a empresa do novo milenio

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A empresa do novo milnio

A empresa do novo milnio1 - O mundo instvel: como isso afeta a vida das corporaes MUNDO INSTVEL - Como isso afeta a vida das corporaes

A nova ordemA instabilidade vai ser a regra do prximo milnio. Como as empresas vo lidar com isso?

Por David Cohen (EXAME 22/Maro/2.000)

Estes so os dias de milagres e maravilhas,e no chore, meu bem, no chore, no chore... (Paul Simon, The Boy in the Bubble) As revolues de maior impacto para a humanidade acontecem, num primeiro momento, sem que as pessoas se dem conta de sua profundidade. Foi provavelmente assim com a descoberta do fogo, com a domesticao dos animais e com a entrada na era da agricultura. Foi assim na poca das grandes navegaes e nas duas fases da revoluo industrial (primeiro com a mquina a vapor e depois com a eletricidade). Est sendo assim, novamente, com o que vrios estudiosos denominam de revoluo da informao, um termo que abrange o uso de computadores, a globalizao, a desregulamentao e mesmo uma esperada segunda fase revolucionria, a era da biotecnologia.

J se tornou uma espcie de lugar-comum dizer que o mundo em que vivemos hoje catico, mas da prpria natureza das revolues reordenar o funcionamento das coisas - e nessa reorganizao criar um perodo de instabilidade. Este certamente um mundo menos estvel do que no passado, menos rgido, menos seguro, menos previsvel, e essa instabilidade j permeia toda a sociedade:

Na maior economia do planeta, os Estados Unidos (com 250 milhes de habitantes), cerca de 26 milhes de pessoas mudam de emprego a cada ano e 42 milhes de pessoas mudam de casa, um tero delas saindo da cidade.

Na Inglaterra e nos EUA, um em cada dois casamentos termina em divrcio. No Brasil, um em cada quatro. Filhos fora do casamento representam cerca de 25% de todos os nascimentos na Sucia e cerca de 50% entre os negros americanos.

A lista dos 400 americanos mais ricos, feita pela revista Forbes, costuma ter 10% de novos integrantes anualmente. Este ano, teve 20%.

No ano passado, leitores da revista VIP elegeram as 100 mulheres mais desejadas do mundo. Na edio deste ano, um tero delas saiu da lista.

Nada parece sobreviver muito tempo, e as empresas no so exceo. O consultor Richard Foster, da McKinsey, estudou 208 empresas durante 18 anos para identificar as que eram consistentemente bem-sucedidas. S trs funcionaram durante os 18 anos. Metade no conseguiu manter o ritmo por mais de dois anos. Um famoso estudo da Shell verificou que um tero das companhias listadas entre as 500 maiores da revista Fortune em 1970 tinha desaparecido em 1983. Uma pesquisa recente de Ellen de Rooij, do Stratix Group, de Amsterd, indica que a expectativa de vida mdia de uma empresa, de qualquer tamanho, medida no Japo e na maior parte da Europa, de 12,5 anos. Na Internet, que prenuncia o futuro, o ciclo de vida das empresas ainda menor. S uma minscula parte dos sites lanados em 1993 ainda existe, segundo uma pesquisa do presidente do Net Future Institute, Chuck Martin (autor do livro O Futuro da Internet, editora Makron Books), nos arquivos do National Center for Supercomputing Applications, da Universidade de Illinois.

J no nem absolutamente certo que uma empresa deva almejar a sobrevivncia - pelo menos nos moldes em que foi criada. Nos projetos para obteno de capital de investidores nos Estados Unidos, necessrio que conste o caminho de sada (way out) da empresa - que pode ser o aporte de mais investimentos ou a abertura de capital na bolsa, mas tambm pode ser a incorporao da companhia por outra, ou mesmo seu desmembramento. ( comum a trajetria de empreendedores como o bioqumico Howard Birndorf, j na sua oitava companhia de biotecnologia, e o engenheiro Gururaj Deshpande, descrito como "conservador" pela revista de negcios em tecnologia Red Herring, que est na sua terceira empresa, a Sycamore, de fibras pticas.) No dia-a-dia das empresas, o horizonte estratgico tpico de executivos, consultores e acadmicos passou a ser de um a dois anos, segundo uma pesquisa da consultoria americana Real World Strategist, em vez dos quatro a dez anos da dcada passada. Da instabilidade na relao entre empresas e empregados, ento, nem se fala. Segundo Marcelo Mariaca, da Mariaca & Associates, 95% das companhias americanas j do opo de outplacement na hora da contratao. (Isso mais ou menos como determinar, no dia do casamento, o cartrio em que ser feito o divrcio.) Na dcada de 70, 52,5% das empresas ofereciam outplacement. Nos anos 80, eram 80%.

Num mundo assim instvel, "h um conforto perverso em olhar as organizaes como sujeitas s correntes do caos", dizem os consultores americanos Quinn Spitzer e Ron Evans, autores do livro Heads, You Win (Cara ou Coroa), da editora Fireside, sobre as estratgias de algumas das melhores companhias do mundo. J que o futuro catico, os lderes se sentem absolvidos da responsabilidade de planejar. Esse "conforto perverso" a pior atitude para uma organizao adotar. A proposta desta reportagem, que inaugura uma srie de sete artigos sobre a Empresa do Novo Milnio, arrancar a sua empresa - e a sua carreira - dessa zona de conforto.

Quando se abandonam algumas rotinas, o mundo pode parecer ameaador. E as rotinas esto definitivamente mudando. Em artigo no livro A Organizao do Futuro, da Fundao Drucker (editora Futura), o guru C.K. Prahalad, professor de administrao da Universidade de Michigan, enumera oito grandes mudanas no ambiente corporativo:

1 Ele passou de aconchegante a competitivo; 2 era local, virou global; 3 as empresas no competem mais com empresas similares a elas, mas com empresas totalmente diferentes; 4 as fronteiras industriais, que eram claras, so incertas; 5 no lugar da estabilidade, entrou a volatilidade; 6 em vez de intermedirios, importa o acesso direto: a logstica tem um papel cada vez maior; 7 em vez da integrao vertical, os especialistas; e 8 no lugar da herana simples, a mltipla: a integrao da tecnologia qumica com eletrnica, mecnica com eletrnica, farmacutica com moda.

Tudo isso muito ameaador, mas na mesma medida muito promissor. (Se uma empresa de um ramo diferente da sua vai lanar um produto concorrente, por exemplo, tambm nada impede que a sua empresa invada o terreno dos outros.) Estes so dias de milagres e maravilhas, e no adianta chorar.

TUDO IGUAL, MAS DIFERENTE H quem diga, e no pouca gente, que no existe revoluo nenhuma, que o mundo est como sempre esteve. Jeffrey Pfeffer, professor de comportamento organizacional da Escola de Negcios de Stanford, diz que "h evidncias de que o ambiente competitivo e a marcha da tecnologia foram ainda mais dinmicos e estressantes em alguns perodos do passado". Segundo Paulo Ferraz, presidente do banco Bozano, Simonsen, "o ritmo das mudanas no se alterou. Todos os anos houve fatos que mudaram o curso do mundo". Eis alguns exemplos que reforam essa opinio:

O nmero de fuses de empresas bate recorde sobre recorde, e a competio to ferrenha, mas to ferrenha, que a mdia de falncias nos Estados Unidos chegou a 15 000 por ano. (No, isso no ocorreu na semana passada. Ocorreu no final do sculo 19.)

J no existe lealdade dos empregados, a tal ponto que uma fbrica de automveis, querendo dar um bnus de Natal aos trabalhadores com mais de trs anos de casa, s achou 640 funcionrios qualificados para o prmio, de um total de 15 000. (Essa fbrica da Ford, em Highland Park, Michigan, e esse episdio ocorreu no ano de 1913.)

Em cada vez mais empresas os trabalhadores so independentes e fazem acordos para entregar parte do produto final e receber por unidade completada, em vez de vender seu tempo aos patres. (Esse sistema espalhou-se pela indstria txtil no final do sculo 18.)

Para melhorar a produtividade, empresas esto partindo para a distribuio de lucros com os empregados. (A Procter & Gamble fez isso em 1887, e a estratgia da Levi's, do final dos anos 1980, foi reconhecidamente inspirada num modelo da dcada de 1940.)

Um mdico experiente envia os dados de uma consulta a um computador, e este lhe responde que a dose de medicamento receitada paciente pode ser letal. Furioso, o mdico exige explicaes e, aps trs detalhamentos sucessivos, fica sabendo que um antigo problema nos rins dela pode impedir a absoro normal da droga. A consulta ao computador salva a vida da paciente. (Mesmo esse exemplo aparentemente futurista um caso da dcada de 70, resultado de um programa de um grupo de pesquisa do MIT.)

Mais: segundo Robert Eccles e Nitin Nohria, no livro Beyond the Hype (Alm do Modismo), o nmero de patentes por milho de habitantes nos EUA foi maior no comeo do sculo do que nos anos 70 e 80.

certo. Mas tambm certo que no comeo do sculo, entusiasmados com a descoberta da eletricidade, vrios inventores tentaram patentear mquinas de moto-perptuo movidas a energia eltrica. Eram tantos pedidos absurdos que em 1911 o escritrio de patentes dos EUA passou a requerer que as inscries viessem acompanhadas de modelos do aparelho. O aumento do nmero de invenes dos ltimos anos bem mais sustentado. De 1963 a 1975, o escritrio de patentes americano emitiu em mdia 48 571 patentes anualmente. Na dcada de 90, a mdia anual est por volta de 60 000, um aumento de 23% (sem contar as cerca de 40 000 patentes estrangeiras anuais). Segundo Michael Cox e Richard Alm, em artigo na Consumers' Research Magazine, o nmero de cientistas e engenheiros trabalhando em pesquisa e desenvolvimento nos EUA dobrou desde os anos 70 e o nmero de produtos novos por ano no mercado americano triplicou desde 1980.

Vrias das mudanas de hoje so similares s de perodos do passado, e isso no de estranhar. "O Mercado da Informao vai transformar nossa sociedade no sculo 21 to significativamente quanto as duas revolues industriais, estabelecendo-se como a terceira revoluo da histria moderna. No devemos tem-la mais nem menos que as outras foram temidas, porque ela carrega promessas e ameaas similares", diz Michael Dertouzos, chefe do Laboratrio de Cincia da Computao do MIT, em seu livro O Que Ser (Companhia das Letras).

Mesmo assim, algo mudou, e mudou muito. No importa tanto saber se as inovaes so construdas a partir de avanos do passado. O que interessa que estamos vivendo hoje uma nova lgica, e as empresas bem-sucedidas do prximo milnio vo ter que lidar obrigatoriamente com essa lgica. (As mudanas podem parecer com as do passado, mas sua natureza diferente. A distribuio de lucros, por exemplo, era e ainda em parte um prmio pela produtividade, mas torna-se a passos largos uma forma de sociedade, um novo tipo de relao entre patres e empregados.)

MAIS MUDANAS: 20 ANOS EM 5 Afinal, estamos no meio de uma revoluo ou isso apenas o progresso cumulativo da tecnologia e das formas de organizao? Para o paleontlogo Stephen J. Gould, autor de vrios livros sobre evoluo, "a histria da vida uma srie de situaes estveis, pontuadas em intervalos raros por eventos importantes que ocorrem com grande rapidez e ajudam a estabelecer a prxima era estvel". Gould acredita que o final do sculo 20 um desses raros perodos. "Ns da Andersen Consulting acreditamos que haver mais mudanas nos prximos cinco anos do que houve nos ltimos 20", diz o consultor Robert Baldock, autor do livro Destination Z, que traa panoramas para o futuro das empresas.

