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ISSN 2176-1396
A CRIAÇÃO DO MATERIAL EDUCATIVO ELKE HERING COMO
PROPOSTA DE MEDIAÇÃO CULTURAL A PARTIR DO ACERVO DO
MUSEU DE ARTE DE BLUMENAU
Leomar Peruzzo1 - FURB
Carla Carvalho2 - FURB
Eixo – Educação Arte e Movimento
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho consiste em uma reflexão sobre o Material educativo Elke Hering: uma
proposição educativa para o ensino/aprendizagem de escultura na Educação Básica a partir do
acervo do Museu de Arte de Blumenau (MAB). A criação do material educativo surgiu da
necessidade de registrar a obra escultórica da artista blumenauense Elke Hering e que também
pudesse ser suporte para a mediação cultural em distintos contextos educacionais. O projeto foi
realizado em três etapas: contexto do MAB, organização de textos/dados biográficos e criação
de identidade visual. A questão norteadora para a criação do material educativo foi: Como um
material educativo pode concretizar a função de mediação cultural entre Museu de Arte,
Universidade e a obra escultórica da artista blumenauense Elke Hering? Um dos propósitos foi
elucidar conceitos em torno da arte local contemporânea na linguagem escultórica. Outro
objetivo para o material educativo foi poder ser base para experiências artísticas inovadoras e,
também, material de apoio a educadores nos diversos níveis de ensino. O aporte teórico partiu
da Abordagem Triangular e buscou, na compreensão da mediação cultural, elementos para
refletir o uso e o papel desse material na escola e/ou no próprio museu. Cada subdivisão do
material educativo foi desenvolvida para ser suporte a professores e interessados em arte e
ensino de escultura de acordo com a necessidade de cada grupo de estudos. Após a elaboração
da versão final do material, percebeu-se a importância de ações que pudessem inserir a arte
local nos diversos contextos educacionais. A artista Elke Hering, de forte importância na
escultura local e nacional, tem pouco registro escrito; assim, no contexto escolar ora
desconhecida, poderá ser apreciada por meio do material educativo, ampliando-se repertórios
culturais.
Palavras-chave: Escultura catarinense. Material educativo. Mediação cultural.
1 Mestrando em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (FURB). Integrante do Grupo de Pesquisa e
Formação de Professores e Práticas Educativas. E-mail: [email protected]. 2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora da Universidade Regional
(FURB). Integrante do Grupo de Pesquisa e Formação de Professores e Práticas Educativas. E-mail:
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Introdução
O presente artigo refere-se ao processo de desenvolvimento do Material educativo (ME)
Elke Hering, desde a sua concepção até a sua finalização. O estudo acena reflexões em torno
da arte contemporânea na linguagem escultórica, por meio das obras da escultora e suscita
discussões acerca da preservação da memória artístico cultural de Blumenau, Santa Catarina.
A criação do ME vem a ser uma alternativa de registro e divulgação ou inspiração para ações
educativas em arte nos diversos níveis de ensino, considerando espaços formais e não formais
de educação. Apesar da relevância cultural e artística da obra da artista Elke Hering,
observamos, nos estudos dos escultores nacionais, internacionais e locais, apesar de ser citada
em catálogos, a falta de registros biográficos sobre a artista.
Para a elaboração do ME, foi necessário, em um primeiro momento, a imersão no
contexto do Museu de Arte de Blumenau (MAB). O período vivenciado no MAB foi importante
para perceber a necessidade de registrar a vida e a obra da artista, bem como elaborar uma
proposta que atendesse às necessidades de mediação cultural, compreensão da Arte
Contemporânea e que pudesse, de alguma forma, aproximar Universidade, museu e artista
visual. O museu possui um diversificado acervo, contendo esculturas da artista Elke Hering
pouco conhecidas. Esse fato constata a carência de materiais educativos para mediação durante
possíveis ações educativas.
No início do projeto, os autores encontraram dificuldades específicas quanto a registros
e a materiais sobre a artista, dados biográficos incompletos, dados conflitantes ou inexistentes
sobre suas obras. Quanto às propostas para o processo ensino/aprendizagem em torno da arte
contemporânea e na linguagem escultórica, não percebemos iniciativas significativas. Essas
evidências apontam, mais uma vez, para a necessidade de criar uma proposta educativa partindo
das obras escultóricas da artista.
