20 rbpi biotecnologia(1)

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SumÆrio Meio ambiente e relaıes internacionais: perspectivas tericas, respostas institucionais e novas dimensıes de debate Ana FlÆvia Barros-Platiau Marcelo Dias Varella Rafael T. Schleicher

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Meio Ambiente

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  • SumrioMeio ambiente e relaes internacionais:perspectivas tericas, respostasinstitucionais e novas dimenses de debateAna Flvia Barros-PlatiauMarcelo Dias VarellaRafael T. Schleicher

  • 2ANA FLVIA BARROS-PLATIAU, MARCELO DIAS VARELLA & RAFAEL T. SCHLEICHER

    Meio ambiente e relaes internacionais:perspectivas tericas, respostas institucionaise novas dimenses de debate

    ANA FLVIA BARROS-PLATIAU*MARCELO DIAS VARELLA**

    RAFAEL T. SCHLEICHER***

    Introduo

    H s uma Terra, mas no s um Mundo. Todos ns dependemos de umabiosfera para conservar nossas vidas. Mesmo assim, cada comunidade, cadapas luta pela sobrevivncia e pela prosperidade quase sem levar emconsiderao o impacto que causa sobre os demais

    Relatrio Brundtland, Nosso Futuro Comum

    A citao acima pertence a um dos mais impactantes relatrios jproduzidos pelas Naes Unidas, o Relatrio da Comisso presidida porGro Harlem Brundtland, Nosso Futuro Comum. Mesmo se a Terrafosse somente um pequeno espao ou se houvesse apenas um rio, uma

    Rev. Bras. Polt. Int. 47 (2): 2-32 [2004]

    * Professora do Instituto de Relaes Internacionais da Universidade de Braslia (UnB).** Pesquisador-associado do Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Brasliae coordenador do curso de mestrado em Direito das Relaes Internacionais do CentroUniversitrio de Braslia (UNICEUB)*** Mestrando em Relaes Internacionais na Universidade de Braslia e membro do Grupode Estudos em Meio Ambiente (GERIMA).

    ARTIGO

    Este artigo pode ser reproduzido livremente, desde que se indique a fonte

  • 3MEIO AMBIENTE E RELAES INTERNACIONAIS: PERSPECTIVAS TERICAS, RESPOSTAS INSTITUCIONAIS E...

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    rvore, ou um animal, haveria infinitas formas de organiz-los e distribu-los entre os homens, pois evidente que a pintura do espao humanodepende do desejo de ver este ou aquele desenho sociopoltico. Entretanto,que coloraes passariam a ter o espao fsico caso uma das formas deorganizao sociopoltica fosse preponderante sobre todas as outras e,progressivamente, esta forma de organizao cedesse lugar a todas outraspossibilidades? Em outras palavras, que opes e oportunidades emergempara a governana ambiental em um contexto de redefinio da soberaniaestatal e do prprio sistema internacional?

    Comumente, as anlises de poltica ambiental internacional egovernana global ambiental trazem consigo uma distino tripartite domeio ambiente em local/nacional/global,1 transfronteirio/bens comunaisglobais/patrimnio comum da humanidade,2 ou ainda em natureza,demografia e tecnologia.3 A abordagem aqui utilizada aquela propostana citao comentada anteriormente entre Terra e Mundo, ou seja, entreo espao fsico e o espao humano. De fato, h de se alertar queapesar desta diviso ser extremamente til para fins didticos, a sua realoperacionalizao seria difcil, uma vez que o espao fsico pode sersocialmente construdo, ou melhor, o que se chama aqui de Terra e meioambiente depende fortemente de como os seres humanos os entendem.Contudo, o objetivo aqui deve ser pavimentar uma nova ontologiapara o debate, no prover subsdio para o debate entre racionalistas econstrutivistas.

    Primeiramente, ser necessria uma caracterizao do que oproblema ambiental, para que se possa revelar posteriormente os trsmecanismos pelos quais se entende o processo de gesto coletiva do meioambiente. Em seguida, sero discutidas as opes e oportunidadesinstitucionais no contexto de redefinio da soberania e surgimento denovos atores no sistema internacional. A quinta seo trar duas brevesdiscusses acerca da adequao dos ideais de livre comrcio e proteo

    1 PORTER, Gareth & BROWN, Janet. Global environmental politics. Boulder: Westview,1991, 208 p.2 ELLIOTT, Lorraine. The global politics of the environment. New York: New York UniversityPress, 1998.3 THEYS, Jacques. Les grands problmes denvironnement: la vision ds scientifiques. CahiersFranais, Enjeux et politiques de lenvironnement. Paris: La Documentation Franaise, 2002, 3-8 p.

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    ambiental e sobre a necessidade de redefinio do papel da segurana nocontexto da crise ambiental. A concluso operacionalizar toda a discussoexposta e apontar opes e oportunidades de dilogo futuro entre asrelaes internacionais e o meio ambiente.

    O que o problema ou crise ambiental?

    Esta pergunta extremamente relevante, porque a partir de suaresposta que se pode construir uma ligao entre a rea temtica concebidacomo meio ambiente e as relaes internacionais como campo do saber.A ligao entre ambas as reas revela tambm uma perspectiva interessanterelativa necessidade de gesto coletiva da crise ambiental, uma vez queos problemas que constituem esta crise perpassam as tradicionais fronteirasterritoriais dos Estados nacionais e demandam uma ao conjunta detodos os atores envolvidos. Como, ento, pode ser entendida e definidaa crise? Em adio, porque a gesto deve ser coletiva?

    Em primeiro lugar, considere que a realidade que cerca a todos sejauma superposio de duas esferas. Uma denomina-se Mundo, porcristalizar a gama de interaes polticas, econmicas e sociais entre osindivduos do globo. A outra ser chamada de Terra pela capacidadede apreenso do conjunto das coisas fsicas ou naturais.4 Portanto, a criseambiental ser aqui definida como a incongruncia entre Terra e Mundo,ou seja, entre um espao fsico e outro socialmente construdo. Todavia,se a crise baseada na incongruncia ento, a sua soluo, de formageral, deveria estar baseada na convergncia entre ambos.

    O exame do pensamento ambiental ou ecolgico revela trs estilosde pensamento, implicando em diferentes caracterizaes tanto para a

    4 Natureza de fato um conceito impreciso. Esta palavra abrange essencialmente trssignificados: ndole, marco inicial e conjunto de seres vivos. Sucintamente, natureza nodetermina uma relao, mas sim a definio da essncia ou condio de grupo de umdeterminado organismo vivo. Quando se volta para a palavra meio ambiente, encontra-setambm um problema, ainda que no semelhante ao da palavra anterior. Meio ambiente comumente definido como o que est em volta de algo e o que circunda o objeto sobanlise. O conceito de meio ambiente aqui adotado ser o exposto por Lynton Caldwell:Uma relao entre o que ambienta e aquele que ambientado. Ver: CALDWELL, LyntonK. International Environmental Policy: from the Twentieth to the Twenty-First Century. Dur0ham:Duke University Press, 1996, 13 p.

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    crise ambiental, quanto para suas solues. Tanto a Bblia,5 quanto aeconomia clssica de Thomas Malthus so exemplos de um estilo depensamento antropocntrico que considera a Terra como um conjuntode recursos disposio da sociedade. Tomadas as constataes deMalthus,6 a crise ambiental poderia ser definida como recursos finitospara uma populao exponencialmente crescente. As solues seriam oprprio equilbrio natural existente entre homem e meio, a fome, oucontrole populacional. Por outro lado, h abordagens geocntricas, comoa hiptese de Gaia elaborada por James Lovelock,7 ou melhor, a Terraenglobaria o Mundo. Neste ponto, deve-se notar que os antpodasaqui definidos anteriormente, antropocentrismo e geocentrismo, sovariantes de um discurso tambm presente na ecologia entre conservaoou preservao.8

    O terceiro modelo seria aquele que conciliaria as abordagensantropocntricas e geocntricas. Especialmente aps a tentativa deracionalizao do problema ambiental em 1972, com a publicao doRelatrio do Clube de Roma, intitulado The limits to growth, e a realizaoda Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano(UNCHE, em ingls), tambm em 1972, ficou claro que o problemaambiental gravitava em torno de duas temticas centrais, o crescimentoeconmico ininterrupto e a exausto dos recursos naturais. Tambm jhavia sido demonstrado por vrios economistas, como Ezra Mishan eArthur Pigou, por exemplo, que o crescimento econmico, especialmentequando refletido pelo Produto Interno Bruto (PIB), no era capaz de

    5 E disse Deus: faamos o homem a nossa imagem, conforme a nossa semelhana; e domineos peixes do mar, e sobre as aves dos cus, e sobre o gado, e sobre toda a Terra, e sobre todorptil que se move sobre a Terra. (Gnesis, 26), ou ainda: E Deus os abenoou, e Deus lhesdisse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei toda a Terra, e sujeitai-a, e dominai sobre os peixesdo mar, e sobre as aves dos cus, e sobre todos animal que se move sobre a Terra. (Gnesis, 28).6 Ver: An essay on the principle of population as it affects the future improvement of society, withremarks on the speculations of Mr. Godwin, Mr. Condorcet, and other writers.7 Alm do livro de James Lovelock, A new look at life on Earth, h uma excelente reviso dateoria de Gaia em MIDGLEY, Mary. Individualism and the concept of Gaia. In: Review ofInternational Studies, n. 26, p. 29-44. Massachusetts, 2000.8 Sucintamente, conservar significa manter a reprodutibilidade dos recursos com o objetivode explorao para fins econmicos e preservar denota a intocabilidade de determinadosrecursos naturais.

