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Direito da Comunicação
Professora Maria Eduarda Gonçalves
A DOUTRINA DA CNPD
Trabalho realizado por:
Alexandra Baptista Palma nº1247Ana Martins nº 1289
Margarida Ormonde nº 1253Verónica Catana nº1225
ANO LECTIVO 2010/2011
ÍNDICE
1. INTRODUÇÃO................................................................................................................................ PÁG. 3
2. A COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS............................................................PÁG. 4
3. DELIBERAÇÃO DA CNPD:
3.1 O PROBLEMA DA VIDEOVIGILÂNCIA....................................................................PÁG. 6
3.2 ABORDAGEM DA VIDEOVIGILÂNCIA POR PARTE DE OUTRAS AUTORIDADES E A
EXPERIÊNCIA NOUTROS PAÍSES.........................................................................PÁG. 12
3.3 CONDIÇÕES DE LEGITIMIDADE..........................................................................PÁG. 18
3.4 ACESSO AOS DADOS RECOLHIDOS.....................................................................PÁG. 22
4. ANÁLISE DO CASO CONCRETO............................................................................................... PÁG. 24
5. CONCLUSÃO............................................................................................................................... PÁG. 26
6. ANEXO........................................................................................................................................ PÁG. 27
7. BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................... PÁG. 28
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1. INTRODUÇÃO
No âmbito da disciplina de Direito da Comunicação, foi-nos proposta a elaboração
do presente trabalho que incide sobre a temática “A Protecção de Dados Pessoais em
Portugal: a Doutrina da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD)”, com especial
enfoque na problemática da videovigilância. Para tal, baseámo-nos na Deliberação nº
61/2004, intitulada “Princípios sobre o Tratamento de Dados por Videovigilância” e na
Autorização nº 2456/2007 dada à FHC Farmacêutica, Lda. ambas da CNPD.1
O nosso trajecto terá início com uma breve referência à CNPD, seguido de um
enquadramento legal e problematização da questão em apreço. De seguida, passaremos
a analisar o tratamento que a questão granjeia no quadro da União Europeia e do Grupo
de Protecção de Dados Pessoais (também conhecido como “Grupo do artigo 29º”),
passando depois a conhecer a experiência de alguns países em matéria de
videovigilância. Após estes, seguir-se-á a apreciação das condições de legitimidade,
essencial na concessão de autorizações por parte da CNPD, recorrendo à lei, doutrina e
jurisprudência, neste caso do Tribunal Constitucional. Adiante, analisaremos quais as
entidades que têm acesso aos dados recolhidos pelos sistemas de videovigilância e em
que situações podem exercer o seu “direito de acesso”. Como se compreenderá, optámos
por uma divisão assente na própria deliberação analisada. Por fim, ilustraremos o
quadro jurídico, anteriormente esboçado, recorrendo a um caso concreto. Trata-se da,
supra citada, Autorização de colocação de câmaras de videovigilância dada à FHC
Farmacêutica, Lda. e, num último momento, apresentaremos a conclusão.
De facto, com a evolução das tecnologias da informação e comunicação, surgem
novos desafios para o Direito. Este tenta acompanhar essa evolução, mas dividido entre
os seus dogmas e as suas aspirações vanguardistas. Neste quadro, a protecção dos dados
pessoais ganha importância, principalmente devido ao aparecimento novas formas de
agressão de direitos e de criminalidade. Neste quadro, surge a videovigilância, “forma de
vigilância à distância, realizada mediante operações de tratamento de imagens captadas
por câmaras”.2 Esta deve obedecer aos limites que o Direito vem impor, através da lei,
salvaguardando os direitos constitucionalmente protegidos e que constituem os pilares
do Estado de Direito, tais como, o primeiro e mais elementar: a dignidade da pessoa
humana (art. 1º da Constituição da República Portuguesa - CRP).
1 Ambas disponíveis no site da CNPD. Consulte os links na Bibliografia.2 Cf. CASTRO, CATARINA SARMENTO E, Direito da Informática: Privacidade e Dados Pessoais, Almedina, 2005, pág. 122.
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2. A COMISSÃO NACIONAL DE PROTECÇÃO DE DADOS
A Comissão Nacional de Protecção de Dados – CNPD – é uma entidade
administrativa, com poderes de autoridade e independente, que funciona junto da
Assembleia da República.
A sua principal função é controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais,
cooperando com as autoridades de outros Estados, nomeadamente na defesa e no
exercício dos direitos de pessoas residentes no estrangeiro.
Desde 1976 que a Constituição da República Portuguesa consagra como direito
fundamental a protecção dos dados pessoais face à utilização da informática – art. 35º
CRP; no entanto, só no ano de 1991 é que se previu a constituição da CNPDPI – Comissão
Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados (designação inicialmente dada
à Comissão), na Lei 10/91, de 29 de Abril.
A Lei 28/94, de 29 de Agosto, veio introduzir algumas alterações à lei anterior,
reforçando-se a protecção dos dados pessoais.
Em 1995, a Directiva 95/46/CE, de 24 de Outubro, veio impor aos Estados-
membros uma maior protecção e regulação relativa ao tratamento de dados pessoais e à
livre circulação desses dados. Com vista à transposição das orientações da Directiva
supra enunciada, a CRP viu, em 1997, o seu art. 35º alterado, tendo sido consagrada
constitucionalmente a existência da CNPDPI enquanto entidade administrativa
independente.
A Lei 10/91 foi revogada pela Lei 67/98, de 26 de Outubro – Lei da Protecção de
Dados Pessoais – que transpõe a Directiva 95/46/CE para o nosso ordenamento
jurídico, alargando substancialmente as atribuições e competências da Comissão,
passando esta a designar-se CNPD.
Algumas das principais atribuições e competências da CNPD são:
Controlar e fiscalizar o cumprimento das disposições legais e regulamentares em
matéria de protecção de dados pessoais;
Exercer poderes de autoridade, designadamente o de ordenar o bloqueio,
apagamento ou destruição dos dados, assim como o de proibir temporária ou
definitivamente o tratamento de dados pessoais;
Intervir em processos judiciais no caso de violação da lei de protecção de dados;
Autorizar ou registar, consoante os casos, os tratamentos de dados pessoais;
4
Autorizar a transferência internacional de dados pessoais;
Fixar o prazo de conservação dos dados, em função da finalidade;
Assegurar a representação junto de instâncias comuns de controlo de protecção
de dados pessoais e exercer funções de representação e fiscalização no âmbito
dos sistemas de Schengen e Europol;
Deliberar sobre a aplicação de coimas;
Promover a divulgação e esclarecimento dos direitos relativos à protecção de
dados.
As suas decisões têm força obrigatória e são passíveis de reclamação e recurso
para o Tribunal Central Administrativo. No que às contra-ordenações diz respeito, as
decisões da Comissão são também recorríveis para os Tribunais de Pequena Instância
Criminal ou para os Tribunais Judiciais.
