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AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE ESTUDANTES DO PRIMEIRO PERÍODO DE ENGENHARIA DA UNIVASF A PARTIR DAS PROVAS PIAGETIANAS RESUMO Recente pesquisa mostrou elevados percentuais de reprovação nos cursos de engenharia na Universidade Federal do Vale do São Francisco. Tais dados impulsionaram a este estudo, que buscou caracterizar os níveis de desenvolvimento cognitivo, focalizando o período operatório formal e identificar o nível de desenvolvimento cognitivo dos estudantes das disciplinas básicas do primeiro período dos cursos de engenharia da Univasf. Os participantes foram 25 estudantes de engenharia das disciplinas Cálculo I, Física e Geometria Analítica. Os dados obtidos se referem ao período de 2009 a 2010, no campus Univasf de Juazeiro-BA, sendo aplicadas as provas piagetianas (flutuação de corpos e do pêndulo) com os discentes. De acordo com os dados apresentados, independente de os alunos serem aprovados ou reprovados nas disciplinas básicas das engenharias da Univasf, nas provas operatórias de flutuação de corpos e de pêndulo, grande parte da amostra não mostrou conservação total das noções esperadas para o estágio operatório formal. Os níveis de desenvolvimento cognitivo apurados não justificaram o desempenho acadêmico dos estudantes. Palavras-chave: Desenvolvimento cognitivo. Piaget. Provas operatórias. Engenharia. Reprovação. EVALUATION OF COGNITIVE DEVELOPMENT OF STUDENTS ON THE FIRST PERIOD OF ENGINEERING OF THE UNIVASF WITH THE PIAGETIAN OPERATIONALS TESTS ABSTRACT Recent research has shown high rates of failure in engineering courses at the Federal University of São Francisco Valley. Such data motivated this study, which searches for characterizing levels of cognitive development. It focuses on the formal operational period and identifies the level of cognitive development of students of basic sciences in the

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AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DE ESTUDANTES DO PRIMEIRO PERÍODO DE ENGENHARIA DA UNIVASF A PARTIR

DAS PROVAS PIAGETIANAS

RESUMO

Recente pesquisa mostrou elevados percentuais de reprovação nos cursos de engenharia na Universidade Federal do Vale do São Francisco. Tais dados impulsionaram a este estudo, que buscou caracterizar os níveis de desenvolvimento cognitivo, focalizando o período operatório formal e identificar o nível de desenvolvimento cognitivo dos estudantes das disciplinas básicas do primeiro período dos cursos de engenharia da Univasf. Os participantes foram 25 estudantes de engenharia das disciplinas Cálculo I, Física e Geometria Analítica. Os dados obtidos se referem ao período de 2009 a 2010, no campus Univasf de Juazeiro-BA, sendo aplicadas as provas piagetianas (flutuação de corpos e do pêndulo) com os discentes. De acordo com os dados apresentados, independente de os alunos serem aprovados ou reprovados nas disciplinas básicas das engenharias da Univasf, nas provas operatórias de flutuação de corpos e de pêndulo, grande parte da amostra não mostrou conservação total das noções esperadas para o estágio operatório formal. Os níveis de desenvolvimento cognitivo apurados não justificaram o desempenho acadêmico dos estudantes.Palavras-chave: Desenvolvimento cognitivo. Piaget. Provas operatórias. Engenharia. Reprovação.

EVALUATION OF COGNITIVE DEVELOPMENT OF STUDENTS ON THE FIRST PERIOD OF ENGINEERING OF THE UNIVASF WITH THE PIAGETIAN OPERATIONALS TESTS

ABSTRACT

Recent research has shown high rates of failure in engineering courses at the Federal University of São Francisco Valley. Such data motivated this study, which searches for characterizing levels of cognitive development. It focuses on the formal operational period and identifies the level of cognitive development of students of basic sciences in the first period of the engineering courses at Univasf. Participants were 25 students of Calculus I, Physics and Analytic Geometry. The data refer to the period from 2009 to 2010, on the campus of Univasf in Juazeiro-BA and it was applied Piagetian evidence (floating bodies and the pendulum) with the students. According to the data presented, regardless of the students’ failure or their approval in the basic subjects of engineering course, in the application of Piagetian tests, sample didn’t show total conservation of notions expected for the formal operational stage. Levels of cognitive

development verified did not justify the academic performance of students.

Keywords: Cognitive development. Piaget. Operative evidence. Engineering. Disapproval.

INTRODUÇÃO

A literatura na área de educação (TEIXE, 2005; SILVA, CORREA, TAKAHASHI, LIMA, 2005; PAZ, BARBOSA, AZEVEDO, 2005; LACAZ, CARVALHO, FERNANDES, 2007, AZAMBUJA, FERREIRA, GONÇALVES, 2004) aborda a reprovação nos cursos de engenharia como um fenômeno, que ocorre na maioria das universidades do país. Na Universidade Federal do Vale do São Francisco, pesquisas anteriores (PASSOS, et al., 2007; RAMOS et al., 2008) confirmaram que esse alto índice está presente também nos seis cursos de engenharia: agrícola e ambiental, civil, elétrica, mecânica, da computação e de produção. Partindo desse contexto, este estudo buscou caracterizar os níveis de desenvolvimento cognitivo, focalizando o período operatório formal e identificar o nível de desenvolvimento cognitivo dos estudantes das disciplinas básicas do primeiro período dos cursos de engenharia da Univasf.

