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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 1 1 O poder de influência do público sobre as campanhas publicitárias contemporâneas: O caso Boticário Mariana Albuquerque Carpinter² Francisco Paoliello Pimenta³ Universidade Federal de Juiz de Fora RESUMO O presente artigo objetiva avaliar, através de pesquisas com público e análise de conteúdo, como o brasileiro interfere e influencia na publicidade contemporânea através da internet. O trabalho observará a intensidade dessa intervenção, através das análises de resultados e engajamento, nas campanhas de Dia dos Namorados de 2015 e 2016 da marca de cosméticos “O Boticário”, avaliando, assim, o poder do feedback que a internet proporciona levando em consideração os preceitos da marca e qual o nível de participação do internauta na mudança de discurso das duas campanhas da empresa. PALAVRAS CHAVES: Publicidade; Representatividade; Feedback; Interatividade; O Boticário. INTRODUÇÃO A urgência de discussões sociais tomou conta da internet através, por exemplo, de movimentos de apoio ao feminismo e aos LGBTT, apesar do aumento dessas discussões, esse tipo de assunto continua sendo pouco abordados em peças publicitárias. Em 2015, a marca “O Boticário” lançou uma campanha de Dia dos Namorados inspirada em casais homossexuais e recebeu um grande número de críticas ao mesmo tempo em que agradou a boa parte da população brasileira. A propaganda que foi televisionada gerou discussões on-line e necessitou de retratação da marca sobre sua posição social a respeito do assunto abordado. Um ano após a repercussão, a marca voltou atrás e utilizou a fórmula antiga de um casal heterossexual para estrelar sua campanha de namorados. Essa, por sua vez, não 1 Trabalho apresentado no IJ 2 Publicidade e Propaganda da Intercom Júnior do XXXIX Congresso Intercom em São Paulo, realizado de 05 a 09 de setembro de 2016. ² Estudante de graduação 4º Período pela Faculdade de Jornalismo da UFJF; email: [email protected] ³ Orientador do Trabalho, professor da Faculdade de Jornalismo da UFJF; email: [email protected]

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016

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1O poder de influência do público sobre as campanhas publicitárias contemporâneas:

O caso Boticário

Mariana Albuquerque Carpinter²

Francisco Paoliello Pimenta³

Universidade Federal de Juiz de Fora

RESUMO

O presente artigo objetiva avaliar, através de pesquisas com público e análise de conteúdo,

como o brasileiro interfere e influencia na publicidade contemporânea através da internet. O

trabalho observará a intensidade dessa intervenção, através das análises de resultados e

engajamento, nas campanhas de Dia dos Namorados de 2015 e 2016 da marca de

cosméticos “O Boticário”, avaliando, assim, o poder do feedback que a internet proporciona

levando em consideração os preceitos da marca e qual o nível de participação do internauta

na mudança de discurso das duas campanhas da empresa.

PALAVRAS CHAVES: Publicidade; Representatividade; Feedback; Interatividade; O

Boticário.

INTRODUÇÃO

A urgência de discussões sociais tomou conta da internet através, por exemplo, de

movimentos de apoio ao feminismo e aos LGBTT, apesar do aumento dessas discussões,

esse tipo de assunto continua sendo pouco abordados em peças publicitárias.

Em 2015, a marca “O Boticário” lançou uma campanha de Dia dos Namorados

inspirada em casais homossexuais e recebeu um grande número de críticas ao mesmo tempo

em que agradou a boa parte da população brasileira. A propaganda que foi televisionada

gerou discussões on-line e necessitou de retratação da marca sobre sua posição social a

respeito do assunto abordado.

