a contratualiza o na gest o p blica municipal e sua...
TRANSCRIPT
1
A Contratualização na Gestão Pública Municipal e sua
interface com as relações do tipo Agente-Principal no
Estado RESUMO
Essa monografia pretende fazer uma reflexão sobre a importância da
Contratualização na Administração Pública a partir de uma interpretação dada pelas Teorias
de Agência e da escolha Pública principalmente na relação entre políticos e burocratas. O
texto argumenta que a contratualização, caracterizada como a separação entre as funções de
formulação de políticas e sua execução, pode tornar-se um importante tipo de controle
sobre a burocracia, evitando mecanismos de insulamento e predação. O artigo conclui
argumentando que os novos rumos na gestão pública deveriam ser encarados como sendo
parte integrante de mudanças inadiáveis que visam essencialmente orientar a ação do
Estado para o cidadão-usuário
1. INTRODUÇÃO
A esfera municipal ganhou crescente importância no Brasil nas últimas duas
décadas. Se por um lado, o retorno à democracia levou à sua associação de forma indelével
com o processo de descentralização provocando um fluxo descendente de atribuições do
Poder central para as esferas sub-nacionais de governo, principalmente a municipal, por
outro, a crise que se abateu quase que de forma generalizada sobre o mundo capitalista nos
anos 80, e fortemente sobre o Brasil, fez com que se esgotasse não só a possibilidade do
Estado desenvolvimentista como de qualquer tipo de ação mais abrangente e duradoura do
Estado. Diante deste quadro, as esferas municipal e estadual, mais a primeira até do que a
2
segunda passaram a ser depositárias das reais possibilidades de intervenção do Estado no
novo cenário que se desenhou a partir da década de 80.
Nesta nova situação as esferas sub-nacionais tiveram que assumir não só tarefas que
não estavam acostumadas a desempenhar, não tendo qualquer tradição ou conhecimento
acumulado para tal, como também fizeram isto em um contexto de grave crise mundial.
Não há dúvidas sobre o fato de que os municípios vêm assumindo maior autonomia
e mais responsabilidades na provisão de bens e serviços públicos, ainda que de forma
seletiva e na medida de suas possibilidades. Este quadro tem levado muitas administrações
sub-nacionais, a buscar inovação na gestão a fim de dar conta de suas novas
responsabilidades.
No que se refere à reforma da administração pública no nível local, parece que ainda
não está muito clara a inserção do município no novo paradigma que tem guiado a revisão
do papel do Estado em países em desenvolvimento. Nas duas últimas décadas, a maioria
dos países em desenvolvimento passou a responder aos desafios provocados pelas
restrições fiscais e pela internacionalização da economia via a adoção de políticas
convergentes, tais como: eliminação de funções governamentais, cortes em despesas com
custeio e investimento, redução da folha de pessoal, privatização, desregulamentação,
planejamento estratégico para as cidades voltado para a competição entre as mesmas e
descentralização.
Esta agenda de reformas, que passou a ser rotulada como a de primeira geração,
parece que ficou relativamente distante das esferas locais no Brasil, especialmente vis-à-vis
as esferas nacional e estadual, com exceção da diretriz estratégica da descentralização. Os
governos locais no Brasil estariam mais próximos da segunda geração de reformas que, de
acordo com Heredia e Schneider (1998), está calcada na construção ou reconstrução das
3
capacidades administrativas e institucionais dos governos. Assim, nos anos 90, a agenda
dos organismos financeiros internacionais para os países em desenvolvimento enfatizou a
criação de capacidade no Estado e a adoção de práticas voltadas para o “bom governo”.
Todavia, a adoção de políticas voltadas para a reforma da administração pública local
(reestruturação das estruturas e práticas administrativas) requer o conhecimento
aprofundado da realidade local, da importância crucial do papel da União e dos estados no
apoio a essas reformas.
Dentre as opções de reforma do serviço público que têm se verificado em todo o
mundo, cresce em popularidade a experimentação em torno da assim chamada
"contratualização". Esse movimento pode ser entendido como uma incorporação das
críticas neoliberais em prol da necessidade de um comportamento empresarial autônomo
em certas esferas de governo. De fato, a contratualização estimula que as partes da relação
negociem um compromisso e assumam, cada qual, o seu papel sem demasiadas
ambigüidades.
Segundo Trosa (2001), o debate de pró-Estado versus anti-Estado tende a ser tornar
obsoleto. Torna-se muito difícil a defesa por um Estado paternalista que pensa conhecer as
necessidades dos cidadãos melhor do que eles próprios, assim como se torna muito difícil a
defesa de Estado liberal mínimo, simples executor da vontade do governo.
É necessário um Estado que não se impõe, calcado eminentemente em negociação,
que não é submisso, um Estado mediador de pontos de vista e interesses, por vezes,
divergentes – o Estado contratual.
As diversas concepções econômicas sobre o papel e a amplitude do Estado em sua
relação com a sociedade e com o mercado influenciaram na proposição de diferentes
modelos de Administração Pública.
4
As transformações na Administração Pública se originaram mais da necessidade de
enfrentamento de profundas mudanças econômicas, sociais e tecnológicas do que de
ideologias. Dentre essas mudanças, tem destaque o processo de globalização, a maior
exigência dos cidadãos na qualidade e quantidade de prestação de serviços, a concorrência
e ampla participação de grupos organizados e da própria sociedade civil, a crescente
necessidade de transparência e de prestação de contas e a falência das tradicionais relações
hierárquicas no modus operandi da Administração Pública. Assim, a contratualização vem
sendo apontada como uma das características do Estado contratual/regulador, que vem
substituindo o Estado positivo ou intervencionista (Majone, 1999).
Independentemente do contexto, da natureza e especificidade, reformas
administrativas são consideradas políticas públicas que visam a melhoria no desempenho
do setor público por meio de diversos mecanismos. Políticas de reforma do aparato estatal
são tentativas que se sucedem em diversos governos, contudo com baixa taxa de sucesso na
sua implementação. Por conseguinte, reformas administrativas são políticas que tendem a
ter baixo desempenho e alta persistência e, assim sendo, são políticas que permanentemente
tendem a falhar (Rezende, 1999). De modo geral, as tentativas de reformar o aparato
burocrático estatal têm sido um exercício estéril ou rotundos fracassos tanto administrativos
quanto políticos.
Segundo Heredia e Schneider (2002), reformas administrativas são nebulosas em
países onde existe uma fusão entre as elites política e burocrática. Reformas administrativas
apresentam maior probabilidade de êxito quando grupos políticos alheios a esses esquemas
chegam ao poder. Os autores argumentam ainda que os governos tendem a investir mais na
reforma administrativa quando, para alcançar determinados compromissos programáticos,
exigem-se mudanças na máquina estatal.
5
Abrucio (1997) argumenta que o sucesso ou malogro de reformas administrativas
refere-se ao apoio político obtido pelo governo reformista. O autor conclui que as
iniciativas reformistas de maior sucesso derivaram de intenso apoio político e da
configuração de novos incentivos institucionais.
Schwartz (1994) vê a teoria da escolha pública e a teoria da agência como as
correntes de maior influência sobre as reformas do setor público nos países desenvolvidos.
Idéias adotadas nestes países, como a separação entre formulação e implementação de
políticas e a criação de quase-mercados no setor público tinham como principal objetivo
impedir a captura das agências burocráticas por grupos privados ou burocratas
"maximizadores dos orçamentos". A assunção do auto-interesse generalizado e o
reducionismo econômico que caracterizam a nova administração pública, segundo Andrews
e Kouzmin (1998), também reforçam sua estreita ligação com o ideário neoconservador.
Existem três casos emblemáticos em que nos defrontamos com problemas
relacionados à Teoria da Agência no interior do Estado. O primeiro ocorre no âmbito do
sistema político, onde os políticos (agente, neste caso) recebem uma delegação dos
cidadãos (titular) para agir em seu nome. Essa relação traz a idéia da
responsabilização(accountability). O segundo refere-se à relação entre o Estado (titular) e
empresários (agente) remetendo a necessidade da regulação. E o terceiro ocorre no âmbito
da Administração Pública, onde o agente representa o empregado contratado pelo governo
(titular) para realizar uma tarefa especificada onde se torna essencial à atividade de
supervisão (oversight) (Przeworski, 1996).
Neste trabalho daremos ênfase a problemas derivados do terceiro caso, que se refere
à relação entre governantes e burocracia, ou seja, à dificuldade dos governantes em
controlar os funcionários do Estado, possuidores da informação técnica e organizacional e
6
de especialização. Nesta situação os governantes podem se deparar com problemas de
seleção adversa e risco moral quando a burocracia, que detêm conhecimento técnico e
organizacional, pode utilizar determinadas informações para obter vantagens que vão
contra o interesse dos governantes. Em outras palavras, havendo delegação, o burocrata
pode optar por um comportamento oportunista em beneficio próprio e não cumprir com o
acordo estabelecido. A questão fundamental, como a levantada por Arrow (1963) quando
desenvolveu os problemas derivados das "falhas do governo", é relativa aos custos de
obtenção de informações, questão que é crucial ao processo decisório e a forma de controle
nas relações do tipo Agência.
