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Vila da Paz: A Constituição Histórica do Bairro a Partir do Viés Urbanístico e Cultural
KARINA VIANA DA SILVA
A trajetória histórica do bairro Vila da Paz, começa a ser construída no ano de 1986
quando um considerável grupo de pessoas ocupou uma área de cunho particular nas margens
de uma importante avenida, área está que é acidentada onde a mesma ao longo de sua
extensão é cortada por um grotão. Mas a principio é importante localizar esse espaço
enquanto elemento de análise histórica. Visto que esse bairro localiza-se na região sul de
Teresina capital do Estado do Piauí. Essa região também é marcada por uma grande falta de
infraestrutura, contudo essa é uma situação que vem sofrendo significativas mudanças com o
processo de urbanização pelo o qual essa comunidade vem passando, ocasionando a visível
transformação espacial do bairro.
Assim é relevante pincelar sobre alguns elementos que estão intrínsecos nessa
perspectiva da analise do bairro, além da sua própria constituição histórica. Haja vista que é
necessário abordar a temática cidade, no intuito de perceber o contexto social, econômico,
político e cultural no qual esse determinado espaço da cidade está inserido. Logo outra
questão é encaminhada por está, a urbanização que traz consigo uma estreita relação com o
componente da cidade, no sentido de que é esse fundamento que proporciona as mais variadas
transformações na área da cidade.
Logo outras relações surgem também nesse entremeio, são elas o elo entre memória
e história oral e cultura e tradição, assim é pouco provável pensar o elemento memória sem
que este esteja ancorado no arcabouço teórico metodológico da história oral, no entanto é
relevante pontuar que ao se trabalhar com o signo da memória é importante levar em conta
que está não reproduz o passado tal como aconteceu, e que a mesma é atualizada conforme o
presente. Já no se refere a ligação entre cultura e tradição, essa procura evidenciar como esse
determinado espaço se organizou através dos discursos culturais, tomando com exemplo os
escritos de Thompson na tentativa de buscar os fatores sociais para experienciar o signo
cultura dessa parte da cidade.
UFPI, Mestranda em História.
Ademais são essas conexões que se procura lançar luz, com tal pesquisa visto que
essa procura destaca principalmente a temática da história oral, haja vista que este campo da
história vem ganhando cada vez mais espaço e solidez, como forma de auxilio para a
3
produção da narrativa histórica. Logo o objetivo desse artigo é evidenciar o resultado das
relações de simbiose entre cidade e urbanização, memória e história oral e cultura e tradição,
no sentido de demonstrar a contribuição dessas relações para se melhor compreender as
transformações ocorridas na cidade.
Escrever sobre a constituição histórica do bairro Vila da Paz nos reporta ao ano de
1986, quando um número significativo de pessoas sem condições financeiras ocupam uma
área ociosa as margens de uma importante avenida e do terminal rodoviário de Teresina,
como fica evidente no relato de um dos primeiros moradores daquela área, onde a esse foi
questionado se ele chegou no mesmo ano que se iniciou a ocupação.
“Foi no mesmo ano, a ocupação se deu em toda área da Vila da Paz, que formam
43 hectares de chão, foi ocupada tudo no mesmo tempo, num espaço de três a
quatro dias foi toda ocupada, foi desbravada toda a mata, eu limpei o terreno aqui,
num espaço de dois dias, dois dias e meio, aqui era pequeno, eu limpei todinho, ai
encaminhei os trabalhos de cercado, levantar o barraco, que a tendência aqui era
pra ocupar a área pra não, porque o que justificaria morar é a questão da moradia
pra não deixar, digamos porque muitas vezes as pessoas marcava terreno limpava,
e por uma questão de tempo, ou questão socioeconômica, as vezes a pessoa tratava
um dia ou dois, quando chegava outro já tinha tomado de conta. E eu me passei pra
dentro do terreno praticamente dentro dos matos”1.
O outro relato é também de uma das primeiras moradoras, que experienciou esse
momento de constituição desse lugar.