Um ano após a repercussão, a marca voltou atrás e utilizou a fórmula antiga de um

casal heterossexual para estrelar sua campanha de namorados. Essa, por sua vez, não

1Trabalho apresentado no IJ 2 – Publicidade e Propaganda da Intercom Júnior do XXXIX Congresso Intercom

em São Paulo, realizado de 05 a 09 de setembro de 2016. ² Estudante de graduação 4º Período pela Faculdade de Jornalismo da UFJF; email:

[email protected]

³ Orientador do Trabalho, professor da Faculdade de Jornalismo da UFJF; email: [email protected]

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recebeu engajamento do público. A mudança de discurso da marca de um ano para o outro

será o principal fator abordado nesse artigo, já que a hipótese inicial é de que a mudança

repentina ocorreu graças à interferência do público que através de compartilhamentos e

menções à marca mostrou sua opinião a respeito da posição da empresa, ou seja, que a

reação do público frente à publicidade apresentada foi representativa o suficiente para a

marca mudar seu discurso.

Para melhor eficiência do trabalho proposto, os termos “publicidade” e

“propaganda” serão tratados como sinônimos porque não cabe ao presente artigo discutir a

diferença conceitual desses, uma vez que muitos autores discordem entre si sobre os

espaços que cada um deve ser usado.

A PUBLICIDADE AO LONGO DO TEMPO

A identificação do espectador como consumidor do produto que se

apresenta como capaz de agregar valor à sua personalidade promove sua

inclusão imaginária no sistema de gosto, na composição de estilos, que

move a sociedade de consumo. Goza-se com isso: não tanto da própria

inclusão (que pode não passar de uma fantasia), mas da exclusão do outro.

O que a publicidade vende, portanto, é exclusão. (KHEL, Maria Rita,

2004, p. 2)

Na sociedade contemporânea todas as relações são mediadas por mercadorias

(KHEL, 2004). A publicidade é uma das ferramentas de comunicação mais poderosas que

existem em termo de persuasão e convencimento. Através da publicidade é possível

convencer pessoas desde a concluírem uma compra até cometerem um crime. Isso só

acontece porque ela possui recursos que proporcionam a criação de um discurso convicto e

imponente, que seduz o público.

Segundo a revista Exame (2015), essa prática, que vem desde a Antiguidade

Clássica, segundo iniciou-se puramente oral, através dos “pregoeiros” e ganhou forma em

1482, quando se tem o primeiro registro de um cartaz propagandístico. Desde então a

publicidade só ganhou mais força, passando do jornal impresso, pelo rádio e TV até chegar

à internet em 1993. Em 1997, com o surgimento do Google, o processo só acelerou e em

2009 a publicidade na internet ultrapassa os anúncios de televisão pela primeira vez na

história.

O mercado profissional de propaganda apostou por muito tempo em peças com

personagens que tem um poder de persuasão grande frente a diversos públicos. “Uma

comunicação sem qualquer utilidade social. Sem força. Sem impacto. Sem sentido. Sem

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outra mensagem que não seja a exaltação grotesca de um modo de vida acintosamente

yuppie, bastante agradável e bem humorado.” (TOSCANI, Oliviero. 1996, p. 23). Em seu

livro “A publicidade é um cadáver que nos sorri”, Oliviero Toscani falou sobre os

incontáveis lugares em que a publicidade fazia presença: nas esquinas, nos intervalos

televisivos, nos bares, filmes, rádios, revistas, praias, entre outros. Hoje já é possível

acrescentar que em cada clique virtual existe um anúncio diferente e, também, aqueles que

perseguem por todas as páginas que navegamos.

É preciso analisar as narrativas [publicitárias] porque cada um de nós (e

nossa sociedade inteira) está recoberto por mantos superpostos de

narrativas que refletem e condicionam nossas crenças e valores, nossa

história e costumes, nossas leis e cultura. É preciso estudá-las, porque

contá-las e recontá-las dá sentido à vida humana. (MOTTA, 2014, p. 62.)

O PODER DE INTERAÇÃO NA WEB

A comunicação não é apenas um conjunto de ações para com outra

pessoa, mas sim a interação criada entre os participantes. Isto é, um

indivíduo não comunica, ele se integra na ou passa a fazer parte da

comunicação. Mais do que pessoas, o relacionamento envolve eventos,

ações e comportamentos na criação, manutenção ou término de relações.

(FISHER apud PRIMO & CASSOL, 2005).

