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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público 1 EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA ___ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE GOIÂNIA/GO O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pela Promotora de Justiça que a presente subscreve, com fundamento nos artigos 37, caput e § 4º, e 129, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, nas Leis nº 7.347/85, 8.625/93 e 8.429/92, assim como na Lei Complementar Estadual nº 25/98, vem perante Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA c/c OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER com PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE EVIDÊNCIA em face de: 1. MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, brasileiro, casado, ex- Governador do Estado de Goiás, portador do RG nº 1314602 DGPC GO, inscrito no CPF sob o nº 035.538.218-09, o qual pode ser encontrado na Rua 115-A, nº 50, Setor Sul, Goiânia/GO, CEP 74.085-240 (Diretório do PSDB); 2. ESTADO DE GOIÁS, pessoa jurídica de direito público, inscrita no CNPJ com o nº 01409655/0001-80, com sede na Rua 82, S/N, Palácio Pedro Ludovico Teixeira, Setor Sul, neste ato representado pelo Procurador-Geral do Estado de Goiás, nos termos do art. 132 da Constituição Federal, com endereço profissional na Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, n° 26, nesta Capital; pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

1

EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) DOUTOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA ___ª

VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE GOIÂNIA/GO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, pela Promotora

de Justiça que a presente subscreve, com fundamento nos artigos 37, caput e § 4º, e

129, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil, nas Leis nº 7.347/85,

8.625/93 e 8.429/92, assim como na Lei Complementar Estadual nº 25/98, vem

perante Vossa Excelência propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA c/c OBRIGAÇÃO DE FAZER E NÃO FAZER

com PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE EVIDÊNCIA

em face de:

1. MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, brasileiro, casado, ex-

Governador do Estado de Goiás, portador do RG nº 1314602

DGPC GO, inscrito no CPF sob o nº 035.538.218-09, o qual pode

ser encontrado na Rua 115-A, nº 50, Setor Sul, Goiânia/GO, CEP

74.085-240 (Diretório do PSDB);

2. ESTADO DE GOIÁS, pessoa jurídica de direito público, inscrita

no CNPJ com o nº 01409655/0001-80, com sede na Rua 82, S/N,

Palácio Pedro Ludovico Teixeira, Setor Sul, neste ato

representado pelo Procurador-Geral do Estado de Goiás, nos

termos do art. 132 da Constituição Federal, com endereço

profissional na Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, n° 26, nesta

Capital;

pelas razões de fato e de direito a seguir expostas:

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I – DOS FATOS

O Ministério Público instaurou o Inquérito Civil Público nº 22/2018, a

fim de apurar irregularidades praticadas pelo ex-Governador do Estado de Goiás,

MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, em razão da não aplicação do percentual

mínimo de 25% da receita resultante da arrecadação de impostos na manutenção e

desenvolvimento do ensino (MDE), conforme manda a Constituição Federal, em seu

art. 212, caput.

A investigação se iniciou a partir de representação encaminhada pelo

Deputado Estadual Luis Cesar Bueno, aos 13/10/2016, o qual relatou que, nas Contas

do Governador do exercício de 2015, foi constatado que o Estado de Goiás aplicou

apenas 24,95% do total da receita líquida de impostos na manutenção e

desenvolvimento do ensino (MDE). Ainda segundo o representante, desde o ano de

2011, o Estado de Goiás estaria descumprindo o mínimo constitucional a ser

aplicado na área de educação.

No curso das investigações, foi oportunizada ao requerido MARCONI

FERREIRA PERILLO JÚNIOR e à Secretária de Estado da Educação, Cultura e

Esporte da época dos fatos, Raquel Figueiredo Alessandri Teixeira, a apresentação

de defesa escrita aos autos do Inquérito Civil Público, os quais, em resposta1,

refutaram os fatos narrados pelo representante.

Não obstante as alegações, foi apurado que, do exercício de 2011 a

2017, ou seja, durante quase todo o seu mandato como Governador do Estado de

Goiás, o requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, reiteradamente, deixou

de aplicar o mínimo constitucional na manutenção e desenvolvimento do ensino

público goiano.

1 Fls. 605/606, 596/603, 671/678 e 681/684, do Inquérito Civil Público nº 22/2018 – Doc.1.

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As constatações decorreram da análise dos relatórios das Unidades

Técnicas do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCE/GO), sobre as Contas do

Governador dos exercícios de 2011 a 2017, por meio dos quais ficou cabalmente

comprovado que o requerido, ardilosamente, lançou mão de várias manobras

contábeis para manipular dados financeiros e simular o cumprimento da

aplicação do mínimo constitucional na área da educação.

Com as “pedaladas fiscais” praticadas ao longo desses 07 (sete)

anos, MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR criou uma situação em que o Estado

de Goiás, por meio de uma contabilidade maquiada, chegava até a ultrapassar o

percentual de 25% de investimento na manutenção e desenvolvimento do ensino

(MDE), imposto pela lei maior, quando, na verdade, não havia alcançado sequer

esse mínimo constitucional em cada um dos respectivos exercícios.

Ou seja, de 2011 a 2017, o Governo do Estado só apurou o

cumprimento do investimento mínimo na manutenção e desenvolvimento do

ensino (MDE) porque maquiou as contas públicas.

Isso porque, nos exercícios de 2014 a 2017, para alcançar o

percentual mínimo de 25%, o requerido contabilizou indevidamente despesas

inscritas em restos a pagar não processados como investimento na educação, no

montante total de R$ 553.156.333,00 (quinhentos e cinquenta e três milhões, cento e

cinquenta e seis mil e trezentos e trinta e três reais), não amparados por efetiva

vinculação financeira.

A Unidade Técnica do TCE/GO, ao analisar as contas do Governador

dos exercícios financeiros de 2014 a 2017, pontuou que os valores inscritos em

restos a pagar não processados não poderiam ser incluídos no cômputo de

gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), para fins de

apuração do mínimo constitucional, porquanto não havia, ao fim de cada exercício,

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recursos disponíveis na Conta Centralizadora do Estado e, posteriormente, na Conta

Única do Tesouro Estadual, capazes de sustentar financeiramente tais despesas.

Como resultado dessas condutas, houve uma simulação do

cumprimento da aplicação mínima em educação e evidente redução real dos valores

anuais que deveriam ser destinados, por força do comando constitucional, às ações

de manutenção e desenvolvimento do ensino público goiano e um montante milionário

de restos a pagar de exercícios anteriores concorrendo com os orçamentos dos

exercícios seguintes que, no decorrer dos anos, foram em grande parte cancelados

sem que fossem efetivamente investidos na educação.

Além disso, foi apurado que, nos exercícios financeiros de 2011 a

2017, o percentual de 25% das receitas resultantes de impostos a ser aplicado na

manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) foi alcançado determinantemente

pela inclusão indevida de despesas com inativos no cômputo do mínimo

constitucional.

A prática já era refutada pelo TCE/GO antes mesmo de o requerido

MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR assumir o cargo de Governador do Estado

de Goiás. Isso porque, na apreciação das Contas do Governador dos exercícios de

2007 e 2008, do ex-gestor Alcides Rodrigues Ferreira Filho, já havia a Corte de Contas

expedido recomendações a fim de que as despesas com inativos e pensionistas

fossem excluídas do cômputo de gastos com manutenção e desenvolvimento do

ensino na apuração do mínimo constitucional, bem como ressalvou as referidas

contas, dentre outras irregularidades, justamente por conta dessa prática

contábil indevida (Doc.2 e Doc.3).

A propósito, na apreciação das contas do Governador do exercício de

2010, nas quais o TCE/GO emitiu parecer contrário à aprovação pela Assembleia

Legislativa, os Conselheiros da Corte de Contas expediram recomendação ao

Governo do Estado de Goiás, nessa época já sob a chefia do requerido MARCONI

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FERREIRA PERILLO JÚNIOR, a fim de que fossem implementadas “ações no

sentido de dar maior transparência à destinação dos recursos destinados ao Fundeb,

excluindo do cômputo o gasto com inativos e pensionistas” (Doc.5, pág. 8).

Entretanto, ao invés de fazer cumprir de imediato a Constituição

Federal, a Lei nº 9.394/96 e os Manuais de Demonstrativos Fiscais editados pela

Secretaria do Tesouro Nacional, o requerido MARCONI FERREIRA PERILLO

JÚNIOR, de maneira claramente oportunista, vislumbrou mais uma forma de burlar o

mínimo constitucional, optando por executar um plano de exclusão proposto pelo

gestor passado ao TCE/GO.

O plano em comento foi apresentado ao TCE/GO em 2009, pelo então

Governador da época, Alcides Rodrigues Ferreira Filho, o qual previa a exclusão

gradativa de 10% ao ano das despesas com inativos e pensionistas do índice de

gastos anual com manutenção e desenvolvimento do ensino.

Contudo, mesmo acompanhado pela condescendência dos

conselheiros do TCE/GO, nem mesmo o próprio ex-governador cumpriu a negociata

da qual foi autor, continuando a registrar despesas com inativos nos índices de

investimentos em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE) dos exercícios de

2009 e 2010.

Assim, tão logo assumiu o cargo de Chefe do Poder Executivo, o

requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR aderiu ao plano de exclusão de

inativos como despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino, em

detrimento de fazer cessar de imediato a prática contábil indevida.

Causa espanto o fato de que, desde 2007, o TCE/GO já havia

reconhecido a impossibilidade de computar despesas com inativos e pensionistas

como gastos em educação, mas, no entanto, decidir realizar uma verdadeira barganha

com o então Governador, a fim de que fossem descumpridos dispositivos

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constitucionais e legais, tolerando e homologando, ao longo de quase uma década,

investimentos na manutenção e desenvolvimento do ensino público goiano aquém do

mínimo constitucional.

Por falar nisso, de suma importância destacar que, nos relatórios

técnicos relativos às contas do Governador dos exercícios de 2010 a 2015, a Unidade

Técnica do TCE/GO alertou aos Conselheiros para que fosse alterada a metodologia

do plano de exclusão proposto, uma vez que, segundo os analistas, “a dedução de

apenas 10% ao ano enseja um período demasiadamente longo para que o

Estado se abstenha de reconhecer e contabilizar os gastos com inativos no

índice da educação”.

A despeito das considerações feitas pelos analistas, os Conselheiros

do TCE/GO não tomaram nenhuma providência, mantendo o plano de exclusão da

forma mais conveniente aos interesses do então Governador MARCONI FERREIRA

PERILLO JÚNIOR, já que, pelo percentual de exclusão de somente 10% ao ano,

poderia o requerido beneficiar-se com a inclusão de despesas previdenciárias nos

gastos com educação durante todo os seus dois mandatos e, assim, investir menos

nas ações que são efetivamente de manutenção e desenvolvimento do ensino.

Ou seja, o TCE/GO, ao invés de cumprir o seu papel de órgão de

controle, tomando providência para cessar a ilegalidade de imediato, flexibilizou a

Constituição Federal adotou uma postura evidentemente política, transigindo com o

Estado de Goiás a maneira pela qual ele iria contabilizar investimentos em educação

de modo inconstitucional, ilegal e artificial, concedendo uma legítima carta branca para

as “pedaladas fiscais” do governo goiano pelos próximos anos.

A verdade dos fatos é que nunca houve, por parte do requerido

MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, uma intenção de efetivamente eliminar os

inativos da apuração de investimento anual na área da educação, mas apenas uma

oportunidade de postergar, o quanto fosse possível, o fiel cumprimento da

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Constituição Federal e da Lei nº 9.394/96, e, assim, simular o cumprimento do

mínimo constitucional na manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), sobretudo

com a inclusão de um expressivo montante de despesas previdenciárias.

Tanto é verdade que, neste ano de 2018, a um só exercício financeiro

para a dedução de 100% de gastos com inativos na função educação, a Secretaria de

Estado da Fazenda, ao manifestar-se nos autos do processo de prestação das Contas

do Governador do exercício de 2017, passou a defender a inclusão de todo o déficit

previdenciário relativo aos inativos da educação como gasto em manutenção e

desenvolvimento do ensino, a fim de que seja também computado na apuração do

gasto mínimo constitucional.

Mais grave e preocupante ainda é o fato que a tese apresentada pelo

governo foi acatada pelo Conselheiro Relator Sebastião Tejota, que sugeriu ao Pleno

do TCE/GO permitir ao Estado de Goiás contabilizar gastos com inativos e

pensionistas na base de cálculo de aplicação de recursos vinculados à educação.

Com a maquiagem contábil avalizada pelo TCE/GO, de 2011 a 2017,

foi computado o total de R$ 1.771.404.883,75 (um bilhão, setecentos e setenta e um

milhões, quatrocentos e quatro mil, oitocentos e oitenta e três reais e setenta e cinco

centavos) como investimentos na área de educação, mas que, na verdade, referia-se

a gastos com inativos, que contribuição alguma deram à manutenção e

desenvolvimento do ensino público goiano durante os respectivos exercícios

financeiros.

Com efeito, houve a utilização de um valor bilionário para pagamento

de despesas previdenciárias, que, por ordem constitucional, deveria ser aplicado

na consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis,

a exemplo de remuneração de professores em sala de aula, aquisição de

equipamentos necessários ao ensino, concessão de bolsas de estudos, aquisição de

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material didático-escolar, manutenção de programas de transporte escolar entre

outros. Um verdadeiro descaso com aqueles que dependem do ensino público!

Para se ter uma ideia da gravidade da conduta perpetrada pelo

requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, apenas com a dedução das

despesas com inativos do total contabilizado como aplicação em educação de 2011 a

2017, não houve um ano sequer em que tenha sido efetivamente aplicado o

percentual mínimo de 25% do total de receita líquida de impostos na

manutenção e desenvolvimento do ensino público goiano.

Como se já não bastassem tamanhas impropriedades, a intenção

inescrupulosa de forjar o cumprimento da Constituição Federal foi ainda mais longe.

Chegou-se ao absurdo de contabilizar disponibilidade financeira,

no montante de R$ 11.867.981,00 (onze milhões, oitocentos e sessenta e sete mil e

novecentos e oitenta e um reais), como se fosse despesa executada (exercício de

2011) e, ainda, de incluir despesas com merenda escolar, no montante de R$

24.000.000,00 (vinte e quatro milhões de reais), como gasto na manutenção e

desenvolvimento do ensino (exercício de 2015), em flagrante violação à Lei nº

9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

É forçoso destacar que o descumprimento reiterado e intencional ao

dever fixado no artigo 212, caput, da Constituição Federal, resultou em um déficit

bilionário nos recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino,

fragilizando, ainda mais, a débil estrutura da rede estadual de ensino, consoante se

observa da tabela a seguir:

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Exercício financeiro

25% sobre a receita líquida de impostos

Valor efetivamente aplicado pelo Estado

de Goiás Déficit

2011 R$ 2.550.203.435,25 R$ 2.337.512.325,00 R$ 212.691.110,25

2012 R$ 2.893.487.217,50 R$ 2.607.423.055,33 R$ 286.064.162,17

2013 R$ 3.122.320.392,50 R$ 2.845.778.531,50 R$ 276.541.861,00

2014 R$ 3.423.321.315,50 R$ 3.183.155.923,00 R$ 240.165.392,50

2015 R$ 3.637.962.794,00 R$ 3.229.356.640,97 R$ 408.606.153,03

2016 R$ 3.862.425.846,75 R$ 3.392.524.931,00 R$ 469.900.915,75

2017 R$ 4.015.315.046,75 R$ 3.726.939.174,75 R$ 288.375.872,00

TOTAL R$ 2.182.345.466,70

Como resultado da conduta dolosa do requerido perpetuada ao longo

de quase todo o seu mandato, foi retirado da educação do Estado de Goiás o

expressivo montante de R$ 2.182.345.466,70 (dois bilhões, cento e noventa e dois

milhões, trezentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e sessenta e seis reais e

setenta centavos), que, por comando expresso da nossa Constituição Federal, deveria

ter sido aplicado “nas ações de manutenção e desenvolvimento do ensino” (CF, art.

212).

É de salutar importância enfatizar que a situação chegou a esse

patamar sobretudo em virtude da posição notoriamente condescendente que os

Conselheiros do TCE/GO assumiram diante do descumprimento reiterado de

investimentos mínimos na área da educação pelo Estado de Goiás.

Apesar de os analistas terem detectado as reiteradas manobras para

simular o cumprimento do custeio mínimo em educação, apurando que o Estado de

Goiás não havia alcançado o percentual de 25%, os Conselheiros do TCE/GO

divergiram completamente da análise técnica e consideraram o dever constitucional

cumprido.

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Inclusive, há de ressaltar que o Conselheiro Helder Valin Barbosa,

relator da prestação de contas do exercício de 2016, é réu em ação civil pública

movida pelo Ministério Público Estadual2, por meio da qual o Poder Judiciário declarou

a nulidade do decreto que o nomeou como conselheiro do TCE/GO e determinou o

seu imediato afastamento do referido cargo, em razão de não ter havido

comprovação de notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e

financeiros ou de administração públicos e de mais de dez anos de exercício de

função ou de efetiva atividade profissional que exija esses conhecimentos,

requisitos esses exigidos pelo artigo 28, §1º, da Constituição do Estado de Goiás.

Não de agora a desobediência ao dever de investimento anual mínimo

em educação tem sido tolerada pelo TCE/GO.

A título exemplificativo, cita-se o Termo de Ajustamento de Gestão 01

(TAG)3, celebrado com o TCE/GO para a recomposição do percentual mínimo de

aplicação em educação do exercício de 2008, por meio do qual o Estado de Goiás

deveria aplicar, no exercício de 2009, o valor de R$ 92.500.000,00 (noventa e dois

milhões e quinhentos mil reais) na construção, ampliação, manutenção e adequação

de unidades escolares.

Nada obstante, em razão do descumprimento do prazo pelo Estado

de Goiás, o TAG foi prorrogado por duas vezes4, postergando a aplicação do valor

remanescente para recomposição do índice de 2008 para até o exercício de 2017.

Como se vê, trata-se de clara violação à anualidade na aplicação

mínima em manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme determina a

Constituição Federal, ocorrendo sob o aval do TCE/GO.

2 Processo judicial nº 0300815.17.2015.8.09.0051. 3 Disponível em: https://tcenet.tce.go.gov.br/Downloads/Arquivos/003777/TAG%201.PDF 4 Primeiro e segundo aditivos ao TAG 1 disponíveis em: https://tcenet.tce.go.gov.br/Downloads/Arquivos/003777/1%C2%BA%20Termo%20Aditivo%20TAG%201.PDF https://tcenet.tce.go.gov.br/Downloads/Arquivos/003777/2%C2%BA%20Termo%20Aditivo%20TAG%201.pdf

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Adiante, o Ministério Público esmiuçará todas as irregularidades

praticadas pelo requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR.

I.1) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2011

Conforme registrado no Relatório Técnico sobre as Contas do

Governador do Exercício de 2011, no ano de 2011, o total da receita líquida de

impostos arrecadado pelo Estado de Goiás foi de R$ 10.200.813.741,00 (dez bilhões,

duzentos milhões, oitocentos e treze mil e setecentos e quarenta e um reais (Doc.6,

págs. 130 e 131).

Desse valor, o Estado de Goiás contabilizou como o gasto em

manutenção e desenvolvimento do ensino público (MDE) o montante de R$

2.555.065.982,00 (dois bilhões, quinhentos e cinquenta e cinco milhões, sessenta e

cinco mil e novecentos e oitenta e dois reais), o equivalente a 25,05% do total da

receita líquida de impostos, o que, em tese, demonstraria a aplicação do mínimo

constitucional na área da educação.

Nada obstante, a Divisão de Contas do TCE/GO identificou o

lançamento indevido como gastos em MDE do montante de R$ 11.867.981,00 (onze

milhões, oitocentos e sessenta e sete mil e novecentos e oitenta e um reais), relativo

à disponibilidade financeira referente à receita em 29/12/2011 (Doc.6, pág. 140).

Ponderaram os analistas de controle externo que as disponibilidades

financeiras não poderiam ser computadas como despesas em MDE na apuração do

mínimo constitucional em educação, pelos seguintes motivos (Doc.6, pág. 142):

No caso do Demonstrativo de Gastos com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino, a despesa aqui considerada é a despesa orçamentária pública, que segundo o Manual da Despesa Nacional é “aquela executada por entidade pública e que depende de autorização legislativa para sua realização, por meio da Lei Orçamentária Anual ou de Créditos Adicionais, pertencendo ao exercício financeiro da

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emissão do respectivo empenho.” Portanto integram o mínimo constitucional apenas as despesas empenhadas utilizando crédito consignado no orçamento do Estado para o exercício de 2011, obedecida a fonte de recursos.

Durante o decorrer do exercício financeiro considera-se como executada a despesa liquidada. Ao final do exercício apura-se como despesa executada a despesa empenhada, processada e não processada. Nesse sentido, a disponibilidade financeira de recursos de impostos vinculados à Educação apenas figura no cômputo do mínimo constitucional no intuito de sustentar, ou não, a despesa empenhada e não paga. Assim, a despesa empenhada e

não paga apenas será considerada como executada se existir disponibilidade financeira suficiente para supri-la. Caso contrário a mesma não poderá ser considerada como aplicada em Educação. [...]

Considerar as disponibilidades financeiras como aplicação efetiva nos índices constitucionais reflete em um desvirtuamento dos índices, das metas da LDO e da responsabilidade na gestão fiscal. Ao considerar como despesa as disponibilidades financeiras o

Estado deixa de empenhar, diminuindo sua despesa real, por conseguinte apresenta uma situação financeira líquida fictícia, pois

tal recurso já deveria estar comprometido. Isso reflete em uma superavaliação de um superávit financeiro, servindo de fonte para abertura de créditos adicionais, quando na realidade tais recursos estariam comprometidos, além de refletir nas metas previstas na LDO, diminuindo as despesas e, por conseguinte, melhorando os resultados primário e nominal. Ou seja, tal prática afetaria vários outros dispositivos e demonstrativos contábeis, não encontrando respaldo técnico em sua efetivação.

