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Workshop “Clima e Meteorologia dos Arquipélagos Atlânticos”
“Mudanças Globais do Clima”
INCERTEZAS E RISCOS NO CONTEXTO DA ENGENHARIA
António Betâmio de Almeida
Professor Catedrático (IST)
Angra do Heroísmo
Junho de 2004
Apresentação e Justificação
Na sessão de abertura do Congresso da Água, promovido pela Associação Portuguesa de Recursos
Hídricos, que teve lugar no dia 8 de Março de 2004, proferi uma conferência subordinada ao título
Incertezas e Riscos no contexto da Engenharia. No final da sessão o Prof. Eduardo Brito de Azevedo
teve a amabilidade de me propor a apresentação dessa mesma conferência numa sessão do
Workshop “Clima e Meteorologia dos Arquipélagos Atlânticos. Mudanças do Clima Globais”. Foi com
muito prazer que aceitei o convite e considero ser um privilégio a oportunidade de estar com ilustres
especialistas de um domínio tão importante, na fronteira dos conhecimentos, intimamente associado
a incertezas e riscos. A conferência não é, contudo, exactamente a mesma. Procedi a algumas
alterações ditadas pelo percurso que vou percorrendo.
Interessa precisar o contexto e o objectivo de minha reflexão que insere no âmbito das minhas
actuais preocupações: o Risco, nomeadamente o associado aos produtos tecnológicos (ou na
engenharia), e a forma de responder ou de actuar.
O conceito Risco tem muitas dimensões, nomeadamente científica, tecnológica, social psicológica,
económica, jurídica, mediática, política, filosófica e ética e concretiza-se ou materializa-se sob
diversas formas.
O conceito geral, e quase abstracto, de Risco pode ser, com efeito, concretizado em inúmeras
situações concretas as quais, por sua vez, podem ainda ser desagregadas em inúmeras perspectivas
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e numa cascata infindável de aplicações a diferentes níveis. Na realidade o termo Risco pode ser
desagregado no plural riscos. No entanto, mantêm-se estruturas comuns nas diversas escalas de
Risco e nos diversos riscos.
Diversos factores concorrem para explicar a génese e importância crescente dos riscos na Sociedade
actual e da consciência que a mesma tem dessa situação.
A designação de “Sociedade de Risco” (U. Beck) é um paradigma desta situação.
De entre estes factores salienta-se, entre outros,
• o poder prático do conhecimento
• a concentração crescente dos “futuros” para o presente como domínio de intervenção social
• a inovação como uma necessidade social
• o poder da informação e participação
• o principio da responsabilização civil e de materialização de perdas
Subjacente a estes factores encontramos uma realidade básica que pode ser considerada como um
conceito acoplado fundamental: a incerteza ou as incertezas epistemológicas.
A identificação de estruturas características comuns ou invariantes dos riscos e a desagregação
associada traduz já um paradigma epistemológico da ciência da modernidade: desintegração de
sistemas em elementos, detecção de estruturas comuns e simplificação do complexo.
A avaliação do Risco ou a avaliação de riscos, e mais ainda, a gestão do Risco confrontam-se com
um desafio epistemológico extremo: o objecto dificilmente pode ser completamente desagregado e
separado do comportamento humano. O problema e a solução englobam o facto material ou físico e o
facto humano e psicológico.
Com efeito, a avaliação dos riscos engloba a análise dos riscos, ou seja, a quantificação das
incertezas associadas aos acontecimentos futuros tornados presentes (cenários) e das respectivas
consequências positivas ou negativas, e ainda, a apreciação dos valores obtidos para os riscos em
análise: valores dos efeitos futuros expectáveis tornados presentes. Este programa envolve por si só
exigências metodológicas muito diversas e transdisciplinares: análise de sistemas físicos, químicos e
biológicos, definição de relações de causalidade, quantificação de incertezas (probabilidades) na
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previsão, na identificação e valorização dos efeitos e na caracterização da percepção (social ou
individual) dos riscos como elemento influente da decisão política ou pessoal.
Justifica-se, em meu entender, a importância da reflexão sobre a associação das incertezas
epistemológicas ao Risco e à gestão do Risco, uma etapa fundamental de um programa de
investigação transdisciplinar sobre um conceito de referência da Sociedade actual.
