10.efesios - comentário esperança

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CARTAS AOS EFSIOSCOMENTRIO ESPERANAautor

Eberhard Hahn

Editora Evanglica EsperanaCopyright 2006, Editora Evanglica Esperana Publicado no Brasil com a devida autorizao e com todos os direitos reservados pela: Editora Evanglica Esperana Rua Aviador Vicente Wolski, 353 82510-420 Curitiba-PR E-mail: [email protected] Internet: www.esperanca-editora.com.br Editora afiliada ASEC e a CBL Ttulo do original em alemoDer Brief des Paulus an die Epheser

Copyright 1996 R. Brockhaus Verlag Dados Internacionais da Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Hahn, Eberhard Cartas aos Efsios, Filipenses e Colossenses : Comentrio Esperana / Eberhard Hahn, Werner de Boor / tradutor Werner Fuchs -- Curitiba, PR : Editora Evanglica Esperana, 2006. Ttulo original: Der Brief des Paulus an die Epheser; Die Briefe des Paulus an die Philipper und and die Kolosser 1. Bblia. N.T. Crtica e interpretao I. Boor, Werner de, 1899-1976. II. Ttulo. ISBN 85-86249-89-0 Capa dura 06-2419 CDD-225.6 ndice para catlogo sistemtico: 1. Novo Testamento : Interpretao e crtica 225.6 proibida a reproduo total ou parcial sem permisso escrita dos editores.O texto bblico utilizado, com a devida autorizao, a verso Almeida Revista e Atualizada (RA) 2 edio, da Sociedade Bblica do Brasil, So Paulo, 1993.

SumrioORIENTAES PARA O USURIO DA SRIE DE COMENTRIOS NDICE DE ABREVIATURAS

A. QUESTES INTRODUTRIAS 1. A caracterstica literria peculiar da carta aos Efsios 2. O autor e os destinatrios da carta aos Efsios 3. As circunstncias da redao da carta aos Efsios B. COMENTRIO I. SAUDAO INICIAL: Ef 1.1s II. O MISTRIO DIVINO DA VOCAO PARA PARTICIPAR DO CORPO DE CRISTO: Ef 1.33.21 1. A tnica: louvor pela vocao divina: Ef 1.3-14 2. Prece por olhos iluminados do corao: Ef 1.15-23 3. Os mortos se tornaram vivos em Cristo: Ef 2.1-10 4. Pessoas distantes tornaram-se prximas no santurio de Deus: Ef 2.11-22 5. Paulo e a revelao do mistrio divino: Ef 3.1-13 6. Prece para estarem enraizados no amor de Cristo: Ef 3.14-19 7. Exaltao final: Ef 3.20-21 III. O MODO DE VIDA DOS CRENTES CONDIZENTE COM A VOCAO: Ef 4.1-6.20 1. A obra milagrosa do corpo de Cristo: Ef 4.1-16 2. Vida crist em um mundo no-cristo: Ef 4.17-5.14 3. Vida comunitria crist: Ef 5.15-6.9 4. Espiritualmente preparados: Ef 6.10-20 IV. CONCLUSO: Ef 6.21-24 1. Meno a Tquico: Ef 6.21s 2. Voto de bno: Ef 6.23s BIBLIOGRAFIAORIENTAES PARA O USURIO DA SRIE DE COMENTRIOS Com referncia ao texto bblico: O texto de Efsios est impresso em negrito. Repeties do trecho que est sendo tratado tambm esto impressas em negrito. O itlico s foi usado para esclarecer dando nfase. Com referncia aos textos paralelos: A citao abundante de textos bblicos paralelos intencional. Para o seu registro foi reservada uma coluna margem. Com referncia aos manuscritos: Para as variantes mais importantes do texto, geralmente identificadas nas notas,foram usados os sinais abaixo, que carecem de explicao: TM O texto hebraico do Antigo Testamento (o assim-chamado Texto Massortico). A transmisso exata do texto do Antigo Testamento era muito importante para os estudiosos judaicos. A partir do sculo II ela tornou-se uma cincia especfica nas assim-chamadas escolas massorticas (massora = transmisso). Originalmente o texto hebraico consistia s de consoantes; a partir do sculo VI os massoretas acrescentaram sinais voclicos na forma de pontos e traos debaixo da palavra.

Manuscritos importantes do texto massortico: Manuscrito: redigido em: Cdice do Cairo (C) 895 pela escola de: Moiss ben Asher

Cdice da sinagoga de Aleppo(provavelmente destrudo por um incndio)

depois de 900

Moiss ben Asher

Cdice de So Petersburgo 1008 Moiss ben Asher Cdice n 3 de Erfurt sculo XI Ben Naftali Cdice de Reuchlin 1105 Ben Naftali Qumran Sam Os textos de Qumran. Os manuscritos encontrados em Qumran, em sua maioria, datam de antes de Cristo, portanto, so mais ou menos 1.000 anos mais antigos que os mencionados acima. No existem entre eles textos completos do AT. Manuscritos importantes so: O texto de Isaas O comentrio de Habacuque O Pentateuco samaritano. Os samaritanos preservaram os cinco livros da lei, em hebraico antigo. Seus manuscritos remontam a um texto muito antigo. A traduo oral do texto hebraico da Bblia para o aramaico, no culto na sinagoga (dado que muitos judeus j no entendiam mais hebraico), levou no sculo III ao registro escrito no assim-chamado Targum (= traduo). Estas tradues so, muitas vezes, bastante livres e precisam ser usadas com cuidado. A traduo mais antiga do AT para o grego chamada de Septuaginta (LXX = setenta), por causa da histria tradicional da sua origem. Diz a histria que ela foi traduzida por 72 estudiosos judeus por ordem do rei Ptolomeu Filadelfo, em 200 a.C., em Alexandria. A LXX uma coletnea de tradues. Os trechos mais antigos, que incluem o Pentateuco, datam do sculo III a.C., provavelmente do Egito. Como esta traduo remonta a um texto hebraico anterior ao dos massoretas, ela um auxlio importante para todos os trabalhos no texto do AT. Ocasionalmente recorre-se a outras tradues do AT. Estas tm menos valor para a pesquisa de texto, por serem ou tradues do grego (provavelmente da LXX), ou pelo menos fortemente influenciadas por ela (o que o caso da Vulgata): Latina antiga por volta do ano 150 Vulgata (traduo latina de Jernimo) a partir do ano 390 Copta sculos III-IV Etope sculo IV NDICE DE ABREVIATURAS I. Abreviaturas geraisAntigo Testamento NT Novo Testamento gr Grego hbr Hebraico km Quilmetros lat Latim opr Observaes preliminares par Texto paralelo qi Questes introdutrias TM Texto massortico LXX SeptuagintaAT

Targum

LXX

Outras

II. Abreviaturas de livrosGB LzB W. GESENIUS e F. BUHL, Hebrisches und Aramisches Handwrterbuch, 17 ed., 1921. Lexikon zur Bibel, organizado por Fritz Rienecker, Wuppertal, 16 ed., 1983.

III. Abreviaturas das verses bblicas usadas O texto adotado neste comentrio a traduo de Joo Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada no Brasil, 2 ed. (RA), SBB, So Paulo, 1997. Quando se fez uso de outras verses, elas so assim identificadas:

Almeida, Revista e Corrigida, 1998. NVI Nova Verso Internacional, 1994. BJ Bblia de Jerusalm, 1987. BLH Bblia na Linguagem de Hoje, 1998. BV Bblia Viva, 1981.RC

IV. Abreviaturas dos livros da Bblia ANTIGO TESTAMENTO Gn Gnesis x xodo Lv Levtico Nm Nmeros Dt Deuteronmio Js Josu Jz Juzes Rt Rute 1Sm 1Samuel 2Sm 2Samuel 1Rs 1Reis 2Rs 2Reis 1Cr 1Crnicas 2Cr 2Crnicas Ed Esdras Ne Neemias Et Ester J J Sl Salmos Pv Provrbios Ec Eclesiastes Ct Cntico dos Cnticos Is Isaas Jr Jeremias Lm Lamentaes de Jeremias Ez Ezequiel Dn Daniel Os Osias Jl Joel Am Ams Ob Obadias Jn Jonas Mq Miquias Na Naum Hc Habacuque Sf Sofonias Ag Ageu Zc Zacarias Ml Malaquias NOVO TESTAMENTO Mt Mateus Mc Marcos Lc Lucas Jo Joo At Atos Rm Romanos

1Co 2Co Gl Ef Fp Cl 1Te 2Te 1Tm 2Tm Tt Fm Hb Tg 1Pe 2Pe 1Jo 2Jo 3Jo Jd Ap

1Corntios 2Corntios Glatas Efsios Filipenses Colossenses 1Tessalonicenses 2Tessalonicenses 1Timteo 2Timteo Tito Filemom Hebreus Tiago 1Pedro 2Pedro 1Joo 2Joo 3Joo Judas Apocalipse

A. QUESTES INTRODUTRIAS1. A caracterstica literria peculiar da carta aos EfsiosO presente escrito visa ser entendido como carta. Segue a estrutura epistolar comum nas demais cartas, inicialmente citando (em Ef 1.1) Paulo como autor e a igreja em feso como destinatria, e concluindo em Ef 6.23s com um voto de bno. Tambm as aes de graas em Ef 1.15s e a referncia pessoa que levar a carta (Tquico), em Ef 6.21s tm paralelos em outras cartas do Novo Testamento. Todas as exposies e exortaes da carta dirigemse aos destinatrios da mesma forma como ocorre em escritos de cunho similar. Alm disso cabe no ignorar algumas caractersticas da carta aos Efsios que conferem a essa obra um cunho peculiar: Entre a destinatria e as aes de graas foi intercalado um grande hino de louvor (Ef 1.3-14). A partir de Ef 1.17 a prpria gratido se transforma na prece a Deus para que conceda igreja iluminao sobre a abrangente obra redentora de Cristo. Vrios exegetas sentem falta de uma lista de saudaes no final da carta, p. ex., como a extensa srie que encontramos em Rm 16, embora Paulo no conhecesse pessoalmente a igreja em Roma. Alguns comentaristas apontam para o tom singularmente distanciado, no concreto e impessoal do escrito, que dificilmente se coaduna com o trabalho intensivo de Paulo em feso (cf. At 19.10,17ss) e com a comovente cena da despedida dos presbteros de l em At 20.17-38. Dessas constataes originou-se uma abundncia de hipteses diferentes que tentam explicar a caracterstica especial da carta aos Efsios. P. ex., ela entendida como abordagem teolgica de um autor desconhecido, como discurso intelectual, como prdica (p. ex., na ocasio do batismo) ou como liturgia batismal. Os captulos Ef 1-3 so designados como ao de graas no culto, posteriormente complementada com exortaes e depois tambm dirigida a outras igrejas. Diante disso cabe enfatizar que mesmo que no seja possvel ignorar a caracterstica de hino em longos trechos, sedimentando o linguajar litrgico, uma descrio unilateral no faz justia realidade. Basta remeter aos trechos que se referem biografia de Paulo (Ef 3.1-13) e sua proclamao (Ef 1.20-23; 2.4-22); no se pode reuni-los todos debaixo do denominador comum litrgicos. Contra a tese do tratado teolgico unilateral depe a seo detalhada de exortaes (Ef 4-6). Por fim, tambm apontam para as exposies nos captulos 1-3, de modo que as duas partes no podem ser separadas. Conseqentemente, cumpre fixar que do ponto de vista literrio a carta aos Efsios diferente de outras cartas de Paulo: diante do fato de que o prprio apstolo fundou a igreja, sentimos falta do tom pessoal; os elementos litrgicos esto singularmente destacados; a interpretao teolgica do senhorio de Cristo sobre o universo possui um peso especial. Apesar disso a epstola aos Efsios no pode ser convincentemente interpretada como um escrito de cunho

diverso, mas visa ser entendida como carta. Quando levamos em considerao diversos pontos comuns com a primeira carta de Pedro, este paralelo torna plausvel a explicao de que a carta aos Efsios tambm poderia ser um escrito destinado a diversas igrejas da sia Menor. o que ser examinado mais detidamente no item a seguir.