Quando nós chegamos aqui só era mato, mato, não tinha mais nada só mato,
rocemos os matos, fizemos as casas, casinhas veias de palha, não tinha água não
tinha luz, não tinha quitanda, não tinha nada. Ai fiquemo, fiquemo aqui, acho que
não passou um mês que tava da invasão, que nos chegemos a policia chegou, acho
que foi um mês ou dois mês por ai, não mas foi mais. Porque quando chegaram aqui
as casas já estavam feitas. Quando a policia chegou aqui mermã, derrubou tudo,
derramou água, os meninozinhos véi da Kátia chorando, a Kátia chorando com
vontade de ir embora. Ai se juntaram todo mundo, foram pra frente da rodoviária,
ai o Wall Ferraz ia chegando de Brasília eu acho, se juntou uma comitiva de gente
pra ir lá, um bocado, um caminhazão ai, eu não fui não, eu fiquei, e lá ele disse que
não ia negociar com aquela baderna todinha, porque todo mundo tava gritando,
que todo mundo com medo de perder suas casas, ai tirou uns pessoais pra falar com
ele lá, ai ele mandou dizer pro povo que ficou aqui, que era pra todo mundo ficar
sossegado que ninguém ia sair não, que ele ia comprar, não sei se comprou, ainda
hoje o pessoal fala nisso.2
Logo também essas pessoas foram taxadas de aproveitadoras, como fica claro na
citação. “Não adianta a prefeitura dizer que a maioria das famílias é composta de
1 Passagem da entrevista concedida pelo Sr. Félix a Karina Viana, falando sobre o começo da ocupação. No dia
09.08.16. 2 Passagem da entrevista concedida pela Sra. Maria da Cruz a Karina Viana, falando sobre o inicio da ocupação e
da ação policial. 02.05.17.
4
aproveitadores, pois pessoas com outros interesses não tentariam viver em um local, como
mostra a situação precária de existência dos moradores” diz ela (Jornal O Dia, 21 de Janeiro
de 1987)3.
No entanto a grande a maioria daqueles indivíduos que ocupavam aquela região de
fato não possuía recursos para adquirir a casa própria, essa ação de ocupar uma área sem as
mínimas condições de infraestrutura caracteriza bem o vertiginoso crescimento populacional
de Teresina na década de 90.
Crescimento esse que se deu de maneira desordenado salvo algumas poucas ações
do governo em construir conjuntos habitacionais, entretanto em contrapartida o numero de
ocupações e invasões era significativo, configurando o descompasso da cidade em
acompanhar esse crescimento e criar maneiras para acompanhar tal movimento. Em vista
disso no momento da ocupação existia uma deficiência de infraestrutura, saneamento básico,
e de mínimas condições para uma vida integra.
Esses elementos integrava parte da realidade dos primeiros moradores da Vila da
Paz. Contudo essa realidade não fazia parte apenas desse período, ela perdurou por pouco
mais de vinte anos, com a tardia e vagarosa chegada do processo de urbanização. Assim
muitas famílias que ali ocuparam construíram suas casas em locais de risco, por se tratar de
um terreno que não era plano e próximo de encostas de morros, além da existência de um
extenso grotão a céu aberto que percorre toda a extensão do bairro.
A aquisição do espaço do bairro Vila da Paz por seus ocupantes, foi marcado pelas
inúmeras ameaças de despejo que prosseguiu até fevereiro de 1987. Os moradores puderam
contar com o apoio de uma importante figura nesse momento, a do advogado Acilino Ribeiro,
que exercia a função de secretário municipal do interior e assuntos especiais, no mandato do
então prefeito Wall Ferraz. Além também do auxilio dispensado por parte dos sindicatos,
associações de moradores principalmente a do bairro Três Andares bem como pela Federação
de Associações de Moradores e Conselhos Comunitário do Piauí FAMCC.
As famílias unidas procuraram se organizar para rechaçar-se contra um pedido de
despejo do terreno no ano de 1987, impetrado pelo o proprietário do terreno o juiz do trabalho
Cícero Ferraz, residente em Fortaleza. Assim os ocupantes que ali residiam uniram-se para
continuar naquele local, “Há vários meses a comunidade vem se mobilizando para que o
3 Trecho da fala da presidente da associação dos moradores do bairro Três Andares.
5
governo desaproprie a área. No ultimo dia 3 de dezembro houve uma passeata com mais de
500 pessoas para pressionar o juiz a rever a sua decisão” (O Dia, 13 de Fevereiro de 1987, p.
07)4.
