violência, mídia e o exercício da cidadania
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O presente artigo tem como objetivo analisar as relações entre mídia e a banalização da violência urbana, de um ponto de vista que enfoque o exercício da cidadania. Serão analisados os efeitos da exposição massiva da violência no indivíduo e será proposta uma reflexão de quais as alternativas possíveis dentro de uma realidade de novas mídias.TRANSCRIPT
RENATA DE SOUZA PRADO
VIOLÊNCIA, MÍDIA E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS2011
RENATA DE SOUZA PRADO
VIOLÊNCIA, MÍDIA E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA
Artigo científico produzido para a disciplina de Mídia e Cidadania, sob orientação do Prof. Luís Signates.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS2011
VIOLÊNCIA, MÍDIA E O EXERCÍCIO DA CIDADANIA.
Renata de Souza Prado
ResumoO presente artigo tem como objetivo analisar as relações entre mídia e a banalização da violência urbana, de um ponto de vista que enfoque o exercício da cidadania. Serão analisados os efeitos da exposição massiva da violência no indivíduo e será proposta uma reflexão de quais as alternativas possíveis dentro de uma realidade de novas mídias.
Palavras-chaveMass media, violência urbana, medo social, cidadania.
Introdução
Vivemos numa realidade em que a violência urbana se tornou um dos
principais recheios da mídia, se não o principal. A forma como se percebe essa
relação é muito importante, já que a mídia é considerada uma ferramenta muito
poderosa na relação entre o Estado e o indivíduo. A mídia se torna então um
instrumento para o exercício da cidadania.
Ao observar então o conteúdo começamos a perceber os vários problemas
dessa relação, uma vez que o discurso da mídia torna-se tendencioso e que a
exposição de imagens e falas assume uma postura de espetacularização,
transformando a violência urbana numa sucessão de fatos que corresponde ao
oposto do ideal de cidadania.
E esse cenário abrange uma série de modificações tanto no sentido
individual, da percepção do sujeito sobre o fenômeno da violência urbana, quanto no
sentido das relações sociais, quando todo cenário e paisagem urbanos se modificam
em virtude dessa realidade.
O presente artigo discute essa questão de como a relação muito próxima da
violência urbana espetacularizada pela mídia com a percepção real de violência do
cidadão interfere diretamente no exercício da cidadania, fazendo com que fiquemos
estacionados em várias questões dos direitos humanos e do aperfeiçoamento da
democracia.
De maneira geral o artigo também discute como essa relação se dá num
panorama contemporâneo, em que as mídias de massa passam a coexistir com a
internet e as novas mídias criando um espaço colaborativo para o cidadão, que
depende numa escala muito maior do seu próprio engajamento. Nesse novo cenário
residiriam novas esperanças no caminho do debate para uma sociedade mais
cidadã.
1. A mídia e a violência urbana
Conceitualmente, a mídia é uma espécie de ponte entre a sociedade e a
realidade. Ela atua de forma a recortar um determinado evento imbuindo-o de
significação e alterando a percepção de um indivíduo quanto a esse determinado
recorte, conforme aponta Sodré (2006). Consequentemente, a visão deste indivíduo
quanto a vários fatos e situações cria formas diversas de interação desse sujeito
enquanto ser social com outros indivíduos.
Daí percebe-se a importância da mídia como elemento influenciador e
constitutivo de identidade, processo este que está diretamente ligado à formação de
culturas e também ao processo da cidadania, considerando a definição moderna do
sociólogo T. A. Marshall (apud CARVALHO, 2002).
Nessa perspectiva a mídia pode ser concebida como um espaço de
discussão, ou o que Habermas (2003) chama de esfera pública, que é o espaço de
relação dos cidadãos com o Estado, integrando a formação e o desenvolvimento das
sociedades modernas.
No Brasil, é fato que a renda é absurdamente mal distribuída, e a
assistência do governo é falha. Diz o antropólogo Darcy Ribeiro (1996, p. 219) que
“a distância social mais espantosa do Brasil é a que separa e opõe os pobres dos
ricos. A ela se soma, porém, a discriminação que pesa sobre negros, mulatos e
índios, sobretudo os primeiros.”. A pobreza e a discriminação geram segregação –
em favelas principalmente nos grandes centros urbanos -, e esta gera violência.
