1 -- o conversador

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N.Cham. C:: 1 • :c;., ; )-94 Autor: Caju. Sandoval. Titulo: 0 c:nversador m 1 ·m s. BC l ,f ' N. 53835

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  • N.Cham. C:: .~f9 . 0(81P4 1 :c;.,; )-94 Autor: Caju. Sandoval.

    Titulo: 0 c:nversador m ~r 1 m s .

    111111~111111 1 111111111 1 11111111111 1111 BC l,f 'N. 53835

  • 0 Conversador

    I lr.wlt rrzo(o, muito jovem lltlfla, Sandoval Caju, onde '/II''' 'Jill' t'stivesse,- nas prar;as JIIIMiras, nas ruas, ou no recesso do.\ lans arnigos,- havia sem-prr plssoas: rapazes, estudantes unilwrsitarios e secundaristas; htm assim, adultos esclarecidos ,. /,igos ao seu redor, para ouvi-rt'rn-lhe contarcasos diversos de sua vida e de outrem, no correr dos tempos ...

    Era o personagem central dos encontros noturnos, a passar horas a fio, niio raro ate d ma-drugada, narrando, com deta-lhes minuciosos, a cada sarau, uma serie de acontecimentos ineditos que prendiam as aten-qoes da plateia.

    Poucas vezes falava de utopias, fabulas e quimeras. Niiofaziam seu genero. Citava, entretanto, absurdos, parado-xos, coincidencias incriveis efa-tos de natureza grave, realmente ocorridos no pais e no mundo, mas que a Hist6ria niio revela, por considera-los "inconvenien-tes" ...

    Avesso ao ficticio, nunca sentiu pendores pela mitologia - grega ou romana -; d ela, sua riferencia era feita com es-pirito critico, zombeteiro ...

    'Em cada capitulo deste li-vro - curto ou longo - sen-le-se nas expressoes do autor, a empolgar;iio vigorosa, ou o acentuado azedume correndo nas linhas de cada pagina. Ao desenvolver um assunto qual-quer, ou emitir afirmativas apostr6ficas, ha nele um vivo es-

    : mem6rias. 57- R. 183114 Ex. :\Pat. 5383,5 - 2

    50-2711 0/2005

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  • 0 CONVERSADOR (mem6rias)

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    :53tf3S fos-;Po3s-5-

    Sandoval Caju

    0 CONVERSADOR (mem6rias)

    - 2~ EDICAO-

    Macci6 - A lagoas )t)l) )

  • Do autor

    Livros publicados: "Poesia Despida" (1955) "Guanabara" (1965) "A Embaixatriz da Simpatia" (1969) "Sonhos & Pesadelos" (1986) "0 Conversador" (1991)

    Livros em preparo: "Alagoas - nos ultimos 50 anos" "Atividades jornalfsticas"

  • ....

    "0 CONVERSADOR": llustra~oes - A. Ezequiel Prefacio - Ricardo Mota Orelhas - Benevenuto de Morais Editor - Zacarias Santana Capa - Esdras Gomes Coordenador - Jose Carlos Duarte Paglnador- Sebastiao Alves Compositores- Benevaldo, Marcos, Fabiano, Alessandro e Josivaldo

    Composi~ao e impressao - SERGASA

  • II I

    ,II

    DEDICATORIA /\os meus Pais: Jose e Tamires (in memoriam) 1-'ilhos: Adelia Tamires - Sflvia Simone- Clemenceau- A na

    Maria- Daniela- Sandra - Durval- Natanael - Mar-tha Maria. Marcos e Joao Batista (in memoriam)

    Netas: Louvalie - Adriana - Hugo - Rene - Laio - Isaac - Marflia - Karine - Marina - Maurfcio

    lrmaos: Genival- Djalma (in memoriam)- Orpheu- Maria Yara

    Tios: Epaminondas -Manuel (remanescentes)

  • APRESENTACAO (DUAS PALAVRAS DE ESCLARECIMENTO)

    A empanar o bnl!Jo da verdade, para ser agradcfvel .I /;;iJf)CrJSia, e prefer/vel correr 0 nsco de Ottvir a recninl: 11.1(:'1(), dos amora!S, por desmascarar-J!Jes o emb_uste, em tJIIll/qller Iugar ou circunstcfnCJ3.

    0 que ma1s 1mporta a mgnidade !Jumana t! manter mviolcfvel a conscienC/3.~ ..

    Aqui est.io a maior parte de tudo quanlo vi oun; l'ki e o reg1stro de htos vermicos a que assJstJ; ou deles lomt.i conheCimento, - meritdrios e censurave1s, que .'tp!nuo'i ou reprove!- ao Iongo da exJstenCJ3.

    J;io as min!Jas memdn3s que nada contein de excep-dmJ!II ou exlraordinano, mas JJela.r v.io insendas Jdtf/3.> e Of'liJ;oes liberais; observapdes a certos textos !JJstdncos e .') CO!lduta irregular de ffgurtfeS in/OCiiVeiS - 0 que ser;f. 1/tllllmlmenle, conies/ado por !JijJdcritas intoleranles que .~'l'll!pre se posicionam d!stancJ3dos dos polos da raz.io e thl IIIOFa/, - CO/JJO aS ore/!JaS de um C/lbepa Chll/3. ..

    PS - Ouase que me esquepo de -CJiar o que /u/go rlt1 maior re/evcfnCJ3 nesla autobJogra//3: a deksa formal. .rcgw da de /usia reapio contra as aleivosas insinua{'des de-menidn3s e tenaz perseglllj.io promondas gra!ll!iamente (l'Jr delerminado personageni que. nutndo pelo despe1io irJO!s.tarpavel que pos.wi in/Ugiu-me toda sorte de tormen-lo.r, quando exerci atividades po!JfJco-aolninJstrativas, nos 11/JOS oO,personagem es._~e (ci t!poca, um nan/co 'poderoso " do lc7migerado "movJiJJeJJto revolucio!lario "que tanto ink-

  • /iaiou Alagoas e 11 JJ
  • Os inquisidores, e bem verdade, .fa encontraram o seu devido Iugar: a lata de liro da Histcfna, mas deiraram macu-las, e para sempre, na VIda brasileira. Do nosso Sandoval roubaram o futuro que se. anunaava promissor, para e/e eo povo de Alagoas.

    So alguns anos depoi> daquelas aparijoes na TV man-live o pnmeiro contato dtreto como .Prekito. Foiatraves de um amigo comum, o /ornahsta e cof7!panbeiro Jose Ehas. E eu nao dtna, baseado nas nossas pnmeiras conversas, que ''nascemos um para o outro -~ Are porque sao mwios os nossos pontos de dtscordtfnaa . .!W3s a nossa amizade cresceu e se sohdilicou base ado no prioc.!j:Jio maior do .RES-PE/TO.

    Para quem nao sabe, Sandoval C:l/u nao e apfnas um contadorde IJistcfnas engra{'adas e bem contadas. E tambem um "carregador?' de m!igoas profundas e /ustilicadas, mas que soube, tambem e kkzmente, resguardar uma bondade rara que traz de berf'O e levara com ele para a ultima mora-da. Pra mime o Prekiio, leal e para sempre amigo.

    OLIYRO "0 Conversador" e 0 pagamenro de uma d/VIda de

    Sandoval Ca/u para os alagoanos, de lodas as Idades. Para os que o conbecem, certamente vaiser an1 repisar de mtos de dom;/1/o ptfbhco, acresados de con/issoes e lembran{'as-amargas e khzes - de um bomem qae sou be fazer Histcfna e nao escarrar nela, con/br1ne proceaeram seus carrascos.

    Para os mais /Ovens, este livro vlli servir de hf'!io. de vida e de amor ao que e/a traz de mais be/o. .Mil/s do que /SSO ate', "0 Conversador" vaiser sempre um martelo a bater nas nossas conscienaas, a lembrar com insistenaa o mal que as dtiaduras e seus seguidores, de.wrovidos todos de carcfter e de dtgwdade. provocaram 118 alma brasileka. Oaem qaeimou Jivros. com certeza. n!io traz acesa dentro de si!l chama de amor a terrae ao seu povo.

    16

    Eu recomendana que este livro, "0 Conversador ; lh.~:rc lido numa das dezenas de pra{'as de Maceid. Ou no t;m .robrou de/as. Sentado, assim, em um banquinbo de ('//ll''nlo, desgastado pelo tempo, pelo abandono, pe/as fal-t:'tlrth7S. Mas ah' aincla vai estar escnio um grande ' :5''; tit SORR/SO, como Sandoval Ca/u faz questao de asseve-m;: E ao VIrar uma das pcfginas do hvro, de deh'Cfosa leiiura:

    ~~ d:1r dtredo a uma Jembranp1: a de que essa adade pi .wrrit; - k hz e abundantemente -p elas maos do Prek iio .Sil/ldoval Ca/u.

    (ass.) Ricardo Aloia

    17

  • I PARTE

  • I

    II

    .I

    L

    Nusci a 16 de Novembro de 1923, em Bonito de Santa Fe, alto 'lt ' tt tlo do Estado da Paraiba, distante 555 quilometros da Capital.

    DADOS GENEALOGICOS

    Avos paternos: Meu avo - Laurentino - nasceu por volta de IH70, no sftio "Bolao" , Municipio de Sao Jose da Lage, Estado de Alagoas,

  • Municipio de Conce i ~ao do Pianco. e . trcs anos dc pois. no ent iio povoa-do de Bonito de Santa Fe .

    Mcu pai, que chegou a Pa rafba aos dez anos de idadc , casou-se em 192 1, com minha mac , - Tam ircs - nascida em 1903.

    Dessa un iao matrimo nial nasce ram 5 fi lhos . Sou eu o 3: deles.

    ESBOCO HISTORICO DA TERRA

    Bonito, - antigo sftio loca lizado nas cabcccira~ do rio Piranhas. que . em face de gravfssimas circunst l{ume u aca hou assassinaclo. po r cnve nenamcnto : ficando n capi-1 " ' lt.t tll. I'>CO Timotco na li dc ran~a unica eta povoa~;in ate que. Jl () ltl ll htlk' '> IL" ~ccu lo . su rgiram outros lfdcrcs que sc fizcram chcfes pnlft i-ll t lll''-lgnados pclos supcriorcs cia scclc municipal de cnt;io .

    ******

    . Ao passar dos a nos scu mapa dc mogr;\fico sc ampliOLt. vc rtiginoso . t' 11 povoaclo logo galgou a categoria de vila. E fo i-se descnvolvcndo , 1111 11 :t agricul tura ampliacla. a r.ccu;iria c 0 comercio mais pr

  • BONITO PERDE SANTA FE

    ******

    Bonito. que foi de Santa Fe. c esta que foi de Bonito. s

  • fica ram .. famosos" . pe l as at itudcs e compon amento inusitados que tivcram ao Iongo de suas atividades clericais.

    0 Padre Lufs Vieira. homem de U lO mts. de altura. cor hranca. .i

  • A visao focalizada, naquele instante, pelo vig~rio, representava o que havia de mais ofensivo e intolenivel a pureza de sua alma de racista radical: Entre os noivos se postavam, bra
  • giosos, e, por tais raz6es. vern frustra ndo a comunidade cat6lica bani-te nse po r Io ngo e indefinido tempo . . ...

    * * * * * *

    Por o utro lado , ignora m-se os motives pe los qua is a autoridade episcopa l a que est a subordinado o cura af-mi rim , nao tom a uma medida reparadora co ntra esse indese javel procedime nto do seu inerte subal -te rno que, ha ce rca de 35 a nos ve m desaponta ndo , iludindo e desafiando a pacie ncia de milhares de fieis da par6quia de Boni to de Santa Fe .

    * * * * * *

    GREVE CONTRA ... 0 ROSARIO

    Ge nte de boa indole , os bonite nses, supe rsticiosos em sua esmaga-dora maioria , te mem promove r uma "greve contra o rosa rio" , isto e. e m oposi~ao ao homem-de-batina-pre ta que , sem largar de todo o oficio missio nario , negocia gado , te rras, legumes e o utros he ns im6-veis e de consumo , e nqua nto procrastina, inde finidame nte , a reabe rtura do sagrado te mplo cat61ico por e le qu ase to talme nte desativado . ha t rcs dccadas e me ia, na suposi~ao de que co metenio um gravfssimo pccado, pe ra ntc Deus!