Sobre a influência do desenvolvimento cognitivo na reprovação em engenharia, um estudo iniciado em 1996, (NASSER; NASCIMENTO) verificou o nível de desenvolvimento cognitivo dos ingressantes dos cursos de Engenharia Civil e Engenharia Sanitária da PUC-Campinas, período noturno, identificando as disciplinas da área da matemática responsáveis pela reprovação. Foram usados os testes das Provetas de Batro e os da Setas de Piaget, a fim de avaliar o domínio das operações concretas; o teste das Ilhas de Karplus e Karplus (baseado em Piaget) para avaliar o domínio das operações formais; os testes de Raciocínio Verbal de Copi, o do Político e dos chapéus, para identificar o domínio do pensamento hipotético-dedutivo. Fernandes Filho (2001) deu prosseguimento a esse trabalho em 1999 e identificou os principais motivos, que conduziam ao indesejável desempenho dos estudantes das áreas de matemática, nos

referidos cursos, analisando, também, o nível de desenvolvimento cognitivo nessa área. O estudo foi longitudinal, envolvendo os mesmos sujeitos da pesquisa de 1997, os quais estavam cursando o 4º período. Obteve como resultados que o nível de desenvolvimento cognitivo dos ingressantes era muito baixo, explicando o alto índice de reprovação na referida área. Essa investigação mostrou que houve elevação do nível de desenvolvimento cognitivo dos seus alunos como contribuição da Faculdade. O trabalho sugeriu novos estudos, que comparassem se os estudantes concluintes atingiram o nível do pensamento formal. (FERNANDES FILHO, 2001)

Para reafirmar a preocupação levantada sobre desenvolvimento cognitivo e a relação com desempenho, uma investigação feita por Saback (1980) considerou a disciplina de Cálculo I, citada inclusive no trabalho de Fernandes Filho (2001). Teve como população-alvo alunos da Universidade Federal de Viçosa, numa amostra de 130 sujeitos, objetivando descobrir as variáveis, que explicavam o desempenho acadêmico. Os instrumentos foram os questionários utilizados no Vestibular de 1979 e seis testes baseados na teoria de Piaget (domínio das operações concretas, domínio das operações formais, capacidade do indivíduo de utilizar o raciocínio lógico abstrato).

Tais dados mostraram que a maioria dos alunos não possui conservação nas operações formais ou ainda está em fase intermediária (entre as operações concretas e as operações formais); há relação entre o nível de desenvolvimento cognitivo do aluno/ nível de desempenho em Cálculo I; entre idade do aluno/desenvolvimento cognitivo/desempenho em Cálculo I; entre número de pontos obtidos no vestibular/desempenho/ desenvolvimento cognitivo obtido nos testes aplicados; não existe relação entre as variáveis relacionadas à família/ desempenho em Cálculo I/ nível de desenvolvimento cognitivo. Apresenta como sugestões um estudo, no último período do curso, para constatar se atingiram o raciocínio lógico-abstrato. Apresenta, entre outras limitações, o fato de não ter trabalhado com variáveis relacionadas ao professor.

Um outro estudo desenvolvido na Univasf, no período agosto/2008 a julho/2009 (RIBEIRO et al, 2010), objetivou testar as provas piagetianas com os alunos do primeiro período de engenharia, antes de serem utilizadas na presente pesquisa. Os resultados indicaram que, dos 16 estudantes (apenas dois aprovados), no que se refere ao desempenho operatório a partir da prova piagetiana flutuação de corpos, 11 se encontravam no estágio operatório formal; cinco no período intermediário entre o concreto e o formal; cinco no início do operatório formal e três no período operatório concreto. Tais dados permitiram inferir que a maioria dos pesquisados apresentaram condições necessárias para o aprendizado das disciplinas na área de exatas e que outros fatores estão interferindo na reprovação dos estudantes.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Epistemologia Genética de Jean Piaget

Jean Piaget, em suas pesquisas, considera o sujeito epistêmico, capaz de aprender, presente universalmente no ser humano em seu processo de elaboração do conhecimento, considerando as características psicológicas, resultantes da compreensão contínua do homem e do mundo (LA TAILLE, 2006). Estudou a gênese do conhecimento, buscando entender os mecanismos mentais que o ser humano usa para apreender o mundo. Investigou a construção do conhecimento, observando o desenvolvimento da inteligência da criança, o qual se constitui por meio da função (adaptação ao meio) e da estrutura (organização de processos). Para ele, o ser humano estabelece, desde quando nasce, uma relação de interação com o meio. Dessa forma, o desenvolvimento cognitivo da criança origina-se da sua relação com o mundo físico e social. Focalizou seus estudos, nos últimos anos de seu trabalho, no pensamento lógico-matemático.

Por meio de observações cuidadosas, inicialmente sobre seus próprios filhos e depois sobre outras crianças, concluiu que elas têm uma

forma própria e ativa de raciocinar e de aprender, diferentemente do que se imaginava até então em grande parte do universo científico. Assim, elaborou uma teoria do desenvolvimento cognitivo – A Epistemologia Genética - que pressupõe etapas, cujas mudanças são ordenadas e previsíveis (PIAGET, 1967/2004).

O desenvolvimento ocorre por construções contínuas, que partem de um estado de menor equilíbrio para uma equilibração superior, unindo as dimensões psicológicas cognitivas e afetivas. Nesse processo, há as estruturas invariáveis (constantes), inerentes a todas as idades, e as variáveis (inconstantes), que se modificam progressivamente, conforme a interação de cada criança com o meio físico e social em que está inserida.

Para Piaget (1967/2004), desenvolvemos a inteligência para manter um equilíbrio dinâmico com o meio. A equilibração ocorre quando o sujeito entra em contato com o objeto novo que lhe causa uma perturbação, seguida de uma tentativa de compensá-la. Depois, pode experimentar a adaptação, que se manifesta por assimilação e por acomodação.

A assimilação é a interpretação do mundo com o uso das estruturas psíquicas existentes, ou seja, o ser humano toma para si alguns elementos do mundo. Quando uma pessoa entra em contato com o objeto de conhecimento e retira dele algumas informações. Assim, a assimilação acontece quando as coisas e fatos, inseridos numa estrutura, adquirem significado para o ser humano. A acomodação é a construção de novas estruturas psíquicas e também a modificação das estruturas já existentes. (PIAGET, 1967/2004).

