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A CRITICIDADE NA LEITURA: incentivando os alunos a analisar o texto
clássico desvelando suas ideologias
Solange Servelin1
Elizabete Arcalá Sibin2
RESUMO: Este trabalho apresenta os resultados da atividade de
Implementação realizada durante a participação junto ao Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE/turma 2010), na área de Língua
Portuguesa, aplicada à terceira série do Ensino Médio de uma Escola Pública.
Objetiva, principalmente o desenvolvimento de reflexão em torno da prática de
leitura, interpretação e compreensão do texto em questão. A escolha por essa
temática se justifica devido aos problemas que professores e alunos têm
enfrentado quanto aos resultados pouco satisfatórios em relação à formação de
um sujeito-cidadão leitor e com espírito investigativo.
PALAVRAS-CHAVE: romance de ficção; criticidade na leitura; ideologias.
ABSTRACT: This work presents the results of an Implementation activity
carried out during the participation in the Educational Development Program
(EDP/class 2010 – Programa de Desenvolvimento Educacional/ PDE-2010), in
the area of Portuguese Language, applied to the third grade high school in a
Public School. The aim is the reflection development about reading practice,
interpretation and comprehension text in study. The choice of this thematic is
justified due to the problems that teachers and students have faced about the
unsatisfactory results according to the formation of a fellow-citizen reader and
investigative spirit.
KEY WORDS: fiction novel; critical reading; ideologies.
1 Introdução
A partir da constatação, em sala de aula, de que muitos de nossos
alunos apresentavam dificuldades em ler e extrair do que leram as ideias
essenciais e a compreensão dos vários níveis de leitura que um texto
apresenta, surgiu a necessidade de desenvolver atividades que levassem
1 Professora PDE, turma 2010 – Colégio Estadual Padre Réus – Ensino Fundamental e Médio – PR.
2 Orientadora IES UNIOESTE, Cascavel. Atua na área de Língua Portuguesa.
esses alunos a suprir os déficits encontrados. Os encaminhamentos tiveram
como objetivos: valorizar a cultura literária; propiciar reflexão em torno da obra
Admirável Mundo Novo; e, no desenvolvimento de atividades orais e escritas,
proporcionar aos alunos uma análise mais profunda frente à manipulação
ideológica e de valores que movem a sociedade atual e, assim, expandir a
possibilidade de interferir no mundo em que vivem.
1.1 Filiações teóricas
É fundamental para uma sociedade a cultura, o saber e a transferência
desse saber. O homem é um herdeiro não só por seu sangue, mas também
por uma série de aquisições de ordem moral, intelectual e material. A cultura
deve poder oferecer aos homens o significado de tudo, o nexo que liga uma
coisa à outra e todas as coisas entre si.
A linguagem acompanha o movimento de transformação do ser humano
e suas formas de estrutura social. Por meio da linguagem é que interagimos
com outras pessoas, outras culturas, próximas ou distantes, informando,
elucidando, defendendo nossos pontos de vista. Pela linguagem expressa-se
opinião, informação e ideologia.
Para o teórico Adilson Citelli, nós “iremos viver e aprender em contato
com outros homens, mediados pelas palavras, que irão nos informar e formar.
As palavras serão por nós absorvidas, transformadas e reproduzidas, criando
um circuito de formação e reformulação de nossas consciências” Citelli (2001
p.28).
O ato de ler exige mais do que simplesmente decodificar letras e
fonemas de forma mecânica e desprovida de significado. A compreensão não
pode ser reduzida a aplicação e identificação de informações óbvias, a partir de
fragmentos linguísticos.
É por meio da leitura que tentamos reconhecer o mundo que nos cerca e
a nossa própria essência humana. Ler os clássicos é como manter um diálogo
mudo entre leitor e autor. Uma comunicação na solidão que nos retira da
banalidade do dia a dia, dando-nos acesso à sabedoria e sensibilidade deste
autor em relação aos conflitos humanos, sociais.
