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XIV Encontro Nacional da ABET – 2015 – Campinas
GT 5 – Reconfigurações do Trabalho
A INFOPROLETARIZAÇÃO NA PARAÍBA - Resistências e Ação Sindical diante das
Reconfigurações Espaciais das Centrais de Teleatividades
Ana Carmen Navarro de Moraes
A INFOPROLETARIZAÇÃO NA PARAÍBA - Resistências e Ação Sindical diante das
Reconfigurações Espaciais das Centrais de Teleatividades
RESUMO: Apresenta reflexões preliminares da pesquisa de doutorado, que tem comoobjetivo apreender como se manifesta a dialética do trabalho informacional no bojo doprocesso de reconfiguração espacial das centrais de teleatividades (CTAs), ou seja, desvelarquais as especificidades das formas de resistências (desde as suas manifestações individuaisaté as ações sindicais) construídas por teleoperadores paraibanos. De tipodescritiva/explicativa e de natureza qualitativa recorta, como campo empírico, unidades deCTAs instaladas na Paraíba a partir de 2012 e tem, como os sujeitos, os trabalhadores(teleoperadores e supervisores), as lideranças sindicais; gerentes (representantes do capital) eresponsáveis pelas políticas de atração das empresas (representantes do poder estatal). A faseatual do trabalho já nos permite observar elementos que se contrapõem ao discurso oficial -que enfatiza um maior comprometimento dos trabalhadores nordestinos como capaz dearrefecer a alta rotatividade comum ao setor - como, por exemplo, a existência de grupo deex-funcionários em redes sociais, realização de manifestações, atuação mais ativa doSINTTEL-PB e do Ministério Público do Trabalho da Paraíba.
Palavras-chave: infoproletarização, reconfiguração espacial, centrais de teleatividades,
resistências, ação sindical.
Introdução
A partir dos anos 1980, o processo de mundialização do capital vem convergindo
com a massificação do uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs), o que trouxe
uma alteração na base técnica de produção e circulação, no sentido de favorecer a dominância
financeira na acumulação capitalista em escala global. Esta convergência conduz a uma
crescente mercadorização das atividades de serviços e à possibilidade de realização das
atividades de modo mais independente do local de execução. Como consequência, tem-se
uma nova morfologia do trabalho (heterogênea e fragmentada), da qual emerge um novo
proletariado de serviços1 denominado infoproletariado (ANTUNES; BRAGA, 2009). Trata-
se de uma nova condição proletária, renovada pela progressiva informatização do mundo do
trabalho, representada por um conjunto da classe trabalhadora que está fortemente sujeito às
pressões dos fluxos informacionais, em especial o de teleoperadores das Centrais de
Teleatividades (CTAs)2, mais conhecidas como Call Centers ou Contact Centers.
No Brasil, este fenômeno acentua-se a partir de meados da década de 1990, tendo
como fator decisivo o ciclo de privatizações do setor de telecomunicações. Em notícias
divulgadas em portais eletrônicos, observamos um movimento relativamente recente de
expansão de grandes empresas de call center para cidades de menor porte, especialmente para
as localizadas no Nordeste, visto como a nova fronteira de crescimento do setor. No tocante
ao Estado da Paraíba, tem-se que, a partir de 2012, uma grande empresa de Teleatividades
instalou-se em Campina Grande, marcando o começo de um projeto que prevê investimentos
no Nordeste. De acordo com dados do governo do estado da Paraíba, até 2013, três grandes
empresas do setor já investiram R$ 96 milhões, com instalação de 05 unidades, sendo três em
João Pessoa e duas em Campina Grande, perfazendo um total de 11.300 empregos.
Tomamos como ponto de partida o fato de a organização produtiva e do trabalho
presente nas CTAs estar fortemente marcada por estratégias empresariais, baseadas em
formas cada vez mais intensas de controle, o que significa que a busca de eliminação de
1 Vários autores (HUWS, 2009; WALBERG, 2007; GRAY, 2010; DYER-WITHEFORD, 2015) utilizam aexpressão cibertariado acerca deste novo proletariado da era cibernética. Para Huws, são os novos trabalhadoresque oscilam entre a grande heterogeneidade de sua forma de ser e a tendência homogeneizante dada pelacondição dos diversos trabalhos. De acordo com Antunes (2009), os novos proletários de serviços incluem, alémdos teleoperadores, os motoboys, os digitalizadores nos bancos, os assalariados do fast-food, os jovenstrabalhadores de hipermercados etc. Trata-se, enfim, da outra face do trabalho informacional, oculta pelosteóricos idealizadores da prosperidade e autonomia deste tipo de trabalho.2 Braga (2007, p. 356-357) cunhou a expressão Central de Teleatividades, por entender que se trata de umaatividade “produtiva”, ou seja, a produção de serviços informacionais está cada vez mais marcada pela lógica daprodução industrial, passando a fazer parte da cadeia geradora de valor. Tais CTAs nos propiciam um campooportuno para se observar as “contradições e ambivalências do trabalho na contemporaneidade”. Braga (2012,p.189) também se refere ao setor como “indústria de call center”.
quaisquer resistências, por parte dos trabalhadores, passa a ser central para as empresas3.
Ressaltamos que o surgimento e a ampliação deste setor no Brasil se dão em um contexto no
qual os gestores públicos, municipais e estaduais, em suas respectivas políticas locais de
desenvolvimento, atuam e compactuam com as empresas em processos negociais de
acomodação de interesses; e que a ação sindical se encontra, ainda, desafiada pelas novas
situações de flexibilização e precarização das condições e relações de trabalho, com destaque
para o processo de terceirização4, muito comum ao setor. Isto nos conduz à conformação de
contextos adversos a resistências por parte dos trabalhadores, que tendem a ter
expressões/manifestações individuais e de alcance/efetividade reduzidos.
Diante deste contexto, e considerando que a organização capitalista do trabalho,
sobretudo no que se refere às relações de serviços, é marcada pelo deslocamento das
atividades de menor valor agregado para a periferia do sistema, com vistas à redução dos
custos empresariais, apresentamos, neste trabalho, algumas reflexões preliminares de nossa de
pesquisa de doutoramento – que se encontra em fase de revisão bibliográfica e documental e
inserções exploratórias em campo empírico – norteada pelas seguintes questões: Que
articulação de interesses distintos entre empresas e gestores públicos estaduais e municipais
favoreceu a chegada de grandes empresas de call center ao estado da Paraíba? Até que ponto
as estratégias empresariais de controle se mostram bem sucedidas em um contexto, como o
paraibano, com mais frágil tradição de organização sindical e ação coletiva associada, por sua
vez, a uma constituição mais frágil do mercado de trabalho? Em que medida as percepções e
práticas dos teleoperadores (segmento de infoproletariado), uma vez concentrados,
centralizados sob condições de controle/submissão a formas precárias de trabalho, indicam
possibilidades de problematizar o pacto empresas-governos, de modo a participarem da
definição das condições sob as quais as políticas de desenvolvimento vêm se estabelecendo?
Buscamos, assim, apreender o como se manifesta a dialética do trabalho
informacional no bojo do processo de reconfiguração espacial das centrais de teleatividades,
3 Almeida (2014) indica algumas estratégias deliberadas das empresas para desmobilizar a luta dosteleoperadores: perseguições para inibir a sindicalização, mudanças de horário sem justificativa, isolamento noslocais de trabalho etc. Há, também, o uso da flexibilidade técnica (que permite a transferência de chamadas paraoutras unidades) para a fragilização do movimento de trabalhadores, especialmente nos casos de paralisações egreves, bem como a adoção de estratégias inter-empresariais como, por exemplo, o registro e ocompartilhamento de informações sobre a conduta dos funcionários.4 O processo de terceirização, ao permitir a externalização de custos/foco e uma flexibilidade operacional a partirde adoção de organização em rede, conduz a uma burla das leis trabalhistas, agravando os processos deflexibilização e precarização do trabalho. Seus efeitos sobre o setor de CTA´s amplificam, de acordo com Vérasde Oliveira (2011), as pressões sobre o sindicalismo, especialmente o de telecomunicações, em função doencolhimento da base, das dificuldades de construção de unidade em função da heterogeneização/fragmentaçãodas relações de trabalho, redução do número de sindicalizados e, consequentemente, da arrecadação etc.
ou seja, quais as especificidades da gestão, organização e condições de trabalho neste setor e
das formas de resistência (desde as suas manifestações individuais nos locais de trabalho até
as ações sindicais), construídas pelos trabalhadores de cidades de menor porte, diante das
pressões dos fluxos informacionais.