Diferenciando-se da “Teoria Hipodérmica” proposta por Lasswall (1949) na qual o

receptor se fazia passivo frente ao que lhe atingia, as diversas possibilidades de navegação

da rede possibilitam incontáveis formas de interação, o que possibilita ao internauta um

poder de fala superior ao anterior. Com a internet o público recebe a publicidade e tem

liberdade de utilizar de seu poder de comunicação em larga escala para se expressar,

independente do meio que o tenha afetado. Sendo assim, o processo de multilateralidade –

público, marca, concorrentes, entre outros stakeholders – de feedbacks é acelerado.

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Figura 1 - Gráfico mostra curva de crescimento dos números de usuários de redes sociais no Brasil entre 2011 e 2017

(Fonte: eMarketer)

O crescimento constante do número de internautas ativos (figura 1) aumenta

consequentemente o número do público alvo de anúncios via web. Orkut, Twitter,

Facebook, LinkedIn, Instagram, Snapchat, Periscope, entre outras mídias sociais, abrem um

leque de interação de páginas incontáveis e mensurações difíceis de serem observadas. Essa

afirmação faz parte do conceito de Web 2.0, que, segundo Saad Corrêa (2002), é o recurso

que potencializa a ação de usuários em rede por meio de ofertas de possibilidades de

compartilhamentos de opiniões, reclamações, desejos, criações, ou qualquer outra coisa que

desejem, com outros usuários.

Com a possibilidade de compartilhamento e até mesmo de criação de conteúdos pelo

público, ele deixa de ser passivo e passa a ser totalmente ativo no processo comunicacional

podendo participar desde a criação até a destruição de algo. Alvin Tofler criou o termo

prosumer, que une as palavras “produtor” e “consumidor” em inglês, e esse foi apresentado

por McLuhan (1970) para mostrar que em pouco tempo a tecnologia uniria os dois papéis

transformando-o em um só.

Unindo-se em grupos, essa nova geração de produtores-consumidores usam da

interação para defender suas opiniões e causas. “Não há nada de novo em pessoas em

apuros reunindo-se para discutirem seus problemas e aprenderem uns com os outros”

(TOFLER, 1980, p. 269), essa afirmação do autor se dá porque desde sempre as pessoas se

reúnem em grupos para manifestar seus ideais, o que a internet, junto com as redes e mídias

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sociais, traz de inovação é a agilidade e a participação em números representativos, além de

possibilitar o poder de fala para aqueles que antes não conseguiam ser escutados.

Segundo Don Tappscott e Anthony Williams (2009), no passado as empresas

podiam ignorar e até mesmo resistir às inovações dos clientes que não se adaptassem aos

seus processos internos e modelos de negócios. O que diferencia o passado do momento

atual é que o grande número de manifestações de pensamentos via internet não pode ser

mais ignorado. É através desses discursos populares que muitas marcas podem ganhar uma

imagem negativa, tendo em vista que o poder de persuasão de líderes de opinião faz grande

diferença em grupos sociais.

O PAPEL SOCIAL DA PUBLICIDADE

Os discursos narrativos midiáticos se constroem através de estratégias

comunicativas (atitudes organizadoras do discurso) e recorrem à

operações e opções (modos) linguísticos e extralingüísticos para realizar

certas intenções e objetivos. A organização narrativa do discurso

midiático, ainda que espontânea e intuitiva, não é aleatória, portanto.

Realiza-se em contextos pragmáticos e políticos e produzem certos efeitos

(consciente ou inconscientemente desejados). Quando o narrador

configura um discurso na sua forma narrativa, ele introduz

necessariamente uma força ilocutiva responsável pelos efeitos que vai

gerar no seu destinatário. (MOTTA, 2014, p. 2)

É dessa maneira que age a publicidade: proferindo discursos que de tanto repetidos,

se tornam reais para a sociedade que o recebe, mas o papel social da profissão não se

resume a profissão de discursos batidos e ultrapassados. Segundo Toscani (1996) a função

central da publicidade é o de comunicar, mas o que o mercado oferece é a não reflexão de

papeis sociais, ignorância do senso moral e tom educativo. O que insiste em aparecer nos

espaços preenchidos por anúncios são “mais do mesmo” porque existe um medo por trás de

toda a produção que impede a ousadia: é o medo de perder anunciante. (TOSCANI, 1996).