    C re io pia mcnte no eq ufvoco dos conte mi neos : dcveriam todos. unfssonos , le va ntar vozes contrarias a conduta irregular c e nervante do omisso cura-anao, sem receio de conscque ncias pcrniciosas, pela

    rea~ao a sc u com portamento frente a pa r6quia que clirige, clesclenho-samc nte , descle os anos 50. D e autoridade muito mais elc vada , na hie rarqu ia do cato licismo foi o Papa Martinho I , de Todi, que, por ncgligc ncia no trato dos interc sses da Ig reja , foi dcposto , pre so c dester-rado, em Junho de 653,- h

  • Jose Ary: se al gucm lhe dirigisse na rua , na repart1c;ao o u mesmo em casa, um simples " bom-dia" , ele fitava o inte rlocutor c assuntava o tempo, mudo; sc acaso desconfiasse que respo ndendo a saudac;ao faria um favor,- continuava cala.do ...

    Tratava-se, evidcntemc nte, de um Ieite " talhado" a imprestabi-lidadc: aos

  • Nota: - Sabe-se que, entre os mais de 5 bilh6es.de criaturas huma-nas que habitam este planeta, niio existem, rigorosamente, duas sequer, iguais em tudo , porem, a diversidade de conduta e temperamento das pessoas ditas civilizadas, suscita, em certos casos , no seio das almas mais sensfveis, algo indelevel de admirac;iio ( ou repudio) que o tempo niio apaga : Ha mais de meio seculo eu trago a lembranc;a, nitidos, o comportamento individual e as ac;6es dos personagens singulares acima focalizados .

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    PRIMEIRO CONTATO COM A MORTE

    Lcmbro-me bern. Eu contava uns tres anos de idade e meus avos paternos, com quem vivi ate aos 11 anos, foram, numa noite de estio, visitar urn amigo enfermo e me Jevaram consigo.

    0 homem doente jazia estirado numa cama posta junto a parede da sala de frente de sua pequena casa, localizada ao !ado da Igreja de Santo Antonio.

    Pouco depois de nossa chegada ali , presenciei-o tomar sua ultima mcdica

  • SEGUNDO CONTATO COM A MORTE

    . .Nem ? Iongo tempo decorrido conseguiu apagar-me da memoria a stnistra v1sao de urn cemirio ate rrador , flxad a numa frac;ao de minuto : ~embro-me bern , eu contava pouco mais de seis anos de idade, quando VI de perto o corpo de urn Homem assassinado , de maneira barbara de modo ta? violento, que ate hoje , mais de meio seculo depois, jamai~ me depare1 com urn cadaver em tal estado de mutilac;ao localizada que se assemelhasse ao da vftima daquele homicidio!... '

    A "REDE"

    Procedentes de alguma regiao sertaneja do vizinho Estado do ~eani: dois "boias frias" itinerantes, sem qualquer identidade conhe-Cida, a boca-da-no1te de um certo dia de verao, no final da decada .de 1920, passaram, juntos,. sacos as costas e enxadas aos ombros, pelo

    c~nt~o do P.ovoado de Bomto de Santa Fe, seguindo o rumo de Miseri-cordia, (hoje , Itaporanga-Pb .) ou de Vila Bela, (atual , Serra Talhada-Pe.), qual se fossem antigos companheiros de jornada, insepaniveis.

    Exaustos da lon.ga caminhada, a pes, durante urn dia inteiro, pedi-ram pousada , a me1a legua da Povoac;ao, no sftio do velho Galdino Marques de Luna,- "Bartolomeu"- e, na casa-de-farinha, desati-vada, a 2?0 metros da residencia-mor , se arrancharam. Passariam af aquela nmte e boa parte do dia seguinte. Estavam ambos extenuados

    d ' ' carentes e repouso prolongado , para se restabelecerem fisicamente e reatarem a marcha interrompida pelo cansac;o.. . '

    * * * * * *

    ----~

    l'l'OC.:s agrfcolas avulsos e disponfveis que eram, viajavam fugindo clu lon11,a c.:st iagem que, periodicamente, assola os sert6cs no rdestinos,

    n in terior do Ceara, com maior rigor, por tratar-sc de uma area ' til 11.1 do chamado "Polfgono das Secas", - em busca de trabalho d1 I.IVtal ura da terra; profissao unica, aprendida COffi OS pais, desde u Wl~lttH.la infancia; o que ate ali nao hav iam encontrado. Por isso ll ll'" ttHl 6 que teriam de andar mais; muito mais, buseando os mcios qltl' lites assegurassem a sobreviveneia ...

    * * * * * *

    Na noite seguinte a da chegada dos n6mades cearenses aquelas plagas, por volta das 20:00 horas. os habitantes de Bonito de Santa I l' tomaram conhecimento de uma gravfssima ocorrencia delituosa , llll' cntao inedita nos anais da pequcna Comunidade: Fora a chegada tk uma " rcde'', - (leito balouc;antc confeccionado com tecido grosse , tk nlgodao ou fibras de agave, suspenso no ar, pelos punhos das extrc-tllidadcs, espetados em arm adores fincados nas paredcs dos la res humil-

  • 0 ajuntamento de curiosos, em torno do defunto dilacerado, foi enorme. Com muito esfon;:o, eu, crian~a, infiltrando-me na multidao, passando ate por entre pernas adultas, consegui ve-lo, sobre o pano ensangucntado da rede, malgr.ado a precaria luz de uma vela accsa junto a funeria exposi~ao. (Aquela epoca ainda nao existi a a ilumina~a~ publica , a e!etricidade, nem mesmo a lampi6es-de-gas, nos vi larejos dos sertoes do Nordeste) ...

    Dir-se-ia que, do corpo do Homem ali exposto, restavam apenas 0 tronco C OS membros: a cabe~a desaparecera; istO e, transformara-Sc numa massa informe, achatada, em virtude do seu csmagamento total. O s sucessivos golpes nela aplicados, haviam-na reduzido a uma por~ao de carne mofda, pon tilhada de dentes bipartidos que se espalhavam, numa circunferencia de trinta centfmetros, parece ndo uma pizza rubra , tamanho famflia , preparada com temperas constantes de, entre outros ingredientes, colorau e pedac;os de alho, .esparsds , pronta a ser levada ao forno, para uma "suculenta" refei~ao canibalesca! ...

    ******

    Repisando: 50 anos se passaram e eu jamais me deparei com um quadro tao horripilante, em qualquer Iugar do Pafs, aonde tcnh o estado! ...

    ******

    0 companheiro do morto desaparecera muitas horas antes do achado macabre; de sorte que ninguem tomou ciencia das raz6es que provocaram a horrenda tragedia. E, para ser mais fran co, ignorou-se a real autoria do nefasto crime, de vez que fora ele praticado por quem nao deixou no local sequer a arma usada naq uele esfacelamento craniano; tendo o agente fugido para Iugar inccrto e nao sabido, ficaram os investigadores do delito sem qualquer elemento bcisico para a lcan9a-rcm exito nas suas diligencias. E o barbara homicfdio perpetrado com requintes de perversidade e sadismo, acabou Ionge da elucidac;ao .

    0 homem foi enterrado, como indigente-an6nimo , no final daquela mesma noite, embrulhado na rede que lhe serviu de lei to e de " urna funeraria" ...

    Partiu para a Eternidade, deixando aos que ficaram sindicando a sua causa mortis. urn enigma que se tornou eterno. E, a mim, uma lembra~a triste que 0 tempo nao apagou ...

    38

    PRIMEIRO CONTATO COM UM PATIFE

    Meu Pai que era Fiscal de Rendas do Estado, servindo na Vila de Bonito d~ Santa Fe, fora nomeado Tabcliao Publi~o _da .sede do Municipio, Sao Jose de Piranhas, a 39 quil6metros de dts~ancta.

    Eu vivia ainda com os meus avos paternos, em Bon tto, : alguns meses depois fui, a passeio, vlsitar a famflia que se transfenra para Piranhas, onde permanecf por uma semana. ,

    Entre esta e a Cidadc de Cajazeiras trafegavam alg~ns vetcu_los automotores, atraves de estrada de rodagem de chao-battdo , po rem, em regular estado de conserva~ao. . . .

    Procendente de Cajazeiras, logo no dta segumte ao da . mmha chcgada veio urn autom6vel Ford, dirigido pelo chofer Euchdes de tal, que ,' ao !ado do predio da Prefeitura.' passou .a consertar urn grave dcfeito que seu vefculo apresentara no ststema dt~ntetro.

    Varies garotos de minha idade, -.entre Otto e nove anos, ~ movidos pela curiosidade inere nte as cnan

  • Ao termino da execu
  • 0 TRAGICO FIM DO "POET A"

    Foi Assis Tim6teo de Morais urn born am igo e conte rnineo da mesma gerac;ao. Convive mos por Iongo te mpo, no se io da terra-mac, durante a infancia , a juventude e parte da mocidade.

    Era e le o te rceiro ou o quarto filho do Professor Andrelino Tim6teo de Souza , homem honrado e culto a le m de proprietario urbano e rural e m Bon ito de Santa Fe.

    A ssis e eu fizemos o curso primario na mesma Escola Publica. No A no seguinte , as expensas de recursos paternos, ele, com os irmaos, foi estudar na vizinha Cidade de Cajazeiras, onde curso u o ginasio , ap6s 0 que regressou a nativa gleba.

    Dotado de um in vejave l QI, com nftida propensao para o cult ivo das letras , fez-se depositario de conhecimentos gera is da literatura , se ndo urn apaixonado cultor da poesia: de A ugusto dos Anjos a Casi-miro de Abreu, isto e, do classico ao popular , declamava sone tos e poemas com empolgante maestria nas re uni6es sociais enos efemeros saraus lite rarios d e nossa peque na Comunida de . Oaf a receber ele dos assiste ntes a me recida alcunha de "poe ta", mesmo sem haver com-posto um s6 verso, em toda a sua vida , contrariando, destarte, os principios filos6ficos de O lavo Bilac: "Que m le versos, faz versos . . .''

    ******

    Com apenas o gimisio concluido c sem possibilidade de continuar os estudos superiores Ia fora, e m face das altas despesas que os pais ja mio podiam assumir, o "poeta", assim como fizc ram outros jovens, - inclusive eu - de ixou um dia a terra nata l e saiu por af, em busca de mais largos horizontes, a sonha r com um futuro promissor nos grandes centros culturais do Pafs , de vez que a a ldeia nativa era po r demais acanhada e mi.o oferecia pe rspectiva de v6os al tos a quem se nti a anseios de alcanc;ar as estre las .. .

    1 ~ pa rtiu no rumo do Sui. .. Aportando em Sao Paulo (SP) .-ll lllnio r C idade do Conti nentc sulamericano, - nao encont rou guanda 1111 l'~t 11nulo aos seus ide iais de desenvolver-se intclcctualmente . E, d1.111 ll' do imperative circunstancia l, viu-se na contingencia de abolir ,, .,tl nho tlc usar a caneta levee enfrentar a dura realidade de manusear ,, jll':-. atlo malho para sobreviver, ja que o ponteiro de suas parcas llll illl

  • I .

    Dcssu qmcubi nato nascc ram sctc ou oito fi l hos que se criavam no ambicntc miserc\vcl de um favela. sob o tcto de um barraco descon-fortavcl c cxfguo .

    ******

    Por quase duas. decadas ausente de suas rafzes taluricas e ja bas-tante saturado do cotidiano farto de sacriffcios e pcnurias , resolveu libertar-sc daquclc monotone e lastim;\vel "modus vivendi" .

    Redobrou os csfon;os no trabalho, amealho u a lguma cconomia proveniente das horas extras, comprou passagens de terceira e rcgressou a Bonito de Sa nta Fe na carroccria de ' 'pau-de-arara", levando consigo os filhos c a companheira.

    * * * ***

    Seus pais haviam falccido h

  • VIGANCA A HONRA MACULADA * * * * * *

    Foi assim: o. cidadao Antonio Leite Araruna, - geralme nte cha-mado. de A rarunmha, - era urn prospero fazendeiro e pessoa muito rcspe1tada em nossa Comunidade.

    R esidia elc com a numerosa famflia na propriedade "Fazenda No.va" '. localizada a ~res quilometros da zona urbana da antiga Vila , hoJe C1dade de Bomto de Santa Fe, cujos habitantes o tinham no maior conceito , pel~ dignidade e justeza de seus gestos e suas a

  • Bcm antes de completa r o primeiro a no de casamento da pen ultima filh a de Araruninha, a populac;:ao da " Fazenda Nova" que sempre foi um red uto familiar tranquilo e sossegado , amanhece u. certo dia em polvorosa, diante de uma notfcia estarreeedora , pren uncio da eclo-siio de u rn escandalo sem precenaentes na sua hist6ria: Rosinha apare-cera gravida! ...

