. Em suas palavras:

43 “Impõe-se ao professor que atue a partir de seu enquadramento numa escola pautada pela lógica das relações mercantis, em que ele enfrenta na sala de aula as conseqüências de políticas educacionais que concorrem para a deteriorização da escola pública e sua privatização.” (COSTA, NETO, SOUZA, 2009, p.61) “Basta uma rápida análise das diretrizes para a reforma do Estado para constatar a metodologia empresarial adotada pelo Estado para administração da res [coisa] publica. Essa realidade é tão evidente que há autores que já falam em crise do Estado republicano.” (COSTA, NETO, SOUZA, 2009, p.97) 44 “Os setores dominantes dedicam-se a pensar a educação como uma prática capaz de converter o conhecimento e a formação humana em ‘capital humano’ (defendida pelos prêmios Nobel Friedman, 1976; Schultz, 1979; Becker, 1992).” (LEHER, 2011, p.16). Essas entidades âncoras são respaldas “por corporações dos setores financeiro, agro-mineral e de agro-químicos, editoras interessadas na venda de guias e manuais” (LEHER, 2011b, p.163), etc. Note-se, por conseguinte, de forma rápida, que o produto final desta educação oficial não é um educando capaz de desvelar ou desocultar mundo, “inserindo-se”, pois, criticamente em seu devir no e com o mundo, transformando-se em suas injustiças estruturais e concretas. Pelo contrário, quer-se um alunado que se “adapte” numa escola de conformismos e que já está desprovido de todo sua significação e potencialidade humanas, convertido que está em CAPITAL HUMANO, mercadoria escolar a ser “empregada” como mão-de-obra servindo como função do capital.

128

No Brasil, o bloco de poder atua por meio do lobby ‘Compromisso todos pela Educação’45. Tal iniciativa da “sociedade civil” é “Estado”. O próprio MEC reivindica sua agenda no Plano de Desenvolvimento da Educação, o mais abrangente conjunto de programas do governo Federal. O mesmo pode ser dito dos governos estaduais e municipais. Parte significativa da agenda do novo PNE a ser votado em 2011 é congruente com [tal lobby], como se depreende do texto da CONAE. As maiores organizações dos trabalhadores da educação, como aquelas filiadas à CUT, entidades acadêmicas, reunidos em um Fórum Nacional em Defesa da Educação, instituído e dirigido pelo MEC, confluem na defesa [de sua] agenda estabelecida, confiando o futuro do Plano ao protagonismo da bancada da educação do Congresso, sabidamente vinculada às corporações privadas. (LEHER, 2011b, p.16)

Portanto, sendo o professorado parte ou parcela dos indivíduos sociais

contemporâneos (a individuação ou formação das individualidades como uma possibilidade

social, necessariamente), só se pode concluir que quem educa os educadores é a própria lógica

mercantil da sociabilidade dominante.

Através da qual tudo se mercantiliza e é engolfado pela lógica lucrativo-empresarial,

inclusive a Política, a noção de Público, a de Cidadania e a de Educação, reduzidas todas

essas dimensões humanas, pois, ao mero ato de “consumo”. Trata-se, então, da difusão de

uma “escola de conformismo” aos valores hegemônicos, tidos como “de todos”,

ideologicamente.

Quem educa os educadores, pois, é forçoso repisar a conclusão, são os fazedores de

políticas públicas (tecnocratas e políticos dirigentes) e os lobbystas do grande capital, todos

consoantes à sua sociabilidade e a dos sujeitos-átomos em permanente competição entre si.

“Educação” como mito do status quo ou, o que é o mesmo, como problema de “ajuste”

técnico-gerencial de uma sociedade de poucos, ideologicamente apresentada como “de

todos”.

Isso tudo com vistas a se continuar ocultando que “o problema educacional” é,

substancialmente, sócio-econômico e político. E não apenas educacional, conforme

diariamente é reforçado pela retórica dos donos do poder e do mercado, segundo a qual “o que

falta ao Brasil é a educação” – esse novo bode expiatório da elite brasileira.

45 O denominado movimento “Compromisso Todos pela Educação” é um “movimento lançado em 06 de setembro de 2006, em São Paulo. Apresentando-se como uma iniciativa da sociedade civil (-burguesa) e conclamando a participação de todos os setores sociais, esse movimento se constituiu, de fato, como um aglomerado de grupos empresariais” (LEHER, 2011b, p.163).

129

Assim, interessadamente, são omitidas as carências sócio-econômicas e políticas da

maior parte da população. Carências materiais básicas pré-escolares que determinam e

condicionam os “destinos” escolares futuros na medida em que, negando-se trabalho,

moradia, saúde, salários dignos, condições mínimas para a construção da infância e juventude,

não há de se falar apenas do problema técnico-gerencial de “falta de educação”, reduzida esta,

também, a “fator” desvinculado do contexto sócio-histórico pelo qual se explica e no qual se

insere.

Dito isso, com a finalidade de abandonar qualquer pretensão à “neutralidade”

educacional – já que a educação sempre ou é pensada pela lógica do poder e dos poderosos

ou, ao contrário, pela lógica dos “de baixo” –, vale a pena registrar que, atualmente no Brasil,

revela-se que a especificidade dessa conjunção de interesses dominantes encontra-se

articulada num bloco de poder propulsado por “lobbystas”.

Estes, advindos da sociedade civil-burguesa vinculada ao grande capital e à

propriedade privada acumulada nas mãos de poucos, objetivam, de fato, “implementar as

parcerias público-privadas46 na educação básica” (LEHER, 2011b, p.164).

Esse tipo particular de “parcerias público-privadas” (ou de “concessão estatal”)

possibilita que organizações privadas sejam subsidiadas pelo fundo público do Estado dito

democrático e para o povo. De modo a se responsabilizarem a “fornecer as condições

educacionais que acreditam ser necessárias tanto para aumentar a competitividade

46 A “naturalização” de um caráter “fatal” à implantação desse processo na educação brasileira e, talvez, mundial, deve ser compreendida como uma expressão fetichizada do poder econômico político dominante. O processo de institucionalização do Prouni (Programa Universidade para todos) pode ser tomado como exemplo concreto dessa “necessidade” das parcerias público-privadas em educação pública, de forma semelhante a seu congênere na educação básica, o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), já em avançada discussão para a implementação de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional e Técnica de Nível Médio. Pode-se constatar no site oficial do Ministério da Educação, por exemplo, que “por intermédio do Pronatec será dada celeridade ao acordo firmado no governo anterior com o Sistema S (Sesi, Senai, Sesc e Senac)” (MEC, BRASIL, 2011). O “Sistema S” – gerido pelos órgãos de classe dos empresários “mobilizou em 2010 aproximadamente 16 bilhões de recursos públicos, somando-se os recolhidos pelo Estado e a ele repassados” (FRIGOTTO, 2011b, p.246) – receberá “alunos das redes estaduais do ensino médio, que complementarão a sua formação com a capacitação técnica e profissional” e também ofertará “cursos de formação inicial e continuada para capacitar os favorecidos do seguro desemprego. Esta ação se aplica também ao público beneficiado pelos programas de inclusão produtiva, como o Bolsa Família. O mesmo projeto de lei que cria o Pronatec amplia o alcance do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), que passa a chamar-se Fundo de Financiamento Estudantil, com a mesma sigla. Assim, o fundo poderá prover mais duas linhas de crédito, sendo uma para estudantes egressos do ensino médio, outra para empresas que desejem formar seus funcionários em escolas privadas habilitadas pelo MEC ou no Sistema S. Os recursos do programa virão do orçamento do Ministério da Educação, do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Sistema S e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O projeto de lei será encaminhado ao Congresso Nacional, onde tramitará em regime de urgência”. (MEC, BRASIL, 2011). (Disponível em http://pronatecportal.mec.gov.br/pronatec.html, em 8 de novembro de 2011).

130

internacional, o lucro e a disciplina, quanto nos fazer retornar a um passado romantizado do

lar, da família e da escola ‘ideais’” (APPLE, 2001, p.183).

Assim, o que se captura do movimento real da educação contemporânea é um processo

econômico de apropriação privada do fundo público destinado à educação e,

simultaneamente, uma intencionalidade político-ideológica de “inculcação” nos “de baixo” de

um respeitoso conformismo e disciplina ao estatuído, “eternamente”, na ordem dominante.

Neste contexto de dilapidação do fundo público, as classes dominantes e dirigentes do

Brasil e do mundo estabelecem, como estratégia política de luta pela manutenção de seu

domínio econômico, um feroz ataque ao “conceito de público”.

Então, ideológica e interessadamente, a articulação do mundo empresarial, da mídia a

ele vinculada e de parcela considerável dos dirigentes políticos, passa a responsabilizar a

Escola

[...] pelo desemprego, pelo subemprego, pela perda de competitividade econômica e pelo suposto abandono de valores e padrões ‘tradicionais’ na família, na educação e nos locais remunerados e não-remunerados de trabalho, localizando-a não nos efeitos e políticas econômicas, culturais e sociais dos grupos dominantes mas na escola e nas outras instituições públicas. O “público” agora é o centro de todo o mal; o ‘privado’ é o centro de tudo que é bom. (APPLE apud GENTILI, SILVA, 2001, p.185)

Por conseguinte, demonizando-se “o público” e apresentando “o privado”, este sim

“livre”, como a panacéia salvadora da Educação oficial, tomam os objetivos que guiam a

economia capitalista como idênticos aos da educação pública. Isso tudo de modo a convergir,

hegemonicamente, com “a expansão do ‘livre mercado’, a drástica redução da

responsabilidade governamental pelas necessidades sociais, o reforço das estruturas

intensamente competitivas de mobilidade etc., muitas vezes exportando a crise na economia

para as escolas” (APPLE, 2001, p.184).

O Estado envolve-se, pois, em um tipo de “modernização conservadora” na Educação

em “parceria” com os setores privados, de forma a reproduzir “um modelo de exclusão e

dualização social” (GENTILI, SILVA, 2001, p.119).

Contudo, este modelo acaba por engendrar um sistema educacional que reproduz a

fratura entre as classes sociais na escolarização, bifurcando-a entre “escolas para ricos” e

“escolas para pobres”. Modernização conservadora que, reproduzindo a sociedade de classes,

também forja “um sistema dual, polarizado entre [...] escolas de mercado e escolas mínimas”

(DALE apud APPLE, 2001, p.186).

131

Nesse sentido de desvelar o até então oculto pela e sob a ideologia dominante, importa

fixar que

[...] não existe “qualidade” com a dualização social. Não existe “qualidade” possível quando se discrimina, quando as maiorias são submetidas à miséria e condenadas à marginalidade, quando se nega o direito à cidadania a mais de dois terços da população. Reiteramos enfaticamente, “qualidade para poucos não é qualidade, é privilégio”. Nosso desafio é outro: consiste em constituir uma sociedade onde os “excluídos” tenham espaço, onde possam fazer-se ouvir, onde possam gozar do direito a uma educação radicalmente democrática. Em suma, uma sociedade onde o discurso da qualidade como retórica conservadora seja apenas uma lembrança deplorável da barbárie que significa negar às maiorias seus direitos. (GENTILI, SILVA, 2001, p.177)

O que se observa do real, assim, é uma educação pública excludente que, ao se

mercantilizar, nega a cidadania real aos filhos da classe trabalhadora. Estes, cada vez mais

discriminados dentro da própria escola dita “mínima”, são a triste síntese de uma “escola

antipobre para pobre!”, enfim.

Aponte-se aí, inclusive, o crescente sentido de “negócio” que a atual educação pública

básica vem tomando, de modo a aprofundar, mais e mais, “as teses do Estado Mínimo, da

regulação da educação pelo mercado, e os processos de descentralização autoritária”,

contrapostas às teses da ”ampliação da esfera pública e da democratização do Estado pela

ação orgânica e transparente da sociedade civil” (FRIGOTTO, 1995b, p.22).

Nesse sentido, há de se perceber como “o processo de mercantilização, especialmente

sobre as formas pelas quais o conhecimento e as instituições são reificadas de modo que elas

possam ser empregadas para extrair mais-valia”, apresenta o preciso sentido e direção da

“mercantilização do conhecimento a fim de compreender como ele se encaixa no fluxo do

capital” (APPLE, 2001, p.192).

Conhecimento e escolarização a serviço das forças econômicas do capital e das

energias políticas do estado que engendra; o saber e sua produção, adequando-se ao fluxo do

capital e reforçando a continuidade da reprodução de uma desigual sociedade, porque

dominada por esse modo de controle societário que explora o trabalho das classes não

proprietárias.

Por conseguinte, deve-se observar e fixar, com Frigotto, a expressão da divisão teórica

daquela outra cisão na praxis humana, também posta historicamente na concretude do mundo

pelo capital dividindo e apropriando-se do trabalho social, condensada na materialidade de

132

uma sociedade de classes que se baseia e reproduz pela e na diferenciação entre duas classes,

grosso modo. A dos proprietários, senhoras do trabalho alheio, e a dos não proprietários, isto

é, aquelas classes que vivem de seu próprio trabalho. Em suas palavras,

[...] no plano teórico, às categorias de sociedade do conhecimento, qualidade total, flexibilidade, participação, formação abstrata e polivalente que os homens de negócio e os intelectuais a eles articulados utilizam para expressar o tipo de demanda de educação e formação profissional, são contrapostos as categorias de escola unitária, educação e formação humana omnilateral, tecnológica ou politécnica, expressando as demandas dos grupos sociais que constituem as classes trabalhadoras. (FRIGOTTO, 1995b, p.22)

Neste contexto fraturado pela divisão hierárquica do trabalho humano, de longa data,

e de extrema adversidade material e intelectual das classes trabalhadoras como um todo, e em

especial do professorado enquanto parcela da força de trabalho do país, hoje, o governo

incorpora progressivamente à agenda da educação oficial “a agenda empresarial [...] [,]

demandas do capital” (LEHER, 2011b, p.163).

Em conclusão, o Estado político acaba por confluir suas atividades “públicas” no

sentido de submeter-se aos imperativos de acumulação e expansão do capital, moldando-se,

assim, uma educação ideológica [inculcação] que, embora se apresente ou apareça “para

todos”, é, em realidade, concebida pela particularidade burguesa no interior da sociedade

global.

Mais uma vez, repita-se, a cisão do público e do privado revela-se ideológica, isto é,

falsa consciência que oculta a real e existente articulação de interesses hegemônicos entre as

dimensões do privado (“livre” iniciativa) e do público (a Política e o Estado), este totalmente

subsumido aquele, moldado que está pela lógica mercantil dos lobbystas e dos tecnocratas do

Estado capitalista brasileiro.

Nesse sentido analítico, em articulação com poderosos interesses dominantes, passa-se

por cima de qualquer discussão verdadeiramente social e democrática, efetiva, na medida em

que se oculta qual é a razão de ser dessa “nova” educação “pública”, necessariamente com

aspas. Isso porque, tendencialmente, é cada vez mais vinculada aos interesses empresariais e,

assim sendo, progressivamente entregam-se setores de responsabilidade social do Estado,

como a educação e a saúde “públicas”, para setores da iniciativa privada – que recebem

fundos públicos para isso!

133

Dessa feita, “a retórica neoliberal estabelece uma diminuição em sua [do Estado]

atividade econômica”, de modo a aumentar “a esfera de extração de mais-valia de

trabalhadores improdutivos vinculados à esfera do estado, dos serviços públicos,

[transformando-os] em trabalhadores produtivos da esfera privada” (DEL PINO apud

GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.81). Trata-se, como se pode concluir, de processo mercantil

que perpassa toda a sociabilidade contemporânea, tanto na chamada esfera privada quanto

pública.

Absurdo, assim, não é falar que uma escola “pública”, numa sociedade dividida em

classes, reproduza relações capitalistas, mas sim o contrário, querer negar tal facticidade ou

materialidade do real, sintetiza a absurdidade de certas visões, ingênuas ou interessadas (a

título de escolha), sobre o público e o privado sob a sociabilidade neoliberal (conservadora)

do capital, que a todos nos enquadra na totalidade do país e do mundo. Portanto,

[...] impossível não é caracterizar o professor como em processo de proletarização a partir de sua inserção no processo de trabalho: impossível é assumir que o professor da escola pública não estabelece relações capitalistas, numa situação em que é regido por um Estado capitalista, que opera, cada vez mais, segundo a lógica privatista das empresas e, por isso mesmo, desenvolve relações de exploração capitalista sobre todos os trabalhadores a ele subordinados, seja na condição de funcionários públicos temporários ou permanentes, seja na condição de trabalhadores prestadores de serviço terceirizados, ou de efetivos. Aliás, tais subdivisões não revelam outra coisa que não relações capitalistas. (COSTA, NETO, SOUZA, 2009, p.96)

Diante disso, tais políticas “públicas” de exclusão social, segundo Del Pino,

seletivamente, já que nunca são “neutras” e nem poderiam ser, “incorporam os conceitos

desenvolvidos no mundo empresarial como ‘eficácia’, ‘produtividade’, ‘rendimento’, e

recriam uma ordem política baseada na hegemonia de critérios econômicos, vitimando setores

sociais inteiros que não podem disputar no mercado o acesso a sua dignidade” (DEL PINO

apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.73).

E o fazem ao “obscurecer os direitos dos povos diante dos direitos dos indivíduos”

(DEL PINO apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.73). Desse modo, o ethos neoliberal

conservador “naturaliza a condição de miserabilidade da maioria, distribuindo um discurso

que pretende estagnar a forma de pensar e ver o mundo, como se não houvesse alternativas

aos rearranjos implementados” (p.76) no atual modo de produção capitalista da vida humana.

134

Enfim, a intensificação da exclusão social, agora globalizada e presente fortemente

também no outrora chamado “primeiro” mundo, ou mundo “desenvolvido”, está ligada ao

processo de reestruturação produtiva e financeirização do capital desenvolvido a partir dos

anos 1970. Isso em estreita conexão com políticas de ajustes neoliberais conservadoras

“implementadas” a partir de sua doutrina, a definir, já no plano educacional nacional, os

pressupostos diretivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como com a centralização

dos sistemas de avaliações nacionais e estaduais.

3.2 CURRÍCULO OFICIAL E CULTURA DOMINANTE: A FUNÇÃO DOS LIVROS-

TEXTO

Nesse sentido, as novas políticas “públicas” educacionais forjam também na escola

pública básica (escola mínima) um tipo de gestão semelhante à empresarial, preocupada

apenas com o “treinamento” das “competências” e “habilidades técnicas e cognitivas”, sob a

lógica do mercado de trabalho direcionada a formar adequadamente o capital humano-

alunado à empregabilidade futura.

Para tanto, essas “qualidades” são supostamente aferidas pelos sistemas estatais e

nacionais de avaliações externas, por meio da centralização e padronização de mecanismos de

controle do “rendimento escolar” sobre o resultado da escolarização e da força de trabalho

docente.

Esse é o caso, por exemplo, da rede de ensino público paulista, onde se é possível

mensurar o “rendimento” do alunado ou o “produto do trabalho docente”, ou ainda, a

“produtividade” da mão-de-obra docente. De modo a convertê-los em mercadoria pelo metro

dos critérios produtivistas das avaliações externas sob o ideário do Capital Humano por meio

do IDESP (Índice de Desenvolvimento Escolar de São Paulo), “índice de desempenho” do

“fator H padrão”, advindo do SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar), agora,

com a mesma base de cálculo do IDEB (Índice de Desenvolvimento Educacional Brasileiro).

Todos adequados aos critérios produtivistas dos organismos de controle educacional

hegemônicos.

Por conseguinte, esse controle de qualidade “passa com demasiada freqüência a

converter-se na verdadeira e única meta educacional” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.103)

dos sistemas de ensino oficiais.

135

Desse modo, no interior do amplo processo hegemônico de mercantilização da

educação pública, os Estados Nacionais forjam diversos mecanismos de controle de qualidade

ao padronizarem o conhecimento e o trabalho docente.

Ainda, ignoram a “viabilidade da controvérsia e do conflito como fontes importantes

na construção da cultura”, em detrimento aos “interesses concretos de grupos instalados no

poder” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.109), e que realmente têm acesso a ele.

Nesse passo, o Estado mínimo mediante

[...] a tradição seletiva (WILLIANS, 1980) de um dado grupo social que, em função de relação de poder favorável, priorizam a inclusão hierarquicamente de certos conteúdos e valores (próprios) como se fossem objetiva e universalmente válidos e legítimos, em detrimento de outros (alheios) aos quais desqualifica ou ignora. (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.265)

Esses conteúdos e valores hegemônicos, seletivamente hierarquizados, ao serem

“implantados” artificialmente de cima para baixo, à canetada, na escola pública, também na

básica, degradam progressivamente o saber docente e discente advindos de suas condições

existenciais concretas. Provocando, portanto, uma profunda cisão tanto na praxis docente

quanto na discente em favor de uma tradição seletiva dos donos do poder.

Esse restritivo enquadramento do professorado em um processo de “controle de

qualidade” da produtividade de sua mão-de-obra viva, efetuado pelos tecnocratas estatais e

sua “jaula de ferro” (burocracia), articulada com os dirigentes políticos e elites econômicas,

restringe muito o seu “controle consciente” sobre o desenvolvimento curricular concreto.

Predominam, conseqüentemente, os objetivos de controle burocrático de uma

educação ideologicamente “neutra” e baseada na “pedagogia das Competências e

Habilidades” (SAVIANI, 2007), em detrimento do caráter político-pedagógico dos saberes

docente/discente advindos da materialidade da escola. E, por conseguinte, o sujeito coletivo

professor, em interação com o alunado, perde o controle de seu próprio processo de trabalho,

manifestação ou exteriorização de suas vidas (ou ao menos substancial parte delas). Assim,

cada vez mais precarizado, portanto,

[...] nesta modalidade de enquadramento, agentes externos à sala de aula é que “controlam totalmente a seleção, organização, ritmo, critérios de comunicação [e até mesmo] a disposição da localização física”. (BERNSTEIN apud TORRES SANTOMÉ, 1998, p.104)

136

Tem-se aí, em cheio, a articulação entre poder econômico político e educação, donde

se constata a impossibilidade de um ato educativo “neutro”.

O Estado capitalista assim, ao decretar um Currículo Oficial, determina um “script em

relação ao qual os atores representarão seus papéis, delimitando o espaço do possível e do

desejável” (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.260).

Ou seja, em outras palavras: ainda que o desenvolvimento efetivo das práticas escolares (sociais, culturais, pedagógicas) prescritas pelo currículo oficial implique a existência (paralela) de um currículo representado, atuado e vivido (SUÁREZ, 1994) – que supõe a atuação criativa e relativamente autônoma dos atores escolares –, como instrumento da política cultural oficializada, é o mandato socializador dominante o que configura e regula o espaço social e pedagógico de co-presença (relações face-a-face) no qual intervêm com relativa eficácia e silenciosamente as determinações políticas culturais hegemônicas das integrações maiores [penetram na escola]. (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.266)

Então, num Estado dito para todos, onde são decretados oficialmente os conteúdos

culturais (hegemônicos) mínimos e as destrezas necessárias para considerar-se uma pessoa um

cidadão e cidadã educados, concretiza-se o perigo de se “impor determinados conhecimentos,

conceitos, procedimentos, valores e concepções da realidade, deixando outros de lado”

(TORRES SANTOMÉ, 1998, p.157)

Dessa maneira, portanto, ¨os valores, regras, recursos e normas de comportamento

definidos pelo currículo oficial configuram, ainda que de maneira contraditória e conflitiva,

um mandato socializador¨ que representa, então, ¨a versão escolarizada do princípio educativo

dominante¨ (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.266).

Assim sendo, nas palavras de Tragtenberg (2004, p.21), pensador que sempre se

manteve alerta para o conjunto das operações ideológicas que converte os modos de sentir,

pensar e agir das classes dominantes em modos “desejáveis” e “idênticos” ao da sociedade

global47, o desafio imposto pelo nosso horizonte histórico consiste na tarefa imposta ao

educador e educadora críticos de desvendar ou desocultar “em que condições o poder produz

47 Nesse mesmo sentido, a filósofa Marilena Chauí (1980, p.24-5) afirma: “O corpus ideológico [o conjunto de representações e de normas que fixam e prescrevem de antemão o que se deve e como se deve pensar, agir e sentir] assim constituído tem a finalidade de produzir uma universalidade imaginária, pois, na realidade, apenas generaliza para toda a sociedade os interesses e o ponto de vista particulares de uma classe: aquela que domina as relações sociais. Assim, a produção desse universal visa não só o particular generalizado, mas sobretudo ocultar a própria origem desse particular, isto é, a própria origem desse particular, isto é, a divisão da sociedade em classes.”

137

um tipo de saber necessário à dominação, e em que medida esse saber aplicado reproduz o

poder”.

Essa é, pois, a precisa e exata tematização de qualquer debate sobre “conhecimento

oficial” e educação pública sob o capitalismo real em crise estrutural. Em conseqüência, a

incorporação dos pressupostos ideológico-culturais hegemônicos ao conhecimento oficial

transforma o “significado da educação” (APPLE, 1997, p.90) e redefine quais conhecimentos

e valores (e de que grupos e classes) devem ser ensinados, “legitimando-se” ao receber o

caráter de “oficial”, batizado burocraticamente pela autoridade do Estado convergente às

exigências do mercado.

Por conseguinte, para uma compreensão do modo pelo qual ocorre essa complexa

incorporação de um corpus ideológico na educação oficial, articulada com sutis operações

manipulatórias, bem como de seus efeitos ou conseqüências na educação pública ou no

trabalho docente, impõe-se um desafio e uma necessidade.

A saber, uma análise dialética sobre a especificidade da educação e da cultura

dominantes sob o capitalismo, já que não se trata de qualquer educação ou cultura –

abstratamente nomeadas de forma a-histórica – mas, sim, daquelas subsumidas e afins ao

sistema societário do capital e das classes sociais antagonicamente estruturadas.

O “capitalismo real”, então, no seu processo de desenvolvimento, separou da vida

produtiva a criação e a transmissão da cultura, seqüestrou o corpo de conhecimentos, cuja

origem é social, em instituições privadas ou estatais: daí a emergência da organização escolar

como diferenciada, com a pretensão de monopolizar a aprendizagem e a integração social.

O exercício e o controle deste monopólio acadêmico da educação pública são

entregues ao Estado. Assim, o acesso à cultura se identifica com cumprimento de uma

legislação, obediência a normas, consumo de algo definido como “ensino” pelos chamados

“órgãos competentes”. (TRAGTENBERG, 1980, p.53-4)

Nesse “enfoque autoritário” de obediência a normas legais e a cargos, os chamados

“órgãos competentes” determinam e condicionam, burocraticamente, o modo de ser professor

em sala de aula.

Ou seja, prescrevem como deve ser o ensino ou o trabalho docente ao estabelecer o

que, como, onde e a quem ensinar –, identificando-se com um processo de “manipulação

daqueles que se dispõem a receber algo – ou a isso são obrigados” (TRAGTENBERG, 1980,

p.53-4).

138

Pode-se dizer, então, que os movimentos dos indivíduos para constituir autonomamente sua identidade social e pedagógica são direcionados e controlados pelas afirmações e sanções culturais, ideológicas e axiológicas que [são] estabelecidas pelas definições curriculares oficiais. Na medida em que a ética do livre mercado penetrar [no] sentido do currículo, o fundamento mesmo das práticas escolares será transformado pela predominância das mercadorias culturais e pelas relações sociais e pedagógicas por estas determinadas. (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.267)

Em outras palavras, o processo de mercantilização da educação pública, e não apenas

a básica, vincula-se intimamente, pois, com o processo de burocratização do trabalho

docente estatal, de modo à progressivamente “alienar os indivíduos em benefício da produção

dominante” (TRAGTENBERG, 1980, p.53-4).

Sob a lógica do mercado e sua nunca provada “ética”, degrada-se a praxis docente ao

forjar no professorado, em geral, uma prática reiterativa, repetitiva e imitativa do já dado

anteriormente pelo padrão de produção de mercadorias culturais.

Eis, então, uma “educação de resultados” para as massas populares estruturada em

uma “pedagogia de competências e habilidades”. Assim sendo, a lógica mercantil penetra nas

práticas educacionais mediante a padronização dos conhecimentos mínimos, os quais

restringem as margens de autonomia pedagógica da escola e do professorado em interação

com o alunado.

Esse saber oficial a serviço do poder – padronizado e desvinculado ou apartado do

conhecimento advindo da materialidade dos verdadeiros sujeitos da praxis escolar – é o

oposto, registre-se, daquele saber útil para resolver problemas verdadeiramente urgentes da

realidade escolar concreta. Ou ainda daquele estreitamente vinculado com a prática social

transformadora, pelo qual os estudantes e professores se envolveriam nas situações reais de

suas vidas, significando-as para além dos muros da escola ao longo de suas individualidades

duradouras no e com o mundo.

Essa visão e prática do saber do poder produzem um processo de aprendizagem por

meio de uma soma de “conhecimento a-histórico ou acrítico do contexto-social, econômico e

político específico” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.105).

Fragmenta-se, pois, a noção de conjunto e de totalidade histórica e humana,

compartimentando a vida social e seus saberes em departamentos escolares estanques, frações

do real a serem depositadas.

139

Emerge daí, pois, “uma soma de conhecimentos” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.109)

como se fosse um conjunto de prescrições, amontoadas ou depositadas como colchas de

retalhos umas sobre as outras, nas quais se destacam e se repõem “saberes” reduzidos a

“fichas destacáveis” no laboratório escolar. Por conseguinte, é reproduzida ideologicamente

uma leitura atomística e fragmentária da realidade, não podendo mais ser apreendida como

um todo humano de coisas (subjetivamente trabalhadas e construídas) e fatos com nexos e

mediações dialéticos entre si, historicamente.

Obstaculiza-se, assim, o devir humano, ocultando-se a processualidade de objetos e

idéias produzidas pelo ser social no e com o mundo, e que se estruturam e se desestruturam ao

longo da história, no infinito processo de hominização.

Trata-se, assim, de uma concepção e prática daquilo que o filósofo Karel Kosik

denominou “conhecimento aditivo”, advindo do recorrente burocratismo tecnocrata estatal e

do neopositivismo pós-moderno, que perpassam a lógica pragmático-utilitarista em

consonância ideológica com a “leitura de mundo”, “ingênua”, feita também pelo “senso

comum” do praticismo.

Assim, segundo Michael W. Apple e Nancy King impõe-se o esquecimento de que “os

conhecimentos, tanto o manifesto como o encoberto, que se encontram nos ambientes

escolares, bem como os princípios de seleção, organização e avaliação destes conhecimentos,

constituem-se opções dirigidas por valores dentro de um universo muito mais extenso de

possíveis conhecimentos e princípios de seleção” (APPLE, KING, 1983, p.38-9).

Em outros termos, procura-se ignorar a existência concreta da “problematização e do

conflito de dados existentes nas disciplinas presentes em todo projeto curricular, bem como as

relações que sempre existem entre ideologia e conhecimento” (TORRES SANTOMÉ, 1998,

p.105)

Repõe-se, pois, – como necessidade da teoria e prática educacionais

“problematizadoras” e não “mascaradoras” desta realidade que desumaniza – a temática do

conhecimento atrelada ao poder e a sua ideologia, que, a sua vez, produz um saber que

reproduz a dominação e o “desejável” ocultamento do mundo das classes sociais.

Assim, “domesticando” a reflexão crítica, já que não pode apagá-la da consciência

dos educandos e educadores, produz-se e reproduz-se, burocraticamente, um saber alienado e

alienante em consonância com uma educação mercantilizada, padronizada e “bancária”48,

características de longa data histórica da escolarização capitalista.

48 Freire (1968, p.128), em artigo de 1969, denominado Papel da Educação na Humanização, resumo de palestras realizadas para um grupo de senhoras latino-americanas em uma Conferência realizada em maio de 1967, em

140

Analisando a educação oficial das sociedades capitalistas, desvelando o fato histórico

de que a “clarificação da realidade, sua compreensão crítica, a inserção do homem nela”

sempre foi “uma tarefa demoníaca, absurda, que a concepção bancária não pode suportar”,

Freire (1969, p.129) sintetiza as estratégias de transmissão ideológica da cultura dominante

nos oprimidos:

A concepção bancária, por fim, nega a realidade em devenir. Nega o homem como um ser da busca constante. Nega sua vocação ontológica de ser mais. Nega as relações homem-mundo, fora das quais não se compreende nem o homem nem o mundo. Nega a criatividade do homem, submetendo-o a esquemas rígidos de pensamento. Nega seu poder de admirar o mundo, de objetivá-lo, do qual resulta seu quefazer transformador. Nega o homem como um ser da praxis. Imobiliza o dinâmico. Transforma o que está sendo no que é, e assim mata a vida. Desse modo, não pode esconder sua ostensiva marca necrófila.

No sentido oposto, portanto, daquela concepção e prática que Freire nos legou, já que,

segundo ele, “uma educação só é verdadeiramente humanista se, ao invés de reforçar os mitos

com os quais se pretende manter o homem desumanizado, esforça-se no sentido da

desocultação da realidade” (1969, p.128).

Observa-se, pois, que a atual “educação de resultados” claramente é direcionada no

sentido da domesticação humana à subordinação dos escolarizados das classes trabalhadoras

na medida em que favorece “as ideologias de mercado dominantes”.

Desse modo, a ideologia e prática da educação oficial submetem os sistemas

educacionais às necessidades operacionais de reprodução do modo de produção capitalista –,

em detrimento dos “compromissos éticos e democráticos de visões integradoras e

interdisciplinares para intervir na realidade” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.108).

Evidencia-se, pois, que, ao diluir o conhecimento verdadeiro advindo da

concreticidade e materialidade do mundo em um conhecimento aditivo, dissimula-se a

“estrutura competitiva e baseada no mérito que impregna toda sua organização” (TORRES

Santiago do Chile – sendo fruto de reflexões que à época o autor já trabalhava na sua Pedagogia do Oprimido –, assim sintetiza a concepção BANCÁRIA da educação: “Coisificando” o humano, “ela faz do processo educativo um ato permanente de depositar conteúdos [...] A concepção bancária – ao não superar a contradição educador-educando, mas, pelo contrário, ao enfatizá-la – não pode servir senão à ‘domesticação’ do homem. Da não superação dessa contradição, decorre: a) que o educador é sempre quem educa; o educando, o que é educado; b) que o educador é quem disciplina; o educando, o disciplinado; c) que o educador é quem fala; e educando, o que escuta; d) que o educador prescreve; o educando segue a prescrição; e) que o educador escolhe o conteúdo dos programas; o educando o recebe na forma de ‘depósito’; f) que o educador é sempre quem sabe; o educando, o que não sabe; g) que o educador é o sujeito do processo; o educando, seu objeto”. Isto tudo “como se o conhecer fosse o resultado de um ato passivo de receber doações ou imposições de outros”.

