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43 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA Enrique Indalécio Pachón Mateos José Carlos Pachón Mateos Taquicardias Supraventriculares 3 INTRODUÇÃO Considerações Iniciais Consideram-se supraventriculares as taquicardias cuja manutenção depende do território supraventricular (estruturas compreendidas acima do feixe de His). Na ausência de feixes anômalos, estas taquicardias ati- vam os ventrículos pelo sistema de condução, originando um QRS igual ao sinusal (normalmente estreito), exceto nos casos em que haja bloqueio de ramo preexistente ou aberrância de condução, condições nas quais apresentam o QRS largo. A análise detalhada do ECG é muito útil para es- clarecer o mecanismo da arritmia. O tratamento e o prognóstico destas arritmias apresentam grandes diferenças, de acordo com o mecanismo de origem e o mecanismo de manutenção. É fundamental uma análise deta- lhada do eletrocardiograma, na qual devem-se obter basicamente as seguin- tes informações: 1. Identificar a atividade atrial; 2. A relação entre o número de ondas P e de complexos QRS; 3. Os intervalos RP e PR; 4. Sempre que possível, deve-se analisar a morfologia da onda P nas 12 derivações. Eventualmente, a massagem do seio carotídeo ou a adenosina endovenosa podem ser úteis para mudar a relação P/QRS (indução de BAV transitório) e momentaneamente melhorar a vi- sualização da onda P, além de muitas vezes reverter a taquicardia.

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    Enrique Indalcio Pachn MateosJos Carlos Pachn Mateos

    Taquicardias Supraventriculares 3

    INTRODUO

    Consideraes Iniciais

    Consideram-se supraventriculares as taquicardias cuja manutenodepende do territrio supraventricular (estruturas compreendidas acimado feixe de His). Na ausncia de feixes anmalos, estas taquicardias ati-vam os ventrculos pelo sistema de conduo, originando um QRS igualao sinusal (normalmente estreito), exceto nos casos em que haja bloqueiode ramo preexistente ou aberrncia de conduo, condies nas quaisapresentam o QRS largo. A anlise detalhada do ECG muito til para es-clarecer o mecanismo da arritmia. O tratamento e o prognstico destasarritmias apresentam grandes diferenas, de acordo com o mecanismo deorigem e o mecanismo de manuteno. fundamental uma anlise deta-lhada do eletrocardiograma, na qual devem-se obter basicamente as seguin-tes informaes:

    1. Identificar a atividade atrial;2. A relao entre o nmero de ondas P e de complexos QRS;3. Os intervalos RP e PR;4. Sempre que possvel, deve-se analisar a morfologia da onda P nas

    12 derivaes. Eventualmente, a massagem do seio carotdeo ou aadenosina endovenosa podem ser teis para mudar a relao P/QRS(induo de BAV transitrio) e momentaneamente melhorar a vi-sualizao da onda P, alm de muitas vezes reverter a taquicardia.

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    Definio de Termos

    Taquicardia: Ritmo cardaco com freqncia maior que 100bpm, emrepouso.

    Supraventricular: Territrio compreendido acima do feixe de His.Taquicardia supraventricular: Taquicardia cuja manuteno depende

    do territrio supraventricular.R-P e PR: Nas taquicardias com relao R/P 1:1, estes intervalos de tem-

    po so medidos em milissegundos (ms), respectivamente do incio daonda R at o incio da onda P, e do incio da onda P at o incio da onda Rsubseqente.

    Derivao esofgica: Derivao eletrocardiogrfica uni ou bipolar ob-tida com o plo explorador ligado a um eletrodo colocado no interior doesfago, geralmente na altura do trio esquerdo.

    Cete: Sigla de Cardioestimulao Transesofgica mtodo de es-tudo eletrofisiolgico simplificado feito atravs do esfago, muito til naavaliao das taquicardias supraventriculares. Termo criado pelo autor.

    Alternncia eltrica: Alternncia de amplitude do QRS numa taquicar-dia por reentrada AV, muito encontrada quando existe participao de umfeixe anmalo.

    Feixe anmalo: Conexo muscular anormal entre trio e ventrculofora do sistema de conduo.

    Taquicardia paroxstica: Taquicardia de incio e trmino sbitos.Taquicardia incessante: Taquicardia persistente que no responde s ma-

    nobras de reverso ou que retorna espontaneamente logo aps a reverso.

    Tipos de Taquicardias Supraventriculares

    Do ponto de vista prtico, estas taquicardias podem ser divididas emtaquicardias juncionais e taquicardias atriais. Nas primeiras, existe a par-ticipao direta do n AV ou de feixes anmalos localizados ao nvel dajuno AV. Geralmente apresentam o intervalo PR menor que o RP (Tabela3.2). Contrariamente, as taquicardias atriais no dependem da participa-o direta do n AV ou de feixes anmalos, sendo restritas s paredesatriais. A permeabilidade do n AV, entretanto, vai determinar a freqn-cia e a regularidade ventricular resultante. Nem sempre, porm comu-mente, nas taquicardias sinusal e atrial o intervalo RP maior que o PR.Os diversos tipos destas taquicardias esto resumidos na Tabela 3.1.

    TAQUICARDIA POR REENTRADA NODAL

    Esta a forma mais comum de taquicardia paroxstica supraventricu-lar, ocorrendo em aproximadamente 60% dos casos de taquicardias regu-

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    lares. Nestes pacientes existem pelo menos duas vias de conduo atrio-ventricular, uma lenta e uma rpida, ao nvel do n AV (dupla via nodal,Fig. 3.1). A primeira, conhecida como via alfa, tem conduo lenta e pe-rodo refratrio curto. A segunda, conhecida como via beta, apresenta con-duo rpida e perodo refratrio longo. O ritmo sinusal avana pelas

    *Quando a relao AV 1:1. Quando existe comprometimento do n AV, as taquicardiassinusal, atrial e juncional podem mostrar relao AV >1. Normalmente, no flutter a relaoAV 2:1 e na FA sempre maior que 1.

    Tabela 3.1Tipos de Taquicardias Supraventriculares

    Tabela 3.2Relao AV, Principais Caractersticas dos Intervalos RP e PR e Principais

    Mecanismos Mantenedores nas Taquicardias Supraventriculares

    Taquicardia Relao AV Intervalos RP e PR Mecanismo Maisse AV 1:1 Freqente

    Reentrada n.odal 1:1, raramente 2:1 RP 1:1 f/V sempre > 1:1 Mltiplas

    reentradas atriais

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    duas vias; no entanto, a ativao do feixe de His ocorre tipicamente pelavia beta em conseqncia de sua conduo rpida, caracterstica que, even-tualmente, pode gerar PR curto, originando casos da sndrome de Lown-Ganong-Levine (ver Cap. 2). A forma comum de taquicardia por reentra-da nodal ocorre devido descida do estmulo pela via lenta e o retornopela via rpida. A rotao no sentido inverso responsvel pela formaincomum, que muito rara.

    Mecanismo de Incio da Taquicardia por Reentrada Nodal

    A forma mais freqente de incio de uma taquicardia por reentradanodal uma extra-sstole supraventricular (Fig. 3.2). Dependendo da pre-cocidade, a extra-sstole bloqueada na via de maior perodo refratrio via rpida ou beta e conduzida pela via de refratariedade menor via lenta ou alfa. A conduo pela via lenta permite que o estmulo retorneaos trios atravs de conduo retrgrada pela via rpida. Uma vez nos tri-os, o estmulo pode retornar aos ventrculos novamente pela via lenta, ini-ciando e sustentando a taquicardia. Eventualmente, extra-sstolesjuncionais, extra-sstoles ventriculares ou mesmo uma variao brusca defreqncia sinusal tambm podem induzir a taquicardia. Entretanto, pelofato de as vias lenta e rpida estarem afastadas nas paredes atriais e uni-

    Fig. 3.1 Esquema do circuito de reentrada da taquicardia por reentrada nodal. A maiorparte do trio direito e o ventrculo direito no participam da taquicardia. direita estrepresentada a regio do n atrioventricular, em detalhe. 1: n atrioventricular; 2: ramo

    esquerdo do feixe de His; 3: ramo direito do feixe de His; 4: vlvula septal da valvatricspide; 5: ventrculo direito; 6: assoalho do trio direito; A: via lenta; B: via rpida. Na

    reentrada nodal tipo comum, a reentrada ocorre de B para A, e no tipo incomum, se fazno sentido inverso (de A para B).

