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    SOS MULHER

    A IDENTIDADE FEMININA NA MDIA

    PENTECOSTAL

    Maria das Dores Campos MachadoUniversidade Federal do Rio de Janeiro Brasil

    Resumo.Trata-se de uma anlise da mdia pentecostal com o objetivo deverificar a imagem da mulher transmitida por esses grupos religiosos:

    seus papeis, comportamentos e relaes na famlia, na comunidade reli-giosa e na sociedade mais ampla. A incluso de temas como o aborto,planejamento familiar, sexualidade, participao feminina na poltica e nomercado de trabalho sugere que, seja em atendimento as demandas dasleitoras, seja pela incorporao de mulheres no seu corpo editorial, osdois grupos tentam se alinhar com os processos sociais que afetam aidentidade feminina. As possibilidades da construo de uma imagemmais positiva e afirmativa das mulheres, bem como os limites dessaredefinio da identidade do gnero feminino no universo pentecostal

    sero apontados nas concluses dessa comunicao.

    Abstract.The present article analyzes data collected during a one-yearstudy on media usage by two of Brazils most important Pentecostalchurches: the Assembly of God and the Universal Church of the Kingdom ofGod. With the purpose of ascertaining how women are presented in thesemedia, the research project explored these womens roles, behavior, andrelationships not only in their domestic settings but also within theirreligious communities and society at large. The inclusion on media agendasof such issues as abortion, family planning, sexuality, and womensparticipation in politics and on the job market suggests that both groupsendeavor to align themselves with other social processes and to keep pace

    with changes affecting womens identity whether in response to audiencedemands or because more women have joined their editorial bodies. Theconclusion of this article discusses to what extent the Brazilian Pentecostaluniverse may be constructing a more positive, affirmative image of womenand what the limits of this redefinition of female identity may be.

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    I n t r o du o

    Em 1997, num seminrio realizado na cidade de So Paulo,

    feministas, jornalistas e pesquisadores concluram que, a despeitodos movimentos de mulheres, a grande mdia brasileira apresentaainda uma pauta bastante restritiva quando se trata da cobertura detemticas femininas (Pacheco 1997). A mdia religiosa, particular-mente a evanglica, s recentemente tornou-se objeto de anlisede especialistas em Sociologia da Religio ou em Comunicao(Fonseca 1997; Gouveia 1998; Machado & Fernandes 1998). Entre-tanto, j se fala numa reengenharia do feminino pentecostal na

    programao televisiva de alguns grupos religiosos, sugerindo mu-danas na identidade de gnero divulgada nas comunidades ele-trnicas. (Gouveia 1998)

    De fato a literatura vem assinalando a afinidade entre ascondies sociais e a subjetividade feminina, por um lado, e o tipode religiosidade desenvolvida nas comunidades pentecostais, poroutro (Burdick 1998; Machado 1996; Mariz & Machado 1994). As-sim, um dos principais fatores de atrao das igrejas que se multi-

    plicam por todo o continente seria a nfase concedida s questesdomsticas e de interesse imediato das mulheres pobres que, cons-tituem a maioria dos seus adeptos. Os investimentos crescentes nosmeios de comunicao por parte de vrios grupos pentecostais nosremete de imediato a seguinte indagao: existiria uma continuida-de entre as estratgias desenvolvidas nos templos e na mdia pente-costal ou o padro de desigualdade observado na agenda dosveculos no rel igiosos tambm se aplicaria na imprensa e na

    programao eletrnica pentecostal?Com objetivo de viabilizar o processo de investigao desdo-

    bramos essa questo mais geral em quatro indagaes mais pontuais:1) Qual a relevncia de temticas como: participao feminina no mer-

    cado de trabalho, a posio da mulher na hierarquia religiosa, asexualidade, o planejamento familiar e a sade feminina nessa mdia?

    2) Para alm da pauta, qual o espao concedido as profissionaisdo sexo feminino nas redaes, programas televisivos e radiof-

    nicos produzidos pelo grupos pentecostais?

    MARIA DAS DORES CAMPOS MACHADO

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    3) A presena de mulheres em diferentes veculos dessas denomi-naes expressa uma redefinio da identidade feminina porparte desses grupos religiosos?

    4) E, qual a contribuio dessa mulher para a reviso da situaode injustia social em que se encontram os segmentos femininosque compem a base do pentecostalismo?

    Para participar desse debate e ajudar a encontrar respostaspara algumas dessas questes, concentramos no exame da mdiade duas igrejas uma neopentecostal, a Universal do Reino deDeus e uma pentecostal clssica, a Assemblia de Deus investi-gando sua pauta e o papel reservado s mulheres no perodo entre

    setembro de 1996 a agosto de 1997.

    Amostra e Metodologia

    A investigao simultnea de mdias distintas requer a combina-o de tcnicas diferentes de coleta de dados: o clipping para os meiosde comunicao impressos jornais e revistas e a gravao eposterior decupagem das fitas com os programas televisivos e radiof-

    nicos. Da mesma forma as especificidades ou a variao dos recursosempregados nos veculos pesquisados articulao do som e daimagem no caso da TV, a combinao dos recursos da palavra impres-sa e das fotos nos jornais e revistas e a nfase no som pelo rdio implicam num esforo diferenciado na anlise do material levantado.