Contudo os moradores não tiveram êxito com a mobilização, e o medo e receio de
serem expulsos daquela localidade tornou-se realidade quando a força policial chegou à Vila
da Paz, respaldos pela liminar de desapropriação da terra concedida pelo o então juiz Ozires
Neves. Os moradores decidiram rapidamente dividi-se no sentido de que uma parte ficou no
local resistindo, e a outra saiu em passeata quando tiveram conhecimento que o prefeito da
cidade, retornaria de uma viagem e desembarcaria no aeroporto de Teresina. Logo essa
mobilização tinha o objetivo de reivindicar a posse do terreno.
Nesse momento é válido destacar o relato de um desses moradores que resolveu
ficar e lutar pelo o direito a moradia.
“Houve um pedido de reintegração da posse, então quando a justiça autorizou a
reintegração da posse, ai houve uma luta muito forte do povo resistindo pra não
sair”. “Não, não foi violenta porque, como se diz a policia não veio com... A justiça,
os oficiais de justiça e um grande contingente de policial. Mas não houve assim
violência de espancarem ninguém não, por que nós... quando os oficiais de justiça,
eles vieram de maneira até educada, mandando que o pessoal saíssem das casas,
saíssem e tirassem os objetos das casas, ai eles tiravam as cadeiras, mesas e
botavam no meio da rua e desocupassem as casas. Mas nessas alturas um pessoal
se reuniram, teve algumas pessoas que orientou, que quando eles entrassem em uma
casa que tirassem os objetos cadeira mesa, botava na rua, ai eles iam pra outra
casa vizinha, o pessoal se reunia todinho e botava dentro das casas de novo. Ai o
pessoal começou a resistir. Ai começou a chegar aquelas entidades de base, como a
Famcc5 o Cepac, e tudo era entidade que organizava lutas, ai houve essa
resistência. Ai quando chegou um certo momento, que eles acharam o negócio
estava muito inflamado, eles pediram reforço, ai chegou muito reforço da policia
militar que chegou até a congestionar aquela área da rodoviária, que digamos
congestionar o trânsito. Mas o pessoal continuou resistindo”6.
A esse morador também foi perguntado se essa luta foi violenta, segundo o mesmo
essa não foi violenta, entretanto as noticias que foram propagadas no jornal O Dia (Jornal O
Dia de 13 de fevereiro de 1987, p.7), menciona que essa ação foi de cunho violento. Como é
explicitado na citação, e também em outro relato de uma outra morada.
“Ânimos exaltados, duas pessoas pressas e vários casos de desmaio foi o resultado
da ação das policias civil e militar na Vila da Paz, numa tentativa de executar a
4 Trecho da reportagem, que noticia o tumulto e a prisão na tentativa de despejo na Vila da Paz. 5 Federação de Associações de Moradores e Conselhos Comunitário, essa federação auxiliava na organização das
comissões que revindicavam melhorias para aquele lugar. Assim como também o Centro piauiense de ação
cultural 6 Passagem da entrevista concedida pelo Sr. Félix a Karina Viana, falando momento do despejo e sobre a ação
policial. No dia 09.08.16.
6
ordem de despejo das famílias que construíram a favela. A confusão começou por
volta das 9 horas, policiais armados, alguns deles de escopetas, tentou expulsar do
terreno as 800 famílias que hoje ocupam a área”. “De acordo com a líder da
comunidade, Maria do Carmo Silva, a violência poderia ter sido contida caso os
policiais não tivessem invadido as casas obrigando a retirada dos moradores. A
população resistiu a ação da policia sob as palavras de ordem como “O povo
Unido Jamais será Vencido”. 7
Eu achei violenta, porque se a gente dissesse alguma coisa eles batiam na gente,
porque eles chegaram derramando tudo que achavam pela frente, querendo
derrubar as casas, ai só porque os pessoal, quando eles entraram, quando eles
começaram agir desse jeito, os pessoal da associação estavam logo aqui, ai veio
esse homem que era vereador, não sei, eu sei que ele alguma coisa ai da política, ai
foram chamado muito canal de televisão também, ai minha fia tava igual o Rio de
Janeiro, pegando fogo. Ai eles não bateram no povo, mas foram muito truculento.