    Quem foi o autor?! Quem eo pai da crianc;:a? Quem .. . ?- Todos indagavam e ninguem respondia ... Sequer apareceu a lguem que arris-casse urn palpite sobre a autoria do co ito proibido ...

    Quando o austero chefe da grei chegou de uma de suas viagens mais esticadas e cie ntificou-se da traumatizante informac;:iio, chamou a filha a sua presenc;:a, submetendo-a a rigoroso interrogat6rio, e ela acabou revelando:

    "Foi "Col6" ... - rlisse . "Quem foi mesmo?"- reinquiriu o pai. "Colo",- confirmou Rosinha, tremula de me do!. ..

    ;f: * * * * *

    Ineontinentemente procurado para uma acareac;:ao, "Col6" havia desaparecido ...

    Achava-se em Iugar incerto e mio sabido o caboclo que nunca safa dos limites daqueles pagos; que jamais se ausentara por mais de meio dia dalf.

    "Digam-me em que rumo ele seguiu",- perguntou Araru ninha , encole rizado.

    "Eie partiu ape, na direc;:ao de Sao Jose de Piranhas ... " - infor-mou alguem ...

    Ato continuo , o fazendeiro-mor que se sentiu afrontad o com a desonra, mandou selar urn outro eavalo e scguiu estrada a fo ra , impul-sionado pelo sentimento do 6dio e da vinganc;:a; disposto a lavar com sangue a honra enxovalhada! ...

    * * * * * *

    As ultimas horas da tarde daquele mesmo dia , "Col6'' descansava da tonga caminhada, a margem de urn riacho existente no sftio "Jatob:f', a poucos quilometros da sede do Municipio de Sao Jose de Piranhas, quando 0 perseguidor apeou-se rapido do animal e saltou em cima do pcrseguido, de punhal na mao. Surpreso, com os olhos esbuga-lhados, falou "Colo": "Meu Deus, e "seu" Araruninha ! ... "- Foram

    48

    -- - --------.

    ll~ dcrradei ras palavras articuladas pelo infe liz caboclo de confian

  • A consoiencia do fazendeiro doeu (e ainda doi), talvez por nao ter ele interrogado "Colo" , antes de mata-lo . ..

    ** ****

    Tinh a eu nessa epoca cerca de onze anos de idade e me recorda de tudo quanto serelacionou a ocorrencia ' inclusive que 0 povao batizou de "Riacho de Colo" o rio-mirim onde este fora trucidade e enterrado pelo fazendeiro.

    ******

    0 episodic nao termina aqui. 0 seu desfecho fica Ia mais adiantc ...

    **** * *

    Malditos os a teus que negam a existencia de um Ser Superior que tudo ve e tudo rege sobre o insondavel destine da Humanidade: a inquieta~ao na consciencia de Araruninha , antes e depois do julga-mento, fundamentava-se em incognitas raz6es que e le proprio nao sabia explicar ...

    ***** *

    Tao logo fora prolatada a senten~a absolvit6ria, o indultado retor-no a "Fazenda Nova" , com a ilusoria impressao de que estava livre e viveria tranquilamente o restante de sua vida ...

    Mas a justi~a dos homens e, quase sempre, falha como urn busca-pe molhado, que raramente detona em consomincia com a Justi~a divina: se aquela Iibera o corpo das grades de ferro de um xadrez; esta liberta a alma das vaporosas nevoas do consciente. Apenas o corpo livre nao tranquiliza o homem. Faz-se mister que sua alma se liberte tam bern dos grilh6es invisfveis que a amarram no tronco da consciencia , quando sao por ele levadas a cabo injustas e precipitadas a~6es.

    * * * * * *

    Araruninha ao chegar em casa foi rccebido calorosamente pelos familiares e quase todos os moradores da fazenda. Apesar de residirem tao perto , achavam-se ausentes a recep~ao Julieta, aos oito meses

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    1h grav idez, e o marido Daozinho , que alcgara estar cuidando da t ' ~ t H>S:l , " que nao passava bern naquele momento ... " lriam depois con-gr.t lu lar-se como pai e sogrQ, pela "merecida absolvic;ao .. . "

    * * * * * *

    0 te mpo vai-se passando, devagar. Paira urn silencio sepulcral ,. ,n to rno do desaparecimento de "Col6" : ninguem arrisca falar no

    r~ omc do caboclo que nasceu e se criou junto a familia Araruna, a quem servia desde a segunda infa ncia, com inexcedfvel dedicac;ao .

    Ma~ clc nao safa do pensamento daque la ge ntc . 0 proprio chefe do d: r que o eliminara de modo traic;oeiro e barbara, parecia arrependido da pr

  • iguais aos do pai. 0 primogenito do casal Daozinho-Julieta, nasceu numa segunda-feira, 24 de Junho, por isso Dona Josefina, a avo, sugeriu que quando o netinho fosse levado a pia batismal recebesse o nome de Joao; no que foi apoiada pela unanimidade dos membros de sua famflia crista...

    . Nessas alturas Rosinha se achava aos seis meses de sua indesejada gravidez.

    Como "o tempo eo Pai da Verdade" ,- na concep~ao positivista de Augusto Comte,- a Mentira, o Ludfbrio eo Falso nao tern vigencia eterna; ao correr dos dias , dos meses , dos anos, acabarao desacre-ditados, desmentidos e a verdadeira versao dos fatos vir?: a tona.

    Ignoro quem primeiro pronunciou este adagio vulgar que parece fruto de urn cerebra imbecilizado: "Matos tern olhos e paredes tern ouvidoso. 0 ' ' , - o que na realidade traduz algo que se nao pode centes-tar: tanto se afigura exato tal rifao que alguem ouviu cochichos vazados de urn aposento da casa-grande que externavam duvidas sabre a real participa

  • -

    As sete horas da manha de 7 de Setembro veio a luz urn menino robusto, alvo como a neve, com cerca de tres quilos de peso, cinquenta centfmetros de tamanho e ... olhos azuis! - como dois pedacinhos de ceu sem nuvens ...

    A sua aparencia com o filho de Julieta era U.io visfvel que , se nao fosse a diferen9a de idade, diriam todos que eram ... gemeos!. ..

    0 evento intrigou apenas a assistente e o portador que , apesar de surpresos, mantiveram-se discretos. As demais pessoas presentes a casa de Ana, a hora do parto, ja sabiam quem era o pai do garoto que Rosinha acabava de dar a Iuz . ..

    * * * * * *

    Pouco mais tarde , quando a notfcia se espalhou , sua repercussao tevc o efeito de uma bomba que explodia , entre os moradores da "Fazenda Nova", embora aquela gentc ja suspeitasse de quem era filho aqucle rebento, face aos boatos ouvidos e agora confirmados, principalmente porque sabia que "Colo" nao scria capaz de seduzir ou ofender, nem de !eve, a qualqucr das filhas do patnio, pois ele as considerava suas " irmas" ...

    ******

    0 Dia da Patria comemorado na Vila , teve como assunto domi-nante nas rodas sociais, - mio os tra9os biognificos de Pedro 1 ou de Jose Bonifacio, - mas os comentarios alusivos ao nascimento do

    ne~o de Araruninha (homem de fibra inamolgavel que sacrificara a liberdade, em defesa da honra da familia ... ) , filho de urn genro mau-ca-rater que 0 levou a rua da amargura, seduzindo e infelicitando a propria cunhada , - menina-mo9a gentil que era a "me.Jina dos olhos de seu ., )) pal. ...

    * * * * * *

    Na fazenda o recem-nascido permaneceria com sua mae Rosinha na casa de Ana e de seu marido Josafa, ate que os ecos do 'escandal~ amainassem a repercussao negativa e vexat6ria. E era tambem rele-vante que Araruninha, com a saudc abalada ha meses, nao soubesse de pronto, de quem era realmente o filho de Rosinha. Dona Josefina e seus familiares mais pr6ximos diligenciavam no sentido de conservar o esposo alheio a tudo o que ocorria nas ultimas horas, nos tiltimos dias.

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    Embora se mantivesse em silencio e meio desconfiado naquele nmbicnte anormalizado por sua culpa, Daozinho nao sofreu qualquer insullo ou incrimina9ao da parte de nenhum dos Ararunas, nem mesmo da pr6pria Julieta, sua mulher. Ningue~ ensaiava_ o me?or smal de hostilidade contra ele: esposa e sogra havtam combmado tsso. .

    Duas semanas se passaram e a vida da famflia Araruna parecta gozar do retorno a normalidade: _ aparente~ente, ja ~ao pe~turbava mais 0 aflitivo clima de apreensao que ha poucos dtas se mstalara sob o teto da casa-grande da "Fazenda Nova"... . _ .

    0 "duplo-genro",-como jocosamente, o vulgo apehdara Daozt-nho _ continuou levando uma vida rotineira de trabalho no campo, onde administrava extensa area plantada de legumes, cereais e a lgodao , a frente da qual sempre se manteve das 6 horas da manh~ as 4 da tarde, diariamente, menos aos domingos e dias de feira na Vtla.

    Sua principal refei9ao - o almo~o - era-lhe levada ao ro9ado as 11 horas, a mando da esposa por urn trabalhador afilha~o de Dona Josefina, que o pusera a disposi9ao do casal Daozinho-Juh~ta perma-nentemente. E le passava mais tempo a servi90 da casa que nao contava com empregada para auxiliar Julieta nos afazeres domesticos. Esse servi9at a ajudava bastante , ora carregando agua e lenha, ora levando recados a casa-grande, afora outros mandados... .

    Quando ele levava o almo9o deixava hi os pratos que eram traztdos de volta a tardinha, pelo consumidor dos alimentos ...

    * * * * * *

    Somente tres semanas ap6s o nascimento do filho de Rosi?ha foi que 0 fazendeiro teve oportunidade de ve_-lo,_nos ~ra~os de Julieta que 0 conduziu para receber do avo sua pnmetra ben~ao. Ante~ de 0 velho manifestar-se espantado com a alva cor do garoto, Juheta, sem rodeios, o informou: " o pai dele tambem ja nao existe mais! .. :"

    Araruninha desconfiava mas nao tinha certeza de que o menmo nao era de "Colo" e sim, de Daozinho. Agora esta sabendo que truci-dara urn mfsero inocente, por culpa exclusiva do maldito genro. E se sentiu consolado, quando, aquela hora , soubera do desfecho final de todo o drama vivido por ele e sua famflia: Julieta adicionara boa dose de estricnina a comida de Daozinho, ha dois dias passados, matan-do-o envenenadot Seu corpo jazia inerte, a sombra de uma ingazeira frondosa de onde fora removido pela famflia consangufnea, para sepul-tamento,' depois de 40 horas do desenlace fatal, ja em principia de decom posic;ao! .. .

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  • Julieta decidira vingar-se de maneira cruel do homem que lhe trafra, infelicitara sua inditosa irma e dera causa a morte de "Col6", -urn inocente! - eliminado por seu pai que, sendo urn cidadao honrado e pacato, fora induzi~o a palmilhar a senda do crime, na mais equivocada represalia a desonra sofrida par sua familia! .. .

    * * * * * *

    A instaura~ao de urn inquerito policial ainda chegou a ser iniciada pelo Sargento Joao Ferreira de Castro, Delegado do Distrito de Bonito de Santa Fe, porem, nao prosperou, porque ninguem se apresentara como testemunha para depor sabre o caso; na Vila nao havia medico legista para proceder ao exame tanatosc6pico , e o "diagn6stico" para a expedi~iio do atestado de 6bito, foi feito pelo ajudantc de boticario, Luis Pinto , que indicou como "causa-mortis": "Picada de cobra casca-vel", - offdio venenoso que infestava aquela regiao .. .

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  • PERDIDO NA ESTRADA

    " Ninguem se perde na volta, mesmo voltando sozinho .. . "- dizia o ~sc ritor Jose Americo de Almeida .

    Nao e verdade. Contesto-o. roi voltando que eu me perdf na estrada, nos caminhos e nas

    w n.:das ja percorridos, numa viagem cu rta, mas penosa, cheia de trope-\< IS:

    Ccrta feita dei uma perdida dos diabos, tentando voltar ao ponto dv partida.

