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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros ZACHARIADHES, GC., org. Ditadura mil itar na Bahia: novos olhares, novos objetivos, novos horizontes [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. 285 p. ISBN 978-85-232-0640-6. Vol. 1. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoCome rcial-CompartirIgual 3.0 Unported.  Ditadura militar na Bahia novos olhares, novos objetos, novos horizontes Volume 1 Grimaldo Carneiro Zachariadhes (org.)

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  • SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

    ZACHARIADHES, GC., org. Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetivos, novos horizontes [online]. Salvador: EDUFBA, 2009. 285 p. ISBN 978-85-232-0640-6. Vol. 1. Available from SciELO Books .

    All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported.

    Todo o contedo deste captulo, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio - Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.

    Todo el contenido de este captulo, excepto donde se indique lo contrario, est bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

    Ditadura militar na Bahia novos olhares, novos objetos, novos horizontes

    Volume 1

    Grimaldo Carneiro Zachariadhes (org.)

  • DitDitDitDitDitaDura MilitaDura MilitaDura MilitaDura MilitaDura Militarararararna Bahiana Bahiana Bahiana Bahiana Bahia

    Novos Olhares, Novos Objetos, Novos Horizontes

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    ReitorNaomar Monteiro de Almeida Filho

    Vice-ReitorFrancisco Jos Gomes Mesquita

    EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    DiretoraFlvia Goullart Mota Garcia Rosa

    Conselho Editorial

    Titularesngelo Szaniecki Perret Serpa

    Caiuby Alves da CostaCharbel Nin El-Hani

    Dante Eustachio Lucchesi RamacciottiJos Teixeira Cavalcante FilhoMaria do Carmo Soares Freitas

    SuplentesAlberto Brum Novaes

    Antnio Fernando Guerreiro de FreitasArmindo Jorge de Carvalho BioEvelina de Carvalho S Hoisel

    Cleise Furtado MendesMaria Vidal de Negreiros Camargo

  • DitDitDitDitDitaDura MilitaDura MilitaDura MilitaDura MilitaDura Militarararararna Bahiana Bahiana Bahiana Bahiana Bahia

    Novos Olhares, Novos Objetos, Novos Horizontes

    GRIMALDO CARNEIRO ZACHARIADHES(Organizador)

    Alex de Souza Ivo - Antonio Mauricio Freitas Brito - Cristiane Soares de Santana -Ediane Lopes de Santana - Elizete da Silva - Izabel de Ftima Cruz Melo - Jos Alves

    Dias Joviniano Soares de Carvalho Neto - Margarete Pereira da Silva - Maria VictoriaEspieira Sandra Regina Barbosa da Silva Souza - Slvio Csar Oliveira Benevides

    VOLUME I

    SalvadorEDUFBA

    2009

  • 2009 by OrganizadoresDireitos de edio cedidos

    Editora da Universidade Federal da Bahia - EDUFBAFeito o depsito legal

    NormalizaoNormaci Correia dos Santos

    Reviso de linguagemMagel Castilho de Carvalho

    Editorao eletrnica e capaRodrigo Oyarzbal Schlabitz

    EDUFBA

    Rua Baro de Jeremoabo, s/n - Campus de Ondina,

    40170-115 Salvador-BA

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    Ditadura militar na Bahia : novos olhares, novos objetos, novos horizontes / Grimaldo Carneiro Zachariadhes (organizador) ; Alex de Souza Ivo... et al. - Salvador : EDUFBA, 2009. v. 1

    ISBN 978-85-232-0640-6

    1. Bahia - Histria - 1964-1985. 2. Bahia - Poltica e governo - 1965-1985. I.Zachariadhes, Grimaldo Carneiro. II. Ivo, Alex de Souza.

    CDD - 98142

  • AGRADECIMENTOS

    Aos professores, alunos e funcionrios da Escola Municipal Anna AmliaQueiroz Carneiro de Mendona, particularmente, s professoras Edna MoreiraDias e Snia Pedrina Ferreira Duarte Silva.

    Aos moradores do Casaro da Lapa, no Rio de Janeiro, Jamil dos Reis,Lili Santana, Antonio Barboza, Samuel Luna, Filipe de Matos, Marcos eRaimundo.

    s minhas queridas amigas Adriana Martins dos Santos, Lgia ConceioSantana, Creonice Bonfim dos Santos e Elisngela Lopes.

    minha famlia: meu pai Grimaldo, meus irmos Ronaldo e Raquel, e aminha me, a guerreira Maria Conceio.

    minha companheira e confidente Andria Santos Silva.

    A todos os autores que participaram desta obra e ajudaram a preencheruma lacuna na historiografia baiana.

    Grimaldo Carneiro Zachariadhes

  • SUMRIO

    APRESENTAO 9

    1 Campanha de desestabilizao de Jango: as donas saem s ruas!Ediane Lopes de Santana 13

    2 Protestantes e o governo militar: convergncias e divergnciasElizete da Silva 31

    3 Uma revoluo contra o comuno-peleguismo: o golpe de 1964 e o sindicalismopetroleiro

    Alex de Souza Ivo 53

    4 O golpe de 1964 e as dimenses da represso em Vitria da ConquistaJos Alves Dias 69

    5 Salvador em 1968: um breve repertrio de lutas estudantis universitriasAntonio Mauricio Freitas Brito 89

    6 Aventuras estudantis em tempos de opresso e fuzisSlvio Csar Oliveira Benevides 115

    7 Bandeira Vermelha: aspectos da resistncia armada na BahiaSandra Regina Barbosa da Silva Souza 127

    8 Notas sobre a histria da Ao Popular na Bahia (1962-1973)Cristiane Soares de Santana 151

  • 9 Dom Avelar Brando Vilela e a ditadura militarGrimaldo Carneiro Zachariadhes 175

    10 No meio do caminho tinha uma Jornada, ou era ela o caminho? Jornadasde Cinema da Bahia (1972-1978)

    Izabel de Ftima Cruz Melo 191

    11 A resposta da Bahia represso militar: a ao partidria da Ala Jovem do MDBe a militncia civil do trabalho conjunto da cidade de Salvador

    Maria Victoria Espieira 215

    12 O bispo de Juazeiro e a ditadura militarMargarete Pereira da Silva 241

    13 O II Congresso da Anistia: momento de resistncia e definiesJoviniano Soares de Carvalho Neto 259

  • 9APRESENTAO

    Tenho dito aos que costumam dizer que sobre a ditadura j se escreveumuito, que ainda resta um longo caminho a percorrer para que compreenda-mos o que foram os 21 anos de domnio militar sobre o pas. Foi um tempo deterror desenvolvido e praticado pela ditadura. Este livro, organizado porGrimaldo Carneiro Zachariadhes, d mais um passo nessa caminhada. Umaparte da histria daquele tempo elucidada, especificamente a que diz respeito Bahia. Uma contribuio importante, e que abre portas para outras iniciati-vas, quem sabe para desenvolver vrios temas presentes neste trabalho.

    No se sabe se propositadamente ou no, mas h, no livro, uma presenasignificativa de temas relativos s igrejas, de modo especial da catlica, tanto deseus aspectos institucionais mais amplos, quanto girando em torno de perso-nalidades.

    H um mergulho de Elizete da Silva em torno da atuao dos protestan-tes, batistas e presbiterianos, com destaque, no texto, para os primeiros. Otrabalho mostra a adeso dos religiosos batistas ditadura, a represso a profes-sores progressistas nos seminrios presbiterianos, embora revele tambm a exis-tncia de vozes corajosas, esparsas, que se colocavam ao lado dos que combati-am a ditadura, como os reverendos ureo Bispo dos Santos, Joo Dias deArajo e Celso Dourado, todos presbiterianos, e Agostinho Muniz, da Juven-tude Batista.

    Embora de passagem, a Igreja Catlica volta a ocupar a cena quando daanlise sobre a organizao revolucionria Ao Popular, que surge como des-dobramento da militncia e, talvez possamos dizer dessa maneira, da conver-so de parte da Juventude Universitria Catlica (JUC) causa da revoluo.Diria que o ttulo acertadamente cuidadoso quando fala em notas sobre ahistria da AP, pois, de fato, ainda estamos muito distantes de uma pesquisamais abrangente sobre essa organizao, que teve papel fundamental na vidapoltica do pas, especialmente entre o seu nascimento e o ano de 1973, que o perodo abrangido pelo trabalho de Cristiane Soares de Santana.

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    O cardeal D. Avelar Brando Vilela , de alguma forma, resgatado porGrimaldo Carneiro Zachariadhes. O religioso, verdadeiramente um modera-do, foi, a seu modo, um aliado dos que lutavam contra a ditadura e granjeou,por isso, uma antipatia muito grande entre os militares. No se esperasse delequalquer atitude panfletria, nem qualquer manifestao muito explcita con-tra a ditadura.

    Mas podia ter atitudes surpreendentes, como a de celebrar uma missa noincio dos anos 70, creio que 1972 ou 1973, na Penitenciria Lemos Brito,para os presos polticos e seus familiares, incentivando manifestaes libertriasno decorrer do Ofertrio. Disso fui testemunha direta. Preso, participei damissa. D. Avelar, a depender das circunstncias, poderia ser muito duro comos militares, como foi, ao no permitir, com uma interveno enrgica, que ojesuta Cludio Perani fosse mandado de volta para sua terra natal, a Itlia.

    A atuao do bispo de Juazeiro, D. Jos Rodrigues de Souza, merece umaanlise cuidadosa de Margarete Pereira da Silva. Foi ele que conduziu a Igrejaa uma reviravolta em torno da Barragem de Sobradinho, que cobriria umarea de 4.250 quilmetros quadrados, acumularia 34 bilhes de metros cbi-cos de gua e deslocaria mais de 70 mil pessoas que habitavam os municpiosde Sento S, Pilo Arcado, Remanso e Casa Nova, todos eles alcanados pelasguas da barragem. D. Jos foi ameaado de morte, enfrentou uma campanhadifamatria por parte da elite local, que o acusava de subverso e de ser contraum projeto de desenvolvimento. D. Jos no se atemorizou e permaneceusempre ao lado dos ribeirinhos.

    O II Congresso da Anistia, realizado entre 15 e 18 de novembro de1979, em Salvador, analisado por um de seus principais protagonistas,Joviniano de Carvalho Neto, ento presidente do Comit Brasileiro de Anis-tia, seo da Bahia. Se considerarmos a condio de militante catlico deJoviniano, diramos que aqui, novamente, a Igreja tem papel destacado. Otexto revela as entranhas do Congresso, as diferenas entre o PC do B e PCB,a luta pela anistia ampla, geral e irrestrita, que deveria prosseguir depois daanistia parcial de agosto daquele ano, o clima da abertura do encontro, osaplausos a Lus Carlos Prestes, principal figura poltica presente reunio.Trata-se de importante documento histrico.

    Numa outra vertente, e ainda envolvendo crenas e rezas e rosrios, EdianeLopes de Santana aborda a movimentao das mulheres em favor do golpe de1964 em Salvador, que impressiona pelo contingente feminino que se envol-veu. E que revela o quanto a Igreja Catlica estava, ento, a favor da ditadura.A Marcha da Famlia, do dia 15 de abril de 1964, em Salvador, teria contado

  • 11

    com a participao impressionante de 400 mil pessoas. O mulherio catlicono poupou esforos no apoio ao golpe militar.

