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Índice
1. Introdução ............................................................................................................................... 4
1.1. Objectivos ....................................................................................................................... 4
1.1.1. Geral ........................................................................................................................ 4
1.1.2. Específicos .............................................................................................................. 4
2. Gramaticalidade vs Agramaticalidade .................................................................................... 5
3. Conceito de Norma ................................................................................................................. 5
3.1. Tipos de norma ............................................................................................................... 6
3.2. Processo de construção e de estabelecimento da norma ..................................................... 6
4. O conceito de Erro linguístico ................................................................................................ 7
4.1. Tipologia e classificação dos erros como conceito linguístico ....................................... 8
4.2. Relação entre Erro/norma e variação linguística ............................................................ 9
5. Dicotomia Erro vs Desvio ..................................................................................................... 10
5.1. Erros aceitáveis vs Erros inaceitáveis ........................................................................... 11
6. Erros do Português de Moçambique (PM)............................................................................ 13
6.1. Erros lexicais ................................................................................................................. 13
6.2. Erros Léxico - Sintaxe .................................................................................................. 14
6.3. Erros de Sintaxe ............................................................................................................ 16
6.4. Erros de Morfo-Sintaxe................................................................................................. 17
7. Considerações finais ............................................................................................................. 20
8. Referências bibliográficas ..................................................................................................... 21
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1. Introdução
O presente trabalho, enquadra-se no âmbito dos trabalhos de investigação da cadeira de Técnicas
de Comunicação, leccionada no II Semestre do curso de Licenciatura em Engenharia Ferroviária.
De forma breve discutir-se-á o conceito da Agramaticalidade da Frase, tendo em vista uma
Norma específica que permita tal análise. Outros conceitos importantes, como o Erro e o
Desvio serão igualmente desenvolvidos.
O conceito de norma tem particular importância na discussão do nosso trabalho. Como veremos
a sua discussão é particularmente delicada que trata-se de sociedades multilingues, como a nossa
em que o Português representa uma segunda língua (L2). O conceito de erro, será analisado, nos
termos da conjuntura da aquisição duma L2 e não como erros cometidos pelos falantes nativos
da língua.
Por sua vez, os conceitos de erro e desvio apresentam uma proximidade tão notória que quase se
confundem. Como tal, procurar-se-á fazer uma distinção básica entre os dois, evidenciando os
elementos chaves para tal distinção: no caso, modulo de língua em que incidem e nível de
gravidade.
O presente trabalho foi estruturado em seis eixos temáticos que poderão ajudar o leitor a
compreender toda a argumentação proposta.
1.1. Objectivos
1.1.1. Geral Compreender a ocorrência da agramaticalidade nas frases em Português
1.1.2. Específicos a) Descrever a Agramaticalidade das frases e as Norma de referência;
b) Entender os conceitos de Erro e Desvio no contexto linguístico;
c) Identificar e classificar os erros típicos do contexto moçambicano.
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2. Gramaticalidade vs Agramaticalidade
A frase é um conjunto de palavras devidamente organizadas, segundo determinadas regras, e
com sentido (Florido & Silva, 1990). De acordo com os autores, toda organização de palavras
que não obedeça a estes critérios é chamada de não-frases.
Ora, falar de não-frases, é, num âmbito mais específico, falar da agramaticalidade da frase. De
forma a compreendermos melhor tal equivalência, importa falar da gramática e da classificação
que se faz das frases a partir desta.
Existem diferentes modalidades que permitem a codificação de uma língua, especialmente a
Gramática. A Gramática é um sistema de descrição de um conjunto finito de regras que permite a
codificação e a normalização de uma língua. Esse sistema deve ser assumido como um
conhecimento linguístico necessário na mente do falante ou do aprendente de uma língua
(Kenedy, 2008). Cada língua tem uma gramática, à que aqui faremos alusão de forma recorrente,
é a Gramática da Língua Portuguesa.
A partir da noção da Gramática como um instrumento linguístico, descritivo e normalizador,
pode-se falar da validade gramatical das frases classificando-as em Gramaticais ou Agramaticais.