    A amostra foi delineada nos trs primeiros meses de pesquisaquando tomamos contato com os meios de comunicao das duasdenominaes, definimos os peridicos, os programas radiofnicos e

    televisivos a serem monitorados. Na mdia impressa trabalhamoscom dois jornais Folha Universal e O Mensageiro da Paz e trsdiferentes revistas Mo Amiga e Plenitude (IURD), Seara (AD). Namdia televisiva acompanhamos e gravamos nove programas daIURD1 e os dois programas produzidos e transmitidos pela AD emhorrios alugados em distintas Redes de Televiso2. Para compensaresta desigual participao na TV, monitoramos na mdia radiofnicadois programas da IURD3 e cinco da AD4.

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    A dimenso da amostra pode ser avaliada nos quadros abaixo:

    Quadro I

    Mdia Impressa consultada entre 01/09/1996 e 31/08/1997

    Quadro IIMdia Eletrnica monitorada entre 01/09/96 e 31/08/97

    oluceV emoN ajergI -idoireP

    edadic megariT

    adarotinomaermcme 2

    -mexEseralp

    lanroJ lasrevinUahloF DRUI lanameS 000.760.1/000.059 00,888.587.1 55

    atsiveR agimAoM DRUI lartsemiB 000.5 00,882.63 10

    atsiveR edutinelP DRUI lartsemirT 000.02 00,594.33 20

    lanroJ zaPadoriegasneM DA lanameS 000.06 00,835.153 21

    atsiveR araeS DA lasneM 000.03/000.52 00,057.402 80

    oluceV ajergI meodarotinomopmeT

    sotunimsamargorpedoremN

    sodanoiceles

    oidR DA 00,666.6 4/5

    oidR DRUI 00,448.6 2/4

    osiveleT DA 00,426.1 2/2

    osiveleT DRUI 00,974.92 6/9

    Superada a fase exploratria os registros relacionados aonosso campo temtico foram lanados num formulrio padro queconsiderava 1) o tema; 2) os atores sociais; 3) a abordagem; 4) otempo em minutos ou a rea/coluna, 5) os argumentos apresenta-dos nas matrias das diferentes mdias e, posteriormente, transferi-dos para um banco de dados que proporcionaria uma real avalia-o da importncia de cada tema para os dois grupos religiosos.Essa fase piloto da pesquisa levou-nos a optar pelo acompanha-

    mento dos seguintes tpicos: aborto, adultrio, AIDS, casamento,gestao, homossexualidade, mdia5, mulher/Igreja, mulher/traba-lho/poltica, orientao sexual, planejamento familiar, prostituio,sade da mulher, violncia sexual, violncia contra a mulher eoutros ao beneficente relacionada ao campo temtico; abusosexual; adoo; assdio sexual; prticas e costumes.

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    Com o controle remoto nas mos e a atenonas mulheres

    Uma primeira confrontao dos dados indicou que a IURDtem maior poder de comunicao, distanciando-se da AD tanto nonmero de horas e programas veiculados quanto na audincia dosmesmos. Tendncia semelhante foi identificada na mdia imprensa,com a primeira denominao revelando uma capacidade superior decirculao de seu jornal e, conseqentemente de vendagem. Almdisto, constatou-se diferenas na cobertura de nosso campo temticona mdia impressa, radiofnica e televisiva das duas igrejas, demons-trando a IURD uma maior abertura para as questes de sadefeminina, direito reprodutivo e planejamento familiar. Distintamenteda AD que concentra suas matrias em torno destas temticas nosmeios de comunicao impressos, sabidamente de menor impactona sociedade, a Universal mostrou-se mais flexvel usando todos osseus veculos de comunicao para falar de temas polmicos nomeio religioso, como o aborto, a contracepo e a AIDS.

    As modificaes na pauta dos veculos da AD, com a incor-porao crescente de novos temas ao longo do perodo investiga-do6, parecem relacionadas com a competio com a IURD, particu-larmente com a estratgia dessa denominao de explorar em seusmeios de comunicao problemas que afetam o dia a dia damaioria das famlias brasileiras. A incorporao de temas at entoignorados pela mdia religiosa e a abertura para o debate comrepresentantes da sociedade civil tornaram visveis a ruptura daIURD com a tradicional postura pentecostal de apartamento do

    mundo afetando a relao das grandes igrejas com a mdia. Aindaque tenha optado por transformar a Rede Record em uma televisocomercial, reduzindo o tempo dedicado aos programas religiosos, aIURD durante o perodo da pesquisa abriu espao para mdicos,juizes e polticos comprometidos com as demandas dos movimen-tos de mulheres, assim como para os representantes e militantes dediferentes movimentos sociais.

    O acompanhamento sistemtico das mdias impressas e eletr-

    nicas das duas igrejas revelou a grande dificuldade dos grupos

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    religiosos em manter as programaes e publicaes de uma formamais duradoura. No caso da AD esta dificuldade se explica em partepelo fato da denominao no dispor de uma Rede de Televiso e

    ou uma estao radiofnica na regio e no perodo investigados,ficando a merc do aluguel de horrios em estaes comerciais.Assim sua programao televisiva e radiofnica menor, seus pro-gramas mais rpidos e vulnerveis as mudanas de canais e interrup-o. No caso das publicaes verificou-se que a Casa Publicadoradas Assemblias de Deus CPAD aprimorou a edio do jornalmensal O mensageiro da Paz, retirou de circulao no final do anode 1996 a revista Nosso Lar publicada h vrias dcadas, e interrom-

    peu temporariamente a circulao da revista Seara.Da mesma maneira que fomos obrigados a realizar adapta-

    es na investigao do uso da mdia pela AD, tivemos que enfren-tar as alteraes na grade de programao da Igreja Universal doReino de Deus e a interrupo da publicao da Revista MoAmiga que foi substituda em nosso estudo pela revista Plenitude.No caso da televiso no incio do ms de janeiro vrios programassaram do ar. Nas manhs de sbado foram suspensos trs progra-

    mas: o Espao Evangli co (90 minutos), o Falando de Vida (150minutos), e o Primeiro Mundo (60 minutos). Na programao desegunda a sexta verificou-se a interrupo da transmisso de JesusVerdade (60 minutos), e do 25a Hora programa que se desta-cou na nossa pesquisa pelo debate com especialistas, polticos,militantes dos movimentos sociais e pastores de temas como plane-jamento familiar, aborto, AIDS, etc.