    Pouco depois de completar meus 18 anos de idade, deixei Bonito dL' Santa Fe e saf por af, em busca de trabalho remunerado e meios para continuar OS estudos, interrompidos lui tempos . E Ia fu i eu a procura de uma Cidade maior, mais desenvolvida, ja que a terra natal nan dispun ha seque r de urn ginasio, mas apenas da escola primaria ondc, desdc os 12 anos, eu havia concluido esse curso.

    C heguei a Cidade de Coremas, te rmo da Comarca de Pianc6, 1-.st aclo da Parafba, e logo consegui emprego de Escrevente do Cart6rio do Rcgistro Civil , vaga recentemente aberta pelo ocupante desse cargo l' que havia se demitido, por motivo de saudc.

    0 Escrivao, Pedro Natividade , titula r do Cart6rio, mandou-me l' ll tao a Pianc6, para assinar, perante o Juiz de Direito, o devido Termo de Compromisso a fim de eu assumir oficialmente aquela func;ao.

    Face as circunstancias, tornava-se imperativo que a minha viagem lossc urgente: teria de ir num dia e voltar no mesmo, uma vez que aqucla rcpartic;ao estava com muito servi

  • Hoje e segunda-feira . Recebo a incumbencia e as instru~6es verbais sobre como proceder na Cidade desconhecida. Amanha, ten;:a, sera dia de urn ruidoso julgamento pelo Tribunal do Juri em Pianc6 e varios autom6veis de Coremas seguinio ate Ia, pela manha. E Pedro Natividade conseguiu uma vaga em urn deles para mim. Logo cedo seguf viagem, conduzindo o Livro dos Assentamentos de Termos.

    A distan~ia entre as Cidades era de sete leguas, por estradas de barro esburacadas. Nao obstante, chegamos logo a Pianc6, e, antes de iniciar-se a sessao do julgamento criminal , fui recebido e despachado pelo Juiz.

    Lembro-me ainda que o magistrado, - quarentao, de cabelos grisalhos, tez bronzea, bigodes raspados, - como que duvidando da minha maioridade penal (18 anos) , exigiu-me a identidade para confe-rir. Exibf-a . E ele, ridente , a camuflar inata austeridade, disse: "Sua aparencia denota a fisionomia de pessoa impubere ... "

    Primario, ainda, nao compreendf, por inteiro , a classica frase, mas percebf que o Juiz me achava mo

  • A Pelos ~eus calculos, o.s quarenta qui16metros que separam aquela estancta ptancoense da Cidade de Coremas, seriam vencidos em 6 ou 8 ~o ras ; de modo que bern antes do amanhacer do dia subsequente, estana eu chegando ao meu destino ... Ja antegozava presenciar uma cena de subid~ ~ubilo: Vera transforma~ao da fisionomia apreensiva de Pe
  • *** * **

    A meia-lua, ja em declfnio para o Ocidente, continuava "brincando de se esconder" por tnis dos nevoeiros descontfnuos . De vez em quando a pare cia luzente, para prestes desaparecer , encoberta pelas nebulosas de Laplace ...

    Coincidentemente, ela ressurgiu limpida , no exato momenta em que nos - o m ula e eu - passavamos pela entrada do caminho que ia dar na fazenda da qual sairamos, celeres e ufanos, no come

  • riente, na persegui
  • Cavaleiro e cavalgadura estafados, sedentos e famintos se encon-travam em estado de penuria sob a sombra da arvore amiga , quando avistei ao Ionge uma elevar;:ao topogr:Hica que se destacava pela altura impone nte, ao sope do qua l - imaginei - deveria haver urn rio, ribeinio, riacho ou regato coni agua, ou, pelo menos, areia umida onde pudesse saciar a minha sede e a do mula fatigado ..

    Interrompendo o breve descanr;:o reiniciei a caminhada movido pela viva esperanr;:a de encontrar o lfquido apetecido.

    A tres qui16metros dati deparei urn riacho que aguardava o inverno para subir as cabeceiras, mas, desde ja, ao Iongo de seu a real via-se, a curta intervalo , uma e outra por;:a com agua esverdeada. Numa delas matamos a sede que nos matava! ... Cavei o solo com as maos junto a primeira por;:a e tomei urn pouco de agua filtrada pela areia ...

    0 animal ap6s beber, com sofreguidiio, mais de vinte litros do lfquido polufdo, passou a comer com avidez as gramfneas que eram fartas a margem do regato.

    Em me nos de meia hora era eu o famin.to unico na rota da maldir;:ao. Eu. niio portava uma arma com q~e pudesse abater uma pequena car;:a que porventura surgisse a minha frente e nem topei uma s6 arvore com frutos naquelas paragens , de sorte que para minha fame niio existia remedio a vista .. . Ainda bern que a sede, que e mais'cruel e mortal , desapareceu do mapa das necessidades ...

    Vencido pela fadiga, retirei de sabre a seta a carona onde se achava o Livro dos Termos, para servir-me de travesseiro , e deitei-me a sombra de urn pequeno arvoredo , adormecendo a sono solto!. ..

    Quando acordei, tres horas depois , aproximadamente, estava dian-te de uma realidade crucial ; o cumulo do azar: o burro havia desapa-recido! . ..

    E haja peito para suporta r o trauma! A constatar;:ao desse fato me aniquilou. 0 choque instantaneo

    foi tao brutal que me abalou mais que todas as horas da noite tenebrosa que vivi ao sabor dos cardos afiados e dos sobressaltos . Quase entrei

    . I em pamco .... Andei riacho abaixo e acima a procura do animal sumido, com

    indizfvel ansiedade. Todo o esforr;:o nesse sentido resultara vao. A montaria do "cavaleiro errantc" sumira, como por encanto,

    da area onde pastava horas atnis , carregando a seta no Iomba, para Iugar incerto e niio sabido.

    * *** **

    68

    0 tempo que restava a tarde se escoava com a rapidez de urn rio caudaloso . Jura que nunca em tempo algum senti angustia rnaior!

    A segunda noite de provar;:ao martirizante amear;:ava desabar sabre a minha caber;:a que ja ra"ciocinava variando ao impacto de mais esse rude golpe do Destine.

    * * * * * *

    Com o ffsico acentuadamente debilitado e a alma traumatizada, tais vicissitudes me transformaram num arnbulante "bagar;:o hum ano".

    Quase exangue, carente de forr;:as para co nduzir peso maior, retirei da balsa o " Livro dos Term a s", sobracei-o , deixando a carona ali mesmo, embaixo do arvoredo e segui apressado pclo Ieito semi-seco do riacho , no rumo da foz.

    Eu ja havia palmilhado uns-quinze quil6metros quando anoiteceu. E continuei andando, guiado pela alvura da areia refletida no brilho da luz mortir;:a das estralas ....

    ***** *

    0 temor agudo parece anestesiar o estomago vazio do homem, fazendo desaparecer-lhe a fome ; dando tambem a impressiio de cessar as do res ffsicas, ao tempo que arrebenta o peito de ansiedade ...

    Quando mais tarde urn pouco uma nesga de lua apareceu, turva a minha vista, no horizonte, a tri lha sabre o areal ficou bern mais perceptive!.

    Passaros noturnos me assustavam de vez em quando, com seus gorgeios tetricos e voos repentinos a golpear o siiencio dos ermos percorridos ...

    * * * * * *

    A AVE DA SAL VACAO Niio era ainda meia-noite quando escutei o solene canto de urn

    gala, denunciando a existencia de alguma moradia nas proximidades. Criei alma nova e disse de mim para comigo: Ave bendita , se niio es urn porta-voz de Deus encarnas, nesta hora, o espfrito de urn Arauto Salvador!. .. E sentf urn subilo acesso de risos e prantos simultaneos: - antftese majestosa! .. .

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    - .

  • Ouvidos agu
  • meizinh~, ori.entado, banhei as contus6es,- o que me aliviou bastante a sensa
  • o res to cia vida . trocando a burocracia pcla agricultural Ho jc sci que mlo poderia dar certo largar a !eve pena e pegar a pesada enxada! - mas, por instantes pcnsei em fazc-lo ... 0 acolhime nto paternal e a confian
  • Abordados pelos emissaries do Escrivao Pedro Natividade, sabre o meu paradeiro, os homens da fazenda de Pianco nada puderam adiantar. Apenas informaram a especie de animal que eu montava e a hora da safda de Ia, rumo a Coremas, na 3~ feira a noite.

    * * * * * *

    Apos 5 dias do meu retorno a Cidade tomei conhecimento de que o burro sumido das margens do "Riachao" fora capiturado em terras do Municipio de Pombal, e devolvido ao fazencj.eiro Fernando Leite Montenegro , em Pianc6. E que o animal chegara as maos de seu dono estropiado e escoteiro: sem os arreios, nao se sabendo se estraviados nas matas ou roubados em algum Iugar . A carona foi encon-trada no local onde a deixei . Os filhos do lavrador Francisco Terto apanharam-na, devolvendo-a ao fazendeiro, por meu intermedio.

    A sela e seus acess6rios foram indenizados pelo Escrivao Nativi-dade . 0 Sr. Fernando Leite Montenegro que era velho amigo dele, ficou mais amigo ainda, diante dessa atitudc tao correta do homem desprevinido de letras, porem consciencioso e honesto.

    * * * * * *

    Antes de completar urn ano de trabalho na Escrivania, tive de deixar a func;ao, convocado que fui para colaborar na solu~ao de certo problema familiar importante e inadiavel.

    Dois anos depois tomei rumos diversos daquele que almejava se-guir pel a estrada da vida . E aqui estou eu a bater este "papo via-poc;o", distante cerca de 700 quilometros de Pianco e de Core mas .. .

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  • CABOCLO INDOMITO

    A lgurna rara vez, no curso de uma vida in te ira, ass iste-se a um dctcrminado episod io que, po r sua dram

  • uma dentaduni perfeita; de fal a mansa e pausada, articulava os vacabu-los fazendo economia de palavras, - o que , aparentemente, indicava tratar-se de urn imbele, pusill:lnime, quando, de fato, patenteava o oposto: nada temia ; nao sentia.receios de nada, fosse qual fosse a situac;ao adversa que proventura topasse!- como se sentisse aversao ao erro, havendo jurado fidelidade ao adagio: " quem muito fala, muito erra ... " Confiava mais na ac;ao do que no verbo. A prova dis to vira mais a frente ...

    ******

    0 CABO FERRO

    Ha quase 3 anos integrava o Destacamento Policial da Cidade, o Cabo Joao Ferreira Sobrinho, - o Cabo Ferro - mulato forte, alto (1,80 mts.) , de cara sisuda e bexigosa, (marcada pela varfola); voz de timbre agressivo e modos arrogantes no trato com as pessoas humildes; temido por suas constantes bravatas e ac;oes violentas; atrabi-liario e corrupto; conhecido do grande publico como valentao, sempre disposto a bater e arrebentar populares, nas rondas diarias, quando os prendia nos incidentes de rua; useiro e vezeiro em mandar os Solda-dos sob suas ordens, apreender armas de cidadaos pacatos , e depois vende-las a outros civis, a quem, no dia seguinte, desarmava , para negociar com novos paisanos, as mesmas pistolas e rev6lveres apreen-didos na vespera; manipulando, assim, urn rentave l comercio ilegal de armas, sem que ninguem tivesse tido, ate entao, coragem de denun-cia-lo as autoridades superiores, algumas das quais (Sargentos) se porta-vam omissas, com certeza, pela participa~ao nos Iueras das escanda-losas transac;oes mercantis ... Consoante se pode perceber, o impulsive policial t> ra urn caso de policia!. ..

    * * * * * *

    0 TIO MIGUEL

    Miguel Dias, meu tio , - irmao mais velho de minha Mae -vivera por varios anos, exercendo a atividade de Professor Primario itinerante, entre o Ceara e o Piauf; e, certa feita, decidiu abandona r

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    -

    o prccario magisterio, regressando daquele Estado nordestino, em com-panhia de urn amigo piauiense, ao interior da Parafba, onde nascera l ' sc criara; estabelecendo-se ali com urn acanhado ramo de comercio t' transporte: exportac;ao e importac;ao de mercadorias. Para isso adqui-riu, financiado, urn caminhao Chevrolet com capacidad~ de pe rcorrer longa distancia, deslocando algumas toneladas. Transportava sacas eomprimidas de algodao em pluma dos sert6es para o Centro Algo-dociro de Campina Grande; e, de Ia retornava carregado de produtos divcrsos: cereais, viveres , insumos, ferragens, tecidos, etc., destinados ao abastecimento de armazens, mercearias e bodegas de negociantes

    ~crtcnejos. Antonio Cabocio, (seu companheiro de andanc;a), era o chofcr do vefculo; o condutor de confian~a, responsavel pela viatura t ' rcspectivos carregamentos.