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    contabilizar determinados custos oriundos do consumo e produo, aschamadas externalidades negativas.9 Alm disto, o preservacionismoradical defendido por muitos ambientalistas, nas dcadas de 1970 e 1980,no era soluo, porque impunha restries ao bem estar humano.10 Oque estava em jogo era a inexistncia de uma abordagem que pudesseconciliar tanto a garantia de bem estar aos indivduos, quanto aconservao e utilizao racional dos recursos naturais. Tal abordagemsurgiu nos anos 80, quando a International Union of Concerned Scientists(IUCS) lanou um documento chamado World Conservation Strategy:Living Resource Conservation for Sustainable Development, que traziaimplicitamente uma sistematizao da relao entre crescimentoeconmico insustentvel e recursos naturais em exausto, e o Relatrioda Comisso Brundtland, Nosso Futuro Comum, reforou e politizou otermo desenvolvimento sustentvel, ou seja, O desenvolvimento queatende as necessidades do presente sem comprometer a habilidade dasgeraes futuras de atender suas prprias necessidades.11

    Se a possvel soluo para a crise ambiental caminha pela idia deconvergncia entre as esferas fsica e social, como e por que promoveruma gesto coletiva? Muitos analistas das relaes internacionaisrelembram o papel das fronteiras territoriais e dos Estados-Nao comopossveis foras beligerantes em um sistema internacional carente deautoridade central. Outros analistas ressaltam o porqu da necessidadede autoridade central para manuteno da ordem se o sistema internacional constitudo de inmeras regras e normas tcitas ou informais queinfluenciam o comportamento dos Estados. Entretanto, de menorimportncia para a crise ambiental a lente pela qual se entende as relaesinternacionais porque tal crise pertence ao mundo fsico e ultrapassatanto fronteiras, quanto qualquer outro conceito assumido. O essencialpara este campo do saber so os conflitos, arranjos institucionais formaise informais e negociaes que emergem da gesto coletiva da crise

    9 Ver: PIGOU, Arthur. The economics of welfare. 4 ed. Londres: MacMillan, 1948, 837 p, eMISHAN, Ezra. He costs of economic growth. Nova Iorque: Praeger, 1971, 190 p.10 LEIS, Hector Ricardo. A Modernidade Insustentvel: As Criticas do Ambientalismo a SociedadeContempornea. Florianpolis: Editora da UFSC & Editora Vozes, 1999, 261 p.11 CMMAD (Comisso Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento). Nosso FuturoComum. Rio de Janeiro: Editora Fundao Getlio Vargas, 1988, 9 p.

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    ambiental. Ou seja, a crise global no mbito do problema da soluo eda gesto. Trs perspectivas emergem, ento, da gesto coletiva da criseambiental: governana global, regimes internacionais e as abordagensorganizacionais.

    Perspectivas tericas da gesto coletiva do meio ambiente

    [...] nosso objetivo deve ser ajudar nossos estudantes, colegas, e o pblicomais amplo a entender a necessidade de governana em um mundoparcialmente globalizado e os princpios que fariam esta governana legtima.

    Robert Keohane12

    Abordagens organizacionais, regimes internacionais e governana globalso as trs abordagens mais comuns para analisar o problema da gestocoletiva do meio ambiente. Marie-Claude Smouts sugere que taisabordagens representam de fato o movimento da cooperao internacionaldesde a instituio do sistema internacional Vestfaliano no sculo XVII,rumo a uma possvel governana mundial.13 Entretanto, tais conceitosexibem uma tendncia relativamente comum nas cincias socais: a faltade refinamento terico.

    Entre as idias de governana global e regimes internacionais huma forte complementaridade. Kratochwil e Ruggie, em seu estudo sobreas organizaes internacionais, fornecem um interessante ponto departida: O ncleo substantivo em torno do qual as vrias abordagenstericas se agregaram o problema da governana internacional.14 Ouseja, a governana global/internacional o objeto de estudo do campodenominado organizaes internacionais. Mais claramente, o objetode estudo deste campo seria verificar como pode existir governana na

    12 KEOHANE, Robert. Governance in a partially globalized world: presidential address,American Political Science Association, 2000. In: American Political Science Review (APSR)95, 1, March 2001, 11p.13 SMOUTS, Marie-Claude. La coopration internationale: de la coexistence la gouvernancemondiale. In: SMOUTS, Marie-Claude (Ed.) Les nouvelles relations internationales: pratiqueset thories. Paris: Sciences Po, 1998. p, 135-159.14 KRATOCHWIL, Friedrich & RUGGIE, John G. International Organization: a state of arton an art of the state. In: International Organization 40, 4. Cambridge: MIT press 1986, 754 p.

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    ausncia de governo. Se ambos os conceitos pertencem a um mesmosubcampo de estudo, o que estabeleceria uma diferenciao entre eles?

    Uma sugesto de diferenciao, que inclui a proposta de Kratochwile Ruggie, fornecida por James Rosenau e Ernst-Otto Czempiel emGovernana sem Governo, uma das obras mais conhecidas sobre o assunto.Para estes autores, o diferencial entre eles estaria no carter de rea temticados regimes internacionais, conforme a definio de Krasner.15 Ou seja,o conceito de regimes internacionais seria menos abrangente que o degovernana global, que seria o conjunto de todos os regimesinternacionais, concluso similar a de Olav Stokke: [...] o conceito degovernana implcito na anlise de regimes mais estreito do que aquelepretendido pela governana global.16 O que seria, ento, uma definiopara governana global?

    Governana para Rosenau e Czempiel [...] um sistema deordenao que depende de sentidos intersubjetivos, mas tambm deconstituies e estatutos formalmente institudos. Entretanto, segovernana um sistema de ordenao, e da no estranho que adefinio acima seja semelhante quela de ordem mundial propostapor Hedley Bull,17 ento qual relao existe entre governana e ordem?Os prprios autores respondem: [...] governana e ordem so fenmenosclaramente interativos[...] a ordem ao mesmo tempo uma precondioe uma conseqncia do governo. Uma coisa ajuda a explicar a outra, enenhuma aparece em primeiro lugar.18 Se governana um sistema deordenao e no h hierarquia entre ordem e governana, seja esta ltimacom ou sem governo, constituiu-se uma tautologia. A ordem estabelecidapor meio da governana, que por sua vez um mecanismo de ordem.Isto , ordem explicando a ordem.

    15 ROSENAU, James & CZEMPIEL, Ernst-Otto. Governana sem governo: ordem etransformao na poltica mundial. Braslia: UnB, 2000, 21 p.16 STOKKE, Olav. Regimes as governance systems. In: YOUNG, Oran (Ed.) Global governance:drawing insights from the environmental experience. Cambridge: MIT press, 1997, 30 p.17 Por ordem mundial entendemos os padres ou disposies da atividade humana que sustentamos objetivos elementares ou primrios da vida social na humanidade considerada em seu conjunto.Em: BULL, Hedley. A sociedade anrquica. Braslia: UnB, IPRI, 2002, p. 26.18 ROSENAU, James & CZEMPIEL, Ernst-Otto. Governana sem governo: ordem e transformaona poltica mundial. Braslia: UnB, 2000.

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    A exemplo da idia proposta por Rosenau e Czempiel pode-seperceber a dificuldade de preciso em relao tanto ao conceito degovernana global, como tambm s outras duas abordagens que vmsendo utilizadas com freqncia na rea ambiental. Uma idia que poderiaapreender a relao entre os trs conceitos aquela que remete ao statusjurdico da instituio e ao grau de incluso dos atores na gesto coletivado meio ambiente, de acordo com a figura abaixo. Em relao ao jurdicoentende-se a existncia de: (a) associao voluntria; (b) ato institutivo;(c) personalidade jurdica; (d) ordenamento jurdico interno; (e) existnciade estrutura prpria; (f ) exerccio de poderes prprios.19 Ou seja, o statusjurdico remete ao grau de flexibilidade e formalidade de uma instituiosocial e a participao dos atores legitimidade, cosmopolitanismo edemocratizao no processo de gesto coletiva. A seguir as trs abordagenssero analisadas separadamente.