Além disso, os novos empenhos, que correrão à conta do exercício vigente (2012), seriam considerados no cômputo do exercício de sua devida emissão, mesmo que para o pagamento dos mesmos seja utilizada a disponibilidade financeira líquida do exercício anterior. Tal fato agrava ainda mais a irregularidade, pois se trata de contagem duplicada: disponibilidade financeira líquida no cômputo do exercício anterior e sustentando empenhos do atual exercício que também comporão o mínimo constitucional.

Desta forma, não há que se confundir disponibilidade financeira com despesa, mesmo que empenhada. Disponibilidade financeira é o suporte para o futuro gasto a pagar, é a fonte para a futura despesa. Aceitar a disponibilidade financeira como despesa significa

antecipar as etapas, pois a despesa não ocorreu, implicando um descompromisso em se computar somente as despesas nos índices constitucionais e aceitar práticas incontroláveis de transferências financeiras diversas para as áreas afetadas, a fim

de vesti-las com um “manto” de despesas que deveriam ter sido efetuadas no cômputo do índice anual. [...]

Concluindo, o Demonstrativo de Gastos com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino, na forma apresentada pela Sefaz e considerando a disponibilidade financeira como despesa, resultaria em

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25,05% do total da receita líquida de impostos, considerando os ajustes posteriores que deveriam ser efetuados por ocasião das justificativas apresentadas.

Entretanto, não computando-se tais disponibilidades financeiras como se fossem despesa, os gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino público totalizam R$2.543.198.001,46, equivalente a 24,93% do total da receita líquida de impostos.

(Grifou-se)

Entretanto, o Conselheiro Kennedy Trindade, relator do processo de

prestação de contas do Governador, ignorou os argumentos técnicos apresentados

pela Divisão de Contas do TCE/GO, por meio dos quais se comprovou que o Estado

de Goiás não havia aplicado o percentual mínimo em educação em 2011, e, de

forma claramente arbitrária e sem qualquer respaldo legal, considerou a

disponibilidade financeira do final do exercício fiscal como se fosse despesa

executada em educação, indicando como gastos em MDE o percentual de 25,05% do

total da receita líquida de impostos (Doc.6.1, pág. 5).

Não bastasse computar disponibilidade financeira como se fosse

despesa executada, foi considerado, ainda, como gasto em ações típicas de MDE em

2011, o percentual de 80% do total de despesas com inativos, o correspondente a R$

205.685.676,00 (duzentos e cinco milhões, seiscentos e oitenta e cinco mil e

seiscentos e setenta e seis reais)5.

Apesar de a Unidade Técnica ter considerado tal montante no cálculo

do mínimo constitucional, em virtude do acordo realizado entre o antigo Governador e

o TCE/GO, foi expedido alerta aos Conselheiros quanto à necessidade de revisão dos

percentuais de exclusão de inativos de apenas 10% ao ano, veja-se (Doc.6, pág. 145):

5 Considerando que, no cálculo das despesas com MDE para apuração do mínimo constitucional, do exercício de 2011, foi deduzido apenas 20% das despesas com inativos, correspondente à quantia de R$ 51.421.419,00 (cinquenta e um milhões, quatrocentos e vinte e um mil e quatrocentos e dezenove reais), em virtude do acordo realizado com o TCE/GO (campo 36A, da tabela de pág. 133, do Relatório Técnico sobre as Contas do Governador do Exercício de 2011 – Doc.6).

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No subitem 1.5.2.1.3 do Relatório das Contas do Governo do ano de 2010, esta Corte de Contas apontou que a proposta do Plano de Exclusão carecia de alteração em sua metodologia, pois houve um aumento de 58,09% de gastos computados com inativos na função Educação de 2009 para 2010.

No Relatório Resumido de Execução Orçamentária do 6º bimestre de 2011, republicado em 23 de abril de 2012, no demonstrativo das receitas e despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino, o Estado considerou como dedução do cômputo do limite o percentual de 20% dos gastos com inativos na função educação.

Sugere-se um implemento de tais percentuais anuais para fins de exclusão, tendo em vista que a dedução de apenas 10% ao ano enseja um período demasiadamente longo para que o Estado se abstenha de reconhecer e contabilizar os gastos com inativos no índice da educação. (Grifou-se)

Não obstante a sugestão dos analistas, o Conselheiro Relator

Kennedy Trindade não fez qualquer consideração, em seu relatório e voto, acerca

da alteração dos percentuais de exclusão de inativos no cálculo de despesas com

MDE.

Assim, ao contrário do que o então Governador do Estado tentou

demonstrar por meio de uma maquiagem contábil, no ano de 2011, não foi aplicado o

mínimo constitucional nas ações com manutenção e desenvolvimento do ensino.

O valor efetivamente investido no ensino público goiano foi de R$

2.337.512.325,00 (dois bilhões, trezentos e trinta e sete milhões, quinhentos e doze

mil e trezentos e vinte e cinco reais), o correspondente a 22,91% do total de receita

líquida de impostos arrecadada no respectivo exercício.

Com efeito, no exercício de 2011, o requerido deixou de aplicar na

manutenção e desenvolvimento do ensino público do Estado de Goiás o montante de

R$ 212.691.110,25 (duzentos e doze milhões, seiscentos e noventa e um mil, cento e

dez reais e vinte e cinco centavos), conforme demonstrado no quadro a seguir:

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FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO EM 2011

Total da receita líquida de impostos R$ 10.200.813.741,00

Investimentos em MDE contabilizados pelo Estado de Goiás R$ 2.555.065.982,00

Disponibilidade financeira computada como despesa executada R$ 11.867.981,00

Despesas com inativos R$ 205.685.676,00

Total efetivo de despesas com MDE R$ 2.337.512.325,00

Percentual alcançado 22,91%

Diferença entre o valor efetivamente executado e o mínimo constitucional de 25% da receita líquida de impostos (déficit)

R$ 212.691.110,25

I.2) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2012

De acordo com o que consta no Relatório Técnico sobre as Contas do

Governador do Exercício de 2012, no ano de 2012, o total da receita líquida de

impostos arrecadado pelo Estado de Goiás foi de R$ 11.573.948.870,00 (onze

bilhões, quinhentos e setenta e três milhões, novecentos e quarenta e oito mil e

oitocentos e setenta reais) (Doc.7, pág. 163).

Desse valor, o Estado de Goiás contabilizou como gasto em

manutenção e desenvolvimento do ensino público (MDE) o montante de R$

2.893.743.857,00 (dois bilhões, oitocentos e noventa e três milhões, setecentos e

quarenta e três mil e oitocentos e cinquenta e três reais), o equivalente a 25,00% do

total da receita líquida de impostos, o que, em tese, demonstraria a aplicação do

mínimo constitucional na área de educação.

Nada obstante, no cálculo dos gastos com ações típicas de MDE em

2012, foi considerado o percentual de 70% do total de gastos com inativos, o

equivalente a R$ 286.320.801,67 (duzentos e oitenta e seis milhões, trezentos e vinte

mil, oitocentos e um reais e sessenta e sete centavos)6.

6 Considerando que, no cálculo das despesas com MDE para apuração do mínimo constitucional, do exercício de 2012, foi deduzido apenas 30% das despesas com inativos, correspondente à quantia de R$ 122.708.915,00 (cento e vinte e dois milhões, setecentos e oito mil e novecentos e quinze reais), em virtude do acordo realizado com o TCE/GO (campo 36A, da tabela de pág. 166, do Relatório sobre as Contas do Governador do Exercício de 2012 – Doc. 7)

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Mais uma vez, a Unidade Técnica do TCE/GO alertou quanto ao

aumento gradativo de gastos com inativos na função educação, apesar da dedução

de 10% ao ano, ressaltando a sugestão exarada no exercício de 2011, quanto à

necessidade de revisão dos percentuais estipulados no plano de exclusão, veja-se

(Doc.7, pág. 171):

Vislumbra-se, pela tabela anterior, que os gastos com inativos na função educação têm aumentado gradativamente em relação aos anos anteriores, de forma que, os gastos efetivamente considerados como despesas de educação, ao invés de sofrer uma redução, em decorrência do percentual de dedução (10% ao ano, sendo 30% em 2012), sofreram um aumento, passando de R$ 205.685.677,98 em 2010 para R$ 286.320.801,98 em 2012.

Nesse sentido, foi sugerido no exercício de 2011 um implemento de tais percentuais anuais para fins de exclusão, tendo em vista que a dedução de apenas 10% ao ano enseja um período demasiadamente longo para que o Estado se abstenha de reconhecer e contabilizar os gastos com inativos no índice da educação. (Grifou-se)

Por seu turno, o relator do processo de prestação de contas do

Governador, o Conselheiro Celmar Rech, em seu voto e relatório, nenhuma

providência tomou, apesar de ter concordado com os analistas e ter reconhecido o

período excessivamente longo para a exclusão das despesas com inativos no

cômputo de gastos com MDE (Doc.7.1, pág. 18).

Logo, ao contrário do que o então Governador do Estado tentou

demonstrar por meio de uma maquiagem contábil, no ano de 2012, não foi aplicado o

mínimo constitucional nas ações de MDE.

O valor efetivamente investido no ensino público goiano foi de R$

2.607.423.055,33 (dois bilhões, seiscentos e sete milhões, quatrocentos e vinte e três

mil, cinquenta e cinco reais e trinta e três centavos), o equivalente a 22,53% do total

de receita líquida de impostos arrecadada no respectivo exercício.

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Com efeito, no exercício de 2012, o requerido deixou de aplicar na

manutenção e desenvolvimento do ensino público do Estado de Goiás o montante de

R$ 286.064.162,17 (duzentos e oitenta e seis milhões, sessenta e quatro mil, cento e

sessenta e dois reais e dezessete centavos), conforme demonstrado no quadro

abaixo:

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO EM 2012

Total de receita líquida de impostos R$ 11.573.948.870,00

Investimentos em MDE contabilizados pelo Estado de Goiás R$ 2.893.743.857,00

Despesas com inativos R$ 286.320.801,67

Total efetivo de despesas com MDE R$ 2.607.423.055,33

Percentual alcançado 22,53%

Diferença entre o valor efetivamente executado e o mínimo constitucional de 25% da receita líquida de impostos (déficit)

R$ 286.064.162,17

I.3) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2013

Segundo apurado pelo Serviço de Contas de Governo do TCE/GO,

mediante o relatório técnico sobre as Contas do Governador do Exercício de 2013, no

ano de 2013, o total da receita líquida de impostos arrecadado pelo Estado de Goiás

foi de R$ 12.489.281.570,00 (doze milhões, quatrocentos e oitenta e nove milhões,

duzentos e oitenta um mil e quinhentos e setenta reais) (Doc.8, pág. 188).

Desse valor, o Estado de Goiás contabilizou como gasto em

manutenção e desenvolvimento do ensino público (MDE) o montante de R$

3.126.612.295,00 (três bilhões, cento e vinte e seis milhões, seiscentos e doze mil e

duzentos e oitenta e cinco reais), o equivalente a 25,03% do total da receita líquida de

impostos, o que, em tese, demonstraria a aplicação do mínimo constitucional na área

de educação (Doc.8, pág. 190).

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Uma vez mais, no cálculo dos gastos com ações típicas de MDE em

2013, foi considerado gastos com inativos no percentual de 60%, correspondente a

R$ 280.833.763,50 (duzentos e oitenta milhões, oitocentos e trinta e três mil,

setecentos e sessenta e três reais e cinquenta centavos).7

Apesar de ter considerado tal montante como despesas em MDE, a

Unidade Técnica do TCE/GO novamente ressaltou a necessidade de alteração da

metodologia do plano de exclusão de gastos com inativos na função educação, veja-

se (Doc.8, pág. 193):

No subitem 1.5.2.1.3 do Relatório das Contas do Governador do ano de 2010, esta unidade técnica apontou que a proposta do Plano de Exclusão carecia de alteração em sua metodologia, pois houve um aumento de 58,09% de gastos computados com inativos na função Educação de 2009 para 2010.

Segue abaixo o comparativo dos gastos com inativos, e do percentual de 40%, considerado como dedução em 2013:

Tabela 122 Comparação dos Gastos com Inativos e o Percentual de Dedução em 2013

Em R$1

2010 2011 2012 2013

Gastos com Inativos na função educação 207.577.895 257.107.097 409.029.717 468.056.272

Percentual de dedução (10/20/30/40) % não foi

aplicado 51.421.419 122.708.915 187.222.509

Gastos com Inativos considerados na função educação

207.577.895 205.685.678 286.320.802 280.833.763

GACE – Gerência de Apoio ao Controle Externo

Repetidamente, o Conselheiro Relator Kennedy Trindade, relator do

processo de prestação de contas do exercício de 2013, providência alguma tomou em

face dos alertas dos analistas de controle externo (Doc. 8.1, pág. 21).

7 Considerando que, no cálculo das despesas com MDE para apuração do mínimo constitucional, do exercício de 2013, foi deduzido apenas 40% das despesas com inativos, correspondente à quantia de R$ 187.222.509,00 (cento e oitenta e sete milhões, duzentos e vinte e dois mil e quinhentos e nove reais), em virtude do acordo realizado com o TCE/GO (campo 36A, da tabela de pág. 190, do Relatório sobre as Contas do Governador do Exercício de 2012 - Doc.8).

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Destarte, ao contrário do que o então Governador do Estado tentou

demonstrar por meio de uma maquiagem contábil, no ano de 2013, não foi aplicado o

mínimo constitucional nas ações de MDE.

O valor efetivamente investido no ensino público goiano foi de R$

2.845.778.531,50 (dois bilhões, oitocentos e quarenta e cinco milhões, setecentos e

setenta e oito mil, quinhentos e trinta e um reais e cinquenta), o correspondente a

22,79% do total de receita líquida de impostos arrecadada no respectivo exercício.

Com efeito, no exercício de 2013, o requerido deixou de aplicar na

manutenção e desenvolvimento do ensino público do Estado de Goiás o montante de

R$ 276.541.861,00 (duzentos e setenta e seis milhões, quinhentos e quarenta e um

mil e oitocentos e sessenta e um reais), conforme demonstrado no quadro a seguir:

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO EM 2013

Total de receita líquida de impostos R$ 12.489.281.570,00

Investimentos em MDE contabilizados pelo Estado de Goiás R$ 3.126.612.295,00

Despesas com inativos R$ 280.833.763,50

Total efetivo de despesas com MDE R$ 2.845.778.531,50

Percentual alcançado 22,79%

Diferença entre o valor efetivamente executado e o mínimo

constitucional de 25% da receita líquida de impostos (déficit) R$ 276.541.861,00

I.4) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2014

Conforme registrado no Relatório Técnico sobre as Contas do

Governador do Exercício de 2014, no ano de 2014, o total da receita líquida de

impostos arrecadado pelo Estado de Goiás foi de R$ 13.693.285.262,00 (treze

bilhões, seiscentos e noventa e três milhões, duzentos e oitenta e cinco mil e duzentos

e sessenta e dois reais) (Doc.9, pág. 216).

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Desse valor, o Estado de Goiás contabilizou como gasto em

manutenção e desenvolvimento do ensino público (MDE) o montante de R$

3.516.475.811,00 (três bilhões, quinhentos e dezesseis milhões, quatrocentos e

setenta e cinco mil e oitocentos e onze reais), o equivalente a 25,68% do total da

receita líquida de impostos, o que, em tese, demonstraria a aplicação do mínimo

constitucional na área de educação (Doc.9, pág. 218).

Nada obstante, no cálculo dos gastos com ações típicas de MDE em

2014, houve a inclusão indevida do montante de R$ 56.125.348,00 (cinquenta e seis

milhões, cento e vinte e cinco mil e trezentos e quarenta e oito reais), relativo a

despesas inscritas em restos a pagar não processados, sem que houvesse

disponibilidade de caixa suficiente para sustentar tais despesas.

Apurou o Serviço de Contas do Governo do TCE/GO que, em

31/12/2014, o saldo disponível na Conta Centralizadora do Estado de Goiás era de

apenas R$ 50.325.043,00 (cinquenta milhões, trezentos e vinte e cinco mil e quarenta

e três reais) (Doc. 9, pág. 162).

Acerca disso, os analistas da Corte de Contas pontuaram o seguinte

(Doc.9, pág. 220):

Ainda impende salientar que, conforme apontado no item 1.4.8.3.1 – Conta Centralizadora do Estado, ao se considerar que dos R$ 1,5 bilhão de recursos centralizados só restavam disponíveis ao final do exercício cerca de R$ 50 milhões, o índice de gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino restaria descumprido,

haja vista que só no exercício de 2014 foram inscritos em restos a pagar cerca de R$ 170 milhões. Nesse sentido, cabe a recomendação de alteração na metodologia de cálculo do índice de gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino para considerar o saldo negativo do Tesouro Estadual com a conta centralizadora do Estado, levando em conta apenas o montante realmente disponível na mesma como sustentação financeira para os restos a pagar do exercício, descontados antes o montante de

restos a pagar inscrito nos exercícios anteriores e, proporcionalmente, o montante vinculado constitucionalmente com a política estadual de ciência e tecnologia, com as ações e serviços públicos de saúde e com

o financiamento de programas e projetos culturais. (Grifou-se)

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21

Quanto a essa situação, não houve qualquer manifestação do relator

da prestação de contas do Governador do exercício de 2014, o Conselheiro Celmar

Rech, o qual entendeu que o mínimo constitucional de despesas em MDE havia sido

cumprido, indicando como aplicado o percentual de 25,68% do total da receita líquida

de impostos (Doc.9.1, pág. 30).

Além disso, foi também considerado indevidamente na apuração do

mínimo constitucional em MDE o percentual de 50% do total de gastos com inativos,

correspondente ao montante de R$ 277.194.540,00 (duzentos e setenta milhões,

cento e noventa e quatro mil e quinhentos e quarenta reais)8.

Novamente, a Unidade Técnica do TCE/GO ressaltou a necessidade

de alteração da metodologia do plano de exclusão de gastos com inativos na função

educação (Doc. 9, pág. 221):

No subitem 1.5.2.1.3 do Relatório das Contas do Governador do ano de 2010, esta unidade técnica apontou que a proposta do Plano de Exclusão carecia de alteração em sua metodologia, pois houve um aumento de 58,09% de gastos computados com inativos na função Educação de 2009 para 2010.

No Relatório Resumido de Execução Orçamentária, do 6º bimestre de 2014, no demonstrativo das receitas e despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino, o Estado considerou como dedução do cômputo do limite o percentual de 50%, dos gastos com inativos, na função educação.

Segue abaixo o comparativo dos gastos com inativos, e do percentual de 50%, considerado como dedução em 2014.

8 Considerando que, no cálculo das despesas com MDE para apuração do mínimo constitucional, do exercício de 2014, foi deduzido apenas 50% das despesas com inativos, correspondente à quantia de R$ 277.194.540,00 (duzentos e setenta e sete milhões, cento e noventa e quatro mil e quinhentos e quarenta reais), em virtude do acordo realizado com o TCE/GO (campo 36A, da tabela de pág. 218, do Relatório Técnico sobre as Contas do Governador do Exercício de 2014 – Doc. 9).

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22

Tabela 128 Comparação dos Gastos com Inativos e o Percentual de Dedução em 2014

Em R$1

Anteriores 2012 2013 2014

Gastos com Inativos na função educação 464.684.992 409.029.717 468.056.272 554.389.079

Percentual de dedução (.../30/40/50) % (51.421.419) (122.708.915) (187.222.509) (277.194.540)

Gastos com Inativos considerados na função educação

413.263.573 286.320.802 280.833.763 277.194.540

GACE – Gerência de Apoio ao Controle Externo

Acerca disso, nenhuma consideração foi feita pelo Conselheiro relator

da prestação de contas.

Isso posto, ao contrário do que o então Governador do Estado tentou

demonstrar por meio de uma maquiagem contábil, no ano de 2014, não foi aplicado o

mínimo constitucional nas ações de MDE.

O valor efetivamente investido na melhoria do ensino público goiano

foi de R$ 3.183.155.923,00 (três bilhões, cento e oitenta e três milhões, cento e

cinquenta e cinco mil e novecentos e vinte e três reais), o correspondente a 23,25%

do total de receita líquida de impostos arrecadado no respectivo exercício.

Com efeito, no exercício de 2014, o requerido deixou de aplicar na

manutenção e desenvolvimento do ensino do Estado de Goiás o montante de R$

240.165.392,50 (duzentos e quarenta milhões, cento e sessenta e cinco mil, trezentos

e noventa e dois reais e cinquenta centavos), conforme demonstrado no quadro

abaixo:

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO EM 2014

Total de receita líquida de impostos R$ 13.693.285.262,00

Investimentos em MDE contabilizados pelo Estado de Goiás R$ 3.516.475.811,00

Despesas inscritas em restos a pagar sem disponibilidade de caixa R$ 56.125.348,00

Despesas com inativos R$ 277.194.540,00

Total efetivo de despesas com MDE R$ 3.183.155.923,00

Percentual alcançado 23,25%

Diferença entre o valor efetivamente executado e o mínimo

constitucional de 25% da receita líquida de impostos (déficit) R$ 240.165.392,50

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23

1.5) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2015

Consta no Relatório Técnico sobre as Contas do Governador do

Exercício de 2015 que, no ano de 2015, o total da receita líquida de impostos

arrecadado pelo Estado de Goiás foi de R$ 14.551.851.176,00 (catorze bilhões,

quinhentos e cinquenta e um milhões, oitocentos e cinquenta e um mil e cento e

setenta e seis reais) (Doc. 1, pág. 380).