    Fruto de uma interferncia direta do Bispo Macedo, confor-

    me reportagem da Revista ISTO (15/01/1997), e com o objetivocentral de manter sua capacidade de atrair fiis, as mudanas nateleviso evidenciam a opo pelos programas de carter maisreligioso e doutrinrio em detrimento dos debates com participan-tes da sociedade civil. A nfase nos testemunhos fica clara quandose verifica que o programa dirio Palavra de Vida, at ento trans-mitido entre 00.30 a 03.30, torna-se mais longo terminando s 05.00da manh.

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    Nessa programao, alm dos depoimentos dos fiis que fala-vam de suas vidas em resposta s perguntas e comentrios dospastores, a criao de vinhetas contando de forma teatral as agruras

    das pessoas que procuram a IURD e como elas se transformaramdepois da converso vem juntamente com as minissries reforar adimenso religiosa, espiritual ou doutrinria das solues para osproblemas humanos. De modo que, se por um lado, aposta-se naempatia dos testemunhos e na frmula de sucesso comprovado dasminissries, por outro reduz-se o espao antes reservado aos mdi-cos, juzes, representantes dos movimentos sociais e polticos e au-menta-se a participao dos recm-convertidos e dos prprios pasto-

    res. Este novo arranjo empobreceu a programao, constituindo umrecuo ao que observamos no primeiro quadrimestre da pesquisa.

    Se uma das principais conseqncias destas mudanas foi orefluxo da cobertura de temas polmicos como aborto, planeja-mento familiar, AIDS, etc., e o crescimento do tempo dedicado atemtica do casamento, no se pode ignorar tambm os desdobra-mentos no tipo de abordagem dos atores privilegiados - adeptos,bispos, pastores, pastoras e esposas dos dirigentes da IURD. Levan-

    do suas companheiras para o estdio das TVs para ajudar noatendimento ao telefone dos aflitos que pedem orao e paraparticipar das entrevistas por eles realizadas, bispos e pastoresparecem ter percebido a importncia da presena feminina co-mentando, intervindo e aconselhando os convidados e passaram adar visibilidade quelas que sempre deram suporte ao trabalho deevangelizao. A mesma estratgia foi adotada no programaassembleiano Renascer onde o Pastor Silas Malafaias passou a

    dividir com sua esposa um quadro dedicado literatura evanglica,ficando esta responsvel pela divulgao dos romances e livros deinteresse das mulheres e ou irms.7

    A incluso das esposas dos pastores e ou bispos-apresenta-dores dos programas televisivos, alm de reforar a imagem daigreja pentecostal como a restauradora ou no mnimo a defensorada famlia sangnea8 evitando separaes, a prtica do adult-rio, a violncia domstica9 e diminuindo as distncias entre os

    pares , no consegue imputar uma abordagem distinta s questes

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    tratadas nestes programas. Podendo ser interpretada tambm comouma resposta das igrejas pentecostais s iniciativas da Igreja Catli-ca, particularmente vinda do Papa e eleio da Famlia como

    tema central de suas pregaes no Brasil, a participao femininarestrita s mulheres dos pastores refora a opo atual pela argu-mentao moral e religiosa no debate em torno das temticas denosso interesse.

    Isto fica mais claro quando se verifica a funo destas espo-sas dos lderes religiosos nos novos programas. De modo geral,dialogam com as telespectadoras que podem participar do progra-ma via fax, telefone ou e-mail, acerca dos problemas domsticos,

    uma vez que predominam as reclamaes em relao aos maridosadlteros ou viciados em jogo, bebida e drogas. O aconselhamentosugere que as mulheres aflitas tomem os testemunhos dos progra-mas e no raro estes testemunhos so dados pelos prpriosreligiosos como exemplos de que tudo pode ser transformadoem suas vidas, independente da dimenso do problema. Nodiscurso das novas apresentadoras percebe-se a inteno de legi-timar os conselhos ou opinies emitidas pelos homens em funo

    da solidez do lar cristo, ou do seu prprio ncleo familiar.Confirmando o reforo aos papeis tradicionais das mulheres,embora abrindo-lhes espao nos meios de comunicao e, portan-to na esfera pblica, pastores e Bispos apresentadores dos progra-mas Palavra de Vida e Despertar da f referem-se s suas parceirascomo enfermeiras de Deus, destacando-se a contribuio femini-na no aconselhamento e na orao pelos ouvintes que telefonampara o programa. Nesse sentido, as mudanas exigem cautela com

    relao aos prognsticos relativos ao nosso campo temtico.As mulheres de pastores da IURD trs j atuavam noprograma radiofnico SOS Mulher, transmitido durante duas horas desbado. Com uma pauta que vai da sade feminina, anticoncepo,aborto at a esttica e a depresso, este programa, entretanto, tevesua freqncia alterada ao longo de nossa investigao, deixando deser semanal para ser transmitido quinzenalmente. A presena dejornalistas femininas da rea de reportagem foi constatada em apenas

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    dois programas televisivos monitorados: no quadro De Mulher paraMulher do Falando de Vida (IURD) e no Movimento Pentecostal(AD) que tinha entre seus apresentadores uma reprter.