141

SANTOMÉ, 1998, p.108), o que acaba por “naturalizar” os fracassos como algo dentro da

“normalidade”.

Dissimulando-se “o problema educacional” como mera disfunção organizacional

passível de remédios e ajustes mediante a panacéia das políticas “públicas”, já que o sucesso

“reside exclusivamente nas peculiaridades individuais de cada um” (TORRES SANTOMÉ,

1998, p.108). Bem de acordo com essa (pseudo) cultura individualista da concorrência de

todos contra todos incorporada pelo Estado em seu currículo oficial.

Então, constata-se que o movimento da escolarização ou da educação estatal converge

com a ideologia do mercado capitalista, contribuindo-se, assim, na totalidade do social, à

domesticação do humano. Isso na medida em que a escolarização do Estado passa a participar

do processo mais abrangente de “inculcar” valores culturais (exigidos em leis) que

contribuem para o “mascaramento dessa realidade que desumaniza”.

Nesse enquadramento hegemônico, o conhecimento oficial aparece fixo e pouco

flexível e, portanto, pouco pode dizer sobre e fazer às peculiaridades concretas do

conhecimento prévio dos alunos (ou sua leitura de mundo), já que desrespeita a

imprevisibilidade e vicissitudes, ontocriativas, do trabalho docente em interação com o

alunado na praxis pedagógica.

Em síntese, o processo educacional descrito resume-se a um tipo de conhecimento

apresentado “como natural, objetivo, afastado de toda possível subjetividade ou suposto

interesse de algum grupo social” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.109) e, por conseguinte,

esse tipo de escolarização pretende que se ignorem as contradições e mediações da realidade

concreta.

Para que, assim, possa inculcar “uma concepção do conhecimento da experiência

humana estática, livre de valores, de uma ‘teoria do consenso da ciência’” (APPLE apud

TORRES SANTOMÉ, 1998, p.109), ocultando, portanto, “os fortes desacordos e

enfrentamentos entre distintas concepções teóricas, metodológicas e de objetivos, que

caracterizam o processo de conhecimento e das sociedades” (TORRES SANTOMÉ, 1998,

p.109), advindos das lutas sociais entre as classes capitalistas e trabalhadoras.

Observa-se, pois, a operação ideológica de uma educação pública para as massas

trabalhadoras orientada e dirigida, porém, pelos donos do poder e elites dominantes com forte

caráter excludente, porque privatista, na medida em que naturaliza a competição e a

desigualdade entre os seres humanos em benefício do mercado. Dito isto, vale explicitar, com

Chauí (1980, p.26), que:

142

A universalização do particular, a interiorização do imaginário como algo coletivo e comum e a coerência da lógica lacunar fazem com que a ideologia seja uma lógica da dissimulação (da existência de classes sociais contraditórias) e uma lógica da ocultação (da gênese da divisão social).

Dessa maneira, o “conhecimento oficial” silencia os saberes dos “de baixo”,

juntamente com os saberes advindos do professorado e do alunado na concretude da escola,

em favorecimento de uma única mundo-visão e prática, hegemônica, que prima fortemente

pela cultura dominante, calçando-se na ideologia da “objetividade e da neutralidade que

cristaliza os conhecimentos como únicos e imparciais” (CHAUÍ, 1980, p.26). Lógica

ideológica, portanto, da dissimulação e da ocultação.

Assim sendo, sob forte influxo da insustentável ideologia da “neutralidade” do

mercado, os “de baixo” são submetidos aos “interesses concretos de grupos instalados em

posições de poder” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.109). Isso porque a ideologia dominante,

a mundo-visão engendrada pelos valores de objetividade e “neutralidade” dos únicos

conhecimentos tidos como “válidos”, expressa, em forma de consciência, as posições

materiais de mando, comando e exploração das classes dominantes e dirigentes: a ideologia

dominante é, assim, a ideologia das classes dominantes, constituída enquanto a cultura

dominante49.

Ademais, segundo Torres Santomé (1998, p.109), o conhecimento oficial, ao ignorar a

“viabilidade da controvérsia e do conflito como fontes importantes na construção da cultura”,

produz, enfim, um modelo de “educação bancária”, seguindo na terminologia analítica de

Paulo Freire, “em que o mais importante passa a ser a acumulação somatória do

conhecimento”, aditivo, e sua recorrente prática educativo-imitativa (burocrático-bancária),

simples repetidora de um molde de mercadorias culturais.

Daí, nesse contexto, o “fator” humano ou o alunado-mercadoria é tratado,

bancariamente, como recipiente vazio a ser preenchido com dosagens milimétricas ou faixas

mínimas de conhecimento (saber ler, contar e escrever) para que, ao fim e ao cabo, depois do

processo de escolarização (isto é, após sua passagem pelos aparelhos disciplinares e

ideológicos da escola), venda-se a si próprio mediante um salário, como força de trabalho

49 Cultura dominante ideológica, com Chauí (1980, p.25), “como forma do exercício da dominação de classe, a eficácia da ideologia depende de sua capacidade para produzir um imaginário coletivo em cujo interior os indivíduos possam localizar-se, identificar-se e, pelo auto-reconhecimento assim obtido, legitimar involuntariamente a divisão social. Portanto, a eficácia ideológica depende da interiorização do corpus imaginário, de sua identificação com o próprio real [pseudoconcreticidade] e especialmente de sua capacidade para permanecer invisível. Pode-se dizer que uma ideologia é hegemônica quando não precisa mostrar-se, quando não necessita de signos visíveis para se impor, mas flui espontaneamente como verdade igualmente aceita por todos”.

143

viva, ao comprador de plantão de mercadorias, as classes capitalistas ou senhoras do trabalho

alheio.

O fim pré-determinado do alunado, portanto, é transformar-se em “capital humano”, e

a escola o escolariza (utilizando-se da força de trabalho docente) para que ele “naturalize”,

por toda vida, sua subordinação estrutural ao capital e a seus ditames, bem como sua divisão

“natural” entre execução e concepção, entre trabalho manual destinado às maiorias

subalternas e intelectual reservado às minorias dominantes etc. Desse modo,

[...] quanto mais os educandos forem exercitados no arquivo dos depósitos que lhes são feitos, tanto menos desenvolverão em si a consciência crítica da qual resultaria sua inserção no mundo como transformadores dele. Como sujeitos do mesmo. (FREIRE apud TORRES SANTOMÉ, 1998, p.110)

Nesta situação a que chegamos, é necessário “compreender e transcender os limites

dentro dos quais trabalhamos” (YOUNG apud TORRES SANTOMÉ, 1998, p.110) mediante

a conscientização da prática e da praxis docente, de modo a compreender que “tais limites não

são algo dado e estabelecido, mas produto de ações e interesses conflituosos de seres humanos

no devir histórico” (p.110), enquadrado na tradicional divisão hierárquica do trabalho social.

Educação bancária burocratizada, então, que ainda encontra expressão na idéia de

listas de conteúdos das disciplinas, cujo objetivo primordial é a mera transmissão de

conhecimento em diferentes áreas específicas baseada em um modelo mecânico, passivo e

unidirecional de aprendizagem implícito na metáfora da “transmissão”, sem se esquecer de

sua relação “com uma visão bastante conservadora da educação e dos propósitos das escolas”

(YOUNG, 2007, p.1291).

Nesse passo, há de se desvelar a verdadeira natureza do burocratismo pragmatista ou

tecnocrata estatal, sob fortíssimo influxo empresarial, na apreensão do sentido e direção do

modo de ser professor na escola pública brasileira, e não apenas na básica.

Isso para se compreender os desafios impostos pelo “capitalismo real” em crise

estrutural, constatando-se ser a incorporação da cultura individualista e competitiva,

consubstanciada no conhecimento oficial, claramente consoante com os interesses e valores

da ideologia dominante, matrizada pelo fetiche do mercado eficiente e do estado

“improdutivo”.

Assim, o conhecimento oficial produz um modelo educacional perfilado com as

“ideologias do individualismo”, segundo O’Connor citado por Torres Santomé – que são “a

arma mais poderosa de que o capital dispõe para a dominação ideológica do trabalho” (p.30) –

144

, revelando, pois, suas “conexões entre o poder e as formas de conhecimento” (TORRES

SANTOMÉ, 1998, p.22).

Nesse passo, o conhecimento legitimado pelo Estado como o único burocraticamente

válido e obrigatório50, como parte do currículo, participa do sistema organizado hegemônico

de conhecimento da sociedade, fazendo parte daquilo que Raymond Willians chamou de

“tradição seletiva”. Isto é, o conhecimento oficial personificado nos currículos instituídos pelo

Estado faz parte de “uma seleção feita por alguém, com uma particular visão sobre o

conhecimento legítimo e a cultura, uma seleção que no processo de privilegiar o capital

cultural de um grupo desprivilegia o outro” (APPLE, 1997, p.77).

Essa seleção é parte de um processo ideológico hegemônico da cultura dominante no

qual se organiza o conhecimento destinado às escolas como uma determinada cultura definida

por faixas mínimas e obrigatórias de “saberes” a serem depositados no alunado-coisa pelo

professorado igualmente “coisificado”.

Por conseguinte, o currículo oficial

[...] expressa um tipo de normatização cultural que o Estado determina aos indivíduos, a cultura e o conhecimento considerados valiosos pelas classes hegemônicas, proprietárias e politicamente dominantes. Assim, os padrões pelos quais todos serão de alguma forma, avaliados e medidos, expressam para a sociedade o valor que alcançaram nesse processo. (SACRISTÁN, 2000, p.112).

Observa-se, pois, a articulação da inculcação de uma normalização/normatização

cultural em consonância com os interesses das classes dominantes, já que a cultura da qual se

fala é a dominante, isto é, a ideologia dominante ou as formas de sentir, pensar e agir das

classes dominantes falsamente universalizadas para a totalidade do social.

50 Nesse sentido, constatando-se o monopólio da escolarização obrigatória pelo Estado, que também detém o uso “legítimo” da violência, no artigo 60, Título II, Capítulo I, Seção I, Subseção I, do Documento de Unificação de Dispositivos Legais e Normativos relativos ao Ensino Fundamental e Médio, editado pela Secretaria de Educação de São Paulo em 2008, lê-se: “A Proposta Curricular do Estado de São Paulo para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio [...] passa a constituir o referencial básico obrigatório para a formulação da proposta pedagógica das escolas da rede estadual” (Resolução da S.E. n.º 76/08). Daí a necessidade de fazer a crítica da estruturação burocrático-estatal da educação como sistema fechado em si, cuja praxis degenera-se em seu sentido ontocriativo e passa a confundir-se com a simples transmissão e imposição do conhecimento e da cultura oficiais (ideologia dominante), mediante currículos em clara convergência com os interesses e valores hegemônicos, privatistas. Confira-se no documento legal do estado de São Paulo n.º 10.352/99, o artigo 341, que prevê a possibilidade de recursos e capitais advindos do setor privado financiar o programa estadual de incentivo à Educação básica. Trata-se, mais uma vez, das claras e inegáveis articulações entre “público” e privado na educação sob o capitalismo, revelando mesmo a possibilidade – regulamentada pela legislação do Estado de Direito dito Democrático – da subvenção da educação “pública” com recursos e capitais advindos de “entidades de qualquer natureza ou de organismos internacionais”, conforme dispõe o parágrafo único, item 4, do citado artigo 341.

145

Nesse processo, importa fixar, há culturas e saberes não aceitos como tais pelo fato de,

uma vez que não são hegemônicos, serem ameaças políticas ao status quo da cultura

dominante, sonegados e silenciados, então, pela praxis das elites detentoras do monopólio de

poder, riqueza e “cultura”.

Nesse contexto, vale à pena registrar que “o currículo contém um projeto de

socialização para o aluno” e, portanto, “os conteúdos mínimos regulados como exigências

para todos denotam mais claramente essa função” (SACRISTÁN, 2000, p.112) da

“escolarização” obrigatória enquanto processo ideológico e manipulatório.

Esse “mínimo” acaba por marcar “uma norma da qualidade de conhecimentos e

aprendizagens básicas para todo o sistema” (SACRISTÁN, 2000, p.112); ou seja, trata-se de

uma faixa de “qualidade” padrão que todos os escolarizados devem, por comando

constitucional do Estado burguês, agregar em sua formação a fim de serem integrados na

produção dominante.

Surge daí, por conseguinte, no ideário daqueles preocupados com a perfectibilização

ou aperfeiçoamento das políticas “públicas” educacionais da máquina estatal contra as

desigualdades sociais, o problema da falta ou mesmo total inexistência de “uma política

compensatória para os mais desfavorecidos”.

Sem a qual, registre-se, os próprios conteúdos mínimos não conseguem ser

“inculcados” pelo sistema de controle hegemônico, assumindo a escolarização “um nível

muito baixo” que acarreta nefastas implicações sociais para os mais desfavorecidos dentre os

desfavorecidos, uma vez que “nem todos poderão abordá-los com as mesmas probabilidades

de sucesso” (SACRISTÁN, 2000, p.112).

Em poucas palavras, o Estado Mínimo com sua Escola Mínima não consegue impor

sequer o mínimo ideologicamente constituído na cultura dominante a ser ensinado e

aprendido, apesar da retórica incansável dos ideólogos defensores da “educação para todos”.

Isso na medida em que são desconsideras as condições existenciais concretas dos filhos das

classes trabalhadoras, sobretudo a das mais pobres, a serem escolarizadas.

Educação mínima de um Estado igualmente mínimo aos trabalhadores, embora

máximo ao capital, que ignora perversamente as necessidades reais dos filhos das classes

trabalhadoras, desprezando seus diversos níveis de educabilidade oriundos de suas condições

sócio-econômicas de vida material, na medida em que eles são reduzidos a panoramas

estatísticos e a porcentagens a serem medidas e manipuladas pelos órgãos “competentes”.

146

Só se interessando pelos “melhores”, os “mais competentes” e “adequados” ao

mercado de trabalho assalariado do capital, a qualidade educacional “para todos” reafirma-se

como privilégio, já que, com Gentili, deve-se ter sempre em mente que qualidade para poucos

não é, nem nunca foi, qualidade.

Nesse processo de racionalização no sentido do mercado, racionalidade que penetra na

escola pública brasileira, surge e efetiva-se, então, a regulação administrativa do currículo,

enquanto técnica de controle do poder do Estado, como “forma indireta de formação dos

professores” (SACRISTÁN, 2000, p.112).

A regulação administrativa do currículo, com sua minuciosidade e rigor burocráticos

em controlar e organizar “coisas” passíveis indistintamente de manipulação administrativa, a

entrar em terreno estritamente pedagógico busca sua “justificação” e “legitimidade” como

uma forma indireta de formação dos professores. Formação que tem de desenvolver na prática

o currículo prescrito oficialmente de maneira a ditar não apenas os conteúdos e aprendizagens

mínimas, mas, amplamente, de forma a ordenar pedagogicamente todo o processo educativo,

subsumindo professorado e alunado a sua lógica “formativa”.

Dessa forma e modo, o Estado fornece “orientações” metodológicas gerais, sugere às

vezes pautas mais precisas de tratar determinados temas; “e não apenas regula as avaliações

que se farão e em que momentos, mas fala também das técnicas de avaliação a serem

realizadas, etc.” (SACRISTÁN, 2000, p.113).

Em conseqüência, “o currículo comum, como justificação social, cultural e educativa

da escolaridade obrigatória assumida pelo Estado” (SACRISTÁN, 2000, p.111), supõe, então,

“uma definição das aprendizagens exigidas a todos os estudantes”. Enfim, implica mesmo na

“expressão de um tipo de normatização cultural, de uma política cultural e de uma opção de

integração social em torno da cultura por ele definida” (p.111). Isso porque, repita-se, o

currículo traz em si um projeto de socialização à subordinação dos alunos filhos das classes

trabalhadoras.

Nesse ponto, o currículo oficial e obrigatório que conforma a escolarização ou

educação pública formal é configurado por meio de “prescrições quanto a seus conteúdos e a

seus códigos, em suas diferentes especialidades, expressando o conteúdo base da ordenação

do sistema, estabelecendo a seqüência de progresso pela escolaridade e pelas especialidades

que o compõem” (SACRISTÁN, 2000, p.113).

Por conseguinte, uma política pública educacional baseada em um Currículo Oficial

tem como objetivo principal a ordenação supostamente apenas técnica e pragmática de todo o

sistema educacional, o que faz por meio do “controle de qualidade” dos resultados do

147

trabalho docente na medição de índices ou metas alcançados pelo rendimento escolar dos

alunos nas avaliações externas. Estas, a sua vez, são baseadas em conhecimentos mínimos

padronizados de modo a condicionar, fortemente, os conteúdos e os “métodos” para o

professorado e o alunado em interação dialética educador-educando.

Em síntese, deve-se fixar que a regulação administrativa de um currículo pelo “Estado

educador”, longe da absurda pretensão com que se quer impor como educador “neutro” diante

e acima de uma sociedade dividida em classes sociais antagônicas, traz consigo um mandato

socializador entrelido pela ótica das minorias proprietárias, seletivamente forjando-se uma

tradição do poder e dos poderosos.

Constituindo-se ainda, estrutural e funcionalmente, como correia de transmissão da

cultura dominante, da ideologia dominante, isto é, a mundo-visão das classes que dominam

materialmente as relações sociais.

Pode-se compreender assim como a tradição seletiva que estrutura e organiza o currículo cumpre um papel central na tradução da política do conhecimento oficial (APPLE, 1994) nos contexto escolares. É a correia de transmissão da estratégia (de reforma) cultural dominante em direção a âmbitos microssociais específicos, destinados a materializar o processo de construção hegemônico, mediante a conformação de subjetividades de acordo com os interesses e o projeto político global dos grupos do poder. Os conhecimentos, valores, regras, recursos e normas de comportamento definidos pelo Currículo Oficial configuram, ainda que sempre de maneira contraditória e conflitiva, um mandato socializador que, ao interpelar o pedagógico e ideologicamente os sujeitos, os constitui e os habita instrumentalmente para perceber e atuar em um dado universo significativo. (SUÁREZ apud GENTILI, 1995, p.266)

Evidencia-se, portanto, que os currículos “oficiais” enquanto correias de transmissão

da ideologia das classes dominantes não são apenas impostos, mas são também, fruto das

lutas sociais, “os produtos de intensas negociações e conflitos e de tentativas de reconstrução

do controle hegemônico, pela real incorporação do conhecimento e das perspectivas dos

menos poderosos, ao abrigo do discurso dos grupos dominantes” (APPLE, 1997, p.86).

Em outros termos, o currículo oficial não é apenas reflexo mecânico (como se fosse

possível reduzir a complexidade do real a “fatores”) das “idéias da classe do poder, impostas

sem mediações e de modo coercitivo” (APPLE, 1997, p.86). Mas, isso sim, resulta dos

“processos de incorporação culturais dinâmicos” que refletem as “continuidades e

contradições da classe dominante”, como também representa o “contínuo refazer e a

legitimação dos sistemas de plausibilidade da referida cultura” dominante (LUKE apud

148

APPLE, 1997, p.86), no sentido de busca por “legitimação cultural ideológica” de certa ordem

de prática social estabelecida.

Nesse sentido, essa “ordenação” pelo poder do Estado burguês contemporâneo tem

como objetivo dois efeitos importantes, de ampla repercussão para as classes trabalhadoras,

sobretudo para sua fração docente.

O primeiro desses efeitos se concentra na tentativa de mudar os conteúdos escolares

mediante a alteração de política curricular a partir de um modelo de gestão burocrático,

baseado em uma “transformação conservadora” alicerçada em pacotes de materiais didáticos

instrucionais padronizados. Estes, denominados nesta pesquisa Livros-texto, passam a ser

distribuídos em massa para o chão de todas escolas públicas básicas, visando operacionalizar

e conduzir a seu modo o a força de trabalho docente.

O segundo dos mencionados efeitos consiste em controlar e orientar toda prática

educativa em função dos conteúdos “mínimos”, presentes nos Livros-texto e mensurados por

meio de “fórmulas técnicas” de critérios produtivistas. Tais critérios expressam teoricamente

a adequação da aprendizagem dos alunos ao saber oficial em “forma de rendimento a ser

alcançado no final de um ciclo” (SACRISTÁN, 2000, p.132). Ou seja, por meio dos índices e

metas oficiais das avaliações externas, como os expressos nos resultados do SARESP, a

saber: o IDESP, Índice de Desenvolvimento Educacional de São Paulo ou o IDEB, Índice de

Desenvolvimento Educacional Brasileiro.

Trata-se, enfim, de um sistema curricular fechado, produtivista, que só procura sua

reprodução, constituindo-se mesmo em uma educação em que os resultados aparecem como

fins em si e por si mesmos, não sendo mais meios para nada, já que tais controles de

“medições” foram transformados no fim último da paranóia avaliativa hegemônica.

Isto é, os meios (administrativos) que deveriam supostamente auxiliar na construção

do verdadeiro fim pedagógico – a produção, sistematização e socialização críticas de

conhecimentos sociais humanamente úteis à resolução das ainda urgentes questões da escola

pública das classes trabalhadoras e da humanidade –, subsumem a teleologia crítica da

educação.

Educação que passa, então, a não ser mais capaz de se questionar sobre seu

posicionamento, seu sentido ético e sua finalidade prático-teórica, imersa que está em uma

praxis reiterativa e imitativa que ocorre, inescapavelmente, no interior da divisão hierárquica

do trabalho humano.

149

Esta realidade deve ser negada, constantemente, a fim de não se evidenciar o caráter

ideológico da educação dominante, aparentemente “neutra” e pairando acima das classes e de

suas contradições e explorações.

Daí revela-se todo fetiche de uma suposta “Educação para todos” que “cria a ilusão de

ser uma política educativa progressista”, que em hipótese pressupõe “uma forma rápida e

barata de mudar a qualidade da prática educativa”, mas que, entretanto, provoca um “clima de

relações rarefeitas” na escola decorrente do “controle de qualidade do processo”

(SACRISTÁN, 2000, p.132). Controle realizado por meio da mensuração dos resultados do

trabalho docente, isto é, a força de trabalho apta a escolarizar os educandos. Diferente,

portanto, daquele “clima democrático” implicado com um processo de participação, a partir

do qual o professorado produz “uma cultura interna própria, revelando os valores, os ideais

(sociais) e as crenças compartilhadas” (BRITO 2003, p.137).

Assim sendo, os esquemas prescritos, abstratos, nesse passo, transformam-se em um

esquema de “controle de qualidade”, real, muito mais poderoso do que proposições abstratas

das “pautas de comportamento na prática para melhorar a qualidade dos procedimentos

pedagógicos” (SACRISTÁN, 2000, p.115) do Currículo Oficial.

Portanto, esse processo de mercantilização da educação transforma o conhecimento

humano, ou a aprendizagem dos alunos, em “rendimento escolar” convertido em “índices de

desempenho” ou de desenvolvimento educacional.

Termos nada ingênuos, como se vê, já que construídos afins e completamente

convergentes ao ideário econômico político dominante, a indicar o quanto a lógica do

mercado já domina a escola pública de base.

Resulta desse processo, finalmente, uma “nova” forma de controle do trabalho

docente configurada como um tipo de “tecnificação taylorizada do currículo” (SACRISTÁN,

2000, p.115) que, seletivamente, define os pretensos “rendimentos” cada vez mais “tangíveis”

para os diversos níveis do sistema educativo – tido até então como produção de resultados não

tangíveis materialmente.

Nesse itinerário, o Currículo Oficial é operacionalizado por meio da padronização de

artefatos instrucionais nas mãos de tecnocratas da administração educativa. Aí, a substância

político-pedagógico do conhecimento é subsumida ao suposto caráter técnico e “neutro” a

serviço do controle dos resultados do trabalho docente.

Desse modo, o Estado político do capital, ao imiscuir-se no processo de “controle de

qualidade” do rendimento escolar – capital ou “fator” humano perspectivado pela produção

econômica dominante –, como resultado do trabalho docente, engendra uma praxis

150

burocratizada ao padronizar todos os conteúdos e os códigos pedagógicos que chegam a

professores e alunos.

Tudo isso, vale a pena fixar com Chauí, baseado em uma suposta “regra de

competência”, segundo a qual não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer

coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O que nos permite indagar, com a

autora:

Quem se julga competente para falar sobre a educação, isto é, sobre a escola como forma de socialização [interrogação] A resposta é óbvia: a burocracia estatal que, por intermédio dos ministérios e da secretarias de educação, legisla, regulamenta e controla o trabalho pedagógico. Há, portanto, um discurso do poder que se pronuncia sobre a educação definindo seu sentido, finalidade, forma e conteúdo. Quem, portanto, está excluído do discurso educacional [interrogação] Justamente aqueles que poderiam falar da educação enquanto experiência que é sua: os professores e os estudantes. (CHAUÍ, 1980, p.27)

Nesse sentido, os esquemas e técnicas de “controle de qualidade” sobre toda praxis

educativa na escola são entregues a construtos técnicos, utilizados como estratégias do poder

para difundir a cultura (ideologia) dominante, efetivamente.

Desse modo, tanto as avaliações externas, quanto o currículo oficial e os Livros-textos,

enquanto instrumentos estratégicos do poder, progressivamente regulam e conformam todos

os âmbitos da educação pública (não apenas a básica) sob a lógica do mercado.

Portanto, esses ¨artefatos normativos de regulação política e moral¨ (SUÁREZ apud

GENTILI, 1995, p.267), mecanismos ou estratégias reais de disseminação da cultura

dominante, passam a servir de meios de controle tanto do processo de desenvolvimento

curricular, quanto de seu produto. Ou seja, o rendimento do “fator” humano (um alunado

coisificado) medido pelo prisma do economicismo das teorias do chamado capital humano.

No primeiro caso, o “controle do currículo” incide nas condições concretas do

trabalho docente por meio dos conteúdos mínimos prescritos e presentes nos Livros-texto,

enquanto que, no segundo, “fixa-se nos produtos da aprendizagem” por meios de avaliações

externas. Estas classificam, “ranqueando”, as escolas e os professores por meio de prêmios ou

bonificações financeiras, na medida em que alcancem as metas de desempenhos ou dos

índices de desenvolvimento educacional estabelecidos pelos organismos regulatórios

estaduais, nacionais e internacionais.

151

Conseqüentemente, a escola pública brasileira, e não apenas a básica,

progressivamente “legitima uma norma de qualidade e de cultura nas provas que realiza para

os alunos” (SACRISTÁN, 2000, p.115). De modo a instalar crescentemente uma cultura de

treinamento de testes vinculados às avaliações externas hegemônicas.

Enfim, o Estado capitalista “tem sido capaz de criar uma nova política do

conhecimento oficial, especialmente em torno do currículo”, cujos “efeitos são vistos no

artefato que constitui o ‘currículo real’ em muitas escolas: o Livro-texto” (APPLE, 1997,

p.25).

Por conseguinte, o currículo real é constituído a partir de diversos materiais didáticos,

padronizados e distribuídos em massa para as escolas, que “são os autênticos responsáveis da

aproximação das prescrições curriculares aos professores” (SACRISTÁN, 2000, p.149) e aos

alunos.

Dessa forma, os Livros-texto são exemplos de “agentes apresentadores do currículo

pré-elaborado para os professores” e aparecem como “meios estruturadores da prática

educativa que oferecem estratégias de ensino em si, ainda que seja em forma de esquemas a

serem adaptados para cumprir com as exigências curriculares” (SACRISTÁN, 2000a, p.150).

Os Livros-texto são, então, constituídos como manuais didáticos padronizados

fabricados em forma de apostilas escolares ou de cadernos de alunos e guias de orientações

curriculares para professores. Fabricados ainda em grande quantidade pelo Estado e são

distribuídos em massa para a escola pública básica.

Esses contêm as informações que o alunado precisa para “sobreviver nas instituições

acadêmicas”, mas que, no entanto, “pouco tem a ver com o que utilizam em sua vida cotidiana

para compreender as situações das quais participam e elaborar propostas de ação em sua

comunidade” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.155). Isto porque são materiais pedagógicos

elaborados por especialistas de fora das condições concretas das escolas.

Esses manuais técnico-instrucionais possuem, ademais, alguns traços característicos

que os definem como um recurso escrito e editado para uso exclusivo de alunos e alunas a ser

utilizados restritamente nas escolas. Esses manuais são dirigidos inicialmente ao corpo

docente, tendo em vista que é ele quem primeiro tem acesso a esses, muito embora não

apresente nenhuma participação em sua elaboração, uma vez que é planejado para ele

executar e não com ele.

Na retórica nada ingênua do discurso oficial, os Livros-texto objetivam poupar o

aborrecimento e “economizar” o tempo que o professorado “perde” com o planejamento

curricular de seu próprio processo de trabalho, e, por conseguinte, segundo seus

152

implementadores, “sobrar-lhe-ia” mais tempo para que se dedicasse a sua “missão” redentora

de ensinar.

Como em todo fetiche, o Livro-texto aparece, pois, sob o manto da superficialidade

aparente, ideologicamente, de forma diversa daquilo que é em realidade. Assim, com

Sacristán, “suas funções reais vão mais além de sua declarada missão de auxiliar os

professores, [e] configura-se como uma prática econômica, utilizada historicamente como

forma de controlar o currículo e a atividade escolar” (SACRISTÁN, 2000, p.151).

Por conseguinte, ao invés de ajudá-los no planejamento curricular de seu processo de

trabalho, convertem-se mesmo em um meio ou instrumento que possibilita o “controle de

qualidade” ou de produtividade da força de trabalho docente.

Logo, configuram-se em uma seleção de atividades “vendida previamente ao corpo

docente como um trabalho a menos que deve realizar” (SACRISTÁN, 2000, p.156) e,

portanto, devendo ser utilizado na escola na medida em que esse é configurado como o

“programa oficial aprovado pelo governo de plantão” (p.155).

Explicitando-se, aí, a relação entre poder e Livros-texto que não deve ser tomada

ingenuamente pela Ciência da Educação preocupada com o desvelar das

pseudoconcreticidades fetichistas de uma realidade excludente que, por isso, desumaniza.

Desse modo, a distribuição dos Livros-textos em massa em uma rede pública de ensino

formal forja um cenário que traduz, teoricamente, a visão oficial de educação como uma

“definição institucional de cultura” que, no fundo, “não passa de uma imposição autoritária do

que é ou não bom, válido, certo, etc.” (SACRISTÁN, 2000, p.155).

Portanto, esses materiais didáticos padronizados representam mesmo “uma ameaça

contra a liberdade de consciência e a liberdade de cátedra” (TORRES SANTOMÉ, 1998,

p.160), a condicionar em grande medida as maneiras de desenvolver um projeto curricular de

modo a fechar o currículo oficial em si. Dificulta, senão inviabiliza completamente, pois, a

construção de um Projeto Político Pedagógico vinculado às condições reais da escola pública

básica.

Desse modo, “uma administração educacional que aposta no respaldo a este tipo de

produto traduz uma notável desconfiança nas capacidades e formação dos professores”

(TORRES SANTOMÉ, 1998, p.160). Mais ainda, segundo Tomas Englund (1986), os Livros-

texto constituem-se em “interpretações autoritárias e autorizadas pelo Estado dos princípios

implícitos do currículo e dos princípios explícitos do sistema de valores dominantes” (apud

TORRES SANTOMÉ, 1998, p.161).

153

Em todos os países, as políticas curriculares promovidas e defendidas pelos Ministérios da Educação mostram claramente sua dependência dos sistemas de valores hegemônicos em cada sociedade, e os materiais curriculares são os meios aos quais se recorre para garantir seu controle e vigilância no dia-a-dia das salas de aula e instituições de ensino. (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.161)

Assim, os Livros-texto desempenham “um papel primordial na definição da cultura” e

do “conhecimento considerado legítimo” (APPLE, 1997, p.74) e, então, se criticamente

analisados, podem desvelar como a “educação e poder são termos de um par indissociável”

(p.74).

Daí, uma educação que se pretende “neutra” em relação à temática do poder só pode

ser necessária e ideologicamente, convergente e parte do poder que pretende ocultar para que

melhor se imponha, não existindo “apoliticismo” que, de fato, não sirva à política econômica

dominante. Nesse sentido, os Livros-texto são

[...] ao mesmo tempo os resultados de atividades políticas, econômicas e culturais, de lutas e concessões. Eles são concebidos, projetados e escritos por pessoas reais, com interesses reais. Eles são publicados dentro dos limites políticos e econômicos de mercados, recursos e poder. (LUKE apud APPLE, 1997, p.74)

Por conseguinte, os Livros-texto, além de também engendrarem uma prática educativa

padronizada e burocratizada, bem determinada e específica, integram certo construto

discursivo que intenta tanto controlar a realidade na escola, quanto produzi-la conforme suas

diretrizes e orientações.

Nessa perspectiva, assumem e subsumem a função social do professorado no

planejamento curricular ao delimitar as escolhas possíveis e desejáveis de sua atuação. Dessa

forma, transformam-se em um tipo de manual técnico a ser seguido, mesmo que

seletivamente, para se alcançar um trabalho docente mais produtivo sob a lógica do mercado

e que, assim, à semelhança das velhas cartilhas, acabam por enquadrá-lo como mero executor

de tarefas prescritas e planejadas, heteronomamente, por tecnocratas de plantão.

Esses mecanismos de controle e padronização de todo processo educativo são

estratégias concretas do poder características da tradicional divisão hierárquica do trabalho

humano, o que cinde a praxis em momentos dicotômicos: planejamento-execução, teoria-

prática, subjetivo-objetivo etc. Nesse sentido o Estado, ao burocratizar o trabalho docente,

degrada a praxis docente rebaixando-a uma praxis reiterativa e imitativa, a desqualificar o

saber docente a duras penas construído.