Desse valor, o Estado de Goiás contabilizou como gasto na

manutenção e desenvolvimento do ensino público (MDE) o valor de R$

3.654.755.385,30 (três bilhões, seiscentos e cinquenta e quatro milhões, setecentos

e cinquenta e cinco mil, trezentos e oitenta e cinco reais e trinta centavos), o

equivalente a 25,12% do total da receita líquida de impostos arrecadado no respectivo

exercício, o que, em tese, demonstraria a aplicação do mínimo constitucional na área

de educação.

Ao analisar a composição dos gastos inseridos nesse cálculo, o

Serviço de Contas do Governo do TCE/GO constatou a inclusão indevida de despesa

com merenda escolar, no valor de R$ 24.000.000,00 (vinte e quatro milhões de reais),

situação essa em flagrante violação ao artigo 212, §4º, da Constituição Federal, e ao

artigo 71, IV, da Lei nº 9.394/96. Naquela ocasião, pontuou os técnicos da Corte de

Contas o seguinte (Doc. 1, pág. 384):

No que tange ao Demonstrativo das Receitas e Despesas com Manutenção do Ensino, especificamente no campo 28 – Educação Infantil, esta unidade técnica solicitou a exclusão do valor de R$ 24.000.000,00, referente a despesas com merenda escolar dos valores computados como Gastos Com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino - MDE, tendo em vista o disposto na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.3941/96): [...] A Lei de Diretrizes e Bases (nº 9.394/96) é clara ao regulamentar o art. 212 da Constituição Federal. A lei apresenta lista exemplificativa das despesas consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 70) e no artigo seguinte elenca despesas que não devem ser consideradas no do cômputo do percentual, onde se

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

24

encontram, expressamente, os programas suplementares de alimentação (art. 71, IV).

[...] Considerando o que foi exposto, foi realizada a exclusão de R$ 24.000.000,00, referente a despesas com merenda escolar, e os gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino público totalizaram R$ 3.630.755.385,30, equivalente a 24,95% do total da

receita líquida de impostos.

Portanto, o estado de Goiás descumpriu a determinação

constitucional de aplicação de recursos na Educação. (Grifou-se)

Apesar de todas as ponderações feitas pela Unidade Técnica do

TCE/GO, o relator das Contas do Governador do exercício de 2015, o Conselheiro

Saulo Mesquita, afastou a incidência da vedação expressa no artigo 71, IV, da Lei nº

9.394/96, sob o argumento de que se tratava de “entendimento novo” daquela Corte

de Contas, veja-se (Doc.10, pág. 26):

No exercício de 2.015, houve a aplicação de R$ 3.654.755.385,30, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Consubstanciando 25,12% da receita líquida de impostos, restou cumprido o índice mínimo, nos termos do artigo 158, da Constituição Estadual, c/c artigo 212, da Constituição Federal.

No entanto, dois apontamentos levados a efeito pela Unidade Técnica não podem ser olvidados.

O primeiro diz respeito à inclusão de gastos com suplementação alimentar (merenda), na ordem de R$ 24.000.000,00, como despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino. Essa temática não fora objeto de abordagem em relatórios anteriores. A exclusão de tal despesa levaria o índice para 24,95%. Esta Relatoria entende que razão assiste à Unidade Técnica quando argumenta que os gastos com merenda não devem ser considerados como despesa em manutenção e desenvolvimento do ensino. No entanto, por se tratar de interpretação nova no âmbito desta Corte, não pode ser aplicada de imediato, sob pena de afronta aos princípios da segurança jurídica

e da proteção da confiança. Afinal, até aqui a temática não havia sido suscitada pela Unidade Técnica e tampouco enfrentada pelo Plenário do Tribunal de Contas, de modo que a eficácia desse novo entendimento deve ocorrer com natureza ex nunc, sem alcançar o

exercício ora analisado. (Grifou-se)

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

25

A justificativa apresentada pelo Conselheiro beirou ao completo

absurdo, pois reconheceu a proibição expressa de um dispositivo de lei, mas afastou,

arbitrariamente, a incidência ao seu jurisdicionado sem qualquer consequência,

demonstrando total desprezo pela Constituição Federal e pela Lei nº 9.394/96.

Não bastasse a Lei nº 9.394/96 prever, de forma expressa, que

despesas com programa de suplementação alimentar não são consideradas como de

MDE, a própria Resolução Normativa nº 001/2013 do TCE/GO, vigente há mais

de 3 (três) anos da data da apreciação das Contas do Governador do exercício

de 2015, já previa em seu artigo 6º, inciso V, que despesas com merenda escolar

não constituem como de MDE.

Como se vê, os Conselheiros ignoram não somente a Constituição

Federal e a Lei nº 9.394/96, mas também a sua própria instrução normativa.

Não sendo suficiente, houve, ainda, no cálculo dos gastos com ações

típicas de MDE em 2015, a inclusão indevida do montante de R$ 115.825.025,00

(cento e quinze milhões de reais, oitocentos e vinte e cinco mil e vinte e cinco reais),

relativo a despesas inscritas em restos a pagar não processados, sem que houvesse

disponibilidade de caixa suficiente para sustentar tais despesas (Doc.1, pág. 382).

Foi apurado pelo Serviço de Contas do Governo do TCE/GO que, em

31/12/2015, o saldo disponível na Conta Centralizadora do Estado de Goiás era de

apenas R$ 51.423.473,00 (cinquenta e um milhões, quatrocentos e vinte e um mil e

quatrocentos e setenta e três reais) (Doc.1, pág.322).

Pontuaram os analistas de controle externo, mais uma vez, que,

conforme o artigo 5º, §3º, II, da Instrução Normativa nº 001/2013 daquela Corte de

Contas, a inclusão de despesas empenhadas e não liquidadas (restos a pagar não

processados) no computo do cálculo do índice constitucional da educação só é

admissível quando há disponibilidade de caixa ao final do exercício.

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26

Considerando o saldo da Conta Centralizadora do Estado ao final de

2015, os analistas registraram o seguinte (Doc.1, pág. 388):

Na apuração da aplicação dos recursos em educação das receitas, apresentada no item anterior, foi considerado o valor de despesas inscritas em restos a pagar não processados no montante de R$ 115,8 milhões (campo 34), no cálculo apresentado pela Sefaz.

A Resolução Normativa nº 001/2013 desta Corte de Contas prevê que:

Art. 5º Considerar-se-ão despesas realizadas com a manutenção e desenvolvimento do ensino as definidas na Lei nº 9.394/1996 e as que se refiram a: [...] § 3º Para efeito de cálculo das despesas realizadas com a manutenção e desenvolvimento do ensino, serão consideradas: I - as despesas liquidadas e pagas no exercício; e II - as despesas empenhadas e não liquidadas, inscritas em Restos a Pagar até o limite das disponibilidades de caixa ao final do exercício.

Dessa forma, a inclusão de despesas empenhadas e não liquidadas (restos a pagar não processados) no computo do cálculo do índice constitucional da educação é condicionado à disponibilidade de caixa ao final do exercício:

No entanto, o item 1.4.8.3.1 Conta Centralizadora do Estado, deste relatório, descreve a existência da uma grave situação de insuficiência financeira camuflada pela metodologia de centralização de recursos adotada pelo Poder Executivo estadual,

e este fato não pode ser desprezado quando se calculam os índices de vinculação constitucional. Como explanado no referido tópico da conta centralizadora, a sistemática atual mascara as disponibilidades de recursos por apresentar saldos fictícios para as subcontas centralizadas. [...] Tendo em vista que o valor da conta centralizadora está totalmente comprometido com restos a pagar inscritos em exercícios anteriores, o Estado apresenta uma situação de insuficiência financeira para inclusão de restos a pagar ao final do exercício em análise. O percentual de aplicação em educação é de 24,15%, assim, tem-se uma

diminuição de 0,80% em relação ao índice de gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino apurado anteriormente, aumentando a valor de descumprimento do índice constitucional. (Grifou-se)

Malgrado a gravidade da situação relatada pela Unidade Técnica, o

Conselheiro Relator, repetidamente, ignorou a Instrução Normativa nº 001/2013 do

TCE/GO, justificando que a disponibilidade de caixa para inscrição de restos a pagar

só seria exigível no último ano do mandato (Doc. 10, págs. 27 e 28).

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27

Assim, desprezando todas as irregularidades apontadas pela

Unidade Técnica, o Conselheiro Relator entendeu que o mínimo constitucional de

despesas em MDE no exercício de 2015 havia sido cumprido, indicando como

aplicado o percentual de 25,12% do total da receita líquida de impostos.

Entretanto, de mais a mais, foi também considerado indevidamente

na apuração do mínimo constitucional em MDE o percentual de 40% do total de gastos

com inativos, o correspondente a R$ 285.573.719,33 (duzentos e oitenta e cinco

milhões, quinhentos e setenta e três mil, setecentos e dezenove reais e trinta e três

centavos)9.

Relativamente ao cômputo de gastos com inativos, novamente houve

a ressalva da Unidade Técnica do TCE/GO quanto à metodologia do plano de

exclusão como gasto em educação, veja-se (Doc.1, pág. 390):

No subitem 1.5.2.1.3 do Relatório das Contas do Governador do ano de 2010, esta unidade técnica apontou que a proposta do Plano de Exclusão carecia de alteração em sua metodologia, pois houve um aumento de 58,09% de gastos computados com inativos na função Educação de 2009 para 2010.

No Relatório Resumido de Execução Orçamentária, do 6º bimestre de 2015, no demonstrativo das receitas e despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino, o Estado considerou como dedução do cômputo do limite o percentual de 60%, dos gastos com inativos, na função educação.

Segue abaixo o comparativo dos gastos com inativos e as respectivas exclusões.

9 Considerando que, no cálculo das despesas com MDE para apuração do mínimo constitucional, do exercício de 2015, foi deduzido apenas 60% das despesas com inativos, correspondente à quantia de R$ 428.360.579,00 (quatrocentos e vinte oito milhões, trezentos e sessenta mil e quinhentos e setenta e nove reais), em virtude do acordo realizado com o TCE/GO (campo 36A, da tabela de pág. 283, do Relatório Técnico sobre as Contas do Governador do Exercício de 2015, localizada nos autos do Inquérito Civil Púbico à fl. 382 – Doc.1).

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28

Tabela 158 Comparação dos gastos com inativos e o Percentual de dedução em 2015

Em R$1

Anteriores 2013 2014 2015

Gastos com Inativos na função Educação 873.714.709 468.056.272 554.389.079 713.934.299

Percentual de dedução (.../40/50/60)% 174.130.334 187.222.509 277.194.540 428.360.579

Gastos com Inativos considerados na função Educação

699.584.375 280.833.763 277.194.540 285.573.720

GACE – Gerência de Apoio ao Controle Externo

Repetidamente, não houve qualquer consideração ou providência

adotada pelos Conselheiros do TCE/GO.

Assim, ao contrário do que o então Governador do Estado tentou

demonstrar por meio de uma maquiagem contábil, no ano de 2015, não foi aplicado o

mínimo constitucional nas ações de MDE.

O valor efetivamente investido no ensino público goiano foi de R$

3.229.356.640,97 (três bilhões, duzentos e vinte e nove milhões, trezentos e cinquenta

e seis mil, seiscentos e quarenta reais e noventa e sete centavos), o correspondente

a 22,19% do total de receita líquida de impostos arrecadada no exercício.

Com efeito, no exercício de 2015, o requerido deixou de aplicar na

manutenção e desenvolvimento do ensino público do Estado de Goiás o montante de

R$ 408.606.153,03 (quatrocentos e oito milhões, seiscentos e seis mil, cento e

cinquenta e três reais e três centavos), conforme demonstrado no quadro abaixo:

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO EM 2015

Total de receita líquida de impostos R$ 14.551.851.176,00

Investimentos em MDE contabilizados pelo Estado de Goiás R$ 3.654.755.385,30

Despesas com merenda escolar R$ 24.000.000,00

Despesas inscritas em restos a pagar sem disponibilidade de caixa R$ 115.825.025,00

Despesas com inativos R$ 285.573.719,33

Total efetivo de despesas com MDE R$ 3.229.356.640,97

Percentual alcançado 22,19%

Diferença entre o valor efetivamente executado e o mínimo constitucional de 25% da receita líquida de impostos (déficit)

R$ 408.606.153,03

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29

1.6) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2016

Conforme registrado no Relatório Técnico da Gerência de Controle de

Contas do TCE/GO sobre as Contas do Governador do exercício de 2016, no ano de

2016, o total da receita líquida de impostos arrecadado pelo Estado de Goiás foi de

R$ 15.449.703.387,00 (quinze bilhões, quatrocentos e quarenta e nove milhões,

setecentos e três mil e trezentos e oitenta e sete reais) (Doc.11, pág. 270).

Desse valor, o Estado de Goiás contabilizou como gastos em

manutenção e desenvolvimento do ensino público (MDE) o montante de R$

3.888.639.257,00 (três bilhões, oitocentos e oitenta e oito milhões, seiscentos e trinta

e nove mil e duzentos e cinquenta e sete reais), o equivalente a 25,05% do total da

receita líquida de impostos arrecadado no respectivo exercício, o que, em tese,

demonstraria a aplicação do mínimo constitucional na área de educação.

Entretanto, no cálculo dos gastos com ações típicas de MDE em 2016,

houve a inclusão indevida do montante de R$ 245.909.289,00 (duzentos e quarenta e

cinco milhões, novecentos e nove reais e duzentos e oitenta e nove reais), relativo a

despesas inscritas em restos a pagar não processados, sem que houvesse

disponibilidade de caixa suficiente para sustentar tais despesas.

Conforme apurado pela Gerência de Controle de Contas do TCE/GO,

em 31/12/2016, o saldo disponível na Conta Centralizadora do Estado de Goiás era

de apenas R$ 28.340.855,68 (vinte e oito milhões, trezentos e quarenta mil, oitocentos

e cinquenta e cinco reais e sessenta e oito centavos), ao passo que na Conta Única

do Tesouro Estadual era de apenas R$ 16.288.811,78 (dezesseis milhões, duzentos

e oitenta e oito mil, oitocentos e onze reais e setenta e oito centavos) (Doc.11, págs.

213 e 219).

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30

Tal situação foi novamente exposta pela Unidade Técnica do

TCE/GO, que relatou o seguinte (Doc.11, pág. 275 e 276):

Na apuração da aplicação dos recursos em educação das receitas, apresentada no item anterior, foi considerado o valor de despesas inscritas em Restos a Pagar Não Processados no montante de R$ 245,9 milhões (campo 34), no cálculo apresentado pela Sefaz.

A Resolução Normativa nº 001/2013 desta Corte de Contas prevê que:

Art. 5º Considerar-se-ão despesas realizadas com a manutenção e desenvolvimento do ensino as definidas na Lei nº 9.394/1996 e as que se refiram a: [...] § 3º Para efeito de cálculo das despesas realizadas com a manutenção e desenvolvimento do ensino, serão consideradas: I - as despesas liquidadas e pagas no exercício; e II - as despesas empenhadas e não liquidadas, inscritas em Restos a Pagar até o limite das disponibilidades de caixa ao final do exercício.

Dessa forma, a inclusão de despesas empenhadas e não liquidadas (Restos a Pagar Não Processados) no computo do cálculo do índice constitucional da educação é condicionado à disponibilidade de caixa ao final do exercício

No entanto, no item 1.5.12.2.1 – Conta Centralizadora do Estado e Conta Única do Tesouro, deste Relatório, foi evidenciada a existência de uma grave situação de insuficiência financeira camuflada pela

metodologia de centralização de recursos adotada pelo Poder Executivo estadual. Como explanado no referido tópico da Conta Centralizadora, a sistemática resultava na apresentação de saldos fictícios para as subcontas centralizadas. Este fato não pode ser

desprezado quando se calculam os índices de vinculação constitucional. [...] Tendo em vista que o valor da conta centralizadora está totalmente comprometido com restos a pagar inscritos em exercícios anteriores, o Estado apresenta uma situação de insuficiência financeira para inclusão de restos a pagar ao final do exercício em análise. O percentual de aplicação em educação seria, então, de 23,58%, e, portanto, o cumprimento efetivo do índice está condicionado à eliminação do saldo negativo do Tesouro. (Grifou-se)

Nada obstante, a inscrição indevida de restos a pagar sem a

correspondente sustentação financeira foi novamente ignorada pelo relator do

processo de prestação de contas, dessa vez pelo Conselheiro Helder Valin Barbosa,

segundo o qual a disponibilidade de caixa para a inscrição dessas despesas só seria

exigível no último ano do mandato (Doc.11.1, pág. 29).

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31

Além disso, foi também considerado na apuração do mínimo

constitucional em MDE o percentual de 30% do total de gastos com inativos,

correspondente à quantia de R$ 250.205.037,00 (duzentos e cinquenta milhões,

duzentos e cinco mil e trinta e sete reais)10.

De tudo o que foi exposto, ao contrário do que o então Governador do

Estado tentou demonstrar por meio de uma maquiagem contábil, no ano de 2016, não

foi aplicado o mínimo constitucional nas ações de MDE.

O valor efetivamente investido no ensino público goiano foi de R$

3.392.524.931,00 (três bilhões, trezentos e noventa e dois milhões, quinhentos e vinte

e quatro mil e novecentos e trinta e um reais), o correspondente a 21,96% do total de

receita líquida de impostos arrecadada no respectivo exercício.

Com efeito, no exercício de 2016, o requerido deixou de aplicar na

manutenção e desenvolvimento do ensino público do Estado de Goiás o montante de

R$ 469.900.915,75 (quatrocentos e sessenta e nove milhões, novecentos mil,

novecentos e quinze reais e setenta e cinco centavos), conforme demonstrado no

quadro abaixo:

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO EM 2016

Total de receita líquida de impostos R$ 15.449.703.387,00

Investimentos em MDE contabilizados pelo Estado de Goiás R$ 3.888.639.257,00

Despesas inscritas em restos a pagar sem disponibilidade de caixa R$ 245.909.289,00

Despesas com inativos R$ 250.205.037,00

Total efetivo de despesas com MDE R$ 3.392.524.931,00

Percentual alcançado 21,96%

Diferença entre o valor efetivamente executado e o mínimo constitucional de 25% da receita líquida de impostos (déficit)

R$ 469.900.915,75

10 Considerando que, no cálculo das despesas com MDE para apuração do mínimo constitucional, do exercício de 2016, foi deduzido apenas 70% das despesas com inativos, correspondente à quantia de R$ 583.811.753,00 (quinhentos e oitenta e três milhões, oitocentos e onze mil e setecentos e cinquenta e três reais), em virtude do acordo realizado com o TCE/GO (tabela 153 da pág. 278, do Relatório Técnico sobre as Contas do Governador do exercício de 2016 – Doc. 11).

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32

1.7) CONTAS DO GOVERNADOR DO EXERCÍCIO DE 2017

Conforme registrado no Relatório Técnico sobre as Contas do

Governador do Exercício de 2017, no ano de 2017, o total da receita líquida de

impostos arrecadado pelo Estado de Goiás foi de R$ 16.061.260.187,00 (dezesseis

bilhões, sessenta e um milhões, duzentos e sessenta mil e cento e oitenta e sete reais)

(Doc.12, pág.293).

Desse valor, o Estado de Goiás contabilizou como gastos em

manutenção e desenvolvimento do ensino público (MDE) o montante de R$

4.047.827.192,00 (quatro bilhões, quarenta e sete milhões, oitocentos e vinte e sete

mil e cento e noventa e dois reais), o equivalente a 25,20% do total da receita líquida

de impostos arrecadado no respectivo exercício, o que, em tese, demonstraria a

aplicação do mínimo constitucional na área de educação.

Entretanto, no cálculo dos gastos com ações típicas de MDE em 2016,

houve a inclusão indevida do montante de R$ 135.296.671,00 (cento e trinta e cinco

milhões, duzentos e noventa e seis mil e seiscentos e setenta e um reais), relativo a

despesas inscritas em restos a pagar não processados, sem que houvesse

disponibilidade de caixa suficiente para sustentar tais despesas (Doc.12, pág. 295).

Consoante apurado pela Gerência de Controle de Contas do TCE/GO

na análise da disponibilidade de caixa e restos a pagar na Fonte 100, que é a utilizada

para a apuração da disponibilidade financeira vinculada à educação, após a inscrição

de restos a pagar processados e não processados em 31/12/2017, referida fonte

orçamentária apresentou saldo negativo na ordem de R$ 1.676.885.282,00 (um

bilhão, seiscentos e setenta e seis milhões, oitocentos e oitenta e cinco mil e duzentos

e oitenta e dois reais).

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33

Os analistas de controle externo pontuaram o seguinte (Doc.12, pág.

212):

Constata-se que constava registrado como disponibilidade de caixa bruta na fonte 100 – Receitas Ordinárias (Tesouro Estadual) apenas R$ 291.389.209,00 ao final do exercício de 2017. Todavia consta inscrito como restos a pagar processados em tal fonte o montante de R$ 1.541.733.695,00 e restos a pagar não processados R$ 426.540.796,00.

Assim, havia uma indisponibilidade líquida de caixa de R$ 1.250.344.485,00 para inscrição dos restos a pagar processados e a indisponibilidade se torna ainda maior para inscrição dos restos a pagar não processados, atingindo R$ 1.676.885.282,00.

Importante salientar que sem a reversão dos recursos dos fundos especiais ao Tesouro no dia 31/12/2017, a fonte 100 – Recursos Ordinários, já estaria negativa antes mesmo da inscrição dos Restos a Pagar.

