volume:1 edição especial número:2 - ufrgs
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ISSN: 2316-3992
VOLUME:1 EDIÇÃO ESPECIALNÚMERO:2
Centro Universitário da Grande Dourados
COMUNICAÇÃO & MERCADO
Revista Internacional de Ciências Sociais Aplicadas da UNIGRAN
Revista Comunicação & Mecado Dourados v.1 n.2 p.1-411 Ed. Especial 2012
ISSN: 2316-3992
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Comunicação & Mercado – Revista Internacional de Ciências Sociais Aplicadas / Centro Universitário da Grande Dourados. v. 1, n. 2 Edição Especial –Dourados : UNIGRAN, 2012.
SemestralISSN 2316-3922I
1. Ciências Sociais. 2. Comunicação – marketing. I. UNIGRAN – Centro Universitário da Grande Dourados.
CDU: 659.3
Editora UNIGRANRua Balbina de Matos, 2121 - Campus UNIGRAN
79.824-900 - Dourados - MSFone: 67 3411-4173 - Fax: 67 3422-2267
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2012
UNIGRAN
Reitora Rosa Maria D’Amato De Déa Pró-Reitora de Ensino e Extensão Terezinha Bazé de Lima Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação Adriana Mary Mestriner Felipe Pró-Reitora de Administração Tânia Rejane de Souza Diretor da Faculdade de Ciências Administrativas e Contábeis Marcelo Koche Coordenador do Curso de Administração Valdir da Costa Pereira Coordenador do Curso de Administração de Agronegócios Josimar Crespan Coordenador do Curso de Ciências Contábeis Domingos Renato Venturini Coordenadora do Curso de Comunicação Social
Gabriela Mangelardo Luciano
Revista Comunicação & Mercado
EDITOR Prof. Dr. Bruno Augusto Amador Barreto CONSELHO EDITORIAL - Consejo de Redacción Prof. MSc. Marcelo Koche (UNIGRAN)Profa. MSc. Claudia Noda (UNIGRAN)Prof. MSc. André Mazini (UNIGRAN)Prof. MSc. Alceu Richetii (UNIGRAN)Prof. MSc. Josimar Crespan (UNIGRAN)
CONSELHO CIENTÍFICO - Consejo Científico
INTERNACIONAL Prof. Dr. Jorge Santiago Barnés (UPSA - Espanha) Prof. Dr. Ángel Badillo Matos (USAL - Espanha) Profa. MSc. Kárita Francisco (FCSH-UNL Portugal)
Profa. MSc. Tânia Oliveir (TAP - Portugal) Prof. MSc. Ruben Domingues (USAL - México)
NACIONAL Prof. Pós-Dr. José Marques De Melo (UMESP- São Paulo)Prof. Pós-Dr. Daniel Galindo (UMESP- São Paulo) Prof. Pós-Dr. Adolfo Queiroz (MACKENZIE - São Paulo) Prof. Pós-Dra. Maria Das Graças Targino (UFPI - Teresina) Prof. Pós-Dr. Antonio Teixeira De Barros (Câmara dos Deputados - Brasília/DF) Prof. Dr. Jorge Antonio Menna Duarte (Secom/Presi-dência da República - Brasília) Prof. MSc. Wille Muriel (Carta Consulta - Belo Horizonte) Prof. MSc. Carlos Manhanelli (Manhanelli S.A - São Paulo) Profa. MSc. Alessandra Falco (UFSJR - São João Del Rei/MG) Prof. MSc. Roberto Rochadelli (UFPR) Prof. MSc. Alessandro Vinícuis Schneider (UFPR)
REGIONAL - CENTRO-OESTE Prof. Dr. Yuji Gushiken (UFMT - Cuiabá) Profa. Dra. Daniela Ota (UFMS - Campo Grande)Profa. Dra. Daniela Garrossini (UNB - Brasília) Profa. Dra. Ana Carolina Temer (UFG - Goiânia)
Projeto Gráfico e Diagramação:Prof. MSc. Luis Angelo Lima Benedetti
Correspondências e informações:PROF. DR. BRUNO AUGUSTO AMADOR BARRETOUNIGRAN – Centro Universitário da Grande DouradosRua Balbina de Matos, 2121 – Jd. UniversitárioCEP 79.824-900 – Dourados/MS - BRASIL(67) 3411-4173 / Fax: (67) 3411-4167e-mail: [email protected]
VOLUME 1 NÚMERO 2 EDIÇÃO ESPECIAL
ISSN 2316-3992
SUMÁRIOEDITORIAL
A importância histórica da televisão e do telejornalismo na padronização culturalno interior do Brasil.Ana Carolina Rocha Pessoa TEMER
O Staroveri: a influência da tecnologia midiática na prática culturalMarcos Pedro da SILVA e Débora Cristina Tavares
Perfil Universitário: um portal de mídia de proximidade? José Milton ROCHA, Mario Luiz Fernandes
Notas sobre a atuação de Paulo Francis no jornal Folha de São Paulo (1975-1990) Alexandre Blankl BATISTA
Morte do jornal de papel e novas tecnologias digitais: desafios e perspectivasEdgard Cesar MELECH
A escravidão na província de Mato Grosso: Um estudo das estratégias de resistências dos escravos através dos jornais (1831 a 1888) Antutérpio Dias PEREIRA
O jornal e suas representações: Objeto ou fonte da história? Maurilio Dantielly CALONGA
Imagem & mídia: Relações com o ensinoViviane Scalon FACHIN e Rodrigo Domingues de OLIVEIRA
A década de 60 e a reinvenção do jornalismoEduarda ROSA e André Giulliano MAZINI
Ensaio acerca do discurso do jornal correio do estado sobre a gestão Pedro Pedrossian e as eleições de 1982 ao governo de Mato Grosso do Sul Wagner Cordeiro CHAGAS
Retextualização no rádio: a oralidade e a escrita no meio eletrônico Célio Antonio dos SANTOS e Daniela Cristiane OTA
A nova onda do rádio em Três lagoasSidnei Carlos Santos Bonfim FERREIRA
O debate sobre o “milagre econômico” brasileiro no jornal Folha de Dourados – 1970-1973Juliana dos Santos PEREIRA e João Carlos de SOUZA
O posicionamento da Folha de S.Paulo na cobertura da crise do poder judiciário brasileiro de 2012: uma análise de conteúdo Danusa Santana ANDRADE
As eleições e o jornal O Progresso: estratégias discursivas (1954, 1958 E 1962)Fernando de Castro ALÉM
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Etnografia do cinema e cinejornal na Serra da Bodoquena: história ememória social nas construções identitárias de Jardim-msDaniela OTA e Lairtes Chaves Rodrigues FILHO
Som que ecoa: o movimento tropicália e a música “alegria, alegria”. Jéssica Alves TROPALDI
Refletindo sobre as questões de memória através do filme “Como se fosse a primeira vez”Cláudia Gisele MASIERO, Janice Roberta SCHRÖDER, Cristina Ennes da SILVA
Do arquivo à nuvem: resgate e divulgação do acervo da Televisão Brasil Central Givaldo Ferreira, Corcinio JR.
A linguagem audiovisual em mídias portáteis e ubíquasAngeles Treitero García CÔNSOLO
Consumo da telefonia móvel: o papel da comunicação na construção da educação e da identidade do jovem Denio Dias ARRAIS
A nova mídia, uma possibilidade para grandes e pequenos anunciantes Silvia Maria de Campos FRAGA
A comunicação política nas redes sociais em um contexto histórico social Synesio Cônsolo FILHO
A história da imprensa no contexto da historiografia brasileira André Giulliano MAZINI
As origens da imprensa no brasil e em Mato Grosso Silvia Ramos Bezerra
Estudo sobre a produção própria do site mercosulnews Patrícia Miranda dos SANTOS
A dependência do jornalismo on-line de dourados por releases de instituições de ensino público Jessica Beatriz da SILVA
Ciberjornalismo como arquivo on-line da memória social Helton COSTA
Futebol nos sites dourados news e dourados agora: análise da cobertura do jogo da final do campeonato estadual sul-matogrossense de futebol 2012 Aline Amaral
O velho e o novo “o rolo”: análise de gêneros jornalísticos e literários dojornal em forma de manuscrito de papiro Karine Arminda de Fátima SEGATTO
A história entre o jornalismo e a literatura: fronteiras narrativas e metodologias possíveis André Giulliano MAZINI
Análize de Jornais e Revistas: Uma proposta Metodológica Bruno Amador Augusto BARRETO
A hegemonia do efêmero: Das fotografias de Fanny Volk aos álbuns nas redes sociais Ana Maria de Souza MELECH
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EDITORIAL 7
Pesquisa em História da Mídia no Centro-Oeste do Brasil
Esta edição especial da Revista Comunicação & Mercado traz 31 artigos inscritos nos Grupos Temáticos do
1º Encontro Regional Centro-Oeste de História da Mídia - Alcar CO 2012, organizado pelo Centro Universitário
da Grande Dourados (Unigran), em parceria com a Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia
(Alcar), nos dias 31 de outubro e 1º de novembro de 2012.
Revista e evento são marcos importantes para a Alcar, que desde 2001 promove estudos avançados, de
caráter interdisciplinar, sobre os processos históricos da mídia, estimula a realização de encontros científicos, a
publicação de livros e periódicos.
A Associação reúne docentes, pesquisadores, estudantes e profissionais e seus eventos são múltiplos e espalhados
pelas regiões brasileiras nos anos pares, intercalados por um único e grande encontro nacional nos anos ímpares.
Para completar o mapa do Brasil faltava chegar ao Centro-Oeste!
Ficamos orgulhosos com a receptividade deste Encontro e com a produção que dele resulta. Este conjunto de
textos é registro inequívoco que acertamos ao decidir preencher a lacuna geográfica ainda em 2012; demonstra, tam-
bém, o trabalho competente e dedicado de nossos anfitriões e, sobretudo, a integração de mais pesquisadores à Alcar.
Merecem destaque os estados do vínculo acadêmico dos autores: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás,
Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Os três últimos além da região-sede do evento,
como que a ratificar característica dos nossos tempos pós-modernos; as fronteiras não são mais tão rígidas, as
identidades se fragmentaram, as decisões, muitas vezes, são tomadas em função da relevância e oportunidade,
de acessibilidade e/ou relacionamentos.
Parabéns Unigran e participantes!
Prevemos e conclamamos o engajamento dos pesquisadores para empreenderem novos estudos sobre a
História da Mídia, fundamentais para a preservação da própria memória brasileira.
Aos leitores deste volume, descobertas prazerosas e estimulantes!
Maria Berenice da Costa Machado*
Presidenta da Alcar Outubro/ 2012
* Professora Universidade Federal do Rio Grande do Sul, possui graduação em Comunicação Social, com habilitação em Publi-cidade e Propaganda e Doutorado em Comunicação Social É organizadora do livro Publicidade e Propaganda: 200 anos de história no Brasil . Atualmente preside a Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar), vice-presidente da Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom) e integra o Comitê Regional Sul da Associação Brasileira de Pesquisadores em Publicidade (ABP2).
ISSN: 2316-3992
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 8-23, nov 2012
A importância histórica da televisão e do telejornalismo na padronização cultural no interior do Brasil.
Palavras-chave: televisão, história, telejornalismo
Resumo
Análise histórica do uso das técnicas e tecnologias pela televisão na construção da imagem do Brasil da
modernidade, a partir de anotações sobre o uso de equipamentos e os principais programas telejornalísticos
apresentados no país. O estudo aponta que o telejornalismo, a partir do vinculo definidor de apresentar a “reali-
dade” reforçou a imagem de que a vida moderna – o Brasil desenvolvido – está na cidade, retratando o campo
e o interior como espaços secundários.
Profa. Ana Carolina Rocha Pessoa Temer1
1 Ana Carolina Rocha Pessoa Temer. Professora e Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universida-
de Federal de Goiás. Doutora em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, Especialista
em Sociologia pela Universidade Federal de Uberlândia e Jornalista graduada em Comunicação Social na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.
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Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 8-23, nov 2012
Introdução
Os livros de História do Brasil para os alunos nos períodos de formação básica normalmente mostram, com
gravuras coloridas, que o Brasil foi “descoberto” em 1500 pelos portugueses. O mérito histórico desta afirmativa
é relativo, e especialmente para os comunicadores, é mais interessante considerar que o país que conhecemos,
o Brasil da modernidade, teve seu marco inaugural em 1969, com a transmissão para “todo o país” do Jornal
Nacional. Evidentemente, as duas datas são simbólicas, é claro, mas a criação de um telejornalismo nacional,
ou melhor, transmitido nacionalmente1, marca o início da construção de um novo país, se não real, pelo menos
um país imaginado e, depois de exposto pelos largos territórios nacionais, desejado e imitado pelos brasileiros
de todas as regiões.
Evidentemente, para usar um termo próprio do jornalismo televisivo, estamos falando em retrospectiva, de
uma ação prolongada que foi desenvolvida de forma estratégica por um grande número de atores sociais, cujos
interesses nem sempre eram iguais ou absolutos, mas que convergiam em um ponto: faz brotar do Brasil agrícola
e sub-desenvolvido, um país moderno e urbano.
Dentre estes atores sociais, dois se destacam: o Governo Militar e os seus receios de fragmentação do terri-
tório nacional, e a consequente busca pela unificação territorial e cultural, e a Rede Globo de Televisão, que no
decorrer deste processo, tornou-se a maior empresa de comunicação do país e produtora de conteúdos culturais
cuja importância é internacionalmente reconhecida.
De fato, enquanto veículo de comunicação e empresa de capital privado, as a Rede Globo fez “... deste país
fragmentado que é o Brasil alguma coisa parecida com uma nação civilizada....” (KEHL, 1986, p. 169). Mas
ao integrar e consolidar uma “identidade nacional”, reinterpretou essa identidade em termos mercadológicos,
formando uma só “identidade”, a de brasileiros unidos em “um só mercado consumidor” (KEHL 1986, p. 103).
Desta forma, cumpre-nos antes de tudo, entender o que é a televisão, ou melhor, essa “coisa” poderosa,
capaz de unir um país com tantas contradições e diversidades quanto o Brasil?
A TV é um objeto, produzido em uma fábrica e distribuído fisicamente (através dos meios de transporte) e virtualmente (via propaganda). Neste ponto, ela se metamorfoseia em uma questão de estilo – uma valiosa (ou maldita) peça de decoração (...) A televisão possuí, em síntese, uma existência física, uma história como objeto de produção material e de consumo, além da reputação de ser um local de produção de sentido. (MILLER, 2009, p.10)
E é justamente como algo muito além de um simples eletrodoméstico que a televisão deve ser compreendida,
até porque, mais do que objeto de decoração, a televisão vem historicamente cumprindo dois papeis funda-
mentais. O primeiro, o mais óbvio, é enriquecer seus controladores. O segundo, ainda mais importante, mas
1 Ainda que sempre privilegiando informações das regiões sudeste e particularmente do eixo Rio de Janeiro-São Paulo
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igualmente mais complexo, entreter e civilizar os seus receptores. E quando falo em civilizar, significa civilizar para
o consumo, integrando a sociedade industrial moderna todos aqueles que tenham as mínimas condições – ou o
mínimo de recursos – de consumir; ou seja, todos que tenham qualquer poder de compra.
No Brasil isto significou integrar a nação, integrar as populações que migravam do campo para a cidade, integrar
as cidades tradicionais do nordeste e os rincões diferenciados do sul. Neste processo a Rede Globo de Televisão em-
preendeu uma proposta ousada e bem sucedida, forjando um caso de amor e respeito entre a televisão e a população
brasileira, em um processo que implicou e ainda implicam em mudanças de comportamento, alterações de hábitos de
lazer e alimentação, relações políticas e de poder, modos de vestir e até nos tamanho e na dinâmica familiar.
Ainda que nos números das audiências muitas vezes outros gêneros se destaquem, o telejornal chama
a atenção como um espaço historicamente presente e de grande destaque nas emissoras de televisão de sinal
aberto. Isso ocorre porque o telejornalismo é algo mais do que umtipo de prestação de serviço, é também uma
atividade que traz prestígio e importância política para as emissoras (FISKE: 1987, p.281). Desta forma, a pre-
sença histórica do telejornalismo na televisão brasileira consolidou as novidades comportamentais e de consumo
inseridas ou sugeridas por outros gêneros, tendo portanto, um papel fundamental na consolidação destas mu-
danças. Além disso, a evolução do telejornalismo brasileiro pode ser vista também a partir de um paralelo com a
própria evolução da própria televisão e com a apropriação e usos dados as tecnologias por profissionais de te-
levisão e da imprensa. Nesse sentido, este artigo pretende dá continuidade as reflexões já presentes no artigo 50
anos de imagens: uma retrospectiva das condições de funcionamento do telejornalismo brasileiro, apresentado
na Intercom/2009, mas neste ponto buscando entender a relação da evolução da televisão e do telejornalismo
na padronização cultural no interior do Brasil.
Os primeiros anos
O primeiro telejornal brasileiro foi veiculado em 19 de setembro, no dia seguinte da inauguração oficial da
televisão no Brasil2 (MATTOS: 2000). O Imagens do Dia, patrocinado pela Viação Cometa, não tinha horário
fixo, e era colocado no ar por volta das 21:30. O locutor/apresentador, produtor e redator era Ruy Rezende3,
que usava textos copiados do rádio ou então recortados do jornal (gillete-press)4 e “...uma seqüência de filmes
dos últimos acontecimentos locais” (SAMPAIO: 1971, p.23), em preto e branco sem som, pelos três cinegrafis-
tas da emissora. No Rio de Janeiro, o primeiro telejornal da TV Tupi Rio é Telejornal Brahma, com Luiz Jatobá
(LORÊDO: 2000).
2 A inauguração oficial foi em 18 de setembro, quando a PRF-3, TV Tupi de São Paulo, coloca no ar o TV na Taba. Duas datas são citadas para a primeira transmissão experimental: 29 de julho de 1950, num especial patrocinado pela indústria Alimentícia Carlos Brito SA (Produtos Peixe), e 10 de setembro, quando foi exibido um filme sobre Getúlio Vargas (MATTOS, 2000).
3 Lorêdo (2000:29) afirma que o locutor era Homero Silva, e cita como cinegrafistas Jorge Kukjian, Afonso Zibas e Paulo Salomão. Anderkrone (2007) cita també Maurícuo Loureiro Gama.
4 A expressão faz parte do jargão jornalístico e remete a idéia de recortar, usando uma lâmina de barbear, material jornalís-tico do jornal impressos para serem lidos pelo locutor.
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A televisão era então uma novidade acessível apenas para a elite, e seguia os paradigmas de produção
usados no rádio (MATTOS: 1990, p.3 e SQUIRRA: 1993, p.104): o telejornal era transmitido ao vivo com a
entonação típica do rádio5.
Ainda que a escolha do nome - Imagens do Dia - demonstre a importância da imagem para o novo veículo,
poucos eram as filmagens realizadas especificamente para o telejornal e parte do material exibido eram sobras
do cinema e de documentários, que formavam um “arquivo informal”: era comum utilizar as cenas de uma en-
chente antiga para ilustrar a enchente atual, e assim por diante.
Em 1952, o telejornal da TV Tupi/São Paulo ganha um novo formato (20 de duração minutos, mudança para
o horário das 21:00), um novo patrocinador, e passa a chamar-se Telenotícias Panair, mas a televisão continua
perdendo para o rádio em rapidez e ineditismo.
Ainda que não existam muitos registros, depoimentos6 indicam que as primeiras câmeras de reportagem para
a TV eram da marca Bell & Howell movidas à corda, sem som, conhecidas por serem pequenas e barulhentas.
Mais tarde a câmera de filmar portátil com som magnético, que possibilitava a edição de imagens. O custo da
manutenção dos equipamentos limitava o seu uso e, principalmente nas afiliadas do interior do país, durante
muito tempo perdurou a estratégia de ilustrar o telejornal com slides.
Neste período os telejornais eram vinculados aos seus patrocinadores, como foi o caso do Ultra Notícias e
Telejornal Pirelli (Tupi/SP), que consolidaram o horário das 19h45; além de Record em Notícias (Record/São
Paulo), e o Mappin Movietone, responsável pelas primeiras apresentadoras de telejornalismo brasileiro7. Mas o
jornal mais importante dessa primeira fase da televisão brasileira é o Repórter Esso.
Há certa confusão na data de estréia do telejornal, em parte porque a Rádio Nacional, que apresentava um
noticioso com o mesmo nome, relutou em partilhar o título. Assim, o noticioso estréia em 1º de abril de 1952
com o nome de Telejornal Tupi. Um mês depois, o é rebatizado como Telejornal Esso, e em 17 de junho de 1953,
passa a ser o Repórter Esso. (LOREDO, 2000, p.5). Em parte também, essa confusão é resultado da estréia em
datas diferentes em São Paulo e no Rio de Janeiro8.
O Repórter Esso era um modelo idealizado a partir do seu homônimo no rádio, por sua vez criado para fazer
divulgação da propaganda de guerra dos aliados (SOUZA FILHO, 1997) e trazia como diferencial a pontuali-
dade e a credibilidade. No Brasil, o noticioso era produzido pela Agência McanErikson – para a qual a TV Tupi
teria apelado após perder seus patrocinadores. Apresentado por Kalil Filho em São Paulo, e por Gontijo Teodoro
no Rio de Janeiro9, o Repórter Esso10 tinha também edições locais nas nove emissoras do grupo ligado a Assis
Chateaubriand.
5 Apenas depois de críticas do público o telejornalismo assumiu uma linguagem mais coloquial Anderkrone, afirma que a mudança se deveu a Maurício Loureiro Gama, que teria ouvido a reclamação de uma telespectadora que já vira televisão nos Estados Unidos e reclamou das diferenças com o modelo local.
6 Ver SAMPAIO, M. F. História do rádio e da televisão no brasil e no mundo: memórias de um pioneiro. Rio de Janeiro: Ar-chiamé, 1984; e SQUIRRA, S. (org). Telejornalismo – memórias. São Paulo: ECA:USP, 1997.
7 As atrizes Cacilda Lanuza e Branca Ribeiro, que estrearam em 1959.8 Rixa (2000:169) fala em 1o /04/52 e Lorêdo (2000:65) em 17/ 06/53; Sérgio Mattos (2000:262-3) cita ambas as datas,
mas sem especificar em que veículo ou cidade ocorrem essas estréias.9 Luiz Jatobá também apresentou o programa por um curto período.10 Não havia então televisão em Rede, e as emissoras locais tinham suas próprias programações.
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A frase de abertura do Repórter Esso - “Amigo ouvinte, aqui fala o seu Repórter Esso, testemunha ocular da his-
tória”11 ficou na memória do telejornalismo nacional, mas o noticioso tinha um formato pobre: além do locutor
ao vivo eram exibidas algumas matérias ilustradas, em geral filmes com texto em off narrados pelo apresentador
(FURTADO, 1988), obtidas graças a um acordo com a UPI (United Press International).
O sucesso do noticioso motivou a TV Tupi veicular horário à tarde com o telejornal Edição Extra, que lança
o primeiro repórter de vídeo no Brasil: José Carlos de Morais, conhecido como “Tico-Tico”. A novidade foi logo
incorporada pelo Repórter Esso, que colocou no ar vários repórteres12. Sobretudo, o Repórter Esso passou a ter
várias versões locais/regionais. De fato, todas as emissoras da Tupi tinham o “seu” Repórter Esso, com apresen-
tadores e notícias locais – as nacionais e internacionais eram fornecidas pelas agências norte americanas. Essas
versões ficaram no ar até 1970 (LIMA: 2001, p.156).
Em 1960 chega ao Brasil o vídeo-tape. O equipamento, desenvolvido pela Ampex e lançado nos Estados
Unidos em 1956, é utilizado oficialmente pela a TV Tupi na gravação das imagens da inauguração de Brasília
(PATERNOSTRO: 1999, p.30), que depois foram exibidas em suas afiliadas. Nos primeiros anos o equipamento
teve pouco impacto no telejornalismo, mas dá inicio a uma fase de maior disputa pela audiência pelas emissoras.
A TV Excelsior passa a investir em modelos inovadores, e, em 1962, o Jornal de Vanguarda13, noticioso criado
pelo jornalista Fernando Barbosa Lima, que tinha uma de equipe de produtores e redatores oriundos jornalismo
impresso e cronistas especializados (João Saldanha, Villas-Bôas Correia, Sérgio Porto/Stanislaw Ponte Preta). O
Jornal de Vanguarda trouxe para a televisão um texto mais enxuto e rico em conteúdo, e tornou-se uma referên-
cia no telejornalismo nacional e internacional14. O telejornal também e revolucionou o estilo de locução, “tem-
perando” a objetividade com uma leitura mais emocional, eventualmente com toques de humor, e foi também o
primeiro a se preocupar com a estética, que incluia o uso de personagens15 e recursos do cinema de animação:
“O cuidado com a imagem se refletia no visual dinâmico, em que se destacavam as caricaturas de Appe e os
bonecos falantes de Borjalo” (REZENDE: 1997, p.114).
Em 1967, além do Jornal de Vanguarda, a Excelsior veiculava também A marcha do Mundo, mas a censura
e a péssima relação com o Governo Militar leva a TV Excelsior “a exaustão, a falência e, por fim, ao total desa-
parecimento” (MOYA: 2004, p.381). A censura também é a causa indireta do fim do Jornal de Vanguarda, que
sai do ar por iniciativa de seus produtores em 1968, após a implantação do Ato Institucional nº516.
11 Não confundir com o slogan utilizado pelo Repórter Esso no rádio: “Amigo telespectador, aqui fala o seu Repórter Esso, o primeiro a dar as últimas”.
12 Como Murillo Neri, Flávio Cavalcanti e Rubens Medina13 Embora autores como Mattos e Rixa se refiram ao Jornal de Vanguarda, Anderkrone (2007) cita o Jornal da Excelsior,
Jornal Cassio Muniz, Show de Notícias e TV de Vanguarda como produtos da mesma equipe, e afirma que o Jornal de Vanguarda apenas assume esse nome quando é exibido pela TV Tupi. Também SOUZA FILHO informa que programa foi repetido em outros canais de televisão. (1997:88).
14 O jornal ganha o prêmio Onda, na Espanha, em 1963 e segundo Barbosa Lima (1985:9) e Lorêdo (2000:66) foi citado por Marshall McLuhan em uma das suas aulas de comunicação.
15 Como, por exemplo, o Sombra, interpretado por Célio Moreira, que dava as notícias confidenciais. 16 Em 1988, a Rede Bandeirantes contrata Fernando Barbosa Lima veicula uma nova versão do Jornal de Vanguarda apre-
sentado por Dóris Giesse, que fica no ar até o início da década de 1990
TEMER, Ana Carolina 13
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Na segunda metade da década, em 1967, começam as transmissões à longa distância por meio do sistema
de microondas17. Em 1969 o país ganha a estação de rastreamento de Itaboraí, e pode assistir ao vivo (mas ain-
da em preto e branco) a descida do homem a Lua (MATTOS, 2000) e a Copa do Mundo de Futebol no México.
O telejornal que vai aproveitar melhor os novos aparatos tecnológicos é o Jornal Nacional, noticioso da Rede
Globo de Televisão, transmitido simultaneamente para o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba,
Brasília e Porto Alegre, que entra no ar em primeiro de setembro de 1969, com o objetivo confesso de unir o país
de norte a sul: “Um telejornal para que 56 milhões de brasileiros tenham mais coisa em comum”. (VEJA, 52:68
apud REZENDE, 1997:116). Suas transmissões marcam um Brasil que começa a viver “era da comunicação
espacial” (REZENDE: 1997, p.116)
A estréia do Jornal Nacional também coincide com o crescimento da indústria de eletrônicos no país e a
implantação do crédito direto ao consumidor, fator essencial para ampliar o número de telespectadores. O
noticioso dá início ao um novo modelo de telejornal, com um estilo mais clean, mas entra no ar no rastro do
endurecimento do regime autoritário18. No segundo mês do telejornal, a censura é oficialmente instalada.
Tendo como diferencial um amplo aparato técnico, em parte obtido através de um questionável convênio com
a empresa norte-americana Time-Life19, o Jornal Nacional foi o primeiro a apresentar reportagens via satélite em
uma estratégia que incluía um caleidoscópio de informações rápidas e descontextualizadas. O modelo é um
sucesso junto ao público, mas nem mesmo as boas relações da Globo com o Governo Militar impediu eventuais
conflitos com a censura20.
Em termos de equipamento, a Rede Globo utilizava principalmente as câmaras portáteis, ou CPs. No final
da década de 1970, elas foram substituídas pelas UPJs, ou Unidades Portáteis de Jornalismo, equipadas com
câmeras de VT U-Matic, uma evolução do primeiro equipamento de vídeo-tape21, que com o tempo se tornou
um equipamento padrão.
17 O sistema de microondas foi implantado em 1967, ligando Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. A com-pleta “integração do país” só seria atingida em 1972, ano em que se complementa a ligação do tronco norte/sul via microondas pela Embratel (SOUZA FILHO, 1997).
18 A informação de destaque no primeiro dia do noticioso é a posse da Junta Militar em função de um problema de saúde do presidente Costa e Silva.
19 Em 24 de julho de 1962 o empresário Roberto Marinho, assina um contrato operacional com o grupo americano Time-Life. A TV Globo do Rio de Janeiro entra no ar em abril de 1965. As emissoras rivais questionam a legalidade dos acordos e a repercussão gera o seu cancelamento em 1968.
20 Lima afirma que, como líder de audiência, o Jornal Nacional era alvo constante da censura (2001, 158).21 O equipamento foi lançado em 1969 pela Sony japonesa para funcionar como videocassete doméstico, mas o tamanho
e o preço dificultaram as vendas.
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O ano de 1974 marca a chegada da TV em cores no com a implantação do Sistema Pal-M, de origem alemã.
A Rede Globo implanta a partir deste ponto o chamado “Padrão Globo de Qualidade”, uma soma de eficiência
empresarial, competência técnica e atenção especial com as necessidades subjetivas dos telespectadores com
estratégias de marketing para fidelizar a audiência (CARVALHO: 1980, p.5), na qual o Jornal Nacional é parte
importante. Consolidada na liderança da audiência, a Rede Globo torna-se a maior beneficiária da expansão e
modernização dos serviços de telecomunicação.
Na década de 1970, além do Jornal Nacional, a Rede Globo produz também o Jornal Hoje, veiculado pela
primeira vez em 21 de abril de 1971 com a proposta de ser uma revista feminina que não dispensava as notícias
da manhã e que permanece no ar até os hoje; e o Telejornal Internacional, apresentado por Heron Domingues, e
considerado o mais sério da emissora. De curta duração, Telejornal Internacional foi substituído pela plasticidade
do jornal Amanhã, apresentado por Sérgio Chapelin, que mais tarde, em l977, foi igualmente substituído pelo
Painel, um telejornal abrir espaço para muitas entrevistas e também teve curta duração. O horário é finalmente
ocupado pelo Jornal da Globo, estréia em 2 de abril de 1979 tendo como objetivo conciliar reportagens, análi-
ses e entrevistas de estúdio e permanece no ar atualmente de segunda a sexta-feira, no fim da noite.
A veiculação do Jornal da Globo, dois anos após a saída de Walter Clark da emissora, também consolida
a resolução da nova direção d da emissora de tornar os noticiários mais dinâmicos e deslocar suas reportagens
para a rua. No aspecto técnico, isso significa usar uma nova Unidade Portátil de Jornalismo (BORELLI & PRIOLLI:
2000, p.55) e abrir mais espaço para as entradas ao vivo:
Era a chance de retorno aos programas não submetidos a edição prévia, ou ao completo controle da forma e do conteúdo. A televisão voltou a utilizar, no sentido amplo, a caracte-rística do imediatismo na veiculação da informação. (MARCONDES FILHO: 1985, p.17).
Ainda em 1977, a Rede Globo coloca no ar o Bom Dia São Paulo, cujo sucesso deu origem ao Bom Dia
Brasil. Lançado em 1983, com meia hora de duração, o Bom Dia Brasil tinha como proposta ser um noticiário
essencialmente político e econômico, transmitido diretamente de Brasília, centro das decisões do País.
A década de 1970 é marcada também pelo distanciamento tecnológico entre a Rede Globo de Televisão e
suas afiliadas. Esse distanciamento era tão traumático que em alguns casos a inserção local nos telejornais, e
particularmente no Jornal Nacional, era em preto e branco, mesmo depois do telejornal já ser transmitido a cores
em rede22. Evidentemente, houve uma pressão da rede pela modernização dos equipamentos, em um processo
que se prolongou até a década de 1980, com ameaças quebra de contratos de afiliação. Apesar disso, a di-
ferença técnica não apenas permanece visível na qualidade das imagens, como a própria central de produção
de jornalismo da Rede reconhece a falta de adaptação dos recursos humanos ao padrão da emissora. Outros
22 Este é o caso, por exemplo, da TV Triãngulo, em Uberlândia, Minas Gerais. (TEMER, 2006)
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aspectos igualmente relevantes, um posicionamento em geral mais neutro das geradoras do Rio, São Paulo e ou-
tras grandes capitais em relação a política local, e uma relação de dependência maior nas emissoras regionais.
Ainda assim, destaca-se como aspecto importante a capacidade do telejornalismo da Rede Globo neste perí-
odo em promover a imagem Brasil como o país do milagre. Trata-se de uma estratégia que ia além da proposta
de boa convivência com o Governo Militar. “Servindo ao Regime autoritário...) a Rede Globo servia a si mesma”
(LIMA: 2001, p. 169), uma vez era o “agente legitimador” de uma estrutura sócio-econômica da qual a ela
mesma era parte interessada.
Nos anos 1970 os números da audiência da Globo eram tão impressionantes que a emissora despertou a
desconfiança do próprio Regime Militar. O Governo então abre espaço para novas emissoras, re-distribuindo
as concessões que compunham a antiga Rede Tupi23. Esse receio se comprova em 1984 quando a Rede Globo
rompe com o “bloco histórico” que ainda detinha o controle do governo e passa a apoiar outro candidato para
a Presidência da República24.
Interligada a questão política, as décadas de 1970 e 1980 são marcadas tanto pela expansão da infra-estru-
tura de transmissão de televisão quanto pelo um rígido controle das importações de equipamentos técnicos para
televisão pelo Governo Federal. Ambas as ações beneficiavam a Rede Globo, que era a única rede com suporte
para superar as limitações financeiras impostas para a importação de equipamentos.
Mais criatividade e menos tecnologia
O virtual monopólio da audiência obtido pela Rede Globo de Televisão dificultava a sobrevivência das
emissoras e rede concorrentes que, sem o mesmo suporte financeiro, apelavam para a criatividade. A Rede
Bandeirantes, que entra no ar em 1967, tem como principal telejornal o Titulares da Noticia, que abre espaço
para a população fazer ao vivo suas reivindicações. A emissora investe também em uma abertura diferenciada
do telejornal (figuras humanas passeando pelo do mundo) e chega a colocar no estúdio uma arara, um pombo
correio e a dupla caipira Tonico e Tinoco apresentando as novidades do interior.
Em 1972, a emissora lança o Rede de Notícias, transmitido em várias capitais com os locutores em primeiro
plano e a redação ao fundo. A proposta não cativa o público e no final da década surge o Jornal Bandeiran-
tes, que mais tarde seria rebatizado como Jornal da Band, e apresentado por Joelmir Betting. Também foi uma
experiência de curta duração deste período o Perspectiva, da Tupi, que lançou o comentarista Artur da Távola.
Em São Paulo a TV Cultura consegue se diferenciar das demais emissoras com A Hora da Notícia, um tele-
jornal sem grandes preocupações com a forma, mas que enfocava assuntos de interesse do telespectador (CAR-
VALHO: 1980). Apesar da boa audiência, o telejornal esbarra na violência da censura e acaba desaparecendo,
em um episódio que culminou com o assassinato do jornalista Vladmir Herzog pelos órgãos de repressão.
23 Ver dados da falência da Rede Tupi no tópico seguinte.24 A indicação oficial vai para Paulo Maluf, nome que não agradava Roberto Marinho. A Rede apóia então o candidato
Aureliano Chaves, então vice-presidente, que havia rompido com Presidente Figueiredo.
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Em 1978, a TV Tupi lança o Grande Jornal, um projeto que visava integrar as emissoras da rede, mas que tem
curta duração em função dos interesses diferenciados dos diversos proprietários das emissoras associadas. O jorna-
lismo da Rede Tupi ainda tenta reagir e aproveita o abrandamento da censura para criar o Abertura, um programa
semanal de entrevista com presença de ex-exilados políticos e a participação do cineasta Gláuber Rocha. O fim
da censura oficial no telejornalismo é efetivado no dia 3 de fevereiro de 1980, mas o programa fica no ar apenas
um ano e meio. Logo em seguida, o mesmo produtor do Abertura, Fernando Barbosa Lima, desenvolve um novo
programa centrado em entrevistas, desta vez na TV Bandeirantes, o Canal Livre, que fica no ar até 1983.
A década de 1970 termina com o triste fim da TV Tupi, em uma agonia transmitida ao vivo pelos seus fun-
cionários. Do espólio da Tupi surgem novas redes: o Sistema Brasileiro de Televisão - SBT, que logo avança para
a condição de vice-líder; e a Rede Manchete, que se propõe a conquistar um público de maior poder aquisitivo.
Logo em seguida, a Igreja Universal do Reino de Deus compra a Record e forma uma rede de menor porte.
No começo dos anos 1980 a linha de entrevistas continua fazendo sucesso, e a TV Cultura apresenta o Voz
Populi, a Rede Bandeirantes o Encontro com a Imprensa e a TV Record o Diário Nacional. Também a Rede Globo
investe no formato e cria uma edição semanal do Globo em Revista, mas o programa tem vida curta. Também
duram pouco os programas Variety, Etc., Outras Palavras, Bastidores e Nova Mulher, todos da Rede Bandeirantes.
A emissora também é responsável pelo Crítica e Autocrítica, que tem uma duração maior.
O SBT estréia pouco depois de obter a concessão, mas atravessa a década com telejornais sem expressivi-
dade, como Cidade 4, 24 horas, Noticentro, e Últimas Notícias. Em 1983, a Rede Manchete entra no ar com
um telejornalismo audacioso, que ocupava duas horas no horário nobre, destinada aos públicos A e B. O Jornal
da Manchete alcança 8 pontos no Ibope e a emissora estréia o programa Conexão Internacional, produzido por
uma empresa independente.
Em 25 de janeiro de 1984 a TV Cultura faz a cobertura ao vivo do comício a favor das eleições diretas para
presidente em São Paulo, e obtém altos índices de audiência. Apesar de melhor equipada que as demais emis-
soras, a Rede Globo ignora o movimento. Essa postura só muda “depois de ameaça dos seus profissionais, de
pressão dos anunciantes e da inquietação da audiência ...” (SQUIRRA: 1995, p.47).
No comício seguinte, no Rio de Janeiro, a empresa faz uma ampla cobertura e igualmente disponibiliza suas
unidades móveis de transmissão na cobertura da derrota da Emenda pelas eleições diretas, e pouco depois, na
eleição indireta de Tancredo Neves para a Presidência. As grandes emissoras de televisão brasileira também se
preparam para acompanhar ao vivo a posse do novo presidente, e quando ele adoece e o vice José Sarney toma
posse, investem em um elaborado sistema de plantões para acompanhar a doença do presidente.
A transmissão ao vivo deixa a ilusão de uma aparente trégua com a censura, mas a auto-censura interna
regula o que pode ser colocado no ar (REZENDE: 1997)25 . A censura também retorna na cobertura da proposta
que beneficia o presidente Sarney com a ampliação do seu mandato presidencial para cinco anos. Convenien-
25 Essa informação é confirmada pelos próprios jornalistas da emissora: “Sei que se eu fizer uma matéria que vai incomo-dar, acabarei não cobrindo coisa alguma (porque a matéria não vai ao ar)” (RAMOS apud LIMA, 2001, p. 150).
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temente também, a mídia não dá destaque à distribuição de um grande número de concessões de radiodifusão,
quase todas destinados à políticos ou seus parentes.
Ao contrário da Rede Globo, que tenta adaptar o seu telejornalismo as mudanças no cenário político, a vice
-líder de audiência, o SBT, ignora a questão e mantém no ar o telejornal O Povo na TV, uma modelo já presente
no rádio, que abusa de um formato popular/sensacionalista, feito de reportagens policiais apressadas, gritaria,
desastres e futebol, sempre marcado por uma narração moralista e uma pretensa defesa da cidadania. O modelo
faz sucesso entre o público, mas não conquista os anunciantes, que relutam em se vincular ao sensacionalismo.
Para superar esse problema, em 1988 a empresa contrata Boris Casoy, ex-editor da Folha de S. Paulo, para
ancorar o novo telejornal da emissora: o TJ Brasil. A reação à audiência é boa e o programa atrai anunciantes.
O modelo do “jornal com âncora” logo é “exportado” para outras emissoras: Carlos Nascimento segue o mo-
delo no Jornal da Cultura e Marília Gabriela faz uma versão do Jornal Bandeirantes com a mesma proposta.
O final da década é marcado pelas primeiras eleições presidenciais livres após o governo militar, motivo in-
direto do conflito entre Armando Nogueira e a direção da Rede Globo26, que se encerra com Alberico de Souza
Cruz assumindo o telejornalismo da emissora e prometendo um jornalismo mais atuante, com maior presença
das transmissões ao vivo.
Na década de 1990 o telejornalismo brasileiro passa a ter uma linguagem ainda mais sofisticada: cortes,
aproximações de detalhes, planos gerais e closes, zoom-in e zoo-out, passam a ser usados com mais freqüência,
enfatizando um estilo próximo ao videoclip, com noticias pequenas e velozes.
Na contramão dessa tendência, em uma proposta de jornalismo “com a cara da emissora”, o SBT põe no ar
em maio de 1991 o Aqui e Agora, um telejornal com seqüências visuais mais longas para dar “maior realismo”
às cenas (SQUIRRA: 1993), usando um relato visual com planos-seqüências comparáveis ao estilo Glauber Ro-
cha. O noticioso rouba uma parte da audiência da Rede Globo e influencia outros telejornais, que aumentam
a quantidade de matérias policiais e aumentam as entradas ao vivo (BORELLI & PRIOLLI: 2000), mas o TJ Brasil
mantém o mesmo horário e formato, pois conseguia melhor retorno publicitário.
Novas mudanças técnicas surgem em decorrência da liberação das exportações implantada no governo
Collor. A Rede Globo e as suas afiliadas aproveitam a situação investir em equipamentos de captação de ima-
gens ainda mais leves e, portanto, mais portáteis. Em 1996, a Central Globo de Jornalismo oficializa uma série
de mudanças nos seus telejornais e substitui a dupla tradicional de apresentadores do Jornal Nacional (Cid
Moreira e Sérgio Chapelin) por Willian Bonner e Lilian Witte Fibe. Outros telejornais também fazem pequenas
mudanças de conteúdo e estéticas. Pouco depois a emissora investe em outra mudança técnica, a digitalização,
que começa a ser utilizada para a cobertura da Copa na França, em 1998, e logo passa a ser usado em todos
os telejornais da Rede.
A Manchete também muda o seu telejornal, acrescentando novas músicas de abertura, vinhetas e cenários, e
26 Armando Nogueira entra em conflito com a direção da casa ao discordar da edição apresentada no Jornal Nacional do último debate entre os candidatos Fernando Collor de Melo e Luiz Inácio Lula da Silva, que beneficiou o primeiro.
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introduzindo Marcos Hummel, que passa a apresentar notícias de esporte e policiais. A âncora do telejornal con-
tinua sendo Márcia Peltier; Villas Boas Corrêa fala de política e Carlos Chagas entrevista os políticos em Brasília.
O Jornalismo da SBT sofre constantes variações. Apresentado antes do TJ Brasil, o SBT Notícias com Leila
Cordeiro e Eliakin Araújo, estréia em dezembro de 1995 com um bom desempenho no Ibope, mas em dezembro
de 1996, o casal passa a apresentar o Aqui e Agora. Em seguida a emissora estabelece um acordo com a CBS
americana, e passa a apresentar o Jornal do SBT-Telenotícias CBS. Em 1998, estréia o Noticidade, um informa-
tivo local, levado ao ar antes do Jornal do SBT-Telenotícias CBS.
Aproveitando-se dessa inconstância, a Record faz investimentos no telejornalismo e obtém o crescimento mais
significativo da década de 1990, dobrando o público do Cidade Alerta, jornal sensacionalista apresentado por
Nei Gonçalves Dias, ao mesmo tempo em que contratar Boris Casoy para ancorar o Jornal da Record.
Outros canais também investem em grandes nomes, como é o caso de Paulo Henrique Amorin, que vai para
a Bandeirantes em janeiro de 1997. Fora de cena, problemas financeiros ameaçam a Rede Manchete. Vendida,
ela volta para os antigos donos e novamente é passada adiante, em uma trama judicial chega a termo no final
de 1999, com formação da Rede TV.
No final da década, em 1996 o aparelho de controle remoto para televisão já está nas mãos de 88% dos
telespectadores brasileiros e cresce individualização do hábito de ver TV, o que coincide também com o aumento
do número de aparelhos por domicílio (BORELLI & PRIOLLI: 2000). Também o equipamento de videocassete
doméstico, surgido em 1975, já é realidade nas residências da classe média nacional.
A nova realidade afeta todas as emissoras e faz o Jornal Nacional amargar 32 pontos de audiência em ja-
neiro (FOLHA DE S. PAULO: 1997). A Rede Globo enfrenta a crise abrindo espaço para o noticiário policial e
investe em reportagens-denúncia, muitas vezes utilizando o recurso eticamente questionável das câmeras ocultas.
As outras emissoras, financeiramente mais frágeis, apelaram para uma programação ainda mais popularesca.
Em julho de 1998, estavam no ar programas como Ratinho Livre (então na Rede Record), Márcia, Fórum Popular
(SBT), Magdalena Manchete Verdade (Rede Manchete), H na Lavanderia (Rede Bandeirantes) Cidade Alerta e
190 Urgente. Nesse conjunto, o destaque é o Ratinho Livre, cuja audiência chega a bater a Rede Globo.
Novos concorrentes e novos caminhos
Em 15 de outubro de 1996, a Rede Globo dá início as transmissões da Globo News, um canal exclusivo
com 24 horas de notícias. A nova empresa entra no ar reapresentando os programas jornalísticos da TV Globo
_ Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal da Globo – além do Fantástico e do Globo Repórter. O
novo canal marca também uma nova visão do telejornalismo que, junto com a televisão brasileira, aproveita as
brechas na legislação da TV a cabo para abrir espaço para investimentos e parcerias financeiras com as grandes
redes internacionais. No fechamento do século, em março de 2001, o processo se consolida com a entrada no
ar da BANDNEWS, uma proposta que une um formato inovador a televisão de acesso digitalizado (visualizado
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através de canais segmentados ou pela Internet).
Crescem também os números da televisão segmentada, o que modifica o perfil do receptor de televisão
de sinal aberto. Para atingir um público com menor poder aquisitivo, pela primeira vez depois do êxito da inte-
gração nacional via televisão (que roubou espaço do telejornalismo local) a Rede Globo de Televisão reforça
seus telejornais locais – genericamente conhecidos dentro da rede como “praça” TV - e cria a sua versão de
“jornalismo comunitário”, abrindo espaço para um maior número de entrevistas e matérias de serviço voltadas
para o interesse das comunidades.
De forma estratégica, a emissora atende a demanda do público por mais espaço para o telejornalismo27, distri-
buindo durante a programação informativos regionais de curta duração. Os telejornais vão pouco a pouco abrindo
mais espaço para as questões de polícia e a violência e, principalmente, de denúncias e escândalos de corrupção.
Todas essas mudanças estão ligadas diretamente à redução do preço e do tamanho do vídeo-cassete e da
câmara de captação de imagens domésticas ou amadoras28, em um processo que permitiu o desenvolvimento do
ao sistema conhecido VHS e posteriormente o S-VHS, ou Super VHS, que chegou a ser usado profissionalmente.
Pouco depois surge também o VT portátil da microcâmera, que passa a ser utilizado reportagens-denúncia. Os
novos equipamentos já com um processo de intercomunicação com outros sistemas, abrem caminho para o
equipamento Betacam do tipo camcorder, um sistema digitalizado de gravação.
Como vem fazendo historicamente, a Rede Globo de Televisão tem mantido em alta seus investimentos em
tecnologia de última geração, mas, ao contrário das décadas anteriores, suas concorrentes estão igualmente
audaciosas. O melhor exemplo desse perfil é a Rede Record que colocou no ar em setembro de 2007, a Record
News, o primeiro exclusivamente de informação em televisão de sinal aberto no Brasil (canal 42 - UHF) com
grandes investimentos em jornalistas e equipamentos. Outras novidades já se anunciam com a chegada da TV
de alta definição, que traz embutida a promessa de multiplicação de canais e a fragmentação da audiência.
Antes da televisão o país do passado, após a TV, o pais do futuro29.
A afirmação inicial deste texto, de que o Brasil da modernidade teve seu marco inaugural com o surgimento
do Jornal Nacional é, antes de tudo, uma figura de linguagem e não uma hipótese a ser comprovada. De fato,
a modernidade é o resultado de um complexo entrelaçamento de fatores, externos e internos, cuja análise e de-
finição exigiria uma elaboração teoria maior do que é possível em um artigo científico.
Para os brasileiros a televisão significa modernidade – um conceito muito caro a um país repetidamente clas-
27 Segundo Sousa Filho, entre 1987 e 1992 a elevação do interesse pelo material informativo foi de 31%, passando de 39% para 50%. (In MATTOS, 1997, p.40).
28 De fato, uma das grandes viradas em relação à queda na audiência na Rede Globo de Televisão ocorre em abril de 1997, com uma reportagem-denúncia baseada no vídeo de um cinegrafista amador sobre a truculência policial na Favela Naval, em Diadema, São Paulo.
29 A expressão explora um slogan do Governo Militar brasileiro, mas também é facilmente explicável se considerarmos que o governo militar brasileiro quando se dispôs a usar a televisão como instrumento de unificação do país, teve primeiramente que investir em infra-estrutura, construindo hidroelétricas e levando energia às cidades de médio e pequeno porte.
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sificado como subdesenvolvido ou atrasado. No entanto, essa afirmativa surge na construção da imagem de um
Brasil moderno, voltado para o futuro e para o desenvolvimento industrial, em oposição a um Brasil histórico,
agrícola e apegado a tradições (apresentadas como supertições, crendices e hábitos resultantes da ignorância e
da falta de acesso a educação e aos recursos da modernidade
Nesta relação a cidade desponta como o espaço “onde tudo acontece”, e o campo, e particularmente o ho-
mem do campo, aquele que deve se adaptar as novas demandas urbanas e “modernas” da vida contemporânea.
O interior – seja o campo/espaço de produção agrícola; sejam as pequenas cidades – não foram esquecidos
nesta representação, embora ocupem um papel secundário, condizente com o papel que deveriam assumir nesta
modernidade. No entanto, a representação é de um campo que pode ser modernizado se assim o desejarem os
produtores, e de pequenas cidades que servem como ponto de partida para que se busque uma vida – ou um
crescimento pessoal e profissional – em cidades maiores.
A riqueza do campo só se justifica como apoio a vida nas grandes cidades, e seus problemas e crises só ge-
ram material jornalístico quando trazem consequências para a vida na cidade.
A partir deste ponto podemos concluir que no Brasil a televisão que foi fundamental para a construção da
identidade nacional, atuando como elemento básico para a formação de um laço social30, mas o fez a partir de
um ideal de modernidade no qual a vida no campo, ou pior ainda, no interior, é algo menor, um estágio antes
de se buscar as grandes cidades, ou uma espécie de purgatório tedioso do qual alguns não conseguem sair.
De uma forma geral, o brasileiro vê o que está na televisão como uma espécie de continuidade de sua pró-
pria vida, uma oportunidade de sentir-se parte do contexto maior, um espaço no qual as coisas efetivamente
importantes da vida (de sua vida) efetivamente acontece. De fato, Bucci (1997) aponta que “a vida dos brasi-
leiros é determinada pelos limites da televisão”. A televisão unifica o Brasil no plano imaginário o país real das
desigualdades sociais, geográficas e culturais. E como a televisão e o telejornalismo mostram prioritariamente os
espaços do sudeste e as grandes cidades, é lá que a vida acontece.
Desta forma, seria ingenuidade afirmar que as transmissões via satélite - as vozes vindas do céu – foram
fundamentais para unificar o país. Ao contrário, as imagens mostradas de forma sedutora ao público que vê a
muito fascínio e pouca crítica de muitas maneiras acentuam as diferenças e criam a imagem de que o Brasil que
não pertence ao sudeste é ainda um “outro” país.
Nesta equação, o uso da tecnologia - equipes móveis, replays – foi fundamental, pois eles atuam como indi-
cadores de exclusividade, prestação de serviço, de avanço tecnológico, de qualidade da produção. A competên-
cia técnica é, ou pelo menos é para uma parte significativa de receptores brasileiros, sinônimo de competência
social, de sucesso, de modernidade.
No entanto, houve sim uma união, uma padronização, mas essa veio do consumo, da busca, em qualquer
30 A expressão explora um slogan do Governo Militar brasileiro, mas também é facilmente explicável se considerarmos que o governo militar brasileiro quando se dispôs a usar a televisão como instrumento de unificação do país, teve primeiramente que investir em infra-estrutura, construindo hidroelétricas e levando energia às cidades de médio e pequeno porte.
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lugar do Brasil, pelas mesmas marcas, pelos mesmos símbolos de modernidade, como o caro esporte que não
pode circular nas estradas rurais ou as máquinas de lavar informatizados, dez programas diferentes e nenhum
eficiente para atender as demandas de quem trabalha com a produção rural.
Evidentemente, a televisão da qual estamos falando é também uma televisão do passado. A televisão de sinal
aberto atual enfrenta a pulverização da audiência decorrente dos novos comportamentos do consumidor (que
passou a dividir o seu tempo livre entre várias opções de lazer, que incluía games interativos, Internet e até mesmo
opções mais tradicionais, como teatros e shows, cujos preços se tornaram mais acessíveis – em um fenômeno que
aconteceu em vários países do mundo). Reinventando-se a cada dia, a televisão brasileira vem mantendo o seu
prestígio junto ao público e os anunciantes, e consequentemente, vem mantendo o seu papel fundamental nos
jogos políticos que envolvem as decisões sobre o comando e as ações do Estado brasileiro. Parte deste processo
passa pela revisão das relações entre as emissoras locais – as emissoras afiliadas – e as emissoras que coman-
dam o processo produtivo. Ou, melhor dizendo, entre o centro e o interior.
O que nos espera, portanto, são novas histórias. Muitas histórias, nas quais os profissionais de comunicação
e as imagens que eles construírem dessa relação, terão papel fundamental.
Referências
TEMER, Ana Carolina 22
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O STAROVERI: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA MIDI-ÁTICA NA PRÁTICA CULTURAL1
Palavras-chave: : : Cultura Popular; Mediação Cultural; Religião; Mídia; Cultura; Cultura Russa.
Resumo
Este trabalho pretende analisar as transformações ocorridas na prática cultural da Colônia Russa em Prima-
vera do Leste-Mato Grosso, aos olhos da comunicação e mediações culturais. Acredita-se que as mudanças são
ressignificações da tradição cultural e da religiosidade e está diretamente ligada aos novos recursos decorrentes
das tecnologias midiáticas que vem sendo inserida em seu cotidiano e dando novos significados.
Marcos Pedro da SILVA2 e Débora Cristina TAVARES3
1 Trabalho apresentado no 1 Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigrm/Dourados/ MS.
2 Mestrando em Estudo de Cultura Contemporânea – ECCO - UFMT, email: [email protected] 3 Professora Doutora do Curso de Comunicação Social da UFMT e Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Estudo de Mídia e
Cultura, email: [email protected]
SILVA, Marcos Pedro 25
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Introdução
Quando se fala da manifestação cultural da Colônia Russa em Primavera do Leste, MT é necessário primeira-
mente contextualizar ao longo de sua história todos os acontecimentos que marcaram e ressignificaram esta cultura.
Essa busca será analisada desde sua saída da Rússia e sua chegada ao Estado de Mato Grosso. Fatos esses que
vem entrelaçados e englobados através do processo imigratório gerado pelo conflito religioso e político em seu
local de origem. Tentar responder quais os fatores que motivaram a sua vinda para esse novo mundo, assim consi-
derado por eles, é uma questão bastante delicada. O que se tem de concreto sobre a Comunidade Russa no Brasil
são poucos registros de fatos históricos ou relatos deixados pelos primeiros imigrantes ao se estabelecerem no Brasil
e principalmente em Mato Grosso, os poucos recortes de jornais, sites e revistas são esses postulados que trazem
informações importantes para melhor compreensão sobre o seu contexto sócio-cultural de sua chegada.
Para situar o que caracteriza esses fatos culturais, se faz necessário um breve relato histórico. Segundo Lucena
Filho (2007, p.151) “não é possível analisar uma manifestação cultural sem considerar sua historicidade e as
variáveis sociais, econômicas, políticas e culturais do lugar onde o fato ocorre”.
Esta pesquisa trata da influência da tecnologia midiática na prática cultural da Colônia Russa em Primavera
do Leste - MT. Em síntese, é procurar descrever como esse processo manifestou e/ou manifesta com a chegada
da tecnologia midiática, quais as alterações em sua prática religiosa, e, principalmente, o seu modo de vida, pois
geram muitos questionamentos e problemas a serem respondidos.
A ideia para produção deste artigo foi inspirada na observação feita aos logos de 2008 até os dias atuais e
leitura do texto “Imigração Russa no Brasil: aos olhos da comunicação” percorre um contexto amplo de possibili-
dades. Baseadas na teoria dos meios, às mediações, mundialização e cultura encontram parâmetros para serem
analisadas as interações entre a prática cultural e a mídia no contexto local, como os meios estão vinculados
à prática cotidiana desse grupo. Essa nova configuração cultural é potencializada pela influência dos meios de
comunicação de massa: a internet, o celular e a televisão, entre outros elementos midiáticos na contemporanei-
dade, principalmente analisando como esses aspectos de mudanças se dão em relação com a mídia.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, a fim de trazer mais informações a respeito da história
da cultura russa e dos meios de comunicação e das teorias de Cultura de massa e cibercultura bem como a re-
alização de pesquisa documental que possibilitasse as análises e exemplificação do objeto de estudo.
Os Staroveri em Mato Grosso
Diferentes dos imigrantes que fixaram suas moradias ao sul e sudeste do Brasil, os russos que vieram para
região centro-oeste pertencia a um movimento religioso, denominado os Staroveri ou “velhos crentes”. Surgido
a partir de 26 de Outubro de 1917, com a implantação do marxismo-leninismo na Rússia, aboliu todas as pro-
priedades privadas e a religião pertencente a essa comunidade rural, das quais muitos deixaram o seu local de
origem para exilarem em países vizinhos.
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Os russos tradicionais ou camponeses como são chamados, despojados de suas propriedades agrícolas
foram impedidos de exercer a sua fé, resistiram aproximadamente durante dois anos às perseguições de que fo-
ram vítimas na Rússia. Durante esta perseguição sofreram ao longo das estepes siberianas4 , das quais os russos
fundamentalistas tiveram de cumprir um demorado périplo para a fuga, que consumiu quase uma geração. Ini-
cialmente muitos foram para outros países como China, Mandchúria e Mongólia, nações onde nasceram alguns
imigrantes que reside em Mato Grosso e varias regiões do Brasil. Com a chegada da Segunda Guerra Mundial
e outras revoluções acabaram por expulsá-los, de cidade em cidade, de país em país. Já entediado de tantas
perseguições buscaram uma nova pátria em outros países, dentre esses o Brasil. Um numeroso grupo decidiu dar
um basta ao exílio e buscar novos caminhos, onde pudessem encontrar tranquilidade, segurança e viver em paz
e praticar principalmente, os rituais do cristianismo primitivo de suas crenças.
Essa cidade caracterizada na linguagem Bíblica a Canaã, o especialista em cultura russa Zabolotsky (2007,
p.74) explica que foi encontrada no início da década de sessenta, as primeiras famílias que se estabeleceram no
município de Primavera do Leste, no cerrado matogrossense, a uma distância de trezentos quilômetros da capital. O
pioneiro desta expedição foi senhor Wassily Killy, que enfrentou a dura vida do serrado, construindo cabanas impro-
visadas, espalhadas pelas futuras fazendas. Nelas foram estabelecidas regras de conduta dos velhos crentes, como
a divisão de tarefas entre homens, mulheres, meninos e meninas. Com o sucesso do plantio e a fartura das colhei-
tas, novas famílias de imigrantes russos brancos vieram para esta região, juntando-se aos pioneiros. Transformaram
a mata virgem em fervilhante concentração de tratores, semeadores, colhedeiras, caminhões e veículos novos.
Mesmo estando em uma região aparentemente isolada, o modo de vida permanece ainda completamente
diferente do homem urbano. O uso da tecnologia industrial aplicada no plantio sempre esteve presente, com
grandes máquinas que contribuíram na plantação do milho, soja, arroz. Surgiram também, casas, hortas e jar-
dins, moinho doméstico e fábricas de rações. Transformando-o no celeiro da região. As residências denotam
um estilo particular, que são erguidas pelo grupo seguindo um estilo camponês russo, têm variações brasileiras
para se adaptar ao clima de muito sol e chuva, em vez de neve e gelo. As paredes das casas são, na maioria, de
madeira ou às vezes de alvenaria. Dispõe ainda de equipamentos domésticos rústicos, para garantir certa auto-
suficiência para as famílias. O forno de barro e o fogão a lenha são indispensáveis.
Nesta comunidade as mulheres têm por costumes usarem vestidos longos e cumpridos, lenços e tranças no
cabelo, tecem e bordam, costuram as roupas de toda família. Além dos afazeres domésticos. Tudo é aprovei-
tado, nem que seja para fabricar vodka fina, a brashkva, feita de arroz fermentado ou de frutas especialmente
preparado para as ocasiões festivas, entretanto, é considerado um excelente refresco. Para eles a ociosidade é
um pecado no seio da comunidade.
4 É vegetação rasteira, clima frio e seco, longe da influência marítima e perto de barreiras montanhosas. principalmente nos EUA, na Mongólia, na Sibéria e na China.
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Esse modelo incomum, aos nossos olhos, das práticas culturais da comunidade russa, agrega-se desde muito
cedo a formação educacional das crianças, sendo até certo ponto rígida, embora não apresenta certa severida-
de. São introduzidas na infância nas práticas e ministério do cristianismo ortodoxo.
Além do catecismo convencional, aprendem a ler textos antigos, em russo e grego helênico, que servirá de aju-
da na leitura da Bíblia cristã primitiva e para os cânticos religiosos. Com paciência e obstinação, os pais ensinam
os filhos pequenos a falar e ler em russo. Além da propedêutica dos caminhos da virtude cristã do catolicismo orto-
doxo, não se descuidam em colocá-lo em escola pública para aprender o português e cursar o ensino fundamental
e médio. Embora algumas famílias não permitissem que as adolescentes ou jovens terminassem o ensino médio, o
papel da mulher nessa comunidade é cumprir com as obrigações do lar, como uma boa dona de casa, princípios
esses que são estabelecidos por considerarem uma família extremamente patriarcal.
Apesar do tempo em que vive nesta região, ainda são visto com certa estranheza. Isso certamente em virtude
de seus trajes, hábitos, costumes e, principalmente, por causa da língua, a escrita em cirílico (alfabeto eslavo) e
a religião onde moram. O que também gera um distanciamento entre a comunidade urbana, é o fato de serem
auto-suficiente em tudo faz, rarefazendo os contatos com a vizinhança e com as pessoas da cidade. Mas de modo
algum se isolam em sua comunidade por completo, nem formam grupos fechados na integra. O contato que se
tem está ligado diretamente com as relações comerciais. Mesmo com esse contato urbano, os próprios integrantes
dessa comunidade procuram ou mantém certo distanciamento dos hábitos e práticas desse homem urbano, procu-
ra cumprir os padrões e regras que são estabelecidas e ensinadas desde muito cedo e que devem ser cumpridas e
preservadas por cada um. Além de estimularem numerosa prole, as crianças são nascidas por uma parteira à moda
antiga, e são batizados pelo Padre Gabryl Kosnitchov, o líder em Mato Grosso.
Sobre o casamento, é um momento muito festivo, chega a durar aproximadamente três a cinco dias de come-
moração. Zabolotsky (2007) comenta:
Os jovens casam cedo. O noivo oferta uma flor da grinalda que a noiva usa durante o noivado. Escolhem os acompanhantes para os preparativos do casamento. As vizinhas e parentas costuram, bordam e, principalmente, trocam segredos do matrimônio com a futura esposa. Quanto o rapaz, neste período, dedica-se às despedidas de solteiro, com os amigos e muita braskhva. Enquanto isso, seus parentes lhe preparam o enxoval, resumindo em vá-rias rubaskas, (camisas) alguns pares de trussi (calças) e os indispensáveis paissocos (cintos tecidos e bordados em casa) dos blusões (ZOBOLOTSKY, 2007, p.75).
Nesse contexto da citação acima, percebe-se nessa manifestação casamenteira uma tradição arcaica que
ainda hoje são realizadas e cumpridas. O casamento na colônia é feita a moda antiga, onde as famílias presam
pela escolha noivo ou noiva para o filho ou filha. Podendo ainda nessas escolhas os pretendentes pertencer a
uma dessas comunidades russas existente no Brasil ou no exterior, desde que mantenha os mesmos ritos religio-
sos, padrões e regras, e, principalmente que professa a religião ortodoxa. Já houve caso na comunidade, de
brasileiro que se converteu ao catolicismo ortodoxo e todas as suas práticas, e conseguiu o consentimento dos
pais para se casar. Fazer parte dessa comunidade, não é somente se converter, mas, é necessário cumprir todos
os ritos religiosos e tradição, bem como estabelecer sua moradia na colônia.
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Além de todos esses elementos importantes para o pertencimento nessa comunidade, existem ainda inúmeras
colônias em várias regiões do Brasil como: Goiás, Mato Grosso, São Paulo e Rio Grande do Sul e no exterior Bo-
lívia, Argentina, Chile, Estado Unidos e Canadá. A semelhança entre elas são suas práticas ritualísticas da religião
ortodoxa, com suas características primitivas de cultuar. Ordeiros, disciplinados e devotados ao trabalho, demons-
tram através de sua fé que ainda mantêm a solidez da comunidade contra desagregações e tentações da socieda-
de globalizada e permissiva, principalmente ao uso das tecnologias midiáticas que, embora em menor impacto,
também os tem alcançado.
Com essas mudanças, algumas comunidades deixaram de preservar a sua tradição, principalmente as vesti-
mentas como era de praxe, incorporaram um novo modelo, agregou-se também em sua prática o uso da tecno-
logia midiática ao modo de vida. Com a virada do século e entrar no terceiro milênio cristão, pretendia continuar
vestindo e vivendo como viviam seus velhos ancestrais da velha Rússia czarista. Embora ainda hoje exista comunida-
de que preserva os moldes de seus antepassados, como é o caso da colônia russa em Primavera do Leste. Mesmo
assim as mudanças e alterações só ocorreram através desse contato com as novas tecnologias.
Panorama da Religião Ortodoxa
Sobre a Religião Ortodoxa é importantes compreender todo o processo histórico como a história se escreveu ao
longo do tempo, começando a divisão do mundo romano em Império do Ocidente (ano 395). De um lado o latino,
que abrange todo o Ocidente, de outro, famílias de ritos que constituem as chamadas Igrejas Orientais, encarna-
ções da vida cristã em diversas culturas milenares do Oriente, como a grega, egípcia, russa, romena cristianismo
sérvio, búlgaro, georgiano e outras.
A Igreja Ortodoxa professa a Doutrina autêntica do Cristo, tal e qual como foram reveladas dos seus próprios
lábios e exercidas pelos Apóstolos no primeiro século da era cristã, então na Palestina e cidades de Jerusalém, Da-
masco e Antioquia, transmitida pelos Apóstolos aos seus próprios sucessores e aos fiéis, e preservada zelosamente
em sua pureza cristalina através dos séculos.
É considerada a doutrina certa e justa, compreendida sem subtração e sem acréscimo nas Sagradas Escrituras, na
Tradição e nos Sete Concílios Ecumênicos. Chama-se Ortodoxia a doutrina que observa os ensinamentos do Nosso
Senhor Jesus Cristo, reverenciados e propagados pela Igreja Ortodoxa, para glorificar a Deus e salvar as almas.
A Cristandade ficou dividida entre duas igrejas: Católica Romana, e Católica Ortodoxa (orto: reto; doxo: fé). A
religião Ortodoxa atingiu o apogeu com Igreja Russa criada 988, pelo Príncipe Vladimir.
As Igrejas Católicas Romanas e Católicas Ortodoxa são uma só, fundada por Jesus Cristo e estabelecida pelos
Santos Apóstolos. Apresentam mínimas diferenças no dogma, algumas na liturgia e na hierarquia eclesiástica.
A fé na Ortodoxia, cuja crença contribuiu e ajudaram os colonos a suportar as dificuldades encontradas ao
longo da vida e dos sofrimentos com a chegada ao Brasil, sem dúvida foi o elo integrador e de união entre eles,
bem como a resistência e preservação da própria cultura.
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Sendo denominado como Católico Ortodoxo ou Ortodoxo. Os russos descendentes professam de maneira
inquestionável a sua fé, freqüenta as liturgias estabelecendo vinculo com o ofício religioso expressada na prática
do seu cotidiano, tudo esta associado a religiosidade que é o fator primordial. Começando pelo calendário fes-
tivo da comunidade. Segue e observa o calendário Juliano que divergem do romano, a única diferença de um
para outro que um tem treze dias a mais.
Esta religiosidade com o passar dos anos percebe-se uma nítida diferença da geração anterior e a atual.
Enquanto a geração anterior externa uma religiosidade mais íntima, mais compenetrada por ocasião dos ofícios
litúrgicos. A geração atual participa mais descontraída dos atos litúrgicos e sua religiosidade aparenta ser mais
superficial. Isso se observa através da comparação dos comportamentos dessas gerações.
Além da religião, segundo Jacinto Zobolotsky (2007):
Os imigrantes e descendentes, principalmente os mais idosos, preservam, ainda hoje, alguns usos e costumes, transmitidos de geração em geração. As mulheres mais velhas cos-tumam usar lenços na cabeça e vestidos com estampas coloridas. Os noivos por ocasião do casamento, após a Liturgia, são recebidos pelos pais, com um ícone, em geral da Virgem Maria. Ele é colocado em um lugar de honra em seu novo lar, para as orações. Simbolizando a vida, força, trabalho, hospitalidade e abundância fazem-se a partilha do pão e sal, para que nunca falte aos noivos o pão e sal. É também usado para dar boas vindas na recepção a visitantes ilustres (ZOBOLOTSKY, 2007, p. 156).
Em algumas casas, ainda hoje se preservam o “ângulo belo”, iluminado pela lampatka, um ângulo na entra-
da onde são colocados os ícones. A preferência é por um lugar alto, para elevar o olhar ao Altíssimo, que signi-
fica a presença de Deus na casa. Quem conhece a tradição, ao entrar na casa, após saudar o dono, inclina-se,
faz o sinal da cruz.
Quando um cristão ortodoxo morre, coloca-se envolto de sua cabeça, uma espécie de faixa com inscrições
em russo ventchik5, significando que o finado cumpriu em vida com honra, seus compromissos religiosos e sua
missão aqui na terra, sendo como um passaporte da Terra para o Céu.
Novos Desafios da Cultura Russa
As condições vividas pelos antepassados influenciaram na formação dos imigrantes russos e se seus descen-
dentes: embora sendo tímidos, pacatos, retraídos, desconfiado, mais são tementes a Deus e às leis dos homens.
Até então com sua chegada era taxados de comunistas, por causa da revolução 1923, I e II guerras mundiais,
ditadura de Vargas e a ditadura militar que cortaram as relações com a pátria mãe. Neste contexto conturbado
Zobolotsky (2007) comenta:
as casas dos imigrantes eram revistadas e livros levados para o Quartel. Muitos docu-mentos foram queimados, livros, ícones e relíquias (ZOBOLOTSKY, 2007, p.178).
5 Significa: “Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós”.
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Diante de todos esses acontecimentos, as mudanças estão acontecendo paulatinamente. Os filhos e netos já
quase não querem falar a língua russa e boa parte de suas tradições estão esquecidas. Através das influências de
outras culturas, diminuindo sensivelmente o número de fiéis, causando apreensão, os poucos que tem procuram,
confiam em Deus e conservam sua fé da maneira mais viva possível, contudo, nessa busca sente-se necessidade
de resgatar a sua identidade e signos que ao longo do tempo foram deixadas.
Quando procuramos compreender as mudanças na pratica cultural da comunidade russa em Primavera do
Leste, esse consumismo pela tecnologia midiática, principalmente pelo uso do celular e a televisão, trazem outros
significados e sentidos na forma de ver o mundo real. A importância que esses meios de comunicação têm, se
assim pode dizer, é estar conectado a uma realidade presente e cada vez mais a interagindo com a multiplicidade
cultural, sem negar a sua identidade, e sim, absorvendo elementos que somam a sua prática diária. Embora seja
difícil para eles, diante de tudo que tem presenciado, a impossibilidade em permanecer neutralizado, intacto e
longe desse mundo globalizado esta sendo impossível, pois esse novo ver desperta o desejo dessa nova geração
pelo uso desenfreado das tecnologias midiáticas. Lembrando que a utilização desses meios de comunicação
até algum tempo atrás, não era permitido. Embora algumas famílias ainda hoje não permitissem o uso dessas
tecnologias. As proibições para o staroveri se resumem na prática religiosa do catolicismo ortodoxo, que vê o
mundo como uma influência má e que até mesmo poderá desviar dos bons costumes ou negar a sua própria fé.
Para quem conhece a colônia russa em Primavera do Leste, MT, continua por algumas famílias mais conser-
vadoras a desqualificar todos esses avanços, procuram de toda maneira neutralizar essa nova forma e bem de
consumo do homem contemporâneo. A nova geração que esta se erigindo na comunidade se apegou as esses
meios tecnológicos que facilita a vida e o contato rápido com toda a novidade global. Um ponto determinante,
como já citado, é o uso do celular e da televisão, o uso era muito restrito, mesmo “distante” dessa tecnologia
midiática, contraria os próprios princípios bíblicos que são pregados pela liderança religiosa, sobre tais proibi-
ções. As observações em loco, apresentou uma outra realidade, se por um lado existem as proibições, por outro
existe uma tecnologia industrial (maquinário) de ponta muito utilizado no seu dia-a-dia e sempre esteve presente,
servindo de suporte necessário no plantio e na colheita de seus seriais.
Para Stuart Hall (2002):
quando mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos lugares e imagens, pelas imagens da mídia e pelo sistema de comunicação globalmente interligado, mais a identidades se tornam desvinculadas, desalojada de tempos, lugares, histórias e tra-dições específicas e parecem flutuar livremente (HALL, 2002, p.75)
O medo que ainda paira em algumas famílias, que essa juventude deixe seus hábitos e costumes que ao
longo dos tempos foram carregados por uma tradição e posição religiosa. Hoje, são visíveis as alterações que
gradativamente vem dando outros significados, mudando o comportamento dessa nova geração. O novo é visto
com uma certa aversão dos mais religiosos. Esse contato esta mais presente no ambiente escolar, e com a cidade.
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As novidades que são apresentadas por outras pessoas, das quais não fazem parte da colônia, trazem uma
gama de informações e novidades tecnológicas pertinentes a atualidade, que despertam nessa juventude russa
o desejo por esse bem de consumo.
Com a chegada da televisão, o uso dentro de suas casas só é permitido com uma certa moderação e limi-
tação. Procuram assistir novelas épicas, nada que venha denegrir os bons costumes e princípios religiosos. Toda
comunidade traz pautado a religiosidade como algo de maior importância e simbolismo cristão a ser represen-
tado no seu dia-a-dia.
Se por um lado o meio de comunicações tem estado presente, em contra partida buscam nos princípios
religiosos uma vida de fé e prática. Por outro lado agrega-se de maneira não tão espontânea, cuja finalidade
ao mesmo tempo permiti a essa nova geração a utilização dessa tecnologia midiática, mais também que saiba
dialogar e viver de uma forma harmoniosa, sem perder os princípios religiosos.
Cada vez mais a cultura local vem se posicionando no contexto globalizado, suas manifestações passam
por uma atualização. Estabelece procedimentos da comunicação, pelos quais as manifestações populares se
expandem, se socializam, convivem com outras cadeias comunicacionais, sofrem modificações por influências
da comunicação massificada e globalizada se modificam quando apropriadas por tais signos.
Stuart Hall, (2002) faz uma abordagem:
que a globalização se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atra-vessam fronteiras nacionais integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado (HALL, 2002, p.67).
Para compreensão das transformações ocorridas nas práticas culturais da comunidade russa, alguns teóricos
culturais argumentam que há uma tendência em direção a uma maior interdependência global que esta levando
ao colapso todas as identidades culturais. Isto é, está produzindo uma fragmentação cultural, a multiplicidade de
estilos, a ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente, na diferença no pluralismo cultural e na hibridação.
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Considerações Finais
Pensando no contexto dessa comunidade na representação histórica e fatos que foram extremamente impor-
tantes desde sua vinda, carregam consigo as práticas religiosas, contudo as experiências vividas estão entrelaça-
das ao seu modo de vida anteriormente cultuado na velha Rússia. O modelo tradicional da própria cultura de-
veria ser praticado em sua nova pátria, o Brasil. Confrontado com a dura realidade do país, o multiculturalismo
e a chegada de diversas culturas vindas de várias partes do mundo, nesse mesmo período, fugindo das guerras
e das revoluções, houve um choque cultural. Nesse impacto cultural agregaram-se outros valores e símbolos às
vezes imperceptíveis a suas práticas.
Este conjunto de símbolos e tradições culturais apresentados contempla a fala de Lucena Filho (2007) quando
afirma que:
As manifestações da cultura de um povo abraçam não apenas as suas instituições e linguagens. As culturas se expressam via transmissão de múltiplos signos, símbolos e íco-nes, vivenciados nas suas crenças, danças, na musicalidade, na religiosidade, nas comidas típicas, na literatura, na oralidade, nas suas produções artísticas e nas suas festas (LUCENA FILHO, 2007, p. 154).
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Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 34-45, nov 2012
PERFIL UNIVERSITÁRIO: UM PORTAL DE MÍDIA DE PROXIMIDADE?1
Palavras-chave: Mídia de proximidade; sítios; ciberespaço, Dourados.
Resumo
O texto apresenta o Perfil Universitário, um sítio de Dourados, voltado para o público universitário da cidade.
Trata-se de um estudo preliminar, do perfil dos sítios de Dourados, a partir da perspectiva de mídia de proximida-
de, inserida no ciberespaço. A metodologia utilizada é a descritiva. O sítio utiliza o formato de portal de notícias,
mas, ainda carece de elementos para esta configuração. Pelo ineditismo da ferramenta e o papel que exerce no
processo de comunicação apresenta fortes traços da mídia de proximidade.
José Milton ROCHA2 e Mario Luiz FERNANDES3
1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigram/ Dourados/ MS.
2 Mestrando do Curso de Comunicação da UFMS, email: [email protected] Orientador do trabalho. Professor do Mestrado de Comunicação da UFMS, email: [email protected]
ROCHA, José Milton 35
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 34-45, nov 2012
Introdução
A internet tem favorecido o surgimento e consequente fortalecimento de portais regionais de forma massiva
e segmentada. Barbosa (2002, p.64) avalia que esses portais “[...] se distinguem pela atuação segmentada e
pela relação direta estabelecida entre comunidade e conteúdo”. Constituem-se em exemplo de apropriação da
tecnologia seguindo a lógica de articulação local-global.
Peruzzo (2003, p.70) ratifica a valorização dos meios de comunicação local: “[...] revitalizados no mo-
mento atual como uma demanda social pela diferença e por uma comunicação mais próxima à vida e aos inte-
resses do cidadão”. Ela adverte, contudo, que o interesse da mídia comercial se caracteriza pela demanda do
segmento, sem aprofundar a sua potencialidade de comunicação de proximidade, tampouco a de um caráter
mais voltado para os interesses do cidadão.
O Estado de Mato Grosso do Sul, situado na região do Centro-Oeste brasileiro, tem seguido esta tendência
com um número significativo de sítios de notícias. Uma estatística ainda não finalizada do Portal de Mídia da
UFMS já contabiliza 27 sítios jornalísticos. O município de Dourados responde por oito dos catalogados naque-
le Portal, mas esse número já ultrapassa 12, segundo verificação mais recente. Estes sítios não estão ligados a
jornais impressos, são versões próprias do ambiente web. O Perfil Universitário é um destes portais de Dourados.
Como o nome sugere, é voltado para o público universitário da cidade.
O objetivo deste artigo é apresentar o sítio a partir da perspectiva do seu enquadramento como parte de
uma mídia de proximidade. Peruzzo (2003) entende que a mídia de proximidade está ligada a fatores históricos
e culturais, porque eles ajudam a configurar a existência e o grau de importância da mídia regional e local em
cada contexto. A pesquisadora salienta que a mídia local, um elemento de abrangência da mídia de proximida-
de, se ancora na informação gerada dentro do território de pertença e de identidade em uma dada localidade
ou região. Mas ela vai além quando diz o seguinte:
“Importa entender que o local se caracteriza como espaço vivido em que há elos de proximidade e familiaridade, os quais ocorrem por relacionamentos (econômicos, políticos, vizinhança etc.) e laços de identidade os mais diversos, desde uma história em comum, até a partilha dos costumes, condições de existência e conteúdos simbólicos, e não simplesmente em decorrência de demarcações geográficas” (PERUZZO, 2003, p.69).
Mas que enquadramento deve ser dado ao Perfil Universitário, no que concerne à categorização de sítios?
De notícias, de entretenimento? Que inserção este tipo de mídia tem na população de Dourados? Qual é o seu
conteúdo predominante? Muitos questionamentos podem ser suscitados, mas o trabalho tratará do sítio na pers-
pectiva de mídia de proximidade, já que se trata apenas do início de uma pesquisa sobre os sítios de notícias de
Dourados. No decorrer da pesquisa o assunto será analisado com maior abrangência, levando em conta outros
aspectos como conceitos do jornalismo (lide e pirâmide invertida, por exemplo), mas principalmente os funda-
mentos do ciberjornalismo como hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, customização de conteúdo/
personalização, multiplicidade/convergência, memória e instantaneidade (PALACIOS, 2004).
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O trabalho é parte do projeto de pesquisa desenvolvido no Programa de Mestrado de Comunicação Social
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que estudará o perfil dos sítios de notícias da Grande
Dourados, a partir do conteúdo jornalístico oferecido por eles, na perspectiva do ciberjornalismo. Mielniczuk
(2003) entende que a palavra ciberjornalismo remete ao jornalismo realizado com o auxilio de possibilidades
tecnológicas oferecidas pela cibernética, sendo, portanto, o jornalismo feito com o auxílio do ciberespaço. “A uti-
lização do computador para gerenciar um banco de dados na hora da elaboração de uma matéria é um exemplo
da prática do ciberjornalismo” (MIELNICZUK, 2003, p.43).
O texto utiliza como metodologia duas formas de pesquisas apresentadas por (GIL, 1995): a exploratória e
a descritiva, no caso, para estudo de caso do Perfil Universitário. De acordo com o autor, as pesquisas descriti-
vas têm como objetivo principal a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, o
estabelecimento de relações entre variáveis. Características como a entrevista e a observação sistemática, são
consideradas técnicas padronizadas deste tipo de pesquisa. O autor entende que “as pesquisas descritivas são,
juntamente com as exploratórias, as que habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados com a
atuação prática” (GIL, 1995, p.46).
Sobre a pesquisa exploratória, o autor considera que ela pode ser usada em estudo de caso, e tem como
objetivo oferecer maior familiaridade com o objeto pesquisado, permitindo o uso de entrevista para expor a situ-
ação. Estes tipos de pesquisas foram adotados neste trabalho porque a investigação ainda está no seu início e,
neste primeiro momento, entende-se que, a melhor maneira de fazer é apresentando o objeto, descrevendo-o,
ao tempo que se promove a exploração dele.
2 – MÍDIA LOCAL, OU DE PROXIMIDADE
É necessário, portanto, um olhar acurado para se entender a importância que esse tipo de mídia exerce na
sociedade atual. Um viés que pode ajudar a compreender, ou explicar, essa situação seria a mídia local, ou mí-
dia de proximidade, no processo de globalização. Para Roger Silverstone4 , a mídia precisa ser estudada, para
se compreender como e onde surgem os significados, além das consequências trazidas por ela. É preciso ter
capacidade de identificar os momentos em que o processo parece falhar, onde ele é distorcido pela tecnologia
ou de propósito. O autor define a mídia como um processo:
“[...] como uma coisa em curso e uma coisa feita, em todos os níveis, onde quer que as pessoas se congreguem no espaço real ou virtual, onde se comunicam, onde procuram persuadir, informar, entreter, educar, onde procuram de múltiplas maneiras, e com graus de sucesso, variáveis, se conectar umas com as outras” (SILVERSTONE, 2005, p.12).
Para ele, entender a mídia como processo, também implica um reconhecimento de que esse processo é fun-damentalmente político, ou talvez, mais estritamente, politicamente econômico. E vai mais além quando afirma que, passamos a depender da mídia, tanto impressa como eletrônica, para fins de entretenimento e informações,
de conforto e segurança, para ver algum sentido nas continuidades da experiência (SILVERSTONE, 2005).
4 Trecho de entrevista do pesquisador inglês Roger Silverstone publicada no sítio da ANJ. Disponível em: http://www.anj.org.br/pje/biblioteca/entrevistas/professor-roger-silverstone-explica-porque-devemos-estudar-a-midia. Acesso em 24.04.2012.
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O pesquisador em jornalismo Mario Fernandes, citando Fontcuberta, define a proximidade como um dos fato-
res mais poderosos na hora de eleger uma notícia, embora ressalte que ela não deve ser entendida apenas como
geográfica, mas também social e psicológica (FERNANDES, 2004).
No entendimento de Peruzzo (2003), com o advento das novas tecnologias de comunicação, sobretudo a inter-
net, as relações sociais e pessoais podem ser estabelecidas com base na proximidade de interesses e identificações
por meio das comunidades virtuais. Outro aspecto que deve ser levado em conta no caso do Perfil Universitário é
sua inserção no cenário da economia de Dourados. A pesquisadora ratifica a peculiaridade, quando afirma que
a mídia local tem características em comum com a grande, mas que a unidade de negócio, rentável, ou seja, os
interesses mercadológicos estão acima dos outros interesses.
Outro aspecto observado pela pesquisadora sobre mídia local é que ela não é homogênea e que as estratégias
editoriais são variadas e influenciam o tipo de inserção na cidade ou região. Há ainda o aspecto da variedade
de suportes utilizados, que vão do meio tradicional impresso às tecnologias de radiodifusão e digitais. Sítios de
internet, onde se insere o Perfil Universitário, aparece como um, dos vários tipos de meios de comunicação local,
já que podem se constituir em canal de comunicação de entidades locais, na forma de páginas institucionais ou
comunidades virtuais.
Ressaltando o ineditismo da experiência de um sítio voltado para o público universitário de Dourados, cuja
identidade, porém, é complexa, indefinida, pois mistura informações de prestação de serviço, com jornalismo e
publicidade. Para fazer uma apresentação do portal foram feitos recortes de sua diagramação conforme as figuras
1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 e, uma entrevista com os responsáveis, além de uma amostragem, num período de quatro dias
da semana, que retratam quatro edições. Embora ainda não disponha de produção própria de conteúdo noticioso,
como pretendem seus proprietários, em médio prazo, o sítio deverá adotar essa postura editorial. A criação do Perfil
Universitário ocorreu a partir de um estudo sobre o público universitário em Dourados, estimado em 20 mil pessoas.
3 – DOURADOS, UMA CIDADE UNIVERSITÁRIA
Dourados é a segunda cidade do estado de Mato Grosso do Sul, com 196.035 habitantes, conforme o censo
de 2010 do IBGE . A primeira é Campo Grande, a capital, com 786.797 habitantes. Fundada em 1935, Dou-
rados só teve seu crescimento intensificado a partir da década de 1950 com o incremento do setor de infraes-
trutura, principalmente nas áreas de transportes e de comunicação, fazendo com que o município desenvolvesse
a agropecuária, o comércio e serviços, e se consolidasse como importante polo regional, para uma região com
quase um milhão de habitantes, incluindo parte do Paraguai. Isto lhe conferiu o título de Portal do Mercosul.
Dourados é apontada pelo IBGE como o 136º maior município brasileiro e o 55º maior município do interior,
em número de habitantes.
Com uma economia vigorosa, representa 8% das riquezas produzidas pelo estado e é o 158º maior PIB
(produto interno bruto) entre municípios brasileiros. A cidade ficou também em 146º lugar de maior potencial de
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consumo entre as cidades brasileiras, de acordo com IPC Marketing de 2010. A partir da década de 1970
passou a receber pessoas procedentes de outros estados brasileiros, estimuladas pela ocupação de terras, princi-
palmente o gaúcho. Esses “estrangeiros” contribuíram para a expansão da cidade e da sua cultura.
Dourados se transformou numa cidade cosmopolita, com uma gama cultural rica e diversificada, advinda dos
diferentes povos, que trouxeram matizes e raízes culturais, de origem, sem falar da forte influência da população
nativa absorvida da proximidade cultural da fronteira com o povo paraguaio. Outro aspecto significativo a ser des-
tacado no processo de seu desenvolvimento é o importante polo educacional, que passou funcionar no município.
Hoje, o município conta com cinco universidades: duas públicas sediadas no município - Universidade Federal
da Grande Dourados (UFGD) e a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMES) - além das particulares
-Unigran, Anhanguera e UNIDERP. Juntas, as universidades apresentam um contingente populacional de cerca de
20 mil estudantes universitários, procedentes de diversos estados do país.
4 – UM SÍTIO PARA UNIVERSITÁRIOS JOVENS
O sítio Perfil Universitário, criado em 2010, é mantido pelos proprietários da agência de web Comunicação e
Marketing Integre Criativa, de Dourados, cujo foco principal é o marketing voltado para a web. A agência trabalha
com desenvolvimento de sítios, fazendo gestão de redes sociais, gestão de web marketing, comunicação das em-
presas dentro da internet, de acordo com Tarciso Rodrigues, um dos sócios. Ele ressalta que a visão da empresa é
voltada para web, pois seus proprietários acham que essa é a tendência do mercado.
O publicitário Tarciso Rodrigues conta que a ideia de criação do Perfil Universitário surgiu de três amigos
da mesma profissão: ele, Emerson e Eduardo. Tarciso afirma que tinha um projeto de criar algo relacionado à
web; Eduardo, um projeto de uma revista; e Emerson, algo relacionado ao tino comercial. Então, eles juntaram as
ideias e pensaram em um produto que fosse viável em Dourados considerando o grande universo de estudantes
universitários. Na visão deles, a demanda dos estudantes torna os preços na cidade com aluguel, imóveis, e outros
produtos mais altos, além de proporcionar muitos eventos sociais nos fins de semana.
De acordo com Tarciso Rodrigues, a cidade já dispunha de sítios de notícias como o Dourados News, o mais
antigo da cidade, que funciona desde 2000; o Dourados Agora, entre outros; mas faltava um que atendesse essa
demanda estudantil, esse público segmentado e que o Perfil Universitário veio preencher essa lacuna. Os publici-
tários têm controle, em tempo real, sobre o que é acessado, sobre o que é baixado pelos usuários, comentado, de
onde vêm os acessos (cidades, países) através de um programa pago (mensalmente) no qual é fornecido um código
que é implantado (pelos donos) na programação do sítio, que gera um relatório dessa movimentação.
Emerson Marques afirma que este programa é bastante eficiente por trabalhar a movimentação em tempo real.
Ele explica que quando o usuário acessa o sítio pela primeira vez, é gerado um número de registro, e sempre que
este usuário acessar o ambiente virtual vai aparecer seu número de registro. Isso permite o controle da audiência
do portal. Eles afirmam que o sítio tem uma movimentação média de 60 mil visualizações por mês, mas quando há
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um evento grande na cidade, esse número pode subir até para mais de 200 mil acessos. O recorde do sítio foi de
45mil visualizações em um só dia.
De acordo com os proprietários do Perfil Universitário, a forma de os estudantes entrarem em contato com os
responsáveis pelo sítio é via redes sociais (principalmente) e pelo próprio portal. O assunto que desperta maior
interesse pelos usuários é sobre informações de eventos (preços, datas). Em relação à Universidade em si, ativi-
dades acadêmicas, há um interesse menor por parte dos usuários, pelo fato do serviço ser direcionado apenas
ao público daquele determinado curso ou área de atuação.
Tarciso admite terem encontrado dificuldades para gerar conteúdo original para cada segmento das univer-
sidades, por isso não há uma proporção tão grande de acessos relacionados à notícia, mas que mesmo assim,
a seção desperta interesse. Os usuários comentam, compartilham, curtem via rede social. Tudo que é postado é
sempre visto, curtido.
O Perfil Universitário não dispõe de jornalista para produzir conteúdo jornalístico. Quem posta o conteúdo
é também uma publicitária, que integra a equipe. Geralmente, as matérias utilizadas pelo sítio são procedentes
de assessorias de imprensa. Emerson explica que os sítios de notícias da cidade são sustentados por contas de
governo, porque as empresas locais não têm condições financeiras de pagar anúncios.
Os proprietários do sítio pretendem trabalhar junto à área governamental captação de verbas publicitárias,
mas por enquanto a parceria é apenas com empresas privadas (uma concessionária de moto, clínica de orto-
dontia, autoescola, aluguel de carro, loja de roupas). Hoje, o faturamento do portal é suficiente para sustentar o
projeto, mas como fonte de renda prevalece os serviços da Integre Criativa. Eles não quiseram revelar valores de
custo, nem da receita, mas admitiram que a marca, hoje, está estimada em R$ 100 mil.
Na avaliação dos proprietários, o Perfil Universitário funciona como um case, pois vai verificar a eficácia do
que funciona na web além da marca, em Dourados. Eles acreditam que 80% dos universitários da cidade conhe-
cem o sítio, tendo também certo apreço pela marca. Eles ressaltam o ineditismo do portal e afirmam não haver
sítio com esta proposta e este perfil, no País.
4 - O CONTEÚDO DO PERFIL UNIVERSITÁRIO
O Perfil Universitário se apresenta em formato de portal de notícias, sob o domínio www.perfiluniversitario.
com.br. Procura adotar uma linguagem não verbal limpa e voltada para o público jovem, usando cores fortes e
chamativas, como o vermelho, por exemplo. Na parte superior da página principal (Figura 7), ao lado da logo-
marca cuja letra “O” de Universitário traz uma simbologia dos sexos masculino e feminino, uma referência a uni-
versitários e universitárias e, logo a seguir, uma sequencia de fotos de jovens, em movimento, e o slogan: qual é o
seu perfil? Na barra de ferramentas, os canais dos sítios com seus produtos e serviços conforme figuras 1, 2 e 3.
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Figura 1 - Fonte: Site Perfil Universitário – Barra de Ferramentas e chamadas do dia 21.04.2012.
Embora não seja um sítio jornalístico, ele se apresenta no formato “portal de notícias”, com diagramação
que prioriza pequenas chamadas, a escalada, e remete para textos em outras páginas, a exemplo dos sítios
noticiosos. Até mesmo as seções últimas notícias, enquete e em destaque estão bem caracterizadas. O design
traz uma barra de ferramentas que funciona como menu, onde os canais home, fotos, notícias, agenda, lojinha,
classificados, repúblicas, promoções e contato são destacados conforme figuras ilustrativas do sítio. Apresenta
também hierarquização de assuntos, a exemplo das editorias dos sítios noticiosos. Além disso, os assuntos são
chamados de notícias conforme pode ser visto nas chamadas dos assuntos.
Figura 2 - Fonte: Site Perfil Universitário – Barra de Ferramentas e chamadas do dia 22.04.2012.
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A produção das notícias como se pode perceber nas figuras 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7, é procedente de fontes
externas (outros sítios, ou assessoria de imprensa), de interesse do público alvo, segundo os publicitários. Os
assuntos versam sobre curiosidades, comportamento, concurso, vestibular e, em algumas ocasiões, dependendo
da situação, sobre a agenda das universidades. A agenda, um dos pontos alto do portal é sempre atualizada,
de acordo com os publicitários, pois os eventos são informados com antecedência. A agenda elenca os eventos
festivos na cidade. É que o mais interessa aos usuários.
Figura 3 - Fonte: Site Perfil Universitário – Barra de Ferramentas e chamadas do dia 23.04.2012.
Procurou-se acompanhar, durante quatro dias, três seguidos (21, 22, 23) e um alternado (25) de abril, sába-
do, domingo, segunda e quarta-feira, respectivamente, a produção de conteúdo do Perfil Universitário. Nos três
dias iniciais não houve atualização de notícias. Percebem-se os mesmos destaques, mudando apenas a foto prin-
cipal da capa, numa sequencia de seis slides. Na quarta-feira (25) houve uma mudança das chamadas da capa,
com postagem de novas matérias, depois de quatro dias. Logo, fica caracterizada a falta de algumas caracte-
rísticas do jornalismo definidas pelo teórico alemão Otto Groth (GENRO FILHO, 1987) como a periodicidade,
atualidade, universalidade, por exemplo. Tampouco são encontrados conceitos básicos do jornalismo na feitura
do texto como o lide e a pirâmide invertida ou mesmo as características do ciberjornalismo já mencionadas.
Figura 4 – Fonte: Site Perfil Universitário – Últimas notícias e enquete da capa.
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O sítio apresenta algumas seções ainda sem o devido funcionamento como é o caso da Lojinha. Segundo os
sócios, o sistema está pronto, mas falta determinar quais produtos serão oferecidos. A ideia é que o sítio funcio-
ne como um shopping virtual, a proposta dessa loja é para que o universitário possa vender ou comprar o que
ele desejar. Será um serviço gratuito. O aluno vai ao sítio, cadastra seu anúncio e publica as fotos. A mediação
é feita pelos responsáveis do portal. Caso o produto não seja ilegal, ou de origem suspeita, é disponibilizado.
Figura 5 – Fonte: Site Perfil Universitário – Últimas notícias e enquete da capa.
O canal República funcionará seguindo o mesmo princípio, onde o usuário poderá cadastrar as repúblicas.
Conforme Emerson Marques, tal seção já poderia render até pautas de matérias de serviço sobre preço de alu-
guel de quartos, quitinetes, ou mostrar a vida dos universitários em repúblicas, longe da família. A destinação
destas duas seções tipifica a prestação de serviço, utilidade pública, oferecida pelo portal. A seção Promoções
apresenta foto de universitárias que se submetem a concurso de beleza, o que eles chamam de cota universitária,
uma promoção feita em 2010 onde mais de 300 meninas se cadastraram.
Figura 6 – Fonte: Site Perfil Universitário – Destaques da capa do dia 25.04.2012.
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Emerson Marques observa que no universo universitário, os potenciais 20 mil usuários do sítio, grande parte
não foi atingida. São pessoas casadas, com 30 e poucos anos, que não saem para a balada, que estariam mais
interessados em ver no sítio notícias locais. De acordo com o publicitário, o sítio apresenta maior número de
acessos nas terças e quartas-feiras.
Figura 7 – Fonte: Sitio Perfil Universitário – Apresentação da logomarca, da barra de ferramentas, das cha-
madas de notícias em destaques, do dia 25.04.2012.
7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Perfil Universitário não caracteriza claramente um sítio de notícias, em função da falta dos elementos neces-
sários que o classificariam como tal, já devidamente explicitado. Entretanto, não custa lembrar que Alsina (2009)
entende que a construção do discurso jornalístico como uma composição de três fases: produção, circulação e
consumo, ou reconhecimento. Essa concepção, contudo, está associada ao processo global de comunicação.
Mas não há como negar o fato do portal apresentar traços deste segmento. Há uma percepção da significância
do papel exercido por esta mídia junto ao público e sua inserção na cultura midiática, na cibernética, no cibe-
respaço tão afeita ao seu público alvo, no caso, o jovem, principalmente após o advento das redes sociais. Esta
ferramenta exerce cada vez mais importância no processo de integração do tecido social contemporâneo.
Nesse sentido, Barbosa (2003) observa que os portais operam de forma segmentada, disponibilizando entre-
tenimentos e serviços para determinadas comunidades em cidades e regiões. Trabalham o princípio de proximi-
dade tanto do ponto de vista da contiguidade, quanto do princípio jornalístico, de noticiabilidade (WOLF, 2009).
Para a autora, os portais regionais se constituem num formato que pode ser usado como veículo na intensificação
das relações entre a própria comunidade e o público do seu entorno, por meio da mediação do ciberespaço.
Há ainda que se ressaltar que o Perfil Universitário poderia prestar mais serviço e de melhor qualidade ao
seu público cativo, como afirmam os organizadores. Ele poderia utilizar a força de penetração da mídia para
abordar assuntos pesquisados pela própria academia. Apresentar, por exemplo, trabalhos de pesquisas, resumo
de artigos, bibliografias, além de informações factuais atinentes a este segmento social, de forma estruturada,
levando em conta conceitos básicos do jornalismo.
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Levantar questionamentos sobre maneiras de como determinado curso de uma universidade poderia produzir
conhecimento usado no dia a dia da cidade, capaz de mudar a realidade da população para uma situação
melhor, trazendo conforto e bem estar à sociedade de Dourados. Um exemplo aleatório: o desenvolvimento
de um projeto por uma faculdade de engenharia visando melhorar o trânsito de Dourados. Barbosa (2003) na
perspectiva de Steve Outing aponta uma mistura de serviços e conteúdos como fundamentais para o sucesso de
um portal regional ou local: noticiário atualizado e dividido por áreas temáticas, sistema de manchetes do dia,
links atualizados para jornais e TVs, links para serviços diversos, salas de bate-papo, relações de compras online.
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8 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GENRO FILHO, Adelmo. O Segredo da Pirâmide – para uma teoria marxista do jornalismo, Porto Alegre, Tchê,
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GIL, Antônio Carlos. Como elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 1995.
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PERUZZO, Cicília M. Krohling. Mídia Local, uma mídia de proximidade. Comunicação: Veredas, Ano 2 – nº02
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SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo, Loyola, 2005.
WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo, WMF Martins Fontes, 2009.
ISSN: 2316-3992
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 46-55, nov 2012
NOTAS SOBRE A ATUAÇÃO DE PAULO FRANCIS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO (1975-1990)1
Palavras-chave: Paulo Francis; Folha de São Paulo; Imprensa e História.
Resumo
O jornalista Paulo Francis é conhecido como referência do polemismo na imprensa brasileira. Como ex-inte-
lectual de esquerda, sua guinada ideológica ao liberalismo coincide com seu exílio voluntário nos Estados Unidos
e sua entrada para o Jornal Folha de São Paulo (FSP). Por meio de suas colunas nesse jornal, é possível verificar o
discurso gradual de sua conversão ao liberalismo. A comunicação objetiva, por meio do estudo de suas colunas
na FSP, problematizar como o jornalista articula a racionalização de seu ideal liberal ao mesmo tempo em que
analisa a política mundial e brasileira no contexto do final da Guerra Fria.
Alexandre Blankl BATISTA2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS
1Alguns fragmentos deste texto foram retomados da comunicação apresentada durante o encontro da ANPUH Nacional de
2011, cujos anais se encontram em: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300936846_ARQUIVO_Alexandre-
Batista-ANPUH2011-Completo.pdf
2Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS. Email: [email protected]
BATISTA, Alexandre Blankl 47
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O polemista Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, popular Paulo Francis, foi um dos mais destacados jorna-
listas brasileiros. Durante seu percurso profissional, atuou como crítico teatral em jornais e revistas do centro do
país (Rio de Janeiro e São Paulo). Somente na década de 1960 iniciou sua trajetória como polemista político.
Teve destacada passagem pelo jornal Última Hora, dirigido por Samuel Wainer, e é muito lembrada a sua atu-
ação no conhecido semanário O Pasquim, periódico que marcou época por sua postura audaciosa frente ao
período de ditadura civil-militar da época. Após ser preso algumas vezes junto com a turma do Pasquim, decide
morar nos Estados Unidos, onde seguia colaborando para o semanário. Em 1975 torna-se correspondente da
Folha de São Paulo, tendo contrato exclusivo com este jornal e mantendo-se colaborador até o final da década
de 1980. Durante a década de 1990 era um dos mais bem sucedidos profissionais da imprensa nacional. Nessa
época, até 1997, quando faleceu, escrevia para O Estado de São Paulo (OESP) e O Globo. Além disso, ficou
famoso ao aparecer em ligeiras inserções nos telejornais da Rede Globo de Televisão, desde 1981.
O trabalho de pesquisa, que está sendo elaborado do PPG de História da UFRGS, tem entre outras preocu-
pações o objetivo de investigar a atuação de Francis no Jornal FSP, com o intuito de perceber nas entrelinhas do
discurso do jornalista as nuances de seu liberalismo político, como o mesmo foi moldado em paralelo às suas
análises da política estadunidense, quais eram as ideias que defendia e como defendia. Junto a isso, liga-se a
problemática de sua virada ideológica. Francis se dizia trotskista até meados da década de 1960. Depois do gol-
pe de 1964, passou a ter dificuldades em conseguir estabelecer-se nas redações de jornais e revistas brasileiras.
Nesta comunicação, nos interessa o período em que escrevia para a FSP. É neste ínterim, entre 1975 e 1989
que observamos, gradativamente, as mudanças das posições políticas do polemista. Daremos ênfase ao período
final de sua atuação na Folha, sublinhando aspectos de sua linguagem e de seu discurso alinhado ao jornal.
Embora fosse um profissional muito reconhecido já na época de atuação na Última Hora, nossa hipótese de
trabalho é de que Paulo Francis ocupou um espaço privilegiado na imprensa nacional por se vincular organica-
mente aos interesses transnacionais capitalistas, especialmente ao setor financeiro e aos setores de imprensa que
funcionam como Aparelhos Privados de Hegemonia destes mesmos interesses financeiros.
O método Paulo Francis: Evidências biográficas
Franz Paul Heilborn tinha um estilo de escrita bastante agressivo e irônico. Os leitores mais jovens talvez
recordem de seus ataques à esquerda socialista, ao Partido dos Trabalhadores, às estatais e a uma série de po-
lêmicas envolvendo certa dose de preconceitos de toda ordem, desde sua implicância com o povo nordestino,
até seu desdém, cada vez mais pungente, com variados elementos da cultura nacional, presentes, por exemplo,
na música e no cinema. Esses temas foram bastante ventilados durante seus últimos anos escrevendo para a FSP
e durante sua atuação em O Estado de São Paulo.
Embora este Paulo Francis fosse admirador e muito identificado com a cultura estadunidense, até se exilar nos
EUA, não tinha aparentemente laços com o modo de vida norte-americano.
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Afinal, era brasileiro e morou a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro. Nasceu nessa cidade, em dois de
setembro de 1930. Fizera o ginásio e o colegial em escolas cariocas. Não chegou a completar o curso universitá-
rio de filosofia, no qual entrara em 1950. Com vinte e um anos fez sua primeira viagem internacional a Paris. De
1951 até 1954, o jovem Franz frequentava determinados círculos que o conduziram às artes dramáticas, como
o Teatro do Estudante e uma temporada em Nova Iorque, ocasião em que estudou com Eric Bentley.
Essas experiências com o teatro acabaram direcionando sua carreira profissional como crítico teatral,
momento em que iniciou suas incursões como jornalista e escritor. Como referido anteriormente, a dedicação
aos temas políticos somente veio com a atuação no jornal Última Hora. Em 1963, época de seu início como
jornalista cobrindo a política nacional, Francis já tinha fama de crítico ácido nos tempos de análise teatral . A
nova experiência deu continuidade à linguagem ácida, com ataques certeiros. Embora a linha do jornal fosse
de apoio ao governo João Goulart , e Francis fosse um trotskista desconfiado do populismo herdado de Getúlio
Vargas, preferia tal conduta a ver o país ser controlado pela UDN e outras forças reacionárias. No jornal, atacava
Carlos Lacerda, criticava os Estados Unidos por seu imperialismo, proferia insultos aos latifundiários e organiza-
ções de cunho empresarial, como o IBAD. Ademais, elogiava muito Brizola e Miguel Arraes, cobrando atitudes
semelhantes de Jango a desses líderes políticos.
Entretanto, durou pouco tempo a sua aventura no Última Hora. Após o Golpe Civil-Militar de 1964, a
maioria das redações restringiu o seu ímpeto crítico, movido à ironia e linguagem ácida. Francis só voltaria às
redações em 1967, editando o Quarto Caderno do Correio da Manhã, mas já sem a mesma verbe agressiva de
antes e sem assinar as colunas. Um ano depois veio a primeira prisão, seguida de outras três até 1970 (ao todo
somou dois meses de detenção). É importante mencionar neste meio tempo a criação de O Pasquim, semanário
em que Francis foi um dos co-fundadores. Com exceção da primeira, as demais detenções foram o reflexo de sua
colaboração àquele semanário, “honraria” dividida com seus colegas de redação, frequentemente “convidados”
a dar depoimentos nas delegacias e conduzidos à prisão .
Foi logo depois desta época que conseguiu estabelecer-se em Nova Iorque, por meio de uma bolsa
concedida pela Fundação Ford. Até o momento, não temos maiores informações sobre a contra-partida desta
bolsa. Contudo, é um dado interessante, visto que a Fundação Ford, junto com outras instituições estaduniden-
ses, naquela época, auxiliava na edificação das políticas econômicas e culturais, apregoadas por iniciativa dos
EUA, para a América Latina . Pelo menos, sabemos que a própria condição de aceitar tal incentivo, indique um
arrefecimento da aversão de Francis quanto às instituições de cunho estadunidense.
No final de 1975, ao ser contratado pela FSP, já tinha um pequeno histórico de esparsas colaborações a
esse jornal. No que tange nossa pesquisa, de uma forma mais ampla do que nesta curta comunicação, este
marco é importante, pois é por volta dessa época que temos um leque mais conciso de textos para averiguar
a problemática de sua “virada ideológica”.
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Há que se considerar o fato de que Paulo Francis não é um caso isolado no manancial de “ex-intelectuais de
esquerda” que, de alguma forma, entre as décadas de 1960 até 1990, deram uma guinada à “centro-direita”
e à “direita liberal” .
YA grande imprensa: Folha de São Paulo
A coluna de Paulo Francis, designada O Diário da Corte, foi originalmente criada no jornal Folha de São
Paulo. A corte analisada por Francis dizia respeito aos EUA e sua política interna e externa. No entanto, não era
apenas a política estadunidense o objeto dos textos de Francis. Não raras vezes o jornalista cobria eventos na
Europa, viajando a outros países. Mas, predominantemente, seu assunto era a política dos EUA. Nos Diários
da Corte, porém, não faltavam referências ao Brasil e à comparação entre nossos costumes, cultura, política e
sociedade, aos seus congêneres no norte da América.
É importante destacar como as ideias de Francis, seus posicionamentos subjetivos em termos de política e
modelos de preferência econômica, foram acompanhando, em maior ou menor grau, os editoriais da FSP. Uma
interpretação, por exemplo, que chama a atenção pela unissidade de sua formulação é referente a como se deu
o golpe de 1964 e como se deve interpretar a ditadura que vigorou entre 1964 a 1985 no Brasil .
A FSP tem se configurado como uma defensora da visão de que teríamos tido uma Ditadura pouco repressiva,
que teve méritos em áreas estratégicas da economia, bem como diferindo linhas de militares com perfis opostos
durante o regime, emitindo juízos elogiosos a personagens como Castello Branco e Ernesto Geisel . Paulo Francis
seguiu raciocínio semelhante, indo ao encontro, posteriormente, às de outro jornalista também ligado à FSP, Elio
Gaspari, que publicou recentemente juízos semelhantes em seus livros acerca do período e do tema.
A recepção do neoliberalismo é, sem dúvida, uma evidência interessante da confluência entre grande parte
dos jornalistas e dos grandes jornais no Brasil. O autor Francisco Fonseca estudou os jornais Folha de São Paulo,
O Estado de São Paulo, O Globo e Jornal do Brasil, defendendo a tese de que a grande imprensa brasileira teria
colaborado para a introdução da “Agenda Ultraliberal” no país (FONSECA, 2005).
De meados dos anos 1980 até início dos anos 1990, Fonseca apresenta, através dos editoriais daqueles
jornais, diversos elementos que permitem observar como a grande imprensa defendia a abertura da economia, a
desregulamentação de mercados e as privatizações. Segundo ele, tais ideias foram “divulgadas e vulgarizadas”
pelos jornais, mostrando de maneira simplificada, e até distorcida, processos extremamente complexos a respeito
do funcionamento das economias de livre mercado.
Verificando, naquela época, o histórico das opiniões dos jornais FSP e OESP, Fonseca nota que, para além
dos editoriais, as coberturas feitas pelos diversos colunistas corroboravam com a postura dos jornais . O posi-
cionamento de Francis em relação à adoção das privatizações e liberalização da economia entre os anos 1985
e 1990 eram marcantes. O colunista tornou-se um dos principais vulgarizadores das noções de “privatização” e
“abertura da economia ao capital estrangeiro”. Falava com autoridade, de quem vivia há tempos num país que
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teria se beneficiado por essas práticas, além de inúmeras vezes repetir que pensava diferente antes, mas se
convencera dos benefícios do liberalismo econômico vivendo em solo estadunidense.
Outros eventos importantes de comparação entre as ideias de Francis e os editoriais do jornal dizem respeito
ao juízo emitido em relação ao socialismo, especialmente na época da derrocada da URSS e da queda do muro
de Berlim, e às eleições presidenciais de 1989. Todos esses eventos foram acompanhados de perto pela Folha e,
particularmente, por Paulo Francis. Os trechos a seguir exemplificam a perspectiva sobre o estilo de escrita, que faz
uso da agressividade e da ironia, do qual comentamos anteriormente. Ao lado desses aspectos, a observância do
(pouco) grau de profundidade da análise de Francis, e em especial de sua leitura do processo eleitoral brasileiro,
da concepção de um “tipo ideal” em que nossa política deveria espelhar-se e ser concebida, além de verificar seu
olhar sobre os processos históricos paralelos que trancorriam naquele momento em âmbito internacional.
Boa parte dos editoriais e das colunas da FSP enfatizavam, em 1989, o “fim inevitável do socialismo” e
a ruína de um regime calcado em uma doutrina ultrapassada. Somado a isso, tal discurso aliava-se a uma
antipatia pelo candidato do PT, Luís Inácio Lula da Silva, nas eleições daquele ano. O estudo dos editoriais,
neste sentido, é bastante elucidador, pois mostra a posição do jornal diante dos acontecidos, e não a opinião
de um ou outro colunista. No caso de Paulo Francis, suas opiniões diferiam dos editoriais mais pela forma do
que propriamente pelo conteúdo .