    A noite ou pelo dia,i Caboclo viajava quase sempre desacom-panhado do patrao e amigo; e dispensava calunga-ajudante. Era urn trabalhador infatigavel e solitario ...

    ******

    Num certo dia de Maio daquele ana, pelas 11:00 horas da manha, depois de percorrer urn estafante trajeto de 400 quil6metros, sem esca-las, cstava ele de volta a Cajazeiras. Parou o Chevrolet no largo da Esta

  • observado, inclusive, quando o chofer deslocou sua arma da cintura para a boh~ia.do carro ...

    A passo~ lentos, aproximou-se da presa, que considerava de facil domfnio, e, (nao obstante saber que se tratava de urn a flagrante ilegali-dade a apreensao de uma arm'a que ja nao estava sendo portada a cintg).sinicamente , abordou Caboclo: "Voce esta armado . Eu vi; me passe a arma! ... "

    0 pra

  • que !ado e~ta a razao nessa ~eleuma; se do seu, ou do deles. 0 Capitao-Delegado mandou-me conv1da-lo para prestar esclarecimentos a respei-to do caso; de modo que o sr. deve me acompanhar a Delegacia ... "

    Como resposta, disse CaboCio: "Se se trata de urn convite e claro que nao devo recusa-lo ... Queira o Tenente descupar-me a fr;n-queza.' mas, preso _por repelir urn " assalto", eu nao iria com as min has pr6pnas pernas, amda que urn batalhiio vi esse me buscar ... "

    -"Assalto?!"- indagou Benevides, boquiabeto . -"Ass~lto, sim" , ~ r~spondeu Caboclo, argumentando: "Logo

    que. eu desct deste cammhao, procedente de Campina Grande, veio aqm ~m soldado para desarmar-me, sem que eu estivesse armado ... Depots chegou u.m Cabo a~ompnhado de tres pra~as, com o proposito de levar-me a ptstola destmada a seguran~a da viatura e sua carga, nas estradas. 0 Cabo. Ferro - esse af, (apontou-o ao oficial)- chefia

    u~a gang de subordmados que diariamente apreende armas de cida-daos pacatos e nao as recolhe a Delegacia, como determina a lei : vende-as a outros .civis; de quem, no dia :seguinte, manda tomar para novamente negocta-las ... Tal procedimento s6 pode ser classificado de "assalto". E eu considero uma fraqueza admitir ser "assaltado" po~ quem deveria combater o crime , ao inves de pratica-lo ... " -Con-clumdo a dentincia, acrescentou: "Toda esta cidade sabe que estou falando a verdade ... 0 sr. naturalmente ignora esse vergonhoso proce-der do Cabo Ferro, porque e novato, vern de Ionge, chegado aqui

    r~cente~en~e ; as pessoas ofendidas e prejudicadas nesta Comunidade, at~da nao tlver~m ~hance de denuncia-lo, temendo represalias. Eu nao as _ te~o; nao smto o menor receio para repudiar as investidas dos dehnquentes; e nao era de hoje que eu aguardava uma oportunidade como esta, para levar ao conhecimento das autoridades competentes detalhes da n~fasta_conduta profissional deste Cabo e seus sequazes ... ,;

    Estarrectdo, dtante da gravfssima acusa~ao de Antonio Caboclo o Tene~t: Benevi~es sugeriu fosse ele fazer, de viva voz, essa dentinci~

    ~o Capttao Amenco, na Delegacia onde se achava aquele oficial, ja a sua espera ...

    Caboclo,_ ainda visivelmente irritadi~o pela presen~a do Cabo na Patru_l~a, dtsse ao Tenente: "Com todo o respeito a V.S., pe~o-lhe para emttlr tambem uma sugestiio: o sr. vai na frente com a Patrulha. Sou urn 'convidado'; seguirei atras, para niio parecer que estou indo preso ... "

    Benevides, de pronto, aquiesceu; e com os militares na dianteira ~C,~boclo na retaguarda;, chegaram na Delegacia onde ele penetrou

    escoltando a escolta ... E armado, - porque os policiais nao

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    lhc pediram a arma e nem ele se disp6s a entregar-lhes a pistola , ~,;spontaneamente ...

    * * *

    0 Tenente Benevides dos Santos apresentou o rnotorista ao Capi-lllo America Vespticio, afim de que o outro o ouvisse sobre a altera

  • i I

    A seguir, liberou o motorista, de quem, com urn forte aperto de mao, despediu-se; formulando-lhe votos de boa sorte no seu labor diario, tanto nas estradas como nas ruas por onde transitasse ... E , voltando-se para o Sargento da Patrulha ali presente , ordenou que fizesse recolher ao xadrez, por 30 dias, o cabo Joao Ferreira Sobrinho. Ato :continuo, determinou ao escrivao do seu cargo a abertura de inquerito polillial-militar para, legale burocraticamente, apurar os ilfci-tos denunciados, dando inlcio ao processo que, na forma da Lei e do Regimento Disciplinar, fossem aplicadas aos infratores as puni~6es merecidas.

    * * *

    Antes de retirar-se do gabinete do Delegado, Antonio Caboclo agradeceu ao Capitao America Vespucio os enc6mios e "votos de boa sorte" que se dignara formular-lhe , congratulando-se com aquela autoridade pela firme decisao de coibir os abusos policiais que vinham sobressaltando a pacifica popula~ao cajazeirense ...

    * * *

    Caboclo deixou a Delegacia sozinho; mas, nas ruas foi saudado (e aclamado) como her6i- (qual se fosse urn autentico libertador de Campo de Concentra~ao Nazista!) - por centenas de pessoas que acompanharam, a distancia , todo o desenrolar do empolgante epis6dio; o qual ensejara urn regozijo contagiante na comunidade que vinha escutando, ha Iongo tempo, chocada, os estridentes ecos do condenavel procedimento de certos policiais arrogantes, violentos e inescrupulosos, liderados pelo "temlvel" Cabo Ferro, ja agora desmo-ralizado, preso e processado! .. .

    * * *

    PS: - Soube-se posteriormente que o Cabo Joao Ferreira Sobrinho, vulgo Ferro, urn Sargento (Jose Francisco da Silva) e mais tres Soldados do Destacamento de Cajazeiras, foram expulsos dos quadros da Policia Militar da Parafba, por corrup~ao e abuso de autoridade ...

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    ---~

  • FLASHES DA HISTORIA DA PARAiBA

    Nascido na Parafba, onde vivi a infancia, a juventude e boa parte da mocidade, sobreveio-me urn vivo interesse de conhecer a fundo .1s rafzes demognificas do meu Estado e, bern assim, os fatos hist6ricos mais importantes la verificados, ao Iongo dos tempos , objetivando IClransmitir, fie) e detalhadamente , algunS desses epis6dios , as gera-t;Ol:S futuras.

    Inicio aqui o relata de uma mini-serie de acontecimentos drama-ltcos que a hist6ria deixou de narrar, por inteiro , desestimulada, talvez, pe l a "conveniencia de niio ferir suscetibilidades" ...

    Exaustivas pesquisas coletadas em vetusta documenta~ao esparsa possibilitaram-me redigir os textos que se seguem:

    * * *

    OS FATORES DE UMA TRAGEDIA SANG RENT A

    Quatro decadas ap6s o descobrimento do Brasil, em 1500, consta-lou-se que a Parafba possuia as terras mais ferteis e produtivas do Nordeste, notadamente a parte compreendida entre a Borborema e I) litoral , onde nao havia secas danosas a agricultura ou a cria~ao de gado; cuja gleba era densamente povoada por duas na~6es indige-llas: Tabajaras e Potiguares.

    Aqueles selvagens eram muito valentes e arrojados, no entanto , 111antinham-se pacatos e ordeiros enquanto a paz nao fosse perturbada 110 obscuro universe do seu habitat. Tranformavam-se , porem, em fcras indomaveis, quando provocados por qualquer tipo de insolencia do mundo civilizado.

    J amais praticavam assaltos ou ac;6es rapinantes as propriedades ulhcias: A cac;a, a pesca e alguns produtos agricolas que cultivavam no seu solo, garantiam-lhes, satisfatoriamente, a sobrevivencia.

  • A despeito de levarem uma vida mansa c pacifica, habitualmente, estavam sempre atentos e dispostos a repelir tentativas de invasao ao territ6rio e revidar afrontas a honra ou ao modus vivendi das duas tribos.

    ' * * *

    Os Potiguares tinham sua aldeia instalada no sftio "Copaoba'' , a pouca distancia da orla maritima e os Tabajaras erant domiciliados em tabas vizinhas, ao sui daquele grande sftio que se estendia por muitos quilometros: da extrema com Pernambuco ao hoje Estado do Rio Grande do Norte.

    * * *

    0 RAPTO DA INDIA YZAKIU

    Diogo Dias- urn homem branco de origem portuguesa, 40 anos , casado, 9 filhos; economicamente bern situado , - era urn arguto e concupiscente fazendeiro e agricultor pernanbucano das cercanias de Olinda , quando obteve, dos dignatarios lusos , urn a sesmaria nas varzeas de Goiana-Pe., limftrofe da area paraibana dominada por aqueles nati-vos; e se instalou ali com todo o seu pessoal: uma dezena de familiares; algumas centenas de trabalhadores e servic;ais, alem de sementes de gado vacum e animais de servic;o. Equipou-se de todos apetrechos para desenvolver amplas atividades agropecuarias; predominando a cultura de cana-de ac;ucar. Instalou grande engenho , - o "goianense" - que, quando entrou em pleno funcionamento, foi o maior produtor de safra ac;ucareira da Capitania Hereditaria.

    Instituiu uma milfcia privativa, - munida de armas brancas, baca-martes , clavinotes, espingardas e ate urn pequeno canhao- formada de brutamontes escolhidos a dedo, "para garantir a seguranc;a de seu patrimonio e de sua familia , contra possiveis assaltos dos indios Potigua-res e Tabajaras, seus vizinhos, que tinham fama de agressivos ... "

    * * *

    Antecipando a instalac;ao do engenho , Diogo construiu uma rustica e enorme mansao-fortaleza, no centro da posse e, em torno deJa , num raio de 500 metros , levantou cerca de vinte casas para moradores; edificou estabulos, armazens e urn predio a guisa de quartet , para

    11 lojar os milicianos; tudo isso em dais ou tres anos de trabalhos con-Hnuos

    * * *

    Transcorrera mais de uma decada sem que houvesse confronto .dgum entre o cHi de Diogo Dias e as populac;oes silvicolas d~ vizinhanc;a.

    Nao obstante presumir-se que o aparato belico montado pelo rura-li.,ta forastciro , em sua fazenda-engenho , objetivasse o desbaratamento dns nac;oes indfgenas, na primeira oportunidade propfcia, para ocupar, gratuitamente, suas terras e expandir o agropecuarismo naquela Canaa 1111cnsuravel, reinava plena paz entre civilizados e selvagens da regiao,

    1 11 ~ que , em certo dia, veio 'a ocorrer urn incidente de gravfssimas ronscqi.iencias , por "motivos futeis" ...

    * * *

    Obviamente, constitui sempre uma temeridade a perpetrac;ao da mais !eve afronta a gente selvaginea, mas Diogo Dias nao atentou para tal circunstancia, ao reter em sua casa, uma jovem filha do : aje potiguar, contra a vontade da moc;a e de dois irmaos que a conduz1am, de passagem pelo seu engenho.

    Diffcil se torna saber , com certeza, a quem atribuir a in feliz ideia de trac;ar este plano maldito: Aportara, certa feita, numa clara tarde de inverno, na taba de Inaguac;u,- respeitavel chefe da tribo Potiguar

    o mestic;o Lua, filho de india guararape com urn descendente luso; de 22 anos de idade, estatura mediana, boa aparencia ffsica , procedente d:t zona rural do eixo Itamaraca-Olinda, regiao onde Diogo desenvol-vera, anteriormente suas atividades campestres.

    0 jovem visitante foi bern recebido pelo cacique que o acolheu no pr6prio seio familiar. Tratava-se de urn tipo atlt!tico envolven~e;. dclicado e bastante maneiroso no contato com as pessoas; seu sonso hrcjeiro esbanjava simpatias, especialmeote entre as femeas selvaticas de quem se aproximava. Na primeira visita com o anfitriao manifestou 11 " desejo de integrar-se a famflia Potiguar, pelo resto da vida" -dissc, acrescentando: - " juro que este eo meu Iugar definitive ... "

    * * *

    Na verdade, o elemento adventfcio era urn malandro nomaode de rna fama; sedutor de mulheres de sua rac;a origimiria; indivfduo

  • de conduta reproba nos circulos sociais que freqiientava. Tais qualifi-cativos eram naturalmente ignorados por todos na aldei.1"indigena onde se aboletara.