Com a intenção de pensar uma ação que pudesse relacionar o espaço museal, as obras
da artista e um contexto educativo, partimos da seguinte questão problema: Como um ME pode
concretizar a função de mediação cultural entre Museu de Arte, Universidade e a obra
escultórica da artista blumenauense Elke Hering? Um dos propósitos foi elucidar conceitos em
torno da arte local contemporânea na linguagem escultórica. Outro objetivo para o ME foi poder
ser base para experiências artísticas inovadoras e também material de apoio a educadores nos
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diversos níveis de ensino. Ainda, buscamos catalogar e registrar a vida e a obra da artista
blumenauense Elke Hering presente no acervo do MAB.
Considerando que, no MAB, existem poucos recursos educativos sistematizados sobre
a arte local, objetivamos, nesse processo, refletir sobre esse recurso no processo de mediação
cultural do museu. Dessa forma, o ME poderia ter a função de oferecer suporte na promoção de
ações educativas em arte que pudessem preparar professores, estudantes e público em geral para
conhecer, fruir e compreender arte antes, durante e depois de uma visitação a uma exposição
artística. Diante desses motivos, a elaboração de um ME mobilizou os pesquisadores
envolvidos. O material poderia ser uma alternativa para discutir o processo de
ensino/aprendizagem em escultura, considerando a obra da artista pesquisada, inspirando
possibilidades, adaptações, desdobramentos e ações educativas para diferentes públicos.
A ideia de criar um ME propôs a reflexão em torno dos métodos de medição em arte e
da falta de propostas educativas abordando artistas catarinenses para disseminar ações de
ensino/aprendizagem da escultura. O ME concretizado pode oferecer preservação da memória
cultural, local ao registrar obras de arte de inestimado valor no cenário contemporâneo. Após a
criação e o desenvolvimento do ME, vislumbramos vivenciar as proposições contidas nele em
diversos contextos educacionais para comprovar sua eficácia na Mediação Cultural, porém,
neste estudo, possui outro enfoque: refletir as relações entre ME como dispositivo de mediação
e sua função.
Assim, o ME pode caracterizar iniciativa significativa na preservação da memória
artística da cidade de Blumenau. A seguir, apresentamos reflexões em torno da estrutura
metodológica do ME, sua possível aplicabilidade e discussões substanciais em torno da obra da
artista blumenauense em foco.
O material educativo
A iniciativa de pesquisar artistas locais tem sido uma constante em nossos grupos de
pesquisa. Observamos atentamente a relevância, em nosso tempo, de discutirmos o global
amparado no local, e vice-versa. No que se refere à arte, percebemos que os limites acerca do
que é local e sua relação com o global se estendem e se mesclam para a compreensão do todo.
Nessa possibilidade, apostamos em um diálogo com artistas locais, que assim são denominados
porque aqui nasceram, ou viveram, mas que sua trajetória artística e marcas estéticas não se
encerram no estado de Santa Catarina. Foi a partir dessa ideia que escolhemos Elke Hering para
esta jornada. Ao investigar estudos e propostas de materiais educativos, encontramos alguns
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conceitos para definir objetivamente compreensões em torno desse foco. Segundo Lamas e
Marmo (2012), existem três formatos de materiais educativos em arte:
[...] materiais dependentes de exposições de arte, ou seja, aqueles que não podem
ser trabalhados independentes dessas ou mesmo fora do espaço do museu, pois as
atividades são direcionadas para as obras que compõem a mostra em atividades que
exigem a fruição diante do original; materiais mistos, que são concebidos a partir
do estudo de uma determinada mostra ou acervo, mas que podem ser trabalhados
dentro da exposição ou também fora dela; e materiais independentes
desenvolvidos de forma dissociada de exposições e que, muitas vezes, são
contemplados por obras de diferentes acervos, tanto institucionais, como também
particulares. (LAMAS; MARMO, 2012, p. 807, grifos das autoras).