    Alex de Souza Ivo analisa o desenvolvimento do sindicalismo petroleiro ea represso que se abateu sobre ele, com destaque para a atuao de MrioLima, a maior liderana sindical do perodo e que morreu recentemente. JosAlves Dias, no seu texto intitulado O golpe de 1964 e as dimenses da repressoem Vitria da Conquista, trata da represso que se abateu sobre os polticos emilitantes de Vitria da Conquista, dedicando especial ateno principalliderana de esquerda de ento, o prefeito Pedral Sampaio, que preso juntocom vrias outras lideranas.

    Salvador em 1968: um breve repertrio de lutas estudantis universitrias, deAntonio Maurcio Freitas Brito, uma tentativa de recuperar o ano mgico naBahia. como se fotografasse cronologicamente os acontecimentos. Um im-portante registro. Faltando uma anlise mais contextualizada, que juntasse 1968com seus antecedentes, inclusive a participao decisiva do movimento estu-dantil secundarista, que na Bahia teve papel absolutamente decisivo em todasas mobilizaes.

    Essa lacuna , de alguma forma, preenchida com o texto seguinte Aven-turas estudantis em tempos de opresso e fuzis, de Slvio Csar Oliveira Benevides,que analisa de modo especial a movimentao secundarista de 1966, decorren-te da pea Aventuras e desventuras de um estudante, que fora censurada.Escrita por Carlos Sarno, estudante do Colgio Central, a pea foi o estopimde uma mobilizao secundarista que sacudiu Salvador.

    Sandra Regina Barbosa, com o texto Bandeira Vermelha: aspectos da resis-tncia armada na Bahia, analisa aspectos da atuao e formao das organiza-es revolucionrias que seguiram o caminho da luta armada na Bahia, especi-almente a Vanguarda Armada Revolucionria Palmares (VAR Palmares), oPartido Comunista Brasileiro Revolucionrio (PCBR) e o Movimento Revo-lucionrio Oito de Outubro (MR-8), e isso entre os anos de 1969 e 1971. Otexto revela um esforo significativo de pesquisa. E se constituir, seguramen-te, em referncia para pesquisadores. Uma leitura atenciosa, no entanto, leva acobrar, na sequncia, uma melhor sistematizao, inclusive com a especificaodo papel de cada uma das organizaes a que ela se refere.

    No meio do caminho, aparece a cultura como parte da luta poltica. Soas Jornadas de Cinema da Bahia, presentes at hoje sob a incansvel direo deGuido Arajo. o trabalho de Izabel de Ftima Cruz Melo. Sete jornadas soanalisadas, entre 1972 e 1978. A leitura revela e ensina. Revela o quanto haviade militncia nos que organizavam as Jornadas. Quase herosmo. E insisto no

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    papel de Guido Arajo. Era essencial que houvesse dedicao e coragem, devi-do, especialmente, carncia de recursos e a vigilncia da represso poltica.Ensina muito, ao evidenciar que poltica e cultura esto sempre entrelaadas.A cultura era sempre uma pedra no sapato da ditadura.

    A professora Maria Victoria Espieira, ligeiramente margem da tnicado livro, envereda pela anlise da experincia da Ala Jovem do MovimentoDemocrtico Brasileiro (MDB), pouco conhecida. A Ala Jovem foi principal-mente uma iniciativa do Partido Comunista Brasileiro (PCB), entre 1975 e1979, mas contou, tambm, no decorrer de sua existncia, com a participaode militantes de outras organizaes revolucionrias esquerda do Partido.Foi a forma poltica encontrada pela esquerda de opor-se ao adesismo predo-minante no MDB de ento, capitaneado pelo, poca, deputado Ney Ferreira.Participei da Ala Jovem, concorri presidncia enfrentando Srgio Santana,que venceu.

    Os diversos temas abrem portas para novas e necessrias pesquisas, comodisse no incio desta apresentao. Os diversos trabalhos do livro tm o mritode chamar outros autores para o combate necessrio para se buscar o muitoque ainda resta submerso sobre a ditadura na Bahia. Os que construram esselivro escavaram, escavaram, e encontraram muito da trgica herana sobre esseperodo de terror e de sombras. Eles nos animam a prosseguir na caminhada.

    Emiliano Jos *

    * Jornalista, escritor, autor de Lamarca, o capito da guerrilha; Marighella, o inimigo nmero um da ditadura militar;As asas invisveis do padre Renzo e Galeria F lembranas do mar cinzento, partes I, II e III, entre outros.

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    1Campanha de

    desestabilizao de Jango:as donas saem s ruas!

    Ediane Lopes de Santana 1

    O ano era 1961, exatamente no dia 25 de agosto, uma sexta-feira, e a notciase espalhou como rastilho de plvora, desmentindo o anncio feito no dia anteriorpelo ento governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda. Este, dizendo-seportador de grave denncia, transmitiu seu alerta nao, no dia 24 de agosto,para um possvel golpe de Estado, a ser desferido contra as instituies, pelo Pre-sidente da Repblica e para o qual havia sido convidado pelo Ministro da Justia,Pedroso Horta (SILVA, 1975, p. 37). Naquela sexta-feira de agosto, outra notciaera anunciada, o presidente Jnio Quadros, eleito democraticamente a menos desete meses, apresentava ao pas a sua carta-renncia, seu pedido de demisso:

    Fui vencido pela reao e assim deixo o governo.

    Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumpri-do dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem pre-venes nem rancores [...] Desejei um Brasil para os bra-

    1 Mestra em Histria Social do Brasil pela Universidade Federal da Bahia. Esta pesquisa contou com o apoio daFundao de Amparo Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).

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    sileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupo, a mentirae a covardia que subordinam os interesses gerais aos ape-tites e s ambies de grupos ou indivduos, inclusive doexterior. Sinto-me, porm, esmagado. Foras terrveis le-vantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, atcom a desculpa da colaborao.2

    Jnio da Silva Quadros foi eleito, em 1961, na chamada dobradinha Jan-Jan,que reunia a Unio Democrtica Nacional (UDN) de Jnio Quadros e o partidode oposio, o Partido Trabalhista do Brasil (PTB) do vice Joo Belchior MarquesGoulart. Em seu governo, Jnio Quadros optou por dar prosseguimento polticade seu antecessor, Juscelino Kubitschek, que abriu o pas ao capital estrangeiro,ampliando o endividamento externo brasileiro. Isso refletiu, mais tarde, no gover-no de Joo Goulart sob forma de tenses sociais, polticas e econmicas.

    Do ponto de vista da poltica exterior, fortalecida durante o seu governo,Jnio adotou a perspectiva que ficou conhecida como Poltica externa inde-pendente3 (MOTTA, 2002, p. 233) a esta, Joo Goulart deu prossegui-mento quando o sucedeu na presidncia da Repblica. Ao tempo em queapresentava seu vis modernizante, Jnio seduzia parte dos grupos mais con-servadores da sociedade brasileira com sua proposta de moralizao, utilizan-do-se da vassoura como um dos seus smbolos de campanha.

    Ainda hoje a historiografia do perodo tem se debruado a respeito doque teria levado Jnio a renunciar. Em uma dessas verses, Jnio teria blefadoao solicitar sua renncia, pois o que ele pretendia era o seu retorno, aclamadopelo povo. Nessa verso, Jnio acreditava que seria implorado a voltar, primei-ro por causa do vazio poltico causado pela renncia, numa Repblica quevinha se recuperando de sucessivas crises; segundo, sabendo das representa-es negativas que se faziam acerca do seu vice, Joo Goulart, e pelo agravantedeste ser filiado ao partido de oposio, o PTB, Jnio tinha a convico de queeste seria preterido diante da vacncia do cargo. O Instituto Brasileiro de AoDemocrtica (IBAD)4 no se furtou em utilizar essa verso no seu peridico, aRevista Ao Democrtica, quatro meses depois do episdio:

    2 Trecho da Carta-renncia de Jnio Quadros, Braslia, 25 de agosto de 1961.

    3 A poltica externa independente tendia a aproximar o pas das naes no-alinhadas com as posies dos EUA. Parase ter uma dimenso das aes janistas, dentro desta poltica externa independente, basta lembrar que ele condecorouChe Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Motta (2002). Essa orientao de Jnio foi uma desagradvelsurpresa para os que votaram nele esperando derrotar a esquerda e o getulismo, o que gerou reaes indignadas.

    4 O Instituto Brasileiro de Ao Democrtica (IBAD) surge em 1959 visando potenciar aes de combate aocomunismo no Brasil. Mais tarde, no incio da dcada de 60, surge o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES),que tambm promoveram aes de combate ao comunismo atravs de instrumentos ideolgicos, como: panfletos,brochuras, livretos, filmes etc...

  • 15

    Hoje sabe-se que o Sr. Jnio Quadros no foi depostonem forado a renunciar. Afastou-se livre e espontanea-mente, levado pelos impulsos do seu temperamento ousob a presso de acusaes de ditatorialismo s quaisno pde dar resposta cabal. Talvez supusesse mesmoque o clamor popular e os responsveis pela poltica bra-sileira o fossem buscar de volta e lhe concedessem osplenos poderes sem os quais no se julgava capacitado agovernar [...] Sem dvida a renncia do Sr. Jnio Qua-dros trouxe de volta ao poder o bando que pensvamoster expelido definitivamente da vida poltica brasileira eagora com a sria agravante que o recrudescimento daameaa totalitria.5

    O fato que, entre grandes parcelas das classes dominantes, militares con-servadores e alguns setores mdios do Brasil, h muito se acreditava que JooGoulart era, no mnimo, um simpatizante dos comunistas. Afinal, Jango era older da ala esquerda do PTB e um dos principais responsveis pela transforma-o do partido getulista, concebido originalmente como dique contra o comu-nismo, em aliado do PCB (MOTTA, 2002, p. 234). O prprio PTB no estavaa salvo das identificaes feitas pelos setores mais conservadores. Na dcada de1960, foi comum a associao deste partido ao comunismo, cunhando-se o ter-mo petebismocomunismo, muito utilizado pelo IBAD e pelos setores conserva-dores da Igreja Catlica. Na Revista Ao Democrtica, o IBAD afirma que:

    De 1950 para c a aliana entre o PTB e o comunismo stem feito avanar e a primeira meta desse movimento jse acha vista: a implantao do socialismo que far doBrasil a Cuba da Amrica do Sul. A meta seguinte quepoder ser atingida simultaneamente a escravido to-talitria.