    Mulheres na redao e na produo de notcias

    Com o sugestivo ttulo Entre Ns Mulheres, a Revista Searada Assemblia de Deus, criou no segundo quadrimestre da pesqui-sa uma coluna assinada por uma mulher com objetivo de debateros problemas femininos. Psicloga clnica e pertencente aos qua-

    dros da comunidade assembleiana de Belenzinho, So Paulo, SniaPires Ramos um exemplo interessante para a analise dos efeitosdo recrutamento de profissionais do sexo feminino na pauta damdia. Na matria intitulada Haja Flego, Haja Graa! essacolunista fala das atividades femininas, permitindo-nos constatar apermanncia do modelo tradicional da mulher crist mesmo entreaquelas fiis escolarizadas, engajadas no mercado de trabalho epertencente a classe mdia.

    Definimos papeis como sendo as nossas atribuies. ummodo estruturado de participao. Abrange um grande n-mero de tarefas, sentimentos e pensamentos adequados e,talvez alguns privilgios. Nossa vida uma sucesso de pa-

    p is. No f ci l! Todo os dias , desafi os: se r espo sa , me,administradora do lar, cooperadora na igreja e, s vezes,desempenhar atividades profissionais. (Snia Pires Ramos,Revista Seara, Ano 40, n. 1, Dezembro de 1996)

    A ordem dos papeis atribudos mulher no aleatria, elacoloca em ltimo plano e mesmo assim como algo ainda nomuito comum (s vezes) a profissionalizao feminina. Os exem-plos de mulheres retirados da Bblia para ilustrar essa coluna refor-am nossa interpretao de que os atributos femininos valorizadosso os da ordem tradicional de gnero. Dorcas, a mulher benevo-lente, que costurava e se preocupava em fazer boas obras, ajudan-do aos pobres de sua igreja; Abigail que, com sua coragem,

    prudncia e sabedoria desempenhou seu papel de apaziguadora e

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    conciliadora; e, Ana que conseguiu desempenhar seu papel deme ideal com muita graa.

    Em maro de 1997 o jornal Mensageiro da Paz trouxe um

    artigo para comemorar o dia internacional da Mulher: Mulher semnome. Assinado pela jornalista Dinaura Barcelos, membro da ADem Boston, o artigo discute a condio feminina tomando como fiocondutor a situao das inmeras mulheres que aparecem na Bbliaidentificadas simplesmente pelo vinculo e/ou lao de parentescocom um homem ou pelo seu prprio sexo. A partir de um exemplobblico, onde ao anonimato soma-se uma outra caracterstica que oda enfermidade, que debilita e impede a postura ereta da filha de

    Abrao, pretende-se discutir a condio de opresso e injustia emque se encontram milhares de mulheres na sociedade atual.

    A histria dessa mulher pode ser identificada com a de milhesde mulheres imersas no anonimato, no Brasil e em todo omundo. So mulheres encurvadas pela marginalidade e re-

    jeitadas pelas diferenas de cor e sexo; preteridas por causa desua condio social; encurvadas pela opresso do esprito; entre-

    gues ao abandono ou presas ao passado que lhes impede de

    olhar para cima e enxergar o futuro. Muitas ainda esto sendoideologicamente foradas a olhar somente para baixo, pressio-nadas pela sociedade ou pelo grupo a que pertencem, ou atmesmo pela prpria famlia que no cr na sua potencialidadeou teme sua capacidade de transformao [...] Outras oprimi-das pela injustia, so entregues ao desemprego ou subemprego,desprotegidas de benefcios e direitos sociais. Situao que ofen-de os olhos de Deus e daqueles que os amam. (Mensageiro daPaz, Ano LXVIII, n. 1320, maro de 1997, p. 9)

    O anonimato sabemos expressa a assimetria nas relaes degneros e a posio subalterna das mulheres frente aos homens, masem nenhum momento a articulista identifica homens e mulherescomo grupos cujos interesses podem e tm assumido um carterpredominantemente conflitante. A opresso aparece associada aoesprito, famlia, sociedade, ao grupo a que pertence. Mas semqualquer referncia a relao de gneros fica difcil entender porquefalar da injustia, do desemprego e subemprego feminino, quandotantos so os parceiros das mulheres que vivem nestas mesmas

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    condies na sociedade contempornea. Se a sociedade no pen-sada em termos de homens e mulheres que estabelecem padres derelacionamento muitas vezes desfavorveis ao gnero feminino,

    pode-se quando muito falar de uma situao geral de injustia social,sem avanos reais para o debate da nova postura das mulheres.

    O que pretendamos com esses exemplos das duas profissio-nais da mdia pentecostal era mostrar os limites das mudanasoriundas da incorporao de novos atores sociais na redao dosperidicos as mulheres. Vimos que a abordagem religiosa, aindaque apropriando-se de argumentos cientficos, constitu uma cami-sa de fora que junto com os compromissos com a hierarquia

    religiosa androcntrica, diga-se de passagem permite uma adap-tao as tendncias em curso na sociedade mais ampla (aumentoda chefia feminina, feminizao da pobreza, crescimento da partici-pao da mulher no mercado de trabalho, etc.), mas no ajuda nacompreenso da condio subordinada das mulheres e, portantono seu combate.