Diante do quadro acima sumariamente descrito, pretende-se, com este trabalho,
examinar a importância da contratualização de resultados na gestão pública municipal
como uma possível e essencial ferramenta de controle administrativo no tipo de relação
entre políticos e burocratas ou entre o nível executivo da administração e o operacional.
2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Administrar qualquer estrutura governamental é tarefa por demais complexa, árdua,
inflada de pragmática, que, portanto, jamais pode ser reduzido a uma teoria. Em verdade, é
um exercício da capacidade intelectual do ser humano, requerendo um domínio seguro,
teórico e prático, sobre os sistemas sociais.
A democracia e a administração pública burocrática emergiram como as principais
instituições que visavam à proteção do patrimônio público contra a privatização do Estado.
Democracia seria o instrumento político que visa proteger os direitos civis contra a tirania,
que afirma os direitos políticos, que assegura os direitos sociais contra a exploração, e que
afirma os direitos públicos em relação a res publica. Burocracia seria a instituição
7
administrativa que usa como instrumento para combater o nepotismo e a corrupção os
princípios de um serviço público profissional, e de um sistema administrativo impessoal,
formal, legal e racional (Bresser Pereira 2005).
A agenda da primeira reforma do serviço público ocorrida no final do Século XIX e
inicio do Século XX tinha dois alvos claros: a luta anticorrupção (onde os principais
corruptores eram as máquinas políticas e sindicais) e a busca da eficiência (Pacheco 2004).
Tratava-se da reforma do serviço civil com base em três idéias fundamentais
inspiradas em Woodrow Wilson, Frederick Taylor e Max Weber:
- a separação necessária entre política (politics) e administração, sendo a primeira esfera
responsável pela formulação das políticas públicas (policies), enquanto que à ação
administrativa ficava reservada a sua implementação. Woodrow Wilson, em 1887, publicou
o seu clássico Estudo da administração, propondo iniciativas de estruturação da
administração pública e defendendo uma rigorosa separação entre política e administração,
para se afastar do spoils system, fonte da discricionariedade e da corrupção; (Wilson, 1887
apud Pacheco 2004);
- o caráter científico da administração, dado pela separação entre organização do trabalho (a
ser realizada pelo gerente) e a execução de tarefas bem descritas e especializadas (a cargo
dos trabalhadores ou funcionários); a existência de um único método para a realização da
tarefa, comprovadamente mais rápido e melhor (the one, universal, best way); os princípios
da divisão do trabalho, especialização das funções, homogeneidade e unidade de comando;
o estabelecimento de regras, leis e fórmulas que substituem o julgamento de cada
trabalhador individual (Taylor, 1912 apud Pacheco 2004);
- a adoção do princípio hierárquico nas organizações, baseado num “sistema firmemente
ordenado de super e subordinação, no qual há supervisão dos níveis inferiores de
8
funcionários pelos níveis superiores”; a lealdade impessoal devotada a postos funcionais
hierarquicamente superiores; a eficiência como resultante da implementação impessoal de
regras racionais e impessoais, desde que não haja interferência política (Weber, 1922 apud
Pacheco 2004).
Embora Max Weber tenha estudado a organização burocrática (seus atributos
morfológicos) sua principal preocupação foi quanto ao advento do fenômeno burocrático
(burocracia enquanto forma de dominação racional/legal), pois a burocracia estatal
constituiu-se num tipo de poder derivado principalmente da concentração da informação e
da capacidade organizacional. Por este motivo, apesar de considerar a burocracia uma
forma de organização adequada às necessidades advindas da modernização capitalista,
Weber atentou para a necessidade de controlar esse poder. O surgimento do Estado
burocrático, para o autor, poderia levar a uma renúncia das responsabilidades por parte da
liderança política e a usurpação das funções políticas pelos administradores, ameaçando a
legitimidade do Estado democrático (Pacheco 2004).
A proposta então dessa primeira onda de reforma visava uma administração pública
não apenas mais eficiente, mas também mais “responsabilizada”. Segundo esta visão, ao ser
a administração separada da política, e garantida a lealdade impessoal do corpo de
funcionários à estrutura hierárquica de comando, estaria garantida a “responsabilização” de
todo o sistema, tanto político quanto administrativo (Pacheco 1999).
O aparecimento, no final do século XIX, da administração pública burocrática em
substituição às formas patrimonialistas de administrar o Estado foi de extrema importância.
No século XX, o Estado ampliou seu papel social e econômico, principalmente no setor
produtivo. A estratégia básica adotada pela administração pública burocrática — o controle
hierárquico e formalista ou legal sobre os procedimentos — se tornou inadequada. No
9
momento em que o pequeno Estado liberal do século XIX cedeu lugar ao grande Estado
social e econômico do século XX a administração burocrática se mostrou lenta, com alto
custo transacional, auto-referenciada e pouco ou nada orientada para o atendimento das
demandas dos cidadãos.
Era condizente o formato do Estado liberal do século XIX, um Estado pequeno
dedicado à proteção dos direitos de propriedade; um Estado voltado para as funções
precípuas de segurança e de arrecadação de tributos. Contudo, este formato não fazia mais
sentido no século XX, pois o Estado acrescentou às suas funções o papel de provedor de
educação pública, de saúde pública, de cultura pública, de seguridade social básica, de
incentivos à ciência e à tecnologia, de investimentos na infra-estrutura, de proteção ao meio
ambiente. No lugar da administração pública burocrática ultrapassada se estruturava uma
nova forma de administração — a administração pública gerencial
A transição da administração burocrática clássica, herdada da tradição continental
européia, densamente impregnada de uma visão estatal, com seu corte hierárquico e
autoritário de inspiração franco-prussiana, para a administração gerencial moderna,
fortemente influenciada pela postura pragmática das grandes corporações assim como pela
exigência de transparência praticada no mundo anglo-saxônico, desloca o foco de interesse
administrativo do Estado para o cidadão, do mesmo modo que, antes, a transição da
administração patrimonialista, que caracterizava o absolutismo, para a administração
burocrática, já havia deslocado o foco de interesse do Monarca para o Estado.
A administração pública gerencial então surgiu na Segunda metade do século XX
em resposta a crise do Estado, como uma alternativa de enfrentamento da crise fiscal, como
estratégia para reduzir o custo e buscar eficiência administrativa, além de servir como um
recurso para proteção do patrimônio público contra os interesses do rent-seeking.
10
Com a emergência de novas modalidades de apropriação da res publica pelo setor
privado exigiram-se novas estratégias que pudessem dar conta disto. A descentralização; a
delegação de autoridade e de responsabilidade ao gestor público; o controle sobre o
desempenho parecem ser recursos mais efetivos na luta contra essas modalidades do que os
procedimentos rígidos da administração burocrática quando ainda predominavam os
valores patrimonialistas no interior do Estado.
Suas características básicas são: a orientação para o cidadão e para a obtenção de
resultados; o pressuposto de que o funcionalismo deve ser merecedor de grau limitado de
confiança; a descentralização e o incentivo à criatividade e à inovação e a utilização de
contratos de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos.
Enquanto a administração pública gerencial parte do princípio de que é preciso
combater o nepotismo e a corrupção sem procedimentos rígidos, a administração
burocrática concentra-se em essência no controle preventivo dos processos, sempre a
priori. Ela atenta para os processos sem considerar a alta ineficiência envolvida; entende
que punir os desvios é difícil preferindo assim a prevenção. Esta busca pela maximização
dos controles administrativos a priori teve como ponto de partida a desconfiança
generalizada nos administradores públicos e nos cidadãos que lhes dirigiam demandas.
Com isto, o Estado tendeu a voltar-se para si mesmo e os funcionários foram tornando-se
auto-referidos, esquecendo sua principal missão que era de estar a serviço dos cidadãos.
Partindo da premissa de que a administração burocrática encontrava-se esgotada e
que era possível avançar no rumo da flexibilização do modelo racional-legal, a reforma do
Estado preconizava um novo modelo gestionário.
Desta forma, a década de 90 apresentou-se como um marco fundamental de
transformação da administração pública brasileira. Em síntese, notou-se, para o período,
11
uma proposta de mudança de uma administração pública calcada nos excessos burocráticos,
para a administração pública gerencial, formulada a partir do modelo de administração
empresarial. Com ela esperava-se o aproveitamento dos instrumentos de eficácia do setor
privado como mecanismos de modernização da gestão pública e da melhoria dos serviços
prestados pelo Estado. Para a efetivação da Reforma do setor público adotaram-se diversas
linhas de redirecionamento organizacional, dentre elas a contratualização, haja vista que
estruturas organizacionais inadequadas reduzem a eficácia de estratégias estimuladoras de
mudanças.