    No temos dvida que a maior parte dos brasileiros comcujos votos o senhor Jango Goulart se elegeu vice-presi-dente da Repblica e agora seu presidente, por fora daConstituio no teriam votado nele se tivessem vistocom clareza o que Jango representa.6

    5 Diante da ascenso totalitria. Revista Ao Democrtica, v. 3, n. 31, dez. 1961.

    6 Diante da ascenso totalitria. Revista Ao Democrtica, v. 3, n. 31, dez. 1961. P. Final.

  • 16

    Para o Jornal Semana Catlica, da Arquidiocese de Salvador:

    [...] o PTB, em assembleia partidria, declarou a necessi-dade de insistir junto aos eleitores em que nada tem opartido com a esquerda. Da a dupla responsabilidade doeleitorado democrtico, no se deixar iludir por tais men-tiras o (sic) no se abster de votar7, porquanto os outros,os comunistas, esses no faltaro s urnas em hiptesealguma. Considerem os brasileiros o seu voto nas prxi-mas eleies como um ato religioso, como uma respostaao repto de maus, lanado contra Deus e contra o Brasil.8

    O temor acarretado pela possibilidade da ascenso de Goulart ao poder eque esta pudesse significar o fortalecimento dos comunistas, associado frus-trao dos conservadores pelo possvel retorno do getulismo, levou a que setentasse impedir a posse (MOTTA, 2002, p. 234). A esta se opuseram os trsministros militares9 de Jnio, que se declararam contrrios posse de JooGoulart. Lanaram, em nome das Foras Armadas do Brasil, um manifesto nao onde expuseram o porqu desta deciso. Na 28 sesso do CongressoNacional, iniciada s 21h do dia 30 de agosto de 1961, o Deputado NeivaMoreira iniciou a leitura deste manifesto (SILVA, 1975, p. 85), eis um trechodeste documento:

    No cumprimento de seu dever constitucional [...] as For-as Armadas do Brasil, atravs da palavra autorizada deseus Ministros, manifestaram Sua Excelncia o SenhorPresidente da Repblica, como j foi amplamente divul-gado, a absoluta inconvenincia, na atual situao, doregresso ao Pas do Vice-Presidente Sr. Joo Goulart [...]J ao tempo em que exercera o cargo de Ministro do Tra-balho, o Sr. Joo Goulart demonstrara, bem s claras, suastendncias ideolgicas [...] E no menos verdadeira foi aampla infiltrao que, por essa poca, se processou noorganismo daquele Ministrio [...] de ativos e conhecidosagentes do comunismo internacional, alm de incontveiselementos esquerdistas. (SILVA, 1975, p. 86)

    7 Eleies a serem realizadas em alguns estados brasileiros, dentre os quais, a Bahia.

    8 A palavra de ordem afirmar que o comunismo no Brasil no existe. Jornal Semana Catlica, p. 4, 16 set. 1962.

    9 Slvio Heck, Ministro da Marinha; Mal. Odlio Denys, Ministro da Guerra e Brig. Grn Moss.

  • 17

    Alm disso, como agravante, no momento da renncia de Jnio Qua-dros, Jango encontrava-se em visita oficial China, fato que s fortaleceu suaassociao ao comunismo. Num outro trecho do Manifesto Nao, este fato ressaltado pelos Ministros Militares j mencionados:

    No cargo de Vice-Presidente, sabido que sempre usousua influncia em animar e apoiar, mesmo ostensivamen-te, manifestaes grevistas promovidas por conhecidosagitadores. E, ainda h pouco, como representante ofici-al, em viagem URSS e China comunista, tornou clarae patente sua incontida admirao ao regime destes pa-ses, exaltando o xito das comunas populares. (SILVA,1975, p. 87)

    Jango assumiu o governo brasileiro no clima da crise poltica que se ins-taurou no Brasil aps a renncia de Jnio Quadros. As j mencionadas repre-sentaes que dele se faziam, aliado ao fato deste pertencer ao partido de opo-sio, o PTB, tornaram ainda mais conturbado o processo da sua posse, cons-titucionalmente legal.

    Aps uma srie de idas e vindas em interminveis sesses dirias e notur-nas das duas casas do Congresso Nacional Cmara e Senado bem comosucessivas reunies entre o ento presidente Ranieri Mazzilli e os ministrosmilitares divergentes, chegou-se a uma soluo: adotar-se-ia o sistema parla-mentarista. Essa soluo agradou, em especial, queles que tinham Jango comouma ameaa, pois, no sistema Parlamentarista, o Executivo no tinha todos ospoderes, cabendo as decises ao Congresso Nacional e ao gabinete dos Minis-tros. Jango poderia, portanto, ser vigiado na sua suposta inteno de transfor-mar o pas em uma repblica sindicalista.

    Esse medo de um Jango amigo dos comunistas tem sua origem durante aatuao deste enquanto Ministro do Trabalho de Getlio Vargas, entre os anosde 1953 e 1954. Naquele contexto, alm de aproximar o Ministrio do Traba-lho dos prprios trabalhadores, estimulando as denncias contra as infraescometidas contra a Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), Jango cogitou aextenso da legislao trabalhista ao campo, chegando a falar em ReformaAgrria (SILVA, 1975, p. 50), para desespero e insatisfao de grande parte dasclasses dominantes daquele perodo, em especial, os grandes latifundirios.Por fim, com a proposta de aumento do salrio mnimo para cem por cento,no ano de 1954, devido elevao do custo de vida, Jango decretou o pontofinal no seu ministrio, pedindo demisso.

  • 18

    Jango foi associado ao comunismo, e este, por sua vez, era visto como averso poltica do atesmo e da negao dos valores cristos. O objetivo docomunismo, nessas representaes, era a destruio da democracia, pondo umfim aos pilares da sociedade crist: Deus, Ptria e Famlia (MOTTA, 2002).Conforme afirmao de Motta (2002, p. 276), desta forma, o temor ao co-munismo foi o cimento da mobilizao antigoulart, o elemento que propi-ciou a unificao de setores heterogneos numa frente favorvel derrubadado Presidente.

    Essas representaes alcanavam grande parte dos setores mdios poiso comunismo atingia o mito da ascenso social, to desejado por estes setores e, dentre estes, principalmente, as mulheres. Do ponto de vista das mulherespertencentes s fraes da classe dominante e aos grupos dos setores mdios cuja educao, em geral, prezava por valores morais cristos como a famlia, aptria e a religio o comunismo no era compreendido somente como umsistema poltico e econmico, mas, mais que isso, era uma filosofia queobjetivava substituir a religio crist, negando-a, e aos pilares desta sociedade(MOTTA, 2002; SIMES, 1985).

    A representao do comunismo como inimigo absolutono derivava apenas do medo que conquistasse as classestrabalhadoras. A questo central, na tica dos respons-veis catlicos [...] que a nova doutrina questionava osfundamentos bsicos das instituies religiosas. O comu-nismo no se restringia a um programa de revoluo soci-al e econmica. Ele se constitua numa filosofia, num sis-tema de crenas que concorria com a religio em termosde fornecer uma explicao para o mundo e uma escala devalores, ou seja, uma moral. A filosofia comunista opu-nha-se aos postulados bsicos do catolicismo [...].(MOTTA, 2002, p. 20)

    Durante os anos de 1962 e 1963, o Governo Goulart cuja forma foiredefinida, pelo plebiscito realizado em 1963, como presidencialista foialvo de ataques anticomunistas, com tenses cada vez maiores nos crculosmilitares. Aps Jango ter recebido a faixa presidencial, em 1963, os aconte-cimentos desenrolaram-se muito rapidamente. Por um lado, os setores es-querda e os movimentos sociais em especial, os sindicais faziam pressopara que fosse acelerada a implementao das Reformas de Base, em especiala Reforma Agrria.

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    Os setores conservadores, por outro lado, respondiam tambm pressio-nando ao governo para que fossem garantidas suas benesses de classe. Nessacorda bamba, Jango resolveu optar por ampliar e garantir o apoio da suabase, a classe trabalhadora, que, naquele momento, mostrava-se desejosa pelamanuteno do Presidente no poder. Os setores da classe dominante reagiram,sintetizando todas as tenses do perodo na organizao da Campanha de der-rubada do Presidente Joo Goulart, tendo como alvos prioritrios de conven-cimento os setores mdios.

    Alm do apoio dado pelo complexo IPES/IBAD, tambm houve oenvolvimento de grupos dos Estados Unidos nesta campanha, atravs do apoiologstico (seja no envio de armas, seja no fornecimento de livros e outros apa-ratos ideolgicos) e de financiamento, atravs de suas figuras pblicas e, inclu-sive, do prprio Governo estadunidense.

    As donas saem s ruas

    Passado menos de um ano aps a renncia de Jnio Quadros, a exploraodo medo do comunismo pelos industriais do anticomunismo j rendia frutos.Suas consequncias eram notveis e surpreendiam, em especial, pois tinha aresde novidade: algumas mulheres passaram a ocupar um espao poltico destacadona sociedade brasileira (SIMES, 1985, p. 9) quando aderiram Campanha dedesestabilizao. Passaram, de acordo com Solange Simes, a ocupar a primeirapgina de noticirios polticos em consequncia da promoo de atividades empraas pblicas, com ampla cobertura nas rdios.

    Essas aes das mulheres na campanha de desestabilizao acompanha-ram o desenrolar da conspirao contra o presidente Jango, organizada, emespecial, nos estados de Minas Gerais, So Paulo, Guanabara e Rio de Janeiro.Podemos afirmar, inclusive, que foi fundamental a presena de mulheres nestacampanha, pois assim esta ganhou um tom de espontaneidade e, alm disso,legitimou as aes das Foras Armadas diante da necessidade de uma interven-o militar o que findou por acontecer.

    Conforme a afirmativa de Solange Simes (1985, p. 36), essa mobilizaoatendia, portanto, a um objetivo principal: viabilizar e justificar o golpe en-quanto resposta a um espontneo e legtimo apelo popular. Visava, sobretu-do, mobilizar os setores mdios, posto que a classe trabalhadora encontrava-semais afeita s propostas lanadas pelo nacional-reformismo de Joo Goulart.Assim, o complexo IPES/IBAD, j antes mencionado, no poupou esforospara que este objetivo fosse concretizado, dando total assistncia atravs dos

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    assessores masculinos aos grupos femininos que se organizaram naquelesprimeiros anos da dcada de 60.

    Nos Estados de So Paulo, Rio de Janeiro, Guanabara, Minas Gerais,Cear e Pernambuco, as mulheres atuaram de forma institucionalmente orga-nizada em entidades como a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE),a Liga da Mulher Democrata (LIMDE) e a Unio Cvica Feminina (UCF)(Cf. FICO, 2004b; SIMES, 1985). O diferencial daquela participao foi oalto nvel de organizao poltica destas mulheres, que no apareciam isolada-mente, tinham papis definidos para direo e concepes prprias de suaatuao. Nessas concepes, a presena do discurso anticomunista e doconservadorismo cristo era fundamental, pois, como veremos, eram utiliza-dos como elementos arregimentadores.

    Quanto atuao destes grupos femininos, de acordo com Simes, esta-va dividida entre aes de convencimento e aes de rua. Para as primeiras, osgrupos utilizavam alguns recursos, tais como a promoo de reunies commulheres e assessores das organizaes femininas visando a tomada de decisesquanto aos rumos da campanha antigoulart; a distribuio de cartas e panfle-tos explicativos contra o comunismo visando a difuso dos motivos que justi-ficavam as aes anticomunistas (FICO, 2004b, p. 41); e a promoo de ses-ses de filmes editados pelo IPES, cujo objetivo era tocar emocionalmente aosque assistiam para o perigo que representava a entrada do comunismo noBrasil e para a necessidade de defender a ptria, a religio e a famlia ameaadas.O objetivo geral destas primeiras aes era de convencer as pessoas do perigocomunista e arregiment-las para a campanha de desestabilizao e para aMarcha da Famlia.