    Figura 1Relao entre governana global, regimes internacionais

    e abordagens organizacionaisGovernana Global

    Regimes InternacionaisAbordagens Organizacionais

    19 Ver: SOARES, Guido F. S. Direito internacional do meio ambiente: emergncia, obrigaese responsabilidades. So Paulo: Ed. Atlas, 2001; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso deDireito Internacional Pblico. 14 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002; REZEK, J. F. DireitoInternacional Pblico: Curso Elementar. 8 ed. So Paulo: Ed. Saraiva, 2000.

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    Abordagens organizacionais

    O desenvolvimento destas abordagens surgiria a partir da discussode governo mundial e da suposta necessidade de legalizao das relaesinterestatais. Estas foram idias que tiveram grande impacto nos estudiososde Relaes Internacionais, segundo Inis Claude Jr., escrevendo em 1962,no devido operacionalizao de tal governo, mas sim idia de ordemmundial que vinha incrustada em tal discusso.20 De fato, as primeirasabordagens para o estudo das Organizaes Internacionais (OIs) tambmexibiriam a proposio que o mundo poderia caminhar para acentralizao de poder, para uma organizao ou governo mundial.

    Katzenstein et alii prope a partir da anlise do peridico maisconsagrado no estudo das Organizaes Internacionais, que em suas duasprimeiras dcadas de publicao, 1947-1967, a revista InternationalOrganization teve temas centrais que gravitaram em torno da anlisede organizaes formais, em especial as Naes Unidas (ONU).21 Acategorizao de Katzenstein et alii similar s trs categorias iniciais doestudo das Organizaes Internacionais (OIs) para Kratochwil e Ruggie.A primeira, o estudo das instituies formais, buscaria o que as OIs so,considerando-se que a governana internacional seria qualquer coisa queestas organizaes faam. A seguir, o estudo dos processos institucionaisdas OIs buscava desvendar como estas se constituem e funcionam, comateno especial ONU. Finalmente, a categoria papel organizacional exatamente aquela que cujos enfoques constariam a gesto de benscomuns e, novamente, a tradio de governo mundial na roupagemdos estudos funcionalistas e neofuncionalistas.

    O ano de 1967 marcaria a aprovao da resoluo anti-sionismo naAssemblia Geral das Naes Unidas, fato que teria provocado odesinteresse norte-americano na organizao. Alm disto, a dtenteamrico-sovitica, o processo de descolonizao afro-asitica, junto aemergncia do Terceiro Mundo como uma fora contestadora da OrdemEconmica Mundial, as modificaes estruturais trazidas com a Terceira

    20 CLAUDE, Inis. Power and international relations. New York: Random House, 1962,p. 209-210.21 KATZENSTEIN, Peter; KEOHANE, Robert & KRASNER, Stephen. InternationalOrganization and the study of world politics. In: International Organization 52, 4. 659-660 p.Cambridge: MIT press, 1998.

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    Revoluo Industrial fazendo emergir centros de poder alternativos nosistema internacional, como Alemanha e Japo e as crises energticastrouxeram profundas modificaes s abordagens organizacionais duranteo perodo 1967-1969.22 Desta forma, Suhr coloca que:

    Em reao ao papel exagerado das Organizaes Internacionais nosestudos em Relaes Internacionais John Gerard Ruggie introduziria oconceito de regimes. Ele proclamava uma mudana de foco para como aresposta coletiva deveria ser analisada como padres mais amplos einformais de comportamento estatal. Portanto, ele buscou conceituar oespao em que as Organizaes Internacionais operam.23

    Ou seja, o declnio da hegemonia norte-americana aliado a umnovo milieu internacional impulsionou uma nova gerao de abordagense anlises, dentre as quais a de Regimes Internacionais, examinada naprxima seo.

    Entretanto, o fim da bipolaridade trouxe conseqncias maisprofundas para estas abordagens. Se por um lado houve uma tendnciade fragmentao entre povos e dentro dos territrios nacionais, por outrohouve tambm coeso e integrao, como demonstra o caso da criaoda Unio Europia.24 De qualquer forma, foi evidente que modificaesprofundas na ordem internacional Vestfaliana estavam em curso, devidoao surgimento e consolidao de novas identidades coletivas. Asorganizaes internacionais, com ateno especial ONU, falharam nagesto destes novos problemas e questes globais,25 fossem eles desegurana, como as sucessivas crises nas operaes e de manutenoda paz, em meio ambiente, vide os problemas de executabilidade(enforcement) dos principais instrumentos oriundos da Conferncia doRio (1992) ou dos pssimos balanos da Conferncia de Joanesburgo(2002), ou na rea de desenvolvimento, como ficou evidente quando da

    22 SARAIVA, Flvio (Org.). Relaes Internacionais Dois sculos de histria. Volume II.Braslia: Instituto Brasileiro de Relaes Internacionais (IBRI); Funag, 2001.23 SUHR, Michael. Robert Keohane: A contemporary classic. In: NEUMANN, Iver & WVER,Ole. The future of international relations. London; New York: Routledge, 1997, 95-96 p.24 Sobre o assunto ver: LESSA, Antnio. A construo da Europa: A ltima utopia das RelaesInternacionais. Braslia: Instituto Brasileiro de Relaes Internacionais (IBRI); Funag, 2003, 191p.25 MURPHY, Craig. Global governance: poorly done and poorly understood. In: InternationalAffairs 76, 4. 2000, 790-792 p.

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    publicao dos frustrantes resultados finais da Dcada do Desenvolvimentoda ONU. Todos estes fatores contriburam para a caracterizao da todifundida Crise do Multilateralismo e para que se buscassem abordagensmais flexveis e novos conceitos operacionais.

    Regimes internacionais

    Com a definio do paradigma neo-realista por Kenneth Waltz,no incio da dcada de 1970,26 os estudiosos do campo das RelaesInternacionais comearam a questionar que apesar do sistemainternacional carecer de autoridade central, os Estados pareciam estarimiscudos em uma rede institucional em um sentido mais amplo, emregras implcitas e explcitas que contribuam para a modificao docomportamento estatal e eventualmente para a convergncia com ocomportamento dos demais. Em outras palavras, A anlise de regimestentou preencher esta lacuna pela definio de um foco que no era toamplo quanto o sistema internacional, ou to estreito quanto o estudodas organizaes internacionais.27 Martin Griffiths sugere uma razosemelhante para o surgimento da Teoria de Regimes Internacionais.Segundo este autor, as abordagens realistas das relaes internacionais,com especial nfase na famosa Teoria de Estabilidade Hegemnica,desenvolvida separadamente por Stephen Krasner28 e Robert Gilpin,29

    no eram capazes de explicar certos acontecimentos da vida internacional.Assim, estudiosos de inclinao liberal, como Robert Keohane, [...]foram responsveis pela popularizao da idia de regimes como variveisque interferiam no poder do Estado, de um lado, e nos resultadosinternacionais, do outro.30

    26 WALTZ, Kenneth. Theory of international politics. 2 ed. New York: Mcgraw-Hill, 1979. 271 p.27 HAGGARD, Stephan & SIMMONS, Beth. Theories of international regimes. In:International Organization 41, 3. 492 p. Cambridge: MIT press. Summer; 1987.28 Ver: KRASNER, Stephen. State Power and the structure of international trade. In: WorldPolitics 28, 1976, 317-346 p.29 Ver: GILPIN, Robert. War and change in world politics. Cambridge: Cambridge UniversityPress, 1981 & GILPIN, Robert. Economia poltica das relaes internacionais. Braslia:EdUnB, 2002.30 GRIFFITHS, Martin. 50 grandes estrategistas das Relaes Internacionais. So Paulo:Contexto, 2004, 57-8 p.

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    Seria exatamente como uma varivel interveniente que os RegimesInternacionais iriam ser definidos por Stephen Krasner, ou melhor,Regimes internacionais so definidos como princpios, normas, regrase procedimentos de tomada de deciso, sobre os quais as expectativasdos atores convergem em uma determinada rea temtica.31 Todavia,nem todos atores, entre eles alguns que contriburam para o prpriovolume editado por Krasner, concordam com essa definio e de fato,como Smouts et alii ressalta, a formulao da Teoria de Regimes foiabalada pelo modismo intelectual e, naturalmente, pela imprecisoconceitual.32 Stephan Haggard e Beth Simmons propem uma divisoem quatro correntes para a Teoria de Regimes Internacionais: estrutural,estratgica ou teoria dos jogos, funcional e cognitiva.33 Pode-se adotarainda a diviso mais sucinta, embora similar, proposta por Hasenclaveret alii entre neoliberais, realistas e cognitivistas.34

    De forma simples, a abordagem neoliberal tem tal nome porque sebaseia fortemente na teoria microeconmica e funcional porque oRegime Internacional surgiria para cumprir a tarefa de reduzir as incertezasentre os atores e faz-los caminhar para resultados timos. Neste grupose encaixariam tanto as abordagens de Teoria dos Jogos quanto a funcional,cujo melhor exemplo a obra After Hegemony, de Robert Keohane. J nasabordagens estruturais, ou realistas, o poder a varivel central, uma vez

    31 KRASNER, Stephen. Structural causes and regime consequences: regimes as interveningvariables. In: KRASNER, Stephen (Ed.). International regimes. 8 ed. Ithaca: Cornell UniversityPress, 1995, 1 p. Ainda que a definio mais utilizada para Regimes Internacionais encontre-se nesta obra citada importante levar em considerao que o conceito surgiu pela primeiravez em um artigo de John Gerard Ruggie sobre as respostas institucionais para a tecnologia,artigo que tambm trouxe a idia de comunidades epistmicas, outro conceito que viria aser refinado por Peter Haas, em 1992, nas pginas do peridico International Organization.Cambridge: MIT press. Ver: RUGGIE, John G. International responses to technology:concepts and trends. In: International Organization 29, 3, Summer 1975; HAAS, Peter.Introduction: epistemic communities and international policy coordination. In: InternationalOrganization v.46, n.1. Cambridge: MIT press. Winter 199232 SMOUTS, Marie-Claude et alii. Dictionnaire des relations internationales. Paris: Dalloz,2003, 231 p.33 Idem 17.34 HASENCLAVER, A. Et alii. Integrating theories of international regimes. In Review ofInternational Studies (2000), 26, 3-33. Ou ainda: HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter& RITTBERGER, Volker. Theories of international regimes. Cambridge: Cambridge UniversityPress, 2001, 248 p.