Para ilustrar este quadro, pode-se notar em uma coluna do dia 9 de novembro de 1989, no contexto da
fase final do primeiro turno das eleições presidenciais brasileiras e do processo de “queda do muro de Berlim”,
como Paulo Francis resume um pouco de suas impressões daquele momento:
Muita gente me pergunta em quem votar. Em que votar seria a pergunta correta. Em quem tiver coragem de macho para privatizar e eliminar as estatais e liberar as forças da produção. (…) Por que o comunismo está acabando? Porque levou a extremos o estatismo brasileiro. Tomou conta da produção. Isso já não funciona. Comprovado. Há sempre “mor-domias” do governo e negligências e desinteresse pelo que o consumidor quer. E resolveu estatizar também a vida pessoal das pessoas. Não se dá um passo sem consentimento da polícia. Não se pode fazer isso e aquilo. Não se pode ler o que o governo não quer. Nin-guém aguenta. Foge quem pode. Já estive lá duas vezes e o ambiente não podia ser mais baixo-astral (FSP, Ilustrada, 9/11/1989).
Os editoriais do jornal naquela semana narravam os acontecimentos internacionais enfatizando tanto a crise
soviética quanto a da Alemanha Oriental. Os jornalistas que faziam a cobertura internacional mencionavam que “o
fim estava próximo”. Ao verificar este excerto de Francis, notamos que o autor convergia com esse discurso, mas a
utilização da ironia dá um tom diferenciado à sua análise. A começar pela questão da eleição presidencial, a qual
relaciona com a necessidade de privatização das estatais. Subentende-se que há “covardia”, por parte do governo de
então, por não tomar a iniciativa da privatização. Da mesma maneira, correlaciona esses aspectos, necessidade de
privatização e as eleições brasileiras, com o colapso do regime político da Alemanha Oriental. Não seria necessário
dizer que o problema que envolveu o colapso e queda do comunismo no leste europeu é muito mais complexo de
analisar do que simplesmente atribuir as razões deste ocaso à impossibilidade de gerenciamento do Estado.
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Porém, a relação feita por Francis, e em época de eleição, limita as possibilidades de escolha de um candida-
to a um leque mais restrito de opções. Além do que, fica clara a posição por uma ideia, um projeto de sociedade,
e menos por um candidato. Pelo menos, esta é a postura de Francis no primeiro turno das eleições presidenciais
de 1989, quando o quadro dos postulantes a ir ao segundo turno ainda era incerto. Diante disso, havia apenas
uma certeza: o “antilulismo”. Isso ele deixava claro em todas as suas colunas durante a campanha presidencial.
Nesta mesma coluna, do dia 9 de novembro, observava o seguinte a respeito do candidato à presidência pelo
Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva:
Já um bestalhão como Lula é capaz de acreditar que o Brasil – expropriados os ricos – poderia ser um país em que cada um tivesse o suficiente para viver. A burrice brota em cada calçada entre os paralelepípedos. É espontânea. “Vem aí”. Como Sílvio Santos (FSP, Ilustrada, Idem).
Aqui aparece a caracterização agressiva dos textos de Francis, agregada à ironia sempre presente (o adjetivo
“bestalhão” pertence a ambas), sem contar a “deixa” nas entrelinhas sobre a breve candidatura Sílvio Santos,
uma alegoria. Própria da burrice estampada nas ruas? Ou a burrice envolve tanto Lula, como Sílvio Santos,
quanto as pessoas que votariam neles? Tanto faz. A precisão nas ideias não importa tanto. As ideias podem
ser até contraditórias, desde que sirvam para algum propósito. Apesar da aparente obviedade, esses elementos
devem ser apontados e significados dentro dos objetivos textuais do autor, nos quais estaria, evidentemente, a
finalidade de desqualificar a figura e as supostas intenções de Lula, sem que, no entanto, se entrasse no mérito
de um debate aprofundado sobre as mesmas.
Mesmo a constituição das explicações em torno dos pretensos benefícios do livre mercado e do incentivo às
privatizações, o raciocínio fica baseado em uma justificativa sumária, rasa de conteúdo e de maiores esclareci-
mentos sobre o que se ganha e o que se perde com tais prerrogativas. Em relação ao texto de Francis, devido
à extrema acidez e aos componentes irônicos, o conteúdo parece ficar à margem desses outros elementos, os
quais parecem “adornar” o seu argumento, tornando-o mais vistoso na aparência. Mas, na mesma direção, e
conforme as análises de Fonseca, o Jornal, como um todo, banalizava e homogeneizava o conteúdo político que
publicava. Neste sentido, é interessante notar a observação feita por um leitor da Folha, publicado no espaço
Painel do Leitor, em 17/11/1989, intitulado “Socialismo Mesmice”:
“O Socialismo acabou. Os países socialistas tentam juntar seus escombros”. Esta é a tônica de artigo publicado (27/10) pela Folha e assinado por José Arbex. Se não fosse assinado, poderíamos creditá-lo a qualquer profissional desse jornal ou de outro veículo de comunicação burguês, já que a mesmice tomou conta da mídia do país. Joaquim Santos Turim - São Paulo, SP (FSP/ Painel do Leitor, 17/11/1989).
Tal notícia certamente não ecoou uníssona apenas na Folha de São Paulo, porém o incômodo do leitor,
certamente, reflete aquele mesmo incômodo que temos ao folhear mais de um veículo dos diferentes/iguais da
grande imprensa.
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Lembrando que a quase totalidade das notícias internacionais (e mesmo as nacionais) até hoje nos chegam por
meio de agências de notícias. Cabe salientar que a manchete intitulada “O Socialismo Acabou” sentencia o fato, ou
deixa nas entrelinhas, a constatação de não haver mais possibilidade de construção de qualquer projeto socialista.
Neste ponto, é interessante de se questionar como Paulo Francis realizava o seu papel de corresponde internacional,
se trazia notícias que fugissem das grandes agências internacionais, ou as reproduzia. Ao que parece, embora possa ter
se constituído em um baluarte para a imprensa conservadora brasileira, em uma análise superficial, Francis “inovou” mais
na linguagem e iniciativa agressiva, do que propriamente em um conteúdo novo, ou contribuísse, de alguma forma, para
a adaptação daquelas ideias que defendia ao caso brasileiro.
A respeito da conjuntura relacionada à “queda do muro” e ao receio da eleição de Lula, Francis continuava a rela-
cionar o primeiro assunto com o segundo em tom jocoso e agressivo sempre que tinha oportunidade. Importante acres-
centar também as previsões econômicas que fazia, calcadas no fator de risco baseado na potencial “fuga de capitais”,
posição semelhante às adotadas nas colunas especializadas em economia da FSP e mesmo em alguns de seus editoriais:
Com Lula o dinheiro todo brasileiro já foi ou vai embora. Só quem não puder tirar é que deixará qualquer coisa aí. E as estatais vão falir e a hiperinflação vem. (…) Lula nos coloca “au niveau” de Cuba e Nicarágua. É uma besta quadrada. Não sabe de nada do que está falando. Vai usar o dinheiro dos juros da dívida – que não pagamos – para aumentar o sa-lário mínimo dos trabalhadores. Não dá. Alguém deve saber as quatro operações entre os petelhos (FSP, Ilustrada, 23/11/1989).
A preocupação com a fuga de capitais é uma justificativa comum daqueles que defendem o aumento dos
juros para implantar metas inflacionárias e “medidas impopulares” para regular a economia. Certamente não
foi coincidência que essa mentalidade estivesse em consonância com o Consenso de Washington e com as
metas econômicas do FMI, especialmente para os países da América Latina. A receita não foi amplamente
discutida e debatida, mas assimilada aos poucos, tendo a grande imprensa um papel de destaque dentro desta
prerrogativa. Balizada pela recepção dos textos por parte dos leitores, o medo do lulismo era racionalizado por
toda a conjuntura daquele momento e aliado ao fator econômico. O seguinte excerto, escrito por um leitor da
Folha, resume bem a mensagem insistentemente construída durante aquele ano, especialmente nos meses de
outubro e novembro:
Temos uma boa nova: caiu o Muro de Berlim, que separava as duas Alemanhas, uma democrata e outra comunista. No Brasil, não podemos aceitar que partidos da esquerda queiram impingir ao nosso povo doutrinas já ultrapassadas no tempo. Elementos desses grupos de esquerda procurarão expulsar do país os capitais estrangeiros que necessitamos para o desenvolvimento. Carlos A. Pereira de Oliveira - Curitiba, PR (FSP/ Painel do Leitor, 22/11/1989).
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Entendemos que opiniões como a deste leitor podem se enquadrar dentro daquilo que Francisco Fonseca entende
como “Consenso Forjado”, ou seja, o processo de criação do consenso em sua fase final, relacionando os eventos e
dando a racionalidade antes forjada nos aparelhos privados de hegemonia. Nos editoriais da FSP não encontramos
este tipo de síntese. Isso cabe aos colunistas, como Paulo Francis, ou mesmo mesmo aos leitores, os quais sem dificul-
dade expressam com mais clareza o simulacro que têm acesso através do conjunto do jornal. Não é nosso objetivo aqui
realizar um trabalho de recepção, mas é evidente que o leitor “fala a mesma língua” e interage com o conteúdo que
tem acesso, mesmo apropriando-se muitas vezes de maneira distinta àquela da matéria (ou matérias) que teve acesso,
o leque de apropriações possíveis é sempre limitado. Isso é algo bastante palpável no acompanhamento do dia-a-dia
das matérias, editoriais, colunas e cartas dos leitores publicadas.
Não é difícil entender quem ou o que são os alvos a serem atingidos: qualquer projeto de socialismo ainda existente
e projetos que vão de encontro à agenda neoliberal, já em voga e assimilada na grande imprensa, como o investimento
e manutenção das estatais, por exemplo. Quanto a Paulo Francis, há de se destacar que seu palavreado recheado de
insultos e estilo cômico chamava a atenção para a leitura de suas colunas. Segundo Bernardo Kucinski, nos anos de
1980 Francis teria tornado-se o colunista mais lido da FSP essencialmente por caluniar em seus textos inúmeras perso-
nalidades respeitáveis, o que provocava surpresa e espanto diante de sua suposta ousadia. O mesmo autor questiona
o seguinte:
“Além do sucesso de público, o que mais explica que textos de baixo nível estilístico e ético tenham sido aquinhoados com espaços tão grandes em jornais respeitáveis, como FSP (1976-1990) e OESP (1990-1997)?” (KUCINSKI, 1998: 86).
Kucinski formula a hipótese de que em períodos de crise há sempre modos de agir utilitários dentro do jorna-
lismo que são estimulados pelos proprietários dos meios de comunicação. É uma tese bastante plausível. Paulo
Francis teria sido um intelectual bastante útil dentro do quadro que se apresentava em 1989 e nos anos seguintes,
com uma real possibilidade de que a agenda política dominante não se concretizasse. Ora, embora não formu-
lasse postulados políticos respeitáveis e acadêmicos sob o ponto de vista de um analista social mais rigoroso e
atento, Francis apontava os caminhos e “traduzia” em uma linguagem mais do que acessível o que seria válido e
o que não seria em termos de política e economia nacional e internacional.
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Considerações Finais
A importância de estudar um intelectual como Paulo Francis vai além de sua contribuição para o entendimen-
to da chamada Agenda Neoliberal no Brasil. É notório como o jornalista influenciou a maneira de polemizar os
temas políticos brasileiros, caros à grande imprensa e, particularmente, aos grandes veículos de comunicação do
país. A problemática de sua “virada ideológica” pode ser igualmente comparada com a de outros intelectuais bra-
sileiros, jornalistas ou não, que saíram do país, sob exílio forçado ou voluntário, e pode enriquecer o entendimento
destes deslocamentos ideológicos, vinculados ao deslumbramento com os países ricos, muitas vezes servindo de
“palcos” para esses exílios, à desilusão com o socialismo e com a luta desigual frente à Ditadura Civil-Militar bra-
sileira. De qualquer forma, nosso estudo, de modo mais amplo, até o final da pesquisa de doutorado, pretende
dar conta destes dois motes, a saber, as razões que envolveram a guinada de Paulo Francis ao liberalismo e a
associação entre as suas ideias e as da grande imprensa, materializadas no jornal FSP.
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Morte do jornal de papel e novas tecnologias digitais: desafios e perspectivas
Palavras-chave: Imprensa, Mídia, Novas Tecnologias, Fim do Papel Jornal.
Resumo
Importantes transformações sociais e tecnológicas conspiram contra os jornais impressos no mundo todo. A
forte redução da verba publicitária, o envelhecimento dos leitores, o custo do papel e, principalmente, portais e
sites de informação e os novos suportes de mídia digital através da Internet, exercem forte impacto na história e
na vida dessa tradicional forma de mídia. No Brasil, apesar das novas tecnologias já terem motivado o fecha-
mento vários de grandes periódicos, também se registra, em contrapartida, aumento na tiragem dos jornais de
papel devido à expansão, em tempos recentes, dos pequenos jornais. Esse contexto traz à tona antiga polêmica
sobre a sobrevivência dessa mídia. Conseguirão os jornais de papel encontrar novos caminhos para resistir ao
impacto das novas mídias?
MELECH, Edgard CesarUniversidade Estadual do Centro-Oeste, PR
MELECH, Edgard Cesar 57
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A nova realidade bate à porta
Para Dines (2010) “nenhum jornal é uma ilha e que a cada um que morre, menor a imprensa, menor o conti-
nente, o mundo, a humanidade”. Mas a previsão sombria quanto ao tempo de vida dos diários de papel parece
que caminha a passos largos para uma materialização irreversível, à medida que as rotativas são desligadas para
dar lugar aos sites jornalísticos.
Vive-se um momento crítico de mudança caracterizado pelo declínio do produto midiático de papel e o sur-
gimento e fortalecimento do produto midiático digital do século XXI. As projeções para o fim do jornal impresso
indicam que nos Estados Unidos ocorrerá em 2017, depois na Inglaterra em 2019, em seguida Canadá e No-
ruega, em 2020 e em 2027 no Brasil.
Essa realidade já atinge jornais de todos os países, e inclusive nos EUA, onde somente em 2011 desapare-
ceram 142 títulos em diversas cidades. Entre esses há jornais centenários, refletindo novas condições culturais e
sociais em que o número de leitores e a receita publicitária dos sites de notícias já supera a dos jornais impressos.
Em compensação, a difusão dos jornais em papel continua em alta na Ásia e Oriente Médio, tendência que
compensa as perdas na Europa, Estados Unidos e América Latina. Em todo mundo, o aumento da mídia impressa
foi de 1,1% entre 2010 e 2011, segundo a Associação Mundial de Jornais, WAN.
No Brasil, a Associação Nacional de Jornais, ANJ, revela que de 2001 a 2011 o aumento médio da tiragem
dos diários brasileiros ultrapassou o índice de 11 por cento. No total, a tiragem brasileira já ultrapassa oito mi-
lhões de exemplares/dia. Acompanha esse crescimento a verba publicitária para esse veículo:
Gráfico 1 — VERBA PUBLICITÁRIA PARA JORNAIS NO BRASIL
MELECH, Edgard Cesar 58
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No Brasil, quando comparado com outras mídias, o jornal impresso teve reduzida sua participação no rateio
da verba. Essa mídia, que detinha 21,73% do investimento em comunicação em 2001, acabou com uma redu-
ção para 12,36% em 2010. Enquanto isso, a Internet, que possuía apenas 1,49% em 2003, foi para 4,64% em
2009, conforme demonstram dados abaixo:
Gráfico 2 — INVESTIMENTO POR MEIO (%)No contexto mundial, o ingresso de publici-
dade nos periódicos diminuiu 40% até 2007,
atingindo principalmente o mercado americano,
entretanto, quatro mil entrevistas realizadas pela
WAN em 2010, entre leitores, editores, anuncian-
tes, jornalistas e outros profissionais, mostram que
leitores de países como Estados Unidos, Canadá,
França, Reino Unido, Alemanha, Holanda e Suiça
ainda preferem o papel à Internet.
As conclusões apontam que jornais tradicio-
nais ainda têm uma forte ligação com o seu leitor.
Acredita-se que essa tendência também se reflita
no Brasil através dos jornais de circulação paga,
considerando-se a variação positiva da tiragem, o
número títulos e a importância dessa mídia para a
sociedade em geral, conforme observa-se:
Gráfico 3 — MAIORES JORNAIS BRASILEIROS DE CIRCULAÇÃO PAGA
MELECH, Edgard Cesar 59
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Constata-se, ainda, que a circulação dos jornais brasileiros teve um ligeiro crescimento de 2,3% no primeiro
semestre de 2012. Houve estabilidade do meio, que teve seu desempenho puxado, em partes, pela alta da cir-
culação dos títulos mais baratos (com preço de capa inferior a R$ 2).
Entretanto, a circulação brasileira de jornais impressos ainda é muito inferior à média mundial, já que em
2006 o país ocupava a 101ª posição no índice de leitura de jornais (circulação média/população adulta – có-
pias por mil habitantes), atrás da Palestina, Guiana, El Salvador, Equador, Jamaica e Costa Rica. (IVC, 2012)
Atualmente os maiores jornais brasileiros estão distribuidos, principalmente, nas regiões Sudeste, Centro-O-
este e Sul do país, entretanto, a quantidade de pequenos periódicos com periodicidade diária, semanal, quinze-
nal e mensal tem crescido consideravelmente, apontando para novas condições e realidades que estabilizam a
sobrevivência do jornal de papel.
Pequenos jornais semanários, principalmente, estão em expansão porque conseguem diminuir custos ope-
racionais, quantidade de papel, número de funcionários, e ainda alcançar boa tiragem e circulação devido à
integração entre o jornal de papel e site jornalístico.
Gráfico 4 — PERIODICIDADE DOS JORNAIS BRASILEIROS
Pequenos jornais diários, de um modo geral, cobrem todas as regiões brasileiras. Distribuídos entre Região
Norte (31), Região Nordeste (55), Região Sudeste (278), Região Centro-Oeste (44) e Região Sul (147), represen-
tam enorme potencial de imprensa que ocupa espaço deixado pelos grandes veículos e que, de uma forma siste-
mática, vem se organizando ao longo dos últimos anos. As associações de jornais do interior reúnem afiliados e
obtém, a partir de ações editoriais e políticas conjuntas, grande repercussão junto ao público e, como resultado,
aumento da verba publicitária, assinaturas e mais venda avulsa.
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Esse avanço da tiragem dos jornais brasileiros, em muito resultado do crescimento da tiragem dos pequenos
jornais diários e semanários, pode ser analisado a partir de alguns dados que apontam a demanda de mídia
impressa nos municípios até há pouco tempo sem jornal. Entre os possíveis fatores desse crescimento estão a
estabilidade econômica do país, o aumento do poder aquisitivo da população de baixa renda e o melhor desem-
penho dos números na educação formal.
Entretanto, o que se coloca em questão para os jornais impressos, sejam grandes ou pequenos, é a necessi-
dade para encontrar fórmulas que apresentem soluções possíveis quanto ao avanço das novas mídias e suportes
para informação jornalística. Em geral, os pequenos jornais já associam notícias impressas com a versão online,
uma forma de integrar o leitor tradicional com leitores a partir das mídias digitais.
Importância disso é que praticamente a metade da população norte-americana declara obter notícias online
pelo menos três vezes por semana, contra 40 por cento que afirmam obter notícias dos jornais em papel e dos
sites a estes associados, constatação que mostra o quanto a migração para a web está se acelerando, em con-
junto com a expansão do uso dos tablets e dos celulares inteligentes. (INFOABRIL, 2011)
Jornal O Estado do Paraná: vida e morte
O embate tecnológico e cultural que atinge os jornais foi marcado, em 2010, pela paralisação das impres-
soras do Jornal do Brasil, que agora é somente digital. Outro exemplo, em 2011, é o caso do fechamento do
diário O Estado do Paraná, a alguns meses de completar 60 anos de circulação. A despedida foi acompanhada
do anúncio em que seu proprietário justificava a necessidade de acabar com essa tradicional mídia, para dar vez
a um site como forma de “se adaptar aos novos tempos”, mas o plano não deu certo.
Fundado em 1951, O Estado do Paraná tinha sede própria instalada num dos bairros mais valorizados de
Curitiba, com uma infra-estrutura que causou inveja aos concorrentes. Ao completar 59 anos, no dia 17 de julho
de 2010, tinha orgulho de possuir 17.928 edições ininterruptas no formato standard, impressas em moderno
parque gráfico. Sua produção contou com excelentes e premiados jornalistas, fotógrafos, chargistas, publicitá-
rios, gráficos e, em seus melhores dias, chegou a ter uma equipe integrada por mais de cem profissionais.
Entre 1970 e 1990 foi o jornal cuja circulação atingia a maior parte de municípios do estado, dando ao veí-
culo conceito e prestígio. Nos últimos dez anos, entretanto, diversos fatores ampliaram sua crise financeira. Entre
eles destacaram-se a falta de planejamento e organização, diminuição do número de anunciantes, aumento das
dívidas trabalhistas, elevação dos custos gráficos, e principalmente, a queda na venda de exemplares em bancas
e a brutal diminuição do número de assinantes.
Ao mesmo tempo em que enfrentava momentos difíceis para manter o jornal impresso, a direção da empre-
sa encontrou outra mídia para chegar até seus leitores, com o lançamento do site Paraná OnLine - experiência
anterior à do jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul. Desde 16 de junho de 1997 a editora vinha abastecendo
o site com as notícias, reportagens e artigos publicados pelo “O Estado do Paraná” e pela “Tribuna do Paraná”,
outro jornal do grupo que ainda se mantém como impresso.
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O serviço de notícias do site chegava aos e-mails de uma grande clientela e ainda não incomodava a con-
corrência porque naquele momento a Internet estava apenas em sua fase inicial no Brasil. Alguns importantes
jornais regionais e nacionais ainda nem possuíam sites, inclusive seu maior concorrente local, o diário “Gazeta
do Povo”, do grupo Rede Paranaense de Comunicação, vinculado à Rede Globo.
Ao encerrar suas atividades, o Estado do Paraná informava uma tiragem média de 40 mil exemplares com
35 páginas nos dias úteis e 40 páginas nos finais de semana, sendo 40% do espaço ocupado com publicidade
e 60% com notícias. O lançamento de seu novo endereço www.oestadodoparana.com.br acabou sendo alvo de
muitas críticas, pois desconsiderou aspectos técnicos e de bom senso que mereceriam ser observados.
Mesmo com todos os problemas advindos da mudança, entretanto, o futuro do veículo dependeria das ações
estratégicas a ser realizadas. Segundo seu proprietário, em entrevista publicada na última edição impressa (06 de
fevereiro de 2011), essas novas mídias provocaram alterações no perfil dos leitores, que buscam notícias rápidas
e instantâneas:
Como a mídia impressa vai competir com esse sistema tão rápido de transmissão da notícia? Não há nenhuma possibilidade. E o custo se torna cada vez mais elevado. O jornal impresso depende da chapa, da tinta, do papel, do barbante, do empacotamento, do trans-porte. Isso tudo está ficando no passado. O presente é a transmissão da notícia rapidamente, com todas as facilidades, com fotos, gráficos e charges em qualidade excepcional e riqueza de detalhes, além da possibilidade de atingir um público maior. (PIMENTEL, 2011)
Poucos meses após o fechamento de O Estado do Paraná, o site Paraná OnLine foi vendido ao maior grupo
de comunicação do estado retransmissor da Rede Globo, significando não somente o fim de um veículo impres-
so, mas também a concentração da informação e da opinião em um grupo majoritário. Assim, o atual contexto
tecnológico possivelmente incentivará fortes mudanças nas empresas de comunicação, alterando os modos de
produção e envio de informações.
Novos modos de produção
Medina ressalta a importância de entender desde o século XIX as forças históricas, políticas, econômicas e
sociais que interferiram no modo de produção e consumo de notícias e comerciais dos jornais, principalmente
quanto às características que fundamentavam a importância da organização empresarial no contexto da impren-
sa:
“Nesta época, especialmente no Rio de Janeiro (centro de decisões e de movimento eco-nômico), observam-se duas tendências no sentido de transformar a atividade jornalística em exploração comercial e industrial: de um lado, os jornais como a Gazeta de Notícias e o Jor-nal do Comércio, tradicionais folhas que vêm do tempo do Império, adquirindo equipamento e passando a faturar, principalmente, a venda de espaço publicitário; de outro, surgem novos órgãos já inteiramente estruturados como empresa e voltados, como qualquer negócio, para o lucro como objetivo”. (MEDINA, 1978 p. 38)
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Mas no início deste século as mudanças aceleraram bastante: Convergência, interatividade e até mesmo o
que muitas organizações de comunicação já temiam, que é a perda do controle da informação centralizada,
capitaneada por monopólios e oligopólios do poder midiático. Steven Johnson considera que há necessidade de
se avaliar esse impacto:
“(...) há realmente dois cenários piores que nos preocupam agora, e é importante dis-tinguir entre eles. Primeiro, há o pânico de que os jornais vão desaparecer como empresas. E, depois, há o pânico de que as informações cruciais vão desaparecer com eles, que nós vamos sofrer culturalmente, porque os jornais não serão, por muito tempo, capazes de gerar as informações que temos invocado por tantos anos”. (JOHNSON, 2009)
Essas violentas alterações na produção e veiculação de conteúdos de mídia, que afetam diretamente a in-
dústria jornalística, também geram ansiedade quanto à “obrigação” que os jornais têm de se adaptar às novas
tecnologias. A pressa em mudar sem um planejamento adequado, para atender às expectativas de usuários
da Internet, tem gerado problemas consideráveis para muitos diários, já que não basta apenas e simplesmente
mudar do papel para o digital.
Pavlik diz que é necessário que as empresas planejem com muito cuidado as escolhas que vão adotar. Ele
observa que o conteúdo de notícias online deve evoluir através de três etapas:
A primeira etapa envolve a adaptação dos conteúdos do jornal impresso para a edição on-line. Na segunda fase, o conteúdo é ampliado com recursos interativos, como os motores de busca, links e alguma personalização para o usuário que recebe notícias. A terceira fase é caracterizada pela criação de conteúdos originais, concebidos especificamente para o me-dium. (PAVLIK, 2002, p.43)
Além disso, as empresas precisam deixar claro suas posições políticas e mercadológicas, sob o risco de verem
desmoronar suas estruturas sob um mundo onde as informações já não podem ser controladas. Neste sentido, os
modelos de jornalismo feitos à base de subsídios escusos, muito comum em épocas de autoritarismo, estão conde-
nados ao fracasso e não conseguem intervir neste sistema onde produtor e consumidor tem a mesma importância.
A interatividade também criou novas condições e desafios. Uma delas é a nova configuração para profissio-
nais da notícia: Ciberjornalistas - adaptados a trabalhar interativamente com imagem, texto e áudio; e para os
ex-consumidores passivos da notícia (antigos “leitores”) um pomposo título: jornalistas cidadãos. Trata-se de uma
realidade diferente, onde os internautas não são apenas co-produtores passivos da informação, mas também
produtores cooperativos dos “mundos virtuais” (LÉVY, 1999, p.35).
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É compreensível, portanto, que em meio ao caos que toma conta da imprensa mundial, quando o tema é novas tecnologias, busquem-se respostas e posturas às vezes equivocadas e que acabam gerando prejuízos para as empresas de comunicação e, em cascata, para a qualidade do jornalismo.
Muitas dessas empresas menosprezam seus leitores ao deixar de oferecer conteúdos não apenas qualitati-vos, mas principalmente, dialógicos e comunicativos. Trata-se de um equívoco, pois segundo o departamento de telecomunicações da Organização Mundial das Nações Unidas, 57% dos internautas estão em países em desenvolvimento e, para esse novo leitor não basta apenas conteúdos “atrativos”, já que dispõe de uma gama bastante diversificada de meios para obter informações cada vez mais especializadas.(ONU, 2010)
Conclusão
A história do jornalismo brasileiro vivencia importantes momentos, uma fase não somente de transição entre as
antigas tecnologias analógicas e a as novas tecnologias digitais, mas principalmente, de discussão e recuperação
da finalidade da imprensa – que é a capacidade de informar com rapidez, qualidade e responsabilidade social. Neste sentido, muitas temáticas tratadas aqui ainda estão em nível de suposições devido à velocidade com
que essas inovações acontecem, e levam em consideração o papel do jornalismo para a sociedade moderna. Seja com antigas ou novas tecnologias, enquanto houver sociedade sempre haverá um “leitor”, mas ainda
assim, uma razoável vantagem da multimídia são as possibilidades inesgotáveis de um espaço em construção permanente. Importante observar, no entanto, que para Lévy: “Não se trata apenas de racionalizar em termos de impacto qual o impacto das ‘infovias’ na vida política, econômica e cultural, mas também em termos de projeto (com que objetivo queremos desenvolver as redes digitais de comunicação interativa?” (LÉVY, 1998, p.13)
As previsões quanto ao tempo que ainda restaria para jornais impressos abandonarem por completo o supor-
te de papel mostram que a situação encontra-se indefinida. São muitas as possibilidades levantadas, várias delas
polemizando diferentes perspectivas e que apontam, em geral, para três hipóteses básicas:
A primeira hipótese é a de que os jornais podem adotar essas novas tecnologias sem abandonar a versão
impressa, adaptando os conteúdos (impresso e online) aos seus públicos.
A segunda hipótese apresenta o caminho dos tablets digitais específicos para recepção de jornais e revistas,
que mantém a estética tradicional para os leitores acostumados a esses produtos.
A terceira hipótese vai em direção a um novo e totalmente diferente conceito, que obriga o jornal a integrar-
se aos padrões visuais e estéticos das mídias sociais, como Twitter, Facebook, blogs e sites de informação, elimi-
nando assim qualquer vestígio dos padrões e formatos que historicamente marcaram a imprensa.
Vale observar que essa empolgação pelas novas tecnologias ainda reflete tendências com determinantes su-
perficiais, pois há dados e pesquisas que revelam situações inovadoras na abordagem do problema. A mais nova
perspectiva para jornais e revistas manterem cativos seus públicos vem com o tablet, tela digital portátil em que o
leitor acessa através da Internet seu jornal preferido, baixa o arquivo online (através de download) e depois vê of-
fline aquilo que desejar. Provavelmente em alguns anos estaremos falando de tecnologias ainda mais avançadas.
Refletir os rumos a ser tomados exigirá avaliar e racionalizar essas novas condições que se impõe sobre os
veículos de comunicação impressos. Para isso, Johnson acredita que o espaço da notícia é como um ecosistema,
formado pela diversificação, complexidade e interligação presente no espaço de criação: “O importante não é o
futuro da indústria da notícia, ou o negócio do jornal impresso, mas o futuro da notícia em si”. (JOHNSON, 2009)
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ISSN: 2316-3992
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 65-78, nov 2012
A ESCRAVIDÃO NA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO: UM ESTUDO DAS ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIAS DOS
ESCRAVOS ATRAVÉS DOS JORNAIS (1831 A 1888) 1
Palavras-chave: Escravidão, Resistência, Jornalismo, Liberdades e Jornais.
Resumo
Neste artigo analiso, de forma introdutória, a resistência dos negros e negras escravas na Província de Mato
Grosso, através da abordagem dos Jornais: O Iniciador; A situação; o Liberal, e A província de Mato Grosso
vinculando-os com um debate sobre as fontes documentais e historiográficas, tendo como base teórica a His-
tória Social da Escravidão. O recorte temporal tem inicio em 1831 e o término em 1888.
Antutérpio Dias PEREIRA 2
Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD/ MS
1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigram/
Dourados/ MS. 2 Doutorando em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) PPGHIS/UFGD. [email protected].
br / orientando da Professora Doutora Nauk Maria de Jesus/UFGD.
PEREIRA, Antutérpio Dias 66
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Ao iniciarmos as pesquisas sobre a História Social da Escravidão negra no século XIX, constatamos que há
uma reduzida produção sobre o tema, na Província de Mato Grosso. Embora, as consequências socioeconô-
micas deste passado ainda se fazem sentir no presente. Procurando preencher esta lacuna é que propomos este
artigo, sendo que, salvo engano do pesquisador, esta abordagem é inédita no Estado com este marco teórico
e temporal.
Os processos sócio históricos devem ser analisados em escalas reduzidas, não apenas por causa dos efeitos
que produzem, mas porque não podem ser compreendidos a não ser que os consideremos, de forma não linear,
como o resultado de uma multiplicidade de determinações, de projetos, de obrigações, de estratégias e de táti-
cas de resistências individuais e coletivas de escravos e negros livres.
O que diz respeito às fontes, uma parte encontra-se organizada e catalogada no Arquivo Público do Mato
Grosso. Os fundos arquivísticos a serem utilizados nesta pesquisa serão: Poder Judiciário Estadual que contêm
documentação manuscrita, referente ao Período Imperial. No Arquivo Publico de Mato Grosso do Sul utilizare-
mos os fundos arquivísticos do Poder Judiciário estadual do 1º e 2º Ofícios das cidades de Paranaíba, Corum-
bá, Miranda e o Cartório de Paz e do Registro Civil de Nioaque que constituem um riquíssimo material referente
a escravidão no Sul do Estado (cartas de liberdades, Escrituras de compra e venda, hipotecas, procurações, tes-
tamentos), documentos que foram transcritos em 1994 e deu origem ao livro “Como se de ventre livre nascido
fosse...” publicado pelo Arquivo Publico do Estado de Mato Grosso do Sul. Devemos destacar que toda essa
documentação do período delimitado já foi analisada.
O Fundo Poder Judiciário Estadual do Arquivo Publico de Mato Grosso é composto por 3 grupos repre-
sentados pelos cartório de 1º, 2º e 5 º Ofícios. Desta documentação cartorária pesquisamos em específico a
documentação do 2º Oficio que abriga os processos criminais e as ações de liberdades referentes ao Período
Imperial. No 5º Ofício encontram-se os inventários que foram selecionados devido aos inventariados serem
negros forros. Pesquisamos também 01 livro de Matricula de africanos livres entregues pelo Governo Imperial à
sociedade de Mineração da Província de Mato Grosso.
Utilizaremos como fonte de pesquisa as matérias vinculadas nos Jornais da Província de Mato Grosso,
porque a imprensa cumpre um importante papel ao divulgar e defender os interesses diversos, na tentativa de
3 Sobre este fato ver AZEVEDO, Célia Maria M. Onda negra medo branco: o negro no imaginário das elites
século XIX. São Paulo: Paz e Terra. E MACHADO FILHO, Oswaldo. Ilegalismos e jogos de poder: um crime cé-
lebre em Cuiabá (1872), suas verdades jurídicas e outras histórias policiais. Cuiabá – MT: Carlini & Carniato:E-
dUFMT, 2006. BARBOSA, Wilson do Nascimento. O caminho do negro no Brasil. São Paulo, 1999 – Mimeo.
AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha. A trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo. Campinas-
SP, Editora da Unicamp, Cecult, 1999. E O direito dos escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na Província de
São Paulo. Campinas SP, Editora da Unicamp, 2010. p17
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conquistar os corações e ganhar a mente e a simpatia da opinião pública, cuja pressão, contra ou a favor,
certamente interferia, nas ações das autoridades e sobretudo na decisão do Conselho de Jurados.3
Na Província de Mato Grosso analisamos os seguintes jornais: O Iniciador; A situação; o Liberal, e A província
de Mato Grosso. Esta análise por exemplo, do Jornal “A Situação” , a priori, realizada demonstrou que as matérias
publicadas demonstrava a postura política conservadora do Jornal, que não se cansava de afirmar o perigo da
desordem que poderia reinar entre os escravos e seus senhores decorrentes da ação abolicionista e defendiam o
direito dos senhores manterem o controle sobre as suas propriedade escrava. Para Lilia Moritiz Schwarcz,
“ (...) a seleção do jornal enquanto documento básico se mostra significativa. Em pri-meiro lugar por se constituir em fonte histórica bastante completa e complexa, já que nele convergiam posições e opiniões diversas e representativas e esse parece ser um período
relevante no que tange também à história do jornal no Brasil” (SCHWARCZ, 2008, p 16)
O Jornal ataca fortemente, o Juiz de direito interino de Cuiabá, Dr Antonio Augusto Rodrigues, devido a uma de-
cisão sua de acatar o pedido de Liberdade de 112 africanos4, tendo como base a Lei de 1831, o artigo apela para
o bom senso do Presidente da Província de Mato Grosso e para o Tribunal da Relação: “...., os livros da collectoria
não estão a sua disposição para serem borrados como no exercício do seu cargo acaba de enlamear a sua toga,...”5
A utilização e seleção dos jornais como fonte de pesquisa histórica mostrou-se muito significativa porque con-
vergem posições e opiniões diversas e representativas. Devemos entender os fragmentos de textos com “produto
social”, como resultado de um oficio exercido e socialmente reconhecido como tal envolvendo expectativas,
posições e representações próprias plenos de significações e interpretações de um mesmo fato.
Com a análise dos jornais provincianos procuramos descobrir qual era a visão da população branca sobre os
escravos negros na Província de Mato Grosso e a partir deste ponto ampliar, o entendimento sobre a resistência
negra e o significado da frágil liberdade para os escravos negros e forros que aparecem no texto como uma
“Linguagem do Silêncio onde a linguagem diz por si mesma, ainda que se renuncie a fazê-lo”.
Pesquisamos também 50 processos contra a pessoa, contra o patrimônio e contra a ordem, nos quais es-
cravos, libertos e negros livres são identificados como réus, ou vítimas existentes nos documentos cartoriais exis-
tentes no Arquivo Publico de Mato Grosso e no Núcleo de Documentação de História Regional da Universidade
Federal de Mato Grosso e nas cartas de liberdades e revogações de liberdade transcritos no livro “como se de
ventre livre nascido fosse...” que traz varias transcrições dos documentos sobre escravidão existente no Arquivo
Publico de Mato Grosso do Sul .
Os processos civis foram escolhidos como base para este projeto, porque revelam as visões de mundo, as
práticas, as representações , as trocas culturais e é uma tentativa da justiça de revelar e conhecer os aspectos da
4 JORNAL “A Situação”, Cuyabá, Anno XIX 23 de maio de 1886 – nº 1036 - APMT
5 JORNAL “A Situação”, Cuyabá, Anno XIX 23 de maio de 1886 – nº 1036 - APMT
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vida cotidiana , o que confere aos processos criminais e civis uma singular importância.
Os escravos rompiam a dominação cotidiana por meio de pequenos atos de desobediência, manipulação
pessoal e autonomia cultural. Os senhores sabiam da precariedade da acomodação que para Eugene Geno-
vese tinha um sentido ambíguo “correntezas perigosas e fortes passavam sob aquela docilidade e ajustamento.”
Os Relatórios serão importantes porque demonstram implicitamente, este medo, e, explicitamente as formas que
o Estado Imperial o combatia, principalmente os Quilombos.
Essa diversidade de opinião e de documentos é de fundamental importância para o projeto, porque são
opiniões, posturas diferentes, em relação ao escravo negro que no final da década de 1870, passa a frequentar
constantemente as diferentes seções dos jornais da Província de Mato Grosso saindo dos anúncios de classifica-
dos de aluguel, venda ou captura de escravos. Através desses fragmentos de textos da imprensa que consegui-
ram chegar até nós procuraremos reconstruir, dentro do possível, as estratégias de resistências destes sujeitos
históricos e a sua luta pela liberdade.
Natalia Roseira, ao analisar os aspectos técnicos dos Jornais da província de Mato Grosso aponta que:
“No século XIX os jornais editados em Cuiabá tinham certas peculiaridades que os dife-renciam dos jornais de hoje. Os periódicos pesquisados traziam vários tipos de texto, como os literários, os noticiosos, os políticos, os culturais, artigos, editoriais, entre outros. No entan-to, normalmente se utilizavam expedientes poéticos, o que de um modo geral não acontece hoje. Os jornais publicavam textos que atualmente se aproximam do texto de revistas. Ou seja, a imprensa de então buscava seduzir o leitor sendo criativa, mas não indo diretamente ao fato, começando por uma “introdução” do assunto”. (ROSEIRA, 2006, p 6)
Outro fato que chama a atenção é que as notícias vinham misturadas à opinião do redator, ou do proprietário
do jornal, hoje isso não costuma ocorrer. O jornal é dividido em cadernos, por assuntos, diferente dos editados
em Cuiabá no século XIX, e existem as páginas específicas para as opiniões dos jornalistas, leitores, proprietários
do jornal (editorial) e outros profissionais que queiram escrever. As categorias, jornalismo, informativo, interpre-
tativo e opinativo, não existiam, tudo estava no mesmo texto, não era separado.
Sabemos que o oficio do historiador não é fácil. Falta tudo. Mas sobra coragem. Trabalhamos com uma ár-
dua tarefa de construir interpretações que já nascem condenadas à sua temporalidade, parcialidades e finitudes.
Utilizamos, os traços, os vestígios contidos em documentos históricos para trazer à superfície valores, entendi-
mentos, definições, alegrias, tristezas, esperanças, lutas, perdas e vitórias que permeavam os relacionamentos
humanos em tempo outrora.
Não queremos em hipótese alguma fazer uma apologia às relações escravistas baseadas no “paternalismo
escravista6” e muito menos “reabilitar a escravidão7”. Ela foi, sem nenhum sombra de dúvida, violenta, horroro-
sa, desumana, um crime contra a humanidade de milhões de negros brasileiros e africanos, com consequências
desastrosas para seus descendentes8. Queremos ampliar o discurso historiográfico, explorar as fontes citadas e
ir além da dicotomia senhor versus escravo na análise do cotidiano dos escravos negros e libertos na província
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de Mato Grosso de 1831 a 1888.
Uma visão simplista das formas básicas de relacionamento na sociedade escravista, tem sido sintetizada em
uma dicotomia muito enraizada na cultura brasileira. Explicando a complexa realidade dos escravos a partir de
dois pontos de vista: o escravo dócil e o escravo rebelde ou “De um lado, Zumbi dos Palmares, a Ira Sagrada, o
treme-terra; de outro o Pai João, a submissão conformada.”9
Para Fernando Henrique Cardoso10 os escravos se auto representavam como seres incapazes de ação autô-
noma ou seja, os negros seriam incapazes de produzir valores e normas próprias que orientassem a sua con-
duta social. Para Jacob Gorender, a teoria do escravo coisa tem prosseguimento ao defender a idéia de que o
“oprimido pode chegar a ver-se qual a vê o seu opressor e o primeiro ato humano do escravo é o crime, desde
o atentado contra o seu senhor à fuga do cativeiro”.11 Os negros oscilariam entre a passividade e a rebeldia e
a única forma de negarem a coisificação social era o inconformismo.
Para Sidney Chalhoub, a luta desta corrente da sociologia paulista12 era combater o mito da democracia
racial13 e este embate trouxe várias conseqüências positivas para analise da situação do negro contemporâneo.14
Michel de Certeau nos alerta que o historiador tem que escrever e pesquisar partindo do seu lugar social e re-
portando-se para os seus pares e para a sociedade da qual faz parte15 e para alcançar este objetivos ele precisa
problematizar e criticar as suas bases teóricas e documentais.
6 FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. 34ª. Rio de Janeiro: Record, 19987 GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo – SP, Ática, 1990.8 Ver NASCIMENTO, Flávio A. da Silva. O negro, questões culturais e “raciais”. UFMT/R-Depto História. 2001 e Racismo
Brasileiro, uma pequena introdução crítica. UFMT/R-Depto História. 20009 REIS, João J. & SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negro no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das
Letras, 1989. P 13 10 CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio
Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 197711 GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo – SP, Ática, 1990.12 CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma historia das ultimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999.13 Sobre a democracia racial ver: TURRA, Cleusa; VENTURI, Gustavo. Racismo cordial. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1998; SAN-
TOS, Joel Rufino dos. O que é Racismo. São Paulo: Brasiliense, 1988. Col. Primeiros passos; ROCHA, Everardo P. Guimarães. O
que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1989. col. Primeiros passos.14 NASCIMENTO, Flávio A. da Silva. O negro, questões culturais e “raciais”. UFMT/R-Depto História. 2001. Racismo Brasilei-
ro, uma pequena introdução crítica. UFMT/R-Depto História. 2000; GUIMARÃES, Antonio S. & HUNTLEY, Lynn (org). Tirando a
máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 200015 CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense, 1982.
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A escravidão não transforma os negros, segundo Sidney Chaloub, em seres “incapazes de ação autônoma”;
nem em passivos receptores de valores senhoriais e muito menos em rebeldes heroicos e indomáveis16. Na cons-
trução e manutenção de suas estratégias de resistências, os escravos, alforriados criaram uma singular astúcia
pessoal na exploração das brechas do poder escravocrata. Eles sabiam manipular as cartas certas no trato com
os brancos. Para André Rosemberg os libertos tinham mais chance de explorar as várias possibilidades nesta
negociação velada.18 Enquanto que cotidianamente para Maria Cristina Wissembach19, os escravos e libertos,
tiveram que sobreviver e improvisar respostas compatíveis à sua luta diária contra a escravidão. Transformando
os mecanismos da discriminação, da segregação, da falta de recursos e da ausência de instituições que lhes
amparassem, num árduo aprendizado da experiência da liberdade.
Negros como: José, o africano; José Antonio; Anna Nagô, Manoel, Inocêncio; Joaquina; Ricardo, nagô;
Bonifácio; Florentino; Macário; Maria Benguella; Rita nagô,
Apolinário; Mariana; Leocádia Benguella; Julião Congo; Cazemiro Congo; Firmino Benguela; Cláudio Con-
go; João Cabinda; Josefa; José, escravo e muitos outros20.
Não podemos esquecer que a História do negro no Brasil e na Província de Mato Grosso, não pode ser com-
preendida sem a referência explícita ao preconceito racial que normatizou a organização da vida escrava e forra
na colônia, no Império e na Republica e teve como um dos seus divulgadores Nina Rodrigues.21
Estas ideias de evolução e de “diferenças raciais” são constantes em Jornais do Sudeste, e os Jornais do in-
16 CHALHOUB, Sidney.op. cit17 REIS, João J. & SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negro no Brasil escravista. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. P 48
18 ROSEMBERG, André. Ordem e burla: processos sociais, escravidão e justiça, Santos na década de 1880.
São Paulo: Alameda, 2006. E MACHADO, Maria Helena P.T. O Plano e o Pânico: Movimentos sociais na Dé-
cada da Abolição. 2.ed. rev. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010.
19 WISSEMBACH, Maria Cristina C. Sonhos Africanos, Vivências Ladinas. Escravos e Forros no Município de
São Paulo, 1850 -1880. 2ª Ed. São Paulo: Editora HUCITEC, 200920 Levantamento baseado na documentação encontrada durante as pesquisas realizadas entre 2009 a 2011
no Arquivo Público de Mato Grosso (APMT) e no Núcleo de Documentação de História Regional da Universidade
Federal de Mato Grosso (NDHIR/UFMT); Arquivo Publico de Mato Grosso do Sul (APMS).21 RODRIGUES, R. N. Os africanos no Brasil, 2. ed., São Paulo, 1935 - SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das
raças; cientistas, instituições e questões raciais no Brasil (1870-1930), São Paulo, Companhia das Letras, 1993
- FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classe. São Paulo: Ática, 1984. Vol. 1 e 2 -
E Significado do protesto negro. São Paulo: Cortez e Associados ( col. Polêmica do nosso tempo, volume 33),
1989.
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terior (Mato Grosso) copiavam estes artigos. O Jornal Correio Paulistano em seus diversos discursos explicavam
desde a inferioridade da raça negra com relação à branca até suas características de “humildade e servilismo”,
“ A raça negra progride (....) Em virtude da acirrada observação anthropollogica de sabi-do valor afirma a iminente autoridade afetiva dessa raça a séculos tão cruelmente explorada em razão mesmo de seus dotes naturaes de brandura e submissão. Por certo servilismo, bem conhecemos, essa fria sensibilidade, desinteressado apego de coração da raça negra (Cor-reio Paulistano, 7 de julho de 1892)
Para melhorar a caracterização da raça negra, comentava-se insistentemente no Correio sobre seu continente
de origem, com seus “costumes primitivos” e espécimes exóticos.
“ (...) É um bello espécime de selvagem nobre perfeitamente negro com uma estatura de cerca de seis pés, parece contar com 50 annos e tem uma fisionomia simples e benévola. Não dá trabalho, só come um boi inteiro por dia. ” (Correio Paulistano, 3 de dezembro de
1883)
Existia, para a historiadora Silvia Hunold Lara, um clima acentuadamente discriminatório e discricionário ali-
cerçado em uma política de vigilância constante sobre os escravos, redobrada nos alforriados e negros livres.22
Para Maria Helena Machado, o Historiador não pode ignorar a complexa realidade multivariada da escravidão23
e muito menos a capacidade dos cativos em criar artifícios de sobrevivência que, certamente, acompanhariam
os ex-escravos no trajeto de integração ao universo dos homens livres.24 E são estes artifícios que este projeto
pretende identificar e analisar.
Para o escravo havia a necessidade de reorganizar a escravidão em seus próprios termos, reordenar as rela-
ções escravistas entre eles e seus senhores, reafirmar valores étnicos entre seus iguais, são os objetos das lutas
coletivas, entre ou individuais dos cativos. Porque o anseio maior era sobreviver e lutar com todas as armas dis-
poníveis contra a ordem estabelecida pelo regime da escravidão.
22 Ver LARA, Silvia Hunold. Campos da violência. Escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750
a 1808. Paz e Terra, 1998. E na província de Mato Grosso este controle era oficializado por várias leis
entre elas a LEI PROVINCIAL Nº 22, 02 DE SETEMBRO DE 1843: Fixa sanções sobre os escravos que saírem
fora das Cidades, Vilas e Povoações sem estar portando uma cédula datada e assinada por seu Senhor. Fonte
Assembléia Legislativa de Mato Grosso. http://www.al.mt.gov.br/TNX/viewLegislacao.php?cod=446 acesso em
05/03/2011 23 MACHADO, Maria Helena P.T. O Plano e o Pânico: Movimentos sociais na Década da Abolição. 2.ed. rev.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010. 24 WISSEMBACH, Maria Cristina C. op cit. p 29
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A alforria segundo, Laura de Mello e Souza e Eduardo França Paiva, era um engodo, uma contradição e
serviria para aplacar ódios e ressentimentos para os escravos era uma forma de resistência que atuava, para
ela, “dentro do sistema sem procurar rompê-lo.”25 Enquanto que para Roberto Guedes fica difícil de entender
este pensamento dicotômico entre o engodo do senhor e a resistência escrava. Será que os escravos caíram em
uma armadilha senhorial e contribuíram para a manutenção da escravidão? Ele afirma que a alforria era “ba-
sicamente uma concessão senhorial”26 seria no limite um acordo desigual, que foi estimulado pela pressão dos
escravos e está situado, para Sidney Chalhoub no âmbito do “poder moral dos senhores.”27
Na sociedade escravista, para Roberto Guedes, a desigualdade era o principio básico e a alforria era o inicio
da diferenciação social para os escravos. Por isso que a aceitação da concessão era uma atitude de submissão
intencional ( sem negar as tensões e os conflitos) e uma maneira de ascender socialmente. Para ele a alforria
era um código de dominação paternalista que reforçava o poder senhorial e era vista de forma diferente pelos
escravos que não negavam a negociação para consegui-la.28 Ambas as formas coexistiram simultaneamente?
E qual seria a visão que os escravos tinham da alforria? E os senhores como entendiam a alforria? Como os
sujeitos históricos envolvidos utilizavam deste instrumento jurídico para conseguirem alcançar os seus objetivos?
Na historiografia regional que aborda a escravidão a Historiadora Lucia Helena Gaeta Aleixo29, analisa a
mão-de-obra escrava e livre em Mato Grosso no período de 1850 a 1888, ressaltando a necessidade do Capital
Mercantil em criar um mercado livre produzindo para o mercado internacional. Para ela a economia mercantil,
no período colonial e Imperial, estava baseada na mineração e no trabalho escravo. Mas, a acumulação de Ca-
pital/dinheiro acontecia principalmente através do comércio. Esses comerciantes, com o declínio da mineração
diversificaram suas atividades produtivas “a lavoura de cana-de-açúcar, a criação de gado e o extrativismo.”30
Para Aleixo, o escravo era dominado através da violência e o braço escravo foi o responsável pela acumula-
ção primitiva e ele estava inserido no plano da economia colonial e no da economia imperial. Esta idéia é rea-
25 SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Conflito. Aspectos da História de Minas no século XVIII. Belo Hori-
zonte: Editora da UFMG. 1999 p156 e PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais
do século XVIII. São Paulo: Annablume, 1995.26 GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social. Porto Feliz /São
Paulo 1798-1850. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2008. P 18326 CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade. p 149-15027 GUEDES, Roberto. Op cit. p 18229 ALEIXO, Lucia Helena Gaeta. Mato Grosso: Trabalho Escravo e Trabalho Livre – 1850 a 1888. Brasília.
Ministério da Fazenda. 199430 ALEIXO, Lucia Helena Gaeta. Op. Cit. P 88
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firmada por Edvaldo de Assis31, o negro escravo não foi utilizado nas atividades extrativistas da poaia e da erva
mate, o escravo negro foi substituído pelo negro forro, devido a natureza e a extensão das áreas, era impossível
o controle sobre o escravo.
Segundo, Edvaldo de Assis, para a Coroa Portuguesa era importante o maior número de trabalhadores
escravizados nos trabalhos auríferos “para aumentar a produtividade.”32 Ele aborda também a violência física e
cultural que sofreram os escravos na Província de Mato Grosso e que os mesmos devido a sua precária situação,
eram mais propensos a serem atingido pelas epidemias da região de garimpo. Os trabalhadores escravizados
resistiram como podiam a escravidão criando inúmeras formas de luta, como o suicídio; o assassinato; a fuga
e a organização dos quilombos.
Na fala de vários Presidentes de Província, constatam-se que eles sabiam da precariedade da Paz, em um
sistema escravista, ela nunca é verdadeira, porque mascara uma guerra não declarada.33 Os escravos rom-
piam a dominação cotidiana por meio de pequenos atos de desobediência, manipulação pessoal e autonomia
cultural.34 Os senhores sabiam da precariedade da acomodação que para Eugene Genovese tinha um sentido
ambíguo “correntezas perigosas e fortes passavam sob aquela docilidade e ajustamento.”35
Neste contexto, Maria de Lourdes Bandeira36 faz um estudo sócio-antropológico sobre a constituição da co-
munidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, abordando a história da criação de Vila Bela e a sua transforma-
ção em uma cidade majoritariamente negra. Ela mostra a resistência dos pretos à identidade estigmatizante de
cativos”37 e de como houve a reorganização da identidade étnica no processo histórico da formação da cidade
e que foi o desejo de liberdade que uniu os negros na resistência à escravidão e na manutenção e consolidação
da comunidade Vila Belense, principalmente, nos momentos de crise.
O cotidiano dos escravos na Província de Mato Grosso é analisado por Luiza Rios Ricci Volpato que procura
resgatar o cotidiano dos cativos e a construção de sua identidade, “no trabalho, na transgressão e no quilom-
31 ASSIS, Edvaldo de. Contribuições para o estudo do negro em Mato Grosso. Cuiabá. EdUFMT. 188832 ASSIS, Edvaldo de. Op. Cit. P 2833 REIS, João J. & SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negro no Brasil escravista. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. P3334 Conforme pesquisa realizada no Periódico O INCIADOR - cidade Corumbá – ano – 1879 - pagina 18/01
– seção cousas locais- NDHIR-UFMT35 REIS, João J. & SILVA . Op. Cit P 3236 BANDEIRA, Maria de Lourdes. Território negro em espaço branco. São Paulo: Brasiliense, 1988.37 BANDEIRA, Maria de Lourdes. Op. Cit. P 96
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bo”38 , dando ênfase as relações sociais dos escravizados com seus senhores. A Historiadora aponta que a
escravidão em Mato Grosso, teve início com a mineração quando o bandeirante paulista, Fernando Dias Fal-
cão, retornou a Cuiabá, com colonos, ferramentas e escravos. Apontando que todo o trabalho doméstico e de
limpeza das ruas eram realizadas pelos escravos.39
Luiza Rios Ricci Volpato identifica a figura do feitor como um intermediário das relações sociais o que preser-
vava a imagem do senhor perante os seus escravos. E os movimentos de rebeldia escrava eram uma reação a
ação violenta dos escravistas e faz referência a uma possível acomodação pacífica entre os escravos e senhores,
tendo como base para tal argumentação as Cartas de Liberdades, que mostravam gratidão por parte dos se-
nhores em relação ao afeto demonstrado pelo escravo para com o senhor. Porém, há passagens onde a autora
denuncia a violência e a tensão nessas relações sociais em Cuiabá marcadas pelo aspecto cruel e violento. Os
escravos que optaram pela liberdade tinha várias alternativas “ a fuga, a luta armada, a cooptação, a compra
da alforria”.40
A historiadora, Luiza Rios Ricci Volpato, ao escrever sobre os quilombos ressaltou que a resistência ocor-
reu na luta do dia-a-dia, em pequenos enfrentamentos ou em fugas para as terras espanholas (nas regiões de
fronteiras), ou criando quilombos em terras matogrossenses, como os quilombos de Quariterê, do Rio Manso,
do Piraputanga e do centenário Sepotuba, um dos mais antigos existentes em Mato Grosso. Ela analisa a
expansão dos quilombos e a articulação dos quilombolas com os soldados desertores para obterem armas, in-
formações táticas, no período da Guerra do Paraguai (1864-1870), chegando a atacar fazendas próximas de
Cuiabá, Capital da Província.41
Osvaldo Machado Filho42, analisa, através do assassinato do Tenente –Coronel Lauriano Xavier da Silva, a
historia da criminalidade cuiabana, o aparato legal para coibí-lo e as deficiências do sistema policial, precá-
rio para investigar, identificar e punir os culpados. O historiador para construir a sua narrativa utilizou de uma
vasta documentação (relatórios, boletins, de ocorrências policiais, correspondências de chefes de polícia e de
presidentes da província) para suprir algumas lacunas sobre a história da Província de Mato Grosso. Ele analisa
a formação e o funcionamento das estratégias que o poder, na sociedade escravista, utiliza para manter os pri-
vilégios e se retroalimentar do Ilegalismo, no jogo do poder.
A partir da descrição da Cuiabá do século XIX, o autor procura caracterizar a paisagem urbana vinculando-a
com os fatos históricos, como a Guerra do Paraguai, aumento populacional, o progresso, o aumento da violên-
cia urbana e a falta de interesses das autoridades em relação as doenças que assolavam a população.43 Ele faz
uma reconstituição das relações sociais dos escravos ao citar em várias passagens o cotidiano dos escravos e
suas relações sociais sendo a passagem mais rica a história do escravo Januário44 e suas complexas redes de
38 VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Cativos do sertão: vida cotidiana e escravidão em Cuiabá – 1850 a 1888.
Cuiabá – MT. Marco Zero/EdUFMT, 199339 VOLPATO. L R Ricci. Op.cit p 6140 VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Op. Cit. P 109/11041 REIS, João José e GOMES, Flávio dos Santos (orgs). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil.
São Paulo, Cia das Letras, 1996. In VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Quilombos em Mato Grosso: resistência negra
em área de fronteira. P. 21542 MACHADO FILHO, Oswaldo. Ilegalismos e jogos de poder: um crime célebre em Cuiabá (1872), suas
verdades jurídicas e outras histórias policiais. Cuiabá – MT: Carlini & Carniato:EdUFMT, 200643 Ver CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril. Cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Cia das Letras, 1996. 44 MACHADO FILHO, Oswaldo. Op. Cit p 175
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relacionamentos profissionais, amorosos e de interesses vários. E como o Estado Imperial, através da força poli-
cial, procurava controlar o lazer (principalmente o consumo da aguardente) para evitar a aproximação, através
do uso da cachaça em ambientes comerciais, entre brancos e negros. “a aguardente, em cuja esteira vinham
as brigas e a violência, mas que também era uma poderosa arma para nivelar as diferenças sócias e aproximar
brancos e negros, livres e escravos.”45
Nos jornais há uma clara menção aos malefícios do álcool entre a escravaria,
“ Morte no frio, Sexta feira ultima foi encontrado na estrada que vai de Sorocaba ao banco da Árvore Grande um individuo de cor preta de nome Sebastião. Pelas observações feitas, verificou-se que Sebastião morrera enregelado talvez devido a achar-se sob o efeito do Álcool.” (Correio Paulistano, 13 de agosto de 1890).
Essas obras sintetizadas acima são importantes porque procuraram retratar o cotidiano do escravo negro
dentro da sociedade colonial e provincial de Mato Grosso. Suas várias abordagens documentais, teóricas de-
monstram a diversidade de encaminhamentos e focos que se pode ter sobre a História social da escravidão negra
em Mato Grosso que é uma região pouco estudada pela historiografia brasileira que concentra suas pesquisas
na região nordeste e sudeste. Este projeto vem de encontro há uma necessidade de se ampliar este debate,
novos olhares46, sobre novos lugares em relação a resistência escrava e a problemática da liberdade na Pro-
víncia de Mato Grosso.
Acreditamos que esta fundamentação teórica, em conjunto com as fontes selecionadas, nos permitirá re-
construir as estratégias criadas pelos escravos e negros forros para resistirem e lutarem contra a escravidão,
como nos mostra a historia de Anna Nagô, alforriada, que em 1831, busca na justiça a carta de liberdade dos
dois filhos, pois seu antigo senhor não quitou algumas dividas antes de morrer e o testamenteiro pede a penhora
dos dois filhos de Anna47.
Neste processo que ocorreu em Vila Bela da Santíssima Trindade, percebemos que os negros agiam baseados
em uma racionalidade própria, muito sutil e perspicaz, e que suas ações eram firmemente baseadas em conhe-
cimentos experiências que demonstram uma complexa e eficiente rede de solidariedade e de relações pessoais
que nos levam a conjecturar sobre como uma escrava analfabeta teria acesso a um conhecimento especifico
sobre as leis? E como as suas relações sociais a levaram a encontrar alguém que a representasse contra o seu
senhor, porque o escravo, por lei não poderia entrar diretamente contra o seu senhor.
Para a historiadora Silvia Hunold Lara, considerada por Alyson Luiz Freitas de Jesus a fundadora da nova
historiografia brasileira sobre a escravidão, os forros e os escravos são agentes históricos que a partir do contato
45 MACHADO FILHO, Oswaldo. Op. Cit p 17646 BURKE, Peter (org).A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1982. 47 Doc da procuradoria geral dos ausentes – cartório do 2º oficio Cx 111 – ano 1881
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diário passaram por um intenso processo de trocas culturais. Mas como se deu esta troca cultural na Provincia
de Mato Grosso? Quais foram as bases de negociação destas trocas? Como os sujeitos históricos perceberam
estas mudanças e transformações?
A analise dos jornais nos fez formular algumas questões fundamentais em relação ao tema: os escravos
construíram uma racionalidade própria? Qual era a função da experiência e das relações pessoais? Por que
sabemos que a luta pela liberdade envolvia um sentimento de união e solidariedade entre os que saíam vitoriosos
e se envolviam em projetos de alforria de familiares e parentes mobilizando toda uma rede social.48 Mas como
escravos montavam essas redes? De que forma isso era percebido pelos senhores? Existiu uma relação mais pró-
xima entre escravos e não escravos? Existiram em Mato Grosso as relações de apadrinhamento? Compadrio?
As historias dos africanos livres, escravos, escravas, forros, livres, quilombolas, demonstram a complexidade
das relações sócias na escravidão e de como os escravos utilizavam de suas relações de sociais para resistir. E é
neste contexto de resistência que pretendemos analisar as fontes de pesquisa. Queremos ir além da dicotomia
escravo bom, senhor mau na Província de Mato Grosso.
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ISSN: 2316-3992
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 79-87, nov 2012
O JORNAL E SUAS REPRESENTAÇÕES: OBJETO OU FONTE DA HISTÓRIA? 1
Palavras-chave: Imprensa Escrita; Fontes Históricas; Representações.
Resumo
Neste trabalho pretende-se discutir a questão do uso dos jornais impressos enquanto fonte para o conheci-
mento do passado. A problemática visa refletir sobre as metodologias adequadas ao tratamento dos periódicos.
O objetivo primeiro é situar as fontes impressas no contexto de renovação historiográfica dos anos de 1970.
Posteriormente, debater acerca das possibilidades usuais da imprensa escrita como objeto e fonte de pesquisas,
e, por fim, analisar o conceito de representações, relacionando-o à leitura dos periódicos.
Maurilio Dantielly CALONGA 2
Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS
1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigran/ Dourados/ MS.
2 Mestrando do Curso de História da FCH-UFGD, email: [email protected]
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Em 1988, a historiadora Maria Helena Capelato afirmou ser a imprensa manancial dos mais férteis para o
conhecimento do passado, pois “possibilita ao historiador acompanhar o percurso dos homens através dos tem-
pos” (CAPELATO, 1988, p.13). Tal afirmação enquadra-se num contexto de renovação historiográfica, a partir,
sobretudo, das proposições advindas com a chamada Nouvelle Histoire. Os Annales, especialmente a partir de
1970, propuseram à História, por meio da interdisciplinaridade, “novos objetos, problemas e abordagens”3. Am-
pliou-se, com isso, a noção de documento na historiografia, inclusive em relação aos métodos de investigação.
Entretanto, até aquele momento, os historiadores assumiam posturas distintas com relação aos periódicos.
No século XIX a tradição positivista, restrita a descoberta da verdade, impedia a utilização dos im-
pressos na produção historiográfica. Imaginava-se, pois, subjetivo, portanto, falsificador da realidade, o que
distorcia, por assim, as imagens do passado. Restituir os tempos pretéritos implicava ao historiador rigor no dis-
tanciamento do objeto, tanto temporal quanto imparcial, tornando-se, então, tarefa fundamental para se atingir
o conhecimento objetivo e verdadeiro.
O modelo histórico-científico proposto por Leopold Von Ranke, “o qual a função do historiador seria
a de recuperar os eventos, suas interconexões e suas tendências através da documentação e, a partir dela fazer
a narrativa histórica” (ALVES; GUARNIERI, 2007, p.36) não admitia a leitura de outras espécies de documentos
senão das fontes escritas oficiais. Conforme Bloch “a fórmula do velho Ranke é celebre: o historiador propõe
apenas descrever as coisas tais como aconteceram” (2002, p.125), nesse sentido, a mesma se limitaria a docu-
mentos escritos oficiais de eventos essencialmente políticos, sobretudo, documentos militares, eclesiásticos e de
governos.
O historiador, portanto, manter-se-ia neutro diante do objeto, para assim, poder conhecer a verdade
dos fatos. A ideia de que o historiador deveria ter uma visão objetiva dos acontecimentos levou à negação de
determinadas fontes, como a imprensa, que não poderia servir à História por ter uma alta carga de subjetivida-
de na maneira como narrava os acontecimentos. Na verdade, pensava-se “atingir seus fins aplicando técnicas
rigorosas respeitantes ao inventário das fontes, à crítica dos documentos, à organização das tarefas na profissão”
(BOURDÉ; MARTIN, 1993, p.97).
Não obstante, a partir da década de 1930, o uso da imprensa escrita como fonte histórica começou
a ser encarada com outras perspectivas. Erguendo-se contra o paradigma tradicional, os franceses Marc Bloch
e Lucien Febvre, inauguram a revista Les Annales. Sob a influência das Ciências Sociais a corrente inovadora
despreza o acontecimento e insiste na longa duração, deriva a sua atenção para a atividade econômica, a or-
ganização social e a psicologia coletiva (BOURDÉ; MARTIN, 1993). Recusam-se, pois, os objetos tradicionais da
história para dar atenção à vida econômico-social e mental.
3 Publicação da coletânea com esse nome, na França, por Jaques Le Goff e Pierre Nora (1974).
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Através das propostas de análises históricas difundidas pela Écolle des Annales, os estudos históricos
receberam novos ares. Ampliaram-se as pesquisas que passaram a tratar com novos objetos, novos enfoques e
métodos, e com outros documentos capazes de responder as problemáticas surgidas na investigação. A partir
de então, a noção do que se constituía como fonte histórica ampliou-se e o documento deixou de ser apenas o
registro político e administrativo, identificado, pois, em um processo temporal de construção, portanto, histórico.
Enquanto os historiadores metódicos viam nos documentos, e mais, apenas nos documentos oficiais a
possibilidade de investigação histórica científica, à procura de uma certeza objetiva, os Annales, recusando esta
ideia, afirmavam ser o discurso histórico fruto das interferências do historiador, de suas escolhas, de seu olhar. O
historiador, nesse sentido, não estaria mais submisso ao documento.
Por meio de problemas, hipóteses e ampliada documentação a história denominou-se conhecimento
“cientificamente conduzido” ou, simplesmente, ciência em construção. Segundo Febvre “a fórmula cientifica-
mente conduzido implica duas operações, as mesmas que se encontram na base de qualquer trabalho científico
moderno: por problemas e formular hipóteses” (1989, p.32).
Apesar disso, mesmo os primeiros Annales não efetivaram imediatamente as potencialidades da
imprensa enquanto fonte, relegadas, portanto. Isso porque, os estudos deste período fixavam-se, sobretudo, na
época medieval, distantes no tempo, concentrando-se suas análises às temáticas econômicas e sociais.
Somente a partir da chamada terceira geração dos Annales, os caminhos abriram-se efetivamente aos
impressos. Os historiadores pertencentes a esse grupo, incluindo-se Jacques Le Goff, Georges Duby, Emmanuel
Le Roy Ladurie, entre outros, propuseram novas aberturas, problemas e abordagens. Sem negar definitivamente
a análise estrutural da segunda geração, com seu expoente máximo Fernand Braudel, os Annales promoveram
um relacionamento íntimo da História com a Linguística, Psicologia e Antropologia, nesse sentido, incorporaram
um modelo essencialmente interdisciplinar, sobretudo, em relação à metodologia. Portanto, neste contexto, a
história multiplica suas curiosidades. Desloca-se a análise histórica para a descontinuidade, a ruptura, o novo,
fragmenta-se numa especialização extrema. Segundo Le Goff e Pierre Nora:
A novidade parece-nos estar ligada a três processos: novos problemas colocam em cau-sa a própria história; novas abordagens modificam, enriquecem, subvertem os setores tra-dicionais da história; novos objetos, enfim, aparecem no campo epistemológico da história. (LE GOFF; NORA, 1978, apud, DE LUCA, 2010, p.113)
A corrente historiográfica dos Annales na década de 1970 alterou o campo de atuação do historia-
dor, conduzindo-os a novos rumos, a trilhar novos caminhos. A utilização dos impressos resulta justamente dessa
renovação da própria disciplina. Significa, ao menos, que tais mudanças provocaram rupturas epistemológicas
ao conhecimento histórico, constituindo-se, entre outros, uma “revolução documental” (LE GOFF, 2010, p.531).
Indagar a noção de fonte na história tornou-se, assim, passo essencial na vida dos historiadores.
Conhecer e historicizar as fontes permitiu adequações ao método. Tais mudanças decorreram de processos des-
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contínuos, onde a postura acerca do metier foi questionada. De acordo com Ciro Flamarion Cardoso, tal alar-
gamento na concepção de documento trouxe para a produção historiográfica uma ampliação das possibilidades
de investigação, conforme avalia:
Assim, hoje tal crítica tem dimensões jamais sonhadas pelos historiadores de fins do sé-
culo XIX; os textos não são tratados apenas em seus conteúdos ou enunciados, mas também mediante métodos linguísticos de análise do discurso, da enunciação, com apoio em alguma teoria das classes e das ideologias sociais. Em outras palavras, procura-se determinar em que condições sócio-históricas a produção do texto pôde ocorrer. (CARDOSO, 1986, p.54)
A renovação no campo histórico abriu novas possibilidades, entre elas, o retorno da História Política
e a consolidação da História Cultural, o que permitiu incluir antigas e novas temáticas. Em relação ao político,
a abordagem de outrora, ligada ao espectro positivista, invalidou por muito tempo análises profundas sobre o
tema. Já a chamada Nova História Política, longe de restringir suas análises a modelos macropolíticos, biográfi-
cos, ou mesmo, de enaltecimento dos governos, busca, acima de tudo, romper com esta visão, valorizando, pois,
questões que envolvam o poder por outros prismas. Destacam-se aí, os micropoderes, os símbolos políticos, as
propagandas ideológicas, enfim, as relações do imaginário político com o próprio poder, como por exemplo, as
relações e formas de poder que permeiam o jornal.
Neste imenso contexto, a História Cultural também (re)surgiu. Embora o corpo teórico cultural seja
foco de críticas, são inegáveis suas contribuições. Notadamente, a História Política relacionou-se com a cultural.
A noção de cultura, que evocou desde Febvre seu lugar na historiografia, talvez atualmente tenha vencido, ao
menos por hora, a queda de braço contra o determinismo econômico. Destaca-se, neste ínterim, a contribuição
dos próprios marxistas na renovação do campo cultural, em especial E. P. Thompson. A renovação marxista foi,
portanto, outro ponto convergente para o alargamento do campo histórico ligado a cultura.
A renovação das abordagens políticas e culturais redimensionou a importância da imprensa escri-
ta, que passou a ser considerada como fonte documental, na medida em que enuncia discursos e expressões,
como agente histórico que intervém nos processos e episódios. Além disso, problemáticas surgidas em processos
históricos recentes enquadraram-se, igualmente, na esteira atual da História, isto é, os estudos relacionados à
história do tempo presente. Implica-se, por isso, verificar como os meios de comunicação impressos interagem na
complexidade de um determinado contexto. Haja vista, que “o conhecimento que temos da realidade é mediado
pelos fatos divulgados pela imprensa escrita e radiotelevisiva” (DE LUCA; MARTINS, 2006, p.10).
Nesta conjuntura os impressos são validados no campo de análise do historiador. O discurso da
imprensa e sua linguagem não se restringiam apenas a um conjunto de vocabulários, mas antes, seriam capazes
de desvelar o nível básico das relações sociais. Expressam-se, portanto, através dos jornais, as forças políticas
dos grupos que compõe a sociedade, desse modo:
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A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero veículo neutro dos acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se insere. (CAPELATO; PRADO, 1980, p.19)
Nesta perspectiva, os jornais, por meio dos discursos, “produzem estratégias e práticas tendentes a im-
por autoridade, uma deferência, e mesmo a legitimar escolhas” (CARVALHO, 2005, p.149), isto porque, “é um
produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder” (LE GOFF, 2010,
p.536). Os jornais procuram atrair o público e conquistar seus corações e mentes. “A meta é sempre conseguir
adeptos para uma causa seja ela empresarial ou política, e os artifícios utilizados para esse fim são múltiplos”
(CAPELATO, 1988, p.15).
Conforme Capelato (1988) a imprensa impôs-se como uma força política. Os governos e os pode-
rosos, por isso, sempre a utilizam e temem; ora adulando, ora vigiando, controlando e punindo. Pois, os impres-
sos têm a função de “‘despertar as consciências’ e ‘modelá-las’ conforme seus valores e interesses, procurando
indicar uma direção ao comportamento político do público leitor” (CAPELATO, 1980, p.23). Mesclam-se, assim,
os interesses políticos e de lucro, uma vez que:
Jornais, revistas, rádios e televisões são empresas e, portanto, também buscam lucros. De outra parte, negociam um produto muito especial, capaz de formar opiniões, (des)estimu-lar comportamentos, atitudes e ações políticas. Elas não se limitam a apresentar o que acon-teceu, mas selecionam, ordenam, estruturam e narram, de uma determinada forma, aquilo que elegem como fato digno de chagar até o público. (DE LUCA; MARTINS, 2006, p.11)
O trabalho com a imprensa, por tudo isso, constitui-se para o historiador numa das possibilidades
de resgatar a participação de grupos sociais, em contextos específicos. Contudo, faltavam ainda trabalhos
sobre os próprios jornais.
Fundamental, portanto, é o estudo dos periódicos enquanto objeto, transformando-se, ele mesmo, no
foco dos trabalhos. Destacam-se no Brasil a obra “O Bravo Matutino” (1980), estudo de Maria Helena Capelato
e Maria Ligia Prado sobre o jornal “O Estado de São Paulo”. Outra referência são as análises de Tania Regina
de Luca sobre a Revista do Brasil (tese de doutoramento, USP, 1996). Aliás, segundo a autora “não era nova a
preocupação de se escrever a História da imprensa, mas relutava-se em mobilizá-los para a escrita da História
por meio da imprensa” (DE LUCA, 2010, p.111). Dessa maneira, é possível encontrar inúmeros livros que tratam
da trajetória da imprensa e do jornalismo no Brasil. Exemplo disso, Nelson Werneck Sodré, na clássica obra “A
História da Imprensa no Brasil”, de 1966. No entanto, apesar do relativo aumento das pesquisas, o campo ainda
se mostra inexplorado, sobretudo, em relação aos impressos fora do eixo das grandes cidades.
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A significação do passado envolve, por assim, sérias tarefas que embora pareçam lógicas, isto é, partindo-se
de fontes seguras o resultado certamente será confiável, situa, ao invés disso, a história numa rede complexa de
análises. O pesquisador dos jornais, na verdade, “trabalha com o que se tornou notícia, o que por si só abarca
um aspecto de questões, pois será preciso dar conta das motivações que levaram à decisão de dar publicidade
a alguma coisa” (DE LUCA, 2010, p.140). Torna-se, então, fundamental ao analisar os jornais, “relacionar tex-
to e contexto: buscar os nexos entre as ideias contidas nos discursos, as formas pelas quais elas se exprimem e
o conjunto de determinações extratextuais que presidem a produção, a circulação e o consumo dos discursos”
(CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.378). Deve-se ainda considerar que a construção do fato jornalístico interfere
não apenas em elementos subjetivos de quem os produzem, mas também dos interesses aos quais os jornais
estão vinculados (CAPELATO, 1988).
Propomo-nos, portanto, ao analisar o discurso da imprensa, considerar a opinião de Manzière (2007),
quando diz que a análise do discurso não se separa do enunciado nem de sua estrutura linguística, nem de suas
condições de produção, de suas condições históricas e políticas, nem das interações subjetivas, visando permitir
uma interpretação. Entende-se, pois, o discurso como fruto de condições sócio-históricas específicas, nesse sen-
tido, Koselleck afirma:
[...] o mesmo pode ser pressuposto para um texto político, como por exemplo um artigo de jornal, suas manchetes e editoriais, que se ligam a um dia e fatos específicos, e que, pas-sados cinco dias, perdem a força que possuíam no momento de sua publicação, posto que o cotidiano pode superá-los. (KOSELLECK, 1992, p.143)
Para Cardoso e Vainfas, “o pressuposto essencial das metodologias propostas para a análise de tex-
tos em pesquisa histórica é o de que um documento é sempre portador de um discurso que, assim considerado,
não pode ser visto como algo transparente” (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.337). É necessário identificar, de
antemão, o público ao qual o jornal pretende atingir, pois se alteram em função do leitor os aspectos visuais e
de materialidade, incluindo-se maior ou menor número de ilustrações, páginas, textos, seções, formas de lingua-
gem, diagramação, qualidade tipográfica, etc.
Ao analisar o documento impresso, levar-se-á em consideração à análise semântica da linguagem
e o contexto social. Destacam-se as propostas de Laurence Bardin (1997), nas quais, “a unidade de contexto diz
respeito à totalidade, ao contexto histórico, às estruturas sociais e/ou ao universo simbólico no qual se insere(m)
o(s) discurso(s) analisado(s)” (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.383), pois:
[...]os jornais não são, no mais das vezes, obras solitárias, mas empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita. (DE LUCA, 2005, p.140)
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Segundo Ciro Flamarion e Ronaldo Vainfas, no capítulo intitulado “História e Análise de Textos”, con-
tido na obra Domínios da História (1997), a semântica é a “teoria do conteúdo das significações ou, como agora
passou a preferir-se, estudo das mencionadas significações que seja ao mesmo tempo gerativo (investimentos
sucessivos de sentido em patamares diferentes)” (1997, p.377). Desse modo, Reinhart Koselleck assevera:
A semântica é assim imprescindível para a comunicação linguística e para o uso prag-mático da língua. É ainda imprescindível para que se possa fazer política, exercer influência social, fazer revolução, enfim tudo aquilo que se possa imaginar como atos sociais e históri-cos (KOSELLECK, 1992, p.141).
O acontecimento ou fato singular, uma das opções de unidade de registro propostas por Bardin
(1997), integra o eixo entre a análise do discurso dos periódicos e o momento histórico de sua produção, uma
vez que “a linguagem e a natureza do conteúdo tampouco se dissociam do público que o jornal ou revista preten-
de atingir” (LUCA, 2010, p.140). Deve-se, assim, levar em consideração para quem os discursos eram produzi-
dos, já que “tais determinações, que regulam as práticas, dependem das maneiras pelas quais os textos podem
ser lidos diferentemente pelos leitores que não dispõem dos mesmos utensílios intelectuais e que não entretêm
uma mesma relação com o escrito” (CHARTIER, 1991, p.179).
Os impressos são produtos forjados a partir de representações contextualizadas da realidade. O que,
invariavelmente, revelam formas simbólicas de luta pelo poder de representar, afirmando-se, com isso, a memó-
ria de um grupo ou mesmo de partidos políticos. Segundo Capelato, “nos vários tipos de periódicos e até mesmo
em cada um deles encontramos projetos políticos e visões de mundo representativos de vários setores da socieda-
de (CAPELATO, 1988, p.34). Identifica-se, portanto, nos impressos, as “lutas de representações decorrentes do
recuo da violência física; e para a constatação de que o poder depende do crédito concedido à representação”
(CARVALHO, 2005, p.150).
De acordo com Chartier (1990), as representações são entendidas como classificações e divisões
que organizam a apreensão do mundo social como categorias de percepção do real. Parte-se, desse modo, de
um objeto ausente que é substituído por uma imagem material, que por sua vez irá reconstituir uma memória.
Conforme Francismar Carvalho, “as representações são variáveis segundo as disposições dos grupos ou classes
sociais; aspiram à universalidade, mas são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam”
(CARVALHO, 2005, p.49). O historiador, dessa maneira, procura estudar os jornais como agente da história e
captar o movimento vivo das ideias e personagens que circulam pelas páginas dos impressos (CAPELATO, 1988).
O campo das representações, portanto, pode incluir as formas de pensar, sentir e agir, transformando-
se em máquina de fabricar respeito e submissão. (CHARTIER, 2002), servindo como “matrizes geradoras de con-
dutas e práticas sociais” (PESAVENTO, 2005, p.40), uma vez que as representações não são discursos neutros.
Torna-se, assim, fundamental, através dos jornais, “identificar o modo como, em diferentes lugares e momentos,
uma realidade social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 1990, p.16).
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Sob a influência do paradigma tradicional a imprensa era vista como subjetiva demais, ao ponto de
ser desprezada. Some-se a isso o fato dos estudos restringirem-se apenas aos episódios políticos. Após 1970, ao
invés disso, a imprensa “passou a ser concebida como espaço de representação do real, ou melhor, de momentos
particulares da realidade. Sua existência é fruto de determinadas práticas sociais de uma época” (CAPELATO,
1988, p.24). A possibilidade de analisar as formas de representação de um dado contexto levou os historiado-
res a voltar-se para este tipo de documento antes praticamente descartado. O jornal, nesse sentido, não é um
transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos e tampouco uma fonte desprezível porque permeada pela
subjetividade (CAPELATO, 1988).
Historiadores de diversos matizes teóricos reconheceram na imprensa escrita novas possibilidades de
análises e resignificações do passado. Contudo, a inserção dos impressos na produção historiográfica brasileira,
especialmente o uso de jornais, revistas, folhetins e edições ilustradas, ainda é recente se comparado a Europa
e Estados Unidos. Somente nos últimos anos, os trabalhos que se valham de jornais e revistas como fonte para
o conhecimento da história do Brasil se consolidaram. Identificam-se, a partir daí, relativo aumento na utilização
dos periódicos como documento e objeto de pesquisas, incluindo-se dissertações de mestrado, teses de douto-
rado, publicações de artigos e/ou livros.
As discussões apresentadas neste artigo não tiveram a pretensão de modular as fontes periódicas em
compartimentos estanques. Na verdade, apenas ilustram as problemáticas no tratamento desta. Revela-se aqui,
como já mencionado, a preocupação central dos historiadores em pontuar questões fundamentais relativas ao
tratamento dos documentos na pesquisa histórica. Referir-se, pois, as problemáticas contemporâneas da história
requer, ao menos, compreender as mudanças ocorridas no campo de ação do historiador. A compreensão do
passado faz-se por meio de fontes, isto significa que o historiador apropria-se de documentos para construção de
narrativas, por isso, tornou-se fundamental situar o contexto onde a história traçou novos caminhos, incluindo-se,
dessa forma, os impressos na historiografia. Portanto, antes mesmo de negar a figura subjetiva do historiador é
necessário desdobrar-se na própria subjetividade dos documentos. Talvez seja esse o maior desafio dos historia-
dores neste momento.
CALONGA, Maurilio Dantielly 100
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IMAGEM & MÍDIA: RELAÇÕES COM O ENSINO 1
Palavras-chave: Educação, mídias, indústria cultural.
Resumo
A proposta deste estudo é fomentar o debate sobre a importância da imagem e da internet na contempo-
raneidade e no meio educacional, propondo reflexões teóricas acerca da sua aplicabilidade didática, visando
propiciar condições a docentes e discentes de interpretar as várias possibilidades de absorção das mensagens
imagéticas do mundo midiático e percebê-las como um ato de comunicação criador de significados e de cultura.
Viviane Scalon Fachin 2
Rodrigo Domingues de Oliveira 3
1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigram/
Dourados/ MS.2 Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos, docente dos cursos de História e Ciências Sociais da Univer-
sidade Estadual de Mato Grosso do Sul. [email protected] Estudante de, 3º ano do curso de História da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. [email protected]
FACHIN, Viviane Scalon 80
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 88-100, nov 2012
A organização das idéias que constituem o corpo do trabalho aqui tratado é fruto das inquietações sentidas
na condição de professora de estágio supervisionado em História no Ensino Médio e coordenadora de área do
Programa Institucional de Iniciação à Docência – PIBID, em Ciências Sociais e do aluno frente a sua experiência
como estagiário na rede pública de ensino em Amambai, município de Mato Grosso do Sul.
Representa a necessidade de descobrir por que, ainda hoje, com os avanços tecnológicos, as escolas, na
sua grande maioria, resistem à utilização de recursos audiovisuais como instrumentos didáticos habituais em sua
proposta pedagógica e quando o incluem o fazem de forma esporádica.
O móvel das inquietações é o reconhecimento de que na atualidade as tecnologias de informação e
comunicação de massas, constituídas como redes, se distribuem e exercem controle, além de serem instrumen-
talizadas e instaladas no cotidiano das pessoas, na maioria das vezes sem se considerar os seus efeitos sobre a
sensibilidade dos indivíduos. (Eunice Vaz Yoshiura, 2006, p.2-5)
Neste estudo focamos as mídias, especificamente a fotografia, o cinema e a internet como elementos sim-
bólicos, responsáveis por identificar e comunicar, de forma superficial e indistinta, reforçando as suas interfaces
simbólicas e exacerbando os mecanismos da fascinação que exerce já amplamente discutida pelos estudiosos4
da indústria cultural. A percepção visual, desde tempos imemoriais5, se dá por meio das imagens. Estatísticas
indicam que aquilo que se apresenta por imagem é apreendido com mais eficácia do que o que é lido ou ouvido.
Outro aspecto a ser considerado em relação à imagem e que é apresentando por Yoshiura, segundo a
qual [...] “enquanto linguagem midiática Universal, pode ser compreendida por todos os povos, independente-
mente da língua ou da cultura, constituindo-se de elementos simbólicos não codificados que não revelam, em si,
claramente o seu sentido”, deixando à percepção a tarefa de ser construído pelo indivíduo. E completa que [...]
“o seu significado aparente pode ser apreendido imediatamente, porém o seu sentido intrínseco, muitas vezes
escapa.” (2006, p 7-8)
O propósito de reconhecer o papel da imagem na história da humanidade torna-se parte vital deste es-
tudo, visto ser desse reconhecimento que partem alguns dos nossos pressupostos. Pode-se afirmar que o próprio
conhecimento da história do homem se deve, em grande parte, aos registros imagéticos6. São os sentidos da vi-
são e a formação das imagens mentais, nas quais o tempo age como mediador, que nos remetem aos principais
e primeiros meios de percepção da história, tanto no nível individual, quanto coletivo.
A história vista sob esse prisma, muitas vezes traduzida em imagens mentais ou mesmo concretas, é o resul-
tado de uma síntese bastante complexa da cultura histórica adquirida e dos elementos de ordem subjetiva de
4 Theodor Adorno e Max Horkheimer.5 Desenvolvimento tecnológico aqui caracterizado como toda instrumentalização humana que possibilitou
sua sobrevivência e seus avanços evolutivos.6 Termo empregado por Nelson PRETTO para identificar o recurso da imagem.
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quem produz as imagens.
Durante grande parte da trajetória da humanidade, a cultura histórica dos indivíduos foi forjada predominan-
temente por aquilo que se via no seu cotidiano e que era armazenado em suas memórias visuais; o próprio ato
de recordar, quase que invariavelmente nos reporta a imagens.
É ainda Yoshiura quem ressalta que “O reconhecimento das imagens como objetos conhecidos pode nos
parecer suficiente para a compreensão daquilo que se vê”. E concluí “No entanto, as imagens em si, pelo modo
como se apresentam, por suas características específicas, tais como cor, forma, proporção, posição, dinâmica,
podem nos comunicar algo mais” [...] (2006, p. 7) e nós acrescentamos que é parte da tarefa do educador, na
atualidade, ter preparo pra trabalhá-las em seu cotidiano escolar.
Tal qual o comunicador visual busca exercer o controle de sua obra através da composição, da manipu-
lação dos elementos visuais (2006, p.7-8) o indivíduo professor e/ou aluno deve estar preparado para filtrar seus
efeitos de forma a entender o poder da indústria cultural na contemporaneidade.
A esse respeito Sadek faz algumas considerações pertinentes ao momento vivido pela educação, parte
das quais são transcritas aqui a guisa de uma possível explicação para a aparente inércia do sistema educacional
quanto ao uso das mídias
Construir conhecimentos, criar conexões, relacionar fatos, analisar argumentos, duvidar de algumas verdades, descobrir ou inventar outras são alguns movimentos fundamentais na educação. Podemos entender educação como o estado de espírito, a disposição de apren-der, de descobrir, de relacionar, de construir. É um estado de permanente movimento. Ou
deveria ser. (1999, p. 13)
Infelizmente tem-se observado na escola que os movimentos, tomando emprestado de Sadek o seu sig-
nificado em substituição ao termo transformação, são desprovidos de relação entre a realidade que o aluno vive
e carrega consigo daquela que é posta na escola. Não se pode afirmar que esta situação ocorre em todos os
movimentos do ensino, embora ainda se constate que a bagagem que o aluno traz para a escola nem sempre é
considerada.
Essa preocupação fica registrada na Carta para o Século 21, documento assinado pelos professores reu-
nidos no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante o Seminário Imagem,
Educação e Cultura, em abril de 1998 e o qual corroboramos.
Entre outras, destacam-se as seguintes proposições:
[...] os professores reunidos no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante o seminário Imagem, Cultura & Educação, em abril de 1998, reco-mendam:
•quesepriorizempesquisascentradasnarecepçãoàTV,nosdiferentesgruposetáriosesociais;
•queseintensifiquemasaçõesdirigidasaoreceptor,visandoàformaçãodotelespecta-dor – a ‘alfabetização para a mídia’ – e do professor;
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•quesepromovaumamobilizaçãosocialobjetivandoaexigênciademaiorqualidadena produção televisiva oferecida pelos meios de comunicação;
•quesedesenvolvamprogramaseprojetosvoltadosparaaformaçãodoprofessor[...],numa perspectiva de educação para a imagem e a mídia;
•queoseducadorestrabalhemasnovas“linguagensaudiovisuais”comolinguagenspedagógicas, admitindo que são tão legítimas quanto a linguagem escrita [...]
E como conclusão propõe:
[...] que os educadores aprendam a lidar com as novas formas de aprender e de se comportar geradas pelas “linguagens audiovisuais”, assumindo a produção do saber escolar com e a partir dessas linguagens;
que todos os que se preocupam com educação assumam o desafio cultural de formar jovens aprendendo a lidar com as novas formas de sociabilidade geradas pelo contato in-tensivo e extenso com as linguagens audiovisuais e com as mídias. (MYRIAN DAUELSBERG,
1999, p. 109-110)
Pelo exposto podemos começar nossa reflexão sobre as relações de ensino pensando na fotografia e nas
implicações de sua interpretação e desta forma temos no fotógrafo, aquele que observa e interpreta o ambiente
que o rodeia, selecionando o que lhe interessa. O produto de sua seleção é a fotografia, uma imagem mediada
pelo seu olhar e pela de quem a irá olhar/apreciar/interpretar. Embora ambas as atividades sejam autônomas,
interpretativas e criadoras, suas imbricações permitem uma bricolagem7, tornando a apreensão da imagem fo-
tografada, tanto por quem a fez quanto por quem a vê, única, ímpar.
Do movimento da fotografia nasceu o cinematógrafo e a indústria da imagem ganhou um importante
e vital recurso, que encanta, deslumbra, fascina e influencia homens, mulheres, jovens e crianças, dada sua
característica de permitir variadas dinâmicas de análise que podem ser adotadas para explorar as imagens fo-
tográficas e cinematográficas como recurso didático, lembrando que é o professor/educador quem deverá fazer
as propostas de intervenção, posicionando-se sempre e segundo Moran [...] trabalhando sempre dois planos: o
ideal e o real; o que deveria ser (modelo ideal) e o que costuma ser (modelo real).(1995, p. 02).
Em todas as instâncias de manifestação da vida em sociedade, estão sendo processadas transformações
cruciais que envolvem mudanças de mentalidade, ressaltando as formas de comunicação e linguagem, as tecno-
logias produtivas e intelectuais e também as formas de subjetivação, cognição e criação, e embora ocorram em
ritmos desiguais e de maneira heterogênea já é possível delimitar suas implicações na vida concreta dos homens,
refletindo nas possibilidades que elas apontam como devir. Walter Benjamim foi um dos primeiros teóricos do
século XX que enxergou e defendeu essa relação de interdependência existente entre as modificações tecnológi-
cas e as transformações humanas cognitivas e subjetivas, tecendo críticas a posturas historiográficas da época
que se apoiavam numa concepção linear e cronológica do tempo. No texto intitulado “A obra de arte na era de
sua reprodutibilidade técnica” o autor tece algumas considerações que se destacam por sua pertinência face ao
exposto. A forma como conceitua aura, em se tratando de uma obra de arte, e analisa as mudanças ocorridas
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pela sua reprodutibilidade, permite que se estabeleça relação sobre a questão proposta, partindo da seguinte
assertiva
Generalizando, podemos dizer que a técnica da reprodução destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido. Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra por uma existência serial. E, na medida em que esta técnica permite à reprodução vir ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido. Esses dois processos resultam num violento abalo da tradição, que constitui o reverso da crise atual e a renovação da humanidade. (BENJAMIM, 1983, p. 168-169)
Ao constatar que a reprodutibilidade faz desaparecer a “autoridade da coisa, seu peso tradicional”, abre
espaço para a discussão em pauta e prossegue em suas conclusões, também pertinentes na confirmação da
interferência exercida pela interdependência anteriormente citada. Indo mais adiante em suas considerações,
retomamos suas palavras, visto que quando se refere à destruição da aura de uma obra de arte através da re-
produtibilidade, ele afirma que
No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades hu-manas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado natu-ralmente, mas também historicamente. (BENJAMIM, 1983, p. 169)
Quando um pensador do porte de Benjamim reporta-se ao estudo da reprodutibilidade das obras de arte, o
faz por reconhecer que o momento em que se pensou a reprodutibilidade é um novo momento histórico, em que
a mentalidade humana está em transição. A trajetória da humanidade mostra que em determinados momentos
o homem usou a técnica de que dispunha para possibilitar ou transmitir ensinamentos, seja nos rituais primitivos,
seja em uma película cinematográfica. Martín-Barbero, quando fala sobre as contradições pelas quais a mo-
dernidade8 é permeada, afirma que o primeiro elemento de des-ordem na cultura foi introduzido pelo cinema,
pois segundo sua visão, “o novo sensorium das massas, com a ‘experiência de multidão’ que o pedestre vive nas
avenidas das grandes cidades, o cinema veio aproximar os homens das coisas”. (1999, p.18)
Desta forma pode-se concluir que não houve linearidade histórica na evolução do pensamento humano, e
indo mais adiante, que a história permite esta conclusão, quanto ao aspecto da influência da arte e sua repro-
dutibilidade na vida humana, pois à medida que as imagens emancipam-se de sua função ritual, tornam-se
mais numerosas as ocasiões de serem expostas. Aqui, à guisa de conclusão parcial faz-se necessário acrescentar
ainda o seguinte:
7 Construção individual a partir do entendimento e da visão de mundo de cada observador.8 Na afirmação de MARTÍN-BARBERO, a análise pioneira dessas contradições encontra-se em: BELL, D. Las contradicciones
culturales del capitalismo. Madrid, Alianza, 1997.
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A controvérsia travada no século XIX entre a pintura e a fotografia quanto ao valor ar-tístico de suas respectivas produções parece-nos hoje irrelevante e confusa. Mas, longe de reduzir o alcance dessa controvérsia, tal fato serve, ao contrário, para sublinhar sua signi-ficação. Na realidade, essa polêmica foi a expressão de uma transformação histórica, que como tal não se tornou consciente para nenhum dos antagonistas. Ao se emancipar dos seus fundamentos de culto, na era da reprodutibilidade técnica, a arte perdeu qualquer aparência de autonomia. Porém a época não se deu conta da refuncionalização da arte, decorrente dessa circunstância. (BENJAMIM, 1983, p. 176)
Percebe-se que separando-se de sua condição ritual, a imagem objetivada adquire valor de troca, estando
portanto, sujeita às leis da circulação mercantil. O mercado livre fundamenta a base da imagem como potencial
de publicidade, tornando-a pública, aberta ao olhar.
Ressaltar a importância dessas reflexões para se pensar a situação da educação nesse contexto de trans-
formações torna-se primordial. O alcance e profundidade dessas discussões nos meios intelectuais serão tanto
melhores quanto se conseguir evitar qualquer ilusão progressista ou qualquer visão sistematicamente pessimista a
respeito da problemática, dado que a produção maquínica de subjetividade pode trabalhar tanto para o melhor
quanto para o pior,9 superando-se desta forma o caminho tendencioso ou ingênuo tanto dos integrados quanto
dos apocalípticos que associam ao uso que vêm sendo feito das novas tecnologias ou as panacéias salvadoras
da humanidade ou as causadoras da desgraça coletiva, respectivamente10, sem levar em conta que a utilização
das mesmas, na maioria das vezes, se presta aos interesses mercadológicos ou ideológicos daqueles que a intro-
duzem, seja no campo financeiro/industrial, seja no campo educacional.
A extensão do conflito pode ser constatada nos trabalhos de vários autores11, e com base em seus estudos
percebe-se que conseguiram trazer à tona a existência, na contemporaneidade, de ambas as visões assinaladas.
Cumpre refletir que, do ponto de vista proposto, são equivocadas todas as posições extremistas. Para ilustrar
essa conclusão mais uma vez nos reportamos à Martín-Barbero, quando afirma:
A atitude defensiva da escola e do sistema educacional os leva a desconhecer (ou fingir que desconhecem) que o problema real está no desafio imposto por um ecossistema comu-nicativo no qual emerge uma outra cultura, outro modo de ver e ler, de pensar e aprender. A atitude defensiva limita-se a identificar com o livro o melhor do modelo pedagógico tra-dicional e a rotular o mundo audiovisual como o mundo da frivolidade, da alienação e da manipulação; a fazer do livro o âmbito da reflexão, da análise e da argumentação, diante de
um mundo de imagens sinônimas de emotividade e sedução. (1999, p. 28)
O autor se respalda em pesquisa realizada pela Universidad del Valle,12 sobre os hábitos de leitura e os usos
9 Segundo texto de GUATTARI, em As três ecologias.10 Ver ECO, Umberto, em Apocalípticos e Integrados. 11 Nessa asserção nos reportamos a análise em Frigotto e Eco.12 MUÑOZ, S. El ojo, el livro y la pantalla .Cali, Univalle, 1995.
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sociais da televisão e continua afirmando:
Quem dera o livro fosse, na escola, um meio de reflexão e argumentação, e não de leituras canônicas e de repetição estéreis! [...] Em Cali a grande maioria das pessoas, de todas as classes sociais e não apenas dos setores mais populares, identifica o livro com tarefa escolar; uma vez terminada essa fase da vida, o livro deixa de ter utilidade ou função. Isso revela que nossas escolas não proporcionam um espaço no qual a leitura e o ato de escrever sejam atividades prazerosas, mas predominantemente uma tarefa obrigatória e entediante, sem possibilidades de conexão com dimensões fundamentais da vida do adolescente. Uma atividade até mesmo castradora: confundindo qualquer expressão de estilo próprio na escri-tura com algo anormal ou com plágio, os professores tendem sistematicamente reprimir a criatividade. (MARTÍN-BARBERO, 1999, p. 29)
O paralelo que se estabelece a partir desses estudos se situa na constatação de que o despreparo que as-
sistimos hoje em relação ao uso das novas mídias por parte das escolas, também existe em relação ao uso de
materiais didáticos tão “familiares” como os livros. Confirmando essa hipótese, ainda encontramos em Martín
-Barbero constatações de extrema significância:
Não por má-fé, mas pelos próprios hábitos13 de leitura dos professores e pela inércia do ensino, legitimada pelo modelo reinante de comunicação escolar: quando o aluno ou aluna escreve diferente do que o professor espera, este se sente autorizado e mesmo na obrigação de reprimir tal ‘anormalidade’. [...] O quadro não poderia ser mais significativo: enquanto o ensino discursa pelo âmbito do livro, o professor se sente forte, mas quando o mundo da imagem aparece, o professor perde o prumo, seu terreno se move, porque o aluno sabe muito mais e, sobretudo, maneja muito melhor a linguagem da imagem do que o próprio professor. E, além disso, porque a imagem não se deixa ler com a unilateralidade de códigos que a escola aplica ao texto escrito. Diante do desmoronamento de sua autoridade perante o aluno, o professor não sabe reagir a não ser através da desautorização dos conhecimentos passados pela imagem. Por outro lado, a oralidade cultural das massas tampouco cabe na escola, pois tanto o mundo das anedotas e das narrativas orais como o mundo do rock e do rap deslocam também – partir de suas próprias lógicas, conhecimentos e gostos – o triste e ascético autismo do livro. (1999, p. 29-30)
Nos dias atuais vive-se um momento histórico com o despontar de um novo homem com novas perspectivas,
de um novo logos e de uma nova subjetividade. É Lévy quem insiste: “O novo equipamento coletivo de sensibili-
dade, de inteligência, de relação social está, de fato, nascendo em silêncio. Trata-se de um equipamento coletivo
de subjetivação”.(1998, p. 02)
O despontar do século XX traz uma gama de transformações nos mais variados campos do saber criando
uma sociedade em que é preciso novos agenciamentos sociotécnicos direcionados cada vez mais para uma co-
municação generalizada, estruturados nas linguagens mediáticas, tendo na imagem um elo central, consequen-
13 De acordo com MARTÍN-BARBERO: “Sobre o sentido dessa categoria: BORDIEU, P. & PASSERON, J. C. La
reproduction: element pour une théorie du systéme de l’enseignement. Paris, Minuit, 1970.”
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temente o homem moderno cede lugar, gradualmente, a um novo homem e a uma nova subjetividade. À medida
que o contato humano com as novas tecnologias da comunicação e informação vão se acentuando criam-se
novas modalidades e complexos de subjetivação, atuando tanto de forma positiva quanto negativa sobre os
meios sociais, configurando novas representações do mundo e exigindo novas maneiras de pensar.
É inquestionável essa mudança de mentalidade que se deu no limiar do século XX, que se estende até a
primeira década desse novo milênio em que vivemos, parte de um amplo processo, conduzido em boa medida
pelo desenvolvimento tecnológico que a humanidade tem vivido desde tempos imemoriais14 e que se intensificou
a partir dos últimos sesseta anos, notadamente nos domínios da comunicação e informação. Nesse processo
encontram-se englobados variados setores da sociedade humana, desde o econômico ao político, do social ao
simbólico, do cultural ao psíquico, todos trazendo profundas implicações para os domínios da educação. Essa
nova configuração de mundo acaba colocando em xeque todo o sistema pedagógico convencional e fazendo
surgir novos horizontes para uma educação renovada, baseada em novos universos paradigmáticos.
O historiador Marc Ferro, em entrevista à Folha Online, em 11 de setembro de 2004, afirmou que :
A história feita pelo cinema toma cada vez mais o lugar daquela feita pelos livros. Para uma criança de hoje, a Segunda Guerra Mundial é a imagem que se pode pensar a partir dos filmes, o saber passa necessariamente pela imagem, e vários historiadores entenderam
que é preciso fazer filmes e não apenas livros.
A esse respeito Napolitano também observa que:
Nos últimos anos tem sido cada vez mais freqüente o uso de novas linguagens não somente para motivar os alunos, como também para atualizar a concepção de fonte (de aprendizado), incluindo-se neste campo as imagens, paradas ou em movimento, produzidas por uma determinada sociedade e veiculadas por um meio específico. O problema é que, em muitos casos, o uso escolar das imagens requer um tipo de abordagem diferente da reservada ao documento escrito. Se o professor optar por trabalhar com as novas lingua-gens aplicadas ao ensino, deve ter claro que esta novidade não vai resolver os problemas didático-pedagógicos do seu curso. A incorporação deste tipo de documento/linguagem não deve ser tomada como panacéia para salvar o ensino de história e torná-lo mais moderno. Muito menos deve ser vista como a substituição dos conteúdos de aprendizado por atividades pedagógicas fechadas em si mesmas. Todo cuidado é pouco, principalmente numa época de desvalorização do conteúdo socialmente acumulado pelo conhecimento científico.(NAPOLI-TANO, 1999, p. 47)
Faz-se necessário nesta reflexão fazer um esclarecimento quanto ao móvel de sua condução. O respaldo
nos autores que foram usados como referencial teórico para o desenvolvimento do trabalho não são necessa-
riamente pertencentes à mesma linha teórica de pensamento, embora as inserções de suas falas objetivaram
14 Desenvolvimento tecnológico aqui caracterizado como toda instrumentalização humana que possibilitou sua sobrevivência
e seus avanços evolutivos.
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reforçar a idéia principal que consiste em integrar o trabalho educacional ao mundo da imagem e da mídia,
preponderante na atualidade. Assim é interessante observar Sadek quando diz:
Por que utilizar as novas mídias, não cabe mais discutir. Duvidar se se deve ou não usá-las parece anacrônico. Ninguém mais de bom senso se preocupa com isso. Como usar, com que objetivos e que alternativas escolher são as questões que precisam de respostas. E
rápidas, antes que a história nos atropele.( 1999, p. 16)
A educação escolar está hoje diante da exigência de adaptar-se ao ritmo das mutações culturais, e do
desafio de se colocar à frente dessas mudanças. Mas para que isso ocorra, é preciso que se trabalhe também a
subjetividade contida no ensino pela imagem, com a intervenção do professor que, dando cumprimento ao seu
papel de orientador, deve preparar o jovem de hoje para o pleno desenvolvimento das relações sociais que se
impõem, propondo possibilidades emancipadoras.
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Considerações Finais
Pelo fato da escola assumir o compromisso explícito da transmissão da herança cultural humana e do
processo civilizatório do homem, assume automaticamente o desafio de transformar os meios audiovisuais,
principalmente o televisivo, em aliado, uma vez que a televisão, que a princípio representaria apenas um meio,
extravasa essa função assumindo papéis que a escola desempenha, embora sem o compromisso explícito desta.
Torna-se imprescindível a construção de novas metodologias que permitam a introdução de professores e
alunos no universo da produção de mensagens através da linguagem audiovisual, processo que alguns autores
contemporâneos vêm chamando de alfabetização audiovisual.
Está comprovada a necessidade de que os educadores passem a abordar a imagem, não como sim-
ples instrumento, mas sim na perspectiva de transformá-la em fundamento do processo educativo. Trata-se de
introduzir um novo discurso no processo de aprendizagem do aluno, discurso que não prescinde de palavras
mas que incorpora as imagens.
A escassa utilização do recurso audiovisual na educação tem suas razões implícitas e explícitas na falta de
preparo/capacitação dos educadores em desenvolver uma prática educacional desvinculada da perspectiva ins-
trumentalista, embora o façam sem perceber o reducionismo em utilizá-lo apenas como atividade complementar,
como mera estratégia de animação, perdendo a oportunidade de assumir conjuntamente com os alunos o papel
de descobrir informações e criar novos conhecimentos, de forma integrada às suas subjetividades.
Corroborando o estudo, mais uma vez recorremos a Martín-Barbero ao construir a linha de raciocínio
seguinte
Enquanto se aferra ao livro, a escola desconhece o que se produz e circula no mundo da imagem e da cultura oral: dois mundos que vivem justamente do hibridismo e da mes-tiçagem, da mistura de memórias territoriais com imaginários deslocalizados. Vamos então dissipar o mal entendido que nos impede de reconhecer que, em nossos países, sociedade multicultural significa não apenas aceitar as diferenças étnicas, raciais ou de gênero. Signi-fica também aceitar que convivem em nossas sociedades ‘indígenas’ da cultura letrada com ‘indígenas’ da cultura oral e audiovisual – sublinhando que essas três culturas configuram maneiras muito distintas de ver e ouvir, de pensar e sentir, de sofrer e gozar. (1999, p. 30)
Pode parecer definitiva a idéia de substituição do ensino da escrita pela imagem, mas não é essa a pro-
posta, nem do autor e muito menos deste estudo. Cabe aqui uma nota explicativa a esse respeito, visto que no
desenvolvimento deste trabalho vem sendo dada ênfase ao uso da imagem na educação. Isso ocorre em razão
do pleno reconhecimento do papel preponderante e definitivo da escrita na transmissão do saber dentro do pro-
cesso educativo, sem admitir sequer a hipótese de superação.
É sabido que para a comunicação existir torna-se necessário que a mensagem seja percebida, que haja
sensibilização quantos aos signos ou símbolos que a codificam, o que torna o processo complicado é o fato de
que a percepção está, invariavelmente, ligada às capacidades, das mais variadas naturezas, do sujeito receptor.
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Sem isso o desenvolvimento dos processos de comunicação e de ensino ficam inviabilizados, inviabilizando, por
sua vez, o processo formativo, que é a prerrogativa maior da escola.
O que se pretendeu fazer foi demonstrar a possibilidade de contribuir para que os jovens possam fazer
uma leitura de mundo mais “ampla” quando motivados a isso. E porque não usar a ferramenta que o mundo da
visualidade, do consumo e da superficialidade coloca em nossa mãos? Não tem sido através das imagens pro-
jetadas pela mídia a influência exercida em hábitos e costumes da sociedade desde meados do século passado?
O que se torna necessário é saber como fazer, sob o risco de perpetuarmos esta utopia.
Finalizando é preciso reafirmar a crença segundo a qual os meios imagéticos, tomando como exemplo
a televisão e o vídeo, por serem bens culturais, produzidos e consumidos pela sociedade humana, tem priori-
tariamente a função de entretenimento. Mas isso não exclui sua força pedagógica. Podemos discutir os valores
ensinados pelas imagens fotográficas, cinema e internet, mas não podemos negar sua capacidade de veicular
mensagens e nem a sua audiência que, muitas vezes tem aproveitado seu potencial como aula, “quer do currí-
culo paralelo ou daqueles que nunca tiveram qualquer currículo oficial”. (REZENDE, 1998, p. 82)
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Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 101-115, nov 2012
A década de 60 e a reinvenção do jornalismo
Palavras-chave: : jornalismo; literatura; Novo Jornalismo
Resumo
O jornalismo e a literatura são distintos por suas naturezas. Enquanto o jornalismo tem na linguagem o meio
para alcançar seu objetivo final, a informação, a literatura tem na linguagem e na experiência estética da narra-
tividade, o seu objetivo primeiro. Este artigo analisa algumas divergências e convergências das práticas literária
e jornalística e reflete de maneira pontual o movimento do New Journalism norte-americano da década de 60,
responsável por romper radicalmente, na época, a fronteira que separa os dois universos conceituais, inaugu-
rando o romance de não-ficção.
André Mazini¹ e Eduardo Rosa²
1 Jornalista graduado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Co-
municação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Atualmente faz doutorado em História na UFGD e leciona nos cursos de
Comunicação Social do Cenro Universitário da Grande Dourados (Unigran) Email: [email protected]
2 Acadêmica do quarto ano de Jornalisno no Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran) Email: eduardarosa91@
hotmail.com.
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Jornalismo e Literatura: naturezas distintas
O jornalismo define-se historicamente como atividade que apura acontecimentos e difunde informações da
atualidade, buscando, capturar o movimento da própria vida. É da natureza do jornalismo tomar a existência
como algo observável, comprovável, palpável, a ser transmitido como produto digno de credibilidade. Dessa
forma, o jornalismo se propõe a prestar uma espécie de testemunho do “real”, fixando-o e ao mesmo tempo
tentando compreendê-lo. Para essa captação do, supostamente, “real”, o jornalismo utiliza a linguagem como
ferramenta. Logo, a linguagem é concebida como meio e não como fim e nesse ponto surge talvez a maior se-
paração entre jornalismo e literatura.
“A natureza da literatura, por sua vez, parece ser outra e até oposta à do jornalismo. Tra-ta-se de dotar a linguagem verbal de uma dimensão em que ela não é meio, mas fim; tomá-la como matéria em si, portadora de potencialidades expressivas. Na literatura, a linguagem não é mera figurante, mas centro das atenções. Nesse sentido, se há algo para comunicar na literatura, esse algo só existe pelo poder conferido à conduta da própria linguagem. Não se trata de exatamente de afirmar que não existe mundo algum fora da experiência da lingua-gem. Mas de supor que, para a realização literária tal mundo só s o verbal que o transmitir estiver, por assim dizer, transmutado, recriado, destituído de sua função cotidiana e costu-meira. Com isso, vem a constatação de que a razão de ser da literatura não é exatamente a comunicação.” (BULHÕES, 2007:12)
De acordo com Bulhões a obra de arte literária recria a realidade, manifesta uma supra-realidade, ou seja,
parte do mundo conhecido e visível para realizar uma permissiva transfiguração. Ela se lança à fabulação, à
criação de situações ou universos que não possuem compromisso com a realidade racional do mundo empíri-
co (2007:18). A literatura é, por excelência, um território para o devaneio fantasioso. A sua “verdade” reside,
também, na capacidade de atingir uma dimensão universal e essencial da subjetividade humana, a da atividade
imaginativa. Já a matéria do jornalismo é a vida enquanto substância tocável e representável. A atividade jorna-
lística convencional, de maneira geral, assume, cada vez mais, o papel de um legítimo conhecedor e registrador
de realidades comprováveis e aparentes. Com tais credenciais, ele participa ativamente da crença de ser um
reformador social, adquirindo, na vigência democrática, o estatuto de vigilante do poder público e de porta-voz
da sociedade. Assim, o jornalismo passa a formular, a respeito de si próprio, um discurso que o alude ao com-
promisso de dizer “a verdade e nada mais que a verdade”.