    Quanto s aes de rua, foram organizadas atravs de diversas manifesta-es cujo lema em geral era a defesa da democracia e contra o comunismoateu. O ponto alto destas mobilizaes foram as Marchas da famlia comDeus e pela liberdade que aconteceram em diversos estados do Brasil. A partirda observao da estratgia utilizada nestas aes, podemos afirmar que asaes de rua complementaram a campanha de arregimentao anterior, ser-vindo como uma espcie de confirmao da fora poltica do grupo que aspromoviam.

    Todo o aparato para essas aes que compunham a campanha antigoulartfoi financiado diretamente pelo Complexo IPES/IBAD. A inteno deste eraprimeiramente, desgastar o governo de Joo Goulart e o nacional-reformismo,visando conter o crescimento do comunismo no pas. Para tal, a campanhaque envolvia diretamente os grupos femininos visava:

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    Impedir a solidariedade das classes trabalhadoras, con-ter a sindicalizao e mobilizao dos camponeses, apoi-ar clivagens ideolgicas de direita na estrutura eclesisti-ca, desagregar o movimento estudantil e bloquear as for-as nacional-reformistas no Congresso. (SIMES, 1985,p. 26)

    E, alm disso, mobilizar os setores mdios.

    Do ponto de vista ideolgico, alm da influncia do conservadorismocristo, do discurso anticomunista e do comprometimento com seus inte-resses de classe, as mulheres exerciam seus papis fundamentados pelo dis-curso do Maternalismo, um forte elemento construdo a partir da iden-tidade de gnero: apareceram na cena poltica como donas de casa, esposase mes que viviam para a manuteno do espao privado, para a defesa dasua famlia e para o lar. Este discurso foi amplamente utilizado pelos seto-res da Igreja Catlica, e as mulheres foram instigadas a lutar contra o co-munismo, em funo das ameaas que este proporcionava, em especial, sfamlias crists:

    Centenas de mes fluminenses dirigiram-se ao presidenteJoo Goulart, em mensagem por intermdio de O Glo-bo, pedindo-lhe [que] modifique as linhas perigosas deseu governo para que reine a tranqilidade no pas. Cre-mos que a me do prprio Presidente da Repblica h dejuntar a sua voz a nossa, pedindo as solues que o Brasilexige, mas na justia crist, na liberdade da Ptria, semvender o Brasil aos comunistas.

    Frisam a seguir: Que o presidente da Repblica saibaque ns, mes, j sabemos que a falta de produtos no pas um Plano diablico para exigir do povo faminto queaceite o comunismo como tbua de salvao. Queremosum Brasil tranqilo, prspero e sempre nosso. Queremos,com tranqilidade, ensinar aos nossos filhos o amor deDeus e da Ptria, contra os materialistas traidores, con-cluem.10

    10 Mes apelam ao presidente: modifique as linhas perigosas de seu governo. Jornal Semana Catlica, p. 1, 22 jul.1962.

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    O discurso do maternalismo surgiu da construo cultural sobre as diferen-as biolgicas, ou seja, as sociedades dentro dos seus aspectos scio-culturaispeculiares organizam e orientam os papis que sero assumidos por homens emulheres, partindo das caractersticas biolgicas destes grupos. O que no significaque esses papis sejam naturais, pelo contrrio, so naturalizados, pelos homens epelas mulheres, dentro de relaes de poder as relaes de gnero.

    No caso das mobilizaes aqui estudadas, em se tratando de um universomajoritariamente catlico/cristo, ao conceito de maternalismo integra-se oconceito de marianismo. Este, como aponta a autora Zara Ary (2000), com-preende uma carga de valores e esteretipos que visam enquadrar as mulheresnuma imagem perfeita para o que pregado no discurso majoritrio cristo,da Virgem Maria, o modelo catlico/cristo que toda mulher deveria seguir.

    Elas estavam convencidas da necessidade de irem s ruas lutar em defesada democracia, supostamente ameaada pelo comunismo, mas, mais que isso,sabiam que essa era uma funo a ser exercida pelas mulheres, ou melhor, pelasmes, filhas, noivas e esposas do Brasil. Elas se lanaram na esfera pblica apartir de sua condio de seres privados foi como mulheres-mes-donas-de-casa que aquelas mulheres se apresentaram publicamente (ARY, 2000, p.10). Para elas, cabia s mulheres resguardar os pilares que garantem a manu-teno de qualquer sociedade crist: Deus, ptria e famlia, e, para que nadade mal acontecesse a essa sociedade, valeria a pena sair dos seus lares e ir sruas cumprir o seu papel.

    As senhoras soteropolitanas e a Marcha da Famlia

    Em Salvador, j nos primeiros meses de 1963, incio da gesto do go-vernador Antonio Lomanto Jnior gesto dos partidos opositores PTB eUDN setores conservadores da Igreja Catlica, contando com a presenade diversas senhoras soteropolitanas, organizaram suas primeiras aes derua com a finalidade de desestabilizar Jango e conter suas reformas de base.Dentre as manifestaes de maior visibilidade, destacamos a procisso deCorpus Christi, realizada em 1963 e presidida pelo bispo auxiliar DomWalfrido Vieira, considerada a maior procisso j observada, at aquele mo-mento, em Salvador (FERREIRA, Muniz. 2003). Esta foi convocada pelaCruzada do Rosrio em Famlia organizao de cunho internacional fun-dada em 1945, nos Estados Unidos e liderada pelo padre irlands Payton,tendo como mote a apreenso dos catlicos em face ameaa comunista.(FERREIRA, Muniz. 2003, p. 6)

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    Realizadas em diversos Estados brasileiros, as Cruzadas do rosrioconsistiram numa espcie de ensaio para as Marchas da famlia. Seu obje-tivo era tocar emocionalmente a todos os presentes atravs da manipulaode smbolos religiosos que envolviam, em especial, os apelos de Nossa Se-nhora de Ftima e a reafirmao da necessidade da defesa dos valores sa-grados da sociedade crist conforme vimos, Deus, ptria e famlia contra o comunismo.

    Outra manifestao organizada em Salvador pelo padre Payton, na-quele ano, foi a panfletagem feita pelas mulheres da CAMDE11 que tinhapor objetivo conclamar as famlias a enfrentarem o inimigo comunistaque a negao da liberdade, da justia e da paz. (FERREIRA, Muniz.2003, p. 6)

    Na Bahia, apesar da existncia de vrias organizaes de mulheres desetores mdios, em sua grande maioria de carter filantrpico ouemancipacionista como o exemplo da Federao Bahiana pelo ProgressoFeminino, criada em abril de 1931, no observamos uma articulaoinstitucionalizada com esse movimento nacional no perodo que antece-deu ao golpe civil-militar de 1964. Esta articulao s ocorreu atravs daDeputada Estadual Ana Oliveira, do Partido Libertador (PL), que, aps osucesso da manifestao paulista, em 19 de maro de 1964, ser a primeiramulher de destaque na Bahia a empenhar-se em conclamar as baianas parase integrarem a esta mobilizao nacional, conforme noticiou o jornal Atarde:

    A deputada Ana Oliveira anuncia que vai iniciar ummovimento de mulheres baianas em defesa da democra-cia e das instituies vigentes e contra o comunismo, aexemplo do que j acontece em Minas, Rio e So Paulo.J na prxima tera-feira, far um discurso na assembleialanando o movimento e depois conclamar as mulheresde todo Estado a se unirem. J conta com a adeso ante-cipada de centenas de mes de famlia, senhoras de todasas classes e de todas as idades.12

    11 Campanha da Mulher Democrtica (CAMDE) uma entidade feminina de So Paulo, lanada no ano de 1962,no Rio de Janeiro, com o objetivo de lutar contra a infiltrao comunista no Brasil, em defesa da democracia. Paramais informaes. (SIMES, 1985, p. 28)

    12 Discurso de Ana Oliveira. A Tarde, p. 3, 21 mar. 1964.

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    Nos dias que se seguiram, Ana Oliveira utilizou vrias vezes a tribuna daAssembleia Legislativa para convocar as mulheres, sempre alertando para orisco do avano comunista. Mas foi somente aps o golpe civil-militar de 1964que as mulheres baianas de classe mdia se organizaram e trataram logo demanifestar seu apoio ao novo regime. J no dia 06 de abril, com uma matriaintitulada Professoras solidrias com o Exrcito, o jornal A Tarde noticiou queComisso de professoras presta homenagem ao General Manoel Mendes Pe-reira, comandante da VI regio militar, pelo revigoramento de democraciabrasileira.13

    No dia seguinte, o referido jornal trazia com destaque a notcia da home-nagem realizada pelas mulheres ao General Manoel Mendes Pereira, coman-dante da VI regio militar e por seu intermdio, aos chefes das guarnies daMarinha e da Aeronutica. O discurso proferido por Suzana Imbassahy daSilva nos d claramente uma ideia da composio social dessas mulheres e deseus interesses polticos:

    Aqui estamos ns, uma delegao de senhoras crists,mes de famlias, mdicas, professoras, funcionrias,mas, antes de tudo, mulheres baianas que tambm tmseu passado de glrias vinculado a todos os fatos dahistria do Brasil, mulheres que se orgulham de seremdescendentes de Maria Quitria, mulher-soldado, esror Joana Anglica, a mrtir; mulheres baianas quetambm sofreram e vibraram, dentro de seus lares,acompanhando cheias de ansiedade toda essa maravi-lhosa campanha que se processou com tanta eficinciae tanta paz que se nos afigura milagre de Deus porintermdio das foras armadas. [...] porque afastou dens, mulheres crists, esse vento mau que soprou peloBrasil, vento de pnico e de discrdia, que ameaoudesviar a terra brasileira da sua tradio de cordialida-de e de soluo pacfica na superao das suas criseshistricas.14

    A Comisso organizadora da Marcha reuniu-se no requintado Club deBridge da Bahia, para definir o roteiro e os encaminhamentos necessrios. Os

    13 Professoras solidrias com o Exrcito. A Tarde, p. 2, 6 abr. 1964.

    14 O agradecimento da mulher bahiana. A Tarde, p. 2, 7 abr. 1964.

  • 25

    jornais destacam a presena de importantes senhoras e representantes do Cle-ro15. Nessa reunio, foi elaborada a Proclamao da Marcha, amplamentedivulgada:

    Baianos. Homens e mulheres, velhos e moos, de todas asclasses, de todas as profisses, de todos os credos de todasas religies, no esperem convite para participarem dagrande passeata no dia 15 (quarta-feira), a partir da Praada S s quinze horas, com o fim de expressar o nossosentimento de agradecimento a Deus nosso grandeGeneral e as foras armadas pelo alvio que trouxe aocorao de todos os brasileiros e particularmente, fam-lia baiana. No espere convite pois a festa tem dono, sua, minha, nossa, da Bahia.16

    Assinava a proclamao: A mulher baiana.