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    das ao nvel do feixe de His, geralmente muito mais difcil a induo porextra-sstoles ventriculares.

    O Eletrocardiograma na Reentrada Nodal

    Em ritmo sinusal, o ECG normal. Pode, entretanto, apresentar umatendncia a PR curto (devido conduo rpida pela via beta). Durantea taquicardia, o ECG na reentrada nodal do tipo comum bastante tpi-co e geralmente permite o diagnstico correto. Na maioria absoluta doscasos, a taquicardia se apresenta regular com QRS estreito (na ausncia deaberrncia de conduo ou bloqueio de ramo) estando a onda P e o QRScoincidentes ou muito prximos. No tem uma freqncia tpica, poden-do apresentar entre 130 a 250bpm (comumente 170bpm). Eventualmen-te, no incio da taquicardia, podem ocorrer bloqueios de ramo funcionais(aberrncia de conduo) ou at bloqueio 2:1 no feixe de His, sem inter-rupo da arritmia, denotando que a mesma no depende do territrioventricular (Fig. 3.4). Raramente apresenta alternncia eltrica do QRS.

    Morfologia da onda P. Como o trio e o ventrculo so ativados qua-se ao mesmo tempo a partir do n AV, a onda P durante a taquicardia (P),cai dentro ou no final do QRS, sendo raramente visvel. Normalmente, ofinal da onda P aparece como uma pequena onda r no QRS de V1 (si-mulando um bloqueio incompleto do ramo direito) ou s em D2, (Fig.3.3). Quando visvel, a onda P surge aps o QRS, negativa nas derivaesdo plano inferior. Normalmente, o intervalo R-P menor que 70 ms, naausncia de antiarrtmicos. Diante de uma taquicardia supraventricularcom QRS estreito, na qual no se consegue ver a onda P, deve-se conside-rar a reentrada nodal como primeira opo no diagnstico diferencial.

    Fig. 3.2 Traado de Holter mostrando o incio de uma taquicardia supraventriculardeflagrada por uma extra-sstole supraventricular (marcada com a seta). O estudo

    eletrofisiolgico realizado posteriormente confirmou o diagnstico de reentrada nodal.

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    A forma incomum da reentrada nodal muito rara. O ECG bastantetpico. A onda P e o QRS esto separados, com relao 1:1, sendo o inter-valo R-P > P-R. A morfologia da onda P bastante caracterstica, forte-mente negativa nas derivaes D2, D3, aVF, V5 e V6.

    Implicaes Clnicas

    Na ausncia de cardiopatia subjacente, a reentrada nodal uma taqui-cardia benigna; no obstante, pode comprometer seriamente a qualidadede vida do paciente. Freqentemente as crises comeam na idade escolar,porm podem surgir em qualquer fase da vida. So mais freqentes, en-tretanto, na adolescncia e no adulto jovem. Pelo fato de ser originada emsubstrato de origem congnita, normalmente no desaparece espontanea-mente. Pode, entretanto, apresentar longos perodos de acalmia. Freqen-temente os pacientes aprendem a revert-las com manobras vagais. Entre-tanto, no raramente, a taquicardia se torna refratria a este tipo de rever-so com o passar do tempo. As crises podem ser quase assintomticas eautolimitadas em alguns casos, porm em outros provocam palpitaes,tonturas, mal-estar, dor precordial, sncopes e at descompensao ventri-cular esquerda. Muitas vezes somente revertem sob tratamento em unida-des de emergncia (Fig. 3.6).

    Diagnstico

    O diagnstico desta arritmia altamente apoiado pela clnica. Crisesde palpitaes regulares, freqentemente sustentadas em paciente semcardiopatia aparente, o dado mais tpico. O diagnstico geralmente f-

    Fig. 3.3 Eletrocardiograma da reverso de uma taquicardia por reentrada nodal para ritmosinusal. As setas da esquerda mostram ondas r em V1 originadas pela onda P

    (pseudo-r) que desaparecem logo aps a reverso da taquicardia.

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    cil quando o paciente tem um ECG da arritmia. Quando isto no poss-vel pode se registrar um episdio espontneo num exame de Holter ou atra-vs de Loop-Recorder; entretanto, como as crises no so previsveis, estaopo pouco prtica. Neste caso, para registrar e identificar a taquicar-dia, o exame que apresenta a melhor relao custo-benefcio acardioestimulao transesofgica (Fig. 3.5), apresentando sensibilidade eespecificidade de 82,6% e 100% respectivamente.

    A avaliao mais completa desta arritmia obtida pelo estudo eletrofi-siolgico invasivo. Entretanto, nesta patologia, esta abordagem deve serreservada para o momento de se realizar o tratamento definitivo com aablao por RF.

    Tratamento da Taquicardia por Reentrada Nodal

    Tratamento da crise. A reentrada nodal uma das taquicardias que maisresponde massagem dos seios carotdeos. O paciente deve estar calmo

    Fig. 3.4 Traados simultneos mostrando AE (atividade eltrica do trio esquerdo) ederivaes D2 e V1 de superfcie. Estimulao eltrica do atrio (setas cinza) seguida da

    liberao de um extra-estmulo (seta preta). O extra-estmulo conduzido lentamente aosventrculos (usando uma via lenta) e inicia uma taquicardia por reentrada nodal. A taquicardia

    sofre discreta acelerao, ocorrendo inicialmente BRD (R preto) e em seguida bloqueio 2:1no His-Purkinje. Observa-se que a atividade atrial (A) ocorre simultaneamente atividade

    ventricular (R) at que surge o bloqueio, quando a relao AV passa a ser 2:1 e a freqnciada taquicardia se reduz pela metade.

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    e em decbito dorsal. Caso no haja resposta, as alternativas farmacol-gicas mais utilizadas so a adenosina (6mg) (Fig. 3.6) ou o verapamil(10mg) endovenosos (ver Cap. 12). A cardioestimulao transesofgica altamente eficaz na reverso das crises. A cardioverso torcica externa raramente utilizada, sendo reservada a casos incomuns com severo com-prometimento hemodinmico.

    Tratamento de manuteno. Nos casos de corao normal, com epis-dios muito raros e bem tolerados, o paciente poder ser mantido sem me-dicao, sendo orientado a realizar manobras vagais ou procurar um ser-vio de emergncia na vigncia de uma crise. Quando freqentes, astaquicardias devem ser prevenidas com o uso regular de antiarrtmicos.Pelo fato de ser arritmia dependente do n AV, quase todos os antiarrtmi-cos, com exceo do grupo I-B (mexiletine, difenilidantona e lidocana),podem proporcionar um bom controle. A preferncia inicial para os gru-pos II (betabloqueadores) e IV (bloqueadores de clcio). A quinidina, adisopiramida, o sotalol, a propafenona e a flecainamida tambm podemser utilizados e geralmente apresentam bons resultados. A amiodaronafreqentemente obtm excelente controle, porm, devido alta incidn-cia de efeitos colaterais e necessidade de uso ininterrupto e prolonga-do, no uma boa soluo.

    Tratamento definitivo. realizado atravs da ablao por radiofre-qncia termocontrolada por sistema computadorizado (ver Cap. 13). De-pendendo da experincia do servio, obtm-se cerca de 100% de sucessona primeira tentativa, sem risco de bloqueio AV. A eliminao da via len-ta a abordagem mais eficaz e segura. A ablao AV completa associadaao implante de marca-passo no mais indicada. Devido ao alto sucesso

    Fig. 3.5 Traado de Cete (cardioestimulao transesofgica) em paciente com queixasde taquicardias e sem registro prvio. Observar as grandes espculas de estimulao (*)

    seguidas da liberao de um extra-estmulo (**). Este extra-estmulo conduzidolentamente aos ventrculos (seta) atravs de uma via de conduo lenta, originando uma

    taquicardia por reentrada nodal sustentada, imediatamente reconhecida pelo paciente(correlao clnico-eletrocardiogrfica).