3. A CONTRATUALIZAÇÃO
A contratualização vem sendo apontada como uma das características do Estado
regulador, que vem substituindo o Estado positivo ou intervencionista; por meio de arranjos
contratuais ou quase-contratuais, entidades públicas (estatais ou não-estatais) orientadas por
missões, organizações sem fins de lucro ou mesmo prestadores privados de serviço vêm
sendo submetidos a novas formas de controle e responsabilização, perante as entidades
responsáveis pela formulação das políticas públicas.
Esta talvez seja uma das maiores inovações institucionais geradas no âmbito das
reformas do aparelho do Estado nas últimas duas décadas e meio. Enfrenta, ao mesmo
tempo, os dilemas do esgotamento do paradigma clássico da administração, e os
imperativos de novas formas de controle sobre o gasto e sobre o desempenho das
organizações públicas (Trosa, 2001).
A idéia de administração por contratos ou contratualização é utilizada para referir as
características de gestão do setor público resultantes do desenvolvimento de novos
relacionamentos no seu seio. O novo relacionamento baseia-se na idéia nuclear de quebrar a
12
hierarquia como modelo de coordenação e controle típicos do setor público e estabelecer
um relacionamento mais livre através da delegação do centro para uma subsidiária ou uma
organização autônoma do setor público ou do setor privado através de um contrato
(Harrison, 1993). O elemento essencial no modelo de coordenação por contratos consiste na
divisão da responsabilidade pelo fornecimento e no fornecimento em si mesmo. Numa
relação contratual o governo retém a responsabilidade de financiar o serviço ou o produto,
mas delega a autoridade da produção/fornecimento a uma empresa privada ou a uma
organização não governamental. Este modelo baseia-se na teoria do principal-agente na
qual o governo como principal deve formular um contrato que induza o contratado, como
agente, a ter um comportamento de acordo com os desejos do governo.
O governo decide o que quer, formula um contrato em que define os objetivos, e
procura alguém que se comprometa a realizar esses objetivos ao mais baixo custo. Este é
um mecanismo pelo qual os governos procuram beneficiar da eficiência inerente ao
mercado. E é esta divisão que origina uma quebra nos princípios organizacionais da
hierarquia ou da integração vertical, típico do setor público, para uma estrutura de
fornecimento de serviços baseada em relações contratuais. A separação entre comprador e
fornecedor de serviços e a utilização de contratos ou quase-contratos para coordenar as
atividades de fornecimento de bens e serviços introduz uma nova forma de coordenação de
tipo mercado. O contrato não só reflete um processo de alocação de recursos baseado em
indicadores e medidas de desempenho, típico de uma relação de mercado, como também
conduz à reformulação das relações dentro da hierarquia do setor público. Um dos efeitos
desta mudança consiste na substituição de um único fornecedor por uma pluralidade
possível de fornecedores. O fornecimento de bens e serviços é feito recorrendo a contratos
estabelecidos com aqueles fornecedores que apresentem um preço mais baixo. O governo
13
passa então a ser o núcleo de uma constelação de organizações responsáveis pelo
fornecimento de serviços públicos e que se relacionam numa base contratual.
A introdução dos contratos não é uma simples substituição de uma estrutura de
gestão por outra. Ela não se confina a mudar linhas hierárquicas de comando e substituí-las
por contratos. A introdução de contratos tem implicações importantes na forma como o
governo funciona e como se articula com as outras organizações. Há um deslocamento das
considerações políticas para uma abordagem mais gerencial que consiste em assegurar o
fornecimento eficiente dos serviços públicos. A administração por contratos transforma o
governo num comprador altamente qualificado, utilizando os vários produtores de forma a
alcançar os objetivos políticos. Isto é uma forma sutil de re-introduzir a dicotomia política-
administração, e, portanto reduzir a parte operativa do governo (Frederickson, 1996).
A especificação daquilo que os serviços públicos devem fazer não é só uma
mudança na gestão, também implica uma mudança na forma como as decisões de política
são tomadas. A contratualização implica saber o que comprar (a especificação do produto
ou serviço), a quem comprar (a existência de oferta), como comprar (a escolha entre um
preço fixo ou o custo mais o lucro ou uma solução intermédia), a duração do contrato e a
freqüência de contratação, o sistema de fiscalização e cumprimento do contrato.
Naturalmente que os contratos são fáceis de elaborar quando é fácil especificar qual
é a atividade ou tarefa a contratar, como vai ser avaliada e o que é considerado bom
desempenho. A concorrência será mais provável quando existe um mercado no setor
privado. Estas condições verificam-se com maior freqüência nos serviços de apoio e
auxiliares do setor público e em áreas operativas. E é nestas atividades que os princípios de
contratação são mais utilizados.
14
O principal argumento a favor dos contratualização, no entanto, pode tender ao
resumo de questões de caráter econômico e de saber escolher entre produzir os bens e
serviços internamente ou comprá-los no mercado. Mas há considerações nesta decisão que
não são meramente econômicas. Assumir que qualquer atividade ou tarefa executada por
entidades públicas pode ou deve ser objeto de formas contratuais é uma perspectiva
comercial e redutora das atividades dos governos. A natureza de muitos serviços públicos,
os seus objetivos e a forma como são fornecidos apresentam características que tornam
difícil, senão impossível, a sua delimitação e a redação sob a forma de um contrato. Por
vezes é difícil definir exatamente a tarefa ou serviço a fornecer ou é difícil controlar os
resultados em termos quantitativos e qualitativos. Por exemplo, é difícil, senão impossível,
escrever um contrato tecnicamente completo em áreas como a saúde, serviços sociais ou
educação.
Os contratos requerem uma especificação clara do trabalho a executar e os
mecanismos de controle do trabalho executado, o que nem sempre é fácil. Mas mesmo que
o seja, a capacidade de influência política limita-se à definição da estratégia inicial do
serviço e à sua especificação, retirando a capacidade de influência no processo de
fornecimento decorrente de novas circunstâncias (Walsh, 1995). Alterações no
fornecimento devem ser objeto de negociação ou de nova contratação, o que retira
flexibilidade a este instrumento. Segundo Williamson (1975) em determinadas
circunstâncias, por exemplo quando a incerteza é elevada, as transações variam ou o acesso
à informação é limitado, os contratos devem mesmo ser substituídos pelo controle
hierárquico.
O problema central numa relação contratual é a assimetria da informação entre o
comprador e o fornecedor. Nesta relação o comprador tem, por vezes, menos informação
15
sobre a tecnologia e as condições de produção do que o fornecedor, principalmente quando
se trata de tarefas complexas. Nestas circunstâncias o fornecedor parte de uma situação de
vantagem, podendo, portanto obter benefícios acima daquele obteria numa situação de igual
acesso à informação.
Também a manutenção de uma concorrência genuína e a rivalidade nos contratos
não é fácil, principalmente para evitar a associação de empresas privadas, a colusão nos
concursos e a possível corrupção na escolha de propostas. Por outro lado, para muitos
serviços, especialmente os serviços sociais, não há verdadeiros mercados, essencialmente
pela inexistência adequada de oferta. E tal como a teoria econômica já demonstrou a
ausência de competitividade num mercado limita o beneficio econômico, logo o benefício
que a contratualização poderia proporcionar.
4. TEORIA DA AGÊNCIA E TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA
Na década de 80 assistiu-se ao alargamento da aplicação da contratualização a quase
todas as áreas do setor público. A influência das Teorias da Agência e da Public Choice
(Teoria da Escolha Pública) conduziram a uma abordagem mais específica das medidas de
reforma na Administração Pública. De acordo com estas correntes, diferentes tipos de
estrutura de organização e de processo de decisão influenciam a eficiência das organizações
e o comportamento dos indivíduos. As mudanças procuram, então, introduzir estruturas de
sistemas de incentivos que induzam alterações no funcionamento das organizações
públicas.
A teoria da Agência é uma construção pertencente ao campo de estudo da escola de
economia neo - institucionalista. O problema geral das relações principal agente pode ser
formulado da seguinte maneira:
16
- Os agentes dispõem de informações que os principais não observam diretamente:
conhecem suas próprias preferências, dispõem de uma informação privilegiada sobre suas
capacidades e têm a chance de perceber alguns estados possíveis do mundo que os
principais não podem perceber. Estes, por sua vez, podem ser capazes de observar, sem
muito esforço, certos comportamentos do agente, ou inferir suas ações a partir dos
resultados, ou ainda podem decidir arcar com os custos de monitorar tais atos. O principal
tem de induzir o agente a se conduzir de acordo com seu interesse, ao mesmo tempo
respeitando tanto a condição de “participação”, isto é, proporcionando ao agente um
rendimento (ou utilidade) superior à próxima melhor oportunidade, quanto à condição de
“compatibilidade de incentivo”, que permite ao agente atuar em defesa de seu próprio
interesse. Um fator importante nesse arranjo é a alocação de riscos, que pode ficar por
conta de uma das partes ou ser compartilhada por ambas, dependendo da posição de cada
uma diante dos riscos.