Considerando o estado ainda preliminar da pesquisa, apresentamos, de início, alguns
esclarecimentos teórico-metodológicos acerca do como pretendemos desenvolver o trabalho,
bem como explicitamos os procedimentos realizados na fase exploratória de inserção no
campo empírico. Na sequência, temos uma discussão teórica, sintética, acerca da categoria
trabalho informacional, enfatizando sua relação com a divisão espacial do trabalho na
indústria de call center. Deste modo, partimos para as nossas reflexões preliminares sobre o
processo recente de reterritorialização do setor de telemarketing no Brasil e a dinâmica de
chegada de grandes empresas na Paraíba, a partir de 2012, do ponto de vista dos
teleoperadores, enfatizando suas formas de resistências individuais e coletivas5.
Esclarecimentos teórico-metodológicos
A metodologia, conforme Minayo (2004), diz respeito, simultaneamente, ao caminho
percorrido pelo pensamento e ao conjunto de práticas utilizadas para apreender a realidade,
isto é, ela inclui os métodos, técnicas e instrumentos de coleta e análise de dados, assim como
os conceitos teóricos que, em suas articulações, constituem o alicerce da pesquisa.
Assim, optamos por uma abordagem teórico-metodológica de inspiração marxiana,
que tem no método dialético um de seus fundamentos. Justificamos esta escolha em função da
natureza de nossa questão, que busca (re)construir o fenômeno, objeto de estudo, na sua
processualidade contraditória no tempo e no espaço. Isto implica reconhecer a existência
objetiva de nosso objeto de pesquisa, bem como a necessidade de ir além da aparência
fenomênica da realidade empírica, ou seja, apreender os seus elementos estruturais e
dinâmicos, através de procedimentos analíticos.
É preciso, no entanto, explicitar que tal compreensão da realidade não significa uma
negação da relação sujeito/objeto no processo histórico e de conhecimento teórico, na medida
em que se trata de uma relação em que o sujeito está implicado no objeto. Assim, mesmo
considerando a teoria como a reprodução, no plano do pensamento, do movimento real do
objeto, não se perde de vista uma apreensão do objeto como processo, no qual o papel do
5 A discussão acerca dos desafios atuais ao sindicalismo de telemarketing no contexto paraibano e aproblematização de sua atuação recente ainda será aprofundada nas próximas fases da pesquisa.
sujeito é fundamental. Dito de outro modo, os objetos de estudo são construções históricas e
sociais e, para apreendê-los, no processo de pesquisa, devemos buscar um apoderamento da
matéria em seus pormenores, analisando as diferentes formas de seu desenvolvimento e,
especialmente, auscultando a conexão existente entre elas (VIANA, 2007). É neste sentido
que buscamos variar, dentro de nossas possibilidades, os instrumentos e técnicas de pesquisa6.
No que se refere à natureza da pesquisa, esta se configura como qualitativa, uma vez
que visa apreender os aspectos mais profundos e particulares do fenômeno, não redutíveis à
mensuração quantitativa. Quanto às fontes utilizadas, apresenta-se, fundamentalmente, como
uma pesquisa de campo, pois os dados principais para a sua realização serão coletados no
espaço onde o fenômeno, recortado como objeto de estudo, se manifesta. E, no que diz
respeito aos objetivos pretendidos, se configura como uma pesquisa descritiva/explicativa,
uma vez que pretende, concomitantemente, apreender o como se encontra configurada uma
realidade espaço/temporal, a partir de suas características distintivas, bem como fornecer
elementos que contribuam para entender o porquê desta configuração.
Como campo empírico da pesquisa, selecionamos as unidades de João Pessoa e
Campina Grande de três grandes empresas de call centers que se expandiram para a Paraíba7 a
partir de 2012. Os sujeitos da pesquisa são os trabalhadores (teleoperadores e supervisores),
as lideranças sindicais e sindicalistas de base; os coordenadores e gerentes (representantes do
capital) e os responsáveis pelas políticas locais de atração destas empresas (representantes do
poder estatal municipal e estadual).
No tocante à fase exploratória, realizada entre os meses de abril a julho de 2015,
levantamos informações nas mídias on line acerca da chegada das empresas de call center à
Paraíba, eventos sindicais do SINTTEL-PB e divulgação de denúncias sobre as condições de
trabalho. Foram realizadas entrevistas com um teloperador e duas ex-teleoperadoras de
unidades distintas, localizadas em João Pessoa, da primeira empresa8 que chegou à Paraíba,
em 2012. Os locais/horários das entrevistas, com duração média de duas horas, foram
6 Para a coleta dos dados faremos uso, simultaneamente, de levantamento de informações primárias(documentais) e secundárias (bibliográficas); consulta às bases de dados do Ministério do Trabalho e Emprego(MTE/Rais) e do IBGE (PNADs); utilização de questionários mistos e entrevistas semi-estruturadas com osteleoperadores, supervisores e gerentes; entrevistas com sindicalistas e lideranças sindicais, e com representantesdas prefeituras municipais de João Pessoa e Campina Grande e do Governo do Estado da Paraíba; visitas àsempresas e aos sindicatos do setor; a observação direta de processos de treinamento de pessoal; e participaçãoespaços virtuais utilizados pelos teleoperadores. A análise/interpretação dos dados será realizada tendo comobase o referencial teórico articulado com o método dialético e a técnica de categorização.7 A escolha do estado da Paraíba deveu-se ao fato de que as cidades de Campina Grande e João Pessoa – ambasde porte médio – foram “escolhidas” para receber investimentos recentes de grandes empresas call center, cujassedes encontram-se no Sudeste (região de concentração dos postos de atendimento e dos teleoperadores).8 Trata-se da terceira maior empresa do país, em termos de faturamento e número de funcionários, que vematuando no setor de Business Process Outsourcing (BPO) há cerca de 20 anos, com matriz em Minas Gerais.
escolhidos pelos próprios trabalhadores: a residência e a universidade onde estuda.
Além de buscar informações acerca da origem familiar e das trajetórias escolar e
ocupacional dos entrevistados, agrupamos as questões relativas ao trabalho em telemarketing
em quatro blocos, a saber: 1) processo de inserção no setor (contato, seleção, treinamento,
motivações e expectativas); 2) o trabalho propriamente dito (ambiente, funcionamento,
processo e fluxo, sistema de metas, controle e avaliação, relações com colegas e supervisores,
queixas e alterações na saúde); 3 resistência, luta e sindicalização; e 4) perspectivas.
Trabalho informacional, infoproletarização e divisão espacial do trabalho
Em contraposição às teses otimistas9 que vislumbravam a possibilidade de uma
inserção social emancipada a partir do trabalho informacional, detentor da chave para a
superação das contradições capitalistas, no âmbito da que passou a ser denominada de
“Sociedade da Informação”, vários estudiosos10 do campo das Ciências Sociais têm se
debruçado sobre o conjunto da classe trabalhadora, que está fortemente sujeito às pressões dos
fluxos informacionais, denominado, como já dito na introdução, infoproletariado.
O cerne destes estudos encontra-se em evidenciar a dialética do trabalho
informacional, ou seja, trazer à tona o caráter retrógrado deste tipo de trabalho, em
antagonismo com a sua contemporaneidade e com a ideologia de emancipação, autonomia e
prosperidade. De acordo com Antunes (2009, p.10), o trabalho neste setor é rigidamente
controlado pelo processo de reprodução contraditória do capital, na medida em que:
articula tecnologias do século XXI com condições de trabalho do século XIX,mescla estratégias de intensa e brutal emulação do teleoperador, ao modo daflexibilidade toyotizada, com técnicas gerenciais tayloristas de controle sobre otrabalhador; associa o serviço em grupo com a individualização das relaçõestrabalhistas, estimula a cooperação ao mesmo tempo que fortalece a concorrênciaentre os teleoperadores, dentre tantas outras alterações, ampliando as formas maiscomplexificadas de estranhamento e alienação contemporânea do trabalho.