    Do casamento polticaEmbora o formato desse artigo no permita uma anlise

    detalhada de como as diferentes mdias tratam os temas de nossointeresse, teceremos aqui algumas consideraes sobre os dadosmais importantes. Comecemos pela nfase no casamento encon-tra-se entre os cincos temas mais explorados em todos os veculosde comunicao monitorados o que refora a tese de uma certa

    continuidade entre templo e a mdia no que se refere a definiodas estratgias e prioridades dos grupos pentecostais e neopente-costais. Tomando a mdia eletrnica da IURD como exemplo, fo-ram gravadas 47 horas dedicadas a esse tema na TV Record e novehoras na programao radiofnica transmitida no perodo de 01/09/96 e 31/08/97.

    O exame da flutuao dos temas ao longo dos trsquadrimestres que compem o perodo da pesquisa revela um incre-

    mento na cobertura do tema casamento na mdia da IURD a partir

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    de janeiro de 1997, ms em que, como afirmamos anteriormente,iniciaram-se as alteraes na grade da programao televisiva e aparticipao feminina na mesma. A opo por esse assunto temimpacto negativo na cobertura de outras questes importantes paraas mulheres pobres, como o caso do planejamento familiar. O

    refluxo na cobertura desse item da pauta significativo e mereceregistro: enquanto no primeiro quadrimestre da pesquisa (01/09 a31/12/96) esse tpico foi explorado em 3 horas e 45 minutos dedebates, entrevistas e comentrios, no segundo quadrimestre (01/01/97 a 30/04/97) essa questo consumiu apenas 1 minuto e 25 segun-dos da programao monitorada, apresentando certa recuperao noterceiro quadrimestre (01/05 a 31/08/97) quando ocupou 51 minutosdo programa 25 Hora que voltou a ser transmitido nesse perodo.As explicaes para essas variaes encontram-se no jogo da compe-

    VT 1 2 3 4 5

    DRUI otnemasaC adedaSrehlum

    oiutitsorP oirtludA edadilauxessomoH

    DA edadilauxessomoH oatneirO

    lauxeS aidM ajergi/rehluM otnemasaC

    OIDR 1 2 3 4 5

    DRUI otnemasaC adedaS

    rehluM/rehluMohlabarT

    oirtludA oiutitsorP

    DA omsilauxessomoH otnemasaC aidM oirtludA oiutitsorP

    Assuntos do universo temtico segundo a cobertura, o veculo impressoe a denominao

    LANROJ 1 2 3 4 5

    DRUI otnemasaC aidM adedaS

    rehlum oiutitsorP edadilauxessomoH

    DA aidM otnemasaC adedaS

    rehlum ajergi/rehluM edadilauxessomoH

    ATSIVER 1 2 3 4 5

    DRUI adedaS

    rehluM/rehluMohlabart

    aidM oatseG otnemasaC

    DA oatneirOlauxeS

    otnemasaC oiutitsorP omsilauxessomoH SDIA

    MARIA DAS DORES CAMPOS MACHADO

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    Assuntos do universo temtico segundo a cobertura, o veculo eletrni-co e a denominao

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    tio religiosa e econmica, nas alianas polticas e nas estratgiasadotadas por esse grupo neopentecostal. Como tratamos das mudan-as na pauta dessa mdia em outro artigo (Machado 1998) no nos

    alongaremos aqui nesse item.Quando analisamos a distribuio temtica na programao

    eletrnica e nos peridicos da AD, o que chama ateno o espaoreservado problemtica da homossexualidade. Registros foramconstatados em todas as mdias, embora nos veculos impressos, esseno seja o assunto mais explorado. importante ressaltar que amaior parte das matrias sobre esse tema de natureza religiosa eexpressa os valores e opinies morais dos membros da hierarquia. A

    IURD, embora combata o homossexualismo, mostrou-se um poucomais aberta ao dilogo, convidando para os debates em torno dessetema representantes de entidades civis e militantes do movimentoGay. Essa talvez seja a oportunidade para assinalar a importncia daatuao desses atores na mdia pentecostal. Acreditamos que a pre-sena de mdicos, assistentes sociais, juizes, psiclogos, e represen-tantes dos movimentos sociais constituiu uma varivel fundamentalpara uma abordagem mais favorvel aos grupos minoritrios e o

    tratamento de temas polmicos como o aborto, AIDS, homossexua-lismo e planejamento familiar. A sade da mulher foi um tema presente em todos os

    veculos da IURD e possibilitou um debate maior com os profissio-nais da rea mdica alinhados com demandas importantes dosmovimentos de mulheres o atendimento mdico com o esclareci-mento e a distribuio gratuita de meios contraceptivos, a amplia-o da lei do aborto para os casos de anomalia fetal, etc. Destacam

    as coberturas jornalstica (cento e noventa e duas matrias numarea correspondente a quatro pginas e meia de um exemplardesse jornal) e a radiofnica (treze matrias num tempo de aproxi-madamente 21 horas). Na televiso foram identificadas cento edoze referncias a esse tema (num tempo de aproximadamente 19horas) enquanto na revista quatro matrias ocuparam uma reaequivalente a 3 pginas da revista.

    interessante observar a incluso no tema da sade femini-

    na de questes ligadas a esttica e aos cuidados com corpo. A

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    mulher da IURD deve se orgulhar de ser mulher e isso implica emcuidados especiais com a aparncia e, portanto em vaidade. Devese manter bonita e cheirosa para seu esposo, para seus filhos,

    para Jesus e para sua famlia de f. Assim a osteoporose, a tensopr menstrual, o cncer de mama etc. so tratados juntamente coma lipoaspirao, o alisamento do cabelo e as massagens faciais emprogramas como o SOS Mulher.