O que normalmente se chama de revoluo industrial um perodo que se estende por 100 anos. claro que h uma boa dose de inveno dos historiadores na delimitao das "revolues", mas as transformaes em progresso material e deslocamento social foram to grandes, como justifica o historiador R.J. Forbes, num ensaio de 1958, que, no conjunto, podem ser descritas como revolucionrias.

O mesmo se espera da poca da informao. Na revoluo industrial, a produtividade triplicou entre 1890 e 1960 nos EUA. "Suspeito que podemos ver resultados similares agora", diz Dertouzos, do MIT. "Em apenas trs anos, entre 1959 e 1962, os preos dos semicondutores caram 85%, e nos dez anos seguintes a produo aumentou em 20 vezes. A ttulo de comparao, foram necessrios 70 anos (de 1780 a 1850) para que o preo do tecido de algodo casse 85% na Inglaterra durante a revoluo industrial", diz. Em algumas atividades, como desenho mecnico, j se podem medir ganhos de produtividade de 200%. Um prdio moderno, projetado com o auxlio de programas de computao, pode passar do planejamento s obras em dois ou trs meses, um tero do tempo do comeo da dcada. O aumento de produtividade geral das empresas americanas, que andou por volta de 1,1% ao ano durante 20 anos, praticamente dobrou a partir de 1995, para 2,1% ao ano. Ainda muito pouco, especialmente porque esse ndice a mdia entre um aumento de produtividade de 40% em setores da informtica e o mesmo 1,1% de antes em amplos setores ainda intocados pela era da informao. (No Brasil, a produtividade cresceu em mdia 7,5% ao ano nesta dcada, com apoio da estabilizao e da abertura, mas h que levar em conta a base da "dcada perdida" dos anos 80). "Para saber o impacto geral do Mercado da Informao na economia, vamos ter que esperar at que uma parte maior do Mercado esteja atuando e mostrando seus resultados em cada rea econmica", afirma Dertouzos.

difcil avaliar a revoluo que estamos vivendo porque difcil precisar a sua origem. H pelo menos trs grandes vertentes que vm se desenvolvendo h dcadas e que se realimentam, tornando o mundo muito diferente do que era. A primeira o computador, que chegou s corporaes em 1954 e virou febre depois da inveno do microprocessador, em 1970. Desde ento, as empresas americanas j gastaram 2 trilhes de dlares em informatizao. No auge do encantamento tecnolgico, nos anos 80, supunha-se que a informatizao fosse revolucionar sozinha todo o mundo corporativo, mas o que se viu foi que, sem transformaes organizacionais, a tecnologia agravou os problemas de burocracia e rigidez das empresas, em vez de solucion-los. Uma pesquisa de Paul Strassman, ex-chefe de informao do Pentgono, concluiu que o computador tornava melhores as empresas bem administradas, e piores as mal administradas. "Em retrospecto, parece bvio", diz Dertouzos. "A tecnologia da informao age como uma lente amplificadora dos pontos fortes e tambm dos pontos fracos de uma gesto."

A segunda e a terceira vertentes so a globalizao e a desregulamentao (em alguns pases, como o Brasil, caracterizada pela privatizao e pela descentralizao). De acordo com o Centro de Estudos Prospectivos e de Informaes Internacionais, ligado ao governo francs, a proporo da produo industrial sob controle estrangeiro no mundo todo pulou de 13,2% em 1973 para 14,7% em 1980, 16,5% em 1988 e deve chegar a 24,8% no ano 2000. Um estudo do McKinsey Global Institute feito em 1993 descobriu uma alta correlao entre um ndice de globalizao (exposio concorrncia internacional) e a produtividade de nove setores analisados nos EUA, Japo e Alemanha. Isso significa que o mundo est ficando menor, mais misturado e mais eficiente.

Essas trs vertentes, combinadas ao longo do tempo, so responsveis por uma evoluo atroz em toda a economia, desde o setor automobilstico at a criao de galinhas. (Em 1979, um operrio da Fiat produzia nove carros no mesmo tempo em que hoje so produzidos 69. Em 1988, a Perdigo demorava 50 dias para fazer um frango chegar a 2,3 quilos. Hoje, a engorda leva 44 dias, com um consumo de rao 15% menor.)

O lugar em que esses avanos socioeconmicos esto atingindo seu pice a Internet. a que a tecnologia se encontra com a globalizao e os progressos organizacionais de uma forma jamais vista. Esse encontro permite vrios tipos de revoluo: nas comunicaes internas, no modo de se relacionar com os clientes e fornecedores, na prpria natureza dos produtos da empresa, na aplicao da tecnologia. A Internet no s um Eldorado para as empresas arrojadas, ou um novo continente aberto para as grandes navegaes. Ela o mais acabado smbolo de uma nova era, a concretizao de uma nova lgica de fazer negcios, de encarar a riqueza, de pensar o mundo. Quem se recusar a enxergar essa nova lgica no estar perdendo o bonde da histria - estar amarrado nos trilhos sua espera.

CAPITAL E TRABALHO: MAIS SEMELHANTES

No h como prever as transformaes que nos aguardam, mas uma coisa certa: nesta entrada do novo milnio, uma outra forma de riqueza est se impondo - o conhecimento e seu instrumento, a inteligncia. "Se tivssemos sabido onde olhar, mesmo nos anos 50 poderamos ter visto a mudana de valor do capital para o conhecimento", diz o ex-executivo da Shell Arie de Geus, em seu livro A Empresa Viva (Editora Campus)."Isso ficou visvel no aumento de valor das companhias pobres de bens e ricas de crebros e sociedades: firmas de auditoria internacionais, consultorias, propaganda e mdia." Essa mudana hoje se percebe na cotao em bolsa de companhias como Microsoft, Yahoo! ou Amazon.com, na rapidez com que alguns empresrios digitais se tornam milionrios e na valorizao da criatividade em indstrias antes caracterizadas pela rotina da linha de produo.

Pensando bem, essa nova percepo do conhecimento no provoca assim taaantas mudanas na economia. S duas: muda o capital e muda o trabalho. No mundo do conhecimento, eles esto ficando menos antagnicos e muito mais parecidos em seu funcionamento. Capital cada vez mais o capital intelectual, capital de relacionamentos, capital de marca, capital da informao. E trabalho cada vez mais a capacidade de gerar e gerir idias, de conectar-se a outros trabalhadores e a clientes.

Isso altera tudo. No apenas vo surgir novas empresas, mais digitais, no apenas vo surgir novos trabalhadores, mais intelectualizados. Todo o mundo corporativo ter de ser repensado, reestruturado, reinventado, desde as relaes com empregados e fornecedores at o uso da tecnologia, o marketing e as prticas de contabilidade. O que voc faz agora, qualquer que seja o seu cargo, qualquer que seja a sua empresa, vai sofrer mudanas profundas. Na nova economia, funciona uma nova lgica - que produz algumas histrias pitorescas, mas impactantes e reveladoras:

O indiano Kartik Ramakrishnan, de 28 anos, estudante de negcios da Universidade de Stanford, alojou-se em julho no apartamento de um amigo que estava se mudando, na Califrnia. Em janeiro, ele tinha montado uma empresa digital junto com o irmo, a Quiq, para fornecer mecanismos de interao entre sites na Internet. Seu escritrio consistia no quarto sem moblia nenhuma, a no ser um colcho de 75 dlares, uma cadeira quebrada e uma mesinha de cabeceira, onde ficava o computador. (O teclado tinha que ficar no colo dele.) Nesse "escritrio", Kartik recebeu, entrevistou e contratou um consultor da Booz Allen & Hamilton, que, para trabalhar para Kartik, largou seu escritrio no centro de So Francisco, com vista para a ponte Golden Gate e um tipo diferente de mrmore em cada elevador. Kartik entrevistou ainda outra consultora da Booz Allen, a mesma que tentava contratar o amigo que lhe emprestou o apartamento. (Nenhum dos dois conseguiu contratar seu alvo.)

Outro aluno de Stanford, Rodrigo Sales, criou uma companhia chamada AuctionWatch.com, um frum de discusso para leiles, ao mesmo tempo que seguia o curso como estudante de tempo integral. H algumas semanas, conseguiu financiamento que avaliou sua empresa em 10 milhes de dlares.

Oki Matsumoto, scio do grupo de investimentos Goldman Sachs no Japo, decidiu largar o emprego no fim do ano passado, a poucos meses da abertura de capital da firma, que lhe prometia uma participao avaliada em 20 milhes de dlares. Matsumoto disse que no podia ficar na empresa - mesmo embolsando 20 milhes de dlares - porque tinha que aproveitar a "oportunidade histrica" da desregulamentao do setor financeiro japons, e abriu uma corretora on-line, a Monex.

Bill Burnham empregou-se na Booz Allen em 1993 e, para um de seus primeiros projetos, fez uma pesquisa sobre as prticas bancrias on-line. Esse estudo acabou sendo publicado, e Burnham tornou-se da noite para o dia um especialista em financiamento e comrcio eletrnicos. Logo foi contratado como analista por um banco, depois por outro, de mais prestgio, depois por um terceiro, o CS First Boston, como analista-chefe de comrcio eletrnico. Em agosto, segundo o Wall Street Journal, deixou esse emprego, de 4 milhes de dlares anuais, para tornar-se scio de um fundo de capital de risco formado pelo Softbank.

Nesse mundo novo, pelo menos enquanto ele assim to novo, uma empresa ter lucro pode ser um dado irrelevante. O que importa a "conquista de espao" e o otimismo que isso gera entre investidores para a possibilidade de lucros futuros, muitas vezes em outros negcios relacionados empresa. (Essa febre teve uma correo: a cotao das empresas digitais na bolsa de Nova York caiu de 30% a 50%, do ano passado para este, e a "conquista de espao" j hoje muito mais bem avaliada.)

Ainda h apego ao velho modo de pensar os negcios, claro. Larcio Cosentino, presidente da empresa de software de gesto Microsiga, diz que h companhias voltadas para a produo e companhias voltadas para ter ganhos na bolsa. "Os critrios para valorizao nem sempre so lastreados na realidade", afirma. Mesmo assim, no sendo bobo nem nada, Cosentino j tratou de arranjar um scio internacional, para abrir capital em 2001. Empresas alems costumavam recusar-se a vender aes na Bolsa de Nova York, alegando que a exigncia de publicar relatrios trimestrais distorcia as prioridades do negcio e afastava a gerncia dos interesses adequados a longo prazo. Toda essa argumentao foi por gua abaixo quando a necessidade de capital para financiar sua reestruturao e expanso obrigou a Daimler Benz a mudar de idia. Por bem ou por mal, todas as companhias tero que se render s mudanas que a nova economia est trazendo.

UMA SOCIEDADE PS-INDUSTRIAL?

Espera-se que essas mudanas sejam to profundas, to radicais, que vrios autores se referem a esse novo mundo como a sociedade ps-industrial. Para o socilogo Manuel Castells, bobagem. "Enquanto teorizamos sobre o ps-industrialismo, percebemos que estamos vivendo uma das maiores ondas de industrializao da histria, se utilizarmos um indicador simples como o nmero absoluto de trabalhadores do setor industrial", afirmou em seu livro A Sociedade em Rede (editora Paz e Terra).