Os restos a pagar relativos ao cumprimento das vinculações constitucionais/legais são empenhados e quitados na mencionada fonte, não havendo, portanto, recursos suficientes para quitação dos mesmos, o que implica na exclusão dos valores do cômputo do índice para os quais não haja suficiente disponibilidade de caixa. (Grifou-se)

Assim, após a exclusão de restos a pagar sem sustentação financeira,

a Unidade Técnica do TCE/GO apurou que (Doc.12, pág. 301):

[...] os gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino público totalizaram R$ 3.935.558.074, equivalente a 24,50% do total da receita líquida de impostos. Dessa maneira, conclui-se que o índice mínimo de aplicação não foi cumprido. (Grifou-se)

A situação, entretanto, foi mais uma vez ignorada pelo relator do

processo de prestação de contas, dessa vez o Conselheiro Sebastião Tejota, o qual

considerou cumprido o mínimo constitucional em MDE, com a justificativa de que teria

havido “a recomposição do pagamento dos empenhos de restos a pagar não

processados em 31/12/2017, no primeiro quadrimestre seguinte, com recursos

financeiros de 2018”.

Para lastrear esse entendimento, o Conselheiro Sebastião Tejota

utilizou-se dos seguintes argumentos (Doc.12.1, págs. 31 e 32):

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34

A recomposição dos índices é expressamente prevista no art. 22, § 2º da Lei Complementar n.º 141, que trata da saúde, segundo o qual os valores inscritos em restos a pagar deverão ser efetivamente aplicados “em ações e serviços públicos de saúde até o término do exercício seguinte ao do cancelamento ou da prescrição dos respectivos Restos a Pagar, mediante dotação específica para essa finalidade, sem prejuízo do percentual mínimo a ser aplicado no exercício correspondente”.

Conclui-se, destarte, pelo cumprimento das vinculações constitucionais por recomposição no 1º Quadrimestre de 2018.

As justificativas apresentadas pelo Conselheiro evidenciam, de forma

bastante clara, uma autêntica arbitrariedade praticada pelo TCE/GO de realizar

analogias apenas naquilo que é conveniente aos interesses do então Governador do

Estado de Goiás, e de simplesmente ignorar dispositivos legais e normativos que a

ele causarem prejuízos.

Em primeiro lugar, o Conselheiro relator ignorou a própria Resolução

Normativa nº 001/2013 do TCE/GO que, em seu artigo 1º, §4º, veda a compensação,

no exercício seguinte, das diferenças entre a receita prevista e a despesa fixada e as

efetivamente realizadas, que resultem no não-atendimento dos percentuais mínimos

obrigatórios em MDE11.

Em segundo lugar, a mesma lei invocada pelo Conselheiro para

justificar a recomposição de índices relativos aos gastos com MDE é também

expressa ao determinar que somente serão consideradas, para efeito de cálculo dos

recursos mínimos em saúde, as despesas empenhadas e não liquidadas, inscritas em

11 Art. 1º O Estado aplicará anualmente nunca menos de 25% (vinte e cinco por cento), devendo observar o percentual fixado na Constituição Estadual quando superior a este, das receitas resultantes da arrecadação de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público, na forma estabelecida no art. 212 da Constituição Federal, no art. 158 da Constituição Estadual, no art. 69 da Lei nº 9.394/1996 e no art. 16 da Lei nº 11.494/2007, cuja demonstração deverá ser apresentada bimestralmente, juntamente com o Relatório Resumido da Execução Orçamentária. [...] § 4º As diferenças entre a receita prevista e a despesa fixada e as efetivamente realizadas, que resultem no não-atendimento dos percentuais mínimos obrigatórios, serão apuradas e corrigidas a cada bimestre do exercício financeiro, vedada a compensação no exercício seguinte. (Grifou-se)

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78ª Promotoria de Justiça de Goiânia – Defesa do Patrimônio Público

35

Restos a Pagar até o limite das disponibilidades de caixa ao final do exercício (art.

24, II, LC n.º 141/2012).

Todavia, o TCE/GO preferiu não realizar analogia quanto a esse

dispositivo da Lei Complementar n.º 141/2012, uma vez que, desde 2014, tem

aceitado a inclusão de restos a pagar sem disponibilidade de saldo financeiro na Conta

Centralizadora e na Conta Única, na apuração do mínimo constitucional em MDE.

E mais.

Ainda a lei invocada pelo Conselheiro para justificar a recomposição

de índices relativos aos gastos com MDE é também expressa ao determinar que não

constitui despesa com ações e serviços públicos de saúde, para fins de apuração dos

percentuais mínimos, o pagamento de aposentadorias e pensões, inclusive dos

servidores da saúde (art. 4ª, inciso I, LC n.º 141/2012).

Todavia, o TCE/GO preferiu também não realizar analogia quanto a

esse dispositivo da Lei Complementar n.º 141/2012, uma vez que aceitou a inclusão

do percentual de 20% do total de gastos com inativos, correspondente à quantia de

R$ 185.591.346,25 (cento e oitenta e cinco milhões, quinhentos e noventa e um mil,

trezentos e quarenta e seis reais e vinte e cinco centavos), na apuração do mínimo

constitucional em MDE no exercício de 201712.

Pior ainda, o Conselheiro Sebastião Tejota sugeriu ao Pleno do

TCE/GO permitir ao Estado de Goiás contabilizar todo o déficit previdenciário com

inativos e pensionistas da educação na base de cálculo de aplicação de recursos com

MDE, veja-se (Doc.12.1, pág. 33):

12 Considerando que, no cálculo das despesas com MDE para apuração do mínimo constitucional, do exercício de 2017, foi deduzido apenas 80% das despesas com inativos, correspondente à quantia de R$ 742.365.385,00 (setecentos e quarenta e dois milhões, trezentos e sessenta e cinco mil e trezentos e oitenta reais), em virtude do acordo realizado com o TCE/GO (campo 31A da tabela de pág. 295, do Relatório Técnico sobre as Contas do Governador do Exercício de 2017 – Doc.12).

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36

Diante da controvérsia da matéria, entendo por bem propor ao Pleno acatar, excepcionalmente, a tese do Estado de Goiás para permitir a contabilização dos gastos com inativos e pensionistas na base de cálculo de aplicação de recursos com a Manutenção e Desenvolvimento da Educação – MDE, até que o Supremo Tribunal Federal delibere sobre a matéria, de sorte a permitir o cumprimento pelo Estado de despesas outras de excepcional interesse público, visando não restringir a sua capacidade de agir tendo em face a necessidade de cumprir déficits previdenciários.

A “controvérsia” alegada pelo Conselheiro reside no fato de que a

inclusão de despesas com inativos na apuração de investimento em MDE é permitida

no âmbito do Estado de São Paulo, por meio da Lei Complementar nº 1.010/2007, e

no âmbito do Estado do Estado do Espírito Santo, por meio da Resolução nº 238/2012

do Tribunal de Contas daquele estado, ambas objetos de Ações Diretas de

Inconstitucionalidades em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal, mediante a

ADI nº 5719 e a ADI nº 5691, respectivamente.

Para justificar sua decisão, o Conselheiro chegou, ainda, a citar o art.

6º, § 1º, alínea “g” da Lei n.º 7.348/1985, que ao regulamentar dispositivo da

Constituição Federal de 1967, ou seja, de uma constituição revogada, considerou

como de manutenção e desenvolvimento do ensino despesas para manutenção de

pessoal inativo, estatuário, originário das instituições de ensino, em razão de

aposentadoria

Ao propor a concessão de um verdadeiro aval para a apuração de

índices artificiais de investimentos em MDE, preferiu o Conselheiro relator Sebastião

Tejota acatar a tese do Estado de Goiás pautada em diplomas que têm a

constitucionalidade questionada, em detrimento de considerar que:

1) o art. 6º, § 1º, alínea “g” da Lei n.º 7.348/1985 foi revogado pela

Lei nº 9.394/96 que, diferentemente da primeira, não incluiu o pagamento de inativos

dentre as despesas consideradas como de MDE;

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37

2) o Conselho Nacional de Educação, já em 1997, emitiu parecer no

sentido de que gastos com os inativos não estão incluídos nas despesas com MDE

(Doc. 13, pág. 10);

3) o Tribunal de Contas da União, desde 2001, já emitiu entendimento

de que gastos com inativos e pensionistas não devem ser contabilizados como gasto

em MDE para fins de apuração do mínimo constitucional (Doc.14, pág. 9);

4) o Ministério da Educação, em 2007, realizou o primeiro encontro

técnico com representantes dos Tribunais de Contas dos entes da federação, inclusive

com a participação do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, a fim de padronizar

interpretações e orientações da legislação de regência do FUNDEB, ocasião em que

foram apresentados subsídios técnicos esclarecendo que pagamentos de inativos

provenientes da educação não podem ser realizados com recursos vinculados à

educação (Doc. 15, págs. 6 e 7):

5) os Manuais de Demonstrativos Fiscais editados pela Secretaria do

Tesouro Nacional, de observância obrigatória pelo Estado de Goiás, desde 2007,

determinam que os gastos com inativos devem ser excluídos do cálculo de despesas

com MDE (Docs. 16 a 21);

6) o próprio TCE/GO ressalvou as Contas do Governador dos

exercícios de 2007 e 2008, dentre outras irregularidades, justamente pela inclusão de

gastos com inativos na base de cálculo do valor aplicado em MDE, dentre outras

irregularidades (Docs. 2 e 3).

Ora, somente o fato de haver ADI’s questionando a qualificação de

gastos com inativos como despesas com MDE já seria suficiente ao TCE/GO, a bem

do interesse público, não tolerar a prática contábil enquanto não há pronunciamento

do Supremo Tribunal Federal acerca da matéria13.

13 Além das ADI’s nº 5719 e nº 5691, existe ainda a ADI nº 5546, contra dispositivos da Lei 6.676/1998 do Estado da Paraíba, que também inclui nas despesas com manutenção e desenvolvimento de ensino a remuneração e encargos de professores inativos.

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38

Mas não.

Preferiu o Conselheiro relator adotar um posicionamento nitidamente

favorável aos interesses do Governo do Estado de Goiás, em prejuízo de toda a

população goiana, que terá pelos próximos anos recursos constitucionalmente

vinculados à educação desviados para o pagamento de déficit previdenciário, tudo

sob a anuência de um Tribunal de Contas.

Dito isso, ao contrário do que o então Governador do Estado tentou

demonstrar por meio de uma maquiagem contábil, no ano de 2017, não foi aplicado o

mínimo constitucional nas ações de MDE.

O valor efetivamente investido no ensino público goiano foi de R$

3.726.939.174,75 (três bilhões, setecentos e vinte e seis milhões, novecentos e trinta

e nove mil, cento e setenta e quatro reais e setenta e cinco centavos), o

correspondente a 23,20% do total de receita líquida de impostos arrecadado no

respectivo exercício.

Com efeito, em 2017, o requerido deixou de aplicar na manutenção e

desenvolvimento do ensino público do Estado de Goiás o montante de R$

288.375.872,00 (duzentos e oitenta e oito milhões, trezentos e setenta e cinco mil,

oitocentos e setenta e dois reais), conforme demonstrado no quadro a seguir:

FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO EM 2017

Total de receita líquida de impostos R$ 16.061.260.187,00

Investimentos em MDE contabilizados pelo Estado de Goiás R$ 4.047.827.192,00

Despesas inscritas em restos a pagar sem disponibilidade de caixa R$ 135.296.671,00

Despesas com inativos R$ 185.591.346,25

Total efetivo de despesas com MDE R$ 3.726.939.174,75

Percentual alcançado 23,20%

Diferença entre o valor efetivamente executado e o mínimo constitucional de 25% da receita líquida de impostos

R$ 288.375.872,00

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39

1.8) DOS CANCELAMENTOS DE RESTOS A PAGAR INSCRITOS EM

EXERCÍCIOS ANTERIORES

Além das graves irregularidades acima apontadas, apurou-se outra

situação de ilegalidade a partir dos relatórios técnicos sobre as contas do governador

dos exercícios financeiros de 2011 a 2017.

A Unidade Técnica do TCE/GO identificou expressivos montantes de

cancelamentos de restos a pagar inscritos em exercícios anteriores e que neles foram

computados na apuração de investimentos mínimos em MDE.

Nesse sentido, de 2011 a 2017, foi inscrito em restos a pagar não

processados o montante total de R$ 726.210.248,00 (setecentos e vinte e seis

milhões, duzentos e dez mil e duzentos e quarenta e oito reais), ao passo que, dentro

desse mesmo período, houve o cancelamento de restos a pagar, contabilizados como

despesas com MDE em exercícios anteriores, no montante total de R$

593.955.852,81 (quinhentos e noventa e três milhões, novecentos e cinquenta e cinco

mil, oitocentos e cinquenta e dois reais e oitenta e um centavos), consoante se

observa da tabela a seguir14:

Exercício Despesas com MDE inscritas em

restos a pagar no exercício

Cancelamento, no exercício, de despesas com MDE inscritas em

restos a pagar de exercícios anteriores

2011 R$ 73.127.660,00 R$ 51.462,00

2012 R$ 55.452.160,00 R$ 0,00

2013 R$ 44.474.095,00 R$ 52.706.468,09

2014 R$ 56.125.348,00 R$ 42.620.361,47

2015 R$ 115.825.025,00 R$ 35.552.870,35

2016 R$ 245.909.289,00 R$ 175.497.638,00

2017 R$ 135.296.671,00 R$ 287.527.052,90

TOTAL R$ 726.210.248,00 R$ 593.955.852,81

14 As informações estão localizadas da seguinte forma:

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40

É15 dizer que o percentual de 81,79% das despesas empenhadas em

exercícios anteriores, cujos valores foram computados para apurar a aplicação

mínima em MDE daqueles respectivos exercícios, foi cancelado ao longo de quase

todo o mandato do requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR.

Na análise do exercício de cada cancelamento, a Unidade Técnica do

TCE/GO pontuou que os valores de restos a pagar de exercícios anteriores que foram

cancelados deveriam ser aplicados adicionalmente em ações de MDE até o fim do

exercício financeiro seguinte.

A título exemplificativo, no relatório técnico sobre as Contas do

Governador do exercício de 2014, os analistas observaram o seguinte (Doc.9, pág. 219):

Em relação ao exercício de 2014, identificamos o valor de R$

42.620.361,47, referente aos cancelamentos de restos a pagar

inscritos em exercícios anteriores, que deverá ser aplicado com a

manutenção e desenvolvimento do ensino público até o fim do

exercício de 2015, sem prejuízo do percentual mínimo a ser aplicado

no correspondente exercício.

Apesar disso, não há, nos relatórios técnicos das contas do

Governador do exercício seguinte aos dos cancelamentos, comprovação de que os

valores cancelados de exercícios anteriores foram aplicados de forma adicional em

ações de MDE. Até mesmo porque, conforme já demonstrado, de 2011 a 2017, o

Estado de Goiás sequer conseguiu alcançar o percentual mínimo do próprio

exercício.

15 Doc.6 - Relatório técnico sobre as contas do Governador do exercício de 2011: págs. 133 e 139. Doc.7 - Relatório técnico sobre as contas do Governador do exercício de 2012: pág. 166. Doc.8 - Relatório técnico sobre as contas do Governador do exercício de 2013: págs. 190 e 192. Doc.9 - Relatório técnico sobre as contas do Governador do exercício de 2014: págs. 218 e 219. Relatório técnico sobre as contas do Governador do exercício de 2015: págs. 283 e 285, localizadas no Inquérito Civil Público às fls. 383 e 384– Doc. 1. Doc.11 - Relatório técnico sobre as contas do Governador do exercício de 2016: págs. 272 e 273. Doc.12 - Relatório técnico sobre as contas do Governador do exercício de 2017: págs. 295 e 297

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41

Tal fato demonstra mais uma nítida manobra contábil empregada pelo

requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR para burlar a Constituição

Federal, cujo modus operandis se resume a: 1) empenhar a despesa, 2) inscrever em

restos a pagar, 3) computar no gasto como aplicação mínima em educação naquele

exercício de origem da dotação empenhada, sem efetivamente realizar o gasto, e,

finalmente, 4) cancelar os restos a pagar, aplicando em MDE, na prática, menos que

o mínimo determinado pela Constituição Federal.

Uma vez mais evidenciado que os percentuais apresentados pelo

Estado de Goiás como investimentos em MDE, de 2011 a 2017, são fictícios e não

representam o que realmente foi aplicado na área da educação em cada um desses

exercícios.

II – DO DIREITO

II.1) DAS DESPESAS CONSIDERADAS COMO DE MANUTENÇÃO E

DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E DAS NORMAS DE REGÊNCIA

A Constituição Federal, em seu artigo 212, caput, impõe a

obrigatoriedade, a todos os entes federativos, na aplicação anual de, no mínimo, 25%

da receita de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, veja-se:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. (Grifou-se)

Por seu turno, a Constituição do Estado de Goiás, em seu artigo 158,

caput, instituiu a obrigatoriedade de o Estado aplicar, anualmente, o mínimo de

28,25% da receita de impostos na área de educação, com destinação de pelo menos

25% nas ações típicas de manutenção e desenvolvimento do ensino público:

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Art. 158. O Estado aplicará, anualmente, no mínimo 28,25% (vinte e

oito e vinte cinco centésimos por cento) da receita de impostos, incluída a proveniente de transferências, em educação, destinando pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) da receita na manutenção e no desenvolvimento do ensino público, na educação básica,

prioritariamente nos níveis fundamental e médio, e na educação profissional e, os 3,25% (três e vinte e cinco centésimos por cento) restantes, na execução de sua política de ciência e tecnologia, inclusive educação superior estadual, distribuídos conforme os seguintes critérios: (Grifou-se)

O dever de anualidade no investimento mínimo em educação é mais

uma vez reforçado no âmbito do Estado de Goiás, por meio da Resolução Normativa

nº 001/2013 do TCE/GO, que também proíbe expressamente a compensação de

déficit do gasto mínimo com manutenção e desenvolvimento do ensino de um

exercício no exercício seguinte, veja-se:

Art. 1º O Estado aplicará anualmente nunca menos de 25% (vinte e

cinco porcento), devendo observar o percentual fixado na Constituição Estadual quando superior a este, das receitas resultantes da arrecadação de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público, na forma estabelecida no art. 212 da Constituição Federal, no art. 158 da Constituição Estadual, no art. 69 da Lei nº 9.394/1996 e no art. 16 da Lei nº 11.494/2007, cuja demonstração deverá ser apresentada bimestralmente, juntamente com o Relatório Resumido da Execução Orçamentária. [...] § 4º As diferenças entre a receita prevista e a despesa fixada e as

efetivamente realizadas, que resultem no não-atendimento dos percentuais mínimos obrigatórios, serão apuradas e corrigidas a cada bimestre do exercício financeiro, vedada a compensação no exercício seguinte. (Grifou-se)

A Lei nº 9.394/96, ao dispor sobre as diretrizes e bases da educação

nacional, incumbiu-se de estabelecer quais despesas são consideradas como de

manutenção e desenvolvimento do ensino, verbis:

Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:

I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação;

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II - aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;

III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;

IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à expansão do ensino;

V - realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino;

VI - concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas;

VII - amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;

VIII - aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar. (Grifou-se)

Referida lei tratou, ainda, acerca das despesas que não são

consideradas como de manutenção e desenvolvimento do ensino, a exemplo das

despesas com merenda escolar e com remuneração de profissionais da educação no

exercício de atividades alheias ao ensino público:

Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento

do ensino aquelas realizadas com:

I - pesquisa, quando não vinculada às instituições de ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua qualidade ou à sua expansão;

II - subvenção a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural;

III - formação de quadros especiais para a administração pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos;

IV - programas suplementares de alimentação, assistência médico-

odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social;

V - obras de infra-estrutura, ainda que realizadas para beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar;

VI - pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino. (Grifou-se)

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Da leitura desses dispositivos, no que diz respeito ao custeio de

pessoal, é clarividente a intenção do legislador ordinário de apenas considerar como

gasto na manutenção e desenvolvimento do ensino o pagamento da remuneração

daqueles profissionais que, efetivamente, estejam exercendo atividades em prol das

ações voltadas à educação.

Tanto é verdade, que a Lei nº 9.394/96, ao contrário do artigo 6º, §1º,

da Lei nº 7.348/85, por ela revogado por passar a regulamentar inteiramente a

mesma matéria, não incluiu o pagamento de inativos no rol de despesas

consideradas como de MDE.

Nesse sentido, o artigo 6º, §1º, da Lei nº 7.348/85, ao dispor sobre a

execução do artigo 176, § 4º, da Constituição Federal de 1967 com a emenda de

1969, considerava como despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino o

seguinte:

Art. 6º

[...] § 1º Consideram-se despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino todas as que se façam, dentro ou fora das instituições de ensino, com vista ao disposto neste artigo, desde que as correspondentes atividades estejam abrangidas na legislação de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e sejam supervisionadas pelos competentes sistemas de ensino ou ainda as que: [...] g) decorram da manutenção de pessoal inativo, estatuário,

originário das instituições de ensino, em razão de aposentadoria. (Grifou-se)

Acerca do tema, já no ano seguinte à edição da Lei nº 9.394/96, em

1997, o Conselho Nacional de Educação se pronunciou, mediante o Parecer CP nº

26/97, alertando para a necessidade de desoneração do recurso destinado à

manutenção e desenvolvimento do ensino, com a exclusão do pagamento de inativos

(Doc.13, págs. 10 e 11):

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45

A nova LDB não silenciou quanto aos desvios de função. Mas estes estão indissoluvelmente associados ao conceito de MDE. É evidente que os inativos não contribuem nem para a manutenção nem para o desenvolvimento do ensino. Afastados que estão da atividade, não

poderiam contribuir para a manutenção das ações que dizem respeito ao ensino. Se não podem sequer contribuir para tanto, menos ainda para o desenvolvimento – democratização, expansão e melhoria da qualidade – do ensino. O espírito da LDB é o de que os gastos com os inativos não estão incluídos nas despesas com MDE. (Grifou-

se)

Pouco tempo depois, no ano de 2001, em consulta formulada pelo

Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina acerca da

possibilidade de pagamento de professores inativos do ensino fundamental com

recursos destinados à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, o Tribunal de

Contas da União decidiu (Doc.14, pág. 9):

Decisão: O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE:

8.1 - com fundamento no art. 216 do Regimento Interno desta Casa e nos arts. 63 e 64 da Resolução nº 136/2000-TCU, conhecer da presente Consulta, para responder ao Sr. Presidente do Tribunal de Contas de Santa Catarina que o espírito das disposições contidas nos artigos 70 e 71 da Lei nº 9.394/96, bem como o preceito do artigo 60 do ADCT, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 14/96, e a Lei nº 9.424/96, não recomendam o pagamento de inativos com recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino, nem à conta dos 40% do FUNDEF; [...]