E nesse contexto é importante que o aluno perceba a relevância do
estudo da Literatura para compreensão da trajetória humana. As obras bem
escritas são as que resistem ao tempo, passando para a posteridade o
conhecimento, respondendo às necessidades de beleza, verdade e
discernimento do mundo que nos cerca.
A leitura das obras literárias ultrapassa o estudo ou reconhecimento de
manifestações artísticas; ela manifesta nosso interesse pelo que é humano, por
nossas emoções e questionamentos. O ser humano tem necessidade universal
de fantasia que contribui para a formação de sua personalidade e do
conhecimento de si mesmo. A Literatura ficcional usa a fábula para melhor
compreender a realidade emocional das pessoas e tentar aliviar seus
sofrimentos, distraindo-as.
“A literatura, como produção humana, está intrinsecamente ligada à
vida social. O entendimento do que seja o produto literário está
sujeito a modificações históricas, portanto, não pode ser apreensível
somente em sua constituição, mas em suas relações dialógicas com
outros textos e sua articulação com outros campos: o contexto de
produção, a crítica literária, a linguagem, a cultura, a história, a
economia, entre outros.” (DCEs, 2008, p.57).
A tradição e identidade cultural de um povo estão estritamente ligadas á
Literatura. É através dela que alguns fenômenos culturais ficam registrados na
linguagem literária e se preservam na memória cultural.
Por meio das obras literárias busca-se algum tipo de diálogo ou resposta
a perguntas atuais e universais. Tomando como referência a obra de ficção de
Aldous Huxley: Admirável Mundo Novo (1932), onde o autor nos faz refletir a
respeito de temas como a manipulação genética e ideológica, presentes
também em nossa sociedade do século XXI; percebe-se que mesmo em se
tratando de uma obra estrangeira é possível encontrar nela estereótipos que
podem também ser identificados no caráter nacional. Havendo, portanto, este
diálogo, universalizando-se, pois passa a revelar a diversidade cultural de seu
respectivo país, ganhando uma nova perspectiva a cada leitura feita.
Isso nos remete à Estética da Recepção que surgiu na década de 1960.
Seu olhar de interesse é a figura do leitor ou da recepção. O texto literário é
visto numa dinâmica entre o que o autor diz e como o leitor recebe essa
informação, significados que podem ser continuamente pensados e
reinterpretados por seus receptores.
Hans Robert Jauss é considerado o pai dessa recente teoria literária que
colabora para um processo produtivo de ensino-aprendizagem de literaturas
estrangeiras, por exemplo. Jass nos recorda que o momento da experiência
primária e o do ato de reflexão são diferentes. O texto é sempre recebido e
interpretado diferentemente, por leitores em tempos diversos, de acordo com a
experiência humana no mundo (e a comunicação como condição da
compreensão do sentido). A todo o momento estamos processando as
informações que nos chegam, às vezes até de forma inconsciente.
A Estética da recepção valida a visão de mundo do receptor
considerando importante a interação autor/ receptor. Considerar a visão de
mundo que o aluno traz consigo, seu conhecimento como receptor,
consequentemente resultará em interferência no modo como esse sujeito vai
interagir com o texto literário.
Também na concepção de kleiman, há uma relação de responsabilidade
mútua entre leitor e autor: o leitor constrói, e não apenas recebe um significado
global para o texto; ele procura pistas formais, antecipa essas pistas, formula e
reformula hipóteses, aceita ou rejeita conclusões (KLEIMAN, 1997, p.65).
Sendo assim, a obra literária não pode ser vista como algo acabado,
intocável no tempo e no espaço, mas como mutável por efeito das leituras que
a transformam. Em seu livro: Por que ler os clássicos - Ítalo Calvino (1993) nos
diz que “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha
para dizer”. Não há como ler sem conectar-se a outros interlocutores, os quais
podem pertencer a tempos e espaços diferentes dos nossos. Ler nos permite
descobrir, redescobrir, construir e desconstruir imagens, histórias e momentos
da experiência humana por meio da palavra.