Uma mesma idia alimenta tanto os cenrios otimistas quanto os pessimistas sobre o ps-industrialismo: a idia da automao, do progresso tecnolgico, junto com a concentrao de produo nas mos dos grandes conglomerados e o fim das barreiras de proteo a indstrias locais. No cenrio pessimista, os ricos ficam muito mais ricos e os pobres ficam na misria, as cidades voltam a ser muradas como na Itlia medieval, as elites contratam exrcitos particulares, os Estados nacionais perdem poder e sentido, na medida em que j no conseguem arrecadar impostos nem impor a lei. Um dos campees dessa viso pessimista Jeremy Rifkin, autor do livro O Fim do Trabalho (Makron Books), de 1995, que prev uma era de desemprego.

"A caracterstica mais marcante de todos esses trabalhos prenunciadores de uma sociedade sem emprego que eles no oferecem dados rigorosos e coerentes para suas afirmaes, contando com recortes soltos de jornais, exemplos aleatrios de empresas de alguns pases e setores e argumentos do senso comum sobre o impacto 'bvio' dos computadores no emprego", afirma Castells, um intelectual respeitado que se esmerou em 12 anos de pesquisa para escrever seu trabalho sobre a era da informao. (Conte-se a favor dos pesquisadores de recortes de jornais que, nos 12 anos de estudos de Castells, o mundo mudou muito.)

" no mnimo surpreendente ver o crdito que a mdia d a livros como o de Rifkin, anunciando o 'fim do emprego', publicado em um pas (os EUA) onde, entre 1993 e 1996, foram criados mais de 8 milhes de empregos", diz Castells. "De fato, o trabalho e o emprego passam por transformaes, mas o nmero de empregos remunerados no mundo, apesar da situao difcil da Europa Ocidental, est em seu pico histrico mais alto e em expanso. As taxas de participao da fora de trabalho da populao adulta esto se elevando em todos os lugares em virtude da incorporao sem precedentes das mulheres no mercado de trabalho. Ignorar esses dados elementares ignorar nossa sociedade."

Ora, ento no existe razo para essa angstia com o desemprego? Os pessimistas esto totalmente errados? No bem assim. Uma das profisses que mais crescem nos EUA a de guarda de segurana. As previses so entre 24% e 40% de crescimento de 1990 at 2005. Em So Paulo, j se instalou at para a classe mdia o negcio de blindagem de carros. Quanto aos empregos, h um dado mais preocupante: uma caracterstica da economia de hoje que, quando a produo cai, o nvel de emprego tambm cai, como sempre foi, mas, quando a produo volta a subir, j no mais automtica a volta dos empregos, graas aos ganhos de produtividade. Segundo um estudo da Comisso da Unio Europia, entre 1970 e 1992 a economia dos EUA cresceu 70% e o nvel de emprego, 49%. A economia japonesa cresceu 173% e o emprego, apenas 25%. A da Unio Europia cresceu 81% e seus empregos, s 9%.

Como aponta Castells, a questo no que o emprego esteja acabando, mas sim que ele est mudando. Primeiro, est mudando geograficamente, para onde mais barato, por efeito da globalizao e da desregulamentao. Em segundo lugar, o emprego est mudando de natureza. H um trabalho mais inteligente em campo, e a mo-de-obra tradicional est ficando sem opo. So Paulo, cujos ndices de desemprego esto perto dos 20% (pelo mtodo do Dieese), tambm viu crescer a remunerao nesta dcada, e os salrios na capital corporativa do pas so hoje 40% maiores do que a mdia nacional.

a que entra a viso dos otimistas. "A sociedade ps-industrial produz bens imateriais: informao, servios, tica, esttica", disse Domenico De Masi, em palestra em So Paulo. "Isso no significa menos bens materiais, significa menos gente envolvida com isso, mas com at mais produtos." Curiosamente, um argumento parecido com o que Karl Marx escreveu em 1857: " chegado o tempo em que os homens no mais faro o que as mquinas podem fazer". Por esse raciocnio, a atual ansiedade pela perda de empregos similar do final do sculo 19, quando a agricultura foi sendo mecanizada. Nos EUA, 4,4 milhes de trabalhadores rurais perderam o emprego, mas nos 100 anos seguintes foram criados 100 milhes de postos no pas.

"Em linhas gerais, cada vez que a inovao tecnolgica e estrutural permite transferir o esforo humano para as mquinas, surgem duas anlises diferentes: num primeiro momento, o fenmeno percebido como desemprego e como ameaa ao equilbrio social; apenas num segundo tempo percebido como libertao da escravido do trabalho, da carestia e da tradio", afirma De Masi, no livro Desenvolvimento sem Trabalho, da editora Esfera. Numa perspectiva histrica, a luta pela manuteno dos empregos em fbricas ilgica. Como dizem James Dale Davidson e William Rees-Mogg, em The Sovereign Individual (O Indivduo Soberano): "Se ouvirmos os crticos da poca, o advento dos empregos nas fbricas era um mal sem precedentes e uma explorao da classe trabalhadora. Mas agora parece que a nica coisa pior do que o advento dos empregos em fbricas o seu desaparecimento. Os bisnetos daqueles que reclamavam da introduo dos empregos em fbricas esto agora reclamando da diminuio desses empregos, que oferecem altos salrios para trabalhadores pouco habilitados". Mal comparando, seria como se os escravos libertados em 1888 no Brasil se ressentissem da sua expulso da senzala - o que de fato aconteceu, especialmente entre os escravos velhos, que, tendo de enfrentar o racismo, no tinham para onde ir nem como trabalhar.

EMPREGOS DO FUTURO De acordo com os jornalistas do Wall Street Journal Bob Davis e David Wessel, autores de um livro com o sugestivo ttulo de Prosperity, no h motivo para se preocupar: "Assim como a riqueza de hoje permite que se empreguem pessoas em servios que ningum imaginava no passado, novos empregos de servios vo substituir os empregos de fbrica nos prximos anos". As pessoas ficam angustiadas porque no vem esses empregos substitutos, mas elas s no os vem porque eles ainda vo ser criados.

No so todos que concordam com essa viso cor-de-rosa. Dizem os crticos que, embora isso sempre tenha sido verdade, desta vez no vai ser. Desta vez, dizem os pessimistas, no haver nova indstria para absorver os desempregados. A argumentao que, se menos gente faz mais coisas, as pessoas que sobraram ficam sem ter o que fazer. Essa lgica, embora poderosa, nunca se comprovou na histria da humanidade. Ela s faz sentido quando aplicada a universos finitos, em que os recursos podem ser exauridos. Por exemplo, o uso vai fazer o petrleo acabar, o desmatamento maior do que o plantio elimina as florestas. Essa lgica faz menos sentido quando se trata de produtos, porque h uma capacidade humana ilimitada de criar novas necessidades e novas formas de satisfaz-las. (Toda a expanso do setor industrial uma prova disso.) Por isso, mesmo que se faa muito mais com muito menos, sempre h mais a fazer. Num mundo dominado pela produo de conhecimento, essa lgica faz ainda menos sentido, porque j no h sequer dependncia de produtos. (A entra como exemplo a expanso do setor de servios.) Mais: no mundo em que o conhecimento um produto, a relao produo-consumo totalmente alterada - consumir deixa de ser sinnimo de fazer desaparecer. Quanto mais houver conhecimento, mais se criar; quanto mais se gasta, mais se tem.

A imaterialidade (com a rapidez e a flexibilidade vinculadas a ela) um dos motivos da desenfreada expanso da Internet, uma das maiores esperanas de criao de empregos do futuro. Segundo o Global Internet Project, um grupo de comrcio de computadores, a Internet criou 760 000 empregos nos EUA em 1996, quando comeou a ser levada a srio pelo mundo corporativo. No ano passado, a rede j tinha 1,2 milho de empregos nos EUA. mais ou menos assim que acontece: ao fazer entrevista para contratao na empresa de software Siebel Systems, um jovem estava sendo convidado para unir-se a uma companhia de 1 300 funcionrios. Quando comeou a trabalhar, trs meses depois, a empresa tinha 2 500 empregados.

Embora seja praticamente inquestionvel que a nova economia representa um progresso, h um problema srio: a falta de sincronia (o que alguns antroplogos apelidam de abismo cultural), que acontece principalmente no mercado de trabalho. Quando uma indstria substituda por outra, em geral essa nova indstria gera mais riqueza. Se no fosse assim, a nova indstria no suplantaria a primeira - e a histria humana, desde a revoluo da agricultura, comprova esse raciocnio quase tautolgico. O problema que o trabalho nessa nova indstria de natureza diferente do anterior. H mais oportunidades, mas, para os indivduos moldados pela realidade antiga, a adequao , na maioria dos casos, difcil e dolorosa. Vrias vezes, impossvel. ( o que o economista John Maynard Keynes definia como desemprego tecnolgico: quando a eficincia tcnica se desenvolve num ritmo mais rpido que a capacidade da economia de encontrar novos usos para o trabalho.) Surge da o paradoxo do progresso. Ele intrinsecamente bom, seno no seria progresso, mas no necessariamente bom para os seus contemporneos. H toda uma indstria da nostalgia que se baseia nessa falta de sincronia.

O melhor exemplo de abismo cultural vem da Bblia. Quando Moiss liderou o povo hebreu na fuga do Egito, segundo o relato bblico, ficou vagando 40 anos no deserto. No que Moiss fosse um dos lderes mais indecisos da histria da humanidade. (Era, sim, e isso talvez seja um excelente exemplo para os que s acreditam nos homens de ao, mas no foi esse o motivo da demora.) A justificativa para no levar seu povo terra prometida era que uma gerao de escravos no seria capaz de criar uma nao livre. Era preciso esperar o nascimento de outra gerao. O prprio Moiss (mais uma lio para os lderes) nunca pisou na terra prometida. QUEM O DONO DA INTELIGNCIA?

Em tempos de grandes mudanas, a falta de sincronia produz um dramtico desencontro entre milhares de pessoas procurando empregos melhores e vrias empresas com vagas que no conseguem preencher. No h soluo mgica para esse problema: s uma mudana de mentalidade, tanto das pessoas quanto das empresas, pode atenu-lo. A chave a educao continuada, que exige, da parte das pessoas, desprendimento, humildade e disposio e, da parte das empresas, uma nova percepo do que investimento.

No que as empresas devam sacrificar-se para arcar com o nus social do progresso, no isso. Para qualquer corpo, biolgico ou social, apenas natural que a questo da sobrevivncia venha em primeiro lugar. Para prosperar no novo milnio, uma empresa ter que fazer o que sempre teve que fazer: cuidar dos seus ativos. Acontece que os ativos mudaram. O bem mais valioso da nova economia a inteligncia. No que inteligncia no fosse importante antes, ela sempre foi o fator que determinou a vida ou a morte das empresas. O que mudou agora que, pela primeira vez na histria, a mente humana uma fora direta de produo, no apenas um elemento decisivo no sistema produtivo. Hoje no se criam apenas informaes que agem sobre a tecnologia, criam-se tecnologias para agir sobre a informao.