    Logo no primeiro dia de sua cheg~~:a ~c~ba" , Lua enamo-rouse de Yzakiu, - filha mais nov.a de fn'agua~u; menina mo9a de 14 anos, dotada de rara .,eleza sil\;.stre;, ~ cuja mao pediu em casa-mento, ao completar uma semana de' namoro . 0 chefe da tribo, de muito born grado, concordou com eolance que foi marcado para o "advento da pr6xima lua-cheia" , ou se.ia.15 dias depois .. .

    "' * *

    Aconteceu, porem, que muito antes desse prazo, -a ausencia de Inagua~u, que fora visitar os Tabajaras e convida-los para as bodas da ca9ula - na calada de uma noite escura e chuvosa, Lua fugiu da taba, Ievando consigo a noiva, o que causou estranheza e revolta no seio da comunidade tribal, decepcionada.

    Pela manha, constatado o rapto, o cacique que acabara de retornar da viagem, despachou dois de seus filhos mais dispostos a busca aos desaparecidos, emitindo ordem expressa para trazerem de volta, a qualquer custo a filha raptada.

    * * *

    Seguindo as pegadas dos fugitivos, deixadas , nitidas, na terra ~n:olhada dos.caminhos e veredas, OS rapazes locarizaram-nos, a tardinha daquele dia , repousando numa cabana de sape deteriorada, existe~te num ermo bern adentrado da fronteira com Pernanbuco. Surpreendtdo pela presen9a inesperada dos dois emissarios, o casal nao ofereceu resistencia a captura.

    A saida da choupana, Luii, em subita disparada, penetrou na mata pr6xima, enquanto Yzakiu era aprisionada pelos irmaos e recam-biada ~ sua aldeia.

    Com a marcha -vagarosa do retorno, breve a noite chegou envol-vendo a Natureza-em densa escuridao. Exaustos pela longa caminhada, os filhos de Inagua9u, Ia mais adiante alcanc;aram a casa-grande do engenho de Diogo Dias, a quem pediram para pernoitar ali. 0 fazen-deiro mio se negou em atender a solicitac;ao. De pronto, mandou uma

    servi~al domestica armar duasredes no alpendre, para os dais homens; determinando, ao mesmo tempo, que a mo9a fosse acolhida num apo-sento especial, no interior do casarao.

    Essa atitude do hospedeiro foi interpretada pelos tres irmiios, como urn sincero gesto de solicitude e prestimosidade, ao arracha-los tao condignamente, naquela contingencia ...

    * * *

    A noite transcorria tranqiiila e calma, por sucessivas horas, ate o momenta ern que as cotovias - (aves noturnas agourentas!) -interroperam o silencio na madrugada, cantando, nas proximidades do patio da casa grande. Ao ouvirern o intermitente e aziago canto daqueles passaros, os dois h6spedes fortuitos, supersticiosos , -como o sao todos os gentios - sentiram a sensa9iio de urn mau pressagio, sem, contudo, atinarem para o que lhes poderia acontecer no caminho de volta de sua missao ...

    * * *

    Ao amanhecer, quando os rapazes se preparavam para prosseguir a viagem com sua irma, urn fa to inusitado e surpreendente veio trauma-tiza-los: Sern rodeios ou meias-palavras , Diogo Dias, estribado apenas no seu autoritarismo inconseqiiente , "aconselhou" que eles fossem embora sozinhos, pois "a moc;a iria ficar ali no engenho, fazendo-lhe companhia . .. " Os rapazes pediram-lhe por tudo que fosse sagrado que liberasse a irma; que 0 pai estava a sua espera, ansioso e preocupado com 0 destino dela; que eles mi.o podiam chegar a aldeia desaco.m-panhado daquela a quem tinham vindo buscar, tao Ionge ...

    Irredutivel na sua decisao de manter o sequestra e indiferente . aos rogos e pateticos apelos dos irmaos para que libertasse a irma, o enfatuado hospedeiro ordenou-lhes aos gritos, a imediata retirada de sua fazenda, "sob pena de rigoroso castigo ffsico ... "

    * * *

    Sentindo-se impotentes para enfrentar, a s6s , o arbitnirio senhor-dc-engenho, - homem que mantinha, freqiientemente, dezenas de milicos-paisanos armadas, ao seu redor- os jovens emissarios nada puderam fazer para retomar a menor que continuou retida no casarao do "Goianense" .

    Seriamente ameac;ados , partiram sem ela, as pressas, rumo a "Co-paoba" , onde chegaram ao rneio-dia, resfolegantes e aflitos, levando consigo a rna notfcia ...

    93

  • Ao tomar conhecimento do chocante epis6dio que patenteava o prop6sito de uma afronta intolcnivel aos brios potiguares , o cacique reuniu em torno de si 0 pessoal mais fntimo , afim de debater 0 momen-toso assunto para encontrar a melhor forma de reagir aquelc ultraje, afirmando , preliminarmente, q'ue " derramaria ate a ultima gota do seu sangue para vingar tal ofensa a nossa honra .. . "

    0 alvitre da maio ria dos presentes era de que fosse adotada medida "violenta e imediata" contra a provoca~ao do atrevido ruralista, mas Inagua~u , -alma de lobo feroz com cabe~a fria e calcu lista - avesso ao afobamento e as precipita

  • VIAGENS INUTEIS E UM ESTRANHO CASO DE

    AMOR

    Muitas vezes viagei para ficar Ia - e nao fiquei ... E a ultima viagem que fiz para voltar, - nao voltei. ..

    Isto, porem, e assunto que eu reservo a ulterior ocasiao: depois contarei, detalhados, os fatores dessa viagem sem volta ...

    * * *

    Nascido e criado numa pequena e acanhada comunidade sertaneja do Nordeste, de tudo carente, inclusive de meios para continuar os estudos ap6s fazer o curso prim:hio, estimulado por meu pai, estive viajando para diversas cidades grandes do litoral, onde procurava me situar, atraves de urn trabalho remunerado e estavel que me assegurasse a nutric;ao do corpo e o desenvolvimento mental.

    Estive par algum tempo em Fortaleza; depois em Joao Pessoa e no Recife; muito jovem ainda, nao logrei o exito almejado. Aos 17 anos, em 1941, tentei chegar ao longfnquo Rio de Janeiro. Era . epoca de transportes precarios e onerosos; de sorte que, ao aportar na Bahia, o ja minguado recurso financeiro de que dispunha , evapo-rou-se, e eu acabei empacado ali, indo enfrentar o cabo da pa e da picareta, na construc;ao da base aerea (hoje, aeroporto 2 de julho ), distante 36 quilometros do centro de Salvador; Iugar in6spito e selvagem que nao oferecia a minima condic;ao de se abrir urn livro para estudar.

    Dois anos depois, quando arranjei uma colocac;ao na cidade e me preparava para a grande "arrancada no caminho das tetras", recebi de casa, assinado pelo chefe da familia, o seguinte telegrama: "procure saber on de apresentar-se; voce foi convocado para o servic;o militar" .. . 0 mundo ocidental estava em guerra contra o nipo-nazi-facismo, e o Brasil era urn aliado das Democracias, malgrado estivesse sob urn governo ditatorial. ..

    0 co man do do quartel de Sao Joaquim onde me apresentei aconse-lhou-me servir no meu Estado natal, fornecendo-me urn passe pelo aviao da FAB, para a capital paraibana.

    Deixei a Bahia pesaroso, pouco antes de dar inicio a conquista do meu objetivo; ou seja, matricular-me no ginasio baiano . ..

    Bastante emocionado, despedi-me da namorada, Joselita Pereira da Silva- a Zelita - , alma de nobres sentimentos, a quem prometi voltar urn dia a sua cativante convivencia. Mas, obstaculado par capri-chosas circunst

  • na Republica; b)-ao arbitnirio prop6sito do chefe do governo central, Washington Luis, que nao admitia fosse suplantado nas urnas o seu candidate, Julio Prestes, Governador do Estado de Sao Paulo; e c) -a escandalosa fraude eleitoral com que se processara o pleito.

    A maioria do povo brasileiro, que ha bastante ~empo vinha insatis-feita com a famigerada polftica do "cafe-com-leite" - (somente Sao Paulo- (cafe), e Minas- (Ieite), gozavam do "direito" de elegerem os presidentes da Republica)- manifestou-se, abertamente, contniria ao situacionismo federal, quando ecoou nos quat~o cantos do Pais o tnigico som do estampido das balas que mataram Joao Pessoa, cujo au tor material do homicidio fora Joao Dantas, filiado ao PRP- Partido Republicano Paulista - agremia

  • no rumo do pallkio C~mpo das ~rincesas, em busca de abrigb e protec;ao do govemante perreptsta, Estacw Coimbra . Sendo, porem, perseguido por. ~o.pulares , entrou num sobrado da rua Nova, onde foi preso por pohctaJs, antes de alcanc;ar o se1;1 objetivo.

    A polfcia, seguida de perto por uma multidao revoltada com a pe~petrac;ao do barbaro homicfdio, e que ameac;ava lincha-lo, conduziu ~oao Dant~s a penitenciaria. A li ficou ele detido, aguardando posterior Julg~~ento da Justi

  • sal6es; e ~e~, se expu~ha as intemperies. Em suma: desem enhou ~~m rara ftdehdade o multiplo papel de excentrico, egoista e des~mano a como o personagem que encarnava . '

    granava-se de haver sangrado o assassino de Joao Pessoa' arregou no recondite da alma durante toda ..

    existencia, o expectro de u~a dupi~ personalidade~ ~~~0 t~e:S~~';;;~~ com .dque enfrentava graves sttua~6es e pelas atrocidades cometidas cons1 erava-se urn "super-homem" ao t . , 1

    1 . . . ' empo que patrocmava urn vis'-

    ve comp exo de mfenondade ffsica: era gorducho" d b . I - 1 t 55 t ~ e a1xa estatura de a:oe~ hol~n~s. - ; cor branca-avermelhada , parecendo descender

    eses . ..

    Dir-se-ia que o Dr. Luf de G6is era dotado de mais voca ao car~asco do que para facultative: sabia-se que ele a bordo~ d para nav10 da " t " ' e urn cos etra . executara urn sargento da Marinha d G apenas _po~q~e o militar manifestara-se discordante dos s: s ~derr~, revolucwnan os... u 1 ea1s Pais ~;ati~ou tais atos violentos e, quem sabe, muitos outros mais pelo

    . . ora, ~orr~~ ~a cama, aos 88 anos 'de idad R . ch~IC_U ate ~-derr~~eiro an() de_ Sua longa v!'da~ ~' .. ~0 ectf~1 9~e -- - --

    * * *

    fEu o :Vi d~ perto por duas vezes: a primeira, na decada de 1950

    na armacia Mmerva em Macei6 ' d dT . . ' ' a outra, nos anos 60 num elevador o e I tCIO ~ohm6es, de Recife, onde ele mantinha consult6rio medico

    sempre vaz10 , no 6? andar. ' Traj_av~-se i~pecavelmente , envergando indumentaria bern talha-

    da ?e c~Slffil!a ou lmho~ nunc~ prescindindo de colete justo (apertado!) no mtmto vao de reduztr a sahencia da vol ' gante corpo de altura diminuta. umosa pan~a, naquele desele-

    * * *

    REVOLU

  • II PARTE

  • ACROBACIAS DO DESTINO

    Meu pai, que era urn Tabeliao Publico, Escrivao do Crime, do Juri e do Registro Geral de Im6veis etc., depois de 35 anos de servi

  • Chamei meu pai para uma conversa em particular, e disse-lhe: Deixe a mo~a continuar Tabeliii; quando casar-se procure transferir o cargo ao marido deJa, que eu "vou por ai afora", em busca de urn titulo de advogado, poise o que mais aspiro conseguir na vida ... Niio pretendo desarranjar uma siiua~iio que me parece de born alvitre ve-la continuar inalterada. Meu pai manifestou-se satisfeito com tal

    resolu~iio , esposando plenamente a ideia do filho, a quem abra

  • Tal comportamenta. pare ceria normal ou vulgar, se urn interprete de tao cativante papel fosse um afavel diplomata chines ou um manhoso politico profissional. Tratava-se, porem, da respeitada figura de urn emerito magistrado da Suprema. Corte Judiciaria que se iniciava em novas. e antagonicas atividades, aos 40 anos.

