a evasao ao espetaculo

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A EVASÃO AO ESPECTÁCULO 1. Mediação, produção e hibridização do real – Form follows Fiction “ O significado de contemporaneidade surge inequivocamente associado à noção da busca dos “mundos” desconhecidos dentro ou fora de nós, a uma noção de sobrememória, de mistura virulógica; a uma noção de urgência de sair de um beco sem saída e ao mesmo tempo de aí entrar.” Dinis Guarda 1 Desde a sua origem a humanidade sempre viveu entre várias dimensões do real. Realidades ficcionalizadas, imaginárias ou oníricas que complementam e interpretam a sua relação com o mundo 2 . Verificamos que nas sociedades arcaicas, estas realidades se manifestam sobre a forma de rituais, originando o que hoje interpretaríamos como manifestações artísticas: cantares, dançares, indumentárias, narrativas, pinturas e construções. Cada cultura desenvolve então todo um mundo estético-simbólico, que caracterizará a forma como se posiciona perante o cosmos. Se nas sociedades arcaicas encontramos uma linguagem muito próxima da linguagem simbólica e irracional do mundo onírico, a invenção da escrita veio estruturar e institucionalizar todo esse fluir imaginário: surgem as mitologias e todo um mundo cantado, dançado e musicado é fixado e sintetizado em narrativas escritas. À passagem da palavra oral para a palavra escrita, corresponde o nascimento das primeiras grandes cidades e à institucionalização do poder e de diversas áreas de conhecimento. O Real Imaginário 3 que agregava socialmente uma comunidade, partilhando do mesmo mundo estético- simbólico, é agora institucionalizado enquanto religião e manipulado pelos orgãos de poder como mecanismo de regulação moral das massas que habitam a urbe. As religiões monoteístas, como Cristianismo e o Islamismo vêm reforçar este caminho, transpondo os mitos para evangelhos e os rituais para liturgias. Ao fixarem os comportamentos e costumes, este tipo de religião veio também separar o indivíduo da relação íntima que mantinha com o sagrado, regulamentando a sua liberdade natural de expressão dos seus impulsos simbólico-alegóricos. O indivíduo já não interpreta criativamente a sua relação com o mundo, limita-se a seguir uma doutrina. Mas se até aos séculos XVI, XVII sobrevive uma visão mágico-simbólica mediadora da realidade, a entrada na Idade Moderna marcará definitivamente a ruptura das manifestações criativas de uma ordem cosmológica. O Racionalismo irá compartimentar a experiência do mundo em áreas de conhecimento e de produção. A Contra-Reforma, aliada ao poder capitalista, então emergente, irá tornar a experiência sagrada do Real numa espécie de consumo de um Real sagrado. Entramos, com a Idade Barroca, no domínio exclusivo da 1 GUARDA, Dinis in “Entre o linear e o subterrâneo-o rizoma-mundos estéticos de Chris Marker” para revista Número 04 2 AUGÉ, Marc “ A Guerra dos Sonhos – Exercícios de etnoficção” (1997), Celta Editora, Oeiras, 1998 3 Chamo de Real Imaginário à realidade ficcional produzida, utilizando, manipulando e reinventando elementos do imaginário individual e colectivo . O Real Imaginário é produzido e reproduzido por estruturas de poder para controlar e educar uma comunidade. Ao longo da história foi se metamorfoseando, desde os mitos aos evangelhos, da propaganda a ao telejornal. O Real Imaginário é tudo isso, um guião utilizado para mediar e uniformizar a nossa interpretação do Real.