Apesar das diferenças na base conceitual entre os campos da literatura e do jornalismo, há um, ou o princi-
pal, elemento que os converge, a narrativa. Produzir textos que dispõem uma seqüência de eventos que ocorrem
num tempo e espaço determinado com participação de personagens, é algo que recai tanto sobre a prática
literária quanto à jornalística. Além disso, lembra Bulhões, é importante não perder de vista que a narratividade
está intimamente vinculada à necessidade humana de conhecimento e revelação do mundo ou da realidade. A
diferença é que, na literatura, a busca por esse conhecimento se dá, principalmente, por via imaginativa e ale-
górica, já o jornalismo por meio de uma suposta “verdade” objetiva e testemunhal.
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Mas a linha que contorna os espaços ocupados por literatura (ficção) e jornalismo (não-ficção) nem sempre
foi tão definida. Houve momentos históricos em que aconteceram flertes, bem ou mal sucedidos, por ambas as
partes. Da parte do jornalismo, o interesse pela liberdade literária pode ser identificado em qualquer período
que se analise. Nos anos 60, no entanto, o interesse ganhou corpo, ideologia e estilo próprios que repercutem
até hoje. Nem Tom Wolfe, protagonista do New Journalism, nem Bulhões ao analisar o que aconteceu ao jor-
nalismo dessa época, conseguem enxergar no Novo Jornalismo um movimento, pois não despontou com um
delineamento de idéias estabelecidas por um grupo coeso de representantes, nem elaborou um manifesto de-
claratório de princípios. “Foi mais uma atitude que se processou na fluência de uma prática textual desenvolvida
em alguns jornais e revistas americanas, inicialmente com textos das chamadas reportagens especiais publicadas
na Esquire, e no Harold Tribune, por gente como Jimmy Breslin, Tom Wolfe e Gay Talese, até atingir a configu-
ração de grandes narrativas com feição de romance, nas obras de Truman Capote e Norman Mailer.” (Bulhões,
2007:145). Esse movimento (o termo é apropriado no sentido agitação, animação) será melhor elaborado em
seguida.
Do jornalismo à literatura:
A rebeldia criativa dos anos 60
Ousemos, pois. Ousemos sonhar novos horizontes. Abramos nossas comportas de per-cepção. Não tenhamos receio de ser felizes. Rompamos as barreiras do preconceito ilustrado que esconde sua profunda ignorância por trás do medo. Percamos a vergonha de deixar o coração pulsar com nossas mentes. (Edvaldo Pereira Lima)
O século XX pode ser guardado nas páginas da história de diversas formas. Desde um século sangrento, com
duas guerras de proporções globais e outras tantas localizadas, um século de transformações sociais com o ca-
pitalismo se espalhando e “juntando” o mapa mundi em uma proposta progressiva de globalização, um século
de revolução cultural, e etc. Poderíamos nos estender facilmente pontuando slogans que traduzissem alguns dos
viezes desse século tão movimentado, sem, no entanto, encontrar uma síntese satisfatória que desse conta da
complexidade dos acontecimentos que marcaram esse período.
O historiador Eric Hobsbawn, ao estudar o que ele classifica de “Breve Século XX” (período que vai da eclo-
são da Primeira Guerra Mundial, em 1914, até a queda do Muro de Berlim na década de 80), faz o seguinte
panorama:“(...) a estrutura do Breve Século XX parece uma espécie tríptica ou sanduíche histórico. A
uma Era de Catástrofe, que se estendeu de 1914 até depois da Segunda Guerra Mundial, se-guiram-se cerca de 25 ou trinta anos de extraordinário crescimento econômico e transformação social, anos que provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que qualquer outro período de brevidade comparável.. Retrospectivamente podemos ver esse perí-odo como uma Era de Ouro, e assim ele foi visto quase imediatamente depois que acabou, no início da década de 70. A última parte do século foi uma nova era de decomposição, incerteza e crise - e, com efeito, para grandes áreas do mundo, como a África, a ex-URSS e as partes anteriormente socialistas da Europa, de catástrofe.” (HOBSBAWN, 1995, p. 15)
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A compreensão de Hobsbawn apresentada na citação acima nos fornece uma visão área do século passado. O
período que, aqui, nos interessa está quase no meio desse Breve Século XX – no eixo – no epicentro das mudanças
culturais que ocorreram a partir dos anos 60.
No período do pós-guerra, depois das forças aliadas declararam vitória na Segunda Guerra Mundial, as tropas
regressaram a seus paises e a economia americana deu um grande salto fornecendo mercadorias aos paises que
reconstruíam suas economias. As pessoas passaram a ter uma condição social mais estável e dessa estabilidade
vieram os filhos, os muitos filhos. A geração que nasce nesses anos (1946-1964) é chamada de Baby Boomer. Fo-
ram eles criaram os movimentos juvenis nos anos 60, protagonizaram a cultura dos excessos nos anos 70, e foram
os “yuppies” encontrando seu caminho no mundo corporativo pela primeira vez nos anos 80.
Apesar de a guerra física ter chegado ao fim, um novo conflito, subliminar, tomava postos. A guerra fria entre
ideais capitalistas e socialistas foi uma guerra entre imaginários onde as batalhas se davam no campo do subjetivo.
Os EUA, principal incentivador do capitalismo, precisava transmitir uma imagem de sucesso, de felicidade, relacio-
nado ao seu modelo de gestão governamental. Especialmente na segunda metade de 1940 e boa parte dos anos
50 essa busca pela transmissão de uma imagem de sucesso construiu o que alguns chamam de Geração Silencio-
sa. O jornalista Arnaldo Jabor, no artigo “Eu já vi o medo da América Profunda: a ‘Geração Silenciosa’ dos anos
50 acordou agora com Bush”, relata, em nível de experiência pessoal que:
As ruas, pessoas, rituais, sorrisos e lágrimas, tudo parecia programado por uma máqui-na social obsessiva. A vida e morte eram padronizadas, previstas: abraços gritados, roupas iguais, torcidas histéricas no baseball, finais felizes, alegrias obrigatórias, formando uma missão comunitária cheia de fé, como um carrossel de certezas girando para um futuro ga-rantido. (JABOR, acessado em 01/07/08)
Inserida no contexto de uma guerra mundial, a sociedade civil ocidental no período imediato ao pós-guerra
apresentava pouca força em manifestações populares de oposição aos governos vigentes. O professor Robert
Putnam, diretor do Centro de Assuntos Internacionais da Universidade de Harvard, afirma, por exemplo, que nos
anos 50, “75% dos norte-americanos acreditavam que o governo agia corretamente a maior parte do tempo,
enquanto hoje, apenas 19% acham a mesma coisa” (Making Democracy Work). O jornalismo dessa época se
mostrava pouco ousado. A submissão às diretrizes governamentais, principalmente no que diz respeito à manu-
tenção da ordem, direcionava a imprensa a se ater aos modelos funcionalistas de comunicação, limitando-se a
leads, pirâmides invertidas e linguagem “objetiva” para a representação das noticias.
A ruptura com o “velho”
Enquanto a década de 50 se encerra relativamente “em silêncio” (exceto por movimentos como o dos beat-
nicks que já no final da década começava a se manifestar, ou o próprio rock and roll que também no final da
década ganhava muita força nos EUA), os anos 60 anunciaram muito barulho. Através de uma imensa variedade
de formas, a juventude procurava romper com tudo o que estava convencionado: universidade, família, arte,
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partidos políticos, etc. O que era novo passou a ter um valor em si: a tradição tinha que ser destruída. A “con-
testação” percorreu o mundo nessa época.
Enquanto no campo ideológico os valores de “paz e amor”, liberdade, justiça, enchiam as canções dos
poetas, uma nova realidade se apresentava: a de consumo, que estabelecia seus próprios valores de eficácia.
“Os mesmos jovens que sacudiram o mundo nesta década, se transformaram no principal alvo de vendas das
grandes organizações comerciais desta época” (Machado). Uma vasta linha de produção (discos, roupas, espe-
táculos) se voltou a atender as necessidades de consumo deste público. Esses produtos eram, além de consumi-
dos, concebidos por eles mesmos. Os grandes ícones que fizeram sucesso justamente por contestarem o sistema,
foram comercializados em escala global, por exemplo, na forma de camisetas com o rosto de Che Guevara
estampado, pôsteres dos Beatles e dos Rolling Stones, etc. O consumo transformou a contestação a ele mesmo,
em uma poderosa arma de venda.
“Uma dinâmica nova surgia. Os jovens contestavam a sociedade e essa consumia a contestação” (Macha-
do). Uma busca desesperada de afirmação para fazer valer a sua negação passava a ser realizada em todos
os campos - na moda, na pintura, no cinema e sobretudo na música. Segundo termo fornecido por Marcuse, a
Nova Esquerda norte-americana da década de 1960 não possuía uma ideologia definida (marxista ou socialis-
ta) e não considerava a classe trabalhadora como força potencialmente revolucionária. Ela era constituída por
intelectuais, grupos que lutavam pelos direitos civis e jovens considerados radicais – hippies – que não possuíam
atitude política, segundo a visão da esquerda tradicional.
Apontava-se como singularidade sociológica da juventude o fato de ela, por ser es-sencialmente transitória, não constituir uma categoria social. Mas os jovens estavam cada vez mais se agrupando entre si nos clubes, nas boates, nas concentrações. A insistência sobre o parecer (vestido, cabelos), sobre o gesto típico (linguagem própria, dança) já era considerada como um primeiro passo para se constituir como categoria social. As grandes concentrações - como a de Woodstock, onde centenas de milhares de pessoas se reuniram para falar de paz, de música e para viver dias de completa liberdade - demonstraram o sen-tido profundo da comunidade que estava se formando entre os jovens daquela década e a compreensão mística de si mesmos como um grupo à parte: um “nós” em franca oposição a “eles”. “Eles” é o mundo adulto dos pais e sua impotência em viver os valores que pregam. “Eles” são também os sistemas socias incapazes de preencher o vazio entre ideal e realida-de. (MACHADO)
A constatação do fracasso da civilização criada pelas gerações anteriores - de guerras, injustiças sociais, violên-
cia, opressão - e a contemplação da massa amorfa de casos, dossiês e números em que às vezes o homem é
transformado pela sociedade de consumo, explodiram na consciência dos jovens dos anos 60, que passaram a
negar todas as manifestações visíveis dessa civilização. Machado diz a respeito desse contexto que a imaginação
havia tomado o poder. Segundo ele todos os valores oficiais e tradicionais eram escrito entre aspas ironicamente
e provocavam risos. Formas obsoletas de luta eram desenterradas (a pedra, a barricada, o pau), templos do
saber como a Sorbonne eram invadidos, ídolos de outras gerações como Sartre e o comunista histórico Aragon
eram vaiados, carros incendiados, teatros tomados.
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Os caminhos possíveis, pelos jovens impostos era a evasão/isolamento, ou a participação no processo de
“destruição” da sociedade. Os hippies evadiram-se. Cerca de 400 mil jovens estadudinenses, integrante desse
movimento dera, segundo Machado, as costas à sociedade e saíram à procura de outras verdades. Os hippies
marginalizaram-se e tentaram uma revolução da moral e dos costumes. Os jovens dos países socialistas reivin-
dicavam liberdade política, enquanto os dos países industrializados do Ocidente contestavam a civilização de
consumo que aliena o homem. No terceiro mundo, a luta era pela liberdade econômica.
As manifestações de descontentamento em relação ao american way of life protagonizadas especialmente pe-
los jovens apresentavam formas singulares, formando diversos movimentos, batizados pelos jornalistas da época
como movimentos de contracultura, que apesar das peculiaridades de cada grupo se uniam em uma proposta a
favor do “amor” e contra a guerra. Em contrapartida aos movimentos pacíficos da contracultura, o período do
pós-guerra (décadas de 50, 60 e 70) foi fortemente ligado a perseguição dos comunistas e seus idéias libertários
em todo o ocidente. Enquanto isso, os EUA vivia o macarthismo, marcado pela repressão aos estudantes, pela
Guerra do Vietnã e Guerra Fria, pela constestação da beat generation e dos hippies, pelo preconceito racial,
pelo ataque aos estudos humanistas, por um grande desenvolvimento tecnológico e pela famosa tríade ideoló-
gica do “sexo, drogas e rock n’ roll”.
Neliane Maria Ferreira analisa que:
Para Marcuse, não bastava naquela época mudar as estruturas sem mudar a consciência das pessoas, isto é, sua maneira de pensar e ver o mundo. Para ele, o processo revolu-cionário implicava uma necessária mudança da lógica capitalista introjetada. Marcuse fez também uma contraposição à interpretação da esquerda ortodoxa que só qualificava como revolucionárias pessoas diretamente envolvidas no processo de trabalho. A classe operária integrou-se ao modo de produção capitalista, absorvendo os seus valores e uma consciência anti-revolucionária, num mercado que tornou-se capaz de envolver os indivíduos.
Ela analisa ainda que a classe trabalhadora, que tradicionalmente deveria estar mais engajada nos movimen-
tos de contestação tinha sido “integrada” ao sistema capitalista devido aos benefícios que lhes eram oferecidos.
Era possível observar, segundo Ferreira, uma consciência anti-revolucionária na classe trabalhadora. Com o
aumento da produção dentro dos moldes do sistema capitalista, ocorreu uma intensificação do trabalho aliena-
do e um aumento constante da competitividade, perpetuando o alto padrão de vida de alguns e aumentando
assustadoramente o empobrecimento da maior parte da população mundial. Aí, segundo a autora, encontra-se
um paradoxo quanto à concepção revolucionária de Marx, que encontra na classe operária a vanguarda do
movimento transformador da sociedade.
Jornalismo contra-cultural
Tais elementos mostravam que o cenário era novo. Os anos 60 apresentavam um desafio de entendimento
aos sociólogos e antropólogos. Em relação ao jornalismo um desafio peculiar surgiu. Como compreender um
momento tão cheio de cores, gritos, “viagens”... tão cheio de subjetividades, com um molde estético de
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jornalismo exclusivamente objetivo? Apesar de se intensificar nesta década essa inquietação em busca de uma
reforma na linguagem jornalística não era nova. Nas últimas décadas do século XIX, no contexto de guerra
hispano-americana, Stephen Crane perguntava-se, de acordo com João Pereira Coutinho, “o que são nomes e
números quando a morte destes homens transcende nomes e números? Quem são estes soldados que todos os
dias tombam na batalha? Quais são as suas famílias? Em que terras viveram? Em que casas? Não será possível
dar rosto a esta gente e salvá-la do esquecimento numérico e burocrático?” (Coutinho).
Crane não ficou famoso por propor um novo jornalismo, mas percebeu que “tornar comum” é muito mais
do que fornecer dados, estatísticas, infográfcos, etc, ele buscava um jornalismo humanizado que fosse além da
simples informação e alcançasse os limites da comunicação humana.
Tempos depois, chegando à década aqui estudada, a inquietação de Crane se intensificou e ganhou novas
vozes norte-americanas. O momento histórico, em praticamente todas as perspectivas sociais, especialmente na
cultura, exigia uma flexibilidade maior em sua representação pelo jornalismo da época. Tom Wolfe, um dos jor-
nalistas protagonistas do new journalism, sugere que nem a Guerra no Vietnã, nem a exploração espacial, nem
os assassinatos políticos, nem nada mais foi tão marcante nessa década do que a mudança radical (ou melhor,
ruptura) que os costumes, a moral, os estilos de vida e as atitudes das pessoas em relação ao mundo sofreram.
A representação dessas mudanças no espaço publico da noticia tornou-se um desafio maior do que poderia
enfrentar o jornalismo puramente objetivo, defendido até hoje pelos grandes manuais de redação.
Tais transformações pediam representações mais complexas, mais sensoriais, um campo de trabalho exu-
berante para o romance da época. Mas os romancistas, de acordo com Wolfe, “viraram as costas para tudo
isso”. Eles “pareciam fugir completamente das grandes cidades. A idéia de abordar um assunto desses parecia
aterrorizá-los, confundi-los, fazê-los duvidar de seus próprios poderes” (WOLFE, 2005, p. 52). Temos então um
cenário interessante. A “paquera” que os jornalistas da época tinham com o romance era de longa data. E ago-
ra... Quase de repente. O romance deixou seu terreno para ser habitado pelos jornalistas. Mas que jornalismo
daria conta da tarefa? Ora, os moldes objetivos de construção do texto jornalístico não seriam suficientes para
representar aquelas transformações, o momento é de rupturas, era preciso também romper o jornalismo, inseri-lo
no espírito da contracultura. Romper com as formas e propor um mergulho livre naquele mar de transformações.
Com as renovações iminentes, uma parte delas, necessariamente teria que envolver a estética textual das
narrativas informativas. Paulo Leminsk analisou literariamente o realismo (referência atribuída aos moldes textuais
objetivos) e o naturalismo. Ele pontua que há um engano em pensar o jornalismo por uma ótica realista, pois o
realismo é um “discurso carregado de referencialidade” e “não camufla a perspectiva”, ou seja, um discurso que
assume o ponto de vista e com ele trabalha, retratando o real sem generalizar verdades absolutas.
Para Leminski, o valor sobre o qual o jornalismo busca legitimar sua forma discursiva é uma assimilação do naturalismo. Neste, ao contrário do realismo, é o conteúdo e não a forma, que é visto como determinante no plano da linguagem. O naturalismo pode aqui ser entendido como uma estética na qual a linguagem é vista como uma positividade. (Demétrio)
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Leminsk contextualiza que o apogeu do naturalismo (Europa, segunda metade do século 19) coincide com
a explosão do jornalismo. “O discurso jorno/naturalista representa o triunfo da razão branca e burguesa: o dis-
curso naturalista é a projeção do jornalismo na literatura”. Ora, a simples idéia desse triunfo burguês entraria no
alvo do jornalismo contracultural que se formava. A estética ganhava importância nas narrativas, o informar dava
lugar ao comunicar um mundo, que era mais novo do que a própria linguagem que se propunha.
“Uma prática do texto criativo, coletivamente engajada, tem a função de desautomatizar. De produzir estranhamento. Distanciamento. É desmistificação de ‘objetividade’ inscrita no discurso naturalista. Essa objetividade é falsa. Ela apenas reflete a visão do mundo de dada classe social, de determinada civilização. Sua pretensão a ‘discurso absoluto’ é totalitária. Violação. Ruptura. Contravenção. Infratura. A poesia diz ‘eu acuso’. E denuncia a estrutura. A estrutura do Poder, emblematizada na ‘normalidade’ da linguagem. Só a obra aberta (de-sautomatizada, inovadora), engajando, ativamente, a consciência do leitor, no processo de descoberta/criação de sentidos e significados, abrindo-se para sua inteligência, recebendo-a como parceira e co-laboradora, é verdadeiramente democrática”. (Leminsk)
É diante desse plano que o new journalism, de acordo com Demétrio, se vestia da contracultura.
Voltemos agora aos anos 60. Se o cenário sócio-cultural apresentava uma grande matéria prima para o
romance, mas esse o negligenciou, o caminho escancarou-se para os jornalistas, especialmente os repórteres
especiais. Tom Wolfe diz que nos primeiros anos de 60, Nova York era um “pandemônio com um grande sorri-
so” (51). E foi experimentando esteticamente nas narrativas sobre esse mundo que o New Journalism ganhou o
mundo e provocou uma reviravolta no mundo das letras.
“Duvido que a maioria dos craque que vou exaltar neste texto tenham entrado para o jor-nalismo com a mais remota idéia de criar um ‘novo’ jornalismo, um jornalismo ‘superior’, ou mesmo uma variedade ligeiramente melhorada. Sei que eles nunca sonharam que nada que torvelinho fossem escrever para jornais e revistas provocasse tamanho no mundo literário... Causando pânico, tirando do romance o trono de gênero literário número um, inaugurando a primeira novidade na literatura em meio século... No entanto foi isso o que aconteceu” (Wolfe, p. 9)
Os textos eram carregados de uma “rebeldia criativa”, usando a expressão de Chaparro. Tomando empresta-
das as lembranças de Edvaldo Pereira Lima; as narrativas fascinavam, tomando o leitor pelos olhos, pelos ouvi-
dos, pelo tato, pela mente e pela coração, conduzindo-o de corpo inteiro à aventura da descoberta do mundo.
Ferramentas textuais como a onomatopéia, o diálogo aberto com travessões, as cacofonias, e tantos outros,
ganharam ares novos na narrativa de não-ficção permitindo que o real fosse “fuçado” pelo subjetivo, resultando
num produto final cheio de humanidade.
A seguir, segue as principais ferramentas utilizadas por esse novo jornalismo:
1) Construção cena a cena: Contar a história passando de cena para cena e recorrendo o mínimo possível
a mera narrativa histórica. Daí os feitos de reportagem as vezes extraordinários que os novos jornalistas empre-
endiam: para poder testemunhar de fato as cenas da vida das outras pessoas no momento em que ocorriam
registrando o diálogo completo.
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2) Diálogo Completo: Os redatores de revista, assim como os primeiros romancistas, aprenderam por ten-
tativa e erro algo que os estudiosos acadêmicos demonstram: que o diálogo realista envolve o leitor mais com-
pletamente do que qualquer outro recurso.(...) Os jornalistas trabalhavam o diálogo na sua mais plena e mais
completamente reveladora forma no mesmo momento em que os romancistas o eliminavam, usando o diálogo
de maneira cada vez mais críptica, estranhas e curiosamente abstratas.
3) Ponto de vista da terceira pessoa: A técnica de apresentar cada cena ao leitor por intermédio dos olhos de
um personagem particular, dando ao leitor a sensação de estar dentro da cabeça do personagem, experimentando
a realidade emocional da cena como o personagem a experimenta. Os jornalistas usavam muitas vezes o ponto
de vista – eu estava lá – da mesma forma que usavam autobiógrafos, memorialistas e romancistas. Isso, contudo,
é muito limitador para o jornalista, umas vez que ele só pode levar o leitor para a cabeça de um personagem – ele
próprio -, um ponto de vista que muitas vezes se mostra irrelevante para a história e irritante para o leitor.Porém,
como pode um jornalista, escrevendo não-ficção, penetrar acuradamente os pensamentos de outra pessoa?A res-
posta se mostrou deslumbrandemente simples: entreviste-o sobre seus sentimentos e emoções, junto com o resto(...)
4) Status de vida: Registro de gestos, hábitos, maneiras, costumes, estilo da mobília, roupas, maneiras de
viajar, comer, manter a casa, modo de se comportar com os filhos, com os criados, com o superiores, com os
inferiores, com os pares, além dos vários ares, olhares, poses, estilos de andar e outros detalhes simbólicos do
dia-a-dia que possam existir dentro de uma cena. Simbólicos de quê? Simbólicos, em geral, do status de vida
da pessoa, usando essa expressão no sentido amplo de podo o padrão de comportamento e posses por meio
do qual a pessoa expressa sua posição no mundo ou o que ela pensa que é seu padrão ou o que gostaria que
fosse (WOLFE p. 53, 54, 55)
Através dessas ferramentas o jornalismo, que não era nem tão novo assim, conseguiu, com mais propriedade,
tornar comum a realidade de transformações que carimbava a década de 60 como única em vários campos:
cultural, social, político, econômico, etc.
A pós-modernidade e o novo paradigma da incerteza
A vida pós-moderna é uma vida sem referências. A ciência que gerou o progresso criou também a bomba
atômica. As religiões não conseguem mais responder aos conflitos da existência e essa falta de respostas acaba
criando alguns desvios na fé (no que quer que seja). O processo de pós-modernização acaba se alimentando do
desespero diante do fracasso da organização cientifica da vida. “Orienta-se pelo sentimento de desorientação
diante do excesso de informação e de conhecimento” (Pondé). Essa nova configuração de construção da iden-
tidade social pautada pela incerteza, ou pela falta de referência em estruturas rígidas, objetivas ficou bastante
evidente na nova geração dos anos 60.
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Se as certezas científicas fracassaram quais seriam as novas perspectivas? Para Morin, estamos “...diante do
paradoxo inédito no qual o realismo se torna utópico, e no qual o possível é impossível. Mas esse paradoxo nos
diz também que há uma utopia realista, e que há um impossível possível. O princípio da incerteza da realidade é
uma brecha tanto no realismo como no impossível.” Essa complexidade das incertezas da corrida civilizatória traz
consigo a certeza de que a realidade e a utopia são as duas faces de uma moeda que ainda gira no ar, à espera
da sorte do seu destino. A doutora em saúde pública Maria Ligia Rangel analisando o principio da incerteza de
Baudrillard (1992) diz que o que tem orientado o mundo da pós-modernidade, com o que as massas se põem
diante da “certeza estúpida” e da “banalidade inexorável dos números”, encarnando esse princípio e cuidando
secretamente da desordem estatística. Segundo esse autor, tal é o modo contemporâneo revolucionário do ser no
mundo, em que “as coisas, os signos as ações são libertadas de sua idéia, de seu conceito, de sua essência, de
seu valor, de sua referência, de sua origem e de sua finalidade, entram então numa auto-reprodução ao infinito”
(Baudrillard, 1992: 12).
O jornalismo no contexto do incerto
Como não poderia deixar de ser, a crise da certeza também atingiu (e continua a confrontar) o jornalismo
guiado por princípios objetivos de certeza, imparcialidade e neutralidade. O new journalism, conscientemente,
ou não, apropriou-se desse conflito nos anos 60 e adotou, através das ferramentas descritas no capítulo anterior,
uma narrativa que não ignorasse a subjetividade daquele tempo, mas que, antes, a utilizasse para otimizar a
compreensão de seus leitores a respeito do tempo em que viviam.
A natureza do jornalismo é naturalmente complexa, transdisciplinar, auto-organizativa e dialógica. Sendo
assim, o fazer jornalístico, em sintonia com as transformações nos contornos sócio-culturais do mundo, paulati-
namente vem superando o ideal engessado de objetividade cartesiana. Passa a incorporar a dinâmica da vida e
faz dela sua fonte primeira de inspiração para construção de narrativas pela qual o personagem é o homem, o
enredo, as suas ações em todas as suas dimensões e em que a intenção é senão contribuir para o entendimento,
mínimo que seja, desse universo de relações.
Um desafio que exige o exercício da sensibilidade, da empatia com o mundo, o pensar crítico e reflexivo,
menos individual, mais solidário, menos solitário... O jornalista, mediador e protagonista do processo de tornar
comum ações, pensamentos, medos, conquistas, derrotas, pelos recursos da narrativa, agrega valor humano,
intelectual e social à informação.
Para expressar o contexto e as relações do sistema múltiplo, aberto e complexo, o jornalista vai além do
método de simples registro, mas compreende pela perspectiva de um pensar híbrido, constituído por uma razão
inteligente que une lógica, racionalidade à emoção/ subjetividade. Compreender, então, torna-se uma prática
reflexiva e formadora. Por esse princípio, quando o jornalista compreende, consegue levar a compreensão ao
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outro, expressando-se por meio da mais rica arte de contar histórias, a narrativa aberta, trabalhada e enriquecida
por jornalistas que imprimem autoria a sua produção, única na essência e nas formas expressivas.
Por detrás desse fazer está a condição primeira que ativa esse processo de compreender/refletir/expressar o
mundo, a sensibilidade em toda a sua totalidade. É ela que permeia e nutre esse processo, porque se não sinto,
não me aproximo de uma compreensão consistente, de uma reflexão coerente e tampouco consigo ser o narra-
dor com habilidades capazes de contar as histórias cotidianas.
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ISSN: 2316-3992
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ENSAIO ACERCA DO DISCURSO DO JORNAL CORREIO DO ESTADO SOBRE A GESTÃO PEDRO PEDROSSIAN E AS ELEIÇÕES DE 1982 AO GOVERNO DE MATO GROSSO DO
SUL 1
Resumo
O primeiro governo Pedro Pedrossian (PDS/1980-1983) em Mato Grosso do Sul representou um período de
estabilidade política, após golpes palacianos, articulados por esse personagem junto ao governo central, nos pri-
meiros anos de instalação do Estado, que levaram em apenas dois anos, três personagens a administrar o Poder
Executivo estadual. Foi nessa gestão que se deu a eleição direta de 15 de novembro de 1982 para governador,
a primeira dessa Unidade da Federação, criada em 1977, e que sagrou vitorioso o candidato oposicionista
Wilson Barbosa Martins (PMDB). Neste trabalho busco apresentar uma sucinta análise dos discursos feitos pelo
jornal Correio do Estado, um dos mais antigos e o de maior circulação no Estado, sobre a gestão Pedrossian e
o processo eleitoral ao longo de 1982. Para isso, faz-se necessário tecer uma contextualização a respeito dos
momentos finais da ditadura militar no Brasil para uma melhor compreensão desse importante momento histórico
de Mato Grosso do Sul e do País.
Wagner Cordeiro CHAGAS 2
Paulo Roberto Cimó QUEIROZ 3
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados, MS
1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11/ 2012, Uni-
gram/ Dourados/ MS.2 Mestrando em História pelo PPGH-UFGD e bolsista da CAPES, e-mail: [email protected] Orientador. Professor doutor em História da FCH-UFGD.
Palavras-chave: : jornal, correio do estado, discurso
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1- A lenta abertura política
O contexto do período de abertura política do final dos anos 1970 e início de 1980 é caracterizado pelo que
o governo militar do presidente Ernesto Geisel (1975-1979) chamou de “abertura lenta, gradual e segura”, ou
seja, o retorno das normalidades democráticas no Brasil, golpeada por meio da deposição do presidente João
Goulart em março de 1964, ocorreria de uma forma que o governo pudesse ter total controle do processo.
Dentre as medidas tomadas pelo governo para abrandar a ditadura, podemos destacar a Lei da Anistia, de
1979, a Reforma Partidária, também de 1979, Emenda Constitucional Anísio de Souza, de 4 de setembro de
1980 e a Emenda Constitucional nº 15, de 19 de novembro de 1980.
A lei nº 6683, de 28 de agosto de 1979, conhecida como Lei da Anistia, permitiu a supressão de condena-
ções feitas a lideranças políticas que foram consideradas subversivas pelo regime ditatorial, além de absolver
agentes do Estado ditatorial que participaram de práticas de tortura e outros meios utilizados pelo regime para
repressão.
Da Reforma Eleitoral, desencadeada a partir da Lei Orgânica dos Partidos, em conformidade com Rogério
Schmitt (2005), originou-se os seguintes partidos políticos: PP, PDT, PTB, PT, PMDB (em substituição ao MDB), PDS
(sigla que passou a representar a extinta ARENA).
Quanto à Emenda Anísio de Souza, esta alterava, por meio de adiamento para o ano de 1982, a realização
das eleições municipais marcadas para ocorrer no ano de 1980. Isto levou a coincidência de mandatos entre
governadores e prefeitos. Assim, o pleito de 1982 foi marcado por uma singularidade, pois os cargos em disputa
abarcavam vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, senador e governador. Por fim, o Congresso
Nacional aprovou em fins de 1980 a Emenda Constitucional nº 15 que restabeleceu as eleições diretas para
governadores e senadores.
2- As estratégias do governo Figueiredo para as eleições de 1982 aos governos estaduais
As eleições diretas para governadores de Estado haviam sido suspensas em 1966 por meio do AI-2 editado
no governo do marechal Castelo Branco devido a derrotas sofridas pelo governo nas eleições para governador
de 1965. Dos onze estados que tiveram eleições, em cinco, os candidatos da oposição venceram.
O cientista político David Fleischer demonstra como as eleições 1982 foram arquitetadas pelo governo João
Figueiredo, para limitar o crescimento das legendas de oposição:
Durante 1981, o PDS sofreu uma erosão gradual, especialmente entre elementos da ex-Arena, chegando à cifra de maioria absoluta mínima de 211 deputados, enquanto o MDB crescia. A estratégia golberiana para as próximas eleições era o PDS estabelecer alianças eleitorais com o PP, PDT ou PTB em certos Estados, e em outros aguardar a divisão do voto oposicionista que talvez deixasse o PDS vencer com uma maioria simples.. Reforçado por programas econômicos e de obras públicas “populistas” em 1982, este plano esperava ate-
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nuar a maré oposicionista, deixando o governo numa posição razoável com diversas alterna-tivas para negociações políticas na condução da fase final da “abertura” em 1983 e 1984. Porém, a demissão abrupta do general Golbery em agosto de 1981 marcou mudanças neste cenário. Durante a ausência do presidente Figueiredo (licença médica de 60 dias), a opo-sição, fortalecida com 10 votos do PDS, derrotou uma parte do Pacote sem expressão que teria estendido a sublegenda às eleições diretas para governador em 1982. Após o retorno do presidente em novembro, as últimas pesquisas de opinião eleitoral do SNI demonstra-vam que, apesar da coincidência das eleições federais, estaduais e municipais em 1982, a cotação do PDS nos Estados caía a cada mês. Mais uma vez os engenheiros políticos foram convocados para “mudar as regras do jogo”. O resultado foi o Pacote de Novembro (1981), que foi aprovado por decurso de prazo em janeiro de 1982. As modificações incluem o “voto vinculado” e a proibição de coligações eleitorais, mas curiosamente não adotaram a suble-genda para o cargo de governador (FLEISHER, 1988, p. 77 e 79).
Ronaldo Couto menciona, por sua vez, um novo pacote, conhecido como Pacote de Maio, onde destaca:
O pleito de 1982 foi realizado com as novas regras eleitorais. A ditadura teimava em complicar a vida dos partidos de oposição. A nova legislação foi forjada no famoso Pacote de Maio, alguns meses antes do pleito, e entre outras coisas reabriu as filiações partidárias para que o PDS pudesse receber alguns deputados, flexibilizou a legislação para que os partidos menores disputassem o pleito, nesse caso, com medo de que os pequenos parti-dos se fundissem com o PMDB. Também ampliou o número de deputados, criou o Estado de Rondônia, aumentou de quatro para seis anos o mandato do presidente da República e alterou o número de delegados ao Colégio Eleitoral (COUTO, 1999: 308-309 apud SILVA E OLIVEIRA, 2006, p. 77).
Desta forma é possível realizar algumas discussões a respeito dos métodos utilizados pelo governo militar
para tornar ainda mais lento o processo de abertura política. Primeiro como destaca o cientista político David
Fleischer, algumas das estratégias idealizadas pelo ministro-chefe do Gabinete Civil do governo Figueiredo,
Golbery do Couto e Silva, podem ser consideradas difíceis de serem colocadas em prática naquele momento de
ebulição da luta pela liberdade democrática, possivelmente a idéia de alianças com partidos de oposição em
alguns estados seria impraticável. Por outro lado, em relação aos novos partidos lançarem candidaturas próprias,
como também enfatiza Silva e Oliveira (2006), essa estratégia possibilitaria de certa forma algumas vantagens
ao PDS, pois os votos da oposição estariam divididos entre diversos candidatos, e não se concentrariam apenas
nos nomes do PMDB.
Ao não permitir coligações partidárias, as agremiações para terem o direito de lançarem candidatos nos
estados foram obrigadas a lançar chapas completas. Por seu turno, o chamado voto vinculado obrigava que
o eleitor votasse em candidatos do mesmo partido político, caso contrário, seu voto seria anulado, outro meio
de permitir que os votos dados aos candidatos governistas pudessem ser ampliados, já que o votante deveria
escolher o governador, os deputados federais e estaduais, senadores, prefeitos e vereadores da mesma legenda.
Apesar de todas as estratégias utilizadas pelo governo federal, o pleito de 1982 significou uma grande der-
rota a ditadura, pois em dez estados a oposição, representada principalmente pelo PMDB, elegeu seus governa-
dores. Conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o resultado ficou assim definido, pelo PMDB: Acre:
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Nabor Júnior; Amazonas: Gilberto Mestrinho; Espírito Santo: Gerson Camata; Goiás: Íris Resende; Mato Grosso
do Sul: Wilson Martins; Minas Gerais: Tancredo Neves; Pará: Jader Barbalho; Paraná: José Richa; São Paulo:
André Franco Montoro. No Rio de Janeiro, Leonel Brizola se elegeu pelo PDT.
3- As eleições em Mato Grosso do Sul
O Estado de Mato Grosso do Sul foi criado através da Lei Complementar nº 31 de 11 de outubro de 1977,
por meio da divisão do estado de Mato Grosso. Em 1978, as lideranças políticas iniciaram o processo de for-
mação dos principais órgãos dessa unidade federativa, foram eleitos os primeiros deputados estaduais, federais
e um senador. O governador, por sua vez, foi escolhido pelo presidente da República, visto que as lideranças da
ARENA estadual, divididas em suas facções, não chegaram a um consenso sobre qual nome indicar para poste-
rior aprovação do Congresso Nacional e do presidente. Para solucionar a crise foi necessária a intervenção do
presidente Ernesto Geisel que optou por nomear um personagem sem experiência política e que não tinha raízes
no estado, o engenheiro Harry Amorim Costa, diretor do Departamento Nacional de Obras (DNOS). Apesar
de ser oriundo do estado do Rio Grande do Sul, Harry havia realizado diversos trabalhos no antigo sul de Mato
Grosso e o conhecia bem.
Em 1979, Harry assumiu, porém, seu mandato se estendeu até junho daquele ano. Manobras palacianas fi-
zeram com que o presidente João Figueiredo o demitisse do cargo. Em seu lugar assumiu o presidente da Assem-
bleia Legislativa, deputado Londres Machado. No final de junho foi nomeado o novo governador, o ex-prefeito
de Campo Grande Marcelo Miranda Soares. Este ficaria até outubro de 1980 quando também foi exonerado.
Em seu lugar assumiu o então senador Pedro Pedrossian, político de forte ligação com o presidente da República.
Foi na gestão de Pedrossian que os sul-mato-grossenses puderam, pela primeira vez, eleger o governador em
1982.
Como é possível perceber na tabela da página anterior, em Mato Grosso do Sul o PMDB sagrou-se vitorioso
por meio da candidatura de Wilson Barbosa Martins4. Wilson era um líder político de prestígio nos meios oposi-
cionista, fora prefeito de Campo Grande, pela UDN, de janeiro de 1959 a janeiro de 1963 e deputado federal
até 1969, quando teve seu mandato cassado pelo AI-5.
É preciso ressaltar, contudo, que o nome mais cotado do PMDB era o de Plínio Barbosa Martins, irmão mais
novo de Wilson, que também havia tido grande destaque na política mato-grossense. Sua primeira eleição foi
em 1961 para vereador por Campo Grande, pela UDN. Mais tarde se elegeu, pelo MDB, prefeito de Campo
Grande entre janeiro de 1967 e janeiro de 1970. Havia sido também candidato ao Senado por duas vezes, uma
em 1970 contra Filinto Müller (ARENA) e Rachid Saldanha Derzi (ARENA)5, e outra já pelo criado Mato Grosso
do Sul, no ano de 1978, sendo derrotado por poucos votos para o ex-governador de Mato Grosso Pedro Pe-
drossian (ARENA)6. Conforme Marisa Bittar, em entrevista com Plínio em 1996, este relatou que por questões de
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problemas de saúde na família, aceitou desistir da candidatura ao governo.
Para Bittar, a vitória do PMDB no estado representou:
[...] Além do significado maior que caracterizou aquelas eleições, o de ter infringido uma derrota à ditadura militar, elas se constituíram num marco para o estabelecimento da norma-lidade institucional, colocando termo aos sucessivos golpes palacianos que ocorriam desde 1979, ano da instalação do seu primeiro governo (BITTAR, 1998, p. 33).
Em sua obra de memórias, Wilson Martins descreve sua vitória da seguinte forma:
A primeira oportunidade que teve o povo sul-mato-grossense de escolher por voto direto e democrático o seu próprio governador foi em 1982 [...] Foi para todos uma surpresa ver a oposição vencer em Mato Grosso do Sul, justamente aqui onde a população acabara de ganhar “de presente” a emancipação política com o novo estado [...] Depois de dez anos condenado ao silêncio e ao ostracismo pela ditadura, acabei merecendo a confiança do meu partido e da maioria dos meus concidadãos (MARTINS, 2010, p. 196 e 197).
Concorreram ao governo os seguintes nomes: José Elias Moreira (PDS), candidato do governador Pedro
Pedrossian, Wilson Fadul (PDT), petebista histórico, ex-prefeito de Campo Grande e ex-ministro da Saúde do
governo João Goulart, teve importante apoio de Leonel Brizola para se tornar candidato, e Antônio Carlos de
Oliveira (PT), deputado federal eleito em 1978 pelo MDB, mas que deixou os quadros do partido a partir do
momento em que ex-arenistas filiados ao PP, passaram a integrar o PMDB, devido à fusão das duas legendas em
1981. e que ajudou na fundação do Partido dos Trabalhadores no estado e a nível nacional. Assim, a oposição
estava dividida em três candidaturas: a do PMDB, do PDT e do PT.
4 Conforme Ciro Toaldo, foi de grande importância para essa eleição a contribuição do Partido Comunista
Brasileiro do estado (PCB-MS), que, apesar de estar na clandestinidade, empenhou-se na defesa do candidato
do PMDB, e dos movimentos sindicais, como o caso da Federação dos Professores de Mato Grosso do Sul (FE-
PROSUL) (2003).5 O resultado final conforme Eronildo Barbosa e Tito Carlos foi: Filinto, eleito com 170.365 votos; Rachid:
146.257 votos e Plínio: 80.451 votos (2006, p. 44).6 Segundo Bittar, com base em dados coletados do TRE-MT, o resultado dessa eleição ficou assim: Pela
ARENA, Pedro Pedrossian: 134.338 votos, José Fragelli: 45.885. Pelo MDB, Plínio: 130.652 votos e Humberto
Neder: 11.456 (2009, p. 145). Para entendermos esse resultado é preciso lembrar que essa eleição foi realiza-
da sob a vigência da lei da sublegenda, que fazia com que os partidos lançassem dois candidatos ao cargo de
senador, em seguida, por meio da soma dos votos de ambos os, quem obtivesse o maior número de votos era
o escolhido.
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4- O jornal Correio do Estado e sua posição nas eleições de 1982 no Estado
O jornal Correio do Estado foi fundado na cidade de Campo Grande no dia 7 de fevereiro de 1954 por um
grupo de lideranças políticas, com o seguinte propósito: “servir o povo de nossa terra, informando-o, indagando
-o dos seus problemas, empenhando-se na sua solução, batendo-se por seus direitos e verdadeiros interesses”
(Correio do Estado, 7 fev. 1954).
Sobre sua fundação, Isabela Schwengber relata que:
O jornal foi lançado por um grupo do sul de Mato Grosso ligado à UDN com objetivos de disseminar as ideias do partido. Seus mentores foram Fernando Corrêa da Costa (na épo-ca governador), José Manoel Fontanillas Fragelli (o primeiro diretor-presidente do periódico, atualmente ex-senador, ex-deputado e ex-governador) e José Inácio da Costa Moraes [...] (SCHWENGBER, 2008, p. 40).
Por esse breve histórico do referido periódico percebe-se como as discussões políticas são características
marcantes do mesmo. No processo eleitoral de 1982 não foi diferente. Para uma melhor compreensão faz-se
necessário analisar o contexto anterior as eleições, mais precisamente a partir do final de 1980, início do gover-
no Pedrossian, e ao longo do ano de 1981.
Ao final de 1980 o jornal apresentou suas matérias dando ênfase a posse e aos desafios que o novo gover-
nador teria a partir de então. A partir de meados de 1981 as matérias começam a destacar a possibilidade de o
governador ser candidato ao cargo nas eleições de 1982, pois o mandato que Pedrossian exercia era legitimado
por meio da nomeação do presidente da República e não por sufrágio universal. Nas eleições futuras, ele po-
deria se candidatar e tentar ser eleito pelo voto popular, desde que renunciasse três meses antes, no entanto, tal
possibilidade deveria ser analisada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Ao mesmo tempo, destacavam-se no jornal as possibilidades das outras candidaturas ao governador do
PMDB, PDT e PT. Nos meses finais de 1981, o Correio destacava de forma significativa a quantidade de obras
públicas entregues pelo governo naquele primeiro ano de gestão, como fica demonstrando aqui:
Ao concluir seu primeiro ano de Governo, o governador Pedro Pedrossian já pode inau-gurar neste final de semana, várias obras incluídas no projeto Pró-Cidade. Hoje existem mais de 500 obras em todo o Estado visando dar condições mais dignas à população urbana (POSITIVO o 1º ano de Pedro. Correio do Estado, Campo Grande, 19/20 dez. 1981, p. 1).
A divulgação de propaganda governamental sobre as obras também foi uma marca do jornal nesse período,
como se vê no exemplar abaixo.
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Por outro lado, a partir de abril de 1982, o órgão se posiciona de maneira bem diferente ao que se via nos
primeiros anos do governo Pedrossian. Em extensa reportagem feita com populares em Campo Grande, por
meio de entrevistas, sobre a situação econômica e política do Estado, o periódico assim descreve:
[...] O clima de insegurança se instalou de forma tão surpreendente que hoje dois sérios perigos ameaçam o MS frontalmente: o déficit econômico, que precisa ser corrigido com medidas seguras e as tramóias do processo pré-eleitoral que já delineia uma malha viciosa, que foge ao entendimento da população [...] Se a vida política desagrada a vida econômica do Estado desagrada muito mais. Tanto que a população já chama o Estado de a “vergonha nacional” da economia brasileira. “Devemos para Deus e todo o mundo, isso qualquer um sabe”, observa o odontólogo Jorge Azambuja [...] (POVO já fala do caos no Estado. Correio do Estado. Campo Grande, 27 abr. 1982, p. 2).
Ainda naquele mês, outras críticas vieram, desta vez com relação as obras do Parque dos Poderes, construção
de grande dimensão na Capital que objetivava abrigar as repartições públicas dos três poderes do Estado. A
obra era vista como o “maior “elefante branco” de todos os tempos” (DE Parque a sonho dos Poderes. Correio
do Estado, Campo Grande, 22 abr. 1982, p. 7).
A partir do momento em que o próprio governador se decidiu pelo nome do ex-prefeito de Dourados José
Elias Moreira e do ex-procurador do Estado Carlos Stephanini como candidatos do PDS a governador e vice,
respectivamente, percebe-se que o jornal divulgava aquele fato como uma medida autoritária do governador,
como se lê na seguinte manchete: “PDS aceita imposição; José Elias é o candidato” (Correio do Estado, Campo
Grande, 1º e 2 maio 1982, p. 3).
Sobre a candidatura do PDS é preciso lembrar que desde 1981 Pedrossian defendia o nome de Paulo Fagun-
des, presidente da Empresa Energética de Mato Grosso do Sul (ENERSUL), para governador e o de Gazi Esgaib,
importante articulador político do governo, para vice. Estes eram tidos como certos, até o momento em que, de
Correio do Estado. Campo Grande, 31 dez. 1981, p. 9.Fonte: acervo Correio do Estado.
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acordo com a matéria, por meio de uma imposição, a classe política foi surpreendida com a divulgação dos
novos nomes, os “novos ungidos” de Pedrossian, como se encontra na reportagem.
Em outra divulgação, de 5 de maio, o jornal divulgou a pesquisa encomendada ao Instituto Gallup de Opi-
nião Pública para saber a opinião dos eleitores quando ao melhor nome do PDS para governador. O resultado
apontou Levy Dias, deputado federal e ex-prefeito de Campo Grande, que iria concorrer com José Elias Moreira
na convenção do partido. Juntamente a isso, as pesquisas revelavam que se a crise interna da legenda não fosse
resolvida, a possibilidade do PMDB vencer seria muito fácil.
No final daquele mês as notícias de que Mato Grosso do Sul estava falido eram destaques de primeira página,
como se lê na manchete: “Falido, MS está parando” (Correio do Estado. Campo Grande, 25 maio 1982, p. 1).
Os parlamentares pedessistas, por seu turno, reclamavam das críticas vindas do jornal, e defendiam o governo,
mas, ao mesmo tempo, também reconheciam que a situação econômica de Mato Grosso do Sul não era satisfatória:
Setores políticos governistas na Assembleia Legislativa reagiram ontem, negativamente, à publicação feita ontem pelo Correio do Estado, segundo a qual, falido, o governo determi-nou a paralisação de várias obras, maioria das quais sequer iniciadas, no interior do Estado. Irritados e sem querer fazer declarações oficiais, deputados do PDS afirmaram que a matéria “contém muita maldade”, embora expresse uma realidade indiscutível e inegável (POLÍTI-COS taxam de maldosa notícia de falência do MS. Correio do Estado, Campo Grande, 26 maio 1982, p. 3)
Além disso, os deputados governistas acusavam políticos do PMDB como sendo os responsáveis pela situa-
ção econômica do Estado:
Os deputados governistas asseguram que os grandes responsáveis pelo atual estado fi-nanceiro do Mato Grosso do Sul são os senadores José Fragelli, Mendes Canale e Saldanha Derzi, do PMDB, que participaram das manobras visando não dar o “quorum” necessário para as sessões de aprovação dos empréstimos (Idem, p. 3)
Faltando um dia para a convenção do PDS que iria decidira entre Levy Dias e José Elias o candidato a
governador, a publicação de um artigo assinado pelo jornalista e filho do proprietário do jornal José Barbosa
Rodrigues, Antônio João Hugo Rodrigues, também conhecido como A. J., intitulado “O curral e a censura”, de-
nunciava a situação dos convencionais que iriam votar:
Ao alugar 60 apartamentos do Hotel Campo Grande, com objetivo de confinar conven-cionais pedessistas, impedindo-os não apenas de manterem contatos com o candidato dis-sidente, Levy Dias, o PDS, alinhado ao governador quis – e conseguiu – também, levá-los a não prestar declarações livres à imprensa, principalmente aquele que não está engajado na campanha do candidato pedrossianista, Zé Elias. O curral de luxo está montado. Vemos, na realidade, convencionais confinados. Está, a maioria, como gado de alta linhagem, recolhido a um estábulo luxuoso, cercados de rações de todos os tipos [...] Os convencionais estão sendo humilhados, cerceados em sua liberdade de ir e vir, obrigados a dar entrevistas ape-nas de acordo com os interesses do governo e da máquina governamental. E se assim não o fizerem serão, imediatamente, submetidos a uma pressão maciça e quase insustentável,
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aterrorizante, sem qualquer indício de democracia algo que, aliás, parece inexistir em todo o esquema organizado (Correio do Estado, Campo Grande, 12/13 jun. 1982, p. 3).
Logo após a definição pelo nome de Zé Elias como candidato do PDS, o Correio do Estado começa a de-
monstrar ainda mais seu posicionamento, como por exemplo, em relação à falta de prestígio deste na maioria
dos municípios do Estado. Em matéria do dia seguinte, percebe-se que para o Correio do Estado a oposição teria
maiores chances com o resultado da convenção governistas:
[...] As coisas ficaram mais fáceis para a oposição, conforme comentários ontem no final da convenção do PDS, entre políticos e pessoas que assistiram às disputas entre Levy Dias e Zé Elias. A oposição partirá para as eleições de 15 de novembro com um quadro mais sólido e com menos problema que o PDS. A falta de objetividade do candidato peemedebista só superada pela fragilidade eleitoral do candidato governista, com potencial de votos apenas na região de Dourados (RESULTADO favorece os oposicionistas. Correio do Estado, Campo Grande, 14 jun. 1982, p. 3).
Em manchete do dia 17 de junho, escrito em letras garrafais, apresenta-se em primeira página os seguinte
dizeres: “Interior rejeita Zé Elias”, demonstrando que 40% dos prefeitos não aceitavam a escolha do nome im-
posto por Pedrossian.
Ao longo de praticamente todo aquele mês as chamadas da seção de política mostravam a situação do PDS
e seu candidato, manchetes chamativas e matérias longas expressavam esse posicionamento, como esta relacio-
nada a perca de alguns de seus filiados para a oposição:
O Mato Grosso do Sul figura como o Estado onde mais governistas, de posse de um man-dato parlamentar, deixaram os quadros da extinta Arena e do PDS para se filiarem aos quadros oposicionistas. Numa análise feita em todo o País, constatou-se que um número aproximado de 50 governistas com destacada importância nacional optaram pelos partidos de oposição. Dos oito senadores que deixaram a Arena ou PDS e passaram para oposição, Mato Grosso do Sul figura como o Estado de onde ocorreu o maior número de defecções (MS encabeça a lista de defecções no PDS. Correio do Estado, Campo Grande, 19 jul. 1982, p. 3).
Em plena campanha eleitoral notícias divulgadas demonstravam quais eram as propostas do PMDB para
enfrentar a crise financeira vivida por Mato Grosso do Sul:
Gastos perdulários em obras que não são prioritárias, excesso de “mordomias” e apro-veitamento do dinheiro público na campanha política foram apontados pelo ex-deputado Wilson Barbosa Martins como razões para a crise econômica vivida pelo Mato Grosso do Sul [...] As medidas de caráter imediato apontadas pelo candidato a governador do PMDB durante entrevista coletiva em Brasília, consiste basicamente em buscar recursos para que sejam renegociadas todas as dívidas do Estado junto a instituições financeiras do País e do exterior [...] Hoje o Mato Grosso do Sul deve no mercado financeiro interno e externo a soma de aproximadamente 28 bilhões de cruzeiros, o que já coloca em situação aflitiva empreitei-ras, chefes de família e funcionários estaduais preocupados, os professores estão em greve e toda população do Estado em tensão diária, segundo Wilson Barbosa Martins (PMDB tem a saída para crise estadual. Correio do Estado, Campo Grande, 2 set. 1982, p. 3).
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Outdoor de José Elias (PDS) em rua de Cam-po Grande. Correio do Estado. Campo Grande, 6 out. 1982, p. 3.Fonte: acervo Correio do Estado.
A crise demonstrada aqui provocou diversas greves no estado. Conforme Tetila e Biasotto (1991), esse foi um
dos períodos de maior efervescência dos movimentos sociais em Mato Grosso do Sul.
Apesar desse posicionamento de críticas a situação política e econômica de Mato Grosso do Sul, é possível
observar que não há um posicionamento claro de privilégio nas matérias jornalísticas ao candidato do PMDB,
como também não foi encontrado críticas a ele, do modo como se fez com Zé Elias. Abaixo se encontra fotos
onde se vê a publicação tanta de matérias sobre a propaganda peemedebista quanto pedessista, sendo possível
afirmar que não havia um posicionamento declarado em favor de Martins.
Outdoor de Wilson Martins (PMDB) em rua de Campo Gran-de. Correio do Estado. Campo Grande, 1º set. 1982, p. 3.Fonte: acervo Correio do Estado.
No entanto, a entrevista realizada com o ex-governador Wilson Martins confirma que o Correio do Estado lhe
apoiava:
“O jornal Correio do Estado optou por nos apoiar naquela eleição. Seus administrado-
res viram em nossa candidatura a melhor opção para governar o Estado”7.
Em relação aos candidatos Wilson Fadul e Antônio Carlos de Oliveira, estes tiveram pouquíssimo destaque
no jornal durante o processo eleitoral. Antônio Carlos, foi destaque antes do início da campanha, quando travou
uma intensa batalha com os tribunais para ter sua candidatura aceita, já que não possuía os 35 anos exigidos na
Constituição Estadual para ser candidato a governador. Isso só foi possível graças a uma Emenda votada pela
Assembléia Legislativa. Em junho daquele ano, o petista em pronunciamento na Câmara dos Deputados, fizera
denúncias a respeito de funcionários fantasmas no Estado, o que foi divulgado em ampla matéria pelo jornal.
Sobre Wilson Fadul, a notícia de maior destaque estava relacionada ao lançamento de sua candidatura pelo
7 MARTINS, Wilson Barbosa. Entrevista. Campo Grande, 27 jan. 2011.
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Correio do Estado. Campo Grande, 15 nov. 1982, p. 2.Fonte: acervo Correio do Estado.
PDT e a importância que teria a região da Grande Dourados em sua campanha, devido ao histórico reduto pete-
bista que fora aquela localidade nos anos 1950, 1960, por conta da implantação da Colônia Agrícola Nacional
de Dourados (CAND) no final dos anos 1940 na gestão do presidente Getúlio Vargas. As outras matérias de pouco
destaque, indicavam que os sul-mato-grossenses teriam três opções oposicionistas para governador naquele ano.
Ao se aproximar a data da eleição, um editorial do dia 11 de novembro revela uma visão totalmente inversa
do que há alguns meses o jornal vinha divulgando sobre o governador e sua gestão:
Não há um dia da semana que o Governador Pedro Pedrossian não esteja inauguran-do obras e não há um só município do Estado em que não esteja fazendo alguma coisa. Para o seu governo não há municípios grandes ou pequenos, pobres ou ricos, filhos ou enteados. Em todos põe a marca do seu dinamismo, o desejo de construir e fazer progredir. Em apenas dois anos de governo acionou a sua alavanca de impulsão na busca do tempo perdido. E o faz de tal maneira que muitos ficam imaginando o que teria sido realizado se estivesse governando desde o dia da instalação, como pretendia o Presidente da República, mas de fazer em razão do veto dos políticos que mandavam no partido oficial e que hoje, justamente porque ele foi chamado à revelia de sua vontade, integram-se no maior partido de oposição [...] Estamos com o orçamento do Estado em mão e por ele verificamos que as entradas de capital provenientes de crédito e empréstimos foram relativamente pequenos até agora. Por isso ficamos a pensar que milagres de equilíbrio estará fazendo o Governador para conseguir essa verdadeira multiplicação dos peixes, quando seus antecessores, homens reconhecidamente honestos e capazes, muito pouco puderam realizar. Pedrossian é mesmo um administrador com singular capacidade de realizar. E por isso mesmo, temos ouvido, de dezenas de pessoas, que seria, se quisesse aceitar, um candidato imbatível para o Executivo Estadual, em 1986 (AS obras de Pedrossian. Editorial. Correio do Estado, Campo Grande, 11 nov. 1982, p. 2).
É estranho esse posicionamento do editor do jornal, pois fica claro uma mudança radical no discurso sobre
o governo Pedrossian, muito diferente do que se declarava nos meses de lançamento das candidaturas. Seria
uma estratégia dos empresários devido a proximidade do dia da votação e certa preocupação em ver eleito o
candidato governista, o que poderia complicar a situação das propagandas governamentais a partir de março
de 1983? Essa é uma pergunta ainda sem resposta.
No dia 15 de novembro, o destaque do Correio do Estado é para os quatro candidatos a governador:
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Correio do Estado. Campo Grande, 22 nov. 1982.Fonte: acervo Correio do Estado.
Para o resultado final, utilizou-se uma matéria de capa para apresentar a vitória de Wilson Barbosa.
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Considerações Finais
É possível dizer que a análise do discurso da imprensa implica realizar uma tarefa minuciosa para se ter
a mínima noção de como ela se articula em um curto espaço de tempo. No caso do Correio do Estado e a sua
atuação ao longo do primeiro governo Pedrossian e no período da campanha eleitoral de 1982, visualiza-se que
este órgão foi bem flexível em sua tarefa de noticiar os fatos políticos daquele momento, ora defendia o governo
pedessista, ora combatia. Nesse curto ensaio ficou claro como a grande imprensa lida com o poder político e
se move para sua própria sobrevivência. No caso do Correio do Estado, acredito que já é quase uma tradição o
modo com que ele se flexibiliza em relação aos governos que já comandaram Mato Grosso do Sul.
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REFERÊNCIAS
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estadual de Mato Grosso do Sul: 1978 – 1988. Campo Grande: UFMS, 1991.
BITTAR, Marisa. Estado, educação e transição democrática em Mato Grosso do Sul. Campo Grande: UFMS,
1998.
FLEISCHER, David. As desventuras da engenharia política: sistema eleitoral versus sistema partidário. In: FLEIS-
CHER, David (org.). Da distensão à abertura: as eleições de 1982. Brasília: UNB, 1988.
MARTINS, Wilson Barbosa. Memória: janela da história. Campo Grande: Instituto Histórico e Geográfico de
Mato Grosso do Sul, 2010.
SCHWENGBER, Isabela de Fátima. Quando o MST é notícia. Dourados: UFGD, 2008.
SILVA, Eronildo Barbosa da & OLIVEIRA, Tito Carlos Machado de. Do MDB ao PMDB: quarenta anos de Mato
Grosso do Sul. Campo Grande: Oeste, 2006.
TOALDO, Ciro José. O novo sindicalismo e a mobilização dos professores da rede pública estadual sul-mato-
grossense: avanços e rupturas (1979/1992). 2003. Dissertação (Mestrado em História) – UFMS, Dourados.
JORNAIS
POSITIVO o 1º ano de Pedro. Correio do Estado, Campo Grande, 19/20 dez. 1981, p. 1.
POVO já fala do caos no Estado. Correio do Estado. Campo Grande, 27 abr. 1982, p. 2.
DE Parque a sonho dos Poderes. Correio do Estado, Campo Grande, 22 abr. 1982, p. 7.
PDS aceita imposição; José Elias é o candidato. Correio do Estado, Campo Grande, 1º e 2 maio 1982, p. 3.
Falido, MS está parando” (Correio do Estado. Campo Grande, 25 maio 1982, p. 1).
POLÍTICOS taxam de maldosa notícia de falência do MS. Correio do Estado, Campo Grande, 26 maio 1982,
p. 3.
“O curral e a censura”. Correio do Estado, Campo Grande, 12/13 jun. 1982, p. 3.
RESULTADO favorece os oposicionistas. Correio do Estado, Campo Grande, 14 jun. 1982, p. 3.
MS encabeça a lista de defecções no PDS. Correio do Estado, Campo Grande, 19 jul. 1982, p. 3.
PMDB tem a saída para crise estadual. Correio do Estado, Campo Grande, 2 set. 1982, p. 3.
AS obras de Pedrossian. Editorial. Correio do Estado, Campo Grande, 11 nov. 1982, p. 2.
OS quatro candidatos a governador. Correio do Estado, Campo Grande, 15 nov. 1982, p. 2.
WILSON é o governador. Correio do Estado, Campo Grande, 22 nov. 1982. Capa.
ISSN: 2316-3992
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RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO:A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO
Célio Antonio dos Santos Daniela Cristiane Ota
Palavras-chave: : Jornalista, Trabalho, Newsmaking
Resumo
Retextualização é um tema recorrente em estudos linguísticos que procura enfatizar a diferença entre trans-
crever e retextualizar. Neste artigo pretende-se estudar e questionar a ideia de que a escrita tem primazia sobra
a oralidade, visto que nem sempre as sociedades modernas e ditas letradas abandonaram, ou não reconhecem
em seus processos de comunicação, marcas da oralidade. Pretende-se estabelecer as principais características
de texto escrito versus oral e de língua falada versus escrita. Ao se pensar o texto do rádio como apenas oral,
esquece-se de que antes disso ele foi concebido na forma escrita para depois ser lido. Portanto o processo de
retextualização se dará em dois momentos da concepção do texto radiofônico.
Trabalho apresentado no Iº Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11/2012, Unigram/
Dourados/ MS.v
Mestrando em Comunicação pela UFMS, e-mail: cé[email protected].
Professora Doutora do Departamento de Jornalismo da UFMS, e-mail: [email protected].
SANTOS, Célio Antonio 131
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Introdução
Ao longo dos anos, o Rádio tem sido objeto de estudos e pesquisas que abordam os mais variados temas
que envolvem sua estrutura, linguagem, história, programação, conteúdo, estética e etc. A maior parte deles
contribuiu, ou contribui, para a formação de referências teóricas ou estabelecimento de paradigmas norteadores
de estudos subsequentes ou práticas de ensino no que tange ao conteúdo das disciplinas aplicadas ao rádio,
como objeto de pesquisa ou como veículo. Uma das características mais marcantes do rádio é sua linguagem4,
ou a forma como se fala através dele. Um conjunto de elementos que, quando acionados, dão ao rádio o status
de veículo de comunicação de massa que melhor expressa proximidade e intimidade com seu público. O falar
no rádio desperta sentimentos criados a partir do imaginário suscitado pelo locutor. O ouvinte é constantemente
convidado a criar suas próprias imagens para cada evento enunciado.
Neste cenário, a produção de texto para o rádio requer do redator, além de pleno conhecimento da lín-
gua, habilidade no uso de termos e expressões que darão ao texto características da oralidade, por mais que se
saiba que o que está sendo falado, na maioria das vezes, está escrito. A retextualização de um texto para o rádio
passa por dois processos: um acontecimento que foi relatado em forma de nota ou notícia e a leitura do texto
acabado, feita pelo locutor, no formato exigido para o rádio.
O texto jornalístico para o rádio deve obedecer a determinados critérios que dão a ele a condição de um
texto “oralizado”, mesmo sendo escrito. A dinâmica do texto escrito deve atender a expectativa de quem lê (o
locutor/apresentador) e de quem ouve (o ouvinte/receptor) quando ambos esperam uma descrição acessível e
facilmente compreensível do fato descrito. Porém, antes de abordar o texto no rádio e suas perspectivas teóricas,
se faz necessário nos ocuparmos de um estudo breve sobre oralidade e escrita.
Fala oralizada versus escrita
O ser humano se distingue dos demais seres vivos por ter desenvolvido mecanismos conscientes para esta-
belecer comunicação com seu semelhante. Prova disso é que “a linguagem sempre foi considerada a mais rica
forma de arte humana, pois que a distingue da criação animal”. (MCLUHAM, 1969, p. 98). A linguagem aqui
citada, é o conjunta da habilidades humanas para se comunicar, seja pela oralização ou pela escrita.
Durante muitos anos defendeu-se a tese de que a escrita, como resultado de um processo de desenvol-
vimento do ser humano, estaria em posição superior à oralidade. Para alguns estudiosos, as sociedades que
desenvolveram a escrita como uma das formas de relação/comunicação entre seus membros estariam em um
estágio mais avançado do que as que se mantiveram ligadas às tradições orais. De fato a escrita surgiu como
um processo e uma consequência do desenvolvimento do pensamento humano.
4 A linguagem radiofônica é definida por Armand Balsebre como “o conjunto de formas sonoras e não sonoras representas pelos sistemas expressivos da palavra, da música, dos efeitos sonoros e do silêncio, cuja significação vem determinada pelo con-junto dos recursos técnicos/expressivos da reprodução sonora e o conjunto de fatores que caracterizam o processo de percepção sonora e imaginativo-visual dos ouvintes”.
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O homem passou a depender da escrita para registro de suas descobertas e garantia da propriedade priva-
da, bem como a certeza de que sua história seria repassada a seus descendentes exatamente como aconteceu,
sem a interferência do orador/contador. Biber afirma que:
[...]a introdução da escrita no mundo foi um feito notável e correspondeu a transição do ‘mito’ para a ‘história’ se nos apoiarmos na realidade dos documentos. Foi a escrita que permitiu tornar a língua um objeto de estudo sistemático. Com a escrita criaram-se novas formas de expressão e deu-se o surgimento das forma literárias. Com a escrita surgiu a ins-titucionalização rigorosa do ensino formal da língua como objeto básico de toda formação individual para enfrentar as demandas das sociedades ditas letradas. (BIBER, 1988 apud MARCUSCHI, 2010, p. 29).
Alguns pesquisadores, como Walter Ong (1992) e Jack Goody (1977) (apud MARCUSCHI, 2010. p17) defen-
deram durante algum tempo a tese da grande virada cognitiva representada pela introdução da escrita. Para estes
autores, nossa capacidade de raciocínio e o desenvolvimento tecnológico seriam impensáveis se não tivéssemos de-
senvolvido a escrita. Porém esses argumentos hoje não se sustentam, tanto que os próprios autores os abandonaram
em detrimento de uma visão amplamente difundida de que não existe superioridade da forma escrita sobre a orali-
dade. Mesmo as sociedades altamente letradas ainda conservam marcas de oralidade em sua estrutura linguística.
Marcuschi (2010. p17) afirma que “oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características
próprias, mas não suficientemente opostas para caracterizar dois elementos linguísticos nem uma dicotomia.” Uma
das principais marcas da oralidade nas sociedades consideradas mais avançadas é a comunicação pela internet, os
famosos bate-papos. Quando tecla uma pessoa emite uma mensagem escrita, porém com características da ora-
lidade. Para Marcuschi (2010, p. 18) “...algumas das propriedades até há pouco atribuídas exclusivamente à fala,
tal como a simultaneidade temporal, já são tecnologicamente possíveis na prática da escrita à distância, como o uso
do computador.” Portanto podemos concluir que não existe primazia da escrita sobre a fala mesmo nas sociedades
modernas, que disponibilizam de vasto e complexo arsenal tecnológico no uso da língua.
Também não se pode concluir que as sociedades desenvolvidas a partir da escrita não têm esta forma de
uso da língua como fundamentais em suas relações sociais. O letramento5 nessas sociedades não se dá apenas
pela alfabetização, ou letramento pedagógico, mas também como fruto das relações sociais e culturais que leva in-
divíduos, mesmo que analfabetos a reconhecer determinados símbolos e signos típicos de uma comunicação visual
ou escrita. Neste sentido Street (1995, apud MARCUSCHI, 2010, p. 15) sugere usarmos o termo “letramentos”, já
que para ele “se manifestam como eventos em que a escrita, a compreensão e a interação se acham inteiramente
imbricada.” Na teoria de Marcuschi (2010, p19) a sociedade apresenta sinais de letramento no sentido em que, de
certa forma, aqueles que participam das atividades sociais e culturais no meio em que vivem exercem algum tipo
de leitura: “a escrita é usada em contextos sociais básicos da vida cotidiana em paralelo direto com a oralidade.”
5 Letramento, segundo Magda Soares, é o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conse-quência de ter se apropriado da leitura e da escrita.
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Neste contexto estabeleceram-se vários estudos que se ocupam das relações entre a fala oralizada6 e a escri-
ta. A perspectiva das dicotomias, que de certa forma opõe as duas modalidades de uso da língua, privilegiando
a escrita como a forma de se estabelecer regras para a aplicação do que se chama “norma culta”. Esta é uma
abordagem da língua, defendida pelos gramáticos. Apesar de haver pensadores que aceitam, nesta perspectiva,
fala e escrita dentro de um “contínuo, seja tipológico ou da realidade cognitiva ou social” (MARCUSCHI, 2010,
p. 27), a maior parte deles analisam fala oralizada e escrita na perspectiva das dicotomias estritas, ou seja, uma
análise centrada no código. Esse pensamento restritivo das modalidades linguísticas baseia grande parte dos
processo de ensino da língua, focando em uma única norma linguística, ou a chamada norma culta. Os princi-
pais elementos da dicotomia restritiva podem ser observados a seguir.
Uma segunda tendência é a que Marcuschi chamou de visão culturalista, na qual seus principais estudiosos
buscam identificar as mudanças que ocorreram nas sociedades em que se introduziu o sistema de escrita. Tais
mudanças são analisadas do ponto de vista cognitivo, social e antropológico a partir da observação da nature-
za das práticas da oralidade versus escrita. E vai além quando desenvolve uma fenomenologia da escrita e os
efeitos na forma de organização do pensamento e da produção do conhecimento. O quadro a seguir sintetiza
as características deste modelo:
Quadro 2. Visão culturalista
Quadro 1. Dicotomias estritas
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A perspectiva variacionista “trata o papel da escrita e da fala sob o ponto de vista dos processos educacionais
e faz propostas específicas a respeito do tratamento da variação na relação entre padrão e não padrão linguístico
nos contextos de ensino formal”. (MARCUSCHI, 2010, p. 31). Nesta perspectiva não se faz uma oposição ou
dicotomia entre fala e escrita, mas sim uma observação criteriosa das variedades linguísticas que ambas apre-
sentam. O próximo quadro sintetiza as principais características das duas modalidades dentro daquilo que a
perspectiva variacionista preconiza.
Quadro 3. Perspectiva variacionista
A quarta perspectiva, denominada sociointeracionista “preocupa-se com os processos de produção de sentido
tomando-os sempre como situados em contextos sócio-hsitoricamente marcados por atividades de negociação ou
por processos inferenciais.” (MARCUSCHI, 2010, p. 34). Este modelo entende que as modalidades linguísticas
são construídas interativamente e sensíveis aos fenômenos culturais, e não como dadas ou estanques entre si,
além de preocupar-se em estudar os gêneros textuais e suas aplicações na sociedade. O quarto quadro apre-
senta-se com importante diferença dos outros três, evidenciando a forma como esta perspectiva entende os dois
modelos linguísticos como complementares, orientando-se numa linha discursiva e interpretativa.
Quadro 4. Perspectiva sociointeracionista
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2 - RETEXTUALIZAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES
Retextualização para Marcuschi não é a simples transcrição de uma forma (oralizada) para outra (escrita).
Trata-se de um complexo processo de transformação de um texto pensado e dito na forma oralizada, em um texto
escrito, sem que este processo altere o sentido construído a partir do enunciado oralizado. Para que isso aconteça
é necessária a observação de que não existe primazia de uma forma sobre outra. Ou seja, é preciso entender
que a forma oral da língua não está em posição inferior à forma escrita, mas sim que ambas têm aspectos dis-
tintos, mas nada que torne uma superior a outra. Não se pode pensar que a forma escrita da língua “goza” de
uma organização estrutural, enquanto a oralização é o caos, sem nenhuma sistematização em sua formulação.
O autor afirma que “a passagem da fala para a escrita não é a passagem do caos para a ordem: é a passagem
de uma ordem para outra ordem”. (MARCUSCHI, 2010, p. 47).
Há outro aspecto importante a ser considerado sobre as diferenças entre o texto escrito e o falado/ora-
lizado. Cada um é capaz de carregar características próprias sem que isso demonstre ou certifique maior ou
menor credibilidade para um ou para outro. Quando conversamos com outra pessoa deixamos marcas da nossa
fala, sotaques, trejeitos e cacoetes que acumulamos com o passar do tempo, por uma série fatores. Sejam por
questões culturais, sociais, cognitivas, ou mesmo em consequência de deformidades ou disfunções do aparelho
fonador, nossas marcas ao falar nos caracterizam dentro do grupo social em que vivemos.
As interrupções, falhas ou lacunas (elipses) no transcorrer do discurso são observadas por nossos inter-
locutores, porém na grande maioria das vezes a intenção de comunicar se completa. Há ainda interjeições ou
repetição de termos intercalados nas frases. São marcas da oralidade que caracterizam cada indivíduo ao falar.
Essas marcas não são repetidas quando da retextualização. McLuham (1969, P. 97) ao comparar a “palavra fala-
da” e a “palavra escrita” afirma que “... ao falar tendemos a reagir a cada situação, seguindo o tom e o gesto de
nosso próprio ato de falar. Já o escrever tende a ser uma espécie de ação separada e especializada, sem muita
oportunidade e apelo para a reação.”
A transcrição de uma entrevista para o jornal impresso, por exemplo, não leva em consideração tais marcas.
O texto será elaborado a partir das regras elaboradas para a forma escrita da língua. A leitura seria dificultada
se em um determinado texto escrito encontrássemos a todo momento a forma grafada, por exemplo, de ruídos
provocados pelo rapar de garganta no meio de uma fala. Também as expressões faciais e corporais, bem como a
gesticulação das mãos não são relatados na versão escrita de um texto que foi produzido originalmente na forma
oral. O baixar dos olhos; o olhar distante ou penetrante; as expressões de dor, dúvida, contentamento, tristeza ou
alegria; o cruzar dos dedos ou dos braços; o esfregar das mãos no rosto ou no cabelo; o movimento dos ombros
ou dos pés. Tudo isso são marcas da oralidade no discurso, que não podem ser retextualizado para a forma escrita.
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As mesmas marcas são possíveis de ser encontradas no texto escrito. Pontuação, acentuação gráfica,
parênteses, chaves, aspas são marcações dadas no texto escrito para identificar a intensidade da fala oralizada,
as interrupções e as mudanças de tom ou de personagens durante um determinado discurso escrito. Quando
lemos um texto escrito, por mais que este esteja reproduzindo oralizações, não dizemos os sinais gráficos porque,
pelo conhecimento que temos do modo escrito de nossa língua, sabemos que quem ouve a leitura é capaz de
compreender todo o texto por ser conhecedor da estrutura da língua na forma escrita. Mesmo que o ouvinte não
domine ou não conheça profundamente o modo escrito da língua, ele compreenderá a mensagem porque quem
lê o faz de maneira a interpretar todos os símbolos da escrita.
O processo de retextualização deve levar em conta que ao passar um texto oral para escrito, quem faz
este trabalho deve ter certeza de compreender o que foi dito, sob pena de alterar o sentido do texto inicial. “Por-
tanto, antes de qualquer atividade de transformação textual, ocorre uma atividade cognitiva chamada compreen-
são.” (MARCUSCHI, 2010, p. 47). Oralidade e escrita são dois modos de se manifestar conteúdos linguísticos
que não determinam se um indivíduo é mais ou menos capaz de formular e expressar pensamentos, seja de
forma escrita ou oralizada. Escrever não aumenta a capacidade de conhecimento de um indivíduo, assim como
quem não domina a escrita tem menor capacidade cognitiva. É claro que o indivíduo que domina a escrita tem
maior acesso a determinados conhecimentos, mas não é garantia de um conhecimento melhor.
“Não é verdade, no entanto, que a fala é o lugar do pensamento concreto e a escrita o lugar do pensamento abstrato. Em resumo: a retextualização não é, no plano da cognição, uma atividade de transformar um suposto pensamento concreto em um suposto pensamento abstrato. Este mito da supremacia cognitiva da escrita sobra a fala já foi superado.” (MAR-CUSCHI, 2010, p. 47).
As atividades de retextualização são comuns e rotineiras no nosso cotidiano. Realizando atividades de
retextualização até mesmo quando contamos um caso ou repetimos o que alguém disse estamos reformulando
o que foi dito, e geralmente acrescentamos ou suprimimos partes do acontecimento de acordo com a nossa
capacidade de relato em função, muitas vezes, da nossa compreensão sobre o assunto.
A retextualização é mais comum quando feita de um texto oralizado para a forma escrita. As transcrições
de falas oralizadas para a forma escrita é muito usada pelos profissionais de jornalismo, quando transcrevem a
fala de um entrevistado para a publicação nos jornais, revistas ou sites de notícias.
Em relação ao processo de retextualização, Marcuschi destaca quatro variáveis: a) o propósito ou objetivo
da retextualização; b) a relação entre o produtor do texto original e o transformador; c) a relação tipológica entre o
gênero textual original e o gênero da retextualização; d) os processos de formulação típicos da cada modalidade.
Quanto ao propósito, dependerá do uso que se fará do texto escrito. Muitas vezes uma fala oralizada
de maneira descontraída e informal será transformada em um texto informal. Ao passo que uma fala oralizada
forma será trans formada em um texto forma.
Quanto à relação entre o produtor do texto original e o transformador, muitas vezes o próprio emissor do
discurso faz a transformação e isso interferirá no texto final já que tende a mudar totalmente o texto oralizado.
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RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO 137
Quando o transformador é uma outra pessoa a tendência é a manutenção da maior parte do relato oralizado.
Mas, nos dois casos é sempre difícil esconder as marcas da oralidade no texto escrito.
Quanto à relação tipológica é comum a transformação de um gênero textual oralizado para o mesmo gê-
nero textual escrito. Este é o caso de uma narrativa oral que sofrerá menor interferência quando passado para o
gênero narrativo escrito.
Quanto aos processos de formulação, o autor destaca algo mais complexo e que de certa forma enfatiza
e cofirma parte do que foi relatado até este ponto em relação às diferenças entre fala oralizada e escrita.
Em resumo, trata-se da questão das estratégias de produção textual vinculadas a cada modalidade. Observe-se que quando se escreve (seja à mão, à máquina ou no computador) tem-se sempre a possibilidade de rever sem que esta revisão (ou correção) seja visível ao receptor da versão final do texto. Trata-se [...] de uma “escrita neutralizada” em que despa-recem os vestígios da correção. já no caso da fala não temos outra alternativa senão a da neutralização pela metalinguagem que traz a correção como parte integrante do próprio texto oral. Assim os efeitos de “maior perfeição” e corretude da escrita e os efeitos da “imper-feição” e incompletude da fala não passam de uma característica dos processos estratégicos da formulação na produção e recebe soluções que não se correspondem quando se observa o produto final. (MARCUSCHI, 2010, p. 54-55).
3 - RÁDIO, O VEÍCULO DA ORALIDADE
O rádio é considerado o primeiro veículo de comunicação de massa da história. Antes de o rádio tornar-
se realidade para a maioria da população ao redor do mundo a humanidade criou muitas formas de estabelecer
comunicação. As pinturas feitas pelo homem das cavernas; a comunicação direta dos mensageiros ou o uso
do pombo-correio; os sinais de fumaça; a carta. Várias foram as maneiras inventadas a partir das tecnologias
desenvolvidas pelo intelecto humano para se chegar ao outro que não fossa da forma direta. Seria praticamente
impossível pensar a evolução da humanidade sem a comunicação à distância. Sem as informações entre as na-
ções, os povos, os governos e as empresas, não teríamos as notícias, muito menos os veículos de comunicação.
O rádio surgiu como o primeiro meio eletrônico de difusão massiva de informação e entretenimento. As
primeiras experiências com comunicação à distância a partir da emissão de ondas eletromagnéticas foram de
vital importância para a consolidação da transmissão da voz humana sem o uso de fios. Desde as primeiras ex-
periências do Padre Landell de Moura (1893/1894) até a indicação de David Sarnoff7, em 1916, para a direção
7 Sarnoff enviou o seguinte memorando para a direção da empresa: “Concebi um plano de desenvolvimento que poderia converter o rádio em um meio de entretenimento doméstico como o
piano ou o fonógrafo. A ideia consiste em levar a música aos lares por meio de transmissão sem fios. (...) Poder-se-ia instalar, por exem-plo, um transmissor radiotelefônico com um alcance compreendido entre 40 e 80 quilômetros em um lugar determinado em que seria produzida música instrumental ou vocal ou de ambos os tipos (...). Ao receptor poder-se-ia dar a forma de uma singela caixa de música radiotelefônica, adaptando-a a vários comprimentos de onda de modo que seria possível passar de uma a outra apenas fazendo girar uma chave ou apertando um botão.
A caixa de música radiotelefônica possuiria válvulas amplificadas e um alto-falante, tudo acondicionado na mesma caixa. Colocada sobre uma mesa na sala, fazendo-se girar a chave escutar-se-ia a música transmitida (...). O mesmo principio pode ser es-tendido a muitos outros campos, como por exemplo, escutar, em casa, conferências, que resultariam perfeitamente audíveis. Também poder-se-ia transmitir e receber simultaneamente acontecimentos de importância nacional.” (GIL, apud FERRARETTO, 2001, p 88)
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RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO 138
da empresa Marconi Company, antevendo o que seria a estrutura do rádio como veículo de comunicação de
massa muita coisa se desenvolveu (FERRARETTO, 2001, p 88).
Entretanto, a linguagem do rádio como a conhecemos hoje, somente se consolidou a partir da década
de 30, como afirma KLÖCKNER. (2011, p 41).
Nesse período criaram-se os radioteatros, as radinovelas, os programas humorísticos, os programas jornalísticos, as transmissões esportivas, os noticiosos, além de uma série de transmissões que privilegiavam a linguagem radiofônica ancorada na oralidade, na capaci-dade narrativa, no domínio e no incitamento das emoções.
A partir deste momento o texto no rádio passou a ter importância fundamental para a consolidação do
veículo como um poderoso instrumento de aproximação com o público. O rádio, ao contrário de outros veículos
de comunicação, como, por exemplo, o jornal, estava ligado ao seu público pelo ouvido, portanto estabelecia
uma relação de intimidade e de confiança. “A inflexão e o modo certo de interpretar cada palavra traziam um
significado, despertavam determinados sentimentos no ouvinte”. (Idem). Desta forma, a estrutura do texto para o
rádio mantém-se, ainda nos dias atuais, fortemente ligada aos fundamentos da oralidade, que segundo Gonzá-
les (1993, apud KLÖCKNER, 2011, p. 42) “é uma forma de expressão, transmissão e acúmulo de informações
do que é considerado socialmente relevante”.
Podemos inferir que, apesar de toda tecnologia envolvida no processo de produção radiofônica e sua infor-
matização e eminente digitalização, a linguagem, ou a maneira de falar no rádio, dificilmente sofrerá alguma
alteração significativa por conta dessa demanda tecnológica. Talvez a plataforma de produção do texto possa
se alterar, como ocorreu com a máquina de escrever, substituída pelo computador. Porém o ouvido humano e a
maneira como uma mensagem sonora é recebida e absorvida pouco provavelmente será alterada por uma de-
terminação tecnológica. Neste sentido, a elaboração e divulgação do texto no rádio deverá continuar atendendo
aos preceitos da oralidade.
4 - A RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: UM PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO
A retextualização no rádio se dará em dois momentos: quando acontece o relato de um fato e quando
o fato é contado no ar pelo apresentador. No primeiro momento um determinado acontecimento chega ao
conhecimento do repórter na redação. Seja através de sites de notícias, de jornais, revistas ou mesmo de um
telefonema. Seja uma notícia escrita por outro jornalista ou dados colhidos direto de uma fonte. Qualquer que
seja a origem, o modo de uso da língua ou o gênero textual, o importante é que este repórter irá redigir um texto
contando o fato acontecido.
Ao fazer isto ele executa o primeiro momento da retextualização aqui analisada. Para Marcuschi (2010,
p. 48) a retextualização pode se dar da fala para a escrita, da fala para a fala, da escrita para a fala e da escrita
para a escrita. Segundo o autor, fazemos estas operações diariamente quando “repetimos ou relatamos o que
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alguém disse, até mesmo quando produzimos as supostas citações ipsis verbis, estamos transformando, reformu-
lando, recriando e modificando uma fala em outra” (Idem).
Após a redação, já obedecendo aos padrões para a veiculação através das ondas do rádio, o texto chega
às mãos do locutor/apresentador. Podemos verificar aqui o segundo momento da retextualização do texto no
rádio: o locutor/apresentador irá fazer a leitura do texto, “emprestando” a ele sua capacidade de interpretação
durante a locução, imprimindo à leitura a entonação, ritmo, velocidade e a vibração que a leitura exigir.
FERRARETTO cita a fala do jornalista Clóvis Paiva (Apud, AMARAL, 1986, p .150.), para quem o jorna-
lismo no rádio “adota a fórmula 3CV: clareza, correção, concisão e vibração” como forma de manter a atenção
do ouvinte para aquilo que está sendo narrado. Essas quatro características são fundamentais para o sucesso e
repercussão do fato jornalístico. A clareza do texto irá permitir o bom desenvolvimento, deixando nítidas coerên-
cia e coesão. Ira facilitar a leitura por parte de locutor/apresentador no instante em que faz a retextualização,
passando o conteúdo do modo escrito para o modo da fala oralizada.
Por sua vez o locutor/apresentador deverá usar de clareza para falar ao ouvinte: sua voz deverá estar
firma e sua pronúncia “limpa”. A correção e a precisão da informação darão credibilidade para o fato noticiado,
estabelecendo uma relação de confiança do ouvinte com a emissora e o repórter ou locutor/apresentador. Seguir
as regras mínimas da língua normativa na escrita não levará ao distanciamento do ouvinte pelo fato de que a
linguagem radiofônica deve ser mais próxima da oralidade. Ao contrário, contribuirá para o bom entendimento
do texto por parte do ouvinte, além de facilitar a leitura por parte do locutor/apresentador. Ser conciso não sig-
nifica simplesmente encurtar uma notícia, mas informar o máximo possível com um menor número de palavras.
O texto para o rádio deve evitar termos, expressões e conjunções desnecessárias para a boa fluidez.
Ao escrever um texto jornalístico para o rádio é preciso sentar-se diante de uma máquina de escrever pensando que se vai elaborar um texto para ser ouvido, para ser contado, e não para ser lido. Esta atitudi facilitará a difícil tarefa de oferecer em poças frases, breves e sim-ples, a mesma informação que o jornal ocupará vários parágrafos (...) (PRADO, 1989, p.29, apud FERRARETTO, 2001, p. 204 – 205)
Não menos importante é a vibração no momento da leitura. O locutor/apresentador usará todo o seu re-
pertório interpretativo (entonações) para dar vida ao texto, levando o ouvinte a criar suas imagens mentais. Não
importa somente o conteúdo transmitido, mas também a maneira, a forma como a mensagem é radiofonizada.
(KLÖCKNER, 2011, p. 41.)
Para que se consiga alcançar êxito na tarefa de retextualização é importante a observação dos aspectos,
já descritos, que envolvem tanto a língua falada oralizada, quanto a língua na forma escrita. O mais comum
neste processo é a retextualização da forma oral para a forma escrita. As transcrições de entrevistas, conversas,
pesquisas e outras formas da manifestação oral são objeto de estudo de vários pesquisadores que se ocupam do
tema, inclusive o autor referência deste trabalho8 que priorizou seus estudos no sentido de analisar a retextuali-
zação da fala oralizada para a escrita.
8 Luiz Antonio Marcuschi é pesquisador e professor titular de Linguística da Universidade Federal de Pernambuco.
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RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO 140
Porém, antes de ir ao ar o texto no rádio para por operações complexas e significativas no que tange à sua
forma: trata-se de um texto escrito para ser oralizado. Estaríamos diante de um paradoxo: um texto é escrito para ser
oralizado ao mesmo tempo em que, quando oralizado está na forma escrita? Ao ser redigido o texto segue as indica-
ções de clareza, correção e concisão no que tange à sua forma escrita. Obedecendo a estes três critérios o texto escrito
para o rádio atende os princípios básicos da linguagem radifônica, que de modo geral deve estar o mais próxima da
oralidade. “A simplicidade é a regra básica do texto radiofônico, preparado para um público genérico, ou seja, qual-
quer pessoa apta a ligar um receptor e sintonizar uma emissora”. (FERRARETTO, 2001, p. 204).
Após este passo, vem a leitura no ar. O locutor/apresentador será o responsável pela segunda retextua-
lização: o texto escrito será agora oralizado, ou melhor, será interpretado. Não se trata apenas de uma leitura
pura a simples. Trata-se de dar sentido a cada palavra dita no ar. O trabalho do locutor/apresentador asseme-
lha-se ao de um ator, cujo trabalho não se está querendo reduzir a importância, com a diferença de que o que
está sendo interpretado é a realidade, são os fatos que cercam o cotidiano do ouvinte: política, esportes, eco-
nomia, violência, trânsito. BITTENCOURT (1989, p. 21, apud FERRARETTO, 2001, p. 309) afirma o seguinte, a
respeito da atuação do locutor/apresentador:
Na leitura de um texto jornalístico é preciso ser expressivo, sem ser emotivo. No mo-mento em que se é emotivo, passa-se o interior, e automaticamente acrescenta-se alguma coisa ao texto, o que não é função do jornalista. O importante é apenas dizer o fato, mas é possível usar de alguma expressividade para ganhar a credibilidade do ouvinte.
No momento em que está lendo (interpretando) um texto no ar, o locutor/apresentador usa o poder de
sua voz para suscitar no ouvinte sentimentos que vão contribuir para a compreensão e absorção pelo ouvinte dos
fatos noticiado. Dependendo da atitude do locutor/apresentador o ouvinte vai concordar ou não, aceitar ou não
determinado ponto de vista ou opinião.
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5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse aspecto, a retextualização do texto escrito para a forma oralizada dependerá do tipo de negocia-
ção psicológica entre o locutor/apresentador, o texto lido e o ouvinte. Como vimos retextualizar não é apenas
transcrever um texto. Se assim o fosse, não teríamos a necessidade de escrever textos específicos para o rádio.
Para levar informação aos ouvintes, bastaria que se lesse algo escrito no jornal.
Como pudemos observar a retextualização envolve muito mais do que a transcrição do mesmo texto em
modalidades linguísticas diferentes. Tal processo envolve uma gama de conhecimento adquiridos sobre o uso
da língua em suas várias plataformas e gêneros textuais. Para cada forma, ou para cada ordem da língua, sua
expressão leva em consideração os aspectos morfológicos que as fundam. Em cada ordem há uma determinada
característica diferente da outra. Este fenômeno é o que nos leva a dizer o mesmo conteúdo de forma diferente,
dependendo de que instrumento de comunicação estamos lançando mão: a fala oralizada ou a escrita.
Não se pode fazer distinção entre uma e outra, sob pena de desprezarmos formas legítimas de manifes-
tação da língua e consequentemente estaremos desprezando segmentos da sociedade que tradicional e cultural-
mente privilegia o uso de determinada ordem linguística ao se manifestar.
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REFERÊNCIAS
BALSEBRE, A. A Linguagem Radiofônica. In: MEDITISCH, E. (Org). Teorias do Rádio: Textos e Contextos. Floria-
nópolis, SC: Insular, 2005, p. 327-336.
FERRARETO, L.A. Rádio: o veículo, a história e a técnica. 2. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2001.
KLÖCKNER, L. O Repórter Esso: A Síntese Radiofônica Mundial que Fez História. Porto Alegre: Edpucrs, 2011.
MARCUSCHI, L.A. Da Fala Para a Escrita: Atividades de Retextualização. São Paulo: Cortez, 2010.
MCLUHAM, M. Os Meios de Comunicação Como Extensão do Homem. 1. ed. São Paulo: Cultrix, 2007.
SOARES, M. Letramento: Um Tema em Três Gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
ISSN: 2316-3992
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A nova onda do rádio em Três LagoasSidnei Carlos Santos Bonfim Ferreira
Palavras-chave: : Gêneros radiofônicos. Rádios de Três Lagoas. Rádio na Internet.
Resumo
As antenas de transmissões não são mais limitadoras do alcance das freqüências das emissoras de rádio em
Três Lagoas. Seja na Freqüência Modulada (FM), ou na Amplitude Modulada (AM), as sete emissoras três-la-
goenses migraram a programação para o universo on line e atingem hoje um público cada vez mais amplo e
distante. Após uma pesquisa de campo pode-se constatar que outra característica é o pouco espaço cedido para
o jornalismo. Migrar para a internet e se dedicar mais ao entretenimento têm sido a tendência desse veículo que
perdeu espaço para a televisão e agora está reencontrando novas formas de alcançar o ouvinte
1- Sidnei Carlos Santos Bonfim Ferreira é jornalista formado pela UniToleto/Araçatuba, professor universitário das Faculdades
Integradas AEMS/Três Lagoas-MS e mestrando em Comunicação pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)
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A nova onda do rádio em Três Lagoas
O ano de 2012 é um marco para a história da radiofusão no Brasil. São 90 anos desde que o presidente
Epitácio Pessoa fez o primeiro pronunciamento, via rádio, do Teatro Municipal, Rio de Janeiro, para centenas de
pessoas que acompanhavam a transmissão do pico do corcovado, onde hoje está o Cristo Redentor. Em nove
décadas houve muitas transformações e no presente momento, Três Lagoas, cidade do interior de Mato Grosso
do Sul, vive o auge de parte dessas transformações. A principal delas, além da digitalização dos estúdios, é a
migração para o espaço on-line. Esse novo suporte faz com que as emissoras ultrapassem as barreiras limitadas
pela potência de suas antenas.
Três Lagoas -MS
Localizada na região Centro-Oeste do Brasil, a cidade integra o grupo de 11 outros municípios que formam o
chamado Bolsão Sul-mato-grossense, uma região subdividida informalmente no estado do Mato Grosso do Sul. Entre
eles, Três Lagoas é a maior em número de habitantes, território, comércio, indústria e principalmente economia.
Fundada em 1915, Três Lagoas tem hoje 97 anos de emancipação. Parte de seu crescimento e desen-
volvimento econômico se atribui as suas personalidades políticas de grande influência no Estado e no País. Da
cidade já foram projetados Deputados (Estadual e Federal), Ramez Tebet, Simone Tebet, Eduardo Rocha, Akira
Otsubo, Governador Ramez Tebet e o Senador Ramez Tebet. A atual vice-governadora do Estado, Simone Tebet,
também é filha de Três Lagoas.
Mas foi a industrialização o divisor de águas desse potencial econômico. Em 1998 a cidade ganhou
sua primeira indústria de grande porte, a fábrica de biscoitos Mabel. Depois a porta da industrialização foi se
abrindo para inúmeras outras. As mais recentes são as fábricas de celulose e papel, International Paper e Fíbria,
antiga VCP. Atualmente essas duas empresas que tiveram a pedra fundamental lançada em junho de 2016 estão
em processo de ampliação. No momento, também em construção em Três Lagoas outra indústria de celulose. A
Brasil Eldorado promete ser a maior fábrica do mundo nesse ramo, com previsão de ser inaugurada até dezem-
bro de 2012. A pedra fundamental foi lançada em julho de 2010.
Imprensa de Três Lagoas
Devido seu crescimento industrial e consequentemente populacional, Três Lagoas também viu aumentar o nú-
mero de veículos de comunicação nos últimos anos. Atualmente, são cinco periódicos impressos em circulação:
dois diários (Jornal do Povo e Hoje MS), um semanário (Acontece) e dois quinzenais (Correio de Três Lagoas e
Dia a Dia).
São sete emissoras de rádio, quatro na frequência FM comercial: Cidade, Três Lagoas, Band e Cultura, uma
comunitária Pantanal e duas AM: Disufora e Rádio Caçula.
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Sites de notícias são pelo menos cinco em atividade: jptl.com.br, hojems.com.br, minutoaminuto.com.br,
radiocacula.com.br e ainda perfilnews.com.br. Os dois primeiros sites são ligados aos veículos Jornal do Povo e
Hoje MS, respectivamente.
Emissoras de televisão existem três com equipes de jornalismo na cidade. Porém,apenas uma delas, TV Concórdia
– retransmissora da TV Cultura, tem programação local. As outras duas emissoras TV Morena e TV Campo Grande
conta apenas com escritório em Três Lagoas e o material produzido pelas equipes são enviados para a rede estadual.
Das sete emissoras instaladas na cidade, duas delas – as mais antigas, operam no sistema AM (Amplitude
Modulada) e as demais no sistema FM (Frequência Modulada). O que todas elas tem em comum é a simultânea
transmissão pela internet, podendo ser ouvidas de qualquer lugar do mundo. Além de concorrerem entre si, por
mais e mais ouvintes, nos dias de hoje ainda tem que competir com os modernos instrumentos de entretenimento,
tais como MP3,4,5,6,7 etc, Ipad, Ipod e outros.
Para segurar o ouvinte, seja pelo aparelho de rádio ou conectado na estação via on line, vale de tudo um
pouco. A disputa por ouvintes fica acirrada através de promoções que vão de sorteio de ingressos para shows a
prêmios de utensílios domésticos, como geladeira, televisão, DVD e jogo de sofá.
Num país como o nosso, o rádio é muito mais do que o veículo das massas, universal e cósmico. Aqui, o radiojornalismo transcende a sua função meramente informativa para as-sumir-se como cimento, amálgama. Vínculo basilar. Jornal, revista, TV ou Internet – nada se compara ao rádio. É o primeiro degrau de um processo por meio do qual o indivíduo torna-se plural, integra-se ao meio e começa a caminhada até converter-se em cidadão.
Alberto Dines (1997)
Gêneros Radiofônicos
André Barbosa Filho (2003) é um dos poucos autores sobre o Rádio que traz em sua obra uma ampla carac-
terização do que sejam os gêneros radiofônicos. Ao todo, são sete gêneros identificados pelo autor: Jornalístico,
Educativo-Cultural, Entretenimento, Publicitário, Propagandístico, Serviço e Especial. Nair Prata descreve com
fidelidade em seu artigo Charaudeau e o discurso radiofônico a nomenclatura de cada um dos gêneros radiofô-
nicos traçados por Barbosa Filho.
1- Gênero Jornalístico: nota, notícia, boletim, reportagem, entrevista, comentá-rio, editorial, crônica, radiojornal, documentário jornalístico, mesas-redondas ou debates, programa policial, programa esportivo, divulgação tecnocientífica.
2- Gênero Educativo-Cultural: programa instrucional, audiobiografia, documen-tário educativo-cultural, programa temático.
3- Gênero de Entretenimento: programa musical, programação musical, progra-ma ficcional, programete artístico, evento artístico, programa interativo de entretenimento.
4- Gênero Publicitário: spot, jingle, testemunhal, peça de programação.5- Gênero Propagandístico: peça radiofônica de ação pública, programas eleito-
rais, programa religioso.6- Gênero de Serviço: notas de utilidade pública, programete de serviço, progra-
ma de serviço.7- Gênero Especial: programa infantil, programa de variedades. (PRATA, Nair, 2005, p.238)
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Entre os sete gêneros radiofônicos traçados por André Barbosa Filho (2003), no livro Gêneros Radiofônicos-
os formatos e os programas em áudio, percebe-se a predominância do gênero de entretenimento nas emissoras
treslagoenses. Tal gênero é caracterizado pelo autor como programa musical, programação musical, programa
ficcional, programete artístico, evento artístico e programa interativo de entretenimento.
O gênero jornalístico (nota, notícia, boletim, reportagem, entrevista, comentário, editorial, crônica, radiojor-
nal, documentário jornalísticos, mesas-redondas, debates, programa policial, programa esportivo e divulgação
tecnociêntifica), é pouco explorado, com exceção da Rádio Caçula AM. A maior parte da grade das emissoras é
preenchida por programas musicais, são poucas que oferecem horário cativo para o radiojornalismo e algumas
não chegam a cumprir nem mesmo os 5% da programaçãon bguyth54 com jornalismo exigido pela Lei de 1962.
Só a cumprem quando inclui a transmissão do horário obrigatório A voz do Brasil, cuja duração tem uma hora.
A briga pela audiência se concentra na parte da manhã, e não por acaso todas as emissoras exploram o car-
ro chefe no período matutino. Esse é o caso da Rádio Cidade FM – que integra o grupo SRC (Sistema Regional
de Comunicação), de Nivaldo Franco Bueno da Rocha. O Bom Dia Alegria, com Marcelo Alencar, toma conta
da programação das 8 às 11 horas. Já a Rádio 3 Lagoas FM tem como carro chefe um programa de Rede, Re-
fazenda, com Alcides Bernal que vai ao ar das 5 horas até às 9 da manhã. A Rádio Cultura FM, a mais nova de
Três Lagoas, elege o programa Casa Sertaneja, com José Augusto, das 8 horas ao meio dia, como o principal
da grade. De todas, a que dedica menor espaço jornalístico é a Band FM com apenas dois flashes no período
da manhã e outros dois a tarde. O Band Bom Dia, das 8 h ao meio dia, é o carro-chefe.
A única emissora comunitária da cidade, a Pantanal FM, também prioriza o musical na grade de programa-
ção. A audiência é medida pelo número de participações no programa Rock Santos, de segunda a sexta, das
8h às 11 horas da manhã. Somente as emissoras AMs (Difusora e Caçula) exploram no período da manhã o
jornalismo como principal atração. Há 19 anos o programa Toninha Campos é o carro chefe na Caçula AM
que dedica quase todo espaço para ouvir os reclames da população e cobrar as reivindicações das autoridades.
[...] a preocupação com os gêneros jornalísticos integra-se portanto, nesse esforço de compreensão daquilo que Todorov, no plano literário chama de “propriedades discursivas”. O que constitui um ponto de partida seguro para descrever as peculiaridades da mensagem (forma/conteúdo/temática) e permitir avanços na análise das relações socioculturais (emis-sor/receptor) e político econômicas (instituição jornalística / estado / corporações mercantis/ movimentos sociais) que permeiam a totalidade do jornalismo. (Barbosa Filho 2003, p.70)
A seguir, um relato mais detalhado de cada emissora de Três Lagoas por ordem cronológica de implantação
no município.
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A nova onda do rádio em Três Lagoas 147
Rádio Difusora AM 1.250 Khz
Fundada em 1º de janeiro de 1957, a emissora pertencia a um grupo de pelo menos 22 acionistas, entre eles
José Lopes, o atual diretor/proprietário. Com o passar dos anos, Lopes – que foi o último prefeito nomeado de
Três Lagoas, foi adquirindo as partes dos sócios até tê-la por completo.
Além de ser a mais antiga da cidade, é também a mais conservadora. Operando pelo sistema AM (Amplitude
Modelada) a programação tem foco nas classes C, D e E. O momento de maior pico na emissora é das 10 horas
até as 13 horas. Nesse espaço de tempo tem uma hora do programa Francisco de Andrade, que inicia às 8 horas
da manhã e em seguida, às 11 horas entra no Ar o programa jornalístico A Tribuna Livre, com Adonildo Santos.
Depois da Rádio Caçula, a Difusora é a que dedica maior espaço na programação para o jornalismo. Dia-
riamente são 5 horas, incluindo A Voz do Brasil. Mas uma forte característica dessa emissora é o tempo destinado
às igrejas. Quase três horas todos os dias. A maior parte fica com igrejas evangélicas que tem 2 horas e 15
minutos em horários diversos no decorrer do dia, de segunda a sexta-feira. A igreja católica é contemplada com
40 minutos diários (vide programação).
Apesar de ser uma emissora conservadora, quanto ao público que atinge, bem como ao quadro de locutores
‘velhos’ de casa, a Difusora anda lado a lado com a modernidade e toda programação também migrou para a
internet onde é possível acompanhar on line pelo site www.difusora1250.com.br todos os horários dos progra-
mas veiculados, bem como notícias e interatividade.
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Rádio Caçula AM 1.480 Khz
A emissora Rádio Caçula AM de Três Lagoas, fundada em 14 de novembro de 1959 pelo empresário Romeu de
Campos, completou em 2012, 57 anos de história e tradição no município. A empresa foi criada pelo empresário aos
seus 32 anos de idade, na época em que atuava como radio telegrafista dos Correios e tenente no Exército Brasileiro.
Em 1970 a emissora ganha um novo sócio, Romeu de Campos Júnior, filho do proprietário. Na época, o
nome da rádio era A Voz da Caçula LTDA. Este nome se deve ao fato que naquela ocasião Três Lagoas era uma
das menores cidades do Mato Grosso, antes mesmo da divisão dos Estados. Em 1979 houve a divisão entre
Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
A empresa foi originalmente inaugurada em um prédio na Rua Paranaíba, em frente à atual agência do
Banco do Brasil, em um estabelecimento de propriedade do empresário Ale Mustafa, onde possuía oficina de
consertos de rádios.
Por não possuir condições financeiras, construiu artesanalmente o primeiro transmissor da emissora que foi
aprovado pelo então DENTEL e que funciona perfeitamente até os dias de hoje, e mantido pela emissora como
relíquia. O local original das instalações dos transmissores permanece inalterado até os dias atuais na Lagoa
Maior, onde posteriormente abrigou as instalações gerais da Rádio Caçula.
Na grade de programação da empresa, Romeu de Campos sempre promoveu programas de auditórios,
que tinha participação de seus ouvintes que assistiam e compartilhavam a recreação no auditório construído na
própria rádio, quando a mesma funcionava em um prédio da rua João Carrato.
Em 1993 a emissora passa por grandes transformações e reformulações no comando do casal Romeu de
Campos Júnior e Toninha Campos. A primeira inovação foi a informatização de todo sistema interno. Nesse
quesito, foi a pioneira do Estado.
Foi nesse ano também que a direção da empresa adquiriu a primeira unidade móvel, um Fiat Fiorino usado.
O falecido Wilson Alaman comandava as reportagens externas na área policial que eram de grande sucesso.
André Luiz Benites foi outro destaque nos comentários diários da cidade.
Com o crescimento da rádio, outros veículos foram comprados, como um Ford Fiesta 0 Km. Atualmente a
emissora possui duas motocicletas -moto link- e outros dois veículos Fiat Uno 0 Km. A empresa também investiu
em equipamentos de última geração ficando 100% digital.
A Rádio Caçula AM de Três Lagoas também ficou conhecida pelo seu site de notícias www.radiocacula.com.
br , que já é referência em várias cidades do País e um dos líderes em acesso em Mato Grosso do Sul. A emissora
emprega atualmente 29 funcionários.
Das 7 emissoras treslagoenses, é a que destina maior parte da programação para o noticiário jornalístico.
O programa carro chefe e de maior audiência é o de Toninha Campos que vai ao ar de segunda sexta-feira,
das 8h às 11 horas da manhã. A população participa diretamente com queixas e reclames dos serviços públi-
cos e tem o retorno imediato.
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A nova onda do rádio em Três Lagoas 149
É um mix de jornalismo e entretenimento. Com os outros programas jornalísticos somam-se 7 horas diárias
de informação precisa à comunidade.
Rádio Band FM 93,3 Mhz
Inaugurada em julho de 1987, na época com o nome de Concórdia FM, a Band é a emissora de Frequencia
Modulada mais antiga de Três Lagoas. Ela integra o grupo RCN de Comunicação, da qual também fazem parte
as emissoras Cultura FM (Aparecida do Taboado), Cultura FM (Paranaíba), Concórdia AM (Campo Grande), e
Cultura FM (Três Lagoas). O diretor proprietário, Rosário Congro Neto, possui ainda o Jornal do Povo, a emis-
sora local telivisiva TV Concórdia e Mídia Indoor.
Entre as emissoras de Três Lagoas é a que dedica o menor espaço para o jornalismo. Não fosse o horário
obrigatório da Voz do Brasil, conforme lei de 1962, dificilmente a Band FM cumpriria os 5% de jornalismo em
sua grade. Durante todo o dia são apenas 4 boletins informativos de 1 a 2 minutos cada, dois veiculados pela
manhã e os outros dois na parte da tarde. O restante da programação é com musicais.
Um outro diferencial da Concórdia FM que passou a ser Band desde outubro de 1985 é que por ser retrans-
missora de uma empresa nacional, boa parte da programação vem da rede. A programação local é das 8h às
12h e das 14 às 19 horas. No ar há 32 anos, a Band FM está presente em mais de 700 municípios do Brasil
pela Rede Band FM, atingindo cerca de 40 milhões de ouvintes. A rádio integra o Grupo Bandeirantes de Rádio,
o maior grupo de emissoras do país.
Com uma programação voltada ao público jovem, a Band FM apresenta os sucessos do pagode, samba, serta-
nejo universitário e também do pop nacional e internacional. A emissora é a rádio oficial dos principais eventos do
Brasil, como a Festa do Peão de Barretos e o Carnaval de Salvador, além dos melhores shows e e micaretas do país.
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A nova onda do rádio em Três Lagoas 150
A pesquisa realizada pelo Instituto Tendência, em 2010, revelou que a Rádio Band FM é a mais ouvida de
Três Lagoas. O levantamento foi realizado com base nas respostas de 952 pessoas entrevistadas, sendo que 31%
citaram que costumam ficar sintonizados na FM Band, que existe na Cidade há 20 anos.
Com relação somente a audiências das rádios que transmitem por ondas de Freqüência Modulada, a lide-
rança da FM Band é absoluta, com 45,1% da preferência dos ouvintes, o dobro da rádio que ficou em segundo
lugar (22,8%). A pesquisa revelou que a maioria dos seus ouvintes são mulheres (52,9%) e pertencentes à classe
econômica C (60%). Também na era da modernidade, a emissora tem a programação veiculada por meio do
site www.jptl.com.br pertencente ao grupo RCN.
Rádio Cidade FM 102,9 Mhz
A segunda emissora mais antiga da Frequencia Modulada (FM) de Três Lagoas, a Cidade FM foi homologada em
agosto de 1988. Ela é a 4ª emissora ligada ao Sistema Regional de Comunicação (SRC), um dos maiores grupos de
comunicação do Estado de São Paulo. O SRC conta com um conglomerado de 12 emissoras de rádios, a maioria
localizada na Alta Noroeste Paulista, um jornal diário O Liberal e mais um canal de TV Educativa, em Andradina.
O diretor proprietário Nivaldo Franco Bueno faz participações diárias nos programas jornalístico com
transmissão em rede para todas emissoras do SRC. Mas o jornalismo aqui tem um espaço de apenas meia hora
nas primeiras horas do dia e mais 10 minutos na hora do almoço. Das 8h às 21h a emissora veicula Boletins
Informativos de um minuto de hora em hora, totalizando 13 minutos.
Bom Dia Alegria é o programa carro-chefe, conduzido por Marcelo Alencar, no ar de segunda a sábado
das 8h às 11h. O público alvo tem faixa etária de 25 a 50 anos e está presente nas classes B e C. Para manter
a audiência e o público cativo, o locutor apela para as promoções que dão prêmios aos ouvintes. A premiação
vai de ingressos para shows, eletrônicos, celular e viagens.
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A nova onda do rádio em Três Lagoas 151
Com antena potente de 25 mil watts, não só Três Lagoas, mas várias cidades da região ficam sintonizadas na
emissora. Por estar geograficamente em área de divisa de Estados, o público atingido está nas duas margens do
rio Paraná que corta São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Em março de 2012 foi inaugurado oficialmente o novo estúdio 100% digital da rádio Cidade FM 102,9. A
tecnologia aplicada pelo grupo SRC torna a Cidade FM a primeira rádio HD do Mato Grosso do Sul. O evento,
realizado na sede da emissora, contou com a presença de diversas autoridades locais, como a prefeita de Três
Lagoas, Márcia Moura, do presidente da Câmara Municipal, Nuna Viana, do delegado geral de Polícia, Marcos
Carneiro Lima, do deputado estadual, Eduardo Rocha, entre outras personalidades.
O novo estúdio tem o que há de mais moderno. São dois monitores de LCD, além de uma tela de alta defini-
ção, por onde o locutor acompanha a programação que está sendo exibida. O local foi montado para receber
até dois convidados, que podem interagir com o locutor. Isso porque o novo estúdio 100% HD tem dois moder-
nos microfones. Para ouvir a programação via on line basta acessar o endereço eletrônico http://www.lr1.com.
br/ onde há link para ouvir não só essa, mas todas as outras emissores do grupo SRC.
Rádio Pantanal FM 97,9 Mhz (Comunitária)
Sob o nome fantasia Pantanal, a Associação Comunitária de Três Lagoas iniciou suas atividades radiofônicas
no município em janeiro de 2002. As rádios comunitárias frequentemente enfrentam dificuldades, como a falta
de recursos, de funcionários, e estrutura precária. A Pantanal FM, que é uma emissora comunitária, não foge
a está regra. Instalada no centro de Três Lagoas, há dez anos, possui um período de transmissão relativamente
curto se comparado às rádios comerciais, devido a ausência de locutores. A programação ocorre apenas das
6h às 19h.
Os noticiários estão divididos ao longo do programa e a maioria mantém caráter de utilidade pública, isto é,
busca de soluções para problemas da comunidade. Tal serviço é pouco explorado nas rádios que são conheci-
das pelo público em geral. Outro fator diferenciado da Pantanal FM é a ausência de anúncios comerciais, como
prevê a legislação da rádio comunitária no Brasil.
A rádio é uma boa opção para aqueles que gostam do estilo sertanejo, uma forte característica da região,
pois estão presentes durante quase toda a programação, a tarde e à noite.