O leitor faz uso simultâneo do conhecimento de mundo e de seu
conhecimento de texto para construir uma interpretação sobre o que lê.
Querendo ou não, quando se lê algo escrito por determinado autor, lê-se
também, indiretamente, as obras que este autor já leu.
Para Bakhtin, existe um diálogo interno entre as palavras que são
perpassadas sempre pela palavra do outro, isso quer dizer que o enunciador,
para constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está
presente no seu (Fiorin, 1997). O discurso é construído levando-se em conta o
interlocutor e as condições contextuais de sua produção, sendo seu significado
elaborado durante a interação. Para se referir à consciência falante presente
nos enunciados Bakhtin (2000) escolheu o termo “Voz”. A polifonia, ou,
presença de outras vozes, aquelas em que o autor cita consciente ou
inconscientemente permeia o texto agindo no processo comunicativo, é o que
chamamos de dialogismo, isto é, a influência contínua da palavra do outro na
construção dos enunciados. E, em consequência da sua concepção dialógica e
polifônica, a palavra não é propriedade exclusiva do falante, segundo Bakhtin.
CARVALHAL, Tânia (1986, p.5-7; 8-9), em seu livro: Literatura
Comparada –, afirma que “em literatura não existe geração espontânea, toda
literatura se faz de „empréstimo‟, „intercâmbio‟”. E ainda:
“... o texto inovador é aquele que possibilita uma leitura diferente das
que o precederam e, desse modo, é capaz de revitalizar a tradição
instaurada. Essa capacidade de inverter o estabelecido, de instigar
uma releitura, se dá graças à interação dialética e permanente que o
presente mantém com o passado, renovando-o” (CARVALHAL, 1986,
p.63).
Para Fiorin (2007), “o leitor perspicaz é aquele que consegue ler nas
entrelinhas. Caso contrário, ele pode passar por cima de significados
importantes e decisivos ou, o que é pior, pode concordar com coisas que
rejeitaria se as percebesse”. As escolas deveriam proporcionar aos seus
alunos o necessário para garantir que a leitura e a escrita sejam práticas vivas,
instrumentos que permitem repensar o mundo e reorganizar o próprio
pensamento. Oferecer as condições de raciocínio verdadeiro, racional como
exige a situação e não apenas seguir raciocínios prontos, oferecidos por
outros, que desconsideram nossas particularidades. É necessário que se
estabeleça a importância do livro para o leitor, não em termos de avaliação
segundo seu julgamento pessoal, mas segundo a importância objetiva,
fundamentada em razões.
A educação deve ser capaz de preparar o individuo para a vida, isto é,
para os desafios que se apresentam diariamente e que exigem deste, análise e
atitude coerentes com o contexto que lhe é apresentado no momento. Portanto,
há necessidade de desenvolver em nosso aluno a capacidade de ler
criticamente, e para isso, deverá acionar seu universo de conhecimentos no ato
da leitura. Nesse processo, para que haja a compreensão do que leu, o leitor
deverá ter conhecimento prévio do assunto, ou seja, conhecimento de mundo
ou enciclopédico. A ausência de familiaridade com um determinado assunto
pode causar incompreensão e, consequentemente, desmotivação em relação à
aprendizagem.
Nesse sentido, percebe-se a importância do papel do professor como
mediador nesse processo. Em seu livro: Ensinar a pensar - Arthur Raths e
colaboradores, (1977), sugerem aos professores incentivar seus alunos a ter
uma prática escolar rica em oportunidades para pensar. Valorizar o texto
escrito, por exemplo, exige do aluno a capacidade de uso desta ferramenta que
funciona com objetivos e características determinadas, e para usá-los, é
necessária certa iniciação ao seu funcionamento, ou seja, o ensino de
estratégias de leitura para serem utilizadas de maneira eficaz no que se refere
ao seu entendimento.