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    da ablao por RF e ao baixo ndice de complicaes, a cirurgia a cu aber-to ou o marca-passo antitaquicardia tambm no so mais indicados.

    TAQUICARDIA POR REENTRADA ATRIOVENTRICULAR

    Este o segundo tipo mais freqente de taquicardia supraventricularparoxstica em pacientes com corao aparentemente normal. Sem con-siderar o flutter e a fibrilao atrial, sua incidncia chega a 30%.O subs-trato essencial desta taquicardia o feixe anmalo. Trata-se de uma co-nexo muscular anormal entre trio e ventrculo, fora do sistema de con-duo. Estes feixes existem no corao fetal, porm so naturalmente eli-minados na sua maioria antes do nascimento (ver Cap. 2). Podem apre-sentar conduo bidirecional ou unidirecional AV ou VA. Na presena deconduo antergrada, geralmente visvel uma onda delta em ritmosinusal (pr-excitao ventricular). As taquicardias por reentrada media-das por estes feixes so caracterizadas por macro-reentrada ortodrmica, naqual o estmulo desce pelo sistema de conduo normal (QRS estreito) esobe pelo feixe anmalo, ou por macro-reentrada antidrmica, na qual oestmulo circula em sentido inverso, descendo pelo feixe anmalo (QRSlargo) e subindo pelo n AV. Neste captulo, sero abordados somente osque apresentam conduo unicamente ventriculoatrial, tambm chama-dos de feixes ocultos, pois no mostram nenhuma manifestao em rit-mo sinusal. Existem dois tipos conforme, a velocidade de conduo: fei-xes rpidos e feixes lentos. Os primeiros so muito mais freqentes naproporo aproximada de 6:1. Nestes pacientes, a conduo antergrada(AV) se faz somente pelas vias normais, e a retrgrada (VA), pelo feixe an-malo (pode existir tambm conduo retrgrada por vias normais). Ataquicardia ocorre porque o estmulo ativa os ventrculos pelas vias nor-mais e volta aos trios pelo feixe anmalo. Caracteriza-se dessa forma uma

    Fig. 3.6 Traado obtido de monitor em pronto-socorro. Observa-se taquicardia porreentrada nodal esquerda do ECG. Aps a infuso de adenosina, ocorre a reverso da

    taquicardia, seguida de uma pausa (P) e em seguida ritmo sinusal. A alterao da linha debase se deve movimentao do paciente devido ao desconforto gerado pela ao da

    adenosina.

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    macro-reentrada que envolve, em seqncia, os trios, o sistema normalde conduo, os ventrculos, o feixe anmalo e, novamente, os trios.

    Taquicardia por Reentrada Atrioventricular por FeixeRpido

    Este o segundo tipo mais freqente de taquicardia supraventricularem portadores de corao aparentemente normal. Ocorre aproximada-mente em 30% dos casos. Tipicamente tm incio sbito, originado poruma extra-sstole ventricular ou supraventricular (Fig. 3.7). Eventualmen-te podem ser iniciadas por um retardo na conduo AV ou por um blo-queio de ramo do mesmo lado do feixe anmalo.

    Alternncia Eltrica do QRS

    Trata-se de uma alternncia de amplitude entre complexos QRS obser-vada pelo menos numa derivao (Fig. 3.8), facilmente vista no ECG. originada por ativao repetitiva e muito rpida do sistema de conduonormal. Como a freqncia da taquicardia por reentrada AV por feixe r-pido comumente maior que a freqncia da reentrada nodal, a alternn-

    Fig. 3.7 Traados mostrando o incio de taquicardias por reentrada atrioventricularutilizando um feixe anmalo rpido. Em ambos os traados, as taquicardias iniciam aps

    uma extra-sstole supraventricular*, mais visvel no traado superior. Neste caso, ataquicardia se mantm com QRS estreito (sem bloqueio de ramo) permitindo a visualizao

    da onda P retrgrada (setas). No traado B, a taquicardia se mantm, porm commorfologia de bloqueio completo de ramo esquerdo. A onda P neste caso de difcil

    visualizao, pois est oculta devido ao QRS alargado.

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    cia eltrica muito tpica desta taquicardia, porm muito rara na reen-trada nodal. Dessa forma, a presena de alternncia eltrica numa taqui-cardia com QRS estreito sugere que a reentrada AV por feixe anmalo r-pido o mecanismo mais provvel.

    O Eletrocardiograma na Reentrada Atrioventricular por FeixeRpido

    Vamos considerar somente os casos com feixes anmalos ocultos, ouseja, que apresentam conduo unicamente no sentido ventriculoatrial.No existindo conduo antergrada pelo feixe, durante o ritmo sinusalo ECG no mostra onda delta, sendo normal na ausncia de outras anor-malidades. A taquicardia tipicamente regular, com QRS estreito (na au-sncia de conduo aberrante ou bloqueios de ramo). A freqncia comu-mente maior do que na reentrada nodal (140 a 280bpm, mdia de183bpm), razo pela qual comum a alternncia eltrica do QRS. A re-lao P/QRS obrigatoriamente 1:1. Caso haja um nico bloqueio AV ouVA, a taquicardia cessa imediatamente. O intervalo R-P, durante a taqui-cardia, reflete a conduo retrgrada pelo feixe, que rpida, ao passo queo intervalo P-R reflete a conduo antergrada pelo sistema de conduo,com retardo natural ao nvel do n AV. Dessa forma, o intervalo R-P me-nor que o P-R, porm, tipicamente maior que 70 ms. Contrariamente reentrada nodal, nesta taquicardia no necessrio retardo AV importan-te para ser iniciada. comumente observada aberrncia de conduo tran-

    Fig. 3.8 Traado obtido durante taquicardia por reentrada atrioventricular onde ocorre ofenmeno de alternncia eltrica mais evidente na derivao V1 (complexos

    QRS maiores [*cinza escuro] alternando com complexos QRS menores [*cinza claro]).Obs.: As duas derivaes so simultneas.

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    sitria no incio do episdio devido ao aumento brusco de freqncia car-daca. Estas caractersticas permitem a diferenciao eletrocardiogrficacom a reentrada nodal.

    Morfologia da onda P da taquicardia. Durante a taquicardia, a onda P,freqentemente visvel no segmento ST, formada por ativao retrgra-da dos trios, que se inicia na insero atrial do feixe anmalo. A anlisede sua polaridade de grande ajuda para sugerir a localizao desta es-trutura. Normalmente negativa em D1 e positiva em V1 nos feixes maisfreqentes, que so os localizados esquerda.

    Implicaes Clnicas

    Apesar de ser encontrada em qualquer idade a taquicardia por reen-trada AV por feixe rpido mais freqente na infncia. Caracteristica-mente, esta arritmia paroxstica, tendo incio e trmino sbitos. Nes-ta taquicardia, o fator limitante da freqncia o retardo fisiolgico don AV. Neste caso, quando o n AV tem conduo rpida, a freqnciada taquicardia pode ser muito alta e causar importante comprometi-mento hemodinmico. A tolerncia clnica depende da freqncia du-rante a taquicardia, das condies miocrdicas e da presena de patolo-gias associadas, tais como valvopatia ou coronariopatia. Os feixes an-malos ocultos podem desaparecer espontaneamente at os seis anos deidade em cerca de 25% dos casos. O surgimento de um bloqueio de ramofuncional ou orgnico do mesmo lado do feixe anmalo favorece o apa-recimento e a manuteno desta taquicardia, que neste caso pode se tor-nar incessante.