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A nova onda do rádio em Três Lagoas 152
Por ser uma rádio comunitária há uma limitação de alcance das ondas sonoras. Para solucionar este pro-
blema foi criada a versão online da Pantanal FM, que é transmitida para todo o Brasil: www.pantanalfm.com.br
Em 2010, a antena de transmissão da rádio Comunitária Pantanal FM caiu em cima da fiação elétrica. O
acidente aconteceu no centro da Cidade, na rua Monir Thomé, esquina com a rua Oscar Guimarães, onde fun-
cionava a estação de rádio. Dois carros foram atingidos por pedaços da torre e tiveram parte da lataria e vidros
danificados, ninguém ficou ferido. O quarteirão onde estava instalada a antena ficou sem energia elétrica por
algumas horas.
Rádio Três Lagoas FM 101,7 Mhz
Três Lagoas FM de Três lagoas faz parte da Rede MS Integração de Rádio e Televisão, criada em 2005
pelo empresário Ivan Paes Barbosa para integrar Mato Grosso do Sul através de um sistema de comunicação
que abrangesse o maior número possível de municípios do estado.
A primeira emissora da rede foi a Rádio Cidade FM 97.9, de Campo Grande, que é hoje uma das campeãs
de audiência na capital. Em fevereiro de 1987 foi inaugurada a TV MS, retransmissora da Rede Manchete, res-
ponsável por um dos programas que mais ajudou a divulgar o nome de Mato Grosso do Sul no restante do país,
a novela Pantanal, no início dos anos 90. Com a extinção da Rede Manchete, a TV MS passou a retransmitir, em
1994, a programação da Record.
Em 2003, mais um passo no rumo da expansão. A antiga Rádio Transamérica FM, de Dourados, passa a
fazer parte da Rede MS, com o nome de Rádio Cidade FM 101.9. São feitos novos investimentos e o sinal da
emissora chega com clareza e qualidade aos municípios da Grande Dourados e até a fronteira com o Paraguai.
Mas a Rede MS quer mais e em junho de 2005 inaugurou a FM Três Lagoas para atender à população do
município que está se transformando no maior pólo industrial do estado. A Bonito FM, entrou no ar em junho
de 2007, É A primeira emissora de rádio comercial da cidade de Bonito, um dos principais destinos do turismo
ecológico no Brasil.
Hoje a as emissoras de rádio da Rede MS oferecem uma programação variada aos moradores de vários
municípios, onde vive, praticamente, metade da população do estado. O sinal da televisão está presente em
23 municípios. Tudo isso para cumprir sua missão de integrar o estado através da informação, da prestação de
serviço e do entretenimento de boa qualidade.
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A nova onda do rádio em Três Lagoas 153
A programação da emissora reserva apenas duas horas de jornalismo diário. Uma hora com o Noticidade
(Rede e local) e mais uma hora da Voz d Brasil. Porém, o programa de maior audiência é o Refazenda, apresen-
tado por Alcides Bernal, das 5h às 9 h da manhã, programa de Rede. A mistura de música sertaneja com boletins
de utilidade pública coloca a programação como carro-chefe, mesmo sendo transmitido da capital.
Rádio Cultura FM 106,5 Mhz
Essa é de fato a emissora ‘caçula’ de Três Lagoas, a mais recente implantada na cidade. A Cultura FM entrou
no Ar no dia 09 de maio de 2007 pela freqüência: 106,5. A exemplo da Band FM, a Cultura também integra
o grupo RCN de Comunicação. A grade de programação dedica somente 1h20 de jornalismo com produção
local e mais uma hora da Voz do Brasil. O carro chefe da emissora é o Casa Sertaneja, apresentado no período
matutino, das 8h ao Meio dia.
Separando o público por faixa de idade, a pesquisa Tendência constatou que a FM Cultura, existente há ape-
nas quatro anos, é a rádio que vem fazendo a “cabeça” do público jovem treslagoense. A maioria dos ouvintes
com idade até 35 anos (80,4%¨) afirmara que preferem a programação da Cultura.
A pesquisa também revela que a FM Cultura é preferida das pessoas consideradas das classes econômicas A
e B (42,3%). Esta segmentação do público demonstra que a rádio vem conseguindo alcançar seu objetivo, que
é oferecer ao público ouvinte uma programação cultural diversificada e atualizada, focada em oferecer entrete-
nimento e informação de alta qualidade. A participação do ouvinte nos programas diários é a peça chave para
garantir a interação entre o público e a FM Cultura.
Levar informação, educação, entretenimento, cultura, promover mobilização social e garantir a participação
da comunidade, são as bandeiras da FM Cultura que se propõe a continuar norteando sua trajetória, acompa-
nhando o progresso e desenvolvimento de Três Lagoas. Pelo site www.cultura106fm.com.br é possível acompa-
nha a programação on line, a mesma veiculada pelas ondas do rádio.
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Considerações
Percebe-se que a química entre o emissor (rádio) e o receptor (ouvinte) ainda é muito forte, mesmo em perí-
odo de avanço tecnológico e concorrência de muitas outras mídias. O rádio precisou inovar em algumas áreas
para não perder público, precisou migrar para a internet para não ficar restrita ao limite de alcance de sua ante-
na. Mas esse veículo que poderia ser importante ferramenta de comunicação e informação, se destaca mais pelo
entretenimento de suas músicas e interação entre locutor e ouvinte.
O radiojornalismo não é o carro chefe das emissoras e pelo visto a tendência é que os profissionais da área
de comunicação vão dispor de uma opção a menos para prática de suas atividades. A função que antes era
executada por um jornalista hoje é substituída pelo próprio locutor musical que apenas retransmite informações
lidas de jornais impressos ou até mesmo de páginas da internet.
Sem apuração dos fatos e refém de fontes terciárias, o risco de acompanhar os erros produzidos por jornais
aumenta gradativamente. Talvez a polêmica da não necessidade do diploma para exercer a função de jornalista
contribui ainda mais com a banalização da notícia. Os locutores que meramente retransmitem o que lêem não
demonstram compromisso algum com a verdade. Não é apenas o veículo o prejudicado, mas toda sociedade
que muitas vezes depende dele para se informar dos acontecimentos do seu bairro, cidade ou região.
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Referências Bibliográficas
BARBOSA FILHO, André, Gêneros Radiofônicos. São Paulo: Paulinas, 2003
BENJAMIM, Roberto, Globalização e Regionalização das Comunicações/ org. Cesar Bolaño. – São Paulo:
EDUC, 1999
PRATA, Nair, et al. Charaudeau e o discurso radiofônico. Teorias do Rádio – Textos e contextos, São Paulo, v.1,
p. 231-247, set.2005.
Sites consultados
http://www.treslagoasfm.com.br/a-radio
www.difusora1250.com.br
www.radiocacula.com.br
www.jptl.com.br/band
http://www.lr1.com.br/
www.pantanalfm.com.br
www.cultura106fm.com.br
ISSN: 2316-3992
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O DEBATE SOBRE O “MILAGRE ECONÔMICO” BRASILEI-RO NO JORNAL FOLHA DE DOURADOS – 1970-1973 1
Palavras-chave: jornalismo, ciência, religião, Cuiabá, história, divulgação científica
Resumo
O “milagre econômico” consistiu em um período de alta da economia brasileira, entre 1970 e 1973, que
proporcionou ao país o desenvolvimento do setor industrial, ampliação de sua infraestrutura e a modernização
no campo, bem como na agricultura e pecuária. Temos como objeto de pesquisa analisar os efeitos desse perí-
odo no município de Dourados, ainda no antigo sul de Mato Grosso, por meio da mídia impressa, especifica-
mente pelo jornal Folha de Dourados.
Juliana dos Santos PEREIRA 2
João Carlos de SOUZA 3
Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS
1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigram/ Dourados/ MS.
2 Mestranda do 4º semestre do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados. Bolsista CAPES.
E-mail: [email protected] Orientador do trabalho. Professor Doutor da graduação e pós-graduação de História da FCH- UFGD.E-mail: jsouza@ufgd. edu.br.
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Introdução
A realização deste trabalho tem por finalidade entender o poder que a imprensa possui, através de como
representa fatos, formando e transformando opiniões. Esta pesquisa trata especificamente da imprensa da cidade
de Dourados, no sul do antigo Mato Grosso. Trataremos o período do “milagre econômico”, que ocorreu no
Regime Militar. A fonte principal de pesquisa será o jornal Folha de Dourados.
O período compreendido entre 1970 a 1973 será o recorte temporal que nos basearemos. Nesses anos, a
economia brasileira vivenciou um aumento considerável devido grandes incentivos do governo. Inúmeros eram
os planos e projetos lançados, afim de que a economia alcançasse índices elevados. Neste momento, o governo
permitiu também que o mercado externo instalasse no país suas empresas. Devido a isso, ocorreu de fato um
crescimento, mas a renda obtida ficou nas mãos apenas de pequena parte da população brasileira.
Neste contexto, quem governava o país era o presidente Emílio Garrastazu Médici. No momento em que o
país vivia os anos do “milagre econômico”, vivia também os anos mais severos da Ditadura Militar, no que tange
a censura. Para que o foco não ficasse voltado para as atrocidades da repressão, propagandeavam intensa-
mente a alta da economia. Era preciso que a população ficasse informada de que o país estava vivendo anos
de economia elevada, e que logo se tornaria um “país desenvolvido”, e a imprensa se configurou com uma das
alternativas mais eficazes.
Em muitos casos os fatos noticiados pela imprensa nem sempre são isentos de opiniões formadas por deter-
minados grupos, e não raro os leitores acabam sendo influenciados a pensar da mesma forma como os autores
das notícias. Evidentemente que não podemos generalizar tal afirmação, uma vez que a imparcialidade é impres-
cindível para o jornalista. No período do “milagre econômico” tal influência ocorreu de forma intensa. Muitos
proprietários de jornais apoiaram o Golpe de Estado, ocorrido em 31 de março de 1964. Em suas pesquisas,
Alzira Alves de Abreu demonstrou que muitos grupos ligados a União Democrática Nacional (UDN) conspiraram
com os militares para efetuar o golpe. Como exemplo, podemos citar “a família Mesquita, proprietária do jornal
O Estado de São Paulo, assim como Roberto Marinho, dono de O Globo. ”(2002, p.13).
Na região de Dourados, a situação não era inversa. Os jornais da cidade publicaram inúmeras notícias so-
bre o crescimento econômico do município, da região e do Estado. Diferente dos grandes centros, a economia
da região de Dourados era baseada na agricultura e pecuária, recebendo assim muitos incentivos do Governo,
como acesso aos créditos e programas de desenvolvimento destinados à região. A expressão “milagre econômi-
co” não foi encontrada em nenhum dos exemplares analisados do jornal Folha de Dourados. Todavia, a partir
das análises, constatamos que a região de Dourados sentiu a “alta” da economia, podendo isso ser evidenciado
nas mais diversas páginas deste periódico.
PEREIRA, Juliana dos Santos 158
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Utilizamos como fonte de pesquisa para realização deste trabalho, as edições do jornal Folha de Dourados, es-
pecificamente as que correspondem aos anos de 1970 a 1973. As edições de 1968 a 2008 do referido jornal pode
ser encontradas no Centro de Documentação Regional da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
Seria possível usar a imprensa como documento histórico? Há algumas décadas os historiadores vêm se
utilizando da imprensa como fonte histórica, sendo trabalhada como fonte principal ou auxiliar nas pesquisas.
Todavia, quando analisamos o contexto anterior à década de 1970, percebemos que os jornais, por exemplo,
recebiam certo desprezo como fonte histórica. Eram questionados pela sua suposta falta de objetividade, por
fornecerem imagens parciais e distorcidas da realidade (LUCA, 2005 p.112).
Não obstante, muitos historiadores utilizam tais periódicos como fonte para edificação de seus trabalhos,
afim de adquirirem dados de fins econômicos, demográficos, ou para verificar aspectos sociais ou políticos de
uma época determinada. Temos como exemplo o autor “Gilberto Freyre, que por meio dos anúncios de jornais
estudou diferentes aspectos da sociedade brasileira do século XIX” (LUCA, 2005, p. 117).
Tudo que é exposto nas páginas dos periódicos servem como fonte para pesquisas. Questões relacionadas ao
meio social, policial, esportes, entretenimento, entre outros. São assuntos que em um primeiro momento servem
apenas para informar, e que para os historiadores são objetos de pesquisa. Somando-se com as mais variadas
fontes existentes, como depoimentos orais, fontes judiciais, arquivos policiais, dentre outros, os jornais podem, por
exemplo, proporcionar um importante estudo sobre a classe operária da República Velha (LUCA, 2005, p.120).
No nosso caso, nos proporcionou um estudo sobre a economia douradense nos anos do “milagre econômico”.
Não somente a linguagem verbal dos jornais pode servir de fonte para estudo, mas também a não-verbal,
como as imagens contidas em seu interior, servindo para discutir os quadros de representação social, os códigos
de comportamento da sociedade e mais uma infinidade de aspectos. Ainda na perspectiva de Luca, a partir de
pesquisas realizadas sobre as revistas Careta e Cruzeiro, a historiadora Ana Maria Mauad, por exemplo, “valeu-
se da perspectiva histórico-semiótica da mensagem fotográfica para discutir os quadros de representação social
e os códigos de comportamento da classe dominante carioca na primeira metade do século XX” (2005, p.123).
Ou seja, os jornais nos proporcionam uma imensidão de possibilidades em trabalhar-lho como uma fonte his-
tórica.
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A Imprensa no Brasil – segunda metade do século XX
Por volta de 1950, o monopólio da informação no Brasil era tido pelo o rádio e pela imprensa escrita. Na medida
em que se iniciava, a imprensa não possuía recursos e dependia financeiramente do Estado, de pequenos anúncios
populares e de publicidades das lojas comerciais. Com o passar do tempo, já no final da década de 1950, a imprensa
foi se modernizando e algumas mudanças foram ocorrendo. Os noticiários se ampliaram, a grafia foi se aperfeiçoan-
do, e os jornais adotaram a fotografia na primeira página, (Abreu, 2002, p.11). Diferentemente de como começou,
o final da década de 1950 foi um período muito importante para imprensa, devido às diversas modificações que a
mesma sofreu. Neste contexto, a imprensa passou por aprimorações lentas e gradativas.
Na década de 1960, começaram alterações nas adaptações nos textos, na grafia, e no cuidado com
as notícias, devido à censura do Regime Militar. Nesta época, a imprensa de forma geral, passou a dar desta-
que maior aos noticiários sobre economia, deixando um pouco de lado os temas relacionados a política, que
eram minuciosamente vigiados pelos censores , para que nenhuma crítica ao governo fosse publicada. Nesta
perspectiva, de acordo com Abreu, “os temas políticos passaram a ser cuidadosamente censurados, enquanto a
imprensa, com uma série de estratégias e artifícios, tentava denunciar a ação da censura” (2002, p.15).
Ainda conforme a autora, devido a repressão muitos jornais foram fechados pelo fato de não apoiar o
Regime (2002, p.18). Entretanto, essa não foi a única causa do número elevado de desaparecimento de jornais
e revistas na época, uma vez que muitos deles não conseguiam se sustentar, devido o preço do papel que estava
muito elevado, conseqüência da crise que começava se alastrar no mundo no início da década de 1970.
É importante ressaltar que a intensidade da censura não foi igual durante o período ditatorial. Ela se tor-
nou mais rigorosa especialmente com a promulgação do Ato Institucional nº5 , em 13 de dezembro de 1968.
Neste período, alguns jornais foram invadidos e fechados. Contudo, diante do contexto repressivo, grande nú-
mero dos jornais se utilizava de artifícios para mostrar que estavam sendo impedidos de exercer sua liberdade
de expressão. Assim sendo, “[...] nos espaços das matérias que haviam sido proibidas, alguns jornais e revistas
publicavam receitas culinárias absurdas ou poemas” (ABREU, 2002, p.15).
Torna-se indispensável mencionar a existência de jornais que faziam críticas ao governo militar brasilei-
ro. O jornal carioca Última Hora, foi um dos únicos que assumiu posição crítica frente às autoridades militares,
demonstrando abertamente a favor de João Goulart, que “apoiou as chamadas reformas de base e as reivindi-
cações dos sindicatos e dos movimentos de esquerda” (ABREU, 2002, p. 14). Lembrando que os militares derru-
4 Pessoas encarregadas pelo Governo para examinar publicações, peças teatrais, obras literárias entre outros meios de co-
municação.5 O Ato Institucional nº5, ou AI 5, foi o quinto decreto emitido pelo regime militar nos anos seguintes ao Golpe de 1964.
Ele se sobrepunha à Constituição Federal, às constituições estaduais, dava poderes extraordinários ao Presidente da República e
suspendia várias garantias constitucionais.
PEREIRA, Juliana dos Santos 160
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baram João Goulart para instaurarem a ditadura.
O jornalismo econômico nasce na época em que a economia brasileira alcançava índices elevados, ou
seja, no momento do “milagre econômico”. Surgem jornalistas especializados no assunto econômico, fato que
não existia antes. As notícias passaram a ser acompanhadas de análises, diferente das antigas que eram notícias
essencialmente financeiras ou comerciais, somente apresentando números, voltadas apenas para informações
práticas.
No governo do presidente Ernesto Geisel, período em que a censura foi mais amena contra a imprensa,
os jornais e revistas, bem como toda a imprensa passaram a agir com mais desenvoltura em defesa do retorno
da democracia. A partir da segunda metade da década de 1970, a censura passou a agir com menos rigor.
Os telefonemas e avisos repressores às emissoras de rádio e TV passaram a diminuir. Nessa época, surgiam as
notícias de que a crise se alastrava no Brasil e no mundo, particularmente a crise do petróleo, iniciada por volta
de 1973. Na compreensão de Abreu, notícias sobre desemprego, fome, má distribuição de renda e críticas ao
governo aos poucos se tornam freqüentes (2002, p.26).
No que tange a televisão, podemos dizer que no início da década de 1950, o seu desenvolver-se estava
em fase incipiente. Ainda de acordo com a autora, foi somente após os anos de 1970 que a mesma passa a se
tornar um meio de comunicação “em massa” (ABREU, 2002, p.16). A primeira emissora do país foi a TV Tupi
de São Paulo. Com o passar dos anos foi criada a TV Rio, e mais tarde outras emissoras, como a TV Globo no
ano de 1965.
A partir de análises e reflexões sobre a imprensa, é possível dizer que ela além de informar, também serve
como um veículo de comunicação que muitas vezes induz e forma opiniões. Nem sempre as notícias são impar-
ciais e neutras diante dos acontecimentos. Destacando os jornais, é possível notar a sua influência no meio so-
cial, ficando evidente nas notícias em que expressam opiniões claras, ou ao inserir imagens que causam impacto,
formando e transformando opiniões de leitores.
Para elucidar o que está sendo discutido, convém citar um artigo do jornal Folha de Dourados em que ocor-
reu esse tipo de ação. No artigo, intitulado de Fragelli, futuro governador do Estado, o jornalista expõe toda a
satisfação daquela empresa jornalística quando o governador do estado de Mato Grosso, indicado pelo então
Presidente da República, toma posse: “Nós não telegrafamos, porque sempre estivemos e estaremos ao lado de
Fragelli, e outros antigos companheiros de lutas, que permanecem de sentinela pela defesa da Pátria e direitos
humanos, e liberdade democrática” . Percebemos que, ao se posicionar a favor da figura do governador, desta-
6 Meios de comunicação de massa são os meios ou canais de comunicação usados na transmissão de men-sagens a um grande número de receptores. Os mais comuns são os jornais, as revistas, o rádio, a televisão e, o mais recente, a Internet.
7 Fragelli, futuro governador do Estado. Folha de Dourados, Dourados, p. 01, nº. 114, ano III, 20 de junho de 1970.
PEREIRA, Juliana dos Santos 161
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cando os direitos humanos e a liberdade, induz, mesmo que indiretamente, o leitor a criar uma imagem positiva
do governador. Não queremos afirmar o contrário do que diz a reportagem, mas apontar que as palavras do
artigo induzem indiretamente o leitor a criar uma imagem positiva, baseando-se no que foi lido por ele. Quando
é utilizada essas palavras: “que permanecem de sentinela pela defesa da Pátria”, procura também convencer a
sociedade de que Fragelli seria um ótimo governador, assim como os anteriores. Era interessante fazer com que
a população admirasse o novo governante, uma vez que o mesmo fora indicado pelo presidente da República.
O debate do “milagre econômico” na Imprensa douradense
Sob censura, a maior parte da imprensa durante a Ditadura Militar era controlada e se limitava em suas
reportagens. Conforme mencionamos anteriormente, as críticas ao governo não poderiam ser feitas. Muito pelo
contrário, o que realmente havia eram notícias exaltando-o. Havia um censor em quase todas as redações para
supervisionar as reportagens, ou existia a autocensura até por parte dos próprios redatores.
Em análises, percebemos nas edições do jornal Folha de Dourados, que muitas notícias eram publicadas
enaltecendo o grande acontecimento que foi a “Revolução de 64”. A edição de 13 de março de 1971 publicou
uma notícia que tinha por nome Ministro do Exército orienta comemorações de 31 de março, que ofereceu um
explícito exemplo sobre isso:
[...] a revolução democrática de 31 de março de 1964 constitui acontecimento do mais alto significado cívico – patriótico para os destinos da nacionalidade brasileira, as comemo-rações no corrente ano [...] se constituirão em jornada de trabalho no qual todos os escalões
do governo e em todos os setores participem de atividades em comunidade.
Verificamos no artigo, que representava a fala do ministro do Exército Orlando Geisel, que o engrandecimen-
to feito ao Governo era intenso, especialmente quando se fala que a Revolução constituiu um acontecimento
do mais alto significado cívico-patriótico. Neste caso, muitas pessoas, principalmente os menos instruídos, aca-
bavam sendo influenciados a pensar que a comemoração de 31 de março era um compromisso que tinham
obrigatoriamente que participar. Entendia-se também seria comemorada uma revolução protagonizada pelos
militares anos antes, mas sem entender claramente as causas dessa “revolução”. Ou seja, era um compromisso
que a população devia cumprir em honra a 31 de março de 1964, que foi de fato o Golpe que acabava mais
uma vez com o curto período democrático.
No contexto nacional, a imprensa através de manchetes e notícias utilizava linguagens cifradas para
transmitir informações proibidas. E muitas vezes a população entendia o que estava sendo transmitido, não o que
8 Ministro do Exército orienta comemorações de 31 de março. Folha de Dourados, Dourados, p. 03, nº. 148, ano IV, 13 de
março de 1971
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se passava de fato na realidade. Sobre isso, cabe lembrar o texto de John B.Thompson no qual diz que “devemos
abandonar a idéia de que os destinatários dos produtos da mídia são espectadores passivos cujos sentidos foram
permanentemente embotados pela continua recepção de mensagens similares” (1998, p.31).
Muitas eram as reportagens nos jornais e revistas sobre o crescimento da economia brasileira. Um exem-
plo pode ser observado em um artigo da Revista O Cruzeiro, de 24 de outubro de 1973. O artigo evidencia a
confiança do presidente do Banco Nacional da Habitação (BNH) sobre o PIB brasileiro:
Rubens Costa, entendido como é, não esconde sua convicção: o nosso Produto Interno Bruto se elevará a 200 bilhões de dólares em 1990 e a 400 bilhões no ano de 2000. O cálculo do Presidente do BNH é feito na base do crescimento auto-sustentado que o Brasil atingirá no final da década e levando em conta a expansão econômica de 7 % ao ano.
Esse “milagre” na economia brasileira só tornou-se possível porque o empobrecimento do povo não sig-
nificou uma estagnação. Havia renda, mas esta era mal distribuída, sendo muito nas mãos de poucos e pouco
nas mãos de muitos. A concentração de renda cresceu, e houve também um achatamento salarial, considerado o
maior na história do país, apresentando dessa forma um índice elevado de “desenvolvimento”. Mesmo gerando
desigualdades, esse surto da economia foi capaz de beneficiar muitos setores de negócios, com facilidades de
crédito, em que muitos puderam adquirir casas próprias e o primeiro automóvel.
Nos grandes centros falava-se no crescimento das indústrias, da casa própria, automóveis, acesso fácil a cré-
ditos, e no próprio termo “milagre econômico”. Diferente, entretanto, do interior do país, em que o crescimento
foi no ramo da agropecuária e da infra-estrutura das cidades. Nos artigos analisados, não percebemos a utiliza-
ção do termo “milagre econômico”, somente reportagens sobre o crescimento alto da economia.
A cidade de Dourados na década de 1970 era considerada uma importante produtora agrícola para a
região do estado de Mato Grosso. Isso fica evidenciado nas palavras de Lori Alice Gressler e Kiyoshi Rachi:
Em 1970, Dourados ocupava o 2º lugar no Estado, em produção extrativa vegetal e o
6º lugar em pecuária e agricultura. No ano seguinte, ou seja, em 1971, estava colocado em 5º lugar na arrecadação estadual e em 1º lugar entre os municípios da micro-região a que
pertence. (GRESSLER e RACHI, 1976, p. 20).
A população de Dourados era composta de migrantes provenientes dos estados do Nordeste, de São Paulo,
de Minas Gerais, e uma parcela considerável do Rio Grande do Sul. Essa população veio para região trabalhar na
agricultura. Conforme Gressler e Rachi “de 1960 a 1970 a população da região praticamente triplicou, com certos
extremos, de municípios nascentes, cuja população aumentou 18 vezes no mesmo período” (1976, p.29).
Constata-se que Dourados no período do “milagre econômico” já era considerado um importante pro-
dutor agrícola para a região, e com os incentivos do governo a tendência só foi melhorar. Além da agricultura,
outro setor que se caracterizava como base da economia era a pecuária.
9 Revista O Cruzeiro, 24 de outubro de 1973, n°. 43, p. 43, Rio de Janeiro.
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Analisando os artigos publicados no jornal Folha de Dourados, percebemos a presença de inúmeros noticiá-
rios sobre a economia regional, subentendendo-se que de fato a região caminhava juntamente com a nação nos anos
do “milagre econômico”. Analisemos uma reportagem intitulada Mato Grosso exportou mais de um bilhão em 72:
65% das exportações matogrossenses no ano de 1972 foram do setor da pecuária. Na pauta de exportações, em primeiro lugar fica a pecuária, em segundo a agricultura e ressal-
tando também a exportação de madeira bruta e industrializada.
Percebemos, com a citação acima, que as exportações estavam com índices elevados, principalmente rela-
cionados à pecuária. No setor da agricultura, temos como exemplo a exportação de soja e do mate. Conforme
dados da época, o estado de Mato Grosso era considerado o maior produtor agrícola do Brasil, destacando a
sua antiga região sul, na qual faz parte o município de Dourados.
Enquanto nos grandes centros o “milagre econômico” era percebido pelos incentivos de grandes constru-
ções, como a ponte Rio – Niterói, ou a construção da estrada Transamazômica, e também no setor industrial,
no interior do país, especificamente no extremo sul do antigo Mato Grosso, o setor primário, caracterizado pela
agricultura que recebia investimentos. No dia 05 de fevereiro de 1972, foi publicada uma notícia sobre emprés-
timos que o Governo faria aos agricultores. Na notícia Mais de 20 tipos de empréstimos à lavoura, é destacado
que os empréstimos eram feitos de acordo com as necessidades de cada um, e que havia mais de 20 tipos de
empréstimos, a fim de garantir o crescimento da produção agrícola .
Os setores de infraestrutura também foram amplamente incentivados pelo governo. Com o apoio do gover-
nador José Fragelli, muitas rodovias foram construídas, no intuito de interligar municípios da região de Dourados
e as zonas de produção agrícola. Muitas eram as notícias sobre essa questão, por exemplo, Mato Grosso: O
maior produtor Agrícola do Brasil, da edição de 27 de abril de 1972, no qual diz que “o governo de José Fragelli
investe em construção de rodovias, em uma média de 4,5 quilômetros diários ” . A construção de rodovias era
indispensável no que diz respeito ao desenvolvimento da agropecuária, uma vez que se torna necessário a esco-
ação das mercadorias para os mercados consumidores.
Essas obras eram feitas pelo governo do estado com apoio do Governo Federal, e as notícias publicadas
procuravam mostrar à população as grandes obras públicas da época. Entre os anos de 1964 a 1972, a pa-
vimentação da rede rodoviária federal brasileira foi quase triplicada, com construção de 20.401 km de vias de
interesse nacional, conforme observamos em um artigo do jornal Folha de Dourados, intitulado de Em oito anos
o Brasil construiu 20.401 km de rodovias, do dia 07 de outubro de 1972 . Era importante que a população
tivesse conhecimento das obras realizadas pelos governos, e neste caso a imprensa era o veículo utilizado. Os
jornais, neste caso específico, levava a informação à população sem escolher classe social, grau de instrução ou
10 Mato Grosso exportou mais de um bilhão em 72. Folha de Dourados, p.05, nº. 337, ano VI, 20 de fevereiro de 1973.
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distância, ou seja, assim como o rádio era um veículo de grande alcance, diferente da televisão que ainda estava
em processo de popularização.
Em contraste com o meio rural, nos grandes centros urbanos a capacidade da produção da indústria aumen-
tava com o passar dos tempos, sobretudo pelo fato do Governo apoiar o investimento de capitais estrangeiros
no país. Na obra de Chiavenato, constatamos que os militares privilegiaram as empresas estrangeiras para que
buscassem investir no país:
O governo militar preferiu associa-se ao capital estrangeiro, favorecendo políticas que estrangularam a indústria nacional. Indústrias obsoletas no exterior ou que já haviam exau-rido o mercado de seus países foram transferidas para o Brasil, (...) em resumo, a política econômica do governo militar privilegiou as multinacionais: baixos salários, liberdade para remessa de lucros e incentivos fiscais (CHIAVENATO, 1994, P.89).
Uma evidência disso são as reportagens que expressam o progresso das empresas estrangeiras no país.
Tomemos como exemplo um artigo publicado no dia 30 de setembro de 1972, cujo nome era O papel da
Volkswagen na comunidade brasileira. Analisemos:
A grande aceitação dos veículos da VW resultou num interrupto aumento de produção e com isso o número de colaboradores multiplicou-se algumas dezenas de vezes. (...) Desta maneira, enquanto o salário mínimo da região (Grande São Paulo) é de Cr$ 268, 80, o mí-
nimo da empresa é de Cr$ 439, 20, ou seja, 63% superior ao regional.
O “milagre econômico” ao mesmo tempo que beneficiou o país devido ao grande desenvolvimento da eco-
nomia nos três setores, foi também um “acontecimento” de grandes contradições. Para que a economia crescesse
foi preciso, por parte do governo congelar salários dos trabalhadores, e a renda que ia se acumulando também se
concentrava nas mãos de poucos. Nestes anos, a maior parte dos brasileiros vivia em situação de extrema pobreza.
Ao mesmo tempo que o governo utilizava as mídias para exaltar o crescimento econômico, ele tentava
mascarar a realidade por meio de propagandas. Ou seja, nada mais conveniente para o Governo do que usar
a imprensa para esconder a realidade em que o país se encontrava. Como já foi salientado, muitas vezes a im-
prensa é capaz de persuadir através de palavras e imagens, caso não sejam examinadas com cuidado. No jornal
analisado, do dia 24 de outubro de 1972, é possível notar como a política de desenvolvimento dos militares era
enaltecida pelos políticos, como é o caso do senador arenista paulista Orlando Zancaner. Abaixo se encontra
a fala do senador, que é passível de muitas análises e interpretações:
11 Mais de 20 tipos de empréstimos à lavoura. Folha de Dourados, p.02, nº. 195, ano V, 05 de fevereiro de 1972.12 Mato Grosso: O maior produtor Agrícola do Brasil, Folha de Dourados, p.02, nº.221, ano V, 27 de abril de 1972.
13 Em oito anos o Brasil construiu 20.401 km de rodovias Folha de Dourados, p.01, n°.290, ano V, 07 de outubro de 1972.
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“O governo já ergueu pilares de desenvolvimento nacional, assegurando um lugar res-peitável para o Brasil no conjunto das grandes nações, (...) e que é inegável o crescimento do mercado de capitais no Brasil cuja rápida evolução tem merecido inequívoco reconhecimento internacional, notadamente por aqueles que se interessam vivamente pela nossa economia e pelas causas geradoras do desenvolvimento do país”.
Conforme percebemos, a mídia foi de fundamental importância para que os militares pudessem tornar públi-
cas idéias de que o país estava vivendo períodos de grande crescimento econômico, fossem através de jornais,
de rádio ou da televisão.
Martelavam-se os slogans otimistas, animando, encorajando, em mensagens positivas e ufanistas: Pra frente, Brasil; Ninguém mais segura este país; Brasil, terra de oportunidades; Brasil, potência emergente (REIS, 2002, p. 56).
Houve de fato um crescimento significativo na economia brasileira no início da década de 1970. Con-
tudo, a imprensa não mostrava o que havia por trás de todo crescimento, sendo a miséria um problema grave
que assolava o país. Não é correto evidentemente afirmar que a imprensa por um todo agia desta forma. Havia
meios de comunicação alternativos, como jornais e panfletos que denunciavam as atrocidades do Regime. Desta
forma, podemos entender que existiam lacunas na imprensa da época, não negando é claro os conclaves polí-
ticos entre imprensa e Regime.
Conforme já foi dito, a maioria dos brasileiros não foram beneficiados pelo “milagre econômico” devido
à grande concentração de renda que decorreu dessa política. Desta forma, o governo criava mecanismos para
ludibriar a população, para que essa não percebesse e questionasse a realidade da época. Uma das formas para
que isso se tornasse possível, eram as notícias exaltando o suposto crescimento econômico, e também através
de eventos promovidos, como concursos de misses, mostras de cinemas, entre outros. Tais eventos “distraiam” a
população da realidade que viviam.
Foi publicado no dia 13 de março de 1971, no jornal Folha de Dourados, um artigo sobre a inauguração
de um cinema para a cidade. No artigo Cine Ouro Branco o mais moderno no Centro-Oeste, fala-se de instalações
modernas, importadas e de primeira linha, tudo para oferecer conforto e entretenimento ao povo douradense.
Segundo os cálculos que o jornal havia feito, foram empregados mais de 500 mil cruzeiros para implantação do
cinema, “que será o ponto de encontro da elite douradense” . Ao mesmo tempo em que o artigo emprega o termo
“povo”, ele também fala de “elite”. Mas ao utilizar “povo”, subentendemos num primeiro momento que o cinema
era destinado a toda população douradense. Contudo, também se fala em “elite douradense”. Sendo assim, será
14 O papel da Volkswagen na comunidade brasileira. Folha de Dourados, p.03, nº. 287, ano V, 30 de setembro de 1972.15 O termo arenista designa o filiado do partido Aliança Renovadora Nacional (Arena).
16 Mercado de Capitais. Folha de Dourados, p. 01, nº. 297, ano V, 24 de outubro de 1972.
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que esse espaço de sociabilidade (cinema) era destinado a todos, ou a uma pequena parcela da sociedade, ou
seja, a elite (aqueles que detinham poder econômico e político)? Nesta oportunidade, não pretendemos responder
a indagação, mas sim levantar essa problemática, que irá ser aprofundada em pesquisas futuras.
Outro artigo também neste sentido é sobre a possibilidade de se adquirir um aparelho de televisão. Nesta
publicação, de título Todos poderão ter seu TV com 70 cruzeiros mensais, de 26 de setembro de 1970, a população
é informada de que já é possível adquirir o aparelho de forma simples, com preços e condições acessíveis, pela
firma A ELETRÔNICA LTDA. Este artigo também evidencia a explosão de consumo de eletrodomésticos na época .
Mesmo com toda essa explosão de consumo, percebemos que as condições que o Brasil vivia na época do “milagre
econômico” eram assombrosas, pelo menos para maior parte da população, e cabia ao Governo ocultá-las, por
meio de propagandas sobre o suposto crescimento da economia. Para tanto, como mostra Chiavenato:
Em menos de cinco anos o “milagre” mostrou sua verdadeira face: a concentração de renda abusiva privilegiou uns poucos e afundou na miséria a grande maioria do povo. E provocou o mais violento processo de desnutrição da nossa história (CHIAVENATO, 1994, p. 92).
Neste contexto, a partir da segunda metade da década de 1970, a censura passou a agir com menos rigor.
Nessa época começaram a surgir na imprensa notícias sobre a crise que se alastrava no Brasil e no mundo.
Conforme Abreu aponta, a imprensa publicava notícias sobre desemprego, fome, má distribuição de renda, e
as críticas ao Governo aos poucos se tornaram freqüentes (2002, p. 26). Diante do que foi exposto, concluímos
que o Governo se utilizou da imprensa para propagar o “milagre econômico” à população brasileira. Desta
forma, entendemos que o modo como o período foi representado por grande parte da imprensa foi interessante
para o Governo, fazendo com que sua imagem crescesse em méritos perante a sociedade, também formando e
transformando opiniões de grande parte dos leitores.
17 Cine Ouro Branco o mais moderno no Centro-Oeste. Folha de Dourados, p. 06, nº. 148, ano IV, 13 de março de 1971.18 Todos poderão ter seu TV com 70 cruzeiros mensais. Folha de Dourados, p.06, nº. 129, ano III, 26 de setembro de 1970.
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Considerações Finais
Diante das fontes consultadas e bibliografias analisadas, pode-se dizer que alcançamos os objetivos propostos
no projeto de pesquisa. Tendo como fonte principal o jornal Folha de Dourados, percebemos a forma com que
as notícias eram construídas e transmitidas para a população douradense, especialmente acerca do “milagre eco-
nômico” e seus efeitos na região, como a construção de estradas, indústrias, incentivos agropecuários, aumento
salarial, enfim, a questões que diziam respeito ao crescimento econômico. Não obstante, compreendemos que as
publicações analisadas giravam em torno também da figura de políticos da época e do Estado brasileiro, quase
sempre os enaltecendo. Por fim, destacamos também a relevância dos jornais enquanto fonte para os historiadores,
auxiliando-os na compreensão do passado, e na constante aventura em se tentar desvendar “histórias”.
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REFERÊNCIAS
ABREU, Alzira Alves de. A modernização da imprensa, (1970-2000). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002. 66p.
CHIAVENATO, Júlio José. O golpe de 64 e a ditadura militar. São Paulo: Moderna, 1994. 136p.
GRESSLER, Lori Alice; RACHI, Kiyoshi. Dourados: diagnóstico, planejamento, educação. Dourados: [s.n.], 1976.
159p.
LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos, e por meio dos periódicos. In:PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Histó-
ricas. São Paulo: Contexto, 2005. p. 111-153.
REIS, Daniel Aarão. Ditadura Militar, esquerdas e sociedade. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,2002. 84 p.
Revista O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 1973.
THOMPSON, John B. Comunicação e Contexto Social. In: _____ . A Mídia e a Modernidade: uma teoria social
da mídia. Vozes, 1998. cap. 1.
ISSN: 2316-3992
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 169-181, nov 2012
ANÁLISES DE JORNAIS E REVISTAS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
Palavras-chave: Pesquisa em Comunicação, Análise de veículos impressos, Categorias: Destaque, Agenda-
mento e Alteridade.
Resumo
O artigo pretende apresentar uma proposta metodológica de análise para veículos impressos, quando o
corpus da pesquisa é em grande quantidade, por meio de três categorias estabelecidas: Destaque, Alteridade
e Agendamento. Com estas categorias pode-se analisar, quantitativamente, um conjunto complexo de fatores
quantitativos, como planejamento visual gráfico, tratamento de informações e temas pautados pelos veículos.
A técnica pode ser utilizada por pesquisadores interessados em analisar a cobertura de jornais ou revistas sobre
determinados temas como pessoas, instituições, países, povos, objetos, dentre outros.
Bruno Augusto Amador Barreto1
1 É doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo/ Universidad Pontificia de Salamanca (Espa-
nha), com MBA em Administração Acadêmica e Universitária pela Faculdade Pedro Leopoldo/Carta Consulta de Belo Horizonte/
MG, graduado e Mestre em Comunicação Social pela Universidade de Marília. Atualmente é Diretor de Planejamento de Ensino
no Centro Universitário da Grande Dourados. [email protected]
ANDRADE, Danusa Santana 170
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PROPOSTA METODOLÓGICA
A técnica quali-quanti de análise de veículos impressos surgiu durante a graduação do autor e foi aprimorada
durante sua dissertação de mestrado. A idéia vem da necessidade de ter um método para investigar um grande
volume de material, estudando períodos inteiros e possibilitando uma análise macro do todo por mais de um
ângulo, especificamente, por meio da diagramação, do tratamento da matéria e do agendamento que ela possa
causar. Para isso trabalha-se com as categorias de análises: Destaque, Alteridade e Agendamento
Por meio destas três categorias analisam-se um conjunto complexo de fatores em mídias impressas, possibili-
tando desde análise do posicionamento de uma notícia na página à relação do veículo com o objeto estudado;
de temas pautados aos subsídios para se compreender os fatos; do espaço dedicado a um tema à construção
de sentido do veículo. Com a representação gráfica, fruto da tabulação dos dados desta técnica, tem-se um
conjunto de resultados qualitativos sobre os aspectos levantados anteriormente.
A técnica pode ser utilizada por pesquisadores interessados em analisar a cobertura de jornais ou revistas so-
bre determinados temas como pessoas, instituições, países, povos, objetos, dentre outros; de coberturas eleitorais
a análises de representação de países em veículos específicos.
Devido as características das variáveis de estudo realizadas por esta técnica, dentre elas a grande quantidade
de informações, ela pode ser utilizada como método de coleta e interpretação de dados em Trabalhos de Con-
clusão de Cursos e Dissertações, devido o tempo reduzido para a pesquisa destes estudos. Esta técnica, uma
vez assimilados as suas definições e formulas de tabulação, é um método prático e ágil de colher e interpretar
informações.
A seguir apresenta-se cada categoria, suas definições, quesitos e formas para tabulação dos dados.
2. DEFINIÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE
2.1. Categoria Destaque
A Categoria Destaque afere o tratamento/planejamento visual gráfico que um determinado veículo de comu-
nicação dedica a um tema e/ou objeto específico.
Busca avaliar a mancha gráfica dedicada a certo tema e a sua localização na página impressa. Assim, con-
sidera-se dois quesitos para colher os dados desta categoria: espaço e posição.
Analisando os quesitos espaço e posição de um determinado conteúdo em uma página impressa identifica-se
o grau de importância que o veículo condicionou a um tema/objeto.
2.1.1. Quesito Posição
Dois olhos manifestam a visão humana em movimento que assumem uma forma esferóide. Passar o olho sobre uma página impressa é mecanicamente natural, embora assumam traços seqüenciais que dão margem à orientação do planejador gráfico, manifestando a percepção dos detalhes. (KUNTZEL, 2003: 95).
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A distribuição dos temas pelas páginas de um veículo impresso não é feita de maneira aleatória, consi-
derar esta diagramação é o foco do quesito posição.
A diagramação pode e deve ser utilizada como uma forma de guiar o olho do leitor. Para que isso ocorra da melhor maneira possível é necessário que saibamos identificar as áreas de uma página. (HORIE, 2001: 42).
O lugar da página em que um determinado tema encontra-se mostra o grau de tratamento daquele fato ao
veículo, baliza a leitura dos seus leitores.
Numa página de jornal podem ser observadas as zonas de visualização. Quando alguém recebe uma comunicação escrita, uma carta, qualquer recado de um amigo, instintivamente sua visão se fixa no lado superior à esquerda do papel, pos estamos condicionados a saber o começo da escrita ocidental será sempre no lado superior esquerdo. (SILVA, 1985: 47).
A percepção humana é extremamente visual “os olhos em movimento buscam incessantemente obstáculos,
para fixar o foco” (KUNTZEL, 2003:97) e a fixação da leitura tende a ser em zonas estratégicas de uma página.
Lugares onde os temas que o veículo deseja ressaltar são colocados.
No diagrama abaixo tem-se as Zonas de Visualização apresentadas por Edmund C. Arnold em uma página
impressa (KUNTZEL, 2003:98; SILVA, 1985: 49 e HORIE, 2001: 43 ):
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A zona 1 é a principal de uma página, primeiro lugar visto pelo leitor. A zona 2 é a secundária, direção da
visão em um segundo momento. As áreas 3 e 4 são as chamadas zonas mortas, utilizadas para inserir informa-
ções de importância secundária.
A posição 6 é o centro geométrico de uma página, no entanto, é na zona 5, centro óptico, que a visão tende
a se fixar por um tempo maior; espaço reservado para fatos que o veículo deseja evidenciar. É importante consi-
derar que “a altura do centro óptico varia de acordo com a dimensão da página, dependendo da relação entre
a largura e a altura.”. (SILVA, 1985: 48).
Para medir o quesito posição considera-se: as zonas 1 e 5 como áreas de alta exposição, 2 e 6 de média
exposição e os espaços 3 e 4 de baixa exposição.
Escala de medida adotada no quesito:
Um fato que ocupe mais de um ponto, considera-se para medição o quesito de maior exposição. Por exem-
plo, uma reportagem que ocupe toda a parte inferior de um jornal, zonas 4 e 2, será considerada a área 2, ou
seja, um assunto com exposição mediana.
2.1.2. Quesito Espaço
No quesito espaço busca-se identificar a quantidade de mancha gráfica que o veículo impresso dedicou a
determinado tema. Não se considera o conteúdo da informação, é estimado apenas o volume deste material.
A unidade de medida em tipografia utilizada no Brasil é o ponto Didot, desenvolvido pelo tipógrafo e impressor francês, Francisco Ambrósio Didot, representado no sistema métrico um pouco menos que meio milímetro, cerca de 0,376 mm.
(...) Existem outros sistemas de medidas tipográficas, tais como o sistema Fournier, criado também por um tipógrafo francês cujo nome é Pedro Simon Fournier, representado cerca de 0,350 mm, em uso ainda praticamente só na Bélgica. Contudo, o conhecido sistema de Four-nier deu origem ao sistema de medidas anglo-americano, representado pela paica (pica), correspondendo o seu ponto gráfico a 0,351 mm. (SILVA, 1985: 93).
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Estes sistemas de medidas tipográficas calculam milimetricamente a mancha gráfica de qualquer meio im-
presso como jornais, revistas e livros, sem margem de erro. No entanto, sua utilização é maior nas artes gráficas,
na editoração e no design; para analisar o quesito espaço adota-se um sistema de avaliação simplificado, visto
que as variáveis a serem medidas no arranjo gráfico não necessitam de dados milimetricamente calculados, estes
não alterariam os resultados esperados.
Espera-se deste quesito apenas a identificação do espaço geral que foi atribuído em determinado veículo a
um ou mais temas e/ou assuntos. A escala a ser verificada pode ser feita por qualquer estudante de comunicação
que tenha uma noção mínima de planejamento visual gráfico.
Como escala de tamanho adota-se os conceitos: grande, médio e pequeno. Grande para conteúdos acima
de oito parágrafos, com foto e/ou ilustração - exemplo: reportagens. O conceito de médio é atribuído para textos
entre quatro e oito parágrafos, com ou sem foto e/ou ilustração - exemplo: notícias. Como pequeno considera-se
as notas de um a quatro parágrafos, sem foto e/ou ilustração.
Escala de medida adotada no quesito:
2.1.3. Tabulação da Categoria Destaque
Para chegar aos dados da categoria destaque é necessário reunir os resultados do quesito posição com os do
quesito espaço.
Os resultados da categoria são classificados como: Bom, Regular e Insuficiente.
O conceito Bom é atribuído para as matérias que possuem: grande espaço e alta exposição; grande espaço e
média exposição; espaço médio e alta exposição. Regular para: grande espaço e baixa exposição; médio espaço
e média exposição; pequeno espaço e alta exposição. O conceito Insuficiente atribui-se para: médio espaço e
baixa exposição; pequeno espaço e baixa exposição; pequeno espaço e baixa exposição.
Para tabular a categoria utiliza-se a seguinte escala de medida:
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2.2.Categoria Alteridade
2.2.1. O Conceito
O conceito de alteridade utilizado por esta categoria é compreendido com base no livro de TODOROV: A
conquista da América: a questão do outro (1999). Na obra o autor mostra como são estabelecidas e criadas as
relações com o Outro. Possibilitando, deste modo, aferir a condição ou a natureza que o outro adquire em um
veículo impresso:
Quero falar da descoberta que o eu faz do outro, o assunto é imenso. Mal acabamos em formulá-lo em linhas gerais já o vemos subdividir-se em categorias e direções múltiplas, infinitas. Podem-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo; eu é um outro. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou só aqui, pode realmente separá-los e distingui-los de mim. Posso perceber os outros como uma abstração, como uma instân-cia da configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós pertencemos. Este grupo, por sua vez, pode estar contido numa sociedade: as mulheres para os homens, os ricos para os pobres, os loucos para os ‘normais’. Ou pode ser exterior a ela, uma outra sociedade que, dependendo do caso, será próxima ou longínqua: seres que, contudo se aproximam de nós, no plano cultural, moral e histórico, ou desconhecido, estrangeiro cuja língua e costumes não compreendo, tão estrangeiro que chego a hesitar em reconhecer que pertencemos a mesma espécie (TODOROV, 1999: 3-4).
Como mostra o autor, o princípio da relação com o outro pode ser entendido através dos seguintes pres-
supostos: 1) O outro é descoberto no eu; 2) Cada um dos outros é um eu também; e 3) Hesito em reconhecer
língua e costumes que não compreendo ou que são distintos aos meus.
A concepção e as relações com o outro são estudadas na categoria Alteridade por meio de uma análise
que busca identificar a construção de imagem/significado de determinado tema/objeto pelos meios de comuni-
cação impressos.
2.2.2. A Categoria
A categoria Alteridade, como dito, avalia o tratamento dado à informação. Em uma analogia a TODOROV
é estudado como os veículos impressos descobrem e/ou expõem o outro: temas e/ou objetos.
Assim como na categoria Destaque, na categoria Alteridade dois quesitos são estipulados para identificar
como os veículos versam/discorrem sobre algo, são: relação e subsídios. Esta categoria possibilita identificar a
construção de sentido/significação de determinados temas por jornais ou revistas.
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2.2.2.1. Quesito Relação
Neste quesito estuda-se as relações, tratamento, do veículo de comunicação com o referente reportado, se
ele enaltece ou denigre, se é favorável ou desfavorável a um determinado fato.
Para compreensão deste quesito faz-se necessário antes discutir a natureza dos signos lingüísticos.
Natural ou convencional? Esta é discussão conduzida por Sócrates em Crátilo – sobre a justeza dos nomes, de Platão; onde investiga-se a relação entre os nomes, as idéias e as coisas. A questão chave deste “dialogo de três” – Crátilo, Hemórgenes e Sócrates – é se a relação entre nome, idéia e coisa é natural ou depende de convenções sociais. Hemórgenes sustenta a tese de que os nomes são oriundos de uma convenção/acordo: “(...) não existe nome dado à coisa alguma por sua natureza, tudo é convenção e hábitos dos usuários; essa é minha visão.” (PLATÃO, 1999: 4). Já Crátilo, defende que os nomes possuem relação natural com as coisas que denotam: “Representação por semelhança, Sócrates, é infinitamente melhor que represen-tação por qualquer outro meio.” (ibid.: 54). Mais adiante acrescenta: “Eu acredito, Sócrates, que a explicação mais verossímil é que um poder superior ao homem deu às coisas seus nomes primitivos, de modo que estes são necessariamente justos.” (ibid.: 58).
Sócrates parece ser contraditório, ora dando ganho de causa a tese de Crátilo ora a de Hemórgenes, mas sempre esteve coerente tendo sua posição própria, mesmo que implícita no texto. Sócrates quer mostrar que a teoria de ambos estão corretas em certos aspectos, mas quer que descubram isso sozinhos, não entregando a chave da discussão de imediato. (BARRETO, 2007:3)
A questão natural/arbitrária do signo foi suficientemente analisada em Crátilo2 e nos teóricos que o sucedem.
Trazendo a contenda aos nossos dias, em uma analogia a Crátilo, pode-se perguntar: as notícias são naturais ou
arbitrárias? Possuem semelhanças ao objeto que denotam ou são fruto de convenções? E ai vê-se que a discus-
são, iniciada por Platão, nunca esteve tão atual. A cada dia mais valores, interesses e ideologias são agregados à
informação, cada vez mais a convenção/acordo de grandes grupos de mídia pautam o noticiário - predominam
sobre os fatos reais.
Para buscar identificar o tratamento e a construção de significados, ocorrida nas relações objeto-veículo,
mais uma vez utiliza-se da alteridade. Como visto o outro é sempre adotado com base no eu. Todavia, as relações
com outrem nem sempre são iguais, não ocorrem em uma única dimensão. Podem ser divididas em três eixos:
Para dar conta das diferenças existentes no real, é preciso distinguir em pelo menos três eixos, nos quais pode ser situada a problemática da alteridade. Primeiramente, um julgamento de valor (um plano axiológico): o outro é bom ou mau, gosto dele ou não gosto dele, ou, como se dizia na época [colonização], me é igual ou me é inferior (pois, evidentemente, na maior parte do tempo, sou bom e tenho auto-estima...). Há, em segundo lugar, a ação de aproxima-ção ou de distanciamento em relação ou outro (um plano praxiológico): adoto os valores do outro, identifico-me nele; ou então assimilo o outro, impondo-lhe minha própria imagem; entre a submissão ao outro e a submissão do outro há ainda um terceiro termo, que é a neutralida-de, ou indiferença. Em terceiro lugar, conheço ou ignoro a identidade do outro (seria a plano epistêmico); aqui não há, evidentemente, nenhum absoluto, mas uma gradação infinita entre os estados de conhecimento inferiores e superiores. (TODOROV, 1999: 223-224).
2 PLATÃO. Crátilo. Versão traduzida por L. BULIK (em disquete). Londrina, UEL, 1999.
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Os três planos destacados por TODOROV serão utilizados aqui para classificar o quesito relação. Com estes
planos pode-se analisar o julgamento de valor e as ações de comportamento de veículos impressos, logo iden-
tificar a construção de sentido estabelecida ao tema reportado pelo meio de comunicação.
Na primeira análise deste quesito adota-se a seguinte escala de medida:
Exemplificando, se em uma reportagem o texto mostra gostar do objeto (plano axiológico), tem aproximação
a ele (plano praxiológico) e demonstra conhecê-lo (plano epistêmico) essa reportagem é positiva ao objeto que
reporta, tende a enaltecê-lo. Por outro lado, se temos uma notícia que manifesta não gostar do objeto citado, que
não tem identificação e o ignora, essa notícia será negativa ao objeto divulgado; assim sucessivamente.
Para tabular o tratamento dado em cada um dos planos tem-se como base a seguinte tabela:
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Os pesos acima dizem respeito aos dados encontrados na análise dos planos, um resultado positivo, tende a
favorecer o objeto reportado, já um negativo, denigre. Os resultados positivo 2 e negativo 2 ficarão mais claro
com a tabulação do próximo quesito.
2.2.2.2. Quesito Subsídios
Além das relações veículo-objeto, busca-se identificar a construção dada a um determinado assunto. Verifica-
se se o material jornalístico possui argumentos para que se compreendam as circunstâncias reais em que ocorreu
cada fato noticiado, se a matéria dá bases para o entendimento da situação em que a notícia está inserida; ou
se apenas comunica um fato superficialmente, sem subsídios para o seu entendimento.
No quesito subsídios adota-se as classificações: embasado e superficial. Embasado para uma matéria que pos-
sibilite a compreensão do fato e superficial para um material sem lastros com as circunstâncias que levaram ao fato.
Escala de medida do quesito:
2.2.3. Tabulação da Categoria Alteridade
Para tabular o tratamento dado à informação, identificado nos quesitos anteriores, atribui-se os conceitos:
Favorável, Regular e Desfavorável.
O conceito Favorável corresponde a um material que enaltece determinado tema ou assunto; o contrário do
que ocorre com o conceito Desfavorável que denigre. Já o Regular identifica um material com certa neutralidade
com relação ao objeto, nem enaltece nem denigre.
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2.3.Categoria Agendamento
A Categoria Agendamento busca identificar quais são os temas que estão sendo pautados.
Por agendamento tem-se como base a hipótese da agenda setting.
Os pressupostos da hipótese de agendamento são vários, mas destaquemos alguns principais:a) o fluxo contínuo de informação (...)b) os meios de comunicação, por conseqüência, influenciam sobre o receptor
não a curto prazo, como boa parte das antigas teorias pressupunham, mas sim a médio e longo prazos (...)
c) os meios de comunicação, embora não sejam capazes de impor o quê pensar em relação a determinado tema, como desejava a teoria hipodérmica, são capazes de, a médio e alongo prazos, influenciar sobre o quê pensar e falar, o que motiva o batismo desta hipótese de trabalho (...) (HOHLFELDT, 2000 :190).
Os temas e os assuntos tentem a circular em torno de um mesmo eixo. Este é o agendamento, o efeito en-
ciclopédico provocado pela mídia. A escolha do que é dito nos veículos de comunicação torna-se o assunto de
conversa entre as pessoas, gerando uma agenda individual e/ou coletiva. Por exemplo:
(...) dependendo dos assuntos que venham a ser abordados – agendados – pela mídia, o público termina, a médio e longo prazos, por incluí-los igualmente em suas preocupações. Assim, a agenda da mídia termina por construir também na agenda individual e mesmo na agenda social. (HOHLFELDT, 2000 :191).
Para identificar os temas que pautam/rotulam determinado objeto recorre-se a esta categoria. Para ter uma
visão dos temas e/ou assuntos que estão em pauta em um veículo específico separa-se, nesta categoria, os fatos
por temas e o número de vezes em que apareceram.
Com os dados desta categoria têm-se o resultado de quais assuntos são agendados pelo veículo de co-
municação, estes temas serão a médio e longo prazo relacionados à imagem do objeto estudado.
2.4. Roteiro para interpretação e coleta dos dados
Compreendidas as definições de cada categoria e quesito, a coleta de dados é tarefa simples. Eleito o tema
a ser estudado e os veículos a serem analisados o pesquisador inicia a coleta dos dados do material. O primeiro
passo é a tabulação dos dados
Tabulação é o processo de agrupar e contar os casos que estão nas várias categorias de análise. Pode haver tabulação simples e cruzada. A tabulação do primeiro tipo, que também é denominada marginal, consiste na simples contagem de freqüência das categorias do con-junto. A tabulação cruzada, por sua vês, consiste na contagem das freqüências que ocorrem juntamente em dois ou mais conjuntos de categorias. (GIL, 2006: 171).
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A tabulação deve ser feita manualmente em todas as categorias. Sendo as categorias Destaque e Alteridade
de tabulação cruzada e a categoria Agendamento simples. Antes de iniciar a análise tenham em mãos as tabelas
de tabulação dos dados de todas as categorias e de seus respectivos quesitos.
Para facilitar a aprendizagem da técnica quali-quanti de análise de veículos impressos será adotado um
exemplo único (ficcional) para explicar como colher e interpretar os dados nas três categorias.
2.4.1. Exemplo Modelo para coleta e interpretação dos dados
•Objeto de estudo: a cobertura dos Jogos Pan-Americanos do Rio em 2007
•Veículos a serem analisados: Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, O Globo e Correio Braziliense
•Recorte: Cadernos de Esportes dos periódicos citados
•Período: 17 dias dos jogos, de 13 a 29 de julho de 2007.
•Total do material para análise: 04 jornais, 68 exemplares, 340 notícias (ima média de cinco matérias
por dia em cada jornal)
Supõe-se que inicie a análise pelo jornal O Globo de 17 de julho de 2007 e o primeiro material a ser es-
tudado seja uma notícia sobre o número total de medalhas do Brasil em todos os Jogos Pan-Americanos, reali-
zados desde 1951 - Pan de Buenos Aires. Veja nos itens a seguir como colher os dados deste exemplo em cada
categoria.
Comece a análise pela categoria Destaque
2.4.1.1. Tabulação da Categoria Destaque
O primeiro passo para identificar o Destaque de uma matéria a ser analisada é identificar o quesito posição,
logo após levanta-se o quesito espaço, cruzando os dados destes dois quesitos tem-se o resultado da Categoria
Destaque.
Exemplo Modelo 1:
•Quesito Posição: Supõe-se que a notícia sobre as medalhas conquistadas pelo Brasil esteja no canto
superior direito da página. Para buscar este resultado veja o diagrama Zona de Visualização, e perceberá que a
notícia está na zona 1, o que representa Alta Exposição. Logo, no quesito Posição a notícia tem Peso A.
•Quesito Espaço: A notícia possui uma foto e mais de oito parágrafos, o que representa o conceito gran-
de. Logo, no quesito Espaço tem Peso 1.
Desta forma, cruzando os dados dos dois quesitos temos o resultado 1-A, representa que esta notícia teve
um Destaque Bom.
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2.4.1.2. Tabulação da Categoria Alteridade
Identifique o quesito relação e depois o quesito subsídios, cruzando os dados terá o resultado da Alteridade.
Exemplo Modelo 2:
•Quesito Relação: a notícia sobre as medalhas do Brasil teve um enfoque de inferioridade do país, mos-
trou indiferença em relação aos atletas brasileiros, mas demonstrou conhecimento do objeto reportado. Assim
no Plano Axiológico tem peso N, no Praxiológico N, e no Epstêmico P, Pesos: NNP. Tabulando o quesito terá o
resultado Negativo 2.
•Quesito Subsídios: analisando a matéria vê que a mesma é embasada, que permite compreender os
fatos noticiados, logo tem Peso A.
Analisando a tabela para tabulação da categoria nota-se que o resultado Negativo 2 – A representa Alteri-
dade Regular.
2.4.1.3. Tabulação da Categoria Agendamento
A Categoria Agendamento utiliza pata tabulação dos dados uma tabela como a abaixo. Na coluna assunto
são elencados os temas de cada matéria analisada e na coluna ao lado o número de vezes que este tema apa-
receu durante o período analisado.
Exemplo Modelo 3: Imagina-se que o tema medalhas sai em mais três notícias até o final dos jogos, então
tem-se:
A coleta dos dados das categorias podem ser feitas simultaneamente, ou seja, uma vez analisada a notícia
já identifica-se os seus resultados em cada categoria. Repete-se a atividade em cada notícia de cada jornal. No
final terá o resultado final da cobertura destes quatro veículos sobre os Jogos Pan-Americanos e os resultados de
desempenho de cada periódico.
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2.4.2. Interpretação dos dados
A interpretação dos dados de cada categoria está sujeita a divergência entre um estudo e outro, devido a
característica intrínseca do resultado com o objeto estudado. Por exemplo, se o objeto de estudo é determinadas
matérias do caderno de cultura de um jornal específico e obtiver-se como resultado da Categoria Alteridade o
conceito Favorável, pode ser algo positivo. Já obter o conceito Favorável em um estudo de notícias relacionadas
a um determinado candidato na cobertura de eleições seria algo extremamente negativo, por demonstrar a par-
cialidade do veículo, resultado não esperado.
Exemplo Modelo:
No exemplo modelo utilizado obteve-se um Destaque Bom, o que pode mostrar que o veículo teve a notícia
como uma das principais na edição. A Alteridade foi Regular, o jornal não enalteceu o tema, mas também não o
denegriu. Já o Agendamento foi baixo, visto que o tema não foi dos mais noticiados. Vale salientar que o exem-
plo utilizado foi apenas ilustrativo, logo não há interpretações mais elaboradas, como a matéria era ficcional a
análise das categorias foi criada a título didático.
3. ORIGEM DA TÉCNICA E APLICAÇÃO
A primeira vez que a técnica foi empregada, ainda que superficialmente, foi na monografia do autor:
Comunicação Controlada: As Agências de Notícias na América Latina (2003). Mas foi na sua dissertação de
mestrado, Uma América e muitas vozes: a comunicação no continente 25 anos após o Informe MacBride, em
que ela foi empregada com mais propriedade e com resultados mais satisfatórios.
Na dissertação foram analisados com a técnica dez jornais latino-americanos, durante uma semana,
num total de 70 exemplares. Buscava-se identificar a representação da América Latina em seus próprios jornais.
Analisou-se especificamente as matérias relacionadas ao continente nas editorias de internacional, totalizando
192 notícias.
Os resultados foram:
35
62
95
Bom Regular Insuficiente
Des
taqu
e
Categrioa destaque
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Alteridade
171
21
Favorável Desfavorável
Categoria alteridade
ISSN: 2316-3992
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AS ELEIÇÕES E O JORNAL O PROGRESSO: ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS (1954, 1958 E 1962)
Palavras-chave: O Progresso; política; eleições.
Resumo
Neste trabalho, partiremos para a análise das relações do jornal O Progresso com a classe política local, mas
mais especificamente no que tange ao período eleitoral, através dos discursos construídos pelo periódico, para
buscar compreender as estratégias de Weimar Torres e do PSD na tentativa de conquistar o poder em Dourados.
E é claro, as eleições locais se constituem em pauta certa.
Fernando de Castro Além Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS
1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigram/
Dourados/ MS.2 Mestre em História pela UFGD; professor substituto do curso de História da UFGD; professor convocado do curso de His-
tória da UEMS/Unidade Amambai. Email: [email protected]
ALÉM, Fernando de Castro 183
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Dourados, cidade localizada no sul do antigo estado do Mato Grosso, conhece um forte crescimento popula-
cional a partir da migração para a região de milhares de famílias em situação de marginalização social. Tais fa-
mílias vieram em busca de um lote de terra doado na CAND – Colônia Agrícola Nacional de Dourados – projeto
colonizador criado pelo presidente Getúlio Vargas em 1943, mas colocado em funcionamento a partir de 1948
pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. A tabela abaixo aponta o número de habitantes no município em 1940,
1950 e 1960, demonstrando o crescimento populacional conhecido por Dourados, no campo e na cidade:
Tabela 1 – População de Dourados nas décadas de 1940, 1950 e 1960
Conforme indicado na tabela 1, o principal fluxo migratório ocorre a partir da década de 1950. O governo
federal doou áreas consideradas devolutas à região para instalação dos colonos na zona rural, alterando pro-
fundamente o panorama no campo. Mas as transformações não estão circunscritas apenas à área rural, se es-
tendendo também para a cidade, haja vista o forte crescimento populacional ter havido também na zona urbana,
como apontado na tabela acima.
A partir deste crescimento, são fundadas novas casas de comércio, se mudam para a cidade profissionais
liberais das mais diversas áreas de atuação, companhias colonizadoras vendem áreas para plantio de café, sur-
gem novos loteamentos urbanos, sem contar a chegada da agência dos correios, da companhia telefônica, da
sede do bispado, além da ampliação dos serviços públicos, entre outras mudanças importantes na zona urbana
da cidade. Os três principais partidos no período – UDN, PSD e PTB – são criados na década de 1940.
Inserido no conjunto de mudanças que ocorriam em Dourados a partir da CAND estava a criação do se-
manário O Progresso, órgão de comunicação mais antigo do atual estado do Mato Grosso do Sul, ainda em
funcionamento, posto em circulação em vinte e um de abril de 1951. Seu fundador, Weimar Gonçalves Torres,
batiza o periódico com o mesmo nome daquele que havia circulado na vizinha Ponta Porã, cujo proprietário era
seu pai, o advogado paraibano José dos Passos Rangel Torres. O homônimo da fronteira, fundado em 1920,
foi obrigado a encerrar suas atividades na mesma década por questões políticas (SCHWENGBER, 2005, p. 48).
Weimar Torres chega em Dourados no ano de 1948, após ter se formado em direito no Rio de Janeiro. Cons-
trói família na cidade, se tornando membro influente da sociedade douradense. Além de atuar como advogado
e jornalista, participa ativamente de diversas instituições criadas no município, quase sempre fazendo parte da
diretoria destas, como o Clube Social, a Companhia Telefônica de Dourados, o Rotary Clube, entre outros. Era
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proprietário de diversas áreas no perímetro urbano, o que faz com que coloque a venda loteamentos na cidade,
além de ser proprietário do cartório do primeiro ofício.
Ademais, sua influência se amplia para o campo político. É eleito vereador pelo PSD em 1950, se reelegendo
em 1954. Em 1962 vence o pleito para deputado estadual, e em seguida, já no regime militar, se elege depu-
tado federal pela ARENA. E estando vinculado diretamente à política, o órgão de imprensa sob sua direção - O
Progresso - acaba se tornando instrumento de difusão de assuntos políticos em Dourados, tanto nos períodos
eleitorais quanto naqueles não eleitorais.
Neste trabalho, partiremos para a análise das relações do jornal O Progresso com a classe política local, mas
mais especificamente no que tange ao período eleitoral, através dos discursos construídos pelo periódico, para
buscar compreender as estratégias de Weimar Torres e do PSD na tentativa de conquistar o poder em Dourados.
É importante afirmar que, com a fundação do órgão, se consolida a ligação de Weimar com os políticos dou-
radenses, através da doação de erário público aprovado pela câmara de vereadores para colocar o periódico
em funcionamento. Nas páginas do jornal aparecem reivindicações ao poder público, agradecimento por ben-
feitorias, convenções dos partidos, propaganda partidária, entre outros assuntos políticos. E é claro, as eleições
locais se constituem em pauta certa.
Como veículo de informação pronto a atender aos interesses de uma elite política, serão analisadas as
representações contidas em suas páginas – reportagens, imagens, poesias, artigos, propagandas políticas, entre
outros – em 1954, 1958 e 1962 – na cidade de Dourados, anos estes em que houve eleições no município.
Demonstraremos que, de acordo com as conveniências e com a conjuntura política local, o periódico constrói
discursos, tentando manipular a opinião pública douradense durante a campanha eleitoral em questão.
Capelato e Dutra, ancoradas em Ferdinand de Saussure, afirmam que as representações estão ligadas à
teoria de signos, seguindo articuladas ao pensamento/linguagem. Dessa forma são capazes de dar significado
às práticas sociais, através de todo e qualquer domínio da linguagem, sejam elas icônicas, escritas ou verbais.
Sendo o signo expressão de linguagem, possui uma relação simbólica, ou uma relação de representação, em
que o signo toma o lugar da coisa representada, dando a possibilidade de estabelecer uma comunicação, Nes-
se momento, coloca-se em funcionamento outra categoria importante, a de imaginários sociais, que tem a sua
existência afirmada pelo símbolo e seu chamado exposto através de palavras, discursos, objetos ou figuras de
linguagens (CAPELATO, 2000, p. 235).
Segundo as autoras, a representação política usa o símbolo – linguagem – como instrumento eficaz na ide-
alização de imaginários, pondo em funcionamento estratégias capazes de garantir sentido a um determinado
mundo social. As representações estabelecem significados às práticas específicas de um dado grupo no tocante
ao poder. A linguagem – através de símbolos, signos, discursos, narrativas, etc. – extrapola a sua eficácia quanto
ao reconhecimento pelos indivíduos em fazer parte do grupo, e é claro, em não pertencer a este.
Rosângela Schulz, ao argüir sobre a crise de representação política vivida pelas democracias, aponta que
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hoje há um esgotamento do modelo de democracia dos partidos, sendo substituído pela democracia do público,
e esta mudança altera a relação da mídia com a política. No modelo anterior havia um atrelamento da mídia
a um determinado grupo político, enquanto na democracia do público há uma neutralidade relativa da mídia.
(SCHULZ, 2006, p. 205).
O jornal O Progresso se encaixa no modelo anterior, haja vista que, nos períodos eleitorais, o periódico se
transforma em porta-voz do PSD, partido de Weimar Torres, propagandeando seus candidatos, construindo notí-
cias que exaltam os políticos da legenda, além de criticar seus adversários sempre que preciso. Há um verdadeiro
atrelamento do jornal ao PSD.
O periódico é utilizado por Weimar Torres como elemento estratégico em prol dos interesses de seu grupo
político visando a conquista de poder em Dourados, mas cujos resultados não foram positivos, haja vista o par-
tido não ter ganho nenhuma eleição para prefeito e vice em no município durante o recorte temporal proposto.
A exceção ocorre quando o pessedista Jonas Dourado, presidente da câmara de vereadores, assume a adminis-
tração municipal no momento em que o prefeito Vivaldi de Oliveira (PTB) se licencia para buscar uma cadeira de
deputado estadual, em 1962.
Patrick Champagne afirma que a imprensa representa um agente fundamental na realidade política, uma vez
que produz efeitos sobre essa realidade, ou mesmo pode até criá-la por meio de suas visões midiáticas ocupa-
das em descrever fatos ou acontecimentos do campo político (CHAMPAGNE, 2003, p. 75). Portanto, o jornal O
Progresso se caracteriza como elemento importante na vida política da sociedade douradense, por servir como
instrumento de manipulação de interesses de um determinado grupo político, cujos discursos tinham o objetivo
de construir representações que pudessem trazer benefícios futuros a Weimar Torres e ao PSD.
Trata-se de um veículo de comunicação que possuía relações manifestas com o poder local, gerando uma
certa opacidade no tocante ao limite entre o público e o privado . Podemos verificar como adjetivos positivos,
capazes de idealizar determinados personagens da política local são freqüentemente expostos, quase sempre
na primeira página. Segue abaixo reportagem segundo a qual um vereador filiado ao PTB estaria sendo cotado
para assumir a presidência municipal da legenda:
Segundo apurou nossa reportagem, o vereador Orlando Marques de Almeida, brilhante representante do Partido Trabalhista Brasileiro na Câmara Municipal, (...) homem sereno e equilibrado, trabalhador incansável em defesa dos interesses do povo, (...) representará, por certo, o fortalecimento do partido. (O PROGRESSO, 17/01/1954, p.4).
3 Podemos afirmar na dificuldade em se delinear os limites de introjeção (ou influência) do agente público (ou instituição) em
um ambiente privado, como o Jornal O Progresso.
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Ao prefeito municipal em 1954 – Sr. Nelson de Araújo, membro da UDN – também não lhe faltam predicados
elogiosos. As ações da Prefeitura local são estampadas em destaque em um período anterior às eleições daquele
ano, que podem ser verificadas abaixo:
[...] a arrecadação da tesouraria, no ano passado, deverá ultrapassar a casa dos dois milhões e quinhentos mil cruzeiros superando as melhores expectativas e deixando um gran-de saldo orçamentário. Sem dúvida alguma, tal fato vem demonstrar a eficiência da admi-nistração do município na gestão do Dr. Nelson de Araújo, que superando enormes obstá-culos vem mantendo as finanças municipais em elevado índice e conceito. (O PROGRESSO,
10/01/1954, p. 1).
Exaltações e elogios são por diversas vezes afirmados durante todo o ano de 1954 em se tratando do ex-
senador pessedista Filinto Muller. Na corrida pela indicação de uma vaga de seu partido ao Senado Federal,
pode ser citado como:
[...] homem de luta, passado brilhante, todo ele dedicado a serviço da pátria e do povo matogrossense, [...] um dos expoentes máximos da política nacional, justo orgulho de nosso Estado, que já representou na Câmara Alta, com inexcedível zelo e brilhantismo. Figura in-confundível de cidadão e de soldado. (17/01/1954, p. 1).
Elogios e adulações são destinados ao próprio PSD, que ao contrário dos demais partidos, é citado como
exemplo de coesão interna, cujos discursos o afirmam como a única esperança do povo douradense, e por isso
sua responsabilidade é maior do que a dos demais partidos. Isso pode ser notado em um editorial de Weimar
Torres, cujo ataque tem como objetivo certo – atingir a direção local do PTB:
Nunca na história de Dourados tiveram tão numerosos desligamentos de seus membros como nesta agitada preparação do pleito de 3 de outubro próximo. Isso denuncia por um lado a fragilidade dos laços que unem os componentes de uma agremiação partidária, e por outro lado a orientação reinante nos partidos que lhes vem sendo imprimida. Acrescente-se entretanto que o único partido de Dourados que até agora não teve nenhum desligamento de seus quadros é o Partido Social Democrático, para o qual estão voltadas as melhores es-peranças do nosso povo, de uma solução feliz na escolha dos candidatos aos cargos eletivos municipais. (O PROGRESSO, 02/05/1954, p. 4).
Portanto, em um momento anterior ao início da corrida eleitoral de 1954, podem ser apontados discursos
cujo conteúdo meritório e elogioso tem a função elevar a figura do político citado, dono de qualidades importan-
tes, sempre destacadas pelo jornal. O periódico fazia questão de mantê-lo em evidência, independente de sua
agremiação partidária. O que interessava ao jornal era o bom proveito que poderia ser extraído de sua relação
com os políticos, pois emitindo elogios ou adulações, poderiam estar garantidos os interesses do jornal O Pro-
gresso, seja em benefício do jornal, ou do homem público, político Weimar Torres, ou até mesmo de seu partido,
o PSD, em uma futura aliança para as eleições de 1954; tratava-se de uma via de mão dupla.
A citação anterior aponta para o início da mudança de postura do periódico, em um período anterior ao
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princípio da corrida eleitoral. Nesse momento, Weimar começa a perceber as dificuldades em se coligar com o
PTB. Os discursos elogiosos e meritórios aos líderes da legenda desaparecem das páginas do jornal O Progresso.
Mais tarde, O PSD se coliga ao PDC e a uma ala dissidente petebista, intitulada Ala Trabalhista. Essa corrente
é formada por políticos filiados ao PTB, mas acabam discordando da direção do partido durante a convenção
e estabelecem uma aliança informal com a coligação PSD-PDC, se mostrando alinhados aos pessedistas. Bus-
cando influenciar a opinião pública douradense, os discursos escritos no jornal realçam as virtudes apenas dos
candidatos da coligação PSD-PDC-Ala trabalhista, cujo Weimar Torres era candidato a vereador.
Portanto, em um período anterior às eleições de 1954, o jornal O Progresso constrói discursos de conteú-
do meritório e elogioso à toda a classe política local. Como não havia definição em relação às alianças, era
necessário elevar os nomes dos políticos, futuros possíveis alinhados do PSD, partido de Weimar. O PTB seria o
principal alvo dos elogios.
Isso, de acordo com a nossa análise, se dá por dois motivos: o primeiro seria a força do PTB na colônia
agrícola, partido mais forte na zona rural em Dourados, e seu apoio é fundamental para se conseguir qualquer
vitória em Dourados, haja vista a CAND possuir o maior colégio eleitoral do município. Segundo, é o fato do PSD
ser parceiro do PTB a nível nacional, e, ocasionalmente também em Mato Grosso. Conforme Maria Manuela
Neves, no estado, o PTB agiria como o partido equilibrador do sistema bipartidário matogrossense, e a vitória de
PSD ou de UDN dependia basicamente do apoio formal ou não do PTB, por isso a aliança com os trabalhistas
seria tão cobiçada pelos dois adversários hegemônicos a nível estadual, o PSD e a UDN (NEVES, 1988, p. 26).
Estes dois fatores explicam a vontade do PSD douradense em buscar o apoio do PTB local nas eleições mu-
nicipais. Weimar e seu grupo político sabiam da força crescente do partido a nível local. Já em 1950, o PTB só
não assume a prefeitura por conta de uma urna impugnada. Portanto, os trabalhistas já disputavam palmo a
palmo as eleições no município.
Mas quando Weimar Torres percebe que não haveria possibilidade de seu partido coligar com o PTB, muito
menos com a UDN, os discursos meritórios são destinados apenas aos candidatos da aliança PSD-PDC-Ala Tra-
balhista. Para os demais, são destinados discursos que se apresentam, na maioria das vezes, de forma pejorativa.
Porém, tal expediente acaba não sendo eficaz, pois o grupo de Weimar acaba perdendo as eleições daquele
ano, vencidas pela UDN.
Já em 1958, antes do período eleitoral, não há uma postura de afago à toda classe política local, como nos
meses que antecedem as eleições de 1954. Há alguns elogios e adulações destinados ao PTB antes do período
eleitoral, em um movimento semelhante ao que ocorreu no pleito de 1954. Mas o conteúdo meritório dos dis-
cursos são direcionados principalmente ao grupo político de Weimar Torres, principalmente em virtude de seu
sogro, Vlademiro do Amaral, ser o escolhido pelo partido como candidato a prefeito.
Quanto à UDN, principal adversário do PSD, apenas discursos pejorativos, tanto em relação à administração
do prefeito Antônio Morais, quanto às estratégias políticas dos udenistas visando conquistar o poder, fazendo
diversas críticas às tensões internas da UDN.
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O jornal aponta para uma disputa que havia no interior da UDN entre João Augusto Capilé Júnior e Delmar
de Oliveira, filho do coronel Joaquim de Oliveira. Tal tensão se deu em virtude da opção de Capilé Júnior em
aceitar o apoio dos ditos comunistas instalados na CAND. No editorial intitulado Política é assim mesmo, Weimar
Torres, sob o pseudônimo de J. Bartolomeu, afirma:
Fiquei sabendo que a UDN está procurando outro candidato a prefeito, porque as brigas entre o pessoal do Sinjão e do Delmar acabaram esfriando todo o resto de entusiasmo nos arraiais udenistas. Do jeito que a coisa está, o Sinjão vai ter menos votos do que a D. More-na, como vereadora (O PROGRESSO, 18/05/1958, p. 3).
Quanto ao PTB, há um movimento similar ao que ocorre nas eleições ante-
riores. O jornal destaca a tentativa do PSD de aproximação com os petebistas
visando derrotar a UDN, demonstrando claramente que a iniciativa da coliga-
ção partia do PSD:
Uma comissão permanente do PSD vai entrar em contacto com o PTB local visando en-contrar uma fórmula capaz de unir as duas agremiações no pleito vindouro. As conversações terão como ponto de partida a procura de nomes que possam unir os objetivos dos dois partidos visando uma ampla vitória comum (O PROGRESSO, 13/04/1958, p. 1).
Mesmo com a aceitação da candidatura de Vivaldi de Oliveira pelo PTB local em virtude do pedido de
correligionários do partido (O PROGRESSO, 20/04/1958, p. 1), as conversas entre PSD e PTB ocorreram, sen-
do estruturada uma comissão visando construir a aliança: “Uma Comissão inter-partidária do PSD e PTB está
estudando a fundo, a possibilidade de aliança entre as duas agremiações. Ambos estão convencidos de que a
disputarem separados o pleito, a vitória caberá à UDN” (O PROGRESSO, 27/04/1958, p. 1). O partido, já com
o processo eleitoral se aproximando, ainda busca uma coligação com o PTB, e com a chegada de Vlademiro a
Dourados para a campanha, os entendimentos poderiam acontecer. (O PROGRESSO, 01/06/1958, p. 1).
A coligação entre os dois partidos acaba não se consolidando, e o periódico começa a publicar as defecções
no seio do PTB local, como ocorreu nas eleições de 1954, tentando demonstrar a fragilidade interna do partido.
O jornal divulga amplamente a dissidência promovida por Tiburcio Olau de Almeida, um dos fundadores da
legenda na cidade, eleito juiz de paz na eleição de 1954, pelo fato de não ter sido indicado candidato a prefeito
pelo PTB local, como aparece em 08 de junho de 1958. No editorial Política é assim mesmo, escrita por Weimar
Torres sob o pseudônimo de J. Bartolomeu , é construído um suposto diálogo entre o articulista e o coronel Juca
de Mattos, líder do PSD douradense. Na conversa, Juca afirma que o candidato do PTB deveria ser Tibúrcio
Olau, pois detinha a liderança no diretório:
4 Entrevista realizada com Adiles do Amaral Torres, viúva de Weimar Torres, em janeiro de 2010.
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- Me diga, cumpadre Juca, de quem é aquele jeep que passou ainda agora por aqui, levantando poeira?
- Pois é o jeep do PTB, vovô Bartolo. Eles estão embalados para a candidatura do Vivaldi….
- E o velho Olau, onde vai ficar?- Não sei vovô. Mas a verdade é que ele é que devia ser o candidato, pois tem oitenta
por cento do eleitorado do partido, é uma injustiça que fique do lado de fora (O PROGRES-SO, 08/06/1958, p. 3).
Como em 1954, Weimar construiu um discurso vinculado à estratégia de conquista do poder em Dourados.
Era consciente da força política do PTB, crescente desde a chegada dos primeiros migrantes a partir da CAND.
Por isso, as inúmeras tentativas em construir a aliança com os trabalhistas no município. Porém, Weimar Torres e
o PSD não obtêm sucesso na empreita. Restava chamar a atenção do eleitorado para as fraquezas do PTB, cons-
truindo um discurso que maculasse a imagem do partido perante os votantes. Quanto à UDN, a crítica foi uma
constante, haja vista se configurar como o principal adversário, tanto para pessedistas quanto para petebistas,
pelo fato dos udenistas serem vencedores nos pleitos de 1950 e 1954.
Portanto, as eleições de 1958 para prefeito em Dourados não demonstraram apenas o pragmatismo do jornal O
Progresso no apoio aos candidatos do PSD, especialmente Weimar Torres e Vlademiro do Amaral. Serviram também
para legitimar o comportamento do periódico perante seus adversários políticos. Quanto ao PTB, estratégia é seme-
lhante a 1954: quando da tentativa de coligação, discursos elogiosos aos petebistas douradenses são construídos em
busca do apoio. Quando se percebe a inviabilidade da aliança, o objetivo é demonstrar a cisão no seio petebista.
Em relação à UDN, não cessam críticas à administração do prefeito Antônio Morais. Sem contar os artigos pejorativos
dirigidos a João Augusto Capilé Júnior – candidato udenista – por ter aceitado o apoio dos comunistas.
Em 1962, após deixar de circular por quase dezoito meses , O Progresso passa por transformações importantes.
Weimar Torres ainda figura como diretor fundador, mas seu sogro, Vlademiro, se torna diretor gerente do periódico.
Se mantém ainda como semanário, mas cresce de quatro para seis páginas. É importante verificar o significativo
aumento de espaços para publicidade paga nesse momento. Deve ter havido uma campanha de vendas de espa-
ços publicitários do periódico para que isso ocorresse, resultante do crescimento substancial da população urbana.
Ou seja, o jornal passa a diversificar melhor suas fontes de renda, antes baseada nas vendas de seus números e
nas ligações com os poderes públicos, embora esta última ainda continue sendo uma importante fonte de renda.
No início de 1962, Weimar Torres corre contra o tempo para voltar a rodar O Progresso. Em seu diário pes-
soal, menciona a aquisição do novo motor, visando modernizar o jornal: “Está sendo montado para alimentar
a gráfica o motor que adquiri dos sucessores do finado Ângelo Nigro, com um gerador de 7 KWA” (Diário pes-
soal de Weimar Torres, 11/01/1962). Em cinco de fevereiro, Weimar chama a atenção para a intensidade dos
trabalhos visando circular novamente O Progresso: “Trabalho intenso no jornal. Imprimimos as duas páginas do
suplemento interno. A máquina ainda não está perfeita, mas pouco a pouco a iremos regulado” (Diário pessoal
de Weimar Torres, 05/02/1962).
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Em relação à política, os discursos mais combativos – próprios de Weimar Torres nos períodos eleitorais de
1954 e 1958 – de ataques a adversários políticos, ou mesmo de afagos em períodos não eleitorais são deixados
de lado. Um tom mais ameno passa a predominar nas páginas de O Progresso, no que concerne aos antigos
adversários, especialmente às lideranças da UDN local. A exceção são as constantes críticas à administração
estadual de Fernando Correa da Costa.
Há de se destacar que Vlademiro do Amaral, sogro de Weimar Torres e candidato derrotado do PSD para
a prefeitura de Dourados em 1958, é ex-udenista, vereador pelo partido de 1947 a 1950, deixando a UDN e
migrando para o PSD por influência de seu genro, conforme aponta Adiles do Amaral Torres, viúva de Weimar.
Portanto, há uma ligação de Vlademiro com a UDN local.
Porém tal fator torna-se sem importância se voltarmos a 1958, eleição perdida por Vlademiro – já no PSD –
momento de críticas ácidas aos candidatos udenistas no periódico. Outro motivo para atenuação das críticas à
UDN é de que o filho de Vlademiro, Celso Muller do Amaral, ser candidato a vice-prefeito na chapa udenista, o
que pode ter motivado um tom mais ameno de O Progresso quanto à UDN local durante o período eleitoral de
1962, embora Weimar e Celso Muller estiveram de relações cortadas durante o período eleitoral – o que não
permite espaço para Celso nas páginas do semanário – havendo um pedido de reatamento de relações feito por
Celso via carta na noite de natal daquele ano (Diário pessoal de Weimar Torres, 24/12/1962).
Um fato de maior relevância remete também a um discurso mais tênue do jornal para com os udenistas
locais: a tentativa de aproximação entre PSD e UDN nas eleições de 1962 em Dourados, aproximação essa
liderada pelo próprio Vlademiro do Amaral. Ciente da força eleitoral crescente do PTB em Dourados, Vlademiro
enxerga como a única possibilidade de derrota dos petebistas a aliança entre pessedistas e udenistas, sempre
antagônicos nas eleições estaduais. Weimar Torres, avaliando que isso poderia lhe trazer prejuízos, em seu diário
pessoal aponta sua preocupação com o fato:
A situação política se agita no PSD. O Wilson Dias de Pinho insiste em ser candidato do partido à Prefeitura. Por outro lado, vários elementos, liderados pelo seo Amaral repelem essa candidatura para preferir uma aliança com a UDN. Minha situação, como candidato a deputado é delicadíssima. Uma dissidência viria comprometer, pontualmente, minha vota-ção, tornando mais aconselhável desistir e, desta vez para sempre, da carreira política. Enfim, veremos como se sucederão os fatos (Diário pessoal de Weimar Torres, 21/01/1962).
Tal aproximação acaba não acontecendo, e Wilson dias de Pinho é lançado candidato do PSD à Prefeitura de
Dourados, candidatura esta que não era vista com bons olhos, nem por Weimar, nem por seu sogro Vlademiro
do Amaral. Portanto, diferentemente das campanhas anteriores, o monólito pessedista acaba não se configuran-
do. A cisão no PSD é certa, e O Progresso aponta sem muito alarde o nome do deputado estadual Wilson Dias
de Pinho como candidato do partido. Em seu número de retorno, o periódico afirma que o nome de Wilson foi
lançado pela maioria da legenda, o que não indica unanimidade do PSD em relação à sua candidatura, ainda
mais lançando tal campanha sem aliados (O PROGRESSO, 11/02/1962, p. 1).
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Diferentemente das eleições anteriores, não há uma empolgação em relação à candidatura do PSD a prefei-
to por O Progresso. Prevendo resultados negativos na candidatura de Wilson Dias de Pinho, Weimar está mais
preocupado com a reestruturação dos diretórios do PSD na região, que podem vir a se tornar importantes pontos
de apoio à sua candidatura a deputado estadual. Em seu diário pessoal, Weimar ressalta o desastre que seria a
campanha para prefeito do PSD em Dourados. O próprio Wilson tenta por diversas vezes renunciar à candidatu-
ra, mas é convencido pelos correligionários a não fazer (Diário pessoal de Weimar Torres, 02/05/1962).
O jornal O Progresso dá outro tom à tentativa de renúncia de Wilson Pinho. Segundo o periódico, Wilson
desmente os boatos de renúncia e que “é um candidato para valer, para ganhar ou para perder, mas que lutará
até o fim pela sua vitória” (O PROGRESSO, 13/05/1962, p. 1).
Mesmo assim, são feitas enquetes pelo jornal O Progresso na zona urbana de Dourados, segundo as quais
Wilson Dias de Pinho supostamente disputava palmo a palmo a eleição com o deputado estadual Antônio Morais,
da UDN, estando o candidato petebista Napoleão Francisco de Souza sempre em desvantagem. É importante frisar
que O Progresso tinha circulação praticamente nula na colônia agrícola, reduto petebista, e que tais resultados
poderiam também ser manipulados pela direção do jornal com o objetivo de alavancar a candidatura de Pinho.
Mas sempre sem muito alarde, sem manifestações calorosas ao candidato do PSD, e sem ataques a seus adversá-
rios políticos. Os discursos elogiosos e de caráter meritório cabiam mais ao próprio Weimar Torres e às principais
lideranças pessedistas estaduais, Filinto Muller e João Ponce, ou algum outro candidato a vereador pelo partido.
É importante destacar o espaço publicitário que é dado a Wilson Barbosa Martins, prefeito de Campo Grande
(1958-1962) e candidato a deputado federal pela UDN, e Júlio de Castro Pinto, candidato udenista ao senado.
Desde o início da campanha eleitoral as propaganda de tais candidatos são uma constante, sendo registradas
todas as semanas até as eleições. No calor das eleições, é concedido a Wilson Barbosa um espaço de três
quartos de página para divulgação de suas propostas, sem contar os comentários na coluna Passarela Política.
Em quase todos, não faltam elogios a Wilson, afirmando que o mesmo será mais votado que o udenista Rachid
Saldanha Derzi na região, candidato a deputado federal da UDN de Ponta Porã.
Isso também explica a influência de Vlademiro, ex-udenista, quanto às publicações de O Progresso, indican-
do uma postura menos panfletária do semanário, pois importa muito mais os lucros vindouros das publicações,
independente se são ou não originários de antigos adversários políticos.
Mas o que importa para Weimar é sua eleição para deputado estadual, que o mesmo prevê que também será
muito difícil. Pensando dessa forma, atua na reestruturação dos diretórios do PSD na região, dando destaque
aos candidatos a prefeito pelo partido em Itaporã, Rio Brilhante, Ponta Porã, Maracaju e Nova Andradina, todos
coligados com o PTB. O candidato itaporanense do PSD, Edson Bezerra, ganha mais destaque nas páginas de
O Progresso que Wilson Dias de Pinho. Não faltam elogios e adulações a tais candidatos.
Tais afagos aos apaniguados da região se tornam necessários para Weimar, pois sendo um importante ins-
trumento a serviço do PSD, e tendo correspondentes nas cidades vizinhas, O Progresso atuaria na consolidação
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destas candidaturas, reforçando desta forma as bases de apoio a Weimar Torres, pois o partido possuía outro
candidato da região a deputado estadual, o ex-prefeito Ruy Gomes.
Em relação à candidatura de Napoleão Ferreira de Souza (PTB), não há críticas durante o período eleitoral.
Além de Weimar e Vlademiro não acreditarem na vitória do candidato do PSD, esta postura tênue também em
relação ao candidato do PTB se dá em virtude de pessedistas e petebistas estarem coligados nas eleições para o
senado federal, suplente de senador e câmara federal no Mato Grosso. Ademais, o periódico noticia com certo
entusiasmo as coligações para as eleições municipais entre os dois partidos nas cidades vizinhas.
Mesmo com O Progresso atuando basicamente na campanha de Weimar, sua votação em Dourados também
não é das melhores: obteve 926 votos, contra mais de quatro mil votos de Vivaldi de Oliveira, e dois mil e duzentos
votos do udenista Antônio Duarte. Este resultado ruim para Weimar em Dourados demonstra a fraqueza do PSD no
município, sendo necessário a este buscar bases em outras cidades da região, o que acaba dando resultado, pois
conquista mil e setecentos votos fora de Dourados, o suficiente para garantir sua eleição para a assembléia legislativa.
Wilson Pinho tem uma votação pífia para a prefeitura de Dourados, terminando as eleições em terceiro lugar. A
análise dos discursos do jornal O Progresso de 1962 demonstram que, em relação à disputa pela prefeitura de Doura-
dos, o PSD não dá a devida importância ao pleito. Tanto é que a postura é tênue em relação aos adversários. O que
importava mesmo era a campanha de Weimar a deputado estadual, cujo periódico não se cansa em propagandear.
Portanto, no período estudado, Weimar Torres constrói representações que demonstram claramente a estra-
tégia de seu grupo político. O jornal O Progresso, como elemento capaz de interferir na vida social dos doura-
denses, serve de instrumento para manipulação de interesses do PSD no período, seja na tentativa de construir
alianças, seja na vontade em alavancar seus candidatos – por isso a elevação, adulação de determinados políti-
cos em um determinado período. O contrário, adjetivos pejorativos também fazem parte do vocabulário político
do periódico, destinados a desqualificar seus adversários.
Maior ênfase do discurso elogioso ao PTB, pela força política na zona rural e pelos arranjos estaduais entre
as duas legendas, mas tal discurso não é uma constante. Há também discursos de combate aos trabalhistas no
município no período, sempre que a aliança não se consolida, como em 1954 e 1958.
Para Jean-Noël Jeanneney, a imprensa detém uma importância cabal na conquista de votos, porém, os diri-
gentes geralmente exageram, tendem a potencializar essa importância (JEANNENEY, 2003, p. 216). O uso que
o PSD faz do jornal O Progresso, como instrumento na estratégia do partido em conquistar o poder, serve de
exemplo, está de acordo com a colocação do autor. Embora O Progresso seja utilizado por Weimar Torres e seu
grupo político para garantir seus interesses, isso não se traduz em vitória eleitoral do partido, principalmente no
tocante à cadeira de prefeito municipal de Dourados.
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ISSN: 2316-3992
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 194-207, nov 2012
ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA: HISTÓRIA E MEMÓRIA SOCIAL NAS
CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DE JARDIM-MS1 2 ETHNOGRAPHY OF CINEMA AND NEWSREEL AT SERRA DA BODOQUENA: HISTORY
AND SOCIAL MEMORY ON IDENTITY CONSTRUCTIONS OF JARDIM-MS
Palavras-chave: Cinema, memória social, oralidade
Resumo
O presente trabalho desenvolve acerca do resgate e preservação da memória social dos cinemas e dos cine-
jornais presentes na região conhecida como Serra da Bodoquena. Os cinemas ganham importância na região
quando consideramos sua instalação cerca de 20 anos antes da televisão e rádio nas cidades. As salas de cinema
além de serem únicos meios de informação e relação com o global constituíam-se de espaços de encontro, luga-
res de vivência. Em todas as cidades pesquisadas os cinemas foram extintos, sendo o último em Jardim (MS) onde
desenvolvemos a pesquisa etnográfica com descrição densa, observação participante, gravação e organização dos
relatos para registro da narrativa e das mediações culturais no correr dos anos, presentes unicamente na memória
da população. A memória social sobre os cinemas na cidade é patrimônio cultural imaterial, e registra nos proces-
sos de comunicação orais a história e desenvolvimento regional pelo ato de contar as experiências na mídia-lugar.
Lairtes Chaves Rodrigues Filho³ e Daniele Cristiane Ota4
1Relatório final da pesquisa de Iniciação Científica CNPq, na qual o plano de trabalho se intitulava “O Produto Audiovisual do Cinejornal e a representação social da realidade: Análise dos conteúdos informativos das grandes telas na formação sócio-po-lítica da região da Serra da Bodoquena”.
2Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigram/ Dourados/ MS.
Bolsista de Iniciação Científica CNPq – PIBIC 2011/2012. Graduando em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo na UFMS. E-mail: [email protected]
Orientadora. Doutora em Ciências da Comunicação (USP). Professora Adjunta do Curso de Comunicação Social – Habili-tação em Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMS. E-mail: [email protected]
ABSTRACT
This paper develops about the rescue and preservation of social memory of cinema and newsreels in the region
known as Serra da Bodoquena. The cinemas in the region gain importance when considering its installation about
20 years before television and radio in cities. The movie theaters besides being the only means of information and
relationship to the global, is constituted too as meeting places, places of living. All the cities surveyed had theaters
abolished, the last being at Jardim (MS) where we developed ethnographic researching with thick description,
participating observation, recording and organization of reports to record the narrative and cultural mediations
over the years, present only on population’s memory. Social memory about cinemas in the city is intangible cultural
heritage, and registers in communication processes, the oral history and regional development by telling of the
experiences in the media-place.Keywords: Cinema, social memory, orality
FILHO, Lairtes Chaves Rodrigues 195
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INTRODUÇÃO
O interesse no tema surge antes mesmo do estudo da comunicação de massa no curso de jornalismo. Ainda
adolescente, tive contato com alguns relatos sobre uma época não muito distante em que cidade interiorana de
Jardim – MS. Histórias sobre um cinema. Um cinema inaugurado em 1948 intitulado CineJardim de propriedade
da Companhia de Estradas e Rodovias do Exército (CER-3) que mobilizou, até ser demolido em 1989, com filmes
holliwoodanos, cinejornais governamentais e festivais de música e teatro, toda a formação de um município que foi
território paraguaio antes da Guerra do Paraguai, que fora fazenda antes das expedições da companhia de estradas,
que fora vila de militares, que fora estado de Mato Grosso, que hoje é Mato Grosso do Sul, e passou de duas famílias
no começo do século a 42 mil habitantes em 68 anos de história (considerando que o estado de MS tem 35 anos).
O conteúdo que passava na tela desse cinema foi objeto primeiro desse estudo durante a pesquisa de iniciação
científica financiada pelo CNPq. O estudo procurava rever a presença dos cinejornais e de que forma eles influen-
ciaram a formação da região da Serra da Bodoquena. Duas surpresas se fizeram presentes nos resultados. Diversas
películas de cinejornais tinham imagens das pessoas, etnias e locais da região – a população que formou aquele
espaço estava representada num meio de comunicação de veiculação nacional. E segundo; não havia registro
algum sobre tal cinema, sobre os filmes e os cinejornais ali transmitidos. Tudo estava presente apenas, na memó-
ria das pessoas que vivenciaram a existência desse cinema. Foi necessário para completar a pesquisa levantar as
pessoas que tiveram essa experiência e entrevistar cada uma delas para fazer a leitura dessa memória audiovisual.
Considerando as mudanças com o encontro desses novos fatores, foi necessário repensar o objeto e alterar
o direcionamento. O conhecimento do conteúdo dos cinejornais precisou ser resgatado a partir na memória e
das experiências das pessoas no cinema, que passa a ser compreendido então como mídia-lugar, considerando
que ao mesmo tempo é meio de comunicação de massa e espaço de encontro.
O resgate da memória oral centrado em um espaço de convivência o qual a população tem vínculos afetivos,
possibilitou uma visão diversificada e policêntrica da história da cidade e as mudanças na sua identidade cultural,
as implicações visíveis da globalização e ao mesmo tempo, a intimidade que a população tem com os aspectos
relacionados à oralidade (considerando desde já que as principais mídias da cidade são o rádio, televisão e
carros de som – mais evidentemente o rádio, como na maioria das cidades do interior).
O vínculo afetivo (PICHÓN-RIVIÈRE, 1998) da população com seu espaço/território está presente na narra-
tiva oral, nas múltiplas expressões sonoras e pausas, no código, na transparência da intenção da fala, consti-
tuintes do relato de memória. Emoções de satisfação, raiva, fé, saudade, tristeza, são incluídas na narrativa sem
o filtro da escrita. A oralidade garante até certo ponto, maior riqueza de detalhes na palavra, à medida que dá
valor semântico e discursivo e dimensões de percepção que a palavra escrita não é capaz de oferecer, exceto por
por hipertexto, com as tecnologias da informação.
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Mapear estruturas de percepção e processos de comunicação nos espaços urbanos com centro na oralidade
presente em determinada região torna-se a continuidade de uma contribuição acadêmica, que permite identificar
territórios e identidades culturais e suas alteridades frente à sociedade em rede e as implicações nas chamadas
geografias da comunicação .
Quanto a relação de cidade, espaço midiático e memória, Nestor Garcia Canclini (2002) afirma:
Mesmo onde não foram destruídos os centros históricos, as praças, os lugares que man-tinham viva a memória e permitiam o encontro das pessoas, sua força diminui frente à remo-delação dos imaginários operada pelos meios de comunicação. Os relatos mais influentes sobre o que significa a cidade emergem agora da imprensa, do rádio e da televisão. No tumulto heterogêneo e disperso de signos de identificação e referência, os meios não pro-põem tanto uma nova ordem, mas sim oferecem um espetáculo reconfortante. Mais do que estabelecer novos lugares de pertencimento e de identificação de raízes, o importante para as mídias é oferecer certa intensidade de experiências. Em vez de oferecer informações que orientem o indivíduo na crescente complexidade de interações e conflitos urbanos, os meios de comunicação ajudam a imaginar uma sociabilidade que relaciona as comunidades virtu-ais de consumidores midiáticos: os jovens com outros jovens; as mulheres com suas iguais; os que se interessam por algum esporte com outros praticantes em diferentes lugares da mesma cidade e do mundo; os gordos com os gordos; os que gostam de salsa ou bolero ou rock com outros que têm as mesmas preferências. As comunidades organizadas pela mídia subs-tituiriam então os encontros nas praças, os estádios ou os salões de baile pelos não-lugares das redes audiovisuais.
Analisar os discursos e as representações culturais e políticas nos cinejornais da região da Serra da Bodoque-
na passa primeiramente pelo conhecimento das condições de discurso e na construção histórica e do desenvol-
vimento das regiões pela memória da experiência das pessoas. A memória coletiva neste sentido e o relato oral
(e logo a oralidade) são elementos de identidade cultural das cidades no tempo-espaço. A identidade cultural
está intimamente ligada à memória social, na qual o espaço midiático é agente de encontros e experiências
mediadas, principalmente na construção informativa e nos valores transmitidos pelo produto audiovisual, na
representação das comunidades locais, como o sertanejo, o pantaneiro, o indígena e o sul-mato-grossense.
A identidade étnica ou cultural do grupo parece condicionada a certa aderência de sua memória coletiva ao espaço (território ou lugar); sem o qual a sua marca subjetiva corre o ris-co de se diluir no continuum temporal, desprovido de referenciais perenes e imutáveis. Nos-sos processos mnemônicos seriam acionados e desencadeados por signos espaciais externos que transformam gestos anódinos em atos simbólicos passíveis de reconstituir a experiência ritualística existencial do grupo de origem, enriquecê-la e religar (não é mais preciso lembrar que, etimologicamente, a religião é um modo de religar - religare) as gerações presentes e futuras às antepassadas. (ELHAJJI, 2011)
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Políticas de Cultura e Patrimônio Cultural
Rodrigues Filho & Vianna (2012) explicitam o compromisso do profissional e pesquisador da comunicação social nos termos da Lei n° 12.343, de 2 de dezembro de 2010, que institui o Plano Nacional de Cultura - PNC,
cujos princípios são:
I - liberdade de expressão, criação e fruição;
II - diversidade cultural;
III - respeito aos direitos humanos;
IV - direito de todos à arte e à cultura;
V - direito à informação, à comunicação e à crítica cultural;
VI - direito à memória e às tradições;
VII - responsabilidade socioambiental;
VIII - valorização da cultura como vetor do desenvolvimento sustentável;
IX - democratização das instâncias de formulação das políticas culturais;
X - responsabilidade dos agentes públicos pela implementação das políticas culturais;
XI - colaboração entre agentes públicos e privados para o desenvolvimento da economia
da cultura;
XII - participação e controle social na formulação e acompanhamento das políticas culturais.
O jornalismo como agente construtor da realidade (TRAQUINA, 2005), tem por função social o registro dos fa-
tos e a difusão especializada do conhecimento. Por outro lado, a imprensa e os meios de comunicação tendem a se
preocupar com a rotina e as informações correntes dos critérios de noticiabilidade, como atualidade, periodicidade,
verossimilhança (WOLF, 1999), deixando falhas no que compete à memória nem tão recente.
Nesse contexto de atribuições, princípios, função social da universidade e do jornalismo na preservação do
patrimônio cultural brasileiro, decorre um objeto de pesquisa fundamental: a presença e influência dos cinejornais
e dos cinemas no estado.
O cinema chega no Brasil e, especificamente em Mato Grosso do Sul cerca de 50 anos da chegada da televi-
são, que se consagrou como meio de comunicação de massa popular, depois da década de 80. Da mesma forma,
os telejornais, principal veículo informacional e noticioso da população, surge em consequência do nascimento da
televisão. Mas como se dava o acesso à informação noticiosa no país e no estado antes disso?
As telas e salas de cinema eram o principal recurso audiovisual de transmissão em massa das informações, daí
a origem dos cinejornais.
Nessas grandes telas onde jornalismo e cinema aproximavam-se em arte, mediados pelo projeto das grandes salas,
registraram-se fatos, momentos históricos e formas de representação social e cultural únicas da população local; as
quais, a própria população não tem acesso, senão pela narrativa oral dos habitantes mais velhos para os mais novos.
Cabe aos pesquisadores da comunicação pelos instrumentos técnicos do jornalismo, a busca, levantamento, re-
gistro, preservação e principalmente, a difusão da memória e cultura local, como elemento essencial da formação da
regionalidade e bases futuras para estudos da representação social nas primeiras mídias pelos cinejornais do Estado.
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ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 198
Em conformidade com o PNC, as pesquisas de análise e presença dos cinejornais deve buscar reconhecer
e valorizar a diversidade cultural, étnica e regional brasileira, pelo resgate e preservação dos registros e relatos
da população sul-mato-grossense pela pesquisa da presença e impactos históricos dos cinejornais no estado,
como forma de narrar parte da história do jornalismo local, e proteger o patrimônio histórico e artístico material
e imaterial da cultura sul-mato-grossense.
A preservação do patrimônio histórico e da memória passou a ser valorizada com mais evidência a partir da
década de 1930, mais especificamente com a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional –
IPHAN, no governo Getúlio Vargas (Lei nº 378, de 13 de Janeiro de 1937). Com esse estímulo, passaram a surgir
um maior número de Centros de Documentação, em sua maioria a partir dos anos de 1970.
Memória Social e Cultura
A preservação da memória e seu resgate, considera o levantamento e consciência da população de seu pa-
trimônio cultural, do desenvolvimento de seu território e das formações das múltiplas identidades.
A conceituação dessa memória é algo que tem se alterado no passar do tempo.
Para Lowenthal (1989), a memória pode ser entendida como um processo que colabora na projeção de um
futuro, balizado pelos contextos históricos do passado. Memória, história e relíquias para o autor constituem
metáforas mútuas, ou seja, fontes de conhecimento.
Para Zilda Kessel (2011):
O conceito de memória vem se modificando e se adequando às funções, às utilizações sociais e à sua importância. A invenção da imprensa, com tipos móveis, e a urbanização, com mudanças fundamentais na organização e nas relações sociais, nas atividades, papéis e percepções do indivíduo, trarão mudanças importantes para a memória individual e coletiva. De uma sociedade baseada na transmissão oral dos saberes necessários ao trabalho e à vida em grupo, novas ocupações relacionadas ao comércio e à vida nas cidades demandam registros de operações, de listas, de transações.
Desenvolvem-se, a partir daí, artifícios cada vez mais sofisticados para guardar e disseminar a memória em
textos e imagens. Este processo culmina com o computador, capaz de guardar grandes quantidades de informa-
ções e abarcar todos os meios inventados anteriormente para registrar e armazenar a memória.
Le Goff (1994) compartilha essa linha teórica explicando que a memória coletiva tem a função de contribuir
para o sentimento de pertinência a um grupo de passado comum, que compartilha memórias. Ela garante o
sentimento de identidade do indivíduo calcado numa memória compartilhada não só no campo histórico, do
real, mas, sobretudo no campo simbólico.
Sobremaneira a idéia de memória está no ato de contar histórias ou lembranças. O ato de relembrar de acor-
do com Ecléa Bosi (1987), é uma ato de narrar experiências. A memória social neste sentido tem a função social
de transmitir informações na especificidade da oralidade e, portanto, é essencialmente parte de um processo de
comunicação
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ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 199
Regina Zilberman (2006), estudiosa dos aspectos gerais e comunicativos da oralidade, elenca em seu tra-
balho sobre a obra de Walter Benjamin nos estudos sobre as narrativas, pontos gerais que explicitam as razões
pelas quais Benjamin privilegia a memória, de que depende a capacidade de narrar e a que associa a oralidade.
Na linguagem, e em especial na oralidade, desembocam as preocupações de Walter Benjamin. O ato de nomeação extrai a natureza das coisas, fazendo com que a palavra as imite, podendo passar por elas. Ao mesmo tempo em que o substantivo manifesta, por mimetismo, o ser do objeto que expressa, pode substituí-lo. Palavras e coisas se identificam, conforme um sentimento mágico de que são exemplos algumas religiões, conforme as quais se proíbe o uso de determinados vocábulos para não atrair a atenção de seus portadores. A oralidade é o modo mais notório da relação entre o nome e a coisa, mas a escrita, origi-nalmente, não tem como objetivo romper essa unidade. A oralidade é igualmente expressão mais credenciada da memória, conforme o estudo sobre o narrador, aproximando não ape-nas as palavras e os seres, mas também as pessoas, falantes e ouvintes. (ZILBERMAN, Op. Cit.)
Se considerarmos tal como Zilberman ao ler Benjamin, que “a oralidade é a expressão mais cadenciada da
memória”, podemos afirmar que
A modernidade se caracteriza pelo rompimento da unidade primitiva, nostalgicamente recuperada por Benjamin. É igualmente o tempo da escrita individual e do isolamento do lei-tor, apontando para a dissociação, irrecuperável, entre a dicção e a redação, que o pensador diagnostica e lamenta. Entende-se por que Benjamin prefere valorizar a memória, em detri-mento do inconsciente, valendo-se da realização literária alcançada por Marcel Proust, que lida com o que chama de “memória involuntária”. Esta, fundada na suspensão da consciên-cia e na abolição da temporalidade, enquanto fluxo cronológico, faculta o retorno do tempo, a apreensão do passado, a recuperação dos momentos primordiais. Constitui experiência absolutamente pessoal, tal como a regressão aos momentos traumáticos, possibilitada pela terapia psicanalítica; mas as experiências recobradas pela memória involuntária não são-necessariamente penosas, basta que tenham sido decisivas para o sujeito que as vivencia.
Benjamin está interessado em diagnosticar o mal do século, caracterizado pela perda da experiência, que
obstrui a linguagem e cala o homem. Baudelaire recupera essa capacidade pelo que Benjamin chama de “ex-
periência do choc”, e Proust, de memória involuntária. Nestes casos, trata-se de valorizar a memória, com a
conseqüente expressão lingüística que está na base da comunicação.
Seu fundamento é o tripé experiência-memória-oralidade. A escrita vem depois, mas, para se adequar ao projeto benjaminiano, não pode perder a natureza mimética, compro-vada historicamente, se lembramos que os primeiros alfabetos, como os dos sumérios, por exemplo, tinham pendor ideográfico, como é, até o presente, o dos chineses. O Ocidente estilizou a escrita, tornando-a crescentemente convencional, assim como o significado dos signos, entendido pela Lingüística como arbitrário.20 O processo, deplorado por Benjamin, separou memória e linguagem, colocando-se a escrita como divisor entre as duas e sublinha-dor das diferenças. (Ibidem)
A narrativa constitui, pois, o “espaço em que a memória se manifesta, tomando toda recordação a forma de
um relato retrospectivo” (BENJAMIN,1985). Representa a fonte do contar, logo, a origem da narração, exposição
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ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 200
primitivamente oral de um sujeito para um grupo de ouvintes, com o qual compartilha interesses e expectativas.
Segundo Ota; Rodrigues Filho & Negruny (2012), a memória e sua transmissão oral permitem que a narrativa
histórica modifique a escrita de estórias centralizada em grupos de poder, tornando protagonistas personagens
que vivenciaram as histórias muitas vezes não presentes nos livros, grupos de personagens estes que exigem re-
conhecimento social e que lançam mão da memória coletiva como catalisadora e mediadora de um sentimento
de pertencimento e identidade.
Para Tedesco (2004), “os elementos mediadores da memória, sejam objetais, de consciência coletiva e in-
dividual, de políticas de lembrança e de esquecimento, etc., servem de suporte à cultura, à identidade social e
étnica, à tradição”.
A formação cultural e os aspectos mais profundos da regionalidade estão diretamente ligados à forma como
a memória e a oralidade da região é registrada e reproduzida como elemento da identidade cultural e do senti-
mento de pertença ao território geográfico.