Construções frásicas são consideradas agramaticais quando violam pelo menos uma regra da
gramática (Eliseu, 2008). Do contrário – quando a frase não apresenta nenhuma anormalidade ou
disparidade em confronto com as regras gramaticais – pode-se falar de frases gramaticais, ou
gramaticalmente correctas (Kenedy, 2008).
Exemplo 1:
Agramaticalidade da frase. Adaptado de Kenedy (2008).
No entanto, a Gramática, e os demais instrumentos codificadores da língua, baseiam-se em um
conceito ainda mais amplo: a Norma, que passaremos a discutir a seguir.
3. Conceito de Norma
Há muito que se possa dizer sobre a Norma no contexto linguístico. Basicamente, este conceito
remete a um padrão claro e não ambíguo que rege o uso da língua, resultante de acordos e
convenções relativamente rígidos e estáveis (Stroud, 1997).
Quantos livros você já escreveu? → Gramatical
Que livro você conhece uma pessoa que escreveu? → Agramatical
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De forma simples e prática, pode-se definir a norma como sendo a variedade da língua,
“Que é habitualmente impressa, e que é normalmente ensinada em escolas e a falantes não-
nativos quando aprendem a língua. É também a variedade que é normalmente falada por pessoas
instruídas e usada na emissão radiofónica de notícias e outras situações similares” (Trudgill,
1983: 17 citado por Stroud, 1997).
É evidente que esta definição, carrega consigo vários elementos que clamam por uma reflexão
mais exaustiva, sobretudo porque nas circunstâncias, supramencionadas, em que se pressupõe tal
uso, invariável e impecável, da norma de variação do padrão, têm se verificado, não poucas
vezes, o uso indevido da mesma. No entanto, não é nossa intenção realizar tal reflexão no
presente trabalho e esta constituir-se-á como a compreensão geral do conceito de norma por nós
adoptada.
3.1. Tipos de norma
Conforme Stroud (1997) existem dois tipos de norma: a variedade padrão e o uso geral. O
primeiro tipo relaciona-se com a abordagem prescritiva da norma, sendo obrigatória para os
usuários e os aprendentes de uma língua. Por sua vez, a norma do uso geral está relacionada com
os meios linguísticos convencionais para o grupo de falantes residentes duma região, podendo
divergir ligeira ou significativamente da norma de variedade padrão. Este tipo é denotado como a
norma descritiva (ou especificamente, norma nativa cf. Perpétua, 2005).
Na sua argumentação, Stroud (1997) entende que geralmente a norma da variedade padrão é
influenciada pela forma como as elites ou os grupos dominantes usam a língua. Neste caso, pela
importância e prestígio das elites na sociedade. Considera-se que, o uso que fazem da língua é
particularmente digno de ser escolhido para o uso comum.
Pese embora seja consensual que a norma é que rege o uso da língua, Stroud (1997) entende que,
regra geral, esta é parte implícita da vida diária dos indivíduos. Disso resulta que os falantes só a
questionam e a fazem referência explícita ocasionalmente.
3.2. Processo de construção e de estabelecimento da norma
A construção da norma é, evidentemente, posterior ao desenvolvimento e a construção da língua.
Dito de outra forma, a língua primeiro constitui-se e posteriormente constitui-se regras de
padronização de forma a uniformizar o seu uso por parte dos seus utentes.
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De acordo com Haugen (1966, citado por Stroud, 1997) a padronização da norma oficial de uma
língua realiza-se através de processos de três processos fundamentais: codificação, elaboração e
aceitação (p. 23).
Codificação – é a descrição da língua a vários níveis, especialmente o da ortografia,
através dos dicionários, gramaticais, manuais de regras de uso da língua, etc.
Elaboração – consiste na expansão das alternativas estilísticas da língua através da
inovação lexical com vista designar novas áreas onde a língua deve ser usada.
Aceitação – é a disseminação da norma pressupõe a aceitação por parte dos usuários
da língua, devendo respeitar e acomodar-se ao uso geral, sem imposição de um uso
específico da língua.
4. O conceito de Erro linguístico
Na linguística, os erros são vistos como parte integrante do processo de aquisição duma língua
(Stroud, 1997). Neste âmbito, eles são analisados de forma mais descritiva do que prescritiva.