Todavia, ainda dentro do que poderíamos chamar de campo crítico, Souza (2012)
discorda das concepções que consideram a ocupação de atendente de telemarketing como
parte do conceito de trabalho informacional, tendo seu advento marcado pelo infotaylorismo,
isto é, pela taylorização do trabalho intelectual, sendo a informação – a matéria-prima do
trabalho que é vendida sob a forma de serviço – transformada em mercadoria. Na
argumentação deste autor, o problema central está em partir do resultado do trabalho para
9 As teorias pós-industriais renasceram na década de 1990 sob uma forte influência de Castells (2007; 1999) comos conceitos de sociedade da informação em rede. Para uma síntese destas teorias, conferir Kumar (1997).10 Cf. Antunes (2009; 1999), Alves (2011; 2009), Braga (2012; 2009), entre outros.
defini-lo adotando-se, assim, uma “concepção fetichizada de trabalho”, na medida em que
toma a mercadoria como ponto de partida e não as condições sociais de sua produção.
Além disto, tratar o trabalho em call center como trabalho informacional implicaria
em concebê-lo como uma atividade puramente intelectual, virtual, imaterial, desconsiderando
a dimensão braçal/física oculta neste tipo de trabalho. Deste modo, a noção do infotaylorismo
poderia até ser boa para se fazer um contraponto ao toyotismo, mas seria limitada para
entender o trabalhador de telemarketing. Para tanto, Souza (2012) indica a relevância de
elementos como a experiência escolar dos atendentes e a socialização primária na família,
para a internalização de valores como trabalho duro e sacrifício pessoal, considerados centrais
para a incorporação das disposições para o trabalho em call center.
Neste sentido, mesmo reconhecendo semelhanças com as condições de trabalho da
classe trabalhadora do século XIX, este autor defende uma superação do “atavismo nos
conceitos” que levaria a uma “aplicação irrefletida das categorias marxistas”, a partir da
adoção de novos conceitos e da consideração de outros fatores explicativos. Se a organização
do trabalho está sendo remodelada por um novo tipo de capitalismo, é necessário observar a
produção social de um tipo de trabalhador adequado a essas novas condições, ou seja, um
trabalhador em situação de insegurança social e sem garantias, de modo a favorecer a
exploração radical (intelectual e física) de sua força de trabalho. Os teleoperadores fariam
parte, portanto, de uma nova classe trabalhadora – os batalhadores – definida pela
incorporação de disposições para o trabalho árduo e para o sacrifício pessoal.
Braga (2012, p. 37) considera os teleoperadores da indústria de call center como uma
forma recente do precariado11 brasileiro e que “condensa as características mais salientes do
atual regime de acumulação pós-fordista: a terceirização empresarial, a privatização neoliberal
e a financeirização do trabalho”. Diferentemente de Souza, Braga não está preocupado em
identificar as disposições sociais que explicariam uma adesão das populações estagnada e
pauperizada ao governo federal, ou seja, seu foco não se encontra no processo de produção de
uma massa disposta a submeter-se à superexploração para ascender a novos patamares de
consumo e sim no processo de exploração capitalista mundializada e na passagem de um
fordismo periférico a um pós-fordismo financeirizado. E, neste sentido, a nosso ver, a análise
das relações sociais de produção ocupa um espaço privilegiado, atualizando a “problemática
11 Braga (2012) problematiza esta noção utilizada por Robert Castel e Guy Satandinf e a utiliza para designar oproletariado precarizado, formado pelo que Marx chamou de superpopulação relativa, excluindo-se apopulação pauperizada e o lumpemproletariado. Na definição dos limites gerais do precariado, é precisodiferenciá-lo dos setores profissionais, isto é, dos grupos da classe trabalhadora mais qualificados, bem-remunerados e tendencialmente mais estáveis.
marxista da regulação dos conflitos de classe”.
Há, ainda, uma distinção relevante entre esses dois autores, que se desdobra no
âmbito político. Para Braga (2012, p. 30), a prática política dos batalhadores se resumiria à
participação política eleitoral, silenciando os esforços autoorganizativos do precariado
brasileiro. Neste sentido, o estudo de caso dos teleoperadores da indústria de call center
identificou um reaparecimento da pulsão classista, em uma “renovada cadeia de significados
que insinua ascender à consciência política”.
Ao optarmos por trabalhar com a noção de processo de inforproletarização estamos
partindo da visão marxiana de trabalho humano sintetizada por Antunes (2009, p. 231) como
o “momento de mediação sócio metabólica entre a humanidade e a natureza, ponto de partida
para a constituição do ser social”, ou seja, trata-se, portanto, do elemento central do
desenvolvimento da sociabilidade humana. O advento do capitalismo vai aguçar o caráter
complexo e contraditório dos processos de trabalho, tendo em vista a conversão do trabalho
de finalidade central a meio de subsistência: “o trabalhador não se satisfaz no labor, mas se
degrada; não se reconhece, mas se desumaniza no trabalho” (idem, p. 232). Defendemos,
portanto, que não se pode desconsiderar esta dupla dimensão do processo de trabalho:
potencial emancipador (condição de existência humana) em relação de antagonismo e
complementaridade com os processos de alienação/degradação do trabalhador.
Buscando as especificidades do trabalho informacional, é preciso situá-lo dentro do
processo de mundialização do capital12 e suas mutações no mundo da produção e do trabalho.
Deste modo, com o desenvolvimento de um complexo de reestruturação produtiva13 se
constitui um novo mundo do trabalho, cujo traço fundamental se objetiva na tendência a uma
precarização estrutural em escala global (ALVES; ANTUNES, 2004), com a proliferação de
modos alternativos de trabalho precarizado, inclusive com as várias modalidades de
flexibilização (salarial, de horário, funcional e organizativa). É neste sentido que Antunes
(2009, p. 235) fala em uma nova morfologia do trabalho, entendida como uma alteração na
“forma de ser” da classe trabalhadora. Temos, então, que a reestruturação produtiva do capital
12 O conceito de mundialização do capital, cunhado por Chesnais (1996, p. 34), refere-se ao processo que resultade “dois movimentos conjuntos, estritamente interligados, mas distintos. O primeiro pode ser caracterizado comoa mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capitalismo conheceu desde 1914. O segundo dizrespeito às políticas de liberalização, de privatização, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistassociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980, sob o impulso dos governosThatcher e Reagan”. Trata-se, assim, de um processo de deslocamento das produções para além das fronteirasnacionais, em direção aos países com garantias trabalhistas mínimas, no âmbito do desenvolvimento de umcomplexo de reestruturação produtiva.13 Este complexo “envolve um conjunto de inovações tecnológico-organizacionais no campo da produção socialcapitalista”, que inclui a robótica e a automação microeletrônica aplicada à produção, em articulação com asnovas modalidades de gestão (ALVES, 2000, p. 11).
tende a reduzir o proletariado industrial (fabril, tradicional, manual, estável e especializado) e
a favorecer o surgimento de um novo proletariado fabril e de serviços, presente nas diversas
formas de trabalho precarizado (terceirização, sub-contratação etc.) e o crescimento do
desemprego estrutural, que leva a alternativas de trabalho cada vez mais informais.
Reiteramos que a convergência do uso massificado das TICs com o processo de
mundialização do capital conduz a uma crescente mercadorização das atividades de serviços
(HUWS, 2009, p. 46), ou seja, trata-se da submissão do mundo do trabalho nos serviços à
lógica da racionalidade do capital e dos mercados. Nas palavras de Antunes (2009, p. 236),
com a inter-relação crescente entre mundo produtivo e setor de serviços, valeenfatizar que [...] várias atividades nesse setor, anteriormente consideradasimprodutivas, tornaram-se diretamente produtivas, subordinadas à lógica exclusivada racionalidade econômica e da valorização do capital.
Retomando a análise marxiana a respeito do advento da máquina-ferramenta e seu
caráter potencializador do controle sobre o trabalho vivo através do aprofundamento do
processo de expropriação do saber técnico do trabalhador (“sugamento das suas qualidades
humanas”), Wolff (2009, p. 101), ao refletir sobre o trabalho informacional, busca
compreender as continuidades e as especificidades da introdução do maquinário
informacional14 que resgata, de forma qualitativamente ampliada, o caráter versátil e
polivalente da máquina-ferramenta da 1ª revolução industrial. Assim, a reificação do trabalho
vivo “se configura como uma tentativa de se humanizar a máquina”. Trata-se da metamorfose
da capacidade cognitiva do trabalhador em fator de produção, que deve ser coagulado na
maquinaria, convertendo-se em trabalho morto (dados e/ou softwares). A alienação do
trabalho abstrato dá um salto qualitativo em relação à mecanização, em função da
transferência dos frutos da criatividade humana para a nova maquinaria informacional.
Temos, assim, um “novo proletariado da era cibernética que vivencia um trabalho (quase)
virtual em um mundo (muito real)”, que nos revela a face oculta do trabalho informacional.