“As autoridades policiais e os jornalistas costumam afirmar que nos bairros pobres da periferia é onde a violência é mais crua e deflagrada. Isto não quer dizer que os pobres são, naturalmente, mais violentos. Quer isto significar que o grau de impotência que lhes foi imposto acua-os de tal forma que, em certos momentos, só os atos de violência se apresentam para eles como alternativa de liberação e sobrevivência.” (MORAIS, 1981, p. 33)
Com uma relação muito coesa com o telespectador, a TV personifica a
imaginação e também estabelece uma relação entre os acontecimentos globais, que
acontecem fora da sala de estar e a existência individual de cada telespectador.
É de uma análise da TV, de imagem e discurso, que surge a relação entre
os fatos e a realidade, e que se pode realmente iniciar um julgamento de valor.
Usualmente, a televisão leva a responsabilidade por vários desvios sociais. Aqui a
citam como incentivadora da violência, dos maus costumes, libidinagem e outras
perversidades. Mas há fatores importantes a serem considerados antes de
atribuir à TV a responsabilidade. Não há como negar um envolvimento sedutor
de homem e imagens, e toda a persuasão que cerca a linguagem televisiva, mas
em termos de sociedade, “todos os meios de comunicação antes confirmam do
que alteram as opiniões gerais e refletem as normas sociais. Em ambos os casos
atuam como força conservadora”. (GOODLAD [19-?] apud MARCONDES, 1988,
p.28).
A psicanalista Maria Rita Kehl (2002, p. 171) afirma ainda que a relação do
indivíduo com o meio “quase que independentemente dos conteúdos desse
discurso (da TV) – é uma relação imaginária, que se rege prioritariamente pela
lógica da realização de desejos. Portanto, prescinde do pensamento”. Houve
épocas no estudo das teorias da comunicação quando se considerou a audiência
passiva e receptiva de tudo, como quando segundo a Teoria Hipodérmica os
meios são vistos como onipotentes, causa única e suficiente dos efeitos
verificados.
Telespectadores são diferentes não apenas quanto a dados básicos como os
supracitados, mas também quanto a vivência, hábitos e caráter psicológico.
Pesquisas realizadas por Nathan Katzman (MARCONDES, 1988, p. 82) mostram
que quanto menor a renda e o nível educacional da população, mais estas
assistem à televisão.
O que, então, faz com que a mídia esteja no meio de tanta discussão e
polêmica sobre manipulação ideológica? Algo simples de enxergar, é que
qualquer informação ou notícia repassada precisa de credibilidade. A televisão é
apenas um instrumento, muitas vezes controlado por grupos capitalistas
poderosos, e que em muitos países estão ligados ao próprio governo. “Culpar a
TV é localizar erroneamente o verdadeiro inimigo”. (MARCONDES, 1988, p. 8)
Alguns recursos retóricos empregados no jornalismo, como imparcialidade e
distanciamento, e na publicidade, como uso de silogismos (CITELLI, 2000, p.43),
acabam trabalhando na mente humana uma intrincada forma de persuasão,
aditivada com jogos de elementos emocionais e figuras de heróis e bandidos
(Ibid., p. 64-66) capazes de definir formas de pensamento e transmitir ideologias
ao telespectador.