Desta feita, como conclui o autor, os erros fornecem uma informação considerável sobre o
desenvolvimento do indivíduo na língua alvo. Um erro, só é, na medida em que pode ser julgado
como tal em confronto com uma norma específica (Stroud, 1997: 9; Gonçalves, 2005).
No entanto, é verdade que nem sempre os erros denotam uma tendência progressiva, podendo os
falantes da língua apresentar erros, tão básicos, sem que impliquem, necessariamente, estar na
fase incipiente do uso da língua. Numa abordagem mais ou menos semelhante, Gonçalves (2005)
entende que os erros denotam o nível de resistência do indivíduo em relação a aprendizagem da
nova língua.
Liski e Putanen (1983: 227 citado por Stroud, 1997) definem um erro como sendo o que ocorre
quando o falante “deixa de seguir o padrão ou modo de discurso de pessoas instruídas…”. Como
é notório, esta definição denota em si uma abordagem prescritiva. Vale reiterar que, no caso do
nosso país, tal padrão consiste na norma europeia (PE).
No entanto, é também consensual que os erros devem ser considerados e classificados em função
do contexto e das condições em que os usuários da língua se inserem. Neste sentido, a definição
considerada mais cautelosa, das inúmeras existentes, é a conceptualizada por Lennon (1991: 182
citado por Stroud, 1997) segundo a qual o erro linguístico é “uma forma linguística ou uma
combinação de formas linguísticas que, no mesmo contexto e sob condições de produção
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semelhantes, não seriam, muito provavelmente produzidas pelas contrapartes de falantes
nativos”. Evidentemente, esta definição denota traços da abordagem descritiva, pois
conceptualiza o erro tendo em vista a norma de uso geral em detrimento da norma de variedade
padrão.
4.1. Tipologia e classificação dos erros como conceito linguístico
A literatura opta por dividir os erros em dois grandes grupos existindo, assim, os considerados
erros de produção e erros de compreensão. Se bem que, os do primeiro tipo são mais discutidos
que os do segundo devido, provavelmente, à maior objectividade dos elementos que estes
apresentam1. A partir deste entendimento, a nossa discussão atentará, quase exclusivamente,
mais aos erros de produção do que aos de compreensão, pois estes demandam uma análise não só
do ponto de vista puramente linguístico, mas psicológico, contextual.
De acordo com Stroud (1997: 13), as taxonomias ou tipologias dos erros baseiam em diferentes
dimensões ou Critérios, alguns dos quais são:
a) Com referência à sua forma linguística,
A classificação mais comum baseia-se neste critério. Os erros são categorizados dependendo da
sua ocorrência, ou não, em categorias lexicais (substantivos, verbos, adjectivos), características
morfológicas (número, género, tempo, etc.), categorias sintácticas (sintagmas nominais, orações
encaixadas, etc.), ou unidades fonológicas (vogais, consoantes, traços supra segmentais, etc.).
Estes erros ocorrem em casos em que a unidade-alvo sofre transformação por processos como
adição (até aqui onde que estou (= aqui onde estou)), omissão (todas pessoas (= todas as
pessoas)), re-ordenamento (ajudar as crianças a educar (= ajudar a educar as crianças)) e
substituição (eu não tenho dinheiro para remborsar (= reembolsar) (Dulay & Burt, 1972, citado
por Storud, 1997, p. 14).
]
b) Na base das suas causas hipotéticas
Nesta tipologia são considerados três tipos de erro, nomeadamente os erros de
transferência/interferência, os erros de desenvolvimento, e, os erros induzidos pelo ensino. Os do
primeiro tipo referem-se ao uso das regras de L1, ou de outras línguas previamente aprendidas,
1É teoricamente mais exequível detectar erros de produção de um falante do que de compreensão de um ouvinte
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na língua alvo. Se isso ocorre de forma benéfica denomina-se transferência positiva – podendo
ser usado como recurso para línguas com estruturas muito semelhantes – do contrário, denomina-
se transferência negativa, ou simplesmente, interferência.