    Diagnstico

    As consideraes diagnsticas so muito semelhantes s da reentradanodal. A histria clnica bastante caracterstica. Crises de palpitaesregulares, freqentemente sustentadas em paciente sem cardiopatia apa-rente, o dado mais tpico. importante afastar a sndrome de pr-exci-tao ventricular, confirmando-se a ausncia de onda delta durante o rit-mo sinusal, pois durante a taquicardia com QRS estreito isto no poss-vel. O diagnstico geralmente fcil quando o paciente tem um ECG daarritmia. Caso contrrio, pode se registrar um episdio espontneo numexame de Holter ou atravs de Loop-Recorder. Entretanto, como as crisesno so previsveis e podem ser muito raras,esta opo pouco prtica.Neste caso, para registrar e identificar a taquicardia, o exame que apre-senta a melhor relao custo-benefcio a cardioestimulao transesofgi-ca, apresentando altssimas sensibilidade e especificidade3.

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    A avaliao mais completa desta arritmia obtida pelo estudo eletrofi-siolgico invasivo. A principal vantagem a localizao exata do feixe an-malo oculto. Entretanto, esta abordagem deve ser reservada para o mo-mento de se realizar o tratamento definitivo com a ablao por RF.

    Tratamento da Taquicardia por Reentrada AV por Feixe Rpido

    Tratamento da crise. A reentrada AV por feixe rpido freqentementereponde massagem dos seios carotdeos. O paciente deve estar calmo eem decbito dorsal. Na vigncia de hipotenso arterial significativa e oude estresse emocional, esta manobra pouco eficaz. Caso no haja respos-ta, as alternativas farmacolgicas recomendadas so a adenosina (6mg),a procainamida (10mg/kg) ou a propafenona (1 a 2 mg/kg), (ver Cap. 12).O verapamil EV (10mg) e a cardioestimulao transesofgica tambm soaltamente eficazes na reverso das crises, entretanto, recomendvel afas-tar previamente a presena de pr-excitao ventricular (Fig. 3.9). Acardioverso torcica externa raramente utilizada, sendo reservada acasos incomuns com severo comprometimento hemodinmico.

    Tratamento de manuteno. Assim como na reentrada nodal, nos ca-sos de corao normal, com episdios muito raros e bem tolerados, o pa-ciente poder ser mantido sem medicao, sendo orientado a realizarmanobras vagais ou procurar um servio de emergncia na vigncia deuma crise. Quando freqentes, as taquicardias podem ser prevenidas com

    Fig. 3.9 Reverso de episdio de taquicardia por reentrada AV atravs da Cete. Comapenas dois estmulos (EE) por meio de um eletrodo posicionado no esfago foi possvel

    interferir no circuito de reentrada, interrompendo a taquicardia e restabelecendo o ritmosinusal. Observar que, aps a reverso, o QRS estreito e o PR normal, mostrando que

    no h pr-excitao antergrada, portanto o feixe anmalo oculto. possvel tambmobservar a onda P no ST durante a TPSV, resultando num intervalo RP = 110ms (setas).

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    o uso regular de antiarrtmicos ou podem ser tratadas definitivamente pelaablao por radiofreqncia. A preveno farmacolgica se faz principal-mente pela supresso dos fatores deflagradores (extra-sstoles ou simpa-ticotonia) obtida pelos antiarrtmicos. Todos os antiarrtmicos capazes dereduzir ou eliminar as extra-sstoles ventriculares ou supraventricularesou com efeito betabloqueador podero ser utilizados. O bloqueio retr-grado do feixe anmalo por ao farmacolgica inconstante, depende dealtas doses de medicao, eventualmente txicas, e no pode ser conside-rado objetivo do tratamento medicamentoso. As drogas dos grupos IA(quinidina, procainamida, disopiramida), IB (mexiletine), IC (propafeno-na, flecainamida), II (betabloqueadores) e III (amiodarona e sotalol) tm-se mostrado teis. Assim como na reentrada nodal, a amiodarona freqen-temente obtm excelente controle, porm, devido alta incidncia de efei-tos colaterais e necessidade de uso ininterrupto e prolongado, no umaboa soluo.

    Tratamento definitivo. realizado atravs da ablao por radiofre-qncia termocontrolada por computador (ver Cap. 13). Esta possibilida-de deve sempre ser esclarecida ao paciente. Dependendo da experinciado servio, obtm-se cerca de 100% de sucesso na primeira tentativa. So-mente a ablao do feixe ntero-septal tem risco de bloqueio AV. Todas asoutras localizaes podem ser tratadas praticamente sem risco. Devido aoalto sucesso da ablao por RF e ao baixo ndice de complicaes, a ci-rurgia a cu aberto ou o marca-passo antitaquicardia tambm no so maisindicados.

    Taquicardia por Reentrada AV por Feixe Lento

    Contrariando a maioria, alguns raros feixes anmalos atrioventricula-res ocultos apresentam conduo lenta. Esta caracterstica permite o sur-gimento de um tipo de taquicardia por reentrada AV muito peculiar co-nhecido como taquicardia de Coumel8,9, cujo principal aspecto o seu ca-rter incessante. A presena de duas vias (feixe anmalo e sistema de con-duo normal), de conduo lenta (n AV e feixe anmalo lento) e de blo-queio unidirecional (feixe anmalo oculto, ou seja, apresenta conduounicamente retrgrada) preenche todas as condies necessrias reen-trada. O resultado que esta taquicardia freqentemente comea de for-ma espontnea sem a necessidade de nenhuma extra-sstole.

    O Eletrocardiograma na Reentrada AV por Feixe Lento

    Nesta taquicardia, o estmulo desce pelo sistema de conduo normal originando um QRS estreito e sobe por um feixe anmalo lento, lo-

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    calizado geralmente na regio pstero-septal. Tipicamente, esta taquicar-dia tem freqncia relativamente lenta, porque na descida o estmulo so-fre o retardo do n AV e na subida o retardo do feixe anmalo. Estes doispontos de retardo tambm facilitam o comeo espontneo da taquicardia,sem a necessidade de um batimento ectpico. Desta forma, a arritmiaretorna espontaneamente, aps alguns batimentos sinusais, resultandonuma arritmia incessante (Fig. 3.10). A onda P bem visualizada duran-te a taquicardia e tem morfologia muito tpica. A origem na regio dostio do seio coronrio causa uma onda P muito negativa nas derivaesinferiores (D2, D3, aVF) e com predomnio de negatividade no plano ho-rizontal (V1 a V6). Contrariamente taquicardia por reentrada AV comfeixe rpido, o intervalo RP maior que o PR, pois geralmente o retardopelo feixe anmalo (intervalo RP) maior que pelo n AV (intervalo PR).A aberrncia de conduo no sistema His-Purkinje freqentemente en-contrada no incio das taquicardias por reentrada AV com feixe rpido(Fig. 3.7-B) raramente observada devido freqncia mais baixa des-ta taquicardia.

    Implicaes Clnicas da Taquicardia por Reentrada AV por FeixeLento

    Comumente estes pacientes tm sintomas de palpitaes muito fre-qentes desde a infncia ou adolescncia. A origem congnita do feixeanmalo mantm o substrato da arritmia presente por toda a vida. As cri-

    Fig. 3.10 Traado de Holter mostrando uma taquicardia de Coumel. Neste caso, ataquicardia inicia aps uma extra-sstole supraventricular* e se mantm com baixa

    freqncia devido conduo retrgrada lenta pelo feixe. Observar no traado menor comoa taquicardia reinicia com facilidade e reverte, apresentando carter incessante. A ESV que

    inicia a TPSV conduzida com aberrncia tipo BRD.

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    ses freqentemente so bem toleradas, porm o carter incessante da ta-quicardia provoca sua permanncia durante longos perodos, podendoconduzir ao aparecimento de dilatao e insuficincia cardacas (taquicar-diomiopatia).

    Tratamento da Taquicardia por Reentrada AV por Feixe Lento

    Tratamento da crise. As crises raramente so mal toleradas. Podem sertratadas com verapamil, propafenona, amiodarona ou procainamida en-dovenosas. As manobras vagais ou a adenosina EV podem revert-las. En-tretanto, devido ao carter incessante, a arritmia comumente retorna apsalguns batimentos sinusais.