Este é o tema da minha conferência a qual foi preparada inicialmente, como referi anteriormente, para
a principal conferência nacional sobre a água e os recursos hídricos. Nesta conformidade, a
envolvente predominante da exposição são os riscos associados à água. Esta envolvente não será
estranha aos participantes desta sessão nos Açores. Para mim, é uma oportunidade feliz para poder
recolher reacções de cientistas e especialistas em diferentes domínios que, quase certamente, já
foram confrontados com a importância dos riscos.
A viagem vai começar.
1. INTRODUÇÃO
Viajar é uma forma de exposição a riscos e de colocar à prova as nossas certezas. Este texto
constitui uma proposta de viagem intelectual, num território em que o autor está a trabalhar: o
domínio das incertezas e dos riscos, no contexto da Engenharia e a Água. A viagem proposta
contempla as incertezas, e os riscos decorrentes, associadas a limitações genuínas do conhecimento
humano.
2. PERCURSO DA INCERTEZA
Parece ser consensual designar a sociedade do presente e do “futuro próximo” como uma Sociedade
do Conhecimento cativando-nos, assim, com uma imagem atraente na qual a ignorância e as
incertezas estarão fortemente atenuadas.
Com efeito, a Tecnologia e a Engenharia surpreendem-nos, com realizações cada vez mais arrojadas
e precisas, nomeadamente com a aplicação da informática e a melhoria da qualidade da vida
humana.
O iluminismo e o racionalismo proporcionaram uma grande esperança no conhecimento e no controlo
da Natureza abrindo caminho ao conceito de progresso técnico. O determinismo e a causalidade
mecânica seriam a chave libertadora capazes de garantir ao Homem o (então) presente e futuro. A
questão parecia ser a de ter a capacidade suficiente para abarcar a quantidade incomensurável de
cálculos. Uma “Suprema Inteligência”, imaginada por Laplace no séc. XVIII, para a qual nada seria
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incerto. Os resquícios deste sentimento ainda são encontrados, na actualidade, na percepção pública
da ciência.
O entendimento sobre a verdade e a certeza científica alterou-se, entretanto, radicalmente. Para esta
mudança contribuiu, de forma relevante, o século XX nos domínios da Ciência, da Filosofia, em
particular da Epistemologia, e da Sociologia.
De entre um conjunto numeroso de emergências científicas que abalaram a estrutura da certeza
científica no século XX selecciono os seguintes:
− O comportamento caótico de sistemas não-lineares, de que a previsão meteorológica é um
bom exemplo para a compreensão das dificuldades em realizar o sonho de Laplace;
− A mecânica quântica e a respectiva natureza probabilística, no domínio microscópico, de que
o princípio da incerteza de Heisenberg é um exemplo paradigmático;
− O princípio da incompletude de Kurt Gödel, mostrando que em sistemas matemáticos
axiomáticos existe sempre a hipótese de algumas proposições não poderem ser provadas
como verdadeiras ou falsas.
No início do século XXI, não obstante os numerosos exemplos de demonstração do poder e do rigor
do conhecimento científico (e tecnológico), o tema INCERTEZA está de uma forma aparentemente
paradoxal na actualidade e na agenda de programas internacionais e de reuniões científicas.
Apresenta-se a seguinte definição possível para a incerteza:
− Conhecimento incompleto motivado por deficiências inerentes ao conhecimento adquirido ou
possível.
A incerteza pode ser classificada como um não conhecimento consciente incompleto e apresentar-se
sob as formas de: ambiguidades, aproximações, incluindo a simplificação da complexidade,
raciocínios aproximados e o uso de semântica vaga na linguagem, e indeterminismos caracterizados
por componentes aleatórias, estatísticas, probabilísticas ou por amostragens.
3 – CAUSALIDADE E INDUÇÃO
A questão filosófica clássica da indução foi colocada por David Hume (séc. XVIII) ao interrogar-se
sobre a noção de causalidade na perspectiva vir a poder ser aplicada ao futuro. A “posição céptica”
apresentada conduziu à dúvida que se possa encontrar, entre os factos conhecidos relativos ao
passado, a menor razão sobre objectos ou acontecimentos futuros.
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Kant procurou nas faculdades do espírito humano as formas “à priori” que pudessem garantir a
validade universal, objectiva, das leis científicas.
