1 - acne
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1 - Epidemiologia
A acne vulgar é uma doença crónica e recorrente que se caracteriza pela inflamação
dos folículos pilossebáceos. Clinicamente, a acne manifesta-se normalmente pela
presença de vários tipos de lesões, como os comedões, as pápulas e as pústulas. As
áreas anatómicas mais afetadas são geralmente a face (especialmente na zona T do
rosto – testa, nariz e queixo), o peito e as costas, zonas ricas em glândulas sebáceas.
As causas da acne são multifatoriais e não são ainda totalmente compreendidas. A
puberdade é, geralmente, o principal fator desencadeador desta doença, devido ao
aumento da produção hormonal, que por sua vez estimula a produção e secreção de
sebo. No entanto, outras alterações hormonais (durante a gravidez ou o ciclo
menstrual, por exemplo), o uso de cosméticos oclusivos, o calor húmido e a sudação
excessiva podem também desencadear o aparecimento da acne.
Apesar da acne, tal como a maior parte das patologias cutâneas, não estar associada a
perigo de vida, é uma doença com forte impacto psicológico e que afeta
negativamente a auto-estima dos doentes, nomeadamente quando adolescentes.
A acne é uma doença tão comum que podemos afirmar que é quase universal durante
a adolescência. A sua incidência nos adolescentes ronda os 85%, sendo a acne mais
frequente e mais grave nos rapazes e nas raças branca e negra.
Já em idade adulta, são as mulheres as principais afetadas, estimando-se que a acne
tardia afete cerca de 15% da população feminina.
A maioria dos doentes com acne (cerca de 78%) apresenta lesões inflamatórias,
enquanto que apenas um número residual sofre de formas mais graves desta doença.
A acne é a causa mais frequente das consultas de Dermatologia.
A duração da acne é variável. Esta doença, que tipicamente evolui com a chegada da
puberdade, tem, geralmente, uma resolução espontânea por volta dos 20 anos nos
homens e dos 22 anos nas mulheres. Porém, em cerca de 10% dos casos, a acne
persiste depois dos 25 anos.
Por esta razão, e pela possibilidade de originar sequelas, para alguns doentes o curso
da doença pode ser prolongado por vários anos, sendo essencial a adoção de um
tratamento anti-acneico adequado.
2 - Impacto Psicossocial
É conhecido o potencial da acne para causar distúrbios psicossociais. Entre 30 a 50%
dos adolescentes sofre perturbações emocionais relacionadas com a acne, incluindo
preocupações com a sua imagem, vergonha, fraca integração social, frustração, raiva,
stress emocional, depressão e baixa auto-estima. Em casos mais graves, a acne pode
mesmo estar na base de tendências suicidas.
Por sua vez, a ansiedade associada à acne pode agravar o estado da pele dos doentes,
criando um ciclo vicioso.
Quando não tratada, a acne pode levar à formação de cicatrizes inestéticas e
definitivas, que perturbam a qualidade de vida dos doentes para além do tempo em
que doença está ativa (cicatrizes físicas e psicológicas).
Alguns estudos sobre o impacto da acne na qualidade de vida dos doentes
demonstram que esta doença pode provocar níveis de sofrimento equiparáveis à
asma, à epilepsia ou à diabetes, como ilustra este gráfico.
Ainda que a acne não seja uma doença que coloque a vida em perigo, ela pode ter
graves repercussões para os doentes.
Como já referimos, a acne tem um forte impacto no estado psicológico, nas atividades
quotidianas e nas relações sociais dos doentes. Contribuem para este facto dois tipos
de fatores: de índole interna, como a imagem corporal e a auto-estima, e de índole
externa, como o estigma e a rejeição sociais de que estes doentes são vítimas, fruto de
crenças antigas, mitos e preconceitos que envolvem as doenças cutâneas.
Importa ainda referir, que alguns estudos demonstram que os doentes com acne
possuem maior taxa de insucesso escolar e de desemprego. É, assim, bem real o
impacto desta doença na qualidade de vida.
3 - Factores Etiopatogénicos
Como já foi referido, a acne é uma doença crónica do folículo pilossebáceo, que se
desenvolve habitualmente na adolescência sob influência hormonal própria da idade.
Apesar da sua etiologia não ser ainda totalmente compreendida, é atualmente
consensual que os quatro fatores fisiopatológicos primários que estão na origem desta
doença multifatorial são os seguintes:
• Hiperplasia sebácea com correspondente hipersseborreia sob influência hormonal.