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3. A DELIBERAÇÃO DA CNPD
3.1. O PROBLEMA DA VIDEOVIGILÂNCIA
Muito embora a Comissão Nacional de Protecção de Dados, adiante referida como
CNPD, tenha sugerido à Assembleia da República e ao Governo “legislação geral sobre
videovigilância e outros meios electrónicos de controlo” além da regulamentação
existente relativa à actividade de segurança privada e aos serviços de autoprotecção, até
à data o mesmo não se verificou.
Interessa analisar a evolução de regimes dos sistemas de videovigilância desde
que foi publicado o DL 231/98, de 22 de Julho de forma a entender a problemática
inerente à videovigilância.
O DL 231/98, de 22 de Julho regulava o exercício da actividade de segurança
privada e permitia a adopção de sistemas de videovigilância no âmbito da actividade de
segurança privada a cargo quer de empresas privadas, quer de serviços de
“autoprotecção com vista à protecção de pessoas e bens, bem como à prevenção da
prática de crimes”.
A actividade de segurança privada tem uma função subsidiária e complementar
da actividade das forças e dos serviços de segurança pública do Estado.
O referido diploma veio determinar a obrigatoriedade da adopção de sistemas de
videovigilância para o Banco de Portugal, instituições de crédito e sociedades financeiras
(art. 5.º, n.º1 do DL 231/98 de 22 de Julho), bem como para os estabelecimentos de
restauração e bebidas que disponham de salas destinadas a dança.
O art. 6.º, al. e) do mesmo diploma dispunha “É proibido, no exercício da
actividade de segurança privada, inibir ou restringir o exercício de direitos, liberdades e
garantias”.
“A primeira função dos direitos fundamentais – sobretudo dos direitos,
liberdades e garantias – é a defesa da pessoa humana e da sua dignidade perante os
poderes do Estado (e de outros esquemas políticos coactivos).” (J. J. Gomes Canotilho).
Contudo, o acórdão do Tribunal Constitucional de 12 de Junho de 2002 declarou
inconstitucional o art. 12.º, n.º 1 e 2 do DL 231/98, pelo que deixou de haver
fundamento legal para a utilização de sistemas de videovigilância por parte das
entidades que prestavam serviços de segurança privada.
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Citando PAULO MOTA PINTO, o Tribunal Constitucional entendeu, no referido
acórdão, que “a permissão da utilização dos referidos equipamentos constitui uma
limitação ou uma restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada,
consignada no art. 26.º, n.º1 da CRP”. Acrescentou ainda que as tarefas de definição das
regras e a apreciação dos aspectos relativos à videovigilância constituem «matéria
atinente a direito, liberdades e garantias».
Os meios utilizados na actividade de segurança privada e o respectivo tratamento
implicam restrições ao direito à imagem, à liberdade de movimentos, integrando esses
dados informação relativa à vida privada.
O direito à reserva da intimidade da vida privada encontra-se protegido
constitucionalmente a par de outros direitos de personalidade, no n.º1 do art. 26.º da
CRP e é proclamado também nos diversos instrumentos internacionais de protecção dos
direitos do Homem. A Declaração Universal consagra-o no art. 12.º e a Convenção
Europeia dos Direitos do Homem proclama no art. 8.º a protecção do direito ao respeito
pela vida privada e familiar.
Do ponto de vista jurídico, os sistemas de videovigilância implicam restrições de
direitos, liberdades e garantias pelo que caberá à lei (cf. art. 18.º, n.º 2 da CRP) decidir
em que medida estes sistemas poderão ser utilizados e, especialmente, assegurar, numa
situação de conflito de direitos fundamentais, que as restrições se limitem ao necessário
para salvaguardar outros direitos ou interesses fundamentais.
O Tribunal Constitucional tem entendido, de forma pacífica, que “nas relações
entre os particulares e o Estado se introduza a noção de respeito da vida privada, de
modo a que o Estado não afecte o direito ao segredo e a liberdade da vida privada, senão
por via excepcional, para assegurar a protecção de outros valores que sejam superiores
àqueles” (Acórdão de 7 de Maio de 1997).
A Lei n.º 29/2003 de 22 de Agosto autorizou o Governo a legislar sobre o regime
jurídico do exercício da actividade de segurança privada, desde que assegurados os
direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
Um olhar pela autorização legislativa, constante da Lei 29/2003, permite
evidenciar uma preocupação fundamental em relação às condições de utilização de
equipamentos electrónicos de vigilância: deve assegurar “o respeito pela necessária
salvaguarda dos direitos e interesses constitucionalmente protegidos” (art. 2.º, al. g).
Para além disso, a Assembleia da República deixou ao Governo a tarefa de “definir, no
respeito pelo regime geral em matéria de protecção de dados, as regras respeitantes à 7
utilização dos equipamentos electrónicos de vigilância…, estabelecendo que o
tratamento dos dados visa exclusivamente a protecção de pessoas e bens, delimitando
temporalmente a conservação dos dados recolhidos, garantindo o conhecimento pelas
pessoas da utilização daqueles meios, bem como restringindo a utilização de dados
recolhidos nos termos previstos na legislação processual penal” (art. 2.º, al. h).
A utilização de equipamentos electrónicos no âmbito das finalidades enunciadas
na lei – protecção de pessoas e bens – obriga as entidades responsáveis a absterem-se de
utilizar estes meios quando constituam ameaça, inibam ou restrinjam o exercício de
direitos, liberdades e garantias ou outros direitos e interesses constitucionalmente
protegidos.
Esta preocupação do legislador é claramente consentânea com os pressupostos
estabelecidos pela Lei 67/98, de 26 de Outubro. Esta lei surge como legislação geral a
que deve obedecer o tratamento operado por sistemas de videovigilância e de outras
formas de captação, difusão de sons e imagens.
O quadro jurídico do regime da videovigilância é então definido na Lei n.º 67/98
de 26 de Outubro e, mais tarde, na conjugação desta com o Decreto-Lei n.º 35/2004 de
21 de Fevereiro, que revogou o Decreto-Lei n.º 231/98, de 22 de Julho.
A Lei n.º 67/98 de 26 de Outubro transpôs para a ordem jurídica interna a
Directiva n.º 95/46/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de
1995, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de
dados pessoais e à livre circulação desses dados.
Como dispõe o art. 2.º da Lei n.º 67/98 “ O tratamento de dados pessoais deve
processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada,
bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais.”
Para efeitos da Lei n.º 67/98, entende-se por dados pessoais qualquer
informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte,
incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável
(«titular dos dados»); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada
directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação
ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica,
económica, cultural ou social (art. 3.º).