O conhecimento é construído por meio da interação dos sujeitos com o objeto, sendo necessária a apropriação de suas ações. Piaget (1950/1995) elaborou os conceitos de abstração empírica e reflexionante. No primeiro, informações dos objetos ou das ações do sujeito, em seus aspectos materiais, são captadas. Na abstração reflexionante o conhecimento é constituído pelas coordenações das ações do sujeito, que podem ser inconscientes ou não, sempre envolvendo representações imagéticas, ou seja, envolve conceitos (representações por meio de imagens mentais).

O percurso marcante no progresso dos processos cognitivos depende da abstração reflexionante, que remaneja o adquirido num nível inferior da atividade desse sujeito para um plano superior, por intermédio de reorganizações complementadas com a inserção de diferentes objetos de pensamento, ainda não considerados até a ocasião. Essas novas respostas do sujeito dependem da motivação, que estimula as estruturas do conhecimento, resultando num empenho a ser desenvolvido. A abstração reflexiva se faz presente em todos os níveis da vida, no que se referem às formas e as atividades cognitivas do sujeito. Na dimensão psicológica, os tipos de abstração são dependentes. (PIAGET, 1950/1995)

Esse movimento é contínuo na vida da criança, com a vivência da ação à conceituação. Ela representa as ações no momento presente e depois reconstitui a sequência temporal das ações, explicando as razões das conexões observadas, refletindo sobre os conteúdos, permitindo a intervenção de uma estrutura e a transferência dos conteúdos a outro plano, ou seja, a construção de novas formas.

As abstrações pseudoempíricas servem de base às abstrações reflexivas, sendo que o progresso dessas últimas indica a distância do concreto e exerce essencial papel até alcançar o nível do pensamento formal. Por isso,

O constante processo de abstração reflexiva leva à construção de maior número de formas em relação aos conteúdos. As formas podem determinar a elaboração de estruturas do pensamento formal (Matemática) ou de estruturas atribuídas aos objetos e às regularidades da natureza em que consistem as explicações causais (Física) (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1988, p.56).

A organização articula esses processos com as estruturas existentes, reorganizando o conjunto. Há, desse modo, uma construção e reconstrução contínua das estruturas que conduzem o ser ao equilíbrio.

As dificuldades de compreensão dos estudantes de engenharia podem ser originárias da ausência de relação das representações reflexionantes com as configurações de abstração empírica. Assim, os conteúdos estudados no ensino médio e as formas como são trabalhados podem não possibilitar a passagem da abstração empírica para a reflexionante. A depender do contexto onde o sujeito esteja incluído, a

abstração poderá ser maior ou menor, uma vez que ela se mantém das experiências anteriores. Dessa forma, os conteúdos precisam estar articulados ao cotidiano dos alunos, para assim colaborar na mudança cognitiva do sujeito, com a mediação do professor (PIAGET, 1950/1995).

O desenvolvimento mental é constituído por estruturas variáveis, que determinam as formas ou estados sucessivos de equilíbrio, que marcam a mudança de qualquer nível para o estágio seguinte. Em todos os estágios, a inteligência lida com funções constantes e a distinção das estruturas variáveis (modos de organização da atividade mental) é que delimita as distinções ou oposições de um nível para outro (PIAGET, 1967/2004).

As etapas de adaptação vão do recém-nascido e o lactante (primeiro período), passam pela primeira infância (2 aos 7 anos), pela segunda infância (7 aos 12 anos em diante) e pela adolescência. Tais etapas apresentam características inerentes e decisivas para o rumo da evolução psicológica.(PIAGET, 1967/2004) e abrigam os estágios pelos quais o ser humano se constrói seu desenvolvimento cognitivo, os quais também dependem da influência dos meios sociais e escolares. No entanto, nunca é demais ressaltar que os estágios constituem-se referenciais advindos da concepção de um sujeito epistêmico, podendo ocorrer variações cronológicas no estabelecimento das conservações das noções que lhes constituem. Porém, o desenvolvimento cognitivo sempre obedece a essa ordem de aquisições em que um estágio sucede a outro sem anulá-lo e sem diminuir a importância do precedente.

Discorreremos brevemente sobre os estágios de desenvolvimento (PIAGET, 1967/2004) que compõem a Epistemologia Genética. O estágio Sensório-Motor (0 - 2 anos) é anterior à linguagem, e as ações e a lógica propriamente ditas não existem; porém, as ações são organizadas conforme determinadas estruturas, que prenunciam a reversibilidade e a formação de invariantes. Há uma organização dos próprios movimentos e deslocamentos dos objetos.

O estágio Pré-Operatório ( 2 – 7 anos) é marcado pelo início do pensamento com a linguagem, caracterizado pela imitação diferenciada,

imagem mental e outras configurações de desempenho simbólico, representadas pela interiorização das ações realizadas (essas ainda não atingem a reversibilidade). Não há entendimento da conservação do conjunto (quantidades descontínuas) nem das formas especiais, além de não se observar relações lógicas elementares e noção de transitividade e cumulatividade.

No estágio Operatório Concreto- (7- 11 anos) acontece a construção de operações lógicas, que se apoiam em objetos concretos, com possibilidades de classificação, seriação e correspondência. Tais situações ainda estão articuladas à ação sobre os objetos, que é utilitária e manipulativa no mundo real, relacionando diferentes aspectos e desenvolvendo a reversibilidade do pensamento. Classificação é a operação lógica, caracterizada pela separação de objetos, pessoas, fatos ou ideias, organizados em categorias ou classes, conforme uma ou mais características. Já seriação é uma espécie de agrupamento, levando em conta a ordenação de objetos segundo aspectos crescentes ou decrescentes. Correspondência é a propriedade de associar os elementos equivalentes, um a um.

O último estágio estruturante é o Operatório Formal – (11 - 12 anos em diante), no qual o raciocínio realiza operações “formais” por intermédio de relações entre objetos reais, considerando as relações já constituídas, cujas operações fazem surgir conceitos mais abstratos, caracterizadas pela “forma”.