Tal teoria baseia-se nas seguintes premissas para alcançar sua conclusão:
• Os agentes fazem escolhas para os principais (estrutura da decisão)
• Os principais não podem rever todas as escolhas adotadas (estrutura da
informação); sendo assim, estes deveriam fornecer “incentivos” para forçar os agentes a
adotarem “boas escolhas”.
A sua racionalidade está calcada em dois principais argumentos:
• O processo pelo qual agentes realizam suas escolhas é uma função de custo e
oportunidade
• Tal função pode ser maximizada se os agentes tiverem incentivos para fazerem
boas escolhas para os principais.
17
Esta situação é típica da que acontece quando há uma separação entre controle e
propriedade, ou seja, quando há uma delegação de autoridade; por exemplo, quando o
agente é um empregado contratado por um empregador (o principal) para realizar uma
tarefa pré-especificada. O problema contemplado então pela teoria do agente-principal tem
a ver com a existência de informação assimétrica entre agente e principal, pois o custo do
controle total para o principal é tal que não valeria a pena contratar o agente. Por outro
lado, o agente, sendo o único que detém todas as informações sobre seu próprio
desempenho, pode utilizá-la de forma oportunista.
Para a teoria da agência a organização é uma interseção de muitas relações
contratuais entre administradores, governo, credores e funcionários. Como resultado, a
teoria de agência lida com diversos custos de monitoramento entre os vários grupos. O
problema dessa delegação de função é que o agente pode possuir objetivo divergente e até
conflitante do principal. Para evitar esse conflito de interesses, o principal pode criar
mecanismos que incentive a uma convergência de objetivos.
Para Przeworski (1996), o Estado tem um importante papel a desempenhar não
apenas na garantia da segurança material para todos os indivíduos e na disposição de
alcançar outras metas sociais, mas também na promoção do desenvolvimento econômico.
Contudo, não há garantias que essa intervenção será de fato benéfica. Ao trabalhar com
informações limitadas e sujeitas a pressões da parte de interesses especiais, os funcionários
públicos podem não ter o conhecimento necessário ou podem não querer engajar-se em
ações que promovam o interesse geral, ao invés de seus próprios interesses ou interesses de
seus aliados políticos. Assim, sob esta ótica, o maior desafio na administração pública seria
dotar o aparelho de Estado de instrumentos que lhe permita uma intervenção efetiva e, por
outro lado, crie incentivos para que os funcionários públicos atuem segundo o interesse
18
público. Contudo, estes por si só não são suficientes. Para que o governo funcione de
forma adequada, a burocracia deve ser controlada por políticos eleitos que, por sua vez,
devem ser passiveis de fiscalização e punição pelos cidadãos de forma que, só permaneçam
no poder aqueles que funcionem de forma adequada.
Num sistema político democrático, os eleitores são os principais e o representante
eleito o agente e, de maneira análoga, o Congresso é o principal e a burocracia o agente. O
problema que se coloca é como conseguir que os agentes realizem aquilo que seus
principais desejam, dada a existência de uma assimetria informacional entre ambos. A
solução para o neo-institucionalismo econômico está na construção de um arcabouço
institucional capaz de evitar o oportunismo, tanto ex-ante (situação pré-contratual) quanto
ex-post (pós-contrato) (Williamson, 1991). As manifestações de oportunismo na situação
pós-contratual são definidas pelo conceito de moral hazard (risco moral). No caso da
burocracia pública, o insulamento - que deveria garantir sua autonomia relativa a interesses
políticos particularistas - pode se constituir num incentivo perverso ao risco. O burocrata,
após ser empossado no cargo (pós-contrato), pode diminuir sua aversão ao risco
representado pela corrupção, na medida em que a fiscalização sobre ele tende a ser débil
(Melo, 1996).
Os estudos que visam conseguir uma análise mais realista e teoricamente mais
consistente do processo político, da ação coletiva e das práticas governativas, deram
origem, no âmbito da Economia e da Ciência Política, a uma nova abordagem: a teoria da
escolha pública (public choice, na terminologia anglo-saxônica).
A teoria da escolha pública foi, ao longo das últimas décadas, uma importante
crítica teórica de outra corrente, o “Keynesianismo”, que fundamenta a intervenção do
Estado na economia - a economia do bem-estar (welfare economics). Enquanto esta se
19
centrava na análise dos “fracassos de mercado” que justificavam a intervenção corretora do
Estado, a teoria da escolha pública veio clarificar os “fracassos do governo” e os limites da
intervenção desse mesmo Estado.
A teoria da escolha pública é definida como a aplicação do método econômico a
problemas que geralmente são estudados no âmbito da ciência política: grupos de interesse,
sistemas eleitorais, partidos políticos e a constituição entre outros. James Buchanan
(principal formulador) define Escolha Pública como uma perspectiva do campo político que
emerge de uma extensão da aplicação de ferramentas e métodos econômicos para decisões
coletivas ou tomada de decisões fora do mercado. Este método tem como unidade base de
análise o indivíduo, ou seja, que só este é sujeito de ações individuais ou coletivas e só ele
tem preferências, valores, motivações.
A abordagem da teoria da escolha pública é, sobretudo processual. Cada escolha
coletiva, no processo político, é resultado das preferências dos agentes envolvidos na
escolha (cidadãos num referendo, deputados no parlamento) e das regras e procedimentos
que permitem passar de preferências diversas de cada indivíduo para uma única escolha
coletiva (Pereira, 1997).
Partindo do pressuposto da racionalidade egoísta, a teoria da escolha pública oferece
um modelo onde políticos, burocratas e eleitores são maximizadores de utilidade, atuando
sob a coerção de determinadas regras institucionalizadas. Segundo Anthony Downs (1957),
os governantes são motivados por dinheiro, poder e privilégios no exercício da função
pública, razão pela qual a busca do interesse público é sempre subproduto do interesse dos
políticos em vencer as eleições. Como os eleitores normalmente não têm acesso a todas as
informações necessárias para votar de forma racional e, portanto, fiscalizar seus
20
representantes, abre-se espaço para a manipulação da agenda política e dos recursos
públicos em favor de políticos auto-interessados e suas clientelas.
Se o controle dos cidadãos sobre os políticos é por natureza imperfeito e sujeito à
manipulação, o controle sobre a burocracia pública guarda dificuldades ainda maiores. Os
burocratas são normalmente nomeados e não eleitos, o que pode colocar seus objetivos
ainda mais distantes dos interesses do público. A fiscalização do Congresso sobre os
burocratas, que deveria minimizar o problema, também tende a ser falha e há inúmeras
razões para isso.
Para a teoria da escolha pública, portanto, a autonomia burocrática é vista como um
incentivo perverso à busca de privilégios e à corrupção, devendo ser contrabalançada por
um sistema de incentivos e punições que motive a busca da eficiência pelos burocratas.
Numa perspectiva mais ampla, a preocupação maior é com o princípio de que as
instituições estatais devem atender, da melhor maneira possível, aos critérios do mercado.
Se a produção de bens e serviços privados pauta-se pelo atendimento aos desejos
dos consumidores, o mesmo deveria acontecer com os bens e serviços providos pelo
Estado, substituindo-se, por este princípio, a figura do consumidor pelo
"eleitor/contribuinte". Na impossibilidade do Estado atender a este princípio, postula-se o
repasse da produção de bens e serviços públicos para o setor privado Przeworsky, (1996).
5. AS TRÊS RELAÇÕES DO TIPO AGENTE PRINCIPAL NO ESTADO
5.1 Entre cidadãos e políticos (accountability)
O comportamento responsável dos governos - sejam eles locais ou nacionais - depende,
não exclusivamente, mas em grande medida, dos incentivos a que estes estão sujeitos. E são
em grande parte as instituições, isto é, desenhos de política, regras e normas sociais, que
21
conformam os incentivos ao comportamento dos atores políticos (North, 1990; Przeworski,
1996). Não há dúvida de que existem governos locais responsáveis e comprometidos com a
eficiência da gestão e o atendimento das demandas dos cidadãos por motivos programáticos
e/ou da qualidade moral de seus governantes. Mas, a responsabilidade dos governos locais -
e, conseqüentemente, a qualidade de um sistema assentado sobre a descentralização -
somente poderia ser garantida exclusivamente com base no programa dos partidos e na
qualidade moral dos governantes se fosse possível garantir que governantes deste tipo
fossem a maioria. Sendo isto é praticamente impossível, o problema dos incentivos ao
comportamento responsável das gestões locais se torna de novo o foco central.
