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 Denúncia Genérica e Inépcia (Transcrições) HC 86395/SP* RELATOR: MIN. GILMAR MENDES VOTO: (. .. ) Em sí !"s"# $ ST% &" " '$ $ &" m !" & $ "m +,s! -$ ss , , , & &" &" 0$ 0 s$ &" 0 ,m"s 0$m 1 2$ +$ ! & !, -$s -" ,s &,+"s$s " s ",!$s -ss,+$s &,4 "" !"s. A& "m ,s# $ 0 &2$ ,m- ' & $ ss!"! !"s" &" " 2$ -$&", s" &"s-"7& &"0, " m"0,$ s ""m"!"s &$ &",!$.  A &"0,s2$ ,m-'&# -$!!$# -!" & -"m,ss &" "# $ 0s$ "m !"# + ", " -$s ,12 $ &$ 4 ! $ !í- ,0$ " !, í&,0$ , 0" 1& -$ m",$s ,4$m!,+$s ,&;"$s " s4,0,"!"s < 0s12$ " < &"4"s# m"sm$ " 2$ s" !!" &"# $s --,$s &,7""s &$ R"!$# M,. %$s= A&$ & >$s"0# ?m -,m$ &" "$12$ !=0,0@ (4. 36). N$ - "0 " &" 4 s. 8 8B5 9# $ M, ,s != ,$ P ,0$ >"&" # -" $ S-$0&$BG" & R"-,0# D. E&s$ O,+", &" Am",&# $-, -"$ ,&"4",m"!$ & $&"m# s$ $ 4&m"!$ &" " &"0, "-$&7,& <s 4s. B59 s", -! - -"s"012$ -". A&"m,s# $ Parquet  'm"! 2$ +" 72$ - $ !0m"!$ &" 12$ -" &$ $s 4!$s &$s 0$4,'"m# $ m"$s "m !"s"# 0,m"s# (...) C$4$m" "-$s!$ -"1 0s!,# $ $ -0,"!" 4$, &"0,&$ -"$s 0,m"s &": i) m"1 0$m '+!" '"=,0 &$ s$ &" -$&" $ +,$12$ &" &"+" , ""!" 0'$# $4í0,$# m, ,s!=,$ $ -$4,ss2$ (A!. F &$ CP:  Am"1 '=m# -$ -+# "s0,!$ $ '"s!$# $ " $!$ m",$ s,m,0$# &" 0sB" m ,s!$ " '+".) 0/0 (A!. 6F# II# '# &$ CP B S2$ 0, 0s!J 0, s " s" m- " ' + m -" # &$ 2$ 0$s !, ! "m $ ,4,0m $ 0,m" B !" $ '"!" 0$m"!,&$ $ 0,m": 0$m s$ &" -$&" $ +,$12$ &" &"+" ,""!" 0'$# $4í0,$# m,,s!=,$ $ -$4,ss2$.)K "  ii)  s$ &" !$,&&" (A!. 3 $ # í " # & L", $  .898/F965: C$s!,!, s$ &" !$,&&" " !"!&$: $s &,",!$s " '!,s "',s ss"'&$s $ ""0í0,$ -$4,ss,$.). Em sí !"s"# -$&"Bs" &,7" " ,m-"! 12$ s" s", $s s"', !"s 4&m"!$s: a) s0, &" "-"s"!12$ !$ $ 0,m" &" m"1 " b) s0, &" s! 0s - 12$ -" "m 40" & &"0, 2$ &"s0"+" s 0$&!s !í-,0s ,m-!&s $ -0,"!"# s" !$ < 00!",712$ &$ 0,m" &" m"1 s" !$ < !"!!,+ &" &"s0,12$ & ""m"! &$ 0,m" &" s$ &" !$,&&". !$ < "'& 4! &" 0$&,12$ &" -$0"&,,,&&" - 12$ -" 0$"s-$&"!" < s0, &" "-"s"!12$ "s-"0í4,0 !$ $ 0,m" &" m"1 (,!"m ?@ 0,m)# ,m-"!12$ "' ": ?A "-"s"!12$ "# ,"'+"m"!"# $,'!, - ,-!"s" "m "s !2$. S s 0, ,m- " $ "0$ "0,m"!$ &" , " ,s! 0, &" 0$&,12$ &" -$0"&,,,&&" - 12$ -"@ (4. F8).