Surgem operações de generalização progressiva oriundas das precedentes: lógicas das proposições a partir de enunciados verbais, ou seja, derivativas de simples hipótese e não mais especificamente sobre objetos. As construções sucessivas, que se originam do universo prático, passam pelo conhecimento do mundo concreto até alcançar a reconstrução do mundo, pelo pensamento hipotético-dedutivo do adolescente. Faz-se necessária uma ação construtiva para que a mente opere sobre uma lógica; portanto, essa ação mental não é inata. Não se

pode construir conhecimento sobre qualquer objeto sem agir sobre ele e nele realizar alguma modificação.

São constituídas duas novas estruturas de conjuntos que destacam a completude das estruturações anteriores. Uma estrutura é a lógica das proposições, caracterizada pelo surgimento das operações combinatórias. A outra, em articulação com a organização de redes, forma um grupo de quatro transformações.

Observa-se, no adolescente, o interesse por problemas abstratos e a elaboração de teorias/hipóteses acerca de diversos temas, em particular, os que visam transformar o mundo. As contínuas interações entre os fatores biológicos e sociais levam a complementaridade entre operações interindividuais e intra-individuais. No âmbito das operações, há um crescimento da reversibilidade, promovendo uma ordenação do equilíbrio, uma vez que este será determinado pela capacidade de reversibilidade de um dado sistema (PIAGET, 1967/2004).

O pensamento científico-dedutivo é típico do cientista. Por meio do raciocínio formal, é possível explorar as relações presentes nos problemas concretos ou hipotéticos. O conhecimento lógico-matemático é a elaboração de configurações por abstração, surgindo da ação do próprio sujeito, estabelecendo relações entre uma classe o os elementos descontínuos, realizando abstração das situações espaço-temporais. Sua fonte de conhecimento origina-se do indivíduo, pois a mente elabora as relações, fazendo uso do raciocínio lógico por intermédio de abstrações reflexivas. (PIAGET, 1950/1995). Neste estágio também serão consolidados os esquemas operacionais formais e as operações proposicionais ou combinatórias.

Enquanto o pensamento concreto é restrito a multiplicações, o pensamento formal avança para as associações multiplicativas. Todas as combinações possíveis, a partir das quatro classes iniciais, são realizadas pelo indivíduo que está no estágio operatório formal.

O pensamento do adolescente substitui os objetos por sua representação, sendo o pensamento formal a representação de uma

representação das ações possíveis. O equilíbrio desse pensamento ocorre no processo de reflexão e interpretação da experiência.

Para Rizzi e Costa (2004), as explicações de Piaget sobre a construção operatória do adolescente, mesmo não sendo uma proposta pedagógica, são preciosas fontes de reflexão articuladas à vida afetiva, que evidenciam ser um canal propício à compreensão da aprendizagem.

Kamii (1994) aborda sobre duas pesquisas feitas por McKinnon e Renner (1971) e a de Schwebel (1975), para verificar a capacidade dos alunos, ingressantes na Universidade, de pensar logicamente no nível das operações lógico-formais. Os estudantes universitários observados foram os melhores alunos no ensino primário e secundário e muito bem sucedidos na tentativa de entrar na universidade. Mas, na primeira pesquisa, apenas 25% dos universitários demonstraram ser capazes de raciocinar sistematicamente no nível lógico-formal e, na segunda, apenas 20% o fizeram. Esses dados mostram que poucos alunos parecem ter alcançado o estágio das “operações formais”, apesar de sua aprovação bem sucedida no nível secundário. Isso reafirma a obediência e o conformismo desses estudantes ao ensino por memorização, ou seja, não se investe na reflexão nem se prioriza a perspectiva critica e autônoma.

Os estudos de Piaget sobre a inteligência da criança deram suportes teóricos para os movimentos pedagógicos. Tais trabalhos mostraram que a construção do conhecimento se dá encadeada ao contexto, não negando a importância da interação social. Seus conceitos epistemológicos se fundamentam em concepções no âmbito filosófico, considerando o conhecimento por meio da relação sujeito-objeto. Tal concepção epistemológica aponta para a importância/sentido do que será trabalhado na sala de aula, construindo, assim, um vínculo desafiador e impulsionador entre professor e estudante, para que o aluno possa desvendar e descobrir o conhecimento (PIAGET, 1974/2002).

As escolas tradicionais apresentam respostas padrões aos alunos, incentivam a aquisição de médias altas, prezam pela repetição do transmitido pelo professor, num ambiente imperioso e coercitivo. Esse contexto conduz à insegurança, ao receio de errar, à falta de confiança em

si próprio. Para que haja aprendizagem, é mister um meio escolar com afeto, compreensão e respeito pelo aluno, permitindo a troca de ideias e possibilidade de cada um defender seus pontos de vista e a vivência democrática das soluções de conflitos. (MACEDO, 1994).

Contrariando o contexto das escolas tidas como tradicionais, é importante estabelecer uma reflexão sobre construtivismo. Falar em construtivismo dentro da epistemologia genética é importante porque está fundamentado nas ações do sujeito cognoscente, sistematizadas em esquemas de assimilação. Sua produção é formalizante, uma vez que forma e conteúdos são inseparáveis. É um trabalho contínuo de reconstituição ou tematização, envolvendo assimilação e acomodação mútuas. O conhecimento é considerado como um tornar-se, cujo processo permite um aperfeiçoamento constante, tendo o seu sentido como uma teoria da ação, cuja linguagem “constitui ou conserva/transforma os aspectos da ação ou do pensamento, os quais têm valor (a ação ou pensamento) de conhecimento. (MACEDO, 1994, p. 18). Assim, “só a ação espontânea do sujeito, ou apenas nele desencadeada, tem sentido na perspectiva construtivista” (Idem, p.19).

A prática pedagógica é considerada como uma investigação e experimentação, utilizando-se a pesquisa como meio de construção do saber, justificada num projeto de trabalho, cujo olhar está voltado para ampliação e aprofundamento do saber. Tudo isso exige uma atualização contínua do professor no que se referem aos conteúdos escolares, articulada ao processo de desenvolvimento e aprendizagem dos discentes. O professor precisa está aberto ao diálogo com o mundo (MACEDO, 1994).