Em suma, a autonomia local para a gestão de políticas cria oportunidades institucionais
para que os governantes implementem decisões de acordo com suas próprias preferências,
as quais não são necessariamente compatíveis com o interesse público e o bem-estar da
população. São as regras institucionais de uma política pública - isto é, regras do processo
decisório, mecanismos de controle e punição, arenas institucionalizadas de representação de
interesses, etc. - que propiciam os incentivos ao comportamento dos governos locais.
A primeira dimensão dessa estrutura diz respeito à influência do eleitor sobre as
decisões dos governantes em um regime democrático. A democracia é um regime político
que se distingue pela responsabilidade dos governantes perante os governados e é por meio
das eleições que essa responsabilidade é garantida (Cheibub e Przeworski, 1997). O eleitor
tem a possibilidade de escolher regularmente aqueles que ocuparão os cargos executivos e,
portanto, em princípio, pode definir, via escolha dos candidatos, que tipo de políticas
seriam as melhores para a maioria dos cidadãos. O eleitor pode ainda punir os maus
governantes, não lhes dando a possibilidade da reeleição. Em tese, o mecanismo do voto
22
deveria funcionar como um incentivo para que os governos atuassem de modo responsável
e em favor do bem-estar dos cidadãos.
Para Cheibub e Przeworski (1997) não se pode afirmar com segurança que os eleitores
punam os maus governantes. De acordo com esses autores não há evidências empíricas
suficientes de que o eleitor pune o mau desempenho e premia o bom desempenho dos
governantes. É bem possível que o voto dos eleitores se paute por outras razões que não o
seu bem-estar material.
Pode ressaltar ainda que o eleitor médio não tem interesse particular sobre os detalhes e
modos de organização da administração pública (Moe, 1989), os quais têm de fato impacto
sobre a eficiência das políticas e o bem-estar dos cidadãos.
Poder-se-ia, entretanto, argumentar que, no plano municipal, a visibilidade da ação dos
governantes é maior e, portanto, ali a conquista do eleitor funcionaria como um incentivo
ao compromisso dos governos.
Não há dúvida de que os mecanismos de seleção e punição dos governantes que a
democracia confere aos eleitores, bem como o controle público sobre a ação dos governos
que a livre manifestação da opinião confere aos cidadãos em geral, são instituições políticas
da maior relevância como incentivo ao bom desempenho dos governantes.
Entretanto, evidências empíricas sugerem que não seria suficiente confiar que os
incentivos à gestão responsável dos governos possam advir exclusivamente da ameaça de
punição dos eleitores. Em primeiro lugar, porque a capacidade de controle dos
cidadãos/usuários sobre as decisões dos administradores municipais é reduzida (Costa et
al., 1999).
É certo que para garantir patamares básicos de serviços públicos a todos os cidadãos, as
políticas públicas devem viabilizar o financiamento pelos governos locais de suas políticas
23
independentemente de sua capacidade tributária, rompendo o vínculo entre capacidade de
gasto e de tributação. No entanto, na ausência de mecanismos de controle, esta forma de
financiamento pode produzir incentivos para a ineficiência.
Finalmente, se a única motivação de um governante for oferecer bem-estar a seus
eleitores, ele poderá ampliar benefícios no momento presente, às custas do endividamento e
transferir a conta para administrações futuras, o que implicará a redução do bem-estar dos
cidadãos no futuro.
Tendo como base essa teoria, pode-se afirmar que as tendências observadas em diversas
administrações públicas em valorizar os resultados da ação estatal como ferramenta de
incremento da estabilidade democrática e de justificativa - perante um público
“desacreditado” sobre o papel do estado - que este pode fornecer produtos de qualidade e
de valor, a atividade fiscalizatória popular torna-se essencial, pois vai fortalecer e
corroborar para o alcance da ação estatal.
5.2 Entre governos e agentes econômicos privados (regulação) A base de análise desta relação consiste em como o governo (principal) estabelece um
sistema de compensação (contrato) que motive o ente privado (agente) a agir de acordo
com o interesse do primeiro. O cerne da questão é que é difícil monitorar o esforço dos
atores econômicos envolvidos em uma transação. Daí deriva-se uma grande dificuldade na
elaboração dos contratos. Por esta razão são incluídos esquemas de incentivos baseados na
performance observada. Na elaboração de um esquema de incentivos as partes envolvidas
enfrentam o trade off entre incentivos ótimos e repartição de riscos ótima. Mesmo
admitindo a vigência de um contrato entre as partes (como por exemplo, um contrato de
concessão), a relação e o cumprimento dos dispositivos contratuais se enquadram num
contexto de informação assimétrica, pois o principal dispõe de um conjunto imperfeito de
24
informações sobre o agente. Se essas informações são referentes à estrutura de custos do
agente (empresa regulada), é de se esperar que o principal (regulador) tenha uma base de
conhecimento que depende da confiabilidade das informações prestadas pelo agente. Neste
ponto reside o problema da captura do regulador por parte da firma regulada, uma vez que
o primeiro tem que tomar suas decisões baseado nas informações recebidas do último. Para
reduzir esse tipo de problema, o regulador tenta estruturar um conjunto de mecanismos de
incitações que levem a empresa regulada a fornecer corretamente as informações
necessárias.
Dessa forma, o regulador, ciente da sua situação com relação à assimetria de
informações, deve buscar evitar cair numa situação de captura regulatória: ou seja, pautar
suas ações a partir dos interesses da empresa regulada em detrimento do interesse público.
5.3 Entre políticos e burocratas(supervisão)
A gestão pública é baseada em relações de delegação de funções entre os atores
políticos e burocráticos, que estão sujeitas a problemas de relação do tipo agente x principal
na medida em que a delegação de responsabilidades de execução implica também na
delegação de certa autoridade de decisão, uma vez que o agente tem o controle da
informação prestada ao principal.
Assim, os dirigentes políticos têm informações privilegiadas em relação aos cidadãos
sobre os processos de elaboração das decisões e os agentes burocráticos têm informação
privilegiada em relação aos dirigentes políticos sobre os processos de execução das ações,
que podem influenciar nos resultados da formulação, da implementação e da fiscalização
das políticas públicas. As organizações buscam então, estabelecer instituições que
produzam incentivos para que os objetivos dos agentes e dos principais sejam congruentes,
25
de forma que nas relações haja coordenação, cooperação e a comunicação entre as funções
(Przeworski, 1999).
As relações agente x principal na gestão pública tradicional são caracterizadas pela
regulação ex ante das funções delegadas pelos políticos aos burocratas, através da avaliação
das ações, com base nas regras estipuladas (Przeworski, 1999). Mas de acordo com o
paradigma do agente X principal, estas relações entre funções e atribuições políticas e
burocráticas, estabelecidas como transações entre contratado (agente) e contratante
(principal), também são caracterizadas por conflitos de interesse na delegação de ações dos
burocratas pelos políticos. (Melo, 1996; Przeworski, 1996).
Não obstante, este sistema de gestão pública dissocia o cumprimento das regras pelos
agentes burocráticos do alcance das metas pelos dirigentes políticos. O desafio da nova
gestão pública é estabelecer um sistema que associe o cumprimento das regras ao alcance
das metas, através de instituições de regulação ex post dos burocratas pelos políticos, com a
contratualização das metas acordadas e o monitoramento destas.
As relações entre as funções políticas e burocráticas mediadas pelas organizações e
instituições nos modelos de administração pública correspondem a arranjos de gestão
pública para a governabilidade e a governança. Os arranjos são as formas das organizações
e instituições que determinam as funções e relações na deliberação, implementação e
revisão de políticas públicas pelo sistema político-burocrático (Melo 1996).
A governabilidade refere-se às condições políticas substanciais para governar o Estado,
derivada da legitimidade conferida pelos atores sociais aos atores políticos para a
deliberação das políticas públicas. Já a governança refere-se às condições técnicas
instrumentais para gerenciar o Estado, derivada da capacidade conferida aos atores
burocráticos pelos atores políticos para a implementação das políticas públicas. A relação
26
entre a governabilidade e a governança requer a responsividade dos atores burocráticos aos
atores políticos sobre os processos das políticas públicas implementadas; e dos atores
políticos aos cidadãos, sobre os resultados das políticas públicas estabelecidas (Bresser
Pereira, 1997).
A governança é caracterizada por relações de equilíbrio entre funções políticas e
burocráticas nas arenas dos sistemas representativo e administrativo, em que há decisões e
ações motivadas tanto pela competição quanto pela cooperação de interesses na formulação
e implementação das políticas públicas.
A autonomia do sistema político-burocrático para formular e implementar políticas
públicas é resultado da relação entre as racionalidades antagônicas das funções políticas e
burocráticas. Esta autonomia é inserida e regulada na medida em que há equilíbrio entre a
regulação burocrática por cumprimento das regras e a regulação política pelo alcance das
metas, além da regulação social por atendimento das demandas (Martins, 1998).
A relação entre políticos e servidores públicos é precipuamente caracterizada pela
“captura” dos últimos pela burocracia. Nessa perspectiva, servidores públicos de carreira
não estariam primeiramente motivados pelo interesse público num contexto de um bom
governo, mas sim na promoção de seus próprios interesses, individuais ou coletivos.