2. O autor e os destinatrios da carta aos EfsiosOs seguintes fatos revestem-se de importncia central para responder s questes pertinentes esfera abordada neste item: 1) Importantes manuscritos antigos no trazem, em Ef 1.1, as duas palavras em feso. De acordo com os princpios a serem aplicados neste local para determinar o texto original (crtica textual: a variante mais antiga deve ser preferida mais nova), em feso precisa ser entendido como adendo posterior. No entanto, a presente carta foi amplamente divulgada desde o final do sc. III com o ttulo aos Efsios. Unicamente o pai da igreja Tertuliano apresenta uma designao divergente: ele informa que o herege Marcio chamou o escrito de carta aos Laodicenses (i. , com o ttulo aos Laodicenses antes de Ef 1.1). Indiretamente essa referncia aponta para a circunstncia de que tambm Tertuliano conhecia a carta sem a definio geogrfica aos Efsios. Essa insegurana quanto aos destinatrios leva ponderao de que a carta aos Efsios eventualmente tenha sido dirigida no exclusivamente igreja em feso, mas a diversas igrejas. Assim tambm poderiam ser solucionados os questionamentos a respeito da ausncia de referncias situao, bem como da caracterstica impessoal e da inexistncia de saudaes. Segundo as regras para definio do texto original, a verso mais antiga de Ef 1.1 deveria ter sido traduzida como: Paulo, apstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, aos santos, aos que esto e aos crentes em Cristo Jesus. Na verdade existem exemplos extrabblicos em que o intrito da carta, com construo frasal anloga, tambm no cita os destinatrios, de modo que nesses casos a expresso aos que esto traduzida por aos de l. Contudo em todas as demais cartas a igrejas Paulo sempre menciona um ponto geogrfico (p. ex., Fp 1.1: a todos os que esto em Filipos = a todos em Filipos: na verso em portugus a expresso os existentes no includa). Por essa razo diversos pesquisadores defenderam uma hiptese da lacuna. Ela afirma que aps a expresso aos existentes haveria uma lacuna, cuja origem poderia ser explicada de duas formas : a carta de Paulo foi concebida como carta circular e desde o incio trazia essa lacuna, na qual o copista inseria o nome do respectivo grupo geogrfico, ou a referncia geogrfica original foi suprimida, e a lacuna foi posteriormente fechada com as palavras em feso. Conforme Schlier, a relao entre as cartas aos Efsios, aos Colossenses e a carta aos Laodicenses mencionada em Cl 4.16 deve ser descrita da seguinte forma: Paulo escreveu, dentro de um breve perodo de tempo, uma carta igreja em Colossos e um escrito que Tquico deveria levar a Laodicia. Aparentemente estes escritos eram complementares, motivo pelo qual deveria haver um intercmbio deles entre as igrejas (cf. Cl 4.16). Cl 2.1 assinala que alm dos colossenses Paulo tambm tinha em mente a igreja em Laodicia e outras pequenas congregaes crists. A mesma coisa deve valer para a carta enviada a Laodicia. A partir deste raciocnio Schlier conclui que esta carta idntica obra que ns conhecemos como epstola aos Efsios. preciso deixar em aberto a questo por que esse escrito s igrejas originalmente redigido sem referncia geogrfica finalmente se tornou conhecido como carta aos Efsios. Stadelmann conjetura que no final do ciclo de viagens de Tquico a epstola foi guardada na cidade principal, feso, razo pela qual obteve esse nome. Quem rejeita a hiptese da lacuna tenta interpretar a forma atual do texto como referncia a dois grupos de destinatrios diferentes: aos santos de l e aos crentes em Cristo Jesus. Tambm nesse caso a carta no entendida como comunicao para uma igreja local especfica, mas como um escrito doutrinrio fundamental. Por conseguinte preciso chegar concluso de que com a carta aos Efsios Paulo se dirige a vrias igrejas da sia Menor. incerto se cada uma delas recebeu uma cpia com a respectiva referncia geogrfica, ou se o original j mencionava o endereo de maneira genrica. 2) Alm do problema da transmisso do texto, contesta-se desde o fim do sc. XVIII a autoria de Paulo. Em favor dessa posio so apresentados sobretudo os seguintes argumentos: Alm de cerca de 50 hapaxlegmenas (palavras que em todo o NT ocorrem apenas no presente escrito) a linguagem traz algumas formulaes que divergem das demais cartas de Paulo: en tois epouraniois (existentes no cu: Ef 1.3,20; 2.6; 3.10; 6.12) em lugar de en ouranois (no cu: 2Co 5.1; cf. Fp 3.20; Cl 1.5,16,20); diabolos (diabo: Ef 4.27; 6.11) em lugar de satanas (Satans: 1Co 5.5; 7.5; 2Co 2.11; 11.14; 12.7; 1Ts 2.18; 2Ts 2.9; 1Tm 1.20; 5.15). Alguns conceitos aparecem em Ef e Cl, bem como nos escritos tardios do NT, mas no nas cartas iniciais de Paulo, p. ex., dianoia (razo, mentalidade), kratos (poder, fora), kyriotes (poder de soberania), katoikein (habitar). - Uma anlise do estilo evidencia frases de comprimento incomum, que no ocorrem nessa proporo nos demais escritos de Paulo. Palavras sinnimas so alinhadas lado a lado. Ocorre um acmulo de construes gramaticais no

genitivo. Aqui cabe observar que se trata de peculiaridades que possuem peso apenas em combinao com outras caractersticas. - Por fim remete-se para a nfase diferente na teologia da carta aos Efsios: A justificao somente pela f aparece somente em Ef 2.8s, e meramente aludida. O tema boas obras (Ef 2.10) s tratado dessa maneira nas cartas pastorais. Desaparece a forte expectativa do retorno imediato (cf. apenas Ef 4.30). Desaparece a palavra da cruz. Em contrapartida, o centro ocupado pelo senhorio do Cristo exaltado sobre igreja e cosmos. O mistrio de Cristo j no a tolice da mensagem da cruz (cf. 1Co 2.7-10), mas a unidade de judeus cristos e gentios cristos (Ef 3.5s). Cristo destacado particularmente como cabea, em contraposio igreja como corpo, distinguindo-se assim de 1Co 12.12ss. A concepo do matrimnio como imagem da relao entre Cristo e igreja est em uma singular tenso com a qualificao do matrimnio em 1Co 7. Tais peculiaridades sero abordadas nas respectivas passagens do comentrio. Essas e outras constataes levam um grande nmero de pesquisadores a concluir que a carta aos Efsios foi redigida por um desconhecido aluno de Paulo, entre os 80 a 100 d.C. Sua inteno seria seguir a tradio do grande apstolo na elaborao da doutrina da unidade da igreja, formada de judeus cristos e gentios cristos, para uma realidade adaptada s necessidades das igrejas da sia Menor. Em contraposio, no entanto, h uma srie de exegetas que interpretam as citadas caractersticas de outro modo, entendendo a carta aos Efsios como obra de Paulo: 1) Cabe remeter s marcas pessoais da carta: Paulo citado pelo nome em Ef 1.1 e 3.1; em Ef 1.15s fala-se de sua relao com os destinatrios; em Ef 3.1 e 4.1 ele se define como prisioneiro de Jesus Cristo; ele solicita a intercesso dos leitores em Ef 6.19s. 2) Apesar das questes no resolvidas em relao aos destinatrios da carta, ao que parece a autoria de Paulo nunca foi questionada at o sc. XVIII. 3) As peculiaridades lingsticas, estilsticas e teolgicas podem ser interpretadas da seguinte forma: enquanto os crticos focalizam as divergncias em relao s primeiras cartas de Paulo, mas entendendo os temas paralelos como imitao de um aluno annimo, o outro lado argumenta que as flagrantes diferenas devem ser compreendidas no contexto da larga concordncia com as demais cartas de Paulo. Devem ser entendidas a partir das necessidades especficas dos destinatrios. H. J. Cadbury, p. ex., indaga: O que mais provvel: que um imitador de Paulo no sc. I tenha formulado um escrito que coincide em 90 ou 95% com o estilo de Paulo, ou que o prprio Paulo tenha escrito uma carta que desvia em cerca de 5 a 10% de seu estilo habitual? Concordamos com Schnackenburg quando ele julga que, esgotada a discusso da problemtica, o que em ltima anlise decide a favor ou contra a autoria de Paulo o enquadramento hermenutico da carta no quadro geral da teologia de Paulo. Ele indaga: A carta torna-se mais compreensvel em seu todo sendo originria do tempo de vida do apstolo e escrita por ele mesmo (ou seu grupo de colaboradores) ou sendo datada apenas na incipiente poca psapostlica (por volta de 90)? Por outro lado, difcil supor que outra pessoa, que no Paulo, tenha sido capaz de elaborar um escrito como a forma atual da carta aos Efsios. Schlier descreve assim esse pseudo-Paulo: Por um lado tinha de ser algum que no somente reproduzia os pensamentos de seu mestre, mas que tambm tenha penetrado de tal forma neles e tambm na sua linguagem que conseguia levar seu raciocno adiante de forma autnoma e usar uma terminologia que lhe ocorria para isso. Ser que esse aluno no deveria ser chamado antes de segundo Paulo, ou Paulo depois de Paulo? Ser que ele no seria praticamente a incorporao de um paulinismo avanado? Contudo, ser que ele no teria de ser tambm um plagiador ou compilador bastante dependente e ainda assim bastante moderno? Um aluno desses no muito verossmil. E jamais se ouviu acerca de algum como ele. Cabe assinalar outra circunstncia decisiva: se as cartas pastorais forem entendidas como posteriores a Paulo, como amplamente aceito, a imagem de Paulo pela qual tambm a carta aos Efsios passa a ser medida ser substancialmente diferente (sobretudo mais restrita) do que aquela que resulta quando esses escritos so includos na lista de obras de Paulo. Se a linguagem, o estilo e a teologia de Paulo abrangerem tambm as cartas pastorais, a surpresa com os paralelos entre a carta aos Efsios e essas trs cartas desaparecer naturalmente. O fato de o presente comentrio pressupor que Paulo o autor da carta aos Efsios, j que as hipteses divergentes no so suficientemente convincentes, tambm se baseia na circunstncia de que seu acervo abarca no apenas as cartas aos Glatas, aos Romanos ou aos Corntios, mas tambm a carta a Tito e aquelas dirigidas a Timteo. As conseqncias resultantes sero abordadas nas respectivas passagens.