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Denncia Genrica e Inpcia (Transcries)

HC 86395/SP*

RELATOR: MIN. GILMAR MENDES

VOTO: (...) Em sntese, o STJ denegou a ordem tendo em vista a possibilidade de concurso de crimes com a ao voltada a tipos penais diversos e a sujeitos passivos diferentes. Ademais, o acrdo impugnado sustenta a tese de que no poderia ser desprezada a denncia que menciona as elementares do delito.

A deciso impugnada, portanto, parte da premissa de que, no caso em tela, haveria exposio do fato tpico e antijurdico alicerada por meios informativos idneos e suficientes acusao e defesa, mesmo que no se trate de, nos prprios dizeres do Relator, Min. Jos Arnaldo da Fonseca, um primor de elaborao tcnica (fl. 436).

No parecer de fls. 488-509, o Ministrio Pblico Federal, pelo Subprocurador-Geral da Repblica, Dr. Edson Oliveira de Almeida, opina pelo indeferimento da ordem, sob o fundamento de que a denncia reproduzida s fls. 47-59 seria apta para a persecuo penal. Ademais, o Parquet argumenta no haver razo para o trancamento de ao penal quando os fatos narrados configurem, ao menos em tese, crimes, (...)

Conforme exposto na pea acusatria, o ora paciente foi denunciado pelos crimes de: i) ameaa com a agravante genrica do abuso de poder ou violao de dever inerente a cargo, ofcio, ministrio ou profisso [(Art. 147 do CP: Ameaar algum, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simblico, de causar-lhe mal injusto e grave.); c/c (Art. 61, II, g, do CP - So circunstncias que sempre agravam a pena, quando no constituem ou qualificam o crime - ter o agente cometido o crime: com abuso de poder ou violao de dever inerente a cargo, ofcio, ministrio ou profisso.)]; e ii) abuso de autoridade (Art. 3o, alnea j, da Lei no 4.898/1965: Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: aos direitos e garantias legais assegurados ao exerccio profissional.).

Em sntese, pode-se dizer que a impetrao se baseia nos seguintes fundamentos:

a) ausncia de representao quanto ao crime de ameaa; e

b) ausncia de justa causa para a ao penal em face da denncia no descrever as condutas tpicas imputadas ao paciente, seja quanto caracterizao do crime de ameaa; seja quanto tentativa de descrio da elementar do crime de abuso de autoridade.

Quanto alegada falta de condio de procedibilidade para a ao penal correspondente ausncia de representao especfica quanto ao crime de ameaa (item a acima), a impetrao alega que:

A representao era, inegavelmente, obrigatria para a hiptese em questo. Sua ausncia impe o reconhecimento de inexistncia de condio de procedibilidade para a ao penal (fl. 18).

Preliminarmente, vlido mencionar que o ato de representao do ofendido, para fins penais, no depende, primeira vista, de rigores formalsticos, como dizia o saudoso Min. Cordeiro Guerra, em precedente firmado por esta Segunda Turma no julgamento do RHC no 58.093/SP, assim ementado, verbis:

A representao ao desencademanto da persecutio criminis no necessita cumprir rigores formalsticos. Basta a caracterizao nos autos, da manifestao dos ofentidos, ou de seus representantes legais, ao processamento criminal dos autores do evento. Precedente do STF. Improvimento do recurso.. (RHC no 58.093/SP, Rel. Min. Cordeiro Guerra, 2 Turma, DJ de 03.10.1980).

pertinente invocar ainda o clssico precedente, de lavra do Min. Moreira Alves, tambm firmado por esta Segunda Turma no julgamento do RHC no 54.013/PR (DJ de 26.04.1976), no qual se esclarece que a representao deve expressar vontade inequvoca de que o autor seja processado, desde que indique fato tpico, isto , relevante, ao menos em tese, para o mbito penal, verbis:

Habeas Corpus. O inqurito policial no pode ser trancado por meio de habeas corpus quando instaurado em virtude de ato que configura crime em tese. No se exige da representao rigorismo formalista, bastando, para que seja tida como tal, a inequvoca manifestao de vontade da vtima de que o autor do ato que se apresenta, em tese, como crime seja processado. Recurso Ordinrio a que se nega provimento. - (grifo nosso - RHC no 54.013/PR, Segunda Turma, Rel. Min. Moreira Alves, unnime, DJ de 26.04.1976).