Partindo da concepção de que toda memória, mesmo quando individualizada, é coletiva e de que apenas um
pequeno grupo na sociedade (notadamente os que estão no poder e os que aspiram alcançá-lo) se preocupa
em difundir, preservar ou negar a memória, podemos adentrar na noção de enquadramento, na qual também se
inscrevem as tradições inventadas.
De acordo com Hobsbawn (2008), essas tradições “são reações a situações novas ou que assumem a forma
de referência a situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição quase que obriga-
tória”. A incorporação dessas invenções à memória coletiva depende de um esforço lento, custoso, de convenci-
mento, de manipulação do passado, mas que, entretanto, são legitimadas pelas necessidades contemporâneas
ao contexto em que são criadas – de rupturas, de necessidade de preservação.
Segundo Picolli (2010), nesta perspectiva,
Podemos inferir ser a memória – ancorada pelo suporte da oralidade – um sistema cog-nitivo complexo, no qual, a cada recurso à rememoração, se desenha uma ressemantização de símbolos e de experiências em narrativas que assentam as identidades (e que por estas são enquadradas). Entretanto, a palavra memória pode ser associada a um sistema simplório de junção de lembranças intactas, imóveis, desvinculadas de contextos específicos, numa perspectiva ahistórica.
“Memória e história são complementares”. A história escrita e sua reprodução não podem permitir o esvazia-
mento da pessoalidade e da identidade marcada pela experiência dos integrantes do processo histórico.
METODOLOGIA
Em primeiro lugar é importante destacar o a escolha pela Será da Bodoquena, formada pelos municípios de
Jardim, Guia Lopes da Laguna, Bonito e Bodoquena, vista sua importância histórica para o estado, na ocasião da
Retirada da Laguna no século 19 e, a convalidação das diversas etnias e minorias presentes na região.
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Abrigando populações indígenas como Terenas, Kadiwéu e Guarani, além de paraguaios residentes, fazen-
deiros e peões, e o pantaneiro como homem histórico, entender o processo de construção imagética e mítica da
realidade e imaginário nessa região partir de como essas minorias se vêem e reproduzem em comportamento
as informações agregadas dos valores impostos nas grandes telas é fundamental para narrar posteriormente a
formação pós-moderna dessas populações e o desenvolvimento da narrativa jornalística e audiovisual no estado.
Foram encontradas quatro salas de cinema na região– duas em Jardim, uma em Guia Lopes da Laguna e
uma em Bonito. Das quatro o cinema de maior destaque foi o CineJardim, no primeiro município.
O trabalho correu num primeiro momento sob o levantamento bibliográfico e documental para reunir os
cinejornais e a listagem dos cinemas na região. Com a ausência de registros nas cidades e a dificuldade finan-
ceira encontrada em fazer a gravação dos cinejornais; o foco da pesquisa foi direcionada para o material local
disponível para o levantamento: a memória social.
Ao incluir no modus operandi o contato e a entrevista com as pessoas, foi necessário reduzir o corpus da
pesquisa. Restringimos o espaço para o município de Jardim por ser pólo na região e por ter o principal cinema
registrado, o CineJardim, de onde originaram-se fluxos de migração em seu tempo de outras cidades para as-
sistir os filmes dele.
Para resgatar a memória sobre o cinema e cinejornais na cidade, escolheu-se a perspectiva antropológica
da etnografia conforme o descrito por Geertz (1998), na qual o pesquisador realiza uma descrição densa dos
elementos culturais e dos comportamentos sociais para entender os contextos da memória.
Depois foram realizadas 45 entrevistas em profundidade, com uma única pergunta-chave: “O que você se
lembra e do que tem saudade com relação aos cinemas em Jardim?”.
O entrevistador não interferiu nas respostas que surgiam livremente conforme o entrevistado lembrava. Como
resultado, tivemos relatos não-lineares no que se refere ao tempo cronológico, e conseguimos o desejado: re-
latos com carga afetiva, experiência no espaço, fatos histórico, descrição, tudo a partir do que o entrevistado
considerava mais importante e portanto, lembranças que com o qual desenvolve vínculos afetivos.
Os entrevistados foram voluntários. Após divulgação nos meios de comunicação da cidade (rádio, jornal e
sites) e cartas-convite pregadas em todos os locais públicos, foi marcado um local de fácil acesso onde as pes-
soas interessadas em ceder suas memórias poderiam ir e efetuar a gravação.
Em outro momento, procuramos reuniões de encontro de pessoas idosas para resgatarmos as memórias mais
antigas da história do cinema, de onde tiramos verdadeiramente as narrativas de origem e desenvolvimento da
cidade.
Todos os relatos foram gravados digitalmente em mp3 e decupados na íntegra de modo a incluir as emoções
nos relatos no texto escrito.
A descrição densa dos aspectos culturais da cidade e o registro integral das memórias nos relatos orais per-
mitiu o desenvolvimento da pesquisa etnográfica, de campo, exploratória.
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Há o apelo popular de todas as gerações ouvidas do retorno no cinema que muitos consideravam patrimônio
cultural de Jardim (e de fato o era). Na verdade, com a extinção do espaço-mídia, o patrimônio cultural volta-se
a memória social que registra as alteridades e identidades culturais a partir das relações e processos de comu-
nicação no espaço-mídia.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Enquanto objeto de estudo, os cinejornais representam a mística e técnica do cinema, na preocupação e com-
promisso do jornalismo do início do século, ainda que utilizado em sua maior parte como aparelho ideológico de
formação de opinião pelos governos.
A integração primária de áudio, imagem e a técnica cinematográfica de unir elementos do real com as produ-
ções com fins representativos, como elemento documental, permitiu o registro histórico e social das populações e
identidades culturais mutantes durante o século que devem ser resgatadas e estudadas, para entender os compor-
tamentos e realidades construídas da atualidade.
Durante o trabalho, evidenciou-se a ausência de qualquer registro acerca da presença dos próprios cinemas
nas cidades. Algumas plantas e escrituras de terreno da década de 70 surgiram como registros materiais únicos.
A matéria prima e objeto principal do estudo estabeleceram-se então apenas pelo uso do relato acerca da his-
tória das cidades, dos cinemas e depois, dos cinejornais enfim.
Em Guia Lopes da Laguna encontraram-se relatos e registro de planta de um cinema, desativado no começo
dos anos 90. Em Bonito relata-se a presença de um cinema entre 1980 e 1986. Bodoquena não teve cinemas
ou salas de exibição. Jardim teve dois cinemas, um iniciado na década de 60, logo após a fundação da cidade,
destruído por ordem do comando militar em 1989 (o CineJardim) e, outro comercial, falido pela falta de público
e período desconhecido.
Os dados históricos não puderam ser conhecidos por registros, mas pela memória das pessoas que viven-
ciaram essa história. O relato oral por si configurava uma narrativa rica em detalhes e descrição de cenários e
personagens, que por si permitiam o entendimento de contextos e formação sócio-política das cidades.
A pessoalidade e entendimento, bem como os boatos e interpretação de acontecimentos locais e nacionais
estão presentes e todos os objetos, de modo que ao cruzar relatos, é possível encontrar elementos de repetição
– como partes de texto – em todas as narrativas.
O projeto de preservação da memória e do patrimônio histórico e cultural sul-mato-grossense pelos cinejor-
nais tem como referenciais teóricos estudos desenvolvidos por autores como Lowenthal (1989) e Le Goff (1994),
que desenvolvem pesquisas quanto à história e a memória coletiva, respectivamente.
Para Lowenthal, a memória pode ser entendida como um processo que colabora na projeção de um futuro,
balizado pelos contextos históricos do passado. Memória, história e relíquias para o autor constituem metáforas
mútuas, ou seja, fontes de conhecimento.
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Le Goff também compartilha essa linha teórica explicando que a memória coletiva tem a função de contri-
buir para o sentimento de pertinência a um grupo de passado comum, que compartilha memórias. Ela garante
o sentimento de identidade do indivíduo calcado numa memória compartilhada não só no campo histórico, do
real, mas, sobretudo no campo simbólico.
Entendeu-se nessa pesquisa a necessidade de se conservar documentos, depoimentos, imagens e áudio; “a
existência de um suporte material é imprescindível, pois permite registrar o pensar, o sentir, a história, os saberes
de uma comunidade em determinado período” (RODRIGUES FILHO; VIANNA, 2012).
A pesquisa da influência dos cinejornais (produtos culturais-informativos) culminou obrigatoriamente na pre-
sença dos cinemas (espaços físicos), possuem transversalmente um ponto de encontro que é base para qualquer
estudo de mídia audiovisual na região: a memória audiovisual e sua reprodução carecem de registros e só sub-
siste nas condições culturais e hereditárias da oralidade.
O texto oral não é apenas fonte histórica única, mas patrimônio cultural imaterial e deve ser preservado à
medida que conserva em suas especificidades a narrativa do desenvolvimento e da formação cultural, identitária
e de território das cidades por meio de sua população.
Os relatos das pessoas
Dona Gregória, foi uma das voluntárias na pesquisa e muito contribuiu na compreensão do funcionamento
do cinema na cidade. Ao contar uma situação engraçada, expõe nas suas lembranças a morosidade com que as
películas dos cinejornais chegavam até Jardim. Ainda assim, fica evidente a importância da mídia-espaço para a
identificação do jardinense como brasileiro, recebendo noticias dos acontecimentos no território nacional.
“Deixa eu te contar, esse de Medeiros que era apaixonado pela atriz, era tenente do Exército e morava no Rio. Estava terminando a escola no Rio, e era noivo em Natal, ela em Natal e ele no Rio. Ai quando chegou a minha mãe e telefonou para ela que não podia ir porque ele tava terminando umas provas. Depois do carnaval, se encontraram, se casaram e vieram para Bela Vista. Ai nisso, dois meses depois do casamento, assistindo lá o cinejornal, mas também como estou te falando, dois, três meses depois... Carnaval no Rio de Janeiro, a primeira coisa que ela viu, foi ele. O noivo. Disse que estava fazendo prova a primeira briga do casal. Dois, três meses depois do casamento, entendeu? Era assim os jornais. Então a gente sempre tinha as noticias mas sempre atrasadas.”
Maria Rosa, também contou sobre sua vivência no espaço-mídia. Em seu relato fica exposto o CineJardim
como ponto de referência para compreensão de memórias sobre comportamentos, outros pontos de encontro,
atividades de grupos sociais, etc.
“A gente assistia os filmes que eram importantes, assistia documentários que vinham, mas praticamente era filme de faroeste, que eu lembro, alguns romances, filmes de Tarzan, esse eu acho que assisti todos com meu irmão. Porque, o que acontecia, meu irmão como era menor eu acompanhava ele na sessão das seis, e depois eu ia na sessão das oito, e as vezes era o mesmo filme. Entendeu? Mas ai a gente fazia aquilo como um momento de lazer, de ter companheiros, as amizades. Em frente ao cinema tinha uma pracinha, que normalmente quando a gente saia dali, a gente ficava um pouquinho ali na pracinha, que era um ponto mais elevado do que o cinema.”
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Outro relato interessante na compreensão da cultura é a de Seu Elias Cristaldo, ou Seu Lobão, como é co-
nhecido. Morador na cidade desde antes da fundação, pode acompanhar a vida do Cinema desde sua inaugu-
ração até a demolição. Destacamos em seu relato as memórias dos conflitos de grupos e territoriais presentes da
fronteira dos municípios Guia Lopes da Laguna-Jardim.
Tinha trilheiro pra chegar na porta [do cinema], caminho que a turma fala. Então quando eu comecei a vir aqui, que eu estudei em Guia Lopes, em escola particular, eu morava na casa de um professor, mas nós não vínhamos para assistir filme. Nós vínhamos para saca-nagem (risos). Porque a “gurizada” de Guia Lopes e a “gurizada” daqui brigavam. No tapa mesmo, soco, laço, feio mesmo. Então, nós juntávamos o grupo lá do nosso colégio e outros da cidade, e vínhamos, ai quando chegava ali na ponte, era um caminhão da (...) que chega-va ali, o motorista parava o caminhão e ia cobrar as passagens. Nós pulávamos para baixo do caminhão, ele cobrava de todos que estavam lá em cima, dos bobões que estavam lá em cima.Quando o caminhão funcionava para ir embora, nós pulávamos pra dentro.
A esperteza, as atividades, os grupos sociais, os fluxos migratórios, os conflitos sociais, todos recontados por
quem vivenciou a partir de um eixo comum (ou lugar comum). O cinema passa a ser entendido como um espa-
ço-mídia que centraliza as memórias da população e forma uma identidade cultural, que descreve ao mesmo
tempo a história das pessoas e do território ocupado. A etnografia desse movimento possibilita o mapeamento
da cultura na cidade no espaço-tempo de modo complexo e com centro no personagem-narrador.
Foram utilizados aqui fragmentos de apenas três relatos dentre 45. A dimensão de pesquisa alcançada no
cruzamento das informações como um todo são a cartografia de uma cidade que tem sua memória social cen-
trada num cinema extinto no espaço, presente nas histórias contadas.
CONCLUSÕES
Como registrar essa memória sem perder a subjetividade e aspectos de contextualização da narrativa?
Apenas o registro histórico feito através da narrativa pode expressar a realidade vivida pela sociedade em
outro período. Nesse caso, o registro oral por áudio ou vídeo, torna a narrativa mais fidedigna a vivência dos
personagens fontes.
Através de tal registro, é possível enriquecer e manter todas as emoções, experiências e opinião sem a in-
terferência de um segundo narrador, que pode sem intenção subtrair todos os sentimentos vividos pelas fontes.
Tais sentimentos permitem a valorização da regionalidade, identidade e fontes, que comumente são esqueci-
das na narrativa histórica que não repassa a vivência da sociedade na época.
A multiplicidade de vozes unidas para resgatar a história de um elemento cultural a partir das memórias orais,
permitiu que, cruzados, os relatos de vida passados de alguma forma próximo ao cinema, formassem uma nar-
rativa não-linear, esférica e interligada a cada um dos personagens, expondo consciente e inconscientemente, os
comportamentos, ideologias, medos, preconceitos, instrumentos de poder, crenças e suas mudanças em função
do tempo, da vinda de novas pessoas, de novos media, e de novas tecnologias.
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ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 205
A memória oral e a narrativa que trata da experiência dos personagens que construíram as cidades e viven-
ciaram de forma direta a ação dos produtos culturais, é fundamental para o entendimento do desenvolvimento
de sua região. A identidade cultural é marca de seus relatos tanto quanto a cidade é testemunha por si do cres-
cimento de suas atividades e população.
A perda da oralidade pode representar num cenário pessimista não apenas a perda definitiva da história
audiovisual não registrada, mas a perda de marcas de um patrimônio cultural imaterial. Independentemente
do meio de comunicação estudado ou analisado, o objeto de pesquisa nesses casos protagoniza no âmbito
da oralidade e da memória coletiva que é dinâmica, exclusiva e perecível à medida que com o fim da vida dos
personagens, encerra-se a narração dos acontecimentos.
O trabalho se mostrou demasiado complexo para a iniciação científica e está tendo continuidade como tra-
balho de conclusão de curso da graduação, na qual busca-se produzir uma radionovela, que conte a história
desse cinema perdido, na voz dos personagens que viveram a história da cidade (que também é a história de
suas vidas) na sala de exibição.
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ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 206
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ISSN: 2316-3992
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SOM QUE ECOA: O MOVIMENTO TROPICÁLIA E A MÚSICA “ALEGRIA, ALEGRIA”¹.
Palavras-chave: Tropicália ; Caetano Veloso; Música; meios de comunicação;
Resumo
Propõe-se uma análise acerca do tropicalismo e de sua propagação, enfatizando o papel de Caetano Veloso
enquanto um dos principais líderes da tropicália. Para tanto, faremos uma caracterização do movimento e do
contexto histórico no qual se inseri a Tropicália. Neste contexto, pretende-se perceber as propostas de inovação
que o movimento Tropicália buscou instaurar na música popular brasileira e sua vinculação através dos meios
de comunicação.
Jéssica Alves Tropaldi²
¹Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Uni-gram/ Dourados/ MS. .
²Estudante de Graduação 7º semestre do Curso de História da UFGD, bolsista PIBID, email: [email protected]
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O MOVIMENTO TROPICÁLIA
As manifestações artísticas constantemente estão à procura de novas perspectivas, buscando romper com
conceitos ultrapassados na tentativa de formular uma expressividade coerente com seu tempo. Todavia, a maior
parcela dos indivíduos não estão preparados para linguagens transformadoras, por isso rejeitam o que lhes es-
pantam, o novo e dessemelhante. Foi o que ocorreu com o movimento Tropicália.
Conforme TOFFANO (2009), a tropicália foi um movimento artístico-cultural ocorrido no Brasil e tem
seus episódios instituidores centrados em 1967, ainda que o movimento tenha tomado proporções somente em
1968, a partir de um manifesto despretensioso de Nelson Motta no jornal Última Hora do Rio de Janeiro, inti-
tulado “Cruzada Tropicalista”. O movimento brotou sob influência de diversas correntes artísticas , dentre elas,
se destacam, a vanguarda, a cultura pop nacional e a estrangeira. A tropicália atinge diferentes áreas artísticas,
podendo ser considerada uma síntese do radicalismo cultural que tomou conta da sociedade, sobretudo de sua
juventude.
Segundo Correa (2009), o movimento executou uma espécie de análise crítica da cultura brasileira na
esfera lingüística, do conhecimento e do consumo, provocando, como se aguardava, reações de aversão. Por
meio desta revisão, esse grupo autenticou sua ação, pois instituiu incompatibilidade com outro movimento ou
ideologia avaliada como influente, fazendo releituras de suas problemáticas e apontando suas incoerências.
Devido, as características contidas no diagnóstico a cima, “a singularidade do tropicalismo se revela na situação
em que apareceu, quando comparada com a ideologia de protesto” (FAVARETTO,1996, p.127)
A Tropicália trás consigo uma nova perspectiva que contrapõe as inclinações da música brasileira do
período, Conforme enfatiza ZEMANOVÁ:
A música brasileira pós-Bossa Nova e a definição da qualidade musical no país estavam cada vez mais dominadas pelas posições tradicionais ou nacionalistas de movimentos cujas idéias foram orientadas à esquerda. Contra essas tendências, os tropicalistas procuraram universalizar à linguagem da música popular brasileira incluindo elementos da cultura jovem mundial, como o rock, a psicodélica, a guitarra elétrica. As idéias tropicalistas acabaram impulsionando a modernização não só da música, mas também da própria cultura nacional. (ZEMANOVÁ, 2009, p.10)
O movimento embasava-se na estética e almejava que as manifestações artísticas mudassem. No âmbito
da musical, restauraram as letras das músicas e incorporaram novas alusões do seu tempo. Os Tropicalistas4
quebraram paradigmas no país, quando misturaram rock mais bossa nova, samba e bolero, logo, que na visão
tradicionalista da temporalidade tais combinações eram impensáveis.
Além da música o movimento abarcou uma diversidade de manifestações artísticas, entre elas, estão: o
teatro, a literatura, as artes plásticas, a poesia e o cinema. No seio destas manifestações tropicalistas são percep-
tíveis fins políticos e sociais, principalmente comportamentais, que encontraram eco em boa parte da população
que vivia sob o regime militar.
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Conforme Napolitano (2001), a tropicália pode ser vista como contestação a uma conjuntura das pro-
postas de engajamento cultural, abalizada na cultura “nacional-popular” e que cada vez mais era submergida
pela indústria cultural e isolada do contato direto com as massas, após o golpe militar de 1964, os gêneros
artísticos tinham como ponto de referência apenas a elite e as produções artísticas buscavam atender, sobretudo,
este público alvo. Sendo assim, as massas estavam vivendo a margem no que se alude à representação cultural,
o movimento tropicalista vem buscar contestar estes padrões. Os tropicalistas inversamente aos artistas nacio-
nalistas de esquerda acreditavam que “entender a cultura de massa tinha tanta importância quanto entender as
massas revolucionárias” (ZELANOVÁ, 2009, 12).
Contrariamente a proposta da esquerda nacionalista, que atuava no sentido da superação histórica do
nosso obsoletismo, os “males de origem”, sendo o subdesenvolvimento e o conservadorismo, conforme Napoli-
tano (2001) o tropicalismo surgiu assumindo as características do país, suas relíquias.
Essa nova postura dos artistas por um lado se afastava da crença da superação histórica do arcaísmo (não só estéticos, mas, sobretudo, socioeconômicos) base da cultura de es-querda [...] o artista, neste princípio, seria um antropófago e ao deglutir elementos estéticos, diferentes entre si aumentaria sua força criativa (NAPOLITANO, 2001, p.65).
Ainda de acordo com o mesmo autor, o estilo adotado pelos tropicalistas causou estranheza por parte do pú-
blico, pois o tropicalismo justapõe elementos múltiplos e fragmentados da cultura brasileira, o movimento retoma
o princípio de antropofagia do poeta Osvaldo de Andrade.
O conceito “devorar” de Osvaldo de Andrade esteve presente no movimento tropicália e foi essencial para
rediscutir a produção cultural e se torna um procedimento seguido pelos próprios tropicalistas para a conquista
da finalidade de ser mais que apenas um movimento musical, como afirma Veloso (1997).
A idéia do canibalismo cultural servia-nos aos tropicalistas como uma luva. Estávamos “comendo” os Beatles e Jimmy Hendrix. Nossas argumentações contra a atitude defensiva dos nacionalistas encontravam aqui uma formulação sucinta e exaustiva. Claro que passa-mos a aplicá-la com largueza e intensidade, mas não sem cuidado, e eu procurei, a cada passo, repensar os termos em que a adotamos. Procurei também e procuro agora relê-la nos termos originais tendo em mente as obras em que ela foi concebida para defender, no con-texto em que tal poesia e tal poética surgiram. Nunca perdemos de vista, nem eu nem Gil, as diferenças entre as experiências modernistas dos anos 20 e nossos embates televisivos e foto mecânicos dos anos 60. (VELOSO, 1997, p.248)
De acordo com Caetano Veloso (1997), os tropicalistas retomaram as considerações de Osvaldo tendo em
vista promover uma reivindicação do cenário cultural brasileiro, buscando a introdução de elementos distintos de
outras matrizes culturais, das raízes mais antigas as mais atuais.
O movimento foi reprimido pelo governo militar com o decreto do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro
de 1968. Quando Caetano Veloso e Gilberto Gil são presos e, depois, exilam-se na Inglaterra. Porém, a cultura
brasileira estava marcada por esta nova proposta que persiste até os dias atuais.
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A TROPICÁLIA NA ESFERA MUSICAL
Conforme vimos anteriormente o tropicalismo se expressou nas diversas áreas artísticas, contudo, vamos
nos ater, apenas ao gênero musical e foi neste campo que o tropicalismo ganhou maior evidencia e notoriedade,
sobretudo após a apresentação da canção “Alegria, alegria” de Caetano Veloso e “Domingo no Parque” do can-
tor Gilberto Gil essas duas músicas são consideradas o marco do movimento, e foram apresentadas no festival
de 1967.
A música tropicalista tinha como especificidade a inovação estética5 e a experimentação. Os artistas uti-
lizavam algumas das obras literárias de Oswald de Andrade, o que proporcionou canções com status de poesia.
Entre os cantores que participaram do movimento estão, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Guilherme
Araujo, Torquato Neto, Tom Zé, entre outros.
Um dos mais importantes nomes do movimento tropicalista, Caetano Veloso nasceu no dia 07 de agosto
de 1942 na cidade de Santo Amaro da Purificação no estado da Bahia. Em 1965 o músico, cantor, compositor e
escritor inseriu-se profissionalmente no meio músical, com o trabalho ““Cavaleiro/Samba em Paz”, neste perío-
do, Caetano conheceu Gil, Gal e Tom Zé. No ano de 1967, Caetano Veloso lançou a música “Alegria, Alegria”
e passou a ser visto como um dos lideres do movimento Tropicalismo, conforme ZEMANOVÁ (2009).
Nos anos 60, o Brasil passava por uma grande ebulição cultural. A música era a manifestação artistíca
mais aceita, por isso os primeiros ídolos da televisão foram músicos e cantores. Nesse perído a TV Record criou
os Festivais de Música Popular Brasileira, um marco na história da música brasileira, devido a correlação que
estabeleceram, pelas argumentação que explodira, pelo espaço que ocuparam em meio à ditadura militar. Foi
nesse espaço que exclodiu o movimento tropicália, no festival de 1967 onde Caetano apresentou uma canção
que pretendia ser uma espécie de manifesto, uma resumo subjetivo das conversas e discussões sobre os novos
rumos estéticos da música popular brasileira. Conforme Veloso (1997), ao compor a música “Alegria, Alegria”
pretendia que a canção fosse fácil, mas que tivesse como característica uma nova atitude na qual se esperava
inaugurar. A música foi cantada no terceiro Festival de MPB da TV Record, e para o espanto de todos, juntamente
com Caetano estava um grupo argentino de rock tocando guitarras, é importante salientar que os instrumentos
elétricos não eram bem aceitos nos festivais, sendo vistos como uma manifestação de alienação ou de sentimento
antinacionalista. Mesmo diante dos impasses enfrentados, devido às inovações que “Alegria, alegria” trazia, a
música acabou conquistando popularidade.
A letra da canção era totalmente inovadora para a Música Popular Brasileira. Podemos realçar dois as-
pectos que estão contidos na letra de Caetano, que são fundamentais para compreendermos as tendências do
tropicalismo.
O primeiro aspecto destacado pela letra é a critica aos intelectuais de esquerda:
“por entre fotos e nomes
sem livros e sem fuzil
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SOM QUE ECOA: O MOVIMENTO TROPICÁLIA E A MÚSICA “ALEGRIA, ALEGRIA” 212
sem fome, sem telefone
no coração do Brasil”
De acordo com ZEMANOVÁ (2009), Caetano crítica às grandes palavras dos intelectuais, que não se
tornaram reias.
O segundo aspecto é a presença dos meios de comunicação de massa:
“ela nem sabe, até pensei
em cantar na televisão”
Caetano busca enfatizar a efervescência cultural que estava incidindo no Brasil a partir dos meios de
comunicação de massa.
Apesar do nome da música ser “Alegria, Alegria”, muito de seus ouvinte denominou a de “Sem lenço,
sem documento”, logo abaixo, Caetano faz menção as possíveis causas deste fato ter ocorrido e explica qual o
significado de alguns do versos da música.
Não creio que isso se deva simplesmente ao fato de a expressão “alegria, alegria!” não constar da letra da música. É mais provável que a fenda de ironia que separa a canção de seu título tenha dissociado drasticamente uma do outro na mente do ouvinte comum. De todo modo, “sem lenço, sem documento” corresponde à idéia do jovem desgarrado que, mais do que a canção queria criticar, homenagear ou simplesmente apresentar, a platéia estava disposta a encontrar na canção. O verso que se segue à segunda aparição desse quase-título - “Nada no bolso ou nas mãos” - foi tirado diretamente da última página de As palavras de Sartre: numa brincadeira comigo mesmo, eu tinha enfiado uma linha do que para mim era o mais profundo dos livros numa canção de circunstância. A ambição que tinha me levado a compor tal canção, no entanto, era grandiosa e profunda. (VELOSO, 1997, p.114)
Sendo produzida em um período histórico em que o governo ditatorial adotava mecanismos para reforçar o
poder em suas mãos, onde as pessoas não tinham liberdade de escolha e de expressão, Caetano vem quebrar
paradigmas com a música “Alegria, alegria”, sugerindo a liberdade, o destemido nas entrelinhas da canção.
“Alegria, alegria” é carregada de ideologias e idéias que são contrarias as normas estabelecidas, pois
Caetano vem propor um caminho oposto, esta recomendação de aversão, não pauta-se apenas na conduta das
pessoas, mas também na forma de produção cultura. Já que, enquanto muitos artistas combatiam a influencia
da música estrangeira na Música Popular Brasileira, o tropicalismo apóia a evolução musical, adotando instru-
mentos elétricos.
Enfim, o movimento tropicalista foi um marco inovador na história da cultura popular brasileira, causador
de muito polêmica, para os defensores do purismo, para os intelectuais de esquerda, e para os militares que viam
o movimento como subversivo.
Além disso, é necessário enfatiza a importância dos meios de comunicação, sobretudo da TV. A televisão foi
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um dos principais meios de atuação do movimento tropicalista, neste sentido se destacam os festivais de música
popular da época, com as aparatosas apresentações, em arranjos eletrificados. Portanto, os meios de comu-
nicação teve o papel de veículo propagador destas novas manifestações artísticas que rompeu paradigmas e
modificou a configuração cultural no Brasil.
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ISSN: 2316-3992
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REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRA-VÉS DO FILME “COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ”¹
Palavras-chave: Memória; Cinema; Identidade.
Resumo
Este estudo pretende refletir sobre as questões e os conceitos básicos relativos à Memória, suscitando-os atra-
vés da obra “Como se fosse a primeira vez” (2004). Busca-se assim, uma interdiscursividade entre os estudos dos
principais autores ligados ao tema como: Catroga (2001), Halbwachs (1990), Le Goff (1996) e Pollak (1992) e
algumas situações vividas pelas personagens do filme. Nota-se a importância da Memória para a formação da
identidade dos sujeitos e para a sua inserção na sociedade, reforçando os sentimentos de pertença.
Cláudia Gisele Masiero² Janice Roberta Schröder³ Cristina Ennes da Silva4
¹Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigram/ Dourados/ MS. .
²Bolsista PROSUP/CAPES, Mestranda em Processos e Manifestações Culturais, Universidade FEEVALE/RS/BR, [email protected].
³Mestranda em Processos e Manifestações Culturais – Universidade FEEVALE/RS/BR, [email protected]. 4Orientadora do trabalho. Doutora em História – PUCRS. Professora no Programa de Pós-Graduação em Processos e Manifesta-
ções Culturais da Universidade FEEVALE/RS/BR, [email protected].
MASIERO, Cláudia Gisele 221
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Introdução
A memória faz parte do individuo e está mais presente no seu cotidiano do que normalmente percebemos,
porém, nos últimos anos, vários estudos acadêmicos tem procurado discorrer sobre esse tema e dar-lhe a devida
importância. Este estudo procura fazer uma reflexão sobre os conceitos e questões relativas à memória, segun-
do alguns autores, tais como Catroga (2001), Halbwachs (1990), Le Goff (1996) e Pollak (1992). Assim, para
tornar essas ideias mais inteligíveis e ao mesmo tempo refletir sobre elas, procuramos exemplificá-las através
de situações concretas. Para tanto optamos por utilizar algumas situações vividas pelas personagens do filme
“Como se fosse a primeira vez” (2004), que através de sua narrativa, trabalha com memória e esquecimento,
principalmente com a perda da capacidade de transformar acontecimentos recentes em memória permanente. O
filme em questão não se trata de um clássico do cinema mundial, mas podemos dizer que tem uma interessante
história e ao final, no “acender das luzes”, teremos a amostra de que uma comédia romântica pode dialogar
com questões teóricas e proporcionar melhor entendimento do assunto abordado.
Buscamos, assim, fazer o que Nova (1996) chama de dissecar os significados “ocultos”, mas presentes na
narrativa, ou seja, elementos que levem ao debate acerca da memória. Também fazemos uso de outra ideia da
referida autora que diz que “um filme diz tanto quanto for questionado. São infinitas as possibilidades de leitura
de cada filme” (NOVA, 1996, p. 3). É preciso dizer ainda que não buscamos elementos da realidade na ficção,
mas sim elementos na própria obra ficcional que ajudem a entender como se processam as questões da memó-
ria. Pretendemos utilizar o modelo de análise proposto por Nova (1996), que segundo ela, não é um esquema
fechado, podendo se enquadrar em qualquer tipo de estudo. Assim, seguindo os passos de análise propostos,
primeiramente faremos uma leitura da crítica externa do filme, ou seja, resgate de aspectos externos: cronolo-
gia, levantamento da equipe técnica e público alvo, entre outros aspectos. A segunda parte consiste em uma
crítica interna, ou seja, análise de todos os elementos que são colocados de forma explícita: diálogos e enredo,
por exemplo. É, segundo Nova, “extrair dele o que é dito de forma direta” (1996, p5). Ainda nessa etapa, se
faz uma análise do conteúdo implícito do filme, o conteúdo existente nas entrelinhas, de “tudo aquilo que os
produtores queriam que chegasse ao espectador, mas não o fizeram, por algum motivo particular, direta e cla-
ramente” (NOVA, 1996, p.5). É necessário dizer que essas duas etapas estão intimamente ligadas às intenções
(objetivos conscientes) dos produtores com a película. E a terceira e última etapa busca dar conta dos elementos
inconscientes existentes no filme, tudo aquilo que não está entre as intenções de quem produziu o filme. Nessa
última etapa, especificamente nesse estudo, buscamos uma interdiscursividade entre os conceitos de memória e
algumas situações vividas pelas personagens do filme.
1. O filme
O filme “Como se Fosse a Primeira Vez” (“50 First Dates”, título original em Inglês), é um longa metragem,
classificado como comédia romântica, lançado em 2004 e distribuído pela Columbia Pictures5 . 5Informações retiradas dos sites IMdb e AdoroCinema.
MASIERO, Cláudia Gisele 222
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Foi dirigido por Peter Segal, que dirigiu entre outros filmes “Tratamento de Choque” (2003) e “Meus Queridos
Presidentes” (1996). Escrito por George Wing, que não tinha nenhum grande trabalho antes desse e produzido
por Jay Roach, conhecido por dirigir e produzir “Entrando numa fria” (2000). Em seu elenco conhecidos atores
do cinema americano como Adam Sandler (Henry Roth), de “O Paizão” (1999) e “Click” (2006) e Drew Barrymo-
re (Lucy Whitmore), de “Para Sempre Cinderela” (1999) e “As Panteras” (2000), no papel das personagens prin-
cipais. Também atuaram nesse filme Rob Schneider (Ula), do filme “Gigolô por Acidente” (1999) e Dan Aykroyd
que atuou em “Meu Primeiro Amor” (1991). O filme não figura entre as maiores bilheterias nem nos EUA, nem
no Brasil, mas obteve um alcance considerável, possivelmente devido aos conhecidos atores que o estrelaram.
Ao que percebemos foi aceito pelo público, mas não foi tão bem aceito pela crítica.
A história se passa no Havaí. Henry é um veterinário de animais marinhos que costuma conquistar as turistas
que passam pela ilha. Certo dia seu barco estraga, precisa atracar e, então, numa parada forçada, conhece Lucy
ao ir a uma lanchonete. Ela, uma moça que vive no lugar, sofre da síndrome de Goldfield. (síndrome fictícia,
criada para a trama), sequela de um acidente de automóvel. Em decorrência disso ela se recorda somente do
que se passou em sua vida até o dia em que sofrera o acidente, deste episódio nem mesmo lembra, pois perdeu
a capacidade de reter informações novas. Assim durante o sono, esquece tudo o que se passou durante o seu
dia e, ao acordar, pensa sempre ser o mesmo dia, um domingo, aniversário de seu pai, quando aconteceu a
tragédia. Seu pai e seu irmão deixam o jornal daquele dia para ela ler e agem para que ela continue convencida
de que realmente está naquele tempo que pensa estar, pois nos dias em que algo dá errado e Lucy percebe que o
tempo passou e que de nada se recorda, tudo lhe parece estranho e ela sofre muito. No primeiro encontro Henry
e Lucy iniciam com uma boa relação, mas no dia seguinte quando ele volta para vê-la, ela não o reconhece e se
assusta com a abordagem do rapaz. A dona da lanchonete, amiga de Lucy, explica a ele o problema que ela tem.
Assim, todos os dias o jovem tenta reconquistá-la, usando as mais diversas artimanhas. Ao final eles se casam e
partem para uma viagem de barco ao Alasca (antigo sonho de Henry) e a perda de memória é contornada com
a ideia de passar um vídeo para Lucy de sua vida pós-acidente, todos os dias, quando ela acorda.
Podemos dizer que se trata de uma tradicional comédia romântica produzida aos moldes do cinema america-
no. Traz estrelas consagradas no seu elenco, trilha sonora marcante e termina com o tradicional final feliz. Além
de ter o objetivo de entreter, há também o romantismo, a conquista e a valorização das relações duradouras.
Provavelmente, o filme queira mostrar a suposta importância do amor na vida das pessoas, uma vez que Henry
muda totalmente sua postura ao se apaixonar por Lucy e ela, por sua vez, passa a viver plenamente após encon-
trá-lo, pois ele lhe ajuda a enfrentar o seu problema de memória, que antes disso lhe era escondido. Ao analisar
essas questões e realizar interpretações acerca do filme sabemos que estamos fazendo uma interpretação subje-
tiva e ainda que possivelmente não se compreenda na totalidade a ideia do seu autor, pois
Toda produção cinematográfica é um produto coletivo, não apenas por conter elementos comuns a uma coletividade, mas por ter sido, de fato realizada por uma equipe (diretor, pro-dutores, financiadores e tantos outros). No entanto, nem isso, nem os seus condicionamentos
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sociais eliminam a presença do caráter individual e artístico de cada obra, cuja análise é, por vezes, dificultada pelo fato da arte nem sempre seguir modelos lógicos e coerentes e possuir um grau elevado de subjetividade (NOVA, 1996, p. 3).
Assim, deixando claro que o que dizemos sobre ele se trata de uma interpretação, ainda podemos acrescentar
que o filme, quando se propõe ser romântico, traz cenas bem feitas e trabalhadas, mas quando se propõe a ser
comédia se torna um tanto tolo, trazendo cenas como o vômito de uma morsa ou Lucy espancando um homem
com um bastão de maneira demasiada. O filme comove pela sua mensagem de amor e persistência, mas não
convence nas cenas cômicas.
2. O filme e as questões de memória
O problema de Lucy de não reter acontecimentos recentes na memória, é um elemento que perpassa toda
a narrativa, desencadeando-a. Porém, o tema não vai além disso, uma vez que até mesmo a síndrome da qual
ela sofre não é real. Então, as questões de memória, sobre as quais queremos refletir, estão implícitas na narra-
tiva. Buscamos suscitá-las através de algumas situações vividas pelas personagens, relacionando-as com o que
importantes autores discorrem sobre elas. Primeiramente podemos dizer “que a memória é um fenômeno cons-
truído social e individualmente” (POLLAK, 1992, p. 5), então, passamos a debater sobre esse processo através
da narrativa fílmica em questão.
Le Goff escreve que: “A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primei-
ro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações
passadas, ou que ele representa como passadas” (LE GOFF, 1990, 366). Percebemos que no filme, Lucy não
tem essa capacidade de atualizar as informações sobre a sua própria história, pois se esquece durante o sono do
que viveu ao longo do dia. Por esse motivo, quando a encenação de sua família, para que não perceba o seu
problema, falha e assim ela percebe que o tempo passou, sente-se deslocada e perdida. Diferentemente do que
ocorre com uma pessoa na qual a memória opera normalmente e que entende o contexto no qual está inserida
porque este é atualizado por sua memória. Dessa forma, vemos que a memória nos ajuda a entender o presente
porque organiza os acontecimentos passados e assim o torna inteligível. Presente esse que, no filme, Lucy não é
capaz de ler, e por isso é estranho para ela. Podemos complementar essas primeiras informações dizendo que
“os fenômenos da memória, tanto nos seus aspectos biológicos como nos psicológicos, mais não são do que os
resultados de sistemas dinâmicos de organização e apenas existem na medida em que a organização os mantém
ou os reconstitui” (LE GOFF, 1990, p.367).
Além de conservar e atualizar informações, também é a memória “um elemento essencial do que se costuma
chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das
sociedades de hoje, na febre e na angústia” (LE GOFF, 1996, p.476). Nesse sentido, ao conseguirmos, através
da memória, ter consciência das experiências pelas quais passamos e das escolhas que fizemos, enfim do que
aprendemos, somos capazes de formar nossa identidade.
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REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRAVÉS DO FILME “COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ” 224
Vemos isso no filme quando, ao acordar, certo dia, junto de seu namorado Henry, Lucy começa a gritar e de-
pois a agredir o rapaz, em uma das cenas cômicas do filme. A moça já havia aceitado o pedido de namoro dele
no dia anterior, mas como de nada se lembrava no dia seguinte, nem mesmo de quem ele era, ficou bastante
espantada com a situação. Podemos dizer que ela não se reconheceu como namorada de Henry, não conseguiu
assumir essa identidade, isso porque sua memória não a completou e nem a atualizou. Acerca dessa relação
ainda podemos dizer
que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual quanto coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sen-timento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si (POLLAK, 1992, p.5).
A memória não é somente individual, ela também precisa do coletivo6 , como explica Catroga (2001), nin-
guém se recorda exclusivamente de si mesmo, e a exigência de fidelidade, que é inerente a recordação, incita ao
testemunho do outro; e muitas vezes a anamnesis pessoal é recepção de recordações relatadas por outros e só a
sua inserção em narrações coletivas, reavivadas por liturgias de recordação, é que lhes dá sentido. Halbwachs,
por sua vez, explica que
nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros mes-mo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos e com objetos que só nós vimos. É porque em realidade nunca estamos sós. Não é necessário que os outros homens estejam lá, que se distingam materialmente de nós porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem (1990, p. 26).
Assim, as lembranças que Lucy possui anteriores ao acidente, são as vividas em família, que é o dia do
aniversário de seu pai, que é domingo, dia de ir à sua lanchonete preferida tomar café da manhã, enfim, são
lembranças de sua vida em sociedade, lembranças compartilhadas. E, quando percebe que não se recorda do
acidente que sofreu, precisa do testemunho do outro para que sua existência faça sentido. Porém é preciso dizer
que ela não consegue interagir com essas informações porque em sua memória ela nada guardou desses acon-
tecimentos que lhe são relatados, é como se não os tivesse vivido. Ou seja, ela não reconstrói as suas lembranças
a partir dessas informações porque não dialoga com elas. Diferentemente de um sujeito comum que combina as
suas lembranças com as que lhe são relatadas. Como explica Halbwachs,
para que nossa memória se auxilie com a dos outros, não basta que eles nos tragam seus depoimentos: é necessário ainda que ela não tenha cessado de concordar com suas memó-rias e que haja bastante pontos de contato entre uma e as outras para que a lembrança que nos recordam possa ser construída sobre um fundamento comum (1990, p.34).
6Não estamos aqui falando de memória coletiva, que é um outro conceito, que pode ser melhor compreendido através da leitura de Le Goff (1990) e Halbwachs (1990), mas que não cabe nesse estudo. O que poderíamos acrescentar para ilustrar essa questão é que o próprio acidente sofrido por ela e seu pai faz parte da memória da comunidade na qual vivem, fato que fica claro porque todos sabem desse fato e ajudam Lucy com seu problema.
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REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRAVÉS DO FILME “COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ” 225
Como a moça não tem essas lembranças, não há pontos para que possa relacionar com as que lhe são apre-
sentadas, ou seja, apenas as assimila, entendendo que também são suas, mas, voltamos a dizer, não é capaz de
construir uma memória, apenas a recebe.
A memória não registra a totalidade de nossas vivencias e experiências, ela é seletiva. Como diz Pollak, “nem
tudo fica gravado e nem tudo fica registrado” (1992, p.4). O vídeo que Henry faz, com alguns episódios da vida
de Lucy, para que ela sabia do que aconteceu e possa começar seu dia sem estranhamentos, de certa forma,
exemplifica o trabalho da memória e também como ela age. Henry, já então marido de Lucy, faz uma montagem
de algumas partes de suas vidas, iniciando pelas fotos do acidente, depois do namoro, casamento, ou seja, faz
recortes, seleciona alguns momentos. Assim também age a memória, nem tudo é arquivado, ou reavivado por
ela, mas sim faz uma seleção do que faz sentido ao próprio sujeito. Outro exemplo disso é que Lucy, devido ao
agravamento de seu problema, foi internada em uma clínica e lá fez muito desenhos do rosto de Henry, sem ter
consciência de quem se tratava. De alguma forma, a memória dela guardou o rosto dele, certamente pelo que o
rapaz representava para ela. Com isso, na narrativa, possivelmente se quis mostrar o quanto ele era importante
em sua vida, por ser significativo foi armazenado em sua memória. Foi a única imagem nova que consegui reter
depois do acidente. Desse modo podemos verificar que a memória “nunca é um mero registro, pois é uma repre-
sentação afetiva” (CATROGA, 2001, p. 46).
Ainda segundo Pollak, “a memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do pas-
sado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e
de reforçar sentimentos de pertencimento” (1989, p.7). Assim, esse vídeo, feito por Henry, é o que lhe confere
referências sobre o passado e a situa na narrativa de sua própria vida, ou seja, lhe ajuda a reforçar o sentimento
de pertencimento àquele grupo, só então se reconhece como esposa e posteriormente como mãe, quando sua
filha surge na narrativa.
Segundo Pollak, “a memória também sofre flutuações que são função do momento em que ela é articulada,
em que ela está sendo expressa. As preocupações do momento consistem um elemento de estruturação da me-
mória” (1992, p.04). No filme vemos essa questão quando a personagem principal lê o jornal do dia e se dá
conta de que não é a data em que pensa estar. Desse momento em diante ela busca reestruturar sua memória,
buscando entender-se, movida pelas preocupações que estava vivenciando. Para o autor acima citado, além da
memória ser flutuante, ou seja, mutável, ela também ao mesmo tempo, guarda pontos ou marcos relativamente
invariantes, imutáveis e quando isso ocorre, ele explica que foi um trabalho tão importante de solidificação da
memória que impossibilitou a ocorrência de mudanças. Na narrativa fílmica, a cena do acidente, ao qual já nos
referimos, é mostrada sempre da mesma forma, focando os mesmos elementos, é como que uma lembrança
imutável.
Outro importante aspecto acerca da memória tratado por Pollak (1992) é sobre os seus elementos constituin-
tes. São assim, o que chama de “acontecimentos” ”, vividos pessoalmente ou vividos pelo grupo ou pela
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coletividade à qual a pessoa se sente pertencer, constituídos por pessoas, personagens e por fim por lugares.
Os lugares de memória, por exemplo, são frequentemente invocados em “Como se fosse a primeira vez”. O
início da narrativa se passa em uma lanchonete, um lugar que permeia as lembranças da personagem principal,
para onde vai todos os dias tomar café da manhã e onde então, conhece o amor de sua vida. A casa de Lucy
permanece como estava no dia do acidente para que ela não perceba sua falta de memória com tudo o que se
passou desde então. Como é artista, todos os dias ela pinta a parede da garagem, como se nunca houvesse feito
isso antes, seu pai, então, deixa a parede novamente branca (cobrindo a sua pintura) para que no dia seguinte
ela a possa repintar. A casa dela parece ser o lugar de memória mais marcante no filme, pois aquele espaço
lhe ajuda a manter as lembranças em ordem. Sabemos que, segundo Bachelard (1998) que as lembranças do
mundo exterior, nunca hão de ter a mesma tonalidade das lembranças da casa. Talvez por isso tanto zêlo seja
demonstrado em manter a casa como Lucy dela se recorda, o que não vemos com os outros ambientes, como
a lanchonete, por exemplo.
Ao cheirar as mãos de Henry e sentir cheiro de peixe, Lucy lembra de seu pai e de seu irmão, que são pes-
cadores e segundo ela, têm aquele mesmo odor. Isso a fez recordar também dos dias em que eles passavam no
mar e que ela sentia muita falta deles. Sabemos, então, que “nas lembranças mais próximas, aquelas de que
guardamos recordações pessoais, os pontos de referência geralmente apresentados nas discussões são, como
mostrou Dominique Veillon, de ordem sensorial: o barulho, os cheiros, as cores” (POLLAK, 1989, p. 9). A im-
portância desses elementos que reativam a memória nos é, então, descrita por Catroga (2001), que lembra que
A memória só poderá desempenhar a sua função social através de liturgias próprias, centradas em reavivamentos que só os traços-vestígios do pretérito são capazes de provocar, portanto o seu conteúdo é inseparável dos seus campos de objetivação e de transmissão – linguagem, imagens, relíquias, lugares, escrita, monumentos – e dos ritos que o reproduzem (CATROGA, 2001, p.28).
Se a memória perpassa toda a narrativa fílmica, como já dissemos, também o esquecimento é um dos pontos
fundamentais do seu desenvolvimento, uma vez que é justamente porque Lucy não retêm as informações sobre o
que vive durante o seu dia, ou seja as esquece, é que temos a problemática que move as personagens no filme.
É uma outra maneira pela qual podemos analisar as questões de memória, porque sabemos que
Por conseguinte, existem nas lembranças de uns e de outros zonas de sombra, silêncios, “não-ditos”. As fronteiras desses silêncios e “não-ditos” com o esquecimento definitivo e o repri-mido inconsciente não são evidentemente estanques e estão em perpétuo deslocamento. Essa tipologia de discursos, de silêncios, e também de alusões e metáforas (POLLAK, 1989, p.6).
O esquecimento do qual se refere o autor acima citado, vai além do causado por um dano físico, como no
caso de Lucy, mas mais próximo dos silenciamentos feitos pela família e amigos diante do seu problema, no início
da história, quando nada lhe diziam e procuravam esconder tal fato. Ainda conforme o autor, essas memórias,
que conceitua como marginalizadas, podem emergir em algum momento conforme circunstâncias do presente,
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REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRAVÉS DO FILME “COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ” 227
fazendo assim uma reinterpretação do passado. Isso se aplica a toda forma de memória seja ela individual,
coletiva, familiar ou de um pequeno grupo. Tais memória permanecem soterradas até que possam “aproveitar
uma ocasião para invadir o espaço público e passar do “não-dito” à contestação e à reivindicação” (POLLAK,
1989, p. 7). Esse silêncio, ao exemplo do filme, pode ser provocado por situações dolorosas, traumatizantes, mas
também pode estar ligado a situações de dominação, de culpa ou mesmo vergonha.
Podemos ainda fazer mais algumas outras considerações acerca do filme, por exemplo, refletindo sobre o
nome das personagens principais. Cassier (2006) explica que o nome não é nunca um mero símbolo, sendo
parte da personalidade de seu portador, para ele é o nome que faz do homem um indivíduo. Assim não pode-
mos deixar de pensar na escolha do nome Lucy, que significa “você é maravilhosa” no idioma etíope (amhárico),
que sendo assim, ajuda a transmitir a mensagem do filme, pois é justamente dessa forma que Henry a vê, sem
se importar com o seu grave problema de memória, ela é a mulher da sua vida. Por sua vez, Henry, nome in-
glês, quer dizer “senhor da casa, ou o senhor a fortaleza”, mais uma vez condizete com a narrativa, na qual o
personagem é uma fortaleza para Lucy, passa a ser seu porto seguro, quem lhe ajuda com as dificuldades que
enfrenta diariamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fundamentalmente, nesse filme, temos implícita a importância da memória na vida do sujeito, vista através
de todas as complicações que vive a personagem principal por não tê-la em prefeito funcionamento. Vemos a
tentativa de fazer com que Lucy não se dê conta de que não é capaz de armazenar informações novas em sua
memória permanente, uma vez que sem isso ela se sente deslocada, perdida, não se reconhece, não organiza
sentimentos de pertencimento e não constrói sua identidade, como vimos anteriormente. Ou as pessoas ao seu
redor trabalham para que ela consiga viver normalmente com as lembranças anteriores ao acidente que sofreu,
sem a necessidade de incluir informações novas, permitindo que ela faça tudo igual, todos os dias, ou oferecem
a ela todos os dias, as suas memórias. Do contrário, sua vida passa a ser uma constante agonia. A memória não
tem, então, somente uma função psíquica, mas tem uma função social.
Debates como esse acerca da memória são pertinentes, assim cremos que o são, porque esclarecem o
processo de formação das identidades e de pertencimento que constituem o sujeito. Possibilitando assim, que
possamos refletir sobre a nossa própria construção enquanto sujeitos, entendendo nossas lembranças, o que elas
significam, porque determinado fato, lugar ou fala nos são significativos, como são arquivados e viram nossas
lembranças. Não para controlarmos nossa memória, porque isso nem mesmo possível é, mas para que tenha-
mos consciência desse processo, muitas vezes inconsciente e que acaba por nos formar.
Sendo a memória seletiva e considerando que nem tudo é arquivado por ela, devemos estar atentos as lem-
branças que nossa própria memória reaviva e ao que nos é contado como sendo “verdades de um passado”.
No filme apenas chegam a Lucy lembranças coerentes e verdadeiras, embora sejam interpretações das pessoas
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que as cercam, mas nem sempre as lembranças são contadas com tal preocupação. For fim podemos dizer
que o próprio filme nos ajuda a contar como se fez cinema na última década, por exemplo, é ele um elemento
dessa memória.
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5.2 O mundo digital e em mobilidade
Os dispositivos móveis em sua maioria possibilitam ao indivíduo estar on ou offline e em movimento o que
muda toda uma forma de comportamento, como também não é difícil ver pela televisão ou pela internet uma re-
portagem que foi feita por um cidadão comum, pois eles estão equipados com câmaras conectadas que podem
relatam fatos antes mesmo dos profissionais, tudo isso em mobilidade.
A Mobilidade
Segundo Santaella (2010, p. 109) mobilidade pode ser definida de várias formas dependendo da área que
a esteja conceituando. A palavra mobilidade contém o sema de movimento, o que compreende a ideia de um
ato de deslocamento que permite que objetos, pessoas, ideia, coisas, possam trafegar através de localidades.
Na perspectiva da geografia, mobilidade pode ser entendida como “a habilidade de mover-se entre diferentes
lugares de atividades”. Nesta área as definições têm um significado mais físico, enquanto que os sociólogos
apresentam mais o caráter social da mobilidade e as condições de possibilidade que se apresentam, ou seja,
propensão a ser móvel varia de intensidade de indivíduo para indivíduo.
Para a autora há também a questão da mobilidade de curto e de longo alcance. De longo alcance apare-
cem os aviões e os carros, de longa distância no espaço e de longa duração no tempo. No turismo, ou em caso
de mudanças de residência, migrações ou imigrações também aparecem o conceito de mobilidade. Só que
neste caso o conceito está associado à transgressão de fronteira, pelo menos do ponto de vista convencional.
Entretanto, o conceito de mobilidade passa a ter outras conotações no mundo pós-moderno, pois o indivíduo é
constantemente desafiado à permanente em mobilidade.
Segundo Kellerman (apud Santaella 2010, p. 110) “a dimensão mais notável da mobilidade encontra-se na
expansão espacial do eu pela transmissão e recepção de informação que tem produzido mobilidades virtuais”.
Apesar de que, segundo Kellerman tudo isso começou com o telefone, se acentua mais expressivamente com os
meios de comunicação de massa: jornal, cinema, rádio e especial com a televisão que promovem o transporte
da mente. Porém, com o advento da internet e com os dispositivos móveis a mobilidade virtual não só se po-
tencializa ou se diversifica como também obtêm novos significados: a informação, o saber, o conhecimento, a
habilidade humana em criar identidades abstratas, pois tudo isso passa eletronicamente
Considerações finais
A tecnologia móvel está crescendo e tornando-se uma ferramenta de muita importância para o desenvolvi-
mento pessoal e profissional para os indivíduos e para as organizações. Dispositivos com acesso a internet e co-
municação em tempo real estão se convertendo em acessórios vitais em nossas vidas, como pudemos constatar
por meio neste pequeno ensaio.
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A comunicação via dispositivos móveis está se convertendo em recurso intensivo em todos os níveis da po-
pulação mundial, segundo os dados da CETIC.br 76% das pessoas no Brasil possuem celular, mais de 50% da
população mundial possui um aparelho celular, empresas de telecomunicação, universidades e outras entidades
estão empenhadas em pesquisar e analisar os efeitos que esses dispositivos podem proporcionar para a socie-
dade como um todo.
E para finalizar, essa tecnologia está transformando conceitos tais como espaço e tempo, como também eli-
mina fronteiras, encurta distâncias, mistura espaços virtuais e físicos, sem contar que ela convida o indivíduo a
conexão constante, a ubiquidade e a onipresença.
Entretanto, continua sendo somente tecnologia, se não houver um direcionamento pedagógico nas escolas
de nada adianta, os alunos de forma geral continuarão se distraindo. Assim como se os professores não se es-
pecializarem e se atualizarem não irá acompanhar o desenvolvimento tecnológico e permanecerão a imposições
por parte das entidades públicas como por exemplo, as proibições de utilização dos celulares em sala de aula.
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ISSN: 2316-3992
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 232-241, nov 2012
DO ARQUIVO À NUVEM: RESGATE E DIVULGAÇÃO DO ACERVO DA TELEVISÃO BRASIL CENTRAL
Palavras-chave: Televisão, divulgação, história
Resumo
A construção de um acervo acessível e sua divulgação possibilita que se obtenha um olhar sobre a memória
televisiva. A proposta do artigo ora apresentado é a descrição o processo de pesquisa de material videográfico
e a divulgação, via meio eletrônico, dos materiais pertencentes a memória da Televisão Brasil Central, uma em-
presa de teledifusão vinculada ao governo do estado de Goiás.
Givaldo Ferreira, CORCINIO JR.
CORCINIO JR, Givaldo Ferreira 233
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1 UMA APROXIMAÇÃO
A proposta do artigo ora apresentado é a descrição o processo de pesquisa de material videográfico e a di-
vulgação, via meio eletrônico, dos materiais pertencentes a memória da Televisão Brasil Central, uma empresa de
teledifusão vinculada ao governo do estado de Goiás. Utilizam-se predominantemente a pesquisa de materiais em
acervos externos à empresa, por motivos a serem apresentados no decorrer do texto, além de relatos de profissio-
nais que trabalhavam na empresa ou participaram as produções que foram objeto dessa pesquisa de acervo.
O locus da pesquisa aqui descrita é a Televisão Brasil Central. Conhecida como “Brasil Central” ou simplesmen-
te como “TBC”, ela faz parte de uma empresa de comunicação gerida pelo governo do estado de Goiás chamada
Agência Goiana de Comunicação (Agecom). Historicamente, a TBC insere-se em um cenário de popularização da
televisão, expansão das redes de telecomunicações e de teledifusão de imagens, além da busca por meios mais
abrangentes de divulgação de ações governamentais.
2 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA DO LOCUS DE PESQUISA
A história da TBC remonta ao ano de 1964. Regionalmente, o momento político era conturbado, com a che-
gada ao poder em 1961 de um militar com forte vinculação com movimentos reformadores da política goiana.
Mauro Borges Teixeira, major do exercito, foi alçado ao governo estadual por meio de eleições diretas nas quais
recebeu significativo apoio, visto ser filho de Pedro Ludovico Teixeira, interventor e governador do estado entre
1930 e 1945 e entre 1951 e 1954. Nesse período, o governo passou a ser conduzido segundo o paradigma do
planejamento como solução para problemas estruturais do estado.
Essa perspectiva permitiu o fortalecimento do uso dos meios de comunicação como vetor para mudanças
atitudinais e também como forma de aproximar a população da administração pública, levando informações
sobre ações governamentais juntamente com entretenimento para as mais diversas regiões do estado.
Um exemplo dessa visão fica patente com a atuação do governador diante da polêmica referente a pos-
sibilidade de impedimento da posse de João Goulart quando da renuncia à presidência por Jânio Quadros.
Alinhado aos grupos legalistas, que viam na movimentação dos ministros militares e de integrantes do congresso
um prenuncio de golpe contra o vice-presidente eleito no ano anterior, Mauro Borges utiliza-se da Rádio Jornal
Brasil Central, à época uma emissora de rádio em ondas moduladas, curtas, médias e tropicais particular, para
criar a “rede da Legalidade” com rádios de todo o território nacional e liderada pelo governador do estado do
Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, articulando movimentos de resistência popular contra o impedimento da posse
de João Goulart.
No ano seguinte, dentro de uma política de reorganização e racionalização administrativa, o governo esta-
dual adquire a rádio, passando a ser uma das empresas do CERNE – Consórcio de Empresas de Radiodifusão e
Notícias do Estado de Goiás – criado naquele ano que também possuía a Imprensa Oficial de Goias. Nesse ano
a rádio muda de nome, passando a ser somente Rádio Brasil Central.
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O governo Mauro Borges mantem planos para expandir sua comunicação junto a população goiana criando
em 1964 um jornal – O Diário de Goiás – e projetando a instalação de uma emissora de televisão. O projeto
foi abortado no mesmo ano, devido à saída do governador de seu posto, devido à instalação de um processo
federal contra ele em decorrência do golpe militar de abril de 1964.
O projeto de uma emissora de televisão estatal em Goiás é retomado em 1975, sendo que no dia 1º de
maio as imagens da emissora começaram a ser geradas comercialmente. Houve muita oposição em relação a
instalação da “Brasil Central”, pois os dirigentes dos canais existentes na cidade de Goiânia viam o risco de uma
“concorrência desleal” da emissora do estado com eles, pois temiam que ela recebesse preferencia em relação
as verbas publicitárias do estado. Mesmo alguns setores do governo achavam que a implantação de uma TV pelo
CERNE seria um custo financeiro demasiado alto para um estado que, segundo interpretações da época, ainda
não atendia as necessidades minimas da população e se encontrava com o caixa bastante esvaziado.
Apesar de ter uma concessão comercial, os primeiros responsáveis pela televisão dentro do CERNE viam na
programação educacional a vocação da emissora. Além disso, com uma equipe pequena, apesar de contar com
experiência em outros canais goianienses e equipamentos que não eram adequados a produção de grandes
programas, recorreu-se a canais educativos, embaixadas e produtoras em busca de filmes, séries e programas
pré-gravados. Esse arranjo fica claro nas memórias de Luíz Espíndola de Carvalho, quando elenca os programas
apresentados na primeira semana de exibição da TV Brasil Central. Haviam ali programas de ensino de idiomas,
filmes clássicos e pequenos noticiários.
A emissora foi “independente” de redes nacionais, mantendo-se no ar com programação local e adquirindo
outros materiais em distribuidoras até 1978, quando fechou um acordo de retransmissão com a TV Bandeirantes
de São Paulo. Segundo GODINHO (2008) a entrada da TBC como afiliada da emissora paulista introduziu em
Goiás o conceito de “grade de programação”, diminuindo o espaço da produção local e modificando a forma
de produção televisiva dos outros canais existentes.
Durante 18 anos, de 1978 até 1996, a associação entre TV Bandeirantes e TV Brasil Central possibilitou ao
canal goiano a transmissão de programas jornalísticos e esportivos que eram referencia para o público, abrindo
espaço também para a produção local desse conteúdo. Sendo uma emissora vinculada ao governo estadual,
sua expansão foi favorecida pelo desejo governamental de alcançar públicos em cidades mais afastadas dos
principais centros urbanos goianos, muitas vezes sendo a única emissora que alcançava o município. Essa ca-
racterística chamou atenção de empresários como Jorge Kajuru e Galvão Bueno, que durante um ano foram os
responsáveis pela produção local de noticiários esportivos.
A partir de 1996, a TBC passou a retransmitir o sinal da TV Cultura de São Paulo, retornando assim ao foco
inicial de sua criação, onde a programação cultural tem espaço importante, junto com o já tradicional jornalismo
e o noticiário esportivo, ambos produzidos localmente.
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3 O CAMINHO METODOLÓGICO PROPOSTO
Sendo uma empresa que trabalha com imagens, a memória de uma emissora de televisão passa pelas imagens
que existem em seu acerto e aquilo que elas representam coletivamente. Cabe recorrer a BUSETTO (2010) para
compreender que a dinâmica do uso da televisão como objeto historiográfico. Deve ser apontado inicialmente,
como o autor ressalta, que a televisão quanto fenômeno tecnológico e industrial possuir mais de 60 anos e ser um
grande gerador de transformador de signos e significantes, ela é relegada ao esquecimento por historiadores.
Ele ainda aponta que as imagens produzidas pela televisão ganharam status de escrita e ganham “espessura
histórica”, particularmente na França com a abertura do acervo da “Inatéque de France”. Além disso, ele indica
também que existem especialistas que apontam a TV como um fenômeno plural, e que suas diversas possibilidades
existem sincrônica e diacronicamente.
Ele aponta, ainda, que a historiografia da história da TV no Brasil apresenta-se muito mais vinculada aos pre-
ceitos antigos sobre a relação história e TV, sendo estudada com foco nas relações de poder, político e econômico.
Assim, Busetto oferece uma aproximação teórica inicial para a compreensão da televisão como um objeto de pes-
quisa que ultrapassa os modelos tradicionais que costumam comparecer nos trabalhos sobre televisão.
Sendo uma “escrita”, as imagens televisivas podem ser lidas dentro de uma gramática e permite que elas rece-
bam pelos pesquisadores um olhar mais detido, o que traz novos elementos para discutir a televisão quanto índices
de uma época. Configurando-se então como uma “escrita” composta por imagens icônicas, podemos compreen-
der a afirmação apresentada por RAMOS, PATRIOTA e PESAVENTO (2008) que o mundo está repleto de imagens
e que elas são relações humanas de registro que “presentifica uma ausência”. Até recentemente, a imagem servia
para os historiadores como simples suporte para aquilo que o relato histórico traz. Sabemos hoje que esse panora-
ma mudou e que as imagens se tornam um meio pelo qual estuda-se as construções culturais de uma sociedade.
A busca por demarcar a importância histórica de uma instituição perante a sociedade na qual ela se encontra
inserida tem aumentado a busca pela por projetos de centros de documentação e memória. Quando essa busca
contempla um órgão estatal, ela comparece envolta de muitos outros relevantes, como a construção de uma
identidade local (ou regional), o que, se considerarmos os dois panoramas apresentados aqui como convergentes,
permite ter nos produtos televisivos dados para compreender o meio no qual a emissora se instala, posto ser ela
influenciada pela comunidade na qual está inserida mas também influenciadora dessa mesma comunidade.
Em relação ao aumento do interesse das mais diversas entidades em criar seus centros de documentação e de
memória, o desafio que se impõe ao pesquisador e compreender o alcance da documentação já existente e conse-
guir obter relatos significantes para a elaboração dessa historicidade da entidade estudada. MOTTA (1995) apre-
senta um estudo de caso significante nessa construção, tanto pela importância social da entidade que está tendo a
sua memória recuperada (O Banco Central) quanto pela a forma de lidar com os dados oriundos das entrevistas
com personalidades envolvidas no evento objetivamente estudado.
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Historicamente, o uso de fontes orais transmutou-se de uma prática temerária para um campo pulsante e
singularmente atrativo, trazendo o historiador para próximo do seu objeto de estudo de um modo singular. Desde
da enunciação de LE GOFF (1990), trazendo para o mesmo patamar de importância o documento¹ e o monu-
mento² , o relato oral ganhou força como meio de obter informações de uma dada época, mesmo que devasse
lembrar dos “riscos da inocência” e o historiador necessitar buscar outros referenciais para cruzar com aquilo
que se obtêm nas entrevistas.
Utilizar a entrevista como fonte demanda compreender e lidar com a dinâmica especifica desse material
apresentada por FREITAS (2002) e por BOSI (1994). Os silêncios e as reelaborações das lembranças, todos os
dados apresentados mostram-se como significantes para a uma pesquisa que utiliza memorialistas. Como apon-
ta Freitas, a História Oral pode ser o vetor para descobrir “fatos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de
fatos conhecidos”, além de permitir a integração de fontes e a multidisciplinaridade.
Sendo o objeto de estudo aqui relatado uma emissora de televisão, lidar apenas com os aspectos teóricos da
compreensão da história do meio ou a reflexão sobre o uso da História Oral, através da entrevista de pioneiros e
pessoas envolvidas com o trabalho cotidiano da empresa, geraria lacunas não desconsideráveis na elaboração
de qualquer reflexão. Pensar as imagens, armazenadas em meio físico ou transmitida ao pesquisador por meio
das reminiscencias daqueles que são entrevistados, se demonstra como uma ação de grande significância, pois
é através delas que a memória da presença do meio comparece ou se materializa.
Lidar com imagens atualmente é ter que tratar uma fonte ao mesmo tempo abundante e difícil, posto que a
leitura de imagens demanda a compreensão de diversos elementos de época, sociais, políticos e econômicos.
Mesmo sendo áreas que possuem especifidades distintas, as afirmações de KOSSOY (2007) sobre a fotografia
e a criação de uma “segunda realidade” ao se produzir uma imagem deve ser levada em consideração ao se
refletir sobre a produção televisiva.
Diante dos desafios e com as propostas teóricas apresentadas por essa miríade de estudiosos, organizar um
centro de memória demostra-se menos uma atividade braçal de busca, armazenamento e sistematização de um
acervo, físico ou não, e mais uma proposta que compreende um conjunto de percepções de pertencimento, in-
fluência, alcance e identificação da instituição junto a sociedade na qual ela está inserida.
4 A CONSTRUÇÃO DE UMA MEMÓRIA
Ao trabalhar com o objeto “Televisão Brasil Central”, não é possível negligenciar suas interações com outras
empresas existentes na própria Agência de Comunicação de Goiás (Agecom) nem mesmo com outras instâncias
da administração pública.
¹Durante muitos anos, essa classificação foi aplicada com quase exclusividade para o material escrito sobre o suporte papel, couro ou assemelhados
²Na concepção LeGoffiana, “monumento” suplanta aquilo que vulgarmente se compreende pelo termo. Nesse caso, ele também é a arquitetura em geral, a produção industrial ou qualquer elemento celebrarório que procura demarcar um espaço no mundo físico ou virtual
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Estruturalmente, a Agecom é composta por outras empresas de comunicação. Além da TBC, existem tam-
bém a rádio Brasil Central AM, a rádio RBC FM, a gráfica do estado de Goiás e o site de notícias GoiásAgora.
Enquanto as rádios e a emissora de televisão construíram-se como veículos de entretenimento e divulgação
noticiosa, o site de notícias constitui-se como um espaço diferenciado. Herdeiro, por assim dizer, dos antigos
departamentos de “assessoria parlamentar” que foram implantados desde o governo Mauro Borges, hoje o site
de notícias GoiásAgora (www.noticias.goias.gov.br) dedica-se a divulgar exclusivamente ações que, em algum
aspecto, envolvem agentes públicos estaduais. Assim, todas as iniciativas do governo, de suas secretarias, autar-
quias ou empresas administradas pelo ente público estadual, além de informes de utilidade pública vinculados a
esses órgãos são divulgadas através desse veículo.
Uma inquietação que comparece quando se conversa com muitos dos servidores da agência é a aparente
inexistência de uma memória dos veículos vinculados a ela. Parte dessa percepção advém de um grande incên-
dio que ocorreu em outubro de 1997, que destruiu grande parte da televisão e completamente as rádios. Junto
a isso, a própria dinâmica da empresa, não tinha a cultura e a estrutura para recolher, ordenar e armazenar os
materiais produzidos.
Aqueles acervos que se conservaram e escaparam do incêndio de 1997 foram transferidos para o Museu
da Imagem e do Som de Goiás (MIS-GO), que através de parceria com empresas como a Petrobrás iniciou um
processo de digitalização desses acervos.
Esse material está disponível fisicamente no MIS-GO, contudo esse acesso é limitado, posto que a instituição tem
um espaço físico limitado e conta com poucos funcionários para fazer o acompanhamento da visitação. Com o ad-
vento das diversas tecnologias que possibilitam uma descentralização do acesso ao acervo, a capacidade de atender
um público maior efetiva-se. Contudo tal iniciativa demandou uma reorganização do material já digitalizado, posto
que o trabalho anteriormente feito consistiu na transposição do material que se encontrava em fitas magnéticas para
meio digital, muitas vezes as produções ali armazenadas só podendo ser acessadas usando-se a mesma lógica de
“avançar ou retroceder” a gravação que existia quando dos equipamentos analógicos de reprodução.
O site GoiásAgora tem a totalidade de suas operações voltadas para a internet, sendo pensado como um
veículo completamente web. Sendo parte da Agecom, as atividades institucionais das rádios e da televisão são
divulgadas por ele. Quando das comemorações dos 30 anos da TBC, houve a produção de matérias especiais
sobre a história da emissora. Nesse momento, os memorialistas dos primeiros tempos da emissora foram as
principais fontes de informação, juntamente com materiais escritos produzidos na época dos acontecimentos.
Durante o exercício da pesquisa, a existência deste acervo mostrou-se uma mina não explorada, por conter
um volume de reportagens de campos e com personagens diversos do cenário cultural, social, econômico e po-
lítico que compareciam, corroboravam ou lançavam novas luzes nos relatos coletados junto aos memorialistas.
Além disso, por ser uma empresa estatal, ela acompanhou uma série de eventos que constituíram momentos
importantes na história recente de Goiás.
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A partir da produção dessas matérias especiais, começou-se um trabalho que foi denominado de “TBC
Memória”. Junto com a equipe de jornalistas do site GoiásAgora, historiadores buscaram no acervo existente no
MIS-GO vídeos de reportagens que passaram a ser divulgados dentro do site www.noticias.goias.gov.br.
O eixo de divulgação desse acervo inicialmente vinculou-se a exposição de antigas reportagens feitas pela
equipe da TBC, programas que tivessem uma significância para os memorialistas, aqueles que compareciam
em registros documentais diversos, como reportagens em informativos internos e jornais de circulação regional
ou ainda ganhadores de premiações jornalisticas. A medida que o acervo ia sendo investigado, passou-se a
apresentar vídeos ligados à datas de eventos já consagrados socialmente, acontecimentos marcantes na história
recente ou personalidades retratadas em programas.
As abordagens aqui apresentadas foram decorrentes do acesso que nos foi possibilitado junto ao acervo do
MIS-GO. Trabalhando no sistema de empréstimos de curto período, com materiais cujo o acesso ao conteúdo
se processa de forma sequencial e sem possibilidade de seleção, a solução encontrada foi a cópia – autorizada
– com o posterior seccionamento dos vídeos, fazendo também uma indexação dos assuntos por eles tratados.
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Os mais de 50 DVD aos quais pode-se acessar – aproximadamente 10% do acervo total custodiado pelo mu-
seu – contem discursos, reportagens cotidianas e especiais sobre eventos esportivos e políticos, materiais sobre
arte e entretenimento que estão sendo
Goiás Agora divulgando matéria sobre o movimento das diretas já apresentados paulatinamente em um “canal”
do site youtube (www.youtube.com.br/goiasagora) e vinculados a notas jornalisticas organizadas sob a retranca
“TBC Memória” no próprio site de noticias GoiásAgora (www.noticias.goias.gov.br/index.php?idEditoria=5321).
Tais notas compuseram um panorama daquilo que até o momento tem sido obtido pelos pesquisadores,
representado algo em torno de 20% do material obtido nos DVDs já trabalhados. Em algumas situações,
devido o momento apresentar uma rememoração especial, como no aniversário de 92 anos do ex-governador
Mauro Borges, as postagens procuraram apresentar aspectos singulares das coberturas jornalisticas ou do
acompanhamento das atividades públicas do político, buscando associar a personagem com outros aspectos
do projeto, como a presença dele em programas específicos e marcantes da emissora. Em outros casos, as
postagens de vídeo e texto vinculam-se com aspectos menos vislumbrados da prática jornalistica, como no caso
da cobertura de greves no inicio dos anos 1980 e do acidente radiológico com a capsula de césio 137.
O trabalho de divulgação desses materiais possibilita um reencontro dos pesquisadores com materiais que,
significantes, estavam isolados, dependendo de condições para o acesso físico que, muitas vezes, não é possível.
Esse trabalho também tem possibilitado uma confluencia de materiais. Durante as pesquisas para a elaboração
do especial sobre o acidente radiológico com césio 137, conseguimos acessar, além do acervo custodiado pelo
MIS-GO, também os registros arquivados pelo Centro Regional de Ciências Nucleares-Centro-Oeste (CRCN-
CO), um departamento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), localizado em Abadia de Goiás.
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Centralizar e divulgar esses acervos também oferece a sociedade a possibilidade de rememorar momentos
particulares de uma micro-história que corrobora com a construção das percepções do indivíduo diante da
torrente de dados, signos, significantes e significados que todos estão expostos desde o advento dos meios
de comunicação de massa como o cinema, o rádio e a televisão. Com a internet, a comunicação tem se
reconfigurado, possibilitando uma dispersão difusa das informações (e tudo que ela carrega à cavaleiro) dentro
de uma rede que se retroalimenta e não permite que se identifique um único “sentido” do fluxo comunicativo.
Bibliografia Consultada
BOSI, Ecléia. Memória e sociedade: Lembrança de velhos. São Paulo: Cia das Letras , 1994, .
BUSETTO, Áureo. Sintonia com o contemporâneo: a TV como objeto e fonte da História. In: BEIRED, José Luis
Bendicho; et al.. Política e identidade cultural na América Latina. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. p. 153-176.
FREITAS, Sônia Maria de. História Oral. Possibilidades e procedimentos. São Paulo: Humanitas , 2002, .
GODINHO, Iúri Rincon. História da TV em Goiás. Goiânia / GO: UCG , 2008, 135.
KOSSOY, Boris. Os Tempos da Fotografia. Cotia/SP: Ateliê Editorial , 2007, 174 p.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas / SP: UNICAMP , 1990, 475.
Anais do XVIII simpósio Nacional de História. Rio de Janeiro: CPDOC, 1995. sp.
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DO ARQUIVO À NUVEM: RESGATE E DIVULGAÇÃO DO ACERVO DA TELEVISÃO BRASIL CENTRAL 241
MOTTA, Marly Silva da. Histórias de vida e história institucional: A produção de uma fonte histórica. In: .
Anais do XVIII simpósio Nacional de História. Rio de Janeiro: CPDOC, 1995. sp..
RAMOS, Alcides Freire; PATRIOTA, Rosangela; PESAVENTO, Sandra Jatahy. Imagens na História. São Paulo:
Hucitec , 2008, 461 p.
ISSN: 2316-3992
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 242-249, nov 2012
NOTÍCIAS RURAIS NA TV LOCAL: O PIONEIRISMO DO MS RURAL1
Palavras-chave: jornalismo rural; história; MS Rural.
Resumo
A imprensa sul-mato-grossense tem a oportunidade de se dedicar na divulgação de informações em um jor-
nalismo especializado característico da região: o jornalismo rural. Base da economia do Estado, o agronegócio
tem sido explorado por diversas mídias durante os anos. O presente trabalho procura destacar a importância e o
histórico do programa MS Rural, da TV Morena, na função de propagador das notícias rurais na TV local.
Lucas Marinho MOURÃO2
Daniela OTA3
Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS
1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigran/ Dourados/ MS. .
2 Mestrando do Curso de Comunicação do PPG-UFMS, email: [email protected] Orientadora. Professora Doutora do curso de Jornalismo da UFMS, email: [email protected].
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1. Veículos de comunicação em Mato Grosso do Sul
Desde sua implantação efetiva em 1979, o Estado vem experimentando um acelerado crescimento nos as-
pectos econômicos e sociais e a mídia sul-mato-grossense também passa por expressivo avanço, tornando-se um
importante pólo comunicacional do País.
Segundo estimativa, cerca de 120 jornais são editados no estado. Eles atendem a demanda de informação
de mais de 2 milhões de habitantes com considerável renda per capta. No sistema de rádio são 140 emissoras:
80 FMs, 34 AMs, 11 educativas (FMs) e 15 OTs. Em televisão, são 15 emissoras comerciais de canal aberto e
oito educativas. Neste sistema de comunicação destacam-se alguns conglomerados regionais como a Rede MS
de Rádio e Televisão (afiliada à Rede Record), Rede Centro-Oeste de Rádio e Tv (SBT), Rede Mato-grossense de
Televisão (Rede Globo) e Tv Guanandi (Bandeirantes). O primeiro jornal publicado na região sul da Província de
Mato Grosso foi o Iniciador, publicado na cidade de Corumbá, em 1877. Em Campo Grande, o primeiro jornal
foi O Estado de Mato Grosso, do juiz Arlindo Gomes de Andrade, datado de 1913. Segundo Martins (1999), os
outros jornais que surgiram na região na época foram: A Ordem, O Sul, Rui Barbosa, A Nota, Guarani, O Correio
do Sul, Jornal do Comércio (que foi o de mais longa existência em Campo Grande).
As riquezas naturais do Mato Grosso do Sul atraíram muitos agricultores e empresários, a partir dos anos
70. Os agrupamentos populacionais, as cidades e os aspectos econômicos possibilitaram a criação de várias
empresas, entre elas, as de comunicação de massa: jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão. Isso prova
que o jornalismo em Campo Grande é decorrente do processo de urbanização.
O estado de Mato Grosso do Sul foi criado em 11 de outubro de 1977, pelo presidente Ernesto Geisel pelo
Decreto-Lei número 31. A principal cidade do Mato Grosso, Campo Grande, com população acima de 200 mil
habitantes, tornou-se a capital. Com uma área de mais de 358 mil quilômetros quadrados, com uma população
de 1.369.567 habitantes e uma economia baseada na agropecuária, o estado ainda era pouco desenvolvido na
área da comunicação. Existiam jornais impressos e emissoras de rádio em alguns municípios, mas a maior con-
centração de empresas jornalísticas encontrava-se em Campo Grande: três emissoras de rádio AM (Educação
Rural, Difusora e Cultura), dois jornais diários (Correio do Estado e Diário da Serra) e uma emissora de televisão
(Tv Morena). Entre todos os outros municípios, apenas Corumbá contava com outro canal de televisão, a Tv
Cidade Branca, inaugurada em 1970.
Conforme explica Soares após a criação do estado do Mato Grosso do Sul em 1977
surgiram mais sete emissoras de televisão (todas com transmissão em canal aberto): qua-tro em Campo Grande, uma em Dourados, uma em Três Lagoas e outra em Ponta Porã. Em Campo Grande, existiam ainda mais três canais por cabo (um comunitário, um universitário e um legislativo para transmitir informações da Assembléia Legislativa e da Câmara Municipal de Campo Grande). Além dos canais de tv, foram criadas, só em Campo Grande, cinco emisso-ras de rádio FM, duas rádios AM, treze jornais semanais, quatro jornais impressos diários, dois sites de notícias na Internet e duas revistas mensais. Nos outros municípios, também surgiram jornais impressos, emissoras de rádio e sites de notícias (SOARES, 2001, p. 03).
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2. A mídia televisiva em Mato Grosso do Sul
No Estado as duas principais emissoras que se desenvolveram foram a Tv Morena e a Tv MS. A Tv Morena
surgiu antes da divisão do estado. Foi criada em 1965, durante o período de expansão das televisões regionais,
na capital e no interior. Os irmãos Zahran, que formavam um grupo empresarial distribuidor de gás na região
Centro-Oeste, se candidataram para pôr em funcionamento o primeiro canal de televisão de Mato Grosso. A
concorrência pela concessão foi disputada por dois grupos. O presidente Castelo Branco assinou a autorização
para funcionamento da Tv Morena, pelo Decreto no 56.977, de 19 de outubro de 1965. No dia 24 de dezem-
bro, o Correio do Estado publicou a manchete: “Estará no ar hoje a Tv Morena com programação normal”.
Pela programação, pode-se observar que o telejornalismo local nasceu junto da emissora. O primeiro te-
lejornal da Tv Morena foi o Notícias do Dia, apresentado pela primeira vez em 27 de dezembro de 1965. Em
janeiro de 1983, dentro de uma nova estruturação da Rede Globo, começam a ser veiculados em cada capital,
os telejornais regionais. Em Campo Grande, a Tv Morena inicia a veiculação do MS Tv 1a edição e 2a edição.
Nessa fase, o telejornalismo da Tv Morena implanta definitivamente o padrão determinado pela Rede Globo.
A Tv Mato Grosso do Sul (Tv MS) foi a quarta emissora de televisão a ser criada em Campo Grande. Recebeu
a outorga de concessão em 24 de janeiro de 1986 por meio do decreto no 92.331, assinado pelo Presidente
da República, José Sarney e o Ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães. A concessão da Tv MS
é conseguida em uma época de distribuição intensa de canais de rádio e televisão no País. O telejornal MS em
Manchete surge pela primeira vez na grade da emissora, no dia 28 de abril de 1987. A Tv MS permaneceu como
afiliada da Rede Manchete de fevereiro de 1987 até outubro de 1995, quando a emissora passou a transmitir o
sinal da Rede Record.
Todos esses dados provam que o processo jornalístico em Campo Grande acompanhou as transformações
empresariais. A cada mudança de proprietários, os dirigentes implementavam inovações. A mão de obra usada
nesses veículos foi marcada, a partir dos anos 70, por pessoas que se agregaram e se profissionalizaram no
ramo, além de um pequeno número de jornalistas graduados em outros estados brasileiros (SP, RJ, RS e MG).
A vinda desses profissionais foi motivada pelo surgimento do novo estado. Aqui, eles acreditavam em melhores
oportunidades de trabalho.
3. O rural na mídia sul-mato-grossense
As mídias sul-mato-grossenses têm sido usadas para integrar o homem do campo à realidade social, informá
-lo e até mesmo formá-lo. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a Rádio Educação Rural. Ela nasceu em Campo
Grande em 11 de outubro de 1977. Desde seu início, esteve ligada à religião católica. Foi criada pelo primeiro
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bispo de Campo Grande, Dom Antônio Barbosa, que via no rádio um meio de comunicação para levar as pa-
lavras da Igreja às paróquias do interior do estado (cidades como Água Clara, Camapuã, Coxim, Paranaíba,
Sidrolândia, Terenos e Três Lagoas).
A autorização da rádio foi dada pelo Presidente da República Juscelino Kubitschek, que permitiu a construção
da emissora de 100 watts de potência em ondas tropicais. O que ajudou na autorização foi a explicação dada
por Dom Antônio ao presidente sobre a necessidade de alfabetizar as pessoas do campo e da periferia das ci-
dades por intermédio do rádio.
Em 1960, ele criou as Escolas Radiofônicas, conhecidas como Escolas de Base, unidades de ensino gratuitas
responsáveis pela alfabetização de inúmeras pessoas do campo e da cidade antes da criação do Movimento
Brasileiro de Alfabetização (Mobral), como contam Calazans e Christofari (2009, p. 41):
Bases escolares com 10 a 15 alunos eram montadas geralmente em fazendas, onde se podia sintonizar a Rádio Educação Rural. Dessas bases uma pessoa alfabetizada participava de um treinamento em Campo Grande, na volta auxiliava os alunos em uma sala simples, que tinha apenas uma lousa e um rádio sobre a mesa. O ensino era transmitido pela rádio e o aluno que participou do treinamento ajudava a alfabetizar os demais colegas da base (CALAZANS E CHRISTOFARI, 2009, p. 41)
O fim das Escolas Radiofônicas aconteceu com a criação do Mobral. Mesmo com isso, o nome da emissora
permaneceu, assim como o seu objetivo de informar a população e promover a educação no estado, seguindo
os valores da Igreja Católica. Com o passar dos anos, a rádio foi se igualando às rádios comerciais comuns,
com programas educativos e de evangelização mais curtos.
Sem os meios de comunicação modernos (telefone, televisão ou internet), nos anos 60 o rádio foi o principal
meio de comunicação entre a população que morava em Campo Grande e nas fazendas do interior do então
estado de Mato Grosso. Por ser em ondas tropicais, sua sintonia melhorava à medida que se distanciava da emis-
sora. Nas fazendas, as pessoas recebiam notícias de seus familiares e o mesmo acontecia com quem estava nas
cidades. A programação era variada, mas permaneceu sem grandes modificações nos seus 50 anos de existên-
cia. Entre as principais características estavam à predominância de músicas sertanejas, noticiários, comentários
e programas de esporte.
O programa de maior sucesso da rádio, no ano de 1990, foi Integração Capital Interior, cujo objetivo era
integrar os municípios de Mato Grosso do Sul com a capital Campo Grande. Enquanto os avisos eram colocados
no A Hora do Fazendeiro, outro programa da rádio, as notícias do interior eram veiculadas pela Integração Ca-
pital Interior. Da mesma forma, Campo Grande se tornava mais conhecida pela população dos municípios que
faziam fronteira com São Paulo, como por exemplo, Aparecida do Taboado, Paranaíba e Três Lagoas, nas quais
os moradores tinham o costume de ir ao estado vizinho para fazer compras em vez de irem à capital.
Não se sabe ao certo quantas pessoas foram beneficiadas com as Escolas Radiofônicas ou pelas informações
que ajudavam as pessoas do campo, mas é notória a importância que teve a rádio no meio rural.
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A Hora do Fazendeiro foi um dos programas de maior audiência da emissora. Ele era direcionado a pres-
tação de serviço de utilidade pública permitindo a comunicação entre o homem do campo e o da cidade. Seu
primeiro apresentador foi Ailton Guerra. O programa durante muito tempo foi a única comunicação que o ho-
mem do campo tinha com a cidade. Sua credibilidade era considerada alta e o público fiel. A frase que marcou
os ouvintes muito repetida era “Quem ouvir favor avisar”.
A Voz do Produtor também teve serventia no campo. Com a iniciativa da Federação da Agricultura e Pecuária
de mato Grosso do Sul (Famasul), o rádio jornal levou informação para o público rural em 44 municípios. Sua
estrutura aglutinava agendas, cotações, músicas e informações sobre o manejo no campo.
Atualmente, os meios de comunicação urbanos começaram a valorizar cada vez mais as informações do
campo, devido à importância moderna que a economia rural passou a ter no estado. Os veículos de comuni-
cação do Mato Grosso do Sul têm servido para contribuir na divulgação das informações rurais. As mídias mais
tradicionais que atingem o público (televisão e jornal impresso) têm dedicado cadernos e programas específicos
para essa editoria.
Vale notar também que a internet, veículo que tem caminhos de abrangência inesgotáveis, é o meio mais
usado pelos produtores, compradores e assessores, na propagação e busca de informações sobre o campo. O
caráter instantâneo da rede de computadores faz com que muitos sites específicos de notícias agropecuárias di-
vulguem dados relevantes ao setor. Também os dois sites regionais de notícia, Campo Grande News e Mídiamax,
dedicam ao assunto as sessões Agronegócio e Agropecuária, respectivamente; com informações divulgadas em
vários momentos do dia.
No meio radiofônico, as duas rádios populares mais ouvidas (Mega 94, FM 94.3, e Transamérica Hits, FM
99.1) transmitem principalmente programas musicais (com músicas nacionais, internacionais e regionais); ma-
térias rurais são raras e quando existem, são divulgadas juntamente com outras notícias, somente se estiverem
repercutindo muito na mídia. O caráter de informante sobre o meio rural das rádios foi se perdendo com tempo.
4. O meio rural na imprensa televisiva
Na televisão local, o primeiro programa segundo Sandim (2003) foi o TV no Campo, apresentado na TV
Campo Grande (SBT). Com um período de apresentação curto (de 1981-1983). No entanto o MS Rural, da TV
Morena, é o telejornal especializado em rural mais tradicional no Estado.
4.1. Tv Morena
É a rede de maior expressão local, divide-se em três afiliadas: Tv Morena Campo Grande, Tv Morena Corum-
bá e Tv Morena Ponta Porã. É afiliada à Rede Globo de Televisão, pertencente ao grupo da Rede Matogrossense
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de Televisão. Foi a primeira emissora de televisão do antigo estado de Mato Grosso, fundada no projeto liderado
por Ueze Zahran, que abandonou a idéia de construir somente uma repetidora e construiu uma geradora de
imagens.
A programação local produz Telejornais (Bom Dia MS - segunda a sexta-feira; MSTV – 1a Edição - segunda
a sábado; MSTV – 2a Edição - segunda a sábado), um telejornal esportivo (Globo Esporte - segunda a sábado),
entretenimento (Atualidades e Meu Mato Grosso do Sul - sábados) e reportagem (Terra da Gente). Na editoria
rural a emissora produz o MS Rural aos sábados.
4.2. MS Rural
O telejornal local MS Rural é considerado um dos pioneiros no setor, em nível estadual e até nacional. Ele
segue o modelo do programa Globo Rural, transmitido para todo o Brasil pela Rede Globo nas manhãs de se-
gunda à sexta-feira e aos domingos. O programa nacional estreou em 6 de janeiro de 1980 com a apresentação
de Carlos Nascimento, sendo o primeiro do gênero. Retrata o universo do campo, apresentando notícias que
interessam ao agricultor, como a previsão do tempo, eventos sobre agropecuária, receitas e dicas de tratamento
de espécies animais e vegetais. Os últimos a apresentar o telejornal foram Nélson Araújo, Helen Martins, Ana
Paula Campos, Vico Iasi, Priscila Brandão, aos domingos, às 08h05, e de segunda a sexta-feira, às 06h10. O
programa diário tem duração de 20 minutos e o dominical 55 minutos. Foi criada também em 1985 a revista
Globo Rural, que é distribuída até hoje.
No Estado, o MS Rural é transmitido em rede aberta há 26 anos. Dirigido por Alfredo Singh. A primeira
transmissão foi em julho de 1984. Osmar Bastos foi quem mais apresentou o programa, de 1984 a 2008. Atu-
almente é apresentado por Edevaldo Nascimento e Priscila Sampaio. Bastos também é o idealizador do jornal.
Ele é veterinário formado na Universidade de São Paulo (USP)
O telejornal é dividido em blocos que abordam aleatoriamente as matérias, não sendo subdividas em ses-
sões. Periodicamente, são feitas séries de reportagens especiais com um tema determinado. As notícias são
disponibilizadas em vídeo, na íntegra, no site da emissora na internet. Como fontes são usados agricultores,
pecuaristas, silviculturistas, criadores de animais, trabalhadores rurais, donos de laticínios, pessoas relacionadas
ao campo em geral.
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Morfologia do programa
O Ms Rural tem sua importância no histórico da imprensa sul-mato-grossense pois durante anos mostrou o
que existe de melhor e mais moderno nos estados do MS e MT (atualmente existe um programa em cada estado).
O programa norteou sua pauta à diversificação da agropecuária, valorizando e educando as boas práticas no
campo e incentivando a adoção de novas tecnologias. A cultura regional, com ênfase para as receitas culinárias,
tem sido destaque nas edições divulgadas. O enfoque econômico também é muito explorado.
Histórico de apresentadores
MOURÃO, Lucas Marinho 249
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REFERÊNCIAS
MOURÃO, L. M. O ensino de Jornalismo Rural nos cursos de comunicação Social/Jornalismo de Campo Gran-
de, Mato Grosso Do Sul. Campo Grande: UFMS, 2010.
CANCIO, M. V. Telejornalismo descoberto: a origem da notícia no jornalismo televisivo regional. Campo Gran-
de: UFMS, 2005.
SAMDIM, C. N. Espaço agropecuário: Jornalismo Rural no Rádio em Campo Grande. Campo Grande: UNI-
DERP, 2003.
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A LINGUAGEM AUDIOVISUAL EM MÍDIAS PORTÁTEIS E UBÍQUAS
Palavras-chave: mobilidade – aprendizagem – conectividade - sociabilidade
Resumo
Neste texto procuraremos traçar um cenário a respeito dos dispositivos móveis, seu surgimento e desenvolvi-
mento até os dias atuais, como também fazer uma refletir sobre temas como: mobilidade, novos comportamentos
de sociabilidade, conexão constante, ou seja, conceitos que estão presentes quando se fala de tal tecnologia.
Enfim, procuraremos analisar algumas transformações que vêm ocorrendo como fruto das mídias móveis.
Angeles Treitero García Cônsolo¹
¹Angeles Treitero García Cônsolo – Doutoranda em Educação: Currículo e Mestre em Tecnologias da Inteligência e Design
Digital, área: Processos Cognitivos e Ambientes Digitais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Endereço eletrônico:
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Introdução
Quando surgiu a motivação para fazer um estudo em profundidade sobre os dispositivos móveis, isso parecia
algo bastante fácil tendo em vista a modernidade do assunto. Entretanto, quando nos embrenhamos pelo caminho
da investigação, percebemos que não se trata de algo tão simples. Constatamos que a trajetória a ser percorrida
pode transformar-se efetivamente num labirinto, em virtude da complexidade do assunto.
Ao falarmos em dispositivos móveis logo nos vem à mente os telefones celulares, porém, nessa categoria podem
ser classificados um simples MP3 player (dispositivo que serve só como arquivo sonoro – música ou voz) ou algo
bastante sofisticado como o SmartPhone ou um tablet.
Os telefones celulares, por exemplo, são hoje muito mais do que um meio de comunicação oral que serve para
falar com alguém distante. Existem os aparelhos de última geração (3ª geração - 3G) que “carregam” arquivos de
MP3, possuem rádios FM, gravam, permitem baixar vídeo, além dos serviços já comuns tais como câmeras fotográ-
ficas, transmissão de mensagens de texto (SMS e MMS), etc, ou seja, é um equipamento que possibilita de maneira
efetiva o entretenimento, aprendizado, ou ao trabalho na sociedade contemporânea.
Neste texto, procuraremos traçar um cenário a respeito dos dispositivos móveis. Refletir sobre temas tais como:
mobilidade, novos comportamentos de sociabilidade, conexão constante, entre outros. Enfim procuraremos anali-
sar algumas transformações que vêm ocorrendo como fruto das mídias móveis
1. O Desenvolvimento dos Dispositivos Móveis
1.1 O Telefone Celular
Ao longo da história, a comunicação telefônica sofreu grandes transformações, enfrentou vários problemas com
relação às transmissões, às interferências e aos múltiplos sinais que pareciam imensos. A maior parte dos problemas
era causada pelo amontoado de fios em que o sistema estava esquematizado, o que impossibilitava uma transmis-
são perfeita. A solução só veio por volta da metade do século XX, quando foram introduzidos a amplificação ele-
trônica e o código de modulação, o que trouxe também o código binário. A informação binária pôde ser replicada
de maneira infinitamente mais precisa. Posteriormente, essa mesma linguagem veio a ser usada nos computadores.
Em 1956, nasceu o primeiro telefone digital. O novo sistema podia carregar vinte e quatro sinais de voz ou
1.5 megabits de informação num par de fios padrão. A comunicação por telégrafo e telefone, através do modo
digital, pôde ser usada em larga escala. Em 1980, mais da metade das ligações na América do Norte foram
realizadas eletronicamente.
Ainda por volta de 1980, surgiram os primeiros telefones celulares. Eles pesavam de 3 a 10 quilos, consu-
miam muita bateria e tinham baixa qualidade de voz e, além disso, o sinal era analógico. Em 1992, estes apa-
relhos começaram a ser substituídos pelas redes digitais e, em 1997, nasceu a tecnologia GSM (Global System
for Mobile Communication).
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No ano de 2001, os telefones celulares entraram num processo de hibridização, incorporando em suas fun-
ções mensagens de texto, envio e recebimento de e-mails, etc.
A terceira geração ou 3G (Sistema Celular de Terceira Geração) “UTMS² permite que um número muito
maior de aplicativos seja apresentado para usuários a nível mundial, promovendo um link crucial entre os múlti-
plos sistemas GSM atuais e o IMT-2000.
Esta nova rede também supre a crescente demanda de aplicativos para a Internet móvel. O UMTS aumenta a
velocidade de transmissão de dados para 2 Mbps por usuário móvel e estabelece um padrão global de roaming”.
Podemos dizer que tais dispositivos se destacam por serem terminais multimídia e pela sua maior velocidade
de transmissão de dados. A tecnologia permite transmitir imagens ao vivo, ouvir música, assistir TV, possuem pe-
quenas câmeras de vídeo embutidas, fones de ouvido, saídas de áudio, bluetooth, browser com acesso à internet
e correio eletrônico.
1.2 Outros Dispositivos Móveis
Em paralelo aos celulares, surgiram outros dispositivos móveis, como por exemplo, o handheld (Palm) deno-
minado Newton, lançado em meados de 1992 pela Apple. O Newton chegou ao mercado com tela sensível ao
toque, 1MB de memória total, e capacidade de transmissão de dados de 38.5 kbps. Este modelo não teve muita
repercussão, mas é considerado o início dos dispositivos móveis.
Em 1996, a U.S. Robotics lançou o (Palmtop) Pilot 1000 e 5000, dispositivo que teve uma grande aceitação
no mercado, por lançar as bases de toda uma plataforma de Palmstops que chegou a atingir 80% do mercado
mundial e existente até hoje
No mesmo ano, foi lançado um dispositivo com Windows CE 1.0, da Microsoft. Posteriormente foi lançado o
Windows CE 3.0 e a plataforma Pocket PC, em 2000, mas a plataforma Windows CE não teve grande aceitação
do mercado. Entretanto, a partir do Sistema Operacional Pocket PC 2000, embutido em dispositivos como o HP
Jornada e o Compaq Ipaq, esta plataforma ganhou aceitação do mercado e começou a crescer.
Contudo, não seria possível obter mídias móveis e ubíquas se não tivesse sido desenvolvida a tecnologia Wi-
Fi ou Wi-Max.
2. A Tecnologia Wi-fi e Wi-max
2.1 A Tecnologia Wi-Fi
A tecnologia Wi-Fi (Wireless Fidelity) é uma tecnologia WLAN (Rede Local sem fios). Em área limitada, permite
conexões de alta velocidade entre dispositivos móveis de dados como, por exemplo, computadores portáteis.
²G/UMTS - Apesar dos sucessivos atrasos, originados por diversos fatores de ordem econômica e tecnológica, as tecnolo-gias 3G (terceira geração) / UMTS (Universal Mobile Telecommunications Systems) estão agora oferecendo tecnologias e serviços de banda larga. Através de uma gama definida de microondas, esta tecnologia disponibiliza acessos de alta velocidade (telefone, paging, messaging, Internet, banda larga) sem fios a longa distância, através de interfaces aéreas tais como as redes GSM (Eu-ropa), TDMA e CDMA (América).
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. Estes dispositivos juntam-se a um ponto de acesso Wi-Fi, onde se autenticam para acederem ao canal de co-
municações que a rede Wi-Fi disponibiliza.
As redes Wi-Fi podem ser configuradas e operadas por qualquer pessoa, permitindo diferentes acessos a dife-
rentes redes. Um ponto de acesso que permite, numa localização geográfica específica, conexão a uma rede (por
exemplo, Internet) é denominado HotSpot. Já é comum encontrarmos hotspots em aeroportos, cibercafés, hotéis e
outros lugares públicos, para lazer ou trabalho.
2.2 A Tecnologia Wi-Max
A tecnologia Wi-Max (Worldwide Interoperability for Microwave Access) é uma tecnologia WLAN (Rede Local
sem fios). Comparativamente ao Wi-Fi, cobre uma área maior de sinal, maior largura de banda e usa uma gama
de freqüências mais alta.
A tecnologia Wi-Max usa uma infra-estrutura de rede de dados fixa e, por utilizar uma gama de freqüências
superior ao Wi-Fi, necessita de antenas de alto ganho (aproximadamente do tamanho de um computador portátil).
Como resultado, o Wi-Max é uma tecnologia não móvel sem fios de alta velocidade que conecta de um ponto
fixo para outros pontos fixos. Para melhor entendimento, imaginemos uma torre de rádio que emite um sinal para
diversas antenas instaladas no topo dos edifícios.
O Wi-Max é ideal para substituir o alto custo da instalação e serviços de curta distância em empresas que usam
as tradicionais linhas T1. Deste modo, o Wi-Max é capaz de integrar uma WLAN existente, conectando diversos
edifícios num campus de uma empresa ou corporação. Uma rede Wi-Max pode disponibilizar acesso Internet para
hot-spots Wi-Fi, cabo coaxial e serviços DSL.
Uma das vantagens do Wi-Max é que permite acesso de alta velocidade à Internet, disponibilizando um serviço
wireless em regiões que necessita de infra-estruturas de cabo como, por exemplo, zonas rurais e zonas periféricas.
Tal como é referido em alguns meios de discussão de tecnologias sem fios, o Wi-Max pode tornar-se uma tecno-
logia concorrente à 3G ou a outras tecnologias para telefones celulares de banda larga sem fios por disponibilizar
acesso de alta velocidade, utilizando hot-spots Wi-Fi de baixo custo em diversos locais estratégicos.
Provavelmente, essas tecnologias evoluíram em paralelo, permitindo o uso a autênticas redes sem fios. A tec-
nologia Wi-Max continuará a disponibilizar Internet sem fios em grandes áreas e a grandes distâncias, conectando
pequenos sistemas WLAN, enquanto a tecnologia Wi-Fi permite o acesso wireless a pequenos dispositivos móveis
existentes numa WLAN. Deste modo, as duas tecnologias não se substituem, mas tendem a complementar-se.
3. Alguns Estudos e Pesquisas sobre os Dispositivos móveis
Como se sabe, com desenvolvimento tecnológico surge a microinformática, trazendo os Computadores Pesso-
ais - personal computer (PC) -, posteriormente segundo André Lemos (2004, p.19) com a popularização da Internet
presenciou-se a transformação do PC nos Computadores Coletivos (CC) conectados ao ciberespaço.
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E, nos dias atuais estamos vivendo uma nova etapa com o desenvolvimento das mídias móveis, os Computado-
res Coletivos móveis (CCm) que se estabelecem com a computação ubíqua sem fio.
Para o autor, trata-se da ampliação de formas de conexão as mais variadas, ou seja, ampliam-se as formas
de conexão entre homem e homem, máquina e homem e máquina e máquina. A conexão é motivada “pelo no-
madismo tecnológico da cultura contemporânea e pelo desenvolvimento da computação ubíqua (3G, Wi-Fi), da
computação senciente (RFID, bluetooth) e da computação pervasiva, além da continuação natural de processos de
emissão generalizada e de trabalho cooperativos da primeira fase dos CC (blogs, fóruns, chats, softawars livres,
peer to peer, etc)”.
Para Lemos, na era da conexão, do CCm, a rede transforma-se em um “ambiente” generalizado de conexão,
envolvendo o usuário em plena mobilidade.
Afirma Patrick Lichty (2006), que o indivíduo móvel é um nômade, pois se move de um lugar para outro sem
perder contato com o coletivo da “aldeia” eletrônica. Desde que estejam em sua rede de recepção, eles ainda estão
disponíveis.
Alguns movimentos estão ocorrendo com o auxílio dos dispositivos móveis, envolvendo o indivíduo móvel e
nômade. Circunstâncias geradas pela conexão com as novas mídias trazem efetivamente sociabilidades totalmente
diferentes das conhecidas até então. Trata-se de relações sociais em grupo com as Smart mobs³ ou as flash mobs4
. O conceito está baseado em movimentos inteligentes ou inteligência coletiva.
4. Dispositivos Móveis: uma mídia convergente?
Segundo Lemos, o aparelho celular expressa: “a radicalização da convergência digital, transformando-se em um
“teletudo” para a gestão móvel e informacional do quotidiano.”. (Lemos: 2004, p. 24). Com um simples apertar de
teclas sabemos o que necessitamos fazer, não é mais necessário carregar pesadas agendas de um lado para outro.
Vemos quem está nos ligando através de uma foto colocada como pano de fundo ou pelo nome que aparece no
visor e ainda escolhemos se atendemos ou não quem está do outro “lado” da linha.
Para Santaella os dispositivos móveis transformaram-se em verdadeiros controles remotos no comando da vida
cotidiana dos indivíduos. (Santaella: 2010, p. 152).
³O termo Smart mobs foi criado por H. Rheingold para descrever as novas formas de sociabilidade usando dispositivos mó-veis tais como celulares, pagers, internet sem fio blogs, etc, com voz e mensagens de texto (Short Message Service - SMS).
Os Smart Mobs são organizados para ações coletivas de multidões que podem ter adeptos de qualquer lugar do mundo.4Para Rheingold (2003) as práticas de flash mob, (multidões relâmpago que tem como característica principal realizar uma
encenação em algum ponto da cidade), geralmente ocorrem em circuitos urbanos, mais freqüentemente nos hipercentros das grandes metrópoles, e representam a ponta final de um processo: “a flash mob é especificamente um tipo de smart mob organiza-do exclusivamente para entretenimento.” Tem-se aí o auge do processo de articulação e organização que tem início no ambiente on-line. Através da Internet - principalmente em blogs, listas de discussão, canais de chat, instant messengers ou mensagens SMS trocadas via telefones celulares - e das facilidades proporcionadas pelas novas formas de comunicação sem fio (comunicação descentralizada, multiplicação da capacidade de circulação de informações em curtos espaços de tempo, rapidez nas rearticula-ções necessárias, etc.), os interessados em participar de uma flash mob encontram-se, deliberam, encaminham os procedimentos necessários à consecução do evento.
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Com um celular o homem adquiriu características que somente Deus possuía que a dom da ubiqüidade, ele
pode estar em vários lugares ao mesmo tempo, coloca as pessoas em um estado de presença ausência, o que
significa que elas estão presentes e ao mesmo tempo não estão. (Santaella: 2010, p.102).
Podemos afirmar que nestes aparelhos encontramos várias mídias? É o hibridismo das mídias, é uma conver-
gência? Para Santaella (2010) o hibridismo das mídias está associado ao processo de convergência das mídias.
Para a autora as mídias antes existiam em suportes físicos separados, como: papel para texto, película química
para a fotografia e o filme, fita magnética para o som e o vídeo, fio de telefone, onda de rádio, satélite de te-
levisão, tudo isso passou a combinar-se em informações digitais, produzindo a convergência de vários campos
mediáticos tradicionais.
De acordo com a autora: “Foram assim fundidas as quatro formas principais da comunicação humana: o
documento escrito (imprensa, magazine, livro); o audiovisual (televisão, vídeo, cinema); as telecomunicações
(telefone, satélites, cabo) e a informática (computadores e programas informáticos)”. (Santaella; 2010, p. 86)
Todo esse processo passou a chamar-se “convergência das mídias”, que tem como base o hibridismo midiá-
tico. Isso foi possível a partir da convergência entre os computadores e as telecomunicações – com o advento da
internet, um universo que cresce para o infinito, chamado por ciberespaço. O acesso é a característica mais mar-
cante desse espaço virtual, que segundo Santaella é um espaço que está em todo lugar e em nenhum ao mesmo
tempo, a interatividade que passou a fazer parte do cibernauta, para a autora é um “espaço de acesso livre,
informal, descentrado, capaz de atender a muitas das idiossincrasias – motoras, afetivas, emocionais, cognitivas
do usuário. (Santaella: 2007, p. 198). É um espaço das múltiplas linguagens todas misturadas transformando-se
apenas em um clik com o acesso fácil e rápido para quem quiser participar.
Para Santaella essa tecnologia móvel tem como principal característica a conexão contínua, se constitui por
uma rede móvel de pessoas e de tecnologia nômade que circula em espaços físicos não contíguos. Para fazer
parte desse espaço, um nó (ou seja, uma pessoa) não necessariamente precisa compartilhar do mesmo espaço
geográfico com outros nós da rede móvel, transformando-se segundo Adriana Souza e Silva (2006) de “espaços
híbridos”, são espaços criados pela junção entre lugares diferentes e desconectados.
Define Souza e Silva espaço híbrido como: “espaços móveis, criados pela constante movimentação de usuá-
rios que carregam aparelhos portáteis de comunicação continuamente conectado à Internet e a outros usuários”
(2006, p.24.). A autora caracteriza esse espaço com as palavras: lugar, espaço e mobilidade. Santaella (2010)
chama de “espaços intersticiais”. Mistura inextricáveis entre os espaços físicos e o ciberespaço, possibilitada pelas
mídias móveis. (2010, p.99). Ou seja, são espaços sem delimitação específica.
A tecnologia móvel fez com que conceitos como espaço, tempo, lugar e mobilidade, que estavam bem de-
finidos passassem a ser repensados. Porque estes conceitos ganham novos valores que não são possíveis serem
pensados em separados antes da existência dessa tecnologia.
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A LINGUAGEM AUDIOVISUAL EM MÍDIAS PORTÁTEIS E UBÍQUAS 256
4.1 As interfaces dos aparelhos celulares
Como já foi dito anteriormente os aparelhos celulares têm como principal característica o hibridismo midiáti-
co, como também possibilitam uma interface anteriormente desconhecida, isto é, permite estar on ou off-line ao
mesmo tempo e em mobilidade. O que cria um espaço híbrido diferente, misturam-se o espaço físico ao virtual
sem o sujeito perceber.
Para algumas pessoas, ainda hoje, o ato de “entrar” na Internet é algo que está relacionado com determina-
das atitudes, por exemplo, parar totalmente o que se está fazendo; depois sentar-se em frente a uma tela de um
computador; ligar o computador; e finalmente “entrar” na Internet. E ali navegar onde desejar, conectado com
o mundo virtual.
Para algumas pessoas, ainda hoje, o ato de “entrar” na Internet é algo que está relacionado com determina-
das atitudes, por exemplo, parar totalmente o que se está fazendo; depois sentar-se em frente a uma tela de um
computador; ligar o computador; e finalmente “entrar” na Internet. E ali navegar onde desejar, conectado com
o mundo virtual.
Podemos afirmar que vários estudos já foram realizados sobre os usos dos celulares em diversos países, e
aparecem de forma unânime o uso acentuado na utilização da voz, SMS, compras, etc, mas o que aparece como
mola propulsora do consumo da telefonia celular, segundo Lemos (2004) é a necessidade de mobilidade e de
contato permanente, são características primárias para o homem se manter em qualquer sociedade.
5. A Tecnologia Móvel
A tecnologia móvel, principalmente o celular, pode ser considerada uma espécie de lugar onde podemos ser
encontrados a qualquer momento se o desejarmos. Pois a primeira coisa que se pergunta quando se faz uma
chamada “onde você está”. É um novo sistema de comunicação que estamos vivenciando nos dias atuais. Se-
gundo Castells:
O que caracteriza o novo sistema de comunicação, baseado na integração em rede digitalizada de múltiplos modos de comunicação, é sua capacidade de inclusão e abran-gência de todas as experiências culturais. Em razão de sua existência, todas as espécies de mensagens do novo tipo de sociedade funcionam em um modo binário: presença/ausência no sistema multimídia de comunicação. Só a presença nesse sistema integrado permite a comunicabilidade e a socialização da mensagem. (2005, p. 460/461).
As tecnologias móveis, principalmente os aparelhos celulares, hoje, estão por toda parte em nossa sociedade.
Uma pesquisa realizada pelo IBGE 2010 revelou que mais de um terço dos brasileiros utilizam o telefone celular
de modo exclusivo, dispensando até o uso da telefonia fixa.
Segundo dados do CGI (Comitê Gestor de Internet) a diferença entre a penetração do telefone móvel e do
telefone fixo é muito grande (78% e 40% no Total Brasil, respectivamente). O que significa dizer que os esforços
para a penetração dessa tecnologia na sociedade estão muito grandes.
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A LINGUAGEM AUDIOVISUAL EM MÍDIAS PORTÁTEIS E UBÍQUAS 257
As campanhas publicitárias com objetivo de propagar novos aparelhos através das mídias de massa são
inúmeras e imensas. Elas querem atender a todos os tipos de públicos. Somos chamados o tempo todo para
conhecer esses novos equipamentos por meio de todas as mídias. A televisão, por sua vez, que é a mídia que
envolve mais receptores de uma vez só, convida de forma direta ou indireta a comprar um novo aparelho. Nas
páginas da Internet as propagandas estão em todas as partes. Os links para visualizar tais equipamentos são
diversos. As mensagens publicitárias se voltam para atender qualquer tipo de público. As empresas de telefonia
móvel querem oferecer cada vez mais vantagens para o consumidor.