A relação da mídia com a violência torna-se fatídica na medida em que
aquela vive da transmissão de informações, e que esta é talvez um dos aspectos
sociais mais recorrentes da modernidade capitalista. Especificamente no caso da
televisão, somam-se a força das imagens, naturais ou enganosas, e a própria
disseminação de dados sobre a violência, que causa medo na população. Diz
Yves Michaud que:
“A mídia precisa de acontecimentos e vive do sensacional. A violência, com a carga de ruptura que ela veicula, é por princípio um alimento privilegiado para a mídia, com vantagem para as violências espetaculares, sangrentas ou atrozes sobre as violências comuns, banais e instaladas.” (1989, p.49)
Aqui, como foi citado anteriormente, tem lugar ainda a generalização da
informação, quando se comprova que muitas das pessoas que têm medo da
violência nem sequer foram vítima dela, mas ouviram alguém contar um caso,
ou viram na TV. Em cidades pacatas e pequenas do interior temem com a
mesma intensidade os males da cidade grande. Mas ao mesmo tempo, essa
sensação de que tudo se sabe sobre os acontecimentos com relação à
violência, pode mais aproximá-la do sensacionalismo do que da verdade. Isso é
extremamente comum com o exagero das estatísticas, as manipulações de uso
político que causam mais mal estar do que a realidade permite.
“A fala do crime, tanto pelas pessoas como pela divulgação na mídia tende a ampliar a sensação e os sentimentos de medo e insegurança nos grandes centros urbanos. Trata-se de uma fala fragmentada, que amplia o medo e não potencializa formas de solucionar a violência.” (BAIERL, 2004, p.61)
Um fato cada vez menos recorrente é a questão do tratamento das imagens
da violência, causando ainda mais sensacionalismo. Antes havia uma
preocupação de abrandar imagens, ou como diz Michaud (1989, p. 51), “mostrar
a violência com celofane”. Na TV, onde o impacto é maior, há ainda alguma
preocupação, mas no geral o que ocorre é a tendência em mostrar a realidade
exatamente como ela é, com o objetivo de chocar mais e talvez causar mais
medo, ocorrendo isso principalmente em fotos de revistas.
Além disso, no caso da violência, há sempre a preocupação de atribuir
culpados, como afirma Sérgio Adorno (2002, p. 184):
“Outro tema freqüente é o das causas da criminalidade. Jornalistas, autoridades e público são estimulados a refletir e a expressar opiniões a respeito das causas da criminalidade. Essas opiniões têm, na verdade, uma grande variabilidade. Mas em linhas gerais, podemos dizer que, em períodos de grande crise social, há o que se denomina sociologização das causas, isto é, a crise econômica – falta de emprego, más condições de vida – explicaria a criminalidade. Quando a crise fica mais ou menos contida, a tendência é psicologizar as causas da criminalidade.”
Essa construção estética de uma violência espetacularizada pela mídia,
distante da representação real interfere diretamente na forma como os valores da
sociedade e o exercício da cidadania são moldados. O resultado mais desastroso
dessa relação é o desvio de atenção da real demanda: foca-se na finalidade, no
julgamento e tem-se uma descompensação estrutural: na educação, nas
desigualdades, enfim, desloca-se o argumento da discussão na esfera pública.
Para Arendt (2001, p. 44) “a agressão que emerge a partir dos atos violentos
sinaliza a necessidade de um mundo que promova a eqüidade de condições, o que
implica em relações de poder”. A relação entre poder e violência não é de
similaridade, mas de oposição, uma vez que onde um domina absolutamente, o
outro está ausente. (...) Isto implica ser incorreto pensar o oposto da violência como
a não-violência; falar de um poder não-violento é de fato redundante.
Dessa forma temos uma sociedade sem espaço para discussão da violência
urbana: a discussão cede lugar ao medo, que transforma a sociedade e o exercício
de cidadania numa forma inversa. De uma forma velada cria-se um cenário de não-
cidadania, que Nildo Viana (2003) enxerga como ditatorial. A luta aqui passa a ser
com o Estado, de cunho político, para a reversão de uma opinião pública distorcida.
2. O medo social e o cerceamento da liberdade
O crescimento da violência urbana delineia dia após dia a forma como
indivíduos interagem em sociedade. A mídia tem papel fundamental nessa relação
uma vez que serve como diretriz informacional para o cidadão. Justamente por isso,
é uma questão que merece ser avaliada de um ponto de vista científico, e não a
partir apenas de senso comum e jogo de poderes políticos e/ou corporativos.