No caso concreto, incontroverso que, por meio da representao formulada, os policiais rodovirios federais envolvidos manifestaram a vontade de incitar a instaurao da persecuo criminal.

Quanto alegao de ausncia de justa causa para a ao penal em face da denncia no descrever as condutas imputadas ao paciente, a defesa afirma, inicialmente, que:

redigida em 12 laudas (doc. 01), a longa e prolixa denncia fez dezenas de consideraes pouco importantes, narrou longamente antecedentes e questes marginais, e falhou no principal: a descrio das condutas que representariam a alegada ameaa ou abuso de autoridade. (...). A denncia, basicamente, repetiu os termos do relatrio. No se sabe, porm, quais dos trechos das conversas configuram a ameaa ou o abuso de autoridade apontado na inicial. No foram eles delimitados. (...). S por isto, o trancamento da Ao Penal j se impunha. No apta a inicial que obrigue a defesa a arriscar-se a adivinhar o que os acusadores imaginaram ser a prtica criminosa - (fls. 6/7).

Com relao legitimidade da imputao do crime de ameaa (CP, art. 147 c/c art. 61, II, g), os impetrantes sustentam atipicidade da conduta, nos seguintes termos:

Ora, que ele no participava da quadrilha j entendeu este Supremo Tribunal Federal. Ausente esta premissa, no teria ele motivos para ameaar, consoante o prprio raciocnio das procuradoras da Repblica. E, de fato, no ameaou.

Desta feita, flagrante a atipicidade da conduta narrada na inicial, perceptvel prima facie, j que indiscutvel a ausncia da elementar promessa de mal injusto, cabvel , desde j, o trancamento da ao penal, poupando o magistrado ALI MAZLOUM do doloroso constrangimento de se ver processado em mais uma Ao Penal carente de justa causa - (fl. 33).

Com referncia ao suposto cometimento do crime de abuso de autoridade (Lei no 4.898/1965, art. 3o, alnea j), os impetrantes afirmam a manifesta inpcia da inicial acusatria pela no descrio de elementar referente ao delito, verbis:

Tendo-se em mira a doutrina, fcil a constatao de que o denunciante no narrou, em nenhum momento, qual a garantia ou direito profissional da suposta vtima que foi violado, e muito menos indicou a norma complementar em que tal garantia estaria prevista.

Mais grave do que isso ainda: a exordial nem sequer descreveu o ato atentatrio a este direito praticado pelo paciente. Neste ponto, resta claro o vcio nela constante.

(...)

Em razo da omisso apontada, a nica soluo cabvel era o trancamento da Ao Penal. (fls. 34-36)

Registradas as principais alegaes neste habeas corpus, necessrio estabelecer, antes de tudo, algumas premissas.

Em primeiro lugar, o simples fato de uma conduta ser moralmente reprovvel ou at constituir irregularidade administrativa no deve justificar, por si s, a propositura de ao penal. Basta lembrarmos, em um primeiro momento, do feito, ainda sub judice (INQ no 1.145/PB, Rel. Min. Maurcio Corra), em que se discute a questo da tipicidade ou no da cola eletrnica.