A anterior Lei da Protecção de Dados Pessoais (Lei n.º 10/91 de 29 de Abril) não
previa o tratamento de som e imagem, mas hoje, resulta da actual definição de dados
pessoais, que a videovigilância (com ou sem gravação) fica sujeita às disposições da Lei 8
n.º 67/98, em virtude do consagrado no n.º 4 do art. 4.º. A aplicação da Lei n.º 67/98 ao
tratamento de dados pessoais através de videovigilância encontra também fundamento
no Decreto-Lei n.º 35/2004, aplicável à utilização destes meios por parte de empresas
que exercem actividade no âmbito da segurança privada. Este diploma aponta para a
aplicação subsidiária da Lei n.º 67/98, nomeadamente, no que concerne ao direito de
acesso à informação, oposição aos tratamentos e regime sancionatório.
Sendo a Lei n.º 67/98 a legislação geral a que deve obedecer o tratamento
operado por sistemas de videovigilância e de outras formas de captação de sons e
imagem, os responsáveis pelo tratamento estão obrigados a notificá-lo à CNPD, a
assegurar o direito de informação, a respeitar os princípios aplicáveis à qualidade dos
dados e a observar as condições de legitimidade e de licitude para poderem tratar esses
dados.
Com as disposições consagradas na Lei de Protecção de Dados Pessoais, a
regulamentação operada pelo Decreto-Lei n.º 35/2004, teve a preocupação de obrigar as
entidades responsáveis, que exercem actividade de segurança privada, enquanto função
subsidiária e complementar da actividade das forças e dos serviços de segurança pública
do Estado, a absterem-se de utilizar a videovigilância para a protecção de pessoas e
bens, quando esse uso revista de alguma forma perigo para o pleno exercício de direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos.
Nos termos do art. 13.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, as imagens devem ser
conservadas pelo prazo de 30 dias, findo o qual serão destruídas, só podendo ser
utilizadas nos termos da legislação penal e processual penal. É ainda obrigatória, nos
termos deste artigo a afixação, em local visível, de um aviso que assegure o direito de
informação, relativamente à existência de um sistema de videovigilância em
determinado local.
O Decreto-Lei n.º 35/2004 prevê, tal como previa o DL 231/98, de 22 de Julho, a
obrigatoriedade de utilização de videovigilância no âmbito de certas actividades,
nomeadamente, no Banco de Portugal, nas instituições de crédito e nas sociedades
financeiras, nos estabelecimentos de restauração e bebidas que disponham de salas ou
espaços destinados a dança, acrescentando ainda, os recintos desportivos de uso
público, nos termos previstos em legislação própria.
Existem ainda outras disposições que admitem a utilização dos sistemas de
videovigilância, em função de determinado tipo de actividades, quando estas
apresentem especiais riscos para os trabalhadores (ex. minas, laboratórios químicos, 9
centrais nucleares). Fora destes casos, onde a utilização de videovigilância tem como
finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens, ou quando particulares exigências
inerentes à actividade o justifiquem, o art. 20.º do Código do Trabalho não permite a
utilização destes meios para controlar o trabalhador no seu local de trabalho, seja a nível
de produtividade ou de responsabilidade disciplinar.
Outros diplomas vão regulamentando o uso da videovigilância para protecção de
pessoas e bens, em relação a casos específicos, como é o caso da obrigatoriedade de
instalação de sistemas de vigilância imposta aos parques de campismo público, casino e
salas de jogo.
Além da admissibilidade legal de sistemas de videovigilância, anteriormente
referidos, podem servir de fundamento de legitimidade à autorização da CNPD,
situações em que a utilização da videovigilância seja fundamentada na defesa de
«interesses vitais dos seus titulares» ou para «declaração, exercício ou defesa de um
direito em processo judicial» (Art. 7.º, ns.º 2 e 3 da Lei n.º 67/98).
Por força do art. 35.º, n.º 3 da CRP – e porque estamos perante dados da «vida
privada» – o tratamento só pode ser realizado quando houver «autorização prevista em
lei» ou «consentimento dos titulares». A CNPD deve, no caso concreto, apurar se será
admissível o tratamento à luz do artigo 35.º, n.º3 da CRP e do art. 7.º, n.º 2 e 3 da Lei
67/98.
No seguimento do estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 35/2004, relativo aos
tratamentos de videovigilância no âmbito da actividade de segurança privada e dos
serviços de auto-protecção, a Lei n.º 1/2005 de 10 de Janeiro, veio regulamentar a
aplicação de câmaras de vídeo (fixas e portáteis) pelas forças de segurança em locais
públicos de utilização comum. Tal como aplicável no Decreto-Lei n.º 35/2004, a Lei n.º
67/98 regula todos os aspectos que na Lei n.º 1/2005, não estejam especificamente
previstos.
Segundo a Lei n.º 1/2005, a instalação de videovigilância em locais públicos de
utilização comum tem como finalidade geral a manutenção da segurança e ordem
pública e a prevenção da prática de crimes, e apenas pode ser autorizada se pretender
alcançar: a protecção de edifícios de instalações públicas e respectivos acessos; a
protecção de instalações com interesse para a defesa nacional; ou a protecção da
segurança das pessoas e bens, públicos ou privados, e prevenção da prática de crimes
em locais em que exista razoável risco da sua ocorrência (art. 2.º, n.º 1 da Lei n.º
1/2005).10
O prazo máximo de conservação das imagens é de trinta dias, quando as câmaras
não captem factos com relevância criminal, conforme o n.º 1 do art. 9.º da Lei n.º
1/2005, devendo a contrário, ser utilizadas nos termos da lei penal e processual penal,
servindo de meio de prova em caso da prática de actividades ilícitas. Neste ultimo caso, a
força ou serviço de segurança deve elaborar auto de notícia, remetendo-o ao Ministério
Público juntamente com a fita ou o suporte original, no mais curto prazo de tempo
possível.
Os sistemas de videovigilância autorizados pela CNPD, no âmbito do Decreto-Lei
n.º 35/2004 e da Lei da Protecção de Dados Pessoais, devem ser considerados
necessários, adequados e proporcionados às finalidades estabelecidas: a protecção de
pessoas e bens e a manutenção da segurança e da ordem pública. Do mesmo modo, e
seguindo os mesmos critérios, podem ser por esta comissão emitidos pareceres
positivos, que permitem ao abrigo da Lei n.º 1/2005 instalar câmaras de vídeo em locais
públicos de utilização comum.
3.2. ABORDAGEM DA VIDEOVIGILÂNCIA POR PARTE DE OUTRAS AUTORIDADES E A
EXPERIÊNCIA NOUTROS PAÍSES
O Conselho da Europa
A deliberação da CNPD nº 61/2004, relativa aos “Princípios sobre o tratamento
de dados por videovigilância”, começa por mencionar que Conselho da Europa
estabeleceu alguns princípios que deveriam ser seguidos pelos Estados-membros. Entre
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estes, a ponderação aliada à proporcionalidade entre exigências de segurança e
protecção da vida privada. O Conselho chama a atenção para irregularidade dos
resultados do uso deste meio como dissuasor da criminalidade. Por vezes é dissuasor, de
outras não tem efeito.