3. As circunstncias da redao da carta aos EfsiosPaulo escreve a carta na priso (Ef 3.1; 4.1; 6.20). Por isto, a epstola aos Efsios listada entre as cartas da priso, em conjunto com as cartas aos Filipenses, Colossenses e a Filemom. H basicamente trs possibilidades para o local da priso de Paulo: Roma, feso e Cesaria. A argumentao baseia-se nas razes a seguir Em favor do aprisionamento em Roma depe a notvel liberdade da qual se fala em At 28.30: Paulo podia receber visitantes, realizar seu servio de proclamao, ditar cartas. Em uma igreja grande mais fcil imaginar que Paulo tinha vrios colaboradores disposio (p. ex., secretrios). Considerando que Paulo foi prisioneiro em Roma no fim de sua vida, a diferena cronolgica em relao s epstolas anteriores pode ser usada para explicar as mudanas

lingsticas e estilsticas na carta aos Efsios. Alm disso a subscriptio (assinatura depois de Ef 6.24) tradicionalmente cita Roma como local de origem. Sem comprovao direta, diversos estudiosos supem uma deteno em feso durante a terceira viagem missionria. A base para essa hiptese a ponderao de que Atos dos Apstolos e as cartas evidentemente no anotam todas as ocasies em que Paulo esteve detido. O texto de 2Co 6.4ss e 11.23 testemunha indiretamente a respeito disto. Clemente de Roma menciona que Paulo foi acorrentado sete vezes (1CIem 5.6). Em contrapartida parece estranho que Paulo escreva a uma igreja enquanto estava preso na mesma cidade (mesmo se o escrito era dirigido ao mesmo tempo tambm a outras igrejas). Recentemente Stadelmann pronunciou-se energicamente em favor da hiptese de que a carta tenha sido escrita durante a priso em Caesaria. Cita, entre outros, os seguintes aspectos: pouco antes da deteno Paulo era acompanhado de Aristarco, Timteo, Tquico e Lucas (At 20.4-6); os mesmos colaboradores tornam a ser citados nas cartas da priso: Timteo (Cl 1.1; Fm 1), Tquico (Ef 6.21; Cl 4.7), Aristarco (Cl 4.10; Fm 24), Lucas (Cl 4.14; Fm 24), ao passo que na viagem para Roma somente Aristarco e Lucas acompanham a Paulo (At 27.2). Enquanto na Cesaria Paulo podia alimentar a esperana de ser solto em breve, motivo pelo qual fazia planos para visitar novamente suas igrejas (cf. Fm 22), o desfecho do processo em Roma era incerto para ele. Em vista de tenses da poca em Cesaria, poderia parecer-lhe particularmente urgente enfatizar a unidade entre judeus e gentios cristos, de sorte que tambm um aspecto de contedo deporia em favor dessa hiptese. Se concordarmos com essas consideraes, a carta aos Efsios foi escrita por Paulo por volta dos anos 56-58, em Cesaria. A carta dirige-se s igrejas crists da sia Menor na regio de feso, Colossos, Laodicia, Hierpolis, cidades a serem visitadas por Tquico (Ef 6.21s) e com cuja perseverana na f Paulo se preocupa (cf. Cl 2.1; 4.13). provvel que cronologicamente a epstola aos Efsios tenha sido escrita logo depois da carta aos Colossenses. Paulo ensina esses cristos no primeiro caso de tal forma que ele lhes desvenda o mistrio de Cristo em confronto expresso com a filosofia e tradio (Cl 2.8) na carta aos Colossenses e na seqncia de tal modo a apresentar aos cristos de origem gentia a concretizao do mistrio de Cristo na igreja formada de judeus e gentios (Efsios). As duas cartas devem ser trocadas entre as igrejas. distncia Paulo participa da luta contra a heresia, ao mesmo tempo em que vislumbra, de maneira abrangente e em adorao, o mistrio da histria da salvao divina. Comunica esse mistrio s igrejas em solene linguagem de louvor.

B. COMENTRIOI. SAUDAO INICIAL: EF 1.1S1 Paulo, apstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus, aos santos (em feso) e fiis em Cristo Jesus. 2 - Graa a vs e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. 1 Nas comunicaes s igrejas Paulo recorre forma de carta usual em sua poca: comea pelo remetente, cita na seqncia os destinatrios e em seguida acrescenta o voto de bno. O evangelho que lhe cabe proclamar transmitido em formas de expresso amplamente conhecidas. Como nas demais cartas, Paulo indica aqui seu nome grego (cf. At 13.9), completando-o com um duplo adendo: apstolo de Cristo Jesus e pela vontade de Deus. Uma vez que Paulo no pertencia ao grupo dos doze de Jesus nem s colunas da primeira igreja (Gl 2.9), vrios segmentos de igrejas fundadas por ele lhe negavam o ttulo de apstolo. Essas controvrsias so testemunhadas sobretudo pela epstola aos Glatas e pela segunda carta aos Corntios. Apesar disso Paulo apstolo de validade plena, visto que foi chamado diretamente para esse ministrio pelo Senhor exaltado (Gl 1.11ss). Em outras passagens ele ressalta particularmente o fato da vocao (Rm 1.1; 1Co 1.1). Como apstolo Paulo mensageiro no lugar de Cristo (2Co 5.20), incumbido e autorizado por este. De acordo com Ef 4.7,10ss o ministrio apostlico faz parte dos dons da graa; por meio dele os fiis so preparados e a igreja edificada. Nessa incumbncia Paulo servo do evangelho (Ef 3.6s) e participante da administrao geral de Deus (Ef 3.2ss). Pela iluminao de Deus foi-lhe manifesto o mistrio de Cristo: os gentios so co-herdeiros da graa (Ef 3.6; cf. Cl 1.27). O apstolo

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Paulo e os demais apstolos e profetas constituem o fundamento da igreja, que aperfeioada pela pedra angular Cristo (Ef 2.20ss). Paulo no tudo isso em virtude de realizao prpria. Pelo contrrio, o apostolado foi confiado como ddiva da graa de Deus (Ef 3.7s) a ele, o mais humildes entre todos os santos. Conseqentemente, repercute em sua vocao a justificao unicamente pela graa. preciso destacar esse aspecto de forma particular em vista da crtica pela aparente ausncia da proclamao da justificao na carta aos Efsios. A incumbncia de apstolo de Jesus Cristo est alicerada na vontade de Deus. Apesar de ser como nascimento fora do tempo (1Co 15.1) - no aspecto exterior -, Paulo se considera separado para esse ministrio desde o ventre materno (Gl 1.15, com referncia intencional eleio de Jeremias para o servio de profeta: Jr 1.5). Isso torna-se perceptvel na vocao atravs de sua graa (Gl 1.15), i. , no encontro com Cristo na estrada para Damasco e na confirmao divina para seu servio de proclamao. nisso que se evidencia a vontade de Deus na vida de Paulo. Quanto problemtica em vista das duas palavras em feso, remetemos s Questes Introdutrias, acima, s p. 12s. Os destinatrios so chamados de santos, p. ex., em promios de cartas. Essa uma das designaes mais comuns que os cristos empregam uns em relao aos outros. Ao lado dela aparecem discpulos (nos evangelhos e em At), irmos (2Co 1.1; Rm 16.14; 1Ts 5.26; Cl 4.15; etc.) ou crentes (At 10.45; Cl 1.2). O conceito tambm ocorre em diversas passagens da carta aos Efsios, porm ser analisado mais detidamente neste momento. Somente Deus enaltecido como o Santo. O ser humano difere dele fundamentalmente, pelo fato de ser impuro, no-santo. Somente pode ser admitido ao recinto de Deus aquilo que foi purificado por ele e, por isso, santificado para servi-lo. No AT isso se refere a utenslios, lugares, tempos, aos sacerdotes e ao povo eleito como um todo. Como Santo de Israel (Mc 1.24), cabe a Jesus a funo de santificar: ele batiza com o Esprito Santo (Mt 3.11; cf. Rm 15.16; 1Co 6.11); ele santifica sua igreja ao entregar sua vida (Ef 5.25s); ele prprio foi feito santificao da igreja (1Co 1.30). A vida dos santos, portanto, totalmente abarcada por aquilo que Jesus Cristo fez e faz por eles. Por essa razo eles so santos em Cristo Jesus. Tal misericrdia abrangente e imerecida compromete cada um a expressar essa santidade atribuda em todas as aes, palavras e pensamentos, evitando o pecado em todas as suas formas. Se o Santo de Deus se volta dessa maneira ao msero pecador, como este poderia dar-lhe uma outra resposta que no seja o desejo de viver exclusivamente para o Senhor, portanto, ser santo? Os destinatrios so santos e tambm crentes em Jesus Cristo: a santidade ddiva, que os crentes recebem por intermdio de Jesus Cristo. Ela decorre da f, e essa f no outra coisa seno f em Jesus Cristo. Essas palavras de forma alguma visam aludir a dois grupos distintos de cristos (batizados postulantes ao batismo; santos do AT do NT). Pelo contrrio - os dois conceitos se explicam reciprocamente. Quando a carta de Paulo lida na reunio dos destinatrios, ouve-se a mensagem do prprio Cristo Jesus na fala de seu emissrio. Aqueles aos quais o mensageiro de Deus e de Cristo escreve so um punhado de habitantes de pequenas cidades frgias no vale do rio Licos, que se reuniram em uma ou outra casa. A eles dito que so santos. So santos por serem pessoas que abraaram a f e foram batizadas. Esto em Cristo Jesus. Afinal, no esto apenas em Laodicia ou Hierpolis ou qualquer outro local, mas sua morada e seu ambiente de vida tambm Cristo Jesus, depois que Deus descortinou essa dimenso A saudao comum na carta grega foi transformada em voto de bno: graa a vs e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Ocorre nestas palavras tambm em outros promios de cartas. Graa e paz devem ser entendidas com base no voto de bno judaico misericrdia e paz. A bno no apenas um desejo piedoso, mas assegura graa e paz de forma eficaz aos assim abenoados (cf. Lc 10.51). O conceito da graa abrange a totalidade da obra da salvao em Jesus Cristo, que transforma tambm os destinatrios da carta em participantes da graa (Fp 1.7). A paz refere-se restaurao abrangente por meio de Jesus Cristo, cumprindo assim a expectativa do shalom do AT. Os cristos so cercados por essa paz que excede qualquer compreenso humana e sero preservados nela (Rm 5.1s). Doador de toda a graa e paz Deus, nosso Pai, e o Senhor Jesus Cristo. Por meio de Jesus Cristo a igreja passou a conhecer Deus como o Pai. O Esprito Santo inaugura a liberdade de

podermos trat-lo na orao como Abba (Rm 8.15). Ele nosso Pai (Mt 6.9). Jesus Cristo Senhor de cada crente (cf. Jo 20.28), da igreja (1Co 16.22) e do cosmos (Fp 2.11). Ter a possibilidade de ser servo dele graa. No entanto a soberania desse Senhor caracteriza-se justamente pelo fato de que ele se tornou servo de todos!

II. O MISTRIO DIVINO DA VOCAO PARA PARTICIPAR DO CORPO DE CRISTO: EF 1.3-3.211. A tnica: louvor pela vocao divina: Ef 1.3-14 3 Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abenoado com toda sorte de bno espiritual nas regies celestiais em Cristo, 4 assim como nos escolheu nele antes da fundao do mundo, para sermos santos e irrepreensveis perante ele; e em amor 5 nos predestinou para ele, para a adoo de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplcito de sua vontade, 6 para louvor da glria de sua graa, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado, 7 no qual temos a redeno, pelo seu sangue, a remisso dos pecados, segundo a riqueza da sua graa, 8 que Deus derramou abundantemente sobre ns em toda a sabedoria e prudncia, 9 desvendando-nos o mistrio da sua vontade, segundo o seu beneplcito que propusera em Cristo, 10 de fazer convergir nele, na dispensao da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do cu, como as da terra; 11 nele, digo, no qual fomos tambm feitos herana, predestinados segundo o propsito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade, 12 a fim de sermos para louvor da sua glria, ns, os que de antemo esperamos em Cristo; 13 em quem tambm vs, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvao, tendo nele tambm crido, fostes selados com o Santo Esprito da promessa; 14 o qual o penhor da nossa herana, ao resgate da sua propriedade, em louvor da sua glria. 3 Ainda que haja no NT exemplos anlogos de louvor no incio de uma carta (2Co 1.3s; 1Pe 1.3-5), a densidade de contedo e linguagem, bem como a complexidade dessa nica frase extrapolam qualquer comparao. Conseqentemente, os v. 3-14 possuem uma posio particularmente destacada na epstola aos Efsios. De certa maneira eles evocam o intrito (prlogo) do evangelho de Joo (Jo 1.1-18), que se reveste de relevncia fundamental para toda a obra. A matriz de um louvor assim deve ser buscada nos breves votos de bno de Israel: Deus bendito (literalmente abenoado) pelo que realizou e pelo que (cf. Sl 143.1). Diversas vezes tentou-se interpretar o louvor como um hino, diferenciando diversas estrofes. So sugeridas duas possveis subdivises: os trs verbos eleger (v. 4), agraciar (v. 6) e fazer derramar (v. 8) explicando o abenoar divino (v. 3) ou os trs particpios abenoar (v. 3), predeterminar (v. 5), anunciar (v. 9). Remete-se estrutura trinitria (eleito pelo Pai redimido pelo Filho selado no Esprito Santo) ou nfase especial cristolgica (ocorrncia freqente do em Cristo). Schnackenburg subdivide a frase em seis blocos, cada um dos quais abrange dois versculos, com as seguintes nfases de contedo: o louvor a Deus motivado pela eleio antes dos tempos; ela transmitida pela vocao para a filiao, que sucede pela redeno pelo sangue de Cristo. Ela se torna perceptvel na revelao do mistrio da vontade divina; essa bno se torna palpvel no fato de que os crentes tm esperana antecipada em Cristo e obtm pelo Esprito a prerrogativa da herana plena. Quando Deus descrito mais detalhadamente como Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, a especialidade de seu agir abenoador entra em cena imediatamente: sua ao atinge foco e auge no envio do Filho amado (Ef 1.5s; 4.13).