O autor propõe ampliar a interação dos elementos textuais com os
conhecimentos do leitor para que haja maior êxito na leitura e aprendizagem
visando sempre a qualidade ligada ao conceito de experiência. Para tanto, ele
recomenda exercícios que levem o aluno a produzir textos de: comparação
onde se observam ideias, fatos, objetos; diferenças e semelhanças em relação
à intenção, pontos de acordo ou discordância; a elaboração de resumo em que
é exigida do aluno a apresentação do núcleo do assunto, concisão, sem perda
de aspectos importantes das ideias; observação: como forma de descobrir
informação a respeito de pontos de vista de cada um; classificação: em que
exige análise e síntese, estimulando o jovem a pensar, a procurar conclusões
próprias; interpretação: num processo de atribuir e negar sentido às nossas
experiências.
Segundo Raths (1977), há a necessidade também de levar os alunos a
compreender e desenvolver textos críticos, isto é, textos onde se faz
julgamento, análise, avaliações. Nesse tipo de texto, o exame crítico das
qualidades do que se está observando emerge a partir de modelos implícitos
dos quais julgamos adequados. Em textos de análise, há também, as
suposições, que por definição entende-se como algo sem discussão, algo
provavelmente verdade ou provavelmente errado num determinado contexto.
Não temos certeza e por isso precisamos supor sem confirmação de fatos. E
por fim, a hipótese que representa um esforço para explicar como algo atua -
um condutor para a solução provisória de um determinado problema.
Em se tratando de reproduzir o assunto lido no texto, o leitor deverá ir
além do seu conteúdo explícito, e isto não será possível se o seu conhecimento
não for um pouco além do conteúdo do livro. Compreende-se um livro quando
se consegue esquematizar e reduzir, ou seja, conseguir ensinar mais, em
menos espaço.
“Lemos, intensamente, por várias razões, a maioria das quais
conhecidas: porque, na vida real, não temos condições de “conhecer”
tantas pessoas, com tanta intimidade; porque precisamos nos
conhecer melhor; porque necessitamos de conhecimento, não
apenas de terceiros e de nós mesmos, mas das coisas da vida.
Contudo, o motivo mais marcante, mais autêntico, que nos leva a ler,
com seriedade, o cânone tradicional (hoje em dia tão desrespeitado),
é a busca de um sofrido prazer. [...] Exorto o leitor a procurar algo que
lhe diga respeito e que possa servir de base à avaliação, à reflexão.
Leia plenamente, não para acreditar, nem para concordar, tampouco
para refutar, mas para buscar empatia com a natureza que escreve e
lê.” (BLOOM, Harold, 2001.p. 24-25).
2 Implementação da proposta: os resultados
A Proposta foi implementada na rede pública de Ensino, no Colégio
Estadual Padre Réus – Ensino Fundamental e Médio, no município de Pérola
D’Oeste. Corresponde a uma das etapas do PDE (Programa de
Desenvolvimento Educacional) do Estado do Paraná. Foram utilizadas, para o
desenvolvimento das atividades, vinte horas aula, no terceiro bimestre do ano
letivo de 2011.
A turma contemplada para o desenvolvimento desse trabalho foi a
terceira série de Ensino Médio do período noturno. Para melhor andamento das
atividades, houve a necessidade de realizar a leitura em período de aula, por
tratar-se de alunos que estudam no período noturno porque trabalham durante
o dia.
Um dos objetivos no processo ensino/aprendizagem do trabalho foi
privilegiar as três práticas discursivas contempladas na DCE: leitura, oralidade
e escrita, priorizando-se a leitura. Bem como a relação interativa entre
professor, alunos e conteúdo
As aulas expositivo-reflexivas foram organizadas de maneira que cada
grupo de alunos (composto por três ou quatro elementos) pudesse fazer a
leitura do livro em voz alta, com a possibilidade de, concomitantemente, fazer
comentários assim que surgisse algo interessante ou desconhecido por parte
do aluno.