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Ensaio publicado na revista Detritos nº2. Novembro 2008

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Page 1: A evasao ao espetaculo

A EVASÃO AO ESPECTÁCULO

1. Mediação, produção e hibridização do real – Form follows Fiction

“ O significado de contemporaneidade surge inequivocamente as sociado à noção da busca dos “mundos” desconhecidos dentro ou fora de nós, a uma noção de sobrememória, de mistura virulógica; a uma noção de urgência de sair de um beco sem saída e ao mesmo tempo de aí entrar.” Dinis Guarda1

Desde a sua origem a humanidade sempre viveu entre várias dimensões do real. Realidades

ficcionalizadas, imaginárias ou oníricas que complementam e interpretam a sua relação com o

mundo2. Verificamos que nas sociedades arcaicas, estas realidades se manifestam sobre a

forma de rituais, originando o que hoje interpretaríamos como manifestações artísticas:

cantares, dançares, indumentárias, narrativas, pinturas e construções. Cada cultura

desenvolve então todo um mundo estético-simbólico, que caracterizará a forma como se

posiciona perante o cosmos. Se nas sociedades arcaicas encontramos uma linguagem muito

próxima da linguagem simbólica e irracional do mundo onírico, a invenção da escrita veio

estruturar e institucionalizar todo esse fluir imaginário: surgem as mitologias e todo um mundo

cantado, dançado e musicado é fixado e sintetizado em narrativas escritas.

À passagem da palavra oral para a palavra escrita, corresponde o nascimento das primeiras

grandes cidades e à institucionalização do poder e de diversas áreas de conhecimento. O Real

Imaginário3 que agregava socialmente uma comunidade, partilhando do mesmo mundo estético-

simbólico, é agora institucionalizado enquanto religião e manipulado pelos orgãos de poder

como mecanismo de regulação moral das massas que habitam a urbe.

As religiões monoteístas, como Cristianismo e o Islamismo vêm reforçar este caminho,

transpondo os mitos para evangelhos e os rituais para liturgias. Ao fixarem os comportamentos

e costumes, este tipo de religião veio também separar o indivíduo da relação íntima que

mantinha com o sagrado, regulamentando a sua liberdade natural de expressão dos seus

impulsos simbólico-alegóricos. O indivíduo já não interpreta criativamente a sua relação com o

mundo, limita-se a seguir uma doutrina.

Mas se até aos séculos XVI, XVII sobrevive uma visão mágico-simbólica mediadora da

realidade, a entrada na Idade Moderna marcará definitivamente a ruptura das manifestações

criativas de uma ordem cosmológica. O Racionalismo irá compartimentar a experiência do

mundo em áreas de conhecimento e de produção. A Contra-Reforma, aliada ao poder

capitalista, então emergente, irá tornar a experiência sagrada do Real numa espécie de

consumo de um Real sagrado. Entramos, com a Idade Barroca, no domínio exclusivo da

1 GUARDA, Dinis in “Entre o linear e o subterrâneo-o rizoma-mundos estéticos de Chris Marker” para revista Número 04

2 AUGÉ, Marc “ A Guerra dos Sonhos – Exercícios de etnoficção” (1997), Celta Editora, Oeiras, 1998

3 Chamo de Real Imaginário à realidade ficcional produzida, utilizando, manipulando e reinventando elementos do

imaginário individual e colectivo . O Real Imaginário é produzido e reproduzido por estruturas de poder para controlar e educar uma comunidade. Ao longo da história foi se metamorfoseando, desde os mitos aos evangelhos, da propaganda a ao telejornal. O Real Imaginário é tudo isso, um guião utilizado para mediar e uniformizar a nossa interpretação do Real.

Page 2: A evasao ao espetaculo

produção de imagens, de estética, da produção de um Real. O indivíduo agora desiste de se

posicionar perante uma ordem global e cosmológica da experiência, limita-se a embriagar-se

com o consumo do que lhe é mais apelativo.

A Revolução Industrial veio acentuar este processo de ruptura do indivíduo na sua relação com

o meio. Se o Real Imaginário, já não é produzido em comunidade, mas consumido em massa, a

Indústria Cultural veio oferecer aquilo que o indivíduo entretanto perdeu enquanto experiência,

a cultura. Passa a ser cada vez mais do domínio da Industria Cultural, através dos mass media

como os jornais, o cinema e a televisão, a produção de um Real Imaginário cada vez mais

homogeneizado e interconectado. O impacto destes é fortíssimo, contribuindo para construir o

que Marshall McLuhan chamará de aldeia global4.