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A razo do louvor reside no fato de que Deus nos abenoou com todas as bnos espirituais nos cus em Cristo. O louvor a Deus ressoa basicamente por dois motivos: Deus exaltado em primeiro lugar porque salva da aflio e na seqncia por revelar o mistrio divino atravs do qual ele torna a sua ajuda conhecida. O emprego trplice do termo bendizer/bno salienta de forma marcante a motivao para todo o louvor subseqente: Deus aquele que inunda os cristos copiosamente com sua bno (toda sorte). Trata-se notadamente de bno espiritual. Isso no deprecia como terrena a bno de Deus no AT, que podia concretizar-se em numerosos filhos, longa vida, grandes rebanhos e muitas propriedades (J 42.12ss). Pelo contrrio, aponta para a destacada singularidade da bno propiciada por meio de Jesus Cristo. Ela ao mesmo tempo espiritual por ser concedida pelo Esprito Santo a cada cristo (cf. Ef 1.13). O comeo e o fim do louvor so, portanto, conectados pela meno do Esprito Santo (v. 3 e 13). Que sentido tm os cus, dos quais se fala em cinco passagens da carta aos Efsios? Chama ateno que nesses versculos os cus no somente designam o lugar de Deus e de Cristo, mas que poderes (malignos) tambm exercem sua ao neste ambiente. Uma vez que toda a Bblia enaltece a Deus como Senhor do cu e da terra, e Jesus mostrado sua direita, governando com ele, esse tipo de afirmao surpreendente primeira vista. Contudo, uma anlise mais detida revela outras passagens que falam no somente dos anjos no cu, mas de poderes antidivinos que ali se encontram. Paulo escreve p. ex. em 1Co 8.5s: Ainda que haja tambm alguns que se chamem deuses, quer no cu ou sobre a terra, como h muitos deuses e muitos senhores, todavia, para ns h um s Deus O discurso de Estevo lembra os pais de Israel que colocaram um bezerro de ouro, um dolo, no lugar do verdadeiro Deus; em conseqncia Deus se afastou e os entregou ao culto da milcia celestial (At 7.42). Alm da expulso de Satans do cu (Lc 10.18), h informaes (sobretudo em Ap 12.7ss) acerca da luta de Miguel e seus anjos contra o drago e seu exrcito, que curiosamente acontece no cu (sobre isso, cf. tambm Dn 10). Quando levamos em conta o contexto de Ef 2.2, que traz afirmaes sobre o prncipe da esfera de poder do ar, a concluso que o texto fala da eficcia dos poderes malignos que no se restringe terra. Eles exercem influncia tambm sobre o mbito intelectual situado acima da terra, o espao areo, os cus inferiores. Isso de forma alguma viola o senhorio de Deus e de seu Cristo. Ainda assim os crentes so atormentados e precisam defender-se contra esses poderes (cf. Ef 6.10ss), at que acontea o j anunciado aniquilamento completo do diabo quando Cristo aparecer no fim (cf. Ap 12.9). A posio singular de Cristo pode ser notada no fato de que ele est direita de Deus nos cus (Ef 1.20), mas que ao mesmo tempo os preenche (Ef 4.10) e domina (sobre todos os reinos: Ef 1.21; sobre todos os cus: Ef 4.10). Junto dele, a igreja, como corpo dele (Ef 1.22s), est igualmente nos cus. Conseqentemente, ela est ao lado do vencedor, mesmo que ainda seja acossada e perseguida de mltiplas maneiras. Com base nisto, torna-se evidente por que a caracterizao nos cus carece da definio mais precisa em Cristo. Assim os crentes encontram-se na esfera de governo daquele que Senhor sobre todos os cus. Da mesma forma, explica-se assim que essa ao de Deus de fato contm toda sorte de bnos espirituais. A comunho com Cristo equipa a igreja com todas as coisas de que precisa. Este versculo leva primeiramente a olhar para trs, contemplando o agir de Deus que precede sua bno, e depois menciona pela primeira vez o alvo que este agir visa alcanar nos crentes. Escolher significa selecionar de uma multido maior, ligando com esse ato o aspecto da dignificao: ele nos escolheu. Essa escolha de Deus ocorreu antes da fundao do mundo e sucedeu em Cristo. Isso no deve ser de forma alguma interpretado como preexistncia das almas no Cristo preexistente. Pelo contrrio, o plano de salvao de Deus por meio de Cristo, estabelecido antes da criao, j engloba os que crem em Cristo. Essa escolha alcana os crentes quando estes so chamados pelo evangelho (cf. Ef 1.13), contempla-os como um sorteio (Ef 1.11) e lacrada por intermdio do Esprito Santo, o penhor da herana eterna (Ef 1.13s). Em momento algum a magnitude dessa eleio autoriza uma confortvel atitude de autocomplacncia e superioridade. Em momento algum h especulao acerca dos outros, os eventuais rejeitados e seu destino. Pelo contrrio, a copiosa abundncia da bno divina move aqueles que ouviram, viram e degustaram a exaltao de Deus e o empenho tico; da vocao

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decorre o compromisso para uma vida condizente com Deus e adequada a Cristo neste mundo: para sermos santos e irrepreensveis diante dele. Em Cl 1.22 h uma formulao muito similar, em que santo e irrepreensvel so complementados por sem mcula. Irrepreensvel um termo conhecido do contexto dos sacrifcios (no sentido de sem defeito, inclume), mas tambm tem o significado geral de impecvel. Em Cl 1.22 o ato reconciliador de Cristo significa que os crentes so apresentados santos e irrepreensveis perante a face de Deus (cf. tambm Ef 5.27); aqui esse intuito j faz parte da eleio de Deus. Cabe, porm, lembrar que ela acontece em Cristo, abrangendo, portanto, o evento da cruz e da ressurreio. Aqui cumpre chamar ateno para o fato de que a ddiva de Deus e a obedincia dos crentes esto interligadas. Tanto a traduo alem revisada de Lutero (de 1984) como numerosos comentaristas ligam a expresso em amor ao v. 5. Alm da mtrica do texto, depe em favor disso sobretudo a interpretao dessa formulao como o amor de Deus na eleio. A Introduo de Schnackenburg emoldura esse bloco com as referncias ao amor de Deus (v. 4) e ao filho amado (v. 6): No comeo no esto a solicitao e exigncia de Deus, mas seu amor dadivoso. Ele evidenciado o que explica e complementa Ef 1.4 como predeterminao para sermos filhos. A escolha de Ef 1.4 expressa-se na deliberao soberana de Deus. Com isso Paulo no apenas retoma a mesma expresso de Rm 8.29 e 1Co 2.7, mas tambm recapitula o contexto objetivo de Rm 8. Em Rm 8.15 ele fala do esprito da filiao e em Rm 8.23 da saudade pela revelao dessa filiao, alm da transfigurao dos eleitos na imagem do Filho (Rm 8.29), pelo que so revelados como irmos de Cristo e conseqentemente como filhos de Deus (cf. Ef 5.1). Na presente passagem, o fato de Jesus Cristo ser o Mediador da filiao salientado especificamente pela incluso de por meio de Jesus Cristo. A referncia em direo dele no pode ser definida com segurana: a eleio e destinao para a filiao pode ser orientada em direo de Deus, visto que no juzo os crentes comparecero diante dele, ou pode apontar em direo de Cristo, porque somos transfigurados na imagem dele (Rm 8.29). Segundo o beneplcito de sua vontade destaca a liberdade do desgnio divino. Ele age soberanamente em suas decises. Sua vontade aponta para a cura abrangente, para a sntese de tudo em Cristo: v. 10. A carta aos Efsios fala de mltiplas maneiras da vontade de Deus: a determinao para a filiao (Ef 1.5) est alicerada sobre o agrado da vontade de Deus. Ele deixou manifesto o mistrio de sua vontade, de reunir tudo em Cristo: Ef 1.9s. De acordo com Ef 1.11 Deus executa sua vontade de forma cabal. Conseqentemente ela se dirige igreja e a seus membros, bem como a todo o universo, no passado, no presente e no futuro. Essa vontade sua determinao salvadora, que conduz tudo ao alvo eterno. Nela tambm est inserido o apostolado de Paulo. Quando o indivduo crente aprende a entender e praticar cada vez melhor a vontade de Deus (Ef 5.17; 6.6; Cl 1.9; 4.12), ele est cumprindo a determinao dele. pelas palavras de Paulo que essa vontade de Deus chega igreja. Novamente o retrospecto seguido pela indicao do alvo: para o louvor da glria de sua graa (cf. v. 12,14). Enquanto Deus executa sua vontade salvadora, determinada antes da fundao do mundo, transformando pessoas em filhos seus, o seu louvor ressoa em todo universo. Esse louvor enaltece a glria da graa divina. A graa de Deus torna-se visvel e palpvel no Amado. Visto que a graa de Deus transmitida aos crentes atravs do Amado, eles so atrados no amor do Pai em direo do Filho: No Amado somos, portanto, de tal maneira cumulados da clemncia de Deus que estamos includos em seu amor por seu nico Filho definitivamente amado, experimentando-o atravs daquele que o experimenta. No presente versculo Paulo designa o lugar em que a graa de Deus se tornou manifesta na histria: por seu sangue. Esse conceito marca o eixo do evento reconciliatrio que aconteceu na morte de Jesus Cristo na cruz. Por meio de seu sangue Jesus Cristo efetuou o resgate, a redeno. Assim como o povo de Israel foi libertado da escravido egpcia, Jesus Cristo resgatou sua igreja do cativeiro do pecado. Ele mesmo o prmio de resgate, ao entregar-se em favor dos muitos: Mc 10.45; Mt 20.28 (cf. Is 53). Dessa maneira ele foi transformado em redeno para os crentes (1Co 1.30). Sem obras prprias, estes tornam-se justos atravs dele (Rm 3.24). Nele os cristos tm a redeno (cf. tambm Cl 1.14), que ao mesmo tempo, porm, ainda objeto da esperana, ainda aguardada: Ansiamos pela filiao, a redeno de nosso corpo (Rm 8.23). A razo disso que fomos salvos, porm na