Numa análise dos efeitos, não se pode ignorar os efeitos potenciais sobre a
liberdade e comportamento dos cidadãos, reflectindo-se sobre o grau de violação da
vida privada, especialmente da liberdade de circulação e comportamentos.
No que se refere à pertinência, é fundamental que os responsáveis pela recolha
de imagem definam a localização das câmaras (ângulos), modalidades de registo (registo
e conservação de imagens), reduzam a incidência das câmaras ao mínimo necessário e a
recolha de imagens seja adequada à finalidade (dispensáveis grandes planos).
O Grupo do artigo 29º
Este grupo de trabalho foi instituído pelo artigo 29.º da Directiva 95/46/CE.
Trata-se de um órgão consultivo europeu independente em matéria de protecção de
dados e privacidade.
O Grupo do artigo 29º emitiu um parecer 4/2004 de 11 de Fevereiro de 20043,
sobre tratamento de dados pessoais e videovigilância, mencionado na Deliberação da
CNPD. Salientamos alguns pontos focados pela CNPD, relativamente a este parecer, e
alguns outros que considerámos relevantes.
O parecer do G.art. 29º começa por referir que a videovigilância pode servir
vários fins, tais como a protecção dos indivíduos, da propriedade, do interesse público, a
detecção, prevenção e controlo de infracções, a apresentação de provas e outros
interesses legítimos.
Mais tarde, fala-se dos requisitos prévios à instalação de câmaras de vídeo.
Nalguns casos, a utilização de um sistema de gravação vídeo pode, efectivamente, ser
obrigatória, com base em disposições específicas dos Estados-Membros. Por exemplo em
locais como casinos ou com a finalidade de procurar pessoas desaparecidas.
Chama-se, ainda, a atenção para a utilização proporcional da videovigilância. O
princípio da proporcionalidade exige uma apreciação sobre a qualidade dos dados.
Quanto à legitimidade do tratamento, considera que a vigilância tem de estar em
conformidade com as disposições gerais e especificas aplicáveis a esse sector. Embora
estejamos perante legislação que pretende salvaguardar a ordem pública, importa não 3 Parecer disponível em http://ec.europa.eu/justice/policies/privacy/docs/wpdocs/2004/wp89_pt.pdf.
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esquecer os princípios aplicáveis em matéria de direito da imagem e protecção do
domicílio.
Salienta-se que «se o equipamento tiver sido instalado por entidades privadas ou
por organismos públicos, especialmente por órgãos da administração local,
alegadamente por motivos de segurança ou para detecção, prevenção e controlo da
criminalidade, deverá ter-se especial cautela na determinação e informação desses fins,
quanto às tarefas que poderão ser legalmente desempenhadas pelo responsável pelo
tratamento».
Nos casos em que a realização de um tratamento passa pela obtenção do
consentimento, segundo o grupo, terá de ser dado separada e especificamente para
actividades de vigilância que envolvam locais onde decorre a vida privada de uma
pessoa”.
Por fim, o G.art.29º entende que os princípios da videovigilância são considerados
noutras situações, quando forem susceptíveis de aplicação noutras situações, tais como,
outras formas de captação de vídeo (controlo à distância, por exemplo por GPS via
satélite).
Experiência noutros Países Mencionados pela CNPD 4
De acordo com a CNPD, na sua deliberação, o princípio da proporcionalidade é
dominante nas condições de tratamento de dados que recorram a sistemas de
videovigilância, nos vários países, como abaixo se demonstra.
ESPANHA
O Conselho Permanente do Conselho de Estado espanhol – no Parecer n.º
549/1999, de 25 de Março salientou a necessidade de preservar a intimidade das
pessoas, lembrando que deve ser compatibilizada com a segurança. Daí a “necessidade
de ponderação” pois são medidas necessárias para a “segurança nacional, a segurança
pública, a defesa da ordem e a prevenção de delitos”.
A regulação da utilização das câmaras é feita pelas forças policiais o que tem a ver
com a prevenção dos actos terroristas da ETA e enquadrando-se numa política anti-
terrorista, segundo Richard Martinez.
4 Ver a Tabela Resumo em Anexo.13
Como referimos, a legislação espanhola teve uma preocupação especial em
regular a utilização de câmaras por Forças e Corpos de Segurança em lugares públicos. A
Ley Orgânica 4/1997, de 4 de Agosto, e a respectiva regulamentação operada pelo Real
Decreto 596/1999, de 16 de Abril, fixaram as condições de instalação e utilização de
câmaras pretendeu-se «colocar à disposição das Forças e Corpos de Segurança o
emprego de meios para prevenção de delitos, a protecção de pessoas e a custódia de
bens em espaços públicos, sendo que a sua finalidade primordial consiste em
estabelecer as garantias necessárias para que a referida utilização seja estritamente
respeitadora dos direitos e liberdades dos cidadãos».
A colocação destes dispositivos está sujeita a uma autorização administrativa
prévia. A lei prevê, de forma expressa, a colocação das imagens à disposição das
autoridades judiciais quando as gravações captem factos que possam ser qualificados
como ilícitos penais. Em geral, as imagens são destruídas a fim de um mês. O direito de
informação deve ser assegurado, através de uma placa informativa na qual figurará um
pictograma de uma câmara de vídeo e uma descrição genérica da zona de vigilância e
das autoridades responsáveis pela autorização e guarda das gravações.
A jurisprudência espanhola tem entendido, em geral, que a recolha de imagens só
poderá ser feita sem autorização judicial quando realizada “em espaços, lugares ou
locais livres e públicos, em estabelecimentos oficiais, bancários ou empresariais”.
GRÉCIA [Hellenic Republic Data Protection Authority (HRDPA)]
Por decisão de 26 de Setembro de 2000, a HRDPA estabeleceu regras sobre a
recolha de som e imagem através de circuitos fechados de televisão. Subordina a
legitimidade do tratamento de dados aos seguintes princípios: necessidade (a finalidade
não pode ser alcançada por outro meio), proporcionalidade (interesse legítimo vs.
Direitos e interesses individuais), adequação (dados devem ser pertinentes e não
excessivos), salvaguarda da vida privada (em espaços abertos não se podem filmar a
entrada e interior de residências). Para instalar câmara de vigilância na Grécia, é
necessário pedir autorização à HRDPA.
BÉLGICA [Comission de la Proteccion de la Vie Privée (CPVP)]
A CPVP, com o parecer 34/99 de 13 de Dezembro, relativo ao tratamento de
imagens efectuadas por sistemas de videovigilância, chama a atenção para o princípio da
proporcionalidade (balanço entre interesse geral/ do gestor, com a protecção da vida 14
privada.) há uma limitação da identificação das pessoas visadas. Em locais públicos deve
atender-se aos efeitos causados em relação à captação de lugares não acessíveis ao
público e considerar que as imagens se devem apresentar como meio adequado e
necessário para o objectivo pretendido.