Tô te dizendo, meninozinho chorando, panelazinha no fogo na lenha. A gente ia
buscar água longe e eles ainda derramava, eles derramava os tambor da casa da
Kátia tudinho cheio d’água, minha fia o bicho era ignorante pra danar, e não era
pouco não era muito, muito, era de cavalo, de carro porque carro não entrava
muito, porque não tinha muita rua, mas era mutado nos cavalos, passava e metia o
pé assim.8
Transcorrido poucas horas da luta pela permanência naquela localidade, o prefeito
sob o efeito da pressão exercida pelo o grande número de manifestantes que foram recebê-lo,
mesmo afirmando que não negociava com invasores de terra, ele decretou a desapropriação da
terra em favor dos moradores (Jornal O Dia de 14 de fevereiro de 1987, p.7).
“O prefeito Wall Ferraz assinou ontem à tarde decreto de desapropriando a área
em que se formou a “Vila da Paz”, nas imediações da rodoviária de Teresina, e na
próxima segunda feira entra com uma petição na justiça requerendo a sustação da
liminar que concede a ação de despejo na favela. “A prefeitura envidará todos os
esforços no sentido de que aqueles que não tenham teto não sejam expulsos do local
em que se encontram”, garantiu Wall Ferraz, assegurando, ainda, que lutará até o
último instante para que o ato da justiça seja suspenso e as famílias necessitadas de
moradias não sejam despejadas”.9
Logo depois dos moradores conseguirem a posse da terra, eles foram em busca das
mínimas condições de vivência naquele lugar, que era o retrato da falta de infraestrutura, uma
vez que essa localidade foi fruto de nenhum planejamento. Por outro lado essa questão abre
espaço para outras discussões, como é o caso do processo de urbanização que se deu de
maneira tardia, onde nos é permitido também perceber as transformações ocasionadas por
esse elemento no espaço da cidade, nesse sentido o elemento da urbanização pode ser vista
como expressão das relações sociais, Isto na tentativa de resignificar esses espaços, uma vez
7 Noticia sobre a ordem do despejo das famílias, ressaltando o caráter violento da ação policia. 8 Passagem da entrevista concedida pela Sra. Maria da Cruz a Karina Viana, falando sobre a ação policial no
momento da desocupação da terra. 02.05.17. 9 Noticia sobre o decreto de desapropriação assinada pelo o prefeito Wall Ferraz.
7
que no caso do bairro Vila da Paz, o projeto de urbanização tem por objetivo melhorar a
região das grotas com o intuito de produzir um espaço adequado para o convivo social, pratica
de esportes configurando as relações sociais dentro de um determinado espaço da cidade.
Assim a questão da urbanização é bem discutida pelo filosofo e teórico Henri Lefebvre
(LIMONAD, 1999: 72).
Entre os pioneiros da articulação do tempo/espaço, em relação à urbanização,
temos Henri Lefebvre, para quem o espaço não se resumiria a um reflexo das
relações sociais de produção e a urbanização, por sua vez, enquanto processo de
disseminação do urbano, que ampliava-se e generalizava-se em escala mundial -
deveria ser entendida enquanto expressão das relações sociais ao mesmo tempo em
que incidiria sobre elas.
Dessa maneira para Lefebvre o significado dos termos urbano e urbanização
ultrapassa as barreiras das cidades. Visto que na sua interpretação a urbanização seria uma
reunião dos processos sociais e espaciais que possibilitaria ao capitalismo se firmar e
reproduzir suas relações principais de produção, com isso mantendo a sobrevivência do
capitalismo, uma vez que estaria solidificada no surgimento de um espaço social grande
configurado de maneira instrumental e mistificado (LEFEBVRE, 1991).
É valido lembrar que a partir do momento que se é valorizado determinado espaço
da cidade, seja por investimentos urbanísticos, o capitalismo aflora com a valorização dos
imóveis localizados naquela área, no caso do bairro Vila da Paz, por já se trata de uma região
caracterizada como o cartão postal de quem chega na cidade e desembarca na rodoviária de
Teresina, a de convir que além de procurar proporcionar um melhoramento na região, também
há interesses financeiros, pois uma parte desse projeto prevê a retirada de inúmeras famílias
que ali chegaram desde da fundação do bairro, para dar lugar a construção de prédios
habitacionais e comerciais, incentivando a especulação imobiliária.
Já no que concerne ao quesito cidade, é importante referenciar a autora que dará
suporte para tal discussão. Sendo está Célia Rocha Calvo, onde a mesma entende a cidade
como exemplo de um campo conflituoso, no qual as diversas memórias e histórias são
exemplificadas como atos de apropriação, de pertencimento social de muitos e variados
sujeitos históricos.