esperana (Rm 8.24). Por isso a vida crist determinada basicamente por uma tenso: a tenso entre a redeno adquirida para ns em Cristo e efetivamente atribuda pelo evangelho, e sua revelao, quando o novo mundo de Deus ser erigido de forma visvel. Essa tenso pode ser suportada por meio do Esprito Santo, que assiste os fiis em sua fraqueza e os representa diante de Deus com seu gemido (Rm 8.26s). Essa redeno remisso das transgresses. Em outras ocasies Paulo tambm emprega transgresso como sinnimo de pecado. Pelo resgate de Cristo os pecados foram anulados, no sendo mais considerados como dbitos perante Deus. A seo acrescentada frase segundo a riqueza de sua graa torna explcito que isso no algo natural, mas um milagre digno novo louvor continuamente renovado. Como a eleio, tambm a redeno presente imerecido da bondade divina. Sobre a riqueza da graa fala tambm Ef 2.7. Riqueza e glria ocorrem em Ef 1.18; 3.16; Cl 1.27 e Rm 9.23; alm disso Fp 4.19 fala de sua riqueza de glria. 8 A expresso prolongada com uma orao subordinada adjetiva de contedo paralelo: que ele derramou abundantemente sobre ns em toda a sabedoria e sensatez. Paulo numerosas vezes reala a plenitude da graa divina em Cristo. A demonstrao da graa de Deus na redeno por intermdio de Jesus Cristo efetua nos crentes uma constatao fundamentalmente indita. A graa inunda-os em toda sabedoria e sensatez. Os dois conceitos explicam-se mutuamente. Em ambos trata-se dos dons do Esprito (cf. Ef 1.17; Cl 1.9). Apesar da profundidade da sabedoria e do conhecimento de Deus (Rm 11.33), eles no continuam sendo um mistrio, mas se exteriorizam no falar com sabedoria, que igualmente um dom do Esprito (1Co 2.6s; 12.8; Cl 1.28). 9 Em sua graa Deus no age absconditamente, mas revela o mistrio de sua vontade segundo sua relevncia csmico-universal. O mistrio de Deus revelado aos apstolos (Ef 3.3,5; Cl 1.27), e depois por estes s potestades (Ef 3.10) e aos humanos (Ef 6.19): o plano oculto de Deus desvelado e tornado pblico por meio de seus mensageiros. Neste ponto entra em cena a inconfundvel peculiaridade da carta aos Efsios: Paulo considera que sua vocao desvendar o mistrio de Cristo (ou do evangelho) e aproxim-lo das igrejas. Deseja disseminar a plenitude nele contida perante os crentes, fortalecendo-os assim em sua confiana em Cristo e encorajando-os a viver na obedincia da f. Esse o objetivo de sua carta. Uma viso geral do discurso de Paulo sobre o mistrio traz consigo o seguinte quadro: em 1Co 1.18ss; 2.6ss seu contedo Cristo, o Crucificado que o Senhor da glria (1Co 2.8). Cl 1.26s define a riqueza do mistrio como Cristo em vs, a esperana da glria. Por fim, a carta aos Efsios destaca no mistrio do Cristo particularmente a presena do Senhor em seu corpo, a nova comunho de judeus e gentios (Ef 3.6ss). Ainda que os mistrios divinos possuam um papel importante em religies de mistrios gentias, em correntes gnsticas ou tambm em Qunran Paulo considera o apocaliptismo como pano de fundo: segredos ocultos em Deus sobre eventos futuros so desvendados a algumas pessoas eleitas, p. ex., por meio de vises. Em Paulo, porm, tudo se concentra na revelao desse nico mistrio, o mistrio de Cristo (cf. Ef 3.4). Acontece que a ns, i. , os apstolos e a igreja que cr em Jesus Cristo, foi manifesto o mistrio de sua vontade. O contedo desse mistrio mencionado no v. 10b. Antes disso, a forma da manifestao fundamentada com mais detalhes. Gramaticalemente. provvel que os v. 9b e 10a estejam conectados: segundo o seu beneplcito que propusera anteriormente nele, para a concretizao da plenitude dos tempos. O termo beneplcito o mesmo que ocorreu no v. 5 no sentido de agrado. O conceito engloba tanto a liberdade de Deus em seu querer como tambm o aspecto benigno e salvador de suas resolues. Tambm aqui o estabelecimento da vontade divina remonta a um ato ocorrido antes dos tempos, e isso especialmente destacado pelas palavras propusera anteriormente. Ef 1.11 e 3.11 falam do propsito de Deus no mesmo sentido. Essa resoluo inclua o Filho desde o princpio: nele refere-se Cristo, e no a Deus. Antes de tudo Deus j se prendera a Cristo. 10 A deliberao da vontade de Deus antes da fundao do mundo foi concretizada agora no sentido da realizao para todos os tempos. De modo geral, o termo grego oikonomia pode ter o sentido de

administrao ou cargo, mas aqui aponta para o aspecto da concretizao, do cumprimento conforme planejado. Essa realizao acontece na plenitude dos tempos. Em Gl 4.4 fala-se da chegada da plenitude do tempo. Atravs dessa vinda o tempo sob a lei foi separado do tempo sob Cristo. No presente trecho a nfase recai sobre os tempos decorridos, que agora chegaram a seu ponto final, plenitude: A plenitude dos tempos assinala o auge dos tempos terrenos, o tempo (escatolgico) de Cristo, no qual se revela, realiza e desdobra o mistrio de Deus em Cristo. A concretizao da resoluo divina tem o seguinte contedo: reunir tudo (ou: o universo) em Cristo, tanto o que est nos cus quanto o que est na terra. Em Jesus Cristo a salvao de Deus manifestada de forma abrangente e conclusiva: isso vale tanto na dimenso cronolgica (plenitude dos tempos) quanto espacial (tudo: cus e terra). O verbo anakephalaiousthai, sumamente eficiente na histria da teologia, significa resumir, somar, e por conseqncia tambm instituir como cabea. O mesmo processo descrito por Paulo: Deus deu-o (Cristo) igreja como cabea sobre tudo. Nesse tudo esto includos tambm os poderes e potestades (cf. Ef 3.10; 6.12). O que anteriormente estava dilacerado e disperso unificado debaixo de Cristo. Visto que ele derrotou o poder separador do pecado, o cosmos chega nele unidade que corresponde vontade do Criador. O fato de ele ser ao mesmo tempo enaltecido como soberano sobre o universo no representa uma contradio: unidade e governo esto unificados nele. No mbito da igreja crist como corpo de Cristo agora torna-se imediatamente visvel o que j vale para todo o cosmos, mesmo que ainda precise ser implantado: Cristo Senhor e cabea de sua igreja; ela no existe sem seu cabea. Por isso no pode tornar-se independente, emancipar-se de Cristo, permitindo que sua tarefa seja imposta por terceiros ou buscando-a por conta prpria. No pode entender sua natureza como algo diferente do que realmente : corpo de Cristo. O fundamento da certeza crist repousa sobre a promessa: em Jesus Cristo concretizou-se a resoluo salvfica de Deus. Ele Senhor sobre tudo. A esse j agora contrape-se a dolorosa experincia do ainda no: ainda no se tomou posse da herana (Ef 1.14), ainda no chegou o dia da redeno, ainda no terminou a luta contra os poderosos e violentos (Ef 6.10ss). No obstante, esse ainda no de forma alguma deve turbar a viso do j agora. A epstola aos Efsios visa aguar essa viso, firmando assim a confiana em Cristo como o cabea sobre todas as coisas. 11 Depois que Paulo relatou o alvo do agir divino no v. 10, seu olhar volta a incidir sobre a igreja. As afirmaes subseqentes no esto soltas nessas consideraes, mas estreitamente ligadas ao texto anterior: nele, i. , em Cristo e sua obra recm-enaltecida, manifesta-se a natureza e a riqueza dos que crem. Eles esto ligados a Cristo e assim vivem em uma nova realidade espiritual. Nele caiu sobre ns o sorteio, a participao no sorteio: esta locuo verbal ocorre somente aqui no NT. Paulo fala de modo semelhante em Cl 1.12 sobre a participao na herana dos santos na luz. Termos do grupo semntico quinho/legado ocorrem diversas vezes: cf. v. 14. A idia por trs a distribuio da terra prometida s tribos de Israel: pelo sorteio cada tribo receberia sua parte da herana. Esse o evento a que se refere o texto de Hb 11.8, enquanto 1Pe 1.4 e Hb 9.15 falam da herana guardada no cu (cf. tambm Ef 1.18; 5.5). A concesso desse quinho por sorteio est baseada na determinao prvia segundo o propsito de Deus. Com essa afirmao Paulo refora o que j foi exposto em Ef 1.5: fomos destinados filiao por meio de Cristo. Acerca do propsito de Deus fala-se tambm em Rm 8.28. Trata-se do mesmo contexto de determinao prvia segundo o desgnio de Deus (Rm 8.28,30) que tambm fica explcito em Ef 1.4s. Aqui Deus caracterizado como aquele que efetua tudo de acordo com o desgnio de sua vontade: a participao na herana por parte dos crentes expressa, portanto a dedicao misericordiosa de Deus. Assim como Deus resumiu tudo em Cristo, assim ele nos incluiu e envolveu nessa ao salvadora. Como aquele que efetua tudo, cabe-lhe confiana cabal e louvor irrestrito. A duplicao segundo o desgnio de sua vontade como adendo a segundo (seu) propsito volta a enfatizar a soberania da deciso de Deus. 12 Como nos v. 6 e 14, a direo da atuao divina nos crentes indicada tambm aqui: a fim de sermos (algo) para louvor da sua graa. Se alm disso levarmos em conta a relao com o v. 4 (para que sejamos santos e irrepreensveis diante dele), o louvor de Deus inclui a totalidade da vida do cristo, devendo servir de forma cabal para louvar a graa divina.

Na explicao da segunda parte do versculo (que de antemo temos esperana em Cristo) h duas possibilidades de interpretao: a expresso pode ser entendida como esperar antes, mais cedo ou mais genericamente como antecipar a esperana, aguardar. Disso derivam diferenas de contedo: ns, i. , os judeus que cremos em Cristo, j esperamos por ele antes da vinda do Messias; ou ento ns, i. , todos os cristos, esperamos pela redeno abrangente assinalada no v. 14. Embora na tradio da exegese da igreja o ns com freqncia tenha sido entendido como relacionado a judeus cristos, ao contrrio do vs no v. 13, essa interpretao parece menos provvel, por diversas razes: essa interpretao do termo ns no presente versculo seria demasiado abrupta, j que antes disto ele sempre se referia a todos os cristos. Em outras passagens a forma verbal de esperar de antemo (particpio do pretrito) designa os cristos em sua atual condio de esperana. Por trs provavelmente est Cl 1.5s, que tambm fala da esperana que est preparada para vs no cu, da palavra da verdade (cf. Ef 1.13) e da anterioridade do ouvir (em vista da anterioridade da esperana no presente versculo). 13 Conseqentemente, o enftico tambm vs no distingue gentios cristos de judeus cristos, mas direciona a afirmao especificamente aos destinatrios da carta, destacando-os da totalidade dos cristos. A vida dos que crem pode ser descrita com duas palavras: trata-se de uma existncia nele, i. , em Cristo. O cristo parte do corpo de Cristo, que determinado por Cristo como cabea e conduzido pelo Esprito Santo. J no pertence a si mesmo, mas quele que por ele morreu e ressuscitou (2Co 5.15). Ele pedra no santurio do Senhor (cf. 1Co 3.16; 1Pe 2.5), participando portanto da ao santificadora de Jesus Cristo e inserindo-se no servio a Cristo junto com toda a igreja. O v. 13 aponta duas vezes para essa verdade. Na primeira Paulo recorda o comeo dessa existncia. Os destinatrios ouviram a palavra da verdade. Alm de Cl 1.5s a mesma expresso ocorre em 2Co 6.7, 2Tm 2.15 e Tg 1.18. A verdade da mensagem de Cristo possui Cristo como fundamento, que pessoalmente a verdade (Jo 1.17; 14.6; cf. Jo 17.17). Ela revela tanto a natureza de Deus quanto a situao do ser humano pecador diante desse Deus. Ao mesmo tempo essa palavra possui fora para criar de novo, fazendo com que a verdade seja praticada (cf. Jo 3.21). Nesse sentido mais amplo deve ser entendida tambm a palavra ouvir: no caso dos destinatrios da carta tratava-se de um ouvir que conduzia f. Ao mesmo tempo Paulo caracteriza essa mensagem como evangelho da redeno. O conceito tambm aparece em At 13.26. Essa palavra mensagem de alegria, porque anuncia a salvao do pecador perante o juzo de Deus por causa de Jesus Cristo. Essa redeno concreta e pessoal como vossa salvao. A proclamao do evangelho no mera transmisso de informaes. Por meio dela o Esprito Santo gera a f (cf. Rm 10.1,7). Os ouvintes esto includos de forma abrangente: eles chegaram f, tornaram-se crentes (cf. 1Ts 2.13). O dom do Esprito Santo dado aos crentes implica ao mesmo tempo a sigilao. Fostes selados gramaticalmente a forma principal dos v. 13s. Esse Esprito definido mais claramente como Esprito da promessa, com o que Paulo j aponta para o v. 14. A formulao tipicamente hebraica e refere-se ao Esprito Santo prometido (Gl 3.14; At 2.33). Embora antes os destinatrios da carta estivessem fora da aliana da promessa (Ef 2.12), eles so agora como gentios cristos parceiros da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho (Ef 3.6). A dotao com o Esprito da promessa uma forma peculiar de expressar que os exgentios fazem parte, como crentes, da salvao inaugurada em Jesus Cristo. Alm de Ef. 4.30 Paulo tambm fala acerca da sigilao com o Esprito Santo em 2Co 1.22. Tambm ali o aspecto da sigilao aparece em conjunto com o sinal de negcio, do penhor. A promessa do Esprito Santo aos crentes marca-os, determina-os e caracteriza a ligao deles com Cristo. Relacionada com isso est a afirmao de Cl 2.11, segundo a qual o batismo representa a circunciso por meio de Cristo em contraposio ao sinal da aliana do AT. A literatura ps-NT interpreta o batismo consistentemente como selo. 14 Deixando para trs o retrospecto sobre o recebimento do Esprito, j ocorrido, o discurso volta-se para a anteviso da plenitude ainda esperada da herana. Ainda que a ddiva do Esprito seja designada de sinal de negcio, um termo emprestado do comrcio, preciso descartar a idia de