Precisamos discutir, também, que o processo de financeirização traz, consigo,
exigências espaciais no sentido da eliminação das fronteiras nacionais, com vistas a favorecer
a livre circulação do capital financeiro. Como desdobramento, temos transformações sócio-
espaciais com reflexos negativos para o mundo do trabalho. Santana e Mendonça (2009, p. 8)
14 Esta maquinaria é dotada de duas faces: a automação (que dá continuidade à lógica industrial daracionalização e desqualificação da força de trabalho pela substituição do homem pela máquina) e ainformatização (geração de informação para a base produtiva e administrativa dos processos de trabalho,reconfigurando a organização das relações de trabalho). Com este referencial, podemos melhor entender adialética do trabalho informacional: para o processo de informatização, o trabalho informacional demanda novasqualificações com ênfase para a criatividade do saber tácito, com vistas a possibilitar a padronização que, por suavez, tende a simplificar e desqualificar o trabalho vivo, reduzindo os espaços de sua criatividade.
apontam que a crise no padrão de acumulação capitalista exige “uma nova matriz espacial
para atender as demandas da economia mundial e do capital financeiro transnacional”, dentro
de um entendimento de que “cada forma de apropriação do espaço corresponde a uma matriz
espacial responsável pela materialização das formas de reprodução vigentes”.
Discutindo essas transformações no mundo do trabalho sob a perspectiva de sua
materialização na divisão espacial do trabalho, Huws (2006) identifica a existência de um
processo de desenraizamento espacial, possibilitado pela volatilidade do trabalho, o que
significa que o mesmo não mais se encontra geograficamente ligado a um determinado local.
Trata-se de um processo duplo, que inclui o deslocamento do trabalho em direção a pessoas e
de pessoas em direção ao trabalho, que leva a transformações no caráter das cidades, afetando
as identidades ocupacionais e as estruturas sociais, com destaque para o colapso das formas
institucionais de representação dos trabalhadores.
Deste modo, a partir dos anos 1970, podemos falar em uma nova divisão internacional
do trabalho, centrada na divisão dos procedimentos produtivos com redistribuição de
atividades por todo o globo, pautada na busca de redução do custo da mão de obra e de
incentivos/isenções fiscais. A sua dinâmica consiste na exportação do trabalho menos
especializado para os países com menor custo do trabalho, ficando os países desenvolvidos
como os receptores dos serviços mais especializados (programação/informática). O uso das
TICs possibilitou a expansão do trabalho nos serviços eletrônicos/virtuais, o que afeta
sobremaneira a geografia da nova divisão internacional do trabalho, na medida em que leva ao
processo de “deslocalização do trabalho”, com a possibilidade de contratação além das
fronteiras regionais, nacionais e até continentais (HUWS, 2006).
No trabalho informacional, configura-se uma divisão entre as funções mais
especializadas (desenho de sistemas etc.) – que empregam quantidades menores de
trabalhadores, em sua maioria homens – e as de pouca especialização (introdução de dados ou
serviços a clientes) – que tendem a envolver uma grande quantidade de trabalhadores
sobretudo mulheres. Com o crescimento da terceirização no setor de teleatividades, as
decisões de localização espacial estão cada vez mais concentradas no âmbito das empresas.
O processo de reterriotiralização das CTA´s no Brasil
No Brasil, a reconstrução territorial demandada pela mundialização financeira do
capital se iniciou na década de 1990, com a adesão à agenda neoliberal, que incluiu as
privatizações e desregulamentações, no contexto das aberturas comercial e financeira. Como
consequência, tivemos a desconcentração industrial, movimentos de desterritorialização de
famílias camponesas e um crescimento da urbanização, precarização nas condições de
trabalho no campo e na cidade, acompanhada de um retrocesso na luta e organização sindical.
Foi neste cenário que se desenvolveu o setor de telemarketing no país, tendo como
fator decisivo o ciclo de privatizações do setor de telecomunicações. Como principais
consequências, temos: a financeirização do setor (submissão à lógica rentista de valorização
dos ativos financeiros), aprofundando os movimentos de terceirização; e as múltiplas formas
de precarização das condições e relações de trabalho, acompanhadas da fragilização dos
sindicatos e do aumento do desemprego. Nas palavras de Antunes (2009, p.10),
é da confluência entre a terceirização e a precarização do trabalho com um novociclo de negócios associado às tecnologias informacionais e à mercadorização dosserviços sob o comando da mundialização financeira que nascem os teleoperadoresbrasileiros.
Segundo o Relatório da Indústria de Call Centers no Brasil15 (2005), o país tinha cerca
de 675 mil teleoperadores. Em 2012, dados do Sindicato Paulista das Empresas de
Telemarketing, Marketing Direto e Conexos (Sintelmark) apontam para 1,4 milhões de
trabalhadores, o que reforça a importância desta categoria profissional, tendo em vista a sua
ampliação crescente. Este grupo de trabalhadores não é relevante apenas do ponto de vista
quantitativo, mas também por ser representativo das principais transformações econômicas
recentes, na medida em que sintetiza os aspectos centrais da reprodução contraditória das
relações capitalistas no Brasil.
Ao abordar a questão da espacialidade do trabalho em CTAs, estamos situando-a no
âmbito do aprofundamento qualitativo da reificação do trabalho vivo (em decorrência da
introdução do maquinário informacional) como uma estratégia capitalista de otimizar o
processo de valorização do capital através da drástica redução do custos de produção. Neste
sentido, buscamos melhor compreender as reconfigurações espaciais deste setor, tendo como
pressuposto que, também nele, verifica-se o deslocamento (cada vez mais facilitado pela
massificação das tecnologias informacionais) de certos tipos de trabalho dos países centrais
para os periféricos, em busca de menores custos de mão de obra e de reduções/isenções fiscais
por partes dos governos nacionais. No âmbito dos territórios nacionais, a partir de evidências
empíricas preliminares, suspeitamos que a modernização crescente do setor de teleatividades
15 Este relatório expõe os resultados do projeto de pesquisa, coordenado pelo Programa de Pós-Graduação emAdministração da PUCSP – com o apoio da Associação Brasileira de Telesserviços – ABT, seguindo a estruturametodológica desenvolvida no “The Global Call Center Industry Project”, coordenado globalmente pelasuniversidades de Cornell, nos EUA e Sheffield, no Reino Unido.
está levando a um processo de transferência/ampliação de unidades das empresas para cidades
de menor porte, incluindo as do interior.
Notícias recentes, divulgadas em portais eletrônicos, destacam os principais motivos
alegados pelas empresas para este movimento de interiorização: oferta de mão de obra,
incentivos fiscais e redução de custos16. O discurso oficial também enfatiza um maior
comprometimento dos funcionários, o que repercutiria em uma redução da alta rotatividade
(muito comum ao setor) e em uma possibilidade de aumentar a produtividade em função de
uma melhor qualidade de vida e de um menor custo de transporte associados à cidade
pequena. Por fim, apontam para um impacto positivo da instalação de uma grande empresa
em uma cidade pequena, através da geração de crescimento econômico e social, fazendo com
que a empresa seja bem vista e aceita pelos moradores e criando um maior vínculo com os
trabalhadores e os “clientes”. As principais ressalvas quanto ao movimento de migração para
cidades de menor porte foram: número insatisfatório de trabalhadores qualificados para
atender às demandas da empresa e defasagem na chegada das novas tecnologias.
Não obstante estas ponderações, a imprensa tem destacado notícias que apontam que
empresas que já estão atuando no Nordeste pretendem dobrar suas operações e que empresas
de grande porte estão tomando decisões de implantar novas unidades (denominadas sites) em
cidades menores, especialmente as localizadas no Nordeste17, visto como a nova fronteira de
crescimento do setor de CTAs. Parece-nos que o principal atrativo está no perfil da mão de
obra das capitais nordestinas, sobretudo a juvenil que, diante de opções reduzidas de emprego
formal, tenderia a ver com mais “simpatia” o trabalho de teleoperador, bem como a
permanecer por mais tempo na função.
A partir dos microdados18 das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios
(PNADs), no período 2002-2013, nos foi possível acompanhar, ano a ano, a distribuição
regional dos operadores de telemarketing no Brasil (ver Gráfico 1), a partir da qual
observamos um aumento da participação da região Nordeste, que passa a ocupar a segunda
posição em 2013, concentrando quase 20% do total de operadores de telemarketing do país.
Vale destacar que este crescimento mostra-se ainda mais acentuado no período recente (a
partir de 2013), nos indicando se tratar de um processo ainda em andamento.