A questão permanece em aberto, na medida em que a existência da causalidade não tem justificação
epistemológica definitiva. Podemos ter a crença de que faremos melhores conjecturas se tivermos
mais experiência, pois temos mais sinais do que possa vir a acontecer (Hobbes – 1640). Bertrand
Russell (1912) formula o “princípio da indução” com base na associação frequente e na probabilidade
da causa-efeito podendo esta, em caso limite, tender para uma convicção de certeza: se uma lei foi
verificada um certo número de vezes no passado, esse facto constitui uma prova de que a lei será
aplicável no futuro (prova dos futuros passados).
A epistemologia do século XX fornece-nos duas plataformas para enfrentar a incerteza da indução
científica: a pretensão da verdade é abandonada pelo conceito de probabilidade como “grau de
confirmação” (Carnap) e a detecção de regularidades na natureza para previsão de fenómenos
baseada em frequências relativas observadas e identificação de probabilidades (Reichenbach).
Contudo, nem todas as regularidades são possíveis de gerar previsões (Goodman).
Karl Popper, figura incontornável de filosofia das ciências do século passado, defende que o avanço
científico não ocorre por observações repetidas e formulação de leis mas sim por um processo
“hipotético – dedutivo”: enunciado de conjecturas audaciosas submetidas a provas de observação e
experimentação (falsificabilidade).
A probabilidade, baseada na estatística e frequência ou como grau de convencimento consciente,
fornece um quadro interpretativo que nos indica como é que as incertezas podem ser compreendidas
e geridas.
O “cálculo das probabilidades” envolve um certo nível de paradoxo: como podemos estar certos
relativamente ao incerto? Contudo, o conceito de probabilidade não tem como objectivo transformar a
incerteza em certeza ou fazê-la desaparecer. Entretanto a evolução da Sociedade conduziu a
Tecnologia para domínios mais incertos.
A actividade humana projecta-se no futuro sob formas diversas de “colonização” desse futuro com
base na engenharia e a tecnologia. A faixa onde o controlo das condições é compatível com o
conhecimento tende a ser, frequentemente, ultrapassada. A engenharia e a tecnologia passaram a ter
como domínio de actuação um futuro para além dos limites do conhecimento epistemologicamente
“mais provável ou garantido”, penetrando no domínio de incertezas profundas e de convicções sem
fundamento probabilístico. Um domínio para o qual o passado nem sempre nos pode fornecer
“regularidades” e bases indutivas. Para além de resolvermos problemas do presente, a Sociedade
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Tecnológica está a criar e a trabalhar em cenários (“futuros presentes”) que implicam decisões
presentes com incertezas nas consequências que irão ocorrer nos “presentes futuros” (baseado em
Luhmann, 1998), Figura 1.
Controlo de condições
Domínio do passado (“futurospassados”)
Incertezas na compreensão do passado
tempo
Passado informa o presente
Zona de risco - incertezaquantificada (probabilidades)
Faixa de sucesso científico e tecnológico mais provável
Domínio ilimitado do futuro
Incertezas profundas, crenças e príncipios de conduta
PRESENTELimites ao conhecimento(epistemológicos)
Figura 1 – Domínio de intervenção da ciência e de engenharia.
As cadeias de causalidade (as “leis”) enfraquecem e os resultados passam a ser mais vulneráveis:
não podemos ter a certeza das causas determinantes no futuro, os valores iniciais seleccionados
para as previsões poderão não incluir todos os que são fundamentais a longo prazo, podendo a
respectiva ausência ou desvio ser eventualmente suficiente para destruir a validade das previsões. A
sobreposição de múltiplos tipos de cadeias de causalidade envolvendo efeitos de não lineares e
comportamentos caóticos e a interacção entre inertes e vivos colocam limites epistemológicos muito
severos.
Concomitantemente, a Sociedade exige cada vez mais garantias relativamente a essas hipotéticas
consequências nos “presentes futuros”.
Estão, assim, criadas condições para uma poderosa espiral de dilemas éticos e mal-entendidos
angustiantes entre a sociedade civil, a sociedade política (decisores) e a comunidade técnico-
científica. A não consideração das incertezas epistemológicas ou a geração de incertezas na
linguagem e na comunicação agrava os mal-entendidos.