154

Por conseqüências, a imposição estatal de “pacotes” de materiais didáticos

padronizados, especificadores minuciosos de todos os objetivos, conteúdos, atividades e

procedimentos, rebaixa o professor a mero instrutor desqualificado na medida em que dita o

quê, o como e o de que forma ele deve ensinar, “bem” ensinar. De modo que trazem em seu

bojo

[...] os passos pedagógicos que o professor deve tomar para alcançar esses objetivos já embutidos, e já tem também embutidos os mecanismos de avaliação. Ele não apenas pré-especifica quase tudo o que um professor precisa saber, dizer e fazer, mas em geral fornece um esboço de quais seriam respostas apropriadas dos alunos a esses elementos. (APPLE, 1989, p.159)

Esses pacotes padronizados de materiais didáticos descrevem, minuciosamente, os

objetivos, os tempos e as formas das atividades dos alunos, assim como os processos ou

procedimentos detalhados das situações de aprendizagem em que se integram. Além dos seus

resultados e critérios a serem utilizados pelo professorado em suas avaliações.

De modo que, ao final, em alguns casos o detalhamento das situações de

aprendizagem “se estende até mesmo à especificação das exatas palavras que o professor deve

dizer”51 (APPLE, 1989, p.159). Conseqüentemente, as

[...] habilidades de que os professores e professoras costumavam precisar, que eram tidas como essenciais para a arte de trabalhar com crianças [e os adolescentes] – tais como o planejamento e a elaboração do currículo, o planejamento de estratégias curriculares e de ensino para grupos e indivíduos específicos com base num conhecimento íntimo dessas pessoas – não são mais necessárias. Com o influxo em grande escala de materiais pré-empacotados, o planejamento é separado da execução. O planejamento é feito ao nível da produção, tanto das regras para o uso do material, quanto do próprio material. Ao longo desse processo, aquelas que eram antes consideradas habilidades valiosas tornam-se gradualmente atrofiadas, porque são exigidas com menos freqüência. (APPLE, 1989, p.161)

Portanto, os Livros-texto constituem-se na concretização das prescrições abstratas do

currículo oficial efetivando-se, como o currículo real, ao retirar do verdadeiro sujeito da

51 Essas características podem ser encontradas em alguns dos atuais Livros-textos oficializados pela escola pública estadual paulista, especialmente no Ciclo I, conforme pode ser encontrado no site oficial da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEESP): http://www.educacao.sp.gov, bem como no link do Programa Ler

e Escrever destinado a orientações técnico-pedagógicas para o Ciclo I, ou seja, para o nível de ensino das crianças das 1ªs a 4ªs séries, dentre outros.

155

educação, o professorado em interação com o alunado, seu processo de planejamento

curricular, a usurpar-lhe o controle sobre seu próprio processo de trabalho.

Donde emerge e se reproduz a tradicional divisão capitalista hierárquica do trabalho

humano, historicamente conhecida por separar as funções de planejamento das de execução

no interior da burocracia governamental, o Estado, sempre e hoje mais do que nunca a serviço

da lógica mercantil (financeira) do capital.

À semelhança do que ocorreu com outras “profissões”, pois, o trabalho docente sofre

também o processo denominado taylorização interiorizada ou toyotização, onde os “controles

técnicos produzem menos consciência de que existem, impondo-se através da própria

estruturação o cargo, por meio da própria hierarquização de funções separadas em que se

baseia” (SACRISTÁN, 2000, p.155).

Trata-se de uma prática do poder estatal que “outorga legitimidade” ao conhecimento

de grupos particulares, bem delimitados e específicos, concretizando-se, enfim, num currículo

real com uma série estruturada de situações de aprendizagem e orientações didáticas

completamente pré-especificadas e fechadas de antemão, de forma heterônoma.

Desse modo, bancariamente engendra-se um processo de escolarização

burocratizado, uma vez que fechado em “programações ajustadas” de atividades e estratégias

com “objetivos muito definidos ou para o domínio de conteúdos bastante detalhados”

(REIGELUTH, ROMISZOWSKI apud SACRISTÁN, 2000, p.283). Esses são “concretizados

em atividades instrutivas” (p.283) de modelos quase algorítmicos extraídos de programas

técnico-pedagógicos, passando por alto, assim, a diferença evidente entre modelos

matemáticos e as contradições de classe do social.

Diante disso tudo, registre-se que os Livros-textos acabam por alienar o professorado

de seu próprio processo de trabalho, engendrando-lhe, pois, uma prática reificada e imitativa

que subsume o trabalho docente à lógica do mercado.

Tal como um fetiche, os Livros-texto coisificam, alienam e mercantilizam as relações

sócio-educativas na escola ao se apresentarem, na superfície de sua aparência fenomênica,

como se fossem “neutros”, pairando acima das classes e das contradições sociais.

Constituindo-se mesmo, ideológica e discursivamente, como uma “ajuda” ou panacéia

educacional dirigida ao professorado, “poupando-lhe” o dispendioso “tempo” de

planejamento de seu próprio trabalho (exteriorização de parte substancial de sua vida).

Repita-se: essa “forma especial de conhecimento”, a-histórico e estático, forjada em

consonância com as exigências de uma futura (e muitas vezes inexistente) “empregabilidade”

do alunado-capital humano, convergentes com as expectativas do mercado de trabalho do

156

capital, acaba por ser “embalsamada nos Livros-texto com a intenção de fazer o corpo docente

economizar trabalho, com uma pretensão de neutralidade ideológica” (SACRISTÁN, 2000,

p.283).

Isso, contudo, só faz ocultar ou obstaculizar a compreensão da realidade dos

estudantes, uma vez que eles não são contextualizados a partir da concreticidade ou

materialidade de suas vidas cotidianas e, portanto, tal escolarização alienada e alienante só se

preocupa com a paranóica memorização para provas e avaliações externas. Que nada provam

e nada avaliam, substancialmente, no que diz respeito ao desenvolvimento humano-cognitivo

do alunado e de suas individualidades no longo prazo.

Haja vista, nesse exato sentido, a falência da educação capitalista em todo o mundo,

necessitando-se urgentemente, pois, de um novo tipo de escola capaz de atrelar as

circunstâncias existenciais dos educandos à historicidade presente do real (campo das lutas e

contradições sócio-econômicas e políticas), a ser transformada na e pela praxis docente e

discente no sentido do ser mais humano.

Ou seja, é tarefa fundamental dos educadores críticos redirecionar a escola pública,

não apenas a básica, para a perspectiva da humanização e não para o mercado. Isso de modo a

deixá-la “falar” de sua concreticidade, única capaz de significar-lhes a vida e engendrar uma

praxis educativa ontocriadora que transforma a realidade escolar.

Fora disso, a escola e a escolarização convertem-se, no dizer/fazer freiriano, num

“blábláblá”, isto é, em treinamento e memorização de um saber avesso ao concreto -

especulativamente burocrático e padronizado – e a serviço da manutenção do status quo e da

domesticação humana.

Por conseguinte, os Livros-texto, apreendidos em sua efetividade de mecanismo,

estratégia ou aparelho ideológico de controle hegemônico do Estado sobre a educação oficial

das classes trabalhadoras, ao não levar “suficientemente em conta a experiência prévia de

estudantes concretos, seus níveis de compreensão, seus modos de percepção individual e seus

ritmos de aprendizagem” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.110), ou seja, ao ignorar sua leitura

de mundo e da palavra –, fortalecem e retroalimentam a concepção bancária da educação,

fortalecendo os mitos de uma realidade que desumaniza.

Deve-se ter em conta, também, que os Livros-texto são “produtos” de grandes tiragens

editoriais para o mercado educacional da escola pública básica, atrativas para o capital e

exclusivas de um reduzido número de editoras.

157

E isso tudo articulado com o tratamento de uma grande quantidade de alunos como

“consumidores” dessa mercadoria educacional, que deve ser “dosada” homeopaticamente no

alunado recipiente, manifestando-se, portanto, o célere processo de mercantilização da

educação pública brasileira como prática de depósitos. Esta, progressivamente, “vem tirando

do professor o direito e o dever de planejar para cada turma específica aqueles conteúdos que

[...] ele considere importantes e significativos” (ARELARO, 2011, p.23).

Por essa razão, esses materiais didáticos pré-empacotados e padronizados se

constituem em um mecanismo ideológico de controle que objetiva a “inculcação” do saber

oficial como o único “válido” e “legítimo” “para todos”.

Tal como uma Cartilha rediviva ou ressuscitada na contemporaneidade, pouco

adequada, pedagogicamente, para os fins sociais e transformadores do processo político-

pedagógico de ensino e aprendizagem, mas muito recomendável pelo, e afim ao, ponto de

vista econômico hegemônico, principalmente quando financiado pelo capital público

(dilapidação ou apropriação privada do fundo público), altamente rentável para as editoras.

É essa também a leitura realizada pelo professor Gaudêncio Frigotto acerca do

movimento real da educação pública brasileira, na atual fase do sistema do capital

mundializado, principalmente no que se refere à implementação dos Livros-texto na escola

pública básica, em artigo denominado “A alternativa implica que a sociedade assuma a

educação pública”. Em suas palavras:

[...] com anuência de grande parte do poder público, contratam-se institutos privados que fabricam apostilas esquemáticas de conteúdos e métodos cheios de clichês, retirando do professor a autonomia do quê ensinar e como ensinar dentro do projeto pedagógico por eles construídos e dentro de sua realidade. (FRIGOTTO, 2011, p.17)

Do ponto de vista cultural, ainda, os Livros-texto não passam de “produtos

estereotipados, que consumidos homogeneamente por todos os alunos não podem ser algo

além de resumos esquemáticos de informações descontextualizadas” (SACRISTÁN, 2000,

p.152). Uma vez que seus conteúdos são apresentados de forma muito reduzida

(reducionismo), positivista e esquemática, o que compromete, sem dúvida, a formação social

do aluno.

Logo, constituem-se em uma colcha de retalhos justapostos de saberes aditivos,

destacáveis, entrecortados e de escasso valor cultural, mesclados com exercícios

descontextualizados da problemática real das escolas brasileiras.

158

Os Livros-texto, assim, aumentam as possibilidades dos estudantes de não

conseguirem estabelecer, criticamente, os nexos entre os conteúdos supostamente apreendidos

e, assim, são forçados, como norma, à memorização fetichista, bancária. Uma vez que o

professorado enfrenta a invariabilidade das atividades prescritas, burocraticamente, de

antemão, o que lhes dificulta a contextualização das situações concretas.

Portanto, o professorado na medida em que se limita a seguir cegamente suas

orientações transforma-se em “‘organizadores organizados’, carentes de autonomia, sem

poder de decisão e sem controle” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.111). O “organizador” de

Livros-textos no cotidiano da escola, o professorado, já se encontra previamente “organizado”

pela tecno-burocracia estatal, em parceria com seus aliados hegemônicos das classes

proprietárias do grande capital.

Em outras palavras, o professorado, utilizando esses manuais como único instrumento

de trabalho, tem usurpado o seu direito de planejar sua própria atividade com autonomia e,

então, perde também o controle sobre a própria exteriorização de seu ser coletivo.

Por conseguinte, ao fazer uso desses materiais curriculares como se fossem uma

espécie de manual técnico, o professorado acaba por transformá-los num tipo de cartilha

auto-suficiente, a condicionar todo processo de seu trabalho.

Assim, para além da retórica estatal, apesar de serem apresentados como uma espécie

de panacéia mistificadora ou fetiche, supostamente capaz de melhorar por si a educação

pública básica e a vida do professorado, os Livros-texto ocultam em realidade sua verdadeira

razão de ser instrumento técnico de controle sobre a produtividade da força de trabalho (ou

“mão-de-obra”) docente.

Nesse ambiente burocrático e hierárquico que opera com alto grau de manipulação e

sofisticação ideológica “neutra”, já que não se trata somente de imposição coercitiva e

autoritária, mas sim de “convencimentos”, as políticas “públicas” educacionais promovidas

pelos Estados passam a ser moldadas pelos interesses neoliberais, privatizados e

conservadores. Curiosa política “de intervenção” neoliberal do Estado na educação, a conferir

ao professorado o mero papel de executor de uma prática burocratizada, heteronomamente

planejada, na medida em que ignora sua própria realidade concreta.

Logo, os professores são reduzidos, mais e mais, a simples executores ou tarefeiros

das “situações de aprendizagens” prescritas, rebaixados a entregadores de conteúdos mínimos

padronizados nos Livros-texto. Isso ao invés de o que seria respeitar a subjetividade da

categoria, tomá-los como planejadores de alternativas pedagógicas mais adequadas à

concreticidade ou concretude do real e do chão da Escola.

159

Assim, os “planejadores” das “novas” políticas educacionais para todos são destinadas

aos alunos mais competitivos, a sobreviverem no exigente mercado de trabalho capitalista.

Nesse exato sentido, elaboram, a fim de justificar suas estratégias mercantis, um discurso

recheado de “extensos diagnósticos de áreas problemas. Entretanto, ideologicamente,

apresenta-se incoerente e contraditório no exercício da execução das reformas”, uma vez

realmente predominar a lógica da redução de custos. “A prática se desenvolve segundo

parâmetros diferentes do discurso que justifica a adoção das medidas” (GOHN apud

GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.117).

A lógica da redução de custos está sempre presente. O raciocínio e o cálculo econômico predominam. A lógica de mercado está presente desde as premissas das propostas que atribuem à escola a função de desenvolver capacidades para o exercício da cidadania, a aprendizagem de conteúdos necessários para a vida em sociedade. As reformas são processos políticos e também comunicacionais e culturais: para promoverem melhorias substantivas dependem de projetos emancipatórios e das culturas organizacionais existentes. Tratá-las como instrumentos administrativos, fundadas em racionalidades econômicas para reduzirem custos, é um grave equívoco e uma mistificação: não geram melhorias e muito menos cidadania. Seus impactos para uma educação de qualidade são nulos, elas se resumem a um cabedal de dados e cifras estatísticas. (GOHN apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.117)

Por conseguinte, o planejamento tecnocrático dos Livros-texto, enquanto currículo

real, ausente a intermediação e mediação do saber docente, não é apenas mais um recurso

para ser usado pelo professorado e pelo alunado. Mas, isto sim, constitui-se como o

“verdadeiro” sustentador da “pedagogia das competências e habilidades” para o mercado. Isso

porque a pedagogia das competências e habilidades, orientadas à empregabilidade desejada

pelo capital e seu mercado de trabalho assalariado, ao determinarem tudo

[...] o que deve ser ensinado, dão ênfase a uns aspectos sobre outros, ressaltam o que deve ser lembrado, dirigem a seqüência de ensino durante períodos longos ou mais curtos de tempo, sugerem exercícios e atividades para os alunos que condicionam processos de aprendizagem, assinalam critérios de avaliação, etc. (SACRISTÁN, 2000, p.210)

Dessa maneira, o professorado organizador previamente organizado ou racionalizado,

torna-se mero gestor de tarefas submetidas às restritas pautas do poder e do mercado. Acaba

se prescindindo mesmo de uma real interação entre os próprios professores na constituição de

160

seu ser e ir sendo sujeito coletivo parcela das classes trabalhadoras. Isso porque, registre-se,

com

[...] o incremento do emprego de sistemas curriculares pré-empacotados como formatos básicos para desenvolver o currículo resultará virtualmente em que a interação entre professores não seja necessária. Se qualquer coisa é racionalizada antes de sua execução, então o contato entre professores sobre os problemas práticos do currículo se minimiza. (APPLE apud SACRISTÁN, 2000, p.156)

Nesse sentido, ao padronizar, burocratizar e intensificar o trabalho docente, esses

sistemas curriculares pré-empacotados como formatos básicos acabam por diminuir a inter-

relação fundamental entre os professores, como também entre eles e os alunos, além de

reduzir o papel da formação continuada na escola a um tipo de treinamento, mecânico,

articulado por suas pautas e pelas prioridades de sua “agenda”.

Nesse enquadramento, os Livros-texto são “configuradores do currículo e da formação

de professores, caracterizando-se de certa forma uma terceirização da educação pública”

(SACRISTÁN, 2000, p.157) de modo mesmo a usurpar dos verdadeiros sujeitos da educação,

o professorado em interação dialética com o alunado, o direito de planejar e executar seu

próprio trabalho.

Logo, esse sistema curricular condutivista e autoritário obstaculiza a construção de um

clima favorável para uma colaboração autêntica entre os sujeitos envolvidos na praxis

educativa no sentido da horizontalidade exigida para a construção de um currículo como

“projeto de pesquisa na ação” (SACRISTÁN, 2000, p.178).

Portanto, se a socialização e a individuação capitalistas se dão, histórica e

objetivamente, na e pela verticalização burocratizada das relações humanas, cada vez mais

fetichizadas e esvaziadas de sentidos humanos, engendrando uma concepção reducionista do

homem como ser econômico deve-se lutar, pois, por uma ética e uma ontologia a elas

antípodas. Calçadas na horizontalidade e igualdade substanciais dos direitos sociais de todos

os envolvidos no processo pedagógico.

Por isso, a luta “por uma definição coletiva do currículo – isto é, pela democratização

dos critérios de seleção, classificação, hierarquização e organização de conhecimentos e de

valores a incluir no currículo – é antes de tudo, uma luta política e ética” (SUARÉZ apud

GENTILI, 1995, p.276).

161

No processo de mercantilização da educação, “a acomodação a aspectos técnicos do

trabalho limita o próprio conhecimento do professorado a respeito das especificidades da

aprendizagem de seus alunos” (GITLIN apud SACRISTÁN, 2000, p.202), uma vez que “a

adaptação do currículo às suas necessidades, a importância de contar com suas experiências,

se vêem obscurecidas pela seqüência de aprendizagem preestabelecida nos materiais que

regulam o currículo” (p.156).

Dessa maneira, os Livros-textos, um dos mecanismos de controle hegemônico da

educação formal e do trabalho docente, aparecem como tecnologia ou instrumento didático,

que tanto planeja todos os objetivos e atividades do trabalho docente como determina sua

metodologia, tempos e organização espacial. E, assim, ao se tornar agente planejador e

organizador das práticas curriculares, se transforma em produtor de todas as relações

educativas, agora já padronizadas e burocratizadas e servindo à domesticação do homem e da

mulher das classes trabalhadoras.

Enfim, os Livros-texto assumem tamanha importância que o “próprio currículo em si

não pode ser explicado à margem das formas através das quais ele se desenvolve”

(SACRISTÁN, 2000, p.157).

Também, ao configurarem e engendrarem todas as relações sócio-educativas na escola

reavivam sob nova roupagem histórica as velhas “Cartilhas”52, tão combatidas no passado por

seu caráter dogmático, catequizador e positivista – enfim, mascarador e conservador de uma

realidade que desumaniza.

Diante do exposto, apreenda-se, os Livros-texto são os tradutores das prescrições

curriculares gerais e, nessa exata medida, são os construtores do “verdadeiro” significado dos

códigos pedagógicos da “nova” gestão “pública” neoliberal conservadora. Tanto para os

alunos quanto para os professores, como também, inclusive, para a formação contínua

realizada na escola.

Trata-se, pois, de fato, de uma estratégia hegemônica enformada pela prática

burocratizante a partir da qual se destitui o professorado de seu saber e de sua indelegável

função social de formar as novas gerações, em interação com elas na praxis pedagógica não

burocrática ou bancária.

52 Manual em que se aponta o “padrão de comportamento ou maneira de ser”, ou ainda, condiciona o “pensar ou agir sistematicamente de maneira idêntica à outra pessoa” (HOUAISS, 2009).

162

Desse modo, essa determinada prática acaba por privá-lo de sua capacidade intelectual

de construção com os educandos de uma leitura crítica de mundo e da palavra que lhes

permita, ao fim, uma inserção crítica na sociedade contemporânea. E não meramente

contribuir para sua adaptação ao mundo e, mais especificamente, ao mercado e a suas

exigências de “empregabilidade” (às vezes, ilusórias).

Conclui-se de tudo isso que, como todo fetiche que se impõe como uma retórica

oficial inversa daquilo que perfaz na prática, os Livros-texto quando são apresentados na

superficialidade de sua intenção real, proclamados ideologicamente como panacéia

mistificadora para solucionar todos os problemas da “ineficiente” escola pública básica, na

realidade, revelam-se poderosa estratégia do poder e do mercado na difusão do conhecimento

enquanto mercadoria.

Mais ainda, na esteira de Suárez (apud GENTILI, 1995, p.266), se o currículo oficial é

estratégia hegemônica que funciona como correia de transmissão da cultura dominante, então,

os Livros-textos são o motor que propulsiona a máquina que faz a educação pública básica

rodar na direção da lógica do mercado e do capital.

Nesse exato sentido, transformam-se nas velhas “Cartilhas” redivivas, na

contemporaneidade, sob nova roupagem e conteúdos que, à semelhança das do passado,

imprimem todo seu caráter dogmático, catequizador e positivista – enfim, mascarador da

realidade que desumaniza, despontado e estabelecendo-se como mais um mito da ideológica

Cultura dominante.

Por conseguinte, a “educação de resultados”, bem longe da inserção crítica dos alunos

num mundo crivado pelo ¨horror político e econômico do desemprego estrutural¨, omite-se

diante do real.

E isso, imperdoavelmente, “enquanto milhões de meninos e meninas são

quotidianamente submetidos a maus-tratos e violência em um mercado de trabalho que os

reduz a meros escravos, negando-lhes os mais elementares direitos humanos e desintegrando-

os física, psicologicamente e afetivamente” (GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.09).

Essa educação reforçadora da barbárie social em curso, hoje mais do que nunca,

encontra-se em forte processo de privatização de sua verdadeira função social. Isso porque

tem seu sentido economicamente redirecionado, apagando seu caráter coletivo de direito

social, concebido necessariamente unido com os demais direitos subjetivos básicos das

maiorias subalternas.

163

Em direção norteada por uma “lógica econômica estritamente privada e guiada pela

ênfase nas capacidades e competências que cada pessoa deve adquirir no mercado

educacional para atingir uma melhor posição no mercado de trabalho” (GENTILI,

FRIGOTTO, 2002, p.81).

Então, a educação passa a ser privatizada com a dissolução de sua característica

pública, transformada que está em uma mercadoria, resultado de um processo de

escolarização no qual um alunado, coisificado, é moldado minimamente por faixas de

“depósitos de competências”.

Isso através, já que em interação dialética com, um professorado que é subsumido ao

capital ao ver sua praxis burocratizada na utilização da força de trabalho docente empregada

pelo Estado, não de acordo com as demandas da concreticidade do chão da escola e de seus

verdadeiros sujeitos. Mas, pelo contrário, um Estado em parceria público-privada com as

empresas do grande capital – e seus todos poderosos interesses e “valores”.

Fazendo do processo e do produto da educação mais uma mercadoria, um alunado no

qual se inculcou uma “faixa mínima de competências” a ser cambiada em seu nicho de

mercado especificamente educacional, ancora-se seu processo e resultado, logo em seguida,

no todo poderoso mercado de trabalho assalariado do capital.

Promessa de caráter estritamente privado, a promessa da empregabilidade a guiar o

mercado educacional que, a sua vez, retroalimenta o mercado de trabalho.

Morta definitivamente a promessa do pleno emprego, restará ao indivíduo (e não ao Estado, às instâncias de planejamento ou das empresas) definir suas próprias opções, suas próprias escolhas que permitam (ou não) conquistar uma posição mais competitiva no mercado de trabalho. A difusão da promessa integradora /da escola/ deixará lugar à difusão de uma nova promessa, agora sim, de caráter estritamente privado: a promessa da empregabilidade. (GENTILI apud FRIGOTTO, 1998, p.81)

Nesse sentido, “educar para o emprego levou ao reconhecimento (trágico para alguns,

natural para outros) de que se devia formar também para o desemprego, numa lógica de

desenvolvimento que transformava a dupla ‘trabalho/ausência de trabalho’ num matrimônio

inseparável” (GENTILI apud FRIGOTTO, 1998, p.89).

Portanto, uma “pedagogia de competências e habilidades” desenha a luta dos

indivíduos átomos em concorrência no mercado de trabalho do capital, dando ênfase à

função, em geral ocultada da escola, de forjar uma “formação para o desemprego” (GENTILI

164

apud FRIGOTTO, 1998, p.78), ou para o subemprego e demais empregos informais e

precarizados.

Essa educação, então, está perfilada ideologicamente ao fetiche do mercado, difusor

ou reprodutor das alienações que “coisificam”, mistificam e mercantilizam as relações

humanas, conforme colacionado por Costa, Neto e Souza (2009). Essa autora, citando as

observações de Gramsci escritas no período fascista entre 1929 e 1935, nos Cadernos do

Cárcere, a respeito de sua crítica da educação capitalista, repõe no horizonte a análise do

pensador e militante marxista italiano.

Segundo ela, a educação capitalista constitui-se como estratégia político-econômica

das elites dominantes, processo de “esvaziamento dos conhecimentos da categoria docente”

(p.69).

Isto é, não interessa e nem nunca interessou aos donos do poder político e às classes

proprietárias da exploração econômica uma educação crítica e criticizante, desveladora ou

desocultadora de mundo. Isso na medida em que o ato político-pedagógico de tomar

consciência da realidade do mundo para, em seguida, ser capaz de transformá-lo material e

ideologicamente, sempre foi perigoso ou ameaçador aos interesses das elites do poder. Estas,

ainda hoje, insistem em manter o professorado preso à “mediocridade” de ser mero reprodutor

do status quo político-econômico. Nesse sentido, esse modo hegemônico de ser e ir sendo

professor ditado pelas elites

[...] pode conseguir que os alunos se tornem mais instruídos, mas não conseguirá que sejam mais cultos; ele desenvolverá – com escrúpulo e com consciência burocrática – a parte mecânica da escola, e o aluno, se for um cérebro ativo, organizará por sua conta – e com ajuda de seu ambiente social – a “bagagem” acumulada. Com os novos programas, que coincidem com uma queda geral do nível do corpo docente, simplesmente não existirá mais “bagagem” a organizar. (GRAMSCI apud COSTA, NETO, SOUZA, 2009, p.69)

3.3 PROLETARIZAÇÃO E EXPROPRIAÇÃO DO SABER DOCENTE

Diante do exposto, na contra-hegemonia desse processo recheado de contradições e

tensões no modo de ser professor submetido ao conservadorismo da atual “educação de

resultados”, bem como sob o signo de políticas “públicas” tecno-gerencialistas tendentes a

“privatizar” o Estado “público” – donde contribuem na reprodução das enormes

desigualdades sociais –, deve-se situar um professorado capaz de levar adiante “o assumir-se

da categoria enquanto parcela da força de trabalho do país” (CHASIN, 2000a, p.363).

165

Isso porque a centralidade da luta do trabalho, ou, o que é o mesmo, a das classes

trabalhadoras assalariadas que personificam a lógica omnilateral do trabalho social

contraposta à do capital – dialeticamente, trabalho morto ou passado exteriorizado de forma

estranhada e apropriado por frações da classe proprietária (sobretudo a dos meios de

produção) –, “mesmo sob as relações sociais de exclusão vigentes, detém a virtualidade de

efetiva melhoria da qualidade de vida para todos os seres humanos” (FRIGOTTO, 2001b,

p.69). Daí, dialética ou contraditoriamente,

[...] quanto mais as [classes sociais] parecem desaparecer do campo da visibilidade do confronto privado, tanto mais são requeridas como atores de regulação pública. Isto não é paradoxo, mas contradição das classes sociais hodiernas, que é, também, a mesma do fundo público. (OLIVEIRA apud FRIGOTTO, 2001b, p.67)

Desse modo, pois, com Tomaz Tadeu da Silva, registre-se ser crucial que o

professorado “assuma sua identidade como trabalhadoras/es culturais envolvidas/os na

produção de uma memória histórica e de sujeitos sociais que criam e recriam o espaço e a

vida sociais” (GENTILI, SILVA, 2001, p.28). Isso na medida em que o não assumir esse

espaço “significa entregá-lo a forças que certamente irão moldá-lo de acordo com seus

próprios objetivos e esses objetivos podem não ser exatamente os objetivos de justiça,

igualdade e de um futuro melhor para todos” (p.28). Em regra, não o são.

Assim, cabe ao professorado, que não se feche nos muros da escola, mas que, ao

contrário, consiga atrelá-la em sua materialidade concreta à abertura para a totalidade

dialética do processo histórico-humano em devenir, vincular suas reivindicações postuladas

“na dependência direta de buscar e estabelecer conexões de solidariedade e luta com o

conjunto dos demais setores do trabalho” (CHASIN, 2000a, p.363). Professor, então,

trabalhador.

E hoje não se deve perder de vista que se vive “numa conjuntura onde professores,

bombeiros, técnicos administrativos das universidades federais, trabalhadores da Usina

Hidrelétrica de Jirau em Rondônia, dentre outros milhares de brasileiros, apontam o caminho

da luta como forma de responder à situação de precariedade de suas vidas” (BOPPRÉ, 2011,

p.13).

Nesse exato sentido, relembrando-se Tragtenberg, deve-se registrar que o

professorado, imerso em períodos de mudança social, como hoje em que se vivencia uma

crise civilizatória de ordem estrutural, e não meramente conjectural, enquanto assalariado ou

166

funcionário do Estado, que luta contra a proletarização de suas condições de trabalho,

contesta o sistema social em sua totalidade quando se organiza coletivamente para tanto.

Também nessa direção, a luta pela “dilatação da esfera pública e da democracia

representativa, a possibilidade da união entre homens e mulheres de bem, movidos pela razão

sensível [...] contra a burocracia” e outros aparatos do poder (FRIGOTTO, 2001b, p.78), vale

fixar, constituem a grande educadora dos sujeitos que deixam de estar representados na

história para irem tomando-a mais e mais nas mãos.

A luta contra-hegemônica, então, como a verdadeira educadora político-cultural dos de

baixo e seus aliados, muito mais importante do que o mortificante memorizar de manuais

sebosos e cartilhas redivivas a “inculcar” a ideologia dominante, a dita cultura dominante a

ser “ensinada”.

No caso específico da luta no estado de São Paulo, por exemplo, a APEOESP (1999

apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.116) é enfática ao apontar para o já mencionado caráter

de “redução de gastos públicos com a educação”, típico das políticas sociais excludentes

neoliberais, com a predominância da lógica financeira à lógica educacional, o que se expressa

na “reforma educacional recomendada pelo Banco Mundial”.

Em síntese para a APEOESP, o projeto educacional do governo paulista não é mais que uma estratégia de redução dos investimentos no setor, combinado com a tentativa de desqualificar e fragmentar o sindicato: “As medidas a serem implantadas vêm sempre num discurso pseudoprogressista que invoca razões de ordem pedagógica para justificá-las, mas, na realidade, o enxugamento dos gastos é sempre o objetivo indisfarçavelmente maior”. (APEOESP, 1999, p.02 apud GENTILI, FRIGOTTO, 2002, p.116)

Nesse exato sentido, com a marca histórica das lutas do sindicato do professorado de

São Paulo, que se educa também na luta política ao evidenciar a indissociável relação entre

educação e poder político e econômico dominante, desvelando aí a suposta “ingenuidade” de

uma educação “para todos” numa sociedade estruturada “para poucos”, a economista Leda

Paulani (2008), ainda, delineia uma caracterização geral do dito “pacote” neoconservador e

neoliberal. Assevera a autora que,

[...] brandindo os princípios neoliberais da eficiência, da rigidez de gastos e da austeridade, administra-se hoje o Estado ‘como se fosse um negócio’. E é de fato disso que se trata, pois, contrariamente ao que ocorria na fase anterior [keynesianismo, Estado de “bem estar social”, Previdência, Saúde, Educação etc.], a atuação do Estado se dá agora visando preservar não os interesses da sociedade como um todo

167

(emprego, renda, proteção social etc.), mas os interesses de uma parcela específica de agentes cujos negócios dependem fundamentalmente dessa atuação. É o fato de o neoliberalismo ter se tornado prática de governo justamente nessa fase de exacerbação da valorização financeira que explica por que esse elemento foi adicionado ao pacote neoliberal. (PAULANI, 2008, p.120)

Trata-se, então, de reforma educacional implementada, registre-se, pelo “ajuste da

legislação, dos métodos de gestão pública e das instituições educacionais” às diretrizes

centradas em idéias gerencialistas típicas do setor empresarial como produtividade,

rendimento e competitividade, que objetivam mesmo a redução do gasto social de modo a

focalizá-lo em determinados instrumentos ou tecnologias de controle e regulamentação do

sistema educacional, “particularmente, mediante a fixação de parâmetros curriculares

nacionais e desenvolvimento de sistemas de avaliação” (PAULANI, 2008, p.120).

A lógica da administração de organizar e planejar “objetos” passíveis de manipulação,

assim, prevalece sobre, deformando a, racionalidade educativa humanizadora, reduzindo-a a

escolarização técnica e gerencialista para treinamento e competição mercantis.

Tal processo burocratizante advém da praxis e da noção mercantil de “gerenciar” a

educação pública estatal a fim de “conseguir resultados máximos com o mínimo de custos”

(ENGUITA apud GENTILI, SILVA, 2001, p.155). Consolidou-se essa diretriz na

Conferência Mundial sobre a Educação para todos do Banco Mundial-FMI-UNESCO,

ocorrida em março de 1990 em Bangkok e, no caso latino-americano, traduziu-se no recente

relatório Cepal-Unesco: Educación y conoscimiento: eje de la transformacion productiva con

equidad, Santiago do Chile, Nações Unidas, 1992 (GENTILI, SILVA, 2001, p.154).

Além disso, registre-se que mencionada diretriz hegemônica encontra-se baseada “na

concepção de uma modelo brasileiro de Escola de Qualidade Total” (RAMOS COSETE apud

GENTILI, SILVA, 2001, p.142).

Esse “modelo de escola”, ainda, norteia-se por uma retórica de qualidade que “assume

grande parte dos conteúdos do campo empresarial” (APPLE apud GENTILI, SILVA, 2001,

p.142), efetivando-se na medida em que é empuxado por, dentre outros fatores, um “pacto

para a qualidade”, supostamente proposto para a melhoria global dos sistemas educativos

nacionais que, a sua vez, são operacionalizados a partir da mensuração da “qualidade”.