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    que a sua distribuio entre os atores do sistema internacional influenciafortemente na possibilidade de formao e declnio dos regimesinternacionais, como lembram Krasner e Gilpin com a Teoria daEstabilidade Hegemnica.35 Por fim, as abordagens rotuladas comocognitivistas tm fortes razes na filosofia da cincia, como uma crticaao racionalismo, e na sociologia, enfatizando questes de aprendizado,percepes e identidades de grupo. Um exemplo desta ltima abordagem encontrado nas precisas crticas de Kratochwil e Ruggie definio deRegimes Internacionais proposta por Krasner.36 As escolas de pensamentopara a Teoria de Regimes Internacionais esto sistematizadas na tabela 1.

    Tabela 1Escolas de pensamento no estudo de regimes Internacionais

    Realismo Neoliberalismo Cognitivismo

    Varivel Central Poder Interesse Conhecimento

    Orientao Metaterica37 Racionalista Racionalista Sociolgica

    Modelo Ganhos relativos Utilitarista Interpretativo

    Comportamental Ganhos absolutos

    Fonte: HASENCLAVER, A. et alii. Integrating theories of international regimes. In Review of InternationalStudies (2000), 26, 11 p. (Com adaptaes).

    35 Idem 18 e 19.36 Para estes autores, a teoria de regimes internacionais, essencialmente a definio proposta porKrasner, padece de vrios males. O primeiro que h uma confuso entre ontologia e epistemologiauma vez que o comportamento derivado de uma construo conceitual (regimes) dada, nosocialmente construda. Ou seja, [...] regimes become external constraints on actors, not intersubjectiveframeworks. Se os regimes so conhecidos, ontologia, pelos entendimentos compartilhados edesejados de determinado comportamento social e o mtodo positivista que utilizado na construodo conceito no consegue captar este carter, definido por Kratochwil e Ruggie como intersubjetivo,ento o que se sabe contradiz aquilo que se analisa, em outras palavras, a epistemologia (aquilo quese sabe) contradiz a ontologia (realidade ou aquilo que se definiu como sendo ela). Alm disto, ahierarquia entre normas, regras, princpios e procedimentos de tomada de deciso no fazemsentido, segundo estes autores, porque tanto os meios (normas e princpios) quanto os fins (regrase procedimentos) so mutuamente constitutivas do resultado final (regimes internacionais). Emoutras palavras: Actors not only reproduce normative structures, they also change them by their verypractice, as new constraints or possibilities emerge, or new claimants make their presence felt. Ver:KRATOCHWIL, Friedrich & RUGGIE, John G. International Organization: a state of art onan art of the state. In: International Organization 40, 4. Cambridge: MIT press. Autumn 1986.37 Sobre metateoria e debates metericos nas Relaes Internacionais ver: ROCHA, AntnioJ. R. Relaes internacionais: teorias e agendas. Braslia: Instituto Brasileiro de RelaesInternacionais (IBRI), Funag: 2002; HOLLIS, Martin & SMITH, Steve. Explaining andunderstanding international relations. Oxford: Claredon, 1991, 226 p.

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    Governana global

    Na citao que introduz a seo sobre perspectivas tericas, RobertKeohane salienta o carter parcialmente globalizado do mundo e anecessidade de governana efetiva. Por conseguinte, um enorme rol dequestes emerge. Entre elas, o que governana? Ela realmente global?A governana efetiva ou apenas um ideal liberal?

    De fato, a segunda pergunta j foi respondida pelo prprio Keohane.A governana no global, porque o mundo parcialmente globalizado.Neste ponto necessria uma distino entre globalismo e globalizao,tal qual proposta por Ulrich Beck. Globalismo pressupe o estado plenode globalizao econmica, quando a expanso dos mercados em seugrau mximo substitui a poltica. Por outro lado, a globalizao

    [...] significa os processos, em cujo andamento os Estados nacionais vema sua soberania, sua identidade, suas redes de comunicao, suas chancesde poder e suas orientaes sofrerem a interferncia cruzada de atorestransnacionais38 ou [...] o aprofundamento da distncia em escala mundialatravs da emergncia e estreitamento das redes de conexes ambientaise sociais, assim como econmicas.39

    Assim, qualquer anlise que leve em considerao a idia degovernana global trar um forte grau de normatividade.

    Em relao definio de governana global h duas questes emordem. A primeira relativa idia de governana global proposta peloprofessor Craig Murphy, onde esta seria a expanso do projeto liberalem escala global.40 Como Beck relembra, esta discusso de fato sobreglobalismo e no globalizao, que pressupe a idia de governana global.Em segundo, h de se distinguir entre as possveis idias de definiopara governana. Marie-Claude Smouts et alii prope uma estrutura

    38 BECK, Ulrich. O que Globalizao? Equvocos do Globalismo e respostas a Globalizao.So Paulo: Paz e Terra, 1999, 27-30 p.39 KEOHANE, Robert. Governance in a partially globalized world: presidential address,American Political Science Association, 2000. In: American Political Science Review (APSR)v.1, n.95, March, 2001, p. 1.40 MURPHY, Craig. Global governance: poorly done and poorly understood. In: InternationalAffairs v.4, n.76, 2000, p. 789-803.

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    tripartite entre Governana Corporativa, um critrio de boa governabilidadeformulado pelo Banco Mundial (Bird) no fim dos anos 80, GovernanaMultinvel, que diz respeito ao estilo de tomada de deciso na UnioEuropia, e finalmente a Governana sem Governo, conceito cunhadopor Rosenau e Czempiel, que traz a idia de que o mundo caminhariarumo a uma poliarquia, no sentido proposto por Robert Dahl, relacionandoo carter transnacional-estatal da poltica mundial e a idia de globalizao.41

    Por fim, h a abordagem de Robert Keohane, que entende a Governanacomo um Dilema sobre como desenhar instituies para desempenharfunes desejadas e ao mesmo tempo respeitar os valores democrticosem um mundo parcialmente globalizado.

    De fato, qualquer idia de governana sempre ir pressupor umalto grau de capacitao dos indivduos que esto sendo governados. Ouseja, qualquer definio de governana passar pela idia de democratizaoe legitimidade ou de comunicao aberta e reflexividade coletiva. Mesmoque no haja uma definio ideal para governana, uma vez que estaprpria palavra pode ser considerada um ideal, a proposta de agenda positivade Robert Keohane um timo ponto de partida para uma definio degovernana: analisar o papel do processo de institucionalizao naexpanso dos ideais democrticos e no fortalecimento das capacidadesdos indivduos em nvel global. Esta proposta convergente com aquelade Novo Multilateralimo, elaborada pelo professor canadense RobertCox, que pressupe uma ordem mundial construda de baixo para cimacom objetivo de justia, equidade e respeito ao outro, como bem sintetizaa professora Marie-Claude Smouts.42

    Respostas institucionais

    As respostas institucionais so aqui entendidas no em funo dasteorias de relaes internacionais, mas em razo das iniciativas multilateraisj estabelecidas ou em vias de debate. Elas foram divididas em quatro

    41 SMOUTS, Marie-Claude et alii. Dictionnaire des relations internationales. Paris: Dalloz,2003, 237-240 p.42 SMOUTS, Marie-Claude. La coopration internationale: de la coexistence la gouvernancemondiale. In: SMOUTS, Marie-Claude (Ed.) Les nouvelles relations internationales: pratiqueset thories. Paris: Sciences Po, 1998, 154 p.