Existe um direcionamento mercadológico enorme por parte tanto das operadoras de telefonia móvel como
dos fabricantes de aparelhos móveis para criar novos hábitos de consumo. O grande negócio do momento é
pulverizar e distribuir essa tecnologia para qualquer pessoa não importando classe social, sexo ou idade.
Diversos tipos de aplicativos são desenvolvidos, eles estão sendo utilizados para atividades simples como
calcular números, indo para coisas mais complexas como curso completo de idiomas. Por exemplo, a operadora
própria de telefonia móvel a Vivo no Brasil, acabou de lançar mais um curso de inglês para seus clientes, com um
custo de R$ 2,99 por semana, para quem quer iniciar a aprender inglês. O serviço conta com aulas em áudio e
exercícios escritos via SMS, e o usuário ligar para o portal e inicia suas aulas. O usuário é estimulado a falar e
pode gravar sua voz para ver como se saiu em seguida. A operadora disponibiliza hoje, oito cursos de inglês e
espanhol para seus clientes, que podem ser feitos através de portal de voz, SMS e Internet.
Outro exemplo de utilização de dispositivos móveis na educação, é a escola CCAA (escola de idiomas) que
está disponibilizando, por meio de seu site, informações para seus alunos baixarem o material didático “gratui-
tamente” disponível para tablets (iPAD ou Android).
Os celulares são encontrados em todos os países, dos mais pobres aos mais ricos. Foi o equipamento de
comunicação e de informação que obteve a maior aceitação e penetração nas sociedades. Redes de telefonia
fixa hoje estão perdendo mercado enquanto a telefonia móvel está em plena expansão.
Segundo dados da CETIC.br (Centro de Estudos sobre Tecnologias de Informação e da Comunicação) em
novembro de 2011 / janeiro de 2012 o uso do celular no Brasil é algo bastante representativo sendo que 76%
das pessoas possuem celular e somente 24% não possui. Número esse que vem crescendo gradativamente ano
a ano. O celular tem se tornado um equipamento indispensável para o cidadão brasileiro, as pessoas não saem
de casa sem levar esse pequeno aparelho consigo.
Em termos de números estatísticos, no Brasil, ainda existe uma diferença significativa em virtude da região
urbana ou rural, conforme dados apresentados pela CETIC.br, na região urbana 80% das pessoas possuem
celular e somente 20% não possuem, sendo que na região rural 55% possuem e 45% não. O que está relacio-
nado com instalação de antenas transmissoras. Essa tecnologia está proporcionando a realização de uma série
de atividades via celulares.
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A LINGUAGEM AUDIOVISUAL EM MÍDIAS PORTÁTEIS E UBÍQUAS 258
5.1 Atividades realizadas via celular
As estatísticas mostram as atividades realizadas com o uso deste aparelho:
- receber e fazer chamadas ainda é a atividade mais utilizada fica 99% do total, (urbana 99% e rural 98%).
- depois para o envio de SMS com 57% (urbana 59% e rural 40%),
- passando para o acesso de música com 31% (urbana 33% e rural 18%),
- indo para envio e recebimento de fotos e imagens com 23% (urbana 25% e rural 14%), - acesso a vídeos
21% (urbana 22% e rural 12%),
- acesso a internet ficou com 17% (urbana 19% e rural 8%)
- e por último foi para consultas de mapas 8% (urbana 8% e rural 3%).
Todos esses dados apresentados são de fato algo para ser analisados e estudados, tendo em vista que esses
aparelhos estão trazendo novos comportamentos e introduzindo novos hábitos culturais.
Fazer uma chamada telefônica não se concentra mais somente via voz, ela foi ampliada na linguagem escrita
através de SMS ou linguagem visual por meio de fotos e imagem, o que acaba incluindo muito mais pessoas
nesse mundo comunicacional. Ou seja, a partir dessa tecnologia pessoas com deficiências auditivas ou visuais
também passam a se comunicar.
Em termos de comportamento, é normal ver uma pessoa pegar o celular por várias vezes só para verificar
se não recebeu uma mensagem ou se deixou de atender uma chamada que não ouviu, mesmo que o aparelho
esteja muito próximo dela. Ou interromper uma conversa para atender ao celular.
Parece até que a comunicação móvel cria certa esquizofrenia da “conexão constante”. As pessoas principal-
mente as mais jovens ficam conectadas com seus aparelhos de celulares durante 24 horas por dia, pois isso lhes
dá elas uma sensação de estar ligada em seu mundo, em sua rede social constantemente. E em certa medida
não fazem diferença entre estar online ou off line.
Esse consumo foi chamado por Lawrence e Phillips de produtos culturais e definido pelos autores como “pro-
dutos culturais são bens e serviços valorizados por seu significado”. (p.4).
São produtos que são consumidos não pelo fato de resolver algum problema existente, mas pelo fato da in-
terpretação que a sociedade ou o meio em que se vive faz. São produtos consumidos simbolicamente, é o valor
do simbólico que importa. São produtos diferentes dos consumidos de indústrias tradicionais que são consumidos
pelo seu valor material e para resolver um determinado problema prático.
Hoje em dia até crianças muito pequenas possuem celulares, segundo dados CETIC.br em novembro de
2011 / janeiro de 2012, 59% de crianças na faixa etária entre 10 a 15 possuem celulares contra 41% que não
possuem. O que nos mostra que pais procuram inserir seus filhos muito cedo nesse mundo digital e em mobili-
dade. E qual é o papel do professor e do aluno, uma vez que estes novos meios apresentam um novo panorama
de comunicação? Como utilizar isto em favor do aprendizado.
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A LINGUAGEM AUDIOVISUAL EM MÍDIAS PORTÁTEIS E UBÍQUAS 259
5.2 O mundo digital e em mobilidade
Os dispositivos móveis em sua maioria possibilitam ao indivíduo estar on ou offline e em movimento o que
muda toda uma forma de comportamento, como também não é difícil ver pela televisão ou pela internet uma re-
portagem que foi feita por um cidadão comum, pois eles estão equipados com câmaras conectadas que podem
relatam fatos antes mesmo dos profissionais, tudo isso em mobilidade.
A Mobilidade
Segundo Santaella (2010, p. 109) mobilidade pode ser definida de várias formas dependendo da área que
a esteja conceituando. A palavra mobilidade contém o sema de movimento, o que compreende a ideia de um
ato de deslocamento que permite que objetos, pessoas, ideia, coisas, possam trafegar através de localidades.
Na perspectiva da geografia, mobilidade pode ser entendida como “a habilidade de mover-se entre diferentes
lugares de atividades”. Nesta área as definições têm um significado mais físico, enquanto que os sociólogos
apresentam mais o caráter social da mobilidade e as condições de possibilidade que se apresentam, ou seja,
propensão a ser móvel varia de intensidade de indivíduo para indivíduo.
Para a autora há também a questão da mobilidade de curto e de longo alcance. De longo alcance apare-
cem os aviões e os carros, de longa distância no espaço e de longa duração no tempo. No turismo, ou em caso
de mudanças de residência, migrações ou imigrações também aparecem o conceito de mobilidade. Só que
neste caso o conceito está associado à transgressão de fronteira, pelo menos do ponto de vista convencional.
Entretanto, o conceito de mobilidade passa a ter outras conotações no mundo pós-moderno, pois o indivíduo é
constantemente desafiado à permanente em mobilidade.
Segundo Kellerman (apud Santaella 2010, p. 110) “a dimensão mais notável da mobilidade encontra-se na
expansão espacial do eu pela transmissão e recepção de informação que tem produzido mobilidades virtuais”.
Apesar de que, segundo Kellerman tudo isso começou com o telefone, se acentua mais expressivamente com os
meios de comunicação de massa: jornal, cinema, rádio e especial com a televisão que promovem o transporte
da mente. Porém, com o advento da internet e com os dispositivos móveis a mobilidade virtual não só se po-
tencializa ou se diversifica como também obtêm novos significados: a informação, o saber, o conhecimento, a
habilidade humana em criar identidades abstratas, pois tudo isso passa eletronicamente
Considerações finais
A tecnologia móvel está crescendo e tornando-se uma ferramenta de muita importância para o desenvolvi-
mento pessoal e profissional para os indivíduos e para as organizações. Dispositivos com acesso a internet e co-
municação em tempo real estão se convertendo em acessórios vitais em nossas vidas, como pudemos constatar
por meio neste pequeno ensaio.
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A LINGUAGEM AUDIOVISUAL EM MÍDIAS PORTÁTEIS E UBÍQUAS 260
A comunicação via dispositivos móveis está se convertendo em recurso intensivo em todos os níveis da po-
pulação mundial, segundo os dados da CETIC.br 76% das pessoas no Brasil possuem celular, mais de 50% da
população mundial possui um aparelho celular, empresas de telecomunicação, universidades e outras entidades
estão empenhadas em pesquisar e analisar os efeitos que esses dispositivos podem proporcionar para a socie-
dade como um todo.
E para finalizar, essa tecnologia está transformando conceitos tais como espaço e tempo, como também eli-
mina fronteiras, encurta distâncias, mistura espaços virtuais e físicos, sem contar que ela convida o indivíduo a
conexão constante, a ubiquidade e a onipresença.
Entretanto, continua sendo somente tecnologia, se não houver um direcionamento pedagógico nas escolas
de nada adianta, os alunos de forma geral continuarão se distraindo. Assim como se os professores não se es-
pecializarem e se atualizarem não irá acompanhar o desenvolvimento tecnológico e permanecerão a imposições
por parte das entidades públicas como por exemplo, as proibições de utilização dos celulares em sala de aula.
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ISSN: 2316-3992
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CONSUMO DA TELEFONIA MÓVEL: O PAPEL DA COMUNICAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA
EDUCAÇÃO E DA IDENTIDADE DO JOVEM¹
Palavras-chave: comunicação e consumo; educação; tecnologia; jovem; celulares.
Resumo
Procuramos com este trabalho entender os processos de comunicação e a formação da educação e da
identidade do jovem estudante. A fundamentação teórica dessa pesquisa reside em trabalhar os conceitos de
comunicação, educação, cultura e identidade. Foram analisados os movimentos da comunicação e do consumo
a partir do uso que o jovem faz dos aparelhos celulares.
Denio Dias Arrais²
¹Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigram/ Dourados/ MS.
²Mestre, professor universitário do UNIFEB – Barretos SP, email: [email protected].
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INTRODUÇÃO
Os estudos sobre a identidade dos indivíduos são o objeto desse artigo que tem como tema “Consumo da
telefonia móvel: O papel da comunicação na construção da educação e da identidade do jovem”. O tema surgiu
a partir da percepção e verificação, enquanto professor de escola de ensino técnico, dos hábitos e modos do
uso da telefonia móvel - celular - pelos jovens alunos. Este jovem convive no dia a dia com outros jovens criando
grupos sociais e redes de relacionamento próprias. Percebemos que o uso/consumo do celular não acontece
apenas na dimensão material e utilitária, havendo também um uso/consumo do simbólico. O celular é um ar-
tefato tecnológico que permite, além de comunicar, facilitar o consumo de músicas e vídeos, criar e armazenar
registros, de sons e imagens.
Entendemos que o estudo aqui apresentado é relevante para o campo da comunicação pela centralidade que
esta tem na sociedade atual, caracterizada pelos diferentes discursos, pelo simbólico, pela presença de imagens e
pelo avanço das tecnologias digitais, que se concretizam no consumo influenciando a constituição de identidades.
A pesquisa aqui apresentada se justifica pela importância da comunicação na sociedade atual e suas rela-
ções com o consumo, que vão além da aquisição e posse de bens, num processo de pertencimento conforme
apontado e trabalhado por Garcia Canclini (2008). Este processo torna-se mais evidente e importante de ser en-
tendido no contexto da modernidade tardia (FEATHERSTONE, 2007), em um cenário de inovações tecnológicas,
que atrai em especial os jovens. Estudar o jovem se faz necessário para entendê-lo como ser contemporâneo,
que tem sua identidade formada pelo consumo numa sociedade fragmentada (HALL, 2006), centrada na indivi-
dualidade, em relações “líquidas” (BAUMAN, 2008), no consumo e permeada pela tecnologia que avança que
facilita a convergência (JENKINS, 2009) midiática.
JOVEM DIGITAL
O jovem aqui problematizado atua no cenário globalizado do início do século XXI, nomeado de “nativo
digital” (PRENSKY, 2001) este jovem se diferencia das gerações anteriores pelo interesse e facilidade como se
relacionam com novas tecnologias para se comunicar, aprender, entreter e para pertencer a grupos sociais.
Em uma perspectiva mais próxima da prática docente, estudar o jovem contemporâneo e entender seu com-
portamento como consumidor através da influência da tecnologia nas suas relações sociais, no processo de
pertencimento social através da participação em redes sociais pode ampliar a compreensão das possibilidades
de aprendizagem e percepção da realidade.
No contexto dos estudos de comunicação e sua confluência com o consumo, entendemos que se fazem
necessários estudos mais aprofundados sobre o jovem e sua relação com a telefonia celular celular, tendo em
vista que o celular é hoje o meio de comunicação mais frequente entre os jovens em razão de sua mobilidade,
possibilidade de agilizar contatos - da telefonia ou por meio de “torpedos” SMS -, -, reduzir distâncias, “estar”
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em mais de um lugar ao mesmo tempo – por exemplo, uma videoconferência e aparelho que possibilita acesso
a produtos culturais. Outra perspectiva que contempla os estudos da comunicação e consumo é a de que o
celular tornou-se também um arquivo pessoal, que pode representar a personalidade de seu proprietário através
da personalização estética ou de conteúdos e registros preferidos.
Refletir sobre os modos e usos da telefonia móvel e suas relações com a formação da identidade do jovem
contemporâneo é também pensar sobre a complexidade do ambiente em que este jovem habita, num contexto
de globalização, caracterizado pela presença da tecnologia, em que movimentos culturais impactam nas media-
ções realizadas por este jovem na recepção dos produtos midiáticos e consumo material.
Este estudo tem como objetivo central estudar o jovem, no âmbito da comunicação da telefonia móvel e do
consumo de celulares, a relação entre contextos macro-sociais e seus impactos no cotidiano, contemplando
reflexões sobre recepção, ética e estética. Os estudos realizados nesta linha consideram a relevância da anco-
ragem de dinâmicas de subjetivação e ressignificação no campo articulado pela circulação e recepção dos dis-
cursos e processos midiáticos, o que vai ao encontro da busca pela compreensão dos processos de construção
da identidade do jovem.
Para o mesmo Fidalgo (2009), o celular também é um símbolo de distinção social, um adereço, um aces-
sório e até mesmo um prolongamento do ser humano (McLUHAN, 1996). Os modos de uso da telefonia móvel
são determinados pelo ambiente social e cultural, ocorrendo apropriações e re-apropriações desta tecnologia.
Cada indivíduo dá um significado diferenciado ao aparelho celular, tornando-o próprio, único em estética, em
conteúdo e principalmente na forma de uso. No dia-a-dia, é possível observarmos pessoas utilizando o celular
nos lugares mais inusitados, e até proibidos: no trânsito, nas salas de aula, durante cultos religiosos, ambientes
que requerem silêncio, como hospitais, bibliotecas, cinemas, teatros.
Partindo do propósito de investigar o papel da telefonia celular, na contemporaneidade, está entendido por
nós como elemento formador de identidade entre os jovens. Realizamos esta pesquisa fundamentados nos prin-
cipais autores do campo científico da comunicação e consumo, e de outros campos relacionados, que abordam
conceitos relacionados às Mediações (MARTÍN-BARBERO), Recepção (BACCEGA), Identidade (SILVA, HALL),
Mobilidade (IGARZA), Convergência (JENKIS) e Educação/ Juventude (MORIN, ROCHA). Para atingir o objetivo
geral desta pesquisa, como se dá a formação de identidade através das práticas de uso e consumo dos celulares,
observamos os jovens, primeiramente através de um mapa cultural construído com abordagem feita a 139 jovens
universitários, esta observação serviu de base para a construção de um roteiro para entrevistas pessoais com 10
jovens universitários realizadas posteriormente.
O mapeamento cultural possibilitou ter informações que num primeiro momento colaboraram conhecer
um pouco do jovem, o roteiro elaborado foi base das entrevistas pessoais que possibilitaram informações mais
completas sobre o jovem e seus hábitos de consumo e como este se comunica e relaciona com demais jovens e
outros grupos.
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As entrevistas pessoais também possibilitaram entender como os jovens utilizam as novas tecnologias digitais
e comunicacionais, como usam a Internet e o celular. Estes possibilitam acesso às redes de contato e sociais
dos jovens que constituem novos relacionamentos e fortalecem os já existentes, aproximam pessoas encurtando
distâncias.
A comunicação feita pelo jovem no celular tem discursos que compreendem o relato das experiências do
cotidiano, das aulas, das festas que aprecia (BORELLI, ROCHA, 2007), dos relacionamentos afetivos e outras,
estes são realizadas através da fala e em maior volume pelas mensagens de texto SMS. Os jovens entrevistados
reconhecem a importância do celular para comunicar e do papel que este tem em suas vidas, pois o celular pos-
sibilita pertencimento a grupos de amigos ou de grupos de interesse de atividades afins. O celular facilita que os
jovens se encontrem saibam a onde estão, combinam seus encontram e programam suas festas seus encontros
sociais, pois o celular é o telefone da pessoa.
O jovem em sua grande maioria é “tecnológico”, é “digital” (PRENSKY, 2001) está inserido em ambiente
marcado pelas novas tecnologias comunicacionais, pelas relações amplas, virtuais e superficiais, pelo desapego
as tradições, pelas fragmentações (HALL, 2006), pelas novas configurações do trabalho, pela informação fluida
e sem profundidade (BAUMAN, 2004), pelo acesso facilitado a bens culturais, pelo rápido fluxo de capitais,
do uso dos celulares e de outros aspectos que estão presentes no ambiente atual. O celular é o aparelho que
melhor reflete o jovem, pois este procura agilidade e rapidez nas formas como se comunica, o celular permite
encontrar instantaneamente a quem se procura - e também ser encontrado -, em razão de ser um aparelho de
uso pessoal e raramente é compartilhado o seu uso com outros indivíduos, pois o celular carrega em si elemen-
tos que refletem a intimidade de seu proprietário, como informações sigilosas ou mensagens e fotos de pessoas
amadas, provavelmente o celular guarda “segredos” de seus donos, ou seja, informações que não se desejam
compartilhar com os demais.
“Pra mim, eu acho o celular importante assim, saber onde esta uma pessoa, se bem que também o telefone faria isso, se bem que o celular faz assim direto com a pessoa, você não corre o risco de ligar e outra pessoa atende, porque o celular é uma coisa própria. Cada um tem o seu, então, com certeza você liga no celular e vai falar diretamente com a pessoa”.
Neste sentido o celular tem grande valor, pois além de ser um instrumento que facilita a comunicação, tam-
bém “carrega” traços da identidade de seu proprietário, no caso do jovem que tem a necessidade de mobilidade,
de estar em trânsito em movimento indo e vindo da escola, do trabalho, de casa, do lazer e de outros locais que
transita com frequência.
Este jovem constantemente precisa estar em contato e informado em relação aos grupos que pertence ou
se relaciona, de certa forma esta condição trás a ele segurança. O celular é uma “ponte” que liga indivíduos e
grupos, pois saber “onde estão” ou informar onde se está, dá provavelmente uma sensação de proximidade e
segurança “afugentando a solidão” em uma sociedade marcada pelo individualismo.
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CONSUMO DA TELEFONIA MÓVEL 266
As redes sociais permitem conhecer novos indivíduos, ingressar em outras redes diferenciadas, dando a sen-
sação de segurança e de pertencimento a grupos sociais e minimizando efeitos de uma eventual solidão.
“eu acho que sem o celular seria bem difícil, a gente já acostumou muito, ele é pra mim uma segurança, porque você consegue saber mais onde as pessoas estão entrar em contato, é uma facilidade, uma ferramenta que facilita muito a vida, seria muito difícil viver hoje em dia sem celular”.
Entendemos que o celular é um elemento mediador nos processos comunicacionais contemporâneos, a partir
do qual são constituídos significados e feitas re-significações (BACCEGA, 2007), por meio das mediações (MARTÍN
-BARBERO, 2008) existentes no universo jovem. Os processos de mediação existentes quando do uso dos celulares
pelos jovens s possibilitaram notar as novas construções de sentido, a partir das quais estes sujeitos podem dar
significado e ressignificar o mundo ao qual pertencem conforme a cultura em que estão inseridos e o cotidiano que
o cerca. Tais processos formadores de identidade estão permeados dos discursos presentes no dia a dia do jovem.
Uma das características da comunicação via celular, é a de que podemos encontrar os indivíduos rapida-
mente e facilmente em qualquer horário, e em contra partida também podemos ser encontrados. É muito comum
o jovem que trabalha ser monitorado por seu empregador pelo celular dentro e fora do período de trabalho,
outra situação similar é quando os pais ou namorados (as) também monitoram as ações.
“Até por morar em outra cidade, (diferente) dos meus pais, da minha família, por exem-plo, é muito fácil pra mim em caso de dar algum problema pra me achar (em). Eu acho extremamente útil. Caso eu não perca (o contato), o que acontece muito”.
“Importante porque às vezes eu preciso falar com a pessoa, a pessoa não esta no telefo-ne fixo, então tem que ligar no celular dela. Ai você acaba encontrando. Ou você só manda mensagem, já sabe”.
“Preocupação que alguém ligue pra mim perguntando alguma coisa, ou algum amigo meu pode tá lá fora da escola me ligando, é complicado. Mas não vou falar que eu fico louco, não é controlado”.
“[...] facilidade de conversar pelo celular, então seu eu pensar assim, pra mim não altera muito porque eu sempre tive essa facilidade de comunicação pelo celular, agora quando a gente pensa já por parte dos meus pais, o celular foi uma coisa que modificou muito a vida das pessoas tal, se for pensar assim o celular foi muito bom e excelente em questão de co-municação, essas coisas, pra falar com as pessoas”.
A telefonia móvel associada às novas tecnologias digitais permite que o jovem receba mensagens, no-
tícias instantâneas ou “presencie” acontecimentos à distância (FIDALGO, 2009) como situações em que os
amigos estão em algum evento e desejam compartilhar ou até mesmo pela TV presente em alguns modelos
de aparelhos, quase que no mesmo instante do fato, contudo em muitos casos são notícias e informações
nem sempre relevantes.
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CONSUMO DA TELEFONIA MÓVEL 267
Através destas informações transmitidas os celulares realizam uma mediação de aprendizagem, por meio de
signos e símbolos, traduzidos nas imagens, ressignificadas na transmissão e armazenagem de conteúdos, como
também em sua distribuição. O compartilhamento com os amigos promove o estabelecimento de identidades
por meio da configuração de suas impressões sobre a realidade na qual se insere.
“Olha, no computador eu gosto muito de um site de pesquisa que os professores da es-cola passou pra gente, ainda minha professora de espanhol também indicou alguns sites de exercícios, então eu gosto muito de ficar praticando, então eu fico mais praticando, até em jogos que tem mesmo nesse site pra estar aprimorando. Sites de relacionamento, no caso, Orkut também mexo bastante, o MSN”.
“Eu acho que é. Porque, por exemplo, pra fazer minhas pesquisas é muito mais fácil ir na internet do que ficar procurando em livros. Pra comunicação também, a gente que mora tão longe da família, dos amigos é bom”.
Os aparelhos celulares dos entrevistados possuem inúmeros recursos, contudo os recursos mais utilizados são
a comunicação através da fala, do envio de mensagens SMS e de imagens e para ouvir música, para Silva (2007,
p.2) considerar sobre o celular,
implica em refletir mais detidamente sobre o caráter simbólico dos bens e das ativida-des de consumo, [...] muito além da mera função utilitária, os bens carregam significados e atuam como sistemas de comunicação. Os indivíduos utilizam os bens para constituir a si mesmos e ao mundo, criando desta forma um universo compreensível.
Outras funcionalidades e aplicativos são também usados - como relógio, agenda, jogos e outras -, mas o
celular é essencialmente um aparelho de comunicação móvel de contato rápido com quem se deseja, reduzindo
distâncias, facilitando a vida e fortalecendo relações. De acordo com Pellanda (2009, p. 12),
a voz foi um elemento essencial no início de todo o processo da comunicação móvel no Brasil, pois já possibilitou uma nova comunicação ligando diferentes lugares da cidade. Mas as mensagens de texto, ou SMS, tem rapidamente se tornando a segunda linguagem desta tecnologia, influenciando as novas gerações.
Identificamos que o celular é personalizado pelos jovens em conteúdo armazenado ou na estética, notamos
a presença do simbólico existente nas personalizações, feitas pelo proprietário do aparelho. Esta personalização
é facilitada em parte pelos recursos tecnológicos (LEMOS, 2007) e consistem em selecionar músicas, ringtones,
imagens, aplicativos, jogos e outros. Observamos também que a identidade do jovem é formada através dos
discursos e das experiências existentes no universo jovem, e esta se dá em boa parte pelos celulares, quando este
recebe (significa) ou transmite (re-significa) mensagens “do ou nos” seguintes ambientes: escola, trabalho, lazer,
a família, amigos e outros. Além da personalização é possível ter através do celular informações de notícias e do
GPS, imagens, textos, funcionalidades de cartões de crédito e bancário possibilita a interação e a participação
de seus usuários com outros usuários, trocando e criando conteúdos, produtos imagéticos e subjetividades.
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CONSUMO DA TELEFONIA MÓVEL 268
Comunicar-se com mobilidade em qualquer tempo e espaço, com quem está perto ou longe ou com quem
temos interesses sempre foi um desejo ou necessidade dos indivíduos em suas relações sociais. E isto agora é
feito com os celulares pelo jovem frequentemente, pois este “monitora” amigos ou indivíduos que fazem parte de
seus contatos dos quais possui interesse e é “monitorado” pela família, namorados(as) e pelo trabalho.
Como prolongamento ou prótese tecnológica (McLUHAN, 1996), o celular permite mobilidade e tem como
característica a convergência, é possível observarmos que este aparelho de telefonia móvel é encontrado nos
lugares mais incomuns e até nos locais proibidos, observarmos indivíduos fazendo o uso no trânsito, nas salas
de aula, durante cultos religiosos, e em outros ambientes que requerem silêncio, como hospitais, bibliotecas,
cinemas, teatros e outros. O jovem é um destes indivíduos que “transgride” as normas de conduta para o uso do
celular, isso é notado na sala de aula por meio dos “torpedos”, das fotos, das gravações de áudio e vídeo e ao
ouvir música ou outros conteúdos.
Os sujeitos atualmente têm mais oportunidades de expressão em ambientes reais e virtuais, podem opinar
sobre política, levantar questões em fóruns de discussões, criar e participar de blogs e comunidades nas redes
sociais, “estar” em diferentes espaços por meio dos quais compartilham conteúdos; expondo suas preferências,
opiniões, gostos e visões, estabelecendo diálogo com as “fragmentações” de mundo a quais pertencem. A con-
vergência digital permite ao celular a “migração” de conteúdos para um único aparelho, possibilitando acesso
a outros meios de comunicação, amplificando os contatos e as intereções com indivíduos.
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CONSUMO DA TELEFONIA MÓVEL 269
CONCLUSÃO
Os jovens usufruem das somatórias de experiências possibilitas pelo consumo cultural, da comunicação em
espaços virtuais ou seja do acesso as redes sociais, modos de uso do celular e de recursos tecnológicos que
possibilitam ampliar as suas relações, pessoais ou virtuais, comunicação esta onde a recepção tem papel chave
quando chegam os discurssos e são ressignificados e posteriormente transmitidos construindo as identidades
jovens. Confirma se quando o jovem diz que não consegue viver sem o celular para se manter conectado aos
amigos, pois este sem o celular sente-se solitário e perdido, fragilizado por perder o contato e a mobilidade
(IGARZA,2008) mesmo que temporariamente, dos grupos com os quais lhe conferem pertencimento. Jovem que
vive numa sociedade complexa que obriga a estar em lugares diferentes num mesmo dia, este se move e tem na
mobilidade que o celular propicia a cidadania (CANCLINI, 2008), o contato com os amigos, família e o sentido
próprio de ser, ou seja sua identidade.
Este estudo responde que o celular de fato contribui para a formação da identidade, este aparelho é muito
mais que um equipamento facilitador da comunicação é um arquivo móvel que carrega junto com seu proprie-
tário parte daquilo que este é. O celular leva o “DNA” cultural de seu dono é um dos poucos aparelhos onde
não há o compartilhamento do uso. O celular é o telefone da pessoa.
A pesquisa possibilita para o futuro novas investigações que poderão ampliar os conhecimentos sobre o pa-
pel do celular na vida do jovem. Caminhos investigativos abordarão a questão das subjetividades presentes nas
relações do jovem através dos celulares tecnologia ajuda o jovem a realizar desejos. Outro trabalho de pesquisa
que consideremos relevante a ser feito aborda a questão dos “gadgets” e celulares como próteses ou extensão
do homem (McLUHAN, 1996). E por estudos sobre os processos de mudança das formas de cognição possibi-
litadas pelo celular, suas potencialidades frente à convergência e mobilidade imaginadas na telefonia móvel e
nas tecnologias digitais.
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 262-270, nov 2012
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ISSN: 2316-3992
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A NOVA MÍDIA, UMA POSSIBILIDADE PARA GRANDES E PEQUENOS ANUNCIANTES.1
Palavras-chave: : mídia; comunicação; cliente; mídia alternativa; campanha.
Resumo
A Mídia Alternativa surge como opção às mídias tradicionais, buscando inovar na forma de uso, funciona-
lidade, e custo, dentro deste conceito incluem-se várias modalidades de baixo a alto investimento. Este artigo
mostra que estas novas mídias quando utilizadas de forma coordenada podem ser uma opção para clientes de
pequenas verbas, onde os veículos tradicionais são onerosos e muitas vezes não atingem a cobertura nem o
target desejado.
Silvia Maria de Campos Fraga ²
¹Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Uni-gram/ Dourados/ MS. .
²Mestre em Produção e Recepção de Mídia, UNIMAR, email: [email protected].
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INTRODUÇÃO
Neste artigo pretende-se mostrar que em um mundo globalizado, onde a comunicação vem se desenvolven-
do a cada dia com o surgimento de novas tecnologias, a mídia alternativa pode ser uma opção a mais para os
clientes na elaboração de suas campanhas de comunicação e na construção das marcas. A disputa por mercado
e consumidores é cada dia mais acirrada entre as marcas, e neste contexto as empresas que detém as maiores
verbas acabam tendo os planos de mídia mais diversificados e com maior cobertura, podendo trabalhar as mí-
dias tradicionais de forma impactante e atingindo um feedeback positivo para seus objetivos de comunicação.
Contudo torna-se necessário saber como distribuir a verba do cliente utilizando uma composição entre o que
chamamos de mídia básica ou tradicional e as novas mídias ou mídias alternativas.
Esta prática vem crescendo cada dia mais nos planejamentos de mídia onde a televisão, o rádio, o jornal e
a revista surgem como mídias básicas de uma campanha, associadas ao uso das redes sociais, da internet, das
flash móbiles e tantas outras ações impactantes, onde muitas vezes estes recursos geram atitudes e mudanças de
comportamento dos consumidores em prol da marca anunciada.
Saber como montar esta estratégia gera mídia espontânea (sem ônus) o que maximiza a verba do investidor,
causando uma atitude favorável para que o heavy user se identifique com a marca e aumente o share desta,
maximizando impacto e cobertura, afinal hoje em dia não existe plano de mídia que utilize apenas um veículo
como base, muito pelo contrário neste sentido os planos se tornam multimídia.
Para que se possa entender como elaborar esta estratégia de mídia e alcançar seus resultados em benefício
do cliente vamos esclarecer no decorrer deste artigo alguns conceitos, como Mídia, Mídia Alternativa e Clientes
de Pequena Verba.
A NOVA MÍDIA
Num mundo de economia globalizada, a conquista de consumidores é quase uma guer-ra. (MANUAL DE MÍDIA REDE GLOBO,2012, p.22)
Neste contexto a busca por clientes torna-se cada vez mais acirrada entre as marcas, gerando muitas oportu-
nidades para o consumidor, porém para o anunciante a concorrência pede melhores trabalhos de comunicação
e de propaganda. Os esforços precisam ser bem direcionados, a criação chamativa, o mix de mídia bem elabo-
rado, e isso tudo exige estratégias de marketing e comunicação com foco no alto alcance e freqüência de mídia,
na ampla cobertura das campanhas, esforços estes que podem ter ou não alto valor de investimento.
O termo Mídia é originário do inglês media, que por sua vez, veio do latim e significa meios. È utilizado para se fazer referência aos meios e veículos de comunicação. Os meios de comunicação são a televisão, o rádio, a revista, o jornal, a internet, o cinema etc. (TAMA-NAHA, 2006, p.01)
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As mídias tradicionais sempre foram e sempre serão utilizadas nas campanhas publicitárias, a TV, o Outdoor,
o Jornal, a Revista em muitos casos são determinadas como mídias básicas, que em campanha são associadas
no mix de mídia, compostos de ferramentas que complementam os esforços para atingir os objetivos propostos.
Estas ferramentas são chamadas de mídias de apoio e entre elas estão à nova mídia ou mídia alternativa.
As mudanças no campo da mídia estão acontecendo em três níveis – técnico político e econômico. Tecnicamente, todas as mídias estão se adaptando as novas perspectivas abertas pela digitalização dos seus produtos tradicionais. Politicamente, novas leis e regulamenta-ções ao nível federal, estadual e local estão reduzindo as barreiras que limitavam as organi-zações de mídia no aproveitamento completo das novas tecnologias. Economicamente, duas tendências dominam o cenário. Em um nível há em andamento uma consolidação do poder dentro dos grandes conglomerados de mídia. Em oposição a isto está o aparecimento de no-vas empresas de pequeno porte que estão desafiando esses conglomerados, tanto no campo de produção inovadora quanto na agilidade comercial. (DIZARD, 2000, p.13)
Estas mudanças técnico/ política e econômica pela qual a mídia vem sendo submetida gera muitas novas
possibilidades para as empresas no que se refere ao posicionamento da marca, a segmentação e na escolha das
táticas e estratégias de mídia.
Com as novas leis e o surgimento de novos formatos para veiculação as empresas ganham flexibilidade para
escolher como divulgar seus produtos e serviços. Aliar as mídias tradicionais com esses novos formatos torna-se
uma arma poderosa para maximizar os esforços da campanha.
Dentre essas novas tecnologias a internet é sem dúvida a que mais revolucionou a mudança de formatos dos
veículos tradicionais e a que abriu a globalização das marcas, não só em termos geográficos, mas de classe
sócio-econômica também.
Paralelamente a internet surge à chamada mídia alternativa, mas o que vem a ser esta nova modalidade de mídia?
Mídia/Mídia Alternativa, reflexão destinada a ajudar o homem de marketing a raciocinar em bloco, a transpor as disciplinas clássicas: a publicidade, promoção, marketing direto,pa-trocínio,mecenato,”design”,identidade visual,assessoria de imprensa, relações públicas, par-cerias de mídia e outras.Inventamos permanentemente, para defender as marcas, as imagens e os produtos que nos foram destinados.Misturamos e combinamos cada vez mais essas téc-nicas por meio de planos de comunicação multitécnicos que utilizam as mídias, ou não,para distribuir os impactos desejados sobre os públicos-alvos a serem atingidos ou mobilizados e fazê-los mudar de atitude ou comportamento: hoje não existe mais plano de comunicação que utilize um única mídia, exceto no caso de divulgação, na imprensa especializada na comunicação paras as equipes de venda ou ao trade. Os planos de comunicação neste sen-tido tornam-se multimídia, utilizando diversas mídias ou soluções de mídia alternativa para distribuir os impactos, e as numerosas técnicas de comunicação para validá-los ou torná-los objetivos. (DORDOR, 2007, p.18).
Estratégicamente podemos considerar a mídia alternativa não somente como novos formatos de mídia, mas
como novas soluções para problemas de marketing e comunicação de nossos cases.
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Saber aliar as mídias tradicionais com as novas ferramentas e ações promocionais, pode maximizar a verba
do cliente e até gerar mídia espontânea, aumentando o impacto desejado em muitas campanhas, o que pode
também valorizar a marca de clientes com verbas menos expressivas, onde a mídia tradicional pode ser onerosa.
A gratuidade da mensagem indica um outro modo de utilizar as mídias além da compra de espaço publicitário. Trata-se de todo uso jornalístico das mídias por meio dos jornalistas e condutores de programas — às vezes de maneira absolutamente oficial e legítima, às vezes de modo mais oculto e menos “necessário” no que tange à informação. As marcas, os pro-dutos e as empresas fazem parte de nossa vida, e, quando infuenciam nosso cotidiano, o que lhes acontece nos diz respeito. É compreensível, assim, que os responsáveis façam uso do canal jornalístico para que se fale de sua marca, de seu produto e de sua empresa. A questão toda — sincera quando parte do cidadão comum — é verifcar a utilidade pública de uma informação que vem legitimar sua presença no telejornal das 8 da noite, e saber quem tomou a iniciativa dessa informação: o jornalista, a partir de uma iniciativa investigativa pessoal, ou o diretor de comunicação que, por meio de uma iniciativa de cunho comercial, pressiona o jornal para obter um artigo, uma entrevista ou uma reportagem especial; ou ainda o assessor de imprensa, cujo trabalho consiste em aproximar esses dois atores... Trata-se aqui, sempre, de uma questão de ética, freqüentemente difícil definir e de respeitar dada a especificidade de cada caso. (DORDOR, 2007, p.28)
Entende-se então que a mídia alternativa não é apenas um formato, mas um novo conceito de como tra-
balhar a informação na construção da mensagem que se deseja fazer entendida pelo consumidor final, e em
como o conteúdo transmitido gera um novo comportamento neste consumidor. Esta nova mídia também está
associada às mudanças de comportamento da economia e dos hábitos do consumidor, na maneira com que a
nossa sociedade de consumo se organiza e que possibilita novas perspectivas de segmentação e alcance das
novas ferramentas de comunicação.
Há de se afirmar que, atualmente, nos encontramos diante de uma nova geração, nas-cida no fim dos anos 90 em diante, que consome mídia de um jeito diferente. Os hábitos de mídia mudaram com a tecnologia e a interatividade das mídias. O consumidor não quer mais ser passivo, ele quer participar, editar, criar e divulgar sua própria mensagem. Exemplos disso não faltam na internet através de blogs, Youtube, Twitter etc. e na TV através dos realities shows, envio de vídeos para programas, participação de quiz de perguntas valendo algum prêmio através do celular etc.
É nesse sentido que entra a mídia alternativa, construída pela demanda de um novo perfil de consumidor e um consumidor jovem, que consome mídia de um jeito diferente. O conceito de mídia alternativa a rigor não existe. Foi criado na segunda metade do século XX para se nomear os canais ou veículos de comunicação não tradicionais, ou seja, canais de divulgação sem conteúdo editorial, apenas com viés comercial. Nessa perspectiva, tudo que não fosse jornal, revista, rádio ou televisão passou a ser denominado de mídia alternativa, conotação que infelizmente tornou-se depreciativa por conta de um consenso (baseado em pesquisas não conclusivas) no sentido de que essas formas de mídia eram apenas comple-mentares. Tinha sentido essa descriminação no contexto de época, já que o marketing reco-mendava a mídia de massa como a melhor estratégia. As grandes empresas não cogitavam ainda “targets” específicos, o seu público alvo era a massa como um todo e, nessa perspec-tiva, é claro que nenhuma mídia alternativa cumpria esse objetivo. Contudo, o conceito de comunicação integrada e a expansão do mix do marketing tradicional resgataram o valor da mídia alternativa.
(http://paponadafurado.webnode.com.br/seminarios/midia-alternativa/, acessado em 15/10/2012)
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A possibilidade de trabalhar a segmentação e a comunicação integrada não somente no mix de mídia, mas
também nas várias áreas que englobam a área da comunicação: Publicidade e Propaganda. Jornalismo e Re-
lações Públicas, possibilita aos profissionais de marketing atingir o heavy user de forma mais completa,afinal
onde estão os vários públicos? O jovem, por exemplo, passa mais tempo na internet, nas redes sociais do que
na frente da televisão. A terceira idade, ou melhor idade, ainda fica na sala vendo novela e fazendo tricô ou
está inserida no mundo virtual e nos clubes de terceira idade? Esses idosos, hoje levam uma vida ativa, muito
diferente dos anos 70/80.
Assim como os exemplos acima muitos outros públicos mudaram seu comportamento, novos públicos sur-
giram e mobilizam hoje o mercado de consumo, abrindo novas oportunidades para lançamento de produtos e
serviços. O surgimento de novas marcas alavanca a economia e faz com que apareçam pequenas e médias em-
presas, as quais, são obrigadas a lutar por um espaço no mercado com as grandes marcas. Mas como se manter
nesta disputa com uma verba pequena? Como conseguir fidelizar o consumidor provando que tem qualidade?
Como manter sua marca em evidência?
De certa forma as mídias alternativas tornam-se solução para estes clientes de pequena verba, pois possibili-
tam uma comunicação dirigida com menor investimento que as mídias tradicionais.
Estas mudanças no comportamento social e econômico abrem também a possibilidade de trabalhar o mix de
mídia de forma global e local, o que modifica muitas vezes o tipo de investimento publicitário definido no plano
de mídia da empresa.
Isso quer dizer que, como regra e salvo exceções em nível local, não se faz nenhum investimento de comunicação ligado à imagem e à notoriedade dos estabelecimentos e de suas marcas: o espaço regional é pragmático, busca resultados imediatos.Isso talvez se deva ao fato de os investimentos em nível nacional e na imagem serem bancados pelas matrizes(-como, por exemplo, no caso da indústria alimentícia, ou especializada, em que a iniciativa local/nacional acompanha essa dicotomia), ou talvez porque os investimentos em imagem visem ao mercado nacional- caso de uma pequena ou média empresa do setor alimentício que, em nível local investe no fluxo de clientes, notadamente na imagem dentro da loja, para seu público-alvo, seus clientes. (DORDOR, 2012, p.66)
A falta de mídias locais com valores acessíveis torna-se um fator determinante para que as empresas com pe-
quenas verbas acabem adotando mais mídias alternativas, mais promoção e material de PDV em suas estratégias
de comunicação do que as mídias tradicionais.
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CONCLUSÃO
Como pudemos analisar no decorrer deste artigo a comunicação está constantemente se modificando, seja
pelas novas tecnologias, seja pelos novos comportamentos sociais, econômicos e mercadológicos.
A globalização carrega não só as estradas da comunicação como também as culturas, as ideologias, a formação
das tribos, os novos conceitos. Hoje se pode viajar sem sair de casa. Tanto no global como no regional e no local as
informações transitam entre as diferentes esferas e podem ser entendidas de forma abrangente pelos diferentes consu-
midores, a segmentação é uma possibilidade a mais para se direcionar uma campanha ou uma informação.
Empresas nacionais ou locais contam com a possibilidade da diversidade na divulgação de sua mensagem e com
a amplitude da visualização da sua marca.A cada dia além das mídias tradicionais, novas ferramentas de comuni-
cação surgem para favorecer os planos de Marketing, Comunicação e Mídia. A integração entre as diferentes áreas
da comunicação trazem novos rumos para consolidação dos grandes, médios e pequenos anunciantes. A qualidade,
aliada ao preço e valor de uso de um produto/serviço ultrapassa em certos casos o mero conceito de Marca Líder.
As novas mídias possibilitam ainda, uma grande feedback para os investidores de pequena verba que não
necessitam negociar veiculações apenas nos formatos específicos das mídias tradicionais. Possibilidade que ma-
ximiza a verba do cliente de forma mais proveitosa, atingindo maior impacto nas veiculações.
Em certos casos gerando mídia espontânea e colocando as pequenas empresas em evidência junto ao con-
sumidor final, elevando o status da marca anunciada.
Novos caminhos, novas tecnologias, novas mídias sempre serão bem vindos ao universo da Comunicação que
é interativo e está em constante mudança, acompanhando a evolução da sociedade em todos os seus aspectos.
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ISSN: 2316-3992
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 278-296, nov 2012
A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS EM UM CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL
Palavras-chave: : Redes sociais – Comunicação política histórica – Twitter – Campanhas eleitorais
Resumo
Esta apresentação tem por base uma pesquisa sobre a comunicação política nas redes sociais virtuais, desde
o seu início até nossos dias. Serão analisadas as relações entre essas redes e a sociedade contemporânea, para
alguns nomeada como sendo a sociedade da “informação”. A hipótese central da pesquisa é que nas redes so-
ciais virtuais a comunicação assume um caráter imagético, marcado pelo entretenimento e dispersão de ideias.
Essa é a ênfase de meus estudos ocupados em tentar compreender os vínculos entre comunicação-política-his-
tória nas redes virtuais que interligam nossa sociedade.
Synesio Cônsolo Filho1
1 Doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP.
FILHO, Synesio Cônsolo 279
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1. A linguagem escrita e linguagem visual
Houve um tempo em que a comunicação e a troca de informações aconteciam somente na modalidade oral e
mesmo sem existir uma linguagem oral estruturada, a comunicação acontecia. As experiências que cada indivíduo
adquiria em sua vida eram retransmitidas aos seus pares, de geração a geração. Segundo Freud (apud Gontijo
2004) a fala foi criada pelo homem ao mesmo tempo em que a sociedade apareceu, a ideia é que não existe socie-
dade sem linguagem e sem uma cultura. “O conceito de mundo existe desde o momento em que alguém começou
a contar o que via ao seu redor para alguém que entendia o que lhe era contado” (GONTIJO, 2004, p.14).
A transmissão de informação unicamente pela fala pressuponha-se que os indivíduos trabalhassem a me-
mória, uma vez que recebiam determinada mensagem precisavam gravá-la para então repassar aos outros
indivíduos. “Numa sociedade oral primária, quase todo o edifício cultural está fundado sobre as lembranças dos
indivíduos. A inteligência, nestas sociedades, encontra-se muitas vezes identificada com a memória, sobretudo
com a auditiva” (LÉVY, 1993, p.77).
Levy pode estar certo se formos analisar esta época em relação a atuação dos sujeitos surdos na sociedade
estas constatações nos mostram que estes eram totalmente excluídos, pois uma vez que não conseguiam ouvir e
por isso não conseguiam falar também, não eram capazes de memorizar uma informação, ou seja, não possuí-
am inteligência e estavam fadados à exclusão da sociedade.
A pintura rupestre e posteriormente a escrita surgem como outra forma de comunicação quando somente a
fala não seria suficiente para se transmitir determinadas informações.
Por mais que as artes rupestres possam determinar registros de uma época pré-histórica, especialistas não
possuem dados suficientes que comprovem os significados e acontecimentos do momento, e por isso a História
começa a ser contada a partir da invenção da escrita. Sem documentação não há história.
Segundo (LEVY:1993) a escrita desempenha o papel da irreversibilidade, uma vez que o fato está registrado.
Interessante notar que Levy parte da frieza nas observações, sendo que pela voz da razão que ele assim procla-
ma, seja senhor da verdade.
O aumento dos grupos, a descoberta de técnicas de plantação que permitisse os povos se fixar, a aglome-
ração de alimentos que passava a ser armazenado, entre outras razões fizeram com que dados relacionados ao
tempo, estações do ano, quantidade de alimentos precisassem ser registrados.
O crescimento dos agrupamentos humanos gerou a demanda da transmissão do co-nhecimento acumulado de forma sistematizada e para um número maior de pessoas do que aquele que se reunia em volta de uma fogueira para ouvir um narrador. A forma de arma-zenar as informações coletivas para que pudessem ser acessadas por diferentes pessoas passou a ser muito relevante. Não existem evidências de que a escrita tenha sido criada para enviar mensagens, mas tudo leva a crer que intenção de registrar está associada à necessi-dade de lembrar. (GONTIJO, 2004, p. 51)
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A leitura e a escrita não foram acessíveis à população como um todo, mas gerou diferentes e renomados
trabalhos como o de copista ou o de bibliotecário. Os copistas eram responsáveis por fazer cópias manuscritas
de documentos ou livros, este árduo trabalho não garantia a cópia fielmente reproduzida, e por isso eles eram
tidos também como autores, sendo que desta forma acabavam a proporcionar um ruído na comunicação.
As cópias manuscritas e a locomoção de mensageiros tornavam a divulgação de uma notícia muito lenta,
as dificuldades relacionadas a questões geográficas, a falta de tecnologia, de meios de comunicação e de de-
senvolvimento em meios de transportes favorecia a centralização do conhecimento nas classes sociais mais altas
[...] a comunicação se dava principalmente de forma oral. Mensageiros especiais me-morizavam as mensagens cuidadosamente e a carregavam entre os líderes, tal comunicação era lenta. A notícia da tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453, levou um mês para chegar a Veneza e dois meses para chegar a Roma. (STRAUBHAAR & LA ROSE, 2004, p.29)
Esse cenário começa a se transformar a partir da invenção da prensa por Gutenberg em 1440. As informa-
ções passam a serem disseminadas de forma mecanizada através de livros, folhetins e jornais, e o armazena-
mento de materiais para consulta de geração a geração resulta na pulverização de conteúdos e conhecimento
para diversas partes do mundo.
“Processado na cidade, o conhecimento era distribuído ou reexportado em forma impressa, o que atenuava as
barreiras geográficas ao “deslocar” os conhecimentos de seus lugares de origens” (BURKE, 2003, p.75).
Se não fosse o desenvolvimento da imprensa o mundo não teria conhecido o movimento Renascentista, nem as
obras e nem as ideias que geraram este movimento. De acordo com Acton (1895, apud BRIGS & BURKE, 2006, p.27).
[...] os impressos deram a certeza de que as obras do Renascimento permaneceriam para sempre, de que aquilo que fora escrito seria acessível a todos, que a não-divulgação de conhecimentos e ideias característica da Idade Média jamais ocorreria de novo, nem mesmo uma ideia seria perdida.
Nesta época as cidades grandes foram um importante centro de trocas de dados e alguma produção de co-
nhecimento, sendo que quanto maior a quantidade de universidades, bibliotecas e a possibilidade de se tornar
um centro impressor, maior seria seu destaque.
Com o aumento da quantidade de produção de livros muitas bibliotecas foram abertas, ampliadas e reor-
ganizadas. O grande número de livros e documentos escritos fez com que os ensinamentos fossem repensados,
possibilitando a criação de novas classificações, novos cursos universitários, bibliotecas e enciclopédias. De
acordo com Burke (2003), no século XVI se falava em tantos livros que acreditavam ser incabível ler os títulos de
todos durante uma vida. Era tanta informação que era impossível não se perder.
O currículo dos cursos e a organização dos livros das bibliotecas eram padronizados para toda a Europa o que
facilitava o intercâmbio dos estudantes pelos países sem perdas de conteúdo. As enciclopédias eram definidas como
círculos de aprendizado, estavam organizadas da mesma maneira que o sistema educacional, e assim tinham o papel
de auxiliar os alunos nas seus cursos ou substituir suas idas até a universidade, eram como cursos para os autodidatas.
FILHO, Synesio Cônsolo 281
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Apesar da alta taxa de analfabetismo a circulação de dados por meio dos meios impressos foram se tornan-
do um importante meio de comunicação entre a população, pois estar informado significava estar incluídos nos
meios sociais.
“Para o povo em geral, surgia um meio de comunicação que se tornava viável graças a seu conteúdo e sua forma, bem mais populares, e ao seu preço muito mais acessível: eram as notícias impressas. Menos sérias, menos completas e mais apelativas, buscavam, mais do que a verdade, a verossimilhança, mais a emoção do que a razão” (GONTIJO, 2004, p.205).
Os livros e jornais só passaram a ser destinados a uma população mais pobre da Europa somente a partir do
final do século XIX e início do século XX. Burke complementa
“As brochuras eram folhetos comercializados por “vendedores ambulantes” ou mascates em vários lugares no início da Europa moderna; em algumas regiões, circulavam no século XIX e mesmo no século XX. (...) Graças ao trabalho dos mascates, as brochuras eram ampla-mente distribuídas tanto no interior quanto nas cidades. Os assuntos mais comuns eram as vidas de santos e romances de cavalaria, levando alguns historiadores à conclusão de que a literatura era escapista, ou mesmo uma forma de anestesia, além de representar um modo de difundir entre as camadas mais baixas de artesãos e camponeses os modelos culturais criados por e para o clero e a nobreza” (BURKE, 2003, p. 28-29).
A popularização dos livros não aconteceria simplesmente porque “alguns” queriam, mas sim por uma ques-
tão de cultura, facilitação de acesso e condições da população.
A revolução da impressão gráfica não era um fator independente e não se ligava somente à tecnologia. Essa
revolução precisava ter condições sociais e culturais favoráveis para ser disseminada (BRIGGS & BURKE, 2006,
p.25).
Os impressos assumiram um importante papel de exploração da capacidade crítica da população, esta ao re-
ceber informações através de diversas fontes e de diferentes pontos de vistas passava a ter uma visão crítica sobre
determinados assuntos deixando de acreditar somente em uma única vertente. Neste período se inicia um pro-
cesso de pulverização da linguagem escrita, o que quer dizer que até mesmo os surdos poderiam se comunicar.
A detenção da sabedoria privada às classe mais altas da sociedade proporcionava a disseminação de uma
interpretação única dos livros religiosos acontecimentos. De acordo com Briggs & Burke (2006), o maior medo
da igreja católica era que o impresso permitisse que qualquer um lesse sozinho textos religiosos e assim cada um
tirasse suas próprias conclusões ao invés de acreditar no que as autoridades católicas lhes diziam.
Outra importante mudança que a invenção da imprensa proporcionou estava relacionada com movimentos
comportamentais da sociedade, até então totalmente oralizadas para uma sociedade letrada, a qual era neces-
sária estar composta por homens com competências desenvolvidas para escrita e leitura.
Assim, a imprensa de certo modo, além de ser responsável pelo processo de circulação de informações,
transformava a obtenção de informações unicamente a partir da linguagem oral para a linguagem visual (a es-
crita) e imagética, o homem passou a exercer atividades de leitura e escrita mais intensamente e por isso muitas
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pessoas começaram a se especializar em ofícios que exigiam saber ler e escrever, tais como bibliotecários, escri-
bas, vendedores ambulantes, entre outros.
Até então a disciplina de retórica estava presente em praticamente todos os currículos universitários, haja vista
a grande importância que se dava a fala. A escrita e principalmente a imprensa transforma a importância do
acesso à informação para além do oral, diante disso é de se crer que esta mudança foi de grande valia para os
surdos proporcionando o acesso a alternativas educacionais.
É de se supor que para as pessoas surdas este fato contribuiu, e muito, para que novas alternativas educa-
cionais se consolidassem, relacionando o aspecto visual da escrita com o aspecto visual-gestual da Língua de
Sinais. (BASSO, 2003)
Enquanto a fala era considerada a principal forma de troca de informação, pois a escrita estava restrita ao clero e
a nobreza, o surdo não tinha alternativa a não ser aprender a falar mesmo sem ouvir, para ser inserido na sociedade.
Mas a invenção da prensa, a distribuição de conteúdos escritos e o desenvolvimento das tecnologias possibili-
taram a mudança de foco do oral para o visual proporcionando dessa forma que os indivíduos em geral, tinham
em especial, o vislumbre pela imagem, mais do que ter que raciocinar pelos caracteres digitais por assim dizer,
e pudessem se comunicar, interagir e se entreter a partir do visual, enfim estar se incluído de diferentes maneiras.
2. Transformações tecnológicas do século XX: novas linguagens/espaços
A Revolução Industrial do começo do século XX na Europa traz o conceito de produção mecanizada e em
série. Lucrava mais quem produzia mais em menos tempo, por isso surgiu o lema de que “tempo era dinheiro”.
A produção desenfreada dos livros com conteúdos de entretenimento no mercado foi considerada como o
início da massificação de conteúdo para a população. Essa época é caracterizada pela substituição do artesão
produzindo um item para um cliente específico para a produção desenfreada de diversos produtos iguais para
consumidores desconhecidos.
O desenvolvimento de novas tecnologias fez surgir mídias (analógicas) que se utilizavam da voz, imagem, com
o aparato de se falar muitas vezes ao mesmo tempo diminuindo distâncias e resignificando a questão do “tempo”.
Quando, na Revolução Industrial, aprendemos a vencer o tempo e a distância através das máquinas movidas por outras fontes de energia que não a propulsão manual ou a tração animal, aprendemos com os sistemas de transmissão de eletricidade. Postes e fios também foram suportes utilizados para que mensagens sonoras e escritas atravessassem longas dis-tâncias vencendo o tempo e o espaço. Seguimos produzindo arte e adaptando linguagem às necessidades de expressão e de comunicação de mensagens comerciais, políticas e jornalís-ticas. (GONTIJO, 2004, p. 370)
Já a Sociedade da Informação, Sociedade do Conhecimento, a Terceira Onda, A Era Pós-Industrial, a Pós-
Modernidade ou qualquer outro termo que pode ser designado a época posterior à Revolução Industrial, pode
ser considerada revolucionária em aspectos de mercantis principalmente, pela égide da comunicação, cultura,
educação, entretenimento, política, economia, ideologia, etc.
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A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS EM UM CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL 283
A sociedade como um todo, e claro, também o sujeito ganham certos espaços neste meio, pois a obtenção de
informações passa a ser a partir de várias linguagens e não exclusivamente por meio da linguagem oral.
A partir dos anos 1980, houve uma grande transformação na mídia de massa, segundo Manuel Castells
(2007) intitulo-a de Nova Mídia. Nessa época é caracterizada pelo surgimento os vídeos cassetes possibilitando
gravar qualquer programa ou filme e reproduzi-los em horários desejados; aparecem os walkmans que propor-
cionam a gravação de músicas em fitas; a possibilidade de criar bibliotecas musicais particulares; grande varie-
dade de canais da TV a cabo, tudo isso forneceu uma gama de opções de acesso ao conteúdo do entretenimen-
to. Segundo Castells (2007) transforma-se a relação entre homem-mídia, a partir de então é possível escolher o
que e quando se deseja ver ou ouvir determinada programação. Para o autor, a partir desse momento o receptor
passa a ser mais vivo com relação a mídia. Será? O foco passara, por meio do capital a ser no indivíduo e não
mais na multidão. A informação é considerada o princípio organizacional da própria vida, a descoberta do DNA
– informação genética do ser humano - é um exemplo. Quanto mais informações sobre o público melhor este
será atendido, a disputa não está por energia ou matéria prima, mas por dados que o sistema capitalista chama
de informação e base de dados do conhecimento.
3. A mídia digital
A segunda metade dos anos 1990, o advento e a disseminação do acesso à internet pela população pos-
sibilitou que os dados e não propriamente a informação, sejam transmitidas em segundos ao redor do mundo.
A comunicação aparece de forma por assim dizer, diferenciada da conhecida nos meios de massa, a comu-
nicação one-to-one, o mesmo que marketing one-to-onde ou seja, dando o parecer que promoverá acesso a
conteúdos de escolha exclusivamente do usuário. Os hiperlinks trazem consigo a característica de permitir que o
usuário faça e refaça seu caminho, sem que haja linearidade. No Labirinto da Hipermídia, termo denominado
e título de um livro de Lucia Leão (2005), a combinação de caminhos é infinita, embaralhada, difusa e caótica.
A ideia de rede e o acesso a qualquer conteúdo em qualquer lugar desde que se tenha acesso, transforma
radicalmente o conceito de acesso a informação.
Briggs & Burke complementam afirmando:
Da década de 1960 em diante, todas as mensagens, públicas e privadas, verbais ou visuais, começaram a ser consideradas “dados”, informação que podia ser transmitida, co-letada e registrada, qualquer que fosse seu lugar de origem, de preferência por meio da tecnologia eletrônica. (BRIGGS & BURKE, 2006, p.260)
As dados digitais provenientes do desenvolvimento da computação são homogeneizadas em parâmetros
binários (0 e 1) que ao serem decodificados acabam transformados em tipos comuns de informação tais como
imagem, texto, áudio, vídeo, etc. estas podem assim serem combinadas, comprimidas e transferidas por canais
digitais.
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A tecnologia digital tornou possível o uso de uma linguagem comum: um filme, uma cha-mada telefônica, uma carta, um artigo de revista, qualquer deles pode ser transformado em dígitos e distribuído por fios telefônicos, microondas, satélites ou ainda por um meio físico de gravação, como um CD, um DVD, um flash-drive. A digitalização tornou o conteúdo totalmen-te plástico, isto é, qualquer mensagem, som ou imagem pode ser editado e alterado, parcial ou totalmente, tanto na forma quanto no conteúdo. (JAMBEIRO, 2009, p. 25).
O conceito de Web 2.0 que surge em meados dos anos 2000 caracteriza uma segunda geração da internet onde
o usuário passa a ser produtor e autor de “conhecimento volátil” na web e não somente receptor como até então.
Nesse cenário o sujeito encontrara ferramentas e possibilidades totalmente a favor do seu desenvolvimento?
“As oportunidades de comunicação oferecidas pelas tecnologias digitais permitem novas possibilidades de interagir e de aprender com muitos outros, diferentes e singulares, que se somam, compartilham e co-existem na imensa diversidade que institui a sociedade em rede” (ARCOVERDE, 2006)
A homogeneização das linguagens texto, imagem, áudio e vídeo através do digital faz com que parte da
mesma matéria se misturem e se confundam. E essa mistura entre todos esses tipos de linguagens é chamada de
multimídia por Santaella (2010).
Anteriormente cada mídia se concentrava em um dispositivo que tinha sua função específica, o rádio para ou-
vir música, a TV para assistir conteúdos audiovisuais, o telefone para fazer uma chamada de voz, o vídeo cassete
para assistir filmes, etc, a partir do momento que todas essas funções são transformadas em dados digitais, um
único aparato foi capaz de suportar todas essas utilidades, conforme aponta Santaella (2010):
Mídias, que antes existiam em suportes físicos separados – papel para o texto e a ima-gem impressa, película química para a fotografia e o filme, fita magnética para o som e o vídeo -, que dependiam de meios de transporte distintos – fios de telefone, onda de rádio, satélite de televisão, cabos – passaram a combinar-se em um mesmo todo digital, produzindo a convergência de vários campos midiáticos tradicionais. Foram assim fundidas as quatro formas principais de comunicação humana: o documento escrito (imprensa, magazine, livro), o audiovisual (televisão, vídeo, cinema), as telecomunicações (telefone satélites, cabo) e a informática (computadores e programas informáticos). A esse processo cabe com justeza e expressão “convergência das mídias” que está na base do hibridismo midiático (SANTAELLA, 2010, p.86).
O termo convergência das mídias tem a origem de seu significado com a união entre computadores e tele-
comunicações de acordo com Briggs & Burke:
[...] o Financial Times de Londres produziu um estudo sobre ‘Computadores e comuni-cações’, em outubro de 1992. O artigo começava proclamando ‘a lenta, mas inevitável, convergência [notar a palavra e o adjetivo que a acompanha] entre a computação e as tele-comunicações’, acrescentando que ela supriria a ‘força motriz’ para ‘uma implosão de novas tecnologias e práticas de processamento de informação’. (BRIGGS & BURKE, 2006, p.284)
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A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS EM UM CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL 285
A convergência das mídias pode ser caracterizada como um fenômeno ainda em processo, mas que além
de unir diferentes funcionalidades em um único aparato a fim de dispor dados e não informações aos seus utili-
zadores, também altera as formas de sua utilização tornando tudo um ato de transformação cultural, conforme
aponta Jenkins (2008):
Se o paradigma da revolução digital presumia que as novas mídias substituiriam as antigas, o emergente pa-
radigma da convergência presume que novas e antigas mídias irão interagir de formas cada vez mais complexas
(JENKINS, 2008, p.30-31).
É interessante observar que sempre que um novo meio ou uma nova técnica são criados, a tendência é não
encontrar motivos para manter o antigo meio e negar as vantagens que o novo tem a oferecer, reação esta ad-
vinda pelo receio das mudanças que o novo pode proporcionar, como é o caso das mídias móveis que estão
transformando conceitos já definidos há tempos como é o caso de tempo, espaço e distância, como também
criando novas linguagens de sedução e alienando mais uma vez população.
A finalidade das mídias móveis são bem interessantes nesse contexto de inovação e surgem nesse contexto, os
celulares, por exemplo, aparecem com a funcionalidade do telefone fixo convencional, mas novas funções são
agregadas a ele e hoje pode ser comparados com um computador e não mais como telefone comum.
4. Mídias móveis: novas concepções - espaço, tempo e distância
Lemos (2004) caracteriza a informatização da sociedade em três etapas, a primeira com o surgimento do
Computador Pessoal (PC) nos anos 70, em seguida na década de 80 e 90 a popularização da Internet possibilita
a transformação do Computador Pessoal em Computador Coletivo (CC). O acesso facilitado à internet e a con-
vergência das mídias desenvolve-se a computação sem fio que a partir da popularização do celular e redes WI-FI
transforma-se em Computador Coletivo Móvel (CCm). Com o mesmo princípio do período de desenvolvimento
da internet, os computadores coletivos móveis levam a vantagem da mobilidade, fazendo com que o usuário não
precise mais se deslocar até a rede, ela está presente com o indivíduo onde ele estiver.
Essa nova possibilidade proporciona acesso a informação e a comunicação em qualquer lugar e a qualquer
hora. Nas cidades contemporâneas, os tradicionais espaços de lugar (Castells, 1996) estão, pouco a pouco, se
transformando em ambiente generalizado de acesso e controle da informação por redes telemáticas sem fio, cria
zonas de conexão permanente, ubíquas, os territórios por assim dizer “informacionais”.
As mídias móveis redefinem os espaços urbanos criando novos espaços de dados e não de informação, onde
circulam dados que a própria Santaella afirma (2010) tem
[...] chamado esses espaços de “intersticiais”. São acima de tudo, espaços móveis, isto é, espaços sociais
conectados e definidos pelo uso de interfaces portáteis como os nós da rede. (SANTAELLA, 2010, p.94).
Já Lemos (2007) define esses espaços por territórios informacionais:
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[...] compreendemos áreas de controle do fluxo informacional digital em uma zona de intersecção entre o ciberespaço e o espaço urbano. O acesso e o controle informacional realizam-se a partir de dispositivos móveis e redes sem fio. O território informacional não é o ciberespaço, mas o espaço movente, híbrido, formado pela relação entre o espaço eletrônico e o espaço físico. (LEMOS, 2007, p. 128)
Como vemos, ambos os autores definem da mesma forma esse novo espaço criado pelas tecnologias móveis,
apenas o nomeiam de forma diferente. Esse espaço é criado a partir do acesso por meio de redes de internet
sem fio a partir de dispositivos que permitam a movimentação física do sujeito, se confunde com o espaço físico
e criam assim os espaços híbridos, encantando o sujeito:
“Espaços híbridos” quer dizer, espaços que combinam o físico e o digital num ambiente social criado pela mobilidade dos usuários conectados via aparelhos móveis de comunica-ção. Espaços híbridos ocorrem quando não mais se precisa “sair” do espaço físico pra entrar em contato com ambientes digitais. (SANTAELLA, 2010, p.102)
Mobilidade, para Lemos (2004), é o movimento do corpo entre espaços, entre localidades, entre espaços
privados e públicos. Diante disso outro termo surge entre definições distintas, o termo espaços móveis ou digitais,
que são os espaços sociais conectados, definidos pelo uso de dispositivos portáteis como os nós da rede, trans-
formando o estático em móvel, o que acaba definindo nossa nova percepção de espaços digitais.
A relação entre a mobilidade física e a mobilidade através de fluxos de dados interfere nas atitudes tomadas
pelo indivíduo que se desloca.
A introdução das tecnologias móveis leva-nos a um reexame do que significa proximidade, distância,
tempo e espaço.
Percebe-se um vislubramento, mais uma ferramenta em se possa vender algo totalmente novo a mudança na
cultura de consumo que propõe novas tendências no comportamento, por exemplo, quando se falava ao telefone
convencional, fixo, que ficava no comércio ou em casa, a conversa tinha um caráter íntimo, privado, hoje ao se
falar ao celular em todo e qualquer lugar a conversa deixa de se tornar privada, enfatizando um fetichismo e o
voyarismo humano.
Outra característica está relacionada a execução da tarefa, não é mais necessário parar tudo o que se faz
para falar ao telefone, como antigamente, com a mobilidade que o celular proporciona é possível dirigir, andar,
estar dentro de um ônibus ou fazer outras coisas enquanto se fala ao telefone, isso significa uma maior flexibili-
dade na comunicação.
Os celulares enquanto ligados nos colocam constantemente disponíveis, o sujeito, significando que está sem-
pre controlado o que significa também estar sempre detectável, ou seja, estamos sempre dispostos a sermos al-
vos, o que gera uma flexibilidade desconhecida anteriormente por parte de grandes órgãos privados e públicos.
Assim, mobilidades informacionais criam gestões fluidas do tempo e, consequentemente, do espaço. Não há descolamento entre os espaços e as correlatas mobilidades, mas a inter-secção entre espaço eletrônico e espaço físico, criando os territórios informacionais. (LEMOS, 2007, p.130)
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O alcance e o imediatismo das informações fornecidas pelos dispositivos móveis podem intensificar desde
práticas comuns como conversas telefônicas, até atividades mais complexas tais como movimentações financeiras
e organização de mobilizações sociais entre os indivíduos que os utilizam. Rheingold estudioso dessas movimen-
tações classifica-as como smartmobs:
Smartmobs consistem em pessoas que são capazes de agir com harmonia mesmo que estas não se conheçam. As pessoas que constituem a multidão cooperam de maneira nunca antes possível porque carregam artefatos que possuem a comunicação e a capacidade de computação (RHEINGOLD, 2003).
De acordo com Lemos, (2007) o celular tem sido o dispositivo de maior convergência tecnológica e de possibili-
dade de comunicação para conglomerados humanos para movimentações políticas, artísticas ou ativistas assim como
uma maneira de estabelecer relacionamentos sociais por contato imediato, seja através de voz, texto, fotos ou vídeos,
através da internet ou não. Será? Tem hoje, tanta movimentação de conscientização política como afirma Lemos?
Esse aparato nos proporciona acesso instantâneo a qualquer tipo de dados, muito “lixo eletrônico” e não
informação lapidada para nossos objetivos, confundindo e atrapalhando uma linha de raciocínio humano, seja
ela desejável apenas aos grandes conglomerados empresarias e políticos agora que se deparam com essa nova
ferramenta de sedução.. Assim quando esse tipo de dispositivo se torna acessível ao sujeito, as informações che-
gam até ele, a comunicação é possível entre eles ou entre eles, uma gama de possibilidades em entretenimento
surgem para que este sujeito passe de excluído da sociedade intelectual, para um sujeito bitolado, sem opinião
formada e totalmente apático e alienado e idiota, igual no que era antes. Mudá-se as ferramentas, mas o obje-
tivo continua sendo o mesmo, é mantido inclusive com aval de intelectuais como mostrado.
5. Celulares como potencializadores de estratégia de ganhar voto
O desenvolvimento da tecnologia ao longo do tempo proporciona novos costumes e novas maneiras de lidar
com determinadas situações fazendo com que o homem se transforme e assim dizer “evolua”.
Os meios de comunicação de massa na década de 1980 com o propósito de entreter, informar e levar co-
nhecimento conseguiram atingir populações centrais e remotas. Posteriormente, a internet possibilitou que essas
informações fossem transmitidas como uma velocidade muito superior, perfazendo uma aldeia global homogê-
nea e sem opinião, assim além de ser possível obter informações curtas e sem profundidade sobre qualquer parte
do mundo e também “visitar” qualquer um desses lugares, a web 2.0 proporciona que qualquer um compartilhe
informações virtuais e atrativas. Assim, através da visita virtual é possível ter “conhecimento” sobre o que se en-
contra em lugar do mundo, desde fotografias através de satélites das ruas, costumes locais até quais os melhores
restaurantes para se frequentar, e isso pode ser compartilhado por qualquer um sem dinheiro, só na imagem.
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A facilidade com que uma identidade até uma cultura possa ser transmitida faz com que os povos que os
grandes conglomerados financeiros-empresariais e políticos chamam de excluídos tenham oportunidades de se
expor, possibilitando a divulgação de seus costumes, dificuldades, causas e oportunidades gerando assim mais
uma forma de aculturação e formas de pensar que nem o emissor quer, agir e consequentemente sobrepondo a
cultura do dominante.
Aliada a essa facilidade de se obter e disponibilizar dados que se rotula de informações pela internet, os
dispositivos móveis trazem consigo ainda maiores facilidades, transformando nossa cultura, pois o acesso, com-
partilhamento e produção de informação pode ser realizado a qualquer momento e em qualquer lugar através
de tais dispositivos em migalhas de culturas totalmente fragmentadas.
Segundo a pesquisa Horizon Report (2011) o acesso à internet através dos dispositivos móveis como principal
acesso tem crescido ano a ano.
A mesma pesquisa caracteriza os dispositivos móveis como uma tecnologia emergente e reconhece seus
impactos e usos no ensino, aprendizagem e investigação criativa. Acredite se quiser. Dentre as possibilidades de
uso dos dispositivos móveis podemos citar: Acessar informações financeiras, ler e comentar em fóruns, sites e
blogs, acessar emaisl, frequentar redes sociais, se comunicar através de diversos aplicativos, acessar informações
relativas a localização por satélite, compartilhar fotos e vídeos, editar textos entre muitas outras funcionalidades,
sendo com muita quantidade e pouquíssima profundidade, embaralhando a cabeça do sujeito.
Segundo Marçal, Andrade & Rios (2005), a utilização de dispositivos móveis na educação pode:
•Melhorarosrecursosparaoaprendizadodoaluno,quepoderácontarcomumdispo-sitivo computacional para execução de tarefas, anotação de ideias, consulta de informações via Internet, registro de fatos através de câmera digital, gravação de sons e outras funciona-lidades existentes;
•Proveracessoaosconteúdosdidáticosemqualquerlugareaqualquermomento,deacordo com a conectividade do dispositivo;
•Aumentaraspossibilidadesdeacessoaoconteúdo,incrementandoeincentivandoautilização dos serviços providos pela instituição, educacional ou empresarial;
•Expandirocorpodeprofessoreseasestratégiasdeaprendizadodisponíveis,atravésde novas tecnologias que dão suporte tanto à aprendizagem formal como à informal;
•Fornecermeiosparaodesenvolvimentodemétodosinovadoresdeensinoedetreina-mento, utilizando os novos recursos de computação e de mobilidade. (p.3)
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Uma nova forma de aprendizagem se insere no contexto do século XXI. O m-learning (Mobile Learning) ou
aprendizagem por dispositivos móveis começa a ocupar lugar no processo de ensino e aprendizagem. E uma das
razões são as quantidades crescentes de celulares e está na “menina dos olhos” dos empreendedores educacionais.
Dados da ANATEL mostram que o Brasil terminou junho de 2012 com 256 milhões de celulares. Dentre eles
46.537 mil celulares possuem tecnologia 3G. Segundo dados do Censo 2011, 123,9 celulares para 100 habitantes,
enquanto temos 22 telefones fixos para 100 habitantes e somente 8,5 internet banda larga para cada 100 habitantes.
Segundo dados do Comitê Gestor de Internet (CGI, 2010) 67% da população total do Brasil possui celular,
em relação ao computador isso cai para 35%, 27% com acesso a internet e
Observa-se que este aparelho está presente na vida destes e é uma grande estratégia administrativa de se
reduzir os custos empresariais. A facilidade de compra, o barateamento dos celulares e o rápido desenvolvimento
de novas tecnologias possibilitam aquisição de um aparelho celular de maneira fácil.
Assistir TV, acessar a internet, gravar áudio e vídeo, jogar, se comunicar via SMS e por voz, editar imagens,
fotografar e filmar são algumas das funcionalidades que o celular possui atualmente. Todas essas funções têm
modificado a forma de lidar com o conteúdo alienando cada vez mais o sujeito. Intelectuais fomentam que até
mesmo na educação podem ser bem utilizados se o professor e a escola permitir (que por sinal permitirá) a cria-
ção de uma metodologia de uso bem definida.
Embora exista um Projeto de Lei, (nº 132, de 2007) que proíba o uso de telefone celular nas escolas estaduais
do Estado de São Paulo, no caso com o tempo isso irá mudar. O celular assim como a internet podem dessa
forma proporcionar outras possibilidades de acesso a informação. Estratégias estão acontecendo. Enquanto nós,
os ouvintes-participantes vivemos imersos em quantidade de dados por todos os meios de comunicação digital,
os empresários e políticos estão se divertido e ajudando o sistema capitalista mais uma vez ter um fôlego irres-
trito, permitindo o acesso democrático por conta de os sujeitos, a grande massa não poderem ouvir e por mal
conseguirem ler e escrever a própria língua portuguesa, quanto mais criticar e refletir sobre o que se passa nos
seus arredores.
6. Da apropriação a saturação
O desenvolvimento acirrado de novos aparatos, novas funcionalidades, diferentes tipos de interação para o so-
cial e convivência nessa sociedade tem nos proporcionados transformações nas formas de comunicar, pensar e agir.
A inserção dessas tecnologias em nossas vidas tem nos colocado constantemente em contato com “o novo”,
o vislumbre, o encantamento, a interação. Esse choque inicial proporcionado por cada nova tecnologia que é
inserida vai enfraquecendo nosso pensar, nosso refletir, conforme a tecnologia passa a ser desvendada e tornan-
do-se parte integrante de nossas vidas até o limite da alienação suprema, como estratégia maior de dominação,
atingindo seu ponto de saturação.
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A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS EM UM CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL 290
Essa diferença entre o tempo de apropriação e o tempo de saturação de uma nova tecnologia está cada vez
mais curto, isso por conta da quantidade de novidades que surgem a todo o momento, a busca constante pela
apropriação e a saturação de utilização da mídia se entrelaçam. Cada vez que isso ocorre há uma transformação
interna e externa do ser como forma de apropriação de conhecimento. Muraro (2009) pontua:
Socialmente, isto se traduz em termos de pressões que agem como novas equilibrações e de inovações que agem como novos equilíbrios. E, cada vez que isto acontece, abre-se um mundo novo e surpreendente, uma nova forma de inter-relacionamento, tanto dentro de si mesmo, como em termos coletivos. O choque inicial vai se dissipando à medida que a tecno-logia é absorvida tanto individual como socialmente. Tudo vai à normalidade (nova) quando a comunidade absorve a nova tecnologia em suas formas de ação e de trabalho até o ponto de saturação. (MURARO, 2009, p.53)
Assim, a criação de novos dispositivos, o desenvolvimento de funcionalidades e o acesso a eles cada vez mais
facilitado vão criando novos potenciais de comunicação e de dominação totalmente diferentes das até então
existentes. E essas tecnologias quando inseridas em meios sociais e superadas em relação à apropriação técnica
proporcionam maneiras de incluir e novas abordagens de utilização.
São responsáveis por, de forma igualitária, possibilitar o acesso a informação por parte de qualquer público,
uma vez que as deficiências, as condições especiais ou as diferenças acabam ficando em segundo plano. Dessa
forma, possibilitando que todos tenham os mesmos direitos e sejam vistos da mesma maneira.
Nesse espaço não há lugar para estigmas, rotulações e preconceitos, pois, envolvidos nas tramas da Rede, somos todos participantes sociais de uma mesma comunidade, a comu-nidade digital, sem fronteiras, constituída pelos bits e regida sob nova forma de organização social. (ARCOVERDE, 2006)
A utilização desses aparatos proporciona uma maior exclusão, onde não há discriminação de qualquer na-
tureza, um espaço de igualdade, embora carregado com a riqueza da diversidade.
No próximo capítulo será apresentada a pesquisa de campo, na qual coleta dados sobre o que os políticos
tem como estratégia de ganhar seu voto por essas estratégias sobre o uso da tecnologia em suas práticas.
7. As Redes Sociais e a WEB 2.0
A Web 2.0 é um conceito de troca de informações na internet por meio de aplicações, que permitem a
interação entre os usuários através de sites de relacionamento, blogs, site de redes sociais, sites de comparti-
lhamento, entre outros. Segundo Las Casas (2010), este termo Web 2.0 se refere às tecnologias de segunda
geração na internet, onde os usuários se comunicam e compartilham informações através de redes sociais
e comunidades. Podemos destacar os seguintes sites como principais da Web 2.0: Facebook, Twitter, Orkut,
Myspace, Linkedin e Youtube.
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A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS EM UM CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL 291
A partir daí podemos falar sobre os Blogs. Mas afinal o que são os Blogs?
Segundo Las Casas (2010), os Blogs ou Weblogs são páginas na internet que podem ser pessoais ou empre-
sariais, com o objetivo de oferecer informações na forma de um diário online. Podendo conter noticias recentes,
links, vídeos, fotos, ou seja, pode ser compartilhada a informação de interesse do usuário ao publico que deseja
atingir, como um espaço colaborativo. Com uma capacidade de interação entre autor e leitor. Deve ser atua-
lizado diariamente ou semanalmente com assuntos interessantes que despertem o interesse entre os usuários,
fazendo com que eles interajam comentando sobre o assunto publicado.
Com o objetivo semelhante aos Blogs surgiram os Microblogs. São mídias sociais que permitem realizar bre-
ves atualizações de textos, com no máximo 200 caracteres. O microblog ou microblogging é uma ferramenta
indispensável para as empresas em relação à comunicação rápida com o seu publico e importante fonte de
resultados sobre opiniões de seus clientes.
Las Casas afirma que,
Os programas de mensagens instantâneas, por sua vez, permitem aos usuários da inter-net trocar mensagens em tempo real. Foi a partir de 2000 que esses programas se populari-zaram e ganharam ambientes corporativos. Diferentemente do e-mail, a troca de mensagens só acontece quando um usuário autoriza e aceita outro. Portanto, um microblog pode ser considerado um instrumento misto de diário on-line, produção de conteúdo pelo usuário comum e troca de mensagens em tempo real (LAS CASAS, 2010, p. 98).
8. O MICROBLOGGING TWITTER
Com isso, surgiu O Twiiter que foi desenvolvido em 2006, de origem norte-americana, com o objetivo de ser
um Microblogging. Uma ferramenta do Marketing Digital, que permite fazer atualizações de status com apenas
140 caracteres. No inicio o Twitter em sua área de postagem tinha a seguinte pergunta: “ What are you doing?”
(O que você está fazendo?), que tinha como o objetivo dos usuários contarem o que eles estavam fazendo no
dia a dia, mostrarem o seu cotidiano. Mas, ao longo do tempo eles perceberam que as pessoas tinham interesse
em saber assuntos mais relevantes e a pergunta mudou para “What’s Happening?” (o que está acontecendo?),
onde os usuários também poderiam colocar atualizações, fazer comentários, publicar noticias, responder outros
tweets e até mesmo fazer a publicação de fotos, vídeos e links.
Com o avanço da tecnologia, o Twitter começou a despertar interesse nas empresas, por ser uma rede social
onde seria fácil fazer um marketing rápido, e também como forma de divulgação, promoção e passar informa-
ções aos seus consumidores. Com o objetivo também de receber um feedback sobre seus produtos e serviços,
para assim tentar melhorar e agradar todos os consumidores.
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 278-296, nov 2012
A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS EM UM CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL 292
Por ser uma mídia social de rápida atualização de status, os seus usuários podem compartilhar mensagens
através de seus aparelhos celulares, com o mesmo custo de um SMS. Ou seja, com essa rapidez instantânea de
divulgação de mensagens no Twitter, as empresas conseguem compartilhar e divulgar onde as suas promoções
estão acontecendo no momento.
Segundo dados da reportagem República do Twitter, escrita por Ale Versignassi, publicado na revista Superin-
teressante, edição 277/abril 2010, o Twitter está na disputa com outras redes sociais como o Facebook, Google
Buzz e Orkut.
Abaixo uma relação de concorrência do Twitter com as outras redes sociais:
RELAÇÕES INTERNACIONAIS
“O TWITTER com 100 milhões de usuários no mundo, sendo que 10 milhões são no Brasil, está em guerra com:
FACEBOOK - 400 milhões de usuários
No Brasil o líder mundial perde para o Twitter, tem só 2 milhões de usuários.
GOOGLE BUZZ - 176 milhões de usuários
Esse é o número de usuários do Gmail - já que o Buzz é integrado ao e-mail do Google.
ORKUT - 100 milhões de usuários
Aqui esse pioneiro das redes sociais ainda é o rei: são 51 milhões de usuários no Brasil.”
Fonte: Superinteressante, ed. 277/ abr. 2010.
Como vimos aqui no Brasil o líder mundial Facebook perde para o Twitter, mas o Orkut continua liderando
com 51 milhões de usuários no Brasil.
O Twitter é como uma bola de neve, as pessoas publicam uma mensagem, um link, foto/vídeo que estejam
interessados em divulgar e assim outras pessoas que estiverem seguindo esse tal usuário, poderá retweetar, ou
seja, passar essa informação adiante, fazendo com que novos usuários vejam a informação.
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A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS EM UM CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL 293
8.1 FERRAMENTAS DO TWITTER
O Twitter tem como característica a reciprocidade. Segundo Lima (2011), diferente de outras redes sociais,
no Twitter não precisa pedir permissão para ser amigo de alguém, os usuários são chamados de seguidores. É
permitido seguir pessoas e as pessoas nos seguirem, isso claro, de acordo com o seu interesse. Pois, no Twitter
as mensagens que você vai ler são dos usuários que você está seguindo no momento. Com isso, para manter
uma conta no Twitter ativa e com um numero de seguidores significativos para que se torne um grande Twitteiro é
preciso ter um bom conteúdo de informações para a divulgação. Pois, os usuários só vão seguir aquilo que estão
interessados em saber. E também, antes de ingressar nessa onda de redes sociais a empresa devera tomar todo
cuidado para que não ocorram problemas internos na empresa, como vazamento de informações negativas ao
publico.
8.2 RETWEET
Para as empresas é interessante o Retweet. Segundo Lima (2011), essa ação ajuda a repassar a mensagem
publicada, fazendo com que o conteúdo, notícia, evento, seja divulgado com mais agilidade para outros usuá-
rios. Mas, para isso, é muita importante manter um bom conteúdo de divulgação que despertem o interesse dos
usuários de repassarem a mensagem para os outros usuários.
8.3 MENÇÕES E MENSAGEM DIRETA
No Twitter é possível também conversar diretamente com outros usuários. Existem duas maneiras, as menções
ou mensagens diretas. Menção é quando o usuário publica em seu campo de mensagens uma postagem utili-
zando o @ + o nome do usuário, assim a mensagem será encaminhada para o usuário mencionado, mas todos
que estão seguindo poderão ler a mensagem. Em uma forma mais privada, pode-se encaminhar a DM, ou seja,
a mensagem direta para seguidor que deseja, assim, só ele poderá recebê-la. Abaixo duas figuras mostram os
exemplos de Menções e Mensagem Direta ou DM no Twitter:
Fonte: Twitter Dell Brasil, acesso em: 07 Nov. 2011
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A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS EM UM CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL 294
8.4 HASHTAGS
É caracterizado por um tema. Ou seja, no Twitter o hashtags significa postar com o símbolo “#” antes de
algum tema, pois, ele criará um link onde os usuários poderão ver uma listagem relacionada ao assunto.
Lima afirma que: A #hashtag é utilizada para promover campanhas, criar tendências, ser contra uma causa,
apoiar outras, entre diversos usos, conforme a criatividade de cada usuário (LIMA, 2011, p. 145). Abaixo a figura
mostra um exemplo de #Hashtag no perfil da Martha Gabriel no Twitter:
Fonte: Twitter Martha Gabriel, acesso em: 10 Nov. de 2011
8.5 TRENDING TOPICS
Para as empresas é fundamental estar no Trending Topics ou TTs. Ou seja, o Trending Topics é uma listagem
de palavras mais citadas e visualizadas no Twitter. Se a empresa estiver nessa listagem significa que os usuários
estão falando bem ou mal da empresa. Segundo Lima (2011), estar nessa listagem resulta em uma superdivul-
gação em massa.
Abaixo a figura mostra as palavras mais citadas no Twitter em São Paulo.
Enfim, no Twitter é possível utilizar de várias ferramentas, até mesmo ferramentas que não são do Twitter, para
poder monitorar e controlar a influência das informações transmitidas.
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A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS EM UM CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL 295
Considerações Finais
A criação de um perfil no Twitter pode ser considerada uma ferramenta que está ainda longe de ganhar votos
maciços numa campanha eleitoral. Esta estratégia cria certa notoriedade ao político, pois demonstra que ele está
tentando, de certa forma, se relacionar com os cidadãos plugados. A rede social também pode ser um caminho
de prestar contas ao há uma fatia do eleitorado que tem o direito de cobrar o que acontece nos poderes execu-
tivo e legislativo e uma forma de discutir, entre si, as questões relacionadas à política no país de maneira livre,
sem restrições, mas muito incipiente talvez.
Aos que delegam seu voto, não cabe estreitar o contato com a mesma através das redes sociais e sites que
ele possui, para, conforme foi visto nesta pesquisa, cobrar o que o eleitor tem direito. Mas, somente fará parte
do debate que pode ser criado na Web, quem estiver interessado nas mensagens e nos apelos dos cidadãos.
Ainda há um caminho longo a ser percorrido neste novo cenário político, mas se pode dizer que o primeiro
passo já foi dado, e conforme a evolução natural da tecnologia há que se considerar que a Internet veio forta-
lecer a conquista de votos e a admiração e o envolvimento direto dos candidatos como uma ferramenta merca-
dológica-estratégica com os eleitores. As novas mídias desempenham um papel fundamental na transformação
da opinião pública, por isso é importante conhecer os políticos, saber do seu passado, suas propostas, e o que
está sendo comentando dele, e a Web talvez fosse mais uma saída para o campo “ideal” e assim buscar essas
informações.
Na primeira eleição com a campanha liberada na Internet, os dois principais candidatos à presidência cria-
ram ligação com os eleitores através de sites e redes sociais que serviram para divulgar a campanha e arrecadar
votos.
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A COMUNICAÇÃO POLÍTICA NAS REDES SOCIAIS EM UM CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL 296
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ISSN: 2316-3992
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 297-304, nov 2012
A HISTÓRIA DA IMPRENSA NO CONTEXTO DA HISTO-RIOGRAFIA BRASILEIRA
Palavras-chave: : Imprensa; História; Historiografia
Resumo
Este trabalho propõe um panorama sobre as pesquisas desenvolvidas sobre a história da imprensa brasileira,
no contexto do campo historiográfico. Apesar de ser amplamente utilizada por historiadores, como fonte com-
plementar, há ainda poucos trabalhos que tomem a própria imprensa como objeto de pesquisa. Nesse sentido,
uma das contribuições desse artigo é apresentar um breve quadro de como têm se estruturado as pesquisas nessa
área, no Brasil.
André Mazini¹
Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigram/
Dourados/ MS. .
Doutorando em Comunicação, sob orientação do Profº Drº Luiz Martins da Silva, no Programa de Pós-Graduação da Facul-
dade de Comunicação da Universidade de Brasília (PPGFAC/UnB). Vinculado aos projetos de pesquisa credenciados no CNPQ: A
ideia do pós-Jornalismo (2010-2013) e O Jornalismo como Teoria Democrática (2006-2010). E-mail: [email protected]
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1. Introdução
Desde que a Família Real desembarcou na então Colônia Brasileira, trazendo consigo uma prensa tipográfi-
ca, os periódicos passaram a fazer parte dos contornos culturais. O jornalismo teve um início questionável com
a Gazeta do Rio de Janeiro , e com o Correio Braziliense viveu uma experiência de imprensa que, ao menos ofi-
cialmente, não era financiada pela Coroa. Além desses dois principais expoentes, o início da imprensa brasileira,
séxulo XIX, foi marcado, segundo Virgílio Noya Pinto (2000), por três características principais:
1.°) Ela é constituída, na sua maioria, por jornais de vida efémera. Poucos são aqueles que sobreviveram mais
de dez anos: Ex: Diário do Rio de Janeiro (1821-1878), O Liberal (1844-1855), Correio Mercantil (1848-1868),
A Reforma (1869-1879), O País (1884-1930) e o Diário de Notícias (1885-1895).
2°) Ela é propriedade de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos e tem como objetivo defender ou com-
bater uma causa momentânea. Político por excelência, este jornal está diretamente ligado às transformações do
próprio Império. Por exemplo: a) Luta pela Independência: O Espelho (1821-1823), A Malagueta (1821-1832),
O Reverbero Constitucional Fluminense (1821-1822), Correio do Rio de Janeiro (1822-1823). b) Fechamento
da Assembléia Constituinte: Silfo (1823), A Sentinela da Liberdade à Beira do Mar da Praia Grande (1823), O
Correio Extraordinário do Rio (1823), O Tamoio (1823). c) Abdicação de D. Pedro I: Astréa (1826-1827), Aurora
Fluminense (1827-1835). d) Lutas na Regência: entre 1830 e 1840 surgiram 608 jornais e apenas 318 conse-
guiram sobreviver por mais de um ano. e) Golpe da Maioridade (luta entre liberais e conservadores). Liberais:
O Despertador (1838-1841), Farol Constitucional (1842-1843), O Novo Tempo (1844-1845). Conservadores:
O Brasil (1840-1852), O Sentinela da Monarquia (1840-1841), O Eco do Rio (1843-1847). f) Abolição da
escravatura. Abolicionistas: Gazeta da Tarde (1880-1901), Cidade do Rio (1887-1902), O Abolicionista (1880-
1881), além de O País (1884-1930) e o Diário de Notícias (1885-1895), que sobreviveram por mais tempo por
terem se ligado também à causa republicana. Escravocrata: Novidades (1887-1892).
3.°) Ela se diversifica como reflexo da evolução sociocultural: a) Periódicos especializados: Gazeta Musical do
Brasil (1860-1861), Revista Médica Brasileira (1841-1845), Gazeta dos Hospitais do Rio de Janeiro (1850-1852), Re-
vista Odontológica (1877-1879), O Economista Brasileiro (1878), Revista Financeira (1888), Gazeta Jurídica (1852-
1854), Gazeta Forense (1857-1858), Revista Jurídica (1865-1870), Revista Teatral (1860), A Religião (1848).
Se no século XIX há no Brasil um imprensa com tais características, no século XX ela fixa raízes na cultura
brasileira já moldada por ideais mercantilistas, transformando a notícia, de um serviço de utilidade pública para
um produto como qualquer a venda. Este cenário potencializa a profissionalização da imprensa brasileira e
consequente ampliação do alcance dos periódicos, fenômeno que passa, a partir da primeira metade do século
XX, a motivar diversos estudos no campo das Ciências Humanas e Sociais, como com a Sociologia buscando
identificar a função do jornalismo no contexto social que se desenhava, a Psicologia tentando entender como tais
mensagens eram recebidas pelas pessoas, e mesmo com a Economia, potencializando os reflexos financeiros
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A imprensa e a história
Em sua participação no livro organizado por Carla Pinsky, O Historiador e Suas Fontes, Tânia Regina de
Luca pontua que a segunda metade do século XX testemunhou uma significativa mudança de paradigma no
campo dos estudos historiográfico, no que diz respeito à análise dos periódicos. De acordo com Luca, somente
a partir da década de 1970 o jornal passa a ser concebido como um possível objeto da pesquisa histórica e
deixa de ser utilizado, tão somente, apenas “como fonte confirmadora de análises apoiadas em outros tipos
de documentação” (LUCA, 2010, p.118).
Como um dos marcos dessa mudança é indicado por Luca o trabalho Bravo Matutino, de Maria Helena
Capelato e Maria Lidia Prado. Na contramão das pesquisas históricas realizadas em sua época, e até mesmo
enfrentando possíveis preconceitos quanto à investigação da história a partir de periódicos, a dupla de pesquisa-
doras elegeu como fonte única de investigação e análise crítica o jornal O Estado de S. Paulo.
A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero “veículo de in-formações”, transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se inserem. (CAPELATO e PRADO, 1980, p. 19)
Nas décadas que se seguiram ocorreu uma maior abertura do campo historiográfico no que diz respeito à
apreensão de diferentes objetos, sendo notadamente crescente o número de estudiosos que analisaram a his-
tória a partir das lentes da imprensa. O panorama fica ainda mais evidente nos campos das histórias cultural
e política, em pesquisas com recorte temporal a partir do século XIX, período em que os jornais apresentavam
suas leituras sobre os acontecimentos sociais, evidentemente com diferentes níveis de comprometimento político,
econômico e ideológico. “As renovações no estudo da história política, por sua vez, não poderiam dispensar a
imprensa que cotidianamente registra cada lance dos embates na arena do poder. Os questionamentos desse
campo, imbricados com os aportes da história cultural, renderam frutos significativos” (LUCA, 2010, p.128).
Apesar de progressivamente reconhecida como objeto da história, esta sempre enxergou a imprensa com
desconfiança. A suspeição é traduzida, de acordo com Luca, por João Honório Rodrigues que, mesmo conside-
rando o jornal como “umas das principais fontes de informação histórica”, alertava, com razão, que “nem sem-
pre a independência e exatidão dominam o conteúdo editorial”. Conteúdo este, caracterizado pelo autor como
“mistura do imparcial e do tendencioso, do certo e do falso” (RODRIGUES, 1968, p. 198).
Se por um lado é justificada, nos estudos históricos, a desconfiança a respeito do conteúdo presente nas pá-
ginas dos periódicos, por outro, de acordo com Luca, é perceptível que, comprometidos ou não, os jornais são
pautados por aquilo que se julga relevante para a sociedade de sua época imediata.
Pode-se admitir, à luz do percurso epistemológico da disciplina, e sem implicar a inter-posição de qualquer limite ou óbice ao uso de jornais e revistas, que a imprensa periódica seleciona, ordena, estrutura e narra, de uma determinada forma, aquilo que se elegeu como digno de chegar até o público. (LUCA, 2010, p.139)
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Dessa forma, o pesquisador dos periódicos, segundo Luca (2010, p.140), trabalha com o que se tornou noticia,
o que por si só, segundo ela, já abarca um espectro de questões, pois será preciso dar conta das motivações que
levaram à decisão de dar publicidade à alguma coisa.
Tendo a legitimidade, socialmente reconhecida, de informar às pessoas os acontecimentos de interesse público,
a imprensa se apropria de um representativo poder simbólico, especialmente a partir da passagem entre os séculos
XIX e XX, quando o jornalismo entra em sua “era industrial” (MELO, 2005). Nesse período, a imprensa se profissio-
naliza e ganha status de mediadora das informações sociais.
Nessa transição do artesanal para o industrial, as matérias deixam de ser expressões explicitamente ideológi-
cas, e até panfletárias – como ocorreu largamente após a Revolução Francesa –, e passam a representar todo um
contexto social a partir de uma premissa frágil, porém defendida à peso de ouro, de objetividade, imparcialidade e
verdade. Se concordamos com Chartier (1988), quando afirma que as representações do mundo social são sempre
determinadas pelo grupo que as forjam, temos na imprensa uma grande influência das representações de mundo
construídas a partir do século XX.
Uma metodologia possível
É em sua busca por encontrar estratégias eficientes de análise histórica dos periódicos que Tânia Regina de
Luca deixa sua principal contribuição acadêmica. As etapas apontadas pela pesquisadora como fundamentais
para desenvolver pesquisas cuja principal fonte seja a imprensa são:
“Encontrar fontes e constituir uma longa e representativa série”;
A disponibilidade das fontes é um pré-requisito fundamental nesse tipo de abordagem. A análise isolada de
exemplares de periódicos, impossibilitando assim uma visão mais ampla do objeto e sua linha editorial, pode
comprometer o trabalho acadêmico. Por isso é preciso que haja uma série que atenda aos anseios de pesquisa,
pelo menos, em relação ao recorte temporal adotado.
“Localizar as publicações na história da imprensa”;
A pesquisa precisa identificar um panorama da história da imprensa no período estudado e verificar como
os jornais se posicionavam em relação ao contexto de jornalismo profissional da época. Caso os jornais sejam,
por exemplo, do século XIX, é necessário ter em vista as influências que a imprensa da época recebia dos ideais
propagados pela Revolução Francesa, resultando em um jornalismo parcial, militante, politizado e feito, nor-
malmente, sem visar o lucro. Essa realidade muda no século XX, quando a imprensa se industrializa e a notícia
se transforma em um produto vendável. Tais contextos necessitam ser contemplados a fim de que a análise dos
periódicos seja completa.
“Atentar para as características de ordem material”;
Apesar de dedicar maior atenção às narrativas jornalística e ao discurso produzido pelos periódicos, a me-
todologia de pesquisa desenvolvida por Luca também contempla os aspectos de ordem material da publicação,
como por exemplo: tipo de material impresso; presença/ausência de imagens; destaque das materias
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Título em Português 301
selecionadas dado em manchetes, títulos e chamadas de capa; entre outros. Em síntese, os discursos adquirem
significados de muitas formas, inclusive pelos procedimentos tipográficos e de ilustração que o cercam (p.129).
“Assenhorar-se da forma de organização interna do conteúdo”;
Verificar como as matérias sobre o tema analisado eram distribuídas nos jornais – desde localização na pá-
gina, até disposição em editorias – é apontado por Luca como um passo importante para estudar a dedicação
com que cada periódico se relacionava com os temas.
“Caracterizar o grupo responsável pela publicação”;
Compreender quem eram os responsáveis por “ditar as regras” nos jornais é fundamental para entender o
objeto imprensa. Durante a pesquisa é necessário caracterizar, na medida do necessário, os donos dos jornais e
verificar se eles interferiam no conteúdo publicado, e de que forma.
“Identificar os principais colaboradores”;
As relações comerciais dos jornais revelam muito dos interesses que seus proprietários buscam preservar,
especialmente quando a imprensa em questão se desenvolve a partir do século XX, na chamada era industrial
do jornalismo.
“Identificar o publico a que se destinava”;
Outra etapa elementar na pesquisa com uso de periódicos é identificar o público-alvo do jornal que se
pretende analisar. Nessa etapa, tem-se uma perspectiva mais ampla sobre o que se publicava nas matérias em
análise e por que elas eram produzidas.
“Analisar todo o material de acordo com a problemática escolhida” (LUCA, 2010, p.141).
A última proposição metodológica citada acima é ampla e dá margem a uma análise ajustada às de-
mandas que se apresentarem ao longo de cada pesquisa. No contexto deste projeto o estudo do caso será
desenvolvido essencialmente a partir das fontes documentais e entrevistas com agentes envolvidos no contexto
histórico estudado.
Em uma ampla síntese das orientações metodológicas, a pesquisa contemplará desde a forma como os im-
pressos chegaram às mãos dos leitores, sua aparência física (formato, tipo de papel, qualidade da impressão,
capa, presença/ausência de ilustrações), a estruturação e divisão do conteúdo, as relações que manteve (ou não)
com o mercado, a publicidade, o público a que visava atingir, os objetivos propostos.
Condições materiais e técnicas em si dotadas de historicidade, mas que se engatam a contextos socioculturais específicos, que devem permitir localizar a fonte escolhida numa série, uma vez que essa não se constitui em um objeto único e isolado. Noutros termos, o conteúdo em si não pode ser dissociado do lugar ocupado pela publicação na história da imprensa, tarefa primeira e passo essencial das pesquisas com fontes periódicas. (LUCA, 2010, p.138)
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Título em Português 302
A História da Imprensa em Mato Grosso do Sul
Apesar de servir como fonte secundária para diferentes tipos de pesquisa que tenham como objetivo elucidar
contornos da história de Mato Grosso do Sul, a imprensa ainda é pouco adotada como objeto de estudo princi-
pal nas pesquisas desenvolvidas no Estado.
No campo da Comunicação Social, a baixa produção acadêmica sobre a História da Imprensa estadual se
deve, entre outros fatores, à incipiencia do próprio campo acadêmico da Comunicação Social em Mato Grosso
do Sul. Com a fundação do primeiro curso de jornalismo do Estado no início da década de 1989, pela UFMS,
o primeiro curso de mestrado na área só veio a selecionar sua primeira turma em 2011. Com uma linha de pes-
quisa em Mídia, Identidade e Regionalidade, o programa se propõe a estimular pesquisas que supram a carência
por estudos sobre a história da imprensa no Estado.
Mesmo não contando com um programa de pós-graduação stricto sensu até 2011, o curso de jornalismo da
UFMS chegou a fundar em 2005-2006, por meio da pesquisadora Ruth Viana, um grupo de estudo vinculado à
Rede Alfredo de Carvalho (Rede Alcar), dedicado à produção acadêmica sobre história da imprensa. O grupo,
porém, apesar de estimular a produção pontual de pesquisas sobre o tema, não chegou a desenvolver um amplo
estudo sobre a história da imprensa em MS.
Com uma produção acadêmica mais consolidada, contando com um programa de pós-graduação desde
1999 no então campus da UFMS em Dourados (que depois viria a se tornar Universidade Federal da Grande
dourados – UFGD), os historiadores de MS também pouco produziram sobre a história da imprensa no Estado.
De acordo com o pesquisador Marcelo Câncio, no período da consolidação da divisão de Mato Grosso
e consequente surgimento de Mato Grosso do Sul, o Estado era pouco integrado na área de comunicação.
“Existiam jornais impressos e emissoras de rádio em alguns municípios, mas a maior concentração de empresas
jornalísticas encontrava-se em Campo Grande: três emissoras de rádio AM (Educação Rural, Difusora e Cultura),
dois jornais diários (Correio do Estado e Diário da Serra) e uma emissora de televisão (TV Morena, canal 6).
Entre todos os outros municípios, apenas Corumbá contava com outro canal de televisão, a TV Cidade Branca,
inaugurada em 1970” (CÂNCIO, acessado em 18/01/2012).
Neste mesmo período, Dourados também contava com um cenário profissional de produção noticiosa, com
destaque para os dois diários impressos de maior alcance: O Progresso e o Folha de Dourados.
Atualmente, o Mapa de Midia de MS, produzido pelo projeto Portal de Midia, do curso de Comunicação So-
cial da UFMS, contabiliza 173 veículos de comunicação cadastrados, entre jornais, sites, emissoras de rádio e TV.
A incipiência dos estudos sobre história da imprensa em MS não encontra justificativa na falta de documentos a
serem pesquisados. No Arquivo Histórico de Campo Grande (ARCA) e no Centro de Documentação Histórica da
UFGD, por exemplo, está disponível um grande acervo de edições dos principais jornais das regiões central e sul do
Estado, respectivamente. Além desses, os jornais mais antigos, ainda em atividade, como o Progresso e o Correio
do Estado, mantém em suas sedes um acervo histórico próprio com todas as suas edições já publicadas até hoje.
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Em Dourados
Na região da Grande Dourados um dos trabalhos que buscou com propriedade traçar um histórico da im-
prensa na região é o livro Dourados: Memórias e Representações de 1964, fruto da tese de doutoramento de
Suzana Arakaki, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em História da UFGD.
De acordo com a autora, os relatos que remetem à existência dos primeiros periódicos datam de 1926. In-
titulado Jandaia, o primeiro jornal que se tem notícia era impresso em Campo Grande e teve vida breve, “sua
edição foi suspensa porque uma pessoa da cidade não gostou de um artigo”, conta Arakaki (2003, p.105).
Depois disso, O Douradense circulou de 1948 até meados de 1950.
Fundado em Ponta Porã na década de 1920, O Progresso passou a ser distribuído em Dourados em 1951.
“O jornal foi impresso na tipografia de Naurestides Brandão, na cidade de Dourados. A tipografia foi instalada
na cidade com uma providencial subvenção da Prefeitura local. Até meados do ano de 1964, o jornal era sema-
nário, a partir dessa data, passou a ser editado diariamente” (ARAKAKI, 2003, p. 105).
Entre esses e outros periódicos citados por Arakaki, os jornais douradenses alimentam semelhança em suas
linhas editoriais. A maioria, apesar de defender a neutralidade editorial, acabou por demarcar claramente suas
posições político-partidárias e ideológicas. Como no caso do Jornal de Dourados que se fixou na cidade de
Dourados na década de 50, sobre quem a autora comenta: “O discurso de neutralidade, comum entre os peri-
ódicos, não se sustentou nem mesmo no primeiro número, no qual pode-se identificar demarcação de posições
ideológicas”, (ARAKAKI, 2003, p. 106).
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Fontes Bibliográficas
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ufms.br/wp-content/uploads/2011/04/Marcelo-Cancio-Hist%C3%B3ria-do-Telejornalismo-em-Mato-Grosso-
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CÂNCIO, Marcelo. Televisão Fronteiriça: TV e telejornalismo na fronteira do Brasil e Paraguai. Editora
UFMS, 2011.
CAPELATO, Maria helena e PRADO, Maria Ligia. O Bravo Matutino, imprensa e ideologia no jornal O Estado
de S. Paulo, SP, Alfa e Omega, 1980.
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LUCA, T. R. de; MARTINS, Ana Luiza. Imprensa e cidade. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
LUCA, Tania Regina de. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: Editora UNESP, 1999.
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PINTO, Virgílio Noya. Comunicação e a Cultura Brasileira. 5a edição – Série Princípios. Editora Ática: São Paulo,
2000.
ISSN: 2316-3992
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A INSPIRAÇÃO VANGUARDISTA NO CIBERATIVISMO CONTEMPORÂNEO1
Palavras-chave: comunicação; internet; política; dadaísmo; surrealismo; situacionismo; cultura hacker.
Resumo
Este trabalho tem como propósito realizar um estudo da gênese do ciberativismo, entendendo o que chama-
mos de inspiração vanguardista advinda dos movimentos culturais e artísticos do século XX, mais especificamente
os pioneiros (Dadaísmo, Surrealismo) e o Situacionismo. Este legado representa uma contribuição decisiva para
a configuração das feições atuais dos movimentos sociais que utilizam a rede mundial de computadores, princi-
palmente, em sua dimensão política.
Silvia Ramos Bezerra2
¹Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigran/ Dourados/ MS.
²Doutoranda em Ciências da Comunicação da ECA-USP, Mestre em Estudos em Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso e Jornalista. Email: [email protected].
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INTRODUÇÃO: VANGUARDISMO ARTÍSTICO E REBELDIA EM REDE
Seriam as revoluções do mundo islâmico fruto inconteste da ação da internet e das redes sociais como
instrumento de luta revolucionária? Terão os movimentos políticos como Occupy Wall Street ou Indignados na
Espanha transformado significativamente o agir revolucionário contemporâneo? Até que ponto o ciberativismo
pode ser entendido como uma sui generis forma de ação política?
Estas são questões que emergem como problemas de pesquisa para as reflexões sobre as novas mídias e o
impacto das tecnologias da informação e da comunicação nas diversas sociedades pelo globo. Antes que tais
questionamentos possam, num futuro ainda vindouro, serem elucidados é preciso destacar os antecedentes his-
tóricos que influenciaram a ação política experimentada na Internet. Neste sentido, nosso objetivo é compreender
uma trajetória que principia com o nascimento da rede, em sua base mais de cunho cultural do que tecnológica,
e que acaba por desembocar na expansão das redes sociais e das ferramentas de interação simultânea que vem
abalando estruturas de poder, sejam elas arcaicas ou não.
DO DADAÍSMO, SURREALISMO E SITUACIONSIMO À CULTURA HACKER
Se pudermos afirmar que a internet durante seu desenvolvimento tecnológico e, seus desdobramentos sócio
-políticos, tem diversos pais e diversas nacionalidades³ , poderemos também garantir sem reservas que foram
os movimentos artísticos vanguardistas do começo do século XX (Dadaísmo, Surrealismo e Situacionismo) seus
legítimos antepassados culturais.
Downing em seu estudo cânone sobre mídia radical aproxima as três vertentes estéticas, uma vez que,
existe, afinal de contas, uma rica história a ser examinada aqui. Originando-se do ex-pressionismo alemão, o movimento dadaísta, os surrealistas e os situacionistas tiveram con-cepções diferentes acerca da relação entre arte e mídia. Todas as três formações, no sentido que Williams dá a esse termo, priorizaram a arte como forma de comunicação pública e política, e em certos aspectos, ainda que muitos distintos, cada uma delas herdou elementos da anterior (DOWNING, 2002, p. 96).
A filiação ao utopismo é a característica essencial dos movimentos artísticos do século XX, a intencionalida-
de expressa de todos estes é a “integração da arte e vida”, bem como proceder à união de todas as atividades
humanas numa só. Promover a crítica da exclusão social e possibilitar a criação de um novo mundo, livre da
enrijecida estrutura do capital, onde a arte, a política, a arquitetura e o humanismo não sejam mais domínios
separados: esta é a razão de ser destes movimentos.
³Sobre o nascimento da internet, cf. CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2003.
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Dadaísmo e utopismo
O espírito da estética dadaísta pode ser entendido ao observarmos a seguinte descrição da sede do movi-
mento dadaísta, o bar Cabaré Voltaire é:
um misto de night club e de sociedade artística, projetado como um ‘centro para en-tretenimento artístico’ onde poetas e artistas jovens eram convidados a trazer suas ideias e colaborações, declamar seus poemas, pendurar seus quadros, cantar, dançar e fazer música (ADES, 2000, p. 83).
A nomenclatura Dadá nasceu no final de fevereiro de 1916, em Zurique, como uma tentativa de fornecer um
nome àquelas atividades e experimentos realizados no Cabaré Voltaire. Hugo Ball e Richard Huelsenbeck encon-
traram a original palavra, que designa em francês cavalinho de pau, num dicionário de alemão-francês. Dadá
também serviu como vocábulo para expressar, segundo Ball, aquele primeiro som emitido pelo bebê, aquele
começar do zero que também passou a designar a ideia do novo nas artes.
Surge assim, em 1917, a revista e a galeria Dadá, já com total envolvimento de Tristan Tzara, um de seus
maiores expoentes. O movimento não permaneceu apenas em Zurique, convertendo-se após a Primeira Guerra,
em uma manifestação internacional4 .
Foi justamente a guerra que acionou o descontentamento latente destes artistas e impulsionou o surgimento
do Dadá. Pois,
o Dadaísmo tem sido chamado de niilista, e seu objetivo era, na verdade, deixar claro ao público que todos os valores estabelecidos, morais ou estéticos, haviam perdido seu sig-nificado em decorrência da Primeira Guerra Mundial (JANSON e JANSON, 1996, p. 380).
A crítica contra a sordidez da guerra não foi a única proposta do Dadaísmo que significou também uma pre-
ocupação contínua com a edificação de uma nova sociedade. A criação artística passou a ser concebida neste
contexto como interdependente desta sociedade autocrática e materialista. Mostra-se como mero instrumento de
preservação desta e os artistas tão somente produtos da burguesia que refutam.
O Dadaísmo compreende a estreita relação da arte com o capitalismo e sua existência como “uma transação
comercial, literal e metaforicamente, os artistas eram mercenários em espírito”. O caráter autodestrutivo do Dadá
vem justamente de sua posição como fruto fisiológico, direto e dependente da sociedade que pretende destruir.
Por isso, sua produção quase sempre concernia a objetos de anti-arte. Dirá Picabia: “as únicas coisas realmente
feias são a arte e a anti-arte. Sempre que a arte aparece, a vida desaparece” (ADES, 2000, p. 83).
4Tinha a participação dos romenos Tzara e Marcel Janco, o alsaciano Hans Arp, os alemães Ball e Huelsenbeck, os franceses Marcel Duchamp e Francis Picabra exilados em Nova York, bem como jovens americanos unidos a estes.