Outro caso emblemtico para a anlise da questo o da apurao painel do Senado (INQ no 1.879/DF, Pleno, unnime, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 07.05.2004), cuja tentativa de criminalizao da conduta apenas se realizou aps a acontecimento do fato apreciado. Nessa assentada, o Plenrio do Supremo Tribunal Federal rejeitou a denncia por atipicidade da conduta, em deciso assim ementada:

Supresso de documento (CP, art. 305). Violao do painel do Senado. A obteno do extrato de votao secreta, mediante alterao nos programas de informtica, no se amolda ao tipo penal previsto no art. 305 do CP, mas caracteriza o crime previsto no art. 313-B da Lei 9989, de 14.07.2000. Impossibilidade de retroao da norma penal a fatos ocorridos anteriormente a sua vigncia (CF, art. 5, XL). Extino da punibilidade em relao ao crime de violao de sigilo funcional (CP, art. 325). Denncia rejeitada por atipicidade de conduta. Inqurito. (INQ no 1879/DF, Pleno, unnime, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 07.05.2004).

inegvel reconhecer, portanto, que os requisitos para a apresentao e acolhimento de uma denncia revelam uma dimenso de concretizao do direito constitucional de defesa.

Para que se examine a aptido de uma pea acusatria, portanto, h de se interpretar o disposto no art. 41 do Cdigo de Processo Penal, verbis:

Art. 41. A denncia ou queixa conter a exposio do fato criminoso, com todas as suas circunstncias, a qualificao do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identific-lo, a classificao do crime e, quando necessrio, o rol das testemunhas.

Essa frmula pode ser encontrada em texto clssico de Joo Mendes de Almeida Jnior, o qual revela uma bela e pedaggica sistematizao. Assevera Joo Mendes que a denncia:

uma exposio narrativa e demonstrativa. Narrativa, porque deve revelar o fato com tdas as suas circunstncias, isto , no s a ao transitiva, como a pessoa que a praticou (quis), os meios que empregou (quibus auxiliis), o malefcio que produziu (quid), os motivos que o determinaram a isso (cur), a maneira porque a praticou (quomodo), o lugar onde a praticou (ubi), o tempo (quando). (Segundo enumerao de Aristteles, na tica a Nicomaco, 1. III, as circunstncias so resumidas pelas palavras quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando, assim referidas por Ccero (De Invent. I)). Demonstrativa, porque deve descrever o corpo de delito, dar as razes de convico ou presuno e nomear as testemunhas e informantes. (ALMEIDA JNIOR, Joo Mendes de. O processo criminal brasileiro, v. II. Rio de Janeiro/So Paulo: Freitas Bastos, 1959, p. 183)

So lies que devem ser sempre relembradas!

A denncia limita-se a reportar, de maneira pouco precisa, os termos de representao formulada pelos policiais rodovirios federais envolvidos.

A despeito de ter especificado a pessoa que supostamente teria cometido o ilcito (o ora paciente, ALI MAZLOUM), a pea acusatria, em momento algum, identifica a ao transitiva especfica perpetrada, no descreve o modo pelo qual teria sido cometida a suposta prtica delituosa (quomodo), nem identifica o prejuzo ao bem jurdico penal tutelado (quid).

Em outras palavras, a denncia no narra, em qualquer instante, o ato concreto do paciente que configure ameaa ou abuso de autoridade. No relata, tampouco, garantias ou direitos profissionais dos policiais supostamente ofendidos que teriam sido especificamente violados.

Trata-se de acusao lastreada em uma peculiar combinao de relatos com um outro amontoado de indcios e suposies que, conforme salientou o prprio voto do Relator do acrdo impugnado, est longe de corresponder a um primor de elaborao tcnica (fl. 436).

dizer, a pea acusatria no observou os requisitos que poderiam oferecer substrato a uma persecuo criminal minimamente aceitvel.

Assim, da leitura da denncia oferecida contra o paciente, em especial das fls. 49-57, no constato demonstrao de mnima descrio dos fatos, nem tampouco concatenao lgica que permita a configurao, ao menos em tese, seja na forma consumada, seja na modalidade tentada, dos elementos dos tipos penais envolvidos (CP, art. 147 c/c art. 61, II, g; e Lei no 4.898/1965, art. 3o, alnea j).