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    grandes temas: o Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente(Pnuma); a Comisso de Desenvolvimento Sustentvel (CDS) e aOrganizao das Naes Unidas para o Meio Ambiente (Onuma); asrespostas regionais e as iniciativas das Organizaes da Sociedade Civil(OCS). Todas elas foram criadas para trazer respostas s crises ambientaispassadas (como a poluio e a mar negra) ou anunciadas, com vistas aoestabelecimento de mecanismos de governana ambiental. Ademais,ressalte-se que as ltimas, principalmente as ONGs e as comunidadescientficas43 foram estabelecidas principalmente pela falta de capacidadedo Estado de agir no quadro analtico do interesse nacional e soberano,atestando a necessidade de novos arranjos institucionais mais flexveis,que englobariam atores internacionais emergentes.44

    O Pnuma foi criado aps a Conferncia de Estocolmo,45 mas reveloua crise poltica entre Estados favorveis criao de uma verdadeiraorganizao do sistema ONU e aqueles opostos. Apesar de ter sidofreqentemente simplificada pela clivagem Norte/Sul, tal controvrsiaj demonstrava sinais de interesses econmicos capazes de polarizarsubgrupos nos dois campos. De fato, o debate poltico havia sido colocadoem termos equivocados, como se o desenvolvimento dos pases do Sulconstitusse a grande ameaa ao meio ambiente, e os lderes do Nortetivessem que faz-los observar as normas ambientais tidas comonecessrias. Com o fracasso da iniciativa de criao da Onuma, criou-se

    43 O conceito de comunidades epistmicas de Peter Haas poderia ter sido usado aqui, maspreferiram as comunidades cientficas porque vrias delas acabam exercendo influncia noprocesso decisrio e legislativo independentemente de um objetivo inicial de faz-lo. Almdisso, difcil de estabelecer se tm valores comuns, e a intersubjetividade que o autor definiu,como no caso da Iucs. Finalmente, o prprio autor est testando o seu conceito, com apergunta se a comunidade de operadores e professores do direito internacional pblico seconsidera parte de uma suposta comunidade epistmica. Para uma crtica europia doconceito, ver Marc PALLEMAERTS, Toxics and Transnational Law, Oxford: Hart, 2003.44 CHURCHILL, R.; UFSTEIN, G. Autonomous Institutional Arrangements in MultilateralEnvironmental Agreements/ a Little Noticed Phenomenon in International Law. The AmericanJournal of International Law, vol.94, 623-659 p. 2000. Washington. FISHER, D.; GREEN,J. Understanding Disenfranchisment: Civil Society and Developing Countries; Influenceand Participation in Global Governance Influence for Sustainable Development. Globalenvironmental Politics, 4, 3, p. 65-84. Cambridge: MIT press. August 2004.45 Nos termos de urgent need for a permanent institutional arrangement within the UnitedNations system for the protection and improvement of the environment. Resoluo n 2.997 daAsemblia Geral da ONU de 1972.

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    apenas um programa, com sede em Nairbi.46 Os pases nrdicos e osmembros da atual Unio Europia eram favorveis a uma iniciativainstitucional, mas o resto do mundo via com desconfiana a criao deuma instituio com objetivos ambientais construdos a partir dapercepo do Norte.

    Pelo fato do seu nascimento indesejado, mas principalmente poruma grande inverso de tendncias nas dcadas seguintes, o Pnuma nuncateve o papel importante no cenrio internacional.47 Primeiro, passaram-se muitos anos at que sua existncia fosse reconhecida de fato. Segundo,alguns pases do Sul, principalmente africanos, comearam a usar o Pnumacomo frum de debate deles, e a inverso foi que o Sul se ps a militarpor um papel de desenvolvimento para o Pnuma, em sintonia com ocontexto internacional da poca, isto , na exigncia por uma nova ordemeconmica internacional pouco antes da chamada dcada perdida. Aospoucos, o Pnuma foi colonizado pelos pases do Sul, e foi literalmenteesvaziado pelos pases financiadores, como tambm ocorreu com outrasOIs, como a Unctac, Unido e Unesco. Alm disso, a questo ambientalfoi adotada por vrias outras OIs, com mandatos diferentes e, s vezes,at programas concorrentes.48

    No final da dcada de 1990, e com os resultados decepcionantes dops-Rio 1992, o debate sobre a necessria criao da Onuma foi retomado,por uma iniciativa franco-alem. Na verdade, a proposta intimamenteligada OMC. Primeiro, foi apresentada como uma resposta institucional poderosa Organizao Mundial de Comrcio, para que as questesambientais no fossem tratadas como uma mercadoria. Segundo,tentou-se aproveitar a analogia da transformao do Gatt em algo forte e

    46 A localizao da sede na frica foi fruto da reivindicao dos pases do Sul, intencionadomanter controle sobre as atividades do programa. Ver Le Preste, P. A Ecopoltica Internacional,So Paulo: SENAC, 2001.47 DESAI, B. Mapping the Future of International Environmental Governance. UlfsteinYearbook of International Environmental Law, vol. 13, 2003. Paper prepared for the GlobalEnvironmental Governance: the Post-Johannesburg Agenda, 23-25 October 2003, Yale Centerfor Environmental Law and Policy, New Haven. Disponvel em: www.yale.edu/gegdialogue/papers.htm. Tambm von MOLTKE, K. The Organization of the Impossible. GlobalEnvironmental Politics . v.1 n.1, p. 23 8. Cambridge: MIT press, 2001.48 TOEPFER , K. UN Task Force on Environment and Human Settlements, Report to theSecretary-General, 15 June, 1998.

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    institucionalizado, e fazer o mesmo com a regulao ambiental. Terceiro,e mais sutil, foi a tentativa de esvaziar definitivamente a agenda da OMCrelativa questo agrcola e ambiental, que constitui o maior ponto dediscrdia entre a Unio Europia e pases com grande importnciaambiental, como o Brasil e a ndia. Alm disso, h um paralelo incontornvelda convergncia de regimes internacionais de proteo da pessoa humanae proteo ambiental, que tornaram o contexto favorvel a uma novainiciativa do Norte.

    Entretanto, a iniciativa, que foi debatida juntamente questo domoribundo Pnuma, em Joanesburgo, 2002, na ocasio da CpulaMundial sobre Desenvolvimento Sustentvel, no obteve o apoio dospases do Sul, e muito menos do Brasil. Dentre as diversas razes, entreelas algumas j expostas anteriormente, est o fato que o Brasil demandaque as organizaes j criadas se tornem realmente operacionais, nosentido de que os membros cumpram os compromissos assumidos, emespecial no que concerne transferncia de tecnologia e cooperaointernacional. Por isso, o Brasil defendeu a posio de fortalecimento daComisso sobre Desenvolvimento Sustentvel (CDS) no lugar da criaode mais uma OI fraca e irrealisticamente ambiciosa, que seria a Onuma.O Sul em geral, e para os brasileiros em particular, o que interessa apromoo do desenvolvimento para a garantia da proteo ambiental demaneira sustentada, e no apenas a criao de mecanismos pretendendocontrabalanar o poder da OMC e menos ainda de mecanismosrepressivos e orientados, como um suposto Tribunal Penal InternacionalAmbiental.49 Em suma, existe uma grande crise do multilateralismocontemporneo, pois as OIs criadas no reagiram s mudanasinternacionais recentes, como o multilateralismo la carte de George W.Bush e a sua poltica externa unilateral/bilateral, e a preponderncia dapoltica econmica acima de todos os outras, mesmo quando o tema normativo demais, como no caso da poltica ambiental.

    Uma das melhores solues apontadas em fruns internacionais50

    tem sido a abordagem regional, ou em blocos, para evitar os entraves e

    49 Apesar de a proposta do TPIA no ter sido formulada junto com a Onuma, uma grandeparte dos militantes pela Onuma defende um futuro tribunal especfico, principalmente osmembros da sociedade civil organizada na Europa.50 Yale (2003), Paris (2004) e Viena (2004) para citar apenas trs.

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    impedimentos encontrados na cooperao internacional para a governanaambiental. Esta idia faz sentido, uma vez que a dinmica regional temsido privilegiada em outros campos da poltica, com um sucessorelativamente muito maior do que em outros nveis de anlise. No casoda Unio Europia, a regulao ambiental tem evoludo consideravelmente,com a doutrina, servindo de inspirao para as outras partes do mundo.Para o continente norte-americano, a questo ambiental tratadaclaramente em segundo plano, ou ao menos, tem o mrito de se evitardiscursos retricos para encobrir polticas econmicas agressivas. NaAmrica do Sul, encontrou-se respaldo em iniciativas menores, como aEstratgia Regional de Biodiversidade, dos pases andinos, sem resultar,todavia, em iniciativas concretas. Na questo do controle das mudanasclimticas, por exemplo, o dilogo no continente muito superficial.Nas questes de acesso a recursos genticos, no h nada alm da ERBandina. No caso dos transgnicos, se no existe nem polticas nacionaisclaras, o que dizer das regionais? A Organizao do Tratado de CooperaoAmaznica, infelizmente, tambm parece ter o mesmo destino do tratadoque lhe deu origem, isto , ficar no papel. Com relao aos regimes domar e da pesca de uma maneira geral, pouco avano foi observado naltima dcada. Finalmente, no futuro regime de florestas, as negociaesatuais no permitem augurar nenhum progresso significativo dentro dovelho debate. Contudo, a fragilidade poltica e institucional instalada nocontinente de uma maneira geral, faz com que a grande parte dos temassociais sejam paradoxalmente fortalecidos no discurso e fracassados nasua implementao.

    justamente esta incongruncia, que no apenas especfica donosso continente, mas tambm marca o mundo inteiro, o que contribuipara a emergncia das ONGs e demais atores da sociedade civil organizadacomo peas importantes do debate internacional.51 Assim, as comunidades

    51 ARTS, B. The Political Influence of Global NGOs: Case Studies on the Climate and BiodiversityConventions, International Books, Utrecht, 1998, 351 p. Tambm os trabalhos de SYGNA,L.; ADGER, W. Rural Vulnerability to Global Change: the Role of Social Networks;AOKI INOUE, C. Global Regime for Biodiversity as an Approach to Study Local LevelExperiencies. The Mamirau Case; e NOMURA, K. Environmental Governance in Asia: blemsaPrond Prospects Opinion Survey of Major Environmental Actors, apresentados no The2003 Open Meeting on Human Dimensions of Global Environmental Change. Disponvelem: http://sedac.ciesin.columbia.edu/openmeeting/.