Sobre os erros de desenvolvimento, vale referir que os erros podem ocorrer como consequência
de tentativas de verificar diferentes hipóteses sobre a forma como a nova língua é construída –
estes são chamados de erros de desenvolvimento que implicam processos como (Stroud, 1997, p.
16):
a) Sobregeneralização – são o resultado da suposição errada do aprendente sobre as
restrições de uma certa regra da língua-alvo,Ex: Carregar = Carregador; Roubar =
Roubador.
b) Simplificação – resulta da negligência de distinções que são feitas, de facto, na língua-
alvo, como por exemplo não distinção entre certos fonemas ou entre diferentes tempos
verbais. Ex: Corremos (presente do indicativo), Corremos (pretérito perfeito do
indicativo)
c) Erros induzidos pelo ensino – devido a forma como a língua é ensinam na sala. Os
professores podem fornecer descrições bastante limitadas, quando não erradas, da
estrutura. A situação é mais delicada, quando as explicações dadas pelos professores são
a única fonte de input.
c) Em relação ao um modelo de processamento psicolinguístico,
d) Dentro de um modelo de proficiência linguística,
4.2. Relação entre Erro/norma e variação linguística
É comum haver dúvida sobre a diferença entre os conceitos: variedades linguísticas e
erros/desvios linguísticos. Tanto quanto se sabe sobre o assunto, o primeiro conceito relaciona-se
com a constatação de que “qualquer língua, falada por qualquer comunidade, exibe-se com
variações”(Mussalin e Bentes, 2001). Tais variações caracterizam-se pelos diferentes modos de
falar ou de empregar a língua. Desta feita, é do consenso que nenhuma língua se apresenta como
uma entidade homogénea. Exemplo concreto, que ilustra tais casos, é o da língua portuguesa que
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engloba os diferentes modos de falar característico dos falantes dos países lusófonos: Brasil,
Portugal, Angola, Moçambique, Cabo-Verde, São -Tomé, Timor-Leste (op. Cit.p. 32).
Contudo, tais variações não devem sempre ser entendidas como erros, de forma mecânica,
embora, em algumas circunstâncias, possam consistir em produções ou construções frásicas
estranhas à norma.
Assim, a distinção básica que se pode fazer entre os dois conceitos é que as variações são
consideradas num espectro aceitável, quer na norma de variedade padrão quer norma de uso
geral, e típico do contexto em que são avaliadas. Pelo contrário, os erros referem-se a produções
estranhas ao contexto e à norma. Isso implica que, dentro de uma variedade linguística podemos
encontrar frases e elementos linguísticos catalogados como erros.
5. Dicotomia Erro vs Desvio
Não poucas vezes, o Erro e o Desvio, como conceitos linguísticos, têm sido tratados de forma
indiscriminada. Tal tendência é compreensível, haja vista a estreitíssima relação existente entre
eles. A discussão e a distinção desses dois conceitos, é um momento de particular importância
para a compreensão de toda a argumentação proposta no presente trabalho. Tal distinção não é
facilmente exequível, porque, mesmo na comunidade científica, que se dedica ao estudo da
língua, ainda resistem debates fervorosos sobre a extensão e o limite de cada um dos conceitos
em relação ao outro.
Para melhor entendermos esta dicotomia, no nosso contexto, devemos considerar um processo
que acontecera a quando da oficialização do Português como língua nacional, a partir de 1980
quando ocorreu a nativização da língua – originou a chamada norma nativa – que implicou na
pronúncia africanizada do português e na inovação lexical (Gonçalves, 2005; Firmino, 2008).
Finalmente, desse processo emergiu uma espécie de norma do PM imaginária, levando a que
certas construções classificadas como erros na base do PE, em Moçambique, não sejam, ou não
possam ser, avaliados com a mesma rigidez e rigor (op. cit. p. 9).
Neste sentido, Gonçalves (2005) entende que parece haver maior tolerância ao erro, quando, por
exemplo, um cidadão moçambicano adulto pronuncia ‘incorrectamente’ as palavras ritmo ou
herói como “ritimo” e “herrói” respectivamente, ou quando alguém fala de doenças
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contaminosas (em vez de contagiosas), ou declara que comprou um arrumário (em vez de
armário)2.