uma reivindicao legal por parte de quem detm o penhor. Como em todas as circunstncias, o agir de Deus ao conceder o Esprito est sempre presente e como tal jamais pode ser reclamado: ele concedeu o Esprito (2Co 1.22; 5.5); o Esprito Santo ddiva de primcias (Rm 8.23). meno da herana associa-se sempre a esperana crist: a magnitude da dedicao divina em Jesus Cristo, que freqentemente se mostra nos crentes j no tempo presente, no deve obstruir a viso da glria da herana por vir. A herana aguardada implica que a f se cumpre quando os cristos vem seu Senhor; sero iguais a ele; so incumbidos de novas tarefas (cf. 1Co 6.2: No sabeis que os santos julgaro o mundo?). A redeno passa por um processo semelhante herana: ela acontece em Jesus Cristo. Pela f nele j temos a redeno pelo seu sangue (v. 7). Apesar disso ela s alcanar toda a sua abrangncia como salvao do juzo final, motivo pelo qual ainda est por acontecer (cf. tambm Ef 4.30). redeno est ligada a tomada de posse. A partir de 1Ts 5.9 e 2Ts 2.14 ela pode ser interpretada como obteno/aquisio da salvao. Dessa maneira a redeno seria melhor descrita como tomada de possa da herana, reforando e sustentando mais uma vez o aspecto da plenitude futura. Na verdade gramaticalmente possvel interpretar a formulao genitiva como redeno pela qual nos tornamos propriedade dele. Ento o olhar se voltaria para o passado, para o comeo da vida com Cristo. Contudo, visto que Paulo fala de penhor, devemos dar preferncia interpretao em favor do futuro resgate do penhor mediante a salvao consumada. O presente bloco encerrado com a indicao do alvo da ao salvadora de Deus em seu povo para o louvor de sua glria (cf. v. 6, 12; cf. abaixo, p. 33). 2. Prece por olhos iluminados do corao: Ef 1.15-23 15 Por isso, tambm eu, tendo ouvido da f que h entre vs no Senhor Jesus e o amor para com todos os santos, 16 no cesso de dar graas por vs, fazendo meno de vs nas minhas oraes, 17 para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glria, vos conceda esprito de sabedoria e de revelao no pleno conhecimento dele, 18 iluminados os olhos do vosso corao, para saberdes qual a esperana do seu chamamento, qual a riqueza da glria da sua herana nos santos 19 e qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficcia da fora do seu poder; 20 o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos e fazendo-o sentar sua direita nos lugares celestiais, 21 acima de todo principado, e potestade, e poder, e domnio, e de todo nome que se possa referir, no s no presente sculo, mas tambm no vindouro. 22 E ps todas as coisas debaixo dos ps, e para ser o cabea sobre todas as coisas, o deu igreja, 23 a qual o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas. 15 Comeando com por isso, Paulo passa para a gratido e a intercesso, que nas demais cartas costumam suceder diretamente a saudao inicial. O ensejo para agradecer resulta daquilo que foi exposto no louvor dos v. 3-14. De forma singular, o fato de os destinatrios da carta terem se convertido palavra da verdade e sido equipado com o Esprito Santo da promessa (v. 13s) impele o apstolo s aes de graas. Para tanto ele remete agora expressamente f e ao amor deles. A gratido transforma-se em prece pelo reconhecimento da maravilhosa esperana (v. 16b-19) e desemboca em um novo louvor diante da comovente ao milagrosa de Deus atravs de seu Filho. O estreito entrelaamento, aqui manifesto, entre gratido, splica, ensino e adorao constitui uma caracterstica de toda a carta, como descreve Asmussen: No toa que possvel verter grandes parcelas da carta sem dificuldades de volta ao idioma original, formando as oraes diretas que haviam sido antes. Quem segue o apstolo percorre trilhas de adorao. Ainda que no tenha fundado pessoalmente as igrejas s quais se dirige, tendo apenas ouvido a respeito delas, essas informaes movem Paulo gratido pessoal (tambm eu).

O ensejo para a gratido por um lado vossa f no Senhor Jesus. Normalmente a f em Jesus Cristo expressa por meio de uma construo no genitivo (f de Jesus Cristo como genitivus objectivus), enquanto aqui se fala literalmente da f no, dentro do Senhor Jesus Cristo. Desse modo a proximidade com a expresso em Cristo fica clara: os membros da igreja esto em Cristo, ao viver no ambiente da f em Jesus Cristo. Ao mesmo tempo cabe apontar para a ligao entre a locuo Senhor Jesus e 1Co 12.3. Originalmente trata-se aqui da confisso Senhor Jesus que contrasta diretamente com o testemunho oposto Maldito seja Jesus. Enquanto a imprecao tem como base Dt 21.23 (Um enforcado maldito junto de Deus: cf. Gl 3.13) e v a crucificao de Jesus como a condenao divina sobre o blasfemo, a confisso a favor de Jesus como o Krios [Senhor] brota da atuao iluminadora do Esprito Santo. Esse Esprito tornou-se eficaz na igreja (cf. v. 13s), e precisa continuar avanando com sua obra de iluminao (cf. v. 17ss). Como tambm em outros casos, Paulo cita aqui, alm da f, tambm vosso amor para com todos os santos. F e amor esto inseparavelmente conectados. Nessa ligao as obras de amor no aparecem como algo separado da f, mas brotam da ligao viva de f com Jesus Cristo. Essa ligao entre f e amor (inclusive a esperana) mencionada tambm em Gl 5.6 e 1Ts 1.3 (cf. 1Co 13.13). De maneira similar, os v. 18s retomam a esperana crist e explicam seu contedo. Um amor desses se alastra abrangendo todos os santos, o que deixa claro que esse avano no faz distines e ningum excludo dessa dedicao. 16 Paulo no cessa de agradecer a Deus pelas citadas comprovaes de seu agir e lembrarsedas igrejas em suas oraes! A lembrana incessante, i. , repetida e no abandonada pelo apstolo completada em Rm 1.10 por meio de um explcito e rogo que. Aqui o contedo da prece ligado diretamente meno da orao. 17 Ela dirige-se ao Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glria. Acerca do Deus da glria fala At 7.2; Senhor da glria o nome dado a Cristo em 1Co 2.8 e Tg 2.1 (cf. querubim da glria Hb 9.5). A partir do uso terminolgico do AT glria designa inicialmente a magnificncia, a fama, alm do impacto de uma manifestao e sobretudo da manifestao de Deus; disso decorre o significado honra, brilho, glria. Comparando dois textos paralelos obtemos a mesma combinao no NT: Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glria do Pai (Rm 6.4), ou pelo seu poder (1Co 6.14): O brilho de Deus o brilho de seu poder, e o poder de Deus o poder de seu brilho. Paulo suplica que Deus conceda aos crentes o esprito da sabedoria e da revelao. Na primeira carta aos Corntios o apstolo enfatiza diversas vezes que Deus distribui seus dons com soberania irrestrita. Capacidades espirituais no so fruto do esforo pessoal, mas ddiva da bondade divina. Tambm o contedo do pedido aproxima-se de 1Co 12.8: enquanto a palavra da verdade e a palavra do conhecimento segundo o mesmo Esprito! esto no topo da lista dos dons do Esprito, Paulo pede esse mesmo Esprito para as igrejas. No entanto o conhecimento de Deus resultante no deve apenas ser concedido a alguns dotados, mas iluminar a todos os que crem. O que est oculto aos dominadores deste mundo (1Co 2.8) e aos descrentes (2Co 4.4) foi revelado por Deus aos crentes por meio de seu Esprito; este perscruta todas as coisas, tambm as profundezas da divindade (1Co 2.10). Ele viabiliza o entendimento da sabedoria divina, que est oculta no evento da cruz e da ressurreio. Essa sabedoria no uma multiplicidade de curiosas doutrinas esparsas, mas trata-se basicamente de conhecer a ele, i. , o mistrio de sua vontade de salvao (cf. Ef 3.9s), de seu amor revelado em Jesus Cristo (Ef 3.19). 18 A orao pela ddiva do Esprito revelador torna-se concreta no pedido por olhos iluminados do corao. De acordo com o entendimento do AT o corao designa o cerne do ser humano, o centro de sua pessoa. O pecado escureceu esse centro (cf. Ef 4.18; 5.8; cf. 2Co 4.4), matando-o (Ef 2.5; 5.14). A expresso iluminar os olhos origina-se igualmente no AT: ilumina meus olhos (Sl 13.3); Os mandamentos do Senhor so puros e iluminam os olhos (Sl 19.8); Agora, por breve momento, se nos manifestou a graa da parte do Senhor, nosso Deus, para nos alumiar os olhos, Deus nosso, e para nos dar um pouco de vida na nossa servido (Ed 9.8). Essa iluminao obra do Esprito Santo (1Co 2.14-16; cf. tambm At 26.18). Conforme 2Co 4.6 ocorre algo nesse contexto que s pode ser comparado com a criao da luz no comeo da criao: o Criador da luz

resplandeceu em nosso corao, para iluminao do conhecimento da glria de Deus, sobre a face de Cristo (traduo literal). A iluminao do cerne da pessoa acontece, portanto, atravs do prprio Deus. Enquanto Moiss no conseguia contemplar a glria de Deus sem perecer (cf. x 33.20; Is 6.5), agora ela passa a ser acessvel no semblante de Cristo, i. , apesar de ser um semblante crucificado. O ser humano obcecado no capaz de constatar a glria de Deus justamente ali. Unicamente a revelao por intermdio do Esprito Santo desvenda essa realidade oculta sob o contrrio. Uma vez que esse conhecimento diz respeito totalidade do ser humano, decorrem dele tambm as obras dos filhos da luz (Ef 5.8), e pode-se alertar a partir dele tambm contra uma vida obcecada (Ef 4.17). So trs as coisas que os olhos iluminados do corao devem perceber: sua esperana, a riqueza de sua herana e o poder destacado de Deus. Qual a esperana de vosso chamamento: a proclamao do evangelho emite o chamado de Deus aos seres humanos, revela a sua convocao. Conseqentemente os que crem em Cristo podem ser designados de santos chamados. Esse chamado imutvel e por isso confivel. Por isso resulta dele uma slida esperana (cf. Ef 4.4), assim como o compromisso com uma conduta de vida condizente. Seguramente essa esperana da igreja de Jesus Cristo j vigora na atualidade. Apesar disso ela se refere ao futuro no reino vindouro de Deus, no qual se contemplar o que agora ainda objeto de esperana. Alm de Ef 3.6 falam da riqueza da glria tambm Rm 9.23 (a fim de que desse a conhecer as riquezas da sua glria), Fp 4.19 (segundo sua riqueza em glria) e Cl 1.27 (qual seja a riqueza da glria deste mistrio). Enquanto a ltima passagem trata da gloriosa riqueza do mistrio divino, aqui o olhar dirige-se para a herana aguardada (cf. Ef 1.14). Visto que o Esprito Santo representa o sinal de negcio dessa herana, acentua-se novamente o aspecto futuro. A ligao entre a herana e os santos aparece de forma anloga em At 20.32 e 26.18. Em ambas as passagens a palavra santos refere-se aos crentes. Essa interpretao tambm se torna plausvel em relao a Ef 1.18. Paralelamente defendida a concepo de que aqui o texto se refere aos anjos, que ento seriam citados como santos celestiais ao lado dos santos terrenos do v. 15. Para isso possvel remeter ao uso terminolgico de Dt 33.2; Sl 89.5,7; Dn 8.13 (bem como na LXX: Am 4.2; Is 57.5). 19 Paulo ilustrou com cores vivas a rica esperana abrangida pelo evangelho de Jesus Cristo. Agora ele explica porque isto no se limita a anncios vazios, mas se trata de uma esperana que ser cumprida com certeza. A razo disso est no poder destacado de Deus, que corresponde sua glria. Nesse sentido Paulo prossegue sua declarao com o louvor da ressurreio e da instalao de Cristo como Senhor sobre o cosmos e como cabea da igreja (v. 19-23). Assim como aqui Paulo fala da suprema grandeza do poder divino, em Ef 2.7 ele fala da suprema riqueza da sua graa. O agir divino est sendo expresso de uma maneira que no permite mais superlativos. A atuao de Deus dirige-se a ns que cremos (cf. Ef 1.13). De acordo com Rm 10.17 a f comea quando se ouve a pregao do evangelho. Nesse processo o Esprito Santo ilumina o ouvinte, abre-lhe os olhos do corao. Ao reconhecer a salvao, o ser humano tambm se d conta do poder divino que produz essa poderosa obra no pecador. O ponto de partida a ressurreio de Jesus Cristo: aqui Deus demonstrou seu poder que agora, pela pregao, transforma o ouvinte. Sua capacidade descrita com trs conceitos, cujo contedo bastante convergente: literalmente segundo o alcance do poder de sua fora. Essa cumulao expressa mais uma vez a irrestrita e incomparvel plenitude da fora divina. 20 Tal autoridade foi eficaz em Cristo, mostrando-se de mltiplas maneiras: Deus o ressuscitou dentre os mortos e o assentou sua direita (v. 20); ele sujeitou tudo a seus ps e o instituiu como cabea da igreja (v. 22). Muitas passagens do NT atestam que Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos. Essa ao de Deus possui relevncia fundamental para a f crist. Sem a demonstrao de poder da parte de Deus todo o falar de f, perdo dos pecados e esperana eterna seriam nulos e vazios (1Co 15.17ss). A ascenso de Cristo torna explcito que Deus o assentou sua direita nos cus. Dessa forma cumpre-se o Sl 110.1, um trecho da Escritura muitas vezes citado no NT e relacionado com a exaltao de Jesus e com o Filho de Davi.