Isto é, “qualidade” seletivamente entrelida como mensuração do “rendimento escolar”

dos processos educativos por meio de “critérios de avaliação tayloristas”, fundados em uma

“terminologia eficientista” que compõe “autênticos glossários de messianismo pedagógico”

(GENTILI, SILVA, 2001, p.154).

168

Messianismo falsamente pedagógico, importante fixar, na medida em que há a

prevalência da razão burocrática redutora de custos e maximizadora de rendimentos que forja

uma subsunção do verdadeiro debate pedagógico-político à suposta “neutralidade” da

administração escolar.

Nesse tipo de escola é “o caráter mensurável da qualidade o indicador que permite

definir o grau de eficiência do sistema sendo sua dimensão de valor o ajuste às demandas do

mercado” (GENTILI, SILVA, 2001, p.156).

Dentre essas, a “noção de eficiência – tomada aqui, sem nuances, do campo produtivo

remete a dois conceitos associados: competitividade e êxito”, sendo eles apreendidos por meio

de “provas padronizadas para a medição de êxitos cognitivos aplicados a população

estudantil” (GENTILI, SILVA, 2001, p.156).

Constituem-se, pois, em um dos mais importantes mecanismos hegemônicos de

“controle de qualidade da educação” (p.157).

Dessa forma, a educação transforma-se em mercadoria na medida em que assume –

operando-se aí seu caráter de fetiche – “qualidades objetivas de objetos” (LUKÁCS, 1967,

p.28-9), donde o trabalho docente passa a ser reduzido à função do capital, isto é, acaba por

ser exteriorizado de forma estranhada, tal qual uma mercadoria capaz de dissimular o fato de

trazer consigo qualidades sócio-humanas que, aparentemente, fazendo-se “coisa”, não

provêm, e independem da praxis docente e de suas circunstâncias histórico-concretas de

produção.

Portanto, a educação oficial e o trabalho docente a ela atrelado não são postos na

direção da emancipação humana, já que se apresentam como uma relação fetichizada entre

“coisas”, qualidade de “coisas entre coisas”. Qualidades objetivas de objetos ou mercadorias

sem a compreensão da atividade humana sensível em sua confecção, de modo a se perder a

potência omnilateral e ontocriadora da praxis transformadora de mundo e do humano,

reduzida que está a uma praxis reiterativa, repetitiva e alienadora da realidade contemporânea.

Nesse sentido, e agora já tendo particularizado a concreticidade da educação inserida

na totalidade do modo de produção e reprodução societária sob o jugo do capital, em

movimento, bastaria refletir sobre o significado real, isto é, já despido de seu véu ideológico

de aparência fenomênica e de toda pseudoconcreticidade do imediato, do nome do mais

conhecido indicador de “controle de qualidade” na produção da mercadoria escolar paulista, a

saber: o SARESP – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar.

169

Observe-se, conseqüentemente, que um Currículo Oficial do Estado político mínimo

ao trabalho, porém máximo ao capital, convergentemente articula-se com o projeto político

econômico hegemônico, neoconservador e neoliberal. Na medida em que trata o processo

educativo como mercadoria resultante da força de trabalho docente, enquanto força

produtiva de um “saber institucionalizado”, de um “saber padronizado” como o único

“legítimo”, a ser “consumido e medido” (feito o processo de produção e consumo de

mercadorias materiais, por exemplo) pelas contínuas avaliações externas.

Sempre na busca de “metas” educacionais pré-estabelecidas pelos organismos

nacionais e internacionais de acordo com os interesses e “valores” dos donos do poder e do

capital.

Portanto, progressivamente constitui-se no Brasil, e em São Paulo enquanto “plano

piloto” aos demais estados da Federação, um “mercado educacional de serviços educacionais”

para a adequação da formação de um “alunado mercadoria”, a vir a ser “capital humano”.

“Fator H” adequado às exigências crescentes do mercado de trabalho, corroboradas pelas

teorias do capital humano; humanidade “coisificada” a serviço não do ser humano, mas

subsumida ao domínio e fetiche do capital e seu mercado.

Os mitos do mercado “livre” e do “último” homem “fatalmente” capitalista, assim, são

reforçados, de modo a mascarar a realidade presente que desumaniza a todos. Agora

“naturalizada” e “eternizada” por meio de fetiches e alienações cada vez mais intensos.

Educação, então, que reforça o status quo ao invés de desocultá-lo em suas desigualdades

mediante o exercício crítico, dialético, de desvelar mundo e conscientizar sobre sua

materialidade estruturalmente desigual.

Destarte, com Soucek, vale reter que por detrás do modelo de educação centrado na

competitividade “está a redução do ensino ao modelo de trabalho industrial” (MORROW,

TORRES apud BURBULES, TORRES, 2004, p.39), denunciado pelos críticos das políticas

educacionais neoliberais, como Michel Apple, dentre outros. Esses autores, especialmente

Apple, mostraram de forma criteriosa “como a padronização do ensino e do currículo está

intimamente ligada à desespecialização do professor e à lógica do controle técnico em

educação” (p.39).

Nesse sentido, o impacto das políticas “públicas” neoliberais sobre o professorado

identifica-se com uma intensificação do trabalho docente mediante a utilização de sistemas

curriculares condutivistas e pré-empacotados. Aí tudo é, seletivamente – leia-se: aos olhos

dos donos do poder político e do mercado capitalista –, padronizado, especificado, enfim,

racionalizado previamente à execução mecânica sobre o alunado, por parte do professorado,

170

de “tarefas” ou “entregas”. A reduzir o sujeito professor à figura do “tarefeiro” ou do

“entregador” de “certos saberes”, heteronomamente ditados porque hegemonicamente, pelas

elites do poder, “selecionados”.

Isso tudo deformando a educação humana, como se ensinar seguisse a mesma lógica

do controle técnico-gerencialista do resultado produzido, já que há uma integração dessa

particularidade educacional aos movimentos ideológicos dominantes de “competição” entre

os indivíduos abstratos, isolados, num mundo rebaixado a mercado em “guerra

concorrencial”. Domínio ideológico sobre a consciência ou imaginário coletivo das classes

dirigentes e proprietárias que nasce da, e se fortalece pela, materialidade das práticas de poder

político e riqueza econômica, monopólio cultural etc., do capitalismo ao longo da história.

Ideologia segundo a qual tudo, na fantasia do capital, dependeria exclusivamente das

habilidades técnicas de sujeitos átomos em guerra para sobreviver e, para alguns

privilegiados, vencer.

O individualismo competitivo enquanto ideologia dominante (do Estado e do

Mercado) perpassa, pois, toda “educação bancária de resultados”, e isso com vistas ao

ocultamento das classes sociais e de suas relações estruturais na objetividade e

processualidade históricas.

Observa-se, então, o relacionamento da Educação oficial com uma potente estratégia

neoliberal conservadora de subordinar as instituições educacionais à lógica de redução dos

“gastos” da área social. Essa estratégia visa ao desvirtuamento interesseiro do foco da grave

crise estrutural de desemprego crônico por que passa o mundo do trabalho (sobretudo nos

países um dia já chamados de “primeiro mundo”), ao vinculá-la à falta de “qualidade” das

escolas e da formação dos professores, pela “baixa qualidade” da “empregabilidade” dos

estudantes que, por “incompetências” diversas, não alcançaram a tão almejada posição de

“mercadoria escolar” ou “capital-fator humano”.

Portanto, essa “pedagogia de competências e habilidades” é fruto de políticas

educacionais que, sustentadas por um ethos racionalizador neopositivista, só faz aumentar e

“naturalizar” a desigualdade social, a pobreza e a exclusão social entre os deserdados deste

mundo do capital, produzidos estrutural e historicamente. Já que agora educar reduziu-se à

problemática técnica e administrativa de “especialistas” dito “neutros”, ato não mais

vinculado às urgentes problemáticas de uma realidade histórica que desumaniza e, justamente

por isso, precisa ser desocultada com vistas a sua transformação.

171

Chegou-se, pois, à era da educação “neutra” manipulatória, de fato, uma educação a

serviço da política econômica dominante, ideologicamente apresentando-se a todos como

“apolítica” para se impor, assim, de forma mais “eficaz” porque “imperceptivelmente”.

Essas políticas “públicas” educacionais, conforme Morrow e Torres, “destroem as

tarefas culturais e humanísticas mais amplas da educação” de modo a corroer a consciência

dos “grupos marginalizados de entenderem os processos estruturais que determinam seu

destino” (apud BURBULES, TORRES, 2004, p.41), tornando-os “menos capazes de lutar por

si mesmos contra os fluxos e as pressões globais por ajuste estrutural”.

Desse modo, pois, “as possibilidades potencialmente libertadoras do ‘planejamento de

vida reflexivo (uma expressão utilizada por Giddens) permanecem uma opção para poucos”

(MORROW, TORRES apud BURBULES, TORRES, 2004, p.41), quando muito,

acrescentamos.

Isso tudo a fim de desvelar a “conexão e convergência entre o movimento dos

professores e o das demais categorias do trabalho” imersos na totalidade de uma sociedade de

classes a denunciar, assim, o ethos neoliberal das reformas educacionais hegemônicas,

evidenciando, portanto, que “a educação é assunto de toda a sociedade e, de modo muito

especial, de suas maiorias subalternas” (CHASIN, 2000a, p.363). Não se trata, então, de

assunto apenas de “especialistas” e de “políticos profissionais”, cujos partidos costumam

ancorar suas bases no grande capital das classes proprietárias.

Nesse contexto histórico presente, conseqüentemente situando a escola em relação à

totalidade do social, matrizada pela divisão capitalista do trabalho humano e todas suas

dimensões e desdobramentos alienantes e fetichizados, é impossível assumir que o professor

da escola pública não estabelece relações capitalistas.

O professor da escola pública, em uma situação na qual é “regido por um Estado

capitalista, que opera, cada vez mais, segundo a lógica privatista das empresas e, por isso

mesmo, desenvolve relações de exploração capitalista sobre todos os trabalhadores a ele

subordinados” (COSTA, NETO, SOUZA, 2009, p.96), reproduz, sim, relações capitalistas.

Nesse sentido, a comprovar pela empiricidade ou faticidade o presente processo de

precarização do trabalho docente, transcreve-se parte de depoimento da professora Amanda

Gurgel.

Justifica-se a citação, acredita-se, na medida em que ela vocaliza não apenas uma

supostamente pontual greve do professorado de seu estado, o Rio Grande do Norte, mas

também, e mais ainda, sintetiza toda fratura da praxis docente brasileira. Isso porque tal

“texto”, pronunciado em maio de 2011, em Audiência Pública sobre a precária condição real

172

da educação daquele estado, é, por si só, capaz de denunciar o histórico descaso com a

educação. Haja vista a irrisória cifra de “2,89% do PIB de 2010 da União dedicada à

Educação pública”, ao lado da igualmente aviltante e irrisória cifra de “3,91% destinada à

Saúde”.

Há, de fato, o que o depoimento da professora citada só vem a explicitar, um

estratégico achatamento ou arrocho salarial, arquitetado pelas elites do poder nacional, com o

qual sofre toda a categoria que vive-do-trabalho-docente público na escola, não apenas

básica, ao passo que, bem acima das aviltantes cifras mencionadas, “temos um governo

respondendo por ajustes econômicos, para salvaguardar o pagamento da dívida pública na

ordem de R$ 635 bilhões anuais, o que representa 44,93% do orçamento da União de 2010”

(BOPPRÉ, 2011, p.13). Dívida pública de alto interesse lucrativo ao capital rentista e ao

processo de financeirização do capital contemporâneo, neoliberal conservador, explique-se.

Explicitando a proletarização da situação salarial do professorado brasileiro (arrocho

salarial), donde se põe também em evidência a real e nada ingênua destinação orçamentária da

Política Econômica Educacional do Estado do capital, um dia dito “público” e “democrático”,

denunciou combativamente a professora Amanda Gurgel, no que simultaneamente anuncia as

possibilidades alternativas latentes no real pela organização dos professores em luta contra a

superexploração da sua força de trabalho docente:

[...] O número de meu salário, um 9, um 3 e um 0. 9, 3, 0. Meu salário base. Com nível superior com especialização. [...] A minha fala não poderia partir de um ponto diferente deste, porque só quem esta em sala de aula e só quem pega três ônibus por dia para poder chegar em seu local de trabalho [pode falar sobre a proletarização do professorado com propriedade de caso]

Por conseguinte, evidenciando nosso solo histórico, “descaso” planejado e estruturado

pelas elites do poder nacional, articulada com as internacionais que as subalternizam

historicamente, em torno de uma aviltante e irrisória Política Econômica Educacional.

Com essa educação “pública”, bem como com as precárias condições reais de vida do

professorado que vêem de longa data histórica, dilacera-se, fraturando, a categoria. Isso com

vistas a reduzir, cada vez mais, os gastos do Estado capitalista, hoje praticamente despido de

sua natureza de coisa ou res pública (república), com políticas educacionais de efeitos sociais

excludentes.

173

Nessa direção de desvelamento de uma realidade que desumaniza e de reformas

educacionais pelo alto que prolongam as continuidades de mais do mesmo de descaso com a

educação, assim prossegue a professora Amanda em sua grande e urgente denúncia:

[...] Fora disso qualquer colocação ou consideração que se faça aqui é para mascarar uma verdade que é uma verdade visível a todo mundo que é o fato de que em nenhum governo e nenhum momento no nosso estado, nossa cidade e em nosso pais a educação foi uma prioridade. Em nenhum momento!

Por ora, importa fixar que Florestan Fernandes, nesse mesmo sentido, num balanço

crítico-histórico do “projeto de descaso” das elites brasileiras em relação à educação, não

importando quão mistificadores os discursos hegemônicos em contrário na tentativa de negar

esse fato, já denunciava que a “educação nunca foi algo de fundamental no Brasil”

(FLORESTAN apud FRIGOTTO, 2011b, p.243).

Assim, com o depoimento da professora ainda se é capaz de revelar a profunda falta de

respeito por parte do Estado brasileiro em relação ao professorado das rede públicas de ensino

– já que sempre foi estratégia sua, não revelada e sempre mantida oculta, obviamente –,

indicando-se também não só a proletarização do trabalho docente, mas, mais além,

evidenciando a precarização completa das condições materiais mínimas existente na escola

pública básica.

Ainda, prossegue a referida professora em suas inquietações que, sem dúvida, são

também as de muitos outros professores brasileiros.

Me preocupa muitíssimo a fala da maioria aqui [na Audiência Pública na Assembléa Legislativa de seu estado], inclusive a da secretária Betânia Ramalho, com todo respeito, que é: [...] Não vamos falar da situação precária, que todo mundo já sabe. Como assim não vamos falar da situação precária? Gente, estamos banalizando isso daí, estamos aceitando a situação precária da educação como uma fatalidade?Parem de associar qualidade em educação com professor dentro de sala de aula, parem de associar isto! Não tem como você ter qualidade com professor em três horários em sala de aula, porque é assim que os professores multiplicam os 930; 930 de manhã, 930 à tarde, 930 à noite para poder sobreviver. [E] não é para andar com bolsa de marca nem para usar perfume francês, certo?! É para ter condição de pagar a alimentação de seus filhos; é para ter condição de pagar a prestação de um carro que muitas vezes eles compram para poder se locomover mais rapidamente de uma escola para outra; e eles precisam escolher o dia que vão andar de carro, que não tem condição de comprar o combustível

174

Enfim, enriquecido com a reflexão convergente de Florestan Fernandes, trata-se

mesmo de um “depoimento” que põe em relevo a materialidade adversa imposta

historicamente pelo Estado brasileiro ao professorado da escola pública, não apenas a básica.

O que nos indigna profundamente ao explicitar como os agentes públicos do Estado dito

“Democrático” de Direito – Promotores de “Justiça” altamente remunerados, diga-se de

passagem – “fiscalizam” e “proíbem” professores que, por não terem recursos para se

alimentar fora de casa diariamente, alimentam-se do “cuscuz da merenda”.

A promotoria e o Ministério Público, então, como agentes reprodutores de uma ordem

desumanizada, desprovida de qualquer sentido ético, motivo pelo qual, talvez, serem tão bem

remunerados pelo mesmo Estado que reproduz as desigualdades sociais de classes.

Articulando-se como “mínimo” no que diz respeito às necessidades das classes

trabalhadoras e como “máximo” ao assegurar os interesses do capital, dentre os quais se

encontra, sem dúvida, o encarceramento em massa pelo Ministério Público, auxiliado pelas

Polícias, daqueles que atacam seu bem supremo, a propriedade privada.

[Quero] pedir à promotoria que esteja com a fiscalização efetiva do ministério público, que não seja para dizer ‘professor não pode comer o cuscuz porque é um cuscuz alegado, o cuscuz da merenda’, porque está ali para dizer que o cuscuz é do aluno, não é do professor; diga-se de passagem, não temos recursos para estarmos nos alimentando fora de casa. Não temos para isto. [Todavia, há ainda] muitas questões mais complexas. [Mas no momento] eu gostaria de solicitar isso, em nome de meus colegas que comem o cuscuz alegado, em nome dos meus colegas que pegam três ônibus para chegar em seu local de trabalho e em nome de Jéssica, que está sem assistir aula neste momento, mas que fica sem assistir aula por muitos outros motivos, por falta de professor, por falta de merenda. É isso que quero dizer

Nesse sentido, enquadrado na totalidade de um mundo do trabalho mais e mais

precarizado e destruído, mercê da longa crise estrutural do capital, o depoimento empírico de

uma professora do nordeste brasileiro vai muitíssimo além de sua imediaticidade de “texto”,

de um fato isolado, recortado de um conjunto societário caótico, fração do real. Revela-nos,

ao contrário, o precário quadro da educação pública formal nacional, no qual há uma

proletarização do trabalho docente que é acompanhada pela proletarização de toda força de

trabalho do país.

Arrocho educacional acompanhado, pois, de arrocho salarial dos trabalhadores em

geral – arrochos, ambos, caracterizados pela superexploração do trabalho. Desse modo,

175

[...] todos os trabalhadores do país, incluídos os professores, vergam sob o peso da superexploração do trabalho e, concomitantemente, sob a espoliação da inteligência: os professores pelas imensas distorções que padecem na esfera do exercício profissional do ensino e da pesquisa; os trabalhadores em geral e seus dependentes pela exigüidade e má qualidade do ensino que recebem, quando o recebem (CHASIN, 2000a, p.363)

Não bastasse, pois, o arrocho salarial e as perversas circunstâncias históricas de

precarização das condições reais do trabalho docente, no âmbito da educação pública

paulista, as políticas “públicas” educacionais neoliberais também promovem um arrocho

educacional ao intensificar o ritmo do processo prático do professorado com tarefas

padronizadas e prescritas heteronomamente por “especialistas”. Isso de modo a se almejar,

hegemonicamente, o aumento da “eficiência” e “produtividade” educacionais mediante a

implementação de um Currículo Oficial produtivista e baseado em Livros-texto.

Assim, a greve dos professores por todo o país, entendendo-os como componentes de

parcela das classes trabalhadoras, lutando por razões salariais e condições de trabalho, fere

diretamente a política econômica vigente, na medida em que é, em si, a denúncia e o combate

à superexploração do trabalho (arrocho), motivo pelo qual é imediatamente política.

Assim, a prática educativa, mediante a crescente demanda por resultados “eficientes”

dos rendimentos dos alunos (medido por avaliações externas), progressivamente chancela o

conhecimento oficial como o único “legítimo” e, cada vez mais, acaba por ser inserido num

processo de “controle de qualidade” de resultados e de sua produtividade. Então, cada vez

mais as decisões do professorado “ocorrem dentre uma série de práticas que estão cada vez

mais restritas” (POPKEWITZ, 1997, p.260), mediante políticas “públicas” educacionais

instituídas para

[...] racionalizar e padronizar o processo e os produtos do ensino, para tornar obrigatórios conteúdos e formas de ensino muito específicas, para definir todo ensino como um conjunto de ‘competências’ mensuráveis e assim por diante, [o que] está relacionado a uma história mais ampla de tentativa para controlar o trabalho, em ocupações que historicamente têm sido consideradas trabalho feminino remunerado. (APPLE, 1997, p.180)

Por conseguinte, o ensino oficial e o trabalho docente da escola pública básica têm seu

processo e produtos padronizados no sentido mercantil, com conteúdos e formas

determinados pelos Livros-texto que, progressivamente, provocam a “degradação do trabalho”

176

(APPLE, 1997, p.178). Isso de modo a limitar a participação do professorado “às soluções

técnicas, à eficiência e às abordagens funcionais” (POPKEWITZ, 1997, p.260).

Essa processualidade hegemônica que pressiona o mundo do trabalho docente, de fato

intenta “aumentar sua eficiência e sua ‘imputabilidade’53 através de práticas e normas de

gestão e de organização do trabalho provenientes diretamente do ambiente industrial e

administrativo” (TARDIF, 2009, p.25). Engendrando-se, pois, uma “nova” gestão “pública”

educacional tecno-burocrática e gerencialista.

Tem-se assim, repita-se, a primazia do administrativo, com vistas ao controle estatal

do trabalho do professorado, sobre o conteúdo verdadeiramente pedagógico de sua praxis, a

saber: a produção e socialização crítica de conhecimento emanadas da concreticidade do real

no chão da escola e de sua materialidade societária, que precisam ser desveladas da aparência

fenomênica das alienações como um dos passos necessários ao labor pedagógico emancipador

do humano, simultaneamente desmistificador do “fetichismo do mercado” (FRIGOTTO,

2001b, p.73).

Ocorre que, apesar do desprezo às diferenças pela padronização mercantil de todas as

dimensões da vida humana, o trabalho docente é “significativamente diferente daquele que é

realizado numa linha de montagem” (APPLE, 1997, p.178), dada a sua especificidade

humanista. Todavia, já que submerso na tradicional divisão capitalista do trabalho social, esse

também sofre, como já vimos, o fenômeno do taylorismo54, o que traz consigo duas

conseqüências de larga repercussão social aos trabalhadores. A saber,

[...] a primeira é o que chamamos de divisão entre concepção e execução. Quando tarefas complexas são fragmentadas em suas operações mais simples, a pessoa que realiza uma das operações perde a vista do todo do processo e deixa de ter o controle maior sobre o planejamento e sobre o que realmente vem a ocorrer. A segunda conseqüência está relacionada a isso mas acrescenta uma característica ainda mais debilitante. É conhecida como desqualificação. À medida que os empregados perdem controle sobre o próprio trabalho, se atrofiam as habilidades que eles desenvolveram ao longo do tempo. Esse é um processo rápido, tornando assim ainda mais fácil à administração controlar paulatinamente o trabalho alheio, uma vez

53 No sentido de aumentar-se sua responsabilização com a indução ou a imposição (HOUAISS, 2009) de comportamentos desejados. 54 Além das definições colacionadas anteriormente neste trabalho, reiterando, conceitualiza-se ainda o taylorismo, processo hegemônico na era industrial, como a organização patronal do mundo do trabalho onde “cada elemento necessário à realização da tarefa foi analisado em seus componentes mais simples. Trabalhadores/as menos qualificados e com salários mais baixos foram empregados para realizar trabalhos mais simples. Todo o planejamento estava a cargo dos níveis gerenciais e não dos trabalhadores” (APPLE, 1997, p.178).

177

que não estão mais disponíveis as habilidades para que o sujeito planeje-o e controle-o. (APPLE, 1997, p.178)

Portanto, o “trabalho docente é constantemente intensificado” por meio do “constante

crescimento de testes e medidas de controle” (APPLE, 1997, p.166).

Assim sendo, lado a lado com a intensa proletarização do trabalho docente, o discurso

e a prática do “controle de qualidade” sobre o rendimento escolar, o professorado é,

estrategicamente, responsabilizado aos olhos públicos pela “ineficiência” e “improdutividade”

em fabricar alunos “competentes” para o mercado.

Daí a imputabilidade, reforçada diariamente pela grande mídia (empresas que

monopolizam a comunicação social) convergentemente ao neoliberalismo conservador, no

sentido de responsabilizar os docentes pela “incapacidade” em formar um alunado

mercadoria ou capital humano (fator H), como se o destino fatal da educação fosse formar

com vistas à “empregabilidade” (e ao desemprego), exclusivamente.

Esse processo de proletarização, falsamente apresentado como pseudo-progressista ou

modernizadora “flexibilização” de direitos relativos ao mundo do trabalho docente, registre-se

de novo, enquadra-se na totalidade histórica da crise estrutural do capital deflagrada desde

1970, cujo resultado mais duradouro se sintetizou na crise e desmantelamento global do

Estado de “bem-estar social” (onde ele realmente existiu).

O Estado foi desregulamentado pela ideologia e prática neoliberais no sentido de um

Estado “mínimo” para as classes trabalhadoras (corte de gastos públicos com previdência,

saúde, educação etc.).

Isso, entretanto, simultaneamente ao ato de conferir uma “máxima liberdade” à

acumulação sempre concentracionária de capitais e riquezas.

“Liberdade” máxima ao capital, paralelamente, com precarização sistêmica do mundo

das classes que vivem do próprio trabalho. Eis em cheio, então, o lema neoliberal

conservador.

Conseqüentemente, como fração da classe trabalhadora, também o professorado é

submetido cada vez mais às pressões do “ethos racionalizador” (APPLE, 1997, p.181)

neoliberal que lhe consome cada vez mais tempo, paralelamente à crescente “quantidade de

trabalho burocrático sob sua responsabilidade” (p.181).

Em suma, “não há melhor fórmula para a alienação e exaustão do que a falta de

controle sobre o próprio trabalho” (APPLE, 1997, p.181), alienação e estranhamento que

perpassam a totalidade do trabalho assalariado sob o capital, não sendo o trabalho docente

178

“imune” ou “infenso” a essa dinâmica de precarização de direitos historicamente conquistados

pela luta das classes trabalhadoras – muito distante de terem sido fáceis “concessões” do

capitalismo e das classes dominantes. Dessa maneira, como os professores

[...] têm um tempo bastante exíguo, mesmo para se atualizarem em suas diferentes áreas, [vêm] tendo que confiar mais e mais em ‘especialistas’ de fora e em pacotes de material curricular e testes padronizados, dadas as imensas pressões que sofrem para fazer mais e ensinar mais em suas salas de aula. (APPLE, 1997, p.167)

Nessa direção de proletarização do trabalho dos professores, a burocratização de seu

labor se intensifica com os controles “produtivistas” e “mercantilistas” focados no

desempenho das avaliações externas – docente e discente – centradas, em geral, nos Livros-

texto, “a dominar o currículo em muitos países” (APPLE, 1997, p.168). Como é o caso do

Brasil, e destacadamente do estado de São Paulo – nos quais os sistemas educacionais

nacionais, como também os estaduais, estabelecem “testagens contínuas que garantem o

controle de qualidade” (p.180) do processo de ensino e de aprendizagem.

Entretanto, antes de tudo, acabam por exercer “considerável pressão sobre os

professores para ensinar simplesmente visando testes” (APPLE, 1997, p.168), estimulando

uma pedagogia paranóica e formal-burocratizante, na qual toda a complexidade do sentido

humano-societário e individual é reduzida à forma e fôrma pré-concebida como modelo ideal,

irreal, padronizado, a ser preenchido pelos inúmeros “casos” ou situações de aprendizagens

predeterminadas, heteronomamente.

A política educacional [neo] liberal é vista – com sua ética de sucesso individual baseada supostamente no mérito – como uma linguagem de justificação, como uma forma ideológica, em vez de uma descrição precisa de como a educação funciona. Não consegue enxergar a conexão entre a produção de determinados tipos de pessoa e do conhecimento, de um lado, e a reprodução de uma sociedade desigual, que estabelece os papéis para os quais esses agentes são produzidos, de outro. (APPLE, 2006, p.51)

Dessa maneira, referida intensificação é “um dos modos mais tangíveis pelos quais se

pode perceber como foram minadas as condições no trabalho dos professores” (APPLE,

1997, p.183), podendo ser percebida por meio do “sentimento crônico de sobrecarga de

trabalho” (p.184).

179

A intensificação leva as pessoas a ‘tomar atalhos’ de modo que apenas é feito o que é ‘essencial’ em relação à tarefa a ser imediatamente executada. Isso força as pessoas a confiarem de forma crescente em ‘especialistas’ para dizer-lhes o que fazer e elas começam a perder a confiança nas próprias habilidades que desenvolveram ao longo dos anos. O trabalho bem feito acaba sendo substituído por trabalho que simplesmente se cumpre. E quando o tempo se torna uma ‘mercadoria’ escassa, o risco de isolamento cresce. Este isolamento reduz as chances de que a interação entre os participantes permita críticas e limita a possibilidade de que possam surgir oportunidades para repensar e desenvolver um ensino compartilhado entre pares. (APPLE, 1997, p.184)

Tudo isso se constitui, na realidade, como um “processo crescente de intervenção do

Estado político do capital no currículo e no ensino”, além de revelar a “intervenção numa

força de trabalho majoritariamente feminina” (APPLE, 1997, p.180), o que se dá por meio de

processos regulatórios “que colocam sua ênfase no desempenho, no monitoramento e na

instrução centrada no conteúdo” (OZGA, LAWN apud APPLE, 1997, p.185).

Atesta-se nesse processo, pois, que a precarização tem rosto feminino (ASSUNÇÃO,

2011), já que a precarização e proletarização do trabalho docente, explicadas em última

instância pela exploração de classe capital-trabalho, evidenciam também o papel

subalternizado das mulheres como parcela ainda mais fraturada da força de trabalho do país,

em comparação com os homens. Pense-se, aqui, na dupla jornada – trabalho escolar e

trabalhos domésticos – imputada historicamente às mulheres por uma sociabilidade brasileira

extremamente machista e patriarcal.

Por conseguinte, a partir daí é possível observar o cabal deslocamento da

escolarização, daquelas percepções e práticas com “noções interativas de cidadania” (APPLE,

1997, p.169) substancial, e com vistas às urgentes reformas e reestruturações sociais no

esquema de poder e de riqueza pela luta dos “de baixo”, para outras percepções e práticas,

hegemônicas e “naturalizadas” como “eternas”, perspectivadas e reorientadas pela regência do

“mercado competitivo” (p.169), dito “livre”, mas nunca apontando-se para quem e a que

serve essa suposta “liberdade” de todos. Dessa maneira, com Gitlin, deve-se registrar que

[...] os currículos e o próprio ato de ensinar são dominados paulatinamente por listas seqüenciais pré-especificadas de competências, resultados e objetivos definidos comportamentalmente, pré-testes e pós-testes para medir ‘prontidão’ e níveis de habilidades e uma predominância de textos e exercícios padronizados. A quantidade de trabalho burocrático necessária à avaliação e à manutenção de apontamentos é quase insuportável, nestas condições. (GITLIN apud APPLE, 1997, p.184)

180

Dentre essas “insuportáveis” perspectivas do capital e do status quo (ou da ordem

estabelecida), apesar da imaterialidade do trabalho docente, já que é diferente da produção de

um automóvel, por exemplo, ou de qualquer outro bem materialmente consumível, seu

resultado passa a ser mensurado constantemente por meio do rendimento dos alunos nas

avaliações externas oficiais. Como se fosse uma mercadoria imaterial, pensando-se aqui que

uma aula pode ser vendida e comprada, não sendo necessário o caráter material para

configurar a possibilidade de uma mercadoria passível de troca.

Essa forte tendência hegemônica de centralizar, padronizar e racionalizar tecnicamente

os sistemas educativos internacionais, nacionais e estaduais, em direção à mercantilização e

privatização do conhecimento, intensifica as pressões sobre os professores. Estes,

[...] ao invés de se encaminhar em direção a um aumento de autonomia, [tem suas] vidas diárias em sala de aula, em muitos casos, cada vez mais limitadas, cada vez mais sujeitas a lógicas administrativas que buscam tornar mais rígidos os controles sobre os processos de ensino e currículo. (APPLE, 1997, p.175)

Tais determinações curriculares, ainda, são freqüentemente condicionadas por

pressões das instâncias educacionais regulatórias – núcleos e anéis burocráticos da

administração do Estado com sua selva de legislações prescritivas no campo da educação –,

em consonância com Assembléias Legislativas – tanto nacionais quanto estaduais – capazes

de (re) configurar os sistemas educacionais na direção da “estrita responsabilização, educação

e testagem baseadas na competência, administração por objetivos, uma visão limitadora do

que seja ‘básico’, conteúdos e objetivos curriculares e obrigatórios” (APPLE, 1997, p.180).

Tudo isso amalgamado acaba por acarretar, por conseguinte, a “desqualificação, a

divisão entre concepção e execução e intensificação” (APPLE, 1997, p.185) do trabalho

docente e, nesse exato sentido, os Livros-texto se revelam mecanismos de controle

hegemônico da educação pública, ou instrumentos mediadores de uma estratégia que

obstaculiza a praxis criadora e reflexiva do professorado, dificultando propositadamente sua

construção enquanto intelectuais transformadores da realidade em que se inserem. Donde

poderiam formar, e formar-se em interação com, o alunado, sem a subsunção desses sujeitos à

burocracia do Estado convergente ao poder do Mercado.

181

Logo, “origina-se disso um tectônico processo de expropriação do conhecimento55 dos

professores, subordinando-os não apenas de modo formal, mas também de modo real ao

capital” (LEHER, 2011b, p.164). Enfim, tal mecanismo de controle hegemônico, uma

tecnologia ou instrumento do poder de controle social, transforma-os em meros executores de

mandados advindos da burocracia tecnocrata do Estado, de modo mesmo, inclusive, a

infantilizá-los porque imaturos

Importa notar sobre essa infantilização, com Chauí, que analisa a ideologia da

imaturidade, ou seja, a relação entre programas, currículos e a noção de maturidade, que “a

criança, a mulher, as ‘raças inferiores’ (negros, índios e amarelos) e o povo” são,

historicamente, tratados como “imaturos”. “Qual a conseqüência fundamental da imputação

de imaturidade a essas figuras? A legitimidade de dirigi-las e governá-las, isto é, de submetê-

las. Ora, a noção de imaturidade é claramente política e ideológica” (CHAUÍ, 1980, p.29).