Poderemos interpretar a produção da Indústria Cultural como a produção de mundos, de

ficções5, de realidades alternativas e fantásticas, cujo consumo massificado é potenciado pela

alienação provocada pela especialização e mecanização da realidade laboral a que o indivíduo

está sujeito. Ao indivíduo moderno, faltam-lhe sonhos, fantasias, lendas, símbolos, magias, ao

que a Indústria Cultural providenciará sob a forma de objectos de consumo imediato.

A Arquitectura, será talvez, a disciplina com maior capacidade de transformar a experiência

estética e simbólica do real, sintetizando espacialmente várias áreas de conhecimento.

Para além do seu enquandramento disciplinar clássico, a arquitectura é um poderoso media,

que transforma radicalmente a relação do Homem com o meio, materializando espacialmente

diversas visões do Real.

Neste sentido, proponho a leitura da produção arquitectónica à luz de estratégias de

Construção do Real associada à Indústria Cultural de massas.

Dentro do campo especulativo e com um sentido operativo, sugiro a categorização de duas

estratégias associadas a mecanismos culturais e económicos conhecidos e a proposta de uma

terceira estratégia, emergente desde finais do sec XX.

Identificando a construção de Mundos Possíveis a uma linguagem do espectáculo; à

construção de Mundos de Substituição corresponderá a Pós-modernidade e a linguagem

espacial da hiper-realidade. Por fim, na sequencia do desenvolvimento da Industria Cultural e

de novos dispositivos tecnológicos, proponho um terceira leitura ao que designo de Mundos

Híbridos ou Aumentados.

4 MACLUHAN, Marshall “Understanding media: the extensions of man” Signet Books, New York, 1964

5 AUGÉ, Marc “ A Guerra dos Sonhos – Exercícios de etnoficção” (1997), Celta Editora, Oeiras, 1998

Page 3: A evasao ao espetaculo

2. Mundos possíveis – a Mediação

Por Mundos Possíveis, entendo uma experiência lúdica baseada na linguagem do espectáculo

6.

A construção de mundos fantásticos e sedutores, perante o quais o consumidor se rende

hipnotizado. Explorada na primeira metade do século XX através do cinema, da fotografia e

posteriormente de forma massiva pela televisão, a linguagem de espectáculo apresenta um

mundo imaginário, o qual o espectador contempla passivamente, reconhecendo neste um mundo

fictício, mas apelativo. Uma característica fundamental na construção de Mundos Possíveis é

a clara fronteira entre ficção e realidade.

Serão, por exemplo, as poderosas máquinas de propaganda política que surgem na primeira

metade do século XX, a explorar diversos media, como o cinema e a arquitectura/cenografia

para encenar mundos que representam uma ordem social e moral ideal e imponente.

Também a Indústria Cultural, ao serviço da Máquina Capitalista irá explorar conteúdos que

exprimem a procura do indivíduo por ideais; ideais de beleza, ideais de sociedade, ideais de

vida. Será através do cinema e da televisão, manipulando eficientes estratégias de

merchandising e de psicologia de consumo de que este Mundos Possíveis serão difundidos.

Estes podem ser enquadrados, segundo a teoria das imagens de Baudrillard, em simulacros de

2º grau e eventualmente de 3º grau; ou seja mundos que apresentam uma visão melhorada ou

estetizada da realidade ou mundos que simulam uma realidade aparente, mas que não existe7.

È dentro deste contexto que surgem na primeira metade do século XX alguns movimentos

arquitectónicos, que legitimam a sua procura de renovação semântica em ideais sociais. É o

tempo de manifestos e utopias, onde a arquitectura surge como poderoso media de

questionamento e provocação, procurando sair da esfera “estética” e representativa para

procurar solucionar problemas urbanos, sociais, propondo visões políticas da sociedade.