Ao compreender essas questões básicas, buscamos, inicialmente, na Abordagem
Triangular (BARBOSA, 1998, 2002), embasamento teórico para uma estrutura metodológica e
identidade ao projeto. O contextualizar, o fruir e o produzir arte tornaram-se referenciais-guia
para todos os passos de forma que se configuraram nas páginas do ME.
Assim, desenhamos o projeto da seguinte forma: Para a etapa de contextualização da
vida e obra da artista, elaboramos uma breve biografia, texto abordando sua produção artística
e a relação da artista com o bronze. A pesquisa ocorreu em materiais do Arquivo Histórico de
Blumenau, registros do MAB e a dissertação de mestrado de Daiana Schvartz (2013), principal
material científico sobre a vida e a obra da artista. Para a apreciação/fruição, as esculturas da
artista, presentes no acervo do Museu de Arte de Blumenau, foram fotografadas em diversos
ângulos que, depois do tratamento digital, compuseram os pôsteres do ME.
As três proposições educativas criadas exercem a função de conduzir vivências em arte,
inspirando processos de ensino/aprendizagem na linguagem escultórica. Elas propõem
momentos que articulam conhecimentos sobre a artista, a fruição e a produção de arte. Cada
proposição sugestiona um ponto de partida diferenciado, acentuando o caráter contemporâneo
da proposta.
O fato de propor diferentes pontos de partida possibilitou pensarmos e discutirmos sobre
as propostas de ensino da arte e suas potências, suas possíveis relações com o objeto artístico,
com a artista e com o processo criativo dos sujeitos envolvidos. É importante ressaltar que as
proposições são sugestões de três lógicas distintas, propondo caminhos a serem percorridos em
um processo de ensino/aprendizagem em arte. Elas podem ser adaptadas de acordo com as
realidades e as intencionalidades de cada contexto escolar, ou afinidade de cada professor de
Arte sem perder consistência na construção de saberes em arte.
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Durante a etapa de pesquisa, encontramos diversas propostas educativas que inspiraram
o desenvolvimento do ME. O Programa Institucional Arte Escola foi a principal fonte de
consulta e inspiração reflexiva em torno da criação do ME. As consultas foram realizadas junto
aos informativos e materiais educativos do Instituto Arte na Escola – São Paulo3, aos materiais
oferecidos em Bienais (II Bienal do Mercosul, 1999)4 e aos materiais de renomadas Exposições
de Arte que compõem o acervo do Projeto Institucional Arte na Escola (PIAE), polo FURB.
No desenvolvimento da identidade visual, adotamos como fonte inspiradora as formas
e as cores das obras fotografadas. A concepção da identidade visual partiu da ideia de oferecer
às obras contidas no ME um destaque maior. Assim sendo, criou-se o texto em colunas verticais
e faixas em amarelo na horizontal. As imagens das esculturas foram tratadas digitalmente
somente para retirar o fundo presente na fotografia realizada no museu, dando destaque para a
obra e sua descrição catalográfica. Depois de todas essas etapas, surgiu o ME com o título
original de: Elke Hering – Uma proposição educativa para o ensino/aprendizagem de escultura
na Educação Básica a partir do acervo do Museu de Arte de Blumenau.
Figura 1 - Capa do Material educativo
Fonte: Acervo dos autores.
O material apresenta simplicidade em sua estrutura, facilidade na compreensão e no
manuseio. É destinado a professores, mediadores culturais e interessados em explorar ações de
ensino/aprendizagem, envolvendo a linguagem escultórica contemporânea. A biografia
3 INSTITUTO ARTE NA ESCOLA. Arte Br. São Paulo: Instituto Arte na Escola, 2003. 4 FUNDAÇÃO BIENAL de Artes Visuais do Mercosul. II Bienal do Mercosul – Ação Educativa. Porto Alegre:
Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, 1999.
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contextualizada da artista é intitulada Elke e sua Arte. Os pôsteres contêm as imagens das
principais esculturas presentes no acervo do MAB.
O momento destinado aos educadores foi chamado de Conversa com o Professor. Nele,
foram lançadas instruções práticas de uso e esclarecimentos em torno das terminologias
utilizadas, principalmente nas proposições educativas. Ao final, havia um Glossário para
eventuais consultas de conceitos e palavras-chave para o entendimento da proposta, bem como
de conceitos da Arte Contemporânea.