Mudar de mentalidade uma questo crucial para as empresas, porque a maior parte de seus bens levada embora, todos os dias, no fim do expediente, para as casas dos seus funcionrios. Como diz o ex-executivo tornado filsofo Charles Handy, em A Era do Paradoxo (Makron Books): "A inteligncia uma forma instvel de propriedade". Esses bens - a prpria sobrevivncia da empresa - dependem agora de um novo tipo de investimento. "O modelo real da organizao lder do sculo 21 no existe. Ela dever ser em parte baseada em tecnologia, em parte em servios para o cliente e em parte numa escola para adultos", diz o consultor Glenn R. Jones, presidente da Jones Education Networks.

No caminho para essa nova mentalidade, no h modelos do passado que possam ser copiados. Na busca por inspirao, valem at comparaes com o mercado amoroso - que sofreu transformaes radicais nas ltimas dcadas, de natureza semelhante do ambiente corporativo. (As mulheres passaram a ter voz ativa nesse mercado; os relacionamentos so mais flexveis, menos duradouros; a tradio e a rotina predeterminada foram substitudas pela busca da emoo e do crescimento pessoal.) Um grande empresrio, em conversa com jornalistas da EXAME no ano passado, explicou assim a sua poltica de alianas e fuses: "Ns fazemos como os adolescentes, primeiro 'ficamos' com algum que nos atraia. Se for bom, comeamos um namoro, que pode acabar em casrio ou ser apenas um caso".

Quase nenhuma empresa deixou de notar a nova importncia do relacionamento com seus funcionrios. No toa que j no se fala em departamento de recursos humanos. As empresas andaram trocando esse nome por Gesto de Talentos, Departamento de Gente, Ncleo de Pessoas, e por a vai. uma demonstrao de boas intenes (ou um belo esforo de maquiagem), mas ainda h muito caminho pela frente. Alguns dos mais fervorosos discursos sobre a importncia do capital humano foram proferidos pelo camarada Joseph Stalin - que, como se sabe, no era assim to camarada e costumava desenvolver seu precioso capital humano em gulags na Sibria.

Charles Handy afirma: "Quando a inteligncia o principal ativo, a empresa torna-se mais parecida com uma reunio de grupos de projetos, alguns bastante permanentes, outros temporrios, alguns, ainda, em aliana com outros grupos". Segundo ele, a empresa do futuro "ser mais parecida com um condomnio ou uma associao de moradores temporrios reunidos para sua convenincia mtua". Para o consultor de gesto Gifford Pinchot, a evoluo das empresas tem trs fases: primeiro, a organizao hierrquica, em que a ferramenta primordial a delegao. Depois, a organizao como comunidade, em que as ferramentas-chave so viso e valores compartilhados. E, finalmente, a organizao como uma economia, quando as ferramentas so o empreendimento interno livre, educao e liderana efetiva nos negcios centrais. No preciso acreditar integralmente nessas utopias, mas que h uma clara tendncia nessa direo, l isso h. Motivao virou palavra-chave na gesto de empresas. A professora de gesto da Harvard Business School Rosabeth Moss Kanter enumera algumas ferramentas motivacionais:

Misso : A empresa deve ajudar as pessoas a crer na importncia do trabalho;

Controle da agenda : Os subordinados devem ter tempo para trabalhar em projetos queridos; os resultados, e no os procedimentos, devem ser enfatizados; trabalho e decises devem ser delegados;

Aprendizado : Um empregado deve sentir que o trabalho est fazendo sua capacidade aumentar;

Reputao : A chance de aument-la um grande motivador; e

Diviso da criao de valor : A recompensa pelos resultados deve ser justa.

Na nova economia, jogar a favor dos funcionrios o melhor meio de obter retornos. "Quando as pessoas esto engajadas em projetos criativos ou de soluo de problemas, tendem a aparecer todas as horas, pensar no projeto em suas horas de folga, investir vastas somas de energia fsica e mental nele", diz Rosabeth.

DEU A LOUCA NO MUNDO? ASSUMA O CAOS

Se estamos num mundo imaterial, liberto de grande parte das amarras fsicas, em que as possibilidades crescem em progresso exponencial e a maior riqueza das empresas a contribuio das pessoas em conhecimento, riqueza essa que ilimitada, deveramos estar todos esfuziantes de entusiasmo, no ? Mas ns somos uns idiotas, mesmo. No que conseguimos transformar todas essas promessas maravilhosas do mundo moderno em uma fonte inesgotvel de estresse?

Parece que os executivos esto liderando o campeonato da tenso. Basicamente, porque no sabem como atender a todas as expectativas criadas pelo novo mundo dos negcios: as empresas precisam ser globais e locais, pequenas e grandes, centralizadas em alguns momentos e descentralizadas em outros. Os funcionrios tm que ser ao mesmo tempo autnomos e integrantes de equipe, e os gerentes devem delegar mais, mas tambm controlar mais. Fcil, no?

Uma pesquisa da consultoria Arthur D. Little, feita com 2 800 executivos de vrias empresas, identificou as principais tenses a que eles se sentem submetidos:

tm que pensar a longo prazo, mas devem mostrar resultados imediatos;

so cobrados por inovao, mas no podem perder eficincia;

devem pensar em escala global, mas no podem perder de vista as responsabilidades locais;

tm que colaborar, mas tambm competir;

tm que fazer os negcios crescerem, mas sem perda de desempenho;

devem trabalhar em equipe, mas so cobrados por sua responsabilidade individual;

tm que ser flexveis, mas no podem deixar de seguir os padres.

So os tais dos paradoxos da vida moderna. Como lidar com eles? Jos Elas Alvarez, diretor de estratgia e prtica organizacional da Arthur D. Little nos EUA, tem uma sugesto: assuma o caos. "Quando chegar a uma encruzilhada, conquiste-a", afirma.

Para fazer isso, preciso entender a natureza dos paradoxos. Segundo o dicionrio de filosofia da Universidade de Oxford, resolver um paradoxo envolve ou mostrar que h uma falha nas premissas, ou que o raciocnio est errado, ou que a aparentemente inaceitvel concluso pode, na verdade, ser tolerada. "Paradoxos so, portanto, importantes na filosofia, porque at que um deles seja resolvido ele mostra que h algo no nosso raciocnio e nos nossos conceitos que ns no estamos entendendo." Como diz o colunista do Wall Street Journal Thomas Petzinger, Jr., no seu livro The New Pioneers (Os Novos Pioneiros): "Um paradoxo no igual a uma contradio. Embora paream incongruentes, ambos os termos de um paradoxo so verdadeiros em um nvel superior".

esse nvel superior de entendimento que voc e a sua empresa precisam buscar. Porque, no se iluda, paradoxos e contradies fazem parte da natureza humana, e agora, mais do que nunca, esto no cerne do mundo dos negcios.

2 - As qualidades que vo determinar o sucesso ou o fracasso das empresas VIDA OU MORTE - As qualidades que vo determinar o sucesso ou o fracasso das empresas

As 7 virtudes capitasUm guia de sobrevivncia para as empresas na nova economia

Por David Cohen

Acho graa quando dizem que meu samba quadrado, que est fora de moda, que coisa do passado. Querem apanhar caf numa roa de arroz... O samba que eu fao agora viver amanh e depois (Ataulfo Alves, Gente de Bem Tambm Samba)

A simples existncia de uma empresa pressupe que ela tenha um mercado, um produto ou servio a oferecer e, claro, meios de produzir e transformar sua atividade em lucros e novos investimentos. Em qualquer instante, so essas as caractersticas que definem a empresa: o que ela faz, para quem faz, quanto faz. Mas as empresas tambm mudam, algumas vezes radicalmente. A Nokia, que h duas dcadas produzia papel, agora lder do mercado de telefones celulares na Europa. A Mitsui, que fabricava cortinas no sculo 17, foi cambista oficial do governo japons no sculo 18 e hoje est metida em quase todos os ramos de atividade empresarial (comrcio, finanas e manufatura). Ao longo do tempo, sobreviver e prosperar significa adaptar-se e mudar. Isso sempre foi verdade. O que h de diferente nesta entrada do novo milnio que o tempo encurtou. Mudanas que apareciam em geraes agora surgem de um ano para outro.

Se lidamos com essa nova realidade - a inconstncia da realidade -, uma outra dimenso das empresas comea a ganhar importncia: como elas fazem o que fazem, e por que fazem. Ganha importncia um outro tipo de caractersticas, qualidades intangveis, incapazes de definir as empresas em qualquer dado momento, mas que permitem que elas sobrevivam s mudanas. Ou, mais que isso: que provoquem as mudanas e se alimentem delas. As qualidades mais importantes para prosperar num mundo instvel so virtualidade, conectividade, capacidade de adaptao, rapidez, conscincia, emoo e inovao.

O mercado na contramo : A conexo permite um caminho de duas vias. O tradicional, do fornecedor para a empresa e dela para o consumidor. E o inverso, do consumidor para a empresa e desta para o fornecedor. H dois fenmenos que reforam esse caminho inverso. Primeiro, a possibilidade tecnolgica de unir a produo em massa ao mercado por encomenda. Segundo, a concorrncia pela ateno dos consumidores.

A Chrysler est colocando todo o seu inventrio de carros usados na rede. A Toyota quer que seus clientes possam pedir o carro da fbrica com as especificaes que quiserem, para ser entregue duas semanas depois em uma concessionria.

O servio de notcias brasileiro NewsMiner permite que os assinantes escolham que tipo de notcias querem receber.

Algumas companhias da Internet nos EUA esto dando um PC para que o consumidor veja anncios.

Um dos cenrios possveis para o futuro que consumidores participem do projeto dos produtos que querem comprar e intermedirios contatem as fbricas para montar os artigos ao gosto do fregus. Voc est preparado para passar o comando da sua empresa para os consumidores?

Conexo pela Internet : Acessar a Internet no sinnimo de conectar-se, mas cada vez mais uma condio necessria. A Internet acelera o processo. (Literalmente: multas por alta velocidade j podem ser pagas em alta velocidade, em vrios sites de departamentos de trnsito.) Algumas estimativas sugerem que a quantidade de contedo da Web dobra a cada nove meses. A cada segundo, sete pessoas se conectam Internet pela primeira vez. Segundo a Forrester Research, os negcios de empresa com empresa nos EUA atingiram 48 bilhes de dlares em 1998 e esto crescendo ao ritmo de 99% ao ano. O guru do marketing Philip Kotler diz que h sete modos de uma empresa usar a Internet:

1 - Fazer pesquisa 2 - Dar informaes: propaganda no site, apoio ao consumidor (ex.: PalmPilot), conselhos (ex.: Natura), distribuio de msica ou textos, gerenciamento de recursos humanos (intranets), sistema de apoio a revendedores (ex.: Ford) 3 - Promover fruns (como faz a Harley-Davidson, que incentiva a criao da comunidade de consumidores de suas motos) 4 - Fazer treinamento 5 - Comprar e vender (Dell, Amazon, GE) 6 - Fazer leilo (eBay, GE) 7 - Entrega de bits (msica, livros, pareceres tcnicos) O REAL VIRTUAL No segundo andar do prdio da Xerox, na Avenida Rodrigues Alves, no centro do Rio de Janeiro, trabalham funcionrios de 18 empresas. No um andar sublocado. Todos esses funcionrios prestam servio para a Xerox, obedecem aos horrios da Xerox, respondem a chefes da Xerox. Mas so pagos por outras firmas. O contrrio tambm verdadeiro. A Xerox "invisvel" (um termo usado pela direo da companhia) j maior do que a Xerox visvel: dos seus 11 000 funcionrios, 6 000 trabalham em outras companhias. Segundo o diretor superintendente Guilherme Bettencourt, a tendncia da Xerox funcionar como um departamento dentro da empresa cliente.