16 Há cidades que oferecem redução e até mesmo isenção de ISS e IPTU, além de os preços dos imóveis nascidades menores serem mais atrativos do que nas grandes metrópoles.17 Trata-se de uma região historicamente marcada por relações heterogêneas de trabalho e de emprego, com aprática generalizada da sub-remuneração associada, sobretudo, à disseminação das atividades informais, dentrode uma divisão territorial do trabalho que a torna atrativa para as empresas com uso intensivo de mão de obra.18 O acesso aos dados nos foi gentilmente cedido pelo Prof. Dr. Waldir Quadros, através do acesso à plataforma“Perfil Social” (http://www.perfilsocial.com.br/).
Fonte: IBGE/PNADs.
Braga (2012) também aponta para o crescimento do setor de telemarketing no Brasil,
acompanhado de um deslocamento para o Nordeste em função da atratividade de um emprego
formal, especialmente para o segmento jovem, feminino e negro, de uma região marcada pela
tendência à informalização do trabalho. A redução da desigualdade de renda entre as regiões
Nordeste e Sudeste, ocorrida nos governos Lula, acompanhada da diminuição daqueles que
não chegavam ao ensino médio, é considerada como um fato que tende a fazer com que o
jovem nordestino se aventure no setor de telemarketing, ao invés de migrar em busca de
melhores salários e qualificações profissionais. Todavia, não obstante o crescimento do setor
no Nordeste, mais de 2/3 dos operadores de telemarketing ainda se encontram no Sudeste.
Neste sentido, Almeida (2014, p. 2356) aborda a “rápida expansão das operações de
Contact Center no Brasil”19, mostrando o quanto a mesma está marcada pela exploração de
um número expressivo de trabalhadores, bem como a reprodução das desigualdades sociais e
territoriais atrelada a este processo. A autora salienta, ainda, que esta tendência recente de
dispersão territorial para centros urbanos não metropolitanos e para o Nordeste vem
acompanhada da manutenção dos centros de decisão e controle nas principais metrópoles do
Sudeste, especialmente em São Paulo, que detinha, em 2013, quase metade (48,1%) das sedes
das empresas localizadas no país. Deste modo, a migração para as “áreas desvalorizadas” faz
parte de uma estratégia empresarial recorrente, que visa a ampliação dos lucros das empresas
19 Almeida também associa a chegada de grandes empresas estrangeiras no Brasil ao ciclo das privatizações dosanos 1990, destacando o quanto estas empresas passaram a controlar quase a totalidade do sistema telefônico dopaís. Neste processo, a autora aponta a criação de empresas especializadas nos serviços de teleatendimento comofruto de estratégias empresariais dessas grandes corporações, com vistas à ampliação de lucros via redução decustos. A partir da década de 2000, em função das novas tecnologias da informação e comunicação, estasempresas passaram a agregar um número maior de serviços, mediante o uso de diversas mídias, tais como:atendimento ao consumidor, suporte técnico, televendas, cobrança, recuperação de créditos etc.
em função de salários menores, organização sindical menos consolidada e baixa concorrência
com os demais empregadores. No âmbito das estratégias empresariais, é importante não
perder de vista, também, a presença de conflitos entre as empresas-clientes e as empresas de
call center. Almeida (2014) nos mostra o quanto os clientes afetam as decisões de localização
das operações, quase sempre no sentido de exigir a instalação das unidades nas suas
intermediações20. Nas palavras da autora:
Essas reivindicações expõem as contradições entre a lógica das empresas de ContactCenter, em busca de estratégias para a redução do custo de produção, por meio delocalizações mais baratas, e as exigências das empresas-clientes21, o que reforça ostatus exercido por determinados lugares (ALMEIDA, 2014, p. 2364).
Estas observações nos mostram a complexidade do processo de reterritorialização do
setor de telemarketing no Brasil, a partir de um movimento simultâneo de dispersão espacial
crescente das unidades de operação e de uma centralização do controle e das sedes nas
metrópoles do Sudeste, com destaque para a cidade de São Paulo. As centrais de
teleatividades instaladas em outras áreas são controladas, remotamente, pelas sedes das
empresas, em uma divisão territorial do trabalho que concentra as operações mais complexas
nas metrópoles. Trata-se de uma “dialética da centralização e da desconcentração” que
estabelece uma dinâmica, denominada por Harvey (2006) de recriação de “ajustes espaciais”,
vinculados a uma ampliação da reprodução do capital. Segundo Almeida (2004, p. 2368), “a
migração para o Nordeste representa a intenção de explorar uma força de trabalho mais barata
e ainda menos organizada do que nas grandes cidades do Sul e Sudeste”.
Em consequência, os centros urbanos não metropolitanos passam a ser os mais
buscados pelas empresas, em suas estratégias de localização das unidades de operação, com
vistas à redução de custos22. Neste processo de migração, ganha novamente força a “guerra
entre os lugares” (SANTOS, 1994), o que significa o acirramento da competição entre as
cidades para atrair os investimentos das grandes empresas de CTA´s – vistas como porta de
entrada para o primeiro emprego e solução para o problema da baixa qualificação dos jovens
– mediante diversos incentivos territoriais: benefícios fiscais, fundos de participação, doação
de terrenos, dotação de infraestrutura especializada, financiamento a juros baixos etc.
20 Na maioria dos países, os contratos são realizados em função do número de chamadas efetuadas,independentemente da localização da unidade de operação. Almeida (2014) destaca que, no Brasil, o processo decontratação vincula-se, com frequência, à localização dos serviços prestados, não sendo incomum a presença degestores das empresas-clientes nas centrais de teleatividades.21 As principais respostas das empresas de CTA´s a estas exigências são: compartilhamento de sistemas técnicos,show room ou “operação vitrine” e transbordo. Cf. Almeida (2014, p. 2364/65).22 Mesmo a redução de custos sendo o principal motivador das estratégias empresariais das CTAs, a escolaridadeda população também é um elemento importante. Daí resulta uma tendência de se priorizar a instalação deunidades em municípios com proximidade de Centros Universitários.
No que se refere ao Estado da Paraíba, a chegada de grandes empresas de call center
contou com a forte participação do poder público (Estado e municípios), através de incentivos
e isenções fiscais, bem como a disponibilização de treinamentos e investimentos em
infraestrutura. O discurso oficial dos gestores públicos, em relação à implantação destas
empresas no Estado, enfatiza a geração de emprego e renda, especialmente a possibilidade do
primeiro emprego para muitos jovens, tendo em vista os “atrativos” de uma carga horária de
6h20m, a não exigência de experiência prévia e a garantia de um salário mínimo.
Este movimento já pode ser, em alguma medida, captado pela elevação do número de
operadores de telemarketing na Paraíba, especialmente a partir de 2012, passando de quase
500 trabalhadores, em 2002, para cerca de 7.000, em 2013 (ver Gráfico 2).
Fonte: IBGE/PNADs.
A análise da conformação de um “pacto” empresa-estado com vistas a viabilizar a
implantação dessas empresas na Paraíba ainda está em fase de levantamento de informações
mais pormenorizadas acerca desse processo. Como se trata de uma pesquisa em andamento,
optamos por apresentar algumas reflexões focadas nos processos de resistência encontrados
nas percepções e nas práticas de teleoperadores paraibanos.
Formas de resistência e os teleoperadores paraibanos
A partir dos estudos críticos que enfatizam os aspectos degradantes ocultos no trabalho
de telemarketing, bem como do relatório brasileiro no âmbito do The Global Call Center
Industry Project (2005), é possível apontar algumas características marcantes do trabalhador
de CTA´s no Brasil: predominância de jovens e mulheres23; ensino médio completo como
escolaridade média (destacando a presença de estudantes universitários, sobretudo de
instituições privadas), rendimento anual médio em torno de R$ 10.065,00, alta rotatividade da
23 Para um aprofundamento da discussão da questão de gênero no trabalho informacional, cf. Nogueira (2009),Freitas (2010), entre outros.
mão de obra, baixa participação nas formas tradicionais de sindicato e forte presença de
adoecimento físico e mental dos teleoperadores. Segundo Braga (2009, p.71),
Em última instância, trata-se de um tipo de trabalho que testemunha como nenhumoutro a taylorização do trabalho intelectual e do campo da relação de serviços: umacomunicação instrumental sob a coerção do fluxo informacional prisioneira do scripttendente a transformar o teleoperador em uma espécie de autômato inquieto.