A autora acrescenta que a cidade pode ser compreendida nas diferentes memórias
que indica a sua materialidade de acordo com a ordenação espacial nos viveres urbanos,
caracterizando os processos que delimita sua paisagem social, assim como nos atos de
intervenção técnica e política dos projetos dominantes, bem como naqueles que se entrelaçam
8
e se conflitam nas relações vividas. Complementa que as cidades transformaram-se lugares
predominantes da vida social, bem como das contradições próprias a esse processo de
transformação. Ainda segundo a autora essa diz que a arquitetura das cidades passou a ter um
ligação direta com o capitalismo industrial.
Dessa forma é imprescindível atentar para as transformações pelas quais a cidade
passar, levando em conta os processos de mudança e ordenação dos espaços além da
revitalização dos já existentes, visto que esse processo influencia diretamente o modo de viver
dos agentes sociais (Fenelon, 1999).
(...) Se compreendemos a cidade como o lugar onde as transformações instituem-se
ao longo do tempo histórico com características marcantes, queremos lidar com
estas problemáticas como a história de constantes diálogos entre os vários
segmentos sociais, para fazer surgir das múltiplas contradições estabelecidas no
urbano, tanto o cotidiano, a experiência social, como a luta cultural para
configurar valores, hábitos, atitudes, comportamentos e crenças. Com isto,
reafirmamos a ideia de que a cidade, nunca deve surgir apenas como um conceito
urbanístico ou político, mas sempre encarada como lugar da pluralidade e da
diferença, e por isto representa e constitui muito mais que o simples espaço de
manipulação do poder. E ainda mais importante é valorizar a memória, que não
esta apenas nas lembranças das pessoas, mas tanto quanto no resultado e nas
marcas que a história deixou ao longo do tempo em seus monumentos, ruas e
avenidas ou nos seus espaços de convivência ou no que resta dos planos e políticas
oficiais sempre justificadas como o necessário caminho do progresso e da
modernidade.10
É nesse sentido que procurou representar as vivencias desses “sujeitos urbanos” na
tentativa de experienciar suas memórias e lembranças sobre a constituição do bairro. Logo
essa pratica de evidenciar as memórias e lembranças são viabilizadas pelo signo da história
oral.
Partindo desse pressuposto trabalhar com história oral ainda persiste uma
resistência, pois segundo Alessandro Portelli, com o grande espaço ganho pela oralidade e
pela escrita juntamente com a racionalidade, essas seriam varridas como uma massa
espontânea. Assim Portelli em seus escritos sobre Uma História Oral Diferente, menciona que
o ritmo dos discursos populares são cheios de significados sociais irreproduzíveis na escrita,
sendo por isso que a pesquisa lança mão da história oral para apresentar as memórias dos
moradores sobre a constituição do bairro, tendo como referencia a urbanização o modo de
viver a cultura e a tradição. Assim Portelli reforça essa ideia na citação a seguir. (PORTELLI,
1997: 29).
10 Apud: SOBRE CIDADES, CULTURAS, MEMÓRIAS E HISTÓRIAS Célia Rocha Calvo. Anais Eletrônicos
– VI encontro estadual de história – ANPUH/BA 2013, ISSN 2175-4772.
9
Isto é mais verdadeiro quando informantes do povo estão envolvidos: eles podem
ser pobres em vocabulário, mas sempre mais ricos em variações de matizes, volume
e entonação que os oradores da classe média os quais aprendem a imitar no
discurso a monotonia da escrita.
Certamente um entrevistado tem a possibilidade de relatar em poucas palavras
momentos e situações que durou um longo período de tempo bem como falar minuciosamente
sobre breves episódios. Com efeito, Alessandro ressalta a primeira coisa que faz a história
oral diferente, sendo esta a que conta menos sobre o evento que sobre o significado, uma vez
que isso não impeça que a história oral tenha sua validade factual, assim ele fala que;
(PORTELLI, 1997: 29).
(...) entrevistas sempre revelam eventos desconhecidos ou aspectos desconhecidos
de eventos conhecidos: elas sempre lançam nova luz sobre áreas inexploradas da
vida diária das classes não hegemônicas. Deste ponto de vista, o único problema
colocado pelas fontes orais é aquela da verificação.