No entanto, longe desse ideal, convivemos com uma realidade crônica, grave, em que os futuros professores herdam concepções de aprendizagem que podem limitar o desenvolvimento dos alunos. Becker (2008) relata-nos uma situação por ele vivida com 20 alunos de pedagogia na disciplina de aprendizagem, aos quais faz três perguntas: (1) O que é aprender?, (2) O que é conhecer? e (3) Como se relacionam aprender e conhecer?(p. 55). Após analisar e discutir as respostas obtidas por escrito à luz da Epistemologia Genética, Becker (2008, p.72) concluiu que as

afirmações dos sujeitos da pesquisa continuam presas ao senso comum, ainda que este seja acadêmico. As afirmações baseiam-se predominantemente em epistemologias de base empirista. Alerta para a necessidade de

a formação docente, especialmente a que se refere aos cursos de pedagogia e aos de licenciaturas tem, pela frente, um grande trabalho: inventar programas de aprendizagem para que esses professores em formação ou futuros professores modifiquem suas concepções epistemológicas dialetizando as relações sujeito-objeto, organismo-meio, indivíduo-sociedade, aluno-professor. Sem essa transformação epistemológica pouco poderemos esperar de mudanças significativas nas práticas escolares.” (p. 72).

O método clínico

As pesquisas de Piaget avançaram nos conhecimentos sobre a cognição humana, criando uma forma inovadora de refletir sobre o potencial infantil para a aprendizagem. Formado em Biologia, com doutorado em tipos de moluscos, carregava a curiosidade sobre os aspectos epistemológicos.

Quando ele começou a investigar o pensamento infantil, existiam testes sobre a inteligência, dominantes na época, criados por Alfred Binet (N-M) e Theodore Simon (N-M), no início do Século XX, na Europa.

Em 1919, em contato com Dr. Teodore Simon, acolheu a sugestão de padronizar os testes de raciocínio construídos por Burt, para as crianças de Paris. Nesse novo formato, questionavam os pontos de dificuldades das crianças no que se refere ao raciocínio sobre a forma dos enunciados (DELVAL, 2002).

A partir daí, dedicou-se a pesquisar a gênese do pensamento científico na criança. (DELVAL, 2002). Piaget começou um método de conversas abertas com as crianças, por meio de indagações das justificativas usadas por elas nas respostas, sobre questões acerca de vários conceitos sobre física, natureza, matemática, moral e outros que constituem o conhecimento universal.

Visando aprender a sequência dos pensamentos das crianças, Piaget iniciou um método de conversar com elas. Focalizou a análise das

justificativas nas respostas que elas davam quando indagadas, começando assim seu método clínico. Por meio de um diálogo com a criança, de maneira sistemática, conforme as respostas ou ações procediam-se as entrevistas. E, assim, acompanhava o pensamento infantil, elaborando-se novas perguntas a partir das respostas dadas, avaliando sua qualidade e abrangência. Observava, também, a segurança que a criança tinha sobre as respostas perante as contra-argumentações (DELVAL, 2002), nascendo, assim, o método clínico.

Delval (2002) situa que tal método passou por adaptações conforme problemas e temas abordados, organizado em etapas, segundo Vinh-Bang (colaborador de Piaget): elaboração do método (1920-1930); observação crítica (1930-1940); método clínico e formalização (1940-1955) e, desenvolvimentos recentes, a partir de 1955.

Em 1921, Piaget publicou os resultados dos seus estudos, tendo por base o teste de Burt, questionando as crianças sobre as dificuldades de raciocínio, cuja conclusão apontou grandes bloqueios no raciocínio dos enunciados. Seu primeiro livro, em 1923, sobre o desenvolvimento infantil, assinalou que uma parte substancial da linguagem nas crianças, aproximadamente, 6-7 anos era egocêntrica, manifestada “na incapacidade para a explicação causal e para a estreita justificativa lógica” (DELVAL, 2002, p. 57).

Na sua segunda obra, em 1924, abordou os tipos de explicações e relações lógicas por meio da linguagem. Em ambos os trabalhos utilizou-se da entrevista clínica, mas não fez reflexão específica sobre o método aplicado. Uma obra seguinte (1931) é marcada pelo estudo das características gerais, referentes à realidade física e mental nas representações do mundo que as crianças constroem. Aprofundou-se no seu método e fez reflexões sobre ele, identificando as vantagens e dificuldades. Trata-se da exposição mais completa do procedimento de entrevista, utilizado frequentemente em suas pesquisas.

Conforme DELVAL (2002), em 1927 o método de Piaget passa por depuração e é aperfeiçoado, permitindo explicações sobre fenômenos físicos concretos (o nível da água, a flutuação dos barcos ou a formação

das sombras). Em 1932, na última obra desse período, aponta a aplicação do método a um novo campo: ideias morais da criança, explicações sociológicas das normas e compreensão de justiça, fugindo da entrevista somente verbal e apoiando-se na ação do sujeito.

Em suas obras seguintes, as origens da inteligência, antes do aparecimento da linguagem, passam a ser focalizadas em três obras fundamentais (1936, 1937 e 1945), relacionadas com o nascimento de seus três filhos. Os progressos dessas crianças foram acompanhados por meio de observações minuciosas. Criou situações experimentais problemáticas, reveladoras da forma de pensamento.

O trabalho de Piaget, entre 1940 e 1955, foi dedicado, principalmente, “à descoberta das estruturas lógicas subjacentes ao pensamento do sujeito: grupos, agrupamentos, redes. Tal estudo contempla conceitos matemáticos e físicos, operações lógicas, como as classificações e as seriações” (DELVAL, 2002, p. 64). Várias publicações contemplaram o número, a geometria, o espaço, a velocidade, o tempo, etc. A maneira como o sujeito compreende a realidade demonstra a capacidade de realizar as operações, que vão mudando conforme a idade, acontecendo um progresso.