A posio direita de Deus mostra que Deus lhe transferiu o poder no cu e que isso fundamenta sua posio duradoura como Senhor. 21 Como Senhor do cu, Cristo ao mesmo tempo Senhor acima de todo principado, e potestade, e poder, e domnio. Essas palavras afirmam inicialmente que a existncia humana, ou crist, acontece espacialmente. Cu e terra no so preponderantemente vazios, mas lugares de atuao de poderes que influenciam a vida humana. No NT pressupe-se a relao entre cu e terra como em cima e em baixo: Jesus Cristo despojou-se de sua figura divina e rebaixou-se at a morte na cruz; por isso Deus o elevou aos cus e o colocou acima de tudo (Fp 2.9s; 1Pe 3.18-22). Em Ef 4.9 Paulo diz que Cristo desceu aos lugares mais profundos da terra. Em virtude de sua exaltao aos cus ele subjugou os poderes do ar (Ef 2.2) e no mundo tenebroso (Ef 6.12). Em Cl 2.10 o apstolo expressa o mesmo quando confessa Cristo como cabea de todos os principados e potestades. Entretanto Paulo no considera nenhum tipo de sistema hierrquico nestes poderes; pelo contrrio, ele emprega os diversos termos de maneiras distintas. Essa terminologia conhecida do apocaliptismo judaico, que possui estes nomes para poderes angelicais. Potestade (em grego: arche) e poder (em grego: exousia) freqentemente aparecem lado a lado no NT quando se referem a poderes supraterrenos. A expresso fora (em grego: dynamis) usada sobretudo para a fora de Deus que se tornou reconhecvel, p. ex., na ressurreio de Jesus Cristo (v. 19s), mas tambm pode ocorrer em conjunto com as citadas potestades e poderes antidivinos. Por fim o termo senhorio (em grego: kyriotes) pode apontar para um grupo especfico com uma posio especial de poder. O mbito de atuao das grandezas citadas o cu inferior, que por isso esto situadas entre Deus e o mundo terreno. Cabe notar que tambm os poderes se fundamentam sobre a mediao de Jesus Cristo na criao (cf. Cl 1.16) e no so consistentemente caracterizados como antidivinos, permanecendo indefinidos (cf. os principados e potestades nos lugares celestiais em Ef 3.10). Ef 4.27 e 6.11 fala inequivocamente do diabolos, que provavelmente tambm referido em Ef 2.2, quando o texto fala do prncipe do ar que opera nos incrdulos (cf. 2Co 4.4). Todos os poderes mencionados foram subjugados a Cristo quando ele foi instalado direita de Deus, de modo que seu exerccio de poder foi atingido em cheio. bem verdade que apesar dessa limitao fundamental eles so capazes de fazer tropear o ser humano em geral e o cristo em particular, motivo pelo qual a armadura espiritual torna-se imprescindvel para a luta (Ef 6.10s). O complemento deixa claro que o senhorio de Cristo no atinge apenas determinados poderes: e sobre todo nome que se possa referir, no s no presente sculo, mas tambm no vindouro. O nome est relacionado esfera de influncia e ao mbito de poder: todas as foras existentes ficam duradouramente subordinadas a Cristo, o pantokrator, o plenipotencirio. Seu governo abrange no apenas o on presente, mas tambm a era mundial j irrompida com Cristo, cuja revelao final ainda est por acontecer. 22 A recm-descrita posio de Cristo como Senhor resumida e encerrada com uma citao do Sl 8.6: E ordenou todas as coisas debaixo dos ps. Enquanto esse salmo fala genericamente da revelao da glria de Deus no ser humano, esse versculo foi aplicado a Cristo na presente passagem e em 1Co 15.27 e Hb 2.6ss (cf. Fp 3.21), sendo que a combinao com Sl 110.1 igualmente salientada em 1Co 15.25. Todas as coisas retoma a determinao abrangente do v. 21. Sob os ps sublinha a inatingvel sublimidade de Cristo em comparao com todos os demais poderes. O trecho encerra definindo a relao do Cristo exaltado com a igreja: e o deu igreja para ser o cabea sobre todas as coisas. Pela gramtica seria concebvel traduzir a locuo cabea sobre todas as coisas como cabea que se destaca acima de tudo; nesse contexto, porm, falta o ensejo esse tipo de definio mais especfica. Conseqentemente, preciso ver a expresso como uma formulao comprimida que deve ser dissolvida da seguinte forma: Deus o instituiu como cabea sobre todas as coisas (cf. os versculos anteriores) e como tal tambm o fez cabea da igreja. O conceito descrito de forma distinta na carta aos Colossenses, a saber em Cl 1.18 (ele o cabea do corpo, ou seja, da igreja), e em Ef 2.10 (que o cabea de todos os poderes e potestades) aparece

aqui de forma densamente sintetizada. No entanto a posio de cabea de Cristo sobre o cosmos no simplesmente idntica ao seu posicionamento acima da igreja. Schlier remete a trs esferas em que a posio de Cristo como cabea da igreja exposta na carta aos Efsios como um todo: a) seu senhorio, ao qual corresponde a obedincia da igreja (Ef 5.21ss); b) a relao entre cabea e corpo, que caracterizada pelo amor (Ef 5.25ss); c) Cristo como base (fundamento) e alvo (cabea) da igreja, a partir do qual e em direo do qual ela cresce (Ef 4.15s; cf. 2.20s). 23 No versculo conclusivo, que representa ao mesmo tempo o auge e o alvo das exposies do trecho, so feitas duas afirmaes acerca da igreja que precisam ser distinguidas entre si: a igreja o corpo de Cristo e o pleroma (plenitude), que preenche tudo, ou o universo. A igreja como corpo de Cristo tratada detalhadamente em 1Co 12.12-27. Nesse caso, porm, todo o corpo est sendo relacionado com o Cristo; tambm so citadas diversas vezes funes da cabea (orelha, olho, audio, olfato) para explicar a relao dos membros entre si. Paulo enfatiza que todos os membros do corpo dependem uns dos outros e devem apoiar-se mutuamente. Nesta comunho eles so corpo de Cristo (1Co 12.27). Acontece que esse corpo no formado somente depois que os crentes se decidem a isto, mas j existe antes de os crentes serem batizados e includos nele (1Co 12.13). Na teologia defende-se amplamente a opinio de que a concepo de Paulo acerca do corpo de Cristo foi desenvolvida em Ef e Cl (1.18,24; 2.17): contrapondo Cristo, o cabea da igreja, ao corpo, ficaria manifesta uma nfase independente que leva a uma estrutura hierrquica. O corpo est subordinado ao cabea e deve obedecer-lhe (Ef 5.24). Um autor do grupo de discpulos de Paulo, que teria adaptado as tradies anteriores nova situao no perodo ps-apostlico, responsabilizado por esse deslocamento da igreja carismtica na 1 carta aos Corntios que leva contraposio entre cabea e corpo. Finalmente o caminho avana pelas cartas pastorais (nas quais os cargos lderes de bispos, diconos, presbteros 1Tm 2 e 5 so largamente elaborados e destacados), at chegar ao pr-catolicismo (que se caracterizaria pela posio central do bispo dentro da igreja). Neste ponto no cabe debater toda a problemtica dessa interpretao geral da igreja nas primeiras geraes. Simplesmente indagamos: ser legtimo tirar concluses sobre o autor da carta aos Efsios a partir da contraposio de cabea e corpo? Uma diferena essencial entre Rm/1Co e Ef/Cl consiste em que nas primeiras a igreja local ocupa o centro da reflexo, enquanto estas descrevem a igreja universal. Disso resultam nfases distintas, que no entanto se reportam declarao bsica de que a igreja o corpo de Cristo. Quando as duas sries de afirmaes so separadas, postulando-se diferentes autores, perde-se de vista justamente que ambos os aspectos, igreja local e igreja global e suas respectivas nfases, precisam ser vistos em conjunto. No cabe acompanhar aqui a forma como a concepo de igreja evoluiu do pensamento do apstolo para o de seus discpulos, mas a apresentao de uma igreja de Jesus Cristo em suas diferentes relaes. Nesse empenho Paulo no transmite idias prprias, mas comunica, como bom mordomo (1Co 4.1) aquilo que Deus lhe desvendou como fundamento, natureza e alvo dessa igreja. Cumpre esquematizar isso inicialmente de forma sucinta, antes que os detalhes das diversas passagens sejam abordados. Na igreja local o discurso do corpo tem a incumbncia de esclarecer a relao entre a unidade do corpo e a diversidade de seus membros. Aqui so necessrios apoio e complemento mtuos (cf. tambm Ef 4.16!). Equipada com mltiplos dons espirituais, a igreja representa um organismo vivo, no qual todos cooperam para a edificao do corpo. Por meio dessa unidade entre os diversos membros essa igreja corpo de Cristo (1Co 12.27). O fato de Ef e Cl tratarem da contraposio de cabea e corpo visa abordar a relao entre igreja e Cristo, o que se refere totalidade dos crentes, i. , igreja toda. Com isso estabelece-se que Cristo e a igreja formam uma unidade inseparvel, e que Cristo continuamente Senhor de sua igreja. Cristo origem e alvo do crescimento dessa igreja; ao mesmo tempo ela envolvida por ele com amor dedicado (Ef 5.29). Nessa igreja no existe apenas a unio de diversos membros, mas tambm a comunho entre grupos de judeus e gentios, que geralmente se combatem. Em sua posio de cabea da igreja Cristo tambm o cabea dos poderes do mundo (Cl 2.10; cf. 1.16s). Conseqentemente, porm, o corpo de Cristo adquire, a partir do cabea, dimenses universais, que abrangem o mundo; suas medidas alcanam todo o cosmos, todo o universo. Mas, por ser corpo de Cristo, ele pode e precisa permanecer sempre direcionado para a pessoa do cabea: a igreja no pode abrir mo desta caracterstica pessoal.