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    cientficas tambm foram fortalecidas pela mesma dinmica, principalmentecaso se parta de uma perspectiva de civilizao do risco de Patrick Lagadec,ou sociedade do risco, como colocam Ulrich Beck, Franois Ost e OlivierGodard.

    Em fato, as grandes ONGs internacionais (OINGs) tm um papelcada vez mais importante no cenrio internacional. Todavia, nota-se quemuitas delas deixaram de exercer a funo de oposio ao Estado epassaram a desempenhar outras, em parceria com ele, angariando umcrescente reconhecimento institucional.52 Esta transio do confronto colaborao, definida no Brasil por John Garrison, no uma tendncialinear e absoluta, mas crescente. ponto pacfico que apenas protestarno garante mais a sobrevivncia de nenhuma ONG, as quais precisamparticipar mais ativamente das solues para os problemas socioambientais,e com isso elas se profissionalizam gradativamente.

    Se esta evoluo foi vista como positiva por muitos analistas, outrosalertam para o fato de o Estado delegar funes para atores do setorprivado, ou ignorar suas obrigaes para com os cidados, porque existemONGs que estariam desempenhando tais funes, como a implantaoe monitoramento de projetos. Alm disso, h o risco de atores da sociedadecivil organizada agirem por interesses prprios, e no em nome de umsuposto interesse geral. Por exemplo, atores do mercado que realizamprogramas sociais tm normalmente interesses comerciais ou de imagemde marca por trs de suas aes, e a maioria dos Estados no conseguecanalizar estas foras emergentes com vistas a uma verdadeira justiadistributiva. No caso das comunidades cientficas, o grande desafio ouso poltico do conhecimento gerado como fundamento para a aopoltica ou o seu adiamento. Em outros termos, a autoridade que osperitos ou cientistas detm tende a ser reconhecida como justificativa

    52 H muita literatura sobre esta tendncia, mas vale a pena ler o Relatrio do ex-presidentebrasileiro Fernando Henrique Cardoso para a ONU We the Peoples: Civil Society, theUnited Nations and Global Governance. Reporto f the Panel of Eminent Personson theUnited Nations-Civil society Relations A/58/817 de 21 de junho de 2004. Disponvel emwww.un.org. Tambm KALDOR, M.; ANHEIER, H; GLASIUS, M. (eds.) Global CivilSociety, Oxford: Oxford University Press, 2003, 434 p. E TIMMER, V. Promote, Protest,Partner: The Diverse Roles of Non-governmental Organizations in Addressing Global EnvironmentalChange. Paper apresentado no The 2003 Open Meeting on Human Dimensions of GlobalEnvironmental Change. Disponvel em: http://sedac.ciesin.columbia.edu/openmeeting/.

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    poltica, mas eles so cidados e tm interesses especficos, sem terem,no entanto legitimidade para falar em nome do interesse geral dasociedade, pois no foram eleitos por ningum. Assim, no raro vercientistas, como Veit Koester, negociando acordos ambientais em nomeda sua delegao, como se ele fosse um diplomata. Em suma, a autoridadeque lhes cabe na nossa sociedade da informao no foi delegada porningum, e o resto da sociedade civil tende a ser excluda do debatequando este se torna tcnico e complexo demais.

    Novas dimenses do debate

    Comrcio e meio ambiente

    Aps os anos noventa, uma nova dimenso jurdico-poltica emergeem alguns ramos do direito e da poltica internacional. Houve umaexploso de negociaes e de normas com maiores graus de cogncia,especialmente em se tratando de direitos internacional humanitrio,econmico e ambiental. A legitimao e o aumento do nmero deingerncias humanitrias, com mais de mil resolues aprovadas noConselho de Segurana da ONU e centenas de outros atos desta naturezamarcam o primeiro ponto. A criao da Organizao Mundial doComrcio (OMC) e do conjunto normativo sob sua gide, com elevadosnveis de cogncia demonstra o segundo. A exploso de normasambientais, com a realizao de mais de dez grandes conferncias-quadro,nos anos 90 e incio do novo sculo, mostram o crescimento daimportncia da questo ambiental.

    No entanto, h um acmulo de lgicas distintas, onde as diretrizesque guiam a questo ambiental so muitas vezes antagnicas quelas queguiam as questes de ordem econmica. A oposio ou conjuno deinteresses de diversos tratados multilaterais ambientais ao direito da OMC,neste sentido, uma caracterstica que limita ou potencializa a eficciado direito internacional ambiental.

    O direito internacional econmico marcado por um conjunto deregras sob a gide de trs grandes organizaes internacionais com poder:o Banco Mundial, o Fundo Monetrio Internacional e a OrganizaoMundial do Comrcio. Trata-se de um sistema normativo, com umalgica prpria e autonomia perante os demais. Estas organizaes no tm

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    qualquer relao de dependncia jurdica em relao ONU. A OMCfoi criada apenas em 1995 e traz um conjunto normativo extenso quepretende abranger a maioria dos temas ligados diretamente ouindiretamente ao comrcio mundial. A eficcia do direito internacionaleconmico de carter comercial est no Organismo de Soluo deControvrsias do OMC, que prev sanes econmicas aos pases queno cumprem com os acordos pr-estabelecidos. Neste sentido, oOrganismo de Soluo de Controvrsias condena os pases-membro daOMC a alterarem suas normas internas mesmo que seja sua constituio sob pena de sanes econmicas. O nvel de cumprimento das decisesda OMC elevado, tendo em vista os impactos do descumprimentopara os atores tanto do ponto de vista de perda de legitimidade de uminstrumento internacional desejado, quanto da caracterstica das sanesimpostas.

    O direito internacional ambiental, ao contrrio do anterior, marcado por um conjunto de tratados internacionais, criados no contextode regimes diferentes, com diversificados nveis de cogncia. Enquantodeterminados temas evoluram bastante em funo dos interesses dosatores, como mudanas climticas, proteo da camada de oznio,restries pesca de baleias, outros no conseguem atingir nveis decompliance e enforcement suficientes para se tornarem eficazes, a exemplodo controle do acesso aos recursos genticos e repartio de benefcios.O direito internacional ambiental est presente, sobretudo nas discussesrealizadas no mbito da ONU, mas tambm em diversos outros centrosde realizao de poltica e produo do direito internacional, como nasinstituies irms do direito internacional econmico ou em normas decarter militar ou humanitrio.

    Por serem edificadas sobre lgicas distintas, diversas normas ambientaisse contrapem expressamente ao direito da Organizao Mundial doComrcio.53 Entre os principais pontos de conflito percebe-se:

    53 Sobre este assunto, consultar GONZALEZ-CALATAYUD, Alexandra & MARCEAU,Gabrielle. The relationship between the Dispute-Settlement Mechanisms of the MEAs andthose of the WTO. In RECIEL 11, 3, 2002, 275-286 p. Ou o artigo do professor da LondonSchool of Economics (LSE), Eric Neumayer em NEUMAYER, Eric. The WTO and theenvironment: its past record is better than the critics believe but the future outlook is bleak.In: Global Environmental Politics 4, 3. Cambridge: MIT press, 2004.