    Esse tema mereceu menos ateno por parte da AD, particu-larmente em sua programao eletrnica: na televiso no se identifi-cou nenhum registro sobre essa problemtica e nos programas derdio apenas uma meno de 3 minutos foi constatada. O Mensagei-

    ro da Paz trouxe vinte e nove matrias, ocupando uma rea equiva-lente a 71% de uma pgina do referido peridico. J a revista Searaapresentou onze matrias em torno desse tema, reservando umespao equivalente a quase duas pginas daquele peridico.

    Duas outras temticas importante para verificar a imagemfeminina predominante nos meios de comunicao dessas igrejasso as que relacionam a mulher com a comunidade religiosa e como mercado de trabalho. Processos sociais crescimento da partici-

    pao feminina na populao economicamente ativa e na chefiados domiclios, a existncia de movimentos em defesa dos direitosdas mulheres, etc. comeam a estimular o debate sobre a identi-dade feminina nos meios de comunicao monitorados. Matriassobre o engajamento da mulher na economia formal ou informal,na vida poltica e na hierarquia religiosa sinalizam essa tendncia eforam verificadas nos veculos das duas igrejas, ainda que a cober-tura desses temas seja ainda tmida10 e diferenciada nas mdias das

    duas igrejas.Enquanto a relao mulher/igreja foi explorada em todos osmeios de comunicao da AD, com destaque para a programaotelevisiva e a cobertura jornalstica onde aparece como o quartotema mais explorado de ambos, a insero da mulher no mercadoe na poltica foi uma temtica mais freqente na mdia da IURD. Spara se ter uma idia da inverso de prioridades, a rea do Mensa-geiro da Paz reservada a relao da mulher com a igreja quatro

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    vezes maior do que aquela identificada na Folha Universal. Quan-do o tema a participao feminina no mercado de trabalho e atmesmo na poltica a cobertura do jornal da IURD ocupa uma rea

    seis vezes maior do que aquela registrada no Mensageiro da Paz.Estes dados chamam ateno se lembrarmos que embora

    no tenham uma presena contnua e efetiva nos meios de comu-nicao, existem mulheres pastoras na IURD (5 no Estado do Rio),enquanto na Assemblia de Deus esta segue sendo uma questobastante polmica. Aqui, faz-se necessrio uma anlise mais quali-tativa da cobertura das temticas: quem so os atores sociais queabordam-nas, qual a natureza de seus argumentos religiosa, jur-

    dica, moral, social, etc. e a relevncia dessa matria no conjuntodo que foi veiculado pela mdia durante esse perodo de uma ano.

    Vimos anteriormente que a simples presena de profissionaisdo gnero feminino na mdia da AD no suficiente para umamudana significativa na imagem das mulheres transmitida pelosmeios de comunicao. Sem dvida alguma trata-se do incio deum processo importante que requer uma reviso na relao daMulher com o sagrado e, portanto, de seu lugar na hierarquia

    religiosa. Esse debate no interior da igreja j existe e comea a setornar pblico atravs dos seus veculos de comunicao. Registra-mos uma matria na imprensa confrontando abertamente as posi-es de dois pastores sobre a liderana feminina nesta igreja.Enquanto o Pastor Israel Sodr escreve contra o exerccio femininodos ministrios pastoral e presbiteral, argumentando que no ha-via mulheres entre os 70 discpulos, o Pastor Fernando Grangeirodefende o melhor aproveitamento das fiis lembrando que

    sete entre 10 missionrios que hoje esto no campo somulheres. Por isso, hora de agir dentro de um quadrorealista. Importa que elas sejam santas e lavadas pelo san-

    gue de Jesus. Ou ace itamos os fa tos bbl ic os que regis tramfei to s de verdade iras he roinas da f em deus ou pe rdemos aoportunidade do Senhor em usar mulheres santas, comoacontece em nosso meio. (Seara, ano 40, n. 1, dezembro de1996, p. 48)

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    Pesquisas quantitativas comprovam que os fiis da IURD somuito mais abertos a participao feminina na hierarquia religiosado que os membros da AD. Segundo os dados da pesquisa Novo

    Nascimento do ISER (Fernandes 1998: 116) enquanto 83% dos fiisda primeira denominao so favorveis a que a mulher exera afuno de pastora este ndice ca para 46% entre os assembleianos.Seguindo a mesma tendncia 80% e 68% dos membros da IURDadmitem que as mulheres sejam consagradas a diaconisa/presbterae a Bispo, respectivamente. J entre as assembleianos os ndicesdos que aceitam a participao feminina nestas funes cai para61% e 42%, respectivamente.

