web viewenfim, uma história ... de um modo geral, os artistas procuram afastar-se da ... a...

3

Click here to load reader

Upload: phungnguyet

Post on 05-Feb-2018

215 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: Web viewEnfim, uma história ... de um modo geral, os artistas procuram afastar-se da ... A imersão na crista da onda da novidade tecnológica esvazia a arte,

A arte dos novos e dos velhos media

A designação novos media está hoje generalizada em certos circuitos ligados à prática artística contemporânea. Apesar de poder significar coisas diferentes em diferentes contextos, habitualmente a expressão novos media refere-se aos media digitais. Na verdade, o digital (ou numérico como alguns preferem dizer) trouxe mudanças profundas no modo como lidamos com a informação, da sua produção à sua difusão. De certa maneira, nas sociedades mais desenvolvidas, é hoje difícil encontrar uma actividade humana que não dependa em algum momento de uma função digital de algum tipo. Com a arte as coisas não são muito diferentes, e os processos digitais vieram alterar a forma como a pensamos e fazemos, assim como as modalidades da sua recepção.

Os princípios da modularidade, da automação de procedimentos, da variabilidade da informação e da capacidade de a transcodificar são as características mais evidentes dos media digitais, que se baseiam na codificação numérica da informação. Estes princípios, com essa codificação em 0s e 1s à cabeça, não sendo todos absolutamente novos, ao serem reunidos numa espécie de super-medium abrem novas possibilidades de acção na manipulação da informação (corporizada em textos, sons, imagens, imagens em movimento e suas combinações). No entanto, e apesar das inegáveis alterações trazidas pelo digital, devemos procurar escapar a uma dicotomia simplista entre novos e velhos media.

De forma resumida e parcial, podemos apresentar duas considerações que demonstram, só por si , o quanto esta oposição pode ser enganadora:

a) não devemos esquecer que cada que cada novo medium se constrói sobre as experiências (e os usos) daqueles que o precederam e, no fundo, lhe deram origem;

b) a obsolescência dos media é tanto mais rápida quanto mais novos são esses media.

A primeira ideia está bem expressa no modo como observamos um fio condutor —dos processos tecnológicos envolvidos ao modo como o espectador moderno foi sendo fabricado —, que vai, por exemplo, das máquinas ópticas modernas, passando pela Camera Obscura e outros dispositivos pré-fotográficos, à fotografia e ao cinema, até chegarmos ao vídeo (primeiro analógico e depois digital). Sendo verdade que cada um destes novos media trouxe de facto algo de novo e reconfigurou os modos de fazer e pensar as imagens (e depois imagens e sons), em todos eles encontramos um pouco dos seus antecessores. Apesar das rupturas tecnológicas e de sentido, a história dos media foi-se construindo por camadas comunicantes. Cada novo medium é em parte uma reconfiguração de um velho conhecido.

A segunda consideração funda-se na convicção de que os media começam a envelhecer no próprio momento em que nascem. Isto é, todos os media foram novos um dia, ou se calhar por um dia apenas. Hoje, com o digital isso é ainda mais evidente. Todos reconhecemos a rápida obsolescência, por exemplo, dos nossos dispositivos de armazenamento da informação. Quem ainda se lembra das disquetes de 8’’, dessas outras de 5’’1/4 que as substituíram ou mesmo das mais recentes de 3’’1/2? E das zip drives com a fantástica capacidade de 100 MB? E desses primeiros discos de 2 ou 4 MB (?!) que equipavam os PCs no início dos anos 80? Enfim, uma história dos dispositivos de armazenamento da informação digital ou dos processadores dos nossos computadores seria suficiente para nos provar a intrínseca obsolescência de todos os media, com uma crescente aceleração nas últimas décadas (uma visita arqueológica às nossas garagens, arrumos e sótãos também serviria para o mesmo efeito).

E a arte, como é que lida com esta ideia dominante dos novos media? Diríamos que, quando no seu melhor, de forma desconfiada e, por vezes, com um interesse distanciado.

Desconfiada porque sabe que todos os media foram um dia novos, não esquecendo que estes se fazem através seus usos e não pela sua capacidade de anunciar mais um gigabyte ou terabyte, mais uma função electrónica ou uma nova resolução de última geração. Aliás, a ilusão do novo é algo de que a arte aprendeu há muito a desconfiar.

Distanciada porque, de um modo geral, os artistas procuram afastar-se da pirotecnia tecnológica, já que a arte não se faz dos media, faz-se com eles. A imersão na crista da onda da novidade tecnológica esvazia a arte, reduzindo-a ao dispositivo e à sua demonstração.Contudo, deve sublinhar-se que esta desconfiança e este interesse a que chamámos distanciado não representam um verdadeiro desinteresse ou uma real falta de atenção da arte às mutações no campo tecnológico. Antes pelo contrário. Nunca a arte esteve tão atenta

Page 2: Web viewEnfim, uma história ... de um modo geral, os artistas procuram afastar-se da ... A imersão na crista da onda da novidade tecnológica esvazia a arte,

a essas alterações. Se se mostra desconfiada e parece pouco interessada é apenas porque procura manter uma distância crítica.

Esta relação entre o velho e o novo, entre uma arte que oscila entre a atenção desconfiada à novidade e a experimentação do obsoleto, resulta numa feliz combinação em que os media são verdadeiramente postos em causa, tantas vezes para lá da função operativa que as indústrias culturais lhes confiaram. Podemos mesmo dizer que, para a arte, em certas circunstâncias, um medium só se mostra operativo depois de se tornar obsoleto, como se vê nas recentes recuperações da película de 8 e 16 mm por muitos artistas, ou pela insistência na utilização de alguns processos fotográficos que a indústria descontinuou. Com efeito, tecnologicamente falando, o território da prática artística é muitas vezes um caixote de lixo da indústria, e isso pode ser produtivo.

ml

In Atlier II – Multimédia

http://www.virose.pt/ml/blogs/a2m/?cat=3