Em contrapartida, há maior rigidez e intransigência quando ocorrem erros de ortografia – ex.
concidero (= considero), votade (= vontade) – ou de gramática (i.e. morfo-sintaxe) nas mais
variadas configurações (a. Muitos já não respeita a tradição. (PE = respeitam). (op. cit. p. 10).
Assim, pode-se concluir que existem casos em que se usa palavras ou expressões inexistentes no
léxico do Português europeu, como é o caso das palavras chapa (autocarro), bichar (ficar na fila)
ou da expressão dar parto (‘dar à luz’)), que não estejam erradas, mas preencham algum vazio
lexical. No entanto, todos podem ficar hesitantes quanto à legitimidade da frase: Eu comprou
amendoim (= eu comprei …).
Portanto, mesmo que não exista (ainda) uma norma oficial do PM, muitos dos cidadãos
moçambicanos, a partir da tal norma imaginária, legitimam certas inovações e rejeitam outras. A
avaliação da gravidade do erro (i.e. se é propriamente erro ou desvio) nem sempre é uniforme e
depende do módulo ou da área da língua em que se insere (Gonçalves, 2005; Firmino, 2008).
Sistematizando, pode se entender que, fazendo alusão ao caso do PM, são consideradas como um
desvio as variações linguísticas relacionadas com a pronúncia e com a inovação lexical. Noutro
pólo, são consideradas erros, as variações que incidem sobre aspectos ortográficos, gramaticais e
morfosintaticos das frases.
Esquematicamente temos a seguinte ilustração, num continum onde “+” indica o nível de
gravidade comummente atribuído a cada tipo de erro:
Esquema 1: Adaptado de Gonçalves (2005).
Esquema 1: Adaptado de Gonçalves (2005).
5.1. Erros aceitáveis vs Erros inaceitáveis
Com base no tópico anterior, pode-se entender melhor a distinção entre “os erros aceitáveis” e
“os erros inaceitáveis”. Consideremos, assim, os do primeiro tipo como sendo os desvios por
incidirem em módulos da língua como pronúncia, léxico, etc. (cf. Gonçalves, 2005). Os do
2 Nota-se que um dos casos refere-se a nativização, no aspecto pronúncia, e a inovação lexical, respectivamente.
Módulo da língua Ortografia Morfo-sintaxe Sintaxe Léxico Pronúncia
Gravidade de erro +++++ ++++ +++ ++ +
Erro Desvio
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segundo tipo como sendo mais graves e notórias pois incidem sobre a ortografia, mofo-sintaxe,
etc. (cf. Gonçalves, 2005).
Como já foi possível perceber, os erros, ou desvios, são sempre avaliados tendo em conta a
norma e o contexto em que ocorrem, podendo variar de muito grave a pouco grave. Tomando
como base o contexto moçambicano, podemos perceber que tal avaliação é baseada não só na
norma europeia (PE), mas também numa norma nativa local (norma do uso geral), que regula o
uso da língua (Stroud, 1997;Gonçalves, 2005).
Portanto, conforme Gonçalves (2005), embora uma frase possa ser, reconhecidamente,
agramatical, existem casos em que esta pode ser aceitável e outros em que é, completamente,
inaceitável. Tomando como exemplo dois grupos de frases apresentados pela própria autora
poderemos constatar e compreender melhor esse facto.
Exemplo 1:
Exemplo 2:
Explicando melhor, pode-se afirmar que as frases do primeiro exemplo são consideradas,
invariavelmente, como erradas, pois “parecem decorrer ou da falta de atenção dos falantes aos
seus próprios enunciados, ou da falta de treino nestas áreas da língua” (Gonçalves, 2005: 11).