Essa questo - a da tcnica da denncia observvel em casos concretos desse tipo -, como sabemos, tem merecido do Supremo Tribunal Federal reflexo no plano da dogmtica constitucional, associada especialmente ao direito de defesa.

No HC no 70.763/DF, interessante transcrever excerto do voto do Ministro Relator Celso de Mello, verbis:

O processo penal de tipo acusatrio repele, por ofensivas garantia da plenitude de defesa, quaisquer imputaes que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditrias, omissas ou ambguas. Existe, na perspectiva dos princpios constitucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutvel vinculao entre a obrigao estatal de oferecer acusao formalmente precisa e juridicamente apta e o direito individual de que dispe o acusado a ampla defesa. A imputao penal omissa ou deficiente, alm de constituir transgresso do dever jurdico que se impe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade processual absoluta. A denncia - enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusao penal - constitui pea processual de indiscutvel relevo jurdico. Ela, ao delimitar o mbito temtico da imputao penal, define a prpria res in judicio deducta. A pea acusatria deve conter a exposio do fato delituoso, em toda a sua essncia e com todas as suas circunstncias. Essa narrao, ainda que sucinta, impe-se ao acusador como exigncia derivada do postulado constitucional que assegura ao ru o exerccio, em plenitude, do direito de defesa. Denncia que no descreve adequadamente o fato criminoso denncia inepta. (HC no 70.763/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.09.1994)

Em outro habeas corpus (HCs no 73.271/SP), tambm da relatoria do Ministro Celso de Mello, a ementa consubstancia idntico entendimento, verbis:

(...)

PERSECUO PENAL - MINISTRIO PBLICO - APTIDO DA DENNCIA. O Ministrio Pblico, para validamente formular a denncia penal, deve ter por suporte uma necessria base emprica, a fim de que o exerccio desse grave dever-poder no se transforme em instrumento de injusta persecuo estatal. O ajuizamento da ao penal condenatria supe a existncia de justa causa, que se tem por inocorrente quando o comportamento atribudo ao ru nem mesmo em tese constitui crime, ou quando, configurando uma infrao penal, resulta de pura criao mental da acusao (RF 150/393, Rel. Min. OROZIMBO NONATO). A pea acusatria deve conter a exposio do fato delituoso em toda a sua essncia e com todas as suas circunstncias. Essa narrao, ainda que sucinta, impe-se ao acusador como exigncia derivada do postulado constitucional que assegura ao ru o pleno exerccio do direito de defesa. Denncia que no descreve adequadamente o fato criminoso denncia inepta. - (HC no 73.271/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 09.04.1996).

foroso reconhecer, portanto, que essa discusso apresenta srias implicaes no campo dos direitos fundamentais.

Denncias genricas que, assim como a ora em anlise, no descrevem os fatos na sua devida conformao, no se coadunam com os postulados bsicos do Estado de Direito. Em outro nvel de argumentao, quando se fazem imputaes vagas est a se violar, tambm, o princpio da dignidade da pessoa humana, que, entre ns, tem base positiva no artigo 1o, inciso III, da CF.

Como se sabe, na sua acepo originria, este princpio probe a utilizao ou transformao do homem em objeto dos processos e aes estatais. O Estado est vinculado ao dever de respeito e proteo do indivduo contra exposio a ofensas ou humilhaes.

A propsito, pertinente mencionar os j conhecidos comentrios de Gnther Drig ao art. 1 da Constituio alem, os quais afirmam que a submisso do homem a um processo judicial indefinido e sua degradao como objeto do processo estatal atenta contra o princpio da proteo judicial efetiva (rechtliches Gehr) e fere o princpio da dignidade humana [Eine Auslieferung des Menschen an ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wre die Verweigerung des rechtlichen Gehrs.] (MAUNZ-DRIG, Grundgesetz Kommentar, Band I, Mnchen, Verlag C.H.Beck , 1990, 1I 18).

Com esses fundamentos, constata-se, na espcie, que estamos diante de mais um daqueles casos em que a atividade persecutria do Estado orienta-se em flagrante desconformidade com os postulados processuais-constitucionais.

que denncia imprecisa, genrica e vaga, alm de traduzir persecuo criminal injusta, incompatvel com o princpio da dignidade humana e com o postulado do direito defesa e ao contraditrio.