Em suma, a publicidade das empresas poderia educar, emocionar, revelar

talentos e artistas. (...) A publicidade despende dezenas de milhares de

dólares para mostrar uma estrela de cinema usando a água-de-colônia que,

na verdade, deseja vender às apaixonadas sem grana e às secretárias

românticas do mundo inteiro. Tenta induzi-las em nome de um sonho

burguês inacessível. A publicidade não vende produtos nem ideias, mas

um modelo falsificado e hipnótico da felicidade. (TOSCANI, Oliviero,

1996, p. 27)

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Toscani (1996) em sua carreira como publicitário utilizou de seu poder persuasivo e

de alcance de massas para levar mensagens de reflexão para o mundo através da marca de

roupas de grife “Benetton”. Fugindo do tradicional uso de modelos, ele planejou a

campanha “United Colors of Benetton”, em 1989, que deu origem a uma série de fotos

chocantes para a época. Foram fotografadas desde crianças brancas sendo amamentadas por

mães negras até uma nádega com os dizeres “HIV positivo” sobrepostos. Com essa

campanha, ele desafiou o mundo da criatividade a fugir do lugar comum e encarar o

mercado publicitário como uma ferramenta de reflexão do mundo.

A REPRESENTATIVIDADE CONTEMPORÂNEA, CASO “O BOTICÁRIO”

O ambiente online requer uma delicadeza maior no relacionamento da marca com o

consumidor devido ao grande poder de feedback dado a esses prosumers, como já havia

citado. Tendo isso em vista, muitas marcas foram atacadas mundialmente por levar em suas

campanhas ideais ultrapassados de machismo, homobofia, transfobia, racismo, entre outros.

Uma opção, para muitas empresas, de fuga desse fogo cruzado foi a de reconfigurar o seu

discurso publicitário e abraçar as causas sociais que estavam em evidência. Esse foi o caso

da marca de cosméticos “O Boticário” que em 24 de maio 2015 lançou uma campanha de

Dia dos Namorados que tinha como personagens quatro casais, sendo dois heterossexuais e

dois homossexuais. A princípio a propaganda se resume a pessoas se arrumando para sair

no Dia dos Namorados, mas não estão juntas como casais. Depois cada membro de um

casal vai para a casa do outro e toca a campainha, e é só nesse momento que o espectador se

depara com uma campanha totalmente deferente do que estavam acostumados. No

comercial não existe uma cena de beijo.

A campanha “Casais” (figura 2) foi a primeira da marca que abordava o assunto da

homossexualidade, o que chocou muito mais do que o público alvo. Em nota à imprensa, a

marca informou que a proposta da campanha era a de abordar a ressonância atual sobre as

mais diferentes formas de amor - independentemente de idade, raça, gênero ou orientação

sexual - representadas pelo prazer em presentear a pessoa amada no Dia dos Namorados.

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Figura 2 - Cenas de "Casais" (2015) - Fonte: Reprodução/Youtube

A marca tem em seu histórico de propagandas o recorrente uso de casais

heterossexuais (figuras 3 e 4) e esse é o principal motivo do choque causado na sociedade,

que ainda é em sua maioria conservadora.

Figura 3 – Exemplo de campanha passada da O Boticário (2014) – Fonte: Reprodução/Youtube

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Figura 4 - Exemplo de campanha passada da O Boticário (2013) – Fonte: Reprodução/Youtube

Um ano após toda a repercussão que ocorreu em 2015, a marca voltou para os

moldes antigos e lançou uma campanha nos moldes antigos. Essa é composta por apenas

um homem e uma mulher que se conhecem no exato momento da entrega de um perfume

Boticário e se beijam por um longo período de tempo. Diferente do comercial de 2015, essa

não gerou engajamento do público, ou seja, não foi muito comentada em redes sociais.