Entre vários, subsiste o Movimento Moderno como expressão espacial de uma sociedade

universal, progressista e mecanizada, representado pelo trabalho e escritos da Escola da

Bauhaus ou pela obra e manifestos do arquitecto suiço Le Corbusier.

Embora Mundos Possíveis sejam ainda hoje construídos, principalmente explorados pelos

mass media; a partir dos anos 70, com a pós-modernidade os metadiscursos utópicos e

idealistas dissolvem-se, abrindo lugar para uma cultura do simulacro e do hiper-real.

6 DEBORD, Guy “A sociedade do espectáculo”(1967), Mobilis in mobili,Lisboa, 1991

7 BAUDRILLARD, Jean “Simulacros e Simulação”(1981), Relógio de Água, 1991

Page 4: A evasao ao espetaculo

3. Mundos de Substituição – a Produção

" Como nos novís simos filmes de horror, não há distanciação, não se assi ste ao horror alheio,

está-se dentro do horror por sinestesia total, e se houver um terramoto, a sala cinematográfica também deve tremer"

Umberto Eco8 Chamo Mundos de Substituição

9 a Realidades Imaginárias construídas através de uma

linguagem de simulacro. Nestes Mundos, o sujeito já não procura esgazear-se com realidades

possíveis, procura viver realidades impossíveis, simuladas. É o caso dos parques temáticos,

como a Disneylândia ou os Casinos de Las Vegas, ao que Eco, Baudrillard e Jameson10 apelidam

de hiper-realidades. Segundo Jean Baudrillard estaremos perante simulacros de 4º grau, ou

seja simulações de realidades ficcionais11. Os Mundos de Substituição convidam o consumidor

a entrar e participar do seu mundo fantástico, oferecendo uma verdadeira realidade paralela

ao quotidiano. Aqui tudo funciona bem, tudo é belo e higiénico, todo o local é ubiquamente

videovigiado, impedindo qualquer tipo de crimes ou distúrbios à ordem. Ao contrário dos

Mundos Possíveis, nos Mundos de Substituição a fronteira entre realidade e ficção

desaparece, o sujeito outrora espectador é agora uma espécie de actor passivo, um figurante

entre figurantes, imerso neste mundo virtual.

Nestas hipertopias

12 a estratégia de persuasão já não passa pela visualização de imagens, mas

pela imersão multisensorial nas imagens. Para acentuar este sentido de imersão em mundos

paralelos, os Mundos de Substituição afastam-se geograficamente dos meios urbanos ou

fecham-se fisicamente para estes13.

Podemos interpretar então os Mundos de Substituição como experiências multisensoriais,

onde a fronteira e ruptura com a realidade se pretende total. Não há por isso uma experiência,

que aumenta, densifica ou distorce a nossa leitura do real, mas que a substitui, neutralizando-a;

mantendo a fronteira entre os dois meios, hermeticamente cerrada.

Este fenómeno tende a alastrar-se em todos os campos e suportes da produção cultural de

massas tardocapitalista, por ser o processo mais eficaz, de persuadir e agarrar o sujeito numa

passividade contemplativa, e viciante, sendo facilmente manipulado a consumir voluptuosa-e-

compulsivamente. Os Mundos de Substituição14 são também a resposta mais radical à ânsia

insaciável do homem tardomoderno pela experiência última; pela celebração e fruição de um

mundo de evasão, onde a materialização de todos os desejos é compactada (género kit de

alegria) e extrapolada (até à uma implosão interminável).