Além disso, Alessandro assinala que esse tipo de fonte possui um elemento único e
preciso sem igual medida sobre o historiador, sendo este a subjetividade de quem a expõe,
haja vista que é o historiador que resolve lançar luz para o que de fato diz respeito ao seu
objeto de estudo. Paralelamente ele menciona que as fontes orais são aceitas com uma
credibilidade diferente, isto porque o valor do testemunho oral pode fixar não ao fato, mas sim
ao afastamento dele, ancorados na imaginação no simbolismo e com o desejo de emergir.
Inclusive o autor chama atenção para o fato de um sub-porduto do preconceito é a
insistência de que as fontes orais se manterem distantes dos eventos e por isso sujeita-se a
distorção da memória imperfeita. Dessa maneira Portelli nos diz que apesar do controle do
discurso histórico continuar nas mãos do historiador, é ele quem seleciona as pessoas que
serão entrevistadas para contribuir com a moldagem do testemunho colocando as questões e
reagindo as respostas, formando o contexto final do testemunho.
É quase impossível pensar a história oral sem o elemento da memória, uma vez que
na prática de experienciar os testemunhos dos indivíduos, o historiador tentar de toda maneira
instigar a memória do seu entrevistado, na tentativa de satisfazer seus questionamentos e
indagações. Assim é dentro dessa perspectiva que se perceber o quanto história oral e
memória andam juntas e se completa uma a outra.
Assim segundo os estudos de Alistair Thomson o elemento memória sofreu duras
criticas pelos os historiadores tradicionais, onde esses afirmavam que a memória não é de toda
10
confiável como fonte histórica pelo o fato dessa ser deturpada pela deterioração física e pela
nostalgia que é comum da idade avançada, bem como pelas direções pessoais tanto por parte
do entrevistador como do entrevistado, além da influencia das versões coletivas e
retrospectiva do passado.
Logo os primeiros autores dos manuais de história oral citado por Thomson
desenvolveram maneiras para avaliar a confiabilidade da memória oral, assim esse método
objetivava como determinar as tendências e as fantasias da memória, além da importância da
retrospecção e a influencia do entrevistador no processo de instigar as lembranças, com isso
surgiu um novo critério para analisar as reminiscências e como mesclá-la a outras fontes para
de fato saber o que ocorreu no passado.
Entretanto nessa tentativa de eliminar as tendências e fantasias alguns profissionais
esqueceram as razões pelas quais as pessoas produzem suas memórias, além de não visualizar
como o processo de aparecimento das lembranças possibilitaria a exploração da subjetividade
das experiências vividas e da essência da memória individual e coletiva. Além disso,
Thomson nos diz que ao compormos nossas reminiscências damos sentido a nossa vida
passada e presente.
Ademais ele salienta também que ao lançamos mão dos relatos coletivos para narrar
e relembrar as experiências, não apagam as mesmas que não fazem sentido para a
coletividade, entretanto essas experiências podem permanecer na memória e se manifestarem
em outros momentos ou lugares, amparados por relatos alternativos. Dessa forma Alistair
Thomson menciona que a memória se dar em torno da relação do passado-presente
(THOMSON, 1997: 57).
A memória “gira em torno da relação passado-presente, e envolve um processo
continuo de reconstrução e transformação das experiências relembradas”, em
função das mudanças nos relatos públicos sobre o passado. Que memórias
escolhemos para recordar e refazer( e portanto relembrar), é como damos sentido a
elas são elas são coisas que mudam com o passar do tempo.
Dito isso é considerável frisar a relação entre cultura e tradição, logo a ideia de
cultura nos remete a ideia abordada por E. P. Thompson em seu livro Costumes em Comum,
onde ele nos diz que cultura é parte de um conjunto de diferentes recursos, tendo este sempre
uma troca entre o escrito e oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole, além de
ser uma arena de elementos conflituosos.
11
Ainda segundo Thompson, o costume e a cultura só poderão ser assimilados se
forem contextualizados tendo como pressuposto as transformações históricas e sendo
analisado empiricamente num determinado recorte temporal e espacial. Logo essas relações
eram conflitantes como já foi mencionado, mas para tanto ele as demonstrar ao longo do livro
evidenciando as apropriações que os britânicos tinham sobre direito, costume e lei.