As três proposições educativas possuem nomenclatura original definida como: O
tridimensional, Memórias impressas e Arte corporal. A estrutura metodológica presente nas
proposições está direcionada para atender à necessidade de contextualização, de fruição e de
produção artística no ensino básico ou superior. Estão organizadas em momentos distintos,
denominados de Roda Contextual – diálogos com o contexto criativo, que aborda aspectos
relacionados ao contexto sociocultural em que a artista produziu suas obras; Roda Observadora
– diálogos com e sobre a obra, que sugere momentos de observação, apreciação, de reflexão e
de fruição da obra escultórica da artista; e Roda Criativa – vivência da arte, momento que se
propõe produções em arte.
O termo roda foi atribuído na tentativa de sugestionar ou provocar a alteração dos
espaços escolares de aprendizagem tradicionalmente padronizados nas fileiras (convergindo
para o quadro), para círculos de aprendizagem. Também sugere a mandala do conhecimento -
círculo concêntrico no movimento das informações e das criações artísticas.
Para a contextualização – Elke e sua Arte
Elke Hering nasceu em 1940, na cidade de Blumenau. Era bisneta de Hermann Hering,
um dos pioneiros da indústria têxtil no Vale do Itajaí. Possuía espírito simples e humano.
Transitou entre diversas linguagens artísticas e foi escultora, desenhista, gravadora, pintora. É
uma referência da arte catarinense e da escultura nacional.
Começou sua carreira auxiliando na execução de grandes vitrais religiosos em
Blumenau/SC e Porto Alegre/RS. Participou de inúmeras mostras individuais nos principais
centros do país e no exterior. Do rígido bronze ao transparente cristal, Elke produziu obras da
mais alta qualidade artística. Em 1969, casou-se com o poeta Lindolf Bell, com quem teve três
filhos. Faleceu precocemente no ano de 1994, em Blumenau.
O que definiu sua inserção como artista visual no cenário artístico foi, em 1958, com
sua ida à Munique, na Alemanha, estudar escultura na Academia de Belas Artes. Ao retornar
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ao Brasil, fixou sua residência artística na Bahia, com o escultor Mario Cravo. Nesse período
aprendeu a fazer esculturas em ferro.
No início da década de 1970, Elke retornou aos Estados Unidos com a ideia de
experimentar um material novo no mercado, chamado plavinil. Uma espécie de plástico com
que passou a criar esculturas explorando temas brasileiros e infantis. Esse material inovador
ofereceu versatilidade e originalidade aos seus trabalhos com apelo abstrato. Segundo Adalice
Araújo (apud SCHVARTZ, 2013, p. 111): “Elke Hering foi uma das primeiras artistas do sul
do país a explorar experiências abstratas e a apresentar esculturas-objetos, recobertos de plavinil
com apelo pop, como os carretéis gigantes que nos falam das indústrias de Blumenau”.
Na década de 1980, a artista explorou intensamente o bronze e passou a criar obras para
exposições em espaços públicos. Também trabalhou com cimento, ferro, plástico, gesso,
alumínio e uma espécie de integração da escultura com a pintura, que ela chamava de “pintura
3D” e outros materiais que permitiram materializar seu espírito inovador. Na sua última década
de produção, criou diversas esculturas em cristal (SCHVARTZ, 2013).
Elke circulou por mais de 10 salões de arte nacionais, em duas Bienais de São Paulo,
entre os anos de 1965 e 1972, e na Bienal Internacional, em 1973. Devido a seu destaque no
cenário da escultura nacional, seu nome foi citado em principais jornais e revistas do Brasil e
também fora do país.
Diante da intensa produção, inovação e originalidade, podemos destacar a importância
da artista para o cenário da arte nacional e local. O contraponto formal ao academicismo, o
tributo à cor, a inspiração em singularidades brasileiras, foram seus diferenciais, de forma a
estabelecer relações com outros artistas e movimentos, configurando poéticas originais que
emanavam de seu espírito criativo de escultora contemporânea (SCHVARTZ, 2013).