Utilizou o tema linguagem em todos seus estudos, porém sempre com o apoio voltado à atividade realizada pelo sujeito, constituindo alteração no método. A problemática e o tipo de sujeitos em estudo foram mudados em decorrência da abordagem de problemas concretos e de situações práticas. O foco passou a ser a ação do sujeito, e o que ele diz se deslocou para o segundo plano. Tal método foi nomeado de “método crítico” podendo também ser chamado de “método clínico-crítico” (DELVAL, 2002).

Na fase em que há linguagem, o sujeito recebe instruções, explica a sua ação. A partir daí, é possível descobrir suas dificuldades, adquirir dados para proporcionar a formulação de hipóteses acerca da organização e do funcionamento de sua mente. O período que antecede o surgimento da linguagem é marcado pelas experiências sensório-motoras que evoluem gradativamente, marcando o início da formação da inteligência e

da vida afetiva da criança. Nas obras que se seguiram a 1955, permanece a aplicação de um método muito parecido, porém sempre ajustando-o à espécie dos problemas analisados. Os trabalhos de Inhelder e seus colaboradores, referentes à aprendizagem (microgênese) abordam o “método de exploração crítica” e são representativos da área (DELVAL, 2002).

O método clínico utiliza a observação, a experimentação e a entrevista, com questões abertas, cuja finalidade do exame é compreender como: o sujeito pensa, analisa as situações, resolve problemas e responde às contra-argumentações do examinador. Trata-se de um método que contempla a conversação livre, sob um tema instigado pelo pesquisador. É constituído pela observação do comportamento, identificando características comuns, seguindo de situação de experimentação, sendo criadas situações estimuladoras por meio de perguntas (entrevistas), cujas respostas instigam novas perguntas. (DELVAL, 2002). Dentre as provas piagetianas utilizadas, estão as do pêndulo e as de flutuação de corpos, descritas a seguir.

Na prova piagetiana do pêndulo, ao apresentá-lo sob a forma de um peso suspenso por um cordão, o sujeito tem as possibilidades de variar o comprimento do cordão, o peso dos objetos suspensos, a altura da queda (amplitude da oscilação) e o impulso dado pelo sujeito. A questão colocada é encontrar os fatores que influenciam a frequência das oscilações, sendo que somente um desses fatores possíveis é causal, enquanto os demais são excluídos. O problema é dissociar os três últimos e excluí-los, quando solicitado, que faça variar e explicar a frequência das oscilações de um pêndulo (INHELDER; PIAGET, 1976).

Essa situação experimental pode ser refletida em três níveis. No nível pré--operatório I (Estágio I), não há diferenciação entre as ações do sujeito e os movimentos do pêndulo. As explicações dadas apontam o impulso dado pelo sujeito como a razão das variações na frequência das oscilações. Já no nível do nível II (operatório), os sujeitos fazem seriações dos comprimentos, das alturas, julgando as diferenças de frequência,

porém não dissociam os fatores, a não ser o que se trata do impulso. Nesse nível, não existe ainda seriação exata de pesos:

No nível formal, há duas situações. Na primeira, o sujeito dissocia os fatores diante de combinações nas quais um deles varia, enquanto os demais permanecem imutáveis, mas as operações formais ainda não estão organizadas para funcionar como esquema antecipatório. Na segunda, há dissociação dos fatores e a exclusão dos fatores que não influenciam na frequência das oscilações, sendo que somente um deles influencia (causa). Essa exclusão é fato novo, considerando o contexto anterior. As respostas dos sujeitos resultam de um processo complexo de elaboração. Na verdade, o fator que explica a frequência das oscilações é o comprimento do cordão (INHELDER; PIAGET, 1976).

A prova de flutuação dos corpos é baseada no método clínico e consiste, inicialmente, na classificação dos objetos em duas classes: flutuantes e não flutuantes. O entrevistado deve especificar a base de sua classificação exaustivamente. Em seguida, acontece a experimentação, em que o indivíduo coloca os objetos na água, individualmente, constatando, em cada caso, a perspicácia de suas previsões e tentando explicar por que o objeto flutua ou afunda. Ao término, busca-se conseguir do sujeito uma regra geral no que se refere ao comportamento dos objetos na água (CARRAHER, 1994).

O tipo de noção de peso usado pelo sujeito, sua capacidade de observar as próprias contradições, de elaborar hipóteses e de construir situações imaginárias, o modo pelo qual busca excluir as contradições existentes em suas categorizações, a consideração que se evidencia da densidade do corpo confrontada com a da água e do volume de água deslocado, quando o objeto é colocado sobre a água, são questões fundamentais a serem analisadas (CARRAHER, 1994).Níveis da prova (CARRAHER, 1994):

No nível I, o sujeito não busca uma explicação única e se satisfaz com explicações múltiplas. Tem dificuldade de perceber as contradições de suas previsões quanto à flutuação dos objetos ou de seu raciocínio,

pois emprega noções ambíguas e explicações frequentemente contraditórias. O nível II caracteriza-se pela evolução relativa às operações de classificação, pela tentativa de rever a noção de peso, distinguindo-a e relacionando-a à noção de tamanho. O sujeito se esforça para encontrar uma explicação única e elimina as contradições de suas explicações, embora não consiga solucionar o problema e algumas contradições permaneçam.

Já, no nível III, há o aparecimento da conservação de volume, que permite a formação da noção operatória de densidade e a possibilidade que o sujeito tem de lidar com operações proposicionais. Encontra uma explicação única e não contraditória. Seguem-se os aspectos metodológicos, realizando a descrição de tais provas.

ASPECTOS METODOLÓGICOSTrata-se de uma pesquisa de campo, cuja coleta de dados ocorreu no

campus da UNIVASF, em Juazeiro-BA, onde funcionam os cursos de engenharia. Representa um estudo de caso, contexto que descreve um conjunto de dados sobre várias pessoas em condição específica, articulando a teoria com o material oriundo de uma prática, ou seja, apresenta fatos da experiência conforme o recorte do pesquisador. A situação e os indivíduos escolhidos representam, de alguma forma, fenômeno de importância peculiar, objetivando expandir a compreensão de tal conjuntura ao articular afinidades com outras teorias e fenômenos (CAPITÃO; VILLEMOR-AMARAL, 2007).