Ressalto, por fim, que no se est a discutir matria probatria - isto , se a suposta ameaa ou abuso de autoridade teriam ocorrido ou no. Tal exame transcende, em muito, os estreitos limites cognitivos deste habeas corpus. Ademais, deve-se levar em conta que no h nos autos elementos suficientes para sustentar uma anlise categrica a esse respeito.

Todavia, independentemente de qualquer outra considerao, afigura-se inequvoco que a denncia, tal como formulada, no preenche os requisitos para a regular tramitao de uma ao penal que assegure o legtimo direito de defesa, tendo em vista a ausncia de fatos elementares associados s imputaes dos crimes de ameaa e abuso de autoridade (respectivamente: CP, art. 147 c/c art. 61, II, g; e Lei no 4.898/1965, art. 3o, alnea j).

A suposta prtica de tais atos pode configurar, quando muito, irregularidade cuja responsabilidade at deveria ser apurada na competente instncia civil e/ou administrativa.

Em ltima instncia, ainda que fosse desejvel e oportuno, entendo que uma persecuo penal no pode ser legitimamente instaurada sem o atendimento mnimo dos direitos e garantias constitucionais vigentes em nosso Estado Democrtico de Direito (CF, art. 1o, caput).

Diante de casos como este, em que as instncias judiciais que se pronunciaram anteriormente reconheceram a legitimidade da denncia, no estaria o STF equivocado em admitir a sua inpcia.

No se pode dar curso a ao penal que, a priori, j se sabe invivel. A transformao do processo penal em instituto de penalizao reveladora de uma viso totalitria, muito comum nos pases do socialismo real, e no pode ser referendada pelo Judicirio.

A ttulo de obiter dictum, conforme j tive oportunidade de asseverar nesta Segunda Turma, se me fosse permitido aventurar uma considerao antropolgica e sociolgica, diria que os casos de recebimento de denncias fortemente ineptas por juzes e tribunais traduzem caso de tpica covardia institucional.

Trata-se de situaes marcadamente deturpadas nas quais o juzo de acolhimento de denncias ineptas norteado pela satisfao de um determinado anseio identificvel na opinio pblica.

evidente a erronia dessa orientao e a ameaa que a sua adoo pode trazer para a credibilidade do Judicirio e para o fortalecimento das instituies democrticas.

Como se v, a questo extremamente sria e implica o uso indevido do processo criminal para finalidades outras, as quais no so compatveis com os elementos basilares do Estado de Direito.

A questo crucial neste caso que o processo penal no pode ser utilizado como instrumento de perseguio.

No se pode perder a dimenso de que o rigor e a prudncia devem ser observados, no somente por aqueles que tm o poder de iniciativa nas aes penais, mas, sobretudo, por aqueles que podem decidir sobre o seu curso.

Conforme se pode constatar, nesses casos de apreciao de constrangimento ilegal, em razo de injusta persecuo penal, o Supremo Tribunal Federal tem declarado que no difcil perceber os danos que a mera existncia de uma ao penal impe ao indivduo - o qual se v obrigado a despender todos seus esforos em um campo no meramente cvel ou administrativo, mas eminentemente penal, com srias repercusses para a dignidade pessoal dosinvestigados e/ou denunciados.

Desse modo, um argumento que no pode ser simplesmente reproduzido o da pretensa subsistncia ou predomnio do juiz natural, interpretao invocada pelo voto vencido da Min. Ellen Gracie no julgamento do HC no 86.424/SP, julgado em 25.10.2005 (acrdo pendente de publicao) - tratava-se daquele caso da substituio de placas particulares de veculo automotor por placas reservadas obtidas junto ao Detran.

Essa tese, no sentido de que o Tribunal Regional Federal e o Superior Tribunal de Justia j teriam se manifestado pela tipicidade da conduta, somente prolonga o constrangimento ilegal a que o paciente est submetido.