    No que se refere a mulher trabalhadora ou a profissiona-lizao feminina crescente, a literatura sociolgica identifica comouma importante conseqncia no intencional da adeso aopentecostalismo a reviso das fronteiras entre o publico e oprivado e a redefinio das relaes de gnero que favoreceriamas mulheres pobres na luta pela sobrevivncia e educao de seusfilhos (Tarducci 1994). Na construo desse novo ethos familiaruma varivel importante seria a converso dos homens que provo-

    caria a ruptura com a identidade masculina hegemnica na socie-dades latino-americanas e os aproximariam do universo domstico.(Brusco 1994; Machado 1996; Mariz & Machado 1997a) Mas mesmonos lares onde tal converso no ocorra, elementos doutrinrioscomo a Teologia da Prosperidade legitimariam a entrada das mu-lheres pentecostais no mercado de trabalho formal ou informal(Mariz & Machado 1997b).

    A IURD que no Rio de Janeiro constituda majoritariamente

    por mulheres e uma das difusoras da Teologia da Prosperidade nomeio pentecostal brasileiro cobriu no s a temtica da participaoda mulher na economia como tambm na poltica. Essa cobertura peguena, como j enunciamos, mas traz algumas novidades. Umadelas so as fontes adotadas. Percebeu-se o uso do relatrio Mais eMelhores Trabalhos para as Mulheres da Organizao Internacionaldo Trabalho (OIT), pesquisa Gnero e Sociedade realizada pela daInternacional Gallup e matrias de jornais e revistas de grande circu-

    lao no pas. Esse tipo de fonte garantiu uma abordagem mais

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    crtica em relao as condies das mulheres no mercado de traba-lho, na esfera da poltica e na vida social em geral.11A matria Umsalto alto no poder inicia-se com o seguinte pargrafo:

    desde que adquiriram o direito de voto em 1932, as mulhe-res brasileiras vem conquistando seu espao na sociedade,seja integrando o mercado de trabalho, seja ocupando car-

    gos de li de rana. Rompendo as tr inche iras do mach ismo,elas ocupam qualquer funo profissional tanto na socieda-de civil quanto na militar [...] Foram dcadas de preconceito,at a mulher conseguir mostrar que sua capacidade e com-

    pe tnc ia no eram di fer en tes da masculina . Incuti r es se pen-

    samento na mente das pessoas tambm no foi tarefa fcil.Foram necessrios anos de trabalho para provar que elaspodiam se r boas ou me lhores que os homens em suas fun- es. (Folha Univer sa l n. 238 se tembr o/outubro de 1996, p.1, 2. caderno)

    Matrias salientando a Poltica de Ao Afirmativa em favorda mulher foram identificadas na mdia impressa logo aps aeleio de 1996, quando uma candidata apoiada pela igreja conse-

    guiu a faanha de ser a vereadora mais votada da Cmara Munici-pal de Belo Horizonte.Apresentadora do programa radiofnicoSOS Mulher na capital mineira, Maria Helena Alves Soares,candidata do PFL foi eleita com 13.061votos e segundo a FolhaUniversal graas a IURD.

    O mais impressionante na vitria de Maria Helena que elanunca tinha se candidatado antes e era completamente des-conhecida nos meios polticos. Funcionria pblica e direto-

    ra licenciada da Associao Beneficente Crist de Minas Ge-rais, a nova vereadora trabalhava na recuperao de presi-dirios, prostitutas e viciados em drogas...

    Apesar de sua projeo, Maria Helena no foi a primeiramulher a ser estimulada participar de uma disputa eleitoral. Nopleito de 1992, Magaly Machado foi eleita vereadora da cidade doRio de Janeiro e em 1994 tornou-se Deputada Estadual. Nestemesmo ano, Edna Macedo, irm do bispo Edir Macedo se

    candidatou pelo PPB e foi eleita com 45 mil votos para a Assem-

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    blia Legislativa do Estado de So Paulo. Assim como Maria Helenae Magaly, a deputada paulista reconhece a importncia do apoioda comunidade religiosa em sua vitria eleitoral e associa sua

    entrada na esfera poltica s orientaes da hierarquia religiosa. Ementrevista Revista Mo Amiga, essa parlamentar afirmou: todosns nascemos com o esprito poltico dentro de ns. Uns desenvol-vem e outros no, e a Igreja viu em mim uma pessoa dinmica,esforada, no sentido de querer ajudar as pessoas.

    Sabemos que o estabelecimento de cota mnima por sexonas disputas eleitorais estimula a reviso das estratgias daquelesgrupos que querem se transformar numa fora poltica no cenrio

    nacional. E so amplamente divulgadas as ambies da lideranada IURD nesse sentido. Restaria questionar se isso invalida o esfor-o de eleger mulheres para os cargos pblicos ou se pode sertomado como um sinal de uma mudana nos papeis femininosnaquela comunidade religiosa. Alm disso, seria preciso acompa-nhar o trabalho dessas mulheres nas Cmaras Municipais e Assem-blias Legislativas para verificar o impacto de sua presena naquelacasa, particularmente no que se refere a defesa dos interesses dos

    grupos femininos e pobres.

    Consideraes Finais

    A anlise da mdia pentecostal nos anos de 1996 e 1997sugere um esforo de adaptao dos grupos religiosos aos proces-sos sociais em curso na sociedade brasileira. Seja pela ampliao da

    pauta, seja pela assimilao de apresentadoras e profissionais dosexo feminino, percebe-se uma tendncia de crescimento do espa-o concedido s mulheres. Tal fenmeno deve ser acompanhadode forma atenta e crtica uma vez que apresenta caractersticasambguas e/ou contraditrias. Da mesma forma que a simplesincorporao de temticas relacionadas ao universo feminino nogarante uma abordagem que efetivamente ajude as mulheres, aparticipao das pentecostais nos meios de comunicao das suas

    denominaes no uma condio suficiente para uma ruptura

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    com o ideal feminino cristo e com a ordem de gneros hegem-nica na comunidade religiosa.