Inicialmente, foram solicitadas ao Departamento de Registro e Controle Acadêmico as listas com os nomes dos alunos dos primeiros períodos, sendo 50 alunos em cada turma de primeiro período. A listagem foi unificada, sendo que cada aluno recebeu um número, de 1 a 300. Fez-se um sorteio de 170 nomes, sendo 28 alunos de cada, caracterizando-se uma amostragem Estratificada - Alocação Proporcional. Por ser uma pesquisa qualitativa, tornou-se impossível realizá-la com tal amostra, e, procedeu-se a uma segunda etapa. Nova lista foi montada com os

selecionados, de 1 a 170. Desse grupo, foram sorteados trinta e sete sujeitos, acrescentados quinze como suplentes, sendo sete alunos por curso. Após desistências de alguns pesquisados, um curso ficou com sete estudantes selecionados.

Foi realizada a divulgação do projeto, via slides, com a explicação dos instrumentos, que seriam utilizados, bem como informações sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o tempo necessário para o pesquisador. Depois, explicou-se como a amostragem foi feita e divulgaram-se os nomes sorteados.

Os critérios de inclusão na montagem da lista foram alunos do primeiro período de engenharia, das disciplinas básicas e exatas, que perpassam todos os cursos: Física Básica, Cálculo Integral e Diferencial I e Geometria Analítica. Os critérios de exclusão foram alunos de outras disciplinas do primeiro período e dos demais períodos ou terem feito outra graduação.

Não se conseguiu aplicar as provas com todos os participantes selecionados, mas com 25 alunos, por razões diversas: final de semestre, viagem dos estudantes para casa dos familiares, impedindo-os de cumprir as datas e horários marcados; confirmação da presença na véspera, mas não houve o comparecimento; acúmulo de provas em término de semestre; após três tentativas frustradas para iniciar com cada participante não se insistiu mais.

O projeto foi aprovado em 11/11/2009 pelo Comitê de Ética da Associação de Ensino Superior de Caruaru.

De fevereiro a maio de 2010, foram aplicadas as provas piagetianas com os discentes de engenharia. Após a sua aplicação/realização, as provas e entrevistas foram transcritas e, em seguida, analisaram-se os depoimentos.

Aplicação dos instrumentos e procedimentos de análise dos dados

Os instrumentos utilizados foram as Provas Piagetianas de flutuação dos corpos e prova do pêndulo, para identificar o nível de

desenvolvimento cognitivo, considerando o pensamento lógico dos estudantes.

Foram utilizados, na prova de flutuação, objetos com tamanho, forma, peso e materiais diferentes, como sugeridos por Carraher (1994): palha de aço, moeda, ímã, pedra, prego, cubos (pequeno, médio e grande), barco, isopor, emborrachado, tampa de plástico, tampa de metal, régua, caixa plástica, que pode ser fechada, lápis, pedaço de madeira, agulha, vela.

Nesse experimento, foi pedido ao aluno que separasse os objetos em dois grupos: os que afundavam e os que flutuavam. Após a separação, os objetos foram testados um por um, e, a cada teste, era perguntado sobre o porquê de o objeto afundar ou flutuar. No final, pedia-se ao estudante que formulasse uma hipótese sobre o motivo de alguns objetos flutuarem e outros afundarem. A prova foi gravada em MP3 e depois transcrita.

Na prova do pêndulo, os materiais para sua execução foram mencionados por Inhelder e Piaget (1976/2004): três pêndulos de tamanho e peso diferentes e hastes em que o comprimento pudesse ser encurtado ou alongado. As perguntas direcionadas ao entrevistado eram sobre a frequência, a velocidade e o tamanho da oscilação de cada pêndulo com tamanhos de haste diferentes. Para ajudar na visualização, os pêndulos foram comparados, isto é, dois pêndulos de pesos diferentes, oscilando no mesmo momento (de um mesmo ponto de partida). No final, incentivava-se o aluno a formular uma hipótese ou teoria sobre o que ocasionava oscilações diferentes entre os pêndulos fossem.

Após esse processo, para a prova de pêndulo e flutuação de corpos, foi feita a transcrição e, a partir da análise dos depoimentos de cada entrevistado acerca de suas hipóteses e contradições, descrevemos as características de desenvolvimento cognitivo encontradas em cada estudante.

4 RESULTADOS

No nível I, as explicações do sujeito colocam o impulso dado pelo sujeito como a explicação para as mudanças na frequência das oscilações. O nível II é marcado pelas seriações e correspondências sem dissociação de fatores, enquanto o nível III aponta a dissociação dos fatores e a eliminação dos fatores inoperantes (INHELDER; PIAGET, 1976).

A análise foi dividida em níveis de desenvolvimento, segundo tais níveis. Os dados mostram uma concentração no nível III, que é próprio do operatório formal (INHELDER; PIAGET, 1976). Nos gráficos, as abreviaturas O. F. significam operatório formal. e O. C., operatório concreto.

A partir da análise das provas de flutuação (ver Gráfico 1), verificou-se que a maioria dos estudantes aprovados se encontra entre o início do estágio operatório formal e o período operatório formal consolidado e a maior parte dos discentes reprovados se encontra entre o período operatório formal e seu início.

Gráfico 1

Também na prova do pêndulo (ver Gráfico 2), a concentração dos

estudantes aprovados se encontra no início do período operatório formal e outra parte no período operatório formal consolidado; a maioria dos alunos reprovados se encontra no início ou no período operatório formal, situação semelhante à anterior.

Gráfico 2

Conforme o Gráfico 3, de maneira geral, na prova de flutuação, grande parte dos alunos se encontra no início do período operatório formal; na prova do pêndulo, o desempenho dos estudantes indica que uma grande parte deles está no início e a outra no operatório formal.