    No dia 15 de abril, a partir das 14 horas, comeou a concentrao naPraa Municipal. Aps a celebrao do solene Te-Deum, na Catedral Baslica,a multido dirigiu-se ao Campo Grande,

    [...] formando ento uma impressionante torrente de ho-mens, mulheres, crianas, que entoando hinos patriti-cos e religiosos, davam vivas s Foras Armadas e De-mocracia. Bandeiras do Brasil e da Bahia, faixas alusivas redemocratizao do pas, delegaes de outros Estados edo interior baiano, representantes de dezenas de entida-des, civis e religiosas, grupos representativos das ForasArmadas, bandas de msica e o povo vibrando constitu-am o conjunto da indescritvel passeata [...] Os acordesdo Hino Nacional Brasileiro e de marchas patriticas co-moveram at as lgrimas de milhares de pessoas [...]17

    15 [...] da reunio participaram inmeras senhoras baianas, dedicando-se entre outras, D. Maria do Carmo Cabral,esposa do coronel Francisco Cabral, Secretrio de Segurana Pblica, que representou D. Hildete Lomanto, esposado Governador do Estado e D. Maria Helena Almeida, esposa do Sr. Adlio Almeida. O Clero baiano esteve maisuma vez representado pelos Srs. Manoel Soares e Walter Magalhes. Falando em nome do Cardeal da Silva, os doissacerdotes aprovaram a sugesto apresentada na reunio, segundo a qual os sinos das matrizes de salvador deveriamrepicar festivamente, lembrando aos fiis e aos cristos em geral o grande significado da Marcha da Famlia. (Ver:Marcha da Famlia na Bahia j tem programa aprovado. Jornal da Bahia, p. 5, 8 abr. 1964)

    16 O Programa da Passeata. A Tarde, p. 4, 9 abr. 1964.

    17 Marcha: Impressionante demonstrao de civismo. Jornal da Bahia, p. 1, 16 abr. 1964.

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    Esta foi a maior manifestao baiana de apoio aos militares. Tendo sidoapoiada diretamente pela Prefeitura Municipal18, pelo Governo do Estado19

    e por diversos setores20 a Marcha contou com cerca de 400 mil pessoas21. Nodia seguinte, em grande manchete, o jornal A Tarde anunciava em primeirapgina Marcha foi apoteose da vitria. Como um dos resultados deste gran-dioso acontecimento pblico, os grandes jornais da capital baiana noticia-ram a abertura de uma sede da Unio Cvica Feminina (UCF) em Salvador,cuja presidncia ficou em mos de Dona Edith da Gama e Abreu, conhecidafeminista baiana, fundadora da Federao Bahiana pelo Progresso Femini-no22. Para alm deste estudo que realizamos, fica a possibilidade de avaliar-mos as conseqncias desta mobilizao para o cotidiano poltico e social deSalvador, em especial, para as soteropolitanas, pesquisa que realizaremosposteriormente.

    18 O apoio da prefeitura, atravs do seu prefeito, foi amplamente divulgada na imprensa:Em entendimento com adeputada Ana Oliveira, o prefeito Antonino Casaes declarou que a prefeitura dar todo o apoio realizao dapasseata, mandando, inclusive, armar no Campo Grande, o grande palanque que foi utilizado [...] durante a Cruzadado Rosrio em famlia [...]. (Ver: Passeata da S ao Campo Grande ser sexta-feira. A Tarde, p. 4, 8 abr. 1964). Adeputada Ana Oliveira comunicou s senhoras baianas que esto preparando a Passeata da Vitria que o prefeitoAntonino Casaes lhe garantiu todo apoio da prefeitura para a mesma [...] ofereceu [...] tudo que estiver a seu alcance.(Cf. Prefeitura apia passeata, A Tarde, p. 3, 9 abr. 1964).

    19 Ser feriado escolar amanh, a fim de que os alunos das vrias escolas possam participar da Marcha..., segundoportaria baixada ontem pelo Secretrio de Educao que recomenda ainda no devem os colegiais aparecerem napasseata uniformizados. (Cf. Feriado escolar amanh para comemorar a Marcha da Famlia. Jornal da Bahia, p.5,14 abr. 1964)

    20 Alm da massa popular que dever acompanhar a passeata, por iniciativa prpria, diversas entidades j hipotecaramirrestrito apoio ao desfile cvico, entre elas, destacando-se: A comunidade batista [...], todos os sindicatos democrticos[...], instituies religiosas, ordens terceiras parlamentares, Rotary clube, Lions clube, toda a Maonaria, Liga Bahianacontra o analfabetismo, Petrobras, Fuzileiros navais, Clubes sociais e muitas outras. [...] Tendo a associao comercialpedido aos seus membros que fechem seus estabelecimentos comerciais [...] O prefeito Antonino Casaes assinoudecreto considerando ponto facultativo o turno vespertino, o mesmo tendo feito a assemblia legislativa. [...] Ogovernador tambm vai declarar ponto facultativo no expediente da tarde [...] Alm de colocar seus navios para otransporte de pessoas residentes no Recncavo, durante a manh, a navegao Bahiana colocar, tambm, todas suasembarcaes no porto, na hora do incio do desfile [...] (Cf. Sob o repicar dos sinos, baianos agradecero a Deus.A Tarde, p. 3, 13 abr. 1964). O Presidente da Federao das Indstrias, Sr. Pedro Ribeiro, formulou apelo aosindustriais baianos no sentido de encerrar as atividades de suas empresas s 14 horas de amanh, a fim de possibilitaro comparecimento de seus operrios a Marcha da Famlia [...] Por outro lado, determinou o Presidente da Federaodas Indstrias a decretao de ponto facultativo nos rgos ligados ao Servio Social da Indstria e Servio Nacionalde aprendizagem industrial a fim de que seus funcionrios possam tambm participar da Marcha da Famlia. [...]programada para amanh em nossa capital. (Ver: Comrcio fechar. Jornal da Bahia, p. 5, 14 abr. 1964)

    21 Eis a ordem em que se apresentaram na Marcha da famlia..., integrantes da passeata: 1) Banda de msica doexrcito; 2) Autoridades civis, militares e eclesisticas; 3) Comisso central organizadora da passeata; 4) Grupamentode professores e alunos do curso primrio; 5) Grupamento de professores e alunos do curso secundrio; 6) Diretriosestudantis, que se incorporaram na praa Castro Alves; 7) Banda de msica da Polcia Militar 8) Delegaes dointerior; 9) Delegaes esportivas; 10) Outras entidades, inclusive regionais. Desfilaram na grande Marcha da famlia...,entre outros, notados pela reportagem: Conferentes e Consertadores de porto de Salvador; Colgio da Polcia Militardo Estado; Corpo de Bombeiros; Irmandade de So Francisco; Ginsio Irm Dulce; Crculo Operrio da Bahia;Evangelistas; Maonaria; Instituto de msica da Bahia tendo o vereador Cosme de Farias encerrado a passeata em

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    Consideraes finais

    Em alguns estados brasileiros, as Marchas da Famlia com Deus pelaDemocracia e pela Liberdade, estavam inseridas na campanha de desestabilizaode Joo Goulart, que contava com a liderana expressiva de mulheres (MOTTA,2005). Em Salvador, conforme vimos, ela ocorreu aps o golpe civil-militar de1964, constituindo-se no mais como marcha de arregimentao conformedefinio de Solange de Deus Simes mas, sim, uma marcha de apoio.

    Por fim, para no perder de vista que nosso artigo concentra-se na anlisede um movimento de mulheres, ratificamos que nem todos estes movimentos seinserem no contexto das lutas feministas23. Conforme vimos, existem mulheresorganizadas que no questionam seus lugares sociais de gnero enquanto sujeitosna sociedade e no tm a perspectiva de transformao na condio desubalternidade da mulher (COSTA; SARDENBERG, 1994), pelo contrrio,muitas vezes utilizam-se dessa subalternidade e de um conjunto de esteretipos,sem nenhuma ou com pouca perspectiva crtica quanto ao papel destinado mulher na sociedade, para justificar sua ao poltica ou suas demandas, comofoi o caso do movimento de mulheres pela desestabilizao de Jango. Outro casoexemplar, muito prximo ao nosso, foi o movimento sufragista de incios dosculo XX que colocava a necessidade da autonomia poltica das mulheres comoum dos requisitos para o melhor exerccio do seu papel de me.

    Entretanto, tambm no podemos esquecer que o movimento de mu-lheres contempla uma enorme diversidade de formas de organizao, objetivose ideologias. Neste sentido, Malyneux (2003, p. 225) afirma que um movi-mento de mulheres no precisa ter uma nica expresso organizativa e pode

    companhia de um grupo de crianas, das quais mantenedor. (Ver: Integrantes do desfile. Jornal da Bahia, p. 5, 16abr. 1964)

    22 Apesar desta participao final de uma feminista, ressaltamos que a Marcha da famlia, muito embora um movimentode mulheres, no pode ser caracterizado como uma mobilizao feminista, pois este no questionava os lugaressociais de gnero estipulado para homens e mulheres.

    23 O movimento feminista, apesar de inserir-se no movimento mais amplo de mulheres, distingue-se por defender osinteresses de gnero das mulheres, por questionar os sistemas culturais e polticos construdos a partir dos papeis degnero historicamente atribudos s mulheres, pela definio da sua autonomia em relao a outros movimentos,organizaes e o Estado e pelo princpio organizativo da horizontalidade, isto , da no existncia de esferas dedecises hierarquizadas (LVAREZ, 1990, p. 23). Segundo Costa e Sardenberg (1994) o feminismo pode se manifestarenquanto uma doutrina ou movimento social, cujos sujeitos principais so em sua maioria mulheres que acreditamna luta por igualdade e liberdade, questionando a hierarquizao nas relaes sociais entre homens e mulheres. Ofeminismo pressupe o surgimento de uma conscincia de gnero feminina (COSTA; SARDENBERG, 1994, p.83), ou melhor, conscincia feminista que se daria em mbito coletivo refletindo nas praticas sociais entre homens emulheres. A conscincia de gnero a forma como essas experincias so tratadas em termos culturais: encarnadasem tradies, sistemas de valores, idias e formas institucionais. (COSTA; SARDENBERG, 1994, p. 84)

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    caracterizar-se por uma diversidade de interesses, formas de expresso e locali-zaes espaciais. Pode inclusive apresentar posies e objetivos polticos dis-tintos e, mesmo quando as mulheres se organizam de maneira autnoma, nemsempre atuam de maneira autnoma na defesa dos seus interesses de gnero(MALYNEUX, 2003, p. 230).

    Ou seja, a multiplicidade do movimento de mulheres pode abarcar, semcontradies, movimentos feministas e que possuem uma viso crtica quantoaos lugares sociais de gnero, mas tambm pode conter mobilizaes como asMarchas da famlia que, apesar de arregimentar um amplo nmero de mulhe-res, foi organizado com base na manuteno das mulheres na condio demes, donas de casa e esposas exemplares, bem como buscou preservar o lugarsocial a elas destinado: a famlia.

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  • 31

    2Protestantes e o governo militar:

    convergncias e divergncias

    Elizete da Silva 1

    Todo homem esteja sujeito s autoridades superiores: porqueno h autoridade que no proceda de Deus.

    (Bblia Sagrada: Romanos 13: 1)

    Pretendemos, neste artigo, abordar as relaes que a Denominao2 Ba-tista e a Igreja Presbiteriana do Brasil estabeleceram com os governos militaresaps o golpe de 1964. Tradicionalmente, os evanglicos mantm o princpioda separao entre a Igreja e o Estado, porm, no perodo que ora estudamos -1964 a 1986, tal princpio era apenas um argumento doutrinrio e retrico,pois, na prtica cotidiana, densas articulaes e barganhas polticas permearama trajetria dos irmos protestantes no Brasil e na Bahia, foco especfico danossa anlise.