Além disso, Thompson compreende e apresenta o elemento cultura para além das
análises marxistas ortodoxas que apenas a toma como uma simples fragmentação das relações
base/estrutura. Ele a entende como item dinâmico, produzido e em construção pela inter-
relação dos fatores sociais, políticos e econômico, logo isso fica evidente com a proposta de
pesquisa, uma vez que este busca os fatores sociais para experienciar o signo cultura dessa
parte da cidade.
Sobretudo porque segundo Dea Fenelon o termo cultura para o desenvolvimento de
pesquisas históricas não é recomendado abordá-la no sentido singular, mas no sentido plural,
ainda mais porque está não é de um campo exclusivo de uma só disciplina, mas sim de varias
áreas do conhecimento. Ademais porque esta também menciona que essa foi uma temática
que circulou no debate das propostas de identificar os elementos da cultura popular apenas
durante a década de 60 e 70, almejando forjar a cultura brasileira.
Dessa maneira ainda segundo Dea o meio acadêmico tentou definir a história da
cultura popular, com a prática de descrever e analisar os gostos e costumes da população de
maneira geral, configurando assim a cultura da maioria em detrimento a cultura organizada,
imaginada e transmitida pela elite.
Logo não tem como abordar o elemento da tradição e não atentar para os escritos
do historiador Eric Hobsbawm11 que afirma que as tradições foram inventadas por elites
nacionais para justificar a existência e importância de suas respectivas nações, assim como
segundo Pierre Nora, onde esse trabalha com a ideia de que existem muitos “lugares de
memória” que foram produzidos com sentido de serem preservados e transmitidos como parte
complementar das identidades históricas. Entretanto por vezes as identidades históricas
produzidas pelo signo da tradição é desfeita quando a concepção de novo é adotada para
legitimar o discurso da modernidade e principalmente da urbanização.
11 Ver Eric Hobsbawm e Ranger, Terence. A Invenção das Tradições. – Tradução de Celina Cavalcante – Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1997.
12
Portanto é desse modo, buscando suporte nos referenciais elencados até aqui, que se
buscou evidenciar a constituição histórica dessa parte da cidade ancorada nos relatos orais
para apresentar como os sujeitos urbanos visualizam e interpretam a constituição do lugar que
os cerca e compõe as transformações por qual a cidade passar constantemente.
Referências
CALVO, Célia Rocha. Sobre Cidades, Culturas, Memórias e Histórias. Anais Eletrônicos –
VI encontro estadual de história – ANPUH/BA 2013, ISSN 2175-4772.
FENELON, Dea Ribeiro. Cultura e História Social: Historiografia e Pesquisa. Proj. História,
São Paulo, (10), dez.1993.
HOBSBAWM, Eric e TERENCE, Ranger. A Invenção das Tradições. – Tradução de Celina
Cavalcante – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
LIMONAD, Ester. Reflexões Sobre o Espaço, o Urbano e a Urbanização. Rio de Janeiro.
GEOgraphia – Ano 1 – No 1 – 1999.
PACHECO, Agenor Sarraf. Portos de Memórias: Cotidiano, Trabalho e História no Marajó
das Florestas. Revista Movendo Ideias ISSN: 1517-199x Vol. 15, Nº 1 - janeiro a junho de
2010.
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Tradução: Maria Therezinha
Janine Ribeiro. Revisão técnica: Dea Ribeiro Fenelon. Proj. História, São Paulo, (14),
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THOMSON, Alistair. Recompondo a Memória: Questões sobre a relação entre a História Oral
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THOMPSON, E.P. Costumes em comum – Estudos sobre cultura popular tradicional. São
Paulo: Companhia das letras, 1998.
VELLOSO, Monica. Cidades... tempo, Rio de Janeiro. Vol. 5 nº 9, 2000, pp.185-189.
Entrevistas
Entrevista concedida por FÉLIX, [Setembro. 2016]. Entrevistador Karina Viana da Silva.
Teresina, 2016. 1 arquivo. 3gpp (18 min. 6 s.).
13
Entrevista concedida por Cruz, Maria. [Maio. 2017]. Entrevistador Karina Viana da Silva.
Teresina, 2017. 1 arquivo. 3gpp (13 min. 01 s.).
Jornal
Jornal O Dia, 21 de Janeiro de 1987. p, 09.
Jornal O Dia, 13 de Fevereiro de 1987, p. 07.
Jornal O Dia de 14 de fevereiro de 1987, p.7.