A capacidade de estabelecer relações é comum a toda espécie humana, desde as relações empíricas até as lógico-matemáticas, “segundo a ocupação do adolescente haverá diferenças na manifestação da capacidade de estabelecer relações a nível formal” (RAMOZZI-CHIAROTTINO, 1988, p. 34). As capacidades lógicas de representação

simbólica são aperfeiçoadas e várias alternativas são elaboradas na resolução de um problema, contexto vivenciado intensamente num curso de engenharia.

O período ideal para os estudantes ingressantes seria o operatório formal, pois, além de ser o último período de desenvolvimento cognitivo (teoria piagetiana), nesse estágio, já se detecta o interesse por problemas abstratos e a elaboração de teorias/hipóteses de diversos temas, em particular, os que visam transformar o mundo, raciocínio conhecido como hipotético-dedutivo (RIZZI; COSTA, 2004).

Para Piaget (1974/2002), as diferenças entre os alunos na área de Matemática ou Física, considerados com semelhante grau de inteligência, são em razão da sua capacidade de adequação ao tipo de ensino oferecido. Com relação aos alunos que são mal sucedidos:

Os “maus alunos” nessas matérias, que entretanto são bem sucedidos em outras, estão na realidade perfeitamente aptos a dominar os assuntos que parecem não compreender, contanto que eles lhes cheguem através de outros caminhos: são as “lições” oferecidas que lhes escapam à compreensão, e não a matéria. (PIAGET, 1974/2002, p. 14)

Piaget (1970-1972) considera que qualquer indivíduo normal poderá alcançar as estruturas formais, a depender do resultado do meio e da experiência, elementos cognitivos necessários nessa construção.

A progressiva construção operatória representa uma adaptação contínua e cada vez mais complexa, flexível e abrangente, do sujeito às situações com as quais convive. Uns sujeitos elaboram de maneira solidificada o raciocínio operatório formal, enquanto outros só lidam ativamente com raciocínios basicamente concretos. (MACHADO, 2005).

O adolescente constrói teorias porque foi se tornando capaz derefletir, distanciando-se do concreto, em busca doabstrato. As suas características intelectuais originam-se do processode construção das estruturas formais, as quais, também, dependem do meiosocial, como dizem Piaget e Inhelder (1976/2004, p. 251), “a integração do indivíduo na sociedade adulta depende dos fatores sociais tanto até mais

do que dos fatores neurológicos”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refletir o desempenho do estudante em engenharia sinaliza a necessidade de pensar, dentre outros aspectos, na expressiva carga horária na área de matemática, notando-se uma grande dificuldade na aprendizagem, comprovada pelos elevados índices de reprovação. Os resultados de uma pesquisa (PASSOS et al, 2007) mostraram elevados percentuais de reprovação nos cursos de engenharia na Universidade Federal do Vale do São Francisco. A reprovação se concentra nas áreas de matemática, física, química e estatística, sendo que 81,6% dos alunos já tiveram pelo menos uma reprovação.

De acordo com os dados apresentados, independente de os alunos serem aprovados ou reprovados nas disciplinas básicas das engenharias da Univasf, nas provas operatórias de flutuação de corpos e de pêndulo, grande parte se concentrava entre o início do operatório formal e o operatório formal. Foram capazes de separar as variáveis, identificando o fator, que controlou o movimento do pêndulo. Aplicaram o raciocínio combinatório e excluíram as variáveis, que não tinham qualquer efeito. Conseguiram, por meio do raciocínio proposicional, encontrar uma explicação única, relacionada à densidade, na prova de flutuação de corpos.

Assim, os níveis de desenvolvimento cognitivo foram caracterizados e identificados em cada estudante pesquisado, atingindo os objetivos propostos, porém tais níveis, nas provas piagetianas, não justificaram o processo de aprovação ou reprovação dos estudantes de engenharia da Univasf.

O nível de desempenho nas provas deve ser explicado como uma capacidade operatória, cujo nível de desenvolvimento representa uma maneira qualitativa de tratar a informação. “Mesmo no campo da Matemática, muitos fracassos escolares se devem àquela passagem muito

rápida do qualitativo (lógico) para o quantitativo (numérico) (PIAGET, 1974/2002, p. 14).

Para Carretero e León (2004), quando as pessoas não resolvem problemas formais, umas pesquisas apontam que elas não conseguem usar todos os seus “recursos ou habilidades intelectuais”, ficando abaixo de suas possibilidades. Isso não significa incapacidade, mas uma interferência do conteúdo da tarefa na resolução do problema, (variáveis específicas) e aspectos do sujeito (diferenças individuais ou de gênero, nível educativo, etc.).

Cabe à Instituição fazer a mediação entre o conhecimento prévio do estudante e o oferecido no curso, para que o sujeito busque e sistematize informações, no desenvolvimento de seu pensamento e na elaboração de conceitos, resultando no aperfeiçoamento de sua competência cognitiva. Para isso, alguns destaques são necessários: considerar o aluno como sujeito ativo e pensante no processo, num clima construtivo e participativo de relacionamento, concretizando-se numa mudança de postura do professor nas questões educacionais; estudar o conhecimento psicogenético na área das operações lógico-matemáticas; permitir trocas e vivenciar uma perspectiva interdisciplinar de saberes, vendo o aluno como contribuinte da sua prática pedagógica; considerar a história de cada disciplina matemática, visando à compreensão dos modelos utilizados; trabalhar uma visão crítica e segura da importância dos conteúdos, com atividades reais e espontâneas do aluno, para que ele consiga construir conceitos, tornando o ensino-aprendizagem significativo; valorizar o desenvolvimento de habilidades para solução de problemas e aplicações posteriores; envolver mais a universidade com o ensino fundamental e médio, nas questões referentes ao ensino.

Retomamos Becker (2008) para acrescentar que mesmo na universidade a inventividade da equipe de professores precisa ser incentivada na criação ou aperfeiçoamento de programas de aprendizagem que levem em conta as dialéticas das relações sujeito-objeto, organismo-meio, indivíduo-sociedade e aluno-professor, de modo a

que sejam capazes de modificarem concepções epistemológicas dos futuros professores.

REFERÊNCIAS

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