    Aquele gesto de amabilidade inesperado do novel mandatario pa-raibano , provocou inusitada perplexidade no ambiente: Secretario de Estado, assessores de primeiro escalao, funcionarios de destaque e alguns circunstantes que presenciaram os lances do fraternal acolhi-mento do Chefe do Governo a minha humilima individialidade, queda-ram-se visivelmente admirados. E eu embevecido ... Mais que isso: enlevado, absorto, empolgado. Quase em extase profunda! ...

    Muitissimo emocionado, desloquei-me do portiio do Palacio a pra-~a froteiri

  • ra~ao de seus servi~os de tranporte no Nordeste. 0 predio da Esta~ao se achava feericamente iluminado!- Contrastando com a ilumina~ao publica da cidade que parecia feita com pequenas tochas medievais, suspensas no topo dos postes de.metal fundido.

    E fui verde perto aquela esplendida gambiarra de beleza luzidia! Eram as primeiras lampadas "philora" - especie modemissima de luminarias, 100 vezes mais brilhantes que as comuns - chegadas ao Brasil, importadas da Inglaterra

    No salao principal onde ficam as bilheterias, estavam expostos em cavaletes diversos quadros negros indicando, com tetras brancas de giz, OS honirios de partida do trem para varios lugares: Garanhus, Jaboatao, Moreno,Caruaru, Macei6 ...

    Ao ler esse nome ocorreu-me uma nova ideia: conhecer a famosa "Terra dos Marechais". Em Macei6 se encontrava cursando a Facul-dade de Dire ito- (juntamente com outros cole gas academicos paraiba-nos, pemanbucanos e potiguares, que, convocados para serviram ao Exercito em 1942, haviam sido desmobilizados em Aldeia , no p6s-guerra, em 45 e decidiram reiniciar o curso em Alagoas) - o meu irmao mais velho, Genival, (hoje Desembargador do Tribunal de Jus-

    ti~a da Paraiba), a quem eu nao via ha mais de tres anos. 0 seu endere~o familiar era-me ignorado, mas nao seria diffcil consegui-lo naquela cidade, atraves da Secretaria de sua escola.

    lncontinenti dirijo-me a urn dos guiches que se achavam em funcio-namento, disposto a adquirir logo uma passagem para o vizinho Estado; entretanto, o funciomirio me informou que somente na manha seguinte eu poderia comprar o passe.

    Estranhei a informa~ao, por estar presenciando pessoas outras obtendo passagem aquela hora. Ele entao explicou: "Os bilhetes vendi-dos agora sao para viagens em trens de suburbio. Para Garanhuns, Caruaru e Macei6, s6 amanha, pela manha, poderao ser extraidos .. "

    * *

    Voltei a pensao com o firmissimo prop6sito de dormir e acordar bern cedo para viajar a Capital das Alagoas, onde pretendia passar duas semanas "matando o tempo" que me faltava para a chegada do dia "D", ou seja, o 29 ou 30 de maio, quando eu estaria, impreteri-velmente, na honrosa presen~a do Governador Oswaldo Trigueiro.

    * *

    Dos 400 cruzeiros- ( consideravel quanti a naqueles bons tempos!)

    qu~ meu pai me dera, quando deixei Bonito de Santa Fe, rumO h Cap1tal, restavam-me, ainda, mais de dois ter~os. Aquela epoca n moeda era estavel; nao havia infla~o e o dinheiro tinha mais valor l. os homens do Governo inspiravam confian~a maior... '

    ~ passagem de 1? classe Recife-Macei6 custou-me apenas vinte cruzc1ros e dez centavos. Tomei o trem pelas seis horas da manha ~iaja_ndo quase o dia inteiro, com escalas nas dezenas de esta~6e~ mtenoranas, ao Iongo do espichado percurso.

    * * *

    CHEGADA A MACEIO

    Eram cinco e meia horas da tarde de 10 de. maio. de 1947 quando dcsembarquei na Cidade em que teria de permanecer cerca de quinze dias, s.egundo urn compromisso de honra assumido por mim perante n minha pr6pria pessoa ...

    * * *

    0 Palacio Episcopal, bern defronte a Esta~ao Ferroviaria e o MajestosQ_Q~dio ~.? ~1~: Vi~ta Palace Hotel- (que eu teria de demo-lir aman!_la ... ) _--:- (

  • TROPEL DE BARBAROS

    Chegado ao hotel registrei-me como h6spede do quarto no? 5, ainda dia claro, pouco antes de os sinos da Igreja do Livramento, ali bern perto anunciarem a Hora do Angelus.

    Eu. estava sentado a mesa da ceia quande se rezava no templo a Ave-Maria,- aquela epoca, uma prece ouvida com devo

  • I

    Como se pode facilmente constatar, a minha chegada a Macei6 recebeu urn "batismo de fogo ... "

    * * *

    BENJAMIM PESSOA E PEDRO TEN6RIO

    Guardo indelevel lembran~a de Benjamim Pessoa, - inspirado poeta paraibano, parente consangufneo do Presidente Epitacio e de Joao Pessoa.

    Em 1945, quando o conheci, moravamos na mesma pensao anoni-ma, (casa de familia que aceitava h6spedes credenciados pela identi-dade): eu, soldado da 23! circunscri~ao de Recrutamento, desarran-chado; ele, funcionario publico, aposentado, solteirao aos 50 anos de idade.

    Tornamo-nos boos amigos. Possuia Benja~im Pessoa uma sortida ~iblioteca instalada no espa-~oso quarto que habttava. Sua cultura geral'era invejavel. Abeberei~me bastante no I ago inesgotavel de seus conhecimentos ...

    Quando saf da entrevista que mantive como Governador Oswaldo Trigueiro e decidi "matar o tenipo" ate o nosso reencontro em 21 dias posteriores , eu s6 pensava nesta quadrinha poetica da lavra de Benjamim:

    "Matar o tempo ... que asneira Dizemos constantemente; Eo tempo vai, sem canseira, Aos poucos matando a gente ... "

    * * *

    Excetuando o carregador de bagagens que me serviu quando de-sembarquei do trem, Pedro Ten6rio, - dono do Hotel Luso-Brasileiro em que me hospedara - foi a primeira pessoa com quem mantive di

  • Sentamo-nos no mesmo banco da viatura,- assim como na pra15a - e partimos, sem interrup15ao do papo diversificado e futil. 0 pesado coletivo, com Iota\faO resumid~, se arrastou moroso; porem, em face do adiantado da hora, poucas vezes parou nos pontos desertos de passageiros , de modo que, em menos de 20 minutos, atingiu o fim da linha, na Prac;a Santo Antonio, tendo feito sua pemiltima parada bern defronte a casa deJa a 100 metros da prac;a. Despedindo-se com urn forte aperto de mao, ela desceu ali e acenou calorosa, como se_ me dissesse adeus!. .. Previa talvez o futuro: aquela fora a primeira e derradeira vez que nos nos vimos ...

    Na pra15a o condutor virou a lan\fa do eletrico para dar infcio a marcha de volta . Com apenas dais usmirios, - eu e urn boemio notfvago - o bonde fez o trajeto em menos de quinze minutos. Desern-barquei no mesmo Iugar de onde safra na Deodoro.

    * * *

    Eram quase 11 horas daquela noite quando indaguei de urn tran-seunte on de ficava o centro da cidade? ... apontando-me o Grupo Esco-lar Pedro II , disse ele: "Siga pelo flanco esquerdo daquele predio e ande mais 300 metros que encontrara o ponto mais central de Maceio, na rua do Comercio ... "

    La recostei-me num dos automoveis estacionados, em fila, ao Iongo d~ trecho principal daquela arteria, observando a movimenta\faO de pessoas na porta do Cineart, - atual cinema Sao Luis- do qual, instantes depois, encerraria a ultima sessao noturna.

    Entre os assistentes do filme que deixavam a sala de proje9ao, "identifiquei" urn personagem pelo uniforme que vestia, abordando-o: Era urn aluno do N.P.O.R., (Nucleo de Preparac;ao de Oficiais da Reserva do Exercito ) , em cuja tunica viam-se , nftidas, tres fitinhas brancas horizontais, indicando tratar-se de estudante de nivel superior. Como em Alagoas a unica faculdade existente naquele tempo, era a de Direito, a ele dirigi-me: 0 Sr. conhece o academico Genival Ferreira Caju? Sou irmiio dele. Venho da Parafba. Cheguei aqui hoje a tarde , sem seu enderec;o e preciso ve-lo .. . "Conhec;o-o, sim; estuda-mos na mesma escola ... " - respondeu-me acrescentando: "Nao sei, todavia, o domicflio dele, mais ha por aqui quem o saiba." Nesse exato momenta fa passando pelo meio da rua urn outro estudante do curso jurfdico que , indagado pelo tenente, nao so revelou onde morava o colega, como teve a gentileza de conduzir-me ate Ia: Rua Nova, 42, Centro.

    Quando batemos a porta do pequeno quarto localizado nos fundos da pen~.~9-.. ~.9.o~_!l __ Lin.9.!!:_Queir6,s 1 _~~-CU!~~.L~;n.oit\(""' 0 rapaz que dormia despertou. Abrindo-nos a porta do catre que habitava, surpreendeu-se com minha presenc;a inesperada. Agradeci a prestimo-sidade de meu acompanhante que se despediu de nos urn minuto depois do reencontro dos dais irmaos ... Por urn a bora a fio tratamos - o meu irmao e eu - de assunto gerais sabre a famflia e a terra distante que nos serviu de berc;o. Nessa ocasiao informei-lhe que "a minha permanencia em Maceio seria de, no maximo , duas semanas, improrro-gaveis, em face de compromisso assumido perante o chefe de governo paraibano."

    Retornei ao hotel Luso-Brasileiro e, no dia seguinte, reatamos o papo interrompido na madrugada anterior, pondo em dia todas as nuan93s de nossa vida, nesta longa ausencia de contato pessoal.

    Ele trabalhava e estudava. Sua ocupac;ao fora das salas de aula, era chefiar urn modesto escrit6rio da Kosmos Capitalizac;ao instalado no a~da._~~~.P.~!!?L~~ -~o~~!:!!'~~~.~~~.!.~.!i2.!ii~~-~a-~}i.~~a -~ Ll~ra

    ment?) _~m pr6,xima do meu}_1~tel.

    * * *

    PASSEIOS PELA CIDADE

    Nos dias que se sucederam a minha chegada eu passeava por toda a parte, procurando conhecer tudo na cidade, interessado em aproveitar hora par hora, os 15 dias de minha estada na Capital ala-goana.

    Para mim uma das melhores atra96es foi alga que continha boa dose de "sadisrno dvico": presenciar debates politicos , com cheiro de p6lvora! ... 0 governo Silvestre Pericles acestara as baterias contra o poder Legislativo, onde contava apenas com a minoria de seus mem-bros; mandando cercar a Assembleia par fon;as policiais militares arma-das ate os dentes, com ordens expressas de fuzilar os deputados adver-

    s~irios que tivessem o "topete" de atacar verbalmente a personalidade do Governador, principalmente se fossem parlamentares comunistas. Trcs moscovitas haviam sido eleitos e Ia estavam: Andre Papini G6is, Jose Maria de tal e urn outro cujo nome niio retive a memoria.

    Os porta-vozes de Prestes temiam as amea~as do Doidinho de Alagoas, - alcunha mordaz que o exaltado governante recebera, pa r suas bravatas, da parte do jornalista Carlos Lacerda, atraves de 1 ccente artigo de 1 ~ pagina inserido na Tribuna da Im prensa do Rio

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  • de Janeiro - e pouco usavam da palavra para censurar o intolerante mandatario. Mas, em contrapartida, os Deputados Lourival de Mello Motta e Joaquim de Barros Leao, arrojados democratas- indiferentes ao clima ameacrador que pairava no ar a sua volta, sem qualquer especie de segurancra que os protegesse, llsavam os verbos mais cadentes contra os ato~ e atitudes governamentais. Tal desassombro que constituia uma temeridade, empolgava a populacrao que os via como verdadeiros her6is! .. .