Trabalhando com informações limitadas e sujeitas a pressões da parte de interesses
especiais, os funcionários públicos podem não ter o conhecimento necessário ou podem não
quererem engajar-se em ações que promovam o interesse geral, ao invés de seus próprios
interesses ou os interesses de seus aliados privados.
Essas premissas partem de uma racionalidade econômica pura de maximização, nem
sempre aplicadas coerentemente para explicar o comportamento de agentes públicos.
27
Contudo, é um bom ferramental teórico para explicar determinados comportamentos e criar
modelos de controle.
O crescimento dos gastos públicos pode ser explicado pelo comportamento de
burocratas que buscam maximizar os orçamentos de suas organizações com vistas a
adquirir status e importância, inclusive pessoal, na esfera pública (numa interpretação
benéfica). Os burocratas são bem sucedidos nessa “maximização”, pois os políticos
responsáveis pela aprovação do orçamento não possuem o incentivo suficiente para conter
esse avanço da burocracia, nem mesmo o conhecimento adequado para determinar o nível
de recursos necessários para que os programas governamentais necessários para atender os
cidadãos, em resposta a suas demandas políticas (assimetria de informações).
A teoria da Agência é mais útil que a teoria da escolha pública para o entendimento das
relações entre políticos e suas relações com o serviço público. No caso dos municípios,
Secretários municipais possuem a autoridade constitucional e executiva, mas no
desempenho dessas funções executivas eles dependem de agentes subordinados
(burocracia) para aconselhamento político e assistência administrativa.
Desta forma, os agentes têm uma vantagem inerente sobre os principais devido ao seu
conhecimento e experiência prática na aplicação desse conhecimento. Uma segunda
vantagem se refere à possibilidade de determinar cursos de ações, pois o comportamento
dos agentes geralmente não pode ser observado pelos seus principais.
Em suma, existe uma clara tensão entre os dois pilares da moderna administração
municipal: governo responsável e serviço público de carreira. Enquanto o paradigma de um
governo responsável requer que a autoridade seja revestida em secretários (políticos
eleitos), o paradigma do bom governo requer mais que direção política e decisão. Demanda
que o Estado possua um serviço público profissional de forma que o Secretariado (políticos
28
formuladores de políticas públicas) seja assessorado por aqueles com os requisitos de
conhecimento e especialização não só para administrar operações técnicas de larga escala,
mas, ainda mais importante, para aconselhá-los em questões relativas a políticas públicas
bastante complexas e de difícil tratamento.
6. DISCUSSÃO
A progressiva necessidade de ampliação (negociada) da autonomia de gestão das
organizações (públicas, privadas ou comunitárias) está relacionada à crescente
complexidade do contexto no qual estas organizações operam e têm de sobreviver.
A sobrevivência das organizações na atualidade é cada vez mais dependente da sua
capacidade e autonomia gerencial (normativa e operacional, para definir suas regras e
operar seus sistemas de gestão) para construir um modelo de gestão (conjunto das regras
operacionais, incluindo-se estrutura organizacional e mecanismos de incentivos ao alcance
dos resultados propostos) apto a responder a um cenário de complexidade e instabilidade
cada vez maiores.
Os modelos de gestão mecanicistas não são responsivos no contexto contemporâneo
dada a sua natureza complexa, exceto em condições muito especiais cada vez mais raras.
Um grande desafio das organizações contemporâneas é transpor a barreira entre modelos de
gestão mais mecanicistas e outros mais estratégicos. O grande atrativo do modelo
orgânico-estratégico é sua configuração flexível, necessária em um mundo em contínua
mudança e que está presente nas novas matrizes e tendências que hoje norteiam as
inovações nas organizações (Martins 2000).
As organizações públicas também estão sujeitas a esta mesma dinâmica, na medida
em que, a oferta e demanda de bens públicos se torna mais competitiva e diferenciada. O
29
novo contexto da governança atual é caracterizado por uma multiplicidade de atores e
modelos de gestão envolvidos na produção de bens públicos. O Estado não detém mais o
monopólio da oferta de bens públicos. Observa-se hoje a emergência de um mercado de
bens públicos, enquanto arena na qual coexistem diferentes ofertantes e demandantes e uma
crescente competitividade entre os atores sociais organizados, o Estado e os investidores
privados. A extensão na qual um ou outro ator se legitima como provedor de bens públicos
é cada vez mais resultado da satisfação, qualidade e efetividade na satisfação das demandas
da sociedade (Martins 2000).
A contratualização na Administração pública é um processo de ajuste de condições
especificas no relacionamento entre órgãos e entidades públicas e privadas, que envolve a
pactuação de metas de desempenho para o exercício da atividade pública, orientadas ao
alcance dos objetivos das políticas públicas. Na maioria dos casos, a contratualização vem
proporcionar flexibilidade e autonomia de gestão que simplificam processos internos das
instituições partícipes. (Martins, 2000).
Podem existir situações diferenciadas de contratualização formalizadas por meio de
acordos ou ajustes de desempenho, termos de compromisso, contratos de gestão e outros,
com o propósito de ampliar a capacidade do governo de implantar políticas públicas
setoriais orientadas para o atendimento às demandas e prioridades da sociedade observadas
a eficácia, eficiência e a efetividade da ação pública.
Todavia, a autonomia das organizações estatais não pode ser irrestrita e necessita de
regulação (pelo Governo e pelo sistema político) e possuir inserção social (orientada para
os interesses do cidadão), de tal forma que se evitem disfunções burocráticas causadas por
ausência ou precariedade desses dois fatores, tais como captura por interesses ilegítimos,
predação fisiológica, insulamento burocrático, auto-orientação etc. (Martins 2000).
30
O problema central da burocracia, segundo Weber, não é organizacional ou
administrativo; é político. Max Weber não fez teoria das organizações; fez sociologia
política. A sua posição é clara quando põe em destaque a necessidade de controle político
sobre a burocracia, pelo perigo que representa a crescente autonomia de sistemas
burocráticos em definir e implementar políticas, sobrepondo seus interesses aos de outras
arenas envolvidas no jogo político.
Para Martins (2002), a burocracia pública compete por autonomia e esta autonomia,
se não é regulada pelo sistema político (regulação política dos representantes, das
comissões, dos aparatos de controle interno e externo) ou pelo sistema social (inserção,
controle social, opinião pública, acesso e permeabilidade ao cidadão) é inconfiável na
medida em que corre o risco de ser revertida na prevalência de interesses burocráticos ou de
segmentos específicos, levando a situações de insulamento e predação. A ampliação da
autonomia gerencial das organizações estatais é um pressuposto essencial, e ultimamente,
há um maior reconhecimento por autoridades e dirigentes deste fato. O desenvolvimento de
mecanismos de regulação política e inserção social, com a finalidade de tornar as
organizações mais eficientes (economia de recursos), efetivas (satisfação dos cidadãos) e
responsáveis, é uma peça-chave no resgate da autonomia gerencial da Gestão Pública
municipal. O contrato de gestão é um desses instrumentos, que embora não se constitua
uma inovação, pode desempenhar, um relevante papel como fator de reforma institucional.
Desta forma, a tarefa de reformar o aparelho do Estado visando maior desempenho
das suas organizações requer mais do que prêmios de boas práticas de gestão (auto-
estímulo); requer uma política pública para a gestão que aponte caminhos institucionais, e
assuma o desafio de identificar obstáculos à melhoria do desempenho institucional e
construir alternativas de superá-los. A contratualização parece ser um destes caminhos, um
31
dos pilares de uma política pública orientada para a melhoria de desempenho das
organizações públicas, ao equacionar de forma adequada, os requisitos de autonomia (de
gestão) e controle (de resultados) (Pacheco, 2004).
Cabe ressaltar que a contratualização precisa ser vista com certa parcimônia. A sua
aplicação se deu num contexto totalmente diferente do que está em pauta hoje no Brasil.
Nos países anglo-saxões existia uma clareza do perfil da administração pública. Ela era
literalmente calcada pelos princípios burocráticos. Portanto todo instrumental analítico era
coerente, desde as teorias que justificam o controle da burocracia até o papel crucial que as
instituições tem na matriz institucional desses países (neo-institucionalismo econômico).
Assim mesmo, muitas dessas teorias se mostraram falhas ao explicar determinados
comportamentos na Administração Pública (exemplos da Nova Zelândia e Austrália).
A Administração pública brasileira convive atualmente com traços do
patrimonialismo (clientelismo, nepotismo, corrupção demasiada), da abordagem
burocrática (formalismo, racionalidade, ênfase nos processos, distanciamento das demandas
da sociedade) e da recente abordagem gerencial (foco nos resultados e na qualidade do
atendimento dos cidadãos). O amálgama desses elementos em cada ente da nossa federação
vai depender de variações culturais, históricas e sociais de cada região do país, alguns com
processo de acumulação com mais características negativas e outros, mais positivas.