Por conseguinte a igreja ambas as coisas: corpo de Cristo que abarca todo o cosmos e grupo de crentes separados do mundo, unificados em seu corpo apesar de toda a sua multiplicidade. Ela pequeno rebanho e ao mesmo tempo vanguarda da nova criao que tem como alvo o cosmos. A igreja corpo de Cristo e plenitude/ pleroma daquele que a tudo enche em todas as coisas. Pleroma pode significar o preencher, o aperfeioar (atitude ativa) ou o que foi preenchido, a medida completa, a plenitude (atitude passiva). Uma vez que conforme Ef 4.10 e 5.8 somente Cristo, ou o Esprito, so capazes de preencher ativamente, o mesmo conseqentemente no pode ser afirmado acerca da igreja. Ef 4.10 testemunha que o Cristo que subiu aos cus preenche o universo. Assim, o presente versculo significa que em Cristo habita corporalmente a plenitude, o pleroma de Deus (Cl 1.9; 2.9). nessa plenitude que os crentes devem ser includos. Devem chegar plenitude total de Deus (Ef 3.19), crescer em direo do cabea Cristo (Ef 4.15s), atingir a plenitude de Cristo (Ef 4.13). A igreja, porm, o espao da plenitude de Cristo, porque ela o corpo de Cristo. Nesse espao Cristo, o cabea, preenche os crentes. Logo a igreja a esfera da plenitude daquele que preenche tudo em todas as coisas. Sntese do Captulo 1 No louvor introdutrio a respeito dos grandes benefcios de Deus Paulo abre um vasto horizonte para seus leitores: comea pela vontade de Deus decidida antes dos tempos. Deus escolheu sua igreja desde antes da criao. O relacionamento com Deus no persiste nem sucumbe diante das imprevisveis oscilaes dos sentimentos humanos ou das situaes histricas, mas repousa sobre a imutvel fidelidade de Deus. Sua escolha torna-se audvel no chamado do evangelho de Cristo: Dem meia-volta! Sigam-me! Dessa forma pecadores so transformados em filhos de Deus, santos e amados. Por natureza a razo humana tem dificuldade em compreender as eleies de Deus: o amor de Deus compatvel com o fato de que alguns so escolhidos entre todas as pessoas? Ser que a convocao Arrependei-vos e crede no evangelho! no perde seu contedo diante da eleio divina? Em contrapartida, o pensamento bblico tm lugar para afirmaes que parecem contraditrias pela lgica humana: Ef 1 no descreve o contedo da pregao missionria diante dos gentios. Nela Paulo fala muito claramente da rejeio dos deuses e da adeso ao Deus vivo e verdadeiro (1Ts 1.9). Contudo, o louvor introdutrio trata da gratido transbordante pela obra redentora em Cristo, que est muito frente de todo querer humano. Embora a eleio divina seja enaltecida aqui, de forma alguma ocorre um paralelo simultneo com a rejeio. No compete aos crentes especular sobre o destino dos no-crentes, mas cabe-lhes louvar com sua vida a gloriosa graa de Deus (Ef 1.6,12,14), i. , ser testemunhas de Jesus Cristo diante dos semelhantes, transmitindo-lhes o amor dele. A especulao sobre a sorte do prximo deve ser transformada em gratido a Deus e servio a ele. A salvao deliberada por Deus torna-se manifesta em Jesus Cristo, na redeno mediante sua morte na cruz. A graa divina mostra-se assim para o crente. Ao mesmo tempo, porm, foi estabelecido nele o centro do novo mundo que ser unificado em e em torno de Cristo. Com isso a viso ampliada para a herana. Ela realidade desde j por fora do Esprito Santo. Por meio da comunho com Cristo os cristos recebem o derramamento abundante de sua bno celestial, de graa, perdo, misericrdia, paz, alegria, sabedoria, confiana. Como o Esprito Santo tambm penhor do que est por vir, descerra-se por meio dele o horizonte frente, e firma-se a certeza da consumao prometida. Os cristos precisam reconhecer que dons lhes foram concedidos. a favor disso que Paulo intercede em sua orao. o que ele tambm visa alcanar por meio de sua carta. Para tanto so necessrios os olhos do corao, i. , da f. Somente eles percebem que desde a ressurreio do Nazareno crucificado o cosmos possui um novo Senhor, ao qual foi dado poder abrangente sobre todas as coisas. Nessa situao sua igreja ocupa uma posio de destaque, visto que ela seu corpo, por meio do qual ele exerce seu governo para a salvao. Sem dvida alguma as pobres igrejas s quais se dirigia esta carta sentiram intensamente a enorme diferena entre essas exposies e sua realidade visvel. Por isso elas precisavam da iluminao dos olhos de seu corao para reconhecer a realidade de Deus como a verdadeiramente vlida. dessa

mudana fundamental de perspectiva, dessa passagem dos olhos da cabea para os olhos do corao, do ver para o crer, que a igreja de Jesus Cristo foi incumbida em todos os tempos. 3. Os mortos se tornaram vivos em Cristo: Ef 2.1-10 1 Ele vos deu vida, estando vs mortos nos vossos delitos e pecados, 2 nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o prncipe da potestade do ar, do esprito que agora atua nos filhos da desobedincia; 3 entre os quais tambm todos ns andamos outrora, segundo as inclinaes da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e ramos, por natureza, filhos da ira, como tambm os demais. 4 Mas Deus, sendo rico em misericrdia, por causa do grande amor com que nos amou, 5 e estando ns mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, pela graa sois salvos, 6 e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; 7 para mostrar, nos sculos vindouros, a suprema riqueza da sua graa, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. 8 Porque pela graa sois salvos, mediante a f; e isto no vem de vs; dom de Deus; 9 no de obras, para que ningum se glorie. 10 Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemo preparou para que andssemos nelas. 1 Ef 2.1-10 estabelece uma estreita conexo com o bloco anterior: o comeo tambm vs aplica igreja dos leitores as consideraes sobre a verdade de que Cristo o cabea. O contedo do v. 1 continua no v. 5b (termo-chave: mortos em vossos delitos). As conseqncias do evento de Cristo narrado em Ef 1.20 passam a ser aplicadas aos crentes: deu vida juntamente com Cristo, ressuscitados com ele, fez assentar com ele (em Ef 2.5s). O afunilamento da exposio geral de Ef 1.20ss para a realidade dos leitores (em Ef 2.1) aconteceu de forma muito semelhante em Ef 1.13. Inicialmente essa aplicao menciona como os membros da igreja antes estavam enleados pelo pecado: Tambm vs estveis mortos em vossas transgresses e pecados. Paulo falou sobre as transgresses sobretudo na carta aos Romanos, mas tambm em outras cartas. Ademais, Cl 2.13 menciona a incircunciso de vossa carne. Toda a existncia estava to atingida pelo pecado que s poderia ser caracterizada como morta. Assim se afirma que o pecado no tinha envolvido apenas algumas reas do ser humano (p. ex., a rea moral), mas que sua vida estava infectada e destruda no cerne de sua personalidade (por isso tambm a necessidade da iluminao do corao em Ef 1.18). Paulo fala diversas vezes do poder da morte como conseqncia do pecado. Os pecados no so somente inseparveis do incrdulo, porm Paulo tambm os descreve como aqueles em que andastes outrora. A vida pregressa acontecia em pecado, que no um espao neutro, mas de poder. Como em todo o NT, a converso a Cristo (cf. 1Ts 1.9s) representa uma ntida linha divisria entre outrora e agora. O verbo andar representa a totalidade da vida, e empregado com freqncia especialmente por Paulo. Essa conduta anterior acontecia segundo a norma de um poder antidivino: segundo o prncipe da potestade do ar, do esprito que agora atua nos filhos da desobedincia. A aparente liberdade, portanto, no passava de escravido sob poderes maus. Enquanto Ef 1.21 cita potestades diversas, Paulo agora fala apenas do on deste mundo, o soberano da esfera de poder do ar. Aparentemente, on entendido como pessoa, paralelamente ao conceito soberano que vem em seguida. O mundo aparece aqui como um ente que reivindica posse do poder sobre o tempo, alegando ser o deus do tempo do mundo. Enquanto essa reivindicao de eternidade dominava a vida dos pecadores, permanecia oculto o fato de que Cristo derrotou os poderes, que esse on j encontrou seu fim nele e que por isso tambm o poder dele se esvai rapidamente. verdade que por isso os crentes ainda so fortemente atribulados, contudo inquestionvel que o domnio de Cristo sobre todos os poderes tambm ser publicamente constatvel no final.

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O segundo conceito caracteriza-o como soberano da esfera de poder do ar. Acima da terra estende-se a esfera do ar. dela que vem a influncia sobre os acontecimentos na terra situada abaixo. Conforme Cl 1.13 esse ambiente a esfera de poder das trevas, na qual os prncipes mundiais destas trevas (Ef 6.12) exercem sua atuao. Finalmente as afirmaes so detalhadas com a meno ao esprito que agora atua nos filhos da desobedincia. O texto permite duas interpretaes: esprito freqentemente entendido como termo paralelo a soberanos, o que possvel apesar da troca do plural pelo singular. Contudo igualmente imaginvel relacionar esprito diretamente com ar, o que se torna plausvel pela ligao de contedo de ambas as grandezas. Em decorrncia, o senhor sobre a esfera do ar seria o mesmo que tambm controla a esfera do esprito. Por isso as dimenses do espao e do esprito relativas a esse senhorio confluem. Esse esprito anticristo exerce sua ao nos filhos da desobedincia. Mais uma vez isso permite notar que nenhum ser humano pode assumir uma posio simplesmente neutra diante dos poderes: quem no est ligado a Jesus Cristo pela obedincia da f (cf. Rm 1.5; 16.26) permanece, como desobediente, escravo do pecado. A mesma correlao assim descrita por Paulo em Rm 6.17: Mas graas a Deus porque, outrora, escravos do pecado, contudo, viestes a obedecer de corao forma de doutrina a que fostes entregues. Entre eles i. , os filhos da desobedincia tambm ns andvamos outrora. No necessrio considerar isso uma referncia especial aos cristos judeus. Pelo contrrio, o ns unifica Paulo e os leitores das diversas igrejas, distinguido os crentes dos demais mencionados no final do v. 3, i. , os humanos escravizados pelas citadas potestades. Uma vida sem Cristo levada no mbito dos desejos de nossa carne. Conforme Ef 4.22 isso o trato passado segundo as concupiscncias da paixo, que agora j no condizem com o cristo e das quais lhe cabe despir-se. Carne o ser humano em sua rebeldia contra Deus, o velho ser humano, o corpo do pecado (cf. Rm 6.6; 7.18; Gl 5.16; etc.). Dessa existncia brotam as concupiscncias (cf. Rm 7.5) que se refletem no agir concreto. O desejo (as pulses) e os pensamentos (obscurecidos: Ef 4.18) levam a uma conduta que pode ser vista na carne. No passado esse aprisionamento pelo pecado caracterizava os membros da igreja por natureza como filhos da ira. Com base no ser humano natural em 1Co 2.14, por natureza deve ser entendido como conceito oposto ao ser humano espiritual: por si mesmo nenhum ser humano capaz de romper os liames do pecado e praticar a vontade de Deus. Por essa razo todo ser humano ru do juzo da ira divina. Os demais so aqueles que no tm esperana diante dessa situao (1Ts 4.13; 5.6). [4] Diante do sombrio pano de fundo da descrio de como o ser humano refm da morte, Paulo coloca o porm da misericrdia divina. A riqueza de sua graa (Ef 1.7) que ele fez derramar sobre os crentes (Ef 1.8) completada agora com a declarao de que Deus rico em misericrdia. De conformidade com sua misericrdia ele nos salvou (Tt 3.5) e nos fez renascer para uma viva esperana (1Pe 1.3). Essa misericrdia concretizou-se em seu grande amor, com o qual nos amou. A magnitude desse amor que se evidencia em Jesus Cristo enaltecida por Paulo em Rm 8.35-39 (cf. tambm Jo 3.16; 13.1): a entrega do nico Filho amado a fiana do amor supremo de Deus. Ele no si restringe a si mesmo, mas dirige-se a