Sucedeu na Bélgica, no âmbito do processo Gaia, uma decisão judicial na qual foi
recusada prova pelo facto de não se ter respeitado a legislação de protecção dos dados.
ITÁLIA [Garante de la Protezione dei Dati Personali (GPDP)]
A GPDP, na sua Decisão de 2 de Dezembro de 1998, diz-nos que os aspectos
relativos à pertinência são fundamentais. O «material informático que se pode adquirir
no âmbito de uma investigação penal deve estar ligado com as necessidades e
finalidades de prevenção, de investigação e de repressão do delito».
Numa nota de imprensa, o GPDP disse ser fundamental manter uma certa
vigilância sobre a aplicação das normas no domínio da prevenção e investigação, tendo
sempre presente que “é preciso ponderar as finalidades de prevenção e repressão dos
delitos com o respeito pela dignidade das pessoas”. A Garante tem emitido várias
publicações sobre a matéria, em 2004, 2008 e 2010 reiterando estas ideias.
Acresce dizer que, para a instalação de Câmaras de videovigilância e visualização
das imagens em tempo real, em Itália, não é necessária a autorização da Garante, mas
para a gravação das imagens captadas é necessária a devida autorização.
FRANÇA [Comissão Deparmental dos Sistemas de Videovigilância]
Em França, a Lei n.º 95-73, de 21 de Janeiro de 1995, estabeleceu o quadro
relativo à orientação e programação relativa à segurança. No seu artigo 10.º prevê a
possibilidade de utilização de sistemas de videovigilância “na via pública para protecção
das instalações úteis à defesa nacional, a regulação do tráfego…a prevenção e segurança
de pessoas e bens nos locais particularmente expostos a riscos de agressão e de roubo”.
A utilização destes meios é ainda possível nos “lugares e estabelecimentos abertos ao
público particularmente expostos a riscos de agressão ou de roubo, a fim de velar pela
segurança das pessoas e bens”. A utilização destes meios está condicionada à
“informação do público, de maneira clara e permanente, sobre a existência do sistema de
videovigilância e sobre a autoridade ou pessoa responsável”. 15
A instalação dos equipamentos está dependente de autorização da prefeitura
(«préfecture») do lugar da instalação ou, em Paris, pela “prefeitura de polícia”
(«préfecture de police»). Existe uma «Comissão Departamental dos Sistemas de
Videovigilância» que supervisiona a aplicação da lei.
Referência a países Anglo-saxónicos, não mencionados pela CNPD
Reino Unido [Information Comissioner’s Office (ICO)]
O Data Protection Act de 1988 veio limitar o uso das gravações e tornar o registo
obrigatório na Data Protection Agency, substituída em 2004 pela ICO, na qual era
obrigatório o registo de todos os sistemas CCTV5. (Report ICO 2007) No entanto o caso
Durant vs. FSA veio limitar a protecção da lei. Nem todos os sistemas CCTV são
regulados.
De salientar que o Reino Unido não só tem um elevado número de câmaras de
vigilância por habitante, como também possui um sistema de reconhecimento facial
semelhante ao existente nos EUA: A VIIDO (Visual Images Identifications and Detections
Office) da Nes Scotland Yard é um banco de dados de suspeitos.
Estados Unidos [US Department of Homeland Security (DHS)]
Neste ponto, recorremos ao Relatório do DHS Privacy Office com o título “CCTV:
Developing Privacy Best Practices”, que resume a palestra dada a 17 e 18 de Dezembro
de 2007, que constitui um guia informativo para as melhores práticas relativas ao uso de
CCTV com fins governamentais.6
Apresentam-se várias medidas para proteger a Privacy e tornar o uso mais
eficiente, tais como desfocar as caras das pessoas não envolvidas num incidente, instalar
câmaras adequadas ao local e ao fim, e nos locais mais frequentados, como por exemplo
estádios.
Refere-se à Fourth Emendement, relativa ao uso da prova, que proíbe
“unreasonale searches and seizures”7. Esta proibição constitucional também se aplica ás
filmagens usadas pelo governo federal, obtidas em sistemas CCTV privados,
posteriormente solicitadas aos titulares pelo governo ou pela policia. O alcance desta
5 Sigla que designa Closed-circuit television, em português “Circuito fechado de televisão”.6 Disponível em http.//www.dhs.gov/files/programs/gc_1253815784967.shtm.7 “unreasonale searches and seizures”, em português “buscas e exames desmedidos” (tradução nossa).
16
disposição tem vindo a ser clarificado pela jurisprudência: Goldman v. U.S.8, State of
Connecticut v. Mooney9, Katz v. U.S, (“the fourth Amendment protects people, not places”) 10
e, para nós, o mais relevante, U.S. v. Knotts, relativo ao uso de CCTV na via publica e
sistemas de localização, pela policia. O tribunal considerou que os sistemas de
localização policiais não violam a 4th Emendement pois não há expectativa de
privacidade pelas pessoas e, quanto ao uso de CCTV, só seria uma violação da 4th
Emendement se os vídeos fossem guardados por um longo período de tempo.
Fala-se ainda numa aplicação residual do Wiretap Act, relativo a buscas
realizadas através da instalação de câmaras em moradias ou estabelecimentos. Estas
obedecem a certas condições que devem ser aplicadas aos sistemas CCTV, tais como ser
o último recurso e ser por um período de tempo o mais limitado possível. O relatório
refere por fim, alguns princípios orientadores para o uso da CCTV: transparência,
participação individual, especificação do fim e adequação/ necessidade.
3.3. CONDIÇÕES DE LEGITIMIDADE
O art. 7º da Lei 67/98, de 26 de Outubro – Lei de Protecção de Dados Pessoais –
permite-nos fundamentar, em abstracto, a legitimidade para requerer o tratamento de
dados pessoais à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), numa disposição
legal ou no consentimento (nº2 do art. 7º), na protecção de interesses vitais (nº3 al. a)
do art. 7º) ou no exercício e defesa de um direito em processo judicial (nº3 al. d) art. 7º).
Em Portugal a grande maioria dos pedidos realizados à Comissão Nacional de
Protecção de Dados, relativa à utilização de sistemas de videovigilância, têm como
finalidade assegurar a “protecção de pessoas e bens”, permitindo-se a utilização dessas
imagens como prova das infracções criminais ocorridas.