As figuras 5 e 6 abaixo mostram a numerosa diferença entre as visualizações e

interações de ambos os anos de campanha:

Figura 5 - Número elevado de curtidas negativas e mais de 3 milhões de visualizações

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Figura 6 – A proporção de curtidas positivas aumentou, apesar de ser muito pequena, e o número de

visualizações diminuiu quase que 3 milhões.

Devido a grande diferença de engajamento de um comercial para o outro, assim

como a mudança de foco, foi realizada uma pesquisa de campo com 78 pessoas do mercado

de Comunicação Social, entre eles alunos, professores e profissionais da área. Dentre os

entrevistados, 67% deles estão entre 21 e 30 anos, 23% entre 10 e 20, 6,4% entre 31 e 40 e

2,6% acima de 40 anos. Desses, 41% passam mais de seis horas diárias na internet em sites

de interação (redes sociais), mas apenas 7% interagem sempre com páginas de marcas nas

rede, ficando atrás dos 38,5% que empatarem entre “interage as vezes” e “raramente

interage”. Essa última estatística fugiu do esperado na pesquisa, uma vez que a expectativa

era de interação frequente e em alto grau entre público-marca.

Outro número que surpreendeu em termos de interação é o em caso de publicidades

polêmicas. Foi perguntado ao público da pesquisa se eles participavam de discussões

públicas sobre a moralidade de comerciais e 44,9% respondeu que já discutiu sobre

campanhas polêmicas, mas não em modo público. O número de pessoas que não interagem

em hipótese alguma ficou em último lugar, com 24,4% do público, e pessoas que sempre

interagem foram 30,8%.

Apesar da surpresa sobre o número de pessoas interagindo diretamente com a marca,

esse público possui uma forma mais impactante de resposta. 74,4% do público afirmou que

deixaria de consumir/curtir/seguir uma marca por causa de seu posicionamento publicitário

e a maioria, 29,5%, afirmou que, no caso específico das campanhas de 2015 e 2016 da “O

Boticário”, não se retrataria a marca em caso de desgosto pelas ações. Esse valor (29,5%)

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foi superior, mas ficou bem próximo dos 28,2% que não se retrataria, mas deixaria de

consumir.

Dentre os entrevistados, 92,3% gostaram da campanha de 2015 da marca aqui

estudada, apenas 1,3% não gostou e 5,1% não teve conhecimento, enquanto a campanha de

2016 dividiu muito mais as opiniões. Foram 33,3% que gostaram, 11,5% não gostaram, que

empatou com “achei retrógrada” e 29,5% não teve conhecimento sobre ela.

Ou seja, analisando os dados apresentados acima, o consumidor hoje passa por um

processo de interação direta, mas não é simplesmente ela que interfere na marca já que ela

acontece abaixo do esperado. As redes sociais possuem uma capacidade de interação

público-marca que possibilita uma troca mútua, mas essa capacidade não é explorada pela

maioria dos usuários, que preferem continuar utilizando do método “simples” de rejeição

que é deixar de seguir ou consumir aquilo que lhe é desgostoso.

CONCLUSÃO

A partir dos dados apresentados aqui, assim como da análise de conteúdo feita

através da comparação entre campanhas anteriores da marca “O Boticário” e do alcance

dessas, é possível afirmar que a publicidade hoje passa por um período de testes, o qual

possibilita a ela tentativas de erros e acertos. Essa atitude é arriscada, uma vez que o poder

de fala da internet pode causar uma repercussão muito mais negativa do que positiva para a

marca em questão.

No caso específico da empresa estudada, a repercussão e o engajamento de 2015

favoreceu a marca enquanto aceitação do público entrevistado, mas analisando o conteúdo

do ano e comparando com os anteriores, é possível que a volta atrás com o pensamento

conservador e uso de casais heterossexuais tenha sido ocasionada pela queda de vendas, ou

seja, que a merca tenha sido prejudicada financeiramente, uma vez que através das

estatísticas apresentadas, a maior parte do público deixaria de consumir um determinado

produto considerando o posicionamento publicitário desse.