Para Schvartz (2013, p. 31): “A transformação dos materiais cotidianos em uma unidade
escultural não buscava dar visibilidade somente ao fragmento, mas ao conjunto composto por
essas partes”. Isso revela seu espírito integralmente voltado à obra artística. Para Elke, a obra
de arte significa “[...] a síntese de todo o momento emotivo, racional, filosófico e místico”
(SCHVARTZ, 2013, p. 32).
Na Alemanha, a artista passou a realizar estudos místicos que influenciaram
simbolicamente sua criação artística. Elke acreditava em uma espécie de “verdade do artista”
para se referir à consistência do significado e da “sinceridade” artística atribuída a cada obra
criada (SCHVARTZ, 2013). Certa ocasião, em entrevista a um jornal local, Elke deixou clara
sua visão esotérica da vida e um espírito genuinamente de artista: “O que nós somos aqui, um
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pedaço de matéria, um pedaço de uma poeira cósmica, que vive, que nasce, cresce, morre e
acabou-se. Eu sempre me contrapus muito a isso, eu achava que sempre existia uma coisa a
mais tanto é que a arte pra mim é especialmente este algo a mais” (SCHVARTZ, 2013, p. 46).
Elke produziu intensamente ao longo de 30 anos, transitando livremente entre materiais
rígidos, como o ferro, e maleáveis, como o plavinil. Sua obra de caráter vanguardista relaciona-
se com a arte contemporânea, tanto pelo uso de materiais quanto pela temática. Em seus
trabalhos de pintura, destacam-se elementos naturais regionalistas, assemelhando-se com
trabalhos da modernista Tarsila do Amaral e do holandês Piet Mondrian (SCHVARTZ, 2013).
As obras produzidas com ferro buscam ressignificar os objetos do cotidiano de metal,
transformando-os em produções artísticas que permitem aproximações com a arte moderna e
contemporânea (SCHVARTZ, 2013). A artista produziu experimentos poéticos integrando
artes visuais e poesia, aproximando-se conceitualmente do construtivismo internacional, do
concretismo e neoconcretismo brasileiro.
Segundo Schvartz (2013), quando Elke transitava do material rígido para o maleável,
ela produzia estruturas escultóricas recobertas de plavinil que remetem ao período
antropofágico, a Pop Art americana, representada nas obras de Claes Oldenburg. Além de
esculturas abstratas em bronze, Elke produziu esculturas monumentais ao ar livre, carregadas
de simbologia. No início da década de 1990, ela passou a produzir esculturas de cristal.
Elke e o bronze
Um dos materiais que alcançou maior expressividade na arte de Elke foi o bronze. Para
melhor expressar suas criações, a artista selecionava o material adequado ou que expressasse
sua atitude vanguardista. Com o bronze, ela encontrou a estabilidade que buscava e conseguiu
materializar sua subjetividade trazendo aos trabalhos possibilidades de reflexões com certa aura
mística (SCHVARTZ, 2013). O crítico de arte Harry Laus analisou o processo criativo da artista
e afirmou que as esculturas de Elke:
Tentam a abordagem do desconhecido, da dimensão que escapam ao nosso
entendimento, cuja busca dá grandeza ao ser humano porque se expande para além do
nosso conteúdo físico. Essa parte intuitiva, transcendendo a uma contemplação
descuidada – acresce valor ao ato de criação e inclui o sentido da palavra artista.
(LAUS, 1985, p. 2).
As esculturas criadas para o espaço público possuem elementos que permitem a
interação direta com o público, por ter inserção no cotidiano. Instigam o diálogo individual,
sendo portadoras de símbolos (SCHVARTZ, 2013). Na década de 1980, Elke passou a produzir
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trabalhos inspirados em formas humanas com materiais específicos, como o bronze, o concreto
e o cristal.
No final da década de 1970 e durante a de 1980, a artista criou a série de esculturas em
bronze. Uma delas é o colete espacial concebido para espaço público, mais tarde retirado. Hoje,
faz parte do acervo do Museu de Arte de Blumenau. O escritor catarinense Denis Radüns
escreveu sobre o colete: “[...] revela-se na pele da cidade como o poro por onde expirasse o
firmamento efêmero. Os interiores do infinito habitam o oco casulo dessa escultura em bronze
[...]”. Radüns afirma, ainda, que o colete “[...] contém o espaço inumerável da metáfora: ele
respira-se porque infla e não flutua, muito além do maremoto da matéria” (RADÜNS apud
SCHVARTZ, 2013, p. 43).