Os androgénios (testosterona, DHEA-S, androstenediona) são reduzidos, a nível dos
receptores na glândula sebácea, pela 5-alfa-reductase tipo I, em dihidrotestosterona
(DHT), que é a substância responsável pelas alterações sebáceas, nas áreas ditas
seborreicas, sobretudo face e tronco;
• Anomalias na diferenciação e adesão queratinocitária a nível do folículo piloso, que
originam entupimento do folículo e formação de comedões. Estas anomalias são,
também, em grande parte, consequência da estimulação androgénica;
• Colonização do folículo piloso por microrganismos, nomeadamente pelo
Propionibacterium acnes. Este é responsável pela alteração dos lípidos do sebo, em
especial pela formação de ácidos gordos livres, os quais têm propriedades pró-
inflamatórias;
• Reação inflamatória/imunitária levando à libertação de vários mediadores
inflamatórios.
Os dois primeiros fatores são os principais responsáveis pela formação das lesões
retencionais, os comedões. Os comedões constituem a lesão elementar da acne, pois
são eles que dão origem a todos os outros tipos de lesões.
4 - Tipos de lesões e diagnóstico diferencial
A acne manifesta-se por um conjunto de lesões, as quais isoladas ou em conjunto,
definem o seu tipo e gravidade. Estas lesões podem ser agrupadas em 3 classes
distintas: não inflamatórias, inflamatórias e residuais. Ao clicar na caixa de texto
referente a cada lesão, poderá visualizar a imagem correspondente.
As lesões não inflamatórias surgem na sequência da hiperqueratose de retenção no
folículo pilossebáceo e incluem os microcomedões, que não são visíveis clinicamente e
que são os precursores de todas as outras; os comedões fechados, que se manifestam
como uma pequena elevação cutânea de cor esbranquiçada ou amarelada e que são
os vulgarmente chamados pontos brancos; e os comedões abertos ou pontos negros,
que surgem após a dilatação do orifício folicular e a oxidação dos lípidos acumulados
no interior do folículo.
As lesões inflamatórias têm origem nas não inflamatórias e englobam as pápulas e as
pústulas, ambas sequelas superficiais. As pápulas caracterizam-se por eritema e edema
e depois, por inflamação, progridem para pústulas, onde se observa já um conteúdo
purulento (cabeça esbranquiçada). As lesões inflamatórias incluem ainda os nódulos e
os quistos, lesões profundas e de maiores dimensões, apresentando-se os últimos mais
salientes e com conteúdo pastoso e caseoso.
Por último, as cicatrizes atróficas, cicatrizes hipertróficas e quelóides, incluem-se nas
lesões residuais.
As cicatrizes resultam da destruição do folículo pilossebáceo e do tecido circundante
por reação inflamatória. As atróficas são as mais comuns e apresentam-se como
depressões na pele (ex. “picador de gelo”). Pelo contrário, quer as cicatrizes
hipertróficas quer os quelóides originam elevações na pele e são formadas pelo
excesso de tecido fibroso depositado no local da cicatriz.
No diagnóstico da acne, são tidas em conta as características das lesões apresentadas
pelo doente, a topografia da sua pele, a idade de início da patologia, o historial clínico
do doente, os tratamentos realizados e o seu resultado, a presença e o estado de
cicatrizes de acne e um estudo hormonal, nos casos de obesidade, hirsutismo ou
irregularidade menstrual.
Embora a acne seja uma doença, em regra, de fácil diagnóstico clínico, algumas das
suas lesões são comuns com outras patologias, o que pode suscitar algumas
dificuldades. A acne rica em comedões deve ser distinguida de doenças como a milia, o
molusco contagioso ou a hiperqueratose folicular. A acne com predominância de
pápulas e pústulas deve ser diferenciada da rosácea, da dermite perioral e da foliculite
por fungos, por exemplo. Finalmente, a acne rica em nódulos ou quistos não deve ser
confundida com outras patologias inflamatórias e/ou infeções como a rosácea
fulminante ou os abcessos estafilocócicos.
5 - Classificação clínica
A acne vulgar, também conhecida por acne juvenil, é o tipo mais comum da doença e
surge, geralmente, durante a puberdade. Manifesta-se com maior frequência nos
homens, sob influência das hormonas androgénicas. No entanto, este tipo de acne
pode também surgir (ou prolongar-se) na fase adulta. A acne tardia é mais comum nas
mulheres, podendo variar com o ciclo menstrual e tendendo a resolver por volta dos
35 anos.
