a chegada de lampião no inferno

4
A Chegada de Lampião no Inferno Autor: José Pachêco Um cabra de Lampião Por nome Pilão Deitado Que morreu numa trincheira Em certo tempo passado Agora pelo sertão Anda correndo visão Fazendo mal-assombrado E foi quem trouxe a notícia Que viu Lampião chegar O Inferno nesse dia Faltou pouco pra virar Incendiou-se o mercado Morreu tanto cão queimado Que faz pena até contar Morreu a mãe de Canguinha O pai de Forrobodó Três netos de Parafuso Um cão chamado Cotó Escapuliu Boca Ensossa E uma moleca moça Quase queimava o "totó” Morreram 100 negros velhos Que não trabalhavam mais Um cão chamado Trás-cá Vira-volta e Capataz Tromba Suja e Bigodeira Um cão chamado Goteira Cunhado de Satanás. Vamos tratar da chegada Quando Lampião bateu Um moleque ainda moço No portão apareceu - Quem é você, cavalheiro? - Moleque eu sou cangaceiro! Lampião lhe respondeu. - Moleque não, sou vigia! E não sou seu "pariceiro" E você aqui não entrar Sem dizer quem é primeiro... - Moleque, abra o portão

Upload: rodrigo-barbosa

Post on 25-Oct-2015

10 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

Page 1: A Chegada de Lampião no Inferno

A Chegada de Lampião no InfernoAutor: José Pachêco

Um cabra de LampiãoPor nome Pilão DeitadoQue morreu numa trincheiraEm certo tempo passadoAgora pelo sertãoAnda correndo visãoFazendo mal-assombrado

E foi quem trouxe a notíciaQue viu Lampião chegarO Inferno nesse diaFaltou pouco pra virarIncendiou-se o mercadoMorreu tanto cão queimadoQue faz pena até contar

Morreu a mãe de CanguinhaO pai de ForrobodóTrês netos de ParafusoUm cão chamado CotóEscapuliu Boca EnsossaE uma moleca moçaQuase queimava o "totó”

Morreram 100 negros velhosQue não trabalhavam maisUm cão chamado Trás-cáVira-volta e CapatazTromba Suja e BigodeiraUm cão chamado GoteiraCunhado de Satanás.

Vamos tratar da chegadaQuando Lampião bateuUm moleque ainda moçoNo portão apareceu- Quem é você, cavalheiro?- Moleque eu sou cangaceiro!Lampião lhe respondeu.

- Moleque não, sou vigia!E não sou seu "pariceiro"E você aqui não entrarSem dizer quem é primeiro...- Moleque, abra o portãoSaiba que eu sou LampiãoAssombro do mundo inteiro!

Então, esse tal vigiaQue trabalha no portãoDá pisa que voa cinzaNão procura distinção

Page 2: A Chegada de Lampião no Inferno

O negro escreveu não leuA macaíba comeuLá não se o usa perdão.

O vigia disse assim:Fique fora que eu entroVou conversar com o chefeNo gabinete do centroPor certo ele não lhe querMas conforme o que disserEu levo o senhor pra dentro.

Lampião disse: - Vá logo,Quem conversa perde horaVá depressa e volte jáEu quero pouca demoraSe não me derem ingressoEu viro tudo "asavesso"Toco fogo e vou embora.

O vigia foi e disseA Satanás, no salão:- Saiba vossa senhoriaQue aí chegou Lampião,Dizendo que quer entrarE eu vim lhe perguntarSe dou ingresso ou não?

- Não senhor, Satanás disse,Vá dizer que vá emboraSó me chega gente ruim?Eu ando muito caiporaEstou até com vontadeDe botar mais da metadeDos que têm aqui pra fora!

- Lampião é um bandidoLadrão da honestidadeSó vem desmoralizarA minha propriedadeMesmo eu não vou procurarSarna para me coçarSem haver necessidade.

Disse o vigia: - PatrãoA coisa vai arruinarEu sei que ele se danaQuando não puder entrarSatanás disse: - Isso é nada,Convide aí a negradaE leve o que precisar.

- Leve três dúzias de negrosEntre homem e mulherVá na loja de ferragemTire as armas que quiserÉ bom escrever tambémPra virem os negros que têmMais compadre Lúcifer.

E reuniu-se a negradaPrimeiro chegou FuxicoCom um bacamarte velhoGritando por Cão de BicoQue trouxesse o pau da prensaE fosse chamar TangençaNa casa de Maçarico.

E depois chegou CambotaEndireitando o bonéFormigueiro, Trupe-ZupeE o crioulo QueléChegou Banzeiro e PacaiaRabisca e Cordão de SaiaE foram chamar Bazé.

Veio uma diaba moçaCom uma calçola de meiaPuxou a vara da cercaDizendo: - A coisa está feiaHoje o negócio se dana,E disse: - Eita, baianaAgora a ripa vadeia.

Page 3: A Chegada de Lampião no Inferno

E lá vai a tropa armadaEm direção do terreiroPistola, faca e facãoCravinote e granadeiroE um negro também vinhaCom a trempe da cozinhaE o pau de bater tempero.

Quando Lampião deu féDa tropa negra encostadaDisse: - Só na AbissíniaOh! Tropa preta danadaO chefe do batalhãoGritou: - As armas não mãoToca-lhe fogo, negrada!

Nessa hora ouviu-se tirosQue só pipoca no cacoLampião pulava tantoQue parecia um macacoTinha um negro nesse meioQue durante o tiroteioBrigou tomando tabaco.

Acabou-se o tiroteioPor falta de munição Mas o cacete batiaNegro embolava no chãoPau e pedra que pegavamEra o que as mãos achavamSacudiam em Lampião.

- Chega, traga um armamento!Assim gritava o vigia,Trás a pá de mexer doceLasca os ganchos de CariaTrás os birros de MacauCorre, vai buscar um pauNa cerca da padaria!

Lúcifer mais SatanásVieram olhar do terraçoTudo contra LampiãoDe cacete, faca e braçoE o comandante no gritoDizia: - Briga bonito,Negrada, chega-lhe o aço!

Lampião pôde pegarNa caveira de um boiSacudiu na testa dumEle só fez dizer: - Oi!Ainda correu 10 braçasE caiu enchendo as calçasMas eu não sei de que foi.

Estava a luta travadaMais de uma hora faziaA poeira cobria tudoNegro embolava e gemiaPorém Lampião feridoAinda não tinha sidoDevido a sua energia.

Lampião pegou um chechoE o rebolou num cãoA pedrada arrebentouA vidraça do oitãoSaiu um fogo azuladoIncendiou-se o mercadoE o armazém de algodão.

Satanás com esse incêndioTocou num búzio chamandoCorreram todos os negros(Os que estavam brigando)Lampião pegou a olharNão viu mais com quem brigarTambém foi se retirando.

Houve grande prejuízoNo inferno, nesse diaQueimou-se todo o dinheiroQue Satanás possuía

Page 4: A Chegada de Lampião no Inferno

Queimou-se o livro dos pontosPerderam seiscentos contosSomente em mercadoria.

Reclamava Satanás:- Horror maior não precisaOs anos ruins de safraE agora mais essa pisaSe não houver bom invernoTão cedo aqui no InfernoNinguém compra uma camisa.

Leitores vou terminarTratando de LampiãoMuito embora que não possaVos dar a resoluçãoNo inferno não ficouNo céu também não chegouPor certo está no sertão.

Quem duvidar dessa estóriaPensar que não foi assimQuerer zombar do meu sérioNão acreditando em mimVá comprar papel modernoEscreva para o infernoMande saber de Caim.

FIM