Assim como a queda do Muro de Berlim, em 1989, representou a falncia dos regimes totalitrios do Leste Europeu, um dos principais smbolos da revoluo corporativa do novo milnio a demolio das fronteiras nas empresas. "Em vez das fronteiras rgidas das organizaes de hoje, entre departamentos, processos, produo, a organizao do futuro ter fronteiras permeveis, como as membranas flexveis e mveis de organismos vivos", diz o consultor Ron Ashkenas, da Robert H. Shaffer & Associates.

A permeabilidade das fronteiras a primeira caracterstica de uma empresa virtual. Ser cada vez mais difcil dizer onde termina uma empresa e onde comea outra, se voc trabalha em desenvolvimento de produtos ou marketing, em vendas ou contabilidade. Essa empresa virtual, que pode erguer e destruir paredes ao seu bel-prazer, tem a enorme vantagem de ser grande e pequena ao mesmo tempo. o caminho que esto seguindo vrias grandes empresas, como Alcan e Rhodia, separando seus centros corporativos das unidades operacionais - aqueles, preocupados com a identidade da empresa, polticas gerais e busca de novas oportunidades; estas, com a produo e inovao de servios. uma forma de atingir o tamanho ideal: grande para ganhar escala, pequena para ter motivao de arteso.

No limite, a empresa pode se tornar efetivamente virtual, ou seja, imaterial. O exemplo mais citado a Cisco, empresa de equipamentos de telecomunicaes. A Cisco praticamente no tem fbricas, e 85% de suas vendas so feitas pela Internet. O que a Cisco faz coordenar tecnologia, produo terceirizada e marketing. Ou a Dell Computers, que vende quase 20 milhes de dlares em computadores por dia, de seu site na rede. Os fornecedores da Dell tm acesso em tempo real s informaes sobre vendas, o que lhes permite organizar a produo de acordo com elas, e os clientes podem se conectar cadeia pela Internet, o que lhes permite acompanhar seu pedido desde a fbrica at a entrega. Afinal, onde comea e onde termina a Dell?

Certo, voc pode achar que esses so exemplos do particularssimo mundo da informtica. Vamos a um caso mais p-no-cho: a Nike no tem nenhuma fbrica. A Nike no faz tnis. O que a Nike faz construir sua marca, coordenar a produo em fbricas associadas, escalonar a distribuio. Ah, sim, e recolher os lucros. H outros casos:

A empresa de biotecnologia Monsanto tem uma extenso nos Estados Unidos: a Federal Express. a FedEx que transporta e estoca os contineres da Monsanto. Ela tem at um servio de atendimento a clientes (e seus empregados atendem respondendo "Monsanto"). A FedEx recolhe as dvidas e as passa para uma equipe de especialistas, depois responde, fecha a venda, faz a entrega dos produtos, cobra e manda a fatura.

A Visa faz mais de 7 bilhes de transaes por ano, um faturamento de 650 bilhes de dlares, mas "pertence", se que se pode usar esse termo, s mais de 20 000 instituies financeiras que so suas clientes.

A Aprilia, produtora italiana de motos, no fabrica uma nica pea de motocicleta. Assim como com a Benetton e a Gucci, quem fornece o produto que leva seu nome uma rede de pequenas empresas familiares, soluo tpica da Itlia.

Nesse caminho para a virtualidade, no estamos falando apenas de terceirizao. s vezes o trabalho passado para o prprio cliente - como fazem as caixas automticas dos bancos; como a Tok Stok, cujos mveis so montados pelo prprio comprador; como o Shouldice Hospital, de Toronto, faz com a preparao de pacientes para cirurgia de hrnia.

Tambm no apenas desagregao da empresa em pedaos menores. Pensar virtualmente , em vez de ficar realocando seus bens, partir do princpio de no ter nenhum bem e buscar justificativas para tudo o que tiver que possuir. O que importa na virtualidade no a sua oposio ao mundo fsico. At porque no mundo fsico que ns vivemos. O que importa que ela permite a explorao de um universo ilimitado, alm de economias brutais em infra-estrutura e aumento de eficincia.

No mundo com fronteiras mais permeveis, tambm esto sendo demolidas as paredes entre os setores industriais. A empresa americana Circuit City, que vendia rdios e amplificadores, passou a vender carros usados. Nos pases escandinavos, a Shell (aquela mesma, a companhia de petrleo) a maior vendedora de lingia embalada. At os servios e produtos esto sendo invadidos por essa nova lgica da virtualidade. "Produto s um meio de tirar nota fiscal. O que importa o contedo", diz o consultor Jos Carlos Teixeira Moreira, da JCTM Marketing Industrial. A livraria virtual Borders e outras j esto investindo em mquinas que permitam imprimir na hora o livro pedido pelo cliente, o que acabaria com a necessidade de estoques. A editora americana Matthew Bender, que vendia por milhares de dlares enciclopdias ou CD-ROMs de referncia para advogados, agora usa a Internet para vender apenas as partes relevantes de informao, cobrando de 6 a 35 dlares. Isso sem falar no padro MP3, que possibilita a distribuio de msica pela Internet. claro que no so todos os artigos que permitem essa desmaterializao, mas h uma migrao geral do produto para o relacionamento, e no de hoje. H muito a Gillette subsidia os barbeadores, para vender lminas. A Kodak praticamente deu a cmera Instamatic aos consumidores, para vender filmes. E os filmes so baratos, para poder vender a revelao. No mundo virtual, essa tendncia se intensifica: menos importncia do produto, mais do contedo e do relacionamento.

Outra caracterstica da virtualidade a transparncia. "Tudo o que voc faz, numa sociedade em que no h mais distino entre o tempo de ao e de informao, deve ser publicvel. Transparncia passou a ser precondio de sobrevivncia", afirma o consultor Ricardo Guimares, da Guimares Profissionais. Isso no uma preocupao, uma vantagem. Como diz Chuck Martin, no livro O Futuro da Internet (Makron), "quando o cliente se acostuma com o seu mtodo, ele dificilmente vai procurar outro". O mesmo vale para as parcerias.

Uma conseqncia da virtualidade, da falta de fronteiras seguras, que a companhia no promete mais tomar conta do empregado - o que muito justo, porque essa promessa seria falsa e vazia no mundo de hoje. Talvez at no mundo de ontem. Nos EUA e na Gr-Bretanha, a durao mdia de um emprego continua a mesma desde a dcada passada, por volta de seis anos. At o to decantado emprego vitalcio no Japo s se aplicava a um tero dos trabalhadores do pas, incluindo o setor pblico. bom que o novo discurso reconhea a realidade que de uma forma ou de outra sempre esteve presente no mercado de trabalho, mas era camuflada por uma retrica paternalista: cada um livre e responsvel pelos rumos de sua carreira. No um mundo perfeito, mas um mundo menos hipcrita.

Segundo Charles Handy, ex-professor de negcios da London Business School, a organizao de hoje um lugar 20 por 80, em que apenas 20% das pessoas envolvidas so empregados de horrio integral. Os outros so fornecedores, contratantes, empregados de tempo parcial ou profissionais auto-empregados. "Mais e mais, a organizao uma caixa de contratos, em vez de uma casa para a vida toda para todas as pessoas." Talvez seja exagero, mas a Organizao para Cooperao e Desenvolvimento da Europa, OCDE, e a Organizao Internacional do Trabalho, OIT, relatam que o trabalho de meio expediente aumentou durante a dcada de 80 em praticamente todos os pases desenvolvidos, subindo cerca de 30% e alcanando 50 milhes de pessoas. Em compensao, a taxa de auto-emprego nos EUA tem-se mantido estvel em 8,5% nos ltimos 40 anos, o que parece desmontar a difundida tese de uma futura sociedade de agentes livres. A maioria de ns quer liberdade, mas quer tambm uma estrutura. Essa estrutura a empresa. No a velha empresa compacta, mas a empresa virtual, que funciona cada vez mais na lgica da rede.

A LIBERDADE CONECTADA Por volta de 2003, daqui a pouco mais de trs anos, pelo menos 40% das grandes organizaes vo adotar o sistema de empresa virtual, conectando no apenas sua cadeia de fornecimento, mas toda a cadeia de valores. A previso do americano David Whitten, vice-presidente de pesquisas do Gartner Group. "Isso traz desafios: modelos de negcios emergentes, interdependncias externas, redefinio de papis e funes, inveno de novos processos", afirma Whitten. "As empresas vo ter que migrar da infra-estrutura para a extra-estrutura." Em outras palavras, vo ter que se conectar.

Alguns tericos, como Allan Cohen, reitor da escola de negcios americana Babson College, chamam isso de empresa estendida. como funciona, em certa medida, a Wal-Mart. Quando os fornecedores lhe enviam produtos, eles nem entram na empresa - so passados direto do caminho em que chegaram para o caminho que os enviar a alguma loja. Um indcio de que as empresas caminham para a conectividade a sua crescente integrao. "At o comeo da dcada, no havia pesquisa da indstria para medir a satisfao do distribuidor", diz Nelsom Marangoni, presidente da Research International do Brasil. "Hoje, j nos encomendam pesquisas sobre satisfao do cliente intermedirio." Outra rea em expanso so pesquisas encomendadas pela indstria para ajudar o varejo a vender seus produtos.

Integrao dificilmente pode ser um termo definido como novidade. O que novo que a lgica das redes cruzou o ponto em que podia apenas ser citada como exemplo e tornou-se a prpria essncia do mundo dos negcios. Segundo o socilogo Manuel Castells, j no se pode dizer que a economia mundial seja centrada nas empresas multinacionais. Mesmo que elas continuem a exercer controle oligopolista conjunto sobre a maioria dos mercados, diz Castells, a maior parte das multinacionais participa e depende de diferentes redes, sejam de produtos, processos ou pases. Castells nota que a produo e as vendas na economia mundial mais do que triplicaram nos ltimos 30 anos, mas desde meados dos anos 60 a maioria das grandes empresas americanas, europias e japonesas perdeu participao de mercado. O que vale, portanto, no o tamanho, mas a posio. O que define a importncia de uma empresa qual n da rede ela ocupa, que processos passam por ela, a quantos mercados, empresas ou clientes ela se conecta.

H uma palavra japonesa que define bem essa conexo de empresas: keiretsu, que significa literalmente "unio sem cabea". Este o nome dado s redes de companhias japonesas independentes que possuem parcelas umas das outras e trabalham juntas de vrios modos. Isso no exclusividade dos orientais. A americana Pinnacle Alliance, por exemplo, uma empresa de gesto de tecnologia da informao, uma parceria entre Computer Sciences, Andersen Consulting, AT&T Solutions e Bell Atlantic Network Integration. Os dois primeiros so inimigos ferozes no campo da tecnologia da informao, os dois ltimos so adversrios inconciliveis em telecomunicaes. Outra forma de integrao a da Chrysler. Ela reduziu seus fornecedores nos EUA, dos 2 500 da dcada passada para 1 140, e passou a se envolver diretamente no desenvolvimento das peas. Tambm a Coca-Cola est trocando o processo de engarrafamento no mundo todo. Saem as pequenas empresas familiares e entram as multinacionais, das quais a Coca adquire participao acionria.