    Tratamento de manuteno. Por apresentar dois pontos de conduolenta, a maioria dos antiarrtmicos atuam nesta arritmia favorecendo suareverso ou mesmo sua permanncia. De um modo geral, os medicamen-tos que tm mostrado melhor resultado so os bloqueadores de clcio(principalmente o diltiazem), os betabloqueadores, o sotalol e a amioda-rona. Caso haja insuficincia cardaca, intolerncia ou ineficcia medica-mentosa, ou caso seja opo do paciente, o tratamento definitivo deve serindicado sem demora.

    Tratamento definitivo. A ablao por cateter utilizando a radiofreqn-cia termocontrolada por computador o tratamento de eleio. A aplica-o geralmente realizada no nvel da insero atrial do feixe anmalo.A cura obtida praticamente em todos os casos sem complicaes e semleso do sistema de conduo AV normal (Fig. 3.11). Eventualmente, a ra-diofreqncia precisa ser aplicada dentro do seio coronrio. Com o suces-so da ablao por cateter, o marca-passo antitaquicardia e a cirurgia noso mais indicados nesta patologia.

    TAQUICARDIA ATRIAL

    As taquicardias atriais so taquicardias supraventriculares com fre-qncia atrial geralmente de 150 a 200bpm. Caracterizam-se por apresen-tarem onda P precedendo o QRS, com morfologia diferente da onda Psinusal. Como nas demais taquicardias, os mecanismos envolvidos podemser a reentrada (mais freqente), o automatismo ou a atividade deflagrada.

    O Eletrocardiograma na Taquicardia Atrial

    O eletrocardiograma da taquicardia atrial bastante caracterstico,porm exige a observao de alguns detalhes para fazer o diagnstico di-ferencial com as outras taquicardias supraventriculares. importante vi-

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    sualizar a onda P e verificar qual a relao A:V, ou seja, quantas ondas Pexistem para cada QRS. A caracterstica principal a sua morfologia di-ferente da onda P sinusal. Quando a freqncia atrial muito elevada, po-dero ocorrer graus variveis de bloqueio AV, 2:1, 3:1 (Fig. 3.12) ou tipoWenckebach, gerando muitas vezes taquicardias com freqncia ventricu-lar irregular, semelhante fibrilao atrial. Manobras vagais podero acen-tuar estes bloqueios, permitindo uma visualizao mais clara da ativida-de atrial. Quando a relao A:V 1:1, a anlise dos intervalos RP e PR po-der facilitar o diagnstico, sendo comumente o RP > PR, porm esta re-lao poder mudar caso o paciente apresente BAV do 1o grau (Fig. 3.12-A). Ao contrrio do flutter atrial, comum observar-se uma linha isoel-trica entre as ondas P em todas as derivaes. A anlise da polaridade daonda P permite o mapeamento do provvel foco de origem, o que im-portante para determinar o tratamento P positiva ou bifsica em aVLsugere originar-se no trio direito, enquanto que P positiva em V1 sugereoriginar-se no trio esquerdo.

    Implicaes Clnicas da Taquicardia Atrial

    O sintoma da taquicardia atrial quase sempre palpitao. Se a fre-qncia muito elevada, ou se h uma cardiopatia subjacente que com-prometa a funo ventricular, poder ocorrer distrbio hemodinmico eat sncope. A taquicardia atrial comum nas cardiopatias estruturais,como a isqumica, miocardiopatia dilatada, ps-operatrio de cirurgiacardaca, alteraes do potssio srico, intoxicao digitlica, doena pul-monar obstrutiva, etc. Clinicamente, alm da freqncia ventricular ele-vada pode-se visualizar pulso jugular regular em contraste com pulso pe-

    Fig. 3.11 Caso de taquicardia de Coumel durante tratamento definitivo. Aps algunssegundos de aplicao de RF, ocorre reverso sbita para ritmo sinusal no momento em que

    se completa a destruio do feixe anmalo. Aps a reverso, reaparece o ritmo sinusalnormal mostrando ausncia de qualquer leso na conduo AV.

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    rifrico irregular ou mais lento. Quando secundria a intoxicaodigitlica, podero estar presentes arritmias ventriculares de complexida-de varivel.

    Tratamento da Taquicardia Atrial

    O tratamento da taquicardia atrial deve ser iniciado retirando-se aspossveis causas envolvidas, como correo hidroeletroltica, tratamentorespiratrio, remoo de substncias txicas (intoxicao digitlica), tra-tamento de miocardite, etc. Caso se observe comprometimento hemodi-nmico devido a disfuno ventricular ou freqncia muito elevada, estindicada a cardioverso eltrica externa sincronizada, semelhante ao queocorre com as demais taquicardias. O tratamento farmacolgico envolveo uso de drogas dos grupos II, IV, III, IA ou IC nas doses habituais (verCap. 12) tanto para o tratamento inicial como para o de manuteno. Ospacientes atendidos em unidades de pronto atendimento, quando bemcompensados e tolerando a taquicardia, podero ser submetidos tenta-tiva de reverso por estimulao esofgica, a qual auxilia no diagnstico(atravs da derivao esofgica) e permite a reverso em mais da metadedos casos, ou a transforma em outra arritmia, como a fibrilao atrial, demais fcil controle farmacolgico.

    O tratamento definitivo obtido atravs da ablao por radiofreqn-cia. Aps o mapeamento do foco de origem, a aplicao da RF elimina asclulas envolvidas interrompendo definitivamente a taquicardia. Muitas

    Fig. 3.12 Traados mostrando taquicardias atriais com diferentes graus de bloqueio AV.Em A, taquicardia atrial e bloqueio AV de primeiro grau. O intervalo RP torna-se menor queo PR e as ondas P ficam ocultas no final da onda T. Em B, a taquicardia atrial mais rpida

    conduzida aos ventrculos na razo 2:1, e em C, so necessrias trs ondas P para gerarcada QRS, mantendo a freqncia ventricular reduzida. As setas indicam as ondas P

    em cada exemplo.

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    vezes o foco extenso (como os que ocorrem nas miocardites e nas cica-trizes cirrgicas) e a eliminao da arritmia mais difcil, podendo reque-rer mais de uma interveno. Nos casos em que o paciente, apesar do tra-tamento clnico, desenvolve a taquicardiomiopatia (em decorrncia dafreqncia ventricular permanentemente elevada) e no possvel elimi-nar os focos responsveis, poder ser indicada a ablao do n atrioven-tricular, concomitante com o implante de marca-passo cardaco definiti-vo. A anticoagulao pode ser necessria nos casos onde a arritmia persistepor longos perodos.

    TAQUICARDIA SINUSAL

    A taquicardia sinusal uma condio clnica caracterizada por aumen-to da freqncia sinusal, acima dos 100bpm, podendo ultrapassar os200bpm. muito comum na infncia e na adolescncia, podendo ser fi-siolgica em situaes de estresse fsico ou emocional, ou quando ocor-re mesmo em repouso, como na febre, na hipotenso, na tireotoxicose, naanemia, na hipovolemia, na ICC, no infarto, na sndrome do pnico, etc.O diagnstico pode ser difcil quando no se encontram anormalidadesestruturais ou alteraes eletrocardiogrficas. Muitas medicaes podemgerar taquicardia sinusal, como os hormnios tireoideanos, aminas sim-paticomimticas, inibidores do apetite, lcool, cafena, nicotina e atropi-na. O incio da taquicardia pode ser gradual (por hiperautomatismo) ousbito (reentrada sinoatrial). Em pessoas jovens, pode ocorrer tambm asndrome da taquicardia ortosttica postural, caracterizada por taquicardiasinusal persistente em posio ortosttica sem hipotenso.

    O Eletrocardiograma na Taquicardia Sinusal

    O eletrocardiograma mostra uma taquicardia regular, com a onda Pprecedendo cada QRS e com morfologia idntica sinusal. Normalmen-te o intervalo PR mantido, porm, pode ocorrer aumento do PR e a ondaP passa a se ocultar sob a onda T do batimento anterior. Nos pacientes comBAV do primeiro grau, a onda P pode coincidir com o QRS anterior, difi-cultando o diagnstico diferencial com a reentrada nodal ou reentrada AV.Manobras respiratrias e/ou vagais podem alterar transitoriamente a fre-qncia sinusal ou a conduo AV, permitindo o diagnstico correto. Du-rante o episdio, pode ser impossvel fazer o diagnstico diferencial en-tre a taquicardia sinusal e a reentrada sinoatrial. O incio sbito aps umaextra-sstole supraventricular e a manuteno da taquicardia de forma es-tvel com reverso tambm sbita demonstram o mecanismo de reentra-da da taquicardia sinoatrial (Fig. 3.13), enquanto que o incio e trmino

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    gradual com importantes variaes da freqncia durante o episdio e di-ante de manobras vagais caracterizam a taquicardia sinusal automtica.