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4. RISCO – GÉNESE E ACTUALIDADE
Um conceito associado à incerteza é o de Risco, conceito da importância no contexto da sociedade
actual e das realizações científicas e tecnológicas. Para alguns autores, a palavra “risco” deriva da
palavra “risicare” que significa “atrever-se”, “ousar”. Outros associam-na ao português antigo e às
navegações e ao desenho de navios. Frank Knight (1921) define risco como um conhecimento
baseado em probabilidades, ou seja, não-conhecimento completo susceptível de ser, contudo,
quantificado através de uma probabilidade.
Os riscos tornaram-se numa das mais emblemáticas características da Sociedade actual. Os riscos,
nomeadamente os tecnológicos, e o impacte dos mesmos na opinião pública tendem a arrefecer o
entusiasmo e a admiração pelos avanços da ciência e da engenharia. Passou a ser frequente a
discussão sobre os potenciais efeitos negativos das inovações tecnológicas, nomeadamente no
ambiente e na saúde pública e, em vez da alegria libertadora das maravilhas científicas, surge uma
angústia persistente levando muitos sociólogos e pensadores a designar a sociedade actual, a
sociedade pós-moderna, como a Sociedade do Risco:
− Desde a Idade Moderna, a sociedade humana (ocidental) foi tendendo a ser uma Sociedade
do Futuro, em detrimento da anterior Sociedade do Passado orientada por tradições,
acolhendo deuses e estabelecendo entendimentos com o destino. Pelo contrário, a Sociedade
do Futuro basculou no domínio do inovador, do transformável. A ciência e a tecnologia foram
alavancas a que se juntou o acelerar de uma ideologia económica, fortemente redutora em
valores de perda e ganho, cuja actividade invadiu “os futuros” como domínios para ganhar ou
perder (Figura 2 e 3).
No contexto da racionalização, a Sociedade distingue os riscos externos dos riscos construídos
(Figura 4). Os primeiros viriam do exterior da Sociedade, da Natureza, e englobavam as catástrofes
não controláveis ou naturais. Os segundos surgiriam da acção da própria Sociedade humana, do
Homem. Este modelo é acarinhado por conhecidos teóricos da pós-modernidade, como Ulrich Beck e
Anthony Giddens. O risco, paradoxalmente, surge, assim, como uma característica social dominante
quando se poderia prever que o sentimento de confiança e de segurança prevalecesse em resultado
dos avanços da ciência e da tecnologia.
O relatório das Nações Unidas publicado em Janeiro de 2004, relativo à redução dos riscos de
desastres (UNDP, 2004), constitui um contributo relevante para a colocação da relação entre risco e
desenvolvimento. Este relatório aborda, entre outras, as seguintes questões:
− Os desastres condicionam, o desenvolvimento social?
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− O desenvolvimento económico potencia o risco de desastres?
− O desenvolvimento social reduz o risco?
− Pode o risco de desastres potenciar o desenvolvimento social e económico?
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Fase do Sangue – Compreensão por aplacação divina(sacrifícios, rituais…)
Fase das Lágrimas – Salvação pela oração, acção piedosae moralmente rigorosa (interpretaçãodo juízo divino sobre o comportamento humano…)
Fase da Razão – Compreensão e caracterização dasincertezas e das previsões pela razão, com bases científicas, decisão poragentes racionais (época moderna…)
Fase da Exigência/Responsabilização - Gestão e programa de controlo, razão
e emoção, total responsabilizaçãohumana, direito e risco, precaução, comunicação e informação (épocapós-moderna…)
Soci
edad
es d
o fu
turo
Soci
edad
es d
o pa
ssad
o
Figura 2 – Fases do Comportamento da Sociedade Humana relativamente a catástrofes e acidentes.
6/15/2004
Futuro
Ignorância
•
Rejeição
PRESENTE
DECISÃO
Presentesfuturos
Consequênciasque irão ocorrer
Futuros
Presentes“cenário”
LUHMANN, 1998
Figura 3 – Os “futuros” são intensamente chamados ao presente e sujeitos a acções da Sociedade –
uma característica fundamental da Sociedade actual.
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6/15/2004
ENVOLVENTE AMBIENTAL
IMPACTES RISCOS
HOMEM
PASSIVA ACTIVA
PERIGOS NATURAIS
RECURSOS NATURAIS
ATITUDE PASSIVAATITUDE ACTIVA
ACTIVIDADE HUMANA
ZONA DE VULNERABILIDADE
Figura 4 – Geração de riscos naturais e tecnológicos.