Alguns outros exemplos de integrao: H seis anos, a Fiat pegou as prensas e funcionrios de sua fbrica de Betim e levou tudo para Ipatinga, a mais de 350 quilmetros de distncia, para fazer suas chapas para carros dentro da sede da Usiminas. O acordo agregou valor para o ao vendido pela Usiminas e economizou espao na fbrica da Fiat.

Empresas farmacuticas como Amgen, Novartis, Rhne-Poulenc e Roche tm participao nos departamentos de pesquisa de pequenas empresas de biotecnologia. "Levando em conta que, para uma nova molcula virar uma droga comercial, se passam em mdia 12 anos com gastos de 600 milhes de dlares, as companhias tm que estabelecer redes num mar de inovaes", diz Georges Haour, especialista em gesto tecnolgica do Instituto Internacional de Desenvolvimento de Gesto (IMD, com sede na Sua).

A Fundao Getlio Vargas de So Paulo, que h quatro anos tinha 15 alunos fazendo intercmbio, hoje tem 75 (60% na Europa, 40% nos EUA). Segundo o diretor da escola, Alain Stempfer, a GV tem parcerias com 43 universidades estrangeiras.

Criar essa integrao mais ou menos como estender a filosofia de trabalho em equipe para fora da empresa. Para isso, necessria outra mentalidade. Na empresa de equipamentos de informtica Bull do Brasil, o profissional de finanas requerido deixou de ser o especialista em contabilidade e passou a ser um gestor de relacionamento administrativo-financeiro com o cliente.

Ningum disse que integrar-se fcil. Como afirma o ex-executivo da Shell Arie de Geus, no livro A Empresa Viva (Campus), comportar-se com preocupaes de ecossistema requer um salto de f: acreditar que voc vai estar mais protegido pela harmonia e pelo companheirismo do que pela territorialidade e pela fora de vontade. Por mais que possa ser complicado esse salto de f, no h escolha. O mundo caminha para o outro lado do abismo. O exemplo mais claro, de novo, vem da Internet. Um dos critrios que comeam a se impor nos programas que listam pginas da Web orden-las de acordo com o nmero de conexes que tenham. Quanto mais ligaes com outras pginas - de parceiros, de sites complementares, at de concorrentes -, mais bem colocada estar a empresa na lista.

Este o paradoxo da coopetio (cooperao + competio), um termo inventado pelo consultor americano James Moore em O Fim da Concorrncia (Futura). "A forma tradicional de pensar em concorrncia em termos de ofertas e mercados. Seu produto ou servio confrontado com o do concorrente, e um deles vence. Mas o novo paradigma refere-se criao de mercados. Trata-se de definir e ajudar a modelar redes de contribuies e processos com a finalidade de tecer novas e ricas tapearias econmicas", diz Moore. Alguns exemplos de coopetio:

Cirurgies de cinco hospitais da Nova Inglaterra (EUA) passaram todo o ano de 1996 observando uns aos outros e conversando sobre o seu trabalho. O resultado foi uma queda de 24% de mortes nas cirurgias de ponte de safena, o equivalente a 74 vidas salvas.

Philips, Sony e outros competidores esto unidos desenvolvendo padres tecnolgicos para discos pticos. Em setembro, a IBM decidiu que vai passar a vender tecnologia para empresas rivais.

A United Airlines lanou um servio para facilitar as combinaes de vos de seus passageiros - e o servio permite comprar a passagem e escolher uma poltrona tambm nas linhas areas concorrentes.

Alianas sero o principal negcio de todas as companhias do novo milnio, em qualquer ramo. (A IBM fez mais de 800 alianas nesta dcada. Metade do calhamao de papis sobre a mesa do escritrio de Antnio Firmin, presidente do grupo de hotelaria e servios Accor, de projetos de parcerias.) Ao comentar o trabalho que espera os executivos na nova economia, o guru da administrao C. K. Prahalad pe no alto da lista "conceber e executar estratgias complexas, no s para ganhar lucro ou participao de mercado, mas para influenciar a evoluo de padres da indstria e entrar em novos mercados". Essas estratgias podem ser seguidas pela empresa sozinha, mas no mais das vezes tero de incorporar fornecedores, clientes, colaboradores e concorrentes.

A FORA ADAPTVEL A companhia sueca Stora tem sete sculos de existncia. J foi mina de cobre, j teve uma organizao militar que lutou contra o rei da Sucia, j explorou florestas, produziu ao, energia hidreltrica, e agora faz papel, polpa e produtos qumicos. Suas tecnologias tambm mudaram, do vapor para a combusto interna, para a eletricidade e agora para o microchip.

Aps 111 anos funcionando como companhia eltrica, a Westinghouse foi dissolvida em 1997 para se concentrar no grupo de mdia CBS.

Supermercados britnicos comearam a vender gasolina, e agora detm 25% das vendas do produto no pas. Em resposta, os postos esto abrindo lojinhas que vendem comida e outros produtos. Na Escandinvia, a tendncia foi to longe que a Texaco abriu um posto de gasolina que no vende gasolina.

Quando fracassou no mercado o seu primeiro projeto, um hidroavio, a Boeing se sustentou fabricando mveis.

Para ser mais eficiente, a empresa de caminhes Schneider National inventou um sistema de logstica para economizar combustvel e horas de trabalho. Mudou de ramo. Hoje vende o sistema de logstica, e entre seus clientes est a General Motors.

A idia de adaptao de uma empresa se espelha no conceito darwiniano de evoluo das espcies - s sobrevivem aquelas que conseguem se adequar s mudanas do meio ambiente. Ser adaptvel estar preparado para as mudanas. Mas como saber que mudanas viro? Segundo David Ingvar, ex-chefe do Departamento de Neurobiologia da Universidade de Lund, na Sucia, a soluo criar "memrias do futuro". Ingvar diz que as pessoas esto constantemente fazendo planos, fantasias, cenrios, e as lembranas desses planos e conceitos tm para o crebro a mesma natureza das memrias de acontecimentos passados.

A forma mais efetiva de criar essas memrias do futuro o planejamento de cenrios. "Aprender a focar cenrios para o objetivo de um negcio foi a contribuio da Shell, no final dos anos 60", afirma o ex-executivo da empresa Arie de Geus. "Os planejadores de cenrio da Shell se gabam, corretamente, de ter se preparado para as crises de 1973 e de 1979: o crescimento de conservao de energia e a reduo da demanda por petrleo, a evoluo do movimento ambiental global e at o colapso da Unio Sovitica."

Para planejar bem, preciso ter o mximo de vises discordantes, com o mximo de opinies heterodoxas - vindas de brincadeiras de crianas, visitas a museus, livros de histria, mas sem descuidar dos livros e revistas de negcios, das opinies de especialistas e do pessoal interno. Uma vez escritos, os cenrios devem ser testados e quantificados com a ajuda de modelos de simulao e bancos de dados, para restringir a ateno aos que so mais provveis, consistentes e lgicos.

Houve um tempo em que se acreditava que preparar-se para o futuro era simplesmente extrapolar as linhas dos grficos para os anos seguintes. Chamava-se a isso de planejamento. No mundo instvel, esse futuro linear no chega nunca. Preparar-se para o futuro, hoje, preparar-se para o mximo de possibilidades.

A PERFEIO RPIDA Uma lenda chinesa conta a histria de Chuang-tzu, um homem multitalentoso a quem o rei pediu que fizesse o desenho de um caranguejo. Chuang-tzu respondeu que precisaria de cinco anos, uma casa de campo e 12 servos. O rei concordou. Cinco anos mais tarde, o desenho no estava nem comeado. "Eu preciso de mais cinco anos", disse Chuang-tzu, e o novo prazo foi concedido. Ao final desses dez anos, o rei voltou para cobrar a promessa. Chuang-tzu ento pegou seu pincel e, num instante, com uma simples riscadela, desenhou o caranguejo. O mais perfeito caranguejo jamais visto.

Essa histria contada pelo escritor Italo Calvino no livro Seis Propostas para o Novo Milnio (Companhia das Letras), representando o tipo de rapidez que ele recomendava para o sculo 21. claro que isso uma lenda, e ainda por cima oriental, com sua tradicional nfase na pacincia. Mas h um caso parecido, na vida real e no Ocidente.

Em 1877, o pintor americano James Whistler fez o quadro Noturno em Preto e Dourado: a Queda do Foguete, para uma exposio britnica em Detroit. Sobre ele, o respeitado crtico John Ruskin escreveu: "J vi muita baboseira, mas nunca pensei que veria um artista pretensioso pedir 200 guinus por jogar na cara do pblico um rastro de tinta". Whistler processou Ruskin por danos morais. Durante o julgamento, ocorreu a seguinte altercao: "Voc pede 200 guinus pelo trabalho de dois dias?", disse Ruskin. "No. pelo conhecimento que adquiri no trabalho de uma vida inteira", respondeu Whistler, que acabou ganhando o processo. Mas, como isso era na vida real, a indenizao foi estipulada em meio centavo. As despesas do artista com a ao judicial ajudaram a lev-lo falncia.

De qualquer forma, o conceito sobreviveu. E essa a rapidez necessria para a sua empresa. Como t-la? Se voc entrar na Honda ou em alguma outra empresa asitica durante uma sesso Nimawashi, ver uma discusso acalorada de executivos exaltados. Pensar que est acontecendo algo crucial e urgente. Mas a reunio se encerra sem nenhuma concluso. No h aes a serem tomadas, nem recomendaes. No dia seguinte, os executivos vo discutir novamente, e novamente no chegaro a nenhuma concluso. o que eles chamam de levantamento da situao. Discutem por que esto fazendo o que fazem, quais so as ameaas e oportunidades que os rodeiam, como tornar a vida mais simples. Quando uma situao de emergncia surgir, estaro preparados para ser rpidos.

Como disse Sam Walton, no livro Made in America, ao explicar o sucesso da Wal-Mart: "Como a maioria dos sucessos da noite para o dia, este levou cerca de 20 anos para ser feito." S que 20 anos um tempo de que ningum mais dispe. "Experincias recentes sugerem que novas empresas levam pouco mais de dois anos para formular uma idia de negcios inovadora, estabelecer uma presena na Web e dominar o setor escolhido. Nessa hora, pode ser tarde demais para negcios tradicionalmente lentos reagirem", escreveu a revista The Economist, em reportagem sobre o modo como a Internet est mudando o mundo dos negcios.

Por que a rapidez hoje uma caracterstica to essencial? Segundo Castells, a economia em rede tem um novo fundamento tico, um novo esprito: " a cultura do efmero, uma cultura de cada deciso estratgica, uma colcha de retalhos de experincias e interesses, em vez de uma carta de direitos e obrigaes".

Para Allan Cohen, do Babson College, as empresas vo ter que mudar estratgias mais rpido, acelerar o ciclo de desenvolvimento dos produtos, ser muito mais prximas das necessidades dos clientes. "Por causa da tecnologia, da globalizao, da privatizao e da desregulamentao, as mudanas de expectativa dos consumidores so muito maiores." Uma conseqncia prtica que os ciclos de desenvolvimento de produtos tm de ser feitos em equipe. "No d mais para cada grupo cumprir a sua funo e passar o resultado para outro departamento, depois outro", diz Cohen.