(Decisão 851/2001 – Plenário, Relator: Iram Saraiva, Processo nº 006.747/2000-2, Data da Sessão 17/10/2001). (Grifou-se)

Posteriormente, no âmbito do Acórdão 2424/2009 - Plenário, a

mesma Corte de Contas referendou tal entendimento, ao concluir que, no cálculo do

mínimo constitucional em manutenção e desenvolvimento do ensino, não é admitido,

à luz da Lei nº 9.394/96 e da Constituição Federal, a inclusão de gastos com inativos

e pensionistas da União:

[...] 9. Nos termos do art. 70 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394, de 1996), consideram-se despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino as que se destinam a: remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação; aquisição, manutenção, construção e

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conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino; uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino; levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando à melhora da qualidade e expansão do ensino; realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino; concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas; amortização e custeio de operações de crédito destinadas às ações de educação; bem como aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar. 10. Cabe consignar que, sobre esse aspecto, no que se refere a gastos com pessoal, consideram-se as despesas destinadas à remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação, excetuando-se as despesas com pessoal quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino. 11. Ademais, a própria Constituição Federal, em seu art. 37, distingue expressamente os termos provento, pensão e remuneração, aplicando o termo remuneração para os servidores ativos, provento para os inativos e pensão para os pensionistas. Nesse sentido, conclui-se que, para fins de apuração do limite constitucional com manutenção e desenvolvimento do ensino, deve-se considerar apenas a contabilização dos gastos com pessoal ativo, e não inativos e pensionistas da União. [...]

(Trecho do Acórdão nº 2424/2009-Plenário, Relator: Raimundo Carreiro, Processo nº 013.559/2009-6, Data da sessão: 14/10/2009). (Grifou-se)

Na data de 31 de agosto de 2007, o Ministério da Educação realizou

o primeiro encontro técnico com representantes dos Tribunais de Contas dos Estados,

Distrito Federal e Municípios, da Secretaria do Tesouro Nacional e da Controladoria-

Geral da União, a partir da necessidade de alinhar a interpretação e aplicação da

legislação de regência do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, recém-criado pela

Lei nº 11.494/2007.

Como objetivo do encontro técnico, foi delineado o seguinte (Doc.15,

pág. 1):

OBJETIVO

Analisar conjuntamente as questões consideradas suscetíveis de interpretações variadas, explorando as possibilidades de entendimentos da legislação do FUNDEB, buscando posicionamento técnico que concorra para o esclarecimento e padronização dessas interpretações e orientações, eliminando divergências ou dúvidas

sobre a aplicação dos dispositivos legais que disciplinam a matéria. (Grifou-se)

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No mencionado evento, em que se fez presente representante do

Tribunal de Contas do Estado de Goiás, o Ministério da Educação apresentou

subsídios técnicos quanto à ilegalidade do pagamento de inativos provenientes da

educação, utilizando-se de recursos vinculados à educação, com as seguintes

proposições (Doc.15, págs. 6 7):

QUESTÕES ANALISADAS

[...]

6) PAGAMENTO DE INATIVOS PROVENIENTES DA EDUCAÇÃO, UTILIZANDO-SE RECURSOS VINCULADOS À EDUCAÇÃO

Base Legal

Art. 22, parágrafo único, inciso III, da Lei 11.494/2007.

“atuação efetiva no desempenho das atividades de magistério previstas no inciso II deste parágrafo associada à sua regular vinculação contratual, temporária ou estatutária, com o ente governamental que o remunera, não sendo descaracterizado por eventuais afastamentos temporários previstos em lei, com ônus para o empregador, que não impliquem rompimento da relação jurídica existente.”

b) Pontos divergentes e/ou carentes de definição:

Utilização dos recursos do FUNDEB para pagamentos de inativos provenientes da educação.

c) Análise e proposições Não há, na legislação vigente, amparo legal nesse sentido, uma

vez que o art. 70 da lei nº 9.394/96, ao definir gastos com manutenção e desenvolvimento do ensino, não acolhe este tipo de despesa no rol

de possibilidades de realização com recursos vinculados à MDE, e o art. 21, da Lei nº 11.494/2007, ao disciplinar a utilização dos recursos do Fundo, estabelece que estes sejam aplicados em cumprimento ao comando do art. 70 da Lei 9.394/2006, portanto, não contemplando o pagamento de inativos, ainda que egressos da área de educação.

(Grifou-se)

No ano de 2012, a Secretária de Prevenção da Corrupção e

Informações Estratégicas da Controladoria Geral da União, órgão que desempenha

função fiscalizadora dos recursos públicos federais, elaborou a cartilha “Olho Vivo no

Dinheiro Público - FUNDEB”, com o objetivo de orientar o acompanhamento das

ações do FUNDEB e estimular o controle social dos recursos vinculados ao fundo.

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Por meio daquele documento, o órgão de controle reforçou que gastos

com inativos não são considerados despesas com MDE, veja-se (Doc.22, págs. 44 e

45):

2. NÃO SÃO CONSIDERADAS despesas de manutenção e

desenvolvimento da educação básica: [...] n) despesas com inativos, mesmo que, quando em atividade, tenham atuado na educação básica; ou ainda, de pessoal docente e demais trabalhadores da educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e ao desenvolvimento da educação básica pública.

A doutrina de Direito Financeiro, por sua vez, não se olvidou de

abordar o tema. Nesse prisma, o ilustre doutrinador J. R. Caldas Furtado, também

Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, assevera que:

[...] não constituem despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino o pagamento de proventos e outros gastos vinculados à inatividade dos professores e demais trabalhadores da educação. De fato, o pagamento do pessoal inativo

– egresso, ou não, do sistema de educação – deve ser feito à custa do orçamento da previdência de cada um dos membros federados. A Lei Complementar nº 101/00 (LRF) preceitua que os sistemas de previdência devem ser autossustentáveis, pagando os benefícios com recursos provenientes das contribuições (art. 69).

(FURTADO, J. R. Caldas. Direito Financeiro / J. R. Caldas Furtado. 4. ed. ver. ampl. e atual. 1ª reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2014, pág. 260)

Ainda sobre a matéria, convêm colacionar a lúcida observação do

tributarista e professor Fernando Facury Scaff:

Os proventos de aposentarias e pensões não podem ser considerados como gastos relativos à manutenção e ao desenvolvimento do ensino. Logo, ao inserir como tal, descumpre

não o espírito da lei (o que não existe), mas descumpre a letra clara a explícita da norma constitucional, que determina a vinculação de recursos para essas atividades educacionais. Inserir algo que não visa a essa função é descumprir a Constituição Federal e a Constituição estadual. [...]

Inserir gastos com benefícios previdenciários no cômputo de gastos com educação é de uma primariedade ultrajante. Fazer isso

é o mesmo que permitir que as despesas com o programa espacial

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brasileiro pudessem ser consideradas no cômputo dos gastos com educação; afinal, as pessoas vão aprender muito com as viagens espaciais [...]

O fato é que muito dinheiro que deveria ter sido aplicado em educação vem sendo utilizado para pagar benefícios previdenciários, que possuem fonte própria de custeio, não devendo ser considerado como inserido na verba vinculada aos gastos educacionais. Pelo menos uma geração de jovens foi perdida

nessa queda de qualificação educacional. Uma pena. Irreversível. Usa-se verba destinada ao futuro da sociedade (educação) para pagar gastos com o passado (previdência). Ambos são importantes e possuem fontes próprias de custeio.

(SCAFF, Fernando Facury. Pagamento de aposentadoria é despesa com educação?. Revista Eletrônica Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jun-13/contas-vista-pagamento-aposentadoria-despesa-educacao) (Grifou-se)

Ainda sobre a questão, é de todo oportuno transcrever a lúcida

observação da professora Élida Graziane, procuradora do Ministério Público de

Contas do Estado de São Paulo:

A repartição de competência definida constitucionalmente encontra seu ponto culminante com a fixação no art. 212 do quanto cada ente federativo deve aportar, em termos de patamar mínimo de gasto, na manutenção e desenvolvimento do ensino público.

Para evitar abusos ou desvios interpretativos que pudessem tolher faticamente o alcance do montante que cada ente deve aplicar em educação, a LDB cuidou de definir claramente o que poderia ser considerado ou não, como gasto na manutenção e desenvolvimento

do ensino, para fins de cumprimento do art. 212 da Constituição. No art. 70 da LDB, é apresentado o elenco taxativo do que se pode afirmativamente reputar como gasto com educação: [...] Por outro lado, é forte o conteúdo do art. 71 da LDB, ao identificar quais ações não podem ser classificadas como gasto mínimo com manutenção e desenvolvimento da educação básica no Brasil. [...] Não cabe ao gestor inovar, pois o legislador já definiu o modo pelo

qual devem ser cumpridas as competências de que tratam os arts. 208 e 211 e, em especial, o art. 212 da Constituição de 1988.

(PINTO, Élida Graziane. Financiamento dos Direitos à Saúde e à Educação – Uma Perspectiva Constitucional. Belo Horizonte: Fórum. 2015, p. 75-76.) (Grifou-se)

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Por força do que dispõe o artigo 50, §2º, da Lei Complementar nº

101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), compete à Secretaria do Tesouro

Nacional, órgão central de contabilidade da União, a edição de normas gerais para

consolidação das contas públicas.

A fim de dar cumprimento a essa atribuição, para cada exercício

financeiro, a Secretaria do Tesouro Nacional edita um Manual de Demonstrativos

Fiscais – MDF, com aplicação a todos os entes federados e, por óbvio, ao Estado

de Goiás.

Apesar de as normas gerais editadas pela Secretária do Tesouro

Nacional já serem aplicáveis ao Estado de Goiás por força do artigo 50, §2º, da Lei

Complementar nº 101/2000, o TCE/GO, por meio de sua Resolução Normativa nº

001/2013, reforçou a observância obrigatória das normas constantes nos Manual de

Demonstrativos Fiscais com relação às despesas com MDE, determinando o seguinte:

Art. 11. O órgão responsável pela gestão dos recursos do FUNDEB

deverá encaminhar ao Tribunal de Contas, anualmente, no prazo de 150 (cento e cinquenta) dias, contados do encerramento do correspondente exercício financeiro, os seguintes documentos: [...] II - demonstrativo das receitas e despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino - MDE, nos moldes do Manual de Demonstrativos Fiscais elaborados pela Secretaria do Tesouro Nacional, referente ao último período do exercício em análise; (Grifou-

se)

Dito isso, em todos os Manuais de Demonstrativos Fiscais

elaborados para os exercícios de 2011 a 2017, há a previsão expressa de que as

despesas com inativos e pensionistas devem ser excluídas dos gastos com

manutenção e desenvolvimento do ensino, para fins de apuração do mínimo

constitucional.

Com efeito, em cada um dos Manuais de Demonstrativos Fiscais,

válidos ao longo de todo os dois mandatos de MARCONI FERREIRA PERILLO

JÚNIOR, no cargo de Governador do Estado de Goiás, foram descritas as seguintes

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normas gerais direcionadas aos Estados membros, no tocante às receitas e despesas

com manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE):

Conforme previsão legal, consideram-se como MDE, as despesas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacionais. Sobre esse aspecto, o art. 70, inciso I, da LDB, determina que, no que se refere a gastos com pessoal, considerem-se as despesas destinadas à remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da educação, excetuando-se as despesas com pessoal quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme previsto no art. 71, inciso VI da lei acima referida.

A Constituição, por sua vez, distingue expressamente em seu texto os termos provento, pensão e remuneração, aplicando o termo remuneração para os servidores ativos, provento para os inativos e pensão para os pensionistas.

“Art. 37. ... XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões...”

“Art. 40. ... § 2º Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referências para a concessão da pensão. § 3º Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdências de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei.” (grifo nosso)

Adicionalmente, o art. 22, inciso I, da Lei 11.494/07 determina expressamente o conceito de remuneração para profissionais do magistério.

“Art. 22. Pelo menos 60% (sessenta por cento) dos recursos anuais totais dos Fundos serão destinados ao pagamento da remuneração dos profissionais do magistério da educação básica em efetivo exercício na rede pública.

Parágrafo único. Para os fins do disposto no caput deste artigo, considera-se:

I – remuneração: o total de pagamentos devidos aos profissionais do magistério da educação, em decorrência do efetivo exercício em cargo, emprego ou função, integrantes da estrutura, quadro ou tabela de servidores do Estado, Distrito Federal ou Município, conforme o caso, inclusive os encargos sociais incidentes;” (grifo nosso)

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Portanto, a partir do exposto acima, e considerando a interpretação conjunta dos arts. 37 e 40 da Constituição, os arts. 70 e 71 da LDB, e o art. 22 da Lei 11.494/07, conclui-se que, para fins do limite constitucional com MDE, devem-se considerar apenas as despesas destinadas à remuneração e ao aperfeiçoamento dos profissionais em educação, e que exerçam cargo, emprego ou função na atividade de ensino, excluindo-se, por conseguinte, as despesas que envolvam gastos com inativos e pensionistas, pois a lei faz distinção entre as espécies de rendimento: remuneração, proventos e pensões. As despesas com inativos e pensionistas

devem ser mais apropriadamente classificadas como Previdência. (Grifou-se)16

A propósito, conforme salientado pelo professor Nicholas Davies17, já

no Manual de Demonstrativos Fiscais lançada no longínquo ano de 2007, a Secretaria

do Tesouro Nacional passou a determinar, explicitamente, a exclusão de gastos com

inativos do percentual de investimento mínimo em educação.

A referida determinação foi consignada exatamente no mesmo ano

em que foi realizado o primeiro encontro técnico entre o Ministério da Educação e os

Tribunais de Contas dos entes da federação, frisa-se, com a participação do

Tribunal de Contas do Estado de Goiás, a fim de padronizar interpretações e

orientações da legislação de regência do FUNDEB, em que foram apresentados

subsídios técnicos esclarecendo que pagamentos de inativos provenientes da

educação não podem ser realizados com recursos vinculados à educação.

Inclusive, foi na apreciação das contas do Governador do exercício de

2007, que sobreveio o primeiro posicionamento do TCE/GO acerca da ilegalidade da

16 As informações estão localizadas da seguinte forma: Doc.16 - Manual de Demonstrativos Fiscais, 3ª edição, válido para o exercício de 2011, páginas 150 e 151. Doc.17 - Manual de Demonstrativos Fiscais, 4ª edição, válido para o no exercício de 2012, páginas 252 e 253. Doc.18 - Manual de Demonstrativos Fiscais, 5ª edição, válido para os exercícios de 2013 e 2014, página 327. Doc.19- Manual de Demonstrativos Fiscais, 6ª edição, válido para os exercícios de 2015 e 2016, páginas 316/317. Doc.20 - Manual de Demonstrativos Fiscais, 7ª edição, válido para o exercício de 2017, páginas 301 e 302. Doc.21 - Manual de Demonstrativos Fiscais, 8ª edição, válido para o exercício de 2018, páginas 307 e 308. 17 DAVIES, Nicolas. Avaliação dos procedimentos para contabilização de receita e despesa em educação contidos nos manuais da STN. Revista do Tribunal de Contas da União, Brasília, ano 41, n. 115, maio/agosto, 2009, pág. 87. Disponível em: <http://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/issue/view/18>.

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inclusão de inativos na base de cálculo do valor aplicado em MDE, “por não

representarem contribuição para a manutenção ou para o desenvolvimento do sistema

educacional” (Doc.2, pág. 3), fato esse que ensejou, até mesmo, a ressalva das

referidas contas.

De tudo o que foi dito, fica claro que qualquer intepretação no sentido

de que inativos se qualificam como gastos com manutenção e desenvolvimento do

ensino é realizada de má-fé e inspirada pelo malicioso desígnio de burlar a

Constituição Federal.

Isso demonstra claramente que o plano de exclusão homologado pelo

TCE/GO não visou cessar a ilegalidade, mas sim de postergar o máximo possível o

cumprimento da Constituição Federal, haja vista que, com a dedução de somente 10%

ao ano, a exclusão total de gasto com inativos ocorreria somente após 10 (dez) anos.

Se o intento fosse realmente de regularizar o cálculo de investimentos

mínimos em MDE, teria o TCE/GO aceitado um plano de dedução em tempo razoável

e não da forma totalmente conveniente aos interesses do então Governador de

Estado, por meio do qual pôde ele, sob o aval da Corte de Contas, desviar recursos

constitucionalmente vinculados à educação para o pagamento de despesas

previdenciárias durante todo os seus dois mandatos, comprometendo a qualidade

do ensino público goiano de uma geração inteira.

Acrescenta-se que foram expedidas várias sugestões pela Unidade

Técnica do TCE/GO quanto à necessidade de alterar a metodologia do plano

proposto, alertando para o fato de que o pagamento de inativos havia aumentado

gradativamente com relação aos anos anteriores, de modo que a dedução de apenas

10% ao ano não seria suficiente para efetivamente reduzir o impacto desses gastos

na função educação. Todos os alertas foram ignorados pelos Conselheiros.

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Mais ainda, se o intento fosse, de fato, o de fazer cumprir a

Constituição Federal, não teria o TCE/GO voltado atrás em sua decisão quando, a um

só exercício financeiro para a dedução de 100% de despesas com inativos nos gastos

com educação, passou a permitir o Estado de Goiás a contabilizar todo o déficit

previdenciário com inativos e pensionistas da educação na base de cálculo de

aplicação de recursos com MDE.

Fato é que houve uma clara flexibilização da Constituição Federal

pelo TCE/GO com o fim de beneficiar os interesses do então Governador do Estado

de Goiás.

Noutro giro, reproduzindo os exatos termos do artigo 71, da Lei nº

9.3494/96, todos os Manuais de Demonstrativos Fiscais, válidos nos exercícios

financeiros de 2011 a 2017, também enfatizaram que não são consideradas despesas

com MDE, para apuração do mínimo constitucional, os gastos com programas

suplementares de alimentação

A título de ilustração, a 6ª edição do Manual, com vigência no

exercício financeiro de 2015, o mesmo em que o Estado de Goiás contabilizou R$

24.000.000,00 (vinte e quatro milhões de reais) relativos a merenda escolar como

despesa em MDE, consta exatamente o seguinte na parte em que trata das normas

gerais direcionadas aos Estados membros para elaboração do demonstrativo das

receitas e despesas com MDE:

Não devem ser consideradas despesas com MDE para fins de

cálculo do limite constitucional as despesas:²²³ [...] d) com programas suplementares de alimentação, assistência médicoodontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social; (Manual de Demonstrativos Fiscais 6ª ed., pág. 315) (Grifos originais)

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A vedação expressa no artigo 71, IV, da Lei nº 9.394/96, e reproduzida

nos manuais da Secretaria do Tesouro Nacional, no sentido de que merenda escolar

não pode ser custeada com recursos vinculados à educação, nada mais se tratou da

extensão de uma norma da própria Constituição Federal, segundo a qual:

Art. 212 [...] § 4º Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. (Grifou-se)

Coadunando com o constituinte originário e com a Lei nº 9.394/96, o

próprio TCE/GO, por meio de sua Resolução Normativa nº 001/2013, também

determinou, de forma clara e inequívoca, que gastos com merenda escolar não

constituem despesas com MDE, veja-se:

Art. 6º Não constituirão despesas de manutenção e desenvolvimento

do ensino aquelas realizadas com: [...] V - programas suplementares de alimentação (merenda escolar),

assistência médica, odontológica, farmacêutica e psicológica, e outras formas de assistência social, os quais são financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários, conforme previsto no art. 212, § 4º, da Constituição Federal; (Grifou-se)

De extrema importância ressaltar que, tendo entrado em vigência na

data da publicação em 20/02/2013, referida resolução já estava em vigor há mais de

3 (três) anos quando os Conselheiros do TCE/GO aceitaram a inclusão de despesas

com merenda escolar no cálculo de gastos em MDE no exercício de 2015, sob a

justificativa flagrantemente falaciosa de que a questão nunca havia sido antes

enfrentada e que se tratava de “interpretação nova” daquela Corte de Contas.

A arbitrariedade praticada pelo TCE/GO, de desprezar dispositivos da

Constituição Federal, da Lei nº 9.3494/96, dos MDF’s editados pela Secretaria do

Tesouro Nacional e a da sua própria instrução normativa, revela-se ainda mais grave

ao se constatar que a inclusão de despesas com merenda foi determinante para que

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o Estado de Goiás alcançasse o percentual mínimo de 25% de investimentos em

educação no exercício de 2015.

No mais, vale pontuar que os Conselheiros Kennedy de Sousa

Trindade e Celmar Rech, que votaram pela aprovação das contas do exercício de

2015 e acataram a inclusão ilegal de despesas com merenda escolar no cômputo do

mínimo constitucional em MDE, foram uns dos Conselheiros que aprovaram a

Resolução Normativa nº 001/2013, na sessão plenária ocorrida aos 07/02/2013,

sendo que o Conselheiro Kennedy de Sousa Trindade foi o próprio relator do processo

que culminou na resolução.

II.2) DA INSCRIÇÃO DE DESPESAS EM RESTOS A PAGAR E DAS NORMAS DE REGÊNCIA

Na definição do Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público,

elaborado pela Secretaria do Tesouro Nacional e aplicado a todos os entes da

federação no exercício de 2011 (Doc.23, pág. 56), “A despesa pública é o conjunto de

dispêndios realizados pelos entes públicos para o funcionamento e manutenção dos

serviços públicos prestados à sociedade”.