Estudar e compreender o medo como ferramenta de dominação em
contrapartida ao debate é entender como ele se transforma em ferramenta de poder,
como ele dita comportamentos individuais e como estes se manifestam em grupos,
no que a autora Luzia Fátima Baierl chama de “medo social” (2004, p. 20), e está
intrinsecamente ligado à violência urbana:
“A violência urbana tem ampliado o que denominamos medo social. Medo esse construído socialmente e que afeta a coletividade. Trata-se do medo utilizado como instrumento de coerção por determinados grupos que submetem pessoas aos interesses deles [...] Ameaças reais, vindas de sujeitos reais, são contrapostas a ameaças potenciais típicas do imaginário singular coletivo, produzido pelos índices perversos do crescimento da violência nas cidades. [...] Os sentimentos generalizados são de insegurança, ameaça, raiva, ódio, medo e desesperança”.
A existência de uma mídia tendenciosa contribui para amplificar esse quadro
de insegurança, e vai na contramão da proposta de um broadcasting inteligente, e
cidadão. Sem reflexão, a sociedade está entregue à cegueira no que tange ao
medo, conforme realça Michel Isasa (2006):
“Nossa cultura não só não nos preparou para enfrentar o medo, mas também nos ensinou a ter medo dele, e, por isso, reagimos mal. Por um processo cultural diferente, nós encararíamos o medo de uma forma diferente e teríamos reações naturais. Essas reações naturais trabalham a favor do instinto de sobrevivência, tanto do corpo quanto da mente, como também da psique humana”.
Com novos recursos tecnológicos e liberdade cada vez mais cerceada, esse
cenário torna-se ideal para políticas de censura, controle e alienação por parte de
grupos, sejam ligados ao poder público, e que muitas vezes tem influência sobre os
veículos de comunicação; sejam grupos corporativos, que de alguma forma lucram
com esse cenário de insegurança.
Dentro desse recorte, a reflexão e análise da forma como a notícia é levada
ao público é essencial para garantir o seu próprio bem estar, pra que ele saiba dos
fatos de forma responsável, crítica e de forma que não seja privado de sua
liberdade, principalmente.
O medo nas cidades é quase sempre fruto da violência urbana. A mais
abrangente definição de violência vem do autor Yves Michaud (1989, p.10-11):
“Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física,
seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais”.
Esses fatores geram mudança estrutural também nas cidades, nas formas de
relação humana. Novas formas de sociabilidade são criadas, gerando
conseqüências como o isolamento, e várias outras modificações no comportamento
de indivíduos, comunidades e outros grupos. A agressividade neste caso está
diretamente ligada ao grau de segregação, marginalização e privação dos
indivíduos, situações traduzidas em pobrezas, carências, convívio familiar arruinado
e outros fatores desagregadores. Essa ligação de violência a medo cria também
ações discriminatórias ineficientes no combate à violência nas grandes cidades,
como a segregação de determinados grupos:
“A estrutura arquitetônica da cidade é alterada. As pessoas constroem prisões para proteção e defesa da vida e de seu patrimônio. Criam-se desde os mais simples até os mais sofisticados sistemas de segurança e de proteção de patrimônios e da própria vida: desde altas tecnologias, blindados, sensores eletrônicos, câmeras escondidas que vigiam espaços, até o conjunto de seguros de casa, carro e de vida. A população mais empobrecida, moradora dos bairros periféricos e das favelas, para proteger-se e defender-se, dá carta branca aos grupos organizados e quadrilhas vinculadas ao mundo da contravenção e ao tráfico de drogas em troca de segurança e proteção”. (BAIERL, 2004, p. 62)
3. Novos caminhos para a relação entre cidadania e mídia
Visto esse cenário, percebemos que o indivíduo enquanto ser colaborador do
bem estar geral da sociedade fica um tanto quanto sem poder de ação, uma vez que
na sua relação com a mídia de massa ele não está totalmente inserido no processo
de forma colaborativa.
A informação vem da TV pré-moldada de forma a reforçar (ou em alguns
casos mudar) uma opinião pública pré-existente, de acordo com interesses de
terceiros. Com o surgimento de novas tecnologias, do ambiente da internet e da
grande adesão dos indivíduos às redes sociais, passamos a ter um novo paradigma
comunicacional.