Sem margem de dúvida, Elke Hering desponta como uma das melhores escultoras do
estado de Santa Catarina. Sua obra dialoga com questões humanas que abarcam a reflexão da
condição existencial local e também mundial. Do rígido metal, ao maleável plástico e ao
delicado cristal, Elke atingiu o patamar de artista contemporânea, à frente de seu tempo, pela
sua vasta contribuição para as artes visuais no estado de Santa Catarina e no Brasil.
Fruição – apreciação de arte por meio da imagem
O Material educativo, como um “material misto”, não funciona somente como registro
histórico ou preservação da memória cultural, pois ele pode ser utilizado independentemente
do MAB. Assim, essa modalidade de material possui a função de “[...] estimular o docente a
ser pesquisador e propositor adaptando o seu conteúdo para cada contexto educacional na
intenção de construir suas próprias ações educativas” (LAMAS; MARMO, 2012, p. 809). Essa
definição influenciou a estrutura metodológica de forma que ofereceu substância conceitual
para as diferentes partes que compõem o ME.
As imagens contidas nos pôsteres são de obras tridimensionais escultóricas presentes
do acervo do Museu de Arte de Blumenau. Ao total são 8 pôsteres em tamanho A3, possuindo
cada obra dois pôsteres: um com a obra na posição frontal, e outro com três “vistas” ou posições
diferenciadas, para que o observador possa ter ampla possibilidade de visualização das imagens
para facilitar a apreciação.
Os pôsteres são imagens das esculturas, portanto fisicamente significam a representação
da verdadeira obra. A presença das obras para observação poderia oferecer relação de fruição
que seria intensificada pela fisicalidade da matéria. Contudo, haveria certa dificuldade em
deslocar as obras ou organizá-las para visitação e fruição. Dessa forma, pensou-se em ter
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fotografias das obras, em alta resolução, na posição frontal e três ângulos diferentes para que
pudessem oferecer ao observador diversos pontos de apreciação.
Nesse caso, o ato de apreciação ocorre com a observação das imagens e com o estudo
da ideia tridimensional na arte. As imagens podem ser inspiração direta para desencadear
processo de ensino/aprendizagem em arte de modo que possam atender às necessidades de
fruição e de ampliação de repertório cultural. Diante da impossibilidade da presença física das
obras de muitos artistas, as imagens tornam-se recursos indispensáveis para viabilizar o
conhecer arte.
De acordo com Martins, Picosque e Guerra (1998), a presença da obra de arte é
fundamental para o processo de fruição. Nesse caso, transpusemos essa ideia para a apreciação
por meio da imagem.
[...] quando estamos diante de uma obra de arte, a recriamos em nós. A contemplação
de uma produção artística nunca é passiva, algo de nós penetra na obra ao mesmo
tempo que somos por ela invadidos e despertados para novas sensibilidades. A arte
inaugura um outro campo de sentidos e significações. A metáfora é que nos fala. Esse
comunicar-se através de signos artísticos e a multiplicidade de seres humanos que
contemplam uma mesma obra de arte é que fazem surgir um oceano de interpretações
para cada música ouvida, filme assistido ou tela contemplada. (MARTINS;
PICOSQUE; GUERRA, 1998, p. 75).
Esse trecho afirma a importância do acesso a trabalhos artísticos para a apreciação e
para a fruição, que podem ser definidos pelas ações propostas pelo mediador ou professor.
Segundo Martins, Picosque e Guerra (1998, p. 76), [...] a mediação entre arte e público é uma
tarefa que, quando criadora, pode ampliar a potencialidade de atribuição de sentido à obra, por
um fruidor tornado mais sensível”.