Contudo, os efeitos da tentativa hegemônica, exemplificada no caso da CEPAL, de

romper “o monopólio” do saber docente, visando expropriá-lo a fim de acelerar as “reformas”

de mercantilização da educação, “podem permanecer abstratos a menos que se perceba que

eles representam processos que têm uma existência real e material, no cotidiano da vida

escolar” (APPLE, 1997, p.185). Pois, despindo-se tal cotidianidade reificada que oblitera ou

perturba a consciência crítica do professorado no intento de compreender o movimento real da

educação contemporânea para nele intervir, transformando-o material e ideologicamente,

deve-se articulá-la com a história presente e passada em movimento humano.

Deve-se, então, questionar radicalmente o motivo de referida infantilização dos

imaturos professores em benefício do conjunto de “saberes” técnicos e “neutros” dos

especialistas em educação, legitimados que estão em “dirigir” e “controlar” o trabalho

docente e todo o processo educativo, conseqüentemente.

Nesse ambiente de burocratismo tecnocrata e de intensificação do trabalho do

professorado nas escolas públicas, não apenas nas básicas, então, continuamente, reproduz-se

um “modelo de ensino” desvinculado das “variáveis sociais, políticas e culturais que

55 Leher (2011b, p.165) explicita declarações de um analista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) em meados dos anos de 1990, década de desertificação neoliberal do Brasil, chamado Guillermo Labarca, em artigo na Revista de la Cepal, n. 56, ago. 1995, p.163-78, intitulado “Cuánto se puede gastar en

educación?”, no qual “sustentava que, para avançar nas contrareformas, era preciso quebrar o monopólio do saber dos professores”. O autor ainda explicita o conteúdo de tal argumento: “A mensagem é clara: os professores e seus saberes fracassaram e as universidades públicas são responsáveis por essa falta de êxito. Doravante, cabe às corporações estabelecer o que é dado a pensar na escola, reconceituando o trabalho docente como ‘tarefas docentes’ alienadas, definidas de modo heterônomo por esferas externas às escolas, como, no PDE, as entidades patronais.” (p.165)

182

interagem em um determinado espaço geográfico e em um particular momento histórico”

(APPLE, 1997, p.29).

Dessa maneira, a “agenda” educacional mercantilizada promove um “esvaziamento

cultural dos distintos âmbitos do saber e da experiência humana” (TORRES SANTOMÉ,

1998, p.126) do próprio professorado, bem como da “leitura de mundo” do saber discente,

única plataforma possível para uma leitura e conscientização crítica da palavra escrita.

Constrói-se, assim, uma “agenda” de educação de modo a ignorar as relações de

desigualdades sócio-econômicas, apartada, ideologicamente, da concreticidade ou

materialidade da escola pública, na direção de uma “educação de resultados” reprodutora das

desigualdades sociais.

Razão que permite, enfim, caracterizar a ofensiva neoliberal como uma nova

“pedagogia da exclusão” (GENTILI, 1995, p.9) a “intensificar e legitimar os privilégios e os

mecanismos de diferenciação social que reproduzem um modelo que só beneficia os

integrados, pondo à margem os excluídos” (p.248). A escola, assim, transforma o pobre num

“fracasso escolar”, reproduzindo os “valores” da sociedade de classes.

Tendo-se em vista, pois, que o neoliberalismo, ao reduzir a noção de “educação como

direito social” à condição de uma formulação oca de qualquer referência substancial de justiça

e igualdade, designa-a como “privilégio” para poucos, transformando-a em mercadoria ou

propriedade de (alguns) consumidores capazes de possuí-la e vendê-la para competir no

mercado dos postos de trabalho.

Nessa direção, Torres Santomé faz um interessante paralelismo histórico capaz de

articular as partes com o todo concreto hegemônico do social, na medida em que compara e

associa “a introdução das máquinas na produção industrial com algumas conseqüências

derivadas da escolarização dominada por Livros-texto” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.178).

Isso porque, repita-se, a educação formal é parte ou particularidade que adquire

inteligibilidade, dialeticamente, em sua inter-relação recíproca com a totalidade do modo de

(re) produção da vida dominante em dada época histórica. No nosso caso, a fase capitalista de

expressão neoliberal conservadora e sua característica fundante, a saber: a promoção da perda

de direitos sociais conquistados pelas classes trabalhadoras em luta contra o capitalismo.

A união entre o capital e a ciência produz, tanto no campo industrial como no educacional, uma série de conseqüências e benefícios para o empresário capitalista e para os grupos de poder que controlam o sistema educacional. Provavelmente uma das mais importantes destas conseqüências seja a possibilidade de produção e educação em massa com operários e docentes desqualificados, pois a máquina em um

183

caso, e o livro texto no outro, permitem a desapropriação das habilidades e conhecimentos dos operários e do professor e professora especializados. A vantagem da máquina e dos Livros-texto (grifo

nosso) como substitutos dos conhecimentos e destrezas que deveriam ser possuídos por operários e professores facultam uma exploração mais fácil e controle do trabalho dos mesmos. (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.178)

Nesse sentido, Dermeval Saviani, delineando aspectos mais gerais da inter-relação

dialética entre trabalho e educação, igualmente perspectivado em seus fundamentos

histórico-ontológicos, esboça que a uma nova forma de produção da existência humana,

aquela advinda da Revolução Industrial e da instauração de uma sociedade global dividida em

classes capitalistas e trabalhadoras, corresponde também uma reorganização das relações

sociais e, mais especificamente, o surgimento de uma nova Escola. Em suas palavras:

À dominância da indústria no âmbito da produção corresponde a dominância da cidade na estrutura social. Se a máquina viabilizou a materialização das funções intelectuais no processo produtivo, a via para objetivar-se a generalização das funções intelectuais na sociedade foi a escola. Com o impacto da Revolução Industrial [1780-1800, originariamente na Inglaterra], os principais países assumiram a tarefa de organizar sistemas nacionais de ensino, buscando generalizar a escola básica. Portanto, à Revolução Industrial correspondeu uma Revolução Educacional: aquela colocou a máquina no centro do processo produtivo; esta erigiu a escola em forma principal e dominante de educação. A universalização da escola primária promoveu a socialização dos indivíduos nas formas de convivência próprias da sociedade moderna. Familiarizando-se com os códigos formais, capacitou-os a integrar o processo produtivo. A introdução da maquinaria eliminou a exigência de qualificação específica, mas impôs um patamar mínimo de qualificação geral, equacionado no currículo da escola elementar. Preenchido esse requisito, os trabalhadores estavam em condições de conviver com as máquinas, operando-as sem maiores dificuldades. (SAVIANI, 2007, p.159)

Desse modo, por ora, importa explicitar e fixar a real união entre educação e capital

(trabalho exteriorizado de forma estranhada e apropriado pelas classes possuidoras dos meios

de produção e “organizadoras” ou exploradoras de trabalho alheio), bem como o paralelismo

entre Indústria/Máquinas e Escola/Livros-texto no processo de alienação e desapropriação de

habilidades e conhecimentos dos sujeitos que trabalham tanto o operariado quanto o

professorado.

A partir desses recursos analíticos para a compreensão da realidade capitalista de

modo geral, em sentido semelhante posiciona-se Leher, de forma mais particularizada, porém,

acerca da realidade brasileira atual. Em suas palavras,

184

[...] a agenda empresarial em curso é difundida por materiais didáticos que devem ser cegamente aplicados. Por meio de publicidade, os governos incentivam os pais a acompanhar a cartilha dos filhos e a acompanhar se o andamento dela está igual em toda a escola. A avaliação centralizada e elaborada com base nas cartilhas é mais uma forma de constrangimento aos professores. O mesmo modus operandi

é utilizado nos guias para a formação de professores e na adoção de modelos de gestão empresarial baseados em resultados. (LEHER, 2011b, p.164)

Observa-se, pois, a articulação real, de longuíssima data histórica, entre a sociedade

de classes fruto da Revolução Industrial e da conseqüente exploração dos trabalhadores pelos

capitalistas (senhores do trabalho alheio), com a Escola moderna e seu sistema de ensino que

capacitaram (ainda o fazendo) a integração dos indivíduos ao processo produtivo, bem de

acordo com a divisão capitalista do trabalho humano típica desse novo modo de (re) produção

da existência social (abrangendo as dimensões econômica, política, cultural, educacional,

ideológica etc.).

Entrelaçamento que se verifica, hoje, entre o Currículo Oficial baseado em Livros-

texto e a intensificação do controle sobre o trabalho docente na escola pública básica,

acompanhado pelo célere processo de empobrecimento dos professores correlacionado à

perda de controle sobre o seu próprio processo prático, aprofundando-se, de forma nunca

vista, a dicotomia burocrática entre os momentos relacionais da concepção e da execução do

labor pedagógico. Isso sob intensa exploração ou superexploração do trabalho docente –

arrocho educacional.

Por conseguinte, engendra-se atualmente uma praxis degradada e repetitiva, fraturada

da realidade concreta apesar de pretender ideologicamente falar sobre ela, forjando um

trabalho cada vez mais alienado e estranhado em relação a seu próprio resultado ou produto,

distanciando mesmo o professorado de seus pares, de seus próprios alunos e de si próprios.

Na medida em que seu trabalho é, como vimos também exteriorização de suas vidas.

Dessa maneira, a formalização de instrumentos, como os Livros-texto – que ordenam a

prática educativa no tempo, modo e espaço –, reproduz a dissociação do pensamento da

prática, ignorando aspectos particulares e idiossincráticos da mesma, na medida em que viola

a concreticidade do real, reproduzindo-lhe a pseudoconcreticidade mistificadora das

consciências sociais, reforçadora dos mitos necessários ao status quo da produção societária

dominante. Assim sendo, do ponto de vista do Currículo Oficial, a “teorização curricular é a

conseqüência da separação entre a prática do currículo e os esquemas de representação do

mesmo” (SACRISTÁN, 2000, p.38).

185

Por essa razão, acredita-se, cabe aos educadores críticos empreenderem um esforço

prático-teórico para a produção de “modelos” de currículo outros, alternativos ou contra-

hegemônicos à hegemonia neoconservadora e neoliberal.

Capazes de integrá-los na realidade de seus específicos contextos sócio-histórico,

econômico, político e cultural, nas escolas em que trabalham, resgatando-se também a

dimensão universalista das culturas legada pela longa História humana (unidade do diverso)

no e com o mundo, da qual, inescapavelmente, fazemos parte no presente.

3.4 CONTRADIÇÕES E TENSÕES NO MODO DE SER PROFESSOR

CONTEMPORÂNEO

Diante disso, pesados os fatos, trata-se de trilhar o caminho de um currículo que não se

engendre como matrizador de uma praxis burocratizada, reprodutora do estado de coisas

dominante, e cega ao aspecto ontocriativo do trabalho docente.

O que poderia corresponder “a um conjunto de intenções, situadas no continuum que

vai da máxima generalidade à máxima concretização, traduzidas por uma relação de

comunicação que veicula significados social e historicamente válidos” (PACHECO, 1996,

p.18).

Então, um currículo alternativamente concebido como uma “construção cultural que

organiza um conjunto de práticas educacionais humanas” (GRUNDY apud PACHECO, 1996,

p.18), articulada com “as condições históricas e sociais em que se produzem as suas diversas

realizações concretas” (KEMMIS apud PACHECO, 1996, p.18).

Deve se ter presente, sempre, que “toda a proposta curricular é uma construção social

historicizada, dependente de inúmeros condicionalismos e de conflituosos interesses”

(KEMMIS apud PACHECO, 1996, p.18), o que “reflete as relações sempre existentes entre

escola e sociedade, quer os interesses individuais e os de grupo, quer ainda os interesses

políticos e os ideológicos etc.” (PACHECO, 1996, p.19).

Finalmente, no entrever de um currículo alternativo possível, já que o mundo sempre

apresenta alternativas (por mais difíceis que sejam), num sentido mais amplo porque para

além do ideológico currículo oficial padronizado, um currículo outro pode vir a constituir-se

como o “projeto cultural que a escola torna possível” (SACRISTÁN, 2000, p.89).

186

Lembrando Chauí, no sentido de uma instituição social em contraposição a uma

organização social ancorada no mercado e incubadora de uma educação mercantil.

Nesse contexto histórico, a construção de um outro currículo – denominado por Torres

Santomé (1998) de currículo integrado –, na perspectiva dialética e materialista, requer um

trabalho no sentido de articular uma unidade entre teoria e prática, ou melhor, teoria e praxis.

A fim de ser capaz, assim, de se desvincular da razão do poder e da racionalidade do domínio

das classes políticas e proprietárias hegemônicas (ideologia dominante).

Daí surgir a necessidade de se questionar, radicalmente – e a raiz do humano é o

próprio humano, concreta e historicamente situado em seu local de trabalha e vida, sobre os

reais interesses e pretensões do poder do Estado e do mercado. Além da urgência de se

indagar sobre a “legitimidade” advinda da racionalidade tecnocrática, supostamente “neutra”

e “universal”, capaz de “enjaular” numa organização burocrática de controle toda a educação

oficial.

Para tanto, pois, exigem-se mecanismos de gestão baseados na auto-organização

substancialmente democrática dos diversos atores da comunidade escolar, mediante “a

coordenação do esforço humano coletivo [que] seja função de grupos e não de indivíduos aos

quais são reservados poder e autoridade irrestrita sobre os demais” (PARO apud ADRIÃO,

2006, p.57).

Consistiria, portanto, na possível efetivação de um construto de saber dialético a partir

da concreticidade da escola, e de suas situações existenciais presentes. Muito diferente do

ponto de partida do currículo padronizado da educação oficial, e do conhecimento único que a

acompanha, historicamente impostos de maneira vertical, ou “pelo alto”, ao professorado e ao

alunado (sujeitos sonegados e silenciados de sua própria praxis pedagógica).

Por conseguinte, caberia às escolas enquanto instituição social, no sentido explicitado

acima com Chauí, o desafio de construir um “novo” currículo, por meio da elaboração de seus

próprios projetos político-pedagógicos – de modo a se questionarem sobre qual a razão de ser

da educação defendida e praticada? A que e para quem serve?

Colocações a partir das quais se passaria a definir e construir conteúdos e

procedimentos verdadeiramente adequados às situações existenciais concretas e às demandas

oriundas dos espaços forjados de ação coletiva.

Espaços a se constituírem horizontalmente, anote-se. Articulados ainda,

conscientemente, isto é, nem com a consciência ingênua do senso comum, tampouco com a

interesseira do pragmatismo, utilitarismo, positivismo etc., a legitimar a racionalidade

187

“tecnocrática”, com a totalidade de uma sociedade fraturada em classes antagônicas, que hoje

vive uma crise estrutural do capitalismo real.

Nesse contexto, os problemas crescem a passos largos sem serem acompanhados,

contudo, por novas soluções às velhas conhecidas desigualdades da sociedade do capital a

explorar trabalho humano.

O professorado, desse modo engajado, pode se tornar um ser que vive, elabora e

transforma projetos. Mudando a escola, num projeto político sócio-pedagógico, tal dimensão

individual é transcendida, tornando-se um processo coletivo contraposto à fragmentação

engendrada por parte de um currículo padronizado, e dessa maneira, “dialeticamente, essa

construção não se desenha sem a existência e articulação dos projetos existenciais dos sujeitos

que nela habitam e a recriam constantemente” (FELDMANN, 2009, p.80).

Assim sendo, o entrever de um currículo alternativo emerge do necessário

reconhecimento, pelo materialismo histórico e dialético, da “transitoriedade do conhecimento

atual” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.241), já que não se concebe enquanto uma razão a-

histórica e perene tal qual a burocracia estatal o faz. Gerenciamento do poder tecnocrata a

exigir, do professor sujeito coletivo, a criação de novas formas de pensar e agir no mundo, a

ser reinventado.

Conseqüentemente, requer-se uma educação desocultadora de mundo que contribua

para que os educandos compreendam o processo de conhecimento não como uma “coisa”

imutável, acabada e por isso sem sentido, mas sim, antes e pelo contrário, como um

permanente construir sócio-histórico de seu tempo e lugar. Significativamente articulado com

o conhecimento legado pela história humana na unidade de seus diversos e contradições.

Para tanto, o trabalho docente, ao abarcar a realidade como totalidade dialética e

concreta, síntese de múltiplas determinações, “obriga a abrir as instituições escolares ao meio

sócio-cultural e natural no qual estão inseridas” (TORRES SANTOMÉ, 1998, p.244).

Dessa maneira, a educação passa a conceber-se como parte de um projeto histórico

societário necessariamente muito mais amplo, já que tem no horizonte a possibilidade

histórica de superação da opressão do homem pelo homem, a luta de classes. Itinerário

ontológico decisivo na constituição do ser social contemporâneo, para muito além da

taylorização/toytização do trabalho docente e da padronização da Educação oficial, a

“beneficiar” os excludentes interesses neoliberais, substancialmente conservadores e

estruturalmente desiguais.

188

Nessa direção, acredita-se, a educação deve garantir – o que é bem diferente de

“prestar serviços educacionais” – o direito social de apropriação da cultura humana pelas

novas gerações, especialmente as das classes trabalhadoras mais pobres e, com isso em vista,

o professorado crítico precisa ser capaz de lhes garantir o acesso a essa base cultural enquanto

intelectuais questionadores.

Isso pode ser vislumbrado, por exemplo, mediante um planejamento curricular

baseado na concreticidade das situações existenciais reais da escola e, assim, é o que poderia

entrelaçar, acredita-se ainda, a sua experiência e as necessidades específicas e concretas de

seus alunos, significando-lhes a vida de forma substancial em sua individualidade duradoura

no mundo. Não se trata, assim, de um memorizar “conteudístico” que, quando muito, se

apreendido, é logo esquecido.

Dessa maneira, o professorado, ao se distanciar das concepções hegemônicas segundo

as quais “todos os alunos precisam aprender a mesma coisa na mesma hora e da mesma

maneira” (TARDIF, 2009, p.223), seria capaz de congregar “realidades ontológicas

ambíguas” (p.228) no sentido de construir uma outra realidade escolar a partir da

conscientização acerca das contradições sociais do nosso tempo histórico, que precisam ser

superadas.

Além disso, acredita-se também que o planejamento curricular e sua concretização na

prática educativa devem ser situados como parte de um processo de construção do projeto

humano-societário, pois o próprio itinerário de humanização se confunde com sua

materialidade histórica e a necessária consciência de educar-se humanamente, e não

mercantilmente.

História e educação como atributos ontológicos do humano que faz história e se educa

nela, em seu infinito processo de ser e ir sendo. O papel da educação, então, estabelecido no

difícil, porém imprescindível, processo de humanização de um humano historicamente

situado e submetido a uma realidade desumana.

Nessa perspectiva, portanto, tomam-se o “trabalho como princípio educativo” e a

“centralidade do trabalho humano como constituinte da condição humana em diálogo com a

teoria e prática pedagógica” (ARROYO apud FRIGOTTO, 1998, p.139).

Nesse sentido, é pelo “trabalho que os homens constroem e reconstroem a sua

existência”, pelo qual “o homem se define como humano por seu trabalho” (FELDMANN,

2003, p.128) e, por conseguinte, é na e pela praxis social que transforma o mundo e a si

mesmo num infinito processo histórico que se confunde, conforme afirma Saviani, com a

própria educação enquanto fenômeno humano. Enfim,

189

[...] o trabalho como princípio educativo situa-se em um campo de preocupações com os vínculos entre a vida produtiva e cultura, com o humanismo, com a constituição histórica do ser humano, de sua formação intelectual e moral, sua autonomia e liberdade individual e coletiva, sua emancipação. Situa-se no campo de preocupações com a universalidade dos sujeitos humanos, com a base material (a técnica, a produção, o trabalho), de toda atividade intelectual e moral, de todo o processo humanizador. (ARROYO apud FRIGOTTO, 1998, p.152)

Em síntese, o trabalho como o princípio matrizador do próprio conhecimento humano,

e não o mercado, configurador mesmo da própria possibilidade do saber, uma vez que,

enquanto fundamento de toda praxis humana, é o que atribui mesmo um sentido mais amplo à

educação em direção à transformação incessante do mundo material e natural num mundo

especificamente humano, e culturalmente significado na e pela praxis.

Nessa precisa (embora difícil) direção, Saviani, discorrendo sobre “os fundamentos

histórico-ontológicos da relação trabalho-educação” (SAVIANI, 2007, p.155), desenha um

“esboço de organização do sistema de ensino com base no princípio educativo do trabalho”

(p.159). Isso de modo a reconhecer a centralidade do elemento humano na materialidade da

praxis social, e não do elemento mercantil – como o faz a educação oficial convergente com

os interesses do mercado capitalista.

Trata-se, em primeiro lugar, ensina o professor, da necessidade de seriamente se

refletir sobre a divisão de classes no interior da cisão entre trabalho intelectual (ou instrução)

destinado às elites e trabalho manual, identificado com o processo alienado de venda e

compra do trabalho assalariado das classes trabalhadoras. Além de se “evitar que os

trabalhadores caiam na passividade intelectual, evitando-se ao mesmo tempo que os

universitários caiam no academicismo” (SAVIANI, 2007, p.162).

Assim, nas trilhas de Gramsci, nas quais se indica o trabalho como princípio

educativo da escola unitária popular, o que “corresponde à fase que hoje, no Brasil, é definida

como educação básica, especificamente nos níveis fundamental e médio” (SAVIANI, 2007,

p.159), Saviani centralmente identifica o trabalho e a educação como atributos essenciais,

isto é, ontológicos (e não meramente acidentais), do humano.

Ora, o ato de agir sobre a natureza transformando-a em função das necessidades humanas é o que conhecemos com o nome de trabalho. Podemos, pois, dizer que a essência do homem é o trabalho. A essência humana não é, então, dada ao homem; não é uma dádiva divina ou natural; não é algo que precede a existência do homem. Ao contrário, a essência humana é produzida pelos próprios homens. O

190

que o homem é, é-o pelo trabalho. A essência do homem é um feito humano. É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se complexifica ao longo do tempo: é um processo histórico.[...] Isso significa que o homem não nasce homem. Ele forma-se homem. Ele não nasce sabendo produzir-se como homem. Ele necessita aprender a ser homem, precisa aprender a produzir sua própria existência. Portanto, a produção do homem é, ao mesmo tempo, a formação do homem, isto é, um processo educativo. A origem da educação coincide, então, com a origem do homem mesmo. (SAVIANI, 2007, p.154)

Essa concepção verdadeiramente universalista, ontológica e histórica da educação

como praxis ou quefazer humano, fácil de perceber, contrapõe-se à ideologia dominante da

educação, entendida como uma “concepção propedêutica, preparatória para (na estreiteza da

propaganda do governo: aprender para vencer), transmissiva, utilitarista e reducionista da

educação apenas para inserir na vida e competir no mercado de trabalho” (ARROYO apud

FRIGOTTO, 1998, p.155).

Conseqüentemente, essa educação não hegemônica, para além do reducionismo da

lógica mercantil dominante (que atravessa as concepções do “educar” contemporâneo “para

vencer!”), na medida em que privilegia a formação humana, ao invés do treinamento técnico

fetichizado, resgata os vínculos entre trabalho-educação na defesa da escola básica universal e

do trabalho como princípio educativo. Amarrando-se, pois, numa concepção humanista da

dialética materialista e histórica, a saber: a educação como humanização.

Por conseguinte, a educação, ou mais amplamente falando, a formação humana de

uma Pedagogia Histórico-Crítica tem como horizonte permanente as dimensões ético-políticas

inequívocas, quais sejam, tem de “lembrar ao mundo que em primeiro lugar devem vir as

pessoas e não a produção” (HOBSBAWM apud FRIGOTTO, 2001b, p.68).

Essa concepção humanista radical é que baliza o sentido e a direção da cientificidade

da pedagogia marxiana, única capaz de construir, conforme as lições de Manacorda (1991,

p.40), uma “pedagogia sensível às solicitações do real”, tendo as pessoas em primeiro plano

de preocupação da e na praxis educativa, e não a produção capitalista dominante.

Isso em direção ao desenvolvimento multidimensional e multifacético do alunado para

sua autonomia intelectual, de modo a contribuir para sua compreensão e inserção críticas na

realidade do mundo, entrelido em suas determinantes estruturais, econômicas, políticas,

ideológicas, culturais etc. Sem se esquecer que essas condicionam, dialeticamente, a

materialidade das relações sociais em que se produz e reproduz a educação como constitutiva

da totalidade da sociedade.

191

Educação essa, pois, que, realmente interessa aos filhos da classe trabalhadora,

devendo ser localizada como aquela prática histórico-pedagógica que “surgiu na década de

1980 no pensamento educacional brasileiro”, influenciado pela “concepção de homem e do

processo de emancipação humana em Marx e Engels e posteriormente em Gramsci –

formação ético-política de formação humana” (FRIGOTTO, 2001b, p.67).

Nessa perspectiva de praxis é concebida a “escola unitária”, que deve instaurar um

“processo de relações cujo horizonte histórico seja a equalização no plano do conjunto de

condições necessárias à emancipação humana” (p.73).

Portanto, muito diferente daquela noção positivista em que “todas as crianças e jovens

devam ter o mesmo atendimento, já que as condições historicamente dadas são de uma brutal

desigualdade” (FRIGOTTO, 2001b, p.73). Não há escola “para todos”, forçoso concluir, em

uma sociedade estruturada e dominada por e para poucos.

A perspectiva da escola unitária, na prática da identificação e organização dos conhecimentos (necessários e não arbitrários) tem inúmeras outras implicações. Dentre estas, destaca-se a superação das polaridades: conhecimento geral e específico, técnico e político, humanista e técnico, teórico e prático. Trata-se de dimensões que, no plano real, se desenvolvam dentro de uma mesma totalidade concreta56. Tanto a identificação do núcleo necessário de conteúdos, quanto os processos, os métodos, as técnicas não podem ser determinados nem pela unilateralidade da teoria (teorismo), nem pela unilateralidade da técnica e da prática (tecnicismo, ativismo), mas na unidade dialética de ambas, ou seja, na e pela práxis57. (FRIGOTTO, 2001b, p.74)

Em conseqüência, a construção de uma escola unitária exige igualmente um trabalho

docente de natureza inter e multidisciplinar, construídos a partir das situações existenciais

concretas de seus sujeitos ativos e de sua materialidade. Para além, assim, do dualismo

contemporâneo que cinde os momentos inter-relacionais subjetivo-objetivo, da concepção e

da execução, da teoria e da prática, o que, enfim, acaba por usurpar das pessoas suas conexões

concretas vivas. Rouba-lhes mesmo o direito de significar suas próprias vidas em benefício de

um manto interesseiro, imediatista e utilitarista, oriundo da lógica mercantil e de sua sempre

suposta “ética”.

56 “Karel Kosik, por certo, é um dos autores que melhor nos ajuda a entender esta dimensão da dialética do real. Ver Kosik, 1976.” (FRIGOTTO, 2001b, p.74) 57 “Esta é uma questão crucial. Ela se coloca diametralmente oposta às perspectivas messiânicas que de tempos em tempos elegem determinados métodos como salvacionistas” (FRIGOTTO, 2001b, p.74), como é o caso do construtivismo, atualmente, vendido como a panacéia dos males educacionais.

192

Em uma direção outra que a hegemônica, pois, toma-se o trabalho como princípio

ético-político da formação humana, na luta pelo desenvolvimento do ser humano em suas

múltiplas e omnilaterais dimensões como exigência fundante de suas diferentes necessidades.

Portanto, assim percebida, a educação não hegemônica pode romper com as

dicotomizações da “educação de resultados” dominante, situando-se na “totalidade concreta”

do mundo. Para além, ainda, da unilateralidade da “pedagogia das competências e

habilidades” da lógica mercantil.

Em síntese: na direção da unidade dialética entre a particularidade e a universalidade

na e pela praxis educativa. Nessa perspectiva do real, materialista, ontológica, histórica e

dialética, o trabalho docente, como um “conjunto de comportamentos, conhecimentos,

destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor”, deve “ser

analisado em função do momento histórico concreto e da realidade social em que o

conhecimento escolar pretende legitimar-se” (SACRISTÁN apud NÓVOA, 2008, p.65).

Nesse sentido, consiste num

[...] espaço privilegiado para a compreensão das transformações atuais do mundo do trabalho, por se constituir em uma profissão de interações humanas que objetiva mudar ou melhorar a situação humana das pessoas, qual seja, um trabalho interativo e reflexivo com as pessoas, sobre as pessoas e para as pessoas. (FELDMANN, 2009, p.76)

Daí, dialeticamente, os professores se

[...] orientam no sentido da ação que se funda na compreensão da comunidade local como totalidade em si e parcialidade de uma totalidade maior [,] o que implica na unidade da diversificação, da organização que canalize as forças dispersas e a consciência clara da necessidade de transformação da realidade. (FREIRE, 2005, p.162)

Cabe-nos, então, apreender o modo de ser e ir sendo professor a partir de seus sujeitos

concretos, pois tal existência contraditória “reflete a cultura e contextos sociais a que

pertence” (SACRISTÁN apud NÓVOA, 2008, p.66).

Por conseguinte, apesar de constatar que seu trabalho é burocraticamente planificado e

padronizado, na direção mercantil, o professorado pode, em seus espaços de formação

continuada na escola, compartilhar de objetivos e perspectivas particulares na busca de

respostas concretas para situações problemáticas reais, o que lhe configuraria certa autonomia

193

usurpada pela heteronomia burocrática a serviço, hoje, do neoliberalismo conservador do

interesses dominantes. Sem deixar de registrar que

[...] a palavra autonomia vem do grego que significa capacidade de autodeterminar-se, de auto-realizar-se, de autos (si mesmo) e nomos (lei). Autonomia significa autoconstrução, autogoverno. Mas não existe autonomia absoluta. Ela sempre está condicionada pelas circunstâncias, portanto, a autonomia será sempre relativa e determinada historicamente. (GADOTTI, 1995, p.250)

Nessa compreensão da dialética do real e da história, a educação, ou mais amplamente

falando, a formação humana, apresenta como horizonte permanente o questionamento de suas

“dimensões ético-políticas inequívocas” (FRIGOTTO, 1995b, p.173), sendo que elas,

“mesmo sob as relações sociais de exclusão vigentes, detêm a virtualidade de efetiva melhoria

da qualidade de vida para todos os seres humanos” (p.174), desde que centrada na perspectiva

do trabalho.

A educação, assim percebida, aponta-nos para uma escola básica unitária, tecnológica

ou politécnica como exigência fundamental “para a qualificação da força de trabalho para o

processo social em todas as suas dimensões, ao mesmo tempo pré-requisito do horizonte

teórico e político dos processos de formação técnica e profissional mais específicos”

(FRIGOTTO, 1995b, p.181).

Com essa apreensão do real, “a relação da escola com a materialidade social na qual

ela se produz nos permite perceber que a forma e o conteúdo que assume no seu

desenvolvimento não é algo arbitrário” (FRIGOTTO, 1995b, p.176).

Isso porque os processos educativos “não dependem de planos ou fórmulas

mirabolantes de gênios que dispõem de planos ou de fórmulas mágicas”, mas dependem, isso

sim, das circunstâncias existenciais reais da escola, apreendida como fenômeno social síntese

ou dialética do diverso, donde o universal da sociedade expressa-se numa sua determinação

particular concreta

Enfim, prosseguindo-se, o embate por um currículo substancialmente democrático é

fundamental no horizonte de superação das formas de exclusão social, vinculadas tanto aos

processos de emancipação humana no plano do conhecimento, como no plano político-

organizativo da educação e do professorado, sujeito coletivo partícipe de projetos societários

necessariamente para além dos muros da escola.

194

Nesse passo, esse currículo “para ser democrático deve tender à universalidade”

(FRIGOTTO, 1995b, p.177), uma vez que pode reduzir, de outro modo, os trabalhos docente

e discente a fórmulas heteronomamente pré-concebidas pela tecnocracia estatal, sempre

atrelada à lógica mercantil fragmentária e fabricadora de particulares “mudos” ou não

conexos com as tramas que o ligam à universalidade do real.

Ao contrário, nesses trabalhos que compõem a praxis pedagógica, o conhecimento é

construído pelos “sujeitos humanos” ativos porque imersos na materialidade de determinadas

circunstâncias existenciais reais.

Logo, tem-se como “ponto de partida a realidade dada dos sujeitos sociais concretos”

(FRIGOTTO, 1995b, p.178), o que significa dizer que as “propostas e práticas educativas

devem germinar no interior dos movimentos e organizações da classe trabalhadora e de suas

lutas concretas” (p.192). Pois se trata de uma “condição necessária para que a cidadania

concretamente possa desenvolver-se e constituir-se para a grande maioria da população

brasileira” (p.192). Diferentemente, registre-se, daquele currículo oficial orientado por

[...] perspectivas messiânicas que de tempos em tempos elegem determinados métodos como salvacionistas. No momento, o construtivismo é uma espécie de “totem” eleito para extirpar as mazelas do analfabetismo e do fracasso escolar. Na perspectiva que nos situamos neste debate, vendido como bezerro de ouro, na forma que mistificado, não passa de um simulacro, um bezerro de barro. (FRIGOTTO, 2001b, p.74)

Diante desses simulacros dos quais o poder e o mercado não abrem mão, deve-se

calmamente colocar de lado essas perspectivas messiânicas convergentes à

pseudoconcreticidade dos fetiches e alienações, difundidos na e pela sociedade capitalista de

maneira totalizante.

Isso a fim de que se possa ao menos afirmar a possibilidade da formação humana na

tentativa de contraposição à, com vistas à superação da, tendência hegemônica de “treinar

como um campeão” a força de trabalho docente, de maneira taylorista e/ou toyotista, com

métodos únicos e conteúdos padronizados a serem “inculcados” no alunado.

Deve-se lutar teórica e praticamente, acredita-se, por uma formação ético-política

diferente daquela orientada pelas atuais políticas “públicas” educacionais brasileiras. Essas

são referendadas pelos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), poderosamente carregados

da lógica mercantil e privatista e com fortes mecanismos de controle hegemônico sobre o

195

trabalho docente e discente da escola pública básica; sob forte influxo do ethos do

neoliberalismo conservador.

Nesse contexto, a educação “pública” básica no estado de São Paulo, com um

currículo único “para todos”, aproxima-se muito daquela educação denominada por Paulo

Freire de “bancária”, uma vez que centraliza fortemente todo processo educacional em alguns

poucos Livros-textos, como já o fizeram outros “planejadores curriculares” do passado, no

caso das antigas cartilhas.