Os estudos preliminarmente levantados acentuam, também, a presença dos processos
de alienação, afetando a objetividade e a subjetividade do trabalhador, inclusive nos espaços
da vida cotidiana (fora do trabalho), ou seja, as múltiplas formas de reificações do trabalho
vivo repercutem também na vida fora do trabalho: “na esfera societal, na qual o consumo de
mercadorias, materiais ou imateriais, também está em enorme medida estruturado pelo
capital” (ALVES; ANTUNES, 2004, p. 349). Segundo estes autores, o domínio do capital na
vida fora do trabalho transforma a subjetividade de classe em um objeto: “em um ‘sujeito-
objeto’, que funciona para a auto-afirmação e a reprodução de uma força estranhada”.
Não obstante a subsunção do trabalho ao capital potencializada pelo advento da
maquinaria informacional, o trabalho é “um elemento vivo em permanente medição de forças,
gerando conflitos e oposições ao outro pólo formador da unidade que é a relação e o processo
social capitalista” (idem, p. 350). Neste sentido, Venco (2009) e Braga (2009), em suas
respectivas pesquisas, identificaram a presença de formas de resistência a esta subsunção real.
A primeira identifica alguns elementos, tais como a cumplicidade silenciosa entre os colegas,
a solidariedade diante das interdições, a criação de pausas clandestinas via “derrubadas”
intencionais dos sistemas etc. Braga (2009, p. 70/71) também vislumbra a capacidade de o
teleoperador, mesmo submetido ao fluxo informacional, construir “espaços de liberdade no
interior da produção de serviços”. Todavia, nos mostra que tais espaços estão circunscritos à
“invenção de subterfúgios para escapar do controle informático ou negocial”, ou seja, as
margens de autonomia são restritas e de caráter individual, na medida em que a ação coletiva
dos teleoperadores tem como horizonte a luta pela dignidade individual. Assim, o trabalho nas
CTA´s não favoreceria a emergência de formas de solidariedade sindical ou política.
Todavia, orientado pela reconstrução teórica da sociologia da inquietação operária24,
24 Combinando diferentes abordagens elaboradas pelas sociologias do trabalho, aplicada, pública e crítica, Braga(2012, p. 215) extraiu “duas indicações sobre a hegemonia precária do modelo de desenvolvimento fordistaperiférico” (perspectivas realista e construtivista), revelando, assim, a margem estreita das concessões aostrabalhadores, por parte do modelo de desenvolvimento periférico. Neste sentido, a percepção do “despotismo doregime infotaylorista” alimenta a “angústia dos subalternos”, pressionando os sindicatos a aproximar ostrabalhadores do modelo atual de regulação, o que, por sua vez, tende a promover o “efeito inverso”: visibiliza a“escassez de contrapartidas inerente à cidadania salarial pós-fordista”.
Braga (2012, p. 218) analisou a formação do precariado pós-fordista na indústria paulistana
de call center nos anos 1990 e 2000, desvelando-nos a ambivalência ideológica do fenômeno:
são trabalhadores sem experiência política forte, mas que já se mobilizam e constroem suas
greves; demonstram desinteresse por partidos políticos mas se manifestam dentro e fora das
empresas; associam o aumento do consumo popular à continuidade do lulismo, mas já
duvidam do ‘milagre’ do crédito; enfim, “carregam, ainda que em estado latente, o potencial
de negação do regime de acumulação pós-fordista, o classismo prático, capaz de golpear o
atual modelo de desenvolvimento dirigido pela burocracia lulista”. O argumento do autor é o
de que a adesão à hegemonia lulista não é sinônimo de passividade, isto é, há um “estado
mais ou menos permanente de inquietação social” e esta “pressão popular inorgânica, muito
familiar aos sindicalistas que atuam no setor” pode, em casos de interrupção da
desconcentração de renda, “derrubar as barreiras erguidas pelo movimento sindical,
desviando-se do governo”.
Em relação às ações sindicais recentes do setor de telemarkintg paulistano, Braga
(2012) mostra como o sindicalismo do setor se viu obrigado a desenvolver novas estratégias
de organização sindical, para enfrentar uma conjuntura desfavorável à ação coletiva. De
acordo com Véras de Oliveira (2011), este setor – cujos sindicatos eram dotados de
importância estratégica – passou por mudanças radicais no que se refere às condições para a
organização e a ação sindical. Almeida (2014) destaca, também, a dificuldade de integração
entre os sindicatos. A ideia é a de que a falta de uma pauta comum e a disputa pelo grande
contingente de trabalhadores leva a uma fragmentação das centrais, que tende a reduzir a
escala de ação dos trabalhadores. Contudo, mesmo não formando um grupo de trabalhadores
sindicalmente mobilizado, os teleoperadores já começam a construir um “embrião de
consciência coletiva forte o suficiente para garantir alguns passos importantes no caminho da
auto-organização sindical” (BRAGA, 2012, p. 212).
A realidade paraibana já nos indica, em alguma medida, uma contraposição às
expectativas empresariais, a partir da verificação de reações por parte dos trabalhadores do
setor, como, por exemplo, a existência de grupos25 de “colaboradores” e de ex-funcionários
em redes sociais e a realização, em 2014, de manifestação de trabalhadores em João Pessoa e
ato público em frente à filial de uma grande empresa de CTA em Campina Grande,
25 Apesar da grande quantidade de oferta de empregos em outras áreas e propagandas variadas percebemos, nosgrupos de trabalhadores, alguns relatos de situações em que os teleoperadores se sentiram lesados pelas empresase compartilhamentos das medidas adotadas. Estamos aguardando o acesso aos grupos virtuais de ex-funcionários– alguns se auto-denominam “libertos” – para aprofundar a análise do potencial dos grupos virtuais como formade resistência.
promovido por sindicatos, com a finalidade de mobilizar a sociedade para a definição de
ações de enfrentamento diante das crescentes denúncias de assédio moral praticado pela
empresa, tais como: demissão por justa causa por advertências de atrasos de segundos no uso
de sanitários, descontos indevidos de salários, falta de pagamento de vantagens indiretas e
intolerância quanto ao acompanhamento a filhos em problemas de saúde.
Em entrevista ao Jornal da Paraíba26, datada de 12/01/2015, o presidente do
SINTTEL-PB lista os principais problemas detectados nas empresas instaladas na Paraíba:
alta incidência de doenças do trabalho; baixa remuneração; metas inalcançáveis e
descumprimento da legislação. Notamos uma recente mobilização sindical no sentido de atuar
nas negociações coletivas e estabelecer uma agenda de luta que inclui a fixação de um salário
base de R$2.850,00. Relatos de trabalhadores e ex-trabalhadores, nessa mesma matéria,
evidenciam a rápida decepção com o trabalho, sendo que muitos não aguentaram ficar nas
empresas de CTA´s por mais de três meses. Em Campina Grande, a oferta de vagas superou a
procura, de modo que, em 2014, as empresas só preencheram 84% das vagas ofertadas.
Vale mencionar, ainda, que vistorias realizadas nas empresas já resultaram em ações
ajuizadas no Ministério Público do Trabalho da Paraíba, que está investigando denúncias de
práticas abusivas, tais como: não aceitação de atestado médico em caso de falta ao trabalho;
não cumprimento de cotas para portadores de necessidades especiais; assédio moral e
estabelecimento de horários prefixados para o uso do banheiro. Nos casos de confirmação de
crimes contra a organização do trabalho, as empresas estão sujeitas a sofrer multas
administrativas, condenações na Justiça do Trabalho e até mesmo sanções penais.
A partir das entrevistas exploratórias já realizadas, nos foi possível esboçar algumas
características locais relativas a um “perfil” de trabalhador de call center que se aproximam
daquelas verificadas por Braga (2012), em seu estudo sobre a indústria paulistana de call
center: predominância feminina e de jovens; presença de estudantes universitários e de
homossexuais. Alertamos, contudo, que ainda não fizemos um levantamento apurado das
características sócio-ocupacionais dos trabalhadores das empresas recém-instaladas na
Paraíba, de modo que a aproximação mencionada advém das impressões das entrevistadas
que já saíram das empresas em que trabalharam:
É muita mulher, muita mulher mesmo. E também o que é os dois, né? [risos]. Nossa,homossexual tem muito. Eu já vi lá...era um casal de meninas... elas se beijaram forada empresa e entraram de mãos dadas. Aí o supervisor de uma delas não gostou... aí
26 Cf. “Insatisfação gera rotatividade em empresas de ‘call center’ na Paraíba”http://www.jornaldaparaiba.com.br/noticia/142888_insatisfacao-gera-rotatividade-em-empresas-de-call-center-na-paraiba.
chamou atenção...disse que ia dar uma advertência e elas falaram que não tavamfazendo nada, beijaram foram da empresa, não beijaram dentro... Mas lá é umagarra, agarra... Supervisor agarra supervisor, atendente agarra atendente. Agora elenão gostou porque foram duas mulheres.