Tão somente a partir dessa definição, já ressoa bastante evidente que

disponibilidade financeira não se qualifica como uma despesa pública, como o

requerido MARCONI FERREIRA PERRILO JÚNIOR tentou simular ao incluir o

montante de R$ 11.867.981,00 (onze milhões, oitocentos e sessenta e sete mil e

novecentos e oitenta e um reais) como despesa em manutenção e desenvolvimento

do ensino do exercício de 2011.

A Lei nº 4.320/1964, que estatui normas gerais de Direito Financeiro

para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos

Municípios e do Distrito Federal, dispõe o seguinte:

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Art. 35. Pertencem ao exercício financeiro:

I - as receitas nêle arrecadadas; II - as despesas nêle legalmente empenhadas.

De acordo com essa disposição, foi adotado na contabilidade pública

o regime de caixa para as receitas, segundo o qual a receita será contabilizada no

exercício em que ingressou aos cofres públicos, e o regime de competência para as

despesas, segundo o qual a despesa será contabilizada no exercício em que foi

empenhada.

Mister pontuar que a execução da despesa pública transcorre em três

estágios: o empenho, a liquidação e o pagamento. Acerca de cada um deles, a Lei nº

4.320/1964 traz os seguintes conceitos:

Art. 58. O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade

competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de implemento de condição. Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito

adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

Art. 64. A ordem de pagamento é o despacho exarado por autoridade

competente, determinando que a despesa seja paga.

Desse modo, consoante o regime de competência, a despesa pública

considerar-se-á realizada no exercício financeiro em que houve o empenho,

independentemente de quando o bem ou serviço correspondente foi entregue pelo

credor e efetivamente pago pelo Poder Público.

No tocante aos restos a pagar, a Lei nº 4.320/1964 preceitua:

Art. 36. Consideram-se Restos a Pagar as despesas empenhadas mas

não pagas até o dia 31 de dezembro distinguindo-se as processadas

das não processadas.

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Segundo o conceito apresentado, restos a pagar são as despesas que

não foram pagas dentro do próprio exercício financeiro, sendo as processadas

aquelas em 2ª estágio, empenhadas e liquidadas, e as não processadas aquelas em

1º estágio, empenhadas e não liquidadas.

Pois bem.

A Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal -

LRF), ao estabelecer normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade

na gestão fiscal, dispõe o seguinte:

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

Apesar de o artigo adstrir-se aos dois últimos quadrimestres do

mandado, o doutrinador Afonso Gomes Aguiar defende que a inscrição de restos a

pagar sem disponibilidade de caixa é vedada em qualquer exercício financeiro. Nesse

diapasão, de forma bastante fundamentada, o doutrinador preleciona que:

Em que pese a vedação do art. 42 da LRF, já citado, referir-se à impossibilidade de ser levado à conta de restos a pagar os resíduos passivos decorrentes de compromissos financeiros contraídos nos dois últimos quadrimestres precedentes ao final de mandato, entendo que, implicitamente, a LRF veda a inscrição de débitos como restos a pagar, de despesas criadas em qualquer época e de qualquer exercício, desde que não se leve do exercício encerrado a disponibilidade de caixa suficiente para saldar todos os compromissos assumidos no exercício anterior.

[...] Ora, se a finalidade precípua do diploma legal em alusão é a estabilidade das contas públicas, para garantir a estabilidade do padrão monetário nacional (Real), cabe à questão considerar ou definir o que é estabilidade das contas públicas. Por estabilidade das contas públicas tenha-se, pelo menos, o resultado orçamentário em que a receita efetivamente arrecadada, menos despesas efetivamente realizadas é igual a zero, resultado esse denominado resultado nominal exigido pela LRF (art. 4º, §1º e 9º), para a execução orçamentária levada a efeito por um ente federativo durante o exercício financeiro, resultado este previsto pela Lei Orçamentária Anual, ao

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prever a despesa fixada em igual valor ao da receita prevista. De fato, o que deseja o texto legal em apreço é que o ente federativo só gaste aquilo que efetivamente arrecadou. Levando-se em

consideração que os débitos arrolados ou inscritos como restos a pagar decorrem da realização de despesas para as quais o ente federativo não dispunha de recursos financeiros para honrar estes compromissos, gerando anualmente o acréscimo da dívida pública e, portanto, provocando o desequilíbrio das contas públicas, situação financeira não admitida pela LC 101/2000 (LRF), há de se compreender que a inscrição de débitos em restos a pagar só é possível legalmente, em qualquer época e exercício, quando comprovada a existência de disponibilidade financeira suficiente para saldar todos os compromissos financeiros contraídos durante o exercício, incluindo-se os débitos inscritos como restos a pagar. Aliás, devo ressaltar que o resultado nominal da execução orçamentária somente poderá ser igual a zero para aquelas unidades federativas que não se encontrem em situação de dívida originada dos exercícios passados. É bom dizer que o resultado nominal, com relação aos entes políticos em situação de dívida a honrar, deve ser representado por um valor financeiro positivo, como economia feita, com a finalidade de com este resultado pagar as dívidas do passado. Do contrário, entendo não ser possível acontecer de outra forma, pois, estando, em situação de débito, como poderá honrá-lo o ente federativo que gastar com despesas do exercício tudo quanto arrecadou? Por fim, dá-me a certeza desse entendimento o disposto da alínea 4 do inc. III do art. 55, quando se refere aos débitos não inscritos em restos a pagar por falta de disponibilidade financeira, cujos respectivos empenhos são

cancelados.

(AGUIAR, Afonso Gomes. Lei de Responsabilidade Fiscal - questões práticas (Lei Complementar nº101/00) / Afonso Gomes Aguiar. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006, pág. 207) (Grifou-se)

No tocante às despesas de vinculações constitucionais na área da

saúde, o entendimento perfilhado pelo doutrinador foi o mesmo adotado pela Lei

Complementar nº 141/2012 que, ao regulamentar o § 3º do art. 198 da Constituição

Federal e dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União,

Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e serviços públicos de saúde,

estabeleceu expressamente que restos a pagar somente poderão ser considerados

no cálculo do mínimo constitucional caso haja disponibilidade de caixa ao final do

exercício. Confira-se:

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Art. 24. Para efeito de cálculo dos recursos mínimos a que se refere

esta Lei Complementar, serão consideradas:

I - as despesas liquidadas e pagas no exercício; e

II - as despesas empenhadas e não liquidadas, inscritas em Restos a Pagar até o limite das disponibilidades de caixa ao final do exercício, consolidadas no Fundo de Saúde. (Grifou-se)

Ainda que a referida lei trate somente do mínimo constitucional na

área da saúde, a condição por ela estipulada foi exatamente a mesma reproduzida

pelo TCE/GO em sua Resolução Normativa nº 001/2013, com relação à aplicação

mínima em MDE pelo Estado de Goiás, ao determinar que:

Art. 5º

[...] § 3º Para efeito de cálculo das despesas realizadas com a manutenção e desenvolvimento do ensino, serão consideradas:

I - as despesas liquidadas e pagas no exercício; e

II - as despesas empenhadas e não liquidadas, inscritas em Restos a Pagar até o limite das disponibilidades de caixa ao final do exercício. (Grifou-se)

De suma importância pontuar que, antes mesma da edição da

Resolução Normativa nº 001/2013, o TCE/GO já havia se posicionado no sentido que

restos a pagar sem disponibilidades financeiras vinculadas não poderiam ser

consideradas na apuração do gasto mínimo em MDE.

Nesse sentido, no parecer prévio sobre as contas do Governador do

exercício de 2008, o TCE/GO emitiu ressalva pelo não cumprimento da aplicação

mínima em MDE, justamente pelo fato de que, após a exclusão de restos a pagar sem

disponibilidade de caixa, as despesas realizadas no exercício não alcançaram o índice

de 25%, mesmo não se tratando do último exercício do mandato, veja-se (Doc.3,

pág.2):

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Ressalvamos alguns pontos relevantes, objetivando fundamentar o Parecer Prévio a ser proferido por esta Corte de Contas: [...]

f) descumprimento do art. 158 da Constituição Estadual, que estabelece um percentual de 25% a ser aplicado na manutenção e desenvolvimento do ensino, tendo em vista que o índice atingido foi de 23,73%, quando consideradas as despesas realizadas no exercício, excluindo as inscrições em restos a pagar que não tinham disponibilidades financeiras vinculadas; (Grifou-se)

Ainda os Manuais de Demonstrativos Fiscais da Secretária do

Tesouro Nacional, válidos nos exercícios financeiros de 2011 a 2017, determinaram,

com clareza meridiana, que a inscrição em restos a pagar no cômputo anual de

gastos em MDE é obrigatoriamente condicionada à suficiência de caixa ao final do

exercício.

Sob esse prisma, em cada um dos Manuais de Demonstrativos

Fiscais válidos ao longo de todo os dois mandatos de MARCONI FERREIRA

PERILLO JÚNIOR no cargo de Governador do Estado de Goiás, houve as seguintes

orientações para a elaboração do demonstrativo das receitas e despesas com

manutenção e desenvolvimento do ensino pelos Estados membros:

Ressalta-se que a inscrição em Restos a Pagar no exercício limita-se, obrigatoriamente, à suficiência de caixa, que representa a diferença

positiva entre Disponibilidade Financeira e as Obrigações Financeiras a fim de garantir o equilíbrio fiscal no ente. No entanto, se, por um lado, o ente deve orientar-se pelo princípio do equilíbrio fiscal, por outro, deve também obedecer ao princípio da transparência das informações. Assim sendo, caso o ente inscreva Restos a Pagar além do que lhe é permitido, este fato deve ser demonstrado nessa linha com o intuito de garantir transparência e fidedignidade às informações prestadas. Para efeito deste demonstrativo, deverão ser considerados somente os Restos a Pagar inscritos no exercício de referência e as disponibilidades financeiras vinculadas à Educação já deduzidas da parcela comprometida

com Restos a Pagar de exercícios anteriores. Conforme art. 8º, parágrafo único, da LRF, os recursos vinculados à Educação permanecerão vinculados ainda que em exercício diverso. Sendo assim, os recursos vinculados a Restos a Pagar de exercícios anteriores, não podem ser considerados disponíveis para a inscrição de novos Restos a Pagar.

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No caso de não haver disponibilidade financeira de recursos de impostos vinculados à Educação, no encerramento do exercício, deverá ser registrado o valor total dos Restos a Pagar, pois os mesmos não poderão ser considerados como aplicados em MDE.18 (Grifou-se)

De acordo com as disposições acima, os restos a pagar sem

disponibilidade financeira devem ser registrados em linha específica no demonstrativo

das receitas e despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino, apenas com

a finalidade de garantir a transparência das contas públicas, não podendo ser,

contudo, considerados no cômputo do mínimo constitucional.

No âmbito do Estado de Goiás, a questão ficou absolutamente

consolidada com a edição da Lei Estadual nº 19.065/2015 que, ao regulamentar o

artigo 158, incisos I a IV, da Constituição do Estado de Goiás, e dispor sobre a

apuração dos índices aplicados anualmente pelo Estado sobre as receitas das

vinculações, determinou, de forma taxativa, que a inscrição em restos a pagar de

despesas constitucionalmente vinculadas somente é admissível quando houver

disponibilidade financeira, ipsis litteris:

Art. 4º As despesas inscritas em restos a pagar processados e não

processados, até o limite das vinculações constitucionais, serão

suportadas pelas disponibilidades financeiras em conta corrente

do Tesouro Estadual. (Grifou-se)

Imperioso ressaltar que, embora publicada aos 21/10/2015, referida

lei teve seus efeitos retroagidos à data de 1º/01/2015 por força do que dispôs o seu

artigo 6º, e, portanto, já estava vigente nos exercícios financeiros de 2015, 2016 e

2017, período em que o Estado de Goiás continuou a computar restos a pagar sem

18 As informações estão localizadas da seguinte forma: Doc.13 - Manual de Demonstrativos Fiscais, 3ª edição, válido para o exercício de 2011, página 155. Doc.14 - Manual de Demonstrativos Fiscais, 4ª edição, válido para o no exercício de 2012, página 258. Doc.15 - Manual de Demonstrativos Fiscais, 5ª edição, válido para os exercícios de 2013 e 2014, página 333. Doc.16 - Manual de Demonstrativos Fiscais, 6ª edição, válido para os exercícios de 2015 e 2016, página 322. Doc.17 - Manual de Demonstrativos Fiscais, 7ª edição, válido para o exercício de 2017, página 307. Doc.18 - Manual de Demonstrativos Fiscais, 8ª edição, válido para o exercício de 2018, página 313.

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lastros financeiros na Conta Centralizadora e na Conta Única como despesas em

MDE.

Oportuno mencionar que práticas contábeis indevidas como as

praticadas pelo requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR já foram

refutadas pelo Poder Judiciário.

Na ação civil pública nº 0083284-72.2016.4.02.5101, movida pelo

Ministério Público Federal contra a União e o Estado do Rio de Janeiro, a justiça

federal condenou a União a condicionar a transferência dos recursos do Fundo de

Partição dos Estados ao Estado do Rio de Janeiro, ao emprego em ações e serviços

de saúde do montante total de R$ 1.372.163.631,92 (um bilhão, trezentos e setenta e

dois milhões, cento e sessenta e três mil, seiscentos e trinta e um reais e noventa e

dois centavos), correspondente ao valor que o ente estadual deixou de aplicar na área

da saúde nos exercícios de 2013, 2014 a 2015.

Nos autos do processo, ficou demonstrado pelo Ministério Público

Federal que, naqueles exercícios financeiros, o Estado do Rio de Janeiro contabilizou,

como investimento em ações e serviços de saúde para fins de apuração do mínimo

constitucional, expressivos montantes em restos a pagar sem que houvesse

disponibilidade de caixa no Fundo Estadual de Saúde para a quitação dos respectivos

valores.

Ao fundamentar sua decisão, o magistrado argumentou o seguinte:

O artigo 24 da Lei Complementar nº 141/2012, nos seus incisos I e II, é expresso ao afirmar que somente serão consideradas para efeito do cálculo dos recursos mínimos a serem aplicados em ações e serviços de saúde as despesas “liquidadas e pagas no exercício” (inciso I) e as despesas “empenhadas e não liquidadas inscritas em restos a pagar até o limite das disponibilidades de caixa ao final do exercício, consolidadas no Fundo de Saúde”. [...] Portanto, como bem pontuado pelo parquet federal, as despesas liquidadas e não pagas no exercício e as despesas não liquidadas,

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inscritas em Restos a Pagar, dos anos de 2013, 2014 e 2015, que estão na ordem de R$ 1.372.163.631,92 (fls. 31/42 - valor apurado pelos Relatórios Gerenciais anexados aos autos pelo MPF juntamente com a inicial) e que nunca estiveram em disponibilidade de caixa consolidadas no Fundo Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, não podem ser computadas para o cálculo do cumprimento do piso constitucional da saúde, por parte do ESTADO DO RIO DE

JANEIRO, no referido período. (Trecho da sentença prolatada na Ação Civil Pública nº 0083284-72.2016.4.02.5101, juiz federal titular Flavio Oliveira Lucas, 18ª Vara Federal do Rio de Janeiro, julgada aos

05/06/2017) (Grifou-se)

Recentemente, no julgamento do recurso de apelação interposto pelo

Estado do Rio de Janeiro, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região confirmou a

sentença condenatória em epígrafe, ressaltando que a inclusão de restos a pagar sem

disponibilidade financeira, no cálculo de investimentos em saúde, tratou-se, na

verdade, de “um jogo contábil” para simular o cumprimento do dever de gasto mínimo.

Confira-se:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE. DESCUMPRIMENTO PELO ESTADO DO RIO DE JANEIRO DA META MÍNIMA DE 12%. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. AUSÊNCIA. INTERVENÇÃO FEDERAL E REGIME DE RECUPERAÇÃO FISCAL. EFEITOS. CONDICIONAMENTO DE REPASSE DE RECURSOS DA UNIÃO. PREVISÃO LEGAL. TRANSFERÊNCIA DE VALORES AO FUNDO ESTADUAL DE SAÚDE NO MOMENTO DO EMPENHO. CABIMENTO. REVISÃO DA MULTA COMINATÓRIA. DESNECESSIDADE. [...] 3- O Estado do Rio de Janeiro teria deixado de transferir ao Fundo

Estadual de Saúde a totalidade dos valores destinados constitucionalmente à saúde pública. O Estado do Rio de Janeiro faria uso abusivo do regime de competência para adiar o dever de gasto mínimo em saúde: cumpriria contabilmente o percentual exigido, mas faticamente não saldaria as dívidas contraídas. O

primeiro e o segundo estágios da execução orçamentária (empenho e liquidação) alcançariam o percentual obrigatório de 12%, mas o terceiro estágio (pagamento) não teria se realizado da forma e na extensão devidas para garantir a real aplicação do referido percentual, gerando nos anos de 2013 a 2015 o montante de R$ 1.372.163.632,92 a título de restos a pagar. [...]

15- Conforme apurado, a Secretaria de Estado de Fazenda não

repassa o percentual de 12% ao Fundo Estadual de Saúde. Embora realize o empenho (ato que cria para o Estado a obrigação de pagamento, art.58 da Lei nº 4.320/1964) e a liquidação das obrigações (que consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por

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base os títulos e documentos comprobatórios do crédito, art.63 da Lei nº 4.320/1964), o pagamento de tais despesas não é realizado. No ano de 2013, por exemplo, o percentual de 12% correspondeu a R$ 3.899.610,70, tendo sido empenhados R$ 3.94.940.197,13, liquidados R$ 3.901.672.373,15 e repassados ao fundo apenas R$ 3.044.496.778,89, ou seja, somente 9,37%. O mesmo se repetiu em 2014 (efetivada a transferência de 9,84%) e em 2015 (efetivada a transferência de 8,09%).

16- Com esse jogo contábil, o Estado simula o cumprimento do limite constitucional de 12%, mas o dinheiro arrecadado/repassado

não tem o destino que deveria. Parte dos valores é utilizada para o pagamento de despesas outras, consideradas prioritárias pelo Chefe do Poder Executivo, permanecendo as ações e serviços de saúde subfinanciadas ao aguardo de valores que somente são transferidos ao Fundo quando o sistema de saúde já se encontra deficitário. [...]

21- Tivesse sido identificada apenas uma ocasião em que o Estado

deixou de cumprir integralmente a obrigação constitucional, talvez fosse o caso de beneficiá-lo com a possibilidade de, em prol do saneamento das contas estaduais, definir o momento adequado para a transferência de recursos ao Fundo. Não é todavia o caso. Pelo menos desde 2013 é prática usual no governo do Estado do Rio de Janeiro a maquiagem contábil aqui apontada, que computa o piso de custeio da saúde no teto orçamentário do Estado e adia o pagamento das ações e serviços de saúde, incluindo tais dívidas em restos a pagar que não possuem qualquer lastro no Fundo Estadual de Saúde.

[...] 31- A confirmação da sentença é a providência a ser adotada. Com

a presente ação é possível entender um pouco sobre a mecânica perversa que se instalou no Estado do Rio de Janeiro e como um Governo inteiramente dissociado da busca do bem comum, implicado em arranjos escusos e em favorecimento pessoal de seus Dirigentes, foi capaz de frustrar um legado de serviços públicos de qualidade à população do Estado. [...] (Trechos da ementa do acórdão do TRF 2ª

região na Apelação Cível nº 0083284-72.2016.4.02.5101, Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva, 8ª Turma Especializada, julgada em 11/07/2018, publicado no DJE-2ª região aos 02/08/2018) (Grifou-se)

Além disso, é preciso ressaltar que a inscrição de restos a pagar como

investimento em MDE, incluindo também aqueles com disponibilidade financeira,

serviu tão somente para que o Estado de Goiás simulasse o cumprimento do mínimo

constitucional, tendo em vista que, do valor total de restos a pagar inscritos nos

exercícios de 2011 a 2017, 81,79% foi cancelado dentro do mesmo período, sem

comprovação de que foram aplicados em MDE no exercício seguinte ao do

cancelamento.

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Ou seja: os valores foram computados como investimento em MDE

para o fim de o Estado de Goiás alcançar o percentual mínimo de 25% no exercício,

mas nunca foram, de fato, aplicados em ações e desenvolvimento do ensino público

goiano.

II.3) DOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Em primeiro lugar, a fim de tolher qualquer tentativa do requerido em

eximir-se da responsabilização pela prática de atos ímprobos, é de suma importância

enfatizar que a procedência de uma ação de improbidade administrativa não está

adstrita a pareceres do Tribunal de Contas, uma vez que a própria Lei nº 8.429/92

prevê, em seu artigo 12, caput, a independência entre as instâncias civil, penal e

administrativa.

O mesmo diploma legal determina, ainda, em seu artigo 21, inciso II,

que a aplicação das sanções por ato de improbidade administrativa independe “da

aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou

Conselho de Contas”.

A questão já se encontra pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça,

conforme se desprende do julgado a seguir:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL.

OPERAÇÃO DE FINANCIAMENTO POSTERIORMENTE CONSIDERADA REGULAR PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. NÃO VINCULAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO AO JULGAMENTO EXERCIDO PELA CORTE DE CONTAS. PRECEDENTES. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL.

AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. [...] 3. O controle exercido pelos Tribunais de Contas não é jurisdicional e, por isso mesmo, as decisões proferidas pelos órgãos de controle não retiram a possibilidade de o ato reputado ímprobo ser analisado pelo Poder Judiciário, por meio de competente ação civil

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pública. Isso porque a atividade exercida pelas Cortes de Contas é meramente revestida de caráter opinativo e não vincula a atuação do sujeito ativo da ação civil de improbidade administrativa. Precedentes: REsp 285.305/DF, Relatora Ministra Denise Arruda,

Primeira Turma, DJ 13/12/2007; REsp 880.662/MG, Relator Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 1/3/2007; e REsp 1.038.762/RJ, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 31/8/2009. 4. O mister desempenhado pelos Tribunais de Contas, no sentido de

auxiliar os respectivos Poderes Legislativos em fiscalizar, encerra decisões de cunho técnico-administrativo e suas decisões não fazem coisa julgada, justamente por não praticarem atividade judicante. Logo, sua atuação não vincula o funcionamento do Poder Judiciário, o qual pode, inclusive, revisar as suas decisões por força Princípio Constitucional da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional (art. 5º, XXXV, da Constituição). 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (STJ, REsp 1032732/CE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 08/09/2015) (Grifou-se)

Nesse mesmo sentido, tem decidido o Tribunal de Justiça do

Estado de Goiás:

DUPLO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. DISPENSA DE LICITAÇÃO. CONTRATAÇÃO DE ASSESSORIA CONTÁBIL E JURÍDICA. SINGULARIDADE NÃO CARACTERIZADA. INEXIGIBILIDADE INDEVIDA. PREJUÍZO AO ERÁRIO. CONFIGURAÇÃO DO ATO ÍMPROBO. PARTICIPAÇÃO DE TERCEIROS. APROVAÇÃO DAS CONTAS PELO TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS. ABSOLVIÇÃO CRIMINAL POR FALTA DE PROVAS. NÃO VINCULAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. NULIDADE. ALTERAÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. CAUSÍDICO ENFERMO. SOBRESTAMENTO. POSSIBILIDADE DE OUTORGAR PODERES A UM COLEGA. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. ACOLHIMENTO PARCIAL. [...] 4) - O Controle exercido pelo Tribunal de Contas, não é jurisdicional, por isso não há qualquer vinculação da decisão proferida por aquele órgão e a possibilidade de ser o ato impugnado em sede de ação de improbidade administrativa, sujeita ao controle do Poder Judiciário, conforme expressa previsão do artigo 21, inciso II, da Lei 8.429/92.

[...] 8) - RECURSOS DECLARATÓRIOS CONHECIDOS. PRIMEIROS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE ACOLHIDOS. SEGUNDOS ACLARATÓRIOS REJEITADOS. (TJ/GO, Processo 202653-58.1998.8.09.0123 - APELACAO CIVEL, Rel. Desembargador Sérgio Mendonça de Araújo, 4ª Câmara Cível, julgados aos 28/07/2016, DJ 05/08/2016)

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Ainda de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça do

Estado de Goiás, a aprovação das contas pelo Poder Legislativo também não exime

o agente público da responsabilização por ato de improbidade administrativa. Confira-

se:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ASSUNÇÃO DE DESPESAS NO ÚLTIMO QUADRIMESTRE DO MANDATO DE PREFEITO MUNICIPAL. REJEIÇÃO DAS CONTAS PELO TCM. CERCEAMENTO DE DEFESA. AFRONTA AO ART. 42 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 101/2000 (LRF) E À LEI N.º 8.666/93. APROVAÇÃO DO LEGISLATIVO MUNICIPAL. IRRELEVÂNCIA. ATOS DE IMPROBIDADE CONFIGURADOS. [...] 3. Mesmo que as contas do executivo tenham sido aprovadas pelo Legislativo, a conduta ímproba do administrador não fica imune à responsabilização de seus atos. 4. O tipo nuclear do art. 11, caput,

da Lei n.º 8.249/92, exige o dolo genérico para sua configuração, dispensando-se o dolo específico. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. (TJGO, Apelação (CPC) 0356792-60.2005.8.09.0110, Rel. OLAVO JUNQUEIRA DE ANDRADE, 5ª Câmara Cível, julgado em 24/07/2017, DJe de 24/07/2017)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO E DOLO COMPROVADOS. NON REFORMATIO IN PEJUS. APROVAÇÃO DAS CONTAS PELO TCM E PELA CÂMARA MUNICIPAL. ART. 21 DA LIA. CONTROLE JURISDICIONAL INDEPENDENTE. AGENTE POLÍTICO FALECIDO NO CURSO DO PROCESSO. SUCESSORES. MULTA CIVIL. PREVISÃO LEGAL. [...] 4. Nos termos do art. 21, inc. II da Lei federal n.º 8.429/1992, decisões emanadas dos tribunais de contas que aprovam as prestadas pelo gestor público não vinculam o controle judicial de seus atos. Precedentes do STJ. 5. Com maior razão, mesmo que aprovadas as contas pelo Legislativo inexiste óbice à responsabilização do agente por condutas configuradoras de improbidade administrativa.

6. Comprovado o dano ao erário, na expressão do art. 8º da Lei federal n.º 8.429/1992 sujeitam-se seus sucessores ao pagamento de multa civil até o limite do valor da herança percebida. 7. Apelação cível conhecida mas desprovida. (TJGO, APELACAO CIVEL 346159-07.2000.8.09.0064, Rel. DES. BEATRIZ FIGUEIREDO FRANCO, 3A CAMARA CIVEL, julgado em

03/03/2015, DJe 1745 de 12/03/2015) (Grifou-se)

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APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 8.429/92. PREFEITO MUNICIPAL. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DE FORMA REGULAR. OMISSÃO. DOLO GENÉRICO. CONFIGURAÇÃO DE ATO ÍMPROBO. PENALIDADES MANTIDAS.

[...] 3 - A eventual aprovação das contas públicas irregulares pela Câmara Municipal da comarca de Itapaci-GO, não afasta o reconhecimento da conduta ímproba, nem a aplicação das sanções legais previstas.

4- Considerando que as sanções aplicadas pelo Magistrado a quo obedeceram ao artigo 12, inciso III, da Lei nº 8.429/92, mediante aplicação delas no patamar quase mínimo, não há falar-se em ofensa ao princípio da legalidade e da proporcionalidade. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA MANTIDA. (TJGO, APELACAO CIVEL 241262-02.1999.8.09.0083, Rel. DES. FRANCISCO VILDON JOSE VALENTE, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 13/02/2014, DJe 1498 de 07/03/2014). (Grifou-se)

Feitos esses esclarecimentos iniciais, passa-se à exposição dos atos

de improbidades cometidos no presente caso.

Conforme já demonstrado, o artigo 212, caput, da Constituição

Federal, e o artigo 158, caput, da Constituição do Estado de Goiás, impõe a

obrigatoriedade inegociável na aplicação, anual, de no mínimo 25% das receitas

resultantes de impostos nas ações de manutenção e desenvolvimento do ensino.

Tamanha foi a importância dada pela Carta Magna de 1988 ao

investimento na área da educação que, em eventual descumprimento ao mínimo

exigido, foi autorizada a suspensão temporária do pacto federativo, com a retirada da

autonomia do ente descumpridor do dever constitucional, veja-se:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal,

exceto para: [...] e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços

públicos de saúde. Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos

Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: [...]

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III – não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na

manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (Grifou-se)

Em comentários acerca do dispositivo constitucional que assegura a

aplicação mínima de recursos na educação, J.J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira

Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck, ensinam que:

A Constituição, nesse dispositivo, regulamenta a forma de financiamento dos investimentos públicos em educação, dispondo que a União aplicará, anualmente, nunca menos de 18%, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 25% no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. Trata-se de norma que vincula o poder público a aplicação do mínimo exigido, sujeitando os administradores a serem responsabilizados pelo não cumprimento do dispositivo constitucional” (Comentários à

Constituição do Brasil, Saraiva, 2014, p. 1.974)

Segundo preceitua a doutrina e a jurisprudência, a Lei de Improbidade

Administrativa visa à tutela do patrimônio público – que é o conjunto de bens e

interesses da Administração Pública, não só de natureza patrimonial, mas também

moral. Nos termos da disciplina constitucional, probidade não mais se encontra

relacionada exclusivamente à moralidade administrativa, mas à juridicidade, assim

entendida o conjunto de princípios e regras regentes da atividade estatal.

Nesse sentido, ensina Wallace Paiva Martins Junior que:

[...] improbidade administrativa revela-se quando o agente público rompe com o compromisso de obediência aos deveres inerentes à sua função, e essa qualidade é fornecida pelo próprio sistema

jurídico através de seus princípios e de suas normas das mais variadas disciplinas [...] significa servir-se da função pública para angariar ou distribuir, em proveito pessoal ou para outrem, vantagem ilegal ou imoral, de qualquer natureza, e por qualquer modo, com violação aos princípios e regras presidentes das atividades na Administração Pública, menosprezando os deveres do cargo e a relevância dos bens, direitos, interesses e valores confiados à sua guarda, inclusive por omissão, com ou sem prejuízo patrimonial. (MARTINS JUNIOR,

Wallace Paiva, Probidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2001. p.113) (Grifou-se)

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A partir de tudo o que foi narrado, ficou mais que comprovado que o

requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, no exercício do cargo de

Governador do Estado de Goiás, nos anos de 2011 a 2017, não aplicou o percentual

mínimo de 25% da receita liquida de impostos nas ações de manutenção e

desenvolvimento do ensino público goiano. Agindo assim, o requerido desprezou

deveres inerentes ao cargo ocupado, bem como violou flagrantemente dispositivos da

Constituição Federal e da Constituição do Estado de Goiás.

Desse modo, ressoa evidente que o requerido MARCONI FERREIRA

PERILLO JÚNIOR cometeu o ato de improbidade administrativa descrito no artigo 11,

caput e inciso I, da Lei nº 8.429/92, que assim dispõe:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra

os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: [...] I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso

daquele previsto, na regra de competência;

Plasmado o direito à educação como direito fundamental de segunda

geração (dimensão), não se pode permitir a desoneração dos gestores públicos

estaduais que deixaram de aplicar o mínimo constitucional, “violando o princípio da

legalidade e causando incomensuráveis danos aos incontáveis iletrados de

nosso País”, nos dizeres de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves19.

Os dispositivos das Constituição Federal e Estadual são de uma

clareza solar no sentido de que não há nenhum espaço para discricionariedade do

administrador público, quanto ao dever de investimento anual "de vinte e cinco por

cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de

transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino ".

19 GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa / Emerson Garcia e Rogerio Pacheco Alves. 7ª ed., ver., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 471.

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A professora Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público

de Contas do Estado de São Paulo, acrescenta ainda que:

[...] gasto mínimo não é só um percentual de receita, mas também um conjunto de obrigações legais de fazer a serem contidas – material e substantivamente – no conjunto de ações normativamente irrefutáveis. O gasto matemático (gasto mínimo formal) é referido a ações vinculadas (gasto mínimo material), ou seja, não há ampla discricionariedade na eleição de como dar consecução ao mínimo, porque também integra o núcleo mínimo intangível do direito

à educação e à saúde o cumprimento das obrigações legais de fazer. (PINTO, Élida Graziane. Financiamento dos direitos à saúde e à educação. Uma perspectiva constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2015, pág. 25) (Grifou-se)

Sem prejuízo de outras sanções, o administrador público negligente

que deixa de aplicar o percentual mínimo de recursos na educação comete ato de

improbidade administrativa, por incorrer na conduta descrita no artigo 11, da Lei nº

8.429/92.

Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do Superior Tribunal de

Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, respectivamente:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE RECEITA DE IMPOSTOS NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO. ART. 212 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONDUTA COMISSIVA POR OMISSÃO, CUJA AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO COMPETE AO ADMINISTRADOR PÚBLICO. PROPORCIONALIDADE DAS SANÇÕES APLICADAS. 1. Recurso especial no qual se discute a caracterização de ato ímprobo em razão da não destinação de 25% das receitas provenientes de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino, conforme determinação do art. 212 da Constituição Federal. 2. O administrador público, que não procede à correta gestão dos recursos orçamentários destinados à educação, salvo prova em contrário, pratica conduta omissiva dolosa, porquanto, embora saiba, com antecedência, em razão de suas atribuições, que não será destinada a receita mínima à manutenção e desenvolvimento do ensino, nada faz para que a determinação constitucional fosse cumprida, respondendo, assim, pelo resultado porque não fez nada para o impedir. 3. Caracterizado o ato ímprobo, verifica-se que não há

desproporcionalidade na aplicação das penas de suspensão de seus

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direitos políticos pelo prazo de 3 (três) anos e de pagamento de multa civil no valor equivalente a duas remunerações percebidas como Prefeito do Município. 4. Recurso especial não provido. (REsp 1195462/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 21/11/2013) (Grifou-se)

APELACAO CIVEL. ACAO CIVIL PUBLICA ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. OFENSA A NORMA CONSTITUCIONAL E LEI ORCAMENTARIA. 1 - E DEVER DO GESTOR PUBLICO OBSERVAR AS NORMAS CONSTITUCIONAIS E O PRINCIPIO DA LEGALIDADE, AGINDO EM CONSONANCIA COM O PREVISTO EM LEI ORCAMENTARIA E POLITICAS PUBLICAS. 2 - OS PERCENTUAIS MINIMOS EXIGIDOS PELA CF A SEREM APLICADOS EM EDUCACAO E SAUDE, ALEM DE SER UM COMANDO CONSTITUCIONAL, ESTA PREVISTOS NAS LEIS ORCAMENTARIAS, CONSTITUINDO FORTE OFENSA A LEGALIDADE E MORALIDADE, SEU DESCUMPRIMENTO. APELACAO CONHECIDA E IMPROVIDA.

(TJGO, APELACAO CIVEL 120218-0/188, Rel. DES. VITOR BARBOZA LENZA, 1A CAMARA CIVEL, julgado em 31/03/2009, DJe 323 de 29/04/2009) (Grifou-se)

A não aplicação suficiente de receita orçamentária na área da

educação pelo gestor público decorre de sua conduta omissiva dolosa, tendo em

vista que, malgrado tenha plena ciência de que não será aplicado o mínimo exigido

nas ações de manutenção e desenvolvimento do ensino, ele se mantém inerte e nada

faz para garantir a concretização de uma ordem constitucional.

No caso em apreço, o dolo do requerido MARCONI FERREIRA

PERILLO JÚNIOR, consubstanciado na vontade livre e consciente de burlar a

Constituição Federal, é muito mais que genérico.

Segundo já delineou o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás,

“Evidencia-se o dolo específico quando o agente pratica condutas reiteradas e de

formas diversificadas com o manifesto propósito de burlar o sistema legal,

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camuflando o emprego indevido de verbas públicas ao modo de emprestar-lhe ares

de legalidade”20.

O conceito fornecido pelo Egrégio Tribunal se encaixa perfeitamente

ao caso em tela, haja vista que o descumprimento do mínimo constitucional em

educação, por MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, deu-se de forma

reiterada ao longo de 7 (sete) exercícios financeiros e, que, para omitir a

realidade dos fatos, o requerido utilizou-se de diversas manobras contábeis, tais

como 1) lançamento de disponibilidade financeira como despesa executada (exercício

2011); 2) inclusão de que pagamentos de inativos (exercícios de 2011 a 2017); 3)

inclusão de restos a pagar sem disponibilidade de caixa (exercícios de 2014 a 2017)

e 4) inclusão de gastos com merenda escolar (exercício de 2015).

Soma-se a isso o fato de que não figura no polo passivo da presente

ação um administrador inexperiente, inábil, despreparado e incauto, deixando muito

claro de que as irregularidades acima apontadas não se tratam de meros “deslizes

administrativos”.

Ora, o requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR possui

mais de 27 (vinte e sete) anos de trajetória política, sendo 14 (quatorze) anos

somente no exercício do cargo de Governador do Estado de Goiás. Além desse,

já ocupou o cargo de senador, deputado federal, deputado estadual e, desde 2010, é

bacharel em Direito.

É quase um pleonasmo ter que afirmar que conhecimentos das

disposições da Constituição Federal, da lei, dos deveres inerentes ao cargo de Chefe

do Poder Executivo e de finanças públicas não lhe faltam.

20 TJGO, APELACAO CIVEL 346159-07.2000.8.09.0064, Rel. Des. BEATRIZ FIGUEIREDO FRANCO, 3A CAMARA CIVEL, julgado em 03/03/2015, DJe 1745 de 12/03/2015.

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Inclusive, é de grande importância trazer ao conhecimento do Poder

Judiciário que, ao utilizar verbas inseridas no mínimo constitucional em ações outras

que não as de manutenção e desenvolvimento do ensino, o requerido MARCONI

FERREIRA PERILLO JÚNIOR violou, além da Constituição Federal, uma lei que ele

mesmo participou do processo legislativo e contribuiu para aprovação, quando

no exercício do cargo de deputado federal no ano de 1996.

Na 3º sessão legislativa extraordinária, da 50ª Legislatura, ocorrida

em 17/12/1996, o requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, na

qualidade de deputado federal do Estado de Goiás, votou pela aprovação da

redação final do Projeto de Lei nº 1.258-G de 1988, que se transformou na Lei nº

9.394/1996, mais conhecida com a Lei de Diretriz e Bases da Educação Nacional.

Foi por meio desse diploma legal que ficou definido, no âmbito de

todos os entes federativos, o que são e o que não são consideradas despesas como

de manutenção e desenvolvimento do ensino, para o fim de aplicação mínima

determinada pelo artigo 212, da Constituição Federal.

Esse fato leva à inexorável constatação de que o requerido, mais que

qualquer outro agente público, tinha plena consciência de que gastos com

inativos, disponibilidade financeira e gastos com merenda escolar não se qualificam,

em nenhuma hipótese, como despesa com manutenção e desenvolvimento de

ensino, consoante as disposições dos artigos 70 e 71 da Lei nº 9.394/1996, motivo

pelo qual jamais poderiam ser computados para efeitos de cumprimento das

exigências constitucionais e legais atinentes às despesas com educação.

A inclusão dessas despesas nos cálculos de investimentos anuais

com manutenção e desenvolvimento de ensino se tratou, claramente, de uma

manipulação orçamentária intencional e planejada para maquiar o atendimento do

percentual de 25% exigido pelo artigo 212, da Constituição Federal.

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Noutro giro, havia orientação dos Manuais de Demonstrativos Fiscais

da Secretaria do Tesouro Nacional, determinação do artigo 5º, §3º, da Resolução

Normativa nº 001/2013 do TCE/GO, e do artigo 4º da Lei Estadual nº 19.065/2015, no

sentido de que a inscrição de restos a pagar como despesa em MDE somente era

admissível na existência de disponibilidade de caixa ao final do exercício.

Havia, ainda, vários alertas das Unidade Técnicas do TCE/GO acerca

da contabilização indevida dessas despesas como investimento em educação sem

que houvesse disponibilidade de saldo na Conta Centralizadora e na Conta Única do

Tesouro Nacional.

Apesar disso tudo, exercício após exercício, o requerido MARCONI

FERREIRA PERILLO JÚNIOR continuou a computar restos a pagar como despesa

em MDE sem qualquer lastro financeiro para ampará-los.

Tamanha relutância em obedecer às normas e orientações aplicáveis

ao caso, indiscutivelmente, ultrapassou as barreiras da mera irregularidade

administrativa, evidenciando o claro intento do requerido em realizar mais uma

manobra contábil para simular o cumprimento de investimento mínimo em educação.

Além de tudo que já foi exposto, não é crível que, na condição de

Governador do Estado de Goiás, cercado de toda uma estrutura de apoio técnico e

jurídico, pudesse o requerido invocar o desconhecimento da antijuridicidade de sua

conduta.

Condutas como as aqui narradas atinge a todos indiscriminadamente,

pois quando o Estado deixa de aplicar os percentuais orçamentários devidos no setor,

produz, no mínimo, a impossibilidade de ampliar a oferta de educação já existente ou

de promover a melhoria de sua qualidade e, apenas por isto, impede a efetividade de

vários outros direitos fundamentais, tendo em vista o instrumento de suma relevância

que se constitui a educação.

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Logo, resta comprovado que o requerido MARCONI FERREIRA

PERILLO JÚNIOR possuía pleno conhecimento dos fatos e de suas respectivas

consequências, seja pela sua extensa experiência em cargos eletivos, sobretudo no

de Governando do Estado de Goiás, seja pela sua formação no curso de Direito, seja

pelos alertas da Unidade Técnica do TCE/GO que vinha advertindo o Governo acerca

das ilegalidades cometidas.

Tratar como meras “irregularidades administrativas” manobras

contábeis que tiveram o manifesto propósito de simular o cumprimento de

vinculações constitucionais e, pior ainda, que sejam elas acobertadas por um Tribunal

de Contas que ignora as constatações de sua unidade técnica e concede verdadeiros

salvo-condutos ao Governador do Estado para a prática de atos ilegais e

inconstitucionais, é transformar a Constituição Federal a uma mera “folha de

papel”, nos dizeres de Ferdinand Lassalle.

Posto tudo isso, no caso em apreço, há incontestável prática de ato

de improbidade administrativa atentatório aos princípios da Administração Pública,

insculpido no artigo 11, caput e inciso I, da Lei nº 8.429/92.

Nesse ponto, imperioso destacar as lições de Marino Pazzaglini Filho,

que sustenta que violar um princípio “é a modalidade mais grave e ignóbil de

improbidade administrativa, pois contempla o comportamento torpe do agente

público que desempenha funções públicas de sua atribuição de forma

desonesta e imoral”21.

Visando criar contornos bem definidos e orientar o Administrador

Público, a Constituição da República Brasileira, no caput do artigo 37, elencou

expressamente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade

e eficiência como prescrições imperativas a serem aplicadas no exercício da atividade

21 MARINO PAZZAGLINI FILHO. Lei de Improbidade Administrativa Comentada, Atlas, 2002, p. 54.

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administrativa. Referidos princípios, de caráter supremo, quando relegados, levam à

consequência sancionatória insculpida no preceito legal acima, configurando prática

de ato de improbidade administrativa.