    Uma experincia recente dessa pesquisadora com um vecu-

    lo de comunicao aqui avaliado ilustra bem o carter ambivalenteda redefinio da identidade feminina na mdia e nas comunidadespentecostais. Diante da proximidade do Dia Internacional da Mu-lher, fui procurada pelo Jornal Folha Universal para falar sobre oimportante papel das mulheres na obra de Deus. Falei duranteuma hora sobre o paradoxo de uma igreja constituda majoritaria-mente por mulheres apresentar um nmero bem reduzido de pas-toras. A matria foi feita, aproveitaram algumas informaes estats-

    ticas sobre a base social da comunidade religiosa, mas todos osmeus comentrios sobre a assimetria de poder dentro da estruturaeclesistica foram cortados. A censura aos trechos relativos participao feminina nos cargos mais elevados da hierarquia suge-re dificuldades do grupo pentecostal em debater a desigualdade degneros quando o poder religioso que est em questo.

    Numa conjuntura em que as mulheres pastoras, missionrias,obreiras e/ou fiis so preparadas para a disputa eleitoral em torno

    de uma cadeira nas Cmaras de vereadores de vrios municpios doBrasil, como explicar que o debate sobre a disparidade na consagra-o de homens e mulheres seja evitado? Tudo indica que a ambiopoltica da IURD e a lei eleitoral que tenta atenuar as disparidadesnas candidaturas masculinas e femininas contribuem para a participa-o das mulheres nas disputas em torno do poder poltico. O com-portamento parlamentar das representantes aqui lembradas segue algica corporativista, com as pentecostais lutando no legislativo pela

    ampliao das benesses e direitos de sua comunidade. Enfim, na-quele espao no ameaam a autoridade e o domnio religiosos, aocontrrio trabalham para sua expanso.

    Notas

    1 O Despertar da F, Falando de vida, Espao Evanglico, Ponto de Vista,Primeiro Mundo, Jesus Verdade, 25a Hora, Palavra de Vida, Falando de F.2 Renascer (CNT/Record) e Movimento Pentecostal (Manchete).

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    3 Na fase inicial foram monitorados: Reunio dos Milagres, Ponto de F, PalavraAmiga e SOS Mulher. A partir do segundo quadrimestre o monitoramento con-centrou-se nos dois ltimos programas.4 O Evangelho no Ar, Assembleia de Deus em Petropolis, Celebrando Deus com

    o Planeta Terra, De Volta a Biblia e Assembleia de Deus de Mutua5A incluso do item mdia pareceu-nos importante tendo em vista a histricaresistncia da AD frente ao uso da mdia eletrnica, particularmente a televisiva,e ao intenso debate percebido em seus veculos desde o incio do monitoramen-to. S para se ter uma idia, no jornal Mensageiro da Paz a rea reservada a essatemtica perfaz 46% da cobertura do campo temtico durante o ano todo depesquisa. Quando deslocamos nossa anlise para os dados da IURD, percebe-seque o espao reservado a essa temtica proporcionalmente inferior em todosos veculos monitorados e isso porque a relao da igreja com as novas tecno-logias da rea de comunicao, at mesmo com a Internet, de rpida assimila-o, no se identificando discusses em torno da legitimidade da evangelizaoeletrnica como no caso da AD.6 A programao televisiva na primeira fase do monitoramento (setembro/dezem-bro de 96) abarcava 7 dos temas selecionados. Na fase final (maio/agosto de 97)foram registrados 9 temas. No rdio, jornal e revista a variao foi de 7, 13, 11para 11, 15 e 17 respectivamente.7 No caso da AD, identificamos cinco programas apresentados por mulheres eproduzidos em Manaus. Como s conseguimos assistir esses programas depoisque o monitoramento estava no segundo quadrimestre e seus horrios eram

    incompatveis com aqueles que j vinham sendo monitorados, eles no foramgravados e no constituem objeto dessa anlise.8 Como grupos minoritrios e enfrentando um grande preconceito no interior dasociedade brasileira, as igrejas pentecostais sempre valorizaram mais a famlia def do que os laos carnais, at mesmo para encorajar aqueles fiis que sofriampresses em seus lares a seguir sua opo religiosa.9 Tema muito importante uma vez que no ano de 1997 os boletins de ocorrnciaregistrados nas Delegacias Especiais de Atendimento s Mulheres quase atingirama faixa dos 220 000, nmero que est longe de expressar a realidade dasmulheres espancadas na esfera privada. (Veja, 1998)10

    Se formos considerar o tempo em termos absoluto reservado a temtica damulher/igreja pela televiso da IURD e pela programao da AD veremos queforam dedicados respectivamente 37 e 22 minutos de toda programaomonitorada durante um ano.11 Quando a abordagem religiosa percebe-se uma viso negativa do trabalhofeminino A liberao feminista levou a mulher a expor-se alm dos limites datica, do bom senso, da razo e do sentimento. Em virtude disso, a mulherpassou a executar no dia a dia, no lar e fora dele, inmeras tarefas que Deus nodestinou para ela. Uma das conseqncias disso a crescente incidncia dedoenas psicogenas, cujo ndice hoje maior na mulher do que no homem,

    principalmente no hemisfrio sul. (Pastor Antnio Gilberto, Revista Seara, Ano40, n. 1, dezembro de 1996, p. 19)

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