2.1 Quanto à obra de ficção Admirável Mundo Novo
Para ler e entender um romance de ficção científica como
Admirável Mundo Novo é fundamental fazer um trabalho prévio antes de
apresentar o livro aos alunos. Logo, conhecer o contexto sócio-histórico e
cultural em que este autor viveu foi imprescindível. Assim, os alunos tiveram
conhecimento da biografia de Aldous Huxley e de outras obras suas como: A
Ilha, Regresso ao Admirável Mundo Novo, esta última escrita no final da
década de 1950 onde é notória sua recorrente preocupação em relação à
supressão das liberdades individuais do indivíduo.
Ao primeiro contato com os temas abordados em Admirável Mundo
Novo: manipulação genética, condicionamento humano e uso de drogas
(distribuídas pelo governo) logo houve grande interesse por parte dos alunos,
por tratar-se de questões atuais e que geram polêmica. À medida que a leitura
discorria, ganhava novas perspectivas surgindo a necessidade de intervenção
da professora para que o entendimento do texto não ficasse muito
fragmentado, devido a falta de bagagem de leitura da maioria destes alunos.
Coube à professora o papel de intermediadora, ou facilitadora do
processo de entendimento do texto analisado, diagnosticando o nível de
conhecimento dos alunos em relação ao tema abordado e proporcionando uma
abordagem que partia do entendimento do simples para o complexo.
Quando lê, o aluno tem a tentação de pensar que os sentidos já estão
todos ali, explícitos, fáceis de serem apreendidos, bastando apenas fazer uma
leitura superficial. Há sim, uma gama de informações que são compreensíveis
pela maioria das pessoas, por serem explicitas e não apresentarem,
linguisticamente, uma estrutura difícil. Porém, nem sempre é assim. Uma
leitura realmente eficiente permitirá ao leitor compreender também aquilo que
está oculto, implícito. E esta é uma das dificuldades constatadas nos alunos na
realização da leitura deste romance.
Falta ao interlocutor mais jovem a experiência de comunicação que o
leve a perceber que a informação está apenas “insinuada”, sendo necessário
entendimento do contexto em que aquilo foi produzido, uma análise global de
dados circunstanciais daquele momento especifico de comunicação. Sendo
assim, há a necessidade de o leitor se perguntar: o que o autor quis dizer com
isso? Ou, o que o autor não disse, mas que é possível assimilar, ou entender
no contexto da comunicação?
Outro aspecto importante da comunicação é a capacidade que a
linguagem humana tem em manipular pensamentos e informações. O ser
humano sempre considerou importante tirar vantagem no ato da comunicação.
Portanto, informar nem sempre é uma atitude inocente, desprovida de
interesses escusos, “meias verdades”. A “desinformação”, por exemplo, é um
mecanismo muito utilizado pelas mídias a serviço de interesses estratégicos,
políticos e ideológicos.
Na obra de George Orwell, 1984 – o personagem Big Brother
desenvolve uma língua (Novilíngua) útil para impor à população uma doutrina
totalitária. Esta nova língua era uma forma de manipular informações. As
palavras indesejadas pelo regime eram eliminadas do dicionário e outras eram
criadas a serviço da ideologia deste governo. “Cada redução era um ganho,
pois menos escolha havia e menor era a tentação de pensar” (ORWELL, 1949,
p.70).
Essa manipulação também pode ser feita pela supressão de fatos, ou de
argumentos lógicos que eles pretendem que sejam ignorados, de acordo com o
interesse da ideologia em questão. O objetivo é “sugerir” o raciocínio
defeituoso, fazendo uso de repetição de frases feitas até ao ponto em que as
pessoas cessam de ter qualquer juízo ou vontade própria.