No Brasil, o caráter patrimonialista da Administração Pública ainda é fortíssimo.
Sendo assim, o papel da burocracia não se esgota, pois o risco de apropriação da res
publica é sempre premente. A utilização da contratualização, portanto é um desafio na
medida em que em muitos das situações, o resultado se distancia do que foi proposto.
32
7. CONCLUSÕES
Desde os anos 90, no Brasil, ou desde a década de 80, nos Estados Unidos e Europa,
os municípios respondem a uma agenda ampla de desafios. Temas como o
desenvolvimento econômico, a formação e reciclagem de mão-de-obra ou a articulação
supramunicipal, que antes implicavam apenas a responsabilidade de governos regionais ou
nacionais, entraram na agenda municipal, somando-se a outros que demandam esforço
permanente dos governos locais – saúde, educação, proteção social a grupos
desfavorecidos.
Nesse contexto, cabe aos municípios um novo desafio: serem mais competitivos,
através de estratégias que não se baseiem na guerra fiscal. Há uma necessidade premente de
um jogo virtuoso onde a soma seja positiva: competição e colaboração entre municípios e
atores sociais têm sido a chave de estratégias locais bem-sucedidas. Em face dessa nova
agenda, na qual os desafios são mais abrangentes e complexos, a performance do setor
público é fundamental, como já foi assinalado por Osborne e Gaebler (1995). A partir dos
argumentos desses autores, pode-se afirmar que a simples retirada de cena dos governos é
absurda: o que está em jogo é a qualidade de desempenho dos governos locais nos planos
econômico (favorecendo a competitividade), social (tecendo a harmonia) e político-
administrativo (exercitando sua governança).
Cabe ainda ressaltar que essa agenda ambiciosa se forma num contexto de profundo
questionamento do papel do Estado e de escassez de recursos públicos para responder ao
conjunto das demandas sociais. Por um lado, isto implica repensar a organização do Estado
– especialmente do governo local – como uma rede de agentes capazes de impulsionar
novas soluções, catalisados pelo Poder Público. Por outro, torna-se de fundamental
importância as políticas para melhorar a qualidade do serviço e a produtividade do setor
33
público, visando o aumento de sua performance. Daí o interesse e oportunidade de discutir
as propostas da Administração Pública Gerencial para os municípios brasileiros,
comparando-a com o paradigma clássico da Administração Pública.
O desafio atual para a Administração Pública não é apenas financeiro: é o de
combinar uma gestão mais eficiente com novos chamados à participação democrática. Isso
porque a Administração Pública não se refere apenas à gestão eficiente de organizações,
mas também ao desenvolvimento de modelos apropriados de governança. Nesse sentido, a
Administração Pública Gerencial oferece novas oportunidades aos governos locais, que
buscam fórmulas de incentivar a democracia em nível local. Tornando a accountability
muito mais possível do que o modelo tradicional de Administração Pública, as novas idéias
podem contribuir para aproximar o Estado, em nível local, dos cidadãos.
O problema do controle sobre a burocracia tornou-se crucial, principalmente a partir
da década de 1970, com a chamada Crise Estrutural (Evans, 1993), que atingiu de maneira
particularmente intensa os Estados de modelo keynesiano, tanto os de Bem-Estar Social
quanto os desenvolvimentistas. A constante demanda em quantidade e diversidade de
tarefas levou ao crescimento horizontal e vertical das burocracias, criando pirâmides
administrativas que tornaram por enfraquecer os clássicos mecanismos de controle e
coordenação.
A substituição dos controles burocráticos, exclusivamente baseados em
procedimentos e exercidos pela própria burocracia, por novas formas de controle (social, de
resultados, por competição administrada) é um dos exemplos das possibilidades abertas
pela Administração Pública Gerencial, para o aumento da visão democrática sobre o setor
público. Assim, os governos locais podem adotar, através de contratos de gestão ou
similares, novos arranjos organizacionais para a provisão de muitos dos serviços sociais.
34
Com maior flexibilidade administrativa, eles obterão melhores resultados com os mesmos
recursos, podendo ampliar ainda mais sua capacidade de governo.
De acordo com Weber (1922), numa democracia, os políticos eleitos são detentores
de legitimidade e responsabilidade política. Cabe a eles, por meio dos partidos, a
formulação de programas políticos a serem referendados pelos eleitores. Com o advento da
burocracia como forma de dominação racional/legal Weber percebeu o risco da burocracia
estatal avançar em suas atribuições e passar a formular políticas, dado que dispõe de
conhecimento técnico necessário para tanto. Por mais que a formulação de políticas
necessite de conhecimento técnico, a burocracia não é apta a tomar esta ou aquela decisão,
pois lhe falta legitimidade. É uma questão de accountability política, já que os burocratas
não são eleitos. Em conseqüência, torna-se imperativo num regime democrático, o controle
dos políticos sobre as ações da burocracia, pois pode haver o falseamento das metas
estabelecidas. E um exemplo disso é dado pelo problema da corrupção burocrática.
No entanto, a construção de mecanismos que tornem viável esse controle sempre
representou problemas, às vezes intransponíveis, para os governantes e administradores.
Isto se deve ao fato da burocracia constituir um grupo especializado e possuir alta
capacidade organizacional. Ela detém certa quantidade e qualidade de informação que a
coloca em posição de vantagem em relação aos agentes políticos.
A partir da perspectiva da contratualização, adotada neste trabalho, assume-se que
nas relações contratuais delegativas do setor público os controles mesmo que fundamentais,
precisam de constante aprimoramento, pois, mesmo ante um contrato que tente prever todas
as situações possíveis, sem um esquema eficiente de acompanhamento, haverá dificuldades
no cumprimento do contrato. Nesse sentido, a Teoria de Agência nos permitiu avançar em
um aspecto importante, qual seja, a necessidade do controle ex post estando esta
35
estritamente materializada no controle dos políticos sobre a burocracia, levando em conta
que são os políticos que devem prestar contas perante os cidadãos.
O grau de diferenciação e heterogeneidade inerente à complexidade dos serviços
públicos torna improvável que haja um único padrão consistente na maneira de
contratualização, haja vista que o seu processo é apenas uma parte de um conjunto muito
mais amplo de relações. Por isto, a contratualização precisa ser analisada no contexto em
que se insere e tem que ser compreendida não como um conjunto de instrumentos formais
para regulamentar trocas econômicas entre um principal e um agente, mas como acordos
desenvolvidos e construídos socialmente, negociados e discutidos, implementados num
ambiente de elevada complexidade e constante mudança estrutural (Ana Escoval, 2003).
A contratualização requer em essência, níveis significativos de confiança. Isto
parece estar claro nas situações em que as relações de longo prazo são consideradas vitais
para o intercâmbio, em que a precisão absoluta da especificação e do monitoramento não é
exeqüível, e a interdependência é elevada (Ana Escoval, 2003).
Nas relações de contratualização com elevado nível de confiança, os envolvidos têm
valores e objetivos semelhantes, são compelidas a se apoiarem, tem perspectivas em longo
prazo e compartilham informação. Já nas relações de pouca confiança, as partes têm
objetivos e interesses diferentes, protegem a informação, calculam cuidadosamente os
custos e benefícios e tendem a minimizar a dependência recíproca.
A contratualização ainda não está totalmente desenvolvida. Existem muitos
questionamentos, como risco moral, seleção adversa, contratos incompletos, ausência de
horizonte mais longo de contratualização, etc., o que torna difícil prever os seus verdadeiros
efeitos. Na verdade a contratualização é apenas uma parte de um conjunto de intervenções
necessárias e inadiáveis na reforma da Administração Pública.
36
Sem dúvida, existem inúmeros percalços para a implementação desse processo,
tanto no ambiente interno às organizações quanto no externo. Internamente, nota-se que a
escolha de indicadores e critérios de sucesso adequados às condições das organizações
públicas são prejudicados por interesses múltiplos e conflitantes, ambigüidade de objetivos,
interdependência entre organizações afins, resistência à avaliação e à mensuração, além de
efeitos não previstos no comportamento das pessoas.
No ambiente externo, a complexidade e dinamismo do cenário, a instabilidade das
decisões, a interdependência, a diversidade e a incerteza fazem do dia-a-dia dos
responsáveis pela implementação de programas e projetos governamentais. Vale destacar a
atual situação de controle excessivo dos meios, o que provoca, em diversos níveis, o
“engessamento” da gestão. Faz-se necessária a introdução de uma estrutura de incentivos
que facilite colocar em prática um bom sistema de acompanhamento de resultados, de
forma a promover a responsabilização pelas atividades administrativas e, alternativamente,
flexibilidade nos diversos sistemas de controles, ênfase no cumprimento de resultados da
gestão e fomento a maior consciência e responsabilidade.