O relatório é um exemplo de gestão de riscos, focada em acidentes ou catástrofes, numa visão
prospectiva relacionada com o desenvolvimento sustentável a longo prazo.
Uma outra visão, associada ao significado usual e histórico do conceito risco, é a visão
compensatória que tem por objectivo a redução e controlo de vulnerabilidades, visão ligada à
segurança e à protecção civil.
A definição técnica e operacional da grandeza risco aceite actualmente é a seguinte:
R (riscos) ≡ Expectativa de ocorrências x expectativa de consequências
A expectativa de ocorrências incertas resulta dos cenários de ocorrências futuras previsíveis
quantificáveis por probabilidades (objectivas ou subjectivas). A expectativa das consequências resulta
da interacção dos valores expostos com as ocorrências, em função das respectivas vulnerabilidades
que corresponderão a probabilidades condicionadas de perdas ou ganhos.
A determinação do Risco (um risco específico) e avaliação dos seus impactes estão associadas a um
conjunto de incertezas (Figura 5).
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6/15/2004
R =
I – Incertezas Epistémicas e outras no cálculo das probabilidades(modelos, métodos, erros, viabilidade e aleatoriedade, calibração e validade) – ciências da natureza e exactas.
II – Incertezas Semânticas (linguagem) – rigor na interpretação, comunicação e transmissão (opinião pública) – percepção pública –ciências sociais, psicologia e sociologia.
III – Incertezas na Decisão e na Implementação – reacção e motivação dos decisores – interpretação – pressões políticas e económicas – teorias de decisão.
Probabilidadede impactes
Probabilidadede efeitos
Danos ouperdas
Figura 5 – Tipos de incertezas associados ao controlo de Riscos.
A visão integrada associada a um conjunto de riscos ou a um risco específico confere à análise do
risco uma importância fundamental na génese de medidas técnicas, administrativas ou políticas
consideradas oportunas para cada situação. A análise do risco promove, também, o desenvolvimento
dos conhecimentos e a investigação, na medida em que ousa colocar questões originais e
complexas. A análise das incertezas associadas à análise do risco permite clarificar as limitações dos
resultados e das propostas.
A conjugação das probabilidades objectivas e subjectivas é da maior relevância na operacionalidade
da análise do risco. Contudo, para acontecimentos únicos ou para previsões no domínio do futuro,
sem antecedentes que forneçam o padrão de regularidade ou de semelhança, a dificuldade
epistemológica limita ou impede drasticamente a aplicação das probabilidades de tipo objectivo. A
recuperação e estruturação das probabilidades do tipo subjectivo é, assim, fundamental na análise do
risco.
5. GESTÃO DO RISCO E DECISÃO
Nas áreas da gestão e das finanças, surgiu o conceito de gestão do risco (1956) incorporando
diversas componentes, nomeadamente a componente fundamental da decisão. Esta componente não
só é fundamental como é delicada e difícil.
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A decisão pode envolver a apreciação e selecção de acções alternativas com diferentes valores
residuais de risco. Estas acções estão sujeitas a “princípios” restritivos socialmente predominantes,
nomeadamente os “princípios” de responsabilização futura e de repartição do risco e de precaução e
informação esclarecida.
A deslocação tendencial dos tradicionais riscos externos para riscos construídos coloca questões no
domínio da responsabilidade (“alguém deve ser responsabilizado”) e a consideração da
correspondente compensação de prejuízos no caso do risco se materializar.
A gestão do risco pretende estruturar os processos associados ao conceito do risco e pode ser
aplicada a diferentes contextos, âmbitos e escalas de intervenção: desde uma política global a um
projecto ou a uma obra específica. A Sociedade do Futuro é acompanhada de uma racionalização
dos riscos. Da catástrofe remota passa-se a uma elaborada reflexão presente em torno dos riscos e
construção de uma estrutura de gestão (Figura 6).
Rodin “O pensador” (1888)
Postura preocupada, concentrada e interiorizada.
A Razão traz osFuturos para o Presente.
Figura 6 – O Homem moderno passou a pensar e a sofrer com “os futuros” longínquos..
Na Figura 7 apresenta-se uma estrutura geral de gestão do risco.