Compreender o que a língua significa é compreender, ao mesmo tempo,
como a história é construída. “Não falamos para dizer alguma coisa, mas para
obter um determinado efeito”, dizia Goebbels, ministro da propagando de Hitler.
Aquilo que se diz, e como se diz, faz a diferença no momento em que
se quer tirar vantagem na comunicação. Como já dissemos, não há um
discurso neutro. Em cada discurso se esconde uma ideologia. A História do
século XX está marcada por déspotas que conseguiram, através de discursos
inflamados e de técnicas de manipulação, influenciar mentes e sentimentos de
uma grande massa de pessoas, levando-as a aceitar muitas atrocidades em
prol de seus interesses ideológicos.
Em seu livro Regresso ao Admirável Mundo Novo, Huxley dizia: “Hoje,
a arte de controlar os espíritos está em vias de tornar-se uma ciência. Os
praticantes desta ciência sabem o que estão fazendo e por que”, (HUXLEY,
1959). E, segundo este mesmo autor: o orador pode provocar nos homens
ações muito mais eficientes do que o escritor, porque ler é uma ação privada, o
escritor dirige-se apenas a indivíduos que dispõem de tempo para ler, reler e
refletir a respeito do que leu; enquanto que o orador fala para massas de
pessoas, onde cada indivíduo perde, momentaneamente, sua identidade
particular para assumir o comportamento alienado, contaminado pela massa.
Para compreender os conceitos satirizados em Admirável Mundo Novo,
é necessário conhecer um pouco o ambiente intelectual e cientifico do inicio do
século XX. Para tanto, promoveu-se um trabalho de pesquisa e,
posteriormente, apresentação oral da vida e obra destas personalidades
citadas no livro. Que são: Adolf Hitler, H.G. Wells, Thomas Malthus, Sigmund
Freud, Henry Ford, Ivan Petrovich Pavlov e William Shakespeare.
A obra Admirável Mundo Novo se vale do mundo imaginário, da ficção,
utiliza o simbólico para exprimir-se. Neste contexto do imaginário o autor faz
previsões para o futuro virtual que pode vir a se tornar o real. Leva o leitor a
vivenciar o jogo das ideias estereotipadas como se fosse um drama humano de
verdade.
A educação das crianças e dos jovens no mundo de hoje despreza a
sua formação intelectual. Forma sujeitos que só acreditam nos noticiários da
TV ou da internet. Não têm espírito investigativo. São incapazes de ter um
olhar que transcende a falsa realidade. Veem o mundo com os “olhos” da
mídia. Muitos profissionais da comunicação privilegiam o totalmente irrelevante
em detrimento do conteúdo que realmente proporciona conhecimento. Nossos
jovens hoje são educados para a subserviência, para a ditadura das ideias
prontas. Não conseguem perceber que há interesses de grandes corporações
e governos que se utilizam da mídia como fonte de desinformação. A imprensa
tem tendência a expressar e dar ênfase às opiniões que não contradizem o
interesse de grupos que lhes são favoráveis economicamente. Para estes, o
fato em si não é importante, mas sim a ideia que dele se faz e a dissimulação
de conceitos que venham a favorecer suas ideologias. Ocultar, suprimir,
minimizar a notícia sistematicamente é algo planejado para criar um falso
senso das proporções e da realidade.
Cabe à escola, através de suas práticas curriculares, assumir o
desafio de levar a esses alunos a possibilidade de observar criticamente as
informações que nos chegam diariamente, e que não estão isentas de mentiras
ou desinformação.
“O processo educativo transcende o espaço de sala de aula. O papel
da educação é ensinar o aluno a pensar, e não dizer o quê pensar; o
professor mostra o conhecimento e os instrumentos e cabe ao aluno
continuar o processo.” (OLAVO DE CARVALHO, 2007).