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A obra de arte no sentido tradicional dará lugar ao gesto. Assim, as manifestações Dadá abarcarão manifes-
tações performáticas e mesmo uma nova concepção de objeto artístico5 . O Dadaísmo pressupunha uma profun-
da relação da arte com o utopismo, no engajamento para uma emancipação que não seja somente estética, mas
política. Nas palavras do artista dadaísta Huelsenbeck: “o dadaísta considera necessário ir contra a arte, porque
ele enxerga além da fraude da qual a arte é uma válvula de segurança moral” (HOME,1999, p. 16).
O Manifesto Dadá de 1918, elaborado por Tzara, tinha o caráter agressivo, niilista e já evidenciava uma
nova fase, com a adesão de André Breton e do grupo Littérature de Paris. Contudo, é em Berlim que o Dadá as-
sume a forma realmente política. Com Raoul Hausmann e Richard Huelsenbeck, o Dadaísmo marca sua postura,
não como “uma ideia culturalmente progressista”, mas como movimento político que conclamava “a união revo-
lucionária internacional de todos os homens e mulheres criativos e intelectuais, com base no comunismo radical
(...) e a expropriação imediata da propriedade e a alimentação de todo o povo” (ADES, 2000, p. 89).
Uma Política Surrealista
O Surrealismo surge no período entre guerras, de 1918 a 1940, como legatário dos movimentos artísticos
anteriores e resultado direto da experiência dadaísta.
O Surrealismo nasceu de um desejo de ação positiva, de começar a reconstruir a partir das ruínas do Dada. Pois, ao negar tudo, o Dadá tinha que terminar negando a si mesmo, e isso levou a um círculo vicioso que era necessário romper (ADES, 2000, p. 81).
Foi justamente André Breton, um dos principais nomes do Dadaísmo, líder do grupo Littérature e futuro fun-
dador do Surrealismo, que pôs fim ao Dadá, “com a organização de uma série de eventos desmoralizadores em
1921, com o pseudojulgamento de Maurice Barrès, o patriota e homem das letras6 “ (ADES, 2000, p. 81). E é
com a inclusão oficial do Dadaísmo na História da Arte que este movimento contestativo e irreverente recebe sua
decretação de morte.
Em 1922, Breton anunciou planos para um Congresso Internacional a fim de terminar a direção do espírito moderno ao qual compareceriam representantes de todos os movimentos modernos, incluindo o cubismo, o futurismo e o Dadá – assim ao inscrever o Dadá, por assim dizer, na história da arte, Breton matou-o efetivamente (JANSON e JANSON, 1996, p. 380).
5Uma performance Dadá que pode servir de exemplo é a invasão do artista Vaché a uma representação de Os seios Tirésias, de Apollinaire. Vaché ameaçou descarregar a arma na plateia. Outro exemplo da nova concepção de objeto de arte exposta pelo dadaísmo é a o urinol de Duchamp. Duchamp inscreveu o urinol na Exposição dos Independentes em Nova York, onde era jurado, sob o pseudônimo de R. Mutt, e quando este objeto foi recusado como arte, demitiu-se do evento.
6Um ano antes, em 1921, todavia, essa dissidência já era manifesta. O julgamento do escritor Maurice Barrès, organizado por Breton, marca uma reviravolta nas concepções dadaístas, pois “o dadaísmo, [pensa Breton] não pode contentar-se apenas em criar, é necessário agir. Agir em primeiro lugar, de uma maneira menos anárquica, mais eficaz; não mais se limitar a atacar a arte tradicional, que continuava a passar bem, mas atacar especialmente os seus líderes, denuncia-os como “traidores” da causa do espírito e do homem, julgá-los com todo o aparelho que a justiça burguesa exibe neste momento. Não se poderia escolher melhor réu que Maurice Barrès. Este escritor, dotado de talento literário indubitável e de um ideal moral que, em suas primeiras obras, não deveria desagradar os futuros surrealistas ,acabou colocando seu talento. a serviço da terra, dos mortos, da pátria, valores rejeitados com indignação pelo grupo Littérature” (NADEAU, 1985, p. 33).
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A INSPIRAÇÃO VANGUARDISTA NO CIBERATIVISMO CONTEMPORÂNEO 309
Apesar do caráter de ruptura que o Surrealismo marca, existem entre os dois movimentos importantes seme-
lhanças. A postura política do Surrealismo mantém o combate dadaísta contra a opressão imposta pelo capitalis-
mo e, em teoria, continuou combatendo também as formas tradicionais da arte. A diferença entre os movimentos
é está no anarquismo dadaísta, isento das formulações teóricas presente no Surrealismo.
Dois anos após o anúncio do Congresso Internacional de 1924, o surrealismo se funda como movimento.
Nesta mesma data é fundado o Centro de Pesquisas Surrealistas , Breton publica o Manifesto do Surrealismo e
o primeiro número da revista La Révolution Surréaliste. A “criação espontânea” do Surrealismo significou uma
ruptura com a concepção dadaísta, principalmente sua negativa em relação à produção artística. O artista reas-
sume sua posição como produtor, criador. Retoma-se aqui o desenvolvimento de novas regras estéticas e de uma
plêiade de técnicas e saberes.
O Surrealismo não fora um movimento apenas literário, como pode se supor pela leitura do Manifesto do
Surrealismo, mas almejava abarcar um projeto político que conseguisse dar conta de toda atividade humana.
Razão e inconsciente, domínios antes considerados irreconciliáveis, passam, na concepção surrealista, a ser
unidos para possibilitar o alcance da chamada “verdade absoluta”. Dirá Breton: “acredito na resolução futura
desses dois estados, aparentemente tão contraditórios que são o sonho e a realidade, numa espécie de realidade
absoluta, de surrealidade, se é que se pode dizer assim” (BRETON APUD NADEAU, 1985, p. 55).
Para esta nova forma de expressão, Breton ainda no Manifesto do Surrealismo, deu a seguinte definição:
o surrealismo repousa sobre a crença na realidade superior de certas formas de asso-ciações negligenciadas até então, na onipotência do sonho, no jogo desinteressado do pen-samento. Tende a arruinar definitivamente todos os outros mecanismos psíquicos e a substi-tui-los na solução dos principais problemas da vida (BRETON APUD NADEAU, 1985, p. 55).
O Manifesto Surrealista dedica longo trecho à imagem surrealista,
Uma justaposição fortuita de duas realidades diferentes, e é a centelha gerada por esse encontro que depende a beleza da imagem; quanto mais diferentes forem os dois termos da imagem, mais brilhante será a centelha (ADES, 2000, p. 92).
A esta concepção de imagem irão filiar-se a importantes nomes da pintura do século XX, tais como Max Ernst,
Miro, Dali, entre outros. Mais importante talvez do que a produção surrealista é a política surrealista, que passará
a ser delineada com a ruptura de Breton, Eluard e Crevel com o Partido Comunista em 1933. As críticas contra
a nova iniciativa comunista e o apoio dado a Ferdinand Alquiré, que em um artigo denunciou “o vento de creti-
nização que sopra da URSS”, são as razões oficiais da expulsão dos três dos quadros do PC.
7O Centro de Pesquisas Surrealistas nasce justamente da tentativa de possibilitar que qualquer um possa ser poeta, pois “são convidados todos aqueles que têm alguma coisa a dizer, a confessar, a criar e que, apanhados nas malhas da vida cotidianamente rotineira, não sabem como livrar-se do peso que os sufoca” (NADEAU, 1985, p. 57).
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Já em 1934, os artistas surrealistas passam a engajar-se no combate ao comunismo oficial participando ati-
vamente do Comitê de Vigilância dos Intelectuais e da publicação de diversos panfletos. A intervenção surrealista
passa a ser não apenas política, mas também artística. A arte proposta por Breton e os surrealistas mostra-se
diferente da concebida pelo comunismo oficial. Pois, “Breton se ergue contra a concepção de uma arte de pro-
paganda ou de circunstância, em proveito de uma arte que traga em si mesma sua força revolucionária, produto
de homens que sentem e pensam como revolucionários” (NADEAU, 1985, p. 149).
Na fundação de Contre-Attaque: União de Luta dos Intelectuais Revolucionários, o Surrealismo firma as ba-
ses da postura política, pois em seu programa busca combater as concepções de nação e pátria, o capitalismo
e, principalmente, promover novas táticas para os partidos operários, enfraquecidos pelas ações dos governos
fascistas. Celebram a luta “com as mesmas armas do inimigo”, pois vêem na resignação das massas a razão
maior do domínio fascista.
É justamente por encontrarem-se essencialmente fora do movimento operário e por tentarem incutir às mas-
sas seus ideais que a política surrealista fracassa. Dirá Maurice Nadeau: “seu movimento abortará exatamente
porque são intelectuais, sem raízes no proletariado, sem contato com as forças vivas da história, momentanea-
mente aniquiladas, hipnotizadas pela aproximação da guerra” (NADEAU, 1985, p. 152).
Contudo, Walter Benjamin em O Surrealismo apresenta uma análise da política surrealista. O que se preten-
de revelar nas reflexões benjaminianas sobre o Surrealismo é a ambiguidade política e artística deste movimento,
O Surrealismo como o movimento que ao mesmo tempo registrou e superou aquela “crise nas artes” que, para Benjamin, era o indício de uma crise geral da experiência; o Sur-realismo como movimento que, oscilando entre sua lealdade à revolução e sua lealdade a si mesmo (La Révolution Surréaliste), jamais conseguiu definir ao certo sua relação com a polí-tica; o Surrealismo como movimento que, a meio caminho entre a arte e a política, passou a representar o próprio movimento de transição (OSBORNE, 1997, p. 76).
Para Benjamin, “o Surrealismo lega uma contribuição fundamental, qual seja, a da expansão da ideia de
experiência política, o não encastelamento das reflexões estéticas no horizonte estreito da produção artística
e, principalmente, o enfrentamento como forma de ação contra a realidade capitalista, enfim, como meio de
revolução” (BENJAMIN, 1975, p. 93).
Esta transição que o Surrealismo vai marcar como possibilidade de uma nova consciência histórica é a porta
aberta para as novas vanguardas que marcarão a relação da arte com a política.
O Situacionismo
O Situacionismo recebeu importantes influências dos dadaístas e surrealistas e por seu turno abriu cami-
nho para uma gama controversa de movimentos artísticos8 , muitos dos quais dialogavam abertamente com as
proposições estéticas e políticas propostas por este movimento francês.
8Movimentos vanguardistas com certa projeção: Construtivismo, o COBRA, o Movimento Letrista e a Inter-nacional Letrista, Arte Nuclear e o MIBI.
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O vanguardismo artístico das primeiras décadas do longo século XX em sua sede pela demolição de paradig-
mas acabou por ser um importante pilar para a base no qual se fundaria a sociedade contemporânea, diante do
desenvolvimento de uma nova sociabilidade mediada pelas novas tecnologias da comunicação e da informação.
Filho bastardo do Surrealismo francês surge, em Alba no ano de 1956, o Movimento da Internacional Situ-
acionista. Esta nova liga artística nasce como resultado do chamado Congresso Mundial de Artistas Liberados
que naquele ano contou com a presença de muitos artistas, membros ou ex-membros das vanguardas europeias,
principalmente do MIBI, da Internacional Letrista e da Arte Nuclear.
Para Debord, são cruciais as contribuições dos movimentos de vanguarda anteriores, principalmente, o Da-
daísmo e o Surrealismo, pois o primeiro promoveu uma destruição moral da ideia de cultura, enquanto o segun-
do estabeleceu meios reais de luta contra a burguesia.
Segundo Home,
em vez de rejeitar o Surrealismo como uma degeneração da recusa dadaísta à cultura séria, Debord declara que é necessário retomar o programa surrealista original e levá-lo à sua conclusão lógica. Ele então relaciona o declínio do Surrealismo ao refluxo do movimento dos trabalhadores, dizendo que este, combinado a uma falta de renovação teórica, teria causado a decadência do movimento artístico (HOME, 1999, p. 51).
No mesmo ano, ocorre a unificação efetiva do MIBI e da Internacional Letrista à Internacional Situacionista.
A revisão da teoria marxista, realizada pelo chamado Marxismo Ocidental, em toda a Europa e em especial na
França, propiciou um ambiente intelectual ideal para que a Internacional Situacionista se firmasse como uma
organização de cunho não somente cultural, mas política.
Os nomes de Jean Baudrillard e Henri Lefebvre são recorrentes na composição teórica da Internacional Si-
tuacionista, sendo que este último sempre se manteve próximo ao movimento devido à sua profunda relação de
amizade com Debord.
Apesar disso, e mesmo com o fato de a teoria da vida cotidiana de Lefebvre ter tido importância central para
a Internacional Situacionista, a base teórica para ação política do movimento é originada do grupo Socialismo
ou Barbárie (S ou B, como ficou conhecido). Suas principais influências: o entendimento da URSS como um esta-
do capitalista burocrático e a concepção de Conselhos de Trabalhadores como forma de organização comunista.
Para uma definição de Situacionismo, é necessário saber o significado das situações propostas pela Interna-
cional. Segundo a publicação Internationale Situationiste, temos: “situação construída: momento da vida cons-
truído concreta e deliberadamente para a organização coletiva de um ambiente unitário e de um conjunto de
acontecimentos” (Revista INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 1999, s/p).
Alguns outros conceitos formados pela Internacional Situacionista também estão expressos no mesmo número
do Internationale Situationiste. Destaque aos principais:
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psicogeografia: estudo dos efeitos precisos do meio geográfico, ordenado consciente-mente ou não, ao atuar diretamente sobre o comportamento afetivo dos indivíduos; urbanis-mo unitário: teoria do emprego do conjunto das artes e técnicas que concorrem para a cons-trução integral de um meio em combinação dinâmica com experiências de comportamento;
descomposição: processo pelo qual as formas culturais tradicionais destroem-se a si mesmas com consequência da aparição de meios superiores de dominação da natureza que permitem e exigem construções culturais superiores; distingue-se uma fase ativa de de-composição, demolição efetiva das velhas superestruturas - que acaba por volta de 1930 - e uma fase de repetição que deste então prevalece, o atraso no período da decomposição a novas construções está ligado ao atraso da liquidação revolucionária do capitalismo (Revista INTERNACION AL SITUACIONISTA, 1999, s/p).
A Sociedade de Espetáculo é a mais importante obra teórica dos situacionistas. Guy Debord ali forja o concei-
to de espetáculo, central para a compreensão da moderna sociedade de consumo. Assim, “é preciso ler este livro
tendo em mente que ele foi escrito com o intuito de perturbar a sociedade espetacular” (DEBORD, 1997, p.12).
O autor acredita que com as condições de produção advindas da Modernidade, a vida começou a ser en-
carada com o acúmulo de espetáculos, como uma contínua representação. O conceito de espetáculo não é
facilmente discernível, já que “o espetáculo apresenta-se ao mesmo tempo como a própria sociedade, como uma
parte da sociedade e como instrumento de unificação” (DEBORD, 1997, p.14).
Numa sociedade de imagens, a crítica não pode ser meramente estética, mas política e econômica. Pois, “a
arte pode deixar de ser uma relação de sensações e ser uma organização direta de sensações mais elevadas:
a questão é produzirmos a nós mesmos e não coisas que nos domine”. Arte como revolução, esta é a proposta
situacionista. E somente pela supressão da desigualdade de acesso aos meios de produção será possível a cons-
trução individual da vida cotidiana, pois, “não há liberdade no emprego do tempo sem a posse dos instrumentos
modernos para construção da vida quotidiana. O uso de tais instrumentos marcará o salto de uma arte revolucio-
nária utópica para uma arte revolucionária experimental” (Revista INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 1999, s/p).
Apesar do caráter utópico de suas propostas, a teoria situacionista nega qualquer romantismo, já que:
no mundo da decomposição cultural podemos provar nossas forças, mas não empre-gá-las. A tarefa prática de superar nosso desacordo com o mundo, ou seja, de vencer a decomposição mediante construções mais elevadas, não é romântica. Seremos “revolucio-nários românticos”, no sentido de Lefebvre, na medida precisa de nosso fracasso (Revista INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 1999, s/p).
Numa sociedade marcada pela formação e pela prevalência contínua das imagens, há a perpetuação do
espetáculo em substituição a multiplicidade de elementos da vida real. É assim que o espectador vê-se alienado.
Argumenta Debord:a alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de sua própria
atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive, quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao homem que age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que os representa por ele. É por isso que o espectador não se sente em casa em lugar algum, pois o espetáculo está em toda parte (DEBORD, 1997, p.24).
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A INSPIRAÇÃO VANGUARDISTA NO CIBERATIVISMO CONTEMPORÂNEO 313
O plágio também aparece como ferramenta de criação que “se liberta dos grilhões” dos direitos autorais e
escapa ao domínio das imagens espetaculares.
No espetáculo da vida cotidiana, o détournement opera particularmente recorrendo à linguagem oficial, rearranjada para os seus propósitos, mas pode também empregar as ima-gens visuais oficiais para subverter a ordem estabelecida. É o equivalente revolucionário da recuperação, um plágio subversivo que desvia linguagem e as imagens do espetáculo a que se destinam (DOWNING, 2002, p. 99).
O Situacionismo propunha uma revolução proletária mundial alcançada por meio da valorização do lúdico,
apta a assim a romper com a organização econômica da sociedade atual e abolir a alienação.
Este legado inconteste pode ser observado nas manifestações políticas do ciberespaço, determinadas sobrema-
neira por valores e conceitos presentes nas vanguardas estéticas de mais de meio século, como veremos a seguir.
MOVIMENTOS VANGUARDISTAS, A CULTURA HACKER E O CIBERATIVISMO
O mundo da informática, e mais tarde da internet, é, se assim podemos afirmar, herdeiro direto dos progra-
mas artístico-políticos que davam as feições das vanguardas do século XX. Segundo Castells, a atmosfera dos
ambientes estudantis que eram o solo das criações computacionais nos anos 70 esteve repleta dos ares contra-
culturais dos movimentos artísticos europeus e americanos (CASTELLS, 2003, p. 35). Existe, pois, um vínculo dire-
to existente entre essas expressões culturais e o desenvolvimento tecnológico da Internet e as ações ciberativistas
que dão o tônus político à rede de computadores.
A chamada cultura da internet se, constituiu, segundo o autor como resultado de três formações culturais heterô-
nomas, mas complementares, quais sejam: cultura tecno-meritocrática (própria do universo de pesquisa e inovação
dentro das universidades e institutos), a cultura comunitária virtual (a solidariedade entre pares que fez surgir os pro-
jetos UNIX, Software Livre e, Copyleft como consequência, e o Linux9 ) e a cultura hacker (CASTELLS, 2003, p. 34).
Assim, observa-se a influência dos valores da contra-cultura no processo de fomento técnico da internet.
Para Silveira, (2006) o:
primeiro, a tecnologia da informa¬ção nasceu no âmbito do cálculo e do pro¬cessa-mento de dados. Somente depois é que o computador tornou-se uma ferramenta de comu-nicação. De um projeto militar no ce¬nário da Guerra Fria, o paradigma da com-putação em rede surgiu e foi reconfigurado inúmeras vezes por cientistas, hackers e pensa¬dores da contracultura californiana (CASTELLS, 2003). Assim surgiu a Internet real, tal como a co-nhecemos hoje. É inegável que sua expan¬são está mudando a face das comunicações no planeta. E a comunicação em rede é comple¬tamente distinta do broadcasting (SILVEIRA, 2006).
9Projetos técnicos que foram edificados por meio do sistema de colaboração e troca constantes. Tecnologias e softwares que originaram a rede de computadores que foram desenvolvidos, testados e utilizados com base no uso coletivo dos meios.
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A INSPIRAÇÃO VANGUARDISTA NO CIBERATIVISMO CONTEMPORÂNEO 314
Cultura hacker e o surgimento da internet
A cultura hacker compõe parte importante na constituição do tecido social que origina a Internet. O termo
popularizou-se como sinônimo de ações marginais no universo digital. Confundido muitas vezes com os crimes
de roubo e invasão, o movimento hacker tem uma longa trajetória no processo de desenvolvimento tecnológico
que desembocou na rede de computadores.
As noções de hackers e hacking têm sido objeto de intenso interesse entre ambos, espe-cialistas acadêmicos e público em geral, por quase duas décadas, especialmente uma vez que estes termos têm sido cooptados pelo sistema legal e pela mídia popular como sinônimos de mal-intencionados, de destrutivos, de criminosos, ou até mesmo atividades terroristas por meio de computadores (LIEVROUW, 2011, p. 98, tradução nossa).
Leah Lievrouw, contudo, afirma que muitos escritores do ativismo online também usam este termo para de-
signar uma variedade de projetos que usam as tecnologias de computação para protestos políticos e culturais e
resistência (LIEVROUW, 2011, p. 98, tradução nossa). Sobre o nascimento do movimento hacker,
No cruzamento da computação e grande academia um novo tipo de personagem: o hacker. Seu modelo de produção intelectual e processamento de informações, nascido em ambientes de grandes universidades norte-americanas, será semelhante a de um bazar em frente à catedral da empresa (...) As duas primeiras batalhas daquele então mínimo círculo terão consequências globais. A primeira, em 1969, estrelou Whitfield Diffie, um jovem ma-temático que excursionou pelos Estados Unidos à procura de pistas individuais e montando as pistas soltas da evolução (secreta) da criptografia desde a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Certamente foi o primeiro hacker da sociedade da informação. Logo chegaria mais longe do que qualquer sistema de inteligência tinha chegado: descobriu e implementou a criptografia assimétrica, a base atual de todas as comunicações seguras. Com ele a cripto-grafia deixaria o mundo de segredo (militar) e passaria ao da privacidade, sairia da fechada comunidade da inteligência e se incorporaria ao dos hackers e dos matemáticos aplicados, para o desgosto e processos intermináveis das agências governamentais dos EUA (UGARTE, 2007, s/p, tradução nossa).
O movimento hacker representa de maneira mais evidente como se constitui o conjunto de valores político-
sociais que se encontram na base da Internet. A assim chamada cultura hacker este¬ve presente no nascimento
e na expansão da comunicação baseada nas redes informacionais. Graças em parte aos seus valores, pode a
Internet evoluir de modo aberto, resistindo às muitas tentativas de apropriação privada e censura que sofreu (e
ainda sofre) ao longo dos anos.
A cultura hacker também está escre¬vendo uma das mais contundentes críticas à opa-cidade dos códigos e ao bloqueio do fluxo de conhecimento tecnológico na sociedade da informação. Dela nasceram movimentos como o do software livre e fenômenos como a maior enciclopédia do mundo, a Wikipédia (SILVEIRA, 2006, p. 80).
Fazer surgir um sistema social que interligasse homens e máquinas, baseado sobremaneira em princípios e
valores próprios, muitos dos quais compartilhados com as vanguardas artísticas, era objetivo da Internet como
projeto tecnológico na cultura hacker.
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A INSPIRAÇÃO VANGUARDISTA NO CIBERATIVISMO CONTEMPORÂNEO 315
A cultura hacker é, em essência, uma cultura de convergência entre seres e suas máquinas num processo de
interação aberta. É uma cultura de criatividade intelectual fundada na liberdade, na cooperação, na reciprocidade
e na informalidade. (CASTELLS, 2003, p. 34).
Além de influenciar o movimento hacker, como vimos, a inspiração vanguardista também pode ser obser-
vada no ciberativismo contemporâneo. É preciso destacar quais conceitos e proposições advindos das vanguar-
das e seus manifestos que migraram para os valores e preceitos dos movimentos na Internet. Antes, contudo, é
preciso apresentar o conceito de ciberativismo, em suas nuances terminológicas.
Ciberativismo e a inspiração vanguardista
Diversas são as denominações que são utilizadas na tentativa de compreender a ação sócio-política
que se desenvolve e que se articula com base nas ferramentas disponíveis na rede mundial de computadores.
Para McCaughey e Ayers, ciberativismo é toda a forma de presença de ativismo politico na Internet, resta para
compreender o fenômeno como esta forma de uso político dos meios de comunicação pode ajudar, atrapalhar
e transformar o trabalho de mudança social.
Ativistas não só incorporaram a Internet em seu repertório, mas também tiveram que mudar substancialmente o que conta como ativismo, que conta como comunidade, a identi-dade coletiva, o espaço democrático e a estratégia política. E ativistas on-line nos desafiam a pensar sobre como o ciberespaço se destina a ser utilizado (MCCAUGHEY E AYERS, 2003, p. 1-2 tradução nossa).
Rigitano apresenta também outras definições:
Entende-se por ciberativismo a utilização da Internet por movimentos politicamente moti-vados (VEGH, 2003, p.71), com o intuito de alcançar suas tradicionais metas ou lutar contra injustiças que ocorrem na própria rede (RIGITANDO APUD GURAK, LOGIE, 2003; MCCAU-GHEY,AYERS, 2003).
É preciso destacar que o ciberativismo não se restringe às ações do movimento hacker ou do chamado
hackativismo, que é um tipo específico de ação em rede visando apoiar determinada causas, ou campanhas
temáticas, mas uma forma de ação política que é marcadamente caracterizada pela construção de um código
comunicativo híbrido “que combina a noticiabilidade assimilada para os protestos e uma linguagem militante
própria dos movimentos sociais” (PRUDÊNCIO, 2006, p. 127).
As raízes históricas da ação social em rede ou mesmo as versões atuais de manifestações estéticas de cunho
crítico são objeto de algumas análises recentes (cf. Manovich, 2007 e Lievrouw, 2011). Não só o espírito trans-
gressor e anticonformista das vanguardas paira por sobre o ativismo online, mas principalmente muitas das
técnicas, estilos e estratégias encontradas no Dadaísmo, Surrealismo e Situacionismo tem sido absorvidas no
modo de ser da cultura digital de hoje, especialmente em projetos ativistas e alternativos que buscam romper a
estrutura social dominante.
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A INSPIRAÇÃO VANGUARDISTA NO CIBERATIVISMO CONTEMPORÂNEO 316
Dadá e Situacionismo não significam apenas os precursores culturais da mídia digital que utiliza fragmentação, descontinuidade, incongruência ou justaposição como estratégias comu-nicativas; podemos pensar do Cubismo, Futurismo, Surrealismo, arte conceitual, Pop art, bem como outras abordagens do século XX. No entanto, o Dada e Situacionismo [e acrescento, o Sur-realismo] são particularmente relevantes para a presente discussão por causa de seus objetivos explicitamente políticos, sua crítica de regimes dominantes econômicos e políticos e sua pronta apropriação e adaptação das tecnologias de mídia popular e seus conteúdos para enfrentar e intervir no mainstream cultural e político (LIEVROUW, 2011, p. 29-30, tradução nossa).
A partir do estudo das vanguardas artísticas realizado em oportunidade anterior (BEZERRA, 2004), podemos
detrair os legados deixados pelas manifestações estéticas do século XX às ações políticas realizadas por meio das
ferramentas comunicativas da Internet hoje. Para efeito deste trabalho, tratamos de expor os efeitos direitos desta
herança nos movimentos sociais atuais (2009-2012) que tiveram a Internet como principal meio de promoção/
agenciamento/organização.
Em trabalho recente, Castells inicia a investigação sobre os movimentos sociais que marcaram a recente
história política mundial. Em “Networks of Outrage and Hope”, o autor espanhol estabelece:
Movimentos sociais exercem contra-poder, construindo-se em primeiro lugar através de um processo de comunicação autônomo, livre do controle daqueles que detêm o poder. Isto porque a mídia de massa é em grande parte controlada por governos e empresas de mídia, na sociedade em rede a autonomia comunicativa é construída principalmente nas redes de Internet e nas plataformas de comunicação sem fio. Redes sociais digitais oferecem a possi-bilidade de deliberação em grande parte sem restrições e coordenação da ação (CASTELLS, 2012, p. 09-10, tradução nossa).
Para efeito ilustrativo e melhor compreensão destas influências, dispusemos para visualização o quadro que segue:
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A INSPIRAÇÃO VANGUARDISTA NO CIBERATIVISMO CONTEMPORÂNEO 317
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quem poderia supor que as inovações técnicas, criações exóticas, singularidade de conceitos, acidez de
proposições próprias das vanguardas artísticas do século XX teriam como corolários os movimentos de emanci-
pação política e econômica que se espalharam do Oriente Médio à Europa e Estados Unidos na segunda década
do século XXI? Uma aproximação à primeira vista impossível converte-se em uma trajetória, poderíamos dizer,
até retilínea. Já que a Internet como meio de comunicação social, como ferramenta política aparece como prin-
cipal vetor desta narrativa histórica que liga as loucuras conceituais do Dadá aos vídeos postados no You Tube
de um tunisiano se imolando em uma transmissão online em nome da liberdade política de seu país.
Este trabalho é uma tentativa de compreensão deste fenômeno, uma busca pela história social que nos
liga não somente tecnologicamente, mas politicamente, a este desejo tão antigo e tão humano de melhorar o
[nosso] mundo.
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ISSN: 2316-3992
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ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO PRÓPRIA DO SITE MER-COSULNEWS1
Palavras-chave: : Mercosul News; Internet; Ponta Porã;Site; Notícias
Resumo
Nesse artigo o objeto de estudo que vamos analisar é o site brasileiro Mercosul News de Ponta Porã/Mato
Grosso do Sul. Vamos buscar qual foi o número de notícias feitas pelo site no período entre oito de fevereiro e
doze de fevereiro de 2012. Nesse período foram analisadas dezoito notícias de publicação própria e desse total
foram separadas nove notícias porque se percebeu que uma editoria destacava-se. O período escolhido para a
análise foi quatro dias que antecederam a morte do editor do jornal Paulo Rocaro que foi assassinado.
Patrícia Miranda dos Santos2
1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigram/ Dourados/ MS
2 Estudante do 6º Semestre de Jornalismo da Unigran, e-mail: [email protected]
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Introdução
Ponta Porã localiza-se na fronteira entre o Estado deMato Grosso do Sul e a cidade paraguaia de Pedro Juan
Caballero. O site Mercosul News destaca-se pelas sua matérias nessa localidade. Nesse período citado, Paulo
Roberto Carlos Rodrigues, mais conhecido como Paulo Rocaro era o editor e, portanto o responsável pelo ma-
terial divulgado nessas datas.
Por ser uma região de fronteira as matérias do site tem também um cunho social de informação. O site in-
troduz matérias jornalísticas que trazem fatos que ocorrem do lado paraguaio também. A análise baseia-se no
material produzido pelo site.
1. Internet no Mundo
Comer (2002), explica que “o crescimento contínuo da Internet global é um dos fenômenos mais interes-
santes e excitantes em redes. Há pouco mais de vinte anos, a Internet era um projeto de pesquisa que envolvia
algumas dúzias de sites”. (COMER, 2002, p. 33)
Pinho (2003, p. 41) diz que o termo internet que é muito usado atualmente foi criado a partir da expressão
inglesa INTERactionorINTERconnectionbetweencomputerNETworks. A internet é uma rede em que milhares e
milhões de computadores estão interligados, aos quais podem comunicar-se de uma maneira ágil. Segundo o
autor há várias conexões como linhas telefônicas, transmissão de dados, satélites, microondas e cabos de fibra
óptica que fazem essa ‘ligação’.
Nicola (2003) introduz sobre o crescimento de usuários da internet que cada vez mais acessam a rede mun-
dial de computadores.
Surge, então, a possibilidade de acessar dados de diferentes pontos do planeta, e mais, da interatividade entre usuários. O número de usuários aumenta numa escala vertiginosa: as estatísticas não dão conta da exatidão dos índices em virtude da própria volatilidade da in-formação dentro do sistema, pois cerca de 300 milhões de usuários em todo o mundo estão conectados à rede. (NICOLA, 2003, p. 27)
Segundo Nicola (2003), a internet vem tomando espaço na comunicação social, o que traz a opção dele ser
na maioria das vezes o centro, “se, por um lado, se está tendo acesso a uma gama de serviços online, por outro
se está convivendo com uma nova faceta da mídia digital: a possibilidade de o usuário ser o objeto e o sujeito das
ações dentro da mídia”.(NICOLA, 2003, p.27).
“A sociedade da informação, que se confrontava com os meios de comunicação de mas-sa, agora se confronta com um meio de comunicação individualizado que rastreia seu públi-co seguindo-lhe os passos é oferecido acesso aos sites preferidos”. (NICOLA, 2003, p. 27)
1.2 Internet no Brasil
Tim Berners-Lee foi o criador da Word Wide Web, mais conhecida mundialmente por ‘WWW’. Ele deixou-nos
uma frase sobre a tecnologia: “a Web é mais uma criação social do que técnica. Eu a projetei como um
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brinquedinho. Precisamos ter certeza de que a sociedade que construímos na rede é aquela que almejamos”.
(VIEIRA, 2003, p.26).
O primeiro contato dos brasileiros com a Internet foi em 1988, através, na época a Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) com a parceria da Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia, e com
o apoio do centro de pesquisa dos Estados Unidos, Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory). O projeto
deu certo. Com isso vários órgãos queriam os direitos de usar a internet brasileira. (VIEIRA, 2003, p.8).
“O que se viu no três nos seguinte, além de um crescimento gradual na utilização da Internet no meio acadêmico e sua franca evolução nos Estados Unidos, foi uma disputa pelos direitos de acesso à rede no Brasil. Em 1994 o governo federal manifestou a intenção de investir e promover o desenvolvimento da Internet no país, numa ação conjunta entre os ministérios da Ciência e Tecnologia (MCT) e das Comunicações (MC). (VIEIRA, 2003, p. 10)
Pinho (2003) diz que o Brasil começou a interligar-se com outros países da América do Sul, Europa e Asiáticos.
Em 1990, mesmo ano em que o Brasil passou a conectar-se com a rede mundial de computadores, ao lado da Argentina, Áustria, Bélgica, do Chile, da Grécia, Índia, Irlanda, Coréia, Espanha e Suíça. (PINHO, 2003 p.3)
Em maio de 1995, houve o início da Internet comercial no Brasil. A internet nessa época era restrita ao meio
acadêmico, pelo qual era mais utilizado em pesquisas, mas com essa abertura chegou a outros setores da socie-
dade e tornando-se assim uma forma de comércio
No dia 31 de maio de 1995, o Ministério das Comunicações e o Ministério da Ciência e Tecnologia promulgaram a Portaria Interminstral 147, constituindo o Comitê Gestor da Internet no Brasil (HTTP://www.cg.org.br), com os objetivos de assegurar a qualidade e a eficiência dos serviços ofertados, a justa e livre competição entre provedores e a manutenção de padrões de conduta de usuários e provedores. (PINHO, J.B.2003, p.39)
Para Moherdaui (2007), a chegada da internet revolucionária a forma de troca de informações entre as pes-
soas o que traria uma forma de conhecimento do que estaria ao seu redor sem sair do local onde está.
A chegada desses equipamentos foi um marco importante para o desenvolvimento e in-cremento da informação – por meio da divulgação instantânea de imagens e sons- e também para a troca de informações entre computadores e acesso aos bancos de dados. (MOHER-DAUI, Luciana. 2007 p. 21)
Quando a Web começava a crescer e ganhar o Brasil, iniciou uma disputa pelos direitos de acesso à rede no
Brasil. A disputa iniciou com o Governo Federal em 1994 com o intuito de desenvolver a Internet no país, a RNP
com a infra-estrutura básica e a Embratel ou chamada Telebrás na época que queria explorar a rede de maneira
totalmente comercialA provisão de serviços de comunicação de dados nos país, naquela época, era de res-
ponsabilidade única e exclusiva da Embratel. E tudo indicava que a empresa iria abocanhar totalmente o mercado de Internet depois do lançamento de seu serviço de acesso, formando um monopólio estatal. Mas veio a eleição presidencial de 1994, que trouxe consigo uma agenda política que previa um amplo programa de privatizações, incluindo a desestatização do setor de telecomunicações. (VIEIRA, Eduardo. 2003 p. 10)
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1.3 – Internet na Fronteira do Brasil com o Paraguai
As cidades que fazem fronteira entre o Brasil e o Paraguai são onze que estão localizadas no Estado do Mato
Grosso do Sul: Bela Vista, Porto Murtinho, Ponta Porã, Paranhos, Caracol, Antônio João, Mundo Novo, Sete Que-
das, Aral Moreira, Coronel Sapucaia e Japorã.
Nessas 11 cidades foram encontrados 12 sites noticiosos, conforme listados nos busca-dores Yahoo!, Google e Bing. A saber, são eles: Caracol News, Bela Vista/MS.com, Fronteira News, Jatobá News, Ponta News, Conesul News, Notícias de Ponta, Notícias da Frontei-ra, Capitán Bado.com, Educadora 91 FM, Aral Moreira News e Mercosul News. <COSTA, 2011,Disponível em: heltoncosta.files.wordpress.com/2010/12/helton_unesp_gp_al.doc> Acessado dia 02/06/12, às 17:17)
O ano do primeiro site online registrado no Estado foi em 4 de março de 1999, com o site “ CAMPO GRAN-
DE NEWS” (SOUZA DA SILVA, Inara, disponível em: http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/monografias13c.htm).
2. Jornalismo Online
Para Nicola (2003) a definição de jornalismo online é um meio de comunicação muito recente em relação aos
outros meios de comunicação e é preciso entender os outros meios que vieram anteriormente para compreendê-lo.
O jornalismo on-line apresenta uma história evolutiva mais recente, se comparada à da produção jornalística de seus ancestrais midiáticos, como o impresso, o radio e a TV, entre outros. (NICOLA, 2003, p.21)
Outra definição encontrada seria que o jornalismo online é um lugar na internet ao qual são colocadas in-
formações.
Jornalismo Online (JOL) pode ser definido como a coleta e distribuição de informações por redes de computadores como internet ou por meios digitais. Os holandeses Bardoel e Deuze usam um nome específico e adequado para esta produção: network journalism, o jornalismo em rede. <http://meiradarocha.jor.br/news/2000/12/31/entendendo-o-jornalis-mo-online/>. Acessado em 02/06/12 às 17h45.
O site “Jornalistas da Web” contém um tópico sobre como um jornalista deve portar-se diante da web e de
que forma os conhecimentos que esse profissional deve ter.
Os primeiros jornais disponibilizados para internet foram o The Nando Times em 1994 e o The San Jose Mer-
cury Center em 1995 (www.mercurycenter.com). Já no Brasil a Folha On-Line foi um dos primeiros jornais on-line
brasileiros a inovar a cobertura do noticiário da Web. (MOHERDAUI, 2007, p. 27),
O jornalista e professor de jornalismo online José Antonio Meira Rocha de Porto Alegre (RS) selecionou algu-
mas habilidades que o novo profissional de comunicação deve ter e saber na profissão.
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ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO PRÓPRIA DO SITE MERCOSULNEWS 323
1.Ler muito, inclusive em inglês.2. Escrever bastante.3. Pesquisar na internet e relacionar as informações encontradas.4. Operar planilhas e editores de texto.5. Operar programas de email e messengers.6. Participar de diversos fóruns e listas de discussão.7. Fotografar, manipular as fotos em programas específicos, distribuir as fotos em fotologs.8. Fazer e editar vídeos em celular ou câmeras domésticas, publicar e embutir estes ví-
deos em páginas Web.9. Gravar entrevistas com seu MP3 player ou celular.10. Editar áudio digital e fazer podcast.<MANSUR, Bia; 2008 disponível em http://www.
jornalistasdaweb.com.br/index.php?pag=displayConteudo&idConteudo=2797> Acessado dia 03/06/12, às 18:20)
O profissional ainda deve contratar e instalar serviços de hospedagem da internet como blogs e fóruns; ter um sis-
tema que gerencie o conteúdo, te um conhecimento de HTML para faze por exemplo links; ter e gerenciar uma lista de
feeds RSS; resolver problemas no computador e o essencial sempre estar conectado às novas tendências do mercado.
3. Características do Jornalismo Online
O jornalismo com outras ciências têm definições e no online não é diferente. Andrade (2007) traz uma clas-
sificação que afirma que o jornalismo on-line tem vinte e um anos e nesse período pode ter havido mudanças
pela questão da forma de como o jornalismo online pode ser feito.
O jornalismo on-line se encontra em constante evolução, não existindo ainda padrões ou formatos estabelecidos que possam determinar todas as suas características com precisão. No entanto, a partir das experimentações que vêm sendo realizadas, desde a década de 1990, é possível elencar uma série de características, em maior ou menor escala, exploradas pelos jornais on-line. Dentre elas estão a interatividade, customização de conteúdo, hipertex-tualidade e multimidialidade. (ANDRADE, 2007 p.17)
Rocha (2000) introduz ainda mais duas características do jornalismo online. A Instantaneidade e a Perenidade
(memória, capacidade de armazenamento de informação).
Instantaneidade:O grau de instantaneidade – a capacidade de transmitir instantanea-mente um fato. É muito rápido, fácil e barato inserir ou modificar notícias em formato binário.*
Perenidade:Também conhecido como arquivamento ou memória. O material jornalís-tico produzido online pode ser guardado indefinidamente. O custo de armazenamento de informação binária é barato. É possível guardar-se grande quantidade de informação em pouco espaço. <http://meiradarocha.jor.br/news/2000/12/31/entendendo-o-jornalismo-online/> Acessado 02/06/12, Às 15h39).
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ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO PRÓPRIA DO SITE MERCOSULNEWS 324
4. Resultado das análises
No site Mercosul News foram analisadas notícias entre o dia oito de fevereiro e doze de fevereiro de 2012.
Os dias escolhidos foram os anteriores à morte do Editor-Chefe do site, Paulo Rocaro. Na tabela a seguir é pos-
sível ver a quantidade de notícias pesquisadas
Dia Notícias Total
08/02 70
09/02 58
10/02 54
1102 26
12/02 24 232
O objeto de pesquisa é quantas dessas notícias foram feitas pelo site Mercosul Newse quantas foram inseridas
através do‘Ctrl+C e Ctrl+V’ que significa a possibilidade de copiar um conteúdo e colocá-lo em outra platafor-
ma, que na internet a praticidade de obter um conteúdo e disponibilizá-lo em outro lugar é bem maior.
As notícias subentendidas como produção do site foram classificadas como Redação, Paulo Rocaro e JP
(Jornal da Praça). Ambas foram classificadas dessa forma porque o editor Paulo Rocaro também trabalhava com
editor-chefe em um dos jornais impressos mais antigos de Ponta Porã. A seguir as notícias que foram as principais
analisadas com fonte própria com data, título, editoria, data de publicação e fonte.
12/02/12 Nada podemos contra a verdade, senão a própria verdade
CAPA
Domingo, 12 de Fevereiro de 2012, 07:30
Redação
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 319-327, nov 2012
ESTUDO SOBRE A PRODUÇÃO PRÓPRIA DO SITE MERCOSULNEWS 325
No período analisado entre 08/02 e 12/02, o site postou 232 notícias e dessas 18 foram de produção
própria, o que corresponde a 7,75%. Das 18 notícias, nove destacam-se pela editoria ‘Policial’. O que se
notou é que o site Mercosul News há muitas notícias de vários sites do Brasil e do mundo.
Traz notícias principalmente do próprio Estado que é o Mato Grosso do Sul e nessa contextualização os
principais sites em que o Mercosul News obteve notícias foram: MIDIAMAX (www.midiamax.com.br/), DOURA-
DOS NEWS (www.douradosnews.com.br/), DOURADOS INFORMA (www.douradosinforma.com.br), CAMPO
GRANDE NEWS (www.campograndenews.com.br/) e CORREIO DO ESTADO (www.correiodoestado.com.br/).
Foram 25 diferentes fontes de notícias no site nesse período. O site também apresentou as seguintes editorias:
INTERNACIONAL, MUNICÍPIO, ECONOMIA, , EDUCAÇÃO, SAÚDE, NACIONAL, POLITÍCA, PERSONALIDA-
DES, CONCURSOS, MEIO AMBIENTE, CAPA, EVENTOS, POLICIAL, ESPORTE, FRONTEIRA, RURAL, TECNO-
LOGIA E OPINIÃO.
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Dessas 18 editorias as que mais se destacaram foi: Nacional com 62 notícias, Policial com 32 e Município
com 27 notícias.
Copiar notícias de outros lugares é totalmente normal se analisarmos qualquer site, desde que quem copiou
tenha a consciência de dar todos os créditos a quem fez o material. A questão em si é que a partir do momento
que o indivíduo retira a matéria jornalística de um site e coloca como se fosse do seu próprio site. No site pes-
quisado houve cópias de matérias, mas com responsabilidade de haver a fonte verdadeira.
É considerado no meio jornalístico uma falta de ética porque um jornalista que fez aquela notícia levou um
tempo para a elaboração daquilo e nem ao menos ser reconhecido pelos ‘colegas jornalistas’ é um descaso que
deveria haver uma punição. Então utilizar dessa ferramenta, conhecida pelo atalho do teclado dos computadores
‘Ctrl + C e Ctrl + V’ é uma atitude deve ser pensada com cuidado, pois ela pode trazer alguns problemas como
ser um site conhecido com cópia de outros sites e não ter capacidade de fazer próprias notícias.
Está no Código de Ética dos Jornalistas que é um dever do Jornalista respeitar outro profissional do jornalismo.
Art. 6º É dever do jornalista:IX - respeitar o direito autoral e intelectual do jornalista em todas as suas formas;<http://
www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf>A-cessado 09/10/12, às 20h56)
Saad (2003) dá algumas dicas de estratégias de como o jornalista poderia administrar os conteúdos das
notícias jornalísticas.
•Aproduçãodeconteúdosuniformequelimitasuautilizaçãoparadiferentesdemandasdo consumidor;
•Oformatofísicodedistribuiçãodainformaçãoquelimitaautomaçãoeaindividualiza-ção;
•Aperiodicidadepredefinidaquelimitaaagregaçãodenovosconteúdosconformeasua concorrência;
•Apredefiniçãodovolumedeinformação,oumaisadequadamente,asuapré-seleção(ou filtro editorial no jargão jornalístico) que limita o senso de escolha do consumidor. (SAAD, Beth; 2003, p. 115-116 )
A questão do problema de copiar deve ser analisada com cautela porque tem o direito de tomar o lugar de
direito de alguém que realizou o trabalho, isso é deslealdade e na profissão tanto de jornalista tanto em outras
esse fator deve ser levado em consideração nessa hora.
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ISSN: 2316-3992
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A dependência do jornalismo on-line de Dourados por releases de Instituições de Ensino Público
Palavras-chave: : Assessoria, Instituições de Ensino Público, release, Dourados Informa
Resumo
Este trabalho tem o intuito de analisar de maneira quantitativa o conteúdo disponibilizado no site Dourados
Informa da cidade de Dourados – Mato Grosso do Sul, oriundo de assessorias de Instituições de Ensino Públicas.
O conteúdo do site será analisado durante todo o mês de abril. Designadamente esse trabalho tem o objetivo de
contabilizar a quantidade de matérias veiculadas no site que não são de produção da redação do próprio veículo
de comunicação. Em principio o motivo principal do acompanhamento do conteúdo jornalístico do site teve o
objetivo de fundamentar a dependência do mesmo por releases de assessorias, especificamente de Instituições
de Ensino Público, visto que a quantidade de releases provenientes dessas assessorias é maior do que o material
produzido pela própria redação do Dourados Informa.
Jessica Beatriz da Silva¹
1 Jessica Beatriz da Silva é Acadêmica do 5° Semestre de Comunicação Social/Jornalismo pelo Centro Universitário da Grande Dourados – Unigran, e-mail [email protected].
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Introdução
Este trabalho analisa a prática do jornalismo do jornalismo on-line em Dourados, especificamente do Jornal
On-line, Dourados Informa. A proposta foi analisar esse site de notícias no decorrer de um mês e quantificar o
total de material produzido e outros tantos que são publicados na íntegra, provenientes de Assessorias de Insti-
tuições de Ensino Público. A dependência dessa fonte torna-se rotineira, uma vez que a quantidade de conteúdo
produzido é mínima.
O conteúdo jornalístico enviado pelas assessorias são veiculados em grande proporção, comparado a pro-
duções próprias do site Dourados Informa. A questão é o porquê disso, sendo que há Instituições de Ensino
Público no mesmo município, o que teoricamente possibilitaria a produção de material próprio pelo site. Ainda
mais em um mundo tecnológico, que de certa forma possibilita a apuração de conteúdo sem precisar sair da
redação. Telefone, e-mail são bons artifícios para quem sabe utilizá-los a seu favor.
1. Breve histórico do Jornalismo On-line em âmbito nacional, regional e municipal
No Brasil, o Jornal do Brasil foi o primeiro a fazer uma cobertura completa no espaço virtual, também em
1995. A versão impressa do jornal foi disponibilizada integralmente na rede em 28 de maio, seguido pelo Zero
Hora, do grupo RBS, em junho do mesmo ano. (MÜLLER, 2006, p.05).
Em Dourados – Mato Grosso do Sul o jornalismo on-line existe há doze anos. Na região de Dourados, essa
prática só chegou entre 2000 e 2004 e continua se expandindo, com sites criados até em 2011. No interior
do Mato Grosso do Sul, o Dourados News, foi o primeiro a ser fundado nos moldes dos grandes portais que já
existiam no país. (COSTA, 2007, p.24).
Os sites com conteúdos locais - sejam de jornais, portais, guias urbanos e demais ser-viços - são uma tendência crescente na Internet e atuam também no sentido de despertar o interesse da comunidade para o uso da Rede, criando vínculos de pertencimento pela proxi-midade, pois é ela que pode criar “solidariedade, laços culturais e desse modo identidade”. (SANTOS, 1996, p: 255)
“Os internautas se conectam muito mais para saber o que se passa no seu bairro, na sua cidade, do que no resto do mundo (...) Enquanto as tecnologias de comunicação precedentes valorizavam a informação global, o webjornalismo privilegia o local”. (ADGHIRNI, 2001, p: 9)
O site Dourados Informa foi fundado em 2005 pelo ex-vereador Nelso Gabiatti, em parceria com o jornalista
Cesar Cordeiro, hoje colunista do progresso. No início haviam cinco pessoas envolvidas na produção de con-
teúdo informativo, incluindo o jornalistas Luis Carlos Luciano, mais conhecido como Cido Costa e Lílian Rech.
(GABIATTI, 2012, Redação Dourados Informa)
No início o jornal tinha uma viatura própria, mas com o passar do tempo, Gabiatti demonstrou que montou
o jornal apenas por hobby e que não tinha muito interesse em investir no site. Por isso desde que foi lançado a
estrutura do site foi mudada apenas uma vez, estando completamente desatualizada para os tempos de hoje.
(GABIATTI, 2012, Redação Dourados Informa)
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O jornalista Gracindo Ramos, o repórter policial Bronka e o próprio Gabiatti formam a equipe de redação
do site. Dentre eles apenas Gracindo Ramos é graduado em Comunicação Social/Jornalismo, os demais não
possuem formação na área. (GABIATTI, 2012, Redação Dourados Informa)
2. Notícia e seus critérios de noticiabilidade
O que seria notícia? O fato de passar ao próximo a informação sobre um fato de modo objetivo e que o faça
entender? Essa talvez seja a maneira mais fácil do jornalista explicar a função da sua profissão. Pois é, essa é uma
das perguntas mais frequentes no campo do jornalismo é – “por que as notícias são o que são? – a resposta não
é simples e pode diferir, inclusive, de acordo com as várias teorias do jornalismo”. (TRAQUINA, 2002: 171-172)
Dissemos que a notícia carrega a potencialidade de uma narrativa. À notícia cabe a função essencial de assinalar os acontecimentos, ou seja, tornar público um fato (que implica em algum gênero de ação), através de uma informação (onde se relata a ação em termos compreensíveis). (SODRÉ, 1986, p.17)
A moderna investigação em comunicação procura mostrar como uma informação se torna notícia, os me-
canismos usados para que chegue à mídia jornalística e as formas de sua seleção, o que denota preferência por
um e não por outro assunto (BERGER, 2002, p.137). Wolf diz que os valores – notícia de seleção referem-se aos
critérios que os jornalistas utilizam na seleção dos acontecimentos, isto é, na decisão de escolher um aconteci-
mento como candidato à sua transformação em notícia e esquecer outro acontecimento. Agindo dessa maneira o
jornalista se torna um gatekeeper. (WOLF, 1995, p.170)
De acordo com Wolf (1995), a teoria do ‘’gatekeeper’’ é usada para designar o fato de que as matérias são
repassadas a um indivíduo que tem como função selecionar o que é cabível para veicular para a sociedade, ou
seja, se a informação é de interesse público. Nos dias de hoje os editores de jornais podem ser vistos como ‘’ga-
tekeepers’’, pois antes das matérias serem veiculadas passam pelo mesmo para ver se são aprovadas ou não.
(WOLF, 1995, http://pt.scribd.com/doc/6883835/TEORIAS-DA-COMUNICACAO)
Para os conteúdos serem veiculados, eles necessitam passar por um filtro, esse que filtra os assuntos que
abrangem aspectos culturais e a sociedade dentre outras coisas. Porém, a uma crítica sobre esse teoria é que o
psicológico é do ‘’gatekeeper’’ é o principal responsável pela seleção de conteúdos, ou seja, é questionável se
a escolha que esse profissional faz realmente foi realizada de acordo com o que é melhor para a sociedade ou
somente levou em conta sua própria opinião. (WOLF, 1995, http://pt.scribd.com/doc/6883835/TEORIAS-DA-
COMUNICACAO)
De acordo com White (1993, p.145), “a comunicação de notícias é extremamente subjetiva e desprovida de
juízos de valor baseados na experiência, atitudes e expectativas”. Já o Wolf (1995, p.163), ), o processo de sele-
ção não é individual, mas sim a junção de opiniões de demais indivíduos, “As referências implícitas no grupo de
colegas e ao sistema de fontes predominam sobre as referências implícitas ao próprio grupo”.
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A noção de Interesse – ou seja, o que é considerado de interesse público – é crucial para o produtor da notícia. No manejo desta noção realiza-se o poder da arbitragem do jornalista. Pesquisas realizadas por agências noticiosas já demonstraram o profundo desacordo entre editores e leitores quanto aos assuntos de real interesse. Mas a ficção do “leitor- médio” (en-gendrada pelo arbítrio jornalístico), entidade tão abstrata quanto uma personagem romanesca, garante a continuidade da produção noticiosa. (SODRÉ, 1996, p.140)
Pode se dizer que a notícia é todo fato que se faz relevante para o crescimento da sociedade, de modo que
para isso devem ser levados em conta vários aspectos do contexto social do público leitor. Isso é feito quando se
analisa os acontecimentos que podem ser considerados suficientemente interessantes, significativos e relevantes
para se tornar notícia, conhecido como Critérios de Noticiabilidade. “A noticiabilidade é constituída por um con-
junto de elementos através dos quais o órgão informativo controla e gere a quantidade e o tipo de acontecimen-
tos, dentre os quais há que selecionar a notícia”. (WOLF, 1995, p.175)
Para Wolf (1995), os valores-notícia são complementares, ou seja, vários fatores juntos contribuem para a
publicação de um determinado acontecimento. “Cada notícia requer uma avaliação – embora automática e
inconsciente – da disponibilidade e credibilidade das fontes, da importância ou interesse do acontecimento e da
avaliação dos critérios relativos ao produto, ao meio de comunicação e ao formato”, (WOLF, 1995, p.194). Esses
valores podem ser designados como os critérios de noticiabilidade.
Os critérios substantivos da notícia articulam-se, essencialmente, em dois fatores: im-portância e interesse. Ambos trazem no seu interior a relevância da proximidade. O fator importância é composto por quatro variáveis: 1) Grau e nível hierárquico dos indivíduos envolvidos no acontecimento noticiável; 2) Impacto sobre a nação e sobre o interesse nacio-nal; 3) Quantidade de pessoas que o acontecimento (de fato ou potencialmente) envolve; 4) Relevância e significatividade do acontecimento quanto a evolução de uma determinada situação. Já o interesse “está estreitamente ligado às imagens que os jornalistas tem do pú-blico e também ao valor notícia” (WOLF: 1995, p.184)
O critério de noticiabilidade mais notado durante a análise do site Dourados Informa foi o de proximidade,
uma vez que as notícias avaliadas são as da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e da Universi-
dade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), que ficam localizadas no mesmo município que o site. Por serem
universidades do governo, elas tem grande visibilidade tanto em âmbito regional quanto nacional, desse modo
seus feitos são considerados importantes pelo como fonte de informações para o site Dourados Informa, aten-
dendo a outro critério de noticiabilidade.
É de consenso entre todos os editores a utilização do critério de proximidade, ou loca-lismo como especificamente se referem. Os editores orientam-se, invariavelmente, a partir do local para publicação de notícias. Para além da consonância da distribuição do jornal, a proximidade é buscada em todos os aspectos da notícia, conexões ao local – sejam culturais ou geográficas. (BUSS, 2010, p.95)
Para Renato Ortiz (1999, p.59 – 60) três aspectos caracterizam local: proximidade do lugar (em contraste
com o distante); a familiaridade (associado a questão das identidades e das raízes históricas e culturais) e a di-
versidade (é plural, se opõe ao global ou ao nacional apenas como abstração.
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3. Assessoria de Imprensa x Redação
Em artigo publicado no site Observatório da Imprensa em 28 de maio de 2008, Osmar Monteiro Mendes
afirma que a Assessoria de Imprensa no Brasil surgiu em 1909, quando o presidente Nilo Peçanha criou a Secção
de Publicações e Biblioteca do Ministério da Agricultura, tendo como uma das principais finalidades distribuir in-
formações à imprensa sobre o setor, a partir de notícias e notas. Essa foi a primeira iniciativa com características
assemelhadas à “assessoria de imprensa” no Brasil. (MENDES, 2008, http://jornalistaritamotta.blogspot.com.br/)
A atividade da assessoria de imprensa tomou corpo com a difusão da ideia de que o diá-logo permanente com o público era parte fundamental de um produto, serviço, estratégia de inserção ou mesmo manutenção no mercado – caminho que foi percorrido lentamente no País, tomando forma principalmente com a abertura política, nos anos 80, e mais consistentemente na década de 90, com o contato das empresas com novos mercados. (CHINEM, 2003)
O objetivo do assessor não é manipular as mídias, mas fazer que seu assessorado seja a primeira fonte a ser
buscada pelos jornalistas. Porém, não são todos que pensam assim, ao invés de ver seu serviço como auxílio para
uma redação, vê nisso uma certeza que ver seu assessorado na mídia.
Por incrível que pareça, em pleno século XXI, ainda há assessor de imprensa pensando que seu papel é controlar a informação e decidir o que os repórteres devem ou não ficar sa-bendo e a forma como esse fluxo de informação vai se dar. Nunca aprenderam que assessor também se escreve com c, no sentido de dar acesso. (LARA, 2003, p.17)
Uma vez que o papel da assessoria é fomentar na mídia a necessidade pelo seu assessorado, cabe à mesma
selecionar os fatos que são relevantes para a sociedade. De acordo com (LARA, 2003, p.121), “a assessoria de
comunicação nunca vai ser capaz de identificar todas as possibilidades de notícias produzidas na instituição, mas
deve estar atenta no sentido de estimular (e até exigir) essa produção de informação nos diversos setores”.
Entretanto, cabe ao jornalista da redação selecionar os fatos que são noticiáveis a população, de acordo com
os critérios de noticiabilidade e assim produzir material para seu público. Com a enorme variedade de tecnolo-
gias disponíveis, ficou mais simples a apuração dessas informações para o jornalista. “A distância deixou de ser
um obstáculo e já é possível um sistema universal de comunicação que ligue cada ponto do planeta a todos os
outros, sob a condição de que haja uma vontade coletiva nesse sentido”. (UNESCO, 1980, p.17)
Souza (2006) descreve, “o jornalismo on-line possibilitou a segmentação das informações e o uso das novas
ferramentas que a Internet oferece facilitou ao jornalista praticar sua profissão com o uso de ferramentas que
possibilitam aprofundar os assuntos e contextualizá-los”. (SOUZA, 2006, p.1-2).
Originalmente, “o release, principal ferramenta de uma assessoria de imprensa, tem como objetivo funcionar
como uma sugestão, um ponto de partida para o trabalho do jornalista”. (CHINEM, 2003, p. 56).
De acordo com Chinem (2003), alguns assessores encaminham os textos para as redações com a intenção
que os jornalistas busquem aprofundar o material que lhe foi fornecido. Entretanto, muitos utilizam esses textos
como material definitivo, publicando-os na íntegra.
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Isso pode estar associado à decorrência da pequena quantidade de pessoas na redação do jornal. Porém,
hoje com elevada quantidade de tecnologias que é proporcionada para os profissionais de comunicação faz com
que as redações priorizem por profissionais multimídia.
A respeito do ritmo acelerado imposto pelas empresas de comunicação aos profissionais, Moretzsohn (2002,
p. 12) afirma que as próprias condições de trabalhos “ficam subordinadas a essa ‘lógica de velocidade’, apre-
sentada como um dado da realidade, como se fosse dotada de uma dinâmica própria, e não como um resultado
da rotina industrial”.
Porém, Pierre Bourdieu discorda da relevância do tempo em prol de publicar material de assessoria na ín-
tegra, “na falta de tempo, e, sobretudo de interesse e informação, os jornalistas não podem trabalhar em tornar
os acontecimentos realmente inteligíveis, colocando-os no sistema de relação em que estão inseridos”. (BOUER-
DIEU, 1997, p.37)
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Resultado das análises
A análise do site Dourados Informa foi realizada de modo quantitativo, sendo que no decorrer de um mês
foram analisadas 901 notícias no total. De acordo com os dados levantados durante a pesquisa, foi possível
notar que 3,31% das matérias são releases de Assessoria de Instituições de Ensino Público. Esse resultado pode
ser considerado pequeno ao ser comparado com a quantidade de notícias veiculadas pelo site, porém, se for
avaliada de uma maneira geral, a redação do jornal On-line está produzindo uma quantidade baixa de maté-
rias. De 3,31% de releases da UFGD e da UEMS, 3,09% foram veiculados na íntegra, ou seja, apenas 0,22% foi
produção da redação do Dourados Informa. Outros 1,44% são releases de outros órgãos de imprensa que citam
as duas universidades e que também foram publicados sem apuração. Ou seja, o total de matérias relacionadas
a UFGD e a UEMS é equivalente a 4,75% comparado a 0,22% de produção do site.
O objetivo dessa pesquisa não é propor que o site deixe de se pautar em assuntos ligados as universidades,
pelo contrário, muito do que acontece no âmbito acadêmico é de interesse externo, até mesmo por ser uma
instituição federal. O problema é que de acordo com a análise realizada, quem está produzindo conteúdo para
o site é o assessor e não o jornalista da redação, como deveria ser.
Nos gráficos abaixo é possível visualizar a quantidade de matérias veiculadas pelo site no decorrer de um
mês e quantas são oriundas das Assessorias de Instituições de Ensino Público e demais assessorias. Assim como
comparar a publicação de releases a quantidade de produção da redação do Dourados Informa.
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CIBERJORNALISMO COMO ARQUIVO ON-LINE DA MEMÓRIA1
Palavras-chave: : Esportes, Jornalismo Online, Campeonato Sul-Mato-Grossense, Teorias da Comunicação
Resumo
Este trabalho tem como objetivo apresentar algumas reflexões sobre como o ciberjornalismo pode ser uma
ferramenta de compilação de informações para a sociedade de modo a ser utilizado como instrumento de pes-
quisa tanto para jornalistas, quanto para pesquisadores de outras áreas que queiram se inteirar sobre momentos
específicos da história da social, a chamada história do presente, contada fragmentada por meio de notícias
jornalísticas. Ao final espera-se traçar um panorama para o setor nos próximos anos.
Helton Costa2
1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012, Unigram/ Dourados/ MS
2 Professor de Ciberjornalismo da Unigran, Mestre em Comunicação Midiática pela Unesp, email: [email protected]
COSTA, Helton 337
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Introdução
Com a crescente oferta de produtos jornalísticos voltados à comunicação na Internet, se faz necessário estu-
dar os processos que se envolvem no campo, que comparado aos demais meios de informação é relativamente
novo no Brasil, já que as primeiras experiências têm pouco mais de 23 anos e que desde 1995, quando a primei-
ra página do Jornal do Brasil foi ao ar, a área do ciberjornalismo só tem crescido em todo o país. O “Registro.
br” que comercializa os domínios de sites do país divulga que somente domínios “.com.br” somavam 2.752.592
até 15 de agosto de 2012. (Disponível em http://registro.br/estatisticas.html)
Nesse contexto estão também inseridos os webjornais, tantos aqueles transmediados da versão impressa,
quanto aqueles feitos especificamente para atender o público da Internet.
Portanto, estudar o papel do ciberjornalismo enquanto ferramenta para armazenamento da memória social
é também fazer com que se reconheçam suas especificidades e sua utilidade para retratar e arquivar a história
presente, ainda que fragmentada, segundo conceitos de notícia de Traquina (2008) ou Sousa (2004), onde a
notícia representa pedaços, por assim dizer, de um todo que é a realidade.
Antes, porém, é preciso fazer um breve histórico sobre a o ciberjornalismo e também apresentar algumas de
suas características.
1. Jornalismo on-line: função e características
O jornalismo on-line estaria agora passando por uma terceira fase de evolução conforme explica Palacios
(2003). A primeira fase teria sido o da reprodução de partes dos grandes jornais impressos na Internet. Na segun-
da fase o modelo tradicional ainda foi mantido, mas com alguns implementos específicos do Jornalismo On-line,
como ferramentas interativas “e-mail, para comunicação entre jornalista e leitor; fóruns de debates; surgem as
seções como últimas Notícias” (MACHADO, 2003, p.49)
Agora estaria em processo a terceira fase que Palacios (2006) define como “new journalism on-line”, onde
os sites “ultrapassam a idéia de uma versão para a web de um veículo já existente e empresas jornalísticas são
criadas não mais em decorrência de uma tradição do jornalismo impresso” (TORQUATO, 2006, p.33)
Nessa terceira fase citada, há uma sistematização de atributos que são debatidos e organizados como ca-
racterísticas que definem o ciberjornalismo. São apontadas como características a interatividade, o hipertexto,
a localidade, a personalização, a instantaneidade e a apetência pela profundidade através da navegabilidade.
(Torquato, 2006, p. 45).
Machado e Palacios (2003) concentram as seis características citadas em cinco: multimidialidade/convergên-
cia, interatividade, hipertextualidade, personalização e memória. (MACHADO & PALACIOS, 2003, p.02). Nessa
pesquisa o conceito utilizado para definir as características do ciberjornalismo será este último, de Machado e
Palacios (2003). Porém, essas seis características ainda estão dentro da terceira geração do jornalismo.
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A caracterização desse estágio pressupõe base tecnológica ampliada, acesso expandido por meio de conexões banda larga, proliferação de plataformas móveis, redação descentra-lizada e adoção de sistemas que permitam a participação do usuário, produtos criados ori-ginalmente para veiculação no ciberespaço, conteúdos dinâmicos formatados em narrativas multimídia, experimentação de novos elementos conceituais para organização da informa-ção, assim como de novos gêneros. (Barbosa, 2002, p.129)
2. Jornalismo como parte do processo histórico
A característica que nos interessa das seis já elencadas é a memória, que diz respeito ao processo de publica-
ção e posterior arquivamento da informação no banco de dados do ciberjornal. O meio mais simples de acessar
esses bancos de dados é através da ferramenta de buscas dos próprios veículos de comunicação ou de outros
mecanismos, como o Google, o Bing ou a Wikipédia, por exemplo.
A memória construída pelos veículos de comunicação on-line seriam mais baratas e de acesso mais facilitado
do que manter uma biblioteca, conforme explica Palacios (2006).
“A acumulação de informações é mais viável técnica e economicamente na Web do que em outras mídias. Acresce-se o fato de que na Web a Memória torna-se Coletiva, através do processo de hiperligação entre os diversos nós que a compõem. Desta maneira, o volume de informação anteriormente produzida e diretamente disponível ao Usuário e ao Produtor da notícia cresce exponencialmente no Jornalismo Online, o que produz efeitos quanto à produ-ção e recepção da informação jornalística, como veremos adiante”. (Palacios, 2006, p.04)
Ele completa dando ainda outras vantagens da memória virtual para a sociedade que o Jornalismo on-line
pode trazer.
A Memória no Jornalismo na Web pode ser recuperada tanto pelo Produtor da informa-ção, quanto pelo Usuário, através de arquivos online providos com motores de busca (search engines) que permitem múltiplos cruzamentos de palavras-chaves e datas (indexação). Além disso, “como resultado da proliferação das redes, cada uma das publicações digitais pode extender suas atividades para utilizar as capacidades de memória de todo o sistema” (Pala-cios, 2006, p.8-9)
Dessa maneira, o ciberjornalismo presta um serviço que não pode ser desconsiderado por pesquisadores. O
que os pesquisadores devem ter em mente ao estudar determinados assuntos nos veículos de comunicação, é a
fragmentação da qual fala Sousa (2005), onde uma notícia não é o reflexo da realidade, senão representação
de parte dela.
A notícia não espelha a realidade porque as limitações dos seres humanos e as insufici-ências da linguagem o impedem. Por isso, a notícia contenta-se em representar parcelas da realidade, independentemente da vontade do jornalista, da sua intenção de verdade e de factualidade. Essa representação é, antes de mais, indiciática. A notícia indicia os aspectos da realidade que refere. Ao mesmo tempo, a notícia indicia as circunstâncias da sua produ-ção. (SOUSA, 2005, p.05).
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1.2 Da noticiabilidade dos fatos
Porém, não são todos os fatos que são noticiados pelos jornalistas. Logo, fica reforçada a ideia de que o
ciberjornalismo é a representação apenas de parte da realidade e não do todo, uma vez que a noticiabilidade
dos fatos envolve fatores que vão desde a estrutura dos jornais até o grau de capacitação dos profissionais do
jornalismo, para que cheguem ao ponto do que Aguiar (2006) chama de “existência pública na formação discur-
siva denominada notícia” (AGUIAR, 2006, p.05).
Na descrição de Traquina (2008), os critérios de noticiabilidade são valores notícias que os membros da tribo
jornalística partilham. São “conjuntos de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento
jornalístico, isto é, possuir um valor como notícia”. (TRAQUINA, 2008, p.63).
A existência desses critérios de noticiabilidade remonta ao processo de constituição do jornalismo enquanto
prática social na difusão de notícias de forma ampla na Europa do século XVII, quando as folhas volantes traziam
os fatos noticiáveis, um embrião dos critérios de noticiabilidade que, de certa maneira, estavam guiadas para
um mercado que começava a ganhar espaço numa sociedade ainda não industrializada. “(...) As notícias eram,
sobretudo avisos moralistas ou interpretações religiosas” (TRAQUINA, 2008, p.64).
As pautas incluíam o bizarro, o heróico, os assassinatos, a morte e “os atos e as palavras de pessoas im-
portantes, as crônicas e as proezas de personalidades da ‘elite’, como, por exemplo, o Rei e/ou a Rainha, eram
notícia”. (TRAQUINA, 2008, p.65).
Essa concepção de produção jornalística ainda teria espaço por um bom tempo como critério do que era
noticiável ou não. Nas décadas de 1930 e 1940 do século XIX ganharam destaque as notícias locais, as histórias
de interesse humano e as reportagens sensacionalistas de fatos surpreendentes. (TRAQUINA, 2008, p.67)
Estudo de Gans (1979), na década de 70, mostrou que entre 70% e 85% das notícias sobre assuntos nacio-
nais nos EUA eram sobre pessoas conhecidas (presidentes, políticos, celebridades). As pessoas não conhecidas
só eram notícia quando eram “manifestantes; vítimas de desastres; transgressores de leis e; praticantes de ativi-
dades vulgares”. Estavam assim definidos critérios de noticiabilidade de acordo com a proeminência da perso-
nagem central da notícia. (GANS, 1979)
No mesmo estudo de Gans (1979), também foram observados outros critérios que poderiam definir a noti-
ciabilidade de um fato. Eram eles “conflitos e desacordos entre governos; decisões, propostas governamentais e
cerimônias; troca de cargos no governo”. Depois vinham “crimes, escândalos e investigações”.
De acordo com os preceitos de Gans (1979), estaria a empresa jornalística autorizada a definir seus cri-
térios de noticiabilidade através de uma sequência lógica de valores, mas, Silva (2005), no entanto, busca
afastar essa ideia. Para ele é preferível localizar o potencial de noticiabilidade no campo dos valores notícia.
(SILVA, 2005, p.03)
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1.3 Os filtros
Como citado anteriormente, os critérios de noticiabilidade dos fatos estão constituídos por valores que tem influ-
ência direta sobre o que deve e o que não deve ser noticiado. Há autores que atribuem essa escolha ao jornalista,
outros o situam nos proprietários dos jornais e ainda há os que defendem que na verdade nem um, nem outro, dei-
xam de estar certos, mas que é preciso levar em conta outros fatores, como as rotinas jornalísticas. (Traquina, 2008).
Moreira (2006) atribui aos jornais o papel de definir o que é noticia e o que não é. Para ele, são os proprietários
dos veículos de comunicação que definem o que será veiculado de acordo com os objetivos ideológicos e econô-
micos. (MOREIRA, 2006, p.09).
Por outro lado, Silva (2005) explica que esse processo delimita demais o entendimento dos fatos, já que, segun-
do o autor, os jornalistas também têm liberdade para ao menos “filtrar” os assuntos que podem ser abordados nos
mais diferentes meios de divulgação.
“É reducionista, portanto, definir noticiabilidade ou somente como conjunto de elemen-tos por meio dos quais a empresa jornalística controla e administra a quantidade e o tipo de acontecimentos ou apenas como o conjunto de elementos intrínsecos que demonstram a aptidão ou potencial de um evento para ser transformado em notícia”. (SILVA, 2005, p.03)
Wolf (2003) afirma que os fatos dependem do jornalista para “para adquirir a existência pública de notícia”,
devolvendo a ele o papel de agente principal na seleção do que merece ou não destaque nas páginas dos jor-
nais:
“Sendo assim, o produto informativo parece ser resultado de uma série de negociações, orientadas pragmaticamente, que têm por objeto o que deve ser inserido e de que modo dever ser inserido no jornal, no noticiário ou no telejornal. Essas negociações são realizadas pelos jornalistas em função de fatores com diferentes graus de importância e rigidez, e ocor-rem em momentos diversos do processo de produção.” (WOLF, 2003, p.200).
Porém, a afirmação de que os proprietários dos jornais é que importam dentro do processo de seleção noti-
cioso, atribuída à Moreira (2006), não exclui o jornalista do procedimento, ainda que em sua visão o jornalista
seja definido como um sujeito ambíguo em suas decisões.
Concebemos a notícia como uma construção social (Paradigma Construcionista), isto é, como resultado de um processo, o jornalismo tem uma autonomia relativa em relação a outros campos, como a política e a economia. Isso significa que, na relação das notícias, ora os jornalistas agem sob a influência de uma cultura e identidade próprias – que dizem o que é e também o que não é notícia – ora agem segundo seus interesses externos ao campo e arbitrariedades do poder. (MOREIRA, 2006, p.14)
Na análise de Bourdieu (1997) “os jornalistas têm os seus óculos particulares através dos quais veem certas
coisas e não outras. Operam uma seleção e uma construção daquilo que é selecionado”. (BOURDIEU,1997, p.12).
Segundo Machado & Jacks (2006), o sujeito deve ser o narrador dos fatos e cabe ao jornalista dar voz a ele. No
entanto, em meio às matérias que produz o jornalista deixa transparecer transparecer muitas vezes sua própria opinião
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CIBERJORNALISMO COMO ARQUIVO ON-LINE DA MEMÓRIA SOCIAL 341
até chegar a um ponto em que ele tem a certeza de que o sujeito realmente foi o interlocutor daquilo que ele
escreveu, quando na verdade o que está escrito é a opinião do jornalista e não da fonte presente no texto. (MA-
CHADO & JACKS, 2006, p.04)
Essa teoria de Machado e Jacks (2006) remete mais uma vez ao papel do jornalista enquanto elemento que
filtra os fatos para só depois torná-los públicos. Ainda nesse mesmo raciocínio, o jornalista como “formador” da
notícia pode ainda apagar o sujeito da notícia, através de um processo de esquecimento que intencionalmente ou
não tenta apagar o direito à fala que pertence ao sujeito. (MACHADO & JACKS, 2006, p.05)
Beltrão (1959) acrescenta ao jornalista o papel de intérprete de mundo possível nas páginas dos jornais.
Segundo ele, “porque o homem não consegue acompanhar o ritmo acelerado do mecanismo da transmissão de
notícias” (BELTRÃO, 1959, p.44).
Torna-se, assim, necessário uma escolha de notícias, o que vale dizer uma interpretação, um julgamento dos fatos por parte do jornalista, porque o homem não consegue acompa-nhar o ritmo acelerado do mecanismo da transmissão de notícias e o tempo que lhe sobra, hoje, para a leitura é mais ou menos o mesmo de antigamente. Desse modo, a interpretação, sôbre ser característica do jornalismo, varia de intensidade para cada veículo. Se na televi-são, por exemplo, o agente tem de ser conciso e superficial, no jornal precisa de desenvolver e pôr a trabalhar o seu senso crítico. (BELTRÃO, 1959, p.44)
Alsina (1989) escreve sobre três mundos diferentes, porém interligados, que são utilizados pelos jornalistas
para produção de notícias. Um o mundo real, o outro o de referência e o terceiro o mundo possível, em mais
uma tentativa de dar ao jornalista o papel de destaque no agendamento noticioso.
“Por um lado, compreendido como a fonte dos eventos que o jornalismo utiliza para produzir a notícia, está o “mundo real”. Já o “mundo de referência” envolve todos aqueles elementos nos quais se podem enquadrar os fenômenos do mundo real problematizado. Jus-tifica-se aqui o fato de ser imprescindível, para a compreensão de um evento, o seu enqua-dramento num modelo de mundo referencial. Por sua vez, o “mundo possível” seria aquele que o jornalista constrói, a partir do “mundo real” e do “mundo de referência” escolhido. Conclui-se, pois, que o mundo possível construído e projetado no discurso da informação recolhe suas marcas e traços do mundo de referência. (GADINI, 2007, p.84)
Gadini (2007) coloca outros fatores como “filtros” para se definir o que deve ser publicado ou não pelos
veículos de comunicação. Ele acrescenta o limite temporal de fechamento dos jornais, a qualificação profissional
e a interferência empresarial na orientação editorial como alguns fatores que dizem respeito ao agendamento
noticioso.
Fatores esses que podem redirecionar os sentidos que vão ser destacados e marcar a apresentação dos mais diversos produtos do jornalismo contemporâneo. Da mesma forma, os desdobramentos políticos, econômicos e culturais dessa perspectiva estão diretamente associados aos modos de organizar, viver, pensar e agir dos indivíduos que participam de um determinado contexto e época. (GADINI, 2007, p.84)
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CIBERJORNALISMO COMO ARQUIVO ON-LINE DA MEMÓRIA SOCIAL 342
Ainda dentro dos conceitos que atribuem ao jornalista o papel principal, Schudson insere também outros fato-
res interligados ao jornalista e, segundo ele, “a criação das notícias é sempre uma interação de repórter, director,
editor, constrangimentos da organização da sala de redação, necessidade de manter os laços com as fontes, de-
sejos da audiência e as poderosas convenções culturais e literárias dentro das quais os jornalistas frequentemente
operam se as pensar” (Schudson, 1998, p. 17 a 27).
Nessa parte chegamos ao conceito das rotinas jornalísticas, em que o agendamento noticioso surge como um
processo resultante, tanto da cultura profissional, como do modo de organização ao qual a profissão está sujeita.
“A noticiabilidade é constituída pelo complexo de requisitos que se exigem para os even-tos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos aparatos informativos e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas –, para adquirir a existência pública de notícia.” (WOLF, 2003, p.195).
Uma vez feita a escolha do que é ou não noticiável, uma nova hierarquização dos fatos é necessária. Desta
vez de espaço. Um novo processo tem início e dentro da rotina da redação cabe ao superior hierárquico de quem
produziu a matéria definir dentro de seus próprios critérios, ou do veículo de comunicação, quais matérias terão
mais espaço e sua colocação na página ou na grade de programação.
Ora, ao tratar jornalisticamente os fatos na produção material da notícia, a seleção e hierarquização recorrem sim aos valores-notícia. Mas estes agem aqui apenas como uma parte do processo, pois nessas escolhas seqüenciadas entrarão outros critérios de noticiabi-lidade, como formato do produto, qualidade da imagem, linha editorial, custo, público alvo etc. (SILVA, 2005, p. 04)
As práticas que norteiam essas escolhas variam de um veículo de comunicação para o outro, como a própria
forma de se fazer jornalismo também pode ser diferente de uma localidade geográfica para outra. As regionali-
dades podem constituir-se aí em um outro fator para a escolha de noticiabilidade.
Conclusão
O que se conclui após essa análise, é que o ciberjornalismo é uma ferramenta muito útil à pesquisadores de
diversas áreas, porém, que esses pesquisadores devem ter em mente que notícias jornalísticas não se tratam de
retratos fiéis de uma realidade construída pelos diversos agentes que influenciam a sociedade.
É certo dizer que:
“é inevitável concluir-se que na Web, a conjugação de Memória com Instantaneidade, Hipertextualidade e Interatividade, bem como a inexistência de limitações de armazenamento de informação, potencializam de tal forma a Memória que é legítimo afirmar-se que temos nessa combinação de características e circunstâncias uma Ruptura com relação aos suportes mediáticos anteriores. (Traquina, 1999, p.10)
É a partir desse ponto de vista que se afirma que o jornalismo é um dos atores no processo de registro da
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história presente. Não o único, mas um dos elementos que servem para tal finalidade, tendo potencializado nociberjornalismo uma ferramenta que facilita a compilação de informações em um só lugar para sua posterior pesquisa.
Nessa perspectiva é preciso ressaltar, que os jornais e os meios de comunicação sempre representaram fontes
de pesquisa e não se pretende dizer que a Internet traz novidades nesse sentido. O que a Internet, e o ciber-
jornalismo mais exatamente trazem de inovação e a facilidade e a rapidez para acesso à esse conteúdo, o que
acontece graças à suas características.
Por meio delas é possível acessar o conteúdo em várias plataformas, não somente a versão escrita, mas atra-
vés de vídeos, podcasts, imagens e animações (multimidialidade/convergência); direcionar o acesso automatica-
mente à outras fontes de informação (hipertextualidade); aumentar ou reduzir, mudar a cor, ou o layout da página,
assinar para receber assuntos específicos (personalização); além do banco de dados (memória).
Porém, a quinta e última característica do jornalismo é uma das que mais afeta no sentido positivo a produ-
ção de conteúdo no ciberjornalismo. É a interatividade, que dá um caráter de constantes atualização às notícias
produzidas pela mídia.
Através de comentários, e-mails enviados à redação, compartilhamento em redes sociais, entre outros meios,
a notícia ainda que esteja guardada no banco de dados do site, passa a ter uma roupagem sempre atual, pois
pode por esses meios ser complementada, alterada e modificada, característica exclusiva do ciberjornalismo, já
que em outros meios isso se torna quase impossível.
Por esses motivos é que o ciberjornalismo torna-se como proposto no título desse artigo, um arquivo on-line
da memória social, uma vez que as notícias representam parte da realidade social e que a Internet disponibiliza
de maneira rápida e acessível à todos essa pesquisa dos fatos.
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CIBERJORNALISMO COMO ARQUIVO ON-LINE DA MEMÓRIA SOCIAL 344
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Futebol nos sites Dourados News e Dourados Agora: análise da cobertura do jogo da Final do Campeonato
Estadual Sul-Matogrossense de Futebol 2012
Palavras-chave: : Esportes, Jornalismo Online, Campeonato Sul-Mato-Grossense, Teorias da Comunicação
Resumo
Esse trabalho tem como objetivo analisar e comparar as matérias da editoria de Esportes dos sites Dourados
News e Dourados Agora. Especificamente para esse trabalho analisaremos a cobertura da decisão do Cam-
peonato Estadual Sul-Mato-Grossense de Futebol de 2012. Foram separadas nos dois sites todas as notícias
referentes à esses jogos e a análise será feita a partir de algumas teorias da Comunicação e estudo das caracte-
rísticas do texto no Jornalismo Online. Por fim, pretendemos analisar como cada veículo estipulou o espaço que
seria dado a esse assunto e comparar o conteúdo das matérias, nos baseando nos critérios de noticiabilidade e
características do Jornalismo Online.
Aline Amaral
AMARAL, Aline 347
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Introdução
O futebol é amplamento conhecido como paixão nacional. Mesmo não tendo sido criado no Brasil, o país é
conhecido mundialmente por seus jogadores talentosos e torcida fervorosa. Um esporte que é capaz de derrubar
barreiras econômicas, sociais e culturais unindo as pessoas em torno de um mesmo objetivo, que é torcer por um time.
Em Mato Grosso do Sul, o futebol começou a se profissionalizar no ano de 1938, com a Liga Municipal de
Amadores (LEMA) que hoje é a Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul (FFMS), que tem 31 clubes profis-
sionais filiados. Em 2012, o Campeonato Estadual Sul-Mato-Grossense contou com a participação de 14 times,
em 98 partidas. Na 34ª edição no torneio, o Esporte Clube Àguia Negra, time da cidade de Rio Brilhante foi o
campeão, tendo disputado os jogos da final contra o Clube Esportivo Naviraiense, de Naviraí. O campeonato
começou no dia 11 de fevereiro de 2012 e o último jogo aconteceu no dia 9 de maio de 2012.
Nesse trabalho, analisaremos a cobertura desses do jogo da Final feita por dois veículos Online importantes
de Dourados, o Dourados News e o Dourados Agora. Analisaremos as características dos textos e o espaço dado
à esses jogos em cada um dos veículos.
Metodologia
A análise da cobertura dos jogos será feita a partir da teoria do Agendamento, que pressupõe que os veículos
de comunicação pautam o que está em discussão em uma sociedade. (WOLF, 1995). Essa análise vai se basear
no estudo das teorias de comunicação e também vai utilizar revisão bibliográfica.
Essa pesquisa é importante já que em 2012 o Campeonato Sul-Mato-Grossente de Futebol teve sua visibi-
lidade ampliada, com transmissões de jogos ao vivo. Isso também pode ter aumentado sua inserção em outros
veículos locais. Os sites Dourados News e Dourados Agora são dois dos sites da cidade que tem um número de
acessos expressivos e, por não serem sites esportivos, servirão melhor para analisar se realmente a divulgação de
material sobre o Campeonato Estadual de 2012 aumentou.
1. Teorias de comunicação
1.1 Teoria do Espelho
A teoria defende a ideia de objetividade no jornalismo. Na visão dessa teoria o jornalista é um comunicador
desinteressado, que reproduz a realidade, como um espelho. Para o senso comum, é até hoje a concepção do-
minante no jornalismo ocidental.
A Teoria do Espelho parte da própria formação da sociedade capitalista democrática, onde o princípio de
imparcialidade sempre foi visto como fundamental para a livre circulação da informação na sociedade, vista
como um direito do cidadão. Daí o princípio histórico do jornalismo em ser imparcial, se conter aos fatos, sem
distorcer a verdade. (WOLF, 1995)
AMARAL, Aline 348
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No entanto, os estudos de mídia e jornalismo mais recentes mostram ser impossível que os jornalistas consi-
gam, de fato, reproduzir a verdade como um todo. Isso porque a “verdade” pode variar de acordo com o con-
junto de crenças culturais e valores sociais em que se encontra.
1.2 Teoria do Gatekeeper
A teoria do Gatekeeper surgiu em meados dos anos 50, como referência ao jornalismo e ao seu poder. A
teoria, que é dos Estados Unidos pressupõe que as notícias são como são porque os jornalistas assim as deter-
minam, ou seja a produção de informação é um processo de escolhas; o fluxo de notícias teria que passar por
gates (portões) até ser publicada. (WOLF, 1995)
No entanto essa teoria tem algumas limitações. Primeiramente ela não considera a estrutura burocrática e a
organização, além de pressupor que a análise da notícia parte apenas do profissional que a produz. Por ultimo,
ela não considera que as normas da profissão interferem no processo.
A teoria do gatekeeper portanto fala que as notícias são como são porque o jornalista as determina, mas
vemos diariamente vários fatores que nos mostra que as notícias são como são por determinação do espaço ou
mesmo pelo tempo que ela chega as redações, ou ainda pela linha editorial da organização.
1.3 Teoria do Agendamento
A teoria do agendamento pressupõe que as notícias são como são porque os veículos de comunicação nos
dizem em que pensar, como pensar e o que pensar sobre os fatos noticiados. Para essa teoria, os consumidores
de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são veiculados, agendando as conversas do
dia-a-dia. A hipótese do agenda setting não defende que a imprensa pretende persuadir. A influência da mídia
nas conversas dos cidadãos advém da dinâmica organizacional das empresas de comunicação, com sua cultura
própria e critérios de noticiabilidade.
“ A influência dos meios de informação é a mesma em relação a todos os tipos de temas. Tal pressuposto está implícito no objectivo destas pesquisas porque, só baseando-nos nele, se pode esperar que toda a lista de issues da agenda dos mass media possa «transferir-se» para a agenda do público, mantendo a mesma ordem de prioridades entre os assuntos. Essa passagem é o teste de verificação do efeito de agenda-setting, utilizado por quase todos os estudos neste âmbito de pesquisa” (Zucker, 1978, p.227 In: WOLF, p.1994)
Concluindo, a teoria do agendamento nos diz, que as notícias pautam nosso dia a dia, nossas conversas e
isso acontece com o poder da mídia de selecionar o mais importante e nos fazer enxergar que aquilo é sim o mais
importante. As vezes o poder convencimento da mídia parece manipulação, mas não é, a mídia simplesmente
expõe as notícias que julgam importante e o público, tradicionalmente, acredita sem duvidar e repassa aquele
assunto para frente, sem questionar.
AMARAL, Aline 349
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2. Características do Jornalismo on-line
A internet é um veículo muito diferente do rádio, TV e jornal impresso. Tem características próprias e possibilita
o uso de ferramentas distintas. O jornalismo on-line também deve ser diferente do jornalismo praticado em outros
ambientes. O jornalismo na Internet deve ter certas características. TORQUATO (2006) lista essas características
como sendo:
“Interatividade: possibilidade de o receptor participar e interagir com o jornal e até de noticiar e funcionar como fonte de informação; deste modo, assiste-se a um nivelamento do jornalista com o leitor;
Hipertexto: possibilidade de se estabelecerem sucessivamente ligações entre textos e outros registos, o que torna o consumo informativo individualizado;
Hipermédia: união num único suporte de conteúdos escritos, sonoros e imagéticos, se-jam as imagens fixas ou animadas;
Glocalidade: fabrico local mas alcance mundial; Personalização: ou seja, a possibilidade de o leitor interagir sobre a forma e o conteúdo
do jornal, para consumir unicamente o que quer e como quer, dentro dos condicionalismos do software; os alertas noticiosos, o recebimento de um jornal a la carte, o recebimento de newsletters, etc. podem incluir-se na personalização;
Instantaneidade: possibilidade de as notícias serem transmitidas no momento em que são finalizadas ou em directo;
Apetência pela profundidade através da navegabilidade: a possibilidade de o utilizador aprofundar a informação consumida navegando pela Internet de site em site e de página em página, usando hiperligações.” (Torquato, 2006, p. 45).
2.1-Jornalismo on-line em Dourados
Dourados é a segunda maior cidade do Estado de Mato Grosso do Sul, com 198.421 habitantes, de acordo
com cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. O primeiro site de notícias do município
foi o Dourados News, que existe há cerca de 12 anos e vai ser um dos veículos analisados nesse trabalho. Para
a análise usaremos os conteúdos de dois sites de notícias, o Dourados News e o Dourados Agora.
2.1.1 Site Dourados Agora
O Site Dourados Agora nasceu em 14 de agosto de 2002 e pode ser acessado pelo endereço www.dourado-
sagora.com.br . De acordo com a editora Maria Lúcia Tolouei, o Dourados Agora dá maior destaque às matérias
locais. Está localizado na Avenida Presidente Vargas, centro do município de Dourados, anexado às instalações
do jornal impresso O Progresso. Ainda de acordo com ela, o site nasceu da vontade e necessidade de um veículo
online que representasse e atendesse a população da cidade, ávida por notícias locais. (COSTA, 2007, p. 24)
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Futebol nos sites Dourados News e Dourados Agora 350
2.1.1- Site Dourados News
O Dourados News existe há quase 12 anos e foi criando porque se sentiu a necessidade de um veeículo online
que representasse a cidade. Está localizado na avenida Weimar Gonçalves Torres, centro da cidade de Dourados,
e pode ser acessado pelo endereço eletrônico www.douradosnews.com.br.
O site teria nascido depois de uma tentativa frustrada de colocar uma matéria sobre Dourados nos veículos
de comunicação do município, que se recusaram em publicar a matéria daquele que algum tempo depois viria a
ser um dos sócios fundadores do Dourados News, Primo Fioravanti, que depois da negativa teve a idéia de fazer
um jornal on-line. Assim como o Dourados Agora, também tem como prioridade a publicação de notícias locais.
(COSTA, 2007, p. 25)
3. Matérias a serem analisadas
Matéria publicada no site Dourados News em 04/05/2012, às 10h35
De olho na final, Águia Negra volta aos treinos nesta sexta
Gazeta MS
O elenco do Águia Negra se reapresentou na manhã desta sexta-feira após a folga concedida pela Comissão
Técnica na quinta. Os jogadores devem fazer um trabalho de avaliação, recuperação e prevenção de lesões em
dois períodos e os que não apresentarem problemas físicos ficam à disposição para treinos técnicos.
A maior preocupação do Departamento Médico do clube é com o volante e capitão Sidiclei. O jogador foi subs-
tituído no segundo tempo em Naviraí e deve aproveitar esse período até a próxima quarta-feira para se recuperar.
“Já há algumas semanas o Sidiclei quase não tem treinado, apenas fazendo tratamento e se recuperando durante
as partidas e foram apenas três dias entre a semi e esse primeiro jogo da final. Agora teremos um tempo maior para
deixá-lo em condições para o jogo final”, explicou o técnico Cláudio Roberto.
Outro que deixou o primeiro jogo contra o Naviraiense por problemas físicos foi o volante Parley. Mas, segundo
o atleta, não deve ser problemas para a volta. “Após uma dividida com o Cristiano senti que não estava mais conse-
guindo acompanhar os adversários e pedi substituição. Espero estar 100% em Rio Brilhante”, disse após a partida.
Com o resultado do primeiro jogo – 1 a 1, gols de Rincón e Adriano Chuva – o Águia Negra fica com o título
em caso de novo empate. Ao CEN resta apenas a vitória por qualquer placar. Os dois clubes lutam pelo segundo
título. O Águia levantou a taça em 2007 e o Naviraiense em 2009. Os finalistas já estão garantidos na Copa do
Brasil em 2013. (Matéria publicada no Dourados News em 08/05/2012, às 18h25)
Venda de ingressos para a final do estadual supera expectativa
A diretoria do Águia Negra colocou a venda 5 mil ingressos para a partida final do Campeonato Estadual de
Mato Grosso do Sul. Os ingressos já estão sendo vendidos antecipadamente, em Rio Brilhante e em Dourados.
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Futebol nos sites Dourados News e Dourados Agora 351
O torcedor que quiser ver a partida entre Águia Negra e Naviraiense, nesta quarta-feira, as 20h50, pagará
R$ 10 pela arquibancada coberta e R$ 5 para a descoberta.
O estádio Prefeito Iliê Vidal, carinhosamente chamado de Ninho da Águia, tem capacidade para abrigar 3,5
mil torcedores, mas a diretoria providenciou arquibancadas móveis, para mais 1,5 mil torcedores.
A diretoria do clube espera casa cheia. De acordo com o presidente, Gesiel Marques, a procura por ingressos
está superando as expectativas. “Estamos contentes, Rio Brilhante vive um grande momento e todos estão ansio-
sos”, disse Gesiel, que ainda relatou que o torcedor do Águia Negra é um verdadeiro apaixonado pelo clube.
“Mesmo nos momentos mais difíceis o torcedor nos acompanhou e agora com a expectativa de sermos novamen-
te campeões, vamos colocar o maior público da história de Rio Brilhante, aqui no nosso ninho”.
VISITANTES
Para os torcedores do Naviraiense, a diretoria do Águia Negra está disponibilizando 300 ingressos. Os visi-
tantes terão um lugar reservado no estádio, no setor das descobertas. Mas Gesiel alerta que também os torcedo-
res visitantes podem adquirir ingressos na arquibancada coberta, “só que terão que ficar junto com os torcedores
locais”, alerta.
SEGURANÇA
A diretoria do Águia Negra está tomando todas as providências no tocante a segurança. Foram contratados
mais de 40 profissionais, além de dezenas de policiais militares que também estarão presentes no estádio. Ainda
todo o estádio será monitorado por câmeras. “O investimento em circuito interno é para que todos os torcedo-
res, sejam de Rio Brilhante ou de outras cidades possam ter a tranquilidade de vir e assistir essa final com toda a
segurança necessária”, disse Gesiel.
Matéria publicada no Dourados News em 08/05/2012, às 18h40
Na final, ídolos do Águia Negra se despedem do futebol
Assessoria de Imprensa – EC Águia Negra
A partida entre Águia Negra e Naviraiense nesta quarta-feira que vai definir o Campeonato Estadual do MS
na temporada 2012 por si só já é histórica para o time de Rio Brilhante que busca seu segundo título. Mas a
despedida do futebol profissional de dois jogadores do atual elenco mexe ainda mais com a torcida rubro-negra,
que os tem como ídolos . O volante e capitão Sidiclei e o goleiro Cícero fazem a última competição como joga-
dores profissionais e, após o apito final do árbitro Luiz Aparecido da Silva, seguem novos rumos. O jogo final do
Estadual acontece no Estádio Ninho da Águia com transmissão pela TV Morena para todo o Estado.
Titular nas duas últimas temporadas, Sidiclei, 39 anos, já tinha a decisão de encerrar a carreira como jogador após
o termino do campeonato quando assinou o vínculo para 2012. O destino do atleta vem sendo traçado há alguns
anos, quando retornou do futebol japonês, onde construiu uma trajetória vitoriosa de 13 anos. . A ideia é trocar os
gramados pelo banco e iniciar um trabalho com treinador, primeiro pelas categorias de base no Japão. “Ainda não se
vou logo após o campeonato ou em 2013, mas está hora de trocar de lugar”, disse no começo do ano.
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Futebol nos sites Dourados News e Dourados Agora 352
A possibilidade de disputar duas competições nacionais em 2013 porém, mexe com a cabeça do jogador. O
Águia Negra já está classificado para a Copa do Brasil e, se for campeão, disputa também a Série D do Cam-
peonato Brasileiro, o que poderia atrasar a aposentadoria em mais um ano. “É uma possibilidade, mas remota.
Após o campeonato devo resolver essa volta ao Japão como técnico. Se não acontecer, podemos conversar à
respeito com a diretoria do Águia Negra. Até porque Rio Brilhante é uma cidade que acolheu a mim e minha
família muito bem”, afirmou.
Paranaense de Cascavel, Sidiclei despontou no futebol na cidade natal de onde saiu para o Matsubara de
Cambará, depois para o Atlético-PR e, logo em seguida, foi jogar no futebol japonês. Em 13 anos, defendeu
as equipes do Yamagata, Kyoto, Oita, Vissel Cobe e Gambá Osaka. Voltou em 2009 para defender o Marcílio
Dias-SC e voltou ao Cascavel em 2011, de onde saiu para jogar no Águia Negra.
Único dono
Aos 32 anos, o goleiro Cícero poderia seguir o exemplo de Sidiclei e continuar no futebol profissional por
mais alguns anos, mas a dupla jornada exercida pelo atleta impede a continuidade. Mecânico de colhedora de
cana e funcionário da Usina ETH na unidade de Santa Luzia em Nova Alvorada do Sul, Cícero dorme em média
três horas diárias para cumprir a jornada de trabalho à noite e os treinos durante o dia. “O corpo está sentindo,
já não dá mais”, afirmou.
Natural de Coronel Sapucaia e morador de Rio Brilhante desde os 11 anos de idade, a história de Cícero
no Águia Negra, seu único clube como jogador profissional, começou em 2001, ainda na Série B. Com o título
daquele ano, disputou a primeira divisão em 2002, mas a carreira teve um hiato nos dois anos seguintes. “Na
época já trabalhava e não teve como conciliar as duas atividades, então o futebol ficou de lado”. A volta foi em
2005 e daí em diante sempre esteve no elenco do clube.
Títular até 2010, foram mais de 100 jogos com a camisa do Águia Negra. Nos últimos dois anos, tem passa-
do sua experiência aos goleiros Fanini, 24 anos, titular em 2011 e no início deste ano, e Edmar, 21 anos, atual
dono da camisa 1. “O Cícero é um referência não apenas para os goleiros, mas para todo o grupo de um jogador
com postura profissional, compromisso e sentimento pelo clube e com certeza vai ficar marcado na história do
Águia Negra”, disse o técnico Cláudio Roberto.
Além do título na Série B em 2001, Cícero esteve presente na maior conquista do clube, o Campeonato Esta-
dual em 2007. Além disso, defendeu o time na Série C do Campeonato Brasileiro de 2007 e na Copa do Brasil
de 2008 quando o Águia enfrentou o Paranavaí, então campeão paranaense. Em Rio Brilhante o jogo terminou
3 a 3 e na volta, o clube paranaense ficou com a vaga ao vencer por 4 a 3.
Matéria publicada no Dourados News em 13/05/2012, às 12h00
A conquista do Campeonato Estadual pelo Águia Negra na última quarta-feira está sendo muito comemora-
da pelos atletas, torcedores e todos que são ligados ao clube de alguma maneira, inclusive alguns ex-jogadores.
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Futebol nos sites Dourados News e Dourados Agora 353
De longe, ex-jogadores do Águia Negra comemoram título estadual do MS
Assessoria
Destes, dois que fizeram parte da história recente do clube merecem destaque. O meia Alan Mineiro e o
atacante Chico defenderam o clube em 2011 indicados pelo técnico Cláudio Roberto e, apesar da queda pre-
matura na competição, ainda são lembrados pelos torcedores rubro-negros. Um perto e o outro longe, ambos
acompanharam os jogos finais e vibraram com o título que veio e 2012.
Torcida do outro lado do mundo
Alan Mineiro disputou toda a competição em 2011 e fez sete gols. Após o Águia Negra, o jogador se trans-
feriu para o Paulista de Jundiaí-SP onde conquistou o título da Copa Paulista como um dos principais jogadores
do clube tendo, inclusive, marcado um gol no primeiro jogo final contra o Comercial de Ribeirão Preto. A boa
campanha lhe valeu o convite para disputar o Campeonato Japonês pelo Albirex Niigata onde marcou até o
momento dois gols em nove partidas.
Mesmo longe, Alan conseguiu acompanhar toda campanha do Águia Negra em 2012. “Sempre falava com
o professor Cláudio Roberto [técnico], com o Celso [Silva, preparador físico], o Chiquinho[Lima, auxiliar técnico] e
com alguns jogadores como Sidiclei. Pela internet consegui assistir os jogos das quartas de final, semifinal e final
e vibrei muito com a conquista”, comemora.
A gratidão do jogador pelo clube se justifica pela oportunidade que teve para retomar a carreira. Quando
chegou o convite do técnico Cláudio Roberto, Alan estava sem clube e pensando em abandonar a carreira. “Te-
nho um carinho muito grande pelo Águia, pela diretoria e a torcida. Todos me ajudaram muito em Rio Brilhante e
agora é torcer para o clube se fortalecer ainda mais e representar bem o Estado na Copa do Brasil e na Série D
no ano que vem”, disse.
Torcida da Capital
Um dos jogadores mais festajados pelo torcedor do Águia Negra em 2011 foi o atacante Francisco Hiun Sol
Kim. Filho de asiáticos, Chico como é conhecido, nasceu no Brasil, mas foi criado em uma colônia de sulcoreanos
no Paraguai, voltou ao Brasil onde iniciou a carreira nas categorias de base do Atlético Sorocaba que o emprestou
ao time de Rio Brilhante. Foram oito gols durante o Campeonato Estadual e muita empatia com a torcida.
Neste ano, Chico voltou ao Estádio Ninho da Águia, mas como adversário. Emprestado ao Cene pelo time
paulista, chegou no fim da primeira fase e jogou nas duas partidas entre o time de Campo Grande e o Águia
Negra pelas quartas de final. Fez um gol no empate em 2 a 2 no Estádio Olho do Furacão, mas passou em
branco na derrota por 3 a 1 na volta. “Foram dois jogos especiais para mim. Foi difícil reencontrar a torcida em
Rio Brilhante, mas precisava estar focado no jogo que muito importante”, explicou.
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A conquista do Águia na quarta-feira Chico acompanhou pela TV, mas não conseguiu assistir o jogo inteiro.
“Foi um jogo tenso. Ví o primeiro tempo e depois o final do segundo. Os dois times sabiam que não podiam errar,
um detalhe definiria o jogo. Mas o Águia mereceu ganhar do principio ao final”. Para ele, a taça está em boas
mãos já que conhece a maioria dos jogadores e a comissão técnica. “São pessoas que mereceram a conquista
e, claro, na final torci muito pelo Águia”, encerrou.
Matéria publicada no site Dourados News, em 24/05/2012, às 16h45
Para lateral campeão, Águia Negra foi melhor clube da carreira
Assessoria
Campeão estadual pelo Águia Negra em 2012, o lateral Altino aproveita a folga após a competição em
Cambé-PR, sua cidade natal. Enquanto analisa propostas para o segundo semestre, o jogador relembra mo-
mentos da sua melhor temporada em campos sul-mato-grossenses desde que chegou ao Estado em 2009 para
defender o Nova Andradina. De lá para cá, foram outras duas camisas locais, uma passagem pela segunda
divisão goiana e a chegada à Rio Brilhante no fim de 2011.
“O Águia Negra foi o melhor clube que trabalhei”. O elogio feito pelo atleta se justifica pelas condições dadas
aos jogadores para a disputa da competição que culminou com o título, o segundo na Série A da história do
clube. “Não é só porque fomos campeões, mas o grupo foi sensacional, ninguém tinha ciúmes de ninguém, tudo
que acontecia de errado ou certo era comentado entre nós mesmos, foi um grupo digno de campeões”, completa
Altino,q eu marcou duas vezes na competição, contra Itaporã e Ivinhema, ainda na fase inicial.
Para o jogador, a conquista do Águia começou a ganhar forma ainda em 2011 quando o clube manteve a
comissão técnica após a desclassificação do campeonato naquele ano nas quartas de final e já iniciou o plane-
jamento para o ano seguinte. Altino foi contratado pelo clube em novembro, mais de um mês antes do início dos
trabalhos, graças ao excelente desempenho pelo Naviraiense no Estadual.
De lateral para lateral Além do bom relacionamento entre os jogadores, o entrosamento com a Comissão
Técnica foi outro fator citado por Altino como fundamental para a conquista da taça. “São excelentes profissio-
nais. O Cláudio [Roberto, técnico] é muito inteligente, além de ser uma ótima pessoa. O Celso [Silva, preparado
físico] nos preparou muito bem durante todo o campeonato, assim como o preparador de goleiros, Nelson”,
elogia.
Mas, segundo Altino, o trabalho desenvolvido pelo auxiliar técnico Chiquinho Lima merece um destaque es-
pecial. “O Chiquinho encerrou a carreira há pouco tempo e nos ajudou muito, principalmente eu que sou lateral,
sua posição também. Seus toques me ajudaram demais e sou muito grato a ele”. Por tudo isso, se o segundo
semestre ainda é uma incógnita, em 2013 seu destino não é nenhuma surpresa. “Se me chamarem volto para o
Águia sem pensar duas vezes”, afirma, categórico.
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Futebol nos sites Dourados News e Dourados Agora 355
Começo no salão
Oriundo do futsal, categoria que chegou a jogar profissionalmente no Rio Grande do Sul, Altino, 26 anos,
começou nas categorias de base do Londrina, onde se profissionalizou e jogou de 2005 à 2008. Neste mesmo
ano que deixou o Tubarão, disputou a terceira divisão paranaense pelo CAC de Cambé. Em 2009 chegou ao
Mato Grosso do Sul para disputar a Série A pelo Nova Andradina, mas caiu na segunda fase. No segundo se-
mestre disputou a Série B pela Serc, levando o time de Chapadão do Sul para a primeira divisão com o título.
Com contrato renovado, disputou a Série A pela Serc, indo até a semifinal contra o Naviraiense que, no ano
seguinte, o contratou para a Copa do Brasil e Campeonato Estadual. Mais uma vez parou na semifinal, mas seu
desempenho, principalmente nos dois jogos contra o Águia Negra ainda na primeira fase, chamou a atenção do
técnico Cláudio Roberto que o relacionou na sua lista para formar o atual campeão estadual.
Matéria publicada do site Dourados Agora, em 11/05/2012, ás 09h23
Águia voa alto e conquista o bi contra o navirainense
Esta reportagem do Caminhos da Bike produzido pelo jornalista Abilio Pietramale, traz os bastidores e ima-
gens de ângulos exclusivos da final do Campeonato estadual de futebol que aconteceu quarta feira dia 9 de
maio no Estádio Ninho da Águia na cidade de Rio Brilhante entre os times do Águia Negra x Naviraiense.
No segundo tempo uma bomba jogada pelo torcida da casa explode em campo, dando o maior susto no ár-
bitro, também a matéria traz momentos muito engraçados onde a torcida der ambos os times fazem muita festa,
esta são apenas uma das imagens exibidas pela reportagem que tem um oferecimento da Medianeira Dourados,
Serlinc, Academia Espaço Vital, Saco Plast, Inflex, Gráfica Seriema, C.F.C. Grand Prix.
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4. Resultados das análises
Ao fazer as análises foi possível chegar a alguns resultados distintos. O Dourados News foi o veículo que deu
mais “espaço” ao assunto, que era o jogo da final do Campeonato Sul-Mato-Grossense 2012. No total, foram
5 matérias, contra apenas uma matéria do Site Dourados Agora.
Com relação à origem das matérias, no Dourados News, de cinco matérias foram três textos da Asses-
soria de Comunicação do Esporte Clube Águia Negra, um texto do site Gazeta MS e outro no qual não havia
créditos. Já no site Dourados Agora, o texto publicado era um pequeno resumo do jogo, seguido por um vídeo
de aproximadamente seis minutos, gravado durante a partida. Ou seja, abordagens bem diferentes.
Com relação às características dos textos, é possível afirmar que em cada um dos veículos os tipos de
texto eram bem diferentes. Os textos publicados pelo site Dourados News tiveram como característica o fato de
não terem sofrido alterações para a publicação online. Os textos eram bem extensos e com muitos intertítulos.
Também não houve uso de recursos como áudio e vídeo; apenas alguns textos contavam com fotos ilustrativas.
No caso do texto publicado pelo Dourados Agora, o texto era mais conciso e contava com o recurso do vídeo.
Outro aspecto no qual se observou uma grande diferença foi com relação ao conteúdo publicado em
casa um dos sites. Primeiramente não houve textos iguais em cada uma das publicações, mas os textos também
falavam sobre diferentes assuntos. O Dourados Agora, que só teve uma publicação sobre essa partida, mostrou
como foi o jogo, desde a torcida até o que aconteceu em campo e, claro, o resultado do jogo. No vídeo, havia
um repórter mostrando imagens do jogo e narrando os acontecimentos da noite do jogo. Já no site Dourados
News, houve matérias abrangendo diversos assuntos: treinos dos times, venda de ingressos para a partida, atle-
tas que se despedem do time após a final, matéria com atletas antigos que torceram pelo time, entre outros;
porém não houve publicação que abordasse o jogo propriamente dito, apenas se falou sobre as expectativas
anteriores ao jogo e o seu resultado posterior.
Em conclusão, é possível dizer que nos dois veículos houve espaço para divulgação da partida final do
Campeonato Sul-Mato-Grossense de Futebol de 2012, porém os dois veículos o fizeram de formas bem distintas.
O Dourados News se caracterizou pela grande quantidade de material que, contudo, não passou por adequa-
ções para o ambiente online, ou seja, não estavam dentro das características do texto online citadas nesse tra-
balho. Já o Dourados Agora optou por ter um texto mais conciso e ao utilizar o recurso do vídeo, porém não fez
uma cobertura tão expressiva em termos de inserção de matérias. No entanto, os dois sites fizeram publicações
referentes ao assunto, ou seja, a final do Campeonato Sul-Mato-Grossense de Futebol de 2012 foi incluída na
agenda de ambos os veículos.
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Futebol nos sites Dourados News e Dourados Agora 357
Bibliografia
FRANCO, Guillermo. Como escrever para a Web. 2008
FFMS, Federação de Futebol Sul-Mato-Grossense. Disponível em http://www.futebolms.com.br/v2/index.php?op-
tion=com_content&view=article&id=78&Itemid=62, acessado em 10/05/2012, às 15h30
TORQUATO, Ricardo Cassiolato, Jornalismo Digital: a forma e a produção da notícia. Disponível em http://www.
unimar.br/pos/trabalhos/arquivos/2e4e65325625b8eebd8822c7ddad14ac.pdf acessado em 29/05/2012, às
13h30
WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editorial Presença, 1995.
COSTA, Helton. 60 anos de Força Expedicionária Brasileira: A cobertura do Dourados News e Dourados Agora.
Dourados: 2007.
ISSN: 2316-3992
Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 – edição especial, p. 358-372, nov 2012
O VELHO E O NOVO “O ROLO”: ANÁLISE DE GÊNEROS JORNALÍSTICOS E LITERÁRIOS DO JORNAL EM FORMA
DE MANUSCRITO DE PAPIRO¹
Palavras-chave: manuscrito, rolo, jornal
Resumo
Este artigo se propõe a analisar as mudanças ocorridas nos sete números publicados do jornal “O Rolo”, de
Dourados (MS), no período de 1959 a 1995, por meio da comparação entre as características da primeira fase,
nos anos de 1959 e 1960, e da segunda fase, nos anos de 1994 e 1995. As alterações serão analisadas a partir
da predominância de determinados gêneros jornalísticos e literários. O surgimento e interrupção da publicação
revelam a expectativa que os proprietários tinham sobre o que era jornalismo e as dificuldades técnicas para sua
realização na cidade, enquanto, que o resgate após 34 anos reforça o que “O Rolo” apresentava como diferen-
cial desde o início frente às outras publicações, seu formato de manuscrito de papiro, com papel medindo 16
centímetros de largura e 166 centímetros de cumprimento (nº01), entregue ao leitor em forma de cilindro.
Karine Arminda de Fátima SEGATTO²
1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia – Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11 2012,
Unigran/ Dourados/ MS.
2 Bacharel em Jornalismo pela UNIGRAN, email: [email protected].
SEGATTO, Karine Arminda de Fátima 359
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A trajetória da primeira fase, anos 1959 e 1960, e da segunda fase, anos de 1994 e 1995, do jornal “O
Rolo”, de Dourados, Mato Grosso do Sul, particulariza as mudanças que ocorreram no modo de fazer e perceber
o jornalismo na cidade, especialmente o impresso. As características deste jornal mudaram e também o objetivo
de existência, alterações que serão demonstradas pela análise quantitativa da utilização dos gêneros jornalísticos e
literários. O que permaneceu foi o que o diferenciava dos demais impressos, seu formato de manuscrito de papiro.