Contrariamente, as frases do segundo exemplo, em que nota-se flexão indevida do infinitivo ou
neutralização de formas próprias para o tratamento por tu/você, “não podem, de forma simples e
mecânica, ser classificadas como erros, mesmo que o sejam do ponto de vista da gramática
prescritiva do PE”(op. cit. p. 11) uma vez que apresentam, no PM, um carácter relativamente
sistemático, e são produzidas, inclusive, por pessoas instruídas ou profícuas na língua. Assim, os
a) Muitos já não respeita a tradição. (PE = respeitam);
b) Rituais religioso só conheço um. (PE = religiosos);
a) Os alunos propuseram fazerem o trabalho em dois dias. (PE = fazer)
b) Os chefes deviam criarem melhores condições para todos. (PE = criar)
c) Jovem universitário, procure o teu lugar. (PE = procura... /...seu)
d) Você não tinha nada que falar, porque ele não é teu irmão. (PE = seu)
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erros do primeiro tipo podem ser considerados renegados, inclusive no PM, e os do segundo,
aceitáveis contanto que se considere o contexto e as circunstâncias em que ocorrem.
6. Erros do Português de Moçambique (PM)
Nesta secção discutir-se-á, ainda que descritivamente, o conjunto e a tipologia dos erros que
frequentemente ocorrem no PM tendo em vista a norma do PE. A base teórica para a nossa
listagem será os resultados da pesquisa e a classificação proposta por de Gonçalves (1997).
Contudo, não sendo nosso objectivo, não iremos nos alongar em argumentações teóricas sobre os
erros que ocorrem como, exaustivamente, o faz a autora no seu artigo original. No entanto, como
forma demonstrativa, aparecerá entre parentes a proposta de correcção do elemento que causa a
agramaticalidade das frases alistadas.
Em linhas gerais, os erros que ocorrem no PM podem ser agrupados em 4 categorias gramaticais:
Lexicais, Lexi-sintaxe , Sintaxe e Morfossintaxe. Tais erros podem dever-se a fenómenos
agramaticais relacionados com regência, concordância, ordenamento, e, em alguns casos que não
se podem considerar “erros” como tal, empréstimos e neologismos.
6.1. Erros lexicais
São os erros relacionados com o uso das palavras na construção frásica. Podem classificar-se em
neologismos de forma, neologismos semânticos e conversão.
a) Neologismos semânticos
Mandou-nos fazer uma casinha (…) para trazermos de casa para a escola. (PE =
levarmos)
Não sou boa historiadora (PE = contadora de histórias)
O ensino antigamente era bem regularizado. (PE = organizado)
b) Neologismos de forma
Por sufixação:
-ção (ex: emprestação (PE = empréstimo)), -gem (ex: falagem (PE = fala)), -mento (ex:
ajudamento (PE = ajuda))
Por prefixação:
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-ar (ex: esquinar (PE = esperar (nas esquinas)).
c) Empréstimo
dumba-nengue (PE = mercado informal); mussira (PE = pó cosmético usado pelas
mulheres macuas).
d) Conversão
Era orgulhoso um miúdo saber (PE = motivo de orgulho)
É mal educação (PE = má educação)
6.2. Erros Léxico - Sintaxe
O léxico determina o formato das estruturas sintácticas”. Trata-se assim de “erros” em que as
propriedades lexicais atribuídas pelos falantes a palavras ou expressões do Português dão origem
a outras significações (Gonçalves, 1997: 46).