Evidentemente o conceito de mediação cultural torna-se elemento chave para
compreender o ME como ponto de partida de experiências em arte. Para Martins (2014, p. 226),
a mediação cultural possui o papel de “[...] possibilitar encontros com a arte e a cultura,
aproximações à poética da obra e do artista, provocar experiências estéticas que superem a
anestesia”. Nessa intenção, Oliveira e Pillotto (2010, p. 239) afirmam que “[...] a mediação
cultural, portanto, permite construir novas significações através da sensibilização, apreciação e
crítica”. Para complementar, as autoras reforçam que
[...] os conteúdos da arte podem ser associados aos temas sociais, culturais e outros,
construindo ação educacional que priorize a liberdade individual, pois possibilita a
análise, a compreensão, a interpretação e o restabelecimento de referências dos
códigos culturais da sociedade pós-moderna. (OLIVEIRA; PILLOTTO, 2010, p.
239).
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Esses argumentos estão de acordo com o que Martins, Picosque e Guerra (1998)
defendem sobre o ato de fruir arte, considerando uma importante ação do processo de
ensino/aprendizagem da arte. Para elas,
[...] não se pode esquecer que mediar implica a presença do sujeito fruidor como um
todo. Isso significa não apenas provocar o seu olhar cognitivo, como também
conscientizá-lo de todas as nuances presentes na obra ou em sua relação com ela;
acima de tudo, promover um contato que deixe canais abertos para os sentidos,
sensações e sentimentos despertados, para a imaginação e a percepção, pois a
linguagem da arte fala e é lida por sua própria língua. (MARTINS; PICOSQUE;
GUERRA, 1998, p. 76).
Nesse sentido, as esculturas da artista Elke Hering, registradas em fotografia, tornaram-
se suporte para o momento da apreciação de arte. As imagens receberam tratamento digital - os
autores retiraram o cenário que as acompanhava, permanecendo somente as esculturas em um
fundo branco. Também houve o levantamento dos dados catalográficos que acompanham as
imagens. Assim, as obras receberam mais destaque, facilitando as ações de mediação,
evidenciando os detalhes, as texturas e as cores originais. A seguir, os pôsteres das três
esculturas em bronze e um painel de gesso:
Figuras 2 e 3 - Pôsteres “Colete espacial”
Fonte: Acervo dos autores.
Figuras 4 e 5 - Pôsteres “Cabeça”
Fonte: Acervo dos autores.
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Figuras 6 e 7 - Pôsteres “Figura sentada”
Fonte: Acervo dos autores.
Figuras 8 e 9 - Pôsteres “ Memória arqueológica”
Fonte: Acervo dos autores.
Percurso investigativo – possibilidades para a mediação
A sistematização de materiais para a elaboração do ME Elke Hering consistiu em uma
investigação histórica, pois reúne vida, obra e propostas de mediação cultural. Ao todo, criaram-
se 20 pranchas/pôsteres; destas, três são proposições educativas, que oferecem ao mediador
possibilidades de inserção cultural em diversificados contextos educacionais. A iniciativa
aponta para possibilidade de “ponte cultural” em que o mediador se torna figura central.
Para Johann e Roratto (2011, p. 4), “[...] a relação de proximidade que se dá entre
mediador e o público é essencial, pois nela acontece uma troca de experiências entre os
espectadores e o profissional da área [...]”. Assim, o ME oferece estrutura para a mediação
cultural. Para Coelho:
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Essa aproximação é feita com o objetivo de facilitar a compreensão da obra, seu
conhecimento sensível e intelectual – com o que se desenvolvem apreciadores ou
espectadores, na busca de formação de publicos para a cultura – ou de iniciar esses
indivíduos e coletividades na prática efetiva de uma determinada atividade cultural
(COELHO, 1999, p. 248).
Ao desenvolver-se o ME, percebeu-se sua potência para a mediação cultural, que, de
acordo com Johann e Roratto (2011, p. 5-6), “[...] é estar entre; entre a obra e o sujeito. Mas, é
um entre influenciado e influenciante. É a linha que costura o espaço que existe entre a obra e
o publico”. Além disso,
[...] mediação é ação que media, é proposição que cria conexões. Mediação é busca,
desconstrução e construção de significados. Também se faz referência à mediação
como algo que une dois lados, dois territórios, expressados pela metáfora da “ponte”.