Outra forma de ser rpido estar conectado, como no exemplo da Wal-Mart, em que as mercadorias vo direto do fornecedor para a loja de destino. Um terceiro modo fazer prottipos para testar logo com os consumidores. A Sony famosa por isso. "Eles no ficam projetando aparelhos perfeitos, colocam centenas de modelos no mercado e vem quais os que vendem", diz Cohen. Lew Platt, presidente da Hewlett-Packard, diz que a principal competncia de sua empresa "pegar uma idia, transform-la num produto e lev-la ao mercado rapidamente".

Em um mundo em que o bem mais importante o conhecimento, rapidez adquire valor de mercado. Um dos mais importantes componentes do preo de uma empresa da Internet quantos dias podem ser economizados comprando a tecnologia da empresa, em vez de desenvolv-la por conta prpria. O IMPULSO CONSCIENTE

Se a empresa est ficando virtual, conectada, adaptvel e rpida, o que lhe garante identidade? Como no se perder nos meandros da rede, como no se transformar simplesmente num conjunto de pessoas fazendo um determinado trabalho durante algum tempo, espera de um projeto novo que pode surgir de qualquer ponto? a que entra o carter. "Carter destino", dizia o filsofo grego Herclito de feso. Segundo o consultor de estratgia Michael Porter, fazer algo que comprovadamente bom para qualquer empresa, em qualquer situao, no estratgia. obrigao. Ter uma estratgia escolher algo que voc sabe - e quer - fazer. seguir o seu carter.

Empresa nenhuma pode ser otimista quanto ao seu futuro se no prestar contas com o passado. Como diz o consultor de marketing industrial Jos Carlos Teixeira Moreira, modernizar resgatar o sujeito, analisar e avaliar a histria da companhia, para descobrir os pontos em que houve criao de valor. " como na astronomia. Quanto mais se olha para longe, mais se olha para o passado."

O prprio aproveitamento de oportunidades depende da cultura da empresa. Segundo o sueco Johan Roos, professor do IMD, o que voc v depende de quem voc . "A gesto tem que entender as normas, crenas, valores e viso de mundo dos empregados, grupos, unidades e da companhia como um todo. Isso forma a base a partir da qual se pode ver o futuro, e decidir que novos conhecimentos so legtimos e quais no so." A forma que ele sugere para criar laos entre as pessoas contar histrias. Concluses e instrues no do espao para o pensamento, diz Roos. As histrias, sim, permitem que as pessoas tragam suas prprias interpretaes. Segundo o socilogo Richard Sennett, professor da London School of Economics e da New York University, narrativas so mais do que simples crnicas de eventos. "Elas do forma ao movimento do tempo, sugerindo razes por que as coisas acontecem, mostrando suas conseqncias."

As histrias que as companhias contam sobre si mesmas afetam seu comportamento. Quando a Boeing estava desenvolvendo o avio 747, o diretor Crawford Greenwalt perguntou a um membro da alta gerncia qual seria a projeo de retorno dos investimentos. O gerente falou que eles tinham feito alguns estudos, mas no chegaram a nenhuma concluso sobre a estimativa de retorno. Por que ento decidiram fazer o novo avio? "Ora, porque ns somos a Boeing!" Perseguir o lucro importante, claro, mas a auto-expresso de uma companhia o que a mantm viva.

A Mitsui, por exemplo, era uma corporao gigante com mais de 100 subsidirias em 1945, quando a ocupao americana ordenou o fim dos conglomerados que dominavam a economia japonesa. As holdings foram liquidadas. A Mitsui Bussan se dissolveu em 170 companhias separadas. Em 1952, com o fim da ocupao, lderes das pequenas empresas passaram a se reunir regularmente. Pouco a pouco, vrias delas voltaram a se unir adotando o antigo nome. Embora a Mitsui tenha morrido, sua identidade permaneceu viva nas companhias do grupo.

Isso depende da cultura da empresa. Na Alemanha, em condies semelhantes no ps-guerra, o Deutsche Bank foi dissolvido e retornou fora total, com o antigo nome. J a empresa qumica I.G. Farben foi desmembrada em duas, Basf e Hoechst, que nunca mais se uniram e hoje competem ferozmente entre si.

Outro elemento formador do carter o propsito. Ele pode criar um ponto de estabilidade e um contexto motivacional para os empregados. Em chins, os caracteres antigos para a palavra "negcio", de mais de 3 000 anos de idade, significam "sobrevivncia de propsito". O estudo da Shell sobre companhias duradouras mostrou uma ligao entre as companhias de longa vida e um forte senso de valores, diz o ex-executivo Arie de Geus.

Quando uma empresa tem conscincia do seu propsito, o controle muda de natureza. "Se voc cria um ambiente em que as pessoas participam de verdade, no precisa de controle. Elas sabem o que precisa ser feito e fazem", diz Herb Kelleher, presidente da Southwest Airlines, a empresa area mais bem-sucedida financeiramente dos EUA. Destrudo o mito da empresa-me, que recompensa o bom comportamento, a nica forma de motivar os funcionrios faz-los acreditar que as metas da companhia vo ajud-los a atingir suas metas individuais.

No livro Making Democracy Work (Fazendo a Democracia Funcionar), Robert Putnam diz que no h poder e disciplina hierrquica que substituam a ausncia de comportamento cvico e confiana mtua na comunidade. Mas comportamento cvico no deve ser confundido com consenso passivo. Segundo o presidente da Pfizer, William Steere, preciso que haja uma tenso criativa. Seno a discrdia vai ocorrer fora das reunies, no dentro; haver resistncia passiva na implementao de decises; e, no havendo conflito direto, as pessoas sero estimuladas a "ler nas entrelinhas" e agir politicamente.

Como reconhecer o carter de uma empresa? Segundo o psiclogo americano Nathaniel Branden, consultor de auto-estima, um modo prtico perguntar, sobre cada comportamento desejvel, se ele recompensado, punido ou ignorado pela empresa. A resposta indica as caractersticas com que uma companhia realmente se importa, no aquelas com as quais ela diz que se importa. Outra frmula dada por James Collins e Jerry Porras, em Feitas para Durar (Rocco). Quando voc tiver esboado uma lista de valores centrais da empresa, faa a seguinte pergunta com relao a cada um deles: "Se as circunstncias mudassem e ns fssemos punidos por ter este valor, em vez de recompensados, ns ainda o seguiramos?"

O RACIOCNIO EMOTIVO A cadeia de lojas de roupas americana Nordstrom tem um manual de regras implacvel. A regra nmero um diz: "Use o bom senso em todas as situaes. No haver outras regras".

O escritrio em que o consultor Jos Carlos Teixeira Moreira recebe os industriais que o contratam tem um nico diploma pendurado na parede. o diploma da escola de datilografia da Remington, que ele cursou em 1959 em So Jos do Rio Preto. Quando o visitante pergunta o que aquilo significa, Teixeira Moreira explica que, de todos os cursos que fez, inclusive a faculdade de marketing de Perkings, nos EUA, daquele que sua me sente mais orgulho, e por isso que o diploma est l - com um efeito de marketing muito maior do que teria o da faculdade de marketing.

Num mundo em que o relacionamento mais importante do que o produto, ou melhor, em que o relacionamento faz parte do produto, no h como deixar a emoo de fora. Num mundo dominado pelo conhecimento, ao contrrio do que diz a tradio cartesiana, no pode haver oposio entre razo e emoo. isso o que explica o neuropsiquiatra Antnio Damasio no livro O Erro de Descartes (Companhia das Letras). "No vejo as emoes e os sentimentos como entidades impalpveis e difanas, como tantos insistem em classific-los. O cerne do crebro e o crtex cerebral trabalham em conjunto, criando a emoo e o sentimento, da mesma forma que o fazem para a viso." Damasio no apenas eleva o status das emoes. Sua teoria do marcador somtico mostra como os sentimentos so imprescindveis para o bom funcionamento da razo. (Os exemplos so dramticos: pacientes com leses cerebrais na regio associada emoo, que tm tima pontuao em testes de inteligncia, no conseguem trabalhar porque perderam a capacidade de tomar decises.)

Pela teoria de Damasio, a emoo confere valor s situaes, e sem esse valor no h como diferenci-las. Mais: quando o corpo tem uma sensao desagradvel, esse sinal faz com que a pessoa rejeite imediatamente um rumo de ao, levando-a a escolher entre outras opes. A emoo serve, portanto, como um orientador da razo. ( por isso que pacientes com deficincia emotiva no conseguem decidir: as opes ficam infinitas.) Algumas vezes, esses processos no constituem o centro de nossas atenes, passando-se fora do campo da conscincia. "Esse mecanismo oculto seria a fonte daquilo que chamamos intuio", diz Damasio.

Os matemticos Henri Poincar e Jacques Hadamard concordam: "Uma prova matemtica pode ser descoberta por tentativas inconscientes, guiadas por uma inspirao de carter decididamente esttico, e no pelo pensamento racional", dizem. ( claro que esse resultado deve ser testado depois, pelos critrios racionais.) O Prmio Nobel de Fsica George Thomson escreveu um livro chamado A Inspirao da Cincia, e o texto na capa comea com as palavras "a cincia uma arte".

H quem veja o crescente uso da tecnologia como um obstculo s relaes pessoais. O "homem digital" seria algum preso em casa, cujo contato com o mundo se d atravs de mquinas. No bem assim. O Minitel, um sistema de comunicao por videotexto criado na Frana, era usado por estudantes na dcada passada para organizar manifestaes de rua contra o governo. William Steere, da Pfizer, diz que est ficando mais fcil no viajar. Por isso, fazer o esforo uma afirmao da importncia das pessoas. Charles Handy afirma que, quanto mais virtual uma empresa se torna, mais seus funcionrios precisam se encontrar em pessoa. Os encontros, porm, so diferentes: no para entregar coisas, mas para que as pessoas se conheam.

Handy provavelmente no conhece David Whitten, vice-presidente do Gartner Group. No ano passado, Whitten contratou um consultor. O contato foi feito por e-mail e todo o trabalho era passado pela Internet e por telefone. Nove meses depois, ambos tinham de estar numa conferncia. Cada um sabia que o outro estaria l, mas nem lhes ocorreu marcar um encontro. Acabaram se esbarrando num corredor, reconheceram-se pelos crachs e caram na gargalhada. A tecnologia no necessariamente um obstculo ao encontro moda antiga. Mas ela suscita, sim, novos tipos de contato, e devem ser explorados novos meios de criar emotividade.

O guru do marketing Philip Kotler cita uma companhia de seguros americana que atende principalmente militares, a USAA. "No conheo nenhum cliente que no adore a companhia, e no h nenhum contato fsico. Mas quando algum telefona o atendente aciona um banco de dados, pergunta se a filha passou no vestibular, sabe que a mulher d aula na universidade..." Kotler chama essa combinao de high-touch (alto toque), a conexo pessoal feita com alta tecnologia (high-tech). Alguns exemplos:

A cadeia de lojas de produtos para animais Mars Petfood, da Alemanha, tem um banco de dados com os nomes de todos os donos de gato no pas e manda cartes de aniversrio para os gatos.

Uma loja da Sony em Manhattan tem uma cabine interativa. Voc pode digitar trs nomes, e o computador informa suas razes musicais, as msicas em comum e as influncias mtuas. Ningum paga pelo servio, mas as pessoas costumam deixar a loja com uma compra na mo, embora a Sony no d nenhum desconto.