    1 Doutora em Histria, Professora Titular Plena da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Coordenadorado Mestrado em Histria da UEFS.

    2 Denominao um tipo de entidade protestante que rene o conjunto das congregaes que seguem as mesmasdoutrinas e prticas, no tem a visibilidade da igreja, nem o absentesmo das seitas.

  • 32

    Os protestantes produziram discursos e representaes peculiares einstigantes sobre os governos militares, os quais estavam pautados por doutrinasinternas ao seu iderio religioso, porm guardavam estreitas vinculaes com asprticas polticas da sociedade circundante. Nessa perspectiva, o conceito de camporeligioso e de capital simblico de Pierre Bourdieu um instrumento tericorelevante para entendermos tais vinculaes entre a religio e a poltica:

    A estrutura das relaes entre o campo religioso e o cam-po do poder comanda, em cada conjuntura, a configura-o da estrutura das relaes constitutivas do campo reli-gioso que cumpre uma funo externa de legitimao daordem estabelecida na medida em que a manuteno daordem simblica contribui diretamente para a manuten-o da ordem poltica. (BOURDIEU, 1974, p. 69)

    Entendemos a religio como uma forma de expresso da cultura, a qualmantm estreitos vnculos com os demais elementos constitutivos de um siste-ma cultural. As contribuies tericas da Histria Cultural, numa interfacecom a Histria das Religies, so fundamentais problemtica que ora anali-samos.

    O conceito de representao, formulado na perspectiva da Histria Cul-tural, relevante para se entender e explicitar as relaes polticas e os conflitosocorridos no campo religioso brasileiro no perodo em foco. Admitimos repre-sentao como a compreenso que os homens buscam do funcionamento deuma dada sociedade ou as operaes intelectuais que lhes permitem apreendero mundo (CHARTIER, 2002, p.23). Observa-se, historicamente, que a visode mundo, as representaes coletivas que se elaboram em certos grupos tm,no fenmeno religioso, um elemento central preponderante em determinadosmomentos.

    As representaes e as prticas polticas elaboradas pelos protestantesestavam essencialmente vinculadas forma de existncia desse grupo religi-oso na sociedade brasileira e baiana, no contexto conjuntural das dcadas de1960 a 1980, plena de agitao e movimentos sociopolticos, os quais mar-caram, tambm, os arraiais protestantes, inclusive os batistas. Nas sociedadesem geral, as relaes entre a religio e a poltica esto to imbricadas quealguns estudiosos afirmam que no seio das instituies sociais e simblicasse articulam ao mesmo tempo o poltico e o religioso (HERVIEUR-LGER,2005, p. 190).

  • 33

    Preces explcitas e crticas veladas

    Alm do principio doutrinrio de absoluta separao entre as instnciaseclesisticas e as instncias governamentais, os batistas no Brasil desenvolve-ram um pensamento e uma prtica poltica de sistemtica submisso s autori-dades. Faziam uma leitura literal do texto bblico, de origem paulina, que todaautoridade vem de Deus e seus servos devem obedec-la. Apenas em matriade f, quando importava mais obedecer a Deus do que aos homens, os ir-mos batistas esboavam alguma crtica ou resistncia.

    No Jornal Batista, noticioso nacional da Denominao, em artigos e edi-toriais recorrentes, destacava o esprito ordeiro dos batistas, os quais s critica-vam as autoridades constitudas se elas atentassem contra a liberdade religiosa,favorecendo a Igreja Catlica, ou se as eleies ocorressem no dia de domingo,o dia do Senhor, consagrado aos exerccios devocionais nos templos. Pecadoque deveria ser evitado pelos fiis.

    Essa prtica de submisso e respeito s autoridades, sem crticas ou contes-taes, perpassou a Repblica Velha e o Estado Novo sem alteraes substanci-ais. No entanto, a partir da agitao poltica e social que caracterizou o final dadcada de 1950 e o incio dos anos 1960, os batistas viram-se incomodados comas reivindicaes e os espaos polticos que os movimentos sociais organizados eos partidos de orientao marxista passaram a disputar no cenrio nacional.

    O tumultuado governo de Joo Goulart, que comeou resistindo ao vetodos ministros militares, os quais consideravam a posse do vice-presidente, comomandatrio presidencial no lugar de Jnio Quadros, que havia renunciado emagosto de 1961, um perigo para a ordem social do Brasil, tambm foi objetodas preocupaes e das oraes dos irmos protestantes.

    O governo de Jango, que passou Histria do Brasil como um perodode reformas nacionalistas, viveu tenses e conflitos polticos acentuados poruma grave crise social que punha em risco o precrio equilbrio entre as diver-sas classes sociais. Segundo um estudioso do perodo:

    A economia brasileira entrara em um longo ciclodepressivo, desde 1962, agravado por uma inflao cres-cente, que paralisava as obras consideradas bsicas pelogoverno, visando a uma melhor distribuio de renda, ecausava forte presso sobre os salrios, originando um cli-ma de enfretamento entre patres e empregados, que vi-nha se somar crise poltica mais geral. (SILVA, Francis-co, 1990, p. 316)

  • 34

    Diante das turbulncias e do acentuado perfil popular e nacionalista dogoverno janguista, o princpio da submisso s autoridades constitudas sofreuarranhes: os batistas passaram a preocupar-se com os destinos do Pas e cons-truram veladas crticas, ao mesmo tempo em que acionavam os mecanismosreligiosos que consideravam eficazes para solucionar os problemas brasileiros:orao e leitura da Bblia. A liderana batista reconhecia quo duras tm sidoas dificuldades administrativas e como grave a problemtica nacional3. Talreconhecimento e solidariedade foram declarados de viva voz, por um grupode batistas, dentre outros evanglicos, os quais foram recebidos pelo Presiden-te Joo Goulart em audincia especial.

    A lealdade e a submisso ao governo foram destacadas, porm uma outrainterpretao do fato pode ser acrescentada: mais uma vez, na iminncia deum desfecho trgico para a crise, os batistas queriam garantias da continuidadeda liberdade religiosa, do respeito ao princpio constitucional e de que noseriam molestados. Ao mesmo tempo, era um voto de confiana e solidarieda-de, embora efmero e pontual, como veremos a seguir. O Pastor Eber Vascon-celos, da Igreja Memorial Batista de Braslia, foi o porta-voz do grupo evang-lico que visitou Jango e explicitou sua opinio nos seguintes termos:

    [...] Aqui esto os pastores evanglicos do Distrito Fede-ral, representando cerca de 60 igrejas numa sincera e de-sinteressada homenagem a Vossa Excelncia. Aqui estamospara trazer nossa palavra de solidariedade. No viemospedir pois o povo evanglico no pede mas para darnosso apoio moral e nossa assistncia espiritual ao gover-no de Vossa Excelncia. A Bblia nos ensina o respeito sautoridades legalmente constitudas e nos concita a cola-borao com aqueles que trabalham com o bem-estar co-letivo... tem Vossa Excelncia nosso apreo e simpatia.4

    No caso especfico da conjuntura crtica do governo Jango, o princpioda submisso e da lealdade se configurava especialmente no plano da retrica,crticas veladas e cautelosas passaram a figurar nos peridicos batistas. Com oagravamento da crise, no ltimo trimestre do ano de 1963, a comunidadeeclesistica temia possveis mudanas polticas:

    3 Evanglicos visitam presidente da Repblica. O Jornal Batista, p. 2, 25 maio 1963.

    4 Ibidem.

  • 35

    [...] o discurso do Jornal Batista (sic) passou a discorrersobre o comunismo, a tratar, sutilmente, o governo deforma mais crtica como na reportagem que noticiava umapalestra em uma Faculdade Batista sob o capcioso ttulo:Devemos temer o comunismo, mas, devemos temermuito mais, uma democracia em podrido5.

    Os guardies da democracia ameaada

    A crise social e poltica do governo Joo Goulart foi adensada por vriosmovimentos contestatrios, inclusive, motins dentro das foras armadas, aexemplo do motim de suboficiais da Aeronutica e da Marinha que eclodiraem Braslia, no final de 1963, exigindo direito de voto e melhores condiesna tropa. Com firmeza e dificuldade, o governo tentou contornar a situaoatravs da decretao do Estado do Stio, esvaziada pelos ministros militares,deixando a nu a falta de apoio ao presidente (SILVA, Francisco,1990, p. 321).O golpe, tramado desde 1961 pelos militares, teve um desfecho rpido e como apoio de polticos civis como: o Governador de Minas Gerais, MagalhesPinto (UDN); Ademar de Barros, Governador de So Paulo (PSP); CarlosLacerda, Governador da Guanabara (UDN). Tentando evitar um banho desangue, o Presidente Goulart no reagiu, e seu cargo foi declarado vago peloCongresso Nacional. Era maro de 1964, o incio de um longo regime militardiscricionrio e repressor das liberdades democrticas, o qual achacou a naobrasileira, por duas dcadas.

    As representaes construdas, oficialmente, pelos batistas eram assazpeculiares. Na concepo dos irmos da Conveno Batista Brasileira, o golpemilitar de 1964 era, contraditoriamente, uma interveno poltica em defesada democracia, e da nao. Um beneficio ao Pas que vivia ameaado em suaordem democrtica, e o ex-presidente deposto s merecia crticas, a solidarie-dade que havia sido jurada um ano atrs em visita especial a Joo Goulart foicompletamente esquecida. De imediato, os lderes batistas legitimavam o gol-pe e o regime militar. Apenas doze dias aps a ecloso da quartelada, publica-vam nas pginas do Jornal Batista:

    Os acontecimentos militares de 31 de maro e 1o de abrilque culminaram com o afastamento do Presidente daRepblica vieram, inegavelmente, desafogar a nao [...]

    5 O Jornal Batista, 26 out. 1963.

  • 36

    O presidente que vinha fazendo um jogo extremamenteperigoso foi afastado. A democracia j no est maisameaada. A vontade do povo foi entendida e respeita-da... o povo brasileiro por sua ndole, pela sua formao,repele os regimes totalitrios e muito particularmente oregime comunista.6

    A pseudo omisso dos batistas frente s questes polticas do Pas se des-velou, para mostrar uma face ideolgica e conservadora, aparentemente con-traditria ao condenar o totalitarismo comunista, mas, ao mesmo tempo, legi-timar o golpe militar, como se o mesmo no fosse um golpe de fora queinstalaria um regime totalitrio, tanto quanto o comunismo que rejeitavam.

    No processo de legitimao do golpe civil-militar de 1964 pelos lderesbatistas, ressalta o conservadorismo poltico da Denominao Batista, o qualdeve ser entendido com base em alguns fatores determinantes: ao longo de suatrajetria nos EUA e particularmente no Brasil, decorrentes da correlao deforas no prprio campo religioso brasileiro, os batistas desenvolveram umaperspectiva particular de democracia, que se confundia com a garantia de li-berdade religiosa. Se apenas o direito de culto fosse preservado, estavam demo-craticamente contemplados. No imaginrio batista, a democracia era o mode-lo eclesiolgico.