Assim, mais mulher, mais jovem...eh...tinha muita gente diferente... pessoas comtatuagem, eh...homossexuais... porque... essas pessoas não conseguiam emprego emoutros lugares e como na empresa você só... a única coisa que aparece pra o cliente éa voz, então eles não se importam com isso.
É uma raridade ter pessoa de mais idade. Tem sim de madrugada, pessoal maisvelho...grisalho, cabelo grisalho mesmo. É bem diferente o pessoal da madrugada,do pessoal da manhã e da tarde.
Outra coisa também que eu percebi: quando você tá na faculdade, é mais difícil sercolocado pra fora... Porque as pessoas que tem só o ensino médio lá, eles botam prafora mais rápido. Isso aí eu percebi. Quem tinha graduação, tava fazendo graduação,ficava mais tempo. (Depoimentos de ex-teleoperadoras de unidades de João Pessoa).
Os depoimentos acima nos permitem chamar a atenção para alguns pontos: 1)
identificação de práticas libidinosas dentro das empresas, bem como de atitudes
discriminatórias para com os trabalhadores que destoam do padrão heteronormativo, e
percepção de uma dificuldade maior dos homossexuais em suas inserções no mercado de
trabalho, na medida em que notam uma ‘tolerância’ maior das empresas de call center em
função da natureza do trabalho de telemarketing ; 2) associação do predomínio juvenil aos
turnos matutino e vespertino, de modo que os “mais velhos” se encontram no turno da
madrugada; e 3) significação do “ser universitário” como uma espécie de fator de proteção
contra a elevada rotatividade do setor.
As entrevistas nos mostram também que, não obstante a submissão ao fluxo
informacional há, nestes trabalhadores, uma inquietação, por vezes ambivalente, mas que
revela alguma “capacidade crítica” de observar a si mesmo e ao processo de trabalho do qual
faz parte. Esta também pode ser percebida na identificação das queixas principais de
teleoperadores de unidades localizadas em João Pessoa: dificuldade de conciliar o trabalho e o
estudo; falta de ânimo e cansaço mental em função da pressão do fluxo de ligações e da rotina
repetitiva de trabalho; pressão dos clientes (com destaque para a percepção de preconceito
com o sotaque nordestino27); instabilidade (rotatividade e medo da demissão); mudanças
frequentes nos horários; condições higiênicas; qualidade do lanche; folga em dias de semana;
medo de roubo dentro da empresa; problemas de saúde (passar mal no horário de trabalho,
27 Nas unidades das empresas que atendem ligações de todo o Brasil, os teleoperadores mencionaram casos declientes que se recusavam a ser atendidos (via telefone, e-mail e/ou chat) por atendentes nordestinos,considerados ‘burros’ e ‘incompetentes’: “Comigo já aconteceu. Ela...ela não foi grossa comigo não, mas foidebochada...eu falava e ela ficava imitando... Porque tem o sotaque...não tem como tirar o sotaque, né? Ela...eufalava, ela falava igual, mulher, ficava me remendando, sabe? eu tentava falar com ela bem...porque eu numfalava com gíria, com nada, ‘boa tarde, senhora’. Só que ela...ela achava...ela ria no telefone...eu fiquei meiaconstrangida” (Depoimento de ex-teleoperadora de João Pessoa) .
problemas na voz, ouvidos, coluna, estômago, dor nas mãos, stress e transtornos psicológicos
como perda de memória e até mesmo casos de Síndrome do Pânico).
No tocante às formas de resistência, agrupamo-las em função do local de sua
ocorrência (dentro ou fora da empresa) e da forma de sua manifestação (individual ou
coletiva). Desde já, notamos uma ambivalência presente nas ações/percepções dos
entrevistados, no que se refere aos processos aos quais são submetidos neste tipo específico
de trabalho, que se traduz, de algum modo, na dificuldade em separamos o dentro do fora e o
individual do coletivo. Todavia, para efeitos meramente didáticos, apresentamos, no quadro 1,
algumas práticas verificadas em unidades de empresas de call center em João Pessoa.
Quadro 1. Formas de resistência de teleoperadores em João Pessoa
Local Individual Coletiva
Dentro daempresa
Desrespeito às regras (horários de chegada;uso do celular; comer nas PAs etc.);Burlas ao sistema (uso do botão ‘mute’,derrubadas intencionais etc.);Conivência da supervisão;Percepções críticas quanto à política dedemissão e à política motivacional da empresa.
Conversas com colegas na hora do almoço euso de pausas seguidas;Fluxo de informações entre os trabalhadores;Reclamações para a melhoria do lanche;Reclamações para colegas e supervisores.
Fora daempresa
Denúncias judiciais contra a empresa;Participação, ainda que tímida, curiosa eamedrontada, nas manifestações promovidaspelo Sindicato em frente às empresas, comvistas a ganhos salariais e melhorias nascondições de trabalho.
Idas ao sindicato em função de erros frequentesnas verbas rescisórias;Desabafos nas paradas de ônibus nas trocas deturnos;Encontros de lazer com colegas de trabalho;Uso de grupos virtuais (facebook e whatsapp)para troca de informações.
Fonte: Pesquisa direta.
De um modo geral, captamos uma tensão, presente nas ações vivenciadas/observadas
pelos entrevistados, entre o obedecer e o transgredir, entre o medo da demissão e o desejo de
sair; entre o reproduzir o discurso da oportunidade de emprego formal e o reconhecimento da
natureza precária de suas condições de trabalho. Parece-nos que o peso das relações entre
colegas e entre os mesmos e seus respectivos supervisores exerce alguma influência nas
ambivalências presentes em boa parte das situações relatadas, especialmente na medida em
que favorecem a construção/utilização de um fluxo paralelo de circulação de informações de
práticas de resistência. Por exemplo, presenciar e/ou ouvir dizer da existência de
trabalhadores desafiando a rigidez das regras impostas e burlando o sistema de
monitoramento que os controla tende a encorajar o uso de práticas para “aliviar a pressão”:
Vai circulando as informações, aí isso vai passando pra aquele que vai passando praoutro e pra outro (Depoimento de teleoperador de João Pessoa).
O pessoal...sai contando de um pro outro...Lá, quando sabe qualquer coisa, sai
contando... eu fazia porque muita gente fazia...se todo mundo faz, ninguém nunca épego, aí...eu peguei...eu fazia também. Eu tinha medo de fazer, né? Mas, tinha dia,assim, que eu atendia 100 ligações, vou fazer em uma... Não é possível que vãopegar justamente essa. [...] A gente botava o almoço, terminava o lanche e botava obanheiro, eles não queriam, tinha que dar um tempo de uma meia hora, quarentaminutos pra poder botar outra pausa, mas a gente fazia isso também, porquedependia muito do supervisor... tem supervisor que é mais amigável, tem outros quenão, que é mais chato (Depoimento de ex-teleoperadora de João Pessoa).
Chega uma época que tanto faz se for demitida ou não (Depoimento de ex-teleoperadora de João Pessoa).
Quando se trata de atribuir à empresa a responsabilidade pelas condições precárias de
trabalho, parece ser comum culpabilizar a pressão dos clientes em detrimento das pressões
empresariais. Por outro lado, uma das ex-teleoperadoras demonstrou incômodo com o fato de
seus colegas não enxergarem a “exploração da empresa”:As pessoas reclamavam só dos clientes ‘Ah, esse cliente é muito chato’, só que oproblema maior não é o cliente... só que, por exemplo, uma pessoa que tem um filhopra pagar a mensalidade da escola, quando me escutava falando isso, nãointerpretava da forma que eu interpreto. Elas [as pessoas] achavam que era normal,que era assim mesmo... as empresas tem um lucro e você que é um funcionário... Euacho que tem muita gente que pretende crescer na empresa, só que não consegueperceber o quão o trabalho é ruim... Porque eu fui pesquisar o lucro da empresa. Aíeu vi que se eu trabalhasse 3 dias, eu ia pagar o meu salário e o resto do mês inteiroeu ia só dar lucro pra empresa (Depoimento de ex-teleoperadora de João Pessoa).