A PERENIDADE INOVADORA De todas as qualidades que uma empresa deve ter, esta a mais importante: a capacidade de inovar. isso, em ltima anlise, que faz uma empresa merecer o nome de empresa. No momento de sua criao, h uma proposta. Inovar recriar essa proposta, de acordo com as novas condies do mercado. Quanto mais mudanas h no mercado - e disso que feita a realidade do novo milnio --, maior a exigncia de inovao. Todas as outras qualidades so essenciais, mas para acompanhar, aproveitar, reagir s mudanas. Com o perdo do trusmo, inovar estar um passo frente.

Por que deixamos esta mais importante das qualidades por ltimo? Porque ela , de certa forma, uma combinao das outras. E porque est intimamente ligada ao assunto do prximo captulo - a gesto do conhecimento.

Parece bvio que a capacidade de inovar seja uma caracterstica positiva, mas a realidade no to simples. Como diz Michael Dertouzos, em O Que Ser: "Quase nenhuma grande inovao foi bem-vinda quando apareceu. Mas depois de um tempo, como notou o filsofo Arthur Schopenhauer, todo mundo concorda que 'aquela sempre foi obviamente uma excelente idia'".

A maior parte dos estudos que prezam a inovao como qualidade-chave das empresas de sucesso deixa de lado os exemplos de companhias extremamente inovadoras que sucumbiram. "Eu lembro quantas indstrias de pratos prontos congelados j quebraram. Elas erraram? No. S estavam fora do tempo!", diz Nildemar Secches, da Perdigo. Sua empresa est lanando uma mdia de 30 produtos novos por ano, vrios deles no ramo de congelados. A Nottingham Building Society, uma instituio financeira britnica, lanou h uns 15 anos um servio de home banking, com videotexto. Era um servio muito alm do seu tempo, e nunca decolou.

Mas o nmero de produtos frente do seu tempo est caindo rapidamente, porque o ritmo das mudanas est se acelerando. Ser inovador est deixando de ser um risco e passando a ser uma obrigao. No, vamos reformular isso: inovar no est deixando de ser um risco. Est se tornando um risco menor do que no inovar.

essa pesagem de riscos que se deve ter em mente para mudar a cultura da empresa. A nova cultura deve aceitar os erros. "No h chance de ter uma boa tecnologia sem uma enorme quantidade de fracassos. uma regra universal", diz o fsico Freeman Dyson. "O fracasso o nosso produto mais importante", diz R. W. Johnson Jr., da Johnson & Johnson, uma empresa acostumada a inovar, manter o que d certo e rapidamente descartar o que no funciona.

Inovao tambm tem seus custos, e no s os de investimento em criatividade. Segundo o brasileiro Ophir Toledo, presidente da Philips dos Estados Unidos, na nova economia as companhias no podem ter medo de canibalizar seus prprios produtos. Um exemplo? "Ns investimos no desenvolvimento e produo de telas planas com tecnologia de cristal lquido (LCD). Quanto mais o LCD se desenvolver, mais obsoleto ficar o tubo de raios catdicos, uma de nossas reas mais prsperas." A 3M leva essa noo a ferro e fogo. Todo ano, h uma meta de porcentagem de venda de produtos que no existiam h cinco anos.

A lgica que os custos da inovao vo ser compensados. No ano passado, os funcionrios da Mercedes-Benz Credit Corporation em Norwalk, Connecticut, investigavam freneticamente meios de acabar com seus prprios empregos. Por qu? Porque os que eram bem-sucedidos ganhavam novos empregos que ajudavam a empresa a crescer. A Sony tem um ciclo de inveno em eletrnica que agora excede o ciclo de estoques das lojas de produtos eletrnicos. Por depender de varejistas, no consegue levar seus produtos s prateleiras com rapidez suficiente para alimentar os consumidores mais vidos por novidades. Na batalha pelo mercado de malhas nos Estados Unidos, a campe da economia em rede, Benetton, foi superada em 1995 pela Gap, cuja arma mais efetiva foi a inovao: a cadeia americana passou a apresentar novos modelos a cada dois meses, em comparao com as duas vezes por ano da Benetton.

A busca da inovao - sua constante recriao - deve ser a principal preocupao da empresa do novo milnio, e deve ser feita com uma poltica consciente, rpida, virtual, conectada, emotiva e adaptvel. A inovao no pode ser deixada ao acaso. Como j frisava Richard Carlton, presidente da 3M na dcada de 50: " verdade que a nossa empresa j encontrou por acaso alguns de seus novos produtos. Mas nunca se esqueam de que s se pode encontrar algo por acaso se voc estiver em movimento". 3 - Como administrar a maior riqueza do futuro - a inteligncia GESTO DA INTELIGNCIA - Como administrar a maior riqueza do futuro

O fim do segredoO melhor jeito de multiplicar o conhecimento dividi-lo

Por David Cohen

Aprendi a dizer no, ver a morte sem chorar, e a morte, o destino, tudo, a morte, o destino, tudo estava fora de lugar. Eu vivo pra consertar. (Geraldo Vandr, Disparada) H um segredo para administrar o conhecimento, essa nova riqueza do mundo dos negcios. um segredo muito bem guardado, mas consiste, basicamente, de apenas quatro palavrinhas: no h mais segredo. (Se voc acha que isso um paradoxo, ento veja este: as prximas 5 994 palavras so para explicar essas 4.)

No mundo de negcios tradicional, conhecimento poder. S a Coca-Cola detm a frmula da coca-cola. O prottipo de um carro novo mantido em sigilo at a data do lanamento. O mtodo de produo defendido como segredo de Estado por se tratar de um diferencial competitivo.

Guardar o conhecimento para si faz sentido quando ele a matriz de um produto ou servio que, este sim, se quer difundir. (E o preo do produto ser tanto maior quanto menos gente souber como faz-lo.) H outro caso em que se justifica a economia do segredo: o reforo da hierarquia. O diretor financeiro escolhe quem pode e quem no pode saber qual o lucro da empresa. S o chefe sabe quais os critrios para contratar, promover ou demitir algum.

Esse tipo de gesto do conhecimento no est condenado morte. Ele vai continuar a existir, vai se desenvolver e vai trazer seus benefcios e prejuzos usuais. Mas h hoje uma nova prtica no mundo dos negcios. Segundo ela, o poder no est em deter conhecimento, mas em dissemin-lo. Quanto mais informao voc divide com os outros, maior o seu retorno. assim que novas tecnologias podem se tornar padro mundial, assim que uma empresa pode arregimentar uma rede de fornecedores, assim que voc pode atrair clientes que ajudem a planejar o produto que eles querem.

Dentro dessa nova prtica, gesto do conhecimento no mais o incentivo a um departamento de gnios e a proteo dos direitos intelectuais. Gesto do conhecimento orientar a empresa inteira para produzir este que o bem mais valioso da nova economia, descobrir formas de aproveit-lo, difundi-lo, combin-lo. E de lucrar com ele. Em cada caso particular, as empresas vo ter de escolher qual o tipo de gesto do conhecimento que usaro: o segredo ou a cooperao, a evoluo ditada pelas leis de mercado ou pela reviso dos pares. Na maioria das vezes, ser necessrio um misto dessas duas formas de gesto.

ACABOU A DISTRAO O reinado do conhecimento como o principal produto da sociedade descrito pelo socilogo Manuel Castells como uma evoluo histrica. O primeiro modelo de relao natureza-cultura foi o de primazia da natureza. O segundo, estabelecido nas origens da Era Moderna e associado Revoluo Industrial e ao triunfo da Razo, foi a dominao da natureza pela cultura. Estamos agora entrando em um terceiro estgio, em que a cultura se refere a si mesma, tendo suplantado a natureza a ponto de esta ser renovada (ou "preservada") artificialmente como uma forma cultural. " o comeo de uma nova existncia e, sem dvida, o incio de uma nova era, a era da informao, marcada pela autonomia da cultura ante as bases materiais de nossa existncia", afirma Castells, em A Sociedade em Rede (editora Paz e Terra).

O mundo do trabalho passa por transformao semelhante. Um dos patriarcas do industrialismo, o engenheiro americano Frederick Taylor, acreditava que as mquinas e os projetos industriais ficariam imensamente complicados, mas no seria necessrio que os trabalhadores os entendessem. Quanto menos "distrados" pela compreenso, mais eficientes seriam em seus trabalhos. Isso no se aplicava somente aos operrios. Uma das primeiras empresas do mundo, a britnica Companhia das ndias Orientais, foi chefiada durante 35 anos, a partir de 1823, pelo economista John Stuart Mill, que cumpria expediente das 10 da manh at as 4 da tarde e aproveitava boa parte dessas horas para escrever suas obras. Ele considerava o trabalho de executivo apenas "suficientemente intelectual para no se tornar enfadonho, sem causar nenhuma presso" sobre seus poderes mentais, como escreveu em sua biografia.

Isso passado. A indstria hoje exige, tanto de executivos como de operrios, que agreguem valor a processos e produtos. Esse valor - a essncia da inovao - obtido com conhecimento. Estamos, de certa forma, caminhando ainda mais para o passado. Segundo Aristteles e Plato, toda execuo de objetos materiais, at mesmo de obras de arte, representa uma atividade de segunda ordem, se comparada com a produo de idias.

Euclides se gabava que seu estudo de nmeros primos no tinha nenhuma utilidade para a vida grega. O matemtico ingls G.H. Hardy se orgulhava de que nenhuma descoberta sua, no campo da teoria dos nmeros, faria a menor diferena para o mundo prtico. Estavam errados: nmeros primos, um conhecimento sem aplicao por 2 300 anos, so a base dos cdigos de segurana de informao para computadores. Dois mil anos depois que os gregos decidiram estudar uma curva chamada elipse, astrnomos descobriram que ela descreve as rbitas dos planetas. Em 1854, o matemtico alemo Bernhard Riemann resolveu brincar com os postulados de Euclides e construiu uma geometria ridcula baseada numa abstrao chamada espao curvo, e 60 anos depois Albert Einstein anunciou que esse era o formato do universo.

Nem todos concordam que estejamos na era da informao. O intelectual italiano Umberto Eco, por exemplo, diz que no mundo de hoje no temos mais informao, temos menos. "Quando peo uma bibliografia na Internet e recebo uma lista com 10 000 ttulos, no tenho nenhum ganho de informao com isso. Com a Internet, corremos o risco de nos tornar autodidatas. O autodidata aquele que absorve uma enorme quantidade de informaes, muito mais do que um professor universitrio, mas no sabe filtr-las", disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em maio. O risco verdadeiro, mas o avano inegvel, e uma medida do avano justamente o teor das crticas que recebem as novas tecnologias, vindas de gente que domina as antigas.

A situao semelhante de uma lenda egpcia. Quando o deus Thoth revelou ao rei Thamos a sua descoberta da arte da escrita, o bom rei a denunciou como inimiga da civilizao. Thamos reclamava que as crianas e os jovens, que sempre tinham sido forados a memorizar tudo o que lhes era ensinado, dali em diante deixariam de exercitar sua memria.

O QUE COMUM VALE MAIS O que h de diferente num mercado em que a cultura se relaciona com a cultura e em que o conhecimento no apenas uma forma de modificar produtos, mas um produto em si mesmo? Eis algumas das diferenas:

os recursos so inf