8 Caso em que o Supreme Court não entendeu como violação à 4th E. a instalação, numa parede divisória, de aparelhos de escuta capazes de captar as conversas na sala contígua, por não haver, no caso, uma invasão física do recinto”.9 Caso em que um morador de rua, condenado por homicídio, contestou a legalidade do procedimento de busca de prova no seu processo, alegando a ilegalidade da busca policial realizada na sua casa: uma caixa de papelão localizada debaixo de um viaduto. O tribunal entendeu que havia uma expectativa de privacidade no interior da caixa.10 Decisão na qual o Tribunal adoptou uma lógica humanista para aqueles que vivem sem um “lar” nos espaços vigiados, como é o caso dos sem abrigo.
17
Estando em causa a recolha de imagens com o objectivo de prevenção de crimes,
a legitimidade está fundamentada no art. 8º nº 2 da Lei 67/98, devendo a autorização da
CNPD (regulada no art. 28º nº1 al. a) da referida lei) respeitar os requisitos daquele
artigo 8º. À Comissão caberá observar se as normas de protecção dos dados e a
segurança da informação são respeitadas, avaliando se o tratamento e recolha dos dados
é ou não necessário para a execução das finalidades legítimas a que se destina, não se
prejudicando os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados que sobre essas
finalidades se sobreponham.
A Comissão entende que este art. 8º engloba a recolha e tratamento de
informações relativas à prevenção criminal, pois apesar de não o dizer expressamente,
facto é que a sistemática da Lei 67/98, bem como a abrangente redacção dada ao
preceito (suspeitas de actividades ilícitas e infracções penais), isso indiciam.
O facto da informação recolhida por videovigilância para além de prevenir e
dissuadir a prática de actos ilícitos, poder também ser utilizada em tribunal como prova
da infracção penal cometida - art. 13º do DL 35/2004 – demonstra a crescente
importância deste sistema na protecção de pessoas e bens, obrigando também, a um
maior controlo do sistema, por meio a equilibrar os interesses conflituantes em
oposição.
O tribunal constitucional no seu Acórdão nº 456/93, de 12 de Agosto, entendeu
que “as funções de recolha e tratamento de informações, as de actividade de vigilância e
fiscalização a levara cabo pelas várias entidades competentes nessa área, exactamente
porque preventivas e dissuasoras, estão direccionadas para a generalidade das pessoas
e dos locais sobre que incidem ou são de matriz específica desmotivadora, mas não se
orientam para uma actividade investigatória de crimes praticados.”
É por isso mesmo que a utilização deste meio é realizada com o conhecimento das
pessoas e ele sujeitos, protegendo-se assim os seus direitos fundamentais.
O objectivo é dissuadir e registar a eventual prática de uma infracção e não
entender como suspeitos, todos os que frequentam os locais vigiados.
O parecer da Procuradoria-Geral da República nº 95/2066, de 6 de Novembro,
seguindo a orientação do acórdão do Tribunal Constitucional supra indicado, faz
referência aos actos de polícia de natureza preventiva, podendo estes decorrer da
vigilância ou ser independentes dela, pois tanto podem ser actos genéricos dirigidos a
uma pluralidade de pessoas, como podem ser individuais e dirigidos a uma só pessoa;
podendo ainda ser preventivos ou confirmadores de algum acto ilícito.18
Estes princípios são assim transpostos para a videovigilância enquanto meio de
protecção de pessoas e bens, uma vez que se pretende abranger um universo genérico e
indiscriminado de pessoas que frequentam determinado espaço ou local, sem que haja
qualquer suspeita prévia sobre a sua conduta.
De facto, a recolha de imagens e sons por videovigilância só terá relevância
prática e utilidade caso ocorra algum acto ilícito e é pelo facto de serem recolhidas em
lugares públicos e os titulares dos dados serem previamente informados da sua
existência e finalidade, que se pode afastar a ideia de que existe uma captação ou
utilização arbitrária da imagem.
Esta mesma ideia é sustentada pelos defensores do Longus Oculus Estatal, que se
caracteriza pela ausência de direito à privacidade em locais públicos: se alguém pode ser
observado por outras pessoas não deve ter expectativa de privacidade e como tal, pode
ser filmado. No entanto, esta ideia não é totalmente aceite por todos os autores, uma vez
que não se pode comparar a visão humana com câmaras omnipresentes 11, devendo
haver uma ponderação e equilíbrio entre o que se pretende – protecção de pessoas e
bens – e os direitos violados – privacidade e imagem.
A CNPD entende que a protecção de pessoas e bens deve ser assegurada por
meios necessários, proporcionais e adequados, ou seja, a medida adoptada tem de ser
idónea para conseguir o objectivo a que se propõe (princípio da idoneidade); tem de ser
necessária, no sentido em que não existe nenhuma outra medida que garanta o objectivo
com igual grau de eficácia (princípio da necessidade); e se a medida adoptada foi
ponderada e é equilibrada de modo a atingir benefícios e vantagens superiores quando
confrontada com outros bens ou direitos em conflito (juízo de proporcionalidade em
sentido estrito).
Para a Comissão, a aplicação do princípio da proporcionalidade implica que em
cada caso concreto o meio utilizado - neste caso a videovigilância - seja idóneo,
protegendo-se também o princípio da intervenção mínima, que obriga à ponderação
entre o objectivo final que se pretende alcançar e a necessidade da violação do direito à
imagem e à privacidade, direitosesses fundamentais.
Segundo Vieira de Andrade, “não pode ignorar-se que nos casos de conflito, a
Constituição protege diversos valores ou bens em jogo e que não será lícito sacrificar
pura e simplesmente um deles ao outro. A medida em que se vai comprimir cada um dos
11VIANNA, TÚLIO LIMA, A Era do Control: Introdução crítica ao Direito Penal Cibernético, in Direito e Justiça, Vol.XVIII, ano 2004, Tomo III, Universidade Católica Portuguesa, pág.341.
19
direitos (ou valores) pode ser diferente, dependendo do modo como se apresentam e
das alternativas possíveis de solução de conflito12.”
Podemos concluir que a CNPD autorizará o tratamento de som e imagem quando
se encontrem preenchidos os seguintes requisitos:
Estejam observados os princípios relativos à qualidade dos dados – art.5º
Lei 67/9813;
Seja respeitado o direito de informação – art.10º Lei 67/98;
Se cumpram os demais requisitos da Lei 67/98 que forem exigidos no caso
concreto.
A CNPD dá especial relevo ao art. 8º nº2 da Lei 67/98, estabelecendo uma
particular necessidade de verificação dos pressupostos em que assenta o tratamento dos
dados e se as suas finalidades são legítimas.
Esta verificação é fundamental, pois estão em conflito vários direitos passíveis de
protecção – por um lado o direito à segurança de pessoas e bens e o direito à
propriedade e por outro o direito à intimidade e o direito à imagem.
Em suma, será necessário avaliar cada caso concreto apresentado à CNPD, para
que esta, e de acordo com os princípios e regras supra enunciadas, possa avaliar se o
sistema que se pretende instalar é ou não excessivo e desproporcionado face aos fins
pretendidos e se tem ou não consequências gravosas para os cidadãos por ele visado.