Nesse particular, para uma reflexo abalizada acerca da jurisdio prestada por este Supremo Tribunal Federal nesses casos especificamente quanto s impugnaes decorrentes das investigaes da Operao Anaconda, so expressivos os casos de reviso de julgamentos proferidos pelos Tribunais de Justia, Tribunais Regionais Federais e pelo Superior Tribunal de Justia no mbito desta Corte, os quais considero dignos de registro para fins de sistematizao da argumentao at aqui desenvolvida.

Em diversas oportunidades, tivemos, aqui nesta Segunda Turma, casos da Operao Anaconda cuja lembrana chega a ser constrangedora.

No HC no 84.388/SP, de Relatoria do Min. Joaquim Barbosa, este Colegiado reconheceu, por unanimidade, o constrangimento ilegal decorrente de uma denncia que beirava a irresponsabilidade. Nessa assentada, o Ministro Celso de Mello classificou como bizarra a atuao persecutria do Estado. Tratava-se da imputao de um falso, por algum que, por equvoco, declarara, perante a Receita Federal, que detinha US$ 9.000,00 (nove mil dlares) no Afeganisto e que tambm declarara possuir o mesmo valor no Brasil. Esse fato constituiria, para o Parquet, o suposto falso imputado.

Nesse mesmo habeas corpus, quanto imputao do crime previsto no art. 10 da Lei no 9.296/1996, a denncia limitava-se a transcrever conversas telefnicas, sem a observncia dos requisitos mnimos persecuo criminal. Isto , sem a demonstrao dos elementos indispensveis configurao do tipo penal. Tambm, nesse ponto, a ordem de habeas corpus foi concedida. Eis o teor da ementa desse julgado, verbis:EMENTA: HABEAS CORPUS. OPERAO ANACONDA. INPCIA DA DENNCIA. ALEGAES DE NULIDADE QUANTO S PROVAS OBTIDAS POR MEIO ILCITO. INTERCEPTAO TELEFNICA. IMPORTANTE INSTRUMENTO DE INVESTIGAO E APURAO DE ILCITOS. ART. 5 DA LEI 9.296/1996: PRAZO DE 15 DIAS PRORROGVEL UMA NICA VEZ POR IGUAL PERODO. SUBSISTNCIA DOS PRESSUPOSTOS QUE CONDUZIRAM DECRETAO DA INTERCEPTAO TELEFNICA. DECISES FUNDAMENTADAS E RAZOVEIS.

A aparente limitao imposta pelo art. 5 da Lei 9.296/1996 no constitui bice viabilidade das mltiplas renovaes das autorizaes.

DESVIO DE FINALIDADE NAS INTERCEPTAES TELEFNICAS, O QUE TERIA IMPLICADO CONHECIMENTO NO-AUTORIZADO DE OUTRO CRIME.

O objetivo das investigaes era apurar o envolvimento de policiais federais e magistrados em crime contra a Administrao. No se pode falar, portanto, em conhecimento fortuito de fato em tese criminoso, estranho ao objeto das investigaes.

INCOMPETNCIA DA JUSTIA FEDERAL DE ALAGOAS PARA AUTORIZAR A REALIZAO DAS ESCUTAS TELEFNICAS QUE ENVOLVEM MAGISTRADOS PAULISTAS.

As investigaes foram iniciadas na Justia Federal de Alagoas em razo das suspeitas de envolvimento de policiais federais em atividades criminosas. Diante da descoberta de possvel envolvimento de magistrados paulistas, o procedimento investigatrio foi imediatamente encaminhado ao Tribunal Regional Federal da 3 Regio, onde as investigaes tiveram prosseguimento, com o aproveitamento das provas at ento produzidas.

ATIPICIDADE DE CONDUTAS, DADA A FALTA DE DESCRIO OBJETIVA DAS CIRCUNSTNCIAS ELEMENTARES DOS TIPOS PENAIS. ART. 10 DA LEI 9.296/1996: REALIZAR INTERCEPTAO DE COMUNICAES TELEFNICAS, DE INFORMTICA OU TELEMTICA, OU QUEBRAR SEGREDO DE JUSTIA SEM AUTORIZAO JUDICIAL OU COM OBJETIVOS NO-AUTORIZADOS EM LEI.