Outro objetivo desta tarefa, além do conhecimento da importância de
cada uma dessas personalidades na história do século XX, era levar os alunos
a perceber o nexo entre os temas abordados (manipulação: ideológica,
genética, comportamental), as áreas de conhecimento e conseqüentes obras
realizados por essas pessoas. Constatou-se que há muita dificuldade, por parte
de alguns estudantes, em relacionar passado e presente, ou seja, a relação
dialógica entre as ações descritas no mundo ficcional do livro e as estudas na
pesquisa que corresponderiam à vida e obra destas personalidades.
A compreensão desta estrutura de relação dialógica entre os textos é
fundamental para possibilitar a compreensão de conceitos basilares que
fundamentam o discurso e ampliam o universo de conhecimento do aluno.
Coube, então, à professora coordenar o trabalho para que os alunos fizessem
essa relação de interação de idéias afim de que os resultados fossem
alcançados e o conhecimento não ficasse muito fragmentado.
Outro objetivo a ser alcançado com a pesquisa e apresentação era
proporcionar ao aluno a possibilidade de manifestar sua opinião a respeito da
vida e obra da personalidade pesquisada, bem como, poder projetar o alcance
que suas idéias têm ainda hoje, na sociedade do século XXI.
“A educação real consiste no fato de que vemos além de símbolos e
de meros mecanismos da época em que nos encontramos: a
educação consiste precisamente na percepção de uma simplicidade
permanente que sobrevive por trás de todas as civilizações; a vida
que é mais que alimento; o corpo que é mais que vestuário. (...) A
última das modas da cultura, o último dos sofismas do anarquismo,
nos arrebatarão se não formos educados: não saberemos quão
antigas são as novas ideias”. (CHERTESTON).
2.2 Produção de resenha
Os conceitos nos ajudam a ampliar o universo de compreensão e
conhecimento. Porém a criticidade não é ensinada a partir de um manual de
instruções, deverá ocorrer um trabalho sequencial de leituras de modo que se
chegue a perceber os aspectos explícitos e implícitos que compõem o texto de
modo lógico e racional, saindo da zona confortável do senso comum.
No afã de promover um tipo de leitor que não só lê por ler, mas que
busque analisar, apreciar e julgar a obra lida promoveu-se, no final deste
trabalho, a tarefa de produzir uma resenha crítica da obra Admirável Mundo
Novo.
3 Conclusão
Ler fundamenta-se na interação do leitor com o texto, no conhecimento
linguístico, de mundo, de leituras prévias e reflexão a respeito do que se leu.
Nossos conhecimentos prévios nos ajudam muito na hora de estabelecer
relações no que tange ao conteúdo estudado.
A compreensão de um texto depende também das necessidades do
leitor e das características do texto. E para se ter um leitor eficiente em
qualquer tipo de texto é necessário levá-lo ao conhecimento de que todo
sentido, mesmo o literal, inclui informações implícitas em diferentes graus. Pois
grande parte da comunicação se dá por meio de informações que não são
apresentadas explicitamente. Podendo ser deduzidas a partir dos enunciados,
da situação ou, do contexto em que a informação foi veiculada.
O leitor deve estar atento aos diferentes processos de comunicação
argumentativa que podem vir a ocorrer em diversos gêneros e tipos de
discurso. Essas operações acarretam em consequências para a construção de
sentido do texto. Apreender as informações que estão nas entrelinhas, requer
atenção, pois estas costumam ser mais preciosas no ato de informar ou
desinformar.
A leitura de clássicos, além de garantir a satisfação de ler algo muito
bem elaborado e criativo, é um importante meio de incentivar os alunos a
desenvolver o pensamento reflexivo e as possibilidades de descobrir a
essência da mensagem que cada autor quer transmitir em seu texto. Através
de um romance de ficção, é possível tornar nossos alunos mais livres e críticos
e menos manipuláveis.
E por fim, a questão que intriga a todos: como uma obra publicada nos
anos 30 do século passado pode ser tão atual?
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