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    A extraterritorialidade das medidas ou sua aplicao a Estadosno-contratantes de acordos ou no-membros da OMC,permitida em certos acordos ambientais, mas proibidos pelaOMC. As normas americanas para a proteo das tartarugas edos golfinhos, com a promoo de restries aos mecanismosde pesca de camares e de atum demonstraram o uso de normas,regulando a pesca em outros pases, o que foi objeto de umpainel na OMC, mas foi possvel em funo de tratadosambientais.54

    A designao de certos produtos no-comerciais ou a proibiode certos mtodos de produo, permitida por certos acordosambientais, mas proibido pela OMC.55 A Cites prev, assim,condies estritas, regulamentando a exportao ou importaodestas espcies, subordinando seu comrcio a uma srie deexigncias que normalmente so contrrias liberdade comercial.56

    O comrcio destas espcies exige estudos de impacto, condiesespeciais de transporte, parecer de tcnicos e utilizao doprincpio da precauo. As partes so incitadas a tomar medidasde retaliao contra os Estados que no esto de acordo com asnormas da conveno, como por exemplo, o confisco das espciescomercializadas. Nos ltimos 15 anos, o Comit da Citesrecomendou de forma no obrigatria a suspenso do comrciocom El Salvador, Itlia, Grcia, Granada, Guiana, Senegal eTailndia. Ele tambm determinou que controles rigorososfossem feitos para as exportaes da Bolvia.57 O Protocolo deMontreal, sobre a proteo da camada de oznio; a Convenosobre a Proteo da Natureza e a Preservao da Vida Selvagemno Hemisfrio Ocidental, de 1940; a Conveno sobre a Proteo

    54 Ver KACZKA, David. A primer on the shrimp-turtle controversy. In: RECIEL, 6, 2,1997, 171-180 p.55 Ver Lei Geral n 101-162 (16 Cdigo dos Estados Unidos (USC) pargrafo 1537, artigo 609.56 Sobre a relao entre as regras da OMC e do arcabouo normativo disposto na Cites, favorconsultar YEATER, Marceil & VASQUEZ, Juan. Desmistifying the relationship betweenCites and the WTO. In: RECIEL, 10, 3, 2001, 271-276 p.57 CTE. Dispositions des accords de lOMCet des accords environnementaux multilatrauxrelatives au respect des obligations et au rglement des diffrendsGenve, OMC, 2001, 7 p.

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    dos Pssaros, de 1950;58 o Acordo sobre os Ursos Polares, de 1973;a Conveno sobre a Conservao do Pacfico Norte e a e aConveno sobre a Proteo das Peles de Focas, de 1976, tambmprevem normas semelhantes.

    A diferenciao de produtos quimicamente equivalentes, emvirtude do princpio da precauo, previsto por certos acordosambientais, mas debatido no mbito da OMC, como nasdiferentes abordagens entre o protocolo de Cartagena, sobreorganismos vivos modificados e os acordos sanitrio efitossanitrios e de barreiras tcnicas, ambos da OMC.

    A obrigao de cooperar antes da implementao de qualquermedida de sano, obrigatria na OMC, mas desnecessria emcertos acordos ambientais, como a Cites.

    A escolha da entidade responsvel para a soluo de controvrsias,que nos tratados multilaterais ambientais podem variar desdeinstrumentos de soluo arbitral, at a Corte Internacional deJustia e na OMC so sempre em ltima instncia o rgo deSoluo de Controvrsias.

    Por se tratarem de conjuntos de normas autnomas, que noguardam relao de hierarquia entre si e no se submetem a lgica dodireito domstico, os instrumentos de soluo de conflitos de normas noso operacionais para dizer qual o direito aplicvel. O problema se agravacom o acmulo de lgicas distintas entre os dois conjuntos normativos.

    Na prtica, a soluo se d com a maior eficcia no conjuntonormativo mais forte, ou seja, aquele que aplica sanes econmicas: aOMC. Neste sentido, os tratados multilaterais ambientais, quando emconflito com o direito da OMC, dificilmente tero eficcia. No entanto,alguns outros tratados, pouco eficazes, podem ter sua eficcia catalisadapelo direito da OMC. O caso da positivao do princpio da precauo59

    o exemplo mais marcante nos ltimos anos: enquanto desconsideradopela Corte Internacional de Justia, no julgamento Gabckovo-Nagymaros,era reconhecido pela Organizao Mundial do Comrcio.

    58 Atualmente, os objetos destas duas ltimas convenes so tratadas pela Cites, que prevtambm sanes comerciais.59 Sobre o princpio da precauo ver: VARELLA, Marcelo Dias & PLATIAU, Ana Flvia(Org.). O princpio da precauo. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, 415 p.

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    Segurana e meio ambiente

    A passagem da sociedade moderna para aquela que Anthony Giddense Ulrich Beck denominam modernidade tardia,60 trouxe consigo umamodificao social fundamental: uma profunda possibilidade de mudanana concepo de bem-estar. Tal modificao tem amplas implicaespara a relao entre meio ambiente e segurana, uma vez que possibilitauma transio entre a tradicional abordagem de guerra por recursos61

    para outra aqui definida como segurana ambiental, ou seja, quando arelao entre homem e meio ambiente deixa de ser um problema deescassez e satisfao material, para tornar-se uma questo reflexiva62 sobrea vida e as condies que a permitem. Em outras palavras, h uma grandetransformao do espao fsico natural paralela outra modificaoprofunda que diz respeito s identidades coletivas (soberania, sistemainternacional, sociedade, sexualidade, etc.). Neste contexto de duplatransformao, ambiental e social, [...] h algumas coisas dignas de seremseguradas; as dificuldades emergem da incerteza sobre o que estes objetosda segurana so no mundo ps-Guerra Fria, e quais meios justificam osfins.63 Portanto, quais so os riscos ambientais na sociedade ps-moderna? Quem culpado? Enfim, quais so os objetos da seguranaem um contexto de transformao ambiental global?

    Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que tanto para o meioambiente, quanto para segurana a abordagem preponderante apreveno ou a precauo. Por precauo a Declarao do Rio (1992)determina que, em casos de danos ambientais irreversveis, a falta de

    60 Sobre este tema ver: GIDDENS, Anthony. As conseqncias da modernidade. So Paulo:UNESP, 1991; GIDDENS, Anthony. A transformao da intimidade: sexualidade, amor eerotismo nas sociedades modernas. So Paulo: UNESP, 1993; BECK, Ulrich. Risk society: towardsa new modernity. London: Sage, 1992.61 Sobre a baixa correlao entre guerra e recursos naturais consultar ROSS, Michael. Howdo natural resources influence civil war? Evidence from thirteen cases. In: InternationalOrganization 58, Winter 2004, 35-67 p.62 A reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as prticas sociais so constantementeexaminadas e reformadas a luz de informao renovada sobre estas prprias prticas, alterandoassim constitutivamente seu carter. Em: GIDDENS, Anthony. As conseqncias da modernidade.So Paulo: UNESP, 1991, 45 p.63 DYER, Hugh. Environmental security and international relations: the case for enclosure.In: Review of International Studies (2001), 27, 442 p.

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    certeza cientfica no deve ser utilizada como razo para postergar medidasque previnam a degradao do meio ambiente.64 Ou seja, o consagradoprincpio da precauo d a poltica e ao direito ambientais um carterpr-ativo, onde o objeto da proteo passam a ser os riscos ambientaissocialmente criados. 65 Da mesma forma as abordagens tradicionais desegurana internacional so calcadas na definio das potenciais ameaas riscos e elaborao de estratgias. Portanto, tanto a segurana quantoo meio ambiente esto apoiados na idia de gesto de riscos e elaboraode respostas antecipadas, embora a primeira d maior nfase idia depreveno quando os riscos so conhecidos em detrimento daprecauo falta de certeza, cientfica ou no, sobre a existncia de riscos.

    Neste sentido duas questes estariam em ordem: quais as ameaas eriscos oriundos da degradao ambiental e por que as abordagenstradicionais de segurana so incapazes de incorporar questes relativas transformao global do meio ambiente em seus clculos? Com efeito,estas duas questes esto intimamente interligadas a uma simplesconstatao: os problemas e os riscos ambientais so globais. Quem seriao culpado ou o inimigo, por exemplo, nos casos do aquecimento globalou o buraco na camada de oznio? A Terra? O CO2? Os CFCs? Asindstrias que produziram estes gases? Os pases-sede destas empresas?O Direito Internacional Ambiental, por exemplo, tem trabalhado paraconsagrao da responsabilidade civil em casos de dano ambiental, quepressupe a excluso do dolo e a obrigatoriedade da reparao.66 Ouseja, cada vez mais se exclui a idia do culpado no que concerne criseambiental global. Se h riscos, mas no h culpados, qual o papel reservado segurana ambiental?

    Primeiramente, deve ficar claro que por mais preventivas ouprecaucionrias que sejam as aes no contexto dos riscos ambientais

    64 De fato o Princpio da Precauo j consagrado em inmeros tratados ambientais comona Declarao do Rio (Princpio 15), Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre Mudanado Clima (artigo 3[1]), Conveno da Biodiversidade (Prembulo), Protocolo de Cartagenasobre Biossegurana (prembulo), entre outros.65 Risk may be defined as a systematic way of dealing with hazards and insecurities induced andintroduced by modernization itself. In: BECK, Ulrich. Risk society: towards a new modernity.London: Sage, 1992.66 Ver SOARES, Guido F. S. Direito internacional do meio ambiente: emergncia, obrigaes eresponsabilidades. So Paulo: Ed. Atlas, 2001.