Nesse caso, é entendida como aquilo que possibilita o deslocamento de um lugar ao
outro, ou a ligação de um lado ao outro, para viabilizar o percurso e/ou passagem para
chegar a um determinado lugar. (JOHANN; RORATTO, 2011, p. 5-6).
Assim sendo, a possibilidade de aplicação do ME em proposta de mediação instiga-nos
a adentrar o campo educacional. Acreditamos que ele possa oferecer valiosas contribuições para
a ampliação do repertório cultural em diversos contextos educativos.
A etapa que desponta como inevitável nesse momento é a efetiva aplicação do ME em
um processo de mediação cultural, confirmando ou não as possibilidades e as ressonâncias que
ele representa. Nesse sentido, é importante considerar que toda proposição de mediação
cultural tem como intencionalidade atos de “nutrição estética”. Martins e Picosque (2012)
enfatizam que é preciso conduzir os aprendizes a “saber-perceber” por meio da experiência
sensível de olhar, do escutar, do tocar objetos culturais. Para que ocorra essa “nutrição estética”,
é preciso apresentar o objeto cultural, permitindo ao corpo estabelecer distintos ritmos ao
contemplar sem pressa, vagueando nas sensações que podem inundar o observador de estesia e
saberes sensíveis. Para as autoras:
A preocupação está em levar os aprendizes a saber-perceber conduzido pela
experiência perceptiva do olhar, de escutar, de tocar. Para isso é preciso oferecer a
nutrição apresentando o objeto cultural sem pressa, desacelerando o tempo para que
o corpo possa vaguear e coletar impressões, sensações, se deixando invadir pela
estesia, pelo saber sensível. (MARTINS; PICOSQUE, 2012, p. 36).
Podemos associar o ME como sendo esse objeto cultural que inspira o “saber-perceber”
na “nutrição estética” de observadores, abrindo caminhos para a mediação cultural. Para que
ocorra tal “afetação estética”, a proposta de mediação cultural precisa ser consistente. Para
Martins e Picosque (2012, p. 33), “[...] o processo de mediação há de ser provocativo, instigante
ao pensar e ao sentir, à percepção e à imaginação. Um ato capaz de abrir diálogos, também
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inseridos, ampliados pela socialização dos saberes e das perspectivas pessoais de cada fruidor”.
Desse modo, o ME torna-se elemento chave na mediação cultural, pois sua estrutura instiga
processos de educação por meio do sensível.
Considerações finais
O Material educativo Elke Hering: Uma proposição educativa para o
ensino/aprendizagem de escultura na Educação Básica a partir do acervo do Museu de Arte
de Blumenau oferece suporte teórico, contextual e metodológico com visão contemporânea,
para o ensino da arte. Ele representa dispositivo de mediação cultural na aproximação entre
Universidade, Escola e Museu de Arte.
A iniciativa resultou na elaboração de 20 pranchas que integram o ME. Elas representam
um potente recurso para propostas de mediação cultural em espaços formais e não formais.
Diante da inexistência de propostas educativas sobre a artista Elke Hering, o material educativo
possui caráter inédito, concretiza o diálogo cultural entre Museu, obra de arte e um possível
contexto educacional. Sua existência exerce importante papel no registro e na preservação da
cultura de Blumenau, bem como do estado de Santa Catarina.
As evidências mostram a potencialidade do material como dispositivo de mediação
cultural e aquisição de saberes em arte, sugestionando, principalmente, possibilidades de
ensino/aprendizagem da linguagem escultórica em diversos contextos educacionais. Ele reúne,
ao longo de suas pranchas, material inspirador a distintas possibilidades educativas em torno
da arte catarinense e seus conceitos. Possui proposta educativa, permitindo experiências
artísticas antes, durante e depois da visitação a museus, a galerias e/ou a ateliers.
Diante da amplitude das ressonâncias apresentadas neste estudo, reconhecemos que este
trabalho apresenta abertura para a reflexão da necessidade de processos de mediação cultural e
de registros em torno de outros artistas catarinenses, com potencial para ampliação de
repertórios culturais. Entendemos que o ME suscita novas investigações e novos
desdobramentos culturais que potencializem saberes e experiências estéticas.
REFERÊNCIAS
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