Por esse conjunto de razões, os Livros-textos representam um verdadeiro retrocesso

pedagógico a ser superado pelo professorado, tendo em vista que “a inovação é dependente

dos contextos locais e das sinergias dos intervenientes” (PACHECO, 1996, p.256).

Logo, para Formosinho (2009)58, em poderosíssima síntese sobre os Livros-texto,

trata-se de identificar um processo no qual há um currículo pronto-a-vestir de tamanho único

completamente independente da aprendizagem do real, modelando-se uma educação

mercantilizada que expropria os saberes docentes e discentes numa estandartização

(padronização) crescente do trabalho docente e do conteúdo escolar.

Tem-se, então, um currículo uniforme lastreado numa “pedagogia da exclusão”, a sua

vez baseada, segundo Pacheco (1996), em pressuposto ideológico da existência de uma única

cultura “válida” que deve ser oficialmente transmitida ou depositada a todos, de forma

padronizada e operacionalizada pelas políticas públicas “para todos” (sob a lógica do

mercado numa sociedade “para poucos”). Isso com vistas a atribuir a concepção aos serviços

centrais do aparelho do Estado, e a execução, às escolas e aos professores.

O que se observa novamente aqui, conforme já se estudou acima, sobretudo no tópico

referente ao burocratismo e às características da administração moderna enquanto estruturas

de poder e domínio, é a característica típica do trato indistinto ou indiferenciado sobre aquilo

que organizam e planejam. Isso na medida em que tudo já se pode reduzir, na prática do poder

educacional do Estado, a “objetos”, coisas que precisam ser todas igualmente

“administráveis”, isto é, organizáveis e planejáveis.

A ideologia de racionalizar a força de trabalho que comanda e “administra”, então,

comprova-se também no caso do currículo único encarnado nos Livros-texto pelo Estado.

58 O autor J. Formosinho, ao referir-se ao modelo curricular da escola de massas em Portugal, em 1985, o caracterizou como um currículo uniforme pronto a vestir de tamanho único (em O Insucesso Escolar em

Questão), de modo, inclusive, a caracterizá-lo como “completamente independente da aprendizagem real” (cf.: FORMOSINHO, 2009, p.45), uma vez que, burocraticamente, tratando o ser real como o ser irreal, “baseia-se numa abstração” (p.46).

196

Como sabemos a origem dessa ideologia encontra-se no mundo econômico da produção, isto é, no taylorismo como forma de racionalizar o processo de trabalho. A racionalidade taylorista opera em dois níveis: no primeiro, fragmenta ao máximo o processo de trabalho a fim de torná-lo cada vez mais ‘produtivo’, isto é, cada vez mais rentável pelo controle exercido sobre cada parte do corpo do trabalhador; no segundo, procura reunificar o que foi fragmentado, recorrendo à organização e à planificação. Ora, estas duas esferas concernem à decisão acerca do processo de trabalho e encontram-se separadas da esfera da simples execução. A ‘racionalidade’ consiste pura e simplesmente em separar de modo radical aqueles que decidem ou dirigem e aqueles que executam ou são dirigidos, retirando destes últimos todo e qualquer poder sobre sua própria atividade. O mito da racionalidade assim concebida permite, por um lado, o surgimento das burocracias como forma de reunificar o disperso, reproduzindo-se nelas próprias (através do sistema de autoridade fundado na hierarquia) a mesma divisão efetuada na esfera produtiva, mas permite ainda, por outro lado, o surgimento da idéia de administração. Administrar é organizar e planejar. (CHAUÍ, 1980, p.28)

Bem diferente de um currículo oficial, pois, um currículo integrado baseado num

“processo dialético” de “planejamento horizontal coletivo” para a efetivação do Projeto

Político-Pedagógico da escola aproxima, então, a teoria da prática, ou melhor, da praxis, ao

acolher seus sujeitos reais e ao centralizar-se na materialidade da escola como locus de

significação cultural da vida dos docentes e discentes no mundo.

Para tanto, prossiga-se, é requerida uma formação continuada “para além da

racionalidade técnica”, como diria Mizukami (2006, p.185), tendo em vista que a atual

educação caminha ainda com “botas de chumbo”, presa que está às “jaulas de ferro” de um

currículo uniforme, heteronomamente concebido pela tecnocracia estatal “para”, e não “com”,

o professorado da escola pública básica.

Daí inexistirem, nessa “educação de resultados” baseada na “qualidade total” e em sua

“pedagogia das competências e habilidades”, duas características fundamentais para a

construção de uma “educação e formação de professores éticas”: o entrelaçar da unidade

dialética da teoria, prática e praxis – no sentido que Kosik confere à praxis como prática da

liberdade59, e a gestão pedagógico-democrática do tempo-espaço escolar, capaz de se

contrapor à intensificação da alienação ou separação do professorado de seu próprio processo

de planejamento curricular.

59 “A práxis compreende a atividade objetiva do homem, que se transforma na natureza e marca com sentido humano os materiais naturais, como a formação da subjetividade, na qual os momentos existenciais, como a angústia, a náusea, o medo, a alegria, o riso, a esperança, não se apresentam como experiência passiva, mas como parte do processo de realização da liberdade humana.” (KOSIK, 1976, p.204)

197

Logo,

[...] se uma reforma curricular procura a alteração dos objetivos, dos conteúdos de ensino, da metodologia didáctica e da avaliação sem questionar as práticas curriculares existentes e os processos emergentes de produção de inovações escolares, então tudo não passa de um intento político sem efeitos no quotidiano escolar. (PACHECO, 1996, p.256)

Ou seja, tem efeito mais retórico (ideológico) do que efetivo no sentido de que não se

transforma a educação bancária e burocrática, reproduzindo, pelo contrário, aquele sistema

educacional que já existe de longa data na Escola contemporânea capitalista.

Apenas ostentando, agora, outras roupagens e conteúdos efetivados por meio de

“cartilha rediviva” ou ressuscitada nos “Livros-texto – um currículo pronto ‘para todos’

vestirem”. Burocraticamente indiferente, assim, à materialidade sócio-cultural de cada escola,

compondo mesmo um tipo de “modernização” das elites, pelo alto, de toda educação, a que

Apple chama de modernização “conservadora” (APPLE apud GENTILI, SILVA, 2001,

p.185).

Importa recordar o alerta de Tragtenberg que, em plena ditadura civil-militar

brasileira, já afirmava que, sempre que nada se quer mudar estruturalmente na educação do

Brasil, realiza-se uma reforma educacional de “fachada”, mantendo-se as estruturas do atraso

e do descaso planejado pelas elites às classes trabalhadoras.

Nesse sentido, não cabe a ninguém, senão ao próprio professorado, retomar seu

indelegável e inalienável direito de controlar seu próprio processo de trabalho, parte

substancial da exteriorização de sua vida, de modo a colocar-se como protagonista do

planejamento curricular na efetivação de sua própria atividade, nas circunstâncias existenciais

da escola, sem deixar de articulá-la com os educandos, necessariamente.

Desse modo, ao reagir contra a brutal cisão entre a concepção e a execução

engendrada pela padronização racionalizadora dos conteúdos nos Livros-texto – que lhes

ditam “o que, como e quando ensinar” –, por conseguinte, forja-se e retroalimenta-se uma

prática repetitiva e bancária. Essa “máquina” instrucional transforma o professorado em uma

espécie de “apêndice” dela própria, elevando-se hostilmente a uma espécie de fetiche a lhe

confrontar como “coisa humanizada”, usurpando-lhe um momento essencial de sua praxis.

Isso com vistas a subsumir realmente a força de trabalho docente vivo.

198

Contra isso, nas trilhas de Freire, a “educação problematizadora” baseada no trabalho

como princípio educativo fundante da formação humana não leva em conta “nem objetivismo,

nem subjetivismo ou psicologismo, mas subjetividade e objetividade em permanente

dialeticidade” (2005, p. 41), transitividade relacional na e pela praxis social. Para Freire, com

Marx,

[...] não se pode pensar em objetividade sem subjetividade. Não há uma sem a outra, que não podem ser dicotomizadas. A objetividade dicotomizada da subjetividade, a negação desta na análise da realidade ou na ação sobre ela, é objetivismo. Da mesma forma, a negação da objetividade, na análise como na ação, conduzindo ao subjetivismo ou psicologismo, mas subjetividade e objetividade em permanente dialeticidade. Confundir subjetividade com subjetivismo, com psicologismo, e negar-lhe a importância que tem no processo de transformação do mundo, da história, é cair num simplismo ingênuo. É admitir o impossível: um mundo sem homens, tal qual a outra ingenuidade, a do subjetivismo, que implica homens sem mundo. Não há um sem os outros, mas ambos em permanente integração. Em

Marx, como em nenhum pensador, realista, jamais se encontrará

esta dicotomia. (grifo nosso) O que Marx criticou e, cientificamente destruiu, não foi a subjetividade, mas o subjetivismo, o psicologismo. (FREIRE, 2005, p.41)

Nessa integração pela praxis entre objetividade e subjetividade, uma vez que se é e se

está no mundo com os homens em suas condições concretas de vida, ambas são momentos em

permanente dialeticidade e transitividade no interior da praxis do ser humano ao longo da

história. Cabe, então, ao pensamento dialético tentar reproduzir idealmente o concreto em sua

efetividade relacional entre os referidos momentos do real.

Na contramão dessa concepção e prática educativa humanizadora, a atual “educação

de resultados” encontra-se baseada em uma ideologia da “qualidade total”, reforçada pela

lógica mercantil que está posta “a serviço da ‘reificação’, passando como ‘um rolo

compressor’ sobre qualquer inspiração a uma educação problematizadora a serviço da

humanização” (FREIRE, 2005, p.152). A educação perde, assim, seu sentido humano,

mercantilizando-se a serviço do capital e seu controle societário.

Diante disso, ou “os oprimidos” se “tornam sujeitos” ou continuam “reificados”

(FREIRE, 2005, p.152). Então, a “educação oficial” padronizada à canetada, reforça, pois, a

“absolutização da ignorância – um dos mitos da ideologia dominante, que implica a existência

de alguém que decreta algo a alguém” (p.152). Segundo Freire,

199

[...] no ato desta decretação, quem o faz, reconhecendo os outros como absolutamente ignorantes, se reconhece e à classe a que pertence como os que sabem ou nasceram para saber. Ao assim reconhecer-se têm nos outros o seu oposto. Os outros se fazem estranheza para ele. A sua passa ser a palavra ‘verdadeira’, que impõe ou procura impor aos demais. E estes são sempre os oprimidos, roubados de sua palavra. Desenvolve-se no que rouba a palavra dos outros uma profunda descrença neles, considerados como incapazes. Quanto mais diz a palavra sem a palavra daqueles que estão proibidos de dizê-la, tanto mais exercita o poder e o gosto de mandar, de dirigir, de comandar. Já não pode viver se não tem alguém a quem dirija sua palavra de ordem. Desta forma, é impossível o diálogo. Isto é próprio das elites opressoras que, entre seus mitos, têm de vitalizar mais este, com o qual dominam mais. (FREIRE, 2005, p.152)

E, assim sendo, os donos do saber oficial ao calar a voz do professorado,

progressivamente burocratizam e padronizam mais e mais a educação pública, não apenas a

básica, e, conseqüentemente, a vida é “proibida de ser vida” (FREIRE, 2005, p.197) e os

sujeitos são obliterados de sua vocação histórico-ontológica de ser mais. Impedidos que estão

mercê de uma existência cuja sociabilidade e as individualidades dela engendradas negam o

caminhar histórico-social da humanização, já que postas em direção e a serviço da

mercantilização.

Trata-se, repita-se, de uma educação bancária padronizada burocraticamente, no

sentido do mercado e sua suposta ética, que serve à “domesticação” do humano, e não é

construída e pensada com vistas ao desvelar ou desocultar, pela conscientização dos

educandos e educadores dialeticamente, a realidade presente de classes que desumaniza.

Entretanto, se a realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto

da ação dos homens, também não se transforma por acaso e ainda, se são os homens os

produtores dessa realidade e se esta, na “inversão da praxis”, se volta de forma hostil como

um fetiche sobre eles, condicionando-os, “transformar a realidade é tarefa histórica, é tarefa

dos homens” (FREIRE, 2005, p.41).

Mais ainda: a transformação da realidade e do mundo confunde-se mesmo com a

própria vocação ontológica do ser e educar-se humano em direção ao ser mais sujeito de sua

própria vida. O que é barrado pela escolarização a serviço da dominação e da “inculcação”

sob a lógica do mercado. Ou seja, o que se apanha da realidade é uma educação identificada

com a prática de controle social hegemônico.

Isso porque, é uma educação engendrada pela lógica do Estado Mínimo para o

trabalho, máximo ao capital, no qual, segundo Dale citado por Apple, “na medida em que a

‘liberdade’ econômica aumenta as desigualdades, é provável que aumente também a

200

necessidade de controle social” (APPLE apud GENTILI, SILVA, 2001, p.186). O que define,

portanto, seu próprio sentido e alcance é o orbitar dessa educação em torno da competição e

da empregabilidade, dimensões de uma prática pedagógica cujos metros e critérios

produtivistas baseiam-se no metro da ideológica e toyotista “qualidade total”.

Um dos principais efeitos desse tipo de sistema educacional mercantil, privatista e

excludente levado a cabo pelo Estado Mínimo é, pois, “afastar as políticas educacionais do

debate público” (APPLE apud GENTILI, SILVA, 2001, p.119). De modo mesmo a atrofiar a

própria noção de educação como direito social e subjetivo, negando a cidadania real ou sua

própria possibilidade de ser e constituir-se, na escola pública básica, aos filhos da classe

trabalhadora.

Contrapondo-se a esse cenário histórico, deve-se ter presente uma educação baseada

na concepção emancipatória do humano enquanto prática da liberdade, apresentado como seu

horizonte o aumento das discussões públicas, do debate e da negociação a respeito da

ampliação dos fundos públicos. Fundos públicos a serem direcionados à materialidade das

circunstâncias existenciais da precária escola pública brasileira, com vistas à luta por uma

escola unitária com um currículo integrado para os filhos da classe trabalhadora.

Evidentemente que tal projeto não interessa às elites do poder! Longe disso, essas,

com sua educação conservadora neoliberal, procuram “reduzir toda a política à economia, a

uma ética da ‘escolha’ e do ‘consumo’ (JOHNSON, 1991, p.68), onde o mundo, em essência

torna-se um vasto supermercado” (APPLE apud GENTIL. SILVA, 2001, p.187).

É claro que, sob o sublime lema de “todos pela educação“, bem de acordo com a

retórica da educação oficial, ideologicamente afirma-se que não se quer simplesmente

privilegiar apenas uns poucos. Isso não pode ser admitido, nunca.

Entretanto, ao se desocultar o véu ideológico da imediaticidade superficial da

pseudoconcreticidade do real, deve-se constatar que o Estado efetiva, de fato, a criação de

mecanismos de controle com o fim de desregulamentar e financiar cada vez mais o setor

educacional privado. “Cada vez mais privatizado para os filhos dos mais ricos” (APPLE apud

GENTILI, SILVA, 2001, p.186) e, simultaneamente, regulamentando-se e subfinanciando-se

as “escolas mínimas” (p.186), estas destinadas aos filhos das classes trabalhadoras.

Diante disso, como não se indignar com o fato de que contingentes enormes da

infância e da juventude das classes trabalhadoras são encerrados em escolas mínimas, de

orçamento mínimo, com currículo mínimo, bem diferente da infância e da juventude que as

classes dominantes “recebem”, advindas de um outro tipo de escolarização.

201

Grosso modo, ainda, não há de se esquecer que, se há dois tipos de escolarização, é

porque há duas classes sociais básicas, a trabalhadora (não proprietária), e a que detém o

controle do trabalho alheio (os proprietários e senhores do trabalho).

Nesta altura, conseqüentemente, revela-se mesmo que o problema educacional é

falsamente um problema apenas educacional, na medida em que substancialmente é

condicionado pelas estruturas sócio-econômicas e políticas, de classes, que preexistem ao

ingresso na idade escolar.

Aliás, determinando mesmo o “destino” escolar da infância e da juventude. Se pobre

ou se rica, a depender de sua situação de classe e origem social, em regra, recebe uma ou

outra escolarização. Tragtenberg, em entrevista concedida ao Jornal de Caxias do Rio Grande

do Sul, a 11 de agosto de 1979, tecendo considerações sobre esse entrelaçamento de

problemas teóricos e práticos, afirmava desvelando a ideologia dominante que quer ocultar a

existência das classes sociais antagônicas:

A elitização do ensino se dá na medida em que quem tem capital econômico tem capital cultural (sabe línguas estrangeiras, viaja ao exterior, compra livros caros); para este, a universidade confirma com o diploma um poder simbólico ao poder real existente. A universidade, numa sociedade dividida em classes, escolhe os escolhidos e rejeita os pobres; ela torna o pobre um ‘fracasso escolar’. Somente uma mudança profunda na área econômico-social e na distribuição desigual do poder existente hoje tem condições de uma democratização real da universidade [...] O problema educacional é aparentemente educacional. Na realidade é econômico-social e político. [...] A universalização da educação em todos os níveis pressupõe a supressão de uma estrutura social baseada na desigual distribuição de renda, na separação entre mandantes e mandados. Apenas uma real participação dos assalariados nos processos de decisões fundamentais da sociedade permitirá uma democratização real do ensino. É impossível oportunidades educacionais iguais para

todos se as oportunidades econômicas e sociais são desiguais. Por isso, mantida a exploração do trabalho pelo capital, a chamada ‘igualdade de oportunidades’ garantida pela lei no acesso à educação se reduz a uma farsa, aquilo que o finado Vargas, que bem conhecia o Brasil, já dizia: Ora a lei, ora a lei. (TRAGTENBERG, 2004, p.200)

Trata-se, então, de uma conturbada ambiência histórica que revela as destrutivas e

precárias dimensões sócio-políticas que também abarcam o trabalho docente, reforçando a

expropriação do saber concreto de sua própria realidade.

Hoje, assim, sob o capitalismo de expressão neoliberal e conservador, o professorado

acaba por se distanciar profundamente, daquela fundamental perspectiva de “intelectual

transformador” (GIROUX, 1997, p.161). Única perspectiva capaz de “diagnosticar o que

202

acontece em sala de aula, de tomar decisões necessárias, de oferecer uma ampla variedade de

recursos didáticos, de avaliar adequadamente tanto o projeto como o desenvolvimento de

qualquer currículo” (p.161).

Por conseguinte, deve-se observar na realidade a intensificação, na educação formal,

de uma antiga prática burocrática na qual o que conta, e é avaliado, é o fetichismo de um

“batismo burocrático” do saber (TRAGTENBERG, 1985, p.44). Por meio desse fetiche

avaliativo, o professor passa a ser mero “guardião de um saber estratificado” (p.44),

ossificado nas velhas formas de cartilhas, hoje redivivas com novo conteúdo oficial, mas

ainda sob a lógica mercantil e a serviço do capital.

Em síntese, o professorado acaba por ser transformado num “gerente” da distribuição

do conhecimento oficial ou, o que é o mesmo, em “agente de reprodução social”

(TRAGTENBERG, 1985, p.44). Isso contribui para o equilíbrio sistêmico do capital e do

status quo na medida em que, no campo da produção econômica, escolariza-se a mão-de-obra

(pobre) à subordinação e, no campo da cultura e política dominantes, o professor acaba

integrado ao processo de “inculcação” geral da ordem estabelecida, forjando-se como parte da

ideologia dominante.

Ou seja, professorado que participa como agente reprodutor da noção de que as formas

de sentir, pensar e agir das classes dominantes são as formas de sentir, pensar e agir de toda

a sociedade.

Entretanto, neste ponto em que se localizou o professorado como agente de

reprodução social, deve-se explicitar também toda a complexidade da dialética do social, do

real e da história, isto é, deve-se ter presente a compreensão segundo a qual a afirmação da

estrutura de dada ordem e modo de produção da vida humana traz em si, contraditoriamente,

os germes de sua negação e, a depender da praxis, a possibilidade mesmo de sua superação.

Isto é, justamente pelo fato do professorado estar inserido no sistema de produção

dominante em uma especial função produtiva (força de trabalho docente a escolarizar um

contingente de mão de obra – alunado – a servir posteriormente de “fator” ao capital),

reproduzindo em sua praxis docente reificada os valores hegemônicos, esse sujeito coletivo

“também é agente da contestação, da crítica” (TRAGTENBERG, 1985, p.44).

Desse modo, para além de ilusões diversionistas e ideológicas, é sempre importante

registrar que

203

[...] o predomínio das funções de reprodução e de crítica professoral dependem mais do movimento social e sua dinâmica, que se dá na sociedade civil, fora dos muros escolares. Em períodos de mudança social, o professor, enquanto assalariado ou funcionário do Estado, se organiza contra a deteriorização de suas condições de trabalho. Nesse momento ele contesta o sistema. Porém, para contestar o sistema é necessário estar inserido nele numa função produtiva. É o que se dá com o operário. Reproduzindo o capital, ponto terminal do trabalho acumulado, tem ele condições de contestar o capital mediante sua auto-organização e ações práticas. Desvinculado da produção pouco pode fazer. Greve de desempregados é coisa difícil. Por tudo isso, a escola é um espaço contraditório: nela o professor se insere como reprodutor e pressiona como questionador do sistema, quando reivindica. Essa é a ambigüidade da função professoral. (TRAGTENBERG, 1985, p.44-5)

Por essas razões, prosseguindo com Tragtenberg, o professorado pode, sim, na praxis

histórica desvincular-se do saber do poder, do saber legitimado ideologicamente como “o

único” válido, já que assim, hegemonicamente, é produzido um conhecimento que reproduz a

dominação. Isso na medida em que se crie, mediante seu trabalho e atividade, um conjunto de

espaços para sua organização mais horizontal na Escola.

De modo a questionar as tomadas de decisão pela “cultura dos gabinetes”, fechada à

discussão e ao debate de fato democrático, a beneficiar as decisões de técnicos e especialistas

“competentes”, convergentemente com os detentores do poder político-econômico.

Assim, se é verdade que o professorado, em seu local de trabalho, manifesta seu modo

de ser pela forma como efetiva sua prática subjetiva na singularidade das circunstâncias

históricas, nas quais se desenvolve e exterioriza sua vida, nesse movimento dialético pode ser

capaz de articular a educação no interior da sociedade de classes na qual se insere, abrindo-se

a possibilidade de “pensar o processo histórico como processo de liberdade”

(TRAGTENBERG, 1985, p.44-5).

Desse modo, ao se efetivar enquanto protagonista de seu próprio processo de trabalho,

no enfrentamento dialético e contraditório do real, pode-se criar um clima colaborativo e

solidário na escola contrário à competição e egoísmo estimulados pelo mercado.

Desencadeando, possivelmente, uma rede de comunicação horizontal e concretamente

ética entre os pares e os educandos, a superar o clima individualista e competitivo (que só

separa os indivíduos, isolando-os), engendrado por uma “educação de resultados”. Assim se

faz também a contra-hegemonia ao sistema e a sua escolarização oficial, convergente à

individualidade egoísta do mercado e a sua “ética”, articulando-se com uma “pedagogia de

204

competências e habilidades” que padronizam um conhecimento único “para todos” – em uma

sociedade “de e para poucos”.

Finalmente, a comprovar análise de Vázquez no item destinado ao burocratismo, tendo

em vista a crescente “presença das corporações na condução das políticas ditas públicas de

educação e, por [outros] diversos motivos, [e] dificuldades de atuação sindical – a teoria é

crucial para contribuir no fortalecimento do protagonismo político dos educadores e dos

movimentos sociais” (LEHER, 2011b, p.166).

Portanto, nesse sentido, ao iluminar a possibilidade de construção de alternativas

verdadeiramente democráticas, contribui-se para o fortalecimento do embate diuturno com a

lógica mercantil, hoje animada pelo ethos neoliberal conservador que tomou a alma da

educação pública brasileira, não apenas da básica. Especial e dramaticamente no caso do

estado de São Paulo, “plano piloto” de “ajustes”, junto com outros estados da federação, da

burguesia nacional.

Maurício Tragtenberg, em artigo da Folha de São Paulo, de 19 de setembro de 1983, já

denunciava àquela época que “o privilegiamento de projetos tecnocráticos na área

educacional, não tendem a formar um homem apto a viver numa democracia”, uma vez que a

sociabilidade do capital forma o “homem econômico” e “conformista” a sua lógica mercantil.

Formado que é para competir ferozmente no mercado de trabalho, responsável por sua

própria empregabilidade num mundo onde ironicamente o desemprego estrutural

constantemente o ameaça, este homem alienado pela divisão hierárquica do trabalho humano,

tolhido de qualquer vida pública, passa a ver forjadas uma materialidade e mentalidade

burocráticas dominantes, usurpando-se sua exteriorização de vida como praxis ontocriativa.

No sentido oposto ou contrário ao educar enquanto partícipe do projeto de

humanização, quefazer freiriano, por exemplo, de formação ético-política de formação

humana, a educação contemporânea premida pela lógica e domínio mercantis

[...] tende a formar tecnocratas e burocratas empedernidos, contra os quais Max Weber lutava em sua época, classificando-os como “técnicos sem alma” e “especialistas sem coração”. Em outros termos, uma ciência sem consciência ou, no melhor dos casos, uma tecnologia que pretende se apresentar como ciência. É isso que aqueles que não pensam com os pés precisam evitar. (TRAGTENBERG, 2009, p.459)

Todavia, há ainda aqueles educadores que pensam com os pés fincados na realidade

concreta, já que ainda acreditam que a cabeça pensa onde os pés pisam molhados por esta

materialidade contraditória de classes em que a história humana revela-se abertura à

205

liberdade e ao ser mais humano, a depender sua existência da praxis ou atividade humana

sensível.

Cabe a esses, enfim, a difícil (porém imprescindível) tarefa de questionar a

escolarização preocupada predominantemente com “as competências e as habilidades”.

Seletivamente escolhidas e entrelidas pelas elites do poder, “conteúdos” a serem depositadas

no alunado “coisa”, de acordo com a “satisfação” do exigente mercado, fetiche

(“coisificação”) maior a quem se atribui inclusive um conjunto característico de humores

humanos (nervosismo, calmaria etc.).

“Educação” essa que engendra uma formação sem consciência social, transformada

numa tecnologia fetichizada que pretende se “legitimar” como Ciência. Contudo, perdendo

sua alma humana, a educação rebaixa-se a mera escolarização ideológica, na medida em que

passa a assumir-se como produto ou serviço consumível. Mercadoria a ser vendida “para

todos”, embora produzida “por poucos” em uma excludente sociedade de classes.

Contrapondo-se à deformação da educação em prestação de serviços mercantis,

buscando resgatar uma consciência social verdadeiramente pública, coletiva e igualitária,

“como ensina Gramsci, essa luta contra-hegemônica demanda aguçar a inteligência para

melhor analisar a realidade, ter vontade política, sobretudo, organização. Trata-se, pois de um

embate no terreno teórico e político-prático, ou seja, no plano da praxis” (FRIGOTTO, 1995b,

p.182).

O professorado, portanto, ao inquirir-se a respeito de tais questões como também ao

lutar contra a precarização de seu trabalho, na e pela praxis, pode educar e educar-se a si

mesmo enquanto questionador do sistema hegemônico.

Deixa, então, conforme se viu acima, de ser agente da reprodução dominante, na

medida em que, organizando-se contra a deteriorização das condições de trabalho real, tem

sua função escolar revertida ao papel de agente questionador do sistema.

Volte-se a registrar que a ambigüidade da função professoral, compreendendo-se a

Escola como espaço contraditório em devir, historicamente, é sempre dinamizada – quer

reforçando o papel de agente reprodutor, quer o de agente contestador – pelo movimento da

sociedade civil-burguesa, caracterizada pela luta de classes “fora” dos muros escolares.

Importa, pois, colocar no horizonte de luta a perspectiva de um conjunto de espaços

coletivos nos quais se estabeleçam relações “menos reguladoras e mais emancipatórias”

(APPLE, 1997, p.88), nas quais o professorado e o alunado se tornem mais e mais sujeitos

conscientes de sua prática e de sua praxis, transformando-as em objeto de estudo e reflexão.

206

Isso de modo a ascender à praxis intencional e criadora para além da praxis reiterativa

e burocratizada, ou seja, na direção da criação de espaços que signifiquem “a emergência de

seu poder para controlar seus próprios destinos” (APPLE, 1997, p.88).

Dessa forma é urgente que encontremos formas democráticas de priorizar os que tenham menos poder em contrapartida do individualismo possessivo, na qual a cidadania está reduzida à prática de consumo. Portanto para se legitimizar um currículo é necessário situar o conhecimento, a escola e o educador, além de ser orientado por uma concepção de justiça social e econômica. Para tanto, devemos ver como as escolas funcionam e compreender como as regularidades cotidianas do ensino e aprendizagem produzem resultados, além de situar as raízes históricas e os conflitos que fazem com que essas instituições de ensino sejam o que são hoje. (APPLE, 2006, p.49)

Nesse passo, a busca por espaços de trabalho substancialmente democráticos, porque

horizontais, contrariamente à verticalização e artificialidade das relações sócio-educativas

forjadas pelo burocratismo tecnocrata estatal (a serviço do capital), requer a “dilatação da

esfera pública controlada pela cidadania ativa, em contraposição ao privatismo e à

mercantilização dos direitos” (FRIGOTTO apud LINHARES, 2011, p.75). A partir dessa

perspectiva, pois,

[...] o conhecimento é sempre construído a partir do específico e do local, do particular, do cultural particular e dos saberes particulares. Para ser democrático, todavia, tem que se constituir cada vez mais universal. O ponto de chegada é a maior universalização. Laica e democrática: que esteja sob o controle da esfera pública, garantindo a todo o cidadão, independente de credo, etnia, origem social e gênero, acesso aos conhecimentos, valores e bens culturais do seu tempo histórico. (FRIGOTTO apud LINHARES, 2001, p.76)

Conclusivamente, a luta do trabalho contra o capital pela construção de uma

substancial cidadania real e ativa, e não meramente formal e ilusória, é essencial para a

construção de uma democracia brasileira. Inclusive, é tarefa basilar para os educadores

críticos de todo o mundo a perspectivação de seu quefazer nessa direção.

Assim sendo, ao lado da urgência na construção de uma educação emancipatória,

porque “problematizadora” e desveladora da realidade social alienada e alienante, também é

requerido um avanço na direção da superação do praticismo do senso comum de parte do

professorado, que, lamentavelmente, ainda está preso à aparência fenomênica da

imediaticidade do real, pseudoconcreticidade matrizadora da ideologia dominante, isto é, a

ideologia das classes dominantes.

207

Também, acredita-se, deve-se embater-se contra o ethos regulatório do pragmatismo

burocrático do Estado e de suas “novas” políticas “públicas”, gerencialistas, promotoras de

exclusão social e da naturalização fetichizada da desigualdade humana, que, de fato,

delineiam uma educação neoliberal a serviço das classes capitalistas, exclusivamente.

Daí seu caráter contraditório de ser uma educação pública e, nem por isso, deixar de

ter um forte caráter excludente em seu funcionamento institucional, uma vez que é posta

como ideologia dominante a ocultar a existência das classes sociais em luta, entorpecendo as

lutas trabalhadoras e, simultaneamente, servindo como instrumento de “manipulação

ideológica” da elite do poder e, efetivamente, de formação da mão-de-obra exigida pelas

classes capitalistas.

Ou seja, apesar de se tratar de uma Educação Pública destinada às classes

trabalhadoras, já que há uma escolarização específica a elas dada a sua origem social (e outra,

às classes proprietárias), a primeira acaba por ser constituída em “escola de conformismos”,

“inculcação” de docilidades e subserviências às estruturas e aos valores dominantes. Apologia

à “eternização” do presente como desejável, a educação pública das classes trabalhadoras

prestam um desserviço à conscientização crítica e à luta do trabalho contra o capital, contra a

exploração do humano pelo humano, a luta de classes.

“Em suma, quem contribui para iludir o povo, engambelá-lo, fazê-lo esquecer de seus

problemas reais é um antipovo, está a serviço dos donos do poder” (TRAGTENBERG, 2004,

p.197).

Contrariamente, então, a uma educação pública destina aos filhos das classes

trabalhadoras de caráter excludente, mistificadora da sociedade de classes e de suas

contradições, a luta prático-teórica emancipatória requer a construção de uma educação

arrimada na concreticidade da escola e nas situações concretas existenciais de seus sujeitos

reais.

Enfim, que busque como telos a superação da cisão teoria e prática na praxis, em

direção a uma educação emancipatória do humano a contribuir para a inserção crítica do

alunado na realidade, contra os estranhamentos de sua época histórica.

Uma educação, assim, que assuma com responsabilidade social seu papel na

humanização em direção ao ser mais, “desocultando” o mascaramento ideológico desta

realidade que desumaniza, já que estruturada na exploração do trabalho (vida) alheio, a luta

de classes.

208

Donde, assim, a escola poderia vir a ser um locus de vida, um lugar no qual seus

sujeitos ativos se fazem e se refazem a partir de sua própria existência concreta,

humanizadora, sabendo-se históricos e transitórios, bem como as estruturas e relações

societárias com suas correspondentes idéias dominantes.

Portanto, radicalmente diferente da atual escolarização subordinada à “manutenção do

caráter cada vez mais excludente das relações sociais capitalistas e dos processos de

desenvolvimento assimétricos, fossilizados e destruidores das bases da vida” (ALTAVATER

apud FRIGOTTO, 2001a, p.77). Nesse sentido,

[...] para além do discurso apologético da sociedade do conhecimento, da qualidade total, da formação flexível e polivalente, categorias que reeditam o ideário da teoria do capital humano, numa nova materialidade histórica, e, portanto, os mecanismos de exclusão, pulsa uma realidade social, cultural e política construída, particularmente mas não só, nas últimas quatro décadas nas lutas por direitos civis, sociais, em suma, por uma cidadania real e efetiva para as classes trabalhadoras. É na avaliação crítica desta trajetória que reside a força política para não apenas resistir, mas disputar no plano da sociedade e no plano da educação uma proposta alternativa. (FRIGOTTO, 2001b, p.86)

Põe-se, assim, em perspectiva uma proposta alternativa no plano de um projeto

societário-educativo outro que não o neoliberal conservador, teoricamente apreendendo as

determinações estruturais do movimento real da Educação contemporânea, especialmente a

brasileira e a latino-americana.