    O telogo batista A. B. Langston escreveu um opsculo editado pelaCasa Publicadora Batista, em 1917, intitulado A verdadeira democracia, a qual,segundo o autor, acontecia plenamente entre os batistas7 que, por ela, deveri-am pugnar, pois o Evangelho necessita de um ambiente democrtico para flo-rescer. O livro de Langston era estudado nos seminrios batistas e suas ideiaslargamente difundidas nos jornais e revistas que eram estudados na EscolaBblica Dominical das comunidades eclesisticas. Os EUA, mais uma vez, eramo exemplo concreto de governo democrtico.

    Outro fator que exerceu um papel fundamental nesse processo delegitimao do golpe de 1964 foi a oposio ao comunismo. O medo e o pavordo comunismo faziam parte do imaginrio batista, aprendido com os irmosnorte-americanos desde o incio do sculo XX com o advento da RevoluoRussa (SILVA, Elizete, 1998, p. 139). Os batistas condenaram o regime russoresgatando representaes muito caras do iderio batista e protestante em ge-

    6 Responsabilidade dos crentes nesta hora. Jornal Batista, p. 3, 12 abr. 1964.

    7 ALMEIDA, 2008, p. 18.

  • 37

    ral: esconjuravam o comunismo como algo diablico e convocavam o Senhordos Exrcitos para destru-lo, pois o mesmo era parte do reino do Diabo.

    Do ponto de vista da liderana batista, o comunismo precisava ser com-batido pelo seu atesmo e negao da religio. Dois meses antes da ecloso dogolpe de 1964, diante do avano dos partidos de esquerda e dos movimentossociais, num trocadilho capcioso, os batistas desqualificavam as ideias comu-nistas: o comunismo e no a religio que o pio do povo. Por isso andammuito narcotizados e j no podem pensar por suas prprias cabeas luz doEvangelho de Cristo8.

    O atesmo era a principal crtica que se fazia ao comunismo. Observa-se, portanto, que o discurso anticomunista defendido no meio batista trans-cendia o terreno poltico onde comumente se faz a crtica a essa ideologia parao campo religioso (ALMEIDA, 2008, p. 32). A imprensa batista, no perodo,reverberou insistentemente contra o comunismo, o perigo vermelho que ron-dava o Pas e queria tirar Deus dos coraes:

    Nikita Krushev, Titov, Mao Tse-tung, Fidel Castro. Sohomens que derramam dio pelo mundo e o seu princi-pal e obstinado objetivo desarraigar a ideia de Deus docorao humano [...] Odeiam, espalham a guerra, semei-am a destruio, tiram a vida do seu semelhante e se di-zem promotores e mantenedores da paz.9

    Um outro aspecto a ser considerado no processo de legitimao do golpede 1964 no bojo do perigo vermelho, foi a guerra fria mantida pelos EUA eos pases do bloco comunista. Os irmos batistas brasileiros tinham profundoslaos espirituais e ideolgicos com os irmos da Outra Amrica. Os EstadosUnidos, ferrenho opositor do socialismo e mentor de vrios golpes e governosmilitares na Amrica Latina, tambm eram o bero do Evangelho, a naoevanglica que mandava missionrios filantropos e bem intencionados para oterritrio brasileiro.

    Os EUA eram a utopia implcita do protestantismo brasileiro, comoasseverou o presbiteriano Rubem Alves (1979, p. 239). Os americanos abomi-navam o comunismo e, na tica dos batistas e dos protestantes em geral, osEUA chegaram ao progresso material e cultural em decorrncia dos princpiosevanglicos e democrticos.

    8 O comunismo o pio do povo. O Jornal Batista, p. 8, 25 jan. 1964.

    9 Perigo vermelho. O Jornal Batista, p. 6, 3 maio 1964.

  • 38

    Prevaleceu a mxima: o que no bom para os Estados Unidos no bom para o Brasil, num completo alinhamento ideolgico que passava pelossermes e plpitos dos missionrios norte-americanos batistas. O missionriobatista Burley Cader, que missionava na Bahia no perodo, era incisivo nosseus sermes: Deus usou os militares como instrumentos para salvar o Brasildo comunismo, dizia em seu portugus arrevesado com forte sotaque ameri-cano-sulista.

    Em 1964, o Jornal Batista saiu em defesa do golpe de 31 de maro elamentou o fato de muitos jovens terem sido enganados. At em nossas igrejasse produziu a infiltrao. Existia a louca ideia de que era possvel embarcar-seno mesmo barco dos comunistas para construir os mesmos ideais10. Esse tre-cho era parte do editorial do jornal, escrito pelo Pastor Jos Reis Pereira, publi-cado em negrito, certamente para chamar a ateno dos leitores e admoest-lospara no cair no engodo dos vermelhos; ao mesmo tempo, era uma demons-trao de apoio explcito ao governo militar, instalado pela fora das armas.Nesse momento, os princpios democrticos batistas foram completamenteesquecidos.

    No podemos olvidar que o programa Aliana para o Progresso, lanadopelo Governo Kennedy, em 1961, e que cobriu toda a Amrica Latina, atin-giu, tambm, as comunidades batistas do Brasil, as quais recebiam roupas ealimentos dos benemritos irmos norte-americanos. Esse programa de ajuda,na verdade, era uma face da guerra fria, uma tentativa de manter a lideranados EUA no continente, contra as possibilidades de propagao da RevoluoCubana.

    Entre os evanglicos baianos, os alimentos para a paz tiveram uma gran-de aceitao, especialmente nas comunidades de maioria de baixa renda. Emjulho de 1962, a Primeira Igreja Batista de Feira de Santana votou unanime-mente entrar na campanha de distribuio de alimentos para a paz11, angari-ados por intermdio da Conveno Batista Brasileira. importante salientarque os membros da comunidade percebiam a importncia da assistncia soci-al, a ponto de criar uma comisso especfica para esse trabalho, que se consti-tua das pessoas mais destacadas na hierarquia do grupo. Os irmos norte-americanos eram reconhecidos e vistos como bnos divinas, modelos para osbrasileiros.

    10 O Jornal Batista, p. 3, 12 abr. 1964.

    11 Livro de Atas da Primeira Igreja Batista de Feira de Santana.

  • 39

    Da simpatia colaborao poltica

    O esprito proselitista to caracterstico da Denominao Batista, dianteda crise que o Brasil vivia s vsperas do golpe civil-militar de 1964 foi o motorde uma grande campanha de evangelizao nacional, a qual pretendia ser asoluo para os graves problemas do Pas. Em janeiro de 1964, em reunies naConveno Batista Brasileira, no Rio de Janeiro a liderana denominacionalassim se expressou:

    Considerando a gravidade do atual momento brasileiro,que est a exigir uma participao mais efetiva dos batis-tas, eis que eles tm uma mensagem decisiva para a atualconjuntura; considerando que tal participao se faz ur-gente, tamanha a vertiginosidade com que os aconteci-mentos se sucedem fazendo prever profundas mudanasno pas, considerando que misso precpua dos crentesevangelizar, para o que contam com o apoio irrestrito deCristo; Propomos que a CBB lance, nos primrdios de1965, uma Campanha Nacional de Evangelizao [...]12

    A proposta da realizao da campanha evangelstica foi aceita pelos con-vencionais, organizada e propagada ao longo do ano de 1964, como uma revo-luo espiritual que iria ao encontro do povo brasileiro. Os rgos informati-vos da Denominao foram eficazes veculos da propaganda evangelstica, umaverdadeira panacia para a enfermidade do pas, garantia o Presidente da Con-veno Batista Brasileira, Pastor Rubens Lopes:

    Vai acontecer no Brasil em 1965, outra revoluo. Outra,mas esta branca, pacfica, sem sangue. Ser uma revolu-o espiritual, de dimenses nunca vistas na Histria des-te pas. Ser uma revoluo em profundidade. Ser umarevoluo de conscincias. Ser uma revoluo feita no apartir da plvora, seno a poder do fermento.13

    No discurso pastoral, a plvora era uma representao das foras milita-res a servio dos governantes, e o poder do fermento referia-se ao poder e eficcia da Palavra de Deus, era uma representao bblica que indicava o

    12 Atas e Relatrios da Conveno Batista Brasileira, janeiro de 1964, p. 166.

    13 No desminta nosso presidente. O Jornal Batista, 20 set. 1964.

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    poder do Evangelho para solucionar os problemas polticos. Uma clara refe-rncia parbola de Jesus: O reino dos cus semelhante ao fermento queuma mulher tomou e escondeu em trs medidas de farinha, at ficar tudolevedado14.

    O mote da campanha, Cristo a nica Esperana, claramente se reporta-va ao contexto sociopoltico do Brasil. O hino oficial, divulgado em todas asvias de comunicao da Denominao Batista, era uma conclamao aos fiispara as lides proselitistas, ao mesmo tempo uma profisso de f no poderregenerador do Evangelho e as bnos que o mesmo traria para o Pas. Eisalgumas estrofes, cantadas em vibrante ritmo de marcha:

    Do Amap ao Rio GrandeDo Recife ao CuiabGrita a angstia que se expandeA verdade onde estar?

    Cristo a nica esperanaNeste mundo to hostilPara a santa lideranaO Evangelho no Brasil!

    [..] Cada qual se torne um crentePara beno do pas.15

    A campanha nacional de evangelizao foi uma das respostas dos batistas conjuntura nacional durante o golpe de 1964. A outra atitude, complemen-tar s splicas e campanhas proselitistas, foi uma densa articulao com osgovernos militares. A pseudo omisso poltica dos irmos desvelou-se publica-mente: no s legitimavam o regime militar, mas passaram a colaborar com asinstncias governamentais e a pleitear, num jogo de intensas barganhas, cargose postos polticos em nvel federal, estadual e municipal.

    Este posicionamento da Denominao Batista tambm ocorreu entre ospresbiterianos (Cf. ARAJO, 1985). Leonildo Campos estudou as relaesdos presbiterianos independentes com os governos militares, destacou a cola-borao de vrios pastores como agentes da Polcia Federal e de outros rgosrepressores, bem como o servio de delao prestado por vrios irmos s auto-

    14 Bblia Sagrada, Mateus 13 v. 33.

    15 Conveno Batista Brasileira. 57a Assemblia. 1975, p. 13.

    coro

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    ridades militares, acusando seus prprios irmos de subversivos (CAMPOS,2002, p. 122).

    Conforme as fontes, a cooperao dos protestantes com os governos mi-litares se concretizou em vrios estados da federao. Neste artigo, destacamoso Estado da Bahia, pela sua representatividade numrica e simblica no interi-or da Denominao Batista Brasileira e da Igreja Presbiteriana, haja vista o seupapel de celeiro de grandes lideranas.

    A Conveno Batista Baiana, no perodo estudado, congregava dezenasde comunidades, dentre elas, a Igreja Batista Sio, fundada em 1936 e dirigidanaquele momento pelo pastor e militar da reserva, Reverendo Valdvio de Oli-veira Coelho. Tratava-se de um grupo de classe mdia ascendente, formadopor vrias categorias, dentre elas, profissionais liberais, mdicos, estudantesuniversitrios e militares em busca de visibilidade e participao na sociedadecircundante. Sio era considerada a comunidade batista baiana mais prestigiadano perodo. Esse status advinha da sua composio social e das relaes polti-cas desenvolvidas pela sua liderana, a qual contava com irmos militares e acarismtica presena da Dra. Alzira Coelho Brito, irm sangunea do PastorValdvio Coelho e casada com o deputado federal pela Arena Raimundo Brito,descendente de tradicional famlia baiana.