    Implicaes Clnicas da Taquicardia Sinusal

    Os pacientes geralmente se queixam de palpitaes paroxsticas e/oupersistentes. Quando eventuais, podem ser conduzidas clinicamente, po-rm quando muito freqentes ou permanentes, podem levar taquicardio-miopatia. Episdios mais prolongados geralmente necessitam de interven-o em unidades de emergncia, onde os pacientes so submetidos a in-fuso endovenosa de antiarrtmicos para tratamento da taquicardia sinusalou reverso atravs de estimulao esofgica ou at cardioverso externasincronizada, no caso da taquicardia sinoatrial. tambm causa de tera-pias inapropriadas em portadores de desfibriladores implantveis, cujaprogramao dever ser adaptada a estes pacientes.

    Tratamento da Taquicardia Sinusal

    No caso da taquicardia sinusal automtica, deve-se inicialmente iden-tificar a causa e afastar o agente causador. Assim, o tratamento da ICC, da

    Fig. 3.13 Taquicardia sinoatrial. Observa-se o intervalo R-R regular, o QRS estreito eprecedido de onda P com polaridade e morfologia idnticas ao ritmo sinusal (ver retngulo).

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    febre, da tireopatia e da hipovolemia corrige a taquicardia. A suspensode medicamentos como os broncodilatadores, vasoconstritores nasais ouoftlmicos, drogas, inibidores do apetite, cafena, lcool e outros estimu-lantes tambm reduzem muito os sintomas. Na taquicardia sinusalinapropriada, necessrio o uso de drogas dos grupos II, IV ou at mes-mo III nas doses habituais. Nos casos severos, pode ser necessria ablaoparcial por radiofreqncia do n sinusal.

    Para a taquicardia sinoatrial, o esquema teraputico inicial semelhan-te, porm os melhores resultados so obtidos atravs da ablao por ra-diofreqncia termocontrolada. necessria uma tcnica diferenciadapara realizar as aplicaes sem lesar o n sinusal (e provocar doena don sinusal) nem o nervo frnico, que passa prximo regio (causandoparalisia diafragmtica).

    FLUTTER ATRIAL

    Definio

    O flutter atrial um tipo peculiar de taquicardia atrial. Caracteriza-sepor freqncia atrial muito rpida, comumente 300bpm porm pode va-riar de 240 a 430bpm. Tipicamente, a freqncia ventricular igual ouprximo a 150bpm devido conduo AV 2:1. Entretanto, pode ser mui-to alta quando existe pr-excitao ventricular ou pode ser baixa e irre-gular quando existe bloqueio AV funcional, farmacolgico ou orgnico.Devido freqncia atrial muito alta, freqentemente o flutter atrial umaarritmia intermediria entre o ritmo sinusal e a fibrilao atrial.

    Incidncia

    Poucos estudos tm abordado a incidncia do flutter. Estima-se que aincidncia seja de 88 casos por 100.000 habitantes por ano, aumentandocom a idade e variando de 5 a 587 por 100.000 habitantes, se considera-mos a populao com menos de 50 e mais de 80 anos, respectivamente. 2,5 vezes mais freqente no sexo masculino. Estima-se que nos EstadosUnidos ocorram em mdia 200.000 novos casos por ano.

    Etiologia

    O flutter atrial muito raro em crianas e adultos jovens. Em 70% doscasos est associado a cardiopatia, principalmente hipertensiva (30%) ecoronariopatia (30%). trs vezes mais freqente na presena de insufi-cincia cardaca e duas vezes mais freqente na pneumopatia obstrutiva

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    crnica. Em 30% dos casos, a arritmia ocorre sem nenhuma cardiopatiaidentificvel (lone atrial flutter).

    As condies que geralmente favorecem o aparecimento do flutter soas doenas degenerativas, a doena reumtica, o aumento de cmaras atriaise todas as patologias que favorecem o surgimento de fibrilao atrial, comoa insuficincia cardaca, a pneumopatia obstrutiva crnica, a tireotoxicose,a doena do n sinusal, a pericardite, o ps-operatrio de cirurgia cardacacom ou sem atriotomia, comunicao interatrial, alcoolismo, etc. muitoraro no ps-infarto do miocrdio e na intoxicao digitlica.

    Mecanismo e Tipos de Flutter

    A classificao do flutter atrial controversa na literatura. Isto porquealgumas taquicardias atriais mais raras ainda tm mecanismo mal defini-do. Recentemente, a North American Society of Pacing and Electrophy-siology fez uma reclassificao incluindo todos os tipos dentro da catego-ria das taquicardias atriais, que podem ser focais ou por macro-reentrada.

    A forma mais tpica de flutter (tipo I) ocorre por macro-reentrada notrio direito, porm formas mais raras podem ocorrer em outras partes ouser de origem focal.

    A classificao de flutter em Tipo I e Tipo II (Fig. 3.14), apesar deantiga, continua ainda como uma das mais difundidas na literatura. Baseia-se essencialmente na freqncia atrial e nos padres da reentrada. O tipo

    Fig. 3.14 Esquema dos trios vistos pela juno AV. Flutter atrial tipo I na forma comum(A) e incomum (B). O movimento circular ocorre paralelo ao anel da valva tricspide.

    A zona de conduo lenta situa-se entre a valva tricspide e os stios da veia cava inferior eseio coronrio (istmo atrial direito). Na forma comum, que a mais freqente,

    o movimento circular tem sentido anti-horrio. A forma incomum se caracterizapor rotao no sentido horrio.

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    I tem freqncia atrial mais baixa (240 a 320bpm) e cumpre claramenteos critrios eletrofisiolgicos de reentrada. J o tipo II tem freqncia maisalta (320 a 430bpm) e no apresenta propriedades definidas de reentra-da com substrato estvel.

    Flutter tipo I ou tpico. A forma mais freqente do flutter atrial tipi-camente uma taquicardia ocasionada por macro-reentrada no trio direitofavorecida por barreiras anatmicas naturais. Apresenta uma zona crti-ca de conduo relativamente lenta, conhecida como istmo atrial direito,localizada entre o stio da veia cava inferior e o stio do seio coronriode um lado e o anel da valva tricspide do outro,. O movimento circularocorre no sentido anti-horrio, subindo pelo septo interatrial, descendopela parede anterolateral do trio direito e passando pelo istmo esta a forma comum do flutter tipo I. Menos freqentemente, o mesmo circui-to pode ser percorrido no sentido horrio, dando origem a uma variantede flutter tipo I conhecida como forma incomum.

    Apesar de o tratamento ser o mesmo, estas duas formas de flutter po-dem ser muito bem diferenciadas pelo ECG e so conhecidas por algunsautores como flutter istmo-dependente. Um fato curioso que est sendo es-tudado que pessoas que apresentam maior espessura do istmo atrial di-reito tm maior propenso a desenvolver flutter.

    Vrios outros tipos de flutter so originados por diferentes circuitos dereentrada e so considerados no-dependentes do istmo.

    Flutter tipo II ou atpico. Neste caso, a freqncia atrial mais rpidae o substrato no respeita claramente os preceitos da reentrada devido alta freqncia, a circuito muito pequeno ou a origem automtica.

    Flutter Incisional

    Muitas vezes o flutter pode ser relacionado a movimento circular dereentrada em torno de uma cicatriz atrial, geralmente decorrente de umacirurgia cardaca. comum ps-correo de cardiopatias congnitas. Nes-te caso, no se enquadra nos critrios clssicos dos tipos I e II. Muitos au-tores preferem consider-lo de taquicardia atrial por macro-reentrada.