O teórico da comunicação Marshall McLuhan talvez seja o que melhor explica
essas mudanças do ponto de vista da importância que os meios adquirem. Na nova
era da comunicação, entender os meios significa entender a mensagem, de acordo
com a célebre sentença do pensador.
Segundo as dimensões analisadas por André Lemos (2002) pode-se
considerar o ciberespaço como indexador dos mais variados tipos de meios, que
cada vez mais estão inseridos numa situação de interdependência entre si. Daí
vemos também a relação de interdependência de um meio com relação a outro.
Nenhum meio existe por si só, por exemplo: o cinema sempre se apropria da
literatura, da TV ou mesmo de uma história falada. Nos dias atuais percebemos isso
também na própria internet: os tópicos populares do twitter quase sempre tem uma
relação muito direta com os tópicos de audiência da mídia televisiva por exemplo,
como mostrou uma pesquisa recente do IBOPE.
“A principio, o “conteúdo” de qualquer meio ou veículo é sempre um outro meio ou veículo. Por sua vez, a “mensagem” de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala, cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas”. (McLUHAN, 1974, p. 22)
É importante perceber neste contexto que segundo o pensamento de
McLuhan, a evolução da tecnologia em cada uma de suas etapas provoca
mudanças estruturais na sociedade. Isso acontece meio que ao acaso já que o
surgimento de uma tecnologia não ocorre por uma tentativa isolada do
desenvolvimento técnico em si, e sim de uma tentativa de transformar, reproduzir e
documentar as experiências do homem (MCLUHAN, 1974, cap. 6).
Assim, o sentido natural e que é uma realidade percebida é de que a
correlação das novas tecnologias com a mídia de massa nada mais é do que uma
amplificação da mensagem através de um novo meio e o reforço de uma ideologia
pré-existente. De fato, se analisarmos as redes sociais veremos essa extensão da
opinião pública provocada pela mídia de massa. Até aí nenhum avanço.
Mas e se pudermos pensar num cenário diferente e mais positivo para as
questões da violência e da cidadania? Afinal na internet temos um elemento novo
que não tínhamos na mídia de massa que é o seu caráter colaborativo. Essa
característica dá vazão a um outro conceito desenvolvido por McLuhan, que é o da
aldeia global, e que pode ser útil para compreendermos esse novo cenário que
poderá ser criado.
Este espaço da aldeia global nada mais seria que um espaço de
convergência, em que toda a evolução tecnológica estivesse caminhando no sentido
de formar uma aldeia, em que em qualquer instância seja possível a comunicação
direta, sem barreiras.
Mais importante que o que se diz é como se diz: o meio é fundamental na
intercomunicação e muitas vezes depende só dele o sucesso do processo
comunicacional no sentido de estabelecer comunicações globalizadas. Quando
analisamos os conflitos de países distantes, e acompanhamos em tempo real as
notícias que em outrora demorariam muito mais para chegar até nós, percebemos a
evolução da tecnologia no sentido de formar a aldeia global.
McLuhan chamou esse processo de implosão, que é o resultado das
tecnologias fragmentárias e mecânicas. Segundo McLuhan, citado por Gomes
(1997, p. 115):
“Durante as idades mecânicas projetamos nossos corpos no espaço. Hoje, depois de mais de um século de tecnologia elétrica, projetamos nosso próprio sistema nervoso central num abraço global, abolindo tempo e espaço(...). Estamos nos aproximando rapidamente da fase final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciência, pela qual o processo criativo do conhecimento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a sociedade humana, tal como já se fez com nossos sentidos e nossos nervos através dos diversos veículos”.
Nesse sentido, a aldeia global é colaborativa e podemos perceber dois lados
da mesma moeda nesse cenário. De um lado temos a cooperação, o
comportamento tribal no sentido de manutenção da ordem: talvez a utopia criticada
na aldeia global de McLuhan tenha algum sentido – a união em favor da melhoria. O
compartihamento e o engajamento que hoje são princípios por exemplo das redes
sociais, servem para um bem maior: mesmo com um sistema judiciário falho para as
questões do ciberespaço, nunca tivemos cidadãos tão engajados e vigilantes. Esse
é um avanço considerável para a cidadania.