Destacamos também a percepção da existência de uma estratégia empresarial
centrada numa “política de demissões mensais”:
Não tem como a empresa dá uma justificativa dessa, dizendo que é por redução dequadro, sendo que é uma empresa de grande admissão e demissão e tem turmas aserem treinadas pra entrarem na empresa’ (Depoimento de teleoperador de JoãoPessoa).
Todo mês, o supervisor tinha que escolher uma pessoa, embora não tivesse...nãotivesse defeito, mas tinha que procurar alguma coisa pra botar pra fora... Tinha quecolocar, no mínimo, duas pessoas. Tinha dia que era de demissão. Até tal dia vai terdemissão. Então a gente ficava naquela expectativa ‘Ai, meu Deus, será que soueu?’ (Depoimento de ex-teleoperadora de João Pessoa).
Observamos, ainda, algum grau de compreensão quanto às estratégias empresariais,
especialmente em relação à sua política motivacional. Enquanto o entrevistado que ainda
trabalha na empresa se mostra mais vulnerável a este pseudoreconhecimento, as trabalhadoras
que já saíram das empresas demonstram uma capacidade crítica maior:
Eu não tiro como uma pressão, porque pressão é se você tivesse ali no pé, toda hora,24 horas, ali em cima de você e sem você ser reconhecido. Aí, eles agradecem, àsvezes eles tiram um momento... ‘Pessoal, nós conseguimos tal meta’. Aí temaplausos, aquela toda coisa (Depoimento de teleoperador de João Pessoa).
Eu nunca fui pra tá me matando pra participar, assim, de campanha. Mas elesgostavam de fazer essas campanhas pra estimular a produção. Eles sempre faziamisso. Quando tem data comemorativa, dia das mães, eles inventam de dar umas
lembrancinhas. Acho que é só pra dar uma melhorada, né? Tão querendo tapear agente aqui, tão dando essas lembrancinhas aí. Eu nunca fui besta de me enganar porbesteira não. Bombom...oxe, pra que eu quero bombom? Eu quero é dinheiro(Depoimento de ex-teleoperadora de João Pessoa).
A empresa tem uma política motivacional assim que eu acho meio chata... Elesfazem umas gincanas... que as pessoas gostam da gincana porque vai parar deatender e ir pra um lugar e...eles ficam incentivando você e...eles tem umas frasesassim, uns gritos de guerra de ‘eu gosto do que eu faço’, mas como eu não gostavade fazer aquilo, eu só tava ali porque eu queria ter um dinheiro e tal, aí eu achava umsaco... e tinha umas festinhas e as pessoas... não era festa, na verdade, porque vocêvai trabalhar, mas as pessoas vão fantasiadas pra todas as datas comemorativas(Depoimento de ex-teleoperadora de João Pessoa).
Contudo, esta inquietação presente, de formas diferentes, em teleoperadores das
unidades de João Pessoa, não parece estar se traduzindo em uma organização coletiva mais
efetiva e nem, tampouco, numa participação nas atividades promovidas pelo Sindicato. A
partir dos relatos preliminares, observamos um processo de sindicalização quase que
“automático” nas unidades até então pesquisadas, ou seja, a presença dos atores sindicais é
mais frequente nos períodos de grandes contratações, evidenciando a pouca força dos
vínculos direção-base e a existência de alguma ligação sindicato-empresa no sentido de
viabilizar a “sindicalização automática”. Ainda assim, apesar das pressões empresariais no
sentido de coibir práticas sindicais, a tensão entre acatar/desafiar se apresentou, mais uma vez,
na ocasião em que houve um protesto em frente à unidade de uma empresa em João Pessoa
com vistas a melhorias salariais e de condições de trabalho. A inibição pode ter inviabilizado
uma participação efetiva, mas não impediu o desrespeito aos “avisos” de que não se deve ir
olhar os protestos:
Algumas pessoas entravam, batia o ponto, aí ia lá pra fora. Aí o supervisorchegava... Eu fiquei dentro e fiquei fora ao mesmo tempo porque eu entrei e bati oponto...aí eu disse a minhas amigas ‘vamo lá pra fora ver o movimento’. Ficamos láfora um pouco. As pessoas tinham medo...porque o supervisor dizia que não era prair. Fazia assim ‘Gente, vai dar problema, vocês tem a meta’, como é que você vaibater a meta se você não tá atendendo? Tem cumprir a meta e você lá fora não vaicumprir a meta. ‘Gente, vocês não podem ir’. Só que ‘Ah, eu vou lá olhar omovimento lá fora’ e a gente ia, botava pausa lá ou desconectava e ia lá pra foraficar lá um tempo. (Depoimento de ex-teleoperadora de João Pessoa).
Por fim, mencionamos que não encontramos, nos entrevistados, nenhuma intenção de
seguir carreira no ramo de telemarketing.
Considerações finais
Como indicações de nossas reflexões preliminares, temos que a proliferação das
CTAs está cada vez mais inserida na lógica produtiva, caracterizando-se como um setor que
combina elementos modernos (telemática) com o uso de formas tradicionais de prescrição e
controle do trabalho, de forte inspiração taylorista; e que tem uma elevada capacidade de
geração de empregos, com destacada participação de mulheres e relativamente poucos
investimentos, alta rotatividade, baixa participação sindical e comprometimento da saúde
física e mental dos trabalhadores.
O processo, de amplitude global, de informatização das atividades produtivas, ao
permitir uma integração sistêmica das mesmas – na qual o peso e a importância das
informações e das comunicações se ampliam consideravelmente –, no âmbito da
mundialização do capital atrelada à massificação das TICs, tem conduzido ao advento do
trabalho informacional, marcado pelo redimensionamento das relações entre as suas
dimensões material e imaterial. O trabalho em call center exemplifica, assim, as contradições
presentes neste tipo de trabalho, que constituem um novo e específico segmento de
trabalhadores – denominado infoproletariado – marcado por características tayloristas (como
alta concentração, homogeinização, controle central, trabalho precário), que convivem,
paradoxalmente, com o uso intensivo de tecnologias da informação e comunicação.
Como vimos, no Brasil, o uso recorrente da terceirização, intensa neste setor, favorece
as formas de controle empresarial e a exploração dos trabalhadores, bem como contribui para
o processo recente (e ainda em andamento) de reconfiguração espacial das Centrais de
Teleatividades, marcado pela transferência/ampliação de unidades das empresas para cidades
de menor porte, especialmente as localizadas na região Nordeste. Suspeitamos que esta
reterritorialização, facilitada pela massificação do uso das TICs e impulsionada pela busca de
redução de custos, pode ter desdobramentos específicos para os infoproletários de cidades de
menor porte, quanto ao tempo de permanência no emprego e às formas de resistências
construídas frente às pressões dos fluxos informacionais.
Nestes contextos adversos de subsunção real, alguns estudos já identificaram a
presença de formas de resistência e luta, tais como cumplicidade silenciosa entre os colegas,
solidariedade diante das interdições, criação de pausas clandestinas via “derrubadas”
intencionais dos sistemas, além da capacidade de construção de “espaços de liberdade” e de
reações como eclosão de greves e protestos que visam dar visibilidade às condições, muitas
vezes indignas, de trabalho, bem como atuações de órgãos de proteção ao trabalho com vistas
à apuração das denúncias crescentes de irregularidades e ilegalidades cometidas no setor.
No caso do processo de infoproletarização em curso na realidade paraibana, o
discurso do “maior comprometimento dos trabalhadores nordestinos” capaz de arrefecer a alta
rotatividade comum ao setor parece estar sendo confrontado. Não obstante o estágio ainda
inicial de nossa pesquisa, já observamos alguns elementos que nos indicam ações de
resistências, ainda que de alcance e natureza distintas, como, por exemplo, a existência de
grupos em redes sociais; realização de manifestação de trabalhadores em João Pessoa e de ato
público em frente a filial de uma grande empresa de CTA em Campina Grande, promovido
por sindicatos; e denúncias individuais e coletivas aos órgãos de proteção ao trabalho. A partir
de nossas entrevistas exploratórias, identificamos embriões de capacidade crítica e de
percepções que nos revelam tensionamentos/inquietações por parte de teleoperadores.
O quanto as resistências aqui preliminarmente apreendidas se diferenciam das
verificadas nas grandes metrópoles do Sudeste e o quanto serão capazes de atuar,
coletivamente, com algum grau de interferência na “pactuação” entre as empresas recém-
instaladas e os governos locais está no cerne da problemática de nossa pesquisa.
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