12 CNPD – Deliberação Nº 61/2004, Princípios sobre o Tratamento de Dados por Videovigilância, cita Vieira de Andrade na pág.16.13Artigo 5º Qualidade dos dados1 — Os dados pessoais devem ser:a) Tratados de forma lícita e com respeito pelo princípio da boa fé; b) Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, não podendo ser posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades;c) Adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados; d) Exactos e, se necessário, actualizados, devendo ser tomadas as medidas adequadas para assegurar que sejam apagados ou rectificados os dados inexactos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente; e) Conservados de forma a permitir a identificação dos seus titulares apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades da recolha ou do tratamento posterior.
20
3.4. ACESSO AOS DADOS RECOLHIDOS
Os sistemas de videovigilância, tendo como finalidade primordial a protecção de
pessoas e bens, visa servir como medida preventiva e de dissuasão de infracções penais,
servindo ainda como meio de prova. Posto isto, é essencial referir que, de acordo com o
princípio da necessidade, o acesso às imagens deverá ser restrito às entidades
competentes em garantir as finalidades do acesso aos dados.
O procedimento que deverá ser adoptado para ter acesso aos dados baseia-se em
três passos. O primeiro consiste na detecção da prática de uma infracção penal, sendo
que o segundo baseia-se na participação do ocorrido. O último passo, dado pela entidade
21
responsável pelo tratamento de dados, realiza-se através do envio das imagens ao órgão
de polícia criminal ou à autoridade judiciária competente.
Há, porém, que ressalvar as situações justificativas para a não visualização das
imagens por parte das entidades responsáveis. Os casos em que não ocorreu uma
infracção penal, que atente contra as pessoas e bens é uma das situações em que a
visualização não será permitida, sendo que mesmo tendo ocorrido uma infracção penal,
as imagens deverão ser entregues às autoridades competentes e não deverão ser
visualizadas pela entidade responsável pelo tratamento de dados.
Devido à óbvia sensibilidade deste assunto, caberá à Comissão Nacional de
Protecção de Dados impor medidas restritivas quanto à prática de videovigilância, ainda
que devidamente autorizada. Existem medidas de segurança impostas com vista ao
impedimento da difusão ou acesso não autorizado dos dados recolhidos. No artigo 15º
da Lei 67/98 encontramos dispostas as formas de controlo que a Comissão prevê:
controlo da entrada nas instalações, controlo dos suportes de dados, controlo da
inserção; controlo da utilização; controlo de acesso; controlo da transmissão; controlo
da introdução e controlo do transporte. O controlo da entrada nas instalações visa
impedir o acesso de pessoa não autorizada às instalações utilizadas para o tratamento
desses dados. O controlo dos suportes de dados tem como objectivo impedir que
suportes de dados possam ser lidos, copiados, alterados ou retirados por pessoa não
autorizada. O impedimento à introdução não autorizada, bem como a tomada de
conhecimento, a alteração ou a eliminações não autorizadas de dados pessoais inseridos
fazem parte do controlo da inserção. Impedir que sistemas de tratamento automatizados
de dados possam ser utilizados por pessoas não autorizadas através de instalações de
transmissão de dados designa-se de controlo da utilização. A garantia de que as pessoas
autorizadas só possam ter acesso aos dados abrangidos por autorização tem o nome de
controlo de acesso. O controlo da transmissão pretende garantir a verificação das
entidades a quem possam ser transmitidos os dados pessoais através das instalações de
transmissão de dados. A garantia que de que se poderá verificar à posteriori em prazo
adequado à natureza do tratamento, a fixar na regulamentação aplicável a cada sector,
quais os dados pessoais introduzidos quando e por quem faz parte do previsto controlo
da introdução. Por fim, o controlo do transporte consiste no impedimento que, na
transmissão de dados pessoais, bem como no transporte do seu suporte, os dados
possam ser lidos, copiados, alterados ou eliminados de forma não autorizada. Todas
estas formas de controlo têm que ser garantidas pelo responsável pelo tratamento que 22
deverá pôr em prática as medidas técnicas e organizativas adequadas para proteger os
dados pessoais (artigo 14º da Lei 67/98).
Apesar de todas as medidas de segurança que deverão ser adoptadas e os
restritos casos em que as imagens poderão ser visualizadas, existem excepções à
proibição da visualização. No caso de não haver infracção penal, os titulares dos dados
que solicitem o direito de acesso poderão visualizar as imagens. O direito de acesso
consiste no direito de obter do responsável pelo tratamento, livremente e sem
restrições, com periodicidade razoável e sem demoras ou custos excessivos as imagens
gravadas, segundo o artigo 11º da Lei 67/98.
Devem ser permitidas as visualizações, porém com a ressalva de que os dados de
terceiros deverão ser protegidos através de medidas técnicas. Se estiverem em causa
imagens que sirvam de prova em processo criminal, protegida pelo segredo de justiça
aplica-se o disposto no art.2º que prevê o direito de acesso será “exercido através da
CNPD ou de outra autoridade independente a quem a lei atribua a verificação do
cumprimento da legislação de protecção de dados pessoais”,ou seja, deverão ser sempre
encaminhados, nestes casos, para a Comissão Nacional de Protecção de Dados.
As pessoas não responsáveis pelo tratamento poderão solicitar a visualização das
imagens com vista a assegurar o exercício ou defesa de um direito em processo judicial
consistindo este direito de acesso a segunda excepção à proibição da visualização das
imagens. Nesta situação os dados serão enviados para o órgão de polícia criminal ou
autoridade competente.
4. ANÁLISE DO CASO CONCRETO
O caso em apreço, a autorização nº 2456/2007, trata-se de uma decisão tomada pela
Comissão Nacional da Protecção de Dados quanto ao pedido da FHC Farmacêutica, Lda
com a pretensão de colocar câmaras em zonas comuns, entradas e armazéns. A
fundamentação para o pedido de autorização baseou-se essencialmente na prevenção de
actos de violência em relação ao furto de medicamentos e ainda como meio de
dissuasão, pois as empresas poderão estar eventualmente abertas ao público durante a
noite.
O sistema notificado destina-se pois a assegurar a protecção de pessoas e bens. O
tratamento de dados é então considerado adequado, pertinente e não excessivo em
relação à sua finalidade, visando garantir a prevenção e dissuasão da prática de actos
23
ilícitos, tendo como complemento às forças e serviços de segurança a prossecução do
interesse público.
Importa referir que na autorização dada pela Comissão há uma importante ressalva e
limitação à autorização atribuída à farmacêutica que vem por sua vez prevista no art.
20º do Código de Trabalho. Esta limitação consiste no facto do empregador não poderá
utilizar os meios de videovigilância com a finalidade de controlar o desempenho
profissional dos trabalhadores.