8 ECO, Umberto “Viagem na irrealidade quotidiana”(1973-83), Difel, Lisboa, 1993

9 do alemão Ersatzwelt 10

JAMESON, Frederic “Postmodernism or the cultural logic of late capitalism”, 1984 in “Rethinking Architecture: a reader

in cultural theory”, AAVV, editado por Neil Leach, Routledge, Londres, 1997 11

BAUDRILLARD, Jean “Simulacros e Simulação”(1981), Relógio de Água, 1991 12 neologismo para designar os lugares da hiper- realidade 13 esta estratégia é evidente em centros comerciais e até condomínios residenciais, videovigiados. Jameson alerta-nos para esta estratégia de alienação urbana na sua análise ao HoTel Westin Bonaventure no texto “Postmodernism or the cultural

logic of late capitalism” , ver nota 8 14

ver também o ensaio de Michael Sorkin The theming the city in Lotus n.109 e Variations on a Theme Park Hill and Wang, Nova Iorque, 1992 onde é abordado a tematização como mecanismo de ficcionalização do espaço público pós moderno

Page 5: A evasao ao espetaculo

4. Mundos Híbridos ou Aumentados – a Hibridação

The theater is closed/ There is no place else to go/ The theater is closed Cut word lines/ Cut music lines Smash the control images/ Smash the control machine. William S. Burroughs15 Vimos como nos dois casos anteriores, que a construção do Real se baseia na realização de

Mundos de Escape, de fuga, que compensam a frustração e insatisfação da sua realidade

laboral. Estimular este tipo de produção cultural só pode conduzir o indivíduo a afastar-se

cada vez mais de si próprio e do seu posicionamento perante o mundo, vivendo sob uma

espécie de estado de letargia.

Sob o nome de Mundos Híbridos ou Aumentados, procuro delinear uma estratégia de

construção do Real que desperte a participação activa e criativa do indivíduo na constituição

de Realidades Imaginárias. Nesse sentido, proponho substituir a produção e o consumo de

objectos de entretenimento por dispositivos lúdicos, em que o sujeito participe activamente

como um actor jogador. Através do jogo, pretende-se recuperar também uma certa ideia de

ritual colectivo, de interacção numa comunidade através da qual é projectado e realizado o

conjunto de subjectividades participantes. Falamos, portanto de espacialidades que estimulem

e ao mesmo tempo vivam do poder criativo e interactivo dos seus habitantes.

Nos anos 50, 60 e 70, a utopia Situacionista New Babylon de Constant16 e a obra de Cedric

Price17 definem as bases de uma arquitectura lúdica, mutante, recorrendo à tecnologia

cibernética para provocar um jogo de espaços manipulados pelos usuários.

De certa maneira, podemos observar o ressurgimento deste tipo de ludismo pelos meandros

do ciberespaço. Para aí entrarmos, não basta pararmos e observar o espectáculo, a

participação e interacção são mecanismos essenciais para aí sabermos navegar e socializar

ludicamente. Neste momento, o ciberespaço está povoado de comunidades virtuais,

plataformas lúdicas multijogadores e mundos paralelos em permanente transformação18. São

portanto mecanismos despertados recentemente, mas que legitimam a sua aplicação na

construção do espaço físico. Neste contexto surge o termo Realidade Aumentada19, para

15

BURROUGHS, William “A revolução electrónica”, Vega, Lisboa, 1994 16

ver WIGLEY, Marc “Constant´s New Babylon – The Hyper Architecture of Desire” , Witte de With, Center for Contemporary Art, Roterdão, Holanda, 1998 17

Em projectos como o Fun Palace ,1960-65 , um centro cultural como “ laboratório lúdico”, onde o espaço seria reconfigurado através de dispositivos pelos usuários . Ver PRICE, Cedric “ The Square Book”, Willey – Academy Publishers, Reino Unido, 2003 e AAVV, editado por OBRIST, Hans Ulrich “ RE: CP”, Birkhauser, Basileia, Suiça, 2003 18

os denominados MUDs, comunidades de jogadores que constroem através da interpretação de um papel social, mundos fantásticos, com arquitecturas ,bestiários e economias proprias, como é o caso do Second Life. 19