Observa-se, pois, que a atual “educação de resultados” – bancária, burocrática e

mercantilmente padronizada –, baseada na pretensamente inovadora “pedagogia das

competências e habilidades”, traz em si todo um autoritarismo e conservadorismo.

Isso ao revelar que também o Estado Mínimo, que impõe a pedagogia bancária e

burocrática a serviço dos donos do poder – depois de depurada essa ideologia pela destruição

do pseudo-concreto pela lógica materialista dialética – apresenta uma estreita concepção (e

deformação) de ser social e de mundo. Muito além da “neutralidade técnica” com que se quer

impor a todos.

Educação partícipe, então, do processo de rebaixamento ou degradação do humano a

mero “fator H” ou “capital humano” integrado à produção dominante, de modo a “domesticá-

lo” e “conformá-lo”, ideologicamente, à lógica do mercado, desumanizando-o.

209

Com isso, forja-se mesmo uma educação reprodutora de uma existência pautada na

reprodução estrutural do ser da adaptação ao ethos do capital (isto é, ao “homem econômico”

conforme ao sistema), do ser menos humano ou, o que é o mesmo, do “ser mais” competitivo

e individualista, na direção do ter mais. O que importa, assim, não é a educação enquanto

partícipe do processo ético-político de humanização em direção ao ser mais, mas, pelo

contrário, consiste em uma produção de individualidades deseducadas a competir entre si de

acordo com uma suposta “ética” do igualmente suposto “livre” mercado.

Por outro lado, na direção de uma outra escola e educação possíveis, o professorado,

assumindo-se como parcela da força de trabalho do país, ao encarar o ser humano como um

“ser de transformação do mundo”, enquanto possuidor de uma vocação ontológica em ser

mais humano, em seu quefazer educativo ou praxis, então, segue por outro caminho.

Um caminho cada vez mais liberador, no dizer freiriano, e em direção à verdadeira

concreticidade das situações existenciais dos educandos, sujeitos da praxis discente e não

simplesmente “coisas” passíveis de depósitos e manipulações.

E isso com vistas à desmistificação das alienações da “ideologia neoliberal (fetichismo

do mercado)” (FRIGOTTO, 2001b, p.73) que fazem da realidade, desumana realidade

humana. Com toda sua retórica que reproduz, ainda, a pseudoconcreticidade do fetichismo do

mercado, do Estado e do senso comum.

Há de se atentar, portanto, que a “escola unitária”, perspectivada em uma “formação

humana omnilateral”, tem em seu horizonte um “programa alternativo” – societário,

econômico, político, cultural, ético e pedagógico – à hegemônica “pedagogia da exclusão”, de

modo a trazer em sua essência em devir um “projeto educativo que desenvolve as múltiplas

dimensões do humano”.

Para tanto, faz-se necessário vincular-se também à “luta” pela “ampliação dos recursos

do fundo público para as escolas públicas”, a fim de que o fundo público da sociedade não

seja completamente “dilapidado” pelas elites do poder. Apesar da dilapidação “não

percebida” por conta da “naturalização” com que se impõem as parcerias público-privadas

que invadem, mercantilizando e privatizando, a educação pública brasileira. O que contribui,

sem dúvida nenhuma, à confecção de sua feia feição excludente, porque privatista e contra a

possibilidade do ser mais das maiorias subalternas, embora seja, enquanto Educação Oficial,

destinada a elas.

Enfim, essa luta enquanto praxis social das classes trabalhadoras e seus aliados em um

capitalismo real vivenciando uma crise estrutural, no bojo do embate contra-hegemônico

questionador do processo de deteriorização do mundo do trabalho assalariado, tem no

210

trabalho humano a vir a ser emancipado da função de ser mero “fator” do capital, e em sua

potência emancipadora – fundamento mesmo da própria formação humana –, seu princípio

ontocriativo. E isso com vistas à superação da própria alienação social e da sociedade de

classes que nos condena a todos humanos, estruturalmente, à servidão do mercado e de seu

todo-poderoso fetiche.

Nesse sentido mais amplo em que se põe no horizonte de futuro um projeto sócio-

econômico, político e educacional outro do que o imposto hoje, o “campo educativo”, ao

transcender suas preocupações prática para o âmbito da formação humana, revela-se “locus

importante de luta e construção da democracia substantiva” (FRIGOTTO, 1995b, p.136).

Além de demarcar, a todos, “a direção do embate teórico e político por onde as conquistas da

classe trabalhadora podem se ampliar” (p.136).

Por conseguinte, esse processo e estrutura implicam o professorado no embate teórico-

prático totalmente imerso nas contradições e tensões da materialidade concreta das

circunstâncias históricas de nosso tempo e lugar, na e pela praxis social.

Nesse sentido, no plano da luta contra-hegemônica, as organizações políticas e sindicais que se articulam aos interesses da classe trabalhadora necessitam entender, cada vez mais, que o conhecimento científico e a informação crítica são algo fundamental para suas lutas. O senso comum e a opinião (doxa) ou a experiência acumulada por longo tempo de prática (sofia), são elementos importantes, mas, não suficientes. A nova realidade histórica demanda conhecimentos calcados na episteme – conhecimento crítico. A escola pública, unitária, numa perspectiva de formação omnilateral e politécnica, levando em conta as múltiplas necessidades do ser humano é o horizonte adequado, ao nosso ver, do papel da educação na alternativa democrática ao neoliberalismo. (FRIGOTTO, 1995b, p.105)

Diante desse contexto histórico em que se impõe pensar uma educação alternativa e

democrática contraposta ao neoliberalismo e seu educar à domesticação, é possível perceber,

enfim, que cabe ao professorado, articulando-se com o alunado, os verdadeiros sujeitos da

educação e de suas próprias circunstâncias históricas em devir, assumir-se mais e mais

enquanto protagonistas de sua própria praxis; contrapondo-se ainda contra à degeneração dela

em praxis burocratizada.

Assim sendo, premidos pelas contradições e tensões da materialidade de uma

sociedade de classes, e dos paradoxos ideológicos daí derivados, o professorado e alunado

podem caminhar para a superação da “lógica mercantil” – a grande deseducadora da

sociedade contemporânea –, responsável por forjar uma “pedagogia de competências e

211

habilidades” capaz de retroalimentar a competitividade, o individualismo e a exclusão social –

naturalizando-os.

Nesse sentido, ao reeditar perversamente as idéias de Capital Humano advindas do

ambiente empresarial e abraçadas pelo Estado Mínimo, na precariedade cruel da Escola

Pública brasileira, esta acaba sendo responsabilizada, interessadamente, pela suposta queda

geral de nível do ensino nacional, pelo nivelamento de todos os alunos “por baixo” e inclusive

pela “crise de valores” da juventude etc. A Escola Pública, então, é convertida no locus de

possíveis reformas educacionais do Estado capitalista que servem, ideologicamente, para

omitir a inexistência de outras reformas, mais profundas porque estruturais, da sociedade

brasileira. Isso explica o fato de que

[...]o sistema educacional desempenha, pois, o papel de vítima propiciatória que permite aos demais expurgar seus pecados; ou melhor, o de bode expiatório que lhes permite ignorá-los. Este quid

pro quo [tomar uma coisa por outra] não tem nada de novo: há décadas, quando reina o pessimismo, a escola carrega culpa que são por completo, essencialmente ou em parte culpa de outras instituições; quando pelo contrário, reina o otimismo, as reformas educacionais convertem-se em sucedâneos das reformas sociais desejadas e prometidas. (ENGUITA, 2001, p.103)

Desse modo, a fim de particularizar com maior concretude histórica tal processo

hegemônico que controla a escolarização dos filhos e filhas das classes trabalhadoras

brasileiras, há de se registrar a dinâmica de luta de classes das elites do poder e do mercado

nacionais e internacionais. Articuladas em nível mundial, por duas décadas, planejam e

executam – na concretude da praxis histórica e da luta de classes – uma política econômica

imperialista de um tipo bem específico de educação a serviço da domesticação do humano,

subsumido ao capital.

Assim, a hegemônica concepção de “Educação para Todos” equivale à “Educação

Básica para Todos” (BOTEGA, 2005, p.3) que se consolidou, a partir de 1990, na

Conferência de Jomtiem, na Tailândia, inaugurando, segundo análises de Frigotto e Ciavatta,

citados por Botega, “um grande projeto de educação em nível mundial [...] financiado pelas

agências UNESCO, UNICEF, PNUD e o Banco Mundial (p.4).

Como resultado, engendra-se uma “uniformização da política educativa em escala

global [...] vinculada ao crescente peso dos organismos internacionais no projeto e na

execução da política educativa nos países em desenvolvimento” (TORRES, 2001, p.79 apud,

2005, p.5). Essa uniformização ainda contribuiu para forjar e fortalecer o fetiche do

212

“‘pensamento único’ no campo das políticas educacionais” (p.6) em torno da retórica da

melhoria da qualidade (e da eficiência) da educação, eixo da reforma educativa.

Contemporaneamente, pois,

A qualidade da educação localiza-se nos resultados e esses se verificam no rendimento escolar. Os fatores determinantes de um aprendizado efetivo são, em ordem de prioridade: biblioteca, tempo de instrução, tarefas de casa, livros didáticos, conhecimentos e experiência do professor, laboratórios, salários do professor, tamanho da classe. Levando-se em conta os custos e benefícios desses investimentos, o BIRD recomenda investir prioritariamente no aumento do tempo da instrução, na oferta de livros didáticos (os que são vistos como expressão operativa do currículo e cuja produção e distribuição deve ser deixada para o setor privado) e no melhoramento do conhecimento dos professores (privilegiando a formação em serviço em detrimento da formação inicial). A crescente influência dos organismos internacionais hegemônicos na direção da educação oficial dos países está associada ao fato do “Banco Mundial, “o sócio mais forte da Educação para Todos”, ter atingido a condição de liderança no cenário educativo nos anos 1990. [Desde então, conseguiu] “[...] impor, através da proposta de um programa de reformas estruturais neoliberais condicionante aos países que recorrem aos seus financiamentos, um forte pacote de reforma educativa”. (BOTEGA, 2005, p.5)

Destacando a diretriz hegemônica que entrega ao setor privado a incumbência de

produzir e distribuir os materiais didáticos componentes do currículo almejado pela elite do

poder, desfazendo-se do público na medida em que o mercado passa a regular, inclusive,

direitos sociais, registre-se ainda que, nesse processo que interessa a grandes parceiros

internacionais e nacionais, BIRD e Todos pela Educação, respectivamente, há aqui o

estabelecimento de um Programa dominante no qual

[...] a descentralização e a autonomia constituem um mecanismo de transferir aos agentes econômicos, sociais e educacionais a responsabilidade de disputar no mercado a venda de seus produtos e serviços. Por fim, a privatização fecha o circuito do ajuste. O máximo de mercado e o mínimo de Estado. O ponto crucial da privatização não é a venda de algumas empresas apenas, mas o processo do Estado de desfazer-se do patrimônio público, privatizar serviços que são direitos (saúde, educação, aposentadoria, lazer, transportes, etc.) e, sobretudo, diluir, esterilizar a possibilidade de o Estado fazer política econômica e social. O mercado passa a ser o regulador, inclusive dos direitos. (FRIGOTTO, CIAVATTA apud BOTEGA, 2005, p.10)

213

Nesse cenário adverso aos direitos sociais e humanos, reduzidos que foram à prestação

de serviços pelo fetiche do mercado, deve-se fixar que a incorporação da política educacional

do Banco Mundial, no Brasil, se consolidou a partir da Nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação, Lei Nº 9.394/96 que, segundo Saviani, “se caracteriza por ser minimalista e estar

em consonância com a proposta de desregulamentação, de descentralização e de privatização

do Banco Mundial.” (BOTEGA, 2005, p.11)

Somente nesse enquadramento totalizante e estrutural, historicamente, acredita-se, é

possível compreender satisfatoriamente o porquê dos últimos governos brasileiros terem

transformado o “ideário empresarial e mercantil de educação escolar em política

unidimensional do Estado” (FRIGOTTO, CIAVATTA apud BOTEGA, 2005, p.10).

Fica claro, em nosso entender, fixadas a mercantilização da educação e a privatização

do Estado, que o discurso oficial brasileiro, ao engendrar reformas educacionais

padronizadoras de uma racionalidade única na direção mercantil, objetiva mesmo a “melhora”

ou o “aperfeiçoamento” da mão-de-obra ou do “fator humano”, a fim de se conseguir uma

maior competitividade no mercado internacional do sistema do capital – a cooperar, a

educação pública, com a realização dos lucros das classes proprietárias.

Nesse passo, suas personificações – atores e intelectuais a eles vinculados –

reverberam por meio de suas mídias poderosas (monopólios de empresas), por todo o canto e

a plenos pulmões, o “desastre” sintetizado no que midiaticamente se denomina “apagão

educacional”, bem como o suposto e “terrível”, às classes dominantes (ávidas de “fator H”),

“gargalo educacional” brasileiro. O que revela, para seu desespero de elite do poder, “o

desajuste” do sistema escolar em relação ao mundo empresarial e suas “exigências” por mão-

de-obra empregável na produção capitalista.

De fato, tal educação derivada de “uma forma sutil e antidemocrática de relações

educativas é, sem dúvida, a reificação do senso comum, do folclórico, da realidade dada dos

desenraizados e excluídos” (FRIGOTTO, 1995b, p.179).

Finalmente, como “a reflexão teórica sobre a realidade não é uma reflexão diletante,

mas uma reflexão em função da ação para transformar” (FRIGOTTO apud CAMINI, 2009,

p.272), o que, segundo Freire, consiste mesmo na vocação ontológica própria ao ser mais

humano, a reflexão critica do real a partir dos autores clássicos e contemporâneos da literatura

materialista histórico marxista, dialética, e da “pedagogia histórico critica marxiana”, é

tomada aqui como fundamental para o devir de uma escola unitária, pensada e construída

com e para os filhos da classe trabalhadora. De modo a iluminar, assim, por meio dessa

214

episteme crítico-dialética, o caminhar pedregoso da escola pública brasileira contemporânea e

de seu professorado, entrelido enquanto parcela da força de trabalho do país.

215

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de todo o exposto sobre o trabalho enquanto mediação fundante entre ser

humano e realidade social em formação histórica, contemporaneamente subsumido à divisão

hierárquica pelo capital, sobre o correlato burocratismo ou “jaula de ferro” da praxis

ontocriativa, assim como sua articulação, degenerativa, com a Educação Oficial do Estado

político por meio de uma gestão neoconservadora liberal, promotora de um sistema curricular

padronizado e mercantilizado, calçado em Livros-texto, que preme o modo de ser professor,

hoje, dentre outros resultados de pesquisas sedimentados e apropriados como pano de fundo

ou plataforma de análise ao que vai abaixo, tecem-se as seguintes considerações finais.

Registre-se, por conseguinte, que o desenvolvimento desigual e combinado da

realidade societária sob o capital é apreendido, em nossa percepção, no interior do debate

sobre a reprodução do “concreto pensado” do Estado capitalista, contemporaneamente

neoliberal e conservador. Estado político que, ainda, se encontra matrizado e organizado por

uma lógica mercantil privatizante que visa, na prática, “conter gastos” nos fundos públicos

oriundos das “dispendiosas” esferas sociais básicas ligadas à construção de uma democracia

real, tais como previdência, saúde, educação, moradia popular etc.

Ao se utilizar de seu poder de monopólio sobre a escolarização, dando sustentação a

metas orientadas por organismos hegemônicos nacionais e internacionais ligados ao grande

capital, o Estado político padroniza os conteúdos da educação “pública” de forma a atrelá-los

às competências geradoras de um tipo bem específico e “desejável” de “empregabilidade”

para o mundo empresarial.

Clama-se, ironicamente, por um alunado-coisa ou “coisificado” produzido como

“fator” ou “capital humano” em tempos de exacerbação da exclusão social, com cerca de 200

milhões de pessoas desempregadas pelo mundo afora, donde o homem contemporâneo luta

perversamente para conseguir manter-se no emprego, como diria Frigotto (1995b), ainda que

em condições alienantes e extenuantes, já que tem de sobreviver.

Para tanto, o poder político econômico dominante implementa brutal e verticalmente a

homogeneização das formas de conhecimento, mesmo que não se trate de força ou violência

de um autoritarismo explícito ou “puro”, mas sim de “fabricações” manipulatórias de falsos

“consensos educacionais” no interior do Estado democrático de direito. Isso de modo a

engendrar uma heteronomia cultural, o que se faz por meio das “novas” políticas “públicas”

educacionais que operam, substancialmente, sob influxo do ethos regulatório neoliberal

conservador, e seu ideário ideológico sobre “capital humano”.

216

Esse modo de operacionalizar a educação condicionado à lógica do mercado, a sua

vez, baseia-se num modelo de gestão pública tecno-burocrática que, crescentemente, ganha

“corpo” por meio de um conjunto de materiais didáticos padronizados e pré-empacotados,

enviados em massa pelo Estado para o “chão” da escola pública básica. Materiais

identificados ao longo desta pesquisa como Livros-texto.

Com esses instrumentos tecnológicos, observou-se a instituição de mecanismos de

“controle de qualidade” sobre a praxis educativa em função de “conteúdos mínimos” a serem

medidos, tal qual numa linha de produção fabril ou industrial, pelos resultados do rendimento

de alunos em avaliações determinadas. Evidente, pois, o caráter produtivista de tal sistema

curricular que matriza a atual Educação oficial brasileira, em especial a paulista, sob a

bandeira de uma “qualidade” que significa, com Enguita (2001), “não o melhor para todos,

mas para uns poucos e iguais ou pior para os demais”, bem ao gosto da lógica excludente do

capital. Qualidade para poucos, repita-se aqui, que é sempre privilégio, e não qualidade.

Nesse passo, o Estado Mínimo ao trabalho, porém Máximo ao capital, determina

“faixas mínimas” de conteúdos “culturais” que, estrategicamente, encarnam-se nos Livros-

texto de modo a retirar do professorado o direito e o dever de efetivar seu próprio

planejamento curricular, alienando-o de seu trabalho que é, também, exteriorização de sua

vida.

Portanto, forja-se uma educação padronizada fundada em seu poder regulatório, por

meio da qual a Escola cumpre as decisões de órgãos estranhos às necessidades internas de sua

própria concreticidade real. O que, ao fim, acaba por sacrificar o particular concreto em

nome de um falso universal abstrato, homogeneizado e impessoalizado, usurpando-se a

possibilidade mesmo de um saber concreto advindo da escola, a beneficiar uma forma

exterior e estranhada que lhe é imposta, heteronomamente, por quadros da tecno-burocracia

estatal. Aliada, parece-nos, a seus parceiros privados do grande capital; isto é, a burocracia

estatal e a de seus parceiros privados do capital tratando, ambas, o ser real da escola como seu

ser burocrático, abstrato, irreal – ceifando-lhe a substancialidade humana da praxis educativa

ontocriativa.

Os Livros-texto, então, passam a separar dicotomicamente os momentos relacionais

subjetivos e objetivos inerentes à praxis docente e, conseqüentemente, induzem a uma prática

exteriorizada de forma alienada, profundamente degradada e alienante. Engendram, assim,

uma prática educativa imitativa em que o professorado não se reconhece em seu produto de

trabalho com o alunado, uma vez que se anula toda a imprevisibilidade e ontocriatividade do

trabalho docente em interação com os educandos.

217

Desse modo, tais materiais didáticos parecem ganhar vida própria como se fossem um

instrumento didático independente dos professores e alunos, aparecendo “neutros” e

“pairando acima” das contradições do social, das classes e da escola, como se efetivassem,

por si só, o chamado Conhecimento Oficial, de forma mecânica – no momento mesmo de sua

planificação pela tecno-burocracia a quem se incumbe, por ser “jaula de ferro” da dominação,

o papel de “planejar” o trabalho alheio.

Logo, a transformá-los em subjetividades impotentes cuja única função é reduzida à

simples execução e reprodução mecânicas de tarefas previamente prescritas, sendo seus

múltiplos produtos efetivados de maneira uniforme e repetitiva.

Isso tudo, ideologicamente, mantém-se pela reprodução de um conhecimento

padronizado tal qual uma mercadoria a ser produzida em massa (produção em massa), a ser

“depositada” no alunado. Percebendo-se, pois, que os Livros-texto se constituem em um dos

mecanismos de controle do poder estatal responsáveis pela instalação e manutenção da lógica

do mercado na Escola, na medida em que padronizam todo seu processo de ensino e

aprendizagem.

Tal uniformização do conhecimento, contrapõe-se ao próprio discurso hegemônico

que pretende se “legitimar” aos olhos públicos na base da “psico-pedagogia”, segundo a qual

cada estudante é diferente e tem diferentes ritmos de aprendizagem. Constata-se, então, que o

poder, com sua razão pragmático-positivista, utilitarista e tecnocrática, não mantém

minimamente sua própria “coerência” discursivo-retórica em relação à concreticidade do que

ocorre na escola, instituição que a todo custo pretende controlar e redirecionar “de cima a

baixo”,

Esse processo de padronização (ou estandartização) da educação é engendrado pelas

classes dominantes que, além disso, promovem também uma ideológica “nova episteme” ou

“teoria do conhecer”, forjada pelos atores hegemônicos, que norteia os atuais processos

educacionais, a fim de subordiná-los à ideologia da globalização. Esta, a sua vez, implica-se,

necessariamente, à concepção fragmentária e focalista da lógica do mercado e do

individualismo dos seres em competição. Não são, nem podem ser, pois, episteme ou teoria,

nem sequer conhecimento, já que se constituem como e cumprem a função de ideologia das

classes proprietárias.

A educação “de resultados” contrapõe-se, logo, à educação problematizadora da

realidade e que se faz calçada na ontologia do ser mais humano que se faz e se refaz, na e pela

praxis, na totalidade concreta dos nexos reais dialéticos do mundo social. A hegemonia das

classes dominantes desconsidera, assim, as especificidades do saber concreto do chão das

218

escolas, expropriando o saber da realidade concreta das classes subalternas. Nesse passo,

rompendo drasticamente com a concepção de uma educação emancipatória do humano, posta

que está a serviço do Estado Mínimo e, por isso, conforme Linhares (2001) e Suárez (1995)

engendra-se um apartheid entre escolas para ricos e para pobres, ou seja, forjam-se escolas

mínimas para os filhos das classes trabalhadoras, máximas àqueles que podem pagar.

Se há famílias abastadas e famílias desprovidas, então, é porque há duas classes

sociais e, conseqüentemente, também dois canais de escolarização. Porém, ambos, hoje,

ensinam as novas gerações a “competir para vencer”, como também transformam os

professores em meros instrutores ou tarefeiros direcionados a uma formação de acomodação

social acrítica – “escola de conformismos” –, com clara articulação com a conservação, a

qualquer custa, da desigual sociedade de classes atual.

Desse modo, a Educação oficial fortalece perspectivas educacionais baseadas em

modelos mecânicos, passivos e unidirecionais de aprendizagem, que reproduzem um

conhecimento fragmentado e fragmentário de secções da realidade, “coisificada” que está

num plano estático e a-histórico, isto é, não contraditório (dialético) e linear.

Assim sendo, retroalimenta a recorrente prática reificada e mecânica do senso comum

praticista, na medida em que formaliza, padronizando mercantilmente, um saber estático

configurado em tarefas ou situações de aprendizagem fixas e prontas – a serem consumidas de

forma “dosificada” e imitativa por todos.

Nesse sentido, com Tragtenberg (2004), a função professoral acaba sendo mesmo

rebaixada à “inculcação” das normas de passividade, de subserviência e de docilidade, por

meio da repressão pedagógica que legitima a própria exclusão social das classes trabalhadoras

mais pobres, por meio da “naturalização” da desigualdade dos rendimentos escolares que

ocorre tal qual a “naturalização” neoliberal da competição e da desigualdade entre os seres

humanos. Portanto, a atual educação “de resultados” e supostamente “para todos” reveste-se

das mesmas características daquela educação que Paulo Freire denomina “bancária”.

Supostamente, o planejamento curricular dessa educação oficial confunde-se com sua

execução, como se esses momentos relacionais, porém diferenciados, concepção e execução,

fossem idênticos e lineares. Como já explicitado, esse fenômeno, como a burocracia e a

administração, advindas da sociedade de classes e produtora de mercadorias no modo de

produção capitalista da vida humana, homogeneízam as diferenças qualitativas, humanas, a

fim de reduzir tudo e todos a “coisas” equivalentes, passíveis de manipulação, organizáveis e

planejáveis.

219

Desse modo, a Educação oficial, ao separar dicotomicamente as dimensões subjetiva e

objetiva do professorado, fratura e degrada, profundamente, a praxis docente e, assim,

intensifica a prática reiterativa ou imitativa que retroalimenta a educação burocrático-

bancária.

Forja-se, nessa perspectiva e prática dominantes, um movimento crescente de

expropriação do saber docente que exponencialmente mutila e atrofia a capacidade intelectual

do professorado enquanto intelectuais transformadores. Isso de modo a produzir um

verdadeiro desmonte da carreira a fim de desarticular os docentes.

Por conseguinte, leva-se o trabalho docente, cada vez mais, a subsumir-se à

racionalidade técnico-gerencial de uma burocracia do Estado a serviço dos (e articulada aos)

interesses das classes economicamente dominantes, a fim de que sua participação limite-se às

soluções técnicas que dizem respeito à “eficiência” e às abordagens funcionais, somente.

Portanto, o professorado, quando discute o significado de seu próprio trabalho, não se

assumindo enquanto parcela da força de trabalho do país, enquadra-se em discussões

operacionais e funcionais acerca da educação, sob uma perspectiva técnico-instrumentalista

que não se constitui, pois, numa participação de caráter substantivo e consciente em relação

ao vínculo entre seu planejamento curricular e a questão do poder, bem como a natureza

econômica e política deste.

Mais fácil, pois, para se manter o estado de coisas como está, com reformas

curriculares que, substancialmente, nada mudam na recorrente prática bancária da educação

burocrática, tendo em vista que são (re) definidas “em função das necessidades de reprodução

da força de trabalho” no interesse do capital e, por conseguinte, agem como reprodutoras dos

valores e práticas hegemônicos.

Por fim, os Livros-texto, ao engendrarem uma praxis docente reificada ou imitativa,

tendem a subsumir realmente a força de trabalho docente à agenda produtivista de resultados

de uma educação mercantilizada, a serviço da produção dominante de mercadorias, forjando

um modo burocrático de ser e ir sendo professor.

De forma semelhante ao operariado na linha de produção da fábrica no que concerne

ao fenômeno, já explicitado, da alienação, conseqüentemente o professorado é transformado

em mero apêndice dos Livros-texto (TORRES SANTOMÉ, 1998) – máquinas de reprodução

da educação bancária das massas populares, escolarizadas uniformemente à semelhança da

produção de mercadorias. Ou seja, esse sujeito coletivo é reduzido a mero executor mecânico

e acrítico do denominado Conhecimento Oficial, diluindo-se enquanto sujeito de sua própria

praxis.

220

Esse deteriorado modo de ser e ir sendo professor engendrado pelo poder do Estado na

escola pública brasileira (e não apenas na básica), cada vez mais capitulado diante da lógica

mercantil do capital contemporâneo, faz parte de um processo muito maior de proletarização,

precarização e destrutividade do mundo do trabalho humano que, como apontado por Costa,

Neto e Souza (2009), manifesta-se na tendência da conjuntura internacional em desenhar

uma desvalorização do professor e, ao mesmo tempo, difundir, oportunisticamente, uma

grande expectativa depositada nele para que se cumpra seu “destino”, ou “missão redentora”,

como o agente de inclusão social.

Além disso, as políticas “públicas” educacionais, a despeito da ruidosa retórica oficial

sobre a necessidade de mudar a prática educacional “pelo e para o povo”, visam

ideologicamente sua adequação aos interesses ligados às federações patronais, sobretudo no

que se refere a uma melhor qualificação para a “empregabilidade” futura dos alunos no

mercado de trabalho. Mas de fato, só fazem mesmo intensificar o trabalho docente e

desqualificar o professorado, simultânea e contraditoriamente.

Tudo isso, registre-se mais uma vez, sobre uma categoria de trabalhadores fraturada

pelo processo de mercantilização da educação, reduzida à prestação de serviços educacionais,

a promover uma profunda degradação da praxis docente criadora e a superexplorar sua força

de trabalho, o que se denominou arrocho educacional.

Diante do exposto, e nesse sentido, esta pesquisa correlacionou como atributos

ontológicos do ser humano o trabalho e a educação, de acordo com os delineamentos

histórico-críticos de Saviani nas trilhas da dialética materialista histórica. Reconhecendo-se

também a alienação entre o processo produtivo material e a produção cultural na Escola, sob

o signo capitalista, concebendo-se ainda a dialética como episteme ou conhecimento crítico,

no sentido utilizado por Frigotto, para aguçar uma compreensão mais inteligente da realidade

concreta de seu tempo e lugar históricos, com vistas a transformá-la, a própria vocação

ontológica de ser mais humano.

Por isso, esta pesquisa procurou, dialeticamente, desnudar as mediações e os nexos

materiais e ideológicos do modo de produção e reprodução social da existência hodierna, de

um lado, e o fenômeno educacional contemporâneo, de outro.

Para tanto, perspectivada no método materialista histórico-dialético, vinculou-se às

formas sociais da produção material da existência ou formas sociais de produção da

“sobrevivência, presentes nos movimentos e nas lutas sociais e processos de formação

humana”, de modo a articular-se aos processos de exclusão social presentes na materialidade

contemporânea das classes em luta.

221

Partiu-se, pois, de reflexões sobre o trabalho humano a vir a ser emancipado como

devir, não enquanto “dado fixado” anteriormente, porém sempre a depender da praxis

humana, e sua inegável potência emancipadora ontocriativa, princípio da própria formação

humana ao longo do tempo, fundamento de toda praxis social, para a compreensão de como a

tradicional divisão capitalista do trabalho social separa concepção de execução, subjetividade

de objetividade, trabalho intelectual de trabalho manual, engendrando, enfim, a cisão

dicotômica entre teoria e prática.

A divisão hierárquica do trabalho humano e a luta de classes nela configurada,

portanto, como os meios pelos quais foi possível a difusão das alienações e reificações

forjadas tanto no senso comum do praticismo empirista quanto no “pragmatismo positivista”

(MAAR, 2011) da tecno-burocracia estatal, reprodutora em sua “jaula de ferro” do modo de

produção capitalista da vida humana.

Isso tudo, anote-se, em meio à crise da Educação oficial – entrelida como uma das

pontas do iceberg de uma outra crise muito maior e mais profunda, porque civilizatória,

abrangendo a totalidade do humano ou da barbárie entre os seres contemporâneos. Já que,

como registrava o teórico Hobbes na formação do capitalismo inglês, sendo o homem lobo do

homem (MALMESBURY, 1999), todos estaríamos “fatalmente condenados” à permanente

competição num processo contínuo de “naturalização” da exclusão social e da concentração

da riqueza numa minoria, convivendo simultaneamente com a pobreza de uma maioria de

desvalidos.

Inescapavelmente, pois, com Frigotto, deve-se fixar aqui uma tendência histórico-

objetiva, evidenciada já na metade da década de 1990, tempo de desertificação neoliberal do

Brasil. Isto é, trata-se da determinação do contexto real no qual se insere a particularidade da

crise educacional, como ponta de um iceberg: Educação e a crise do capitalismo real.

Nesse enquadramento calçado num conhecimento crítico (ou episteme dialética), a

implantação das políticas educacionais neoliberais conservadoras do Estado Mínimo, de fato,

promove um célere processo de mercantilização da escola pública brasileira, também a

básica. E isso sob a concepção de uma “educação de qualidade” baseada na “pedagogia das

competências e habilidades”, ocorrendo uma padronização pelos Livros-textos de um

currículo uniforme, sustentado de forma alheada do chão da escola.

Configura-se, então, o que poderia ser chamado de indústria de apostilas numa bem

maior indústria cultural de massas. Por meio de materiais didáticos pré-empacotados e

distribuídos em massa na rede pública, no caso específico da rede paulista, mas não apenas,

esses aparecem como um mecanismo de controle hegemônico desse ordenamento autoritário

222

do sistema curricular, imposto sobre a praxis docente e discente. A usurpar mesmo o direito e

o dever do professorado de planejar e executar seu próprio trabalho, o que, senão

exclusivamente, prioritariamente identifica-se com a exteriorização de sua vida.

Isso de modo a aprofundar seu processo de proletarização da vida, por meio da

progressiva expropriação de seu saber de mundo, a duras penas construído ao longo dos anos.

Mais adiante, esta pesquisa, ao compreender a lógica mercantil e os mecanismos de

seu avanço sobre a educação pública brasileira, revelou mais um, dentre outros vários

hegemônicos, mecanismo do poder para sua manutenção, e a do mercado a ele atrelado.

Centralmente, nessa estratégia do poder e do mercado, registrou-se a importância

crescente das parcerias público-privadas, “concessões” estatais do público ao setor privado,

hoje tão “naturalizadas” e vocalizadas até mesmo como “necessárias fatalidades” pela grande

mídia burguesa – igualmente grandes empresas que monopolizam a comunicação social

democrática. Na realidade, seguem-se dilapidando os fundos públicos, lucrativamente

apropriados por empresas privadas do grande capital, em detrimento da materialidade

perversa da escola pública brasileira destinada aos filhos das classes trabalhadoras.

Com este trabalho, ainda, apontou-se, mesmo que brevemente, como a formação

continuada na Escola, por meio da horizontalidade na estruturação de relações humanas e no

interior de coletivos de estudos auto-geridos em movimento, pode perspectivar um Projeto

Político-Pedagógico. Democraticamente, em processo dialético, a formação continuada, que

nasça da concreticidade da escola e a partir de seus sujeitos reais, pode contribuir para a

superação da lógica mercantil que lhes rouba as conexões vivas de suas circunstâncias

concretas.