A acne vulgar caracteriza-se pela presença de seborreia abundante e as suas principais
lesões são os comedões, as pápulas e as pústulas. As zonas do corpo mais afetadas são
a face (99%), as costas (60%) e o peito (15%), onde abundam glândulas sebáceas. A
acne vulgar pode ser classificada de acordo com o tipo de lesões que predominam e a
sua gravidade, como veremos de seguida.
Ainda que seja normal um doente com acne apresentar diferentes tipos de lesões, é o
predomínio de cada uma das lesões elementares que permite definir 3 classes de acne
vulgar: comedónica, pápulo-pustulosa e nódulo-quística. Consoante o número de
lesões e a extensão da área afetada, a acne vulgar pode ainda ser distinguida entre
ligeira, moderada e grave, o que determina a seleção do seu tratamento.
Para além da acne vulgar, outros tipos de acne podem ser identificados na prática
clínica. A acne do recém-nascido ou neonatal, afeta cerca de 30% dos recém-nascidos,
sem diferença significativa entre os sexos. Surge por volta da 3ª ou 4ª semana de vida,
podendo persistir até aos 6 meses. As causas incluem a influência hormonal exercida
através da placenta da mãe durante a gestação e através do leite na amamentação.
Geralmente, a acne do recém-nascido manifesta-se por múltiplas pápulas, comedões
ou pústulas eritematosas inflamatórias no nariz, testa e bochechas que normalmente
desaparecem espontaneamente. O uso de óleos e pomadas para bebés ou a prática de
espremer as borbulhas não são recomendados.
A acne escoriada pode aparecer em qualquer idade e tem maior incidência no sexo
feminino. Caracteriza-se por extensas escoriações, manchas ou cicatrizes que se
desencadeiam quando o doente manipula as lesões devido a ansiedade.
A acne estival ou acne de Maiorca está associada à exposição solar e é
maioritariamente observada nas mulheres jovens. Caracteriza-se por múltiplas pápulas
vermelhas e uniformes que surgem em áreas expostas como os ombros, as costas, o
pescoço ou peito.
O manuseamento ou a exposição a alguns compostos industriais pode também
provocar a obstrução dos folículos pilossebáceos e a inflamação das glândulas
sebáceas, desencadeando a chamada acne ocupacional. Os derivados do alcatrão, os
óleos insolúveis e os hidrocarbonetos clorados são alguns dos compostos envolvidos
na acne ocupacional, que tende a apresentar maioritariamente lesões inflamatórias e
mais comuns em áreas cobertas.
A exposição a fármacos ou a cosméticos é outro potencial fator desencadeante de
acne. A acne iatrogénica pode ser induzida por alguns medicamentos (como os
corticóides tópicos ou orais, a vitamina B12, os halogénios ou a isoniazida) e
manifesta-se pelo aparecimento, relativamente súbito, de pápulas e pústulas
pequenas, monomorfas na face e tronco, raramente acompanhadas de comedões. A
acne cosmética é, como o próprio nome indica, despoletada pelo uso de produtos
cosméticos e de higiene corporal, nomeadamente quando a sua base é oleosa e
quando são oclusivos. Este tipo de acne é geralmente ligeiro mas persistente se a
utilização do produto desencadeante não for interrompida.
Finalmente, falaremos de duas formas raras mas graves de acne, com forte
componente inflamatória: a acne Conglobata e a acne fulminante. A acne Conglobata
atinge principalmente os homens de idade adulta, com ou sem historial de acne vulgar,
e caracteriza-se pela presença de comedões, nódulos, quistos, fístulas e cicatrizes,
maioritariamente nas costas, nádegas e peito. Este tipo de acne é crónico, recaindo
frequentemente, e a sua patogénese não é totalmente conhecida.
A acne fulminante é um tipo raro de acne muito agressivo que parece ocorrer
exclusivamente em rapazes adolescentes. Caracteriza-se pelo aparecimento repentino
de múltiplas lesões inflamatórias, especialmente no tronco, que rapidamente se
tornam ulcerativas e formam cicatrizes. Os doentes com este tipo de acne
desenvolvem com frequência sintomas sistémicos como febre alta, dores articulares e
musculares, leucocitose e perda de peso, podendo requerer internamento hospitalar.
Embora a etiologia da acne fulminante também não seja conhecida, suspeita-se que
envolva uma componente imunológica e predisposição genética.