a) Pelas estruturas sintácticas desviantes relativamente à norma europeia
Eu não concordo disso. (PE = com isso)
A pessoa vai apanhar a educação. (PE = receber educação)
b) Pela forma como são fixadas as propriedades das unidades lexicais
A minha mãe desde nunca trabalhou (PE = nunca)
A mulher está mais superior e o homem está em baixo (PE = é superior)
c) Pela alteração das propriedades de “selecção categorial” dos itens lexicais
Eu tinha de ir participar um curso na Suécia (PE = num curso)
Ensina a criança respeitar aos pais. (PE = os pais)
Não tem amor os filhos. (PE = aos filhos)
Tem que passar da cidade (PE = na cidade)
Fico admirado naquilo que estou a ver. (PE = com aquilo)
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d) Pela mudança categorial dos complementos dos verbos,
Há filhos que batem os pais. (PE = nos pais)
Não tive dinheiro para ir dar o professor. (PE = ao professor)
Sente de que (…) está fora da educação… (PE = bastante que)
Exigia com que o aluno fizesse os apontamentos (PE = exigia que)
e) Pela troca de proposição
Foi na altura que eu separei com os meus pais. (PE = separei dos)
Os alunos também abusam a eles. (PE = abusam deles)
Saí nas forças armadas. (PE = saí das)
f) Pela incorrecta selecção semântica
Não consigo o novo sistema. (PE = não me adapto ao novo sistema)
É necessário que satisfaça o lar. (PE = satisfaça a família)
g) Ma construção da passiva
Era muito mimada com os pais. (PE = pelos pais)
Não espera ser educado com a minha mãe. (PE = pela minha mãe)
h) Mau uso do pronome de flexão reflexiva
Chamava estrada Angola. (PE = chamava-se)
Temos que contentar com aquilo que nos dão. (PE = nos contentar)
Quando me acabei com o curso. (PE = quando acabei)
Pude me conversar. (PE = pude conversar)
i) Expressões Locativas”
O nosso país estamos independentes. (PE = no nosso país)
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Fui curada daquela igreja. (PE = naquela)
Passa na Vladimir Lenine até bazar (PE = até ao bazar)
Na Marracuene. (PE = em)
j) Pelo mau uso das Expressões Temporais
Tenta trabalhar fim-de-semana. (PE = no fim-de-semana)
Nos sábados nem posso ir. (PE = aos sábados)
A minha mãe desde nunca trabalhou. (PE = nunca)
Sempre às vezes caía na emboscada. (PE = ?)
k) Pelo mau uso das Expressões Quantitativas
Isto é mais melhor. (MX/1/MAT) (PE = é melhor)
Machimbombo é mais importante como no chapa. (PE = é tão importante)
Os polícias bateram-me que até hoje ainda tenho marcas. (PE = bateram-me tanto que)
Nunca dei porrada a alguém. (PE = ninguém)
Cem por centos (PE = cento)
l) Pelo mau uso das Expressões Recíprocas
Os pais insultam perante as crianças. (PE = insultam-se)
O ponto mais importante é de responsáveis entender entre um ao outro. (PE =
entenderem-se uns aos outros)
6.3. Erros de Sintaxe
Erros de “Encaixe” entre orações subordinadas e complementos circunstanciais
Dependendo da região que as pessoas vivem. (PE = em que/onde)
Disseram que “eh pá já não vai a tempo”. (PE = disseram: “eh pá…”)
Embora nunca fui nestes dias mas parece que as coisas estão mudando. (PE = embora
nunca tenha ido nestes dias parece que)
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Se eu fosse que tinha tempo podia fazer qualquer coisa. (PE = se eu tivesse tempo)
Saiu mais cedo por causa de ser devido de situação. (PE = por causa da/devido à)
Erros de colocação dos pronomes pessoais átonos
Elas têm-me dito que dão-se bem. (PE = que se dão)
Há pessoas que mesmo sentem-se à vontade. (PE = se sentem)
Trocámos aquela roupa que eles tinham-nos dado. (PE = eles nos tinham)
É claro que pode se ver. (PE =que se pode)
Erros de de omissão
Recebi telefonema. (PE = um telefonema)
Tinha direito a transporte para escola. (PE = para a escola)
Nós íamos lá passar exactamente fim-de-semana. (PE = exactamente o fim-de-semana)
Vi tua mulher com fulano. (PE = a tua mulher)
Todas pessoas (PE = todas as pessoas)
“erros” de determinação do nome em relação numero
A minha filha está a fazer maldade. (PE= maldades)
Tinha um curral de suíno. (PE = suínos)
Erros de ordenamento das palavras
Agitava-me eu a passear. (PE = eu agitava-me)
É que mesmo estamos perder. (PE = estamos mesmo a perder)
6.4. Erros de Morfo-Sintaxe
“erros” de concordância verbal
As senhoras também amantiza. (PE = também se amantizam)
Se os preços dos transportes públicos fosse um bocado baixos (PE = fossem)
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Eu pode dizer…. (PE = posso)