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Gestão do risco
(Risk management)
Análise do risco Mitigação do risco
Avaliação (i) do risco
Apreciação (2)
do risco
• Identificação de eventos perigosos
• Avaliação de consequências (danos)
• Cálculo ou avaliação de probabilidades
• Caracterização do risco
Exame e crítica do significado e importância do risco calculado
Aplicação de critérios de aceitação e decisão (RSA)
Redução do risco
Resposta a S. de crise
Prevenção
Protecção
Assistências
Alívio
Aplicação de planos
Ajuda pós desastre
Medidas estruturais e
não-estruturais
ÉTICA
Comunicação do risco
Tomada de decisão
Planeamento
(i) Assessment (2) Evaluation
Figura 7 – Estrutura geral de Gestão do Risco.
6. FRONTEIRAS COM A SOCIEDADE
A gestão do risco implica a participação pública, a informação e a comunicação do risco. Nas
sociedades abertas, a informação baseia-se, fundamentalmente, na comunicação social.
As incertezas epistemológicas podem ser um entrave dramático à comunicação do risco e à
discussão pública antecedente à decisão. Este aspecto é, em geral, decisivo para o destino do
trabalho de muitas das comissões científicas nomeadas pelo poder político.
A comunicação e o jogo de linguagem associado não são instrumentos neutros. Como J. Habermas
(1976) mostrou a acção social de comunicação pode estar orientada para o entendimento, a
formação e o esclarecimento. Contudo, pode derivar para uma “acção estratégica”, evidente ou
latente, constituindo uma manipulação ou uma distorção da informação. Este último tipo de acções
pode conduzir a efeitos de amplificação da percepção do risco, perturbar a participação e, por vezes,
a decisão. Esta questão insere-se num aspecto mais amplo do jogo da linguagem não só envolvendo
a introdução de “metáforas”, simplificações ou “tratamento furtivo” da informação. Este aspecto
consiste na introdução de termos que, objectivamente, não são totalmente apropriados mas que
transportam e induzem determinados sentimentos ou ideias de síntese. Este efeito usa um factor
cognitivo resultante do espírito explorar uma “racionalidade de menor esforço” (L. de Saussure).
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Por seu turno, o público é composto por cidadãos com diferentes perspectivas relativamente aos
perigos e aos riscos. Mobilizar, convencer ou agradar a todos não é possível. Estruturar um sistema
democrático de decisão que atenda a todas as tendências ou opções individuais e as reflicta numa
ordenação de preferências sociais é impossível, como demonstrou Kenneth Arrow (1951).
7 – PAUSA NA VIAGEM
O viajante merece uma pausa para poder reflectir no que conheceu ao longo da viagem. Antes de
retomar o caminho, noutra ocasião, é tempo de fixar algumas notas:
− A incerteza de natureza epistemológica acompanha-nos e nem sempre temos consciência
dessa forte limitação às nossas previsões. O lado positivo é que a incerteza é indispensável à
vida humana tal como a consideramos.
− O Risco não se resuma a um problema técnico de segurança. É também um produto social e
do modo como organizamos os valores da Sociedade. A gestão do risco é a forma mais
adequada de gerar riscos e as incertezas associadas.
− A actual Sociedade do Risco tem o seu fulcro na sociedade dos meios de comunicação de
massa, na política, na burocracia, na economia e não necessariamente no “espaço dos
factos”, conforme afirma U. Beck.
− O paradigma da Sociedade do Risco ocorre na medida em que Sociedade actual acelerou a
sua vocação de gerir o futuro, tanto ou mais que o presente, conforme a opinião de A.
Giddens.
− A Engenharia e a Tecnologia tendem a projectar as respectivas responsabilidades para um
domínio futuro para além das capacidades de controlo epistemológico correspondentes a
“problemas bem colocados ou bem resolvidos”.
− A comunicação adequada do risco é vital, devendo ser tidos em conta os efeitos resultantes
da percepção social e individual. Sem uma operacionalização prática das probabilidades será
difícil a gestão das incertezas.
− A distribuição dos riscos e o seu suporte são problemas cada vez mais prementes que se
colocam aos poderes públicos.
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Bibliografia
Almeida, A. B. – A Gestão do Risco em Sistemas Hídricos. Conceitos e Metodologias Aplicadas a
Vales com Barragens. 6º Silusba. Cabo Verde, 2003.
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Gestão do Risco Aplicada aos Recursos Hídricos. 7º Congresso da Água. APRH, LNEC,
Lisboa, Março de 2004.
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