Projeto Político Pedagógico na contramão, pois, da hegemonia das Parcerias Público

Privadas, atualmente “naturalizadas” como “necessárias” à Educação Pública.

Dessa maneira, esta pesquisa aponta como as reflexões teórico-críticas ao sistema da

lógica da educação atual, baseada em critérios avaliativos e produtivistas (taylorísticos e

toyotistas), constituem, em realidade, um dos passos mais necessários e importantes para a

construção de uma “escola unitária” aos filhos da classe trabalhadora. Na direção de uma

educação omnilateral para a inserção crítica daqueles no mundo real da sociedade de classes,

instrumentalizando-os para uma vida mais humana e humanizadora.

Neste espaço, assim, repensaram-se as concepções e práticas educativas em tempos de

políticas “públicas” carregadas de clara carga de exclusão social na educação e no trabalho, a

fim de compreender, para superar na praxis, as estreitas margens do “pensamento único” da

globalização dominante. Cuja prática a esse correlato pensamento do poder vem,

223

sistematicamente, violando direitos sociais a duras penas conquistados pela classe daqueles

que vivem do trabalho e pelo conjunto das lutas populares.

Procurou-se refletir criticamente, portanto, sobre a importância de se retomar o

trabalho humano como princípio educativo na condução das novas gerações a uma educação

outra. Humanista porque voltada para o sentido da vocação ontológica do ser mais do homem

e da mulher – objetivo básico de sua busca permanente em transformar as condições

existenciais concretas, objetivas, de sua realidade.

Vocação hoje, contudo, submetida a uma Educação oficial que proporciona apenas um

conhecimento restrito – um ensino pouco –, adstrito, destinado somente à procura de

“empregabilidade” futura para o capital. Por vezes, educar para o desemprego, inclusive.

Politicamente, isso ocorre de modo a “inculcar” valores conformistas e individualistas

aos filhos das classes trabalhadoras, justamente os que mais são atingidos pelas conseqüências

nefastas da crise do capitalismo real, crise que tem de ser a todo custo negada ou apequenada

pelo fetiche do mercado. Identifica-se a Educação oficial, então, com uma educação à

subordinação e à adaptação (“trágica ou fatal”?) desses filhos às estruturas sociais dominantes

que lhes destinam funções subalternas porque subsumidas ao capital.

Nesse passo, a título de conclusão, estabeleceram-se os nexos e mediações de uma

educação bancária que se processa em termos mecanicistas, burocráticos, o que resulta em

uma cada vez maior domesticação do humano ao ethos neoliberal conservador. Uma “escola

de conformismos” que não se pode colocar a questão, uma vez que deve ocultá-la, sobre a

necessária construção de uma episteme ou conhecimento crítico-dialético do real e do

questionamento sobre o específico lugar da Escola no interior da desigual sociedade de

classes global.

O que se constitui mesmo, de fato, em uma educação para o ser menos, já que se

orienta pelo ser mais competitivo e individualista, o que rebaixa a escola enquanto locus real

de inclusão da infância e juventude excluídas, transformando o humano em ser menos na

medida em que se busca apenas o ter mais. Se alguns conseguem, ideologicamente é por

conta de “mérito” e esforço pessoal, se a maioria, pelo contrário, não alcança a meta,

“naturalizam-se” a competição e, simultaneamente, a desigualdade entre os seres humanos

“eternamente” em luta para o ter mais.

Sem nos enganar, ainda, com a panacéia da educação “redentora” de todas as mazelas

sociais, relembrando-se que uma sociedade de classes, ao negar infância e juventude às

maiorias desvalidas, revela-se também incapaz de “incluí-las” pelo mito da Escola

“integradora” keynesiana, hoje solapada pelo neoconservadorismo liberal. Ideologia

224

dominante que, de fato, encontra-se em diluição no processo histórico – a comprovar as crises

da escola, da família, do Estado, da cultura, da ética, da moral etc. enquanto particularidades

da crise do capital como modelo organizador da vida humano no e com o mundo.

Para essa superação sócio-histórica dificílima, porém imprescindível, acredita-se, a

educação precisa ser colocada na procura de uma direção dialética, ética e estética para uma

alternativa a nossa sociedade de classes desigual, no sentido de ser capaz de retomar as

matrizes clássicas da “pedagogia histórico-crítica” de formação ético-política na formação

humana com vistas a recuperar a humanidade roubada pela pseudo-ética do mercado. Uma

vez que não dicotomiza homem–mundo e, ao contrário, busca desmascarar a realidade de

classes que desumaniza, despertando nos alunos uma reflexão crítica de suas situações

existenciais concretas para que, em suas individualidades, se transformem em sujeitos críticos

de sua praxis.

Trata-se, pois, de retomar aquele Projeto Político-Pedagógico perspectivado em uma

escola unitária como locus de vida onde os educandos sejam tratados como gente, pessoas, no

dizer de Hobsbawm, à frente da produção. Onde a educação se constitua como verdadeiro

quefazer humano, donde educador e educando, mediatizados pelo mundo concreto, na e pela

praxis, criem o verdadeiramente novo saber e humanizem-se em sua própria realidade em

movimento.

Diferentemente, pois, da atual concepção de escolarização referenciada em critérios

avaliatórios produtivistas e paranóicos, pretensamente calçados no toyotismo de uma

ideológica “qualidade total” – que não explicita a serviço de quem e de que qualidade se trata.

Premida sob a lógica perversa de uma “pedagogia de competências e habilidades”, intenta-se,

a todo custo, pois, domesticar os alunos para o mundo do trabalho que, em verdade, é o

mundo do capital que subsume o trabalho humano.

A educação oficial trata os alunos, conseqüentemente, como “caixas vazias” a serem

preenchidas com “fragmentos” e “recortes” de frações da realidade ou do real, depositados

por meio do gotejar e da dosemetria de fatos e informações semimortas. O alunado que não

suporta mais a escolarização castradora, revoltando-se contra ela, sabe daquilo do que fogem:

um ossificado conhecimento dito “oficial” que se quer impor “neutramente” para todos!

Educação necrófila, “correia de transmissão” dos valores da cultura dominante das classes

dominantes, afeita às mortificações e paranóias avaliativas a serviço da exploração econômica

e dominação política, lixando-se à abertura viva a um mundo humanamente construído e

reconstruído, como diria Paulo Freire (2005).

225

Nesse contexto, cabe ao professorado brasileiro, e a todos aqueles educadores

comprometidos com a emancipação humana, a construção de um modo necessariamente

crítico de educar e formar, nutrido por uma episteme ou conhecimento crítico materialista e

histórico da dialética do real, que não exclua a história nem a prática escolar de sua

concreticidade cotidiana, atrelada à totalidade humana em interação contraditória.

A hegemonia educacional, porém, não pode compreender e explicitar – escamoteando-

se sob a insustentável ideologia da “neutralidade” ou “imparcialidade” – a vinculação real

entre a produção do conhecimento, de um lado, e a natureza verdadeira do poder do Estado

político, monopolizador da escolarização, e das classes econômicas dominantes a ele

atreladas, de outro.

O Estado assim concebido fragmenta as ações em políticas focais que amenizam os

efeitos, sem alterar substancialmente as suas determinações (FRIGOTTO, 2011b), partícipe

que é do controle social hegemônico, naturalizando a pedagogia da exclusão (GENTILI,

1995) para os filhos das classes trabalhadoras mais pobres, na medida em que se pauta no

ideário do Capital Humano, do treinamento e da competitividade do mercado.

Assim sendo, a lógica da pedagogia “das competências” e da “qualidade total”

(SAVIANI, 2007) provoca um estilhaçamento dos processos educativos, donde a função da

escola passa a ser, exclusivamente, a empregabilidade. O que significa, com Frigotto (1998),

uma nem sempre declarada ênfase à formação para o desemprego ou ainda, com Leher (apud

FRIGOTTO, 1998), constitui-se mesmo em uma estratégia de alívio da pobreza.

Logo, educação ideológica imersa na aparência fenomênica superficial,

pseudoconcreticidade, que objetiva formar em cada indivíduo um banco de reserva de

competências e habilidades técnicas, cognitivas e de gestão que lhe assegure empregabilidade

(FRIGOTTO, 2001); entretanto, não lhe garante, nem pode lhe garantir o emprego real e

muito menos a ascensão social ou a melhoria concreta em suas condições de vida. Isso, apesar

da ideologia da ascensão social pela educação, o que não passa de mais uma panacéia dos

mitos dominantes.

Portanto, tem-se uma educação que rompe com a perspectiva formativa na direção do

treinamento (FRIGOTTO, 1998), forjando, ainda, a exacerbação do dualismo estrutural entre

os que são preparados para o desempenho de funções intelectuais ou funções instrumentais

(ARROYO apud FRIGOTTO, 1998); trabalho intelectual às elites, trabalho manual às

maiorias subalternizadas.

226

Educação, conclua-se, não problematizadora da realidade perversa que esmaga as

classes populares brasileiras e, pior, ilude-as com o engodo da retórica de ascensão ou

“mobilidade” social num mundo em crise estrutural de empregos, progressivamente

precarizados com oportunidades cada vez mais escassas.

Educação especulativa que propaga a idéia de uma “qualidade total para poucos”, em

contraposição a “uma qualidade social para todos” (FRIGOTTO, 2001), a promover e

reproduzir um verdadeiro “apartheid, como diria Linhares (2001), que distancia as escolas

destinadas aos mais pobres daquelas freqüentadas pelos mais ricos, numa cartografia em que

abismos reproduzem as desigualdades econômicas e sociais. Cartografia do apartheid

educacional, portanto.

Educação mínima (SUÁREZ, 1995) para os filhos da classe trabalhadora engessada

em padrões em que as diferenças não desfrutam de espaços, o que, por conseguinte, rouba-

lhes as conexões vivas de sua historicidade, obstruindo a insurgência do novo e da

possibilidade de uma outra realidade, capaz de ir implantando um tipo de convivência social

marcada pela solidariedade, e não pela competição, pela igualdade e não pela desigualdade.

Educação como mera aquisição individual, mercadoria que se obtém no mercado

educacional de prestação de serviços, que prima pela produção e legitimação de “supérfluos

humanos”. Enfim, que busca quase exclusivamente o desenvolvimento de uma economia para

poucos que vem progressivamente, com Suárez (1995), apagando do imaginário social a idéia

de educação pública como direito social e como conquista democrática.

O que consolida a confecção de sua feia feição excludente, obstaculizadora da

possibilidade do ser mais das maiorias subalternas da sociedade, embora seja, enquanto

Educação Oficial pública, destinada a elas, uma vez que tem no mercado o árbitro

fundamental de suas relações humanas (FRIGOTTO, 2001a). Este o verdadeiro paradoxo da

educação pública contemporânea, neoliberal conservadora.

A razão do poder, pois, necessariamente, não deve ser tomada na sua imediaticidade

dada de aparência fenomênica, cabendo ao poder da razão e do conhecimento crítico-dialético

– episteme – desvelar tais fetiches e ideologias capazes, até agora, de “naturalizar” no

imaginário coletivo a exclusão social entre minorias abastadas e maiorias desvalidas, a

perpetuar a desigual sociedade com suas alienações regida sob o signo do lucro e da

mercantilização da vida humana até o limite do imaginável.

227

Para tanto, o professorado inevitavelmente incluído ao movimento global da sociedade

neoliberal conservadora, enquanto força de trabalho viva em conexão com as demais

categorias do trabalho, poderia trilhar o caminho para romper com as limitadas fronteiras das

atuais políticas “públicas”, que institucionalizam a exclusão social das maiorias subalternas.

Este adverso cenário, conforme apontado nesta pesquisa, verga as costas dos

trabalhadores da educação pública brasileira com a superexploração de sua mão-de-obra

(arrocho) e a concomitante espoliação de seu saber, mediante as imensas distorções e tensões

que padecem na esfera do exercício profissional em suas condições de trabalho concretas.

Trata-se, pois, de uma “gestão educacional” que forja um duplo arrocho

historicamente implantado pelas elites do poder no Brasil, repita-se agora: o salarial, que tem

no arrocho educacional sua rima feia e pobre, efetivados concomitantemente e que

aprofundam, juntos, a mercantilização da escola “pública” no país. Isso por meio de

mecanismos de “controle de qualidade” da educação e do trabalho docente, impondo-se como

uma padronização de um currículo mínimo e de um sistema de avaliações “institucionais”,

sob critérios tayloristas e/ou toyotistas.

Lutando prático-teoricamente, pois, contra o duplo arrocho salarial e educacional das

classes trabalhadoras brasileiras, dessa forma, com Mészáros (2008) entende-se que lutar

contra a intolerância e a alienação configura os necessários passos à emancipação humana,

hoje, centralmente deixando em aberto a seguinte questão:

Afinal de contas, para que e a quem serve a educação – mais ainda quando pública –

senão for para lutar contra as alienações sempre reproduzidas pelo sistema do capital em sua

totalidade? Senão para ajudar a decifrar os enigmas do mundo das classes em luta, sobretudo

o do estranhamento de um mundo produzido pelos próprios homens que lhes parece,

entretanto, obra de uma entidade não humana, reificada – o que caracteriza mesmo a estrutura

da alienação, conforme se viu com Vázquéz (1968).

Afinal, já no plano do ensino público básico brasileiro e, porque também não,

mundial, com Apple (apud GENTILI, SILVA, 2001), vale registrar: senão podemos nos

permitir nos indignar sobre a vida de nossas crianças [e adolescentes], sobre o que mais

podemos nos indignar?

Finalmente, com Marx (2005), porque a crítica já não é fim em si, mas apenas um

meio, sendo a indignação o seu modo essencial de sentimento, e a denúncia a sua principal

tarefa, espera-se que esta pesquisa contribua para reflexões a respeito da praxis docente, em

espaços em que se privilegie a formação dialética dos professores, implicado na construção

228

da prática transformadora da realidade social e da formação da cidadania ativa e substancial

dos alunos e de si mesmos.

Bem longe, pois, da “cidadania balofa” enquanto ideologia do sistema do capital,

como falsa consciência que retroalimenta as mentalidades burocráticas no imaginário social

alienado, porque meramente formal e jurídica cidadania.

Assim, espera-se que este trabalho contribua para desmistificar a retórica oficial dos

donos do poder acerca de seus reais interesses com a propalada “Educação para todos”. De

fato, verdadeira panacéia ou fetiche supostamente solucionador de todos os problemas

educacionais advindos da “ineficiente” escola pública formal.

Tratou-se mesmo de desvelar, explicitando, a real articulação entre essa “educação

necrófila” e seu “currículo mínimo” de um Estado Mínimo ao trabalho e Máximo ao capital,

de caráter neoliberal conservador com vistas exclusivas à “desoneração” de gastos com a

esfera social (previdência, saúde, educação, moradia popular etc.). Direitos sociais e humanos

que passam a ser, como se viu, regulados e deformados pelo mercado, surgindo daí uma

educação, pois, concebida e executada como “prestação de serviços” no mercado capitalista.

Nesse passo, a tecer os fios condutores e os necessários nexos dialéticos da educação

contemporânea brasileira, em sua realidade concreta, o professorado e o alunado, premidos

entre contradições e tensões no modo de ser e ir sendo, devem lutar contra a vigente

“pedagogia da exclusão” que caminha vitoriosa até o momento presente, ainda.

Hegemonicamente hasteando a sublime bandeira da “qualidade total” que busca, como

vimos com Enguita (2001), ser “não o melhor para todos, mas para uns poucos e iguais”.

Enfim, de modo a concluir, trata-se de uma educação ideológica que em sua retórica

oficial se diz “para todos”, mas que, todavia, em sua concretização prática e real, é “para

poucos”, em uma sociedade de classes igualmente “de e para poucos”. O lema hegemônico,

então, poderia ser assim sintetizado, desde que despido de sua pseudoconcreticidade de

fetiche: Educação “para todos” – “pero no mucho”, uma vez que, ao ser orientada pelo

individualismo possessivo (APPLE, 2006) e competitivo do “sucesso” de uns poucos, em

detrimento do fracasso “naturalizado” de uma maioria, é privilégio de alguns e não direito

social de todos.

Isso porque, afinal de contas, consiste em uma educação que se diz para todos mas

que, entretanto, em sua prática hegemônica privilegia alguns ditos “mais competentes”,

“averiguados” sob os critérios produtivistas e de “mérito” da lógica mercantil, a matrizar as

avaliações de modo a “naturalizar”, omitindo-as, as desigualdades sócio-culturais anteriores

inclusive ao ingresso do alunado na vida escolar, e a excluir, assim, os “de baixo” –

229

transformando-os em “fracasso escolar”. Ao tornar o pobre, pois, um “fracasso escolar” em

virtude de sua suposta falta de “esforço pessoal” ou “mérito”, escamoteando que as precárias

condições sócio-econômicas e materiais são quem lhe impõe, condicionando, um suposto

“fracasso–sucesso”, tal educação garante a si um rótulo e caráter excludente. Consiste, enfim,

naquela educação “que não passa de fornecedora de ‘capital humano’ para o setor privado”,

como diria Michael Apple (apud GENTILI, SILVA, 2001).

Tem-se, portanto, uma “pedagogia excludente” (GENTILI, 1995) baseada, como um

dos panos de fundo de sua sustentação, em uma “pedagogia especulativa” denominada, hoje,

de “pedagogia das competências e habilidades”. A dominar a educação contemporânea,

registre-se, avessa que é ao concreto e a seu próprio fim – e seu fim, reitere-se, é o próprio

homem, que passa a ser ideológica e praticamente “coisificado”.

Havendo tanto professorado quanto alunado sido transformados e “reificados”, sob a

pseudoconcreticidade da sociedade de classes, ambos, em meros agentes executores de

prescrições heterônomas e avessas a sua realidade concreta, ameaça-se, por conseguinte, a

própria constituição sócio-histórica da cidadania ativa (e não balofa) das futuras gerações

brasileiras, principalmente a dos filhos e filhas das classes trabalhadoras.

Daí seu caráter contraditório, ou o que poderíamos denominar “quase paradoxal”

porque não absurdo como completa ausência de lógica, de ser uma escolarização

aparentemente pública destinada às classes trabalhadoras e, simultaneamente, assumir uma

pesada carga privatista mercantil e excludente. Inclusive, reitere-se, esse processo se utiliza do

“mesmo modo operandi nos guias para a formação de professores e na adoção de modelos de

gestão baseados em resultados” (LEHER, 2011b).

Nesse sentido, finalmente, tal “educação hegemônica” dos donos do poder e do

mercado poderia ser sintetizada, ironicamente, como uma educação “para todos”, o que se

pode apreender, conforme aqui se pretendeu, depois e desde que desnudada de seu caráter

reificado de aparência enganadora ou fenomênica do real, apresentando mesmo, como diz

Gentili (GENTILI, SILVA, 2001), um verdadeiro glossário de messianismo pedagógico.

Glossário transformado, assim, em uma verdadeira panacéia ideológica capaz de comandar,

estruturar e controlar todas as relações educativas que perpassam ou atravessam a Educação

pública Oficial, manifestando-se como um dos poderosos mecanismos e instrumentos

hegemônicos de controle da produtividade e da própria formação da mão-de-obra docente

contemporânea. O que traz semelhantes implicações, obviamente, ao alunado.

230

Nessa ambiência histórica extremamente adversa à educação pública brasileira (e não

apenas a básica), em todo circuito público de escolarização no país o pragmatismo positivista

da tecno-burocracia estatal, “jaula de ferro” da praxis ontocriativa, vai ao encontro, mais

ainda fortalece e retroalimenta o senso comum do praticismo presente no universo do

imaginário coletivo social.

Enfim, uma pedagogia de “competências e habilidades” forjada e premida pela lógica

mercantil, baseada nos critérios produtivistas das avaliações externas, converge com aqueles

valores hegemônicos e domesticadores do humano encontrados na pedagogia de depósitos e,

assim sendo, ambas pedagogias constituem-se como faces ou momentos de um mesmo tipo de

educação especulativa e burocrático-bancária a serviço da produção dominante.

Caracterizada, pois, por negar a concreticidade da escola, tipicamente responsável por

admitir, no dizer de Freire (2005), uma educação necrófila que toma “os homens sem mundo”

ou um mundo apartado da história concreta e de suas contradições e conexões reais,

roubando-lhe a substancialidade da vida humana ou sua própria alma.

Escola imersa, pois, na ideologia dominante de mercado, reproduzindo então a falsa

consciência interessada de mundo das elites do poder; escola contemporânea assim engolfada

pela pseudoconcreticidade enganadora, oriunda do poder do fetiche toyotista (taylorismo

interiorizado) de uma sempre suposta “qualidade total”. Sempre suposta na medida em que

nunca se pergunta nem nunca se perguntará, já que se constitui não como ciência, porém

como mais uma ideologia ou representação invertida do mundo, sobre de que tipo e a serviço

de que e de quem se coloca tal hipotética “qualidade total” de educação. “De que qualidade se

trata?” e “a serviço de quem se posiciona?” são questões que, na perspectiva ideológica do

pseudoconcreto, não podem ser levantadas.

Assim, de maneira mais ampla, diante desses imensos desafios históricos do nosso

presente, cabe ao homem e a mulher contemporâneos, em seu embate diuturno contra as

reificações (“coisificações”) e alienações das relações humanas, lutar contra o esquecimento

do caráter histórico (historicidade) das circunstâncias existenciais concretas da real sociedade

de classes.

Perda da historicidade ou da noção de transitoriedade inerente às estruturas, relações

e idéias sociais em devir, de fato, esquecimento de seus sujeitos reais que os conduz a aceitá-

las como realidade “quase natural” (naturalidade fetichizada), determinada e condicionada

pela divisão social do trabalho humano que, reproduzindo-se como núcleo irradiador das

alienações e fetiches do capital, faz com que o “real” construído humanamente escape à

231

própria praxis humana, levantando-se como “coisa” não-humana contra seus próprios

produtores. Conforme explicitado, trata-se mesmo da estrutura da alienação sob o capital.

Dessa forma, o que se capta do movimento da realidade contemporânea é uma

“educação sem alma” no sentido de contribuir à reprodução de uma desumana realidade

humana, roubada que lhe foi a essência humanizadora pelos egoísticos interesses dos donos

do poder e do mercado que, em sua prática de domínio e exploração, apagam suas conexões

vivas na medida em que as desconectam da materialidade concreta de seus sujeitos reais.

Pretendendo, ideologicamente, “pairar acima” das contradições de seu tempo e lugar

histórico-geográfico, a reproduzir as dicotomias antinômicas e ossificadas entre subjetividade-

objetividade, teoria-prática, trabalho intelectual-trabalho manual etc.

“Educação deseducadora” do humano, então, na medida em que ensinar para as novas

gerações exclusivamente a competição egoísta da luta concorrencial do “cada um por si e para

si mesmo”, individualismo possessivo e competitivo no vocabulário de Apple, consiste numa

perversa “naturalização” da exclusão e desigualdade social, o que acaba por promover o

reforço ideológico da dicotomização – explicada pela divisão e dinâmica entre classes

trabalhadoras e capitalistas – entre escolas para os filhos das classes proprietárias, os ricos, e

escolas mínimas para os filhos das classes trabalhadoras, os pobres. Cruel e interessadamente,

assim, promotora de preconceitos contra os “de baixo”, aqueles que, por falta de “mérito” ou

“esforço” educacional, não conseguiram “ascender” sócio-economicamente, “fracasso

escolar” que convive, no discurso dominante, com uma outra ideologia, a da ascensão social

ou de “sucesso” através da escola.

Educação sem consciência social, ideologicamente construída, e reduzida mesmo a

uma tecnologia fetichizada que pretende apresentar-se como uma ciência humana “neutra”, o

que só faz reproduzir, historicamente, a violência e a barbárie generalizadas da sociedade de

classes atual.

Analiticamente, intentou-se determinar através da dialética, a partir do real concreto

em movimento, a localização e o sentido de uma educação para e com o “povo” que se educa

na praxis, ou seja, destinada e feita com a classe que vive do trabalho (ou classe trabalhadora).

O paradoxo da educação oficial pública consiste, portanto, no fato de que, apesar de

nominalmente se declarar e buscar sua “legitimidade” em sua “destinação ao povo”,

ironicamente traz uma pesada marca de exclusão ou mesmo apartheid social, configurando-se,

efetivamente, e desde que compreendida despida de seus véus de pseudoconcreticidade sob o

influxo mercantil, como uma educação antipopular ou antipovo!

232

Portanto, a educação neoliberal, ao “naturalizar”, legitimar e justificar a exclusão e a

desigualdade como elementos necessários à competitividade (FRIGOTTO, 1998), engendra

uma ofensiva antidemocrática contra a escola pública e contra a educação das maiorias

subalternas (GENTILI, SILVA, 2001).

Não sendo com elas pensada, mas sim para elas dirigida, imposta e “inculcada”, a

educação para o povo, assim estruturada, ao invés de humanizar, desumaniza e fratura a

humanidade do próprio homem, transformado em subjetividade impotente diante de uma

objetividade não-humana e toda poderosa, criada e recriada pela divisão hierárquica do

trabalho social subsumido ao capital. Este, um modo de controle societário, que traz em sua

dinâmica interna a estrutura da alienação humana, já que sob o capital os produtos do trabalho

social – sob a forma de mercadorias – aparecem e, reificadamente, se levantam como “coisas”

hostis e não-humanas, embora humanamente criadas – porém não percebidas.

Educação, por conseguinte, que, ao não se colocar devidamente a problemática

subjetividade e objetividade no nível da praxis e em permanente dialeticidade, induz à

dicotomia entre “objetividade e subjetividade, [sendo que] a negação desta na análise da

realidade ou na ação sobre ela conduz invariavelmente”, como diria Freire (2005), a um

objetivismo, igualmente redutor das dimensões do real porque tenta negar à análise da história

humana e da ação humana sobre o mundo o papel da praxis dos sujeitos concretos. Sem se

esquecer que o oposto do objetivismo, o subjetivismo, consiste também em um “simplismo

ingênuo”, “subjetivismo ou psicologismo”, negando, falsamente, a importância da dimensão

fundamental da objetividade no processo de transformação do mundo e do humano em devir.

Enfim, a consolidação de uma “educação sem brilho” articula-se com o processo de

mercantilização da educação oficial, silenciando quem lhe empresta luz e lhe dá essência

substantiva, necessariamente, seus sujeitos reais e ativos durante a vivificação de suas praxis

advinda de suas circunstâncias existenciais concretas. Processo promovido pelas políticas

públicas educacionais neoconservadoras que, hegemonicamente, desapropriam a

substancialidade humana da função docente e proletarizam a docência em um processo de

estandartização crescente de seu trabalho e do conteúdo escolar.

Em conclusão, ao se refletir a respeito dos efeitos do currículo oficial na praxis

docente e discente, espera-se que esta dissertação contribua para um articular de vozes, na e

pela praxis, na direção da superação da lógica mercantil instalada na educação pública

brasileira, especificamente na básica, o que, por meio de seus diversos mecanismos de

controle do trabalho docente, aprofunda sua precarização e, progressivamente, expropria seu

saber, haja vista as reflexões a respeito dos Livros-texto.

233

Processo que se faz também com a padronização (ou estandartização) do conteúdo

escolar, reduzido a conteúdos fragmentados e fragmentários de frações do real, encarnados

em manuais instrucionais sebosos e elaborados por corporações privadas que se apoderam,

paulatinamente, dos fundos públicos, terceirizando a gestão educativa pública – cada vez mais

privatizada, constatou-se nesta pesquisa.

Por conseguinte, exponencialmente obstaculiza-se a “independência crítica” da praxis

docente e discente, ou seja, bloqueia-se a episteme ou conhecimento crítico-dialético do real,

teoria construída a fim de não ceder a imposições outras que não a da busca da verdade do

mundo humano, a fim de transformá-lo material e idealmente enquanto vocação ontológica do

ser mais na direção da humanização.

Busca do papel da educação na humanização que, ou desvela as aparências

enganadoras da imediatez dos fenômenos sociais (pseudoconcreticidade), ou se atrofia atrás

dos fetiches e reificações, bloqueando a caminhada do ser mais social e humano para os

sonhados horizontes de uma história em que a liberdade (ou a desalienação) possa

concretizar-se, praticamente. Num devir de uma sociedade justa e não excludente, onde

liberdade não esteja, como hoje está, cindida de uma igualdade substancial entre os seres

humanos.

A título de conclusão, pois, importa salientar neste ponto a urgência da compreensão

teórica por parte do professorado da verdadeira natureza desta “pedagogia da exclusão” em

curso – compreender a cartografia do apartheid educacional por meio de uma episteme

dialética –, bem como do movimento real do capitalismo contemporâneo em crise,

responsável por “naturalizar” a exclusão e a desigualdade sociais das maiorias desvalidas da

sociedade de classes, na medida em que reforça, ideologicamente, a perversa divisão

hierárquica do trabalho humano subsumido aos ditames do capital e do mercado.

Nestes tempos de desemprego estrutural pelo mundo afora, essa pedagogia da

exclusão forma, deslealmente, uma nova geração dos “sem trabalho e sem emprego” para

uma empregabilidade futuramente remota e, não raramente, inexistente. Educando a

juventude pobre à adaptação ao subemprego e/ou ao desemprego, tem-se o triste exemplo,

para ficar só nesse, da geração dos “ni-ni” espanhóis (“ni emprego, ni trabajo”), a comprovar

essa perversidade do sistema de educar para o desemprego. O que reproduz entre nós e entre

nossos próprios filhos, como filhos que são das classes trabalhadoras, um engodo

educacional. Tentam-se ocultar, assim, as desiguais estruturas sócio-econômicas, políticas e

culturais que a todos nos perpassam e engolfam.

234

Dessa forma, acredita-se, o professorado das redes públicas brasileiras, sujeitos de

uma das maiores categorias profissionais do país, parcela da força de trabalho, mediante sua

luta diuturna na praxis – verdadeira educadora do humano –, tem-se de perspectivar no devir

ou vir a ser da construção, tijolo a tijolo e dia após dia, de uma escola unitária para os filhos

da classe trabalhadora.

Seguir, assim, acreditando em gente e nas pessoas em primeiro lugar e à frente da

produção dominante capitalista, no dizer de Hobsbawm, e na educação enquanto partícipe da

humanização, com Freire, na contracorrente e na contramão da hegemônica lógica e pseudo-

ética do mercado e de sua educação oficial, “inculcação” de valores dominantes advindos das

classes dominantes.

Finalmente, cabe ao professorado crítico frente ao capitalismo real em crise, nesta

segunda década do século XXI, enfrentar um duplo desafio dialeticamente.

Por um lado, contestar a lógica e prática mercantis avassaladoras e arrasadoras do

humano, condensadas na política econômica do conhecimento oficial moldada por propostas

curriculares que impõem critérios de seleção e organização de conteúdos meramente técnicos,

supostamente “neutros” e “pairando acima” das contradições de classe, porém, de fato, posta

a serviço da domesticação do humano. Bem como, simultaneamente, construir espaços

substancialmente democráticos em que seja possível a delimitação conceitual e prática de

novas categorias dialéticas que permitam situar, historicamente, o conhecimento da realidade

concreta, cultural e pedagogicamente.

De modo a redefinir, então, a linguagem e a prática da ética pública por uma cidadania

real e ativa que retome o debate coletivo em torno dos valores que priorizem a igualdade

substancial entre os seres humanos em sociedade, respeitando-se as diferenças, a

solidariedade, o fundo publico e a justiça verdadeiramente social – todos devidamente

despidos da pseudoconcreticidade de racionalidade do poder e do mercado.

No caminhar, assim, em direção à construção de um presente mais justo e de um

futuro mais digno a serem vividos pelos filhos e filhas das classes trabalhadoras, o que

também perpassa o embate por uma definição coletiva de um outro currículo, de uma outra

sociedade, de uma outra política, de uma outra economia etc. Já que o problema educacional

é, de fato, não só educacional, mas sócio-econômico e político. Um currículo, então, de um

povo que se educa a si mesmo na luta e na praxis desalienadora, possibilitando-se assim uma

muito mais democrática “opção” entre critérios de seleção dos conhecimentos e de valores a

serem ensinados. A luta que é, antes de tudo, uma praxis de luta ético-política e econômica de

235

formação humana, horizonte de futuro a ser condensado, verdadeiramente com e para o povo,

em novos currículos problematizadores de uma realidade humana desumanizada.

Nesse sentido, como diria “Joaquim, um sem-terra de Parauapebas, estado do Pará:

como “queremos uma escola que não envenene a cabeça dos meninos” [e das meninas]

(CAMINI, 2009, p.267), acreditamos, nadando-se mesmo contra a maré o professorado

avançará, ainda que hoje mais lentamente no Brasil, com uma esperança teimosa, movida pela

e na praxis do mundo humano, que ressurge a cada pedra que encontra no caminho.

Neste último passo, finalmente, conforme se expressou Maiakóvski (1920) em um de

seus poemas, denominado “A Porta do Sol” (SCHNAIDERMAN, 1997), acreditamos

também, com ele, que “gente é”, sempre, “para brilhar”.

Para iluminar nossos caminhos de luta na e pela praxis docente e discente, a vir a ser

emancipada das amarras dos donos do poder do Estado burocrático e do mercado, na direção,

pois, da construção diuturna de um mundo mais humano, tomemos a derradeira reflexão de

um pequeno trecho da obra do filósofo G. Lukács (1967, p.251), com o qual se encerra este

trabalho de mestrado.

A aproximação adequada da realidade inesgotável pelo conhecimento postula o homem completo, que se encontrou na totalidade. Face ao protesto impotente do romantismo que apenas intensifica a alienação humana, obra do capitalismo [...] indica um caminho seguro para a reconquista da totalidade humana, demonstrando antes de tudo que o conhecimento, sob todos os pontos de vista, é inseparável da ação prática e do trabalho. Sóbria e bem proporcionada [...] precisamente porque reconhece a existência objetiva do real – uma brilhante manifestação desse humanismo que não se aquartela na defensiva frente ao capitalista inumano e anti-humano. É um humanismo combativo, que engaja os homens na luta, no conhecimento e na conquista do mundo e que trabalha – sendo ao mesmo tempo teoria e prática – para o nascimento do homem novo, com a totalidade humana reencontrada. (LUKÁCS, 1967, p.251)

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