Inexistem, nos autos, elementos slidos aptos a demonstrar a no-realizao da interceptao de que o paciente teria participado. Habeas corpus indeferido nessa parte.

DECLARAO DE IMPOSTO DE RENDA. DISCREPNCIA ACERCA DO LOCAL ONDE SE ENCONTRA DEPOSITADA DETERMINADA QUANTIA MONETRIA.

A denncia inepta, pois no especificou o fato juridicamente relevante que teria resultado da suposta falsidade - art. 299 do Cdigo Penal. Habeas corpus deferido nessa parte. (HC no 84.388/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, unnime, DJ de 19.05.2006).

Outro caso que demandou idntica preocupao desta Segunda Turma foi o julgamento HC 84.409/SP, cujo acrdo foi de minha lavra, no qual a denncia registrava que o agente teria uma participao peculiar na quadrilha, sem que, em qualquer momento, especificasse em que consistiria essa peculiar participao. Eis o teor da ementa do acrdo desse julgado:HABEAS CORPUS. DENNCIA. ESTADO DE DIREITO. DIREITOS FUNDAMENTAIS. PRINCPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP NO PREENCHIDOS.

1 - A tcnica da denncia (art. 41 do Cdigo de Processo Penal) tem merecido reflexo no plano da dogmtica constitucional, associada especialmente ao direito de defesa. Precedentes.

2 - Denncias genricas, que no descrevem os fatos na sua devida conformao, no se coadunam com os postulados bsicos do Estado de Direito.

3 - Violao ao princpio da dignidade da pessoa humana. No difcil perceber os danos que a mera existncia de uma ao penal impe ao indivduo. Necessidade de rigor e prudncia daqueles que tm o poder de iniciativa nas aes penais e daqueles que podem decidir sobre o seu curso.

4 - Ordem deferida, por maioria, para trancar a ao penal. - (HC no 84.409/SP, Segunda Turma, acrdo de minha relatoria, Rel. originria Min. Ellen Gracie, por maioria, DJ de 19.08.2005).

Por ltimo, no julgamento do HC no 86.424/SP (julgado em 25.10.2005, acrdo pendente de publicao), afigurou-se de todo evidente que a conduta imputada ao paciente - substituio de placas particulares de veculo automotor por placas reservadas obtidas junto ao Detran -, no se mostraria apta a satisfazer o tipo do art. 311 do Cdigo Penal. Na oportunidade, afirmei que no haveria qualquer dvida de que o rgo de controle - Detran - sabia e poderia sempre saber que se cuidava de placas reservadas fornecidas Polcia Federal. A apurao da prtica de tais atos, destaquei, pode configurar irregularidade administrativa certamente passvel de responsabilizao nessa esfera. Com base nessa linha de argumentao, esta Segunda Turma acompanhou, por maioria, a tese expendida em meu voto e concedeu a ordem para que fosse trancada a ao penal instaurada em face do paciente, por no estarem configurados, nem mesmo em longnqua apreciao, os elementos do tipo em tese..Neste Supremo Tribunal Federal, cada vez mais, lamentvel observar a repetio de casos oriundos de denncias defeituosas, as quais tm sido recebidas pelos Tribunais Regionais Federais e confirmadas pelo Superior Tribunal de Justia, sem a observncia dos pressupostos mnimos de admissibilidade fixados pela Constituio Federal. E esta Corte, como se v, no se tem eximido de seu papel de guardi e garante dos direitos fundamentais.

Evidentemente, ao exercer de modo legtimo a funo constitucional que lhe atribuda, o STF no pode ser considerado, apoditicamente, menos juiz natural do que aqueloutras doutas Cortes.

Destarte, em face da manifesta inpcia da denncia, o meu voto pela concesso da ordem de habeas corpus para trancar a ao penal instaurada na origem.

Nestes termos, voto pelo deferimento da ordem.

como voto.

* acrdo pendente de publicao