Levando-se em conta os atuais entraves jurídico-políticos e materiais para o
estabelecimento desse novo tipo de Administração, tem-se defendido no Brasil, para
aplicação imediata na Administração Pública, de processos de reestruturação
organizacional, redimensionamento de força-de-trabalho no setor público e utilização de
novos mecanismos gerenciais. Um dos mecanismos propostos é a contratualização, pela
possibilidade de conceder, à administração pública direta e indireta, maior flexibilidade
administrativa e condições de competitividade no mercado, oportunizando, dessa forma,
uma gestão integrada com vistas à melhoria dos produtos e serviços prestados ao cidadão.
37
Ela permite dar transparência ao uso de recursos públicos, uma vez que determina
previamente os resultados a obter com o uso daqueles recursos, bem como os indicadores
para mensurar o desempenho institucional.
A contratualização se torna uma prática importante na Administração Pública pós-
Reforma do Estado, pois possibilita instituir práticas de planejamento, avaliação e
monitoramento da execução por parte do Estado (órgão contratante) e o terceiro ou órgão
público contratado.
Orientar a ação do Estado para o cidadão-usuário de seus serviços tem um potencial
extraordinário para as Administrações Públicas locais. Trata-se de inverter as prioridades e
lógicas de funcionamento das organizações públicas, tornando-as voltadas para sua missão
institucional (e não para estruturas e programas burocraticamente definidos) e avaliando-as
pelos resultados obtidos e pela qualidade dos serviços prestados (concentração nos
resultados e não nos insumos).
O sentido dessas medidas deve ser a melhoria do desempenho do setor público, para
que os serviços públicos prestados aos cidadãos sejam mais eficientes, mais eficazes e mais
satisfatórios. Sem elas, os municípios não darão conta de responder às crescentes pressões
por melhores serviços e ao papel estratégico que vêm sendo chamados a desempenhar na
articulação de atores sociais, para melhorar a competitividade do município, favorecer a
harmonia social e exercitar sua governança.
PSEUDÔNIMO: Lucas da Costa
38
8. BIBLIOGRAFIA
ABRUCIO, Fernando Luiz. “O impacto do modelo gerencial na administração pública: um breve estudo sobre a experiência internacional recente”. (Cadernos Enap, 10) Brasília: Enap, 1997. ANA ESCOVAL, Maria da silva. “Evolução da administração pública de saúde: o papel da contratualização. Fatores críticos do contexto português.” Tese de doutoramento, ISCTE, Lisboa, Portugal, 2003. ANDREWS, C. W. & KOUZMIN, A. “A reforma gerencial no Brasil à luz da Teoria da Escolha Pública: uma análise do discurso oficial”. In: Anais do 22º Encontro da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração. Foz do Iguaçu/PR: ANPAD, 19 a 22 de setembro. Área: Administração Pública. 1998. ARROW, Kenneth. “Uncertainity and the Welfare Economics of Medical Care”. The American Economic Review, v. 53, n.5. Dec 1963. BRESSER PEREIRA, L. C. (a). “Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado”. In: Reforma do Estado e Administração pública Gerencial. Ed. FGV, Rio de Janeiro, 6ªEd., p.21-38, 2005. CHEIBUB, José Antônio; PRZEWORSKI, Adam. “Democracia, Eleições e responsabilidade Política”. Rev. bras. Ci. Soc. , São Paulo, v. 12, n. 35, 1997. COSTA NR, Silva PLB & Ribeiro JM. “A descentralização do sistema de saúde no Brasil”. Revista do Serviço Público 50(3):5-30. 1999. DOWNS, Anthony. “An Economic Theory of Democracy”. New York, Harper and Row. 1957. EVANS, Peter. “O Estado como problema e solução”. Revista Lua Nova, n. 28/29. São Paulo: CEDEC, 1993. FREDERICKSON, H. George. “Comparing the reinventing government movement with the new public administration” in Public Administration Review, Vol. 56, n. 3, pp. 263-270. 1996. HARRISON, Anthony (Ed.). “Introduction”, in Anthony Harrison (ed.), From Hierarchy to Contract, Policy Journals, Newbury, pp. 1-13. 1993. HEREDIA, Blanca e SCHNEIDER, Ben Ross. “The Political Economy of Administrative Reform: Building State Capacity in Developing Countries”, s.l, mimeo. 1998.
39
-------------. “The political economy of administrative reform in developing countries.” In: HEREDIA, Blanca; SCHNEIDER, Ben R. Reinventing Leviathan: the political economy of administrative reform in developing countries. Lynne Rienner, 2002. MAJONE, Giandomenico. “Do Estado positivo ao Estado regulador: causas e conseqüências de mudanças no modo de governança”. Revista do Serviço Público 50(1): 5-36. 1999. MARTINS, Humberto Falcão. “Em Busca de uma Teoria da Burocracia Pública Não-Estatal: Política e Administração no Terceiro Setor”. Revista de Administração Contemporânea, nº 3, vol. 2, pp. 109-128, 1998. -------------. “Uma Avaliação da Contratualização como estratégia de reforma”. Revista Política e Administração, vol 4 nº 6, pp. 81-96, 2000.
-------------. “Cultura de resultados e avaliação institucional: avaliando experiências contratuais na Administração Pública Federal”. In Balanço da Reforma do Estado no Brasil – a Nova Gestão Pública. SEGES-MP, pp. 131-140. 2002.
MELO Marcus André. “Governance e reforma do Estado: o paradigma agente X principal". In: RSP, Revista do Serviço Público. Ano 47 V. 120, Nº 1, Brasília, Jan-Abr 1996.
MENDONÇA, Helder Ferreira de & ARAÚJO, Luis Sérgio de O. "Mercado e Estado: uma síntese da evolução da economia política moderna," Anais do V Congresso Brasileiro de História Econômica e 6ª Conferência Internacional de História, ABPHE - Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica (Brazilian Economic History Society). 2003.
MOE TM. “The politics of bureaucratic structure”. pp. 267-329. In JE Chubb & PE Peterson. Can the government govern? The Brookings Institution, Washington D. C.1989. NORTH, Douglass. “Institutions, Institutional Change, and Economic Performance”. New York: Cambridge University Press, 1990. OSBORNE, David & GAEBLER, Ted. “Reinventando o governo”. Tradução de Sérgio Fernando G. Bath e Ewandro M. Júnior. 6ª edição. Brasília, MH Comunicação, 1995. PACHECO, Regina Silvia. "Reformando a administração pública no Brasil: eficiência e accountability democrática", in Marcus Melo (org.), Reforma do Estado e mudança institucional, Massangana, pp. 223-39, 1999. ----------------. “Contratualização de resultados no setor público: a experiência brasileira e o debate internacional”. IX congresso Internacional do CLAD, Madrid, Espanha, 2004. PEREIRA, P. (1997) “Escolhas coletivas em regimes democráticos”, ed. AEISEG, mimeo, Economia Pública.
40
PRZEWORSKI, Adam. “Nota sobre o Estado e o Mercado”. Revista de Economia Política, 16(3) julho, 1996. -------------------. 1999. “Minimalist Conception of Democracy : A Defense”. In : SHAPIRO, I. & HACKER-CORDÓN, C. (eds.). Democracy’s Value. Cambridge : Cambridge University. REZENDE, Flávio da Cunha. “Administrative reform, permanent failure, and the problem of external support: MARE and the reform of the state apparatus in Brazil.” Tese de doutorado, Ithaca, Nova York, Cornell University. 1999. SCHWARTZ, Herman M. “ Public Choice Theory And Public Choices: Bureaucrats And State Reorganization In Australia, Denmark, New Zealand, and Sweden in the 1980s”. Administration & Society, v. 26, n.1, , p.48-77. May, 1994. TAYLOR, Frederick W, “Scientific Management”. Republicado in Classics of Public Administration, 3rd ed., Jay M. Shafritz and Albert C. Hyde, eds. Pacific Grove, Calif: Brooks/Cole Publishing Co.,29-32. 1912.
TROSA, Sylvie. “Gestão pública por resultados”. Quando o Estado se compromete. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: ENAP. 2001 WALSH, Kieron. “Public Services and Market Mechanisms”. MacMillan, London.1995. WEBER, Max, “Bureaucracy”. Republicado in Classics of Public Administration, 3rd ed. Jay M. Shafritz and Albert C. Hyde, eds. Pacific Grove, Calif: Brooks/Cole Publishing Co., 51-56.1922. WILLIAMSON, Oliver E. “Markets and Hierarchies”. The Free Press, New York.1975. -------------------------------. “Comparative economic organization: the analysis of discrete structural alternatives”. Administrative Science Quarterly, v. 36, n. 2, p. 269-296, 1991.
WILSON, Woodrow, “The Study of Administration”. Republicado in Classics of Public Administration, 3rd ed., Jay M. Shafritz and Albert C. Hyde, eds. Pacific Grove, Calif: Brooks/Cole Publishing Co.,11-24. 1887