“O Rolo” teve sete números publicados com as datas de 25 de novembro de 1959, 20 de maio de 1960, 20
de dezembro de 1994 (aniversário de 59 anos de Dourados), 20 de janeiro de 1995, 20 de fevereiro de 1995,
março de 1995 e julho/agosto de 1995.
O jornalismo impresso no Brasil passou por diversos momentos. Sodré (1999) caracteriza o período da segunda
metade do século XX como o de crise na imprensa, com as transformações sociais advindas do avanço das relações
capitalistas que a fizeram passar de pequena (artesanal) para grande imprensa (industrial). (SODRE, 1999, p. 391)
Como Sodré (1999) relaciona a crise ao capitalismo, ela seria caracterizada por maiores dificuldades
na produção, exigindo equipamentos gráficos complexos e caros, mão-de-obra especializada e maior gas-
to com matéria-prima, já que o valor do papel aumentava frente à degradação ambiental que causava às
florestas. A crise seria uma fase de transição, em que a maior liberdade de expressão conquistada com a
derrota do nazismo e fascismo na Segunda Guerra Mundial se confrontava com a maior exigência de capital
financeiro para custear um jornal, resultando no início da concentração dos meios de comunicação na mão
de poucos afortunados. (SODRE, 1999, p. 394-395)
A impressão pelas tipografias aparece como uma das principais dificuldades da primeira fase do jornal “O
Rolo”, nos anos de 1959 e 1960, em Dourados, estado de Mato Grosso (MT), posteriormente dividido pela
criação em 1977 de Mato Grosso do Sul.
Encontrar uma tipografia para fazer o jornal resultou no atraso de dois meses do primeiro número e de três
meses do segundo número. O atraso gerou editoriais de agradecimento a Roberto Santini, de “A Tribuna” de
Santos (SP), que por fim realizou a impressão e de repúdio à Tipografia Rui Barbosa, de Campo Grande, que
prometeu e não cumpriu o acordo:“Obrigado, ABELObrigado por tudo, Snr.(sic) Abel de Aragão, ilustre proprietário da Tipografia Rui Barbo-
sa de Campo Grande Mt (sic).Aqui estamos mais uma vez, na Rua, para provar que não desaparecemos.Tudo fez o Snr. Abel de Aragão para nos arrazar (sic). 1º nos ofereceu um preço bom e
maneira mais fácil de impressão. Caímos na sua lábia.Depois nada fez...Trez (sic) mezes (sic) de angustia (sic), de pedidos, de apelos, não o demoveram do seu
intuito que era destruir-nos.Não queria imprimir-nos?Dissesse...Não fizesse esse papelão ridículo...A sua ‘Caim-nada’ de nada serviu Sr. Abel.Aqui estamos, vivos, pulsando vi- vibrando (sic) e aparecendo mais uma vez.Seu gesto serviu apenas para nos fortalecer.Obrigado, Abel, travestido de CAIM...” (OBRIGADO, 1960, p.1)
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As tipografias eram de grande importância para viabilizar os veículos da imprensa na época, porque poucos
dispunham do maquinário. A relevância dada a isso é percebida no artigo que elenca a relação dos jornais
impressos que existiam em Dourados antes de “O Rolo”, publicada no próprio jornal com o titulo “História do
jornalismo em Dourados”.
Nesse artigo, a origem da impressão dos jornais é informada logo em seguida ao nome do jornal e do pro-
prietário. Eram impressos em Campo Grande os jornais “Jandaia” (1926), “O Douradense” (1948) e “Jornal de
Dourados” (1955) e em Dourados, os jornais “O Progresso” (1951) e “A Cidade” (1953), sendo que o artigo não
informa a cidade do jornal “A Luta” (1955), mas que os jornais “Jornal de Dourados” (1958) e “A voz do Sul” (1955
a 1956) eram impressos, respectivamente, na Gráfica N. S. Aparecida e na Tipografia Brasil. (MOREIRA, 1960, p.2)
O parque gráfico representava grande investimento financeiro, tanto que esse artigo informa que “O Pro-
gresso”, de propriedade de Weimar Torres, foi o primeiro jornal a ser impresso na cidade, porque a Prefeitura de
Dourados deu Cr$ 8.000.00 para que a primeira tipografia se instalasse no município, vinda de Guaraçaí (SP)
e de propriedade de Naurestides Brandão. (MOREIRA, 1960, p.2)
As dificuldades para fazer um jornal na época são motivo de comentário no primeiro número 01 de “O Rolo”:
“Não ignorávamos, naquela ocasião, os muitos obstáculos que teríamos pela frente. O
exemplo dos outros que se dedicam a manter um jornal, não nos teria encorajado. Conhe-cendo, de perto, como conhecíamos as dificuldades que isso acarreta, teríamos desistido.
Se tal não aconteceu, deveu-se, exclusivamente, à nossa teimosia.” (COM, 1959, p.1)
As dificuldades refletiram na periodicidade do “O Rolo”. O número 01 informa que o jornal seria semanal, mas o
segundo número foi publicado quatro meses depois, o que os diretores consideraram prejudicar o conteúdo, no valor-
notícia de atualidade. “Tentamos fazer dele um jornal que o leitor tivesse alguma coisa que ler, embora não podendo
ser de todo atualisado (sic) em virtude da nossa publicação não ser semanal”. (AGRADECIMENTO, 1960, p.1)
O próprio formato de manuscrito de papiro exigia uma dedicação maior que nas publicações em formato
standard (formato padrão), entre 60 cm x 38 cm e 75 cm x 60 cm, e tablóide, cerca de 38 cm x 30 cm (HEI-
TLINGER, 2007), que com a impressão nas gráficas bastava apenas encartar as páginas prontas em sequencia.
“Ser-nos-ia mais fácil usar o sistema usual de publicação, sem os problemas de paginação e colagem nos quais
perdemos um tempo enorme.” (AGRADECIMENTOS, 1960, p.1) O objetivo de prosseguir com esse método era
para o “deleite” dos leitores e anunciantes.
FORMATO
Mais do que dificuldade, o formato em manuscrito de papiro foi considerado pelos diretores da primeira
fase como uma “inovação revolucionária”, com objetivo de diferenciar “O Rolo” do que seria um “jornal co-
mum”. (COMENTÁRIOS, 1959, p.1)
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Por conta do cumprimento diferente, 166 centímetros, o número 01 de “O Rolo”, no texto intitulado “Comen-
tários à margem do Jornal”, orienta o leitor sobre qual seria a melhor maneira de proceder à leitura:
“Para ler nosso jornal com certa elegância, aconselhamos que se faça o seguinte: Ao começar a desenrolar a ponta inicial, não deixe que a mesma comece a descer em direção ao solo; inicie com ela um novo rolo e facilmente, a medida que for desenrolando um, irá enrolando o outro”. (COMENTÁRIOS, 1959, p.1)
Se o comprimento era grande, o formato teria como vantagem a pequena largura, 16 centímetros, não precisando
“o leitor abrir os braços para ler este jornal. Em qualquer lugar, até mesmo num bonde (se houvesse aqui), seria capaz
de fazê-lo com facilidade”. Outra vantagem apontada é o volume reduzido, que permitiria que o jornal fosse conduzi-
do “no bolso sem amassá-lo” e que manteria o jornal “fechado” no formato cilíndrico, evitando de ser “peruado” na
banca de jornais, ou seja, aberto por outras pessoas antes do comprador final. (COMENTÁRIOS, 1959, p.1)
Como o formato de manuscrito de papiro está relacionado aos primeiros papéis, o Editorial lembra que o
formato:
“não chega a ser inovação, mas sim ressureição (sic) dos antigos papiros, pergaminhos e editais reais que eram antigamente lidos em praça pública. Não quisemos (sic) ser diferen-tes. Esperimentamos (sic) um novo tipo de imprensa, que foge ao lugar chão do quotidiano.” (COMENTÁRIOS, 1959, p.1)
Quando relembra como surgiu a idéia “que na época pareceu genial” de criar um jornal nesse formato, o funda-
dor de “O Rolo”, Joaquim Lourenço Filho, afirma que “estava lendo alguma coisa sobre o Egito antigo, do tempo dos
faraós e sobre os éditos reais que eram lidos nas aldeias: Porque (sic) não fazer um jornal com todas as características
dos antigos papiros, dos éditos reais???”, pensou o diretor. (LOURENÇO FILHO, 1995, p.1).
Ao fazer um jornal com formato diferente, “O Rolo” queria ver como essa “inovação” seria “recebida pela crítica
e pelos nossos leitores” (AGRADECIMENTO, 1960, p.1). A recepção foi motivo de repercussão no segundo número:
“Ao ‘CORREIO DO ESTADO’ e ao ‘DEMOCRATA’ de Campo Grande M.T. o nosso muito
obrigado pela crítica a nosso respeito. Ao GRANDE JORNAL TUPI e a TELEVISÃO TUPI agra-decemos as referencias (sic) elogiosas feitas à nosso respeito nos dias 11 e 12 de Janeiro, respectivamente. O nosso comovido OBRIGADO é tudo que podemos oferecer no momento. Recebemos incentivo e pedidos de toda parte do Brasil. É por este motivo pois, que aqui es-tamos novamente na cancha.” (AGRADECIMENTO, 1960, p.1)
A repercussão positiva em outro estado também é tema de mais um texto do segundo número, intitulado “O
Rôlo Róla”, em que os diretores dizem se sentirem honrados com a repercussão em São Paulo, principalmente
por projetar “naquela grande Metrópole, alguma coisa desta pequena Dourados que felizmente é nossa” (ROLO,
1960, p.2). Acrescentam ainda que essa é uma das finalidades do jornal.
Para ser conhecido em São Paulo, “O Rolo” foi levado à Tupi por amigos de Joaquim Lourenço Filho, “Dona
Maíba e marido”, que acharam a “idéia inusitada” (ROLO, 1995a, p.1). Lembrando o ocorrido, Joaquim Lourenço
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Filho acrescenta nesse texto que foram aproximadamente 15 minutos de “referências elogiosas” no programa da
Rádio Tupi, provavelmente do radialista Corifeu de Azevedo Marques, e que teria resultado no envio de “telegramas
de parabenização pela idéia” de diversas cidades de São Paulo e de outros estados. (LOURENÇO FILHO, 1995, p.1)
No entanto, o jornal em formato de manuscrito de papiro não foi unanimidade. Alguns teriam considerado a
iniciativa uma “coisa de loucos”, opinião que recebeu a seguinte resposta:
“Sobre a originalidade deste teu jornal, temos a dizer que foi mal interpretada por uma minoria de indivíduos que julgam ser este jornal, ‘coisa de loucos’. Não resta dúvida que o seja, pois estamos fazendo-o com grande sacrifício, trabalho triplicado e ainda por cima ainda recebendo a incompreensão destes ‘pedagogos’ fantasiados”. (AGRADECIMENTO, 1960, p.1)
O “trabalho triplicado” compreenderia a paginação frente e verso e a colagem manual. É possível perceber a
colagem de quatro folhas de papel, de aproximadamente 42 centímetros, na edição de número 01, por exemplo.
O formato foi uma das características mantidas nas duas fases de “O Rolo”, com variações de alguns centí-
metros de comprimentos: número 01 - 16 cm (centímetros) de largura por 166 cm de comprimento, número 02
- 16 cm de largura por 156 cm de comprimento, número 03 - 15 cm de largura por 196 cm de comprimento,
número 04 - 15 cm de largura por 192 cm de comprimento, número 05 - 15 cm de largura por 192 cm de
comprimento, número 06 - 15 cm de largura por 194 cm de comprimento e número 07 - 15 cm de largura por
194 cm de comprimento.
DIRETORES
Criar um jornal em Dourados e inovar no seu formato é apenas uma das muitas iniciativas diferentes realiza-
das por seu fundador, Joaquim Lourenço Filho. Nascido em 30 de dezembro de 1920, em Santos (SP), Joaquim
Lourenço Filho trabalhava como servidor público federal no Rio de Janeiro, quando pediu transferência para
Dourados, com a intenção de atuar no interior. Veio para Dourados em 1956, já com 20 anos formado na Fa-
culdade de Medicina da Universidade do Brasil e com 12 anos de atuação médica. (LOURENÇO FILHO, 19--,
p. 09 a 20)
Em Dourados, fundou a Maternidade Santa Rosa, a Confraria do Último Réveillon do Século XX e a primeira
Companhia Telefônica da cidade. Foi autor do livro “Medicina para brasileiro ler – De gorro, Luvas e Avental” e
escreveu artigos para publicação no jornal O Progresso. Após selecionar entre esses artigos os que se relaciona-
vam às viagens que realizou a diversos países, publicou os livros “Viaje comigo pelo Extremo Oriente” e “Viaje
comigo pelos Países Escandinavos e Socialistas – Desça ao Reno e Visite Portugal”. (LOURENÇO FILHO, 19--,
p. 09 a 20)
Na notícia de seu falecimento, em 18 de novembro de 2008, foram destacados ainda os fatos de ter realizado
mais de mais de 20 mil cirurgias sem óbito e os partos da esposa, filha e neta, ser membro fundador da Sociedade
de Cancerologia do Brasil, ter sido Rádio Amador e de ter recebido o título de sócio honorário do Rotary Clube
Dourados “Douradão” por sua atuação com freqüência de 100% nas reuniões desde 1963. (REDAÇÃO, 2008)
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Na primeira fase, nos anos de 1959 e 1960, o jornal divulgava que tinha como diretores, J. Lourenço Filho,
Noelle Gomes de Oliveira e Nicanor P. de Sousa. Já na segunda fase, nos anos de 1994 e 1995, são identifica-
dos apenas o fundador como Dr. Joaquim Lourenço Filho e o editor Nicanor Coelho, nos números 03, 04, 05 e
07, sendo que aparece a figura do diretor comercial, Aroldo Careaga, citado apenas no número 06 do jornal e
na época estudante de História da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).
Na segunda fase do jornal, nos anos de 1994 e 1995, Joaquim Lourenço Filho aparece como fundador de
“O Rolo” em todos os cabeçalhos e é apresentado no número 03 pelo Editorial “O velho e o novo ‘O Rolo’” com
uma síntese da sua biografia e livros publicados. O Editorial ainda afirma que o “Dr. Lourenço continuará contri-
buindo para as edições de ‘O Rolo’ como um dos nossos diretores”, mas o único texto publicado com autoria de
Joaquim Lourenço Filho está no número 04 do jornal, intitulado “A Fundação de ‘O Rolo’”.
Para explicar a reativação do jornal, depois da apresentação de Joaquim Lourenço Filho como um dos
diretores, Nicanor Coelho é apresentado como editor e do seu currículo é mencionado o fato de ser escritor,
secretário-geral da Academia Douradense de Letras (ADL) na época e autor dos livros “Panambi Verá – Tempos
Brilhantes”, “Vida Cachoeirinha” e “Nomes”. (EDITOR, 1994, p.1)
De acordo com Luciano (2002), Nicanor Souza Coelho nasceu em 02 de outubro de 1968, na cidade de
Fátima do Sul, em Mato Grosso do Sul, e aos 08 anos de idade veio com a família para Dourados. Mesmo que o
gosto pela poesia tenha sido despertado ainda na infância, começou a “rascunhar os primeiros escritos somente
aos 19 anos” (LUCIANO, 2002, p.2).
Concluiu o curso de Letras com habilitação em Português/Literatura, no ano de 2001, pelo Centro Universitá-
rio da Grande Dourados (Unigran). Antes disso, trabalhou em funções administrativas em empresas e escritórios,
“montou uma barraca com literatura de cordel no centro de Dourados” (1988), criou o “Sebo Porão” (1991),
primeiro de Dourados e instalou a “Banca do Escritor”, no Terminal Rodoviário, iniciativas que não duraram
muito tempo e que resultaram na doação de aproximadamente 10 mil volumes para a Academia Douradense de
Letras (ADL), da qual Nicanor Coelho foi fundador e primeiro presidente. (Luciano, 2002, p. 2-3)
Na Literatura, além dos livros já citados no Editorial “O velho e o novo ‘O Rolo’”, Luciano (2002) relata a
publicação dos livros “A Noite do Camaleão” (1995) e “Os Mistérios do Ladrão de Biblioteca” (1996).
No ano seguinte, Nicanor Coelho lançou a “Revista Arandu” (1997) com edições publicadas até hoje (2012)
e que se destina a:
“publicar artigos científicos, resenhas, poemas, ensaios, enfim, um espaço livre para a produção intelectual e acadêmica dos douradenses, uma produção do Grupo Literário Arandu, editada com parcos patrocínios, às vezes com colaborações dos autores que dese-jam publicar seus trabalhos e sem apoio oficial, por opção de não envolver o projeto com interesses político partidários, segundo o próprio Nicanor Coelho”. (LUCIANO, 2002, p.04)
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Na área jornalística, atuou em diversos veículos como o Jornal O Panorama (1987), Jornal “Lavoura e Co-
mércio” (1988), de Rio Brilhante, TV Ponta Porã (1989 a 1990), Diário da Serra (1991 a 1992), Gazeta Popular
(1993 a 1994), TV Dourados (1995 a 1998) e Jornal O Progresso (1995). A carreira de Nicanor Coelho “con-
tinua até hoje, sendo marcada por várias mudanças de emprego”. (LUCIANO, 2002, p.04)
Mesmo sem citar o resgate que Nicanor Coelho fez do “O Rolo” no ano de 1994, o artigo de Luciano (2002)
possibilita um contexto da atuação em iniciativas de divulgação e publicação literária e em empresas jornalísticas
no período anterior e posterior de “O Rolo”.
A mudança de liderança de Joaquim Lourenço Filho, um médico que queria criar um jornal diferente, entre
as muitas empreitadas que realizava na cidade, para Nicanor Coelho, um escritor e jornalista que desenvolvia
iniciativas para fomentar a cultura e os artistas de Dourados, terá impacto direto nos objetivos de “O Rolo” na
segunda fase do jornal.
JORNALISMO
De 1959 a 1994, o jornalismo impresso de Dourados mudou. A expectativa de um jornalismo “sério” da pri-
meira fase de “O Rolo”, que queria demonstrar sua diferença já pelo próprio formato diferente, ao resgate 34 anos
depois, quando o jornalismo acentuou a complexidade das relações de trabalho, a tecnologia dos procedimentos e
o custo da matéria-prima, já mencionados neste trabalho com base em Sodré (1999) como consolidação do capi-
talismo, são condições que podem ter reduzido a pretensão de foco jornalístico do “O Rolo” de 1994, que passou
a se contentar em ser uma “nova alternativa de informação e entretenimento”. (O ROLO, 1994, p.1)
Na primeira fase, no Editorial do número 01 do “O Rolo”, os diretores disseram se atrever a “fazer um jornal sério,
por imaginá-lo de maior utilidade” e que tentariam “dentro de nossas modestas possibilidades, levar aos nossos leito-
res o maior número de notícias que julgamos seja do seu interesse” (COM, 1959, p.1). Ser um veículo informativo é
citado no texto “O Rôlo Róla”, quando os diretores estão felizes com a repercussão do jornal em São Paulo e afirmam
sentirem-se honrados e cumprirem “o grato prazer de informar o que aqui informamos” (O RÔLO, 1960, p.2).
O que os diretores da primeira fase pensavam sobre o que seria esse “jornal sério” está caracterizado pelo
seguinte trecho:
“Lutaremos sim, se tal nos permitirem, em prol das causas justas e pelo engrandecimento do nosso município. (...) Este jornal não tem cor política, por reconhecermos que ELA própria não ter cor. Limitar-nos-emos, politicamente, aos fatos, sòmente (sic) aos fatos, abstendo-nos de comentários facciosos (sic) ou críticas, menos por conveniências pessoais, mais pelo res-peito aos que nos honram com sua leitura”. (COM, 1959, p.1).
Esse mito do produto jornalístico como reflexo da realidade faz parte da primeira “teoria” do jornalismo, a Te-
oria do Espelho, que de acordo com Traquina (2004), defende que as “notícias são como são porque a realidade
assim as determina” e que o jornalista tem a missão de “informar, procurar a verdade, contar o que aconteceu,
doa a quem doer” (TRAQUINA, 2004, 146-147)
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Recolher informações e relatar os fatos sem influencia de interesses alheios à notícia, seriam possíveis por meio do
“respeito às normas profissionais” dos jornalistas, que afirmam sua legitimidade e credibilidade com base na “crença
social” de que são “simples mediadores que reproduzem o ‘acontecimento’ na notícia”. (TRAQUINA, 2004, 147).
A análise dos gêneros jornalísticos e literários da primeira e segunda fases de “O Rolo” promove a reflexão
entre o jornalismo que se pretendia na criação do jornal e o que foi realizado, inclusive pelo curto período de
existência, nos anos de 1959 e 1960.
GÊNEROS JORNALÍSTICOS E LITERÁRIOS
Para realizar análise quantitativa dos gêneros jornalísticos e literários utilizados em “O Rolo” e buscar um
método que possibilite a visualização da mudança de propósito editorial do jornal, foram utilizadas as definições
de gêneros jornalísticos de José Marques de Melo (2010) e de gêneros literários de Paula Cristina Lopes (2010).
O debate sobre os gêneros jornalísticos foi reacendido com as pesquisas sobre jornalismo na web, proble-
matizando certa dificuldade de definir limitações entre os gêneros em um espaço que favorece o surgimento de
novos gêneros ou a mistura de gêneros (complementares ou híbridos). (MELO, 2012, p.07)
A partir da crítica que fez aos gêneros jornalísticos (informativo, interpretativo e opinativo) de Luiz Beltrão, Melo
defendeu em 2003 a categorização apenas em gêneros informativo e opinativo. Posição recentemente revista em
decorrência dos novos estudos com foco na internet e que resultou na ampliação das categorias e formatos cor-
respondentes: informativo (nota, notícia, reportagem e entrevista); opinativo (editorial, comentário, artigo, resenha,
coluna, crônica e caricatura e carta); interpretativo (dossiê, perfil, enquete e cronologia); diversional (história de
interesse humano e história de colorida) e utilitário (indicador, cotação, roteiro e serviço). (MELO, 2010)
Tendo em vista as características de “O Rolo”, durante a análise, foi acrescentado o formato de “orientações
úteis” que Chaparro (2008) elenca também ser parte do gênero utilitário, entre outras “espécies de práticas”.
Quanto aos gêneros literários, utilizou-se a categorização de Lopes (2010), que realizou revisão dos con-
ceitos de gêneros literários ao longo do tempo, alvo de olhares sobre diversas perspectivas, e apresentou o que
seriam os gêneros clássicos: narrativa (romance, epopeia, fábula, novela, conto e crônica), lírico (ode, hino,
soneto, elegia e canção) e dramático (sátira, farsa, comédia, tragédia e auto). (LOPES, 2010, p.7-8)
O olhar sobre os textos de “O Rolo” para a análise quantitativa dos gêneros jornalísticos e literários seguiu
a metodologia de Unidade de Informação, de Violett Morin (1974), sendo que foram retirados dos quadros de
resultados os gêneros e formatos que não são contemplados no jornal.
A categorização identificou 138 Unidades de Informação divididas em gênero jornalístico (informativo, opi-
nativo e utilitário) e gênero literário (narrativo e lírico). As informações que não se encaixam nesses gêneros,
como o Quiz intitulado “Perguntamos: Responda-nos...”, receita de sobremesa e frases de personalidades famo-
sas, por exemplo, não fazem parte da análise quantitativa.
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Quadro 1 – Gênero Jornalístico - Informativo
Quanto ao Gênero Informativo, percebe-se a pequena representatividade de notícias nos sete números e a
ausência em diversos números, representando menos de 10% do total de unidades de informação (UIs), já que
são 12 UIs frente ao total de 138 UIs. Dessas 12 UIs de Gênero Informativo, maioria no número 01, 07 são
notícias internacionais (Coluna “Umas e Outras...”) provavelmente originadas de agências internacionais e conti-
nham estrutura básica de lead (quem, o que, quando, onde, como e por que). Na segunda fase, foi reproduzida
uma notícia da Editoria Policial do jornal “O Progresso”, sobre violência sexual, e outra da Editoria de Cultura,
sobre a realização de 1º Salão Weimar Torres de Artes Visuais e Poesia.
As notas também não tiveram presença na segunda fase, sendo que nos três primeiros números abordavam
assuntos do próprio “O Rolo”, respectivamente, seu início, repercussão e resgate.
Quadro 2 – Gênero Jornalístico - Opinativo
O Gênero Opinativo é o mais representativo nas duas fases do jornal, com 64 UIs das 138 UIs, represen-
tando 46,3% do conteúdo total. As publicações eram principalmente de comentários na primeira fase (24 UIs) e
artigos de opinião na segunda fase (13 UIs). A característica de maior quantidade de Unidades de Informação
na primeira fase (37 UIs) ocorreu por conta dos textos serem mais curtos, com menor quantidade de caracteres
que na segunda fase.
O comentário (24 UIs) é o resultado da tentativa de “O Rolo” de divulgar os fatos ocorridos na cidade, po-
rém, ao invés da usar estrutura de notícia, são escritos textos misturando fatos com impressões e recomendações
dos diretores do jornal sobre o tema em questão. Na coluna “Peneirando”, por exemplo, com um dos comentá-
rios diz respeito ao controle de zoonoses:
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“ONZE – A cachorrada anda solta em Dourados. Snr. Vinicius essa tal de lei dos cachorros não resolve. Man-
de jogar as bolas arsenicadas para os caninos vadios...
... Ou Dourados acaba com os cachorros ou eles acabam com a gente...” (PENEIRANDO, 1995, p. 02).
Os artigos (14 UIs), por sua vez, abordam temas variados como política, educação, geografia urbana e lin-
guagem, por exemplo, mas com foco em questões de Dourados. Eram geralmente de autoria de professores ou
estudantes de Ensino Superior.
As resenhas (05 UIs) surgem na segunda fase com críticas positivas aos livros dos escritores regionais, José
Laerte Cecílio Tetila (livro “Marçal de Souza – Tupã’I – Um guarani que não se cala”), Emmanuel Marinho (“Mar-
gem de papel”), Heitor Cardoso (“Seis vidas num só rumo”) e duas resenhas de José Pereira Lins (“Lobivar Matos
– O poeta desconhecido”).
As colunas (07 UIs) não foram mantidas de uma fase para a outra. Na primeira fase tratavam de temas do
cotidiano da cidade, saúde e agricultura (“Peneirando”, “Ajude seu médico” e “Para o Agricultor”) e na segunda
fase (03 UIs) eram sobre moda e cultura (“Moda & Cia”, “Letras – Artes & Literatura” e “ContraCult”). As colunas
da primeira fase foram publicadas no número um e dois de “O Rolo”, enquanto que as colunas da segunda fase
apenas no número 06.
Crônicas jornalísticas (05 UIs) foram publicadas em três números com foco em assuntos pertinentes a reali-
dade local, como os times de futebol e rinhas de briga de galo.
As caricaturas (02 UIs) são divulgadas apenas no número 05, de um mesmo autor, Jocimar, uma retratando
o editor Nicanor Coelho e a outra a atriz Monicq Fraga. A primeira fase não apresenta nenhuma imagem, im-
possibilitada pela tecnologia da época.
Cartas (02 UIs) são publicadas somente no número 02, sendo que são de autoria do jornal, uma é de repúdio
ao proprietário da Tipografia que atrasou a veiculação de “O Rolo” e outra é de crítica à violência da discrimi-
nação racial na África do Sul.
Quadro 3 – Gênero Jornalístico- Utilitário
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Na segunda fase, aumenta a participação dos Gêneros Literários, que na primeira fase estavam restritos às
páginas de suplemento do jornal (02 UIs), para que fossem recortados e guardados. A maioria dos textos lite-
rários da segunda fase (14 UIs) foi contabilizada na categoria de contos (12 UIs), onde foram agrupados em
conjunto com prosas poéticas e textos em estilo livre.
Quadro 5 – Gênero Literário - Lírico
Na categoria de Soneto estão as poesias (10 UIs), presentes em todos os números da segunda fase, com
autores variados, do desconhecido pelo público ao freqüente nas edições do “O Rolo”. O hino publicado é o
Hino de Dourados, em razão da comemoração do aniversário de emancipação política do município, na data
de distribuição do jornal.
Analisando quantitativamente os gêneros jornalísticos e literários é possível notar a alteração do perfil de
“O Rolo”, de uma publicação baseada nos gêneros opinativo e utilitário, que pretendia ser “jornal sério”, para
uma publicação centrada nos gêneros opinativo e literário, voltado para divulgação cultural, com espaço para
trabalhos de escritores locais e artigos de opinião sobre a cidade.
O Gênero Utilitário é representativo apenas na primeira fase (19 UIs), com serviços de agenda de cinema,
resultado da loteria, cotação dos preços produtos alimentícios e, principalmente, orientações sobre saúde e agri-
cultura, por meio de colunas sobre esses temas e texto em formato de dicas. Na coluna “Para o Agricultor”, por
exemplo, são dicas como: “SEIS – As florestas recuperam os solos cansados. Lavrador não destrua a totalidade
de florestas nas suas terras. Não transforme o Estado de Mato Grosso num deserto do Saara dentro de 20 anos”.
(PARA, 1960, p. 2)
Quadro 4 – Gênero Literário - Narrativa
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tendo em vista a irreverência de um jornal impresso com 15 centímetros de largura por 192 centímetros de
comprimento (número 04).
O propósito de “O Rolo” parece ter sido alterado na segunda fase, quando não se fala mais em jornalismo,
mas em “uma nova alternativa de informação e entretenimento”, segundo o Editorial “O Rolo está de volta”,
do número 03, publicado em 20 de dezembro de 1994. Como a data simboliza o aniversário da emancipação
política de Dourados enquanto município, formalizada em 20 de dezembro de 1935, o Editorial “O velho e o
novo ‘O Rolo’”, afirma porque reativou o veículo:
“Agora, 35 anos depois estamos resgatando um pouco da história de Dourados e voltamos a publicar men-
salmente ‘O Rolo’, uma homenagem ao médico que é um dos mais célebres douradenses tendo contribuído
sobremaneira para o desenvolvimento da cidade.” (EDITOR, 1994, p.1)
Porém, não se usa mais o termo jornal para identificar “O Rolo” nos números da segunda fase, com exce-
ção do número 03, onde pede para que os leitores enviem textos e do número 04, no artigo “A Fundação de
‘O Rolo’”, de Joaquim Lourenço Filho, este que insiste em afirmar o caráter jornalístico do veículo. Logo após
explicar os motivos da interrupção de “O Rolo” em 1960, Joaquim Lourenço Filho afirma em 1995 que a ini-
ciativa “agora surge com força total pelas mãos do acadêmico Nicanor Coelho, outro idealista em matéria de
jornalismo. Vamos ver, faço votos para que ela floreça (sic) com total vigor para nosso deleite e, como relíquia
no jornalismo mundial... (LOURENÇO FILHO, 1995, p.1). Reforçando a expectativa de um “O Rolo” jornalístico.
De acordo com Luciano (2003), no ano de 1993, os jornais sem periodicidade definida que circulavam com
financiamento de personalidades e empresas ligados a determinada linha política ou interesses econômicos, com
objetivo de produzir conteúdo parcial, não tinham mais espaço em Dourados.
“Os ‘devezenquandários’, jornais de oportunidade que circulavam no interior, estavam desprestigiados, en-
fraquecidos, desacreditados. Essa modalidade de jornalismo, muito criticada pelo mercado e pela academia,
está sumariamente extinta”. 1993 (LUCIANO, 2003, p.54)
Resgatar um “O Rolo” no formato de manuscrito de papiro para concorrer com os jornais impressos de em-
presas consolidadas em 1994, como os diários “O Progresso” e “Diário do Povo” e os semanários “Folha de
Dourados” e “Gazeta Popular” para fazer noticiário não parece viável financeiramente para uma iniciativa de
um editor sem equipe de profissionais e com disponibilidade de atender o público apenas no período noturno.
Na primeira fase, nos anos de 1994 e 1995, o que o jornal identifica como “redação provisória” estava
localizada na Avenida Marcelino Pires, número 1509, cidade de Dourados, estado de Mato Grosso. Também
constava a Caixa Postal, número 144, e o telefone, número 101.
Considerações finais
Passar de um jornal de gêneros predominantemente opinativos e utilitários para gêneros literários e
opinativos não parece ter sido uma mudança aleatória. “O Rolo” de 1959/1960 é semelhante ao de
1994/1995 apenas no formato de manuscrito de papiro. O que ainda assim tem seu valor de resgate,
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Na segunda fase, como contato se repetem no endereço a Caixa Postal 475 e o CEP 79804-970 (números,
04, 05, 06 e 07), sendo que apenas os números 03, 04 e 05 incluem no endereço a seguinte localização: Ave-
nida Marcelino Pire, 2326, conj. 04, 1º andar. Os números de telefone aparecem somente nos números 06 e
07, respectivamente, 421-5550 e 421-2104, mantendo o mesmo horário de atendimento, das 19h às 22h30.
Demonstrando que a disponibilidade para os leitores era apenas noturna, em números de telefone que variaram
de um mês para outro, e que a estabilidade de contato que “O Rolo” oferecia na segunda fase era por meio de
carta pela Caixa Postal.
A própria biografia de Joaquim Lourenço Filho e de Nicanor Coelho auxiliam a visualização de interesses di-
ferentes para a missão do “O Rolo”. Um era médico e empreendedor de diversas iniciativas, como a Companhia
Telefônica, a Maternidade Santa Rosa e a Confraria do Ùltimo Reveillon do Século XX. Outro era escritor, criador
de locais para vender literatura regional e que mesmo sendo jornalista por profissão, não usou “O Rolo” como
veículo jornalístico.
A análise quantitativa dos gêneros jornalísticos e literário possibilitou a demonstração de um jornal mais opina-
tivo e utilitário na primeira fase e mais opinativo e literário na segunda fase, com menos de 10% de conteúdo do
gênero informativo. “O Rolo” da primeira fase se autoidentificava como jornal já no slogan “Um jornal diferente
para as causas comuns”, mas fazia mais comentários que notícias. O slogan foi até retirado na segunda fase.
Outros aspectos do “O Rolo” podem ser objeto de variadas pesquisas, com foco nos anúncios de publicida-
de, na própria diagramação do conteúdo e na análise da linguagem, no valor-notícia ou conteúdos dos textos.
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A História entre o Jornalismo e a Literatura: Fronteiras narrativas e metodologias possíveis
Palavras-chave: Jornalismo; História; Literatura; Narrativas; História da Imprensa.
Resumo
A partir de uma pesquisa bibliográfica, esse trabalho analisa as representações narrativas através de três di-
ferentes campos teóricos: o Jornalismo, a História e a Literatura. O objetivo é identificar pontos de aproximação
e distanciamento na forma como cada uma dessas áreas se apropria da produção narrativa no momento de
materializar, através da escrita, suas reflexões conceituais. Propõe ainda uma contribuição metodológica, espe-
cialmente para pesquisas relacionadas à História da Imprensa no Brasil.
André MAZINI¹
¹Professor nos cursos de Comunicação Social da Unigran e doutorando no Programa de Pós-Graduação de História da
UFGD. Email: [email protected]
MAZINI, André 374
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1. Introdução
Especialmente entre os séculos XIX e XX os conhecimentos acadêmicos concentra-ram esforços na delimita-
ção de suas fronteiras epistemológicas. Seja por influência do en-cantamento provocado pelo desenvolvimento
tecnicista das ciências ditas exatas, ou por uma necessidade natural de proteger legitimidades em um determina-
do campo teórico, fato é que mesmo as ciências humanas e sociais se empenharam em fixar os limites de seus
territórios de ação acadêmica.
Mesmo singulares em suas especificidades na forma como analisam diferentes objetos – e aqui voltamos nos-
sa atenção para as ciências humanas e sociais – há elementos em comum que perpassam a reflexão acadêmica
desenvolvida nas diversas áreas do conheci-mento. Um desses elementos é a narrativa.
Neste trabalho, analisaremos as narrativas na perspectiva de três áreas do conheci-mento distintas, porém
complementares, que encontram no universo das narrativas uma das bases de sua legitimação enquanto saber
legítimo, são elas: a História, a Literatura e o Jor-nalismo.
Antes, porém, de focar nessas três áreas é necessário fixar o conceito sobre o qual trabalharemos as narrativas.
Uma definição simples de narrativa é aquela que a compreende como uma das respostas humanas diante do caos. Dotado da capacidade de produzir sentidos, ao narrar o mundo, o sapiens organiza o caos em um cosmos. (...) Sem essa pro-dução cultural – narrativa – o humano ser não se expressa, não se afirma perante a desorganização e as inviabilidades da vida. Mais do que talento de alguns, nar-rar é uma necessidade vital. (MEDINA, 2006, p.67)
A partir da definição inicial apresentada por Cremilda Medina é possível conceber as narrativas como pro-
duto daquele que narra, fruto da ação deliberada do ser humano que busca atribuir sentido ao caos a partir de
sua organização em forma discurso.
Enquanto discurso, a narrativa, ainda que seja fruto de investigação social sistemática, sujeita-se às inferên-
cias subjetivas do narrador, não podendo ser concebida como produto objetivo e imparcial, como se costumava
defender no final do século XIX e início do XX. Tal constatação, todavia não é um consenso, especialmente entre
as linhas teóricas positivistas (ou as que ainda preservam resquício destas), que insistem na isenção da linguagem.
Segundo Moscateli (2005), Hayden White, ao comentar as reflexões desenvolvidas por Michael Foucault a
respeito das ciências humanas que tomam por base a opacidade da lin-guagem, defende esta que esta crença
nasce da crítica ao estatuto ontológico privilegiado que fora conferido à linguagem e que fizera desta um “ser”
separado dos demais, como se as palavras possuíssem atributos específicos suficientes para diferenciá-las das
coisas sobre as quais elas pretendem falar.
O que a moderna teoria lingüística demonstra é que as palavras não passam de coisas entre outras coisas no mundo, que elas sempre haverão de obscurecer tan-to quanto aclarar objetos que pretendem significar, e que, portanto, todo sistema de pensamento elaborado com a esperança de idear um sistema de representa-ção neutro está fadado à dissolução quando a área de coisas que ele remete à obscuridade emerge para insistir em seu pré reco-nhecimento. (WHITE, 1994, p. 255)
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A História entre o Jornalismo e a Literatura: Fronteiras narrativas e metodologias possíveis 375
É nesse contexto que Paul Veyne subsidia sua tese que História passaria pela armação de uma intriga.
Para este autor:
Os fatos não existem isoladamente, no sentido de que o tecido da história é o que chamaremos uma intriga, uma mistura muito humana e muito pouco “científica” de causas materiais, de fins e de acasos; numa palavra, uma fatia de vida, que o historiador recorta a seu bel-prazer e onde os fatos têm as suas ligações objetivas e a sua importância relativa. (VEYNE, 2008, p. 48)
De acordo com o autor, a história é uma narrativa de eventos, constatação que, para ele, define todas as
outras produções do fazer histórico. Já que é, de fato, uma narrativa, ela não faz reviver esses eventos, assim
como tampouco o faz o romance; o vivido, tal como ressai das mãos do historiador, não é o dos atores; é uma
narração (VEYNE, 2008, p. 18)
2. A imprensa e a História
Em sua participação no livro organizado por Carla Pinsky, O Historiador e Suas Fontes, Tânia Regina de Luca
pontua que a segunda metade do século XX testemunhou uma significativa mudança de paradigma no campo
dos estudos historiográfico, no que diz respeito à análise dos periódicos. De acordo com Luca, somente a partir
da década de 1970 o jornal passa a ser concebido como um possível objeto da pesquisa histórica e deixa de ser
utilizado, tão somente, apenas como fonte confirmadora de análises apoiadas em outros tipos de documentação
(LUCA, 2010, p.118).
Como um dos marcos dessa mudança é indicado por Luca o trabalho Bravo Matutino, de Maria Helena
Capelato e Maria Lidia Prado. Na contramão das pesquisas históricas realizadas em sua época, e até mesmo
enfrentando possíveis preconceitos quanto à investigação da história a partir de periódicos, a dupla de pesquisa-
doras elegeu como fonte única de investigação e análise crítica o jornal O Estado de S. Paulo.
A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero “veículo de in-formações”, transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se inserem. (CAPELATO e PRADO, 1980, p. 19)
Nas décadas que se seguiram ocorreu uma maior abertura do campo historiográfico no que diz respeito à
apreensão de diferentes objetos, sendo notadamente crescente o número de estudiosos que analisaram a his-
tória a partir das lentes da imprensa. O panorama fica ainda mais evidente nos campos das histórias cultural
e política, em pesquisas com recorte temporal a partir do século XIX, período em que os jornais apresentavam
suas leituras sobre os acontecimentos sociais, evidentemente com diferentes níveis de comprometimento político,
econômico e ideológico. As renovações no estudo da história política, por sua vez, não poderiam dispensar a
imprensa que cotidianamente registra cada lance dos embates na arena do poder. Os questionamentos desse
campo, imbricados com os aportes da história cultural, renderam frutos significativos (LUCA, 2010, p.128).
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Apesar de progressivamente reconhecida como objeto da história, esta sempre enxergou a imprensa com
desconfiança. A suspeição é traduzida, de acordo com Luca, por João Honório Rodrigues que, mesmo conside-
rando o jornal como umas das principais fontes de informação histórica, alertava, com razão, que nem sempre a
independência e exatidão dominam o conteúdo editorial. Conteúdo este, caracterizado pelo autor como mistura
do imparcial e do tendencioso, do certo e do falso (RODRIGUES, 1968, p. 198).
Se por um lado é justificada, nos estudos históricos, a desconfiança a respeito do conteúdo presente nas pá-
ginas dos periódicos, por outro, de acordo com Luca, é perceptível que, comprometidos ou não, os jornais são
pautados por aquilo que se julga relevante para a sociedade de sua época imediata.
Pode-se admitir, à luz do percurso epistemológico da disciplina, e sem implicar a inter-posição de qualquer limite ou óbice ao uso de jornais e revistas, que a imprensa periódica seleciona, ordena, estrutura e narra, de uma determinada forma, aquilo que se elegeu como digno de chegar até o público. (LUCA, 2010, p.139)
Dessa forma, o pesquisador dos periódicos, segundo Luca (2010, p.140), trabalha com o que se tornou noti-
cia, o que por si só, segundo ela, já abarca um espectro de questões, pois será preciso dar conta das motivações
que levaram à decisão de dar publicidade à alguma coisa.
Tendo a legitimidade, socialmente reconhecida, de informar às pessoas os acontecimentos de interesse públi-
co, a imprensa se apropria de um representativo poder simbólico, especialmente a partir da passagem entre os
séculos XIX e XX, quando o jornalismo entra em sua era industrial (MELO, 2005). Nesse período, a imprensa se
profissionaliza e ganha status de mediadora das informações sociais.
Nessa transição do artesanal para o industrial, as matérias deixam de ser expressões explicitamente ideológi-
cas, e até panfletárias – como ocorreu largamente após a Revolução Francesa –, e passam a representar todo um
contexto social a partir de uma premissa frágil, porém defendida à peso de ouro, de objetividade, imparcialidade
e verdade. Se concordamos com Chartier (1988), quando afirma que as representações do mundo social são
sempre determinadas pelo grupo que as forjam, temos na imprensa uma grande influência das representações
de mundo construídas a partir do século XX.
3. Uma metodologia possível
É em sua busca por encontrar estratégias eficientes de análise histórica dos periódicos que Tânia Regina de
Luca deixa sua principal contribuição acadêmica. As etapas apontadas pela pesquisadora como fundamentais
para desenvolver pesquisas cuja principal fonte seja a imprensa são:
3.1. Encontrar fontes e constituir uma longa e representativa série
A disponibilidade das fontes é um pré-requisito fundamental nesse tipo de abordagem. A análise isolada de
exemplares de periódicos, impossibilitando assim uma visão mais ampla do objeto e sua linha editorial, pode
comprometer o trabalho acadêmico. Por isso é preciso que haja uma série que atenda aos anseios de pesquisa,
pelo menos, em relação ao recorte temporal adotado.
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A História entre o Jornalismo e a Literatura: Fronteiras narrativas e metodologias possíveis 377
3.2. Localizar as publicações na história da imprensa
A pesquisa precisa identificar um panorama da história da imprensa no período estudado e verificar como
os jornais se posicionavam em relação ao contexto de jornalismo profissional da época. Caso os jornais sejam,
por exemplo, do século XIX, é necessário ter em vista as influências que a imprensa da época recebia dos ideais
propagados pela Revolução Francesa, resultando em um jornalismo parcial, militante, politizado e feito, nor-
malmente, sem visar o lucro. Essa realidade muda no século XX, quando a imprensa se industrializa e a notícia
se transforma em um produto vendável. Tais contextos necessitam ser contemplados a fim de que a análise dos
periódicos seja completa.
3.3. Atentar para as características de ordem material
Apesar de dedicar maior atenção às narrativas jornalística e ao discurso produzido pelos periódicos, a me-
todologia de pesquisa desenvolvida por Luca também contempla os aspectos de ordem material da publicação,
como por exemplo: tipo de material impresso; presença/ausência de imagens; destaque das matérias seleciona-
das dado em manchetes, títulos e chamadas de capa; entre outros. Em síntese, os discursos adquirem significa-
dos de muitas formas, inclusive pelos procedimentos tipográficos e de ilustração que o cercam.
3.4. Assenhorar-se da forma de organização interna do conteúdo
Verificar como as matérias sobre o tema analisado eram distribuídas nos jornais – desde localização na pá-
gina, até disposição em editorias – é apontado por Luca como um passo importante para estudar a dedicação
com que cada periódico se relacionava com os temas.
3.5. Caracterizar o grupo responsável pela publicação
Compreender quem eram os responsáveis por “ditar as regras” nos jornais é fundamental para entender o
objeto imprensa. Durante a pesquisa é necessário caracterizar, na medida do necessário, os donos dos jornais e
verificar se eles interferiam no conteúdo publicado, e de que forma.
3.6. Identificar os principais colaboradores
As relações comerciais dos jornais revelam muito dos interesses que seus proprietários buscam preservar,
especialmente quando a imprensa em questão se desenvolve a partir do século XX, na chamada era industrial
do jornalismo.
3.7. Identificar o público a que se destinava
Outra etapa elementar na pesquisa com uso de periódicos é identificar o público-alvo do jornal que se pretende
analisar. Nessa etapa, tem-se uma perspectiva mais ampla sobre o que se publicava nas matérias em análise e por
que elas eram produzidas.
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A História entre o Jornalismo e a Literatura: Fronteiras narrativas e metodologias possíveis 378
3.8. Analisar todo o material de acordo com a problemática escolhida
A última proposição metodológica citada acima é ampla e dá margem a uma análise ajustada às demandas
que se apresentarem ao longo de cada pesquisa. No contexto deste projeto o estudo do caso será desenvolvido
essencialmente a partir das fontes documentais e entrevistas com agentes envolvidos no contexto histórico estudado.
Em uma ampla síntese das orientações metodológicas, a pesquisa contemplará desde a forma como os im-
pressos chegaram às mãos dos leitores, sua aparência física (formato, tipo de papel, qualidade da impressão,
capa, presença/ausência de ilustrações), a estruturação e divisão do conteúdo, as relações que manteve (ou não)
com o mercado, a publicidade, o público a que visava atingir, os objetivos propostos.
Condições materiais e técnicas em si dotadas de historicidade, mas que se engatam a contextos socioculturais específicos, que devem permitir localizar a fonte escolhida numa série, uma vez que essa não se constitui em um objeto único e isolado. Noutros termos, o conteúdo em si não pode ser dissociado do lugar ocupado pela publicação na história da imprensa, tarefa primeira e passo essencial das pesquisas com fontes periódicas. (LUCA, 2010, p.138)
4. História e Literatura
Na obra “Roger Chartier: a força das representações”, João Cezar de Castro Rocha expõe a visão do teórico francês
em relação às aproximações e distanciamentos entre Literatura e História, ou, mais especificamente, entre as narrativas
histórica e ficcional. Castro Rocha rejeita a insinuação de que o historiador seja um ficcionista constrangido (ROCHA,
2011, p. 10), já que tal insinuação representaria, na perspectiva do autor, uma precipitação semelhante à crença positi-
vista na relação fiel dos fatos, o que seria a mesma ingenuidade, ainda que em direção oposta (ibdem, p. 10).
Inserido na discussão sobre História e Romance, é possível identificar outra dicotomia presente na pesquisa
historiográfica: a estabelecida entre hipóteses e ficções.
No fundo, ¬a hipótese inicial que orienta o trabalho do historiador, quando, pela primeira vez, encontra-se
diante de uma massa de documentos, não possui, ao menos parcialmente, o caráter de uma ficção a ser compro-
vada ou refutada pelos documentos a serem decodificados a partir da hipótese inicial? (ROCHA, 2011, p. 11).
A provocação é, em seguida, atenuada quando retoma que, na visão de Chartier, a fronteira entre as narra-
tivas do historiador e do ficcionista não deve ser apagada, até porque, assim como nem todo discurso histórico
é necessariamente verdadeiro, nem toda narrativa ficcional é totalmente desprovida de elementos que a relacio-
nem com o que concebemos como real.
Fazendo referência a Hans Vaihinger e sua obra A Filosofia do “Como Se”, Rocha afirma que enquanto
hipóteses devem ser empiricamente confirmadas, a fim de serem validadas, ficções são formas de articulação
de ideias que dispensam ulterior confirmação (ROCHA, 2011, p. 12). Para Castro Rocha, a origem do mal en-
tendido que confunde hipóteses a ficções pode ser encontrada em Wolfgang Iser, quando afirma que, tanto a
narrativa do historiador quanto a do ficcionista empregam os dois procedimentos centrais dos atos de fingir, isto
é, os atos de seleção de elementos do real e de combinação desses elementos num relato determinado. Dessa
forma, nenhuma narrativa se confunde com a realidade, constituindo-se somente numa imagem parcial dela.
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A História entre o Jornalismo e a Literatura: Fronteiras narrativas e metodologias possíveis 379
Para Rocha, a diferença entre História e Literatura está na forma como cada área desnuda suas ficcionalidades.
O pacto ficcional proposto pelo romancista, e aceito pelo leitor, tem como base a aceitação da verossimi-
lhança interna à obra, em lugar da imposição de uma coerência externa a ela, teoricamente submissa ao que se
pôde reconstruir de um momento histórico determinado (ROCHA, 2011, p. 13).
Segundo Chartier, durante as décadas de 1950 e 1960, os historiadores buscavam uma forma de saber contro-
lado, apoiado sobre técnicas de investigação, de medidas estatísticas, conceitos teóricos. Assim, acreditavam que
o saber inerente à história devia se sobrepor à narrativa, por associarem-na diretamente ao mundo da ficção, do
imaginário, da fábula. Desta perspectiva os historiadores rechaçaram a narrativa e desprezaram os historiadores
profissionais que seguiam escrevendo biografias, história factual e tudo isso. Em entrevista ao Portal Universo On
-Line (acessado em 15/07/2012), Chartier comenta o panorama atual da assimilação da narrativa no contexto da
produção histórica. Citando Hayden White e Paul Ricoeur, ele explica que, mesmo quando os historiadores utilizam
estatísticas ou qualquer outro método estruturalista, não deixam de produzir uma narrativa. Quando dizem que tal
coisa é consequência ou causa de outra, estabelecem uma ordem sequencial, se valem de uma concepção da
temporalidade, que é a mesma de uma novela e de um relato historiográfico (CHARTIER, 2012).
A dimensão ficcional dos relatos por parte dos historiadores, segundo Kramer (1995), porém, não significa
necessariamente que eles de fato não tenham ocorrido. O que deve ser levado em conta é que em toda tentativa
de descrever acontecimentos é necessário que sejam levadas em consideração diferentes formas de imaginação.
5. Jornalismo e Literatura: tão próximos quanto distantes
O jornalismo define-se historicamente como atividade que apura acontecimentos e difunde informações da
atualidade, buscando, capturar o movimento da própria vida. É da natureza do jornalismo tomar a existência
como algo observável, comprovável, palpável, a ser transmitido como produto digno de credibilidade. Dessa for-
ma, o jornalismo se propõe a prestar uma espécie de testemunho do real, fixando-o e ao mesmo tempo tentando
compreendê-lo. Para essa captação do, supostamente, real, o jornalismo utiliza a linguagem como ferramenta.
Logo, a linguagem é concebida como meio e não como fim e nesse ponto surge talvez a maior separação entre
jornalismo e literatura.
A natureza da literatura, por sua vez, parece ser outra e até oposta à do jornalismo. Trata-se de dotar a linguagem verbal de uma dimensão em que ela não é meio, mas fim; tomá-la como matéria em si, portadora de potencialidades expressivas. Na literatura, a linguagem não é mera figurante, mas centro das atenções. Nesse sentido, se há algo para comunicar na literatura, esse algo só existe pelo poder conferido à conduta da própria linguagem. Não se trata de exatamente de afirmar que não existe mundo algum fora da experiência da lingua-gem. Mas de supor que para a realização literária, tal mundo só importará se o verbal que o transmitir estiver, por assim dizer, transmutado, recriado, destituído de sua função cotidiana e costumeira. Com isso, vem a constatação de que a razão de ser da literatura não é exata-mente a comunicação. (BULHÕES, 2007:12)
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A História entre o Jornalismo e a Literatura: Fronteiras narrativas e metodologias possíveis 380
De acordo com Bulhões a obra de arte literária recria a realidade, manifesta uma supra realidade, ou seja,
parte do mundo conhecido e visível para realizar uma permissiva transfiguração. Ela se lança à fabulação, à
criação de situações ou universos que não possuem compromisso com a realidade racional do mundo empíri-
co (2007:18). A literatura é, por excelência, um território para o devaneio fantasioso. A sua “verdade” reside,
também, na capacidade de atingir uma dimensão universal e essencial da subjetividade humana, a da atividade
imaginativa. Já a matéria do jornalismo é a vida enquanto substância tocável e representável. A atividade jorna-
lística convencional, de maneira geral, assume, cada vez mais, o papel de um legítimo conhecedor e registrador
de realidades comprováveis e aparentes. Com tais credenciais, ele participa ativamente da crença de ser um
reformador social, adquirindo, na vigência democrática, o estatuto de vigilante do poder público e de porta-voz
da sociedade. Assim, o jornalismo passa a formular, a respeito de si próprio, um discurso que o alude ao com-
promisso de dizer “a verdade e nada mais que a verdade”.
Apesar das diferenças na base conceitual entre os campos da literatura e do jornalismo, há um, ou o princi-
pal, elemento que os converge, a narrativa. Produzir textos que dispõem uma sequência de eventos que ocorrem
num tempo e espaço determinado com participação de personagens, é algo que recai tanto sobre a prática
literária quanto à jornalística. Além disso, lembra Bulhões, é importante não perder de vista que a narratividade
está intimamente vinculada à necessidade humana de conhecimento e revelação do mundo ou da realidade. A
diferença é que, na literatura, a busca por esse conhecimento se dá, principalmente, por via imaginativa e ale-
górica, já o jornalismo por meio de uma suposta “verdade” objetiva e testemunhal.
Mas a linha que contorna os espaços ocupados por literatura (ficção) e jornalismo (não-ficção) nem sempre
foi tão definida. Houve momentos históricos em que aconteceram flertes, bem ou mal sucedidos, por ambas as
partes. Da parte do jornalismo, o interesse pela liberdade literária pode ser identificado em qualquer período que
se analise. Nos anos 60, no entanto, o interesse ganhou corpo, ideologia e estilo próprios que repercutem até
hoje. Nem Tom Wolfe, protagonista do New Journalism, nem Bulhões ao analisar o que aconteceu ao jornalismo
dessa época, conseguem enxergar no Novo Jornalismo um movimento, pois não despontou com um delinea-
mento de ideias estabelecidas por um grupo coeso de representantes, nem elaborou um manifesto declaratório
de princípios. Foi mais uma atitude que se processou na fluência de uma prática textual desenvolvida em alguns
jornais e revis-tas americanas, inicialmente com textos das chamadas reportagens especiais publicadas na Es-
quire, e no Harold Tribune, por gente como Jimmy Breslin, Tom Wolfe e Gay Talese, até atingir a configuração de
grandes narrativas com feição de romance, nas obras de Truman Capote e Norman Mailer (Bulhões, 2007:145).
A aproximação aconteceu também por parte da literatura. Nos anos 1990, a ficção brasileira se recheou de
fatos, competindo com a televisão, com o cinema e até com a internet, se deixando pautar pela agenda do jorna-
lismo. Mais uma vez a fronteira literatura/jornalismo é rompida. Bulhões analisa, em relação ao Brasil, que, nos
últimos quarenta anos, a literatura presenciou uma avalanche de obras que se desinteressaram pela transfigura-
ção ficcional. Todos os anos surgem livros e mais livros sobre a “vida real”, com grande aceitação do público.
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A História entre o Jornalismo e a Literatura: Fronteiras narrativas e metodologias possíveis 381
6. Estética narrativa
Se é possível identificar distinções marcantes entre os fundamentos epsitemológicos da História, da Literatura
e do Jornalismo, ao menos no que se refere à utilização da linguagem, essa constatação se estende consequen-
temente ao entendimento das três áreas sobre estética.
Estética (do grego aisthésis: percepção, sensação) é um ramo da Filosofia que tem por objeto o estudo da natureza
do belo e dos fundamentos da arte. Ela estuda o julgamento e a percepção do que é considerado belo, a produção
das emoções pelos fenômenos estéticos, bem como as diferentes formas de arte e do trabalho artístico; a ideia de obra
de arte e de criação; a relação entre matérias e formas nas artes.
No entanto, apesar de ter uma origem comum, o conceito de estética varia de acordo com a ciência que o aplica.
Os filósofos da Grécia Antiga começaram a pensar sobre a estética através de objetos bonitos e decorativos produ-
zidos em suas culturas. Platão entendeu que estes objetos incorporavam proporção, harmonia e união. Nas “metafí-
sicas”, Aristóteles, por sua vez, achou que os elementos universais de beleza eram a ordem, a simetria, e a definição.
A teoria literária concebe a estética como inserida em uma estrutura textual, através de recursos estilísticos e
da forma como o texto é construído e disposto com fins de apreciação visando a incitação de emoções em seu
receptor. De acordo com Lage, enquanto na literatura, a forma é compreendida como portadora, em si, de in-
formação estética, em jornalismo a ênfase desloca-se para os conteúdos, para o que é informado (LAGE, 2001).
No jornalismo, a estética está mais diretamente relacionada ao modo como o jornalista recorta a realidade
e a reconstrói na esfera pública da notícia. Isso inclui não só a singularidade que o jornalista consegue ressaltar
do fenômeno em questão, mas também o modo como o jornalista retrata tal fenômeno. Nesse sentido é neces-
sário ao jornalista usar os recursos técnicos que se tem a disposição para dar corpo à notícia. O estético surge
da capacidade de fazer da técnica jornalística um componente para captar meandros de uma realidade, tão co-
mum quanto estranha, aos olhos despercebidos da maioria. O “contar uma história”, ou narrar, não é restrito ao
escrever, ou a como utilizar as construções textuais corretas, mas sim em como utilizar a linguagem na busca da
compreensão do mundo, tarefa inerente ao jornalista. No jornalismo, então, a forma não carrega a informação
estética em si mesma, mas dá forma ao conteúdo que elucida. Quando a linguagem se sobrepõe essa função,
o jornalismo entra no território da ficção literária.
Diferentemente da Literatura, que concebe a estética a partir do belo, e do Jornalismo que a concebe a par-
tir da eficiência informativa, na História a estética textual é focada na capacidade de registro que determinada
narrativa demonstra ao referir-se aos acontecimentos históricos. Capacidade que contempla desde a habilidade
em se trabalhar as fontes até à de construir uma escrita clara e objetiva (fiel ao objeto).
Vainfas e Cardoso em “Domínios da História”, reconhecem o poder da linguagem e sua relevância para o fa-
zer Histórico. O conhecimento humano em todas as suas formas tem a ver com linguagens (no sentido semiótico:
verbais tanto quanto não-verbais) e processos de significação (semioses) (VAINFAS e CARDOSO, 1997, p. 40).
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Peter Burke destaca que há um movimento crescente entre os pesquisadores que têm reagido contra a ideia
de “superestrutura”. Um grupo que enxerga na cultura poder suficiente para resistir às pressões sociais, ou mes-
mo para moldar as realidades sociais. Daí o interesse cada vez maior pela história das ‘representações’, e em
particular pela história da ‘construção’, ‘invenção’ ou ‘constituição’ do que costumava, em geral, ser considerado
‘fatos’ sociais (BURKE, 2000, 248).
Para o historiador Fábio Pestana Ramos, a reflexão sobre a História a partir de suas manifestações narrativas
traz à tona duas questões:
Primeiro a leitura das reminiscências do passado pelos historiadores, construídas em nar-rativas que comunicam o entendimento de cada qual, sustentado através das fontes. Depois, os vestígios deixados pelos homens que viveram no passado e que, sendo relatos, também constituem narrativas. (RAMOS, 2010, p.1)2
O primeiro aspecto, ainda de acordo com Ramos, pode ser vislumbrado a partir da afirmação clássica de
Paul Veyne de que a história não é nada além de uma narrativa de acontecimentos tidos como verdadeiros. O
que se entende por história constitui, portanto, uma narrativa construída pelo historiador. Tais narrativas, por
serem fruto da visão de um individuo sobre outras narrativas que constituem sua fonte de interpretação, são, em
sua origem construtiva, particularizadas.
A tensão existente entre a realidade dos fatos e sua representação escrita é amplamente discutida entre os
teóricos dessa área. Michel de Certeau classifica como estranha a conversão de uma prática a um texto.
A primeira imposição do discurso consiste em prescrever como início aquilo que na rea-lidade é um ponto de chegada, ou mesmo um ponto de fuga da pesquisa. Enquanto esta dá os seus primeiros passos na atualidade do lugar social, e do aparelho institucional ou concei-tual, determinados ambos, a exposição segue uma ordem cronológica, Toma o mais anterior como ponto de partida. Tomando-se um texto, a história obedece a uma segunda imposição. A prioridade que a prática dá a uma tática de desvio, com relação à base fornecida pelos modelos, parece contradita pelo fechamento do livro ou do artigo. Enquanto a pesquisa é interminável, o texto deve ter um fim, e esta estrutura de parada chega até a introdução, já organizada pelo dever de terminar. (CERTEAU, 1982, p. 94)
Para Certeau, a escrita seria, então, uma espécie de imagem invertida da prática. Segundo o autor, a concep-
ção da escrita como espelho é séria por causa do que faz dizer outra coisa pela reversão do código das práticas.
Ela é ilusória apenas na medida em que, por não se saber o que faz, tender-se-ia a identificar o seu segredo ao
que põe na linguagem e não ao que dela subtrai (CERTEAU, 1982, p.94). Dessa forma, ao trabalhar a um só
tempo duas cenas, contratual e legendária, escrita performativa e escrita em espelho, a linguagem acaba por
abarcar para si o estatuto ambivalente de “fazer história” e, não obstante, de “con-tar história”.
2 Publicação on-line sobre assuntos relacionados com história, filosofia e educação. ISSN 2179-4111. Disponível em http://fabiopestanaramos.blogspot.com.br/2010/09/historia-narrativa-e-linguagens-uma.html. Acessado em 15/07/2012.
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Certeau continua seu pensamento afirmando que, de fato, a escrita histórica – ou historiadora – permanece
controlada pelas práticas das quais resulta; bem mais do que isto, ela própria é uma prática social que confere
ao seu leitor um lugar bem determinado, redistribuindo o espaço das referências simbólicas e impondo, assim,
uma “lição”; ela é didática e magisterial. Sendo assim, a beleza do texto Histórico é revelada, também em sua
capacidade de registrar e ensinar.
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Referências
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Civilização Brasileira, 2000.
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Rio de Janeiro: Campus, 1997.
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KRAMER, Lloyd S. Literatura, Crítica e Imaginação Histórica: o desafio literário de
Hayden White e Dominick LaCapra. In: HUNT, Lynn. A Nova História Cultural.
Tradução. Jefferson Luís Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. Tradução:
Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Edusp, 1994.
BULHÕES, Marcelo. Jornalismo e literatura em convergência. São Paulo: Ática, 2007.
LAGE, Nilson. A reportagem: teoria e técnica e entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2001.
MEDINA, Cremilda. O signo da relação: comunicação e pedagogia dos afetos. São Paulo: Paulus, 2006
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VEYNE, Paul. Como se escreve a história. Lisboa: Edições 70, 2008.
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PRADO, José Luiz Aidar. O perfil dos vencedores em Veja. Revista Fronteiras: estudos midiáticos. V. 5, n. 2. São
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ANÁLISES DE JORNAIS E REVISTAS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
Palavras-chave: Pesquisa em Comunicação, Análise de veículos impressos, Categorias: Destaque, Agenda-
mento e Alteridade.
Resumo
O artigo pretende apresentar uma proposta metodológica de análise para veículos impressos, quando o
corpus da pesquisa é em grande quantidade, por meio de três categorias estabelecidas: Destaque, Alteridade
e Agendamento. Com estas categorias pode-se analisar, quantitativamente, um conjunto complexo de fatores
quantitativos, como planejamento visual gráfico, tratamento de informações e temas pautados pelos veículos.
A técnica pode ser utilizada por pesquisadores interessados em analisar a cobertura de jornais ou revistas sobre
determinados temas como pessoas, instituições, países, povos, objetos, dentre outros.
Bruno Augusto Amador Barreto1
1 É doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo/ Universidad Pontificia de Salamanca (Espa-
nha), com MBA em Administração Acadêmica e Universitária pela Faculdade Pedro Leopoldo/Carta Consulta de Belo Horizonte/
MG, graduado e Mestre em Comunicação Social pela Universidade de Marília. Atualmente é Diretor de Planejamento de Ensino
no Centro Universitário da Grande Dourados. [email protected]
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PROPOSTA METODOLÓGICA
A técnica quali-quanti de análise de veículos impressos surgiu durante a graduação do autor e foi aprimorada
durante sua dissertação de mestrado. A idéia vem da necessidade de ter um método para investigar um grande
volume de material, estudando períodos inteiros e possibilitando uma análise macro do todo por mais de um
ângulo, especificamente, por meio da diagramação, do tratamento da matéria e do agendamento que ela possa
causar. Para isso trabalha-se com as categorias de análises: Destaque, Alteridade e Agendamento
Por meio destas três categorias analisam-se um conjunto complexo de fatores em mídias impressas, possibili-
tando desde análise do posicionamento de uma notícia na página à relação do veículo com o objeto estudado;
de temas pautados aos subsídios para se compreender os fatos; do espaço dedicado a um tema à construção
de sentido do veículo. Com a representação gráfica, fruto da tabulação dos dados desta técnica, tem-se um
conjunto de resultados qualitativos sobre os aspectos levantados anteriormente.
A técnica pode ser utilizada por pesquisadores interessados em analisar a cobertura de jornais ou revistas so-
bre determinados temas como pessoas, instituições, países, povos, objetos, dentre outros; de coberturas eleitorais
a análises de representação de países em veículos específicos.
Devido as características das variáveis de estudo realizadas por esta técnica, dentre elas a grande quantidade
de informações, ela pode ser utilizada como método de coleta e interpretação de dados em Trabalhos de Con-
clusão de Cursos e Dissertações, devido o tempo reduzido para a pesquisa destes estudos. Esta técnica, uma
vez assimilados as suas definições e formulas de tabulação, é um método prático e ágil de colher e interpretar
informações.
A seguir apresenta-se cada categoria, suas definições, quesitos e formas para tabulação dos dados.
2. DEFINIÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE
2.1. Categoria Destaque
A Categoria Destaque afere o tratamento/planejamento visual gráfico que um determinado veículo de comu-
nicação dedica a um tema e/ou objeto específico.
Busca avaliar a mancha gráfica dedicada a certo tema e a sua localização na página impressa. Assim, con-
sidera-se dois quesitos para colher os dados desta categoria: espaço e posição.
Analisando os quesitos espaço e posição de um determinado conteúdo em uma página impressa identifica-se
o grau de importância que o veículo condicionou a um tema/objeto.
2.1.1. Quesito Posição
Dois olhos manifestam a visão humana em movimento que assumem uma forma esferóide. Passar o olho sobre uma página impressa é mecanicamente natural, embora assumam traços seqüenciais que dão margem à orientação do planejador gráfico, manifestando a percepção dos detalhes. (KUNTZEL, 2003: 95).
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A distribuição dos temas pelas páginas de um veículo impresso não é feita de maneira aleatória, consi-
derar esta diagramação é o foco do quesito posição.
A diagramação pode e deve ser utilizada como uma forma de guiar o olho do leitor. Para que isso ocorra da melhor maneira possível é necessário que saibamos identificar as áreas de uma página. (HORIE, 2001: 42).
O lugar da página em que um determinado tema encontra-se mostra o grau de tratamento daquele fato ao
veículo, baliza a leitura dos seus leitores.
Numa página de jornal podem ser observadas as zonas de visualização. Quando alguém recebe uma comunicação escrita, uma carta, qualquer recado de um amigo, instintivamente sua visão se fixa no lado superior à esquerda do papel, pos estamos condicionados a saber o começo da escrita ocidental será sempre no lado superior esquerdo. (SILVA, 1985: 47).
A percepção humana é extremamente visual “os olhos em movimento buscam incessantemente obstáculos,
para fixar o foco” (KUNTZEL, 2003:97) e a fixação da leitura tende a ser em zonas estratégicas de uma página.
Lugares onde os temas que o veículo deseja ressaltar são colocados.
No diagrama abaixo tem-se as Zonas de Visualização apresentadas por Edmund C. Arnold em uma página
impressa (KUNTZEL, 2003:98; SILVA, 1985: 49 e HORIE, 2001: 43 ):
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A zona 1 é a principal de uma página, primeiro lugar visto pelo leitor. A zona 2 é a secundária, direção da
visão em um segundo momento. As áreas 3 e 4 são as chamadas zonas mortas, utilizadas para inserir informa-
ções de importância secundária.
A posição 6 é o centro geométrico de uma página, no entanto, é na zona 5, centro óptico, que a visão tende
a se fixar por um tempo maior; espaço reservado para fatos que o veículo deseja evidenciar. É importante consi-
derar que “a altura do centro óptico varia de acordo com a dimensão da página, dependendo da relação entre
a largura e a altura.”. (SILVA, 1985: 48).
Para medir o quesito posição considera-se: as zonas 1 e 5 como áreas de alta exposição, 2 e 6 de média
exposição e os espaços 3 e 4 de baixa exposição.
Escala de medida adotada no quesito:
Um fato que ocupe mais de um ponto, considera-se para medição o quesito de maior exposição. Por exem-
plo, uma reportagem que ocupe toda a parte inferior de um jornal, zonas 4 e 2, será considerada a área 2, ou
seja, um assunto com exposição mediana.
2.1.2. Quesito Espaço
No quesito espaço busca-se identificar a quantidade de mancha gráfica que o veículo impresso dedicou a
determinado tema. Não se considera o conteúdo da informação, é estimado apenas o volume deste material.
A unidade de medida em tipografia utilizada no Brasil é o ponto Didot, desenvolvido pelo tipógrafo e impressor francês, Francisco Ambrósio Didot, representado no sistema métrico um pouco menos que meio milímetro, cerca de 0,376 mm.
(...) Existem outros sistemas de medidas tipográficas, tais como o sistema Fournier, criado também por um tipógrafo francês cujo nome é Pedro Simon Fournier, representado cerca de 0,350 mm, em uso ainda praticamente só na Bélgica. Contudo, o conhecido sistema de Four-nier deu origem ao sistema de medidas anglo-americano, representado pela paica (pica), correspondendo o seu ponto gráfico a 0,351 mm. (SILVA, 1985: 93).
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Estes sistemas de medidas tipográficas calculam milimetricamente a mancha gráfica de qualquer meio im-
presso como jornais, revistas e livros, sem margem de erro. No entanto, sua utilização é maior nas artes gráficas,
na editoração e no design; para analisar o quesito espaço adota-se um sistema de avaliação simplificado, visto
que as variáveis a serem medidas no arranjo gráfico não necessitam de dados milimetricamente calculados, estes
não alterariam os resultados esperados.
Espera-se deste quesito apenas a identificação do espaço geral que foi atribuído em determinado veículo a
um ou mais temas e/ou assuntos. A escala a ser verificada pode ser feita por qualquer estudante de comunicação
que tenha uma noção mínima de planejamento visual gráfico.
Como escala de tamanho adota-se os conceitos: grande, médio e pequeno. Grande para conteúdos acima
de oito parágrafos, com foto e/ou ilustração - exemplo: reportagens. O conceito de médio é atribuído para textos
entre quatro e oito parágrafos, com ou sem foto e/ou ilustração - exemplo: notícias. Como pequeno considera-se
as notas de um a quatro parágrafos, sem foto e/ou ilustração.
Escala de medida adotada no quesito:
2.1.3. Tabulação da Categoria Destaque
Para chegar aos dados da categoria destaque é necessário reunir os resultados do quesito posição com os do
quesito espaço.
Os resultados da categoria são classificados como: Bom, Regular e Insuficiente.
O conceito Bom é atribuído para as matérias que possuem: grande espaço e alta exposição; grande espaço e
média exposição; espaço médio e alta exposição. Regular para: grande espaço e baixa exposição; médio espaço
e média exposição; pequeno espaço e alta exposição. O conceito Insuficiente atribui-se para: médio espaço e
baixa exposição; pequeno espaço e baixa exposição; pequeno espaço e baixa exposição.
Para tabular a categoria utiliza-se a seguinte escala de medida:
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2.2.Categoria Alteridade
2.2.1. O Conceito
O conceito de alteridade utilizado por esta categoria é compreendido com base no livro de TODOROV: A
conquista da América: a questão do outro (1999). Na obra o autor mostra como são estabelecidas e criadas as
relações com o Outro. Possibilitando, deste modo, aferir a condição ou a natureza que o outro adquire em um
veículo impresso:
Quero falar da descoberta que o eu faz do outro, o assunto é imenso. Mal acabamos em formulá-lo em linhas gerais já o vemos subdividir-se em categorias e direções múltiplas, infinitas. Podem-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo; eu é um outro. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou só aqui, pode realmente separá-los e distingui-los de mim. Posso perceber os outros como uma abstração, como uma instân-cia da configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós pertencemos. Este grupo, por sua vez, pode estar contido numa sociedade: as mulheres para os homens, os ricos para os pobres, os loucos para os ‘normais’. Ou pode ser exterior a ela, uma outra sociedade que, dependendo do caso, será próxima ou longínqua: seres que, contudo se aproximam de nós, no plano cultural, moral e histórico, ou desconhecido, estrangeiro cuja língua e costumes não compreendo, tão estrangeiro que chego a hesitar em reconhecer que pertencemos a mesma espécie (TODOROV, 1999: 3-4).
Como mostra o autor, o princípio da relação com o outro pode ser entendido através dos seguintes pres-
supostos: 1) O outro é descoberto no eu; 2) Cada um dos outros é um eu também; e 3) Hesito em reconhecer
língua e costumes que não compreendo ou que são distintos aos meus.
A concepção e as relações com o outro são estudadas na categoria Alteridade por meio de uma análise
que busca identificar a construção de imagem/significado de determinado tema/objeto pelos meios de comuni-
cação impressos.
2.2.2. A Categoria
A categoria Alteridade, como dito, avalia o tratamento dado à informação. Em uma analogia a TODOROV
é estudado como os veículos impressos descobrem e/ou expõem o outro: temas e/ou objetos.
Assim como na categoria Destaque, na categoria Alteridade dois quesitos são estipulados para identificar
como os veículos versam/discorrem sobre algo, são: relação e subsídios. Esta categoria possibilita identificar a
construção de sentido/significação de determinados temas por jornais ou revistas.
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2.2.2.1. Quesito Relação
Neste quesito estuda-se as relações, tratamento, do veículo de comunicação com o referente reportado, se
ele enaltece ou denigre, se é favorável ou desfavorável a um determinado fato.
Para compreensão deste quesito faz-se necessário antes discutir a natureza dos signos lingüísticos.
Natural ou convencional? Esta é discussão conduzida por Sócrates em Crátilo – sobre a justeza dos nomes, de Platão; onde investiga-se a relação entre os nomes, as idéias e as coisas. A questão chave deste “dialogo de três” – Crátilo, Hemórgenes e Sócrates – é se a relação entre nome, idéia e coisa é natural ou depende de convenções sociais. Hemórgenes sustenta a tese de que os nomes são oriundos de uma convenção/acordo: “(...) não existe nome dado à coisa alguma por sua natureza, tudo é convenção e hábitos dos usuários; essa é minha visão.” (PLATÃO, 1999: 4). Já Crátilo, defende que os nomes possuem relação natural com as coisas que denotam: “Representação por semelhança, Sócrates, é infinitamente melhor que represen-tação por qualquer outro meio.” (ibid.: 54). Mais adiante acrescenta: “Eu acredito, Sócrates, que a explicação mais verossímil é que um poder superior ao homem deu às coisas seus nomes primitivos, de modo que estes são necessariamente justos.” (ibid.: 58).
Sócrates parece ser contraditório, ora dando ganho de causa a tese de Crátilo ora a de Hemórgenes, mas sempre esteve coerente tendo sua posição própria, mesmo que implícita no texto. Sócrates quer mostrar que a teoria de ambos estão corretas em certos aspectos, mas quer que descubram isso sozinhos, não entregando a chave da discussão de imediato. (BARRETO, 2007:3)
A questão natural/arbitrária do signo foi suficientemente analisada em Crátilo2 e nos teóricos que o sucedem.
Trazendo a contenda aos nossos dias, em uma analogia a Crátilo, pode-se perguntar: as notícias são naturais ou
arbitrárias? Possuem semelhanças ao objeto que denotam ou são fruto de convenções? E ai vê-se que a discus-
são, iniciada por Platão, nunca esteve tão atual. A cada dia mais valores, interesses e ideologias são agregados à
informação, cada vez mais a convenção/acordo de grandes grupos de mídia pautam o noticiário - predominam
sobre os fatos reais.
Para buscar identificar o tratamento e a construção de significados, ocorrida nas relações objeto-veículo,
mais uma vez utiliza-se da alteridade. Como visto o outro é sempre adotado com base no eu. Todavia, as relações
com outrem nem sempre são iguais, não ocorrem em uma única dimensão. Podem ser divididas em três eixos:
Para dar conta das diferenças existentes no real, é preciso distinguir em pelo menos três eixos, nos quais pode ser situada a problemática da alteridade. Primeiramente, um julgamento de valor (um plano axiológico): o outro é bom ou mau, gosto dele ou não gosto dele, ou, como se dizia na época [colonização], me é igual ou me é inferior (pois, evidentemente, na maior parte do tempo, sou bom e tenho auto-estima...). Há, em segundo lugar, a ação de aproxima-ção ou de distanciamento em relação ou outro (um plano praxiológico): adoto os valores do outro, identifico-me nele; ou então assimilo o outro, impondo-lhe minha própria imagem; entre a submissão ao outro e a submissão do outro há ainda um terceiro termo, que é a neutralida-de, ou indiferença. Em terceiro lugar, conheço ou ignoro a identidade do outro (seria a plano epistêmico); aqui não há, evidentemente, nenhum absoluto, mas uma gradação infinita entre os estados de conhecimento inferiores e superiores. (TODOROV, 1999: 223-224).
2 PLATÃO. Crátilo. Versão traduzida por L. BULIK (em disquete). Londrina, UEL, 1999.
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Os três planos destacados por TODOROV serão utilizados aqui para classificar o quesito relação. Com estes
planos pode-se analisar o julgamento de valor e as ações de comportamento de veículos impressos, logo iden-
tificar a construção de sentido estabelecida ao tema reportado pelo meio de comunicação.
Na primeira análise deste quesito adota-se a seguinte escala de medida:
Exemplificando, se em uma reportagem o texto mostra gostar do objeto (plano axiológico), tem aproximação
a ele (plano praxiológico) e demonstra conhecê-lo (plano epistêmico) essa reportagem é positiva ao objeto que
reporta, tende a enaltecê-lo. Por outro lado, se temos uma notícia que manifesta não gostar do objeto citado, que
não tem identificação e o ignora, essa notícia será negativa ao objeto divulgado; assim sucessivamente.
Para tabular o tratamento dado em cada um dos planos tem-se como base a seguinte tabela:
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Os pesos acima dizem respeito aos dados encontrados na análise dos planos, um resultado positivo, tende a
favorecer o objeto reportado, já um negativo, denigre. Os resultados positivo 2 e negativo 2 ficarão mais claro
com a tabulação do próximo quesito.
2.2.2.2. Quesito Subsídios
Além das relações veículo-objeto, busca-se identificar a construção dada a um determinado assunto. Verifica-
se se o material jornalístico possui argumentos para que se compreendam as circunstâncias reais em que ocorreu
cada fato noticiado, se a matéria dá bases para o entendimento da situação em que a notícia está inserida; ou
se apenas comunica um fato superficialmente, sem subsídios para o seu entendimento.
No quesito subsídios adota-se as classificações: embasado e superficial. Embasado para uma matéria que pos-
sibilite a compreensão do fato e superficial para um material sem lastros com as circunstâncias que levaram ao fato.
Escala de medida do quesito:
2.2.3. Tabulação da Categoria Alteridade
Para tabular o tratamento dado à informação, identificado nos quesitos anteriores, atribui-se os conceitos:
Favorável, Regular e Desfavorável.
O conceito Favorável corresponde a um material que enaltece determinado tema ou assunto; o contrário do
que ocorre com o conceito Desfavorável que denigre. Já o Regular identifica um material com certa neutralidade
com relação ao objeto, nem enaltece nem denigre.
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2.3.Categoria Agendamento
A Categoria Agendamento busca identificar quais são os temas que estão sendo pautados.
Por agendamento tem-se como base a hipótese da agenda setting.
Os pressupostos da hipótese de agendamento são vários, mas destaquemos alguns principais:a) o fluxo contínuo de informação (...)b) os meios de comunicação, por conseqüência, influenciam sobre o receptor
não a curto prazo, como boa parte das antigas teorias pressupunham, mas sim a médio e longo prazos (...)
c) os meios de comunicação, embora não sejam capazes de impor o quê pensar em relação a determinado tema, como desejava a teoria hipodérmica, são capazes de, a médio e alongo prazos, influenciar sobre o quê pensar e falar, o que motiva o batismo desta hipótese de trabalho (...) (HOHLFELDT, 2000 :190).
Os temas e os assuntos tentem a circular em torno de um mesmo eixo. Este é o agendamento, o efeito en-
ciclopédico provocado pela mídia. A escolha do que é dito nos veículos de comunicação torna-se o assunto de
conversa entre as pessoas, gerando uma agenda individual e/ou coletiva. Por exemplo:
(...) dependendo dos assuntos que venham a ser abordados – agendados – pela mídia, o público termina, a médio e longo prazos, por incluí-los igualmente em suas preocupações. Assim, a agenda da mídia termina por construir também na agenda individual e mesmo na agenda social. (HOHLFELDT, 2000 :191).
Para identificar os temas que pautam/rotulam determinado objeto recorre-se a esta categoria. Para ter uma
visão dos temas e/ou assuntos que estão em pauta em um veículo específico separa-se, nesta categoria, os fatos
por temas e o número de vezes em que apareceram.
Com os dados desta categoria têm-se o resultado de quais assuntos são agendados pelo veículo de co-
municação, estes temas serão a médio e longo prazo relacionados à imagem do objeto estudado.
2.4. Roteiro para interpretação e coleta dos dados
Compreendidas as definições de cada categoria e quesito, a coleta de dados é tarefa simples. Eleito o tema
a ser estudado e os veículos a serem analisados o pesquisador inicia a coleta dos dados do material. O primeiro
passo é a tabulação dos dados
Tabulação é o processo de agrupar e contar os casos que estão nas várias categorias de análise. Pode haver tabulação simples e cruzada. A tabulação do primeiro tipo, que também é denominada marginal, consiste na simples contagem de freqüência das categorias do con-junto. A tabulação cruzada, por sua vês, consiste na contagem das freqüências que ocorrem juntamente em dois ou mais conjuntos de categorias. (GIL, 2006: 171).
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A tabulação deve ser feita manualmente em todas as categorias. Sendo as categorias Destaque e Alteridade
de tabulação cruzada e a categoria Agendamento simples. Antes de iniciar a análise tenham em mãos as tabelas
de tabulação dos dados de todas as categorias e de seus respectivos quesitos.
Para facilitar a aprendizagem da técnica quali-quanti de análise de veículos impressos será adotado um
exemplo único (ficcional) para explicar como colher e interpretar os dados nas três categorias.
2.4.1. Exemplo Modelo para coleta e interpretação dos dados
•Objeto de estudo: a cobertura dos Jogos Pan-Americanos do Rio em 2007
•Veículos a serem analisados: Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, O Globo e Correio Braziliense
•Recorte: Cadernos de Esportes dos periódicos citados
•Período: 17 dias dos jogos, de 13 a 29 de julho de 2007.
•Total do material para análise: 04 jornais, 68 exemplares, 340 notícias (ima média de cinco matérias
por dia em cada jornal)
Supõe-se que inicie a análise pelo jornal O Globo de 17 de julho de 2007 e o primeiro material a ser es-
tudado seja uma notícia sobre o número total de medalhas do Brasil em todos os Jogos Pan-Americanos, reali-
zados desde 1951 - Pan de Buenos Aires. Veja nos itens a seguir como colher os dados deste exemplo em cada
categoria.
Comece a análise pela categoria Destaque
2.4.1.1. Tabulação da Categoria Destaque
O primeiro passo para identificar o Destaque de uma matéria a ser analisada é identificar o quesito posição,
logo após levanta-se o quesito espaço, cruzando os dados destes dois quesitos tem-se o resultado da Categoria
Destaque.
Exemplo Modelo 1:
•Quesito Posição: Supõe-se que a notícia sobre as medalhas conquistadas pelo Brasil esteja no canto
superior direito da página. Para buscar este resultado veja o diagrama Zona de Visualização, e perceberá que a
notícia está na zona 1, o que representa Alta Exposição. Logo, no quesito Posição a notícia tem Peso A.
•Quesito Espaço: A notícia possui uma foto e mais de oito parágrafos, o que representa o conceito gran-
de. Logo, no quesito Espaço tem Peso 1.
Desta forma, cruzando os dados dos dois quesitos temos o resultado 1-A, representa que esta notícia teve
um Destaque Bom.
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2.4.1.2. Tabulação da Categoria Alteridade
Identifique o quesito relação e depois o quesito subsídios, cruzando os dados terá o resultado da Alteridade.
Exemplo Modelo 2:
•Quesito Relação: a notícia sobre as medalhas do Brasil teve um enfoque de inferioridade do país, mos-
trou indiferença em relação aos atletas brasileiros, mas demonstrou conhecimento do objeto reportado. Assim
no Plano Axiológico tem peso N, no Praxiológico N, e no Epstêmico P, Pesos: NNP. Tabulando o quesito terá o
resultado Negativo 2.
•Quesito Subsídios: analisando a matéria vê que a mesma é embasada, que permite compreender os
fatos noticiados, logo tem Peso A.
Analisando a tabela para tabulação da categoria nota-se que o resultado Negativo 2 – A representa Alteri-
dade Regular.
2.4.1.3. Tabulação da Categoria Agendamento
A Categoria Agendamento utiliza pata tabulação dos dados uma tabela como a abaixo. Na coluna assunto
são elencados os temas de cada matéria analisada e na coluna ao lado o número de vezes que este tema apa-
receu durante o período analisado.
Exemplo Modelo 3: Imagina-se que o tema medalhas sai em mais três notícias até o final dos jogos, então
tem-se:
A coleta dos dados das categorias podem ser feitas simultaneamente, ou seja, uma vez analisada a notícia
já identifica-se os seus resultados em cada categoria. Repete-se a atividade em cada notícia de cada jornal. No
final terá o resultado final da cobertura destes quatro veículos sobre os Jogos Pan-Americanos e os resultados de
desempenho de cada periódico.
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2.4.2. Interpretação dos dados
A interpretação dos dados de cada categoria está sujeita a divergência entre um estudo e outro, devido a
característica intrínseca do resultado com o objeto estudado. Por exemplo, se o objeto de estudo é determinadas
matérias do caderno de cultura de um jornal específico e obtiver-se como resultado da Categoria Alteridade o
conceito Favorável, pode ser algo positivo. Já obter o conceito Favorável em um estudo de notícias relacionadas
a um determinado candidato na cobertura de eleições seria algo extremamente negativo, por demonstrar a par-
cialidade do veículo, resultado não esperado.
Exemplo Modelo:
No exemplo modelo utilizado obteve-se um Destaque Bom, o que pode mostrar que o veículo teve a notícia
como uma das principais na edição. A Alteridade foi Regular, o jornal não enalteceu o tema, mas também não o
denegriu. Já o Agendamento foi baixo, visto que o tema não foi dos mais noticiados. Vale salientar que o exem-
plo utilizado foi apenas ilustrativo, logo não há interpretações mais elaboradas, como a matéria era ficcional a
análise das categorias foi criada a título didático.
3. ORIGEM DA TÉCNICA E APLICAÇÃO
A primeira vez que a técnica foi empregada, ainda que superficialmente, foi na monografia do autor:
Comunicação Controlada: As Agências de Notícias na América Latina (2003). Mas foi na sua dissertação de
mestrado, Uma América e muitas vozes: a comunicação no continente 25 anos após o Informe MacBride, em
que ela foi empregada com mais propriedade e com resultados mais satisfatórios.
Na dissertação foram analisados com a técnica dez jornais latino-americanos, durante uma semana,
num total de 70 exemplares. Buscava-se identificar a representação da América Latina em seus próprios jornais.
Analisou-se especificamente as matérias relacionadas ao continente nas editorias de internacional, totalizando
192 notícias.
Os resultados foram:
35
62
95
Bom Regular Insuficiente
Des
taqu
e
Categrioa destaque
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Alteridade
171
21
Favorável Desfavorável
Categoria alteridade
O desafio agora era empregar a técnica a uma temática diferente, o que foi experimentada com sucesso na
monografia de Bruna Telo: A imprensa douradense: os jornais diários nas eleições governamentais de 2006, sob
orientação do autor. A monografia analisou como os jornais impressos de Dourados/MS, O Progresso e Diário
MS, cobriram durantes o mês de setembro de 2006 as eleições dos principais candidatos ao Governo do Estado,
André Puccinelli (PMDB) e Delcídio do Amaral (PT).
A técnica possibilitou neste caso identificar o posicionamento e o tratamento dos jornais com cada can-
didato. Percebeu-se a diagramação diferenciada para cada um, o candidato preferencial de cada veículo e os
temas que foram agendados para cada candidato.
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4. CONCLUSÃO: uma proposta metodológica
A técnica é uma proposta metodológica, já foi utilizada por três vezes satisfatoriamente. No entanto, novas
aplicações e contribuições são essenciais para a evolução e o aprimoramento da técnica.
Uma das características deste método é que ele requer uma quantidade considerável de material para análise.
Uma pesquisa que visa estudar três ou quatro exemplares de jornal em um tema específico não terá um resultado
satisfatório, já que a amostragem e o volume de informações que permitem uma rica interpretação pela técnica.
Acredita-se que a principal contribuição da técnica é permitir uma análise de veículos impressos a partir de
três ângulos: Destaque, Alteridade e Agendamento, o que possibilita uma visão do todo destes periódicos em
coberturas e temas específicos, em um curto espaço de tempo.
Os dados coletados com este método possuem um rico solo para interpretações de diferentes temas e obje-
tos.
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A hegemonia do efêmero: Das fotografias de Fanny Volk aos álbuns nas redes sociais
Palavras-chave: fotografia, redes-sociais, imagem.
Resumo
O presente artigo busca refletir sobre as alterações na relação de significação estabelecida pela fotografia
nos primeiros tempos de sua popularização e agora como a utilização nas redes sociais. O estudo toma como
base de análise as imagens produzidas pela fotógrafa curitibana Fanny Volk, do estúdio Photografia A.F.Volk,
fundado em 1890, o primeiro que se instalou em Curitiba, e a pesquisa realizada via Faceboock com o objetivo
de perceber como os internautas, usuários desta rede social, utilizam a fotografia.
Ana Maria de Souza Melech¹
¹ Ana Maria de Souza Melech – Jornalista, professora universitária na Universidade Estadual do Centro Oeste : UNICENTRO- PR, doutoranda em Comunicação e Linguagem da Universidade Tuiuti do Paraná.
MELECH, Ana Maria de Souza 402
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Introdução
A relação do indivíduo com a fotografia nasce da necessidade de perpetuar-se. O medo da morte, da finitu-
de, transformou a fotografia em suporte imagético para a eternização da memória familiar e coletiva. A fixidez
do papel fotográfico trouxe às famílias do final do século XIX e início do século XX a possibilidade de repassar
aos seus descendentes, suas memórias. Nessa época, ir a um estúdio fotográfico transforma-se em um evento
de grande importância.
A ânsia em perpetuar-se sempre foi uma constante no comportamento humano. Das pinturas nas cavernas
que fixavam a arte da caça às pinturas dos grandes artistas, a relação com a eternização pela imagem tornou-se
presente na história da humanidade. O surgimento da fotografia transforma a relação com a imagem. A possi-
bilidade de perpetuação, até então apenas possível para a nobreza ou ricos mercadores que podiam utilizar os
serviços de pintores para retratar a si próprios ou suas famílias, passa também para classes menos abastadas.
Os primeiros fotógrafos espalharam-se por boa parte do mundo retratando pessoas, cidades e paisagens,
tornando visível um mundo até então invisível. A memória fixada no tempo pela fotografia volta à vida ao ser
contemplada, observada neste ato rememorativo. Susan Sontag diz que o fotógrafo saqueia e ao mesmo tempo
conserva e consagra.
Na cidade de Curitiba, no final do século XIX, surge um estúdio fotográfico que perdurará por mais de vinte
anos, no início montado por Adolfo Volk, alemão radicado no Paraná, transforma-se em referência na produção
fotográfica. O estúdio Photografia H.A.Volk prima pela qualidade do espaço do estúdio como também pela
tecnologia de equipamentos disponíveis na época. Após 13 anos de trabalho Adolfo Volk decide retornar para a
Alemanha, mas sua mulher, Fanny Volk , continua com o trabalho transformando-se em um exímia fotógrafa. Os
retratos individuais e de família são as principais produções de Fanny. O álbum de família, produzido com es-
mero e guardado como uma relíquia, imortaliza pessoas e momentos preciosos. Neste universo, ainda perplexo
com a possibilidade de fixar o mundo visível, a relação de manusear, olhar, recordar essas imagens transforma-se
em um ato ritualístico.
Por outro lado não é só o barateamento na produção fotográfica que muda este cenário, mas, principalmen-
te, a relação de valoração entre a fotografia e o objeto fotografado. Hoje a ação devastadora e desintegradora
da rapidez contemporânea deixa pouco tempo para a construção da memória (Baitello, 2005). O ato ritualístico
que possibilitava a presentificação pelo olhar altera-se com a profusão exagerada na produção fotográfica na
atualidade. O encantamento dá lugar à instantaneidade na divulgação do objeto fotografado.
A eternidade passa a ter outro sentido, ela é momentânea, fotos se alternam e são substituídas tão rapida-
mente que poucos têm a chance de fixá-las na memória. Instantaneamente são recolocadas e empurradas para
um passado virtual, onde o registro perde-se em meio às inúmeras páginas, postagens, comentários que se su-
cedem freneticamente. Vivemos na hegemonia do efêmero, não há mais lugar para a memória.
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O comportamento cultural vigente em muito pouco se assemelha ao vivido no final do século XIX, no entanto
a fotografia permanece, mas seu significado como registro e suporte para imortalidade ainda existe? As fotogra-
fias de Fanny Volk retratavam uma época em que as relações sociais baseavam-se na família e a comunicação
entre os indivíduos dava-se, basicamente, pelo contato pessoal. As imagens arquivadas em redes sociais repro-
cessaram o álbum de família?
O presente trabalho objetiva utilizar algumas fotografias produzidas pela fotógrafa curitibana Fanny Volk, e
analisar como se dá a construção da memória imagética familiar em relação à representação e valoração da
fotografia no início do século XX; e como a efemeridade na produção e transmutação da fotografias acontece
nas redes sociais. A abordagem leva em consideração que há um ponto de tensionamento entre os dois mo-
mentos fotográficos.
A Fotografia e a Representação
A fotografia trouxe com seu surgimento a possibilidade de registrar e documentar as relações da família de
uma forma mais ampla, aos poucos os fotógrafos, em seus estúdios, foram galgando espaço de penetração
nesse universo “fechado” que era a família nuclear dos fins do século XIX. A exposição e a representatividade do
núcleo familiar passa a se tornar visível, também para as famílias menos abastadas. Até então, o ato de perpetuar
a história familiar era poder apenas da nobreza ou das famílias de mercadores através da produção quadros que
buscavam imortalizar o cotidiano destas pessoas.
A busca em perpetuar-se e registrar sua história é uma prática ancestral da humanidade. Segundo Baitello,
esse fato pode estar ligado ao medo do esquecimento e ao seu destino inevitável: a morte. Neste sentido o
homem tenta vencer a morte e o tempo afirmando que a cultura como campo amplo recebe as contribuições e
descobertas de cada indivíduo, de cada grupo social, de cada época, e as perpetua, transmitido as informações
de geração a geração, de grupo para grupo de época a época (1999, p.18)
Em um primeiro momento, a fotografia é analisada aqui como obra tecnológica, isto é, produzida a partir de
um aparato técnico-maquínico, torna a produção destes retratos mais baratos e ao alcance de um número maior de
interessados. A consolidação da fotografia deu-se num período que compreende meados do século XIX e metade do
século XX, fase em ainda dependia apenas do fotógrafo profissional. Susan Sontag aborda o início como sendo o
ato de fotografar um aparato caro e complicado – o passatempo dos hábeis, dos ricos e dos obsessivos (2004,p.18).
Mas com a evolução tecnológica a fotografia passa a fazer parte do cotidiano familiar. Neste primeiro mo-
mento registrando apenas as cerimônias e eventos considerados como mais importantes e dignos de registro.
Durante mais de um século a fotografia de casamento foi parte relevante da cerimônia, tanto quanto a própria
celebração religiosa. Em meados do século XX, após a cerimônia de casamento, casais menos abastados se-
guiam até o estúdio fotográfico para tirar “a foto do casamento”, aquela que seria emoldurada e colocada na
parede da sala. Sontag afirma que:
MELECH, Ana Maria de Souza 404
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Por meio de fotos, cada família constrói uma crônica visual de si mesma – um conjunto portátil de imagens que dá testemunho de sua coesão. Pouco importam as atividades fotogra-fadas, contanto que as fotos sejam tiradas e estimadas. A fotografia se torna um rito da vida em família (...) (Sontag, 2004, p.19)
Estas primeiras experiências fotográficas familiares servem como um documento que atesta, pela fixidez tem-
poral, a característica do ato fotográfico, o momento que define a sua representação social.
Com o crescimento das cidades e as transformações comportamentais e sociais, resultado da atuação capita-
lista a partir do século XIX, a burguesia procura formas de representação tão rápidas e dinâmicas que referendam
sua própria ascensão.
A situação da fotografia no século XIX foi realmente invulgar. A natureza transformava-se constantemente, impulsionada pela necessidade de expansão do capital. A fotografia refe-rendou internamente essa dinâmica, na medida em que o projeto de desenvolvimento da perspectiva, subjacente ao código fotográfico, encontrou identidade nos rumos impostos à natureza (Costa, Silva 1995, p 19 )
Rouillé comenta que a fotografia surge a partir de um contexto de profunda crise pela verdade, que atingiu
os modos de representação em vigor. Assim, ela vem para renovar a crença na imitação e na representação,
legitimando-se com possíveis funções documentais. Este é um dos motivos que levaram à perpetuação durante o
século XX, da prática e das características do que conceitua-se como fotografia-documento.(2009,p.62)
A necessidade da representação social desta casta emergente vê na fotografia a possibilidade de estender à
sociedade seu papel na coletividade. A fotografia, que inicialmente, surge como uma proposta científica, torna-
se objeto de massificação, no momento em que não só duplica a realidade, mas dissemina conteúdos internos,
individuais e familiares, de forma frenética, reduplicando em um comportamento infinito que mais tarde vere-
mos como característica mais intrínseca da internet.
A utilização da máquina como mediadora dessa tarefa marcou o aparecimento da foto-grafia e favoreceu a realização de seu propósito, de maneira até então nunca imaginada, uma vez que a sociedade capitalista do século XIX a máquina era sinônimo de imparcialidade e precisão científica. (Costa & Silva, 1995, p17)
Nas questões que envolvem a análise da fotografia, Philippe Dubois propõem três posições epistemológicas
que cabem nesta análise:
1- A primeira dessas posições vê na foto uma reprodução mimética do real Ve-rossimilhança: as noções de similaridade e de realidade, de verdade e de autenticidade recobrem-se bem exatamente segundo essa perspectiva; a foto é concebida como espelho do mundo, é um ícone no sentido de Ch. S. Pierce.
2- A segunda atitude consiste em denunciar essa faculdade da imagem de se fazer cópia exata do real. Qualquer imagem é analisada como uma interpretação-trans-formação do real, como uma formação arbitrária, cultural, ideológica e perceptualmente codificada. Segundo essa concepção, a imagem não pode representar o real empírico (cuja
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A hegemonia do efêmero: Das fotografias de Fanny Volk aos álbuns nas redes sociais 405
existência é, aliás recolocada em questão pelo pressuposto sustentado por tal concep-ção: não haveria realidade fora dos discursos que falam dela), mas apenas uma espécie de realidade interna transcendente. A foto é aqui um conjunto de códigos, um símbolo nos termos peircianos.
3- Finalmente a terceira maneira de se abordar a questão do realismo em foto marca um certo retorno ao referente, mas livre da obsessão do ilusionismo mimético. Essa referencialização da fotografia inscreve o meio no campo de uma pragmática irredutível: a imagem foto torna-se inseparável de sua experiência referencial, do ato que a funda. Sua re-alidade primordial nada diz além de uma afirmação de existência. A foto é em primeiro lugar índice. Só depois ela pode tornar-se parecida (ícone) e adquirir sentido (símbolo). (1993, p 53)
A representação do ser digital
A evolução das tecnologias digitais, a partir do surgimento da internet, trouxe novos parâmetros em relação
ao papel do indivíduo social. A facilidade de exposição e de intercâmbio de informações pessoais levou ao
cidadão médio um poder até então dominado pelos grandes meios de comunicação. Da mesma forma que a
fotografia trouxe uma nova postura para este indivíduo, com a possibilidade de fixar e reter momentos pessoais
em um suporte concreto e imutável, as tecnologias digitais aproximam novamente este indivíduo de uma nova
possibilidade, aquela em que ele passa a produzir informação sobre si próprio. Castels analisa este início :
Os primeiros passos históricos das sociedades informacionais parecem caracterizá-las pela preeminência da identidade como seu princípio organizacional. Por identidade, entendo o processo pelo qual um ator social se reconhece e constrói significados principalmente com base em determinado atributo cultural ou conjunto de atributos, a ponto de excluir uma refe-rência mais ampla a outras estruturas sociais. (1999,p 59)
Este ser que se reconhece como parte desta tecnologia, criando expressões como “mundo virtual”, entenden-
do como um espaço paralelo ao seu mundo “real” passa a desenvolver uma nova forma de comportamento so-
cial onde a amplitude e diversificação de caminhos da informação, comunicação e dados, tornam-se realidade
em um curto espaço de tempo. Castells enfatiza que o paradigma da tecnologia da informação não evolui para
seu fechamento como um sistema, mas rumo à abertura como uma rede de acessos múltiplos. É forte e imposi-
tivo em sua materialidade, mas adaptável e aberto em seu desenvolvimento histórico. (1999, p.113)
Para Pierre Levy o ciberespaço não vai mudar ou resolver os problemas econômicos e sociais, mas possibilita
novos planos de existência:
Nos modos de relação: comunicação interativa e comunitária de todos como todos no centro de espaços informacionais coletivamente e continuamente reconstruídos.
Nos modos de conhecimento, de aprendizagem e de pensamento: simulações, navega-ções transversais em espaços de informação abertos, inteligência coletiva.
Nos gêneros literários e artísticos; hiperdocumentos, obras interativas, ambientes virtuais, criação coletiva distribuída. (1999, p.219)
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A hegemonia do efêmero: Das fotografias de Fanny Volk aos álbuns nas redes sociais 406
As novas tecnologias digitais trazem uma nova proposta de contato, uma possibilidade da construção de uma
“Aldeia Global” como previa Mcluhan, onde não só a territorialidade desaparece, mas o indivíduo tem poderes
até então inimagináveis. As formas de inter-relacionamento se transformam rapidamente e transformam a ideia
até então aceita sobre fluxo de comunicação. Lemos diz que “Se a modernidade criou o imaginário da técnica
infalível e positiva, a maça mordida do Macintosh é o símbolo do outono do homem individualista, emancipado,
racional e objetivo.” (2008, p.192).
As redes sociais são o ápice desta comunicação mediada pelo computador, é o espaço que o indivíduo utiliza
para construir, ou melhor, reconstruir sua identidade, seja pelas palavras ou pela imagem. Raquel Recuero cita
Parsons e Shill(1975) para explicar que a interação compreende sempre o alter e o ego como elementos funda-
mentais, onde um constitui-se em elemento de orientação para o outro ( 2009,p.31).
As relações desenvolvidas a partir das redes sociais acabaram substituindo formas tradicionais de comuni-
cação, que tinham como base a comunicação face a face. Fato facilmente perceptível quando analisamos a
relação pessoal e familiar, que passa a ser reproduzida também na rede. Nesse sentido, a fotografia passa a ter
um papel importante na construção de significados que definam este sujeito como pertencente a determinado
grupo, nas relações sociais na rede. Recuero diz que trata-se de um pertencimento associativo, decorrente da
interação social reativa. Os pertencimentos não são mutuamente excludentes, e podem existir ao mesmo tempo,
no mesmo grupo (2009, p40).
Alguns fatores estão relacionados às redes sociais, onde o indivíduo mede sua popularidade e visibilidade
pelos números de amigos cadastrados, acessos, comentários, compartilhamentos, curtições, etc. Dentro desta
perspectiva está a imagem fotográfica como um importante elemento de socialização. Tanto inserida como forma
de expressão de uma ideia quando, por exemplo no facebook, utilizada no perfil. Ou nos álbuns de imagem
que são alimentados e retroalimentados constantemente, exercendo um papel importante no sentido de gerar
contato.
Álbum de Famíla
São poucos os dados e documentos sobre a fotógrafa Fanny Volk. Algumas informações são obtidas a partir
de anúncios publicados no jornal “Dezenove de Dezembro”, onde o estúdio fotográfico montado pelo seu mari-
do, Adolpho Volk, divulga o trabalho realizado pelo estúdio Photografica H.A.Volk, inaugurado em 1918:
“O abaixo assinado tem a honra de participar ao respeitável público, que abriu a sua bem montada oficina de fotografia artística, recomendando-se para todo e qualquer serviço de sua arte, que seja nos mais finos de apurado gosto, à moda de Berlim, Viena e Paris, de todos os tamanhos até natural e coloridos, vistas de paisagens, edifícios em todas as propor-ções. E como esse laboratório está provido de tudo o que é necessário a satisfazer os mais exigentes, convido a sociedade, corporações e famílias honrarem-me com suas visitas, a persuadirem-se que com os meus aparelhos e fundo de paisagem de 8 metros posso produzir o trabalho do mais perfeito neste gênero. Estabelecimento em frente ao hotel união, travessa da rua da Carioca. Adolfo Volk.”
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Em 1904 Volk retorna para a Alemanha, mas Fanny Volk continua com o estúdio. Anúncio do Jornal Deze-
nove de Dezembro atesta o trabalho da fotógrafa:
“Photographia Volk RUA QUINZE DE NOVEMBRO, 72 Curityba – Paraná – Brazil Esta photographia, o mais antigo estabelecimento deste gênero neste Estado, tira photo-
graphias e retratos de todos os gêneros e por todos os processos até hoje conhecidos, como sejam: Aristotypia, Platinotypia, Pigment, Bruomo, Contact, etc., em todas as dimesões, desde mignon até tamanho natural.
Retratos em porcellana próprios para túmulos. Estes retratos resistem eternamente à acção do tempo. Retratos em esmalte para broches, alfinetes, abotoaduras, etc., etc. PREÇOS SEM COMPETENCIA” (Almanach do Paraná para 1908, idem 1909; Cinema,
16 de Janeiro de 1909) Acervo Casa da Memória ( in Santos, Laércio Ribeiro dos O estúdio Volk e a representação da sociedade curitibana)
A seguir, fotografias produzidas pelo estúdio Volk:
Fotografias produziadas pelo estudio Volk. Apesar das fotos serem
produzidas nas dependencias do estúdio havia um interesse em
reproduzir cenas do cotidiano.
A foto 02 retrata a Adolfo Volk a mulher Fanny e a filha Adolphine
Fonte das imagens.( in Santos, Laércio Ribeiro dos. O estúdio Volk e a
representação da sociedade curitibana)
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A hegemonia do efêmero: Das fotografias de Fanny Volk aos álbuns nas redes sociais 408
Exemplo de organização de fotografias nas páginas de fotos do Faceboock:
Pesquisa realizada no Facebook
Para corroborar as discussões aqui apresentadas, foi realizada uma pesquisa qualitativa usando como ins-
trumento de disseminação a rede social “Facebook”. Um link foi disponibilizado para acesso ao questionário
produzido no “Google Docs” e postado no dia 11 de setembro. São nove questões que questionam a utilização
das fotografias nesta rede social.
Um fato que justifica a perenidade das informações nas redes pode ser observado quanto ao momento em
que as questões foram respondidas. Das 56 respostas obtidas, 45 foram realizadas no dia da postagem, algu-
mas nos minutos seguintes, cinco no dia 12 de setembro, duas no dia 14 e apenas uma no dia 21 de setembro,
quando encerraram-se as respostas.
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A hegemonia do efêmero: Das fotografias de Fanny Volk aos álbuns nas redes sociais 409
Quanto à postagem de fotografias no Facebook, quatro dos entrevistados dizem que não postam fotos, sendo
que um deles opinou na questão aberta:
Não sou favorável à postagem de imagens na internet porque entendo que a exposição pode ser prejudicial
em alguns aspectos. Por isso ainda utilizo a revelação de fotos e dessa maneira posso mostrá-las apenas para
quem desejo. Também entendo que a prática de álbuns na internet, em alguns casos, leva ao exibicionismo.
Não sou favorável à postagem de imagens na internet porque entendo que a exposição pode ser prejudicial em alguns aspectos. Por isso ainda utilizo a revelação de fotos e dessa maneira posso mostrá-las apenas para quem desejo. Também entendo que a prática de ál-buns na internet, em alguns casos, leva ao exibicionismo.
Outra resposta:
Acho que há variações bem distintas do uso de fotos no Facebook, ah os que querem se promover, os que querem divulgar sua arte, os que estão a procura de sexo, os carentes, e etc... realmente um holograma de possibilidades sem fim.
Das 52 questões que afirmaram divulgar fotos na rede social, 23 não tem o hábito de organizar as imagens
e 29 possuem algum tipo de organização; destes, 10 afirmaram que organizam em álbuns separando família,
eventos e relações com trabalho.
Quanto à impressão de fotos, 24 imprimem raramente, 21 não imprimem e um dos questionados afirma ter o
hábito de imprimir regularmente.
Em resposta à questão aberta foi colocada a seguinte opinião:
Os álbuns fotográficos estão perdendo espaço para o armazenamento digital, pois este traz diversas vantagens como economia, garantia de que esta foto estará lá para sempre (mesmo que não esteja na página,inúmeras vezes elas são replicadas).
Outro ponto é que as pessoas, para quem os álbuns eram mostrados, podem ter acesso a ele antes do que na era do revelado, quando era preciso um deslocamento do álbum ou do visualizador.
E ainda:
Acredito que assim como eu, muitas pessoas da minha geração sentem falta das fotos ao alcance das mãos, no entanto, a rapidez e facilidade que nos proporciona a tecnologia, nos faz deixar de lado esse prazer, que era comum entre as famílias, quando reuniam-se para olhar os álbuns de fotografia que corriam de mão em mão.Infelizmente as fotos recentes, desde a aquisição da maquina digital, ficam armazenas no pc, no pendrive ou no dvd
Deve-se levar em consideração que a pesquisa partiu do endereço no Facebook da autora deste artigo; são
1.038 amigos, sendo que a maioria é formada por alunos e ex-alunos dos cursos de jornalismo e publicidade,
jornalistas e publicitários.
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Conclusão
A fotografia não é uma cópia do real. Mesmo quando retratava as famílias do início do século, Fanny Volk,
produzia e retocava as imagens, os personagens preparavam-se e pousavam para as fotos. Mas havia uma pe-
renidade em relação ao suporte em que essa imagem permaneceria, este era imutável.
A fotografia digitalizada torna possível a interferência instantânea na imagem, cor, iluminação, forma, com-
posição. Se antes ela não era um reflexo do real, hoje é parte integrante do próprio processo de representação,
materializando uma cultura na qual os indivíduos pensam e agem fotograficamente e, portanto, reflexo de uma
dinâmica social que transcende o congelamento de um momento específico.
As evoluções tecnológicas sempre tiveram, dentro da história da fotografia, um papel importante, não só na
apresentação técnica destas imagens, mas também uma interferência em seu significado social. Se antes ela re-
presentava a imortalidade e eternização de um momento, hoje ela representa o frenesi da contemporaneidade, a
rapidez das interelações sociais, a fluidez do momento e a alteração da noção temporal, ligado hoje ao milésimo
de segundo. Isso pode ser observado, a partir da pesquisa aqui apresentada.
O resultado da pesquisa demonstra a relação perene entre o fotógrafo e o objeto fotografado. A maioria das
pessoas que responderam ao questionário obsevaram que tem algum tipo de organização das imagens, mas que
as mantém digitalizadas, não tem o hábito de imprimi-las.
Algumas considerações devem servir para reflexão: se nos primeiros tempos da fotografia existia uma in-
tenção de imortalizar a história daquelas pessoas retratadas em momentos considerados relevantes, como o
casamento ou o retrato da família, hoje ainda podemos observar que nas fotos produzidas e armazenadas em
redes sociais, também procuram capturar aquele momento e congelá-lo, mas o que altera a relação de fixidez
da imagem é a própria proporção de divulgação e produção. Em uma rede social a velocidade de postagem se
sucede de forma tal que alterou o conceito de tempo: o presente, ou melhor o agora, dá lugar ao passado em
uma fração de segundos. Talvez seja esta uma das justificativas para a falta de interesse em imprimir fotografias
e mesmo organizá-las em Álbuns.
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Lemos, André. Cibercultura,tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2008.
Recuero, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre, Ed. Sulina,2009.
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