a consciência do paulo

8/16/2019 A consciência do Paulo

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A consciência do Paulo

Joana Pereira e Jorge Salgado



INT. PAREDE BRANCA - DIA

PAULO aparece com uma placa onde se lê o seu nome. Primeiro,encontra-se de perfil para nós, voltado para o lado direito.Seguidamente, volta-se para o lado esquerdo. Por fim,vira-se para a frente, rosto voltado para nós.

CONSCIÊNCIA (V.O)Este é o Paulo.

INT. QUARTO - DIA

A câmara revela o quarto de Paulo. Este encontra-se decostas, sentado em frente da sua secretária, headphones nacabeça e caixas de comida espalhadas pela secretária. Jogaavidamente no computador sem descolar os olhos do ecrã. Acâmara aproxima-se lentamente dele, sem ele nunca parar dejogar.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)

O Paulo era um rapaz normal até hádois anos. Um amigo apresentou-lheeste jogo de computador e, desdeentão, nunca mais houve Paulo paraninguém.

Comida é pousada à porta do quarto e, entreabrindo-alevemente, vemos a mão de Paulo a puxá-la para dentro. Portabate com força.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Já praticamente não fala com a mãe.

Paulo cheira a sua camisola.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)A higiene sofreu um grandedeclínio.

Close-up das notas dos testes deles. Todas elas negativas.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Já nem as notas se aproveitam.

Paulo continua a jogar no computador mostrando grande

afinco.CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)

Contudo, o Universo é matreiro egosta de pregar partidas. Esta é apartida do Paulo.

Luz do ecrã do computador apaga-se repentinamente a meio dojogo. Paulo olha para o ecrã sem saber como reagir.



2.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Já agora, eu sou a consciência doPaulo. Prazer.

INT. QUARTO - DIA

Paulo anda de um lado para o outro no seu quarto. Com otelemóvel ao ouvido, discute veementemente com a pessoa queestá do outro lado da linha, mostrando-se visivelmentealterado. Uma caixa grande de cartão fechada a fita-cola évisível em cima da sua cama.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Pobrezinho. Vai ficar uma semanasem computador e já está assim.Olhem só como ele discute com orapaz da informática. Os ânimosestão exaltados, há muito tempo nãoo via assim.

Paulo senta-se na cama ao lado da caixa. Ainda com otelefone no rosto, desliza-o ao longo do corpo com umsemblante claramente carregado de derrotado.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Ele não estava preparado para isto.Tal como diz o ditado, em tempos dedesespero, medidas desesperadas. Eo Paulo lidou com esta situação dasmelhores formas que pode.

Paulo bate várias vezes com a cabeça contra a parede do

quarto, derrotado e perdido.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Não foi a melhor solução, mas estefoi o dia um.

EXT. PARQUE - DIA

Paulo está sentado num banco de jardim usando capuz. Estáansioso. As mãos batem nervosamente na sua perna.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)O passeio não trouxe mais ideiasbrilhantes.



3.

INT. CASA DE BANHO - DIA

Paulo está sentado no chuveiro a chorar. A água corre pelasua cabeça.


E nem um banho tornou a situaçãomelhor ou diminuiu o desespero.

EXT. IGREJA - DIA

A cena abre para mostrar Paulo parado à frente das portasda igreja, a uns vinte metros dela. Engole em seco. Após unsmomentos, este percorre lentamente a distância que o separada igreja e entra porta adentro.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Ele tentou... Ele bem que tentou.

EXT. IGREJA - DIA

Paulo sai da igreja apressado, um expressão carregada, deira, no seu rosto. Pontapeia várias vezes um muro perto daigreja.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Pára, Paulo, pára! É precisoreagires assim?! Meu Deus, quegrande bebé me saíste.

EXT. RUA - DIA

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Desde que te conheci que mepreocupo contigo, que zelo porti... Já nem falas com a tua mãe,não ligas a nada do que te digo,desde que recebeste o jogotornaste-te num verdadeirootário...

Paulo põe o capuz por cima da cabeça, sem parar de andar.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Ai é assim, vais ignorar-me?Cresce, Paulo! Depois de tudo o quepassamos juntos é assim que metratas?

Paulo percorre a rua.



4.

PAULO (V.O)Cala-te. (Voz passiva)

Paulo não abranda o passo.


...és um fraco...não mereces o quetens...a viver através de umjogo...tenho pena de ti...

PAULO (V.O)(CONT’D)

Cala-te (voz a subir de tom)

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Fraco...fraco...fraco... fraco...fraco...

Paulo para no meio da rua e aproxima-se de uma parede.

Esmurra a pedra e fecha os olhos num esgar de tormento.

PAULO (V.O)(CONT’D)CALA-TE!!!! (a gritar)

A respiração dele é forte, os olhos continuam fechados. Levaas mãos à cabeça desesperado.

PAULO (V.O)(CONT’D)Por favor, cala-te. Já percebi, souum falhado. Mas, por favor, deixame respirar.

Paulo tira as mãos dos olhos e volta a andar a medo. Olha àsua volta. O som ambiente (carros, pássaros, buzinas)torna-se evidente. Fade out.

INT. QUART O- DIA

Paulo escancara a porta e entra quarto adentro. Agarra numacaixa de CD de jogos e senta.se no chão do quarto.Repetidamente, Paulo parte os CD’s de jogos que tinha,.Deita-se exausto, por cima dos pedaços de CD, olhando para otecto.

INT. SALA - NOITE

Dias passaram-se e o computador foi esquecido. Paulo apareceno sofá, em frente à tv a comer bolachas e de olhos vidradosno ecrã. As posições mudam diversas vezes, o tempo passarapidamente e a noite avança sem Paulo tirar os olhos doecrã.



5.

CONSCIÊNCIA (V.O)Por momentos pensei que as coisasiam mudar, pelos vistos enganei-me.

INT. PAREDE BRANCA - DIA

Paulo aparece com a placa onde se lê o seu nome. Estávoltado para a direita, de perfil para nós. Volta-se para aesquerda e, por fim, vira-se de frente.

CONSCIÊNCIA (V.O)(CONT’D)Este é o Paulo. O Paulo tem 23 anose é um ex-viciado em jogos. Agorapassa o tempo em frente daTelevisão. Ninguém vê o Paulo,ninguém ouve o Paulo, e pelo que sesabe, só a televisão o reconhece.

a consciência do paulo

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