Realidade Aumentada é termo técnico utilizado para designar tecnologias que sobrepõem ou hibridizam dados físicos do mundo real com dados digitais do mundo virtual. È o caso por exemplo de programas que nos permitem observar no computador imagens vídeo em tempo real de um lugar e alterar, por exemplo as cores da fachada ou a música de fundo. Outro tipo de aplicação existente são capacetes com visores, que além de vermos o espaço real, sobrepõem informação digital no campo de visão, como por exemplo o mapa da cidade ou as coordenadas geográficas. A Realidade Aumentada é um fenómeno emergente e bastante recente, vendo já algumas aplicações na arquitectura. No ensaio The Poetics of Augmented Space:Learning from Prada, Lev Manovich interpreta projectos dos NOX, como o pavilhão H20 e de Rem Koolhaas, como os dispositivos de exposição das lojas Prada (desenhados em colaboração com a firma Kramdesign) como exemplos recentes de arquitecturas que integram tecnologias de RA. Ver http://www.manovich.net

Page 6: A evasao ao espetaculo

designar dispositivos que fundem dados digitais do espaço virtual com dados materiais do

espaço físico, criando uma experiencia híbrida entre os dois meios.

Os Mundos Híbridos começam a surgir hoje na obra de arquitectos como Diller + Scofidio20,

Nox21 ou Toyo Ito22, entre outros, criando dispositivos de interacção que convidam à

participação dos seus habitantes na reconfiguração do espaço físico.

Abrem–se portas para que a cidade passe a ser cada vez mais um imenso campo de jogos,

que recebe e transmite em tempo real, sinais de todas as formas em todo o tipo de espaços. O

espaço público poderá então ressurgir como plataforma democrática de actividade social da

comunidade, incorporando os novos mecanismos de socialização e interacção em suportes

urbanos e domésticos.

Será esta a direcção proposta para provocar a evasão de uma arquitectura do espectáculo e

da contemplação e de uma sociedade individualista e alienada pelos brilhos do sonho consumista

– Mundos Híbridos e Aumentados em que a arquitectura é um dispositivo interface, neutral

enquanto afirmação, mas rica enquanto mediação, corpo vivo que recebe, transmite e se

transforma pelo correr dos fluxos de informação.

20

ver Slow House, 1991, EUA e Blur Building, Expo 2002, Suiça 21

ver H2O Pavillion, 1994-97, Holanda 22

ver Torre do Ventos, 1986 , Yokohama, Japão e Mediateca de Sendai, 1997-2000 , Japão

Page 7: A evasao ao espetaculo

Mundos Possiveis

- Domínio do espectáculo

- Limite entre ficção e real

- Contemplação da encenação de narrativas, fantasias

- Sedução pela utopia (lugar que não existe)

- Sujeito enquanto espectador (hipnotizado)

- Simulacro de 2º ou 3º grau

- Meios de difusão: televisão, cinema, paineis publicitários

Mundos de Substituição

- Domínio da hiper-realidade

- Dissolução do limite entre ficção e real

- Imersão e participação passiva num mundo de

ficção ou simulação

- Sedução pela imersão - hipertopia (lugar que existe ou

aparenta existir em todo o lado, ubíquo)

- Sujeito enquanto “actor figurante”

- Interacção solitária com o meio

- Simulacro de 3ª ou 4ª grau

- Meios de difusão: Parques temáticos, Expos, Centros Comerciais

Mundos Hibridos ou Aumentados

- Domínio do lúdico

- Interacção e hibridização entre ficção e realidade

- Imersão, participação activa e construção de um

mundo híbrido entre a ficção e a realidade

- Sedução pela hibridização-ludotopias

- Sujeito enquanto “actor jogador”

- Interacção multipessoal (em comunidade) com o meio

- Meios de difusão: telemóveis e sistemas GPRS, Internet,

museus e feiras de arte (experiências de arte digital), e espaços públicos urbanos