Na escola nós entrava às dezassete (PE =entrávamos)
Os “erros” de concordância nominal incluem os casos de concordância
(dos nomes, adjectivos e determinantes) em género e em número
A educação moral está sendo deixado para trás. (PE = deixada)
Temos relacionamento muito boa. (PE = muito bom)
A única coisa melhor era que houvesse assim esse machimbombos. (PE = esses
machimbombos)
Há muitas dificuldade. (PE = dificuldades)
“erros” classificados como “Modo Verbal (i.e. uso do modo indicativo devendo ser o modo
conjuntivo)
Consigo ver ultimamente embora dantes não conseguia. (MX/2/SIM) (PE = não
conseguisse)
Não há ninguém que fica satisfeito do salário que está receber. (PE = que fique)
Talvez é por isso, talvez é isso, não sei. (PE = talvez seja (…) talvez seja)
como “Tempo Verbal”,
a. Na Maxixe, eu nunca tinha um par de sapatos. (PE = nunca tive)
b. Qualquer pessoa que ver que a minha filha está a fazer maldade (PE = que vir)
c. É nesta altura quando eu voltei de Tete. (PE = foi nessa altura)
d. Andei bem, só na quinta quando estou quase a chegar ao fim tive problemas. (PE
=quando estava)
Pelo não uso do infinitivo”
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a. Querem ganharem naquela hora. (PE = querem ganhar)
b. Os professores não conseguem darem aulas. (PE = conseguem dar)
a. As pessoas lá têm um horário para poderem se separarem da cidade. (PE =
poderem separar-se)
b. Deviam as moças fazerem o planeamento. (PE = fazer)
Erros de pronominalização
a. Eu não ajudava a ela. (PE = não a ajudava)
b. Levam a miúda para o quarto, vestem-lhe. (PE = vestem-na)
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7. Considerações finais
A agramaticalidade é atravessada da frase deve ser avaliada a partir de uma norma específica e
relativamente estável. Tal norma deve ser como vimos a norma é condicionado pela aceitação da
comunidade dos usuários da língua. Isto implica que ela deve procurar acomodar, sempre que
possível, os diferentes modos de uso da língua em diferentes regiões.
Em sociedades pós-coloniais, multilingues, não podemos aplicar de forma rígida a norma das
línguas ex-coloniais, mesmo que ela seja tomada como referência a nível oficial. Contudo, não
podemos tratar todo e qualquer tipo de traço desviante produzido pelos falantes das línguas ex-
coloniais que vivem nestas sociedades como evidência de uma norma local, que está emergindo
no quadro da nativização destas línguas exógenas.
Quanto às inovações lexicais destinadas a designar realidades locais e para as quais não existem
termos no PE, isto é, inovações destinadas a preencher lacunas lexicais, parece legítimo que elas
sejam aceites.
No que se refere aos neologismos para os quais existem termos disponíveis no PE (exemplos:
contaminoso (PE: contagioso) ou arrumário (PE: contagioso)), pode sugerir-se que seja adoptada
uma atitude flexível que pode consistir em não os classificar rigidamente como erros, mas antes
como evidências da norma local emergente, tratando-as como alternativas possíveis a palavras
existentes no PE. Nestes casos, parece por isso mais apropriado considerá-los parte da variedade
educada do PM, em formação.
Para além do mais, o feedback correctivo sobre a sua produção é ou mínimo ou confuso, uma vez
que pode ser corrigido por erros que não são erros em relação ao uso geral, mas apenas em
relação à norma prescritiva. (p. 25)
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8. Referências bibliográficas
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Primeiro Diagnóstico In C. Stroud & P. Gonçalves (orgs), Panorama do Português oral de
Maputo. Volume 2: A construção de um banco de ‘erros’, pp. 9-35. Maputo: Instituto Nacional
do Desenvolvimento da Educação. Disponível em http://cvc.instituto-
camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/doc_details.html?aut=133
STROUD, Christopher. (1997) Os conceitos linguísticos de ‘erro’ e ‘norma’. In C. Stroud & P.
Gonçalves (orgs), Panorama do Português oral de Maputo. Volume 2: A construção de um
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1990…Porto
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Mussalin e Bentes, 2001,
FIRMINO, Gregório (2008), A situação do português no Contexto Multilingue de Moçambique
KENEDY, E. Gerativismo. In: Mário Eduardo Toscano Martelotta. (Org.). In.: Manual de
lingüística. São Paulo: Contexto, 2008, v. 1, p. 127-140.