É um fato que os valores de uso e valores de troca são signos destituídos da relação

de representação com os bens de consumo, transformando a publicidade em mercadoria a

ser consumida (CASAQUI, 2009), sendo assim, a mercadoria que é vendida hoje continua

sendo aquela que era vendida tempos atrás, continua sendo a publicidade que Oliviero

Toscani em 1996 repugnava ao escrever seu livro “A publicidade é um cadáver que nos

sorri”.

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Considerando a fase de testes e o medo da marca se arriscar e ter um retorno

negativo, entendo como verdade que o público tende a cada dia mais aumentar o índice de

interação com a marca e influência sobre ela, uma vez que mesmo sem se retratar

diretamente à marca, é possível que essa, de forma inteligente, acompanhe o evoluir da

sociedade e se adapte, com intuito de atingir seu público, a essa evolução.

A noção de discurso assume um papel importante nessa perspectiva (assim como

a noção de narrativa) porque o interesse volta-se para a palavra humana, para as

significações e as interpretações, para os atos de fala como práticas sociais.

(MOTTA, 2013, p. 85)

Por mais que as marcas se adaptem movidas por fins lucrativos, a narrativa proferida

por ela auxilia no andar da sociedade, uma vez que é através da persuasão que ela consegue

atingir e convencer o público que deseja. Como Motta (2013) diz, os discursos publicitários

são espalhados regularmente por indivíduos e grupos sociais em suas relações sociais

cotidianas e competem entre si para serem aceitos como mais convincentes. Dessa forma,

sabe-se que as ferramentas publicitárias tendem a auxiliar a sociedade como um todo em

termos de conscientização, mas para que isso seja feito, é necessário que as marcas larguem

suas amarras aos moldes passados do “fazer-publicitário” e acompanhe o evoluir dos

discursos sociais, tanto nas redes quanto fora delas.

REFERÊNCIAS

TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri. Editora Ediouro, 1996

LOPES, Gustavo. Desafios para a propaganda interativa. Disponível em <

http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2006/resumos/R1243-1.pdf>, acesso em 13

jul. 2016.

SAAD; RAMOS; SILVEIRA. Comunicação digital, Vol II. Disponível em <

https://issuu.com/grupo-ecausp.com/docs/livro-005-web-0k>, acesso em 13 jul. 2016.

MOTTA, Luiz Gonzaga; GUAZINA, Liziane. O conflito como categoria estruturante da

narrativa política: o caso do Jornal Nacional. Brazilian Journalism Research, Brasília, DF,

v. 6, n. 1, p. 132-149, 2010.

G1, Portal Globo. Propaganda de O Boticário com gays gera polêmica e chega ao

Conar. Disponível em <http://g1.globo.com/economia/midia-e-

marketing/noticia/2015/06/comercial-de-o-boticario-com-casais-gays-gera-polemica-e-

chega-ao-conar.html>, acesso em 13 jul. 2016.

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Revista Exame. Infográfico mostra a evolução da publicidade na história. Disponível

em <http://exame.abril.com.br/marketing/noticias/infografico-mostra-a-evolucao-da-

publicidade-na-historia>, acesso em 13 jul. 2016.

CASAQUI, Vander. Processos de representação e referencialidade na publicidade

contemporânea: mundo do trabalho, cidade, beleza e ativismo social. Revista Signos do

Consumo, 2009.

KHEL, Maria Rita. Fetichismo e perversões. Disponível em

<https://blogdaboitempo.com.br/2011/05/02/fetichismo-e-perversoes-coluna-da-maria-rita-

kehl/>, acesso em 13 jul. 2016.

Campanha O Boticário 2015. Disponível em

<https://www.youtube.com/watch?v=p4b8BMnolDI>, acesso em 13 jul. 2016.

Campanha O Boticário 2016. Disponível em

<https://www.youtube.com/watch?v=8n_vsLq0sF8>, acesso em 13 jul. 2016.