Partindo daí poderíamos imaginar um sentido inverso do discutido
anteriormente: uma forma de comunicação que surge na internet para então depois
chegar à mídia de massa. Qual seria a grande questão nessa inversão de sentido?
O que tem sido percebido nos movimentos que seguem esse caminho contrário é
que na maioria das vezes são uma reivindicação popular. Ou seja, na internet o
povo tem voz ativa, num grau bem maior do que na mídia de massa.
Isso se torna de grande valia para as questões dos direitos, da democracia e
da cidadania. Mas ainda existem questões a serem consideradas no uso das novas
tecnologias principalmente quando o foco está na violência urbana. Existe uma
discussão generalizada a respeito de variáveis como superexposição, por exemplo.
Os cidadãos tem mais liberdade para usar a internet e as redes sociais, mas o
excesso de exposição (e também o anonimato que a internet ainda permite) não
estará comprometendo o exercício da cidadania e o direito do indivíduo à
segurança?
É um pensamento quando se trata por exemplo das redes sociais de
geolocalização. Na Inglaterra foi constatada a relação direta entre a exposição de
indivíduos em redes sociais do tipo e a freqüência de crimes como assaltos e
seqüestros em alguns locais, como portas de bancos, por exemplo. Mas nesse caso,
o próprio ambiente da internet propiciou o exercício da cidadania: foi criado um
aplicativo (http://www.fearsquare.com) que alerta as pessoas dos índices de
criminalidade dos locais em que elas costumam fazer check-in.
No Brasil alguns comunicadores já começaram a fazer essa reflexão, mas
qual será a correlação exata em nosso país, uma vez que o brasileiro está cada vez
mais conectado nas redes sociais, e cada vez se expõe mais? Neste caso é
necessário confrontar os fatos reais, inexistentes, com a opinião pública que parece
já estar se formando, de uma forma ou de outra.
Conclusão
A evolução do conceito de democracia e cidadania desde a Grécia Antiga até
os dias atuais envolveu sempre a participação de sujeitos que devido a fatos
históricos passaram a ser inseridos dentro dessa relação do indivíduo com o Estado.
A manutenção e o aperfeiçoamento de um ambiente democrático dependem em
larga escala de espaços de debates entre grupos de interesse e Estado, e a mídia
se consolida como um desses espaços.
O surgimento de novas gerações de direitos amplia o debate e torna cada vez
mais necessário o surgimento de canais de discussão democratizados, em que não
haja interferência direta do Estado ou de grupos de interesses capitalistas.
Dentro de uma perspectiva de violência urbana, caminhamos numa realidade
que parece contraditória: discutimos e pregamos uma cultura da paz enquanto a
realidade de nossos noticiários é completamente diferente. O debate dá lugar à
negação, a uma cultura de medo social que transforma o espaço urbano e a relação
social de um indivíduo com outro. Esse cenário prejudica o exercício da cidadania,
segrega grupos e por si só, gera mais instabilidade e violência.
O surgimento de novas formas de mídia e a adaptação do indivíduo e das
mídias de massa a essa nova realidade talvez nos façam sentir um pouco mais de
esperança, no sentido de que agora estamos num estágio de colaboração e
produção de conteúdo independente muito mais relevante e expressiva. O sentido
antes unidirecional, da informação que sai da mídia de massa e repercute em outros
meios passa a ser bidirecional, em que a informação e o debate surgem nessa nova
esfera e a partir daí tomam espaço na mídia de massa.
Essa mudança de perspectiva dá um fôlego novo à discussão acerca de
direitos humanos e democracia e já é visível: vemos discussões sociais e até
grandes mudanças políticas que surgiram numa instância cidadã, livres das
interferências ideológicas a que estão sujeitos os mass media.
Talvez essa mudança seja o ponto de partida para uma reforma estrutural, na
educação e no processo da evolução da cidadania, para que tenhamos uma nova
realidade no que diz respeito à violência urbana e na sua relação com a mídia.
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