    O advogado e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA),Raimundo Brito, era um poltico profissional, que comeou carreira parla-mentar em 1934, na Assembleia Legislativa da Bahia, vinculado a UDN e aointerventor da Bahia, Juracy, Magalhes. Reeleito em vrias legislaturas, Brito,na ocasio do golpe civil militar, pertencia ao Partido Republicano, mas logode imediato perfilou-se na ARENA. Com uma folha de servios prestados aosevanglicos, aps a instalao do governo militar em 1964, transformou-se nogrande articulador e mediador entre os batistas e as autoridades militares quegovernavam o Pas. Em 1967, foi considerado pelo jornal O Estado de SoPaulo o melhor deputado da Cmara Federal. (BRITO, 1989, p. 96)

    Em 1967, na vigncia da Ditadura Militar, o Pastor Ebenzer Cavalcanti,lder batista, que pastoreava a Igreja Batista 2 de Julho, em Salvador, definiu aatuao de Raimundo Brito em defesa dos evanglicos, nos seguintes ter-mos:

    quela poca era ele uma espcie de porta-voz dos evan-glicos nas relaes pblicas. Desde ento no mudou,antes se intensificou e ampliou essa espcie sui generis demandato implcito. Sempre advogou gratuitamente, in-

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    teresses das igrejas e entidades evanglicas. Sua eleio setem devido, em larga medida, ao eleitorado evanglico, aque serve. (BRITO, 1989, p. 96)

    A barganha e o clientelismo poltico, que trocava votos por serviosassistencialistas, foram a tnica da intermediao que o Dr. Raimundo Britodesenvolveu entre os batistas e os militares. O Hospital Evanglico da Bahia,empreendimento capitaneado pelos batistas, especialmente pelo Pastor ValdvioCoelho e Dra Alzira Coelho Brito, foi a concretude da poltica do dandoque se recebe e do alinhamento da Denominao Batista ao regime militar.Segundo o Pastor Ebenzer Cavalcanti, referindo-se ao Deputado Federal Brito(1989, p. 96): Sua vida ficar marcada na Histria pela fundao e funciona-mento do Hospital Evanglico da Bahia, a que tem dado o melhor dos seusesforos.

    Em 1966, numa demonstrao de prestgio e colaborao, o MarechalHumberto de Alencar Castelo Branco, ento presidente do Pas, doou umvasto terreno ao Hospital Evanglico da Bahia e, pessoalmente, lanou a pedrafundamental do referido hospital, no bairro de Ondina, em Salvador. Fontesiconogrficas e impressas registraram o evento e a presena do marechal-presi-dente, recebido e ciceroneado entre os batistas pelo Pastor Valdvio Coelho, osdiconos Raimundo e Jos Coelho, Dra Alzira C. Brito e o Deputado FederalRaimundo Brito (1989, p. 97)16. Ainda nesse mesmo ano, o referido hospitalfoi considerado de utilidade pblica, tendo na sua diretoria, como patrono, oamigo dos evanglicos Dr. Raimundo Brito.

    Em 1971, o ento Deputado Federal Antonio Carlos Magalhes foi in-dicado pelos militares para o Governo da Bahia. ACM, como viria a ser deno-minado no ambiente poltico, coordenou e consolidou sua liderana nas basespolticas da capital e do interior baiano. Ampliando seu raio de ao no es-queceu dos evanglicos, muito menos dos batistas. No mesmo ano, o Gover-nador Magalhes convidou o deputado federal Raimundo Brito para ser Se-cretrio da Justia de seu governo (BRITO, 1989, p. 5, 16).

    Nas memrias escritas por Dra Alzira Brito, esto registradas, as princi-pais realizaes do Secretrio Brito, destacando-se a construo de fruns nointerior da Bahia. Em meio ao autoritarismo dos militares e truculncia deAntnio Carlos Magalhes (ACM), dir-se-ia que o secretrio da justia noteria muitas possibilidades de atuao, mesmo se o quisesse. Ao que parece, a

    16 Documentos avulsos da Coordenadoria Ecumnica de Servio (CESE).

  • 43

    aplicao da justia nesse perodo ficou circunscrita e delimitada aos espaosfsicos, bem distante dos pores e calabouos que a ditadura forjou no estadobaiano e em todo territrio brasileiro.

    As alianas entre o governo militar e os batistas baianos culminaram coma indicao do Dr. Clriston Andrade, advogado bem-sucedido, alto funcio-nrio do Banco do Estado da Bahia e dicono batista conceituado, ao cargo dePrefeito da Cidade de Salvador, para o perodo de 1971 a 1975. O prestgioamealhado por Clriston Andrade nos espaos polticos baianos e brasilienseslevou sua indicao, por ACM, a candidato ao Governo do Estado da Bahia,em 1981. A eleio no se efetivou por causa de eventos patrocinados pelasforas ocultas, divinas ou terrestres: encontrava-se Cleriston Andrade emcampanha eleitoral no interior do estado quando foi vitimado por um desastreareo a menos de um ms das eleies (TAVARES, 2001, p. 491).

    Os batistas baianos jamais haviam chegado to prximos das entranhas dopoder. Clriston Andrade era um atuante dicono da Igreja Batista Sio, posteri-ormente da Igreja Batista da Graa, to envolvido nas lides denominaes que agrande imprensa se reportava ao mesmo como pastor batista. Tanto no JornalBatista, quanto no Jornal Batista Bahiano, foram registrados recorrentes reporta-gens e eventos enaltecendo a atuao do nosso irmo prefeito Dr. ClristonAndrade. Eis um extrato do relatrio do missionrio Burley Cader, o qual erasecretrio executivo da Conveno Batista Baiana no perodo:

    Pela primeira vez na histria da Bahia, onde o pas e otrabalho Batistas nasceram temos um crente como prefei-to. Isto uma grande vitria. Dr. Clriston de (sic)Andrade tem testemunhado do poder do Evangelho peloseu carter cristo, pela sua maneira de viver corretamen-te, e imparcialidade nas suas decises. Cada crente Baianodeve orar por este servo de Deus. (BURLEY, 1970)

    A maneira de viver, o carter cristo, nas palavras do missionrio,eram requisitos para a realizao da vocao poltica por parte do Dr. ClristonAndrade, desconsiderando as alianas e relaes polticas, de carter essencial-mente clientelista, e as disputas poltico-partidrias, em um momento de mai-or endurecimento do regime militar no Brasil.

    A indicao do Dicono Batista Clriston Andrade para administrar acidade de Salvador, sede do Arcebispado Primaz da Igreja Catlica Brasileira,constitua, para os irmos batistas, uma grande conquista, de extrema relevn-

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    cia para um grupo religioso que buscava visibilidade. s vsperas do seu cente-nrio, considerada a Denominao Evanglica que mais crescia no perodo,portanto, um denso eleitorado majoritariamente conservador configurava-separa os militares como um forte aliado. Aliados preferenciais, especialmentequando parte do clero catlico baiano estava alinhado Teologia da Libertaoe fazendo coro contra os desmandos da ditadura militar.

    Em 1964, os batistas se autoreconheciam como uma fora pondervel,que ainda no foi suficientemente explorada,17 conforme o Pastor RubensLopes, na ocasio, presidente da Conveno Batista Brasileira. Uma dcadaaps, em pleno governo militar, as fontes denominacionais revelam que talpotencial, certamente numrico e qualitativo comeava a ter visibilidade, in-clusive entre as autoridades governamentais. Conforme o texto/relatrio daConveno Batista Brasileira, realizada em 1975:

    No Brasil, nesta dcada o nome Batista se tornou sinni-mo de evangelista e o povo batista ganhou reconhecimentoe admirao do povo e governo do pas. O impacto foialm das fronteiras e hoje os batistas brasileiros se assen-tam ao lado dos vip batistas do mundo, nos movimen-tos mundiais de evangelizao.18

    Entre a submisso e a resistncia

    As lideranas evanglicas estavam satisfeitas com os conchavos e alianascom o governo militar, bem como gratas a Deus pela beno do reconheci-mento das autoridades, seguindo assim o seu tradicional princpio de obedin-cia e submisso aos investidos de poder, mesmo que fosse pela fora das armase do arbtrio. No entanto, tal posio no foi unnime entre os irmos protes-tantes. Um segmento minoritrio fez severas crticas ditadura militar, o quelevaria alguns jovens a sofrerem represlias e prises.

    Tal qual ocorreu em outras denominaes evanglicas, os pastores batis-tas no viam com bons olhos a politizao da Juventude Batista Baiana, comuma razovel presena de estudantes secundaristas e universitrias, partcipes ecoadjuvantes no movimento estudantil organizado, o qual reagiu ditaduramilitar e tomou as ruas da capital baiana e das principais cidades do interior,

    17 Atas e Relatrios da Conveno Batista Brasileira, 1964. p. 166.

    18 Atas e Relatrios da Conveno Batista Brasileira, 1975. p. 173.

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    em protesto contra os militares, o acordo Ministrio da Educao - UnitedStates Agency for International Development (MEC-USAID) e o imperialis-mo norte-americano.

    Agostinho Muniz, estudante de jornalismo, lder da Juventude BatistaBaiana e membro da Igreja Batista 2 de Julho, se reportou ao alinhamento doseu Pastor Ebenzer Cavalcanti aos governos militares e como os opositores doregime foram perseguidos dentro da prpria comunidade religiosa e excludospor serem oposio:

    1966 um ano emblemtico da liderana protestante ede juventude, porque a passam a correr as eliminaesdesse pessoal que no rezava pela cartilha da lideranaoficial da Igreja e dos pastores, Ebenzer mesmo, foi oprimeiro a comandar uma grande excluso desses jovens[que] eram poucos, no eram muitos [...].19

    O alinhamento dos protestantes ditadura militar tambm se configu-rou no ignominioso papel da delao dos prprios irmos, ditos cor-de-rosa,aos rgos da represso. A cor rosa certamente era uma aluso ideia de que osjovens opositores da ditadura eram comunistas disfarados, ou vermelhosatenuados que se passavam por evanglicos para propagar as ideias subversivasno meio eclesistico. Eis o relato do ex-presidente da Juventude Batista Baiana:

    Em 1966 isso ficou muito claro uma [...] umengendramento, uma coisa articulada entre a repressoda Ditadura dentro das igrejas e a liderana, os lderes daigreja comearam a reagir contra aquele pessoal, que den-tro da prpria igreja era chamado de muito cor de rosa,alguns chamados de comunistas como foi o meu caso,que denunciado ao servio de represso ao comunismo,fui denunciado como sendo atuante comunista, comotendo ligaes com o Partido Comunista fora da Igreja eque eu atuava na igreja como um brao do Partido [...] eununca fui comunista, nunca pertenci ao Partido, nuncame atraiu o materialismo histrico.20

    19 Entrevista autora em 02 de maro de 2007.

    20 Idem.

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    A represso eclesistica no apenas se deu atravs da delao, nem sem-pre confirmada de cooperao com os comunistas. Tambm ocorria como umaespcie de autopunio ou desencargo de conscincia frente aos rigores doutri-nrios e das prticas conservadoras dos batistas. Outros jovens protestantesaderiram ao PC, a exemplo de Norberto Bispo Santos Filho, membro da IgrejaBatista Dois de Julho, em Salv