    O Eletrocardiograma do Flutter

    O flutter apresenta caractersticas eletrocardiogrficas peculiares alta freqncia atrial e linha de base ondulada em dente de serra (Fig.3.15). Estas ondas so conhecidas como ondas F, bastante regulares no tipoI. Tipicamente no apresentam linha isoeltrica entre elas. A freqnciae o ritmo ventricular depende da permeabilidade AV, podendo surgir di-ferentes padres:

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    1. Comumente ocorre uma relao AV 2:1 fixa com freqncia atrialde 300 e ventricular de 150bpm bastante regular;

    2. A relao AV pode ser varivel, resultando num ritmo ventricularirregular geralmente com freqncia menor que 150bpm;

    3. Pode ser 1:1 quando coexiste pr-excitao ou, finalmente;4. Pode existir bloqueio AV total originando uma bradicardia com rit-

    mo de escape regular.A anlise da atividade atrial permite classific-lo em Tipo I ou tpico

    (forma comum e incomum) e Tipo II ou atpico.O Tipo I se caracteriza por atividade atrial entre 240 e 320bpm, regu-

    lar, bem definida, originando uma linha de base ondulada (dente de ser-ra), com ondas bifsicas e sem linha isoeltrica, porm com predomniode polaridade negativa em D2, D3, aVF e positiva em V1 (forma comum)(Fig. 3.16) ou predomnio de polaridade positiva em D2, D3 e aVF e ne-gativa em V1 (forma incomum).

    O Tipo II se caracteriza por uma freqncia atrial mais rpida (320 a430bpm) e uma polaridade das ondas F varivel de um caso para outro,dependendo do local de origem. Alguns casos apresentam uma freqn-cia atrial muito alta e morfologia varivel das ondas F, de um batimentopara outro, confundindo-se com uma fibrilao atrial grosseira. Em algunspacientes pode ser observada a transformao do Tipo II em Tipo I. Nes-te caso, o mais provvel que existam as duas arritmias no mesmo caso,uma induzindo a outra, assim como acontece com a estimulao atrialprogressiva durante o estudo eletrofisiolgico.

    Fisiopatologia e Quadro Clnico

    O flutter uma taquicardia atrial que interfere na fisiologia cardacacomprometendo o ritmo e a funo de transporte atrial. Quando prolon-

    Fig. 3.15 Esquema de um registro de flutter na derivao D3, ilustrando que a linha debase no eletrocardiograma do flutter tipo I tem grande semelhana com dentes de serra,

    tipicamente caracterizada pelas ondas F, que apresentam subida rpida e descida lentasem evidncia de linha isoeltrica entre elas.

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    gado, promove a remodelao eltrica que reduz a durao do poten-cial de ao e a refratariedade das clulas atriais, reduzindo a contratili-dade e predispondo ao surgimento de fibrilao. Adicionalmente, ocorretambm aumento da secreo do peptdeo atrial natriurtico, com aumen-to do fluxo urinrio. Estes fenmenos favorecem a estase sangnea e aformao de trombos. Dessa forma, no flutter com mais de 48h de dura-o, deve-se fazer tratamento anticoagulante, semelhante ao utilizado notratamento da fibrilao atrial, principalmente nos casos com cardiopa-tia associada.

    Alm das alteraes no ritmo atrial, ocorre a interferncia no ritmoventricular, essencialmente determinada pela permeabilidade da junoAV. O resultado pode ser uma freqncia alta ou baixa, regular ou irregular.O quadro clnico vai depender da regularidade do ritmo resultante, dafreqncia ventricular e do grau de comprometimento miocrdico subja-cente. A combinao de uma freqncia ventricular elevada com cardio-miopatia grave, alm de ocasionar sintomatologia importante poder im-plicar em risco de complicaes fatais. A taquicardia e a irregularidadeprovocam palpitaes e desconforto precordial. Quando existe pr-exci-tao, poder ocorrer conduo AV 1:1 e conseqente comprometimen-to hemodinmico grave com tonturas, sncopes e, eventualmente, edemaagudo de pulmo. Alm disso, pode ocorrer angina. Quando a arritmia semantm por tempo prolongado, pode ocorrer insuficincia cardaca e, em

    Fig. 3.16 Flutter atrial do tipo comum. As ondas F so tipicamente negativas em D2,3,Fe positivas em V1 (setas). Neste caso, a conduo AV est ocorrendo razo 4:1,

    resultando em uma frequncia ventricular reduzida, permitindo fcil visualizao das ondasF (derivaes simultneas).

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    casos crnicos, pode surgir a taquicardiomiopatia, uma cardiomiopatia di-latada, at certo ponto reversvel, ocasionada pela freqncia ventricularpermanentemente elevada.

    Mortalidade e Morbidade

    1. O prognstico depende da condio clnica subjacente e da freqn-cia ventricular resultante. Qualquer taquicardia atrial incessantepode causar taquicardiomiopatia e insuficincia cardaca. O con-trole da freqncia ventricular fundamental.

    2. Trombose no trio esquerdo tem sido descrita em 0 a 21% dos ca-sos. O tromboembolismo a complicao mais temida.

    3. A maioria dos clnicos recomenda que no flutter com mais de 48hse faa terapia anticoagulante com varfarina antes da converso pararitmo sinusal ou se faa estudo com ecocardiograma transesofgi-co para afastar trombos intracavitrios antes da cardioverso.

    4. Freqentemente o flutter menos tolerado que a fibrilao atrialdevido maior dificuldade no controle da freqncia ventricular,principalmente esforos.

    5. Pode ocasionar angina, hipotenso ou ICC, devido freqncia ven-tricular rpida na presena de cardiopatia.

    Tratamento

    As linhas gerais do tratamento do flutter so semelhantes s da fibri-lao atrial e incluem:

    1. Controle da freqncia ventricular;2. Reverso dos episdios sustentados;3. Preveno e reduo da freqncia e durao dos episdios recor-

    rentes;4. Preveno do tromboembolismo;5. Reduo dos efeitos colaterais da terapia;6. Cura da arritmia.

    Tratamento da Crise

    Tratamento No-farmacolgico

    1. Se existir instabilidade hemodinmica, o tratamento indicado acardioverso eltrica torcica externa imediata. Geralmente estareverte com menos energia que a fibrilao atrial. Recomenda-se,entretanto, aplicar sempre pelo menos 100J se o desfibrilador

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    monofsico e 50J para o modelo bifsico. O ndice de sucesso de95%. Se a arritmia estiver sendo bem tolerada, pode-se tentar ou-tras alternativas;

    2. Da mesma forma que em outras taquicardias supraventriculares, opaciente deve sempre receber medicao ansioltica antes do tra-tamento especfico;

    3. Se o flutter tiver mais de 48h, dever-se- iniciar esquema de anti-coagulao ou realizar ecocardiograma transesofgico para afastara presena de trombos, semelhante ao que se faz na fibrilao atrial;

    4. Manobras vagais ou adenosina EV raramente revertem o flutter,porm podem reduzir a conduo AV, permitindo melhorar a visua-lizao das ondas F e comprovando que no se trata de uma re-entrada AV (Fig. 3.15);

    5. Overdrive atravs de via esofgica (cardioestimulao transesofgi-ca) ou atravs de acesso endocrdico eficaz em 60% a 80% doscasos (ver Cap. 10) ou induz fibrilao atrial que, no raramente,reverte de forma espontnea para ritmo sinusal;

    6. Muitos marca-passos modernos apresentam opes de overdrive co-mandado pelo mdico. Se o paciente com flutter portador de ummarca-passo deste tipo, pode-se realizar a reverso com grande fa-cilidade e grande possibilidade de sucesso (Fig. 3.17).