Em jeito de conclusão verificaremos as condições da autorização da Comissão
Nacional da Protecção de Dados. A responsável pelo tratamento de dados foi
considerada a FHC Farmacêutica, Lda. sendo a finalidade da autorização a protecção de
pessoas de bens. O destinatário dos dados será então o órgão de polícia criminal ou a
autoridade judiciária competente no caso de ocorrer a prática de um ilícito. Haverá
então excepção à proibição de visualização de imagens quando for invocado o direito de
acesso pelos titulares dos dados. No caso de as imagens servirem como prova em
processo criminal, os pedidos de autorização deverão ser encaminhados para a
Comissão. O direito de informação deverá ser garantido através da afixação de um aviso,
em local bem visível. Deverão ser tomadas medidas técnicas necessárias para ocultar as
imagens de terceiros sendo que as imagens não poderão estar direccionadas para os
terminais de pagamento para evitar a gravação da digitação de códigos. O prazo de
conservação das imagens será de trinta dias.
Nestes termos, respeitando estas condições, a farmacêutica terá então
autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados para a colocação de câmaras
em zonas comuns, entradas e armazém tal como solicitado no pedido.
24
5. CONCLUSÃO
No terminus do nosso trabalho, consideramos que foi profícuo o estudo da
temática em apreço.
A videovigilância é um meio de investigação e protecção de pessoas e bens, mas a
sua regulação tem de levar em consideração os direitos fundamentais dos cidadãos e os
princípios basilares do seu uso, comuns a todos os países que observámos: a
necessidade, a proporcionalidade e a ordem pública. A protecção do direito fundamental
da reserva da intimidade da vida privada ou privacy é o centro nevrálgico em torno do
qual gravita toda a discussão do problema. É necessária uma cuidada ponderação de
interesses para que não se caia no exagero ou na superficialidade.
A legislação portuguesa sobre o assunto segue as linhas traçadas pela Directiva,
pelo Grupo do artigo 29º e pelo Conselho da Europa. Nota-se, no entanto, alguns
25
contrastes quanto aos meios. Enquanto nos países europeus há uma tendência quase
absoluta para a criação de entidades administrativas que se encarreguem da protecção
de dados e, em específico, emitam orientações sobre o uso da videovigilância, nos
Estados Unidos há uma atribuição ao DHS, ou seja, uma entidade encarregada da
segurança nacional. Na Europa, o problema passa pela administração e, se necessário,
pela policia. Nos EUA é policial, com principal enfoque para o combate ao terrorismo.
É um facto assente de que vivemos numa “Aldeia Global”, como McLuhman a
concebeu nos anos ’60 e que a criminalidade evoluiu nesse sentido. No entanto, os
cidadãos temem a perda de privacidade e o controlo excessivo do Estado14, o que se
explica por motivos históricos, nomeadamente pela repressão fascista. Realidade essa
caricaturada pelo Big Brother de George Orwell em “1984” 15, no Génio Maligno de
Descartes ou até no Matrix dos irmãos Wachowski. Leva-nos a pensar: como serão
tratadas as imagens, quem as verá, que outros propósitos servirão? Entramos aqui numa
quase dúvida de Juvenal: quem vigiará os vigias?16
Mas, enquanto a lei proteger os cidadãos e os seus direitos, ora comprimidos, da
evolução exponencial em que vivemos, estes estarão salvaguardados. Esperemos que, no
futuro, essa compressão de direitos não deixe de ser a excepção e passe a ser a regra.
6. ANEXO
Anexo1- Quadro Resumo dos Países Mencionados na Deliberação da CNPDPaís
Mencionado ou o Próprio
Entidade Administrativa
Pareceres, Decisões,
Comunicados…
PrincípiosCentrais
Autorização necessária
Por quem?
PORTUGAL
Comissão Nacional de
Protecção de Dados (CNPD)
Deliberação nº 61/2004
Idoneidade, Necessidade,
Proporcionalidade, Intervenção
Mínima.
Sim CNPD
ESPANHA
Conselho Permanente do
Conselho de Estado (geral)
Parecer n.º 549/1999,
de 25 de Março
ProporcionalidadeOrdem pública
(combate ao terrorismo)
SimUm órgão
colegial presidido por
um magistrado
ITÁLIA Garante de la Protezione dei Dati Personali
Decisão de 2/12/1998
Nota de imprensa de 10/2/1999
PertinênciaNecessidade
ProporcionalidadeAdequação
Sim, para gravação. Não para
visualização simultânea.
GPDP
14 No Reino Unido, http://www.nocctv.org.uk.15 Disponível em inglês em http://www.george-orwell.org/1984, romance no qual encontramos a célebre frase “BIG BROTHER IS WATCHING YOU”.16 Do latim Qui custodiei ipsos Custodes?
26
Decisão 29/04/2004…
FRANÇA
Comissão Departamental
dos Sistemas de
Videovigilância
Baseiam-se na Lei
Não emitiram pareceres.
PertinênciaNecessidadeAdequação
Proporcionalidade
Sim
“préfecture”Ou
“préfecture de police" em Paris
BÉLGICA
Comission de la Proteccion
de la Vie Privée (CPVP)
Parecer nº 39/99 de
13/12
ProporcionalidadeDireito à
identidade/ anonimato
NecessidadeAdequação
? ?
GRÉCIA
Hellenic Rep Data
Protection Authority (HRDPA)
Decisão 26/9/2000
NecessidadeProporcionalidade
AdequaçãoReserva vida priv.
Sim HRDPA
7. BIBLIOGRAFIA
Autorização nº 2456/2007, Processo nº 2368/07, disponível em www.cnpd.pt (link:
http://www.cnpd.pt/bin/decisoes/aut/10_2456_2007.pdf.).
Deliberação da Comissão Nacional de Protecção de Dados nº 61/2004 “Princípios sobre
o Tratamento de Dados por Videovigilância”, disponível em www.cnpd.pt (link:
http://www.cnpd.pt/bin/orientacoes/DEL61-2004-VIDEOVIGILANCIA.pdf).
Portuguesa
ALBUQUERQUE, PAULO PINTO, Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição
da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição actualizada,
Universidade Católica, artigos: 125º e 167º do Código do Processo Penal, pág. 317 e 450;
27
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FROIS, CATARINA, A Sociedade Vigilante, Ensaios sobre identificação, vigilância e
privacidade, 2009, Imprensa de Ciências Sociais, pág. 121 e ss.
VIANNA, TÚLIO LIMA, A Era do Controle: introdução crítica ao direito penal cibernético, in
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Estrangeira
CASTRO, GUSTAVO ALMEIDA PAOLINELLI, Política de Segurança Pública: O Direito à Intimidade
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MELO, HUGO DE SOUZA, Aspectos da Vigilância pelo enfoque Pontual da Mídia, 2009.
STRATFORD, JEAN SLEMMONS, E STRATFORDJURI, Data Protection and privacy in the US and
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29