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    globais produzidos [...] no apenas o impacto da futura mudanaambiental global sobre os conflitos que necessita de ateno.67 De fato,alm do impacto inverso, dos conflitos sobre o meio ambiente, Homer-Dixon & Levy ressaltam que as questes de escassez direcionam emmaior grau a conflitos sub-regionais difusos e persistentes do que guerrapor recursos entre Estados.68 A partir desta figura no estranho quehaja carncia de estudos e abordagens que privilegiem o global em favordo regional, uma vez que a primeira perspectiva leva necessariamente auma baixa correlao entre guerra e recursos, conforme foi concludoanteriormente. Dois exemplos ilustrativos, que podem vir a ser duas dasquestes mais problemticas no contexto da redefinio da idia desegurana ambiental, so os refugiados ambientais e o impacto da guerrano meio ambiente. Segundo o Alto Comissariado das Naes Unidaspara Refugiados (Acnur), a questo de criao de novas classificaespara determinadas migraes internacionais central.69 No caso dosrefugiados ambientais a migrao poderia ocorrer tanto como resultadoda degradao das regies de origem do migrante, quanto devido aoimpacto deste ltimo no meio ambiente do pas alvo da migrao. Emrelao ao impacto da guerra no meio ambiente, episdios como autilizao o agente laranja durante a Guerra do Vietnam (o ano deintroduo do agente da guerra foi exatamente em 1962) e a queima depoos de petrleo, durante a primeira Guerra do Iraque (1990)exemplificam a gravidade da questo.

    A identidade mais provvel para a segurana em nvel global epreventivo gravitaria em torno da criao de condies para a gestocoletiva do meio ambiente, bem como a implementao das opescoletivamente aceitas, ou seja, trabalhar para a ampliao, efetividade e

    67 NOORDUYN, Ruth & DE GROOT, Wouter. Environment and security: improving theinteraction of the two science fields. In: Journal of Environment and Development 8, 1, 28 p.So Diego, maro 1999.68 Ver HOMER-DIXON, T. & LEVY, M. Correspondence: environment and security. In:International Security 19, 1, 1995. Pg 189-198; HOMER-DIXON, T. Environmentalscarcitites and violent conflict: evidence from cases. In: International Security 19, 1, 1994,5-40 p; e LEVY, M. Is the environment a national security issue?. In: International Security20, 2, 35-62 p. Cambridge: MIT press, 1995.69 Sobre a correlao entre migrao e meio ambiente ver a edio especial da revista Refugiadosdo Acnur (n.o 115, 2002).

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    legitimidade da governana ambiental. Entre as opes neste nvelanaltico estariam a criao de planos emergenciais em contextos de crise casos de vazamentos de resduos txicos, qumicos e radioativos,queimadas, enchentes; o auxlio na implementao de medidas sanitriase fitosanitrias; a fiscalizao em portos, estradas e aeroportos, com oobjetivo de impedir o contrabando de animais e plantas, bem como omonitoramento de parques, reservas e outros locais de potencial acesso arecursos genticos.

    Para uma agenda de pesquisa mais objetiva, o conflito e a degradaoambiental aparecem como as duas variveis centrais. Perguntas como: oque so os problemas ambientais e os de segurana?; quais so os atoresenvolvidos neste processo e como eles perdem ou ganham com mudanasespecficas?; como elaborar solues interdisciplinares? e, quais destesproblemas e solues podem ser antecipados?, so imperativas.Finalmente, preciso que haja mais pesquisa emprica que correlacioneas duas variveis acima em nveis analticos menores que o Estado, comoo regional ou local.

    Concluses

    Este artigo teve como objetivo analisar as opes e oportunidadesque emergem para a governana ambiental a partir da definio de criseambiental global. Em primeiro lugar, necessrio frisar que se por umlado a crise ambiental de fato global, por outro a gesto coletiva, sejaela entendida pelas lentes de instituies ou por arranjos mais flexveis,no o . A governana ambiental no global. Ela transita entre o globale o local em um sistema internacional decadente. Como Lorraine Elliottnota [...] h uma incongruncia entre os problemas que se originam danatureza interconexa do ecossistema global e as solues que so buscadasdentro do quadro de um sistema geopoltico baseado no Estado.70 Ouseja, h uma incongruncia entre Terra, o conjunto das coisas fsicas enaturais, e Mundo, o conjunto das coisas sociais, polticas e econmicas.

    70 ELLIOTT, Lorraine. The global politics of the environment. New York: New York UniversityPress, 1998, 97-98 p.

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    Se a governana em um Mundo parcialmente globalizado no global, ento qual o limiar que distingue o normativo do ontolgicono dilogo entre relaes internacionais e o meio ambiente? Umaabordagem inicial poderia revelar que o problema de fato deste campodo saber, uma vez que a ontologia e a epistemologia so interativas nosentido da Hermenutica Dupla proposta por Anthony Giddens, oumelhor, Como ns entendemos e interpretamos o mundo parcialmentedependente de como ns definimos o mundo que ns estamos tentandoentender e interpretar.71 Entretanto, a normatividade na discusso acercada gesto coletiva do meio ambiente global parece estar melhor relacionadacom o carter global da crise ambiental, cuja resposta demandaria umprocesso de gesto inclusivo, tanto na tomada de deciso, quanto naimplementao. Assim, a governana global seria muito normativa nosentido proposto por Rosenau & Czempiel e positiva em demasia naproposta de Keohane. A governana ambiental precisa de um conceitoque seja o ponto mdio entre as duas propostas anteriores e inclua ocarter fragmentrio e excludente do globalismo econmico.

    Com relao ao papel dos atores, de bom alvitre ressaltar a criseambiental que se est gerando, alm da grande crise institucional queabarca outros campos, e principalmente o da segurana coletiva. Destafeita, o discurso do multilateralismo, da reforma do sistema ONU e dagovernana global revelam alto grau de normatividade e baixo grau emtermos de operacionalidade, engendrando uma forte decepo por parteda sociedade civil organizada. A partir deste contexto, e da evoluo docenrio internacional, que permitiu a maior participao e atores no-estatais, como as ONGs e as comunidades cientficas nos processosdecisrios, nota-se o reconhecimento institucional de foras emergentescapazes de trazer renovado impulso governana ambiental, do nvelglobal ao local. No entanto, a irrupo de atores to assimtricos e diversostambm traz novos desafios no estabelecimento das regras do jogointernacional, que sempre foram pouco claras para as questes ambientais.

    Na questo da interface entre o regime comercial da OMC e osregimes ambientais, preciso enfatizar que mesmo tendo sido construdos

    71 BROWN, Chris. Understanding International Relations. 2 ed. New York: Palgrave,2001, 1-2 p.

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    com lgicas distintas e sem uma hierarquia no direito internacional, oprimeiro tende a prevalecer, por ter mostrado, em menos de dez anos deexistncia, que a regulao comercial por meios multilateraisinstitucionalizados desejvel. A clareza (preciso) das normas estabelecidas,e a sua observncia, bem como o nvel de delegao por parte dosmembros so suficientemente assegurados para que o regime seja forte,o que no ocorre na maioria dos regimes internacionais ambientais.Porm, no obstante tantas diferenas, no se pode concluir que sonecessariamente regimes contraditrios, uma vez que algumas decisesda OMC privilegiaram a dimenso ambiental de maneira surpreendente.

    Por fim, imperativa a reformulao do papel da segurana nocontexto da crise ambiental global. O meio ambiente no deve serentendido apenas como um conjunto de recursos que devem ser protegidospara assegurar o bem estar do homem. Ao contrrio, uma nova abordagempara a segurana deve garantir a vida, a participao e a legitimidade,no exclusivamente a satisfao pessoal por intermdio do consumodescontrolado, pois como lembra Karl Marx, o capitalismo uma viairracional para dirigir o mundo moderno, porque ele substitui a satisfaocontrolada das necessidades humanas pelos caprichos do mercado.

    Outubro de 2004

    Resumo

    O artigo tem como objetivo analisar as opes e oportunidades que emergempara a governana ambiental a partir da definio de crise ambiental global.Para tal, faz-se um exame detalhado dos trs grupos em torno dos quais ateoria das relaes internacionais tem analisado o processo de gesto coletivada referida crise, bem como a eficcia das respostas institucionais j existentes.Finalmente, o artigo faz uma releitura das questes de comrcio e meioambiente e segurana ambiental.

    Abstract

    This article aims to analyze the options and opportunities available toenvironmental governance, starting from a definition of the global environmentalcrisis. The article provides a detailed analysis of the three clusters under which

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    the international relations theory has investigated the collective managementof this environmental crisis as well as the effectiveness of current institutionalanswers. Finally, the article reexamines matters pertaining to trade andenvironment and to environmental security.

    Palavras-Chave: Organizaes Internacionais; Regimes Internacionais;Governana; Meio Ambiente.Keywords: International organizations; international regimes; governance;environment.

    SumrioMeio ambiente e relaes internacionais: perspectivas tericas, respostas institucionais e novas dimenses de debate