    Joaquim Leao, -urn homem modesto, nascido no Interior e radi-cado na capi.ta.I, cuja familia era constituida de oito pessoas, (todas do sexo femmmo: a esposa e sete filhas mocras, ainda solteiras) -certo dia fora preso, arbitrariamente, malgrado suas imunidades consti-tucionais, atnis das grades da cadeia publica onde se achava recolhido, recebeu a vlslta do Govcrnador que se acompanhava de guarda-costas, ocasiao em que este lhe dirigiu toda a sorte de insultos verbais, inclusive improperios nao publicaveis, culminando com uma cena de natureza cobarde: seu coator sacando de urn punhal que trazia a cinta tentou ' entrega-lo ao detido dizendo-lhe: "Se vo~e tern coragem de' usar as arm as como usa a lingua, fira-me agora seu crapula acorvadado ... "

    0 Deputado , como era 16gico nao seria tao imprudente ao ponto de fazer sequer mencrao de pegar na lamina da arma branca: seria

    ' . ' no m1mmo, acusado de atentar contra a vida do "valiente potentado" , se nao fosse sacrificado incontinenti pelos capangas oficiais!. ..

    * * *

    Ja o deputado Mello Motta, que tinha onze irmaos homens, -inclusive urn oficial superior do Exercito , (Coronel), o qual ja havia i?o ao pa!acio, alguns dias antes e advertido o Governador, responsabi-hzando-o por qualquer ofensa, fisica ou moral que, porventura, seu mano parlamentar viesse a sofrer do governo - jamais fora detido ou insultado pelo Gengis Khan alagoano. Como se vee corretfssimo o rifao popular: "0 boi sabe aonde arromba a cerca .. . "

    ... :-......- ... - ~----... ,. .......... -~;;.;;.;;;...;;..;;.;;

    * * *

    Para quem era -:- e ainda o sou - fascinado pelas lutas democra-ticas e vicissitudes polfticas de todo o genera, aqueles acontecimentos, apesar de me abalarem a sensibilidade, constituiam-me atracroes irresis-tfveis!...

    Mas nao foi isso somente o que me deteve em Alagoas por mais tempo que o estabelecido, programado . .. 0 meu destino, que nao

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    tlnha coisa melhor a fazer, conspirava contra mim: Foi-me envolvcndo, de maneira sutil, nos seus labirintos, e eu mio percebia o abismo da lmcrsao ao fundo das rnalhas, exanime e sem chances de me desven-cilhar delas! Veremos rnais adiante . . .

    E ruia por terra tudo aquila que me parecia inabalavel; sem risco de desmoronar, devido ao firme prop6sito de realizar o sonho mais ulmcjado e ambicioso de toda a minha vida: voltar a Paraiba na data uprazada e assurnir o posto funcional a mim reservado pelo eminente Governador Oswaldo Trigueiro.

    * * "'

    GRATIDAO INGRATA

    Nao havia eu completado ainda urna semana dt\,estada ern macei6, quando uma sucessao de casos banais assumiu foros de alto relevo, por injuncrao do meu destino que , "desde as epigeneses da infancia", vcm-m~ surpreendendo com suas nuancras caprichosas: sempre que me deslocava do hotel no 2? horario, para assistir as sessoes da Assem-bleia J_,egislativa que se realizavam nopredio da Associacrao Comercial de Jaragua, encontrava-me com urn rapaz de nome Luis Ddgado, contador de urn armazern naquele bairro, o qual sentia as mesrnas utracroes que eu, pelo desenrolar dos acontecimentos politicos da atuali-dade. Travamos relacroes de amizade e ficavamos juntos nas galerias, ucompanhando juntos os inflamados debates parlamentares entre os dcfensores do governo e oposicionistas.

    Como aquele empregado de ernpresa privada ja estivesse contra-riando os seus patroes, por estar chegando atrasado aos expedientes da tarde, e, as vezes ate faltando a eles, ao ficar horas esquecidas na Assembleia, alheio aos seus afazeres funcionais na firma emprega-dora, certo dia pediu que eu lhe telefonasse as tres horas (03,00 hs.) , dizendo ser o seu dentista que o aguardava no consult6rio; isso, como hom argumento para ausentar-se do trabalho naquela tarde de grande cxpectativa nos debates, evitando, assim, o agravamento de sua situa-ctlio de servidorrelapso, frente a chefia do escrit6rio comercial.

    Prometi-lhe cumprir fielmente a mlssio embromatoria ... Forne-ccu-me o ntimero telefOnico e, pouco antes desse honirio sai pela Rua do Comercio a procura de urn aparelho para transmitir-lhe a mensagem do "odont6logo" ...

    Eu nao conhecia ninguem e nem loja alguma que tivesse telefone na cidade. Inexistiam os orelh6es de agorae o enderecro da Cia. TelefO-nica local eu desconhecia tarnbern.

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  • Andando a esmo, mas preocupado com a bora que se aproximava, em dado momento avistei sobre o balcao do 6? Tabelionato de Notas, bern em frente a agencia Ford , urn telefone negro que jazia ali tranqiiila-mente desocupado!. .. Com ares de quem sentia imperiosa necessidade de fazer uma urgente comunicacrao, pedi para usar o aparelho por urn instante, no que fui prontamente atendido pelo Tabeliao Julio Auto Cruz Oliveira, titular do Cart6rio.

    Era ele, - tive conhecimento depois, - renomado homem de letras da Academia; poeta primoroso e bonissima pessoa humana.

    Disquei por duas vezes e acusava ocupado o outro lat:lo da linha. Enquanto aguardava o descongestionamento fiquei escutando a con-versa mantida entre o Dr. Julio Auto e urn cidadao seu amigo de nome Macedo. Lembro-me bern que o Tabeliao lamentava profunda-mente a perda de urn eficiente auxiliar que, no dia anterior havia se exonerado do cargo de escrevente do Cart6rio, ap6s 13 anos de servicro ininterrupto, privando-o abruptamente, da colaboracrao indis-pensavel de urn servidor competente e de inteira confiancra.

    Passados alguns minutos de espera voltei a discar. Dessa vez conse-gui o contato com Luis Delgado, a quem informei que ja ia tomar o transporte para Jaragua. Antes, porem, de deixar o Cart6rio, alem de agradecer a solicitude do Notario, pela concessao do telefonema, ofereci-lhe os meus prestimos, pondo-me a sua disposicrao para substi-tuir, por alguns dias, o auxiliar demissionario. Nesse lapso de tempo - disse-lhe eu - podera surgir urn outro elemento capacitado para ocupar definitivamente o Iugar ...

    0 Tabeliao, visivelmente surpreso ao ouvir a minha sugestao, indagou-me: "E voce conhece a materia cartoraria?" - Como nao? respondi-lhe - se sou filho de urn velho Notario da Paraiba, a quem servi por muitos anos seguidos, nessa mesmfssima funcrao, em Bonito de Santa Fe? ...

    Ainda assim, incredulo e urn tanto desconfiado, o Dr. Julio Auto convidou-me a "fazer urn teste de tres dias, a partir de amanh:i ... "

    As 9 horas do dia seguinte cheguei ao Cart6rio para o "vestibu-lar" ... pouco antes do encerramento do primeiro expediente, ja tendo eu redigido e trasladado algumas procuracroes, escrituras e formais de partilha, ele, descontraido e sorridente, aproximou-se de mim para confessar: "Percebo que voce e realmente apto para este trabalho. Fique comigo. Iremos nos dar muito bern ... "

    Fiquei. Quatro dias depois novas alteracroes se processaram no meu mo-

    dus vivendi, por injuncrao exclusiva de urn destino sempre obstinado

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    t"lll dcsviar-me da rota que tracei para seguir os aspirados caminhos tla vida .. .

    * * *

    NAMORADA SEM AMOR

    Estava eu completando o 10? de permanencia em Macei6, quando, ao pcra mbular a noite , pelas pracras em que se faziam retretas, arranjei uma na moradinha que pensava mais no em pre go que no amor...

    Chama va-se Maria das Nuvens Monteiro e Silva e residia no popu-loso bairro da Ponta Grossa, as margens da lagoa Manguaba.

    Quando eu !he disse que era urn forasteiro, recem-chegado da Pa rafba e que estava trabalhando num Cart6rio ha alguns dias, ela n:io conteve a ansiedade e pediu-me para "ver se era possfvel conse-gui r-lhe urn emprego , em qualquer lugar, publico ou privado ... ", ap6s rcvelar em sfntese, a hist6ria de sua vida, da adolescencia a mocidade: "Tenho 21 anos incompletos. Cursei o ginasio noturno e aprendi datilo-grafia . Desde os meus 15 anos trabalhava na Galeria Cruzeiro junta-mente com duas dezenas de outras mocras. No final do ano passado os pa tr6es cometeram uma injusticra clamorosa contra tres colegas nos-sas, dispensando-as , sob acusacroes infundadas. N6s outras , - cerca de 10 ou 12 - em solidar iedade as injusticradas, pedimos as contas c saimos tambem. Faz quase seis meses desse epis6dio. Arrependo-me ho je daquela atitude precipitada que tomei numa terra em que o mer-cado de trabalho e negativo. Minha familia e de classe media baixa. Somente possuimos de nosso a moradia. No momento atual apenas meu pai trabalha, percebendo urn pouco mais que o salario-mfnimo. AI em de le e de mim, e.m iwsso modesto Jar , minha mae e minha irma menor completam o quadro familiar. Em casa, desacostumada, nada fa~o ; nada sei fazer; os servicros domesticos nao me atraem; pelo contrario, - aborrecem-me. Nao nasci para cozinhar nem lavar pratos. Conhecro elementos de contabilidade , escrevo a maquina com relativa desenvoltura , mas aceito trabalhos de balconista a falta de outras fun-

  • as. 7 horas, enquanto que o Tabelionato funcionava a partir das 9. D1spunha eu, portanto, de duas horas para diligenciar urn trabalho remunerado para aquela jovem tao disposta a enfrentar 0 batente ...

    * * *

    ~ .primeira casa comercial onde entrei para falar a gerencia, era uma f1bal de Pernanbuco das Lojas Paulista que, segundo fui informado a "admissao de pessoal aqui depende de autorizac;ao da matriz e~ Recife ... " '

    0 gerente da loja a quem abordei, era urn senhor tratavel e de boa vontade que se dispos a ajudar-me na diligencia pelo emprego

    ~a moc;a, encantado talvez com seu curriculum vitae, informando-me: E~ soube que"? .DVOP (Departamento de Via9

  • trou. Creio: fui aluno de meu pai que mio admitia o deslocamento de uma vfrgula sem repreender-me pelo desleixo, a neghge~ci_a... _

    Ato contfnuo fez-me acompanha-lo ate a sala da Admmtstrac;ao. Perguntou o meu nome .completo e determ~nou _que o ch~fe da se~ao, Overlac Buenos Aires, providenciasse , de tmedtato, a fettura de uma portaria nomeando-me escriturario d_o DV?P! .

    Como eu ja havia "sujado" o hvro vugem com as 1_00 rubncas, nao faria mais sentido pedir ao Diretor que suspendesse mmha nom~a

  • UMA ATITUDE DESV AIRADA

    A 25 de maio - 15~ dia de minha estada em Maceio - eu ja inspirava total confian~a ao Dr . Galleao, de quem era uma especie de Secretario (cargo inexistente no DVOP): Todos os convites que

    ele recebia para participar de detenninadas solenidades mos entregava, solicitando que o fosse representar. No dia 26 , - 2~ feira haveria importante reunilio numa Sociedade Filantr6pica, a qual fui designado para comparecer, representando o Diretor Geral do Departamento que, sendo urn personagem arredio dos eventos sociais me incumbira da esplnhosa mlssao ...

    Ia ja proximo o final da solenidade quando, "facultada a palavra a quem del a pretend esse fazer uso", .Jevantei-me da cadeira para balxar o sarrafo contra aquele tipo de sociedade: Falando em nome do meu representado que nao me conferira qualquer autoriza~ao para criar impasses ou provocar atritos absolutamente desnecessarios naquele ambiente , - perturbado talvez pelo drama interior entao vivido no caso do "vai-mlo-vai", - desempenhei, por conta propria, o conde-navel papel de "embaixador da anarquia e da disc6rdia" perante figuras representativas do universo econ6mico, politico e social das Alagoas ali presentes: Primeiro, confundi os nomes de dois emeritos professores - Camerino e Lavenere - citando urn no Iugar do outro; segundo, afirmei que para reunioes daquela natureza somente deveriam ser con-vidadas pessoas de vida mundana, capitaes da industria e do comercio, e que fossem poupados desse inc6modo, os construtores de estradas, escolas e hospitais que tanto carecem de tempo integral para trabalh