    Tratamento Farmacolgico

    O flutter uma arritmia geralmente mais difcil de responder medi-cao do que a fibrilao atrial. Diversos tipos de drogas podem ser utili-zados para reverso endovenosa:

    1. Flecainamida eficaz somente em 10% dos casos;2. Dofetilide eficaz em 70% a 80% dos pacientes;3. Ibutilide reverte em mdia 63% dos casos;4. Dose nica oral de propafenona (450-600mg) ou flecainamida

    (200-300mg) tem-se mostrado til na reverso da fibrilao atrial.Estima-se que sejam igualmente teis na reverso do flutter atrial;

    5. A amiodarona endovenosa tambm eficaz na reverso do flutter,alm de proporcionar melhor controle da freqncia ventricular;

    6. Digital raramente reverte o flutter. Pode, entretanto, reduzir afreqncia ventricular, melhorar a hemodinmica e favorecer areverso;

    7. Verapamil endovenoso reduz a conduo AV e proporciona a rever-so de 25% a 50% dos casos. Raramente ocorre flutter no infartoagudo do miocrdio, porm, neste contexto, o verapamil tem me-lhor resultado, revertendo at 87% dos casos;

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    8. A procainamida, a quinidina e a disopiramida podem ser utiliza-das, porm, alm de pouco eficazes na reverso do flutter, podemter efeito deletrio, favorecendo a conduo AV 1:1. Isto ocorre por-que reduzem a freqncia atrial do flutter ao mesmo tempo em quemelhoram a conduo nodal AV por efeito vagoltico. Dessa forma,deve-se utiliz-las em associao com drogas depressoras da con-duo nodal, tais como os betabloqueadores e os bloqueadores declcio.

    Preveno das Crises

    1. Aps o trmino do episdio inicial e o tratamento da doena oucondio subjacente, o paciente poder no necessitar de nenhumoutro tratamento alm de evitar o fator precipitante (cafena, lcool,simpaticomimticos, descompensao cardaca, hipertireoidismo,etc.).

    2. O uso de antiarrtmicos no flutter atrial semelhante quele nafibrilao atrial (ver Cap. 4). Entretanto, diante da necessidade deum tratamento farmacolgico permanente com os respectivos ris-cos de efeitos colaterais, inclusive de pr-arritmia, impretervelconsiderar a ablao por radiofreqncia, tendo em vista a altataxa de cura e o baixssimo ndice de complicaes obtidos nestaarritmia.

    3. De forma geral, os antiarrtmicos no tratamento do flutter/fibrila-o atrial so eficazes durante seis a 12 meses. Algumas regras ge-rais devem ser consideradas na escolha do antiarrtmico:1. Os antiarrtmicos das classes IC e III podem ser utilizados combons resultados nos portadores de corao aparentemente normal;2. Na hipertrofia ventricular sem isquemia ou distrbio de condu-o, o sotalol geralmente mostra bons resultados.

    Fig. 3.17 Portador de marca-passo bicameral apresentando episdio de flutter atrial.Durante a avaliao, o marca-passo foi temporariamente programado para liberar um trem

    de pulsos no AD, revertendo a taquicardia. Durante o processo, o marca-passo mantmestimulao ventricular de segurana, retornando ao modo atrioventricular aps a reverso.

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    3. Na cardiopatia isqumica, o sotalol ou amiodarona so boas op-es, devendo-se evitar as drogas da classe IC.4. Quando existe importante disfuno diastlica, a amiodarona eo dofetilide podem ser utilizados, porm a classe IC deve ser evi-tada.5. Eventualmente, quando o intervalo QT normal e no h sus-peita de sndrome do QT longo, pode-se obter bons resultados coma associao de pequenas doses de amiodarona e sotalol nos casosde difcil controle.

    Tratamento Definitivo

    Na dcada de 1980, o tratamento definitivo de muitos casos de flutterfoi realizado isolando-se a arritmia ao territrio atrial, atravs da induode um bloqueio AV definitivo e da colocao de um marca-passo ventri-cular. O bloqueio era obtido atravs de cirurgia, por meio de fulguraoda juno AV e, mais recentemente, por meio da ablao por radiofre-qncia da juno AV.

    Atualmente, esta forma de tratamento est praticamente proscrita noflutter. O tratamento de escolha passou a ser a eliminao somente do cir-cuito de reentrada, atravs da ablao por radiofreqncia, mantendo-seintacta a conduo AV. Todos os esforos devem ser feitos neste sentido.Os benefcios so bvios, pois se elimina a arritmia evitando-se o bloqueioAV e o marca-passo definitivo, permitindo-se ao paciente uma vida normalsem a necessidade de utilizar indefinidamente os antiarrtmicos.

    Ablao por Radiofreqncia no Flutter Atrial

    o tratamento de escolha. Deve ser considerado nas seguintes con-dies:

    1. Nos casos de difcil controle;2. Quando as recidivas so relativamente freqentes;3. Quando o tratamento farmacolgico indispensvel ou prolon-

    gado;4. Caso seja opo do paciente.Pode ser realizado em qualquer fase, em ritmo sinusal ou durante a

    arritmia, inclusive durante um evento agudo, tomando-se as precaueshabituais na preveno de tromboembolismo. Todos os tipos de flutterpodem ser tratados com a ablao por radiofreqncia (ver tratamento doflutter no captulo de ablao) porm, aqueles dependentes do istmo apre-sentam o maior ndice de sucesso (at 90% de cura na primeira sesso). Oflutter tipo II e o incisional devem ser muito bem estudados para definir

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    uma estratgia de ablao (Fig. 3.18), tendo em vista que nestes o ponto cr-tico para a aplicao de radiofreqncia varia de um caso para outro.

    Implante de Marca-passo no Flutter Atrial

    Foi muito utilizado quando o tratamento definitivo era a induo debloqueio AV e implante de marca-passo. Entretanto, devido ao grande su-cesso obtido com a ablao por radiofreqncia, praticamente no mais seutiliza com este objetivo. Todavia, est indicado nos casos de flutter asso-ciado a bloqueio AV de alto grau ou bloqueio AV total. Mesmo nestes casos,dever-se-ia realizar a ablao por radiofreqncia e curar o flutter indepen-dente do bloqueio AV e do implante de marca-passo. Os benefcios quanto reduo do tromboembolismo, reduo da evoluo para fibrilao atriale controle da freqncia cardaca aos esforos so bastante conhecidos.

    Marca-passos atriais ou atrioventriculares com algoritmos automticosantitaquicardia ou sistemas inteligentes para a preveno por overpace tam-bm no tm sido empregados devido novamente grande possibilidadede cura com a ablao por radiofreqncia.

    Preveno das Complicaes

    Tromboembolismo

    Contrariamente fibrilao atrial, no flutter o apndice atrial esquer-do apresenta contratilidade mais definida. Entretanto, estes pacientes tmrisco maior de tromboembolismo do que a populao geral. Alm disto,freqentemente coexistem flutter e fibrilao atrial no mesmo paciente.Alguns estudos de pacientes no-anticoagulados tm demonstrado trombosno apndice atrial esquerdo em 10% a 15% dos casos. Contraste espont-neo (alto risco de tromboembolismo) no apndice atrial esquerdo foi ob-

    Fig. 3.18 Traado mostrando o momento de aplicao de radiofreqncia em portador deflutter atrial atpico. Aps alguns segundos de aplicao, ocorre lentificao da taquicardia,

    seguida da reverso para ritmo sinusal.

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    servado em 6% a 43% dos pacientes. Eventos tromboemblicos ps-car-dioverso (at o 10o dia) ocorrem em at 7,3% dos casos sem anticoagu-lao. A anticoagulao recomendada por pelo menos uma semana ps-cardioverso ou ps-ablao de flutter com durao maior que dois dias.De acordo com estas observaes, a maioria dos clnicos utiliza no flutteros mesmos cuidados e esquemas de anticoagulao da fibrilao atrial. Asseguintes caractersticas esto relacionadas com maior risco de trom-boembolismo no portadores de flutter:

    Sexo masculino; Hipertenso arterial; Cardiopatia estrutural; Disfuno de ventrculo esquerdo; Diabetes; Acidente isqumico pregresso.

    Cardiomiopatia Dilatada

    O flutter atrial pode tanto ser causa (taquicardiomiopatia) como con-seqncia de cardiomiopatia dilatada. Num portador de cardiomiopatiadilatada com flutter persistente de longa data e alta freqncia ventricu-lar, comumente se obtm importante reverso do comprometimento mio-crdico aps o tratamento do flutter.

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