Com efeito, a conduta do requerido MARCONI FERREIRA PERILLO

JÚNIOR, no exercício do cargo de Governador do Estado de Goiás, feriu

frontalmente os postulados administrativo-constitucionais da moralidade, da

legalidade e da eficiência, além de caracterizar violação ao dever de lealdade às

instituições, tornando a conduta por ela manifestada tipicamente adequada ao

modelo normativo do artigo 11, caput e inciso I, da Lei nº 8.429/92.

Veja-se: o princípio da legalidade – ou em sua contemporânea leitura:

princípio da juridicidade -, no âmbito da Administração Pública, obriga que os agentes

públicos pautem suas condutas a partir dos exatos ditames constantes nas normas

jurídicas que regulam a matéria em questão. O princípio da legalidade se assenta na

máxima segunda a qual ao gestor somente é licito fazer o que determina a lei,

observada a forma preestabelecida, enquanto as relações privadas, diversamente,

valem-se do princípio da liberdade: é licito fazer tudo aquilo que a lei não proíbe.

Segundo a clássica lição doutrinária de Hely Lopes Meirelles, o

princípio da legalidade significa:

[...] que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005)

Inferência cristalina, portanto, é que, ao optar voluntariamente por não

seguir o comando normativo objetivo, de caráter inquestionavelmente vinculado,

diante dos fatos exaustivamente narrados, principalmente da Constituição Federal e

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da Lei nº 9.394/96, a qual ele mesmo contribuiu para a aprovação, o requerido

MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR incorreu dolosamente na prática de ato de

improbidade administrativa, promovendo a afronta ao princípio e ao dever de

legalidade, alcançando, ainda, uma das modalidades expressas no exemplificativo rol

do artigo 11, da Lei nº 8.429/92.

O condicionamento decorrente do princípio da legalidade não se

trata apenas de mera sujeição à lei formal, haja vista que esta, para revestir-se de

validade, tem, necessariamente, que se subsumir às normas constitucionais e

encontrar-se em harmonia com o ordenamento jurídico, visto como um complexo,

na qual as prescrições são interconectadas, devendo, portanto, ajustar-se à

moralidade e à finalidade administrativa.

Nesse particular, oportuno salientar que a hipótese retrata a afronta à

legalidade em matéria de direitos fundamentais – direito fundamental à educação -,

epicentro da ordem constitucional brasileira, já que representam projeções da

dignidade da pessoa humana, também princípio de ordem constitucional, do qual

emanam comandos imperativos de fazer, não fazer e tolerar, além de dotado de

aplicabilidade imediata, nos precisos termos do artigo 5º, §1º, de nossa Lei Maior22,

cobrando realização imediata. Tal norma, por sua vez, também restou inobservada.

Outrossim, a moralidade administrativa, princípio autônomo de

índole constitucional, foi ferido pelo atuar censurável do requerido MARCONI

FERREIRA PERILLO JÚNIOR no cargo de Chefe do Executivo Estadual. A

moralidade administrativa prescreve ao governante rigidez ética em sua conduta,

pautando-se por valores concernentes à honestidade, imparcialidade, probidade,

22 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. (Grifou-se)

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além da persecução do justo e do bem coletivo, consignados, em grande medida, nas

escolhas democráticas alocadas no ordenamento jurídico, cuidando-se, portanto, de

uma moral objetiva.

Neste sentido, válida a leitura de Matheus Carvalho:

Esta norma estabelece a obrigatoriedade de observância de padrões éticos de conduta, para que se assegura o exercício da função pública de forma a atender as necessidades coletivas. É importante que, interpretando a Constituição Federal com uma norma posta integrante do ordenamento jurídico nacional, se admita que a atuação em desconformidade aos padrões de moralidade enseja uma violação ao princípio da legalidade, amplamente considerado, por abranger, inclusive os princípios e regras constitucionais. (CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 3ª. ed. Editora JusPodivm: 2016, págs. 67/68)

Igualmente oportunos os seguintes ensinamentos:

Quando o administrador público age contrariando as regras de probidade administrativa também a moralidade administrativa restou prejudicada, desrespeitada, ainda que de forma indireta. Isso ocorre porque o dever da boa administração está ligado ao atendimento à finalidade pública, mas sem flexibilização das normas às quais está submetida a Administração Pública, sob pena de atropelar o ordenamento jurídico vigente sob o argumento de que os impedem ou inviabilizam o interesse público. (FRANÇAS, Vladimir da Rocha. Eficiência Administrativa na Constituição Federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional, nº 35. São Paulo: Revista dos Tribunais. Abr/Jun 2001. P.185)

Assim, constitui uma violação ética, com afronta à moralidade

administrativa, o não agir ou o agir em desconformidade com os interesses dos

respectivos destinatários últimos dos atos, que, no caso em tela, é o povo goiano. Há

uma conexão incontornável, portanto, entre a moralidade e a legalidade

administrativas. A transgressão ao Direito, principalmente quando em causa o bem

comum tutelado por normas jurídicas validamente instituídas, e, repita-se, de natureza

constitucional, traduz-se em afronta à moralidade administrativa.

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Por sua vez, a eficiência administrativa também restou desguarnecida

pelo requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR. Esse princípio exige que o

exercício da atividade administrativa atenda de forma otimizada as missões de interesse

coletiva impostas ao Poder Público, promovendo a maior concretização possível das

finalidades do ordenamento jurídico, com os menores ônus possíveis, seja para os

direitos dos cidadãos, seja para as finanças públicas. Eficiência é produzir bem, de forma

eficaz, com adoção de critérios legais e morais, com qualidade e menos gastos.

Em suma, a Administração encontra-se obrigada a assegurar a maior

efetividade na execução de uma política pública, com o menor custo cabível, cobrando

uma análise de economicidade.

No tocante às políticas públicas de educação, parcela da avaliação

acerca de economicidade orçamentária foi democraticamente efetivada pelo Constituinte

e pelo legislador conformador, ao estipularem um quantum mínimo de custeio (25% da

receita resultante de impostos), para garantir um desempenho satisfatório do serviço de

educação pública. Deixaram, todavia, espaços para ulteriores verificações de

economicidade a serem empregadas na execução da política pública de educação.

Entretanto, ao não empregar o valor mínimo normativamente estipulado,

o requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR já rompeu, desde logo, com as

exigências da economicidade posta inicialmente pelo Constituinte, comprometendo a

eficiência administrativa relativamente a esse ato em si.

Para além, ao pensarmos o princípio da eficiência, não nos deparamos

apenas com uma obrigação de meio, na qual nos debruçamos sobre as vias escolhidas

para a consecução do resultado normativo, mas também a sua obrigação de fim, a qual,

para sua integral satisfação, impõe que os resultados obtidos reflitam os comandos

normativos, ou seja, que contemplem rentabilidade social.

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Ao não desempenhar com presteza a função da alocação do recurso

mínimo em educação, tem-se que o resultado dessa conduta impediu a máxima que

exige que a otimização dos resultados pudesse se concretizar.

O direito fundamental à educação, bem comum perquirido e

alcançável com o emprego dos recursos devidos, restou desatendido. Como

reflexos, o desempenho funcional do Poder Público Estadual não se mostrou apto a

promover educação pública adequada à população goiana. Somente é eficiente a

providência que persegue e concretiza o bem comum.

Acerca do dever de eficiência do administrador público, leciona Odete

Medauar:

O vocábulo liga-se à ideia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração dever agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população. Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligencia, a omissão – características habituais da Administração Pública brasileira,

com raras exceções. (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. Editora Revista dos Tribunais, 8ª ed. rev. e atual. São Paulo: 2004, pág. 151) (Grifou-se)

O requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR faltou, ainda,

com o dever de lealdade às instituições, nos precisos termos do artigo 11, caput,

da Lei nº 8.429/92. Lealdade é o respeito aos princípios e regras que norteiam a

probidade, pelo que, quando aplicada ao setor público, implica necessariamente em

adoção de opções que sejam conforme os fins institucionais dos entes aos quais o

agente está vinculado, que busquem atender os objetivos visados nos atos institutivos

– em sentido lato -, indiscutivelmente subordinados ao bem comum e ao interesse

público.

Ser leal é tratar a coisa pública a partir de exigências morais, geri-la

ética, mediante de a adoção de condutas que necessariamente estejam conforme o

bem comum e as exigências normativas. Ser leal à coisa pública e às instituições que

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a congregam importa, além de outros deveres, em uma atuação em consonância

com os compromissos assumidos ou aquiescidos diante dos preceitos da

legalidade. Somente são acobertadas pela lealdade às instituições medidas que

busquem e concretizem o bem comum.

Certamente, a postura manifestada pelo requerido MARCONI

FERREIRA PERILLO JÚNIOR de não aplicar o mínimo em educação e, mais ainda,

de ter realizado manobras contábeis para omitir o descumprimento de um dever

constitucional, não é o que se espera de um gestor público em um Estado construído

no modelo republicano, no qual devem os gestores buscar incessantemente o

interesse coletivo, que constitui o pano de fundo do sistema normativo democrático

inscrito na Constituição da República Brasileira.

Logo, a conduta de MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR atentou

contra a lealdade à instituição pública a qual se encontrava vinculado. A esse

propósito, necessário se faz mencionar o entendimento dos doutrinadores Emerson

Garcia e Rogério Pacheco Alves, que preconizam, in verbis:

O dever de lealdade em muito se aproxima da concepção de boa-fé, indicando a obrigação de o agente: a) trilhar os caminhos traçados pela norma para a consecução do interesse público e b) permanecer ao lado da administração em todas as intempéries. Além disso, dever ser transparente, repassando aos órgãos a que

esteja vinculado todas as informações necessárias à concreção dos projetos que visem ao regular andamento do serviço. Uma vez mais invocando Cícero, devemos observar que “o alicerce da justiça é a boa-fé, ou seja, a sinceridade nas palavras e a lealdade nas convenções. [...]

Para Pedro T. Nevado-Batalla Moreno, o dever de lealdade abrange: o dever de neutralidade e independência política no desenvolvimento do trabalho; o respeito à dignidade da administração; o respeito ao

princípio da igualdade e da não discriminação, e o respeito aos particulares no exercício de seus direitos e liberdades públicas. (GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa / Emerson Garcia e Rogerio Pacheco Alves. 7ª ed., ver., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, pág. 396)

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Concluindo: ao contrariar frontalmente, de modo deliberado, os

preceitos legais e constitucionais, violando princípios da moralidade, da legalidade e

da eficiência, bem como o dever de lealdade às instituições, de forma dolosa,

ocasionando múltiplas lesões humanísticas e à dignidade dos que dependem do

ensino público goiano, o requerido incidiu nas restrições contidas no artigo 11, caput

e inciso I, da Lei nº 8.429/92, a ele acarretando as sanções do artigo 12, inciso III da

mesma lei.

III – DA TUTELA PROVISÓRIA DE EVIDÊNCIA

O novo Código de Processo Civil reformulou, de forma substancial e

mais sistemática, a tutela provisória no sistema processual brasileiro. Assim, de

acordo com a nova disciplina processual, a tutela provisória pode fundamentar-se na

urgência ou na evidência (art. 294, CPC).

Conforme lição de Fredie Didier Jr.:

Em situação de urgência, o tempo necessário para a obtenção da tutela definitiva (satisfativa ou cautelar) pode colocar em risco sua efetividade. Este é um dos males do processo. Em situação de mera evidencia (sem urgência), o tempo necessário para a obtenção da tutela definitiva (satisfativa) não deve ser suportado pelo titular de direito assentado em afirmações de fato comprovadas, que se possam dizer evidentes. Haveria, em tais casos, violação ao princípio da igualdade.

No intuito de abrandar os efeitos perniciosos do tempo do processo, o legislador instituiu uma importância técnica processual: a antecipação provisória dos efeitos próprios da tutela definitiva, que permite o gozo antecipado e imediato dos efeitos próprios da tutela definitiva pretendida (seja satisfativa, seja cautelar).

A principal finalidade da tutela provisória é abrandar os males do tempo e garantir a efetividade da jurisdição (os efeitos da tutela). Serve, então, para distribuir, em homenagem ao princípio da igualdade, o ônus do tempo do processo, conforme célebre imagem de Luiz Guilherme Marioni. Se é inexorável que o processo demore, é preciso que o peso do tempo seja repartido entre as partes, e não somente o demandante arque com ele.

(DIDIER JR., Freddie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. Teoria da prova,

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direito probatório, decisão precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10 ed. Rev. ampl. atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2015, Vol. 2, pág. 567) (Grifou-se)

Diante dos fatos narrados, a tutela de evidência se mostra plenamente

cabível, vez que preenchidos os requisitos previstos no art. 311, inciso IV, do CPC, a

saber:

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da

demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: (...) IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

In casu, a petição inicial está instruída com prova documental

suficiente, que demonstra os fatos constitutivos do direito do autor.

Conforme já exaustivamente demonstrado, a legislação estampada

na Constituição Federal, na Lei nº 9.394/96 e na Lei nº 11.494/2007, assim como as

orientações do Conselho Nacional de Educação (Parecer CP nº 26/97), do Ministério

da Educação (1º encontro técnico para padronização de interpretação da legislação

de regência do FUNDEB), do Tribunal de Contas da União (Consulta ao TCE/SC,

processo nº 006.747/2000-2), da Controladoria Geral da União (Cartilha Olho Vivo no

Dinheiro Público – FUNDEB) e da Secretaria do Tesouro Nacional (Manual de

Demonstrativos Fiscais) são claras ao determinar que despesas com inativos não

se qualificam como gastos em manutenção e desenvolvimento do ensino.

Da mesma forma, a legislação estampada na Constituição Federal,

na Lei nº 9.394/96 e na Lei nº 11.494/2007, assim como a Instrução Normativa nº

001/2013, do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, e os Manuais de

Demonstrativos Ficais, da Secretaria do Tesouro Nacional, também são claros ao

determinar que despesas com merenda escolar também não se qualificam como

como gastos em manutenção e desenvolvimento do ensino.

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Outrossim, a Lei Estadual nº 19.065/2015, a Instrução Normativa nº

001/2013, do Tribunal de Contas do Estado de Goiás, e os Manuais de

Demonstrativos Ficais, da Secretaria do Tesouro Nacional, de igual modo são claros

no sentindo de que despesas inscritas em restos a pagar sem disponibilidade

financeira no encerramento do exercício não poderão ser consideradas como

aplicadas em manutenção e desenvolvimento do ensino.

Por fim, de acordo com o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor

Público, da Secretaria do Tesouro Nacional, “despesa pública é o conjunto de

dispêndios realizados pelos entes públicos para o funcionamento e manutenção dos

serviços públicos prestados à sociedade”, donde se conclui, com máxima

tranquilidade, que disponibilidade financeira não se qualifica como uma despesa

pública para o fim de ser computada como gastos em manutenção e

desenvolvimento do ensino.

Nada obstante todo esse vasto regramento, as provas documentais

ora trazidas aos autos, notadamente os Relatórios Técnicos do TCE/GO sobre as

Contas do Governador dos exercícios de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017

(Doc.6 a Doc.12), comprovam que o Estado de Goiás, sob a chefia do requerido

MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR, simulou o cumprimento da aplicação

mínima de 25% das receitas resultantes de impostos nas ações de manutenção e

desenvolvimento do ensino público goiano, porquanto inseriu de forma fraudulenta

disponibilidade financeira (2011), gastos com inativos (2011 a 2017), restos a

pagar sem disponibilidade financeira (2014 a 2017) e despesa com merenda

escolar (2015) no cálculo para apuração de gastos mínimos em educação.

Pela manobra contábil levada a efeito pelo requerido MARCONI

FERREIRA PERILLO JÚNIOR, o Estado de Goiás, de 2011 a 2017, descumpriu o

dever de aplicar o mínimo constitucional em ações de manutenção e desenvolvimento

do ensino, ocasionando um déficit bilionário de investimento em educação.

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Dito isso, patente a fumaça do bom direito necessária ao deferimento

da tutela provisória de evidência, nos termos do art. 311, IV, do CPC. Assim, para

preservação do direito fundamental à educação, necessária a concessão da tutela

provisória, a fim de que:

1. sejam bloqueadas verbas do Estado de Goiás, excluídas as

direcionadas e vinculadas, no montante total de R$

2.182.345.466,70 (dois bilhões, cento e noventa e dois milhões,

trezentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e sessenta e seis

reais e setenta centavos), correspondente ao valor que o Estado

de Goiás deixou de aplicar nas ações de manutenção e

desenvolvimento do ensino nos exercícios de 2011 a 2017;

2. seja o Estado de Goiás obrigado a aplicar o valor total bloqueado

em ações de manutenção e desenvolvimento do ensino,

adicionalmente ao índice do exercício financeiro vigente, de

forma gradual e sucessiva, sendo pelo menos no percentual de

30% do valor bloqueado no primeiro ano, devendo alcançar a

aplicação de 100% no prazo máximo de 3 (três) anos;

3. seja o Estado de Goiás obrigado a aplicar em ações de

desenvolvimento do ensino, adicionalmente no exercício

financeiro imediatamente seguinte ao do cancelamento, os

valores que vier a cancelar de restos a pagar inscritos em

exercícios anteriores e que neles foram computados na apuração

de investimentos mínimos em educação;

4. seja o Estado de Goiás proibido de inserir no cálculo da apuração

de investimento mínimo em manutenção e desenvolvimento do

ensino: a) gastos com inativos e déficits previdenciários; b)

despesas com merenda escolar, c) restos a pagar não amparados

por disponibilidade financeira no exercício de inscrição.

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A justificação da tutela provisória de evidência de natureza satisfativa,

no caso em tela, advém da clara situação de não cumprimento, a contento, pelo

Estado de Goiás de sua responsabilidade constitucional e legal de contribuir

continuamente para o custeio das ações de manutenção de desenvolvimento do

ensino público – obrigação que pretende o Ministério Público ver plena e

oportunamente cumprida.

Advém, outrossim, do alto valor jurídico em discussão – direito

fundamental à educação –, uma vez que corre o risco das mesmas manobras

contábeis empregadas pelo requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR

serem realizadas por outros gestores no cargo de Governador do Estado de Goiás, o

que deve ser imediatamente coibido pelo Poder Judiciário, a fim de que a população

goiana não sofra mais com o inadimplemento reiterado do Estado de Goiás em

políticas públicas constitucionalmente previstas vinculadas à educação.

Convém registrar que a concessão da tutela provisória de evidência

implicará, tão somente, no restabelecimento do Estado de Direito e na concretização

da Constituição Federal, segunda a qual os Estados devem aplicar, no mínimo, 25%

da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na

manutenção e desenvolvimento do ensino.

IV – DOS PEDIDOS

Ante todo o exposto, o Ministério Público requer:

1. em face do requerido ESTADO DE GOIÁS:

1.a) a notificação do requerido, para que, em 72 (setenta e duas)

horas se manifeste acerca do pedido de antecipação dos efeitos

da tutela jurisdicional, nos termos do art. 1º da Lei nº 9.494/97,

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que, para apreciação da antecipação de tutela em face do Poder

Público, faz remissão ao regramento previsto na Lei nº 8.437/92;

1.b) o deferimento da tutela provisória de evidência nos moldes

esgrimidos no tópico III;

1.c) a citação do requerido para, caso queira, contestar os

termos da presente ação, no prazo legal;

1.d) a procedência do pedido, em todos os seus aspectos, para

que, confirmado a tutela de evidência:

1.d.1) seja o ESTADO DE GOIÁS condenado na obrigação

de fazer, consistente em aplicar o montante total de R$

2.182.345.466,70 (dois bilhões, cento e noventa e dois

milhões, trezentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e

sessenta e seis reais e setenta centavos), correspondente

ao valor que deixou de aplicar em educação nos exercícios

de 2011 a 2017, em ações de manutenção e

desenvolvimento do ensino, adicionalmente ao índice do

exercício financeiro vigente, de forma gradual e sucessiva,

sendo pelo menos no percentual de 30% do valor no

primeiro ano, devendo alcançar a aplicação de 100% no

prazo máximo de 3 (três) anos;

1.d.2) seja o ESTADO DE GOIÁS condenado na obrigação

de fazer, consistente em aplicar em ações de

desenvolvimento do ensino, adicionalmente no exercício

financeiro imediatamente seguinte ao do cancelamento,

os valores que vier a cancelar de restos a pagar inscritos

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em exercícios anteriores e que neles foram computados na

apuração de investimentos mínimos em educação;

1.d.3) seja o ESTADO DE GOIÁS condenado na obrigação

de não fazer, consistente em abster-se de inserir no cálculo

da apuração de investimento mínimo em manutenção e

desenvolvimento do ensino: a) gastos com inativos e

déficits previdenciários; b) despesas com merenda escolar,

c) restos a pagar não amparados por disponibilidade

financeira no exercício de inscrição.

2. em face do requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR:

2.a) a notificação pessoal do requerido para, caso queira,

oferecer manifestação preliminar, nos termos do artigo 17, § 7º,

da Lei 8.429/92;

2.b) o recebimento da inicial, nos termos do artigo 17, § 9º, da

Lei nº 8.429/92, e posterior citação do requerido para, caso

queira, apresentar contestação;

2.c) a procedência do pedido, em todos os seus aspectos, para

que seja o requerido MARCONI FERREIRA PERILLO JÚNIOR

condenado nas penas do artigo 12, III, da Lei nº 8.429/92, pela

prática de atos de improbidade administrativa descritos no artigo

11, caput e inciso I, da mesma Lei;

3. a condenação dos requeridos ao pagamento das custas

processuais;

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4. a produção de todos os meios de provas admitidos em direito,

inclusive, a juntada de documentos contidos nos autos

extrajudiciais nº 201600454442 (Inquérito Civil Público nº

022/2018);

Atribui-se à causa o valor de R$ 2.182.345.466,70 (dois bilhões, cento

e noventa e dois milhões, trezentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e sessenta e

seis reais e setenta centavos).

Goiânia, 10 de setembro de 2018.

VILLIS MARRA

– Promotora de Justiça –

Defesa do Patrimônio Público