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Web-aula 6 Dúvidas, certezas e religião José Roberto Bonome

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Aula de cultura religiosa

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Web-aula 6

Dúvidas, certezas e religião

José Roberto Bonome

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Pra começo de conversa!

Web-aula 6 - Sem Cetezas? Nem Dúvidas!

Caro estudante, na web-aula 5, abordamos aspectos essenciais sobre a fé nas concepções de três grandes religiões universais: o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo. Muitas, no entanto, são as críticas feitas às religiões porque estas afirmam que existem verdades que não são apenas fruto de subjetividade e, portanto, de relatividades. Para as igrejas de origem judaico-cristã (Catolicismo e Protestantismo), a verdade se define por meio de doutrinas e dogmas. As doutrinas são princípios oficiais dessas igrejas, relacionados aos costumes, à ética, ao modo de enxergar as coisas e acontecimentos físicos e psíquicos, e os dogmas são ensinos inquestionáveis e fundamentados em escritos sagrados.

Já descobrimos, ao longo de nossas web-aulas, que a religião tem doutrinas e tem dogmas. Até aqui tudo bem! Mas quando a religião tem doutrina sobre coisas que ultrapassam a esfera de sua competência (geocentrismo ou heliocentrismo, origem de doenças e questões econômicas, por exemplo)? Nesse contexto, ela extrapola seu próprio discurso e corre o risco de dizer coisas absurdas e inapropriadas, coisas que não condizem com a realidade. Com efeito, a religião pode ter certezas, mas precisa de muita precaução no momento de afirmar a verdade ou falsidade de algo.

Deus e a Ciência

A importância da dúvida metódica para a certeza

A religião pode representar óculos hermenêuticos das fragilidades da própria existência, da visão de mundo das diversas culturas, da construção do mundo de significados necessários ao ser que é humano. Ângela Ales Bello afirma:

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Você deve compreender que as críticas feitas à religião podem ser transferidas à ciência ou a qualquer outra área de nossas vidas. É importante nos certificarmos de algo antes de confiar completamente nesse algo. Mas, apesar de podermos ter certezas, é importante sempre que a humildade prevaleça diante do mistério da vida e dos mistérios que envolvem a vida.

Essa humildade pode ser traduzida por cuidado. Cuidado antes de crer em algo e cuidado quando permanecer na dúvida. O caminho do meio é fundamental. Mas o que isso significa?

Fonte: www.google.com.br/imgres

O próprio ateísmo, ou mesmo as posições filosóficas que se fecham na imanência, não estão fora de um contexto religioso e a sua busca do absoluto é tão explícita quanto aquela que se manifesta nas filosofias abertas para a transcendência ou para a metafísica, porque, inevitavelmente, a resposta que se procura é uma resposta global. (BELLO, 1998, p. 168)

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Web-aula 6 - Sem Cetezas? Nem Dúvidas!

Desde os tempos de René Descartes, no Séc. XVII, a razão passou a ganhar destaque especial na afirmação de pressuposições que descrevem a natureza das coisas. Essa descrição da natureza feita de modo sistemático e utilizando-se um método específico com técnicas e observações é chamada de ciência. A ciência é descritiva. A questão entre ciência e fé passa por esse crivo descritivo da ciência e da hermenêutica utilizada pela fé para dar sentido ao que se observa e até mesmo sentido as coisas que são invisíveis e imperceptíveis pelos sentidos.

Como já discutimos em outras web-aulas desta disciplina, você já deve ter percebido que ciência é descritiva, isto é, fala daquilo que pode ser observado pelos sentidos. Entretanto, há muitas coisas no universo que não podem ser observadas, e outras, ainda, que, apesar de serem observáveis, não são explicáveis, e é justamente aí que entra a hermenêutica do cientista. Ou seja, é nesse momento do não-observável ou explicável que o cientista acrescenta sua visão de mundo e interpreta a partir do seu locus, da sua história, colocando na observação suas impressões. Para isso, utiliza-se geralmente da razão para a compreensão do fenômeno ou objeto de análise.

Essa razão foi a responsável pela saída do obscurantismo provocado por pessoas que se utilizaram da religião durante séculos. A razão trouxe luz onde havia trevas das afirmações mais bizarras possíveis. Esse período de predomínio da razão foi chamado de Iluminismo. A tônica dominante nesse período de racionalismo foi a defesa de que o conhecimento tem início na dúvida; isto é, sem dúvida, não pode haver certeza! E essa dúvida cartesiana, metódica, contribuiu para o desenvolvimento da ciência. A dúvida metódica é fundamental para quem quer chegar à verdade das coisas descritíveis. Mais tarde a religião também se apropriou da dúvida metódica como degrau inferior e necessário para o conhecimento da verdade. Mas a excessiva racionalização proveniente desse tempo tem provocado olhares absortos e muitas vezes preconceituosos. Um grande hermeneuta da atualidade diz:

É preciso, portanto, manter um olhar crítico, mas evitar os perigos de um olhar desfocado pela excessiva racionalização das relações entre indivíduos, considerando o fato de que “a individualidade que o ser humano acaba por desenvolver não depende apenas de sua constituição natural, mas de todo o processo de individualização”. (JAMES, 2001, p. 28).

Caro aluno, tudo isso foi dito aqui para enfatizar a você como a dúvida é um componente para a afirmação da verdade. No entanto, não é a verdade; é apenas um instrumento, uma metodologia, que não tem seu fim em si mesma. A dúvida inicialmente é um caminho que pode levar à certeza.

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Uma análise da história do conceito mostra que é somente no Aufklãrung que o conceito do preconceito recebeu o matiz negativo que agora possui. Em si mesmo, preconceito (Vorurteil) quer dizer um juízo (Urteil) que se forma antes da prova definitiva de todos os momentos determinantes segundo a coisa. (GADAMER, 2002, p. 407, /grifos nossos/)

Pitágoras

Fonte: www.google.com.br/imgres

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A religião como certeza e a ausência da dúvida

Não existe religião que não se apresente como resposta a um dado histórico, um acontecimento catastrófico, trágico, um embate entre culturas, um enfrentamento de visões de mundo, interesses específicos de indivíduos e, até mesmo, como forma de agradecimento que permita a continuidade do que está estabelecido – a Religião que surge como norma, como regra, como assertiva que dissipa as contradições, como dogma, como certeza que se coloca na instabilidade do cotidiano. A Religião, embora individual, não existe senão na sociedade, nas redes que tecem o tecido social, pois o indivíduo só existe, enquanto tal, nas relações sociais. É o que se fala atualmente das redes de comunicação: quanto mais complexa a rede, maior as possibilidades de se configurarem os nós, nos tecidos sociais, especialmente nos desenhos das religiões. A esse respeito, assinala Max Weber:

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Não há forças misteriosas incalculáveis, mas podemos, em princípio, dominar todas as coisas pelo cálculo. Isto significa que o mundo foi desencantado. Já não precisamos recorrer aos meios mágicos para dominar ou implorar aos espíritos, como fazia o selvagem, para quem esses poderes misteriosos existiam. Os meios técnicos e os cálculos realizam o serviço. Isto, acima de tudo, é o que significa intelectualização. (WEBER, 1982, p. 165)

Apesar das afirmativas de Max Weber, o que a história recente registra não é um mundo harmonioso e pacífico dirigido pela razão. A razão, apesar de veículo do conhecimento, não basta em si, uma vez que é necessário que ela processe os valores culturais de um determinado povo. Ao processar, com respeito, esses valores culturais, o ser racional transcende a dimensão do observável e alcança a esfera do misterioso. E é na esfera do misterioso que a religião assegura o equilíbrio entre dúvida e certeza.

Campo de Concentração de Auschwitz

Fonte: www.google.com.br/imgres

Um exemplo clássico de extremo horror em que pode chegar a razão foram os campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial, 1944.

Assim, a religião usa o passado para falar do presente e alertar sobre o futuro. No passado, a razão não foi suficiente para banir os horrores e a crueldade demonstrados por seres humanos normais; no presente, a razão é insuficiente para encontrar respostas aos anseios individuais e coletivos; quanto ao futuro, a razão planeja na incerteza do que virá. Erros do passado, no entanto, podem ser evitados pela razão que dialoga com a fé num ser supremo e soberano, como é ensinado no Cristianismo.

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Encerrando o nosso papo...

Web-aula 6 - Sem Cetezas? Nem Dúvidas!

Caros alunos, nossa web-aula apresentou hoje um tema bastante interessante para a atualidade. Com efeito, crises econômicas, conflitos e guerras se espalham pelo mundo! A razão parece faltar nas pessoas que ocupam o planeta. O que pode ser feito para diminuir esses problemas na sociedade contemporânea? Uma coisa é certa: as pessoas não agem de maneira irracional; tão-somente a razão é direcionada para interesses e motivações egoístas, desprovidas de senso humanitário.

Sendo assim, não é difícil você perceber que é nos momentos de crise que a religião pode contribuir para relembrar os valores de irmandade, da existência de Deus, do respeito ao semelhante, da caridade e de coisas igualmente importantes. Uma coisa é certa, a razão demonstrou-se insuficiente para resolver os problemas sociais e pessoais. Então, é necessário dizer que a razão precisa ser direcionada para os valores vitais ensinados pela religião e sentidos pela fé.

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Para saber mais

BELLO, Ângela Ales. Culturas e religiões: uma leitura fenomenológica. São Paulo: EDUSC, 1998.

BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutemberg a Diderot. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica.4.ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

JAMES, William. A Vontade de Crer. São Paulo: Loyola, 2001.

STEIN, Ernildo; STRECK, Lenio